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N.

11 OUTUBRO DE 2018

n. 11
DJE de

1
Outubro
2018
N. 11 OUTUBRO DE 2018

T ES ES E F UNDA M ENT OS
B OL ET I M DE A C ÓRDÃ OS P UB LI C A DOS

Este Boletim contém resumos de decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal.

Elaborado a partir de acórdãos publicados no mês de referência, e cujo julgamento tenha sido noticiado no Infor-
mativo STF, o periódico traz os principais fundamentos e conclusões dos julgados.

A fidelidade deste trabalho ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas almejadas, apenas
poderá ser aferida pela leitura integral do inteiro teor publicado no Diário da Justiça Eletrônico.

SUMÁRIO

DIREITO ADMINISTRATIVO

SERVIDORES PÚBLICOS .......................................................................... 5


CONCURSO PÚBLICO
POSSE E EXERCÍCIO

DIREITO AMBIENTAL

POLÍTICA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE .................................................. 7


SISTEMA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE
COMPETÊNCIAS

DIREITO CONSTITUCIONAL

DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS.................................................... 8


DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS
LIBERDADE DE EXPRESSÃO

DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS ................................................... 9


DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS
ACESSO À INFORMAÇÃO – REPERCUSSÃO GERAL

DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS.................................................. 11


DIREITOS SOCIAIS
FUNDO DE GARANTIA POR TEMPO DE SERVIÇO (FGTS)

PODER JUDICIÁRIO ............................................................................. 12


SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE

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ORGANIZAÇÃO DO ESTADO .................................................................. 13


ESTADOS FEDERADOS
COMPETÊNCIA LEGISLATIVA CONCORRENTE

ORGANIZAÇÃO DO ESTADO .................................................................. 14


ESTADOS FEDERADOS
COMPETÊNCIA LEGISLATIVA CONCORRENTE

ORGANIZAÇÃO DO ESTADO .................................................................. 15


ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
SERVIDORES PÚBLICOS

TRIBUTAÇÃO E ORÇAMENTO ................................................................. 16


SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL
LIMITAÇÕES DO PODER DE TRIBUTAR

DIREITO ELEITORAL

PARTIDOS POLÍTICOS ........................................................................... 19


FUNDO PARTIDÁRIO
QUOTA ELEITORAL DE GÊNERO

DIREITO PENAL

CRIME .............................................................................................. 23
TIPICIDADE
PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

PARTE ESPECIAL ................................................................................. 23


CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
CRIMES PRATICADOS POR FUNCIONÁRIO PÚBLICO CONTRA A
ADMINISTRAÇÃO EM GERAL

DIREITO PROCESSUAL PENAL

PROCESSO EM GERAL .......................................................................... 25


COMPETÊNCIA
COMPETÊNCIA PELA PRERROGATIVA DE FUNÇÃO

PROCESSO EM GERAL .......................................................................... 25


PROVA
INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA

NULIDADES E RECURSOS EM GERAL ....................................................... 26


RECURSOS EM GERAL
APELAÇÃO

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NULIDADES E RECURSOS EM GERAL ....................................................... 27


RECURSOS EM GERAL
HABEAS CORPUS E SEU PROCESSO

DIREITO TRIBUTÁRIO

EXTINÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO ....................................................... 30


MODALIDADES DE EXTINÇÃO
PRESCRIÇÃO

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A aplicação do princípio da proteção da con-


DIREITO ADMINISTRATIVO fiança, portanto, pressupõe a adoção de atos
contraditórios pelo Estado que frustrem legíti-
SERVIDORES PÚBLICOS mas expectativas nutridas por indivíduos de
CONCURSO PÚBLICO boa-fé. Naturalmente, tais expectativas podem
ser frustradas não apenas por decisões admi-
POSSE E EXERCÍCIO nistrativas contraditórias, mas também por de-
cisões judiciais dessa natureza.
É possível a aplicação excepcional da teoria do Em casos de elevado grau de estabilidade da
fato consumado, pela consolidação de uma situ- relação jurídica, em especial pela passagem de
ação fática em face do decurso do tempo, longo intervalo de tempo, o princípio da prote-
quando há a concessão de aposentadoria volun- ção da confiança legítima incide com maior in-
tária pela Administração Pública ao servidor que tensidade3.
tomou posse e entrou em exercício em cargo
público em decorrência de decisão judicial to- Assim, apesar de, em regra, a posse e o exer-
mada à base de cognição não exauriente1. cício em cargo público em razão de decisão ju-
dicial tomada à base de cognição não exauri-
O princípio da segurança jurídica, em sua ente não produzirem fato consumado — tal
perspectiva subjetiva, protege a confiança legí- qual assentado no RE 608.482 RG4 (rel. min. Te-
tima, preserva fatos pretéritos de eventuais ori Zavascki, P, Tema 476) —, a marca da excep-
modificações na interpretação do direito, bem cionalidade dos casos concretos autoriza a dis-
como resguarda efeitos jurídicos de atos consi- tinção (distinguish5).
derados inválidos por qualquer razão. Em úl-
Com efeito, o leading case não abriga a hi-
tima análise, o princípio da confiança legítima
pótese em que o afastamento da teoria do fato
destina-se sobretudo a proteger expectativas
consumado do caso concreto retira a aposenta-
legitimamente criadas em indivíduos por atos
doria do servidor mantido no cargo por força de
estatais2.
decisão precária em processos cuja duração
não observa o art. 5º, LXXVIII, da CF6, que

1 “Efetivamente, o caso é de todo peculiar. Como des- ocorre, todavia, em casos restritos, marcados pela excep-
taquei na sessão presencial do dia 14/8/2018, a agravante cionalidade’.” (Trecho do voto do ministro Alexandre de
manteve-se no cargo de auditora fiscal do trabalho ano Moraes no julgamento do RE 740.029 AgR.)
após ano com provimentos liminares e cautelares cassa- 5 “A aplicação da sistemática dos precedentes exige

dos e posteriormente renovados nas instâncias a quo, e, que o caso julgado seja o mais próximo possível da hipó-
após 21 anos no exercício desse cargo, dos quais nove de- tese concreta. Em artigo acadêmico no qual tive a oportu-
les por conta de liminar obtida no Superior Tribunal de nidade de enfrentar o tema dos precedentes no Direito
Justiça, mais os acréscimos do tempo pretérito em outras Brasileiro, defendi que, nessa análise, devem ser levados
atividades, a agravante acabou se aposentando voluntari- em consideração quatro elementos essenciais: (i) os fatos
amente, sem que o mérito tivesse sido analisado.” (Trecho relevantes de cada qual; (ii) os valores e normas que inci-
do voto do ministro Alexandre de Moraes no julgamento dem sobre cada conjunto de fatos; (iii) a questão de di-
do RE 740.029 AgR.) reito que suscitam; e (iv) os fundamentos que justificaram
2 Fundamentos extraídos do voto do ministro Roberto a decisão do precedente e sua adequação para orientar a
Barroso no julgamento do RE 740.029 AgR. decisão do novo caso.” (BARROSO, Luís Roberto; MELO,
3 Idem. Patrícia Perrone Campos. Trabalhando com uma nova ló-
4 “Destaque-se a zelosa observação presente no voto gica: a ascensão dos precedentes no direito brasileiro. Re-
do saudoso Ministro Teori Zavascki no indigitado leading vista da AGU, ano 15, n. 3, jul./set., 2017 apud voto do
case, pontuando haver situações estritamente excepcio- ministro Roberto Barroso no julgamento do RE 740.029
nais sobre as quais esse importante instituto jurídico não AgR.)
se aplica: ‘(...). Por isso mesmo, eventual superveniente 6
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção
constatação da ilegitimidade desse status ou dessa vanta- de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
gem caracteriza, certamente, comprometimento da boa- estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito
fé ou da confiança legítima provocada pelo primitivo ato à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à proprie-
da administração, o que pode autorizar, ainda que em dade, nos termos seguintes: (...) LXXVIII – a todos, no âm-
nome do fato consumado, a manutenção do status quo, bito judicial e administrativo, são assegurados a razoável
ou, pelo menos, a dispensa de restituição de valores. Isso duração do processo e os meios que garantam a

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assegura a todos, no âmbito judicial e adminis-


trativo, a razoável duração do processo e os
meios que garantam a celeridade de sua trami-
tação.
RE 740.029 AgR, rel. min. Alexandre de Moraes,
DJE de 2-10-2018.
(Informativo 911, Primeira Turma)
_____________________________________

celeridade de sua tramitação.”

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DIREITO AMBIENTAL a poluição em qualquer de suas formas, bem


assim para preservar as florestas, a fauna e a
POLÍTICA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE flora8.

SISTEMA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE A transferência de responsabilidades ou atribui-


ções de órgãos componentes do Sisnama não
COMPETÊNCIAS pode ficar condicionada à aprovação prévia da
Assembleia Legislativa.
É inconstitucional a submissão prévia ao Poder
Legislativo estadual, para aprovação, dos instru- Trata-se de assunto de competência priva-
mentos de cooperação firmados pelos órgãos tiva do Executivo, por envolver justamente o
componentes do Sistema Nacional do Meio Am- cerne de nosso federalismo cooperativo, que é
biente (SISNAMA)7. a colaboração e o apoio mútuo no desempenho
de políticas públicas de interesse geral. Por isso
Submeter à Assembleia Legislativa local a mesmo tal cooperação, de caráter eminente-
aprovação prévia desses instrumentos de coo- mente operacional, não pode ficar condicio-
peração firmados entre os órgãos componen- nada ao beneplácito do Legislativo.
tes do Sisnama e o Estado-membro viola o prin-
cípio da separação de poderes, abrigado em Nada obstante, este poderá sempre, no
nosso texto constitucional, pois permite a inge- exercício de sua competência constitucional,
rência do Legislativo sobre o Executivo, em ma- fiscalizar os atos praticados sob o pálio dos
téria de proteção ambiental, tema de índole acordos celebrados pelo Executivo, inclusive
claramente administrativa, por envolver a exe- com o auxílio do Tribunal de Contas local.
cução de política pública. Por essas razões, são inconstitucionais os
Com efeito, o Sisnama, instituído pela Lei arts. 269 e 28, caput e parágrafo único10, da Lei
6.938/1981, que dispõe sobre a Política Nacio- Complementar estadual 149 do Estado de Ro-
nal do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos raima.
de formulação e aplicação, é constituído por ór- ADI 4.348, rel. min. Ricardo Lewandowski, DJE
gãos e entidades da União, dos Estados, do Dis- de 29-10-2018.
trito Federal, dos Territórios e dos Municípios, (Informativo 919, Plenário)
bem como por fundações instituídas pelo poder
_____________________________________
público responsáveis pela proteção e melhoria
da qualidade ambiental.
A composição do Sisnama – que conta com
a participação de órgãos e instituições de todos
os entes da Federação – é um consectário ló-
gico do estabelecimento, pela Constituição, da
competência comum das entidades da Federa-
ção para proteger o meio ambiente e combater

7 ADI 676, rel. min. Carlos Velloso; ADI 165, rel. min. Meio Ambiente – SISNAMA, no Estado de Roraima, deve-
Sepúlveda Pertence; ADI 770, rel. min. Ellen Gracie; ADI rão ser previamente aprovados pela Assembleia Legisla-
342, rel. min. Sydney Sanches; ADI 3.252 MC, rel. min. Gil- tiva de Roraima – ALE/RR.”
mar Mendes. 10 LC estadual 149/2009: “Art. 28. É vedada à FEMACT
8 CF/1988: “Art. 23. É competência comum da União, a transferência responsabilidades ou atribuições de sua
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: (...) VI – competência para qualquer outro órgão ambiental, do
proteger o meio ambiente e combater a poluição em qual- SISNAMA, ressalvado, quando autorizado pelo Legislativo
quer de suas formas; VII – preservar as florestas, a fauna Estadual, mediante Lei específica. Parágrafo único. Ficam
e a flora.” revogados quaisquer instrumentos de cooperação firma-
9 LC estadual 149/2009: “Art. 26. Fica estabelecido dos pela FEMACT, que sejam alcançados pela norma do
que todo e qualquer Termo de Cooperação e/ou similares caput deste artigo.”
entre os órgãos componentes do Sistema Nacional de

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DIREITO CONSTITUCIONAL proteção da segurança nacional, da ordem pú-


blica, da saúde ou da moral públicas.
DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS A liberdade de consciência e de religião, es-
DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS pecificamente, implica a liberdade de conservar
sua religião ou crença, de mudá-la, bem como
LIBERDADE DE EXPRESSÃO de professá-la, individual ou coletivamente,
tanto em público como em privado. A limitação
Viola a Constituição Federal (CF) a proibição de a esse direito está sujeita unicamente às limita-
veiculação de discurso proselitista em serviço de ções prescritas pela lei e que sejam necessárias
radiodifusão comunitária. para proteger a segurança, a ordem, a saúde ou
a moral públicas ou os direitos ou liberdades
O direito à liberdade de expressão tem pri- das demais pessoas.
mazia na CF11. Nesse sentido, é necessário in-
Em relação ao proselitismo religioso, cum-
terpretar as restrições à ampla liberdade de ex-
pre reconhecer, nas hipóteses de religiões que
pressão à luz do que estritamente previsto em
se alçam a universais, que o discurso proseli-
lei. Ressalte-se, ainda, que o exercício do direito
tista é da essência de seu integral exercício. De
à liberdade de pensamento e de expressão não
tal modo, a finalidade de alcançar o outro, me-
pode estar sujeito a censura prévia, mas a res-
diante persuasão, configura comportamento
ponsabilidade ulterior.
intrínseco a religiões de tal natureza.
A liberdade de expressão jamais possui um
Assim, a liberdade de manifestar a própria
aspecto meramente individual. Não se trata
religião não é exercível apenas em comunhão
apenas de direitos que pertencem a quem fala
com outros, em público e dentro do círculo da-
ou a quem está com a palavra, mas também a
queles que partilham da mesma fé, mas tam-
quem a ouve. O direito à liberdade de expres-
bém pode ser exercida só e em privado. Além
são abrange, necessariamente, uma dimensão
disso, ela inclui em princípio o direito de tentar
social, que engloba o direito de receber infor-
convencer o vizinho, por exemplo, por meio do
mações e ideias.
ensinamento, restrição que, se levada a efeito,
O direito à liberdade de pensamento e de tornaria letra morta o direito de mudar de reli-
expressão compreende a liberdade de buscar, gião.
receber e difundir informações e ideias de toda
Da mesma forma, a liberdade de pensa-
natureza, sem consideração de fronteiras, ver-
mento inclui o discurso persuasivo e o uso de
balmente ou por escrito, por meio impresso, ar-
argumentos críticos. Consenso e debate pú-
tístico ou por qualquer outro processo de sua
blico informado pressupõem a livre troca de
escolha. Dessa forma, somente pode ser limi-
ideias e não apenas a divulgação de informa-
tado para assegurar o respeito aos direitos ou à
ções.
reputação das demais pessoas; ou, ainda, a
Nesse sentido, o art. 22012 da CF expressa-
mente consigna a liberdade de expressão “sob

11 ADI 4.451 MC-Ref, rel. min. Ayres Britto, P; ADPF cabendo ao Poder Público informar sobre a natureza de-
130, rel. min. Ayres Britto, P; ADI 2.404, rel. min. Dias Tof- les, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e
foli, P. horários em que sua apresentação se mostre inadequada;
12 “Art. 220. A manifestação do pensamento, a cria- II – estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à
ção, a expressão e a informação, sob qualquer forma, pro- família a possibilidade de se defenderem de programas ou
cesso ou veículo não sofrerão qualquer restrição, obser- programações de rádio e televisão que contrariem o dis-
vado o disposto nesta Constituição. § 1º Nenhuma lei con- posto no art. 221, bem como da propaganda de produtos,
terá dispositivo que possa constituir embaraço à plena li- práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao
berdade de informação jornalística em qualquer veículo meio ambiente. § 4º A propaganda comercial de tabaco,
de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias
IV, V, X, XIII e XIV. § 2º É vedada toda e qualquer censura estará sujeita a restrições legais, nos termos do inciso II do
de natureza política, ideológica e artística. § 3º Compete à parágrafo anterior, e conterá, sempre que necessário, ad-
lei federal: I – regular as diversões e espetáculos públicos, vertência sobre os malefícios decorrentes de seu uso. § 5º

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qualquer forma, processo ou veículo”. A rádio direitos, sejam eles individuais ou transindivi-
comunitária ou o serviço de radiodifusão comu- duais, mas também o pleno exercício da liber-
nitária evidentemente subsume-se a essa hipó- dade de opinião, além de fortalecer a democra-
tese. cia participativa, com a consagração pelo re-
verso da moeda, qual seja, o dever de transpa-
A veiculação em rádio de discurso proseli-
rência dos dados e informações estatais.
tista, sem incitação ao ódio ou à violação e,
claro, sem discriminações, é minimamente in- Para o atingimento de tais desideratos, es-
vasivo quanto à intimidade, direito potencial- tabeleceu-se que todo e qualquer indivíduo,
mente a ser resguardado. Bastaria, em casos brasileiro ou até mesmo o estrangeiro resi-
tais, que se desligasse o rádio. dente, e toda pessoa jurídica têm o direito fun-
damental a receber dos órgãos públicos infor-
Diante disso, é inconstitucional o art. 4º, §
mações de seu interesse particular, ou de inte-
1º, da Lei 9.612/199813.
resse coletivo ou geral, que serão prestadas no
ADI 2.566, red. p/ o ac. min. Edson Fachin, DJE prazo da lei, sob pena de responsabilidade, res-
de 23-10-2018. salvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível
(Informativo 902, Plenário) à segurança da sociedade e do Estado.
_____________________________________ Esse direito tem restrições que se originam
DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS da própria CF, quando ela excepciona o direito
se as informações forem imprescindíveis à se-
DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS gurança da sociedade e do Estado, viabilizando
ACESSO À INFORMAÇÃO – REPERCUSSÃO GERAL assim, em certas situações, o sigilo ou a publici-
dade restrita, que passaram a ser disciplinados
pela Lei 12.527/2011, conhecida como a Lei de
O parlamentar, na condição de cidadão, pode
Acesso à Informação, a qual ainda tem sido
exercer plenamente seu direito fundamental de
complementada, para a definição de alguns de
acesso a informações de interesse pessoal ou
seus conteúdos, por atos normativos.
coletivo, nos termos do art. 5º, XXXIII14, da Cons-
tituição Federal (CF) e das normas de regência No que diz respeito às restrições constituci-
desse direito. onais ao exercício desse direito, a CF o faz não
só quando trata da viabilidade de lei ordinária
A CF instituiu o princípio da colegialidade ressalvar as hipóteses cujo sigilo seja imprescin-
para determinadas decisões tomadas pelo Po- dível à segurança da sociedade e do Estado,
der Legislativo. Entretanto, o fato de as casas mas também quando prevê mecanismos para
legislativas, em algumas situações, agirem de que o parlamento, respeitando a separação en-
forma colegiada, por intermédio de seus ór- tre os poderes e garantindo a efetiva divisão or-
gãos, não afasta, tampouco restringe, os direi- gânica do Estado, se utilize de instrumentos
tos inerentes ao parlamentar como indivíduo e próprios para a obtenção de informações e do-
cidadão. cumentos do Poder Executivo. A despeito des-
Por sua vez, a inclusão do inciso XXXIII do art. sas restrições a esse direito fundamental, a re-
5º no texto da CF de 1988 possui nítido conte- gra há de ser a garantia de acesso a todas as
údo finalístico de assegurar não só a defesa de

Os meios de comunicação social não podem, direta ou in- de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
diretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio. § 6º estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito
A publicação de veículo impresso de comunicação inde- à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à proprie-
pende de licença de autoridade.” dade, nos termos seguintes: (...) XXXIII – todos têm direito
13 “Art. 4º As emissoras do Serviço de Radiodifusão Co- a receber dos órgãos públicos informações de seu inte-
munitária atenderão, em sua programação, aos seguintes resse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que se-
princípios: (...) § 1º É vedado o proselitismo de qualquer rão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabili-
natureza na programação das emissoras de radiodifusão dade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à
comunitária.” segurança da sociedade e do Estado;”
14 “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção

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informações, o que vem sendo o posiciona- Deputados e do Senado Federal (CF, art. 50, §
mento desta Suprema Corte15. 2º); e iii) a instalação de comissões parlamenta-
res de inquérito pelas Casas, em conjunto ou
No tocante ao acesso à informação sob a
separadamente, para apuração de fato deter-
perspectiva da separação de poderes, não há
minado e por prazo certo (CF, art. 58, § 3º19).
como se negar que a CF, em matéria de fiscali-
zação, inclusive financeira, operacional e orça- Especificamente, a CF não restringe o direito
mentária, acabou por instituir o princípio da co- fundamental do parlamentar de buscar as in-
legialidade para impessoalizar seu discurso. formações de interesse individual, público ou
Para isso, estabeleceu um protocolo mínimo de coletivo nas hipóteses em que o cidadão co-
diálogo entre as instituições. mum pode, solitariamente, exercer o direito
fundamental. Não há como se autorizar que
A função secundária do Poder Legislativo,
seja o parlamentar transformado em cidadão
prevista no art. 7016 da CF, decorre de sua com-
de segunda categoria.
petência constitucional para a fiscalização con-
tábil, financeira, orçamentária, operacional e O parlamentar eleito é agente que exerce
patrimonial da União e das entidades da Admi- um poder político e, assim, como um cidadão
nistração Direta e Indireta. Para isso, estabele- qualificado pelas nobres funções que lhe foram
ceu-se, no âmbito federal, que o Congresso Na- atribuídas constitucionalmente para represen-
cional deve ser auxiliado pelo Tribunal de Con- tar, na Casa Legislativa, os interesses de seus
tas da União, órgão dotado de poderes para re- eleitores, de seu partido e da sociedade, há de
quisitar informações e documentos17. ter garantido todos os seus direitos, de modo
que cumpra, com eficiência, seu mandato. O
Tanto o Congresso Nacional como cada uma
fato de ser parlamentar não o despe de seus di-
de suas Casas dispõem, ainda, de outros meca-
reitos de cidadão.
nismos de fiscalização e de controle, entre os
quais: i) a possibilidade de convocação de mi- Impedir o reconhecimento ao parlamentar
nistro de Estado ou de titulares de órgãos dire- do direito de acesso à informação importaria
tamente vinculados à Presidência da República em violação direta à CF, inclusive porque impe-
para prestar informações sobre assunto previa- diria o cidadão legitimado constitucionalmente
mente determinado (CF, art. 5018); ii) o encami- de promover ação popular, prevista no art. 5º,
nhamento de pedidos de informações a essas LXXIII20, da CF.
autoridades pelas Mesas da Câmara dos

15 MS 28.178, rel. min. Roberto Barroso, P; RE 766.390 de seu Ministério. § 2º As Mesas da Câmara dos Deputa-
AgR, rel. min. Ricardo Lewandowski, 2ª T; SS 3.902 AgR- dos e do Senado Federal poderão encaminhar pedidos es-
segundo, rel. min. Ayres Britto, P. critos de informações a Ministros de Estado ou a qualquer
16 “Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orça- das pessoas referidas no caput deste artigo, importando
mentária, operacional e patrimonial da União e das enti- em crime de responsabilidade a recusa, ou o não atendi-
dades da administração direta e indireta, quanto à legali- mento, no prazo de trinta dias, bem como a prestação de
dade, legitimidade, economicidade, aplicação das subven- informações falsas.”
ções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso 19 “Art. 58. O Congresso Nacional e suas Casas terão

Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de comissões permanentes e temporárias, constituídas na
controle interno de cada Poder.” forma e com as atribuições previstas no respectivo regi-
17 ADI 2.361, rel. min. Marco Aurélio, P. mento ou no ato de que resultar sua criação. (...) § 3º As
18 “Art. 50. A Câmara dos Deputados e o Senado Fede- comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes
ral, ou qualquer de suas Comissões, poderão convocar Mi- de investigação próprios das autoridades judiciais, além
nistro de Estado ou quaisquer titulares de órgãos direta- de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas,
mente subordinados à Presidência da República para serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado
prestarem, pessoalmente, informações sobre assunto Federal, em conjunto ou separadamente, mediante re-
previamente determinado, importando crime de respon- querimento de um terço de seus membros, para a apura-
sabilidade a ausência sem justificação adequada. § 1º Os ção de fato determinado e por prazo certo, sendo suas
Ministros de Estado poderão comparecer ao Senado Fe- conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Pú-
deral, à Câmara dos Deputados, ou a qualquer de suas Co- blico, para que promova a responsabilidade civil ou crimi-
missões, por sua iniciativa e mediante entendimentos nal dos infratores.”
com a Mesa respectiva, para expor assunto de relevância 20 “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção

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Ademais, o parlamentar, munido das infor- somente uma condição procedimental para pa-
mações, pode, também, representar à autori- gamento23.
dade administrativa competente para que seja
Da mesma forma, não é vedada qualquer
instaurada investigação destinada a apurar a
possibilidade de os sindicatos ou os advogados
prática de ato de improbidade administrativa
atuarem na defesa e representação dos seus fi-
(Lei 8.429/1992, art. 1421) e solicitar a investi-
liados ou clientes. Estes podem ser acompanha-
gação dos crimes definidos na Lei de Licitações,
dos por tais profissionais, se assim o desejarem,
fornecendo ao Ministério Público informações
mas devem comparecer pessoalmente para sa-
sobre o fato e sua autoria, bem como as cir-
car os valores depositados em sua conta vincu-
cunstâncias em que se deu eventual ilícito (Lei
lada. Assim, o que existe é uma obrigação per-
8.666/1993, art. 101, caput e parágrafo
sonalíssima, que tem por escopo resguardar di-
único22).
reito do titular da conta vinculada e, ao mesmo
RE 865.401, rel. min. Dias Toffoli, DJE de 19-10- tempo, evitar fraudes e a malversação dos va-
2018, repercussão geral, Tema 832. lores depositados por parte de terceiros24.
(Informativo 899, Plenário)
É constitucional a proibição de concessão de
_____________________________________ medidas judiciais para saque ou movimentação
DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS das contas referentes ao FGTS.

DIREITOS SOCIAIS A garantia fundamental da inafastabilidade


de jurisdição não é afrontada pela vedação de
FUNDO DE GARANTIA POR TEMPO DE SERVIÇO
medidas judiciais autorizadoras da movimenta-
(FGTS) ção das contas vinculadas do FGTS. A proteção
almejada, como garantia à integridade do patri-
É constitucional a exigência de comparecimento mônio intransferível do trabalhador, nesses ca-
pessoal para saque ou movimentação das con- sos, autoriza tal restrição.
tas referentes ao FGTS.
É constitucional a vinculação dos depósitos refe-
Essa exigência não elimina nenhuma das hi- rentes à correção dos saldos das contas respec-
póteses de saque do FGTS anteriormente pre- tivas.
vistas. De fato, as situações que permitem o le-
vantamento dos respectivos valores continuam Cuida-se de norma procedimental que ga-
as mesmas. Na verdade, estabelece-se rante a devida correção monetária do FGTS por

de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos do art. 22 desta lei. § 3º Atendidos os requisitos da repre-
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito sentação, a autoridade determinará a imediata apuração
à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à proprie- dos fatos que, em se tratando de servidores federais, será
dade, nos termos seguintes: (...) LXXIII – qualquer cidadão processada na forma prevista nos arts. 148 a 182 da Lei n.
é parte legítima para propor ação popular que vise a anu- 8.112, de 11 de dezembro de 1990 e, em se tratando de
lar ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que servidor militar, de acordo com os respectivos regulamen-
o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio tos disciplinares.”
ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o 22
“Art. 101. Qualquer pessoa poderá provocar, para
autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais os efeitos desta Lei, a iniciativa do Ministério Público, for-
e do ônus da sucumbência;” necendo-lhe, por escrito, informações sobre o fato e sua
21
“Art. 14. Qualquer pessoa poderá representar à au- autoria, bem como as circunstâncias em que se deu a
toridade administrativa competente para que seja instau- ocorrência. Parágrafo único. Quando a comunicação for
rada investigação destinada a apurar a prática de ato de verbal, mandará a autoridade reduzi-la a termo, assinado
improbidade. § 1º A representação, que será escrita ou pelo apresentante e por duas testemunhas.”
reduzida a termo e assinada, conterá a qualificação do re- 23 Trecho do voto do ministro Ricardo Lewandowski no

presentante, as informações sobre o fato e sua autoria e presente julgamento.


a indicação das provas de que tenha conhecimento. § 2º 24 Trecho do voto do ministro Ricardo Lewandowski no

A autoridade administrativa rejeitará a representação, em presente julgamento.


despacho fundamentado, se esta não contiver as formali-
dades estabelecidas no § 1º deste artigo. A rejeição não
impede a representação ao Ministério Público, nos termos

11
N. 11 OUTUBRO DE 2018

meio de lançamento na própria conta vincu- O Supremo Tribunal Federal (STF) admite o
lada. Assim, da mesma forma que os depósitos acolhimento de embargos de declaração para o
do valor principal são realizados na conta de fim de conferir efeitos ex nunc à declaração de
FGTS, as correções também devem seguir a inconstitucionalidade28.
mesma sistemática, evitando saques de parce-
Assim, caso se entenda que o fundamento
las acessórias fora das hipóteses que a lei auto-
para a limitação dos efeitos é de índole consti-
riza25.
tucional e que estão presentes os requisitos
Diante disso, foi declarado constitucional o para a declaração de inconstitucionalidade com
art. 5º26 da Medida Provisória (MP) 1.951-33, efeitos restritos, o STF não poderá fazê-lo com
de 13 de dezembro de 2000, atual MP 2.197- eficácia ex tunc. Afigura-se inevitável o acolhi-
43, na parte em que introduziu o § 18 no art. 20 mento dos embargos de declaração nas hipóte-
e os arts. 29-A e 29-B na Lei 8.036/1990. ses em que, de fato, se configura uma omissão
do STF na apreciação dessas circunstâncias.
ADI 2.425, ADI 2.382 e ADI 2.479, red. p/ o ac.
min. Edson Fachin, DJE de 10-10-2018. O Supremo Tribunal Federal pode declarar a in-
(Informativo 894, Plenário) constitucionalidade de lei com efeito retroa-
_____________________________________ tivo29 e, simultaneamente, preservar as situa-
ções singulares que, segundo entendimento da
PODER JUDICIÁRIO Corte, devam ser mantidas incólumes.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
O princípio da nulidade é a regra, e o afasta-
CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONA- mento de sua incidência dependerá de severo
LIDADE juízo de ponderação que, tendo em vista a aná-
lise fundada no princípio da proporcionalidade,
É possível que se reconheça omissão no âmbito faça prevalecer a ideia de segurança jurídica ou
de embargos de declaração para o fim de expli- outro princípio manifestado sob a forma de in-
citar a necessária limitação de efeitos da decisão teresse social relevante.
de inconstitucionalidade. O princípio da nulidade somente há de ser
afastado se se puder demonstrar, com base em
O recurso de embargos de declaração é ca- ponderação concreta, que a declaração de in-
bível para demonstrar a ocorrência de omissão, constitucionalidade ortodoxa envolveria o sa-
contradição ou obscuridade na decisão embar- crifício da segurança jurídica ou de outro valor
gada, de acordo com o art. 1.02227 do Código constitucional materializável na forma de inte-
de Processo Civil (CPC). resse social. Assim, a não aplicação do princípio

25 Trecho do voto do ministro Ricardo Lewandowski no 27 “Art. 1.022.Cabem embargos de declaração contra
presente julgamento. qualquer decisão judicial para: I – esclarecer obscuridade
26 “Art. 5º A Lei n. 8.036, de 11 de maio de 1990, passa ou eliminar contradição; II – suprir omissão de ponto ou
a vigorar com as seguintes alterações: Art. 20. (...) § 18. É questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício
indispensável o comparecimento pessoal do titular da ou a requerimento; III – corrigir erro material. Parágrafo
conta vinculada para o pagamento da retirada nas hipóte- único. Considera-se omissa a decisão que: I – deixe de se
ses previstas nos incisos I, II, III, VIII, IX e X deste artigo, manifestar sobre tese firmada em julgamento de casos re-
salvo em caso de grave moléstia comprovada por perícia petitivos ou em incidente de assunção de competência
médica, quando será paga a procurador especialmente aplicável ao caso sob julgamento; II – incorra em qualquer
constituído para esse fim. (…) Art. 29-A. Quaisquer crédi- das condutas descritas no art. 489, § 1º.”
tos relativos à correção dos saldos das contas vinculadas 28 ADI 3.601 ED, rel. min. Dias Toffoli, P.

do FGTS serão liquidados mediante lançamento pelo 29 Lei 9.868/1999: “Art. 27. Ao declarar a inconstituci-

agente operador na respectiva conta do trabalhador. Art. onalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões
29-B. Não será cabível medida liminar em mandado de se- de segurança jurídica ou de excepcional interesse social,
gurança, no procedimento cautelar ou em quaisquer ou- poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois
tras ações de natureza cautelar ou preventiva, nem a tu- terços de seus membros, restringir os efeitos daquela de-
tela antecipada prevista nos arts. 273 e 461 do Código de claração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de
Processo Civil que impliquem saque ou movimentação da seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha
conta vinculada do trabalhador no FGTS.” a ser fixado.”

12
N. 11 OUTUBRO DE 2018

da nulidade não se há de basear em considera- regulamentar, é que poderia este ser acoimado
ção de política judiciária, mas em fundamento de inconstitucional, assim sujeito ao controle
constitucional próprio. de constitucionalidade”30.
Vê-se, pois, que terá significado especial o Não há inconstitucionalidade nos §§ 1º e 3º do
princípio da proporcionalidade, especialmente art. 10 da Lei 10.705/200031 do Estado de São
a proporcionalidade em sentido estrito, como Paulo, que tratam da avaliação de bens em pro-
instrumento de aferição da justeza da declara- cessos de inventário e em todos os outros pro-
ção de inconstitucionalidade com efeito da nu- cessos judiciais sobre partilha ou divisão de
lidade, ante o confronto entre os interesses bens.
afetados pela lei inconstitucional e aqueles que
seriam eventualmente sacrificados em conse- Não há violação ao art. 22, I, da Constituição
quência da declaração de inconstitucionali- Federal (CF)32, uma vez que os preceitos impug-
dade. A aplicação do princípio da proporciona- nados não dispõem sobre processo, porque
lidade se mostra imprescindível para a preser- não tratam da jurisdição, do direito de ação ou
vação, por exemplo, de situações jurídicas for- da prestação jurisdicional, mas apenas de atos
madas legitimamente e com boa-fé. de desenvolvimento da relação processual.
ADI 954 ED, rel. min. Gilmar Mendes, DJE de 3- Com efeito, os preceitos da lei estadual apenas
10-2018. determinam que, nos procedimentos em que
(Informativo 907, Plenário) não houver avaliação de bens, o lançamento do
imposto sobre transmissão causa mortis e doa-
_____________________________________ ção de quaisquer bens e direitos (ITCMD) levará
ORGANIZAÇÃO DO ESTADO em conta o valor declarado pelo legitimado
ativo, mediante a anuência da Fazenda, ou o in-
ESTADOS FEDERADOS verso.
COMPETÊNCIA LEGISLATIVA CONCORRENTE Da mesma forma, as normas não excedem a
competência do Estado para legislar em proce-
A ação direta de inconstitucionalidade é meio dimento, por suposta contrariedade direta aos
processual inadequado para o controle de de- arts. 1.03333 e 1.03434 do Código de Processo
creto regulamentar de lei estadual. Civil (CPC) de 1973, considerando-se ainda que
o art. 1.034, § 2º, do CPC/197335 permite a exi-
“Ato regulamentar não está sujeito ao con- gência do pagamento de tributos no curso do
trole de constitucionalidade, dado que se vai arrolamento.
ele além do conteúdo da lei, pratica ilegalidade
Assim, apesar de incidir sobre o procedi-
e não inconstitucionalidade. Somente na hipó-
mento, o conteúdo dos citados parágrafos da
tese de não existir lei que preceda o ato

30 ADI 2.792 AgR, rel. min. Carlos Velloso, P. finalidade.”


31 Lei 10.705/2000: “Art. 10. (…) § 1º Se não couber 34 CPC/1973: “Art. 1.034. No arrolamento, não serão

ou for prescindível a avaliação, o valor será o declarado conhecidas ou apreciadas questões relativas ao lança-
pelo inventariante, desde que haja expressa anuência da mento, ao pagamento ou à quitação de taxas judiciárias e
Fazenda, observadas as disposições do artigo 9º, ou o pro- de tributos incidentes sobre a transmissão da propriedade
posto por esta e aceito pelos herdeiros, seguido, em am- dos bens do espólio. § 1º A taxa judiciária, se devida, será
bos os casos, da homologação judicial. (…) § 3º As dispo- calculada com base no valor atribuído pelos herdeiros, ca-
sições deste artigo aplicam-se, no que couber, às demais bendo ao fisco, se apurar em processo administrativo va-
partilhas ou divisões de bens sujeitas a processo judicial lor diverso do estimado, exigir a eventual diferença pelos
das quais resultem atos tributáveis.” meios adequados ao lançamento de créditos tributários
32 CF/1988: “Art. 22. Compete privativamente à União em geral.”
legislar sobre: I – direito civil, comercial, penal, processual, 35 CPC/1973: “§ 2º O imposto de transmissão será ob-

eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do tra- jeto de lançamento administrativo, conforme dispuser a
balho.” legislação tributária, não ficando as autoridades fazendá-
33 CPC/1973: “Art. 1.033. Ressalvada a hipótese pre- rias adstritas aos valores dos bens do espólio atribuídos
vista no parágrafo único do art. 1.035 desta Lei, não se pelos herdeiros.”
procederá a avaliação dos bens do espólio para qualquer

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N. 11 OUTUBRO DE 2018

lei do Estado de São Paulo versa sobre matéria atuação da Procuradoria-Geral do Estado em
tributária de imposto estadual, inserida na alguns processos; (b) normas de cunho admi-
competência concorrente da União e Estados nistrativo tributário, por regulamentarem hipó-
(CF, art. 24, I36). teses de intervenção da Procuradoria-Geral do
Estado, de acordo com o interesse do Estado-
Cabe destacar que a resolução do tema pas-
membro na arrecadação do ITCMD40.
sou, em primeiro lugar, pela distinção entre
norma de processo e norma de procedimento, Diante disso, não há se falar em inconstitu-
ou seja, entre a relação jurídica que constitui o cionalidade nas normas impugnadas, haja vista
meio de obtenção da prestação jurisdicional e que (a) não há violação direta a norma de pro-
o modo de execução e encadeamento das situ- cesso, por se tratar de decreto regulamentar de
ações processuais37. lei tributária estadual, contendo normas que
norteiam a atuação da Procuradoria-Geral do
Com efeito, cabe ressaltar que “a lei proces-
Estado na cobrança do ITCMD, especificamente
sual é aquela que cuida da delimitação dos po-
por meio da verificação de seu lançamento ade-
deres, faculdades e deveres dos sujeitos pro-
quado nos arrolamentos e inventários; (b) tam-
cessuais, da coordenação de sua atividade, da
pouco afronta à competência do Estado para
ordenação do procedimento e da organização
legislar sobre procedimento, por não importar
do processo – envolve, basicamente, a tríade
na instituição de novo rito processual ou na
jurisdição, ação e processo. Francesco Carne-
inobservância de normas do CPC/1973, mas
lutti definiu a norma jurídica processual como a
apenas vincular a ação dos procuradores esta-
‘norma jurídica que disciplina a atividade do juiz
duais; (c) e não acrescenta nova modalidade de
e das partes para a realização do direito obje-
legitimidade processual, mas apenas determina
tivo e para a composição dos conflitos de inte-
a atuação da Procuradoria-Geral do Estado nos
resses não regulados pela norma material;
processos de seu interesse.
norma jurídica que atribui poderes e impõe de-
veres ao juiz e aos seus auxiliares, e às partes e ADI 4.409, rel. min. Alexandre de Moraes, DJE
aos auxiliares destas, para o acertamento das de 23-10-2018.
normas jurídicas, para a execução dos coman- (Informativo 905, Plenário)
dos jurídicos e para a composição de conflitos
_____________________________________
de interesses ainda não compostos em relação
jurídica’”.38 ORGANIZAÇÃO DO ESTADO

Disposições legais sobre a forma de cobrança do ESTADOS FEDERADOS


ITCMD pela Procuradoria-Geral do Estado39, e COMPETÊNCIA LEGISLATIVA CONCORRENTE
de sua intervenção em processos de inventário,
arrolamento e outros de interesse da Fazenda
O Estado-membro tem competência para legis-
Pública, são regras de procedimento que com-
lar sobre o controle de resíduos de embarca-
plementam as normas previstas no Código de
ções, oleodutos e instalações costeiras.
Processo Civil, nos termos do art. 24 da Consti-
tuição Federal. A competência para legislar sobre proteção
do meio ambiente e controle da poluição (CF,
Na hipótese, trata-se de (a) normas de pro-
art. 24, VI41), bem como sobre responsabilidade
cedimento por se limitarem a determinar a

36 CF/1988: “Art. 24. Compete à União, aos Estados e 39 Lei 10.705/2000: “Art. 28. Compete à Procuradoria

ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: (…) Geral do Estado intervir e ser ouvida nos inventários, ar-
XI – procedimentos em matéria processual; (…) § 4º A su- rolamentos e outros feitos processados neste Estado, no
perveniência de lei federal sobre normas gerais suspende interesse da arrecadação do imposto de que trata esta
a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.” lei.”
37 ADI 4.414, rel. min. Luiz Fux, P. 40 ADI 1.916, rel. min. Eros Grau, P.
38 Trecho do voto do ministro Luiz Fux na ADI 4.414 41 Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito

apud voto do ministro Alexandre de Moraes no julga- Federal legislar concorrentemente sobre: (...) VI – flores-
mento da ADI 4.409. tas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa

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N. 11 OUTUBRO DE 2018

por dano ao meio ambiente (CF, art. 24, VIII42) temática quando em comparação com outras
é concorrente entre Estados-membros e União. áreas jurídicas que ocasionalmente possam in-
Não se trata de matéria afeta ao direito marí- cidir na mesma espécie.
timo, que seria de competência legislativa pri-
Essa assertiva torna-se flagrante em situa-
vativa da União (CF, art. 21, I43).
ções nas quais se está diante de matérias cor-
Cabe destacar que, para verificar a qual ca- respondentes a valores constitucionalmente
tálogo de competências recai uma questão es- apreciados e que tenham relação direta com a
pecífica e determinar quem possui prerrogativa temática considerada genérica: é precisamente
para legislar sobre um assunto, deve ser feita o caso do meio ambiente quando confrontado
uma subsunção da lei em relação aos artigos com o conceito de direito marítimo. Assim, faz-
constitucionais que estabelecem os limites legi- se necessário descrever um tipo de competên-
ferantes de cada ente federado. cia de modo mais específico, para que não se
entre em conflito ou se limitem outras áreas
Essa verificação é feita a partir de critérios
igualmente descritas na divisão de competên-
interpretativos. O texto constitucional, ao des-
cias entre os entes.
crever determinada matéria no catálogo de
competências, pode elencar questões genéri- Nesse contexto, o eventualmente denomi-
cas, como “floresta”, “caça”, “pesca”, “fauna”, nado “direito marítimo ambiental” revela-se,
“conservação da natureza”, ou referir-se a cam- em realidade, como “direito ambiental marí-
pos específicos do Direito, como “direito civil”, timo”, por ter como base o fim a que se destina
“direito penal”, “direito marítimo”44. a norma e sua direta vinculação à proteção ao
meio ambiente.
Assim, ao ser constatada aparente incidên-
cia de determinado assunto a mais de um tipo ADI 2.030, rel. min. Gilmar Mendes, DJE de 17-
de competência, deve-se proceder a interpre- 10-2018.
tação que leve em conta duas premissas: de um (Informativo 872, Plenário)
lado, a intensidade da relação entre a situação
_____________________________________
fática normatizada e a estrutura básica descrita
no tipo da competência em análise e, de outro, ORGANIZAÇÃO DO ESTADO
o fim primário a que se destina essa norma, que
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
tem relação direta com o “princípio da predo-
minância de interesses”45. SERVIDORES PÚBLICOS
Embora seja admissível, por parte da dou-
trina, ao analisar-se o campo jurídico do direito É inconstitucional o parágrafo único do art.
marítimo isoladamente dos demais, uma con- 11046 da Lei 915/2005, do Estado do Amapá, que
ceituação ampla desse ramo – como o com- — acrescido ao art. 110 do texto original por
plexo de regras jurídicas que regulam a navega- meio de emenda parlamentar — estabelece que
ção pelo mar –, não é possível tal onipresença a Amapá Previdência assumirá o pagamento dos

do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambi- 46 “Art. 110. O Estado responderá subsidiariamente
ente e controle da poluição;” pelo pagamento das aposentadorias e pensões concedi-
42 “Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito das na forma desta Lei, na hipótese de extinção, insolvên-
Federal legislar concorrentemente sobre: (...) VIII – res- cia ou eventuais insuficiências financeiras do Regime Pró-
ponsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumi- prio de Previdência Social do Estado. Parágrafo único. No
dor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, prazo de 180 (cento e oitenta) dias, contados da publica-
turístico e paisagístico;” ção desta Lei, a Amapá Previdência, desde que provocada
43 “Art. 22. Compete privativamente à União legislar pelo Órgão interessado, assumirá o pagamento dos bene-
sobre: I – direito civil, comercial, penal, processual, eleito- fícios de aposentadoria e pensão que tenham sido conce-
ral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do traba- didos por qualquer dos Poderes do Estado, pelo Ministério
lho;” Público ou pelo Tribunal de Contas durante o período de
44 DEGENHART, Christoph.Staatsrecht I. 22. ed. Hei- vigência do Decreto n. 0087, de 6 de junho de 1991, e que,
delberg, 2006, p. 56-60. nesta data, estejam sendo suportados exclusiva e integral-
45 DEGENHART, Christoph. Staatsrecht I. 22. ed. Hei- mente pelo Tesouro Estadual.”
delberg, 2006, p. 56-60.

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N. 11 OUTUBRO DE 2018

benefícios de aposentadoria e pensão que te- previdência, além de ter determinado que se
nham sido concedidos pelos Poderes do Estado, preservasse seu equilíbrio financeiro e atuarial.
pelo Ministério Público ou pelo Tribunal de Con-
Dentro desse contexto, passou a ser impres-
tas durante o período de vigência do Decreto
cindível a incessante busca do equilíbrio finan-
87/1991.
ceiro e atuarial, requisito que é desde sempre
A transferência da responsabilidade a fundo elementar a todo sistema previdenciário, esta-
previdenciário pelo pagamento das aposenta- tal ou privado. Esse equilíbrio destina-se à pre-
dorias e pensões a beneficiários de regime pró- servação da suficiência, presente e futura, do
prio de previdência social sem que haja contra- fundo de previdência, tendo em vista o sopesa-
partida dos segurados ou do próprio ente fede- mento entre as receitas e as despesas com be-
rado acarreta grave ofensa à regra de equilíbrio nefícios, o qual estaria prejudicado com a as-
financeiro e atuarial do sistema próprio de pre- sunção de obrigação desprovida de qualquer
vidência (CF, art. 40, caput47). contraprestação pecuniária.

Inicialmente, a CF regrava de forma defici- ADI 3.628, rel. min. Dias Toffoli, DJE de 10-10-
ente a natureza contributiva do regime de pre- 2018.
vidência pública no âmbito estadual, distrital e (Informativo 893, Plenário)
municipal, apenas facultando a possibilidade de _____________________________________
cobrança de contribuição.
TRIBUTAÇÃO E ORÇAMENTO
Todavia, após a Emenda Constitucional (EC)
41/2003, a CF passou a impor, de forma ex- SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL
pressa, a contribuição aos servidores, em prol LIMITAÇÕES DO PODER DE TRIBUTAR
da manutenção do sistema previdenciário. Nes-
ses termos, o § 1º do art. 149, na redação con-
A Caixa de Assistência dos Advogados está con-
ferida pela EC 41/2003, passou a exigir que os
templada pela imunidade tributária recíproca,
estados, o Distrito Federal e os municípios ins-
conforme previsto no art. 150, VI, a, da CF48.
tituíssem “contribuição, cobrada de seus servi-
dores, para o custeio, em benefício destes, do A imunidade tributária gozada pela Ordem
regime previdenciário de que trata o art. 40, dos Advogados do Brasil (OAB) é da espécie re-
cuja alíquota não será inferior à da contribuição cíproca49, na medida em que a OAB desempe-
dos servidores titulares de cargos efetivos da nha atividade própria de Estado50, e é impossí-
União”. vel se conceder tratamento tributário diferen-
Essa disposição está em consonância com a ciado a órgãos da OAB, de acordo com as finali-
nova redação do art. 40, caput, da CF, após a dades que lhe são atribuídas por lei.
modificação da EC 41/2003, que assegurou, de Com efeito, a OAB não é uma entidade da
modo expresso, o caráter necessariamente Administração Indireta, tal como as autarquias,
contributivo e solidário do regime próprio de porquanto não se sujeita a controle hierárquico

47 “Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos Texto Constitucional da República brasileira notava-se a
da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municí- previsão da imunidade recíproca. Observa-se, nesse
pios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado ponto, decisiva influência do notável Rui Barbosa, com ins-
regime de previdência de caráter contributivo e solidário, piração no modelo constitucional norte-americano. A pro-
mediante contribuição do respectivo ente público, dos pósito, no célebre caso McCulloch v. Maryland, a partir de
servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados argumentação capitaneada por Chief Justice John Mars-
critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e hall, a Suprema Corte dos Estados Unidos assentou que a
o disposto neste artigo.” atuação de um ente da Federação não poderia ser obsta-
48 CF/1988: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garan- culizada pela tributação levada a cabo por outro membro
tias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos federativo. Com base nessa influência original, é seguro
Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) VI – ins- afirmar que um dos fundamentos da regra imunizante é o
tituir impostos sobre: a) patrimônio, renda ou serviços, princípio federativo.” (Trecho do voto do ministro Edson
uns dos outros;” Fachin no julgamento do RE 405.267)
49 “De plano, impende registrar que já no primeiro 50 RE 259.976 AgR, rel. min. Joaquim Barbosa, 2ª T.

16
N. 11 OUTUBRO DE 2018

ou ministerial da Administração Pública, nem definição do advogado como essencial à pro-


está vinculada a qualquer das suas partes. moção da Justiça, ao qual é assegurada inviola-
bilidade no que tange aos seus atos e manifes-
“A Ordem dos Advogados do Brasil é, em
tações no exercício da profissão.” 53
verdade, entidade autônoma, porquanto auto-
nomia e independência são características pró- À luz desse entendimento, não parece razo-
prias dela, que, destarte, não pode ser tida ável aferir a viabilidade constitucional da exten-
como congênere dos demais órgãos de fiscali- são da imunidade recíproca às caixas de assis-
zação profissional. Ao contrário deles, a Ordem tência dos advogados a partir de uma interpre-
dos Advogados do Brasil não está voltada exclu- tação restritiva dos critérios de pertença orgâ-
sivamente a finalidades corporativas, mas, nos nica e de persecução das finalidades essenciais.
termos do art. 44, I, da lei51, tem por finalidade
O art. 45, IV, da Lei 8.906/199454 preconiza
‘defender a Constituição, a ordem jurídica do
as Caixas de Assistência dos Advogados como
Estado democrático de direito, os direitos hu-
órgãos da OAB, ao passo que o art. 6255 do
manos, a justiça social, e pugnar pela boa apli-
mesmo diploma legal incumbe-lhes prestar as-
cação das leis, pela rápida administração da jus-
sistência aos inscritos no Conselho Seccional a
tiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das
que se vincule.
instituições jurídicas’. Esta é, iniludivelmente,
finalidade institucional e não corporativa. A Também não há como traçar relação de
Constituição do Brasil confere atribuições de igualdade entre os sindicatos de advogados e
extrema relevância à OAB, bastando para ratifi- os demais, porque as funções que deveriam,
car a assertiva ressaltar o disposto no inciso VIII em tese, ser por eles desempenhadas foram
do art. 103 da Constituição52, que confere legi- atribuídas à Ordem dos Advogados, sendo essa
timidade ao Conselho Federal da Ordem dos entidade prestadora de serviço público inde-
Advogados do Brasil para a propositura da ação pendente, na esteira da jurisprudência do Su-
direta de inconstitucionalidade, bem assim a premo Tribunal Federal56.

51 Lei 8.906/1994: “Art. 44. A Ordem dos Advogados Compete ao Conselho Seccional fixar contribuição obriga-
do Brasil (OAB), serviço público, dotada de personalidade tória devida por seus inscritos, destinada à manutenção
jurídica e forma federativa, tem por finalidade: I – defen- do disposto no parágrafo anterior, incidente sobre atos
der a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrá- decorrentes do efetivo exercício da advocacia. § 4º A dire-
tico de direito, os direitos humanos, a justiça social, e pug- toria da Caixa é composta de cinco membros, com atribui-
nar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração ções definidas no seu regimento interno. § 5º Cabe à Caixa
da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das insti- a metade da receita das anuidades recebidas pelo Conse-
tuições jurídicas; II – promover, com exclusividade, a re- lho Seccional, considerado o valor resultante após as de-
presentação, a defesa, a seleção e a disciplina dos advo- duções regulamentares obrigatórias. § 6º Em caso de ex-
gados em toda a República Federativa do Brasil.” tinção ou desativação da Caixa, seu patrimônio se incor-
52 CF/1988: “Art. 103. Podem propor a ação direta de pora ao do Conselho Seccional respectivo. § 7º O Conse-
inconstitucionalidade e a ação declaratória de constituci- lho Seccional, mediante voto de dois terços de seus mem-
onalidade: (...) VII – o Conselho Federal da Ordem dos Ad- bros, pode intervir na Caixa de Assistência dos Advogados,
vogados do Brasil;” no caso de descumprimento de suas finalidades, desig-
53 ADI 3.026, voto do rel. min. Eros Grau, P. nando diretoria provisória, enquanto durar a interven-
54 Lei 8.906/1994: “Art. 45. São órgãos da OAB: (...) IV ção.”
– as Caixas de Assistência dos Advogados. (...) § 4º As Cai- 56 “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART.

xas de Assistência dos Advogados, dotadas de personali- 47 DA LEI FEDERAL N. 8.906/1994. ESTATUTO DA ADVO-
dade jurídica própria, são criadas pelos Conselhos Seccio- CACIA E DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. CON-
nais, quando estes contarem com mais de mil e quinhen- TRIBUIÇÃO ANUAL À OAB. ISENÇÃO DO PAGAMENTO
tos inscritos.” OBRIGATÓRIO DA CONTRIBUIÇÃO SINDICAL. VIOLAÇÃO
55 Lei 8.906/1994: “Art. 62. A Caixa de Assistência dos DOS ARTS. 5º, I E XVII; 8º, I E IV; 149; 150; § 6º; E 151 DA
Advogados, com personalidade jurídica própria, destina- CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. NÃO OCORRÊNCIA. 1. A Lei Fe-
se a prestar assistência aos inscritos no Conselho Seccio- deral 8.906/1994 atribui à OAB função tradicionalmente
nal a que se vincule. § 1º A Caixa é criada e adquire perso- desempenhada pelos sindicados, ou seja, a defesa dos di-
nalidade jurídica com a aprovação e registro de seu esta- reitos e interesses coletivos ou individuais da categoria. 2.
tuto pelo respectivo Conselho Seccional da OAB, na forma A Ordem dos Advogados do Brasil ampara todos os inscri-
do regulamento geral. § 2º A Caixa pode, em benefício dos tos, não apenas os empregados, como o fazem os sindica-
advogados, promover a seguridade complementar. § 3º tos. Não há como traçar relação de igualdade entre os

17
N. 11 OUTUBRO DE 2018

Em suma, considerando-se os pressupostos


de aplicabilidade da regra imunizante57, não há
dúvidas de que as Caixas de Assistência pres-
tam serviço público delegado e possuem status
jurídico de ente público.
Ademais, as finalidades essenciais das Cai-
xas de Assistência não se inserem no Domínio
Econômico, isto é, ao não buscarem a explora-
ção de atividade econômica em sentido estrito,
não se constata a manifestação de capacidade
contributiva58 na hipótese.
RE 405.267, rel. min. Edson Fachin, DJE de 18-
10-2018.
(Informativo 914, Plenário)
_____________________________________

sindicatos de advogados e os demais. As funções que de- São Paulo: Saraiva, 2010, p. 223, apud voto do ministro
veriam, em tese, ser por eles desempenhadas foram atri- Edson Fachin no julgamento do RE 405.267).
buídas à Ordem dos Advogados. 3. O texto hostilizado não 58 “Vê-se, daí, que a linha divisora proposta pelo con-

consubstancia violação da independência sindical, visto tribuinte reside no momento em que o Estado – bem
não ser expressivo de interferência e/ou intervenção na como suas autarquias ou fundações – deixa de atuar no
organização dos sindicatos. Não se sustenta o argumento setor que lhe é próprio (domínio público), passando a
de que o preceito impugnado retira do sindicato sua fonte atuar diretamente no setor da economia destinado aos
essencial de custeio. 4. Deve ser afastada a afronta ao pre- empreendimentos privados (o ‘Domínio Econômico’). A
ceito da liberdade de associação. O texto atacado não coerência com o raciocínio que se desenvolveu acima pa-
obsta a liberdade dos advogados. Pedido julgado impro- rece imediata: no domínio público, não há a capacidade
cedente.” (ADI 2.522, rel. min. Eros Grau, P) contributiva; todos os recursos ali obtidos e despendidos
57 “As decisões antes mencionadas demonstram que a já estão voltados à finalidade pública. Não há ‘sobras’ para
imunidade recíproca é aplicável, quando estiverem pre- contribuir. Só há que falar em capacidade contributiva –
sentes os seguintes pressupostos: (a) serviço público de- e, portanto, em tributação – quando se entra no Domínio
legado; (b) a entidade que exerce o serviço é – em virtude Econômico.” (SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário.
de lei – um poder público; (c) o serviço é prestado por um 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 439, apud voto do minis-
ente público que não persegue finalidade econômica.” tro Edson Fachin no julgamento do RE 405.267).
(ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. 4 ed.

18
N. 11 OUTUBRO DE 2018

DIREITO ELEITORAL Com efeito, a prevalecer o comando impug-


nado, o estabelecimento de um piso de 5% sig-
PARTIDOS POLÍTICOS nificaria, na prática, que, na distribuição dos re-
cursos públicos que a agremiação partidária
FUNDO PARTIDÁRIO deve destinar às candidaturas, os homens po-
QUOTA ELEITORAL DE GÊNERO deriam receber no máximo 95%. No entanto,
caso se optasse por fixar a distribuição máxima
às candidaturas de mulheres, apenas 15% do
O art. 9º da Lei 13.165/201559 recebeu interpre- total de recursos do fundo poderiam ser-lhes
tação conforme à Constituição Federal (CF) no destinados, hipótese em que os recursos reser-
sentido de que: vados às candidaturas masculinas seriam de
a) Ao patamar legal mínimo de candidaturas fe- 85%.
mininas (hoje o do art. 10, § 3º, da Lei Em virtude do princípio da igualdade, o par-
9.504/199760, isto é, ao menos 30% de cidadãs) tido político não pode criar distinções na distri-
deve ser equiparado o mínimo de recursos do buição desses recursos exclusivamente basea-
Fundo Partidário a lhes serem destinados, que das no gênero. A autonomia partidária não con-
deve ser interpretado como também de 30% do sagra regra que exima o partido do respeito in-
montante do fundo alocado a cada partido, para condicional aos direitos fundamentais. Noutras
eleições majoritárias e proporcionais; e palavras, a autonomia partidária não justifica o
b) Havendo percentual mais elevado de candida- tratamento discriminatório entre as candidatu-
turas femininas, o mínimo de recursos globais ras de homens e mulheres, pois o art. 17 da CF61
do partido destinados a campanhas lhes seja dispõe ser livre a criação, fusão, incorporação e
alocado na mesma proporção. extinção de partidos políticos, “resguardados
os direitos fundamentais da pessoa humana”.
Inexistem justificativas razoáveis ou racio-
nais para a diferença na distribuição de recur- Da mesma forma, é certo que, enquanto
sos do Fundo Partidário destinados ao financia- pessoas jurídicas de direito privado, conforme
mento das campanhas eleitorais voltadas a can- preceitua o art. 44, V, do Código Civil62, apli-
didaturas de mulheres, tal qual previsto no dis- cam-se aos partidos políticos não só a garantia
positivo. da plena autonomia, nos termos do art. 17, §
1º, da CF63, mas também a própria liberdade de

59 “Art. 9o Nas três eleições que se seguirem à publica- seguintes preceitos: I – caráter nacional; II – proibição de
ção desta Lei, os partidos reservarão, em contas bancárias recebimento de recursos financeiros de entidade ou go-
específicas para este fim, no mínimo 5% (cinco por cento) verno estrangeiros ou de subordinação a estes; III – pres-
e no máximo 15% (quinze por cento) do montante do tação de contas à Justiça Eleitoral; IV – funcionamento
Fundo Partidário destinado ao financiamento das campa- parlamentar de acordo com a lei.”
nhas eleitorais para aplicação nas campanhas de suas can- 62 “Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado:

didatas, incluídos nesse valor os recursos a que se refere (...) V – os partidos políticos.”
o inciso V do art. 44 da Lei n. 9.096, de 19 de setembro de 63 “Art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e ex-

1995.” tinção de partidos políticos, resguardados a soberania na-


60 “Art. 10. Cada partido ou coligação poderá registrar cional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os di-
candidatos para a Câmara dos Deputados, a Câmara Legis- reitos fundamentais da pessoa humana e observados os
lativa, as Assembleias Legislativas e as Câmaras Municipais seguintes preceitos: (...) § 1º É assegurada aos partidos
no total de até 150% (cento e cinquenta por cento) do nú- políticos autonomia para definir sua estrutura interna e
mero de lugares a preencher, salvo: (...) § 3o Do número estabelecer regras sobre escolha, formação e duração de
de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada seus órgãos permanentes e provisórios e sobre sua orga-
partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta nização e funcionamento e para adotar os critérios de es-
por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para colha e o regime de suas coligações nas eleições majoritá-
candidaturas de cada sexo.” rias, vedada a sua celebração nas eleições proporcionais,
61 “Art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e ex- sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas
tinção de partidos políticos, resguardados a soberania na- em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal, de-
cional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os di- vendo seus estatutos estabelecer normas de disciplina e
reitos fundamentais da pessoa humana e observados os fidelidade partidária.”

19
N. 11 OUTUBRO DE 2018

associação livre da interferência estatal (CF, art. perspectiva, a inexistência de consenso revela
5º, XVIII64). não um limite à atuação do legislador, mas uma
omissão inconstitucional, na medida em que
Entretanto, o respeito à igualdade não é
priva as candidaturas de mulheres dos recursos
obrigação cuja previsão somente se aplica à es-
públicos que irão custear suas aspirações polí-
fera pública. Incide, aqui, a ideia de eficácia ho-
ticas de ocupar uma posição democratica-
rizontal dos direitos fundamentais, sendo im-
mente representativa, apenas pelo fato de se-
portante reconhecer que é precisamente nesta
rem mulheres.
artificiosa segmentação entre o público e o pri-
vado que reside a principal forma de discrimi- Da mesma forma, não cabe sustentar que o
nação às mulheres65. percentual de candidaturas para as mulheres li-
mita-se a reconhecer uma igualdade de oportu-
Finalmente, descabe argumentar que a dis-
nidades, no sentido de garantir iguais condi-
posição dos recursos destinados às campanhas
ções a partir de uma posição inicial, nomeada-
de mulheres da forma como prevista na norma
mente as candidaturas. Vale ressaltar, nesse as-
impugnada revelariam o “consenso possível”.
pecto, a “igualdade transformativa”, prevista
Em caso de proteção deficiente de direitos fun-
no Comentário Geral 25 do Comitê para Elimi-
damentais, a liberdade de conformação do le-
nação da Discriminação contra a Mulher66.
gislador é reduzida, incumbindo ao Judiciário
zelar pela sua efetiva promoção. Nessa

64 “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção contra as mulheres nas suas leis e que as mulheres sejam
de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos protegidas contra a discriminação – praticada por autori-
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito dades públicas, o judiciário, organizações, empresas e en-
à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à proprie- tidades privadas – nas esferas públicas ou privadas pelos
dade, nos termos seguintes: (...) XVIII – a criação de asso- tribunais competentes assim como sanções e outros re-
ciações e, na forma da lei, a de cooperativas independem médios. Em segundo lugar, a obrigação dos Estados-parte
de autorização, sendo vedada a interferência estatal em é a de melhorar a posição de fato das mulheres por meio
seu funcionamento;” de políticas concretas e eficazes. Em terceiro lugar, a obri-
65 “As violações a direitos fundamentais não ocorrem gação dos Estados-parte é a de enfrentar as relações pre-
somente no âmbito das relações entre o cidadão e o Es- valentes de gênero e a persistência de estereótipos base-
tado, mas igualmente nas relações travadas entre pessoas ados no gênero que atingem as mulheres não apenas por
físicas e jurídicas de direito privado. Assim, os direitos fun- meio de atos individuais por indivíduos, mas também por
damentais assegurados pela Constituição vinculam direta- meio da lei, e das estruturas legais e sociais e das institui-
mente não apenas os poderes públicos, estando direcio- ções. 8. Na visão do Comitê, uma atuação puramente legal
nados também à proteção dos particulares em face dos e forma ou programática não é suficiente para atingir a
poderes privados. (…) A ordem jurídico-constitucional bra- igualdade de fato entre homens e mulheres, a qual o Co-
sileira não conferiu a qualquer associação civil a possibili- mitê interpreta como igualdade material. Além disso, a
dade de agir à revelia dos princípios inscritos nas leis e, em Convenção exige que as mulheres tenham garantidas
especial, dos postulados que têm por fundamento direto iguais oportunidades e que elas sejam empoderadas por
o próprio texto da Constituição da República, notada- um ambiente que as permita alcançar a igualdade de re-
mente em tema de proteção às liberdades e garantias fun- sultados. Não é suficiente garantir às mulheres trata-
damentais. O espaço de autonomia privada garantido pela mento que é idêntico ao dos homens. Ao contrário, dife-
Constituição às associações não está imune à incidência renças biológicas e as que são social e culturalmente cons-
dos princípios constitucionais que asseguram o respeito truídas entre homens e mulheres devem ser levadas em
aos direitos fundamentais de seus associados. A autono- conta. Em certas circunstâncias, tratamento não idêntico
mia privada, que encontra claras limitações de ordem ju- de mulheres e de homens será exigido para resolver tais
rídica, não pode ser exercida em detrimento ou com des- diferenças. O objetivo de alcançar a igualdade material
respeito aos direitos e garantias de terceiros, especial- também convoca uma estratégia efetiva para superar a
mente aqueles positivados em sede constitucional, pois a sub-representação das mulheres e a redistribuição de re-
autonomia da vontade não confere aos particulares, no cursos e poderes entre homens e mulheres. 9. A igualdade
domínio de sua incidência e atuação, o poder de transgre- de resultados é o corolário lógico da igualdade de fato ou
dir ou de ignorar as restrições postas e definidas pela pró- material. Esses resultados podem ser de natureza quanti-
pria Constituição, cuja eficácia e força normativa também tativa ou qualitativa; ou seja, mulheres gozando de seus
se impõem, aos particulares, no âmbito de suas relações direitos em vários campos em número e de forma igual-
privadas, em tema de liberdades fundamentais.” (RE mente justa em relação aos homens, gozando de mesmos
201.819, red. p/ o ac. min Gilmar Mendes) padrões remuneratórios, igualdade na tomada de deci-
66 “7. Primeiramente, as obrigações dos Estados-parte sões e na influência política, e mulheres gozando de liber-
são garantir que não haja discriminação direta ou indireta dade contra toda violência. 10. A posição das mulheres

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N. 11 OUTUBRO DE 2018

São inconstitucionais, por arrastamento, o § 5º- Não se pode deixar de reconhecer que a
A67 e o § 7º68 do art. 44 da Lei 9.096/1995, os presença reduzida de mulheres na vida política
quais, em tese, conferia discricionariedade, quer brasileira “colabora para a reprodução de con-
às agremiações partidárias, quer às secretarias cepções convencionais do ‘feminino’, que vin-
da mulher, para autorizar-lhes a utilizar os recur- culam as mulheres à esfera privada e/ ou dão
sos destinados à promoção e difusão da partici- sentido a sua atuação na esfera pública a partir
pação política das mulheres em suas campa- do seu papel convencional na vida doméstica”
nhas. e “coloca água no moinho da reprodução de
posições subordinadas para as mulheres e da
A utilização dos recursos destinados à pro- naturalização das desigualdades de gênero”.69
moção e difusão da participação política das “Precisamos de uma nova forma de pensar so-
mulheres em suas campanhas é, na verdade, bre as representações legais que desafiem os
uma obrigação que não está no âmbito da dis- estereótipos de gênero que estão por trás dos
cricionariedade dos partidos políticos. abusos de direitos humanos baseados no gê-
nero.”70 Daí por que a atuação dos partidos po-
É preciso reconhecer que ao lado do direito
líticos não pode, sob pena de ofensa às suas
a votar e ser votado, como parte substancial do
obrigações transformativas, deixar de se dedi-
conteúdo democrático, a completude é alcan-
car também à promoção e à difusão da partici-
çada quando são levados a efeito os meios à re-
pação política das mulheres.
alização da igualdade. Só assim a democracia se
mostra inteira. Caso contrário, a letra constitu- É inconstitucional a expressão “três” contida no
cional apenas alimentará o indesejado simbo- art. 9º da Lei 13.165/201571.
lismo das intenções que nunca se concretizam
no plano das realidades. A participação das mu- O critério de distribuição de recursos oriun-
lheres nos espaços políticos é um imperativo do dos do Fundo Partidário deve obedecer à com-
Estado e produz impactos significativos para o posição das candidaturas e deflui diretamente
funcionamento do campo político, uma vez que da cota fixada no art. 10, § 3º, da Lei de Elei-
a ampliação da participação pública feminina ções.
permite equacionar as medidas destinadas ao
Ademais, embora a legitimidade das políti-
atendimento das demandas sociais das mulhe-
cas afirmativas dependa de seu caráter tempo-
res.
rário72, a distribuição não discriminatória dos
recursos deve perdurar enquanto for

não será melhorada enquanto as causas que sustentam a bancárias específicas, para utilização futura em campa-
discriminação contra as mulheres, e sua desigualdade, nhas eleitorais de candidatas do partido, não se aplicando,
não forem efetivamente enfrentadas. As vidas das mulhe- neste caso, o disposto no § 5º.”
res e dos homens devem ser consideradas em seu con- 69 MOTA, Fernanda Ferreira; BIROLI, Flávia. O gênero

texto, e as medidas adotadas para a real transformação de na política: a construção do “feminino” nas eleições presi-
oportunidades, instituições e sistemas a fim de que eles denciais de 2010. Cadernos Pagu, n. 43, jul.-dez. 2014, p.
não mais tenham por base os paradigmas masculinos his- 227.
toricamente determinados de poder e de padrões de 70 OTTO, Dianne. Women's Rights (22.03.2010). U. of

vida.” (Tradução livre apud voto do ministro Edson Fachin Melbourne Legal Studies Research Paper, n. 459. Disponí-
no julgamento da ADI 5.617) vel em: <http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.1576229>, tradu-
67 “Art. 44. Os recursos oriundos do Fundo Partidário ção livre.
serão aplicados: (…) § 5º-A A critério das agremiações par- 71 “Art. 9º Nas três eleições que se seguirem à publi-

tidárias, os recursos a que se refere o inciso V poderão ser cação desta Lei, os partidos reservarão, em contas bancá-
acumulados em diferentes exercícios financeiros, manti- rias específicas para este fim, no mínimo 5% (cinco por
dos em contas bancárias específicas, para utilização futura cento) e no máximo 15% (quinze por cento) do montante
em campanhas eleitorais de candidatas do partido.” do Fundo Partidário destinado ao financiamento das cam-
68 “Art. 44. (...) § 7º A critério da secretaria da mulher panhas eleitorais para aplicação nas campanhas de suas
ou, inexistindo a secretaria, a critério da fundação de pes- candidatas, incluídos nesse valor os recursos a que se re-
quisa e de doutrinação e educação política, os recursos a fere o inciso V do art. 44 da Lei n. 9.096, de 19 de setem-
que se refere o inciso V do caput poderão ser acumulados bro de 1995.”
em diferentes exercícios financeiros, mantidos em contas 72 ADPF 186, rel. min. Ricardo Lewandowski, P.

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N. 11 OUTUBRO DE 2018

justificada a composição mínima das candidatu-


ras. Na hipótese, a temporariedade recai sob as
cotas de candidaturas, não sob a distribuição de
recursos que não está sujeita ao tratamento
discriminatório.
ADI 5.617, rel. min. Edson Fachin, DJE de 3-10-
2018.
(Informativo 894, Plenário)
_____________________________________

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N. 11 OUTUBRO DE 2018

DIREITO PENAL CRIMES PRATICADOS POR FUNCIONÁRIO PÚBLICO


CONTRA A ADMINISTRAÇÃO EM GERAL
CRIME
TIPICIDADE Para o fim previsto no art. 327, § 1º, do Código
Penal (CP)75, tem a qualificação de funcionário
PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA público pessoa que exerce cargo, emprego ou
função em entidade paraestatal ou trabalha em
A aplicação do princípio da insignificância, em empresa prestadora de serviços contratada ou
crimes contra o patrimônio, não depende ape- conveniada para a execução de atividade típica
nas da magnitude do resultado da conduta. da Administração Pública.

A aferição da insignificância da conduta A finalidade do dispositivo do art. 327, § 1º,


como requisito negativo da tipicidade envolve do CP é abranger qualquer indivíduo que, de al-
um juízo amplo, que vai além da simples aferi- guma forma, transacione com o Estado e se
ção do resultado material da conduta, abran- aproprie de dinheiro público.76
gendo também a reincidência ou contumácia Com efeito, “a Lei de Improbidade Adminis-
do agente, elementos que, embora não deter- trativa 8.429/1992, nos arts. 1º e 2º, não deixa
minantes, devem ser considerados73. nenhuma dúvida sobre a interpretação de ser-
Busca-se, desse modo, evitar que ações típi- vidor público lato sensu, que já é previsto no
cas de pequena significação passem a ser con- Código Penal no art. 327, § 1º, por equiparação,
sideradas penalmente lícitas e imunes a qual- mas deixa mais claro ainda exatamente porque,
quer espécie de repressão estatal, perdendo-se obviamente, há alterações nas estruturações
de vista as relevantes consequências jurídicas e jurídicas para aqueles que acabam, junto com a
sociais decorrentes desse fato. administração direta, prestando um serviço pú-
blico.”77
Essa ideia se reforça pelo fato de já haver
previsão, na legislação penal, da possibilidade Já “com a Reforma Administrativa, com a
de mensuração da gravidade da ação74, o que, Emenda 19/1998, e a possibilidade de contra-
embora sem excluir a tipicidade da conduta, tos e gestão, surgiu, a partir da legislação, essa
pode culminar em significativo abrandamento nova forma de prestação via OS – Organizações
da pena ou até mesmo na mitigação da perse- Sociais. Elas têm o ônus e o bônus. Têm o bônus
cução penal. ao se constituir assim: de poder assinar contra-
tos de gestão com o poder público, receber di-
HC 136.385, red. p/ o ac. min. Alexandre de Mo- nheiro público, prestar um serviço. (...) e não é
raes, DJE de 2-10-2018. possível que só queiram o bônus, não queiram
(Informativo 910, Primeira Turma) o ônus. Ou seja, a partir do momento que exer-
_____________________________________ cem uma função de poder público – sem a ne-
cessidade de se inchar o poder público, e essa
PARTE ESPECIAL foi a ratio da Emenda 19 –, são equiparados, a
CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

73HC 123.533, rel. min. Roberto Barroso, P. os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem
74O legislador fez constar da Exposição de Motivos da remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.
Parte Especial do Código Penal que “não se distingue, para § 1º Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo,
diverso tratamento penal, entre o maior ou menor valor emprego ou função em entidade paraestatal, e quem tra-
da lesão patrimonial; mas, tratando-se de furto, apropria- balha para empresa prestadora de serviço contratada ou
ção indébita ou estelionato, quando a coisa subtraída, conveniada para a execução de atividade típica da Admi-
desviada ou captada é de pequeno valor, (...) pode o juiz nistração Pública.”
76 Trecho do voto do ministro Roberto Barroso no jul-
substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la
de um até dois terços, ou aplicar somente a de multa (arts. gamento do HC 138.484.
77 Trecho do voto do ministro Alexandre de Moraes no
155, § 2º, 170, 171, § 1º)”.
75 “Art. 327. Considera-se funcionário público, para julgamento do HC 138.484.

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N. 11 OUTUBRO DE 2018

meu ver, para todos os fins, aos servidores pú-


blicos (...).”78
Ademais, considerada a vinculação e atua-
ção, mediante a assinatura de contratos de ges-
tão com o Estado, as organizações sociais são
entendidas/vistas/tidas como entidades para-
estatais 79.
HC 138.484, rel. min. Marco Aurélio, DJE de 18-
10-2018.
(Informativo 915, Plenário)
_____________________________________

78 Trecho do voto do ministro Alexandre de Moraes no Estado), como as de amparo aos hipossuficientes, de as-
julgamento do HC 138.484. sistência social, de formação profissional. Exatamente por
79 “Usando a terminologia tradicional do direito admi- atuarem ao lado do Estado e terem com ele algum tipo de
nistrativo brasileiro, incluímos essas entidades, quando vínculo jurídico, recebem a denominação de entidades pa-
tenham vínculo com o Poder Público, entre as chamadas raestatais; nessa expressão podem ser incluídas todas as
entidades paraestatais, no sentido em que a expressão é entidades integrantes do chamado terceiro setor, o que
empregada por Celso Antônio Bandeira de Mello, ou seja, abrange as declaradas de utilidade pública, as que rece-
para abranger pessoas privadas que colaboram com o Es- bem certificado de fins filantrópicos, os serviços sociais
tado desempenhando atividade não lucrativa e às quais o autônomos (como Sesi, Sesc, Senai), os entes de apoio, as
Poder Público dispensa especial proteção, colocando a organizações sociais e as organizações de sociedade civil
serviço delas manifestações do seu poder de império, de interesse público” (PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Di-
como o tributário, por exemplo; não abrangem as entida- reito administrativo. 27. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p.
des da Administração Indireta; trata-se de pessoas priva- 566/567 apud ministro Marco Aurélio em seu voto no jul-
das que exercem função típica (embora não exclusiva do gamento do HC 138.484).

24
N. 11 OUTUBRO DE 2018

DIREITO PROCESSUAL PENAL poderá realizar diligências preliminares para


apurar a veracidade das informações obtidas
PROCESSO EM GERAL anonimamente e, então, instaurar o procedi-
mento investigatório propriamente dito83.
COMPETÊNCIA
As interceptações telefônicas podem ser prorro-
COMPETÊNCIA PELA PRERROGATIVA DE FUNÇÃO gadas além do prazo legal de autorização, desde
que devidamente fundamentadas pelo juízo
Mesmo nos processos de competência originá- competente quanto à necessidade para o pros-
ria do Supremo Tribunal Federal, a instrução seguimento das investigações84.
processual penal deve iniciar-se com a oitiva das
testemunhas arroladas pela acusação, reali- A interceptação telefônica é meio de inves-
zando-se o interrogatório ao final80. tigação invasivo que deve ser usado com cau-
tela. Entretanto, pode ser necessária e justifi-
Embora a interpretação literal do art. 7º da cada, circunstancialmente, a utilização prolon-
Lei 8.038/199081 seja no sentido de que o inter- gada de métodos de investigação invasivos, so-
rogatório do réu deve ser o ato inaugural da ins- bretudo se a atividade criminal for igualmente
trução processual penal, esse comando não se duradoura, casos de crimes habituais, perma-
coaduna com os princípios do contraditório e nentes ou continuados. A interceptação telefô-
da ampla defesa. nica pode, portanto, ser prorrogada para além
Tais princípios impõem a realização do ato de trinta dias para a investigação de crimes cuja
apenas ao término da instrução criminal, o que prática se prolonga no tempo e no espaço, mui-
permite ao acusado se ver processar e, em me- tas vezes desenvolvidos de forma empresarial
lhores condições, elaborar sua autodefesa. ou profissional85.

AP 1.027 AgR, red. p/ o ac. min. Roberto Bar- A interceptação telemática e as suas prorroga-
roso, DJE de 25-10-2018. ções não padecem de vício de inconstitucionali-
(Informativo 918, Primeira Turma) dade.
_____________________________________ Em face da concepção constitucional mo-
PROCESSO EM GERAL derna de que inexistem garantias individuais de
ordem absoluta, mormente com escopo de sal-
PROVA vaguardar práticas ilícitas, a exceção constituci-
INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA onal ao sigilo alcança as comunicações de da-
dos telemáticos86.
Notícias anônimas de crime, desde que verifi- Cabe destacar que, “quando a norma cons-
cada a sua credibilidade por apurações prelimi- titucional não possui autorização expressa de li-
nares, podem servir de base válida à investiga- mites, a doutrina sustenta a existência de ‘limi-
ção e à persecução criminal82. tes imanentes’. E a convivência dos direitos fun-
damentais leva mesmo ao reconhecimento
A denúncia anônima, por si só, não serve desses limites implícitos ou imanentes. Não
para fundamentar a instauração de inquérito, vale, em suma, o argumento de que a CF só per-
mas, a partir dela, a autoridade competente mitiu a restrição da comunicação telefônica.

80 AP 528 AgR, rel. min. Ricardo Lewandowski, P; AP 109.598 AgR, rel. min. Celso de Mello, 2ª T; e HC 133.148,
988 AgR, red. p/ o ac. min. Alexandre de Moraes, 1ª T. rel. min. Ricardo Lewandowski, 2ª T.
81 “Recebida a denúncia ou a queixa, o relator desig- 84 RHC 88.371, rel. min. Gilmar Mendes, 2ª T.

nará dia e hora para o interrogatório, mandando citar o 85 HC 106.225, red. p/ o ac. min. Luiz Fux, 1ª T; HC

acusado ou querelado e intimar o órgão do Ministério Pú- 99.619, red. p/ o ac. min. Rosa Weber, 1ª T; RHC 88.371,
blico, bem como o querelante ou o assistente, se for o rel. min. Gilmar Mendes, 2ª T; e HC 83.515, rel. min. Nel-
caso.” son Jobim, P.
82 HC 106.152, rel. min. Rosa Weber, 1ª T. 86 HC 70.814, rel. min. Celso de Mello, 1ª T.
83 HC 98.345, red. p/ o ac. min. Dias Toffoli, 1ª T; HC

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N. 11 OUTUBRO DE 2018

Quanto a ela, na verdade, existe autorização Admite-se a realização de emendatio libelli em


restritiva expressa. Quanto às comunicações segunda instância mediante recurso exclusivo
telemáticas (independentes da telefonia), essa da defesa, contanto que não gere reformatio in
permissão é implícita ou imanente”.87 pejus, nos termos do art. 61791 do Código de
Diante disso, não há que se cogitar de in- Processo Penal (CPP).
compatibilidade do parágrafo único do art. 1º
da Lei 9.296/199688 com o art. 5º, XII, da CF89. Se o órgão julgador de segundo grau adéqua
“O parágrafo único, ao estender a possibilidade a imputação ao quadro fático dos autos, não
de interceptação também ao fluxo de comuni- transbordando a acusação delineada na denún-
cações em sistemas de informática e telemá- cia, trata-se apenas de típica situação de emen-
tica, apenas especificou que a lei também atin- datio libelli (CPP, art. 38392), não se podendo fa-
girá toda e qualquer variante de informações lar em reformatio in pejus, ainda que o julga-
que utilizem a modalidade ‘comunicações tele- mento tenha sido provocado por recurso de-
fônicas’. Ou seja, objetivou a Lei estender a apli- fensivo.
cação das hipóteses de interceptação de comu- “A apelação da defesa devolve integral-
nicações telefônicas a qualquer espécie de co- mente o conhecimento da causa ao Tribunal,
municação, ainda que realizada mediante siste- que a julga de novo, reafirmando, infirmando
mas de informática, existentes ou que venham ou alterando os motivos da sentença apelada,
a ser criados, desde que tal comunicação utilize com as únicas limitações de adstringir-se à im-
a modalidade ‘comunicações telefônicas’.”90 putação que tenha sido objeto dela (cf. Súmula
RHC 132.115, rel. min. Dias Toffoli, DJE de 19- 45393) e de não agravar a pena aplicada em pri-
10-2018. meiro grau ou, segundo a jurisprudência conso-
(Informativo 890, Segunda Turma) lidada, piorar de qualquer modo a situação do
réu apelante.”94
_____________________________________
HC 134.872, rel. min. Dias Toffoli, DJE de 9-10-
NULIDADES E RECURSOS EM GERAL 2018.
RECURSOS EM GERAL (Informativo 895, Segunda Turma)
_____________________________________
APELAÇÃO

87 GOMES, Luiz Flávio. Interceptação telefônica: Lei 9.296/96 e seus reflexos penais e processuais. Porto Ale-
9.296, de 24.07.96. São Paulo: RT, 1997, p. 173-174 apud gre: Livraria do Advogado, 1997, p. 42-44 apud ministro
ministro Dias Toffoli em seu voto no julgamento do RHC Dias Toffoli em seu voto no julgamento do RHC 132.115.
132.115. 91 “Art. 617. O tribunal, câmara ou turma atenderá nas
88 “Art. 1º A interceptação de comunicações telefôni- suas decisões ao disposto nos arts. 383, 386 e 387, no que
cas, de qualquer natureza, para prova em investigação cri- for aplicável, não podendo, porém, ser agravada a pena,
minal e em instrução processual penal, observará o dis- quando somente o réu houver apelado da sentença.”
posto nesta Lei e dependerá de ordem do juiz competente 92 “Art. 383. O juiz, sem modificar a descrição do fato

da ação principal, sob segredo de justiça. Parágrafo único. contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe defini-
O disposto nesta Lei aplica-se à interceptação do fluxo de ção jurídica diversa, ainda que, em consequência, tenha
comunicações em sistemas de informática e telemática.” de aplicar pena mais grave. § 1º Se, em consequência de
89 “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção definição jurídica diversa, houver possibilidade de pro-
de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos posta de suspensão condicional do processo, o juiz proce-
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito derá de acordo com o disposto na lei. § 2º Tratando-se de
à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à proprie- infração da competência de outro juízo, a este serão en-
dade, nos termos seguintes: (...) XII – é inviolável o sigilo caminhados os autos.”
da correspondência e das comunicações telegráficas, de 93 “Não se aplicam à segunda instância o art. 384 e pa-

dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último rágrafo único do Código de Processo Penal, que possibili-
caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a tam dar nova definição jurídica ao fato delituoso, em vir-
lei estabelecer para fins de investigação criminal ou ins- tude de circunstância elementar não contida, explícita ou
trução processual penal;” implicitamente, na denúncia ou queixa.”
90 STRECK, Lênio. As interceptações telefônicas e os di- 94 HC 76.156, rel. min. Sepúlveda Pertence, 1ª T.

reitos fundamentais: constituição, cidadania, violência: Lei

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N. 11 OUTUBRO DE 2018

NULIDADES E RECURSOS EM GERAL Federal (STF) prestigie remédios processuais de


natureza coletiva para emprestar a máxima efi-
RECURSOS EM GERAL cácia ao mandamento constitucional da razoá-
HABEAS CORPUS E SEU PROCESSO vel duração do processo e ao princípio universal
da efetividade da prestação jurisdicional.
Admite-se o habeas corpus coletivo. Saliente-se que a legitimidade ativa do ha-
beas corpus coletivo, a princípio, deve ser re-
Existem relações sociais massificadas e bu- servada àqueles listados no art. 1297 da Lei
rocratizadas cujos problemas exigem soluções 13.300/2016, por analogia ao que dispõe a le-
a partir de remédios processuais coletivos, es- gislação referente ao mandado de injunção co-
pecialmente para coibir ou prevenir lesões a di- letivo.
reitos de grupos vulneráveis.
Nesse sentido, o conhecimento do habeas Há um descumprimento sistemático de regras
corpus coletivo homenageia nossa tradição ju- constitucionais, convencionais e legais referen-
rídica de conferir a maior amplitude possível ao tes aos direitos das presas e de seus filhos. Por
remédio heroico, conhecida como doutrina isso, cabe ao STF exercer função típica de racio-
brasileira do habeas corpus. nalizar a concretização da ordem jurídico-penal
de modo a minimizar o quadro de violações a di-
Esse entendimento se amolda ao disposto reitos humanos que vem se evidenciando.
no art. 654, § 2º95, do Código de Processo Penal
(CPP), que outorga aos juízes e tribunais com- Há uma deficiência de caráter estrutural no
petência para expedir, de ofício, ordem de ha- sistema prisional que faz com que mulheres
beas corpus, quando, no curso de processo, ve- grávidas e mães de crianças, bem como as pró-
rificarem que alguém sofre ou está na iminên- prias crianças (entendido o vocábulo aqui em
cia de sofrer coação ilegal. seu sentido legal, como a pessoa de até doze
anos de idade incompletos, nos termos do art.
Ademais, essa compreensão se harmoniza
2º do Estatuto da Criança e do Adolescente –
com o previsto no art. 58096 do CPP, que faculta
ECA), estejam experimentando situação degra-
a extensão da ordem a todos que se encontram
dante na prisão, em especial privadas de cuida-
na mesma situação processual.
dos médicos pré-natal e pós-parto. Além disso,
Também é necessário compreender que tra- as crianças estão se ressentindo da falta de ber-
mitam mais de 100 milhões de processos no Po- çários e creches.
der Judiciário, a cargo de pouco mais de 16 mil
Essa falha estrutural é agravada pela “cul-
juízes. Isso exige que o Supremo Tribunal
tura do encarceramento”, vigente entre nós, a

95 “Art. 654. O habeas corpus poderá ser impetrado partidária; III – por organização sindical, entidade de
por qualquer pessoa, em seu favor ou de outrem, bem classe ou associação legalmente constituída e em funci-
como pelo Ministério Público. (...) § 2º Os juízes e os tri- onamento há pelo menos 1 (um) ano, para assegurar o
bunais têm competência para expedir de ofício ordem exercício de direitos, liberdades e prerrogativas em favor
de habeas corpus, quando no curso de processo verifica- da totalidade ou de parte de seus membros ou associa-
rem que alguém sofre ou está na iminência de sofrer co- dos, na forma de seus estatutos e desde que pertinentes
ação ilegal.” a suas finalidades, dispensada, para tanto, autorização
96 “Art. 580. No caso de concurso de agentes (Código especial; IV – pela Defensoria Pública, quando a tutela
Penal, art. 25), a decisão do recurso interposto por um requerida for especialmente relevante para a promoção
dos réus, se fundado em motivos que não sejam de ca- dos direitos humanos e a defesa dos direitos individuais
ráter exclusivamente pessoal, aproveitará aos outros.” e coletivos dos necessitados, na forma do inciso LXXIV do
97 “Art. 12. O mandado de injunção coletivo pode ser art. 5º da Constituição Federal. Parágrafo único. Os di-
promovido: I – pelo Ministério Público, quando a tutela reitos, as liberdades e as prerrogativas protegidos por
requerida for especialmente relevante para a defesa da mandado de injunção coletivo são os pertencentes, in-
ordem jurídica, do regime democrático ou dos interesses distintamente, a uma coletividade indeterminada de
sociais ou individuais indisponíveis; II – por partido polí- pessoas ou determinada por grupo, classe ou categoria.”
tico com representação no Congresso Nacional, para as-
segurar o exercício de direitos, liberdades e prerrogati-
vas de seus integrantes ou relacionados com a finalidade

27
N. 11 OUTUBRO DE 2018

qual se revela pela imposição exagerada de pri- da Organização das Nações Unidas, ao tutela-
sões provisórias a mulheres pobres e vulnerá- rem a saúde reprodutiva das pessoas do gênero
veis. Tal decorre, como já aventado por diver- feminino, vão de encontro a essa situação de-
sos analistas dessa problemática, seja por um plorável.
proceder mecânico, automatizado, de certos
Além disso, incide amplo regramento inter-
magistrados, assoberbados pelo excesso de tra-
nacional relativo a direitos humanos, em espe-
balho, seja por uma interpretação acrítica, ma-
cial das Regras de Bangkok, segundo as quais
tizada por um ultrapassado viés punitivista da
deve ser priorizada solução judicial que facilite
legislação penal e processual penal, cujo resul-
a utilização de alternativas penais ao encarce-
tado leva a situações que ferem a dignidade hu-
ramento, principalmente para as hipóteses em
mana de gestantes e mães submetidas a uma
que ainda não haja decisão condenatória tran-
situação carcerária degradante.
sitada em julgado.
O quadro fático especialmente inquietante
Merece destaque o fato de que as crianças
se revela pela incapacidade do Estado brasileiro
sofrem injustamente as consequências da pri-
de garantir cuidados mínimos relativos à mater-
são da mãe, em flagrante contrariedade ao art.
nidade, até mesmo às mulheres que não estão
22798 da Constituição Federal (CF), que estabe-
em situação prisional, como comprova o “caso
lece a prioridade absoluta na consecução dos
Alyne Pimentel”, julgado pelo Comitê para a Eli-
direitos destes. No ponto, é importante relem-
minação de todas as Formas de Discriminação
brar que a CF estabelece, taxativamente, em
contra a Mulher das Nações Unidas.
seu art. 5º, XLV, que “nenhuma pena passará da
Tanto o Objetivo de Desenvolvimento do pessoa do condenado”, valendo anotar que, no
Milênio n. 5 (melhorar a saúde materna) caso das mulheres presas, a privação de liber-
quanto o Objetivo de Desenvolvimento Susten- dade e suas nefastas consequências estão
tável n. 5 (alcançar a igualdade de gênero e em- sendo estendidas às crianças que portam no
poderar todas as mulheres e meninas), ambos ventre e àquelas que geraram.

98 previdenciários e trabalhistas; III – garantia de acesso do


“Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Es-
tado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com trabalhador adolescente e jovem à escola; IV – garantia de
absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimenta- pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infraci-
ção, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à onal, igualdade na relação processual e defesa técnica por
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar profissional habilitado, segundo dispuser a legislação tu-
e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma telar específica; V – obediência aos princípios de brevi-
de negligência, discriminação, exploração, violência, cru- dade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de
eldade e opressão. § 1º O Estado promoverá programas pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de
de assistência integral à saúde da criança, do adolescente qualquer medida privativa da liberdade; VI – estímulo do
e do jovem, admitida a participação de entidades não go- Poder Público, através de assistência jurídica, incentivos
vernamentais, mediante políticas específicas e obede- fiscais e subsídios, nos termos da lei, ao acolhimento, sob
cendo aos seguintes preceitos: I – aplicação de percentual a forma de guarda, de criança ou adolescente órfão ou
dos recursos públicos destinados à saúde na assistência abandonado; VII – programas de prevenção e atendi-
materno-infantil; II – criação de programas de prevenção mento especializado à criança, ao adolescente e ao jovem
e atendimento especializado para as pessoas portadoras dependente de entorpecentes e drogas afins. § 4º A lei
de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de in- punirá severamente o abuso, a violência e a exploração
tegração social do adolescente e do jovem portador de sexual da criança e do adolescente. § 5º A adoção será as-
deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a sistida pelo Poder Público, na forma da lei, que estabele-
convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços cerá casos e condições de sua efetivação por parte de es-
coletivos, com a eliminação de obstáculos arquitetônicos trangeiros. § 6º Os filhos, havidos ou não da relação do
e de todas as formas de discriminação. § 2º A lei disporá casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e
sobre normas de construção dos logradouros e dos edifí- qualificações, proibidas quaisquer designações discrimi-
cios de uso público e de fabricação de veículos de trans- natórias relativas à filiação. § 7º No atendimento dos di-
porte coletivo, a fim de garantir acesso adequado às pes- reitos da criança e do adolescente levar-se- á em conside-
soas portadoras de deficiência. § 3º O direito a proteção ração o disposto no art. 204. § 8º A lei estabelecerá: I – o
especial abrangerá os seguintes aspectos: I – idade mí- estatuto da juventude, destinado a regular os direitos dos
nima de quatorze anos para admissão ao trabalho, obser- jovens; II – o plano nacional de juventude, de duração de-
vado o disposto no art. 7º, XXXIII; II – garantia de direitos cenal, visando à articulação das várias esferas do poder
público para a execução de políticas públicas.”

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N. 11 OUTUBRO DE 2018

A atuação do STF para minimizar esse es-


tado de coisas é plenamente condizente com os
textos normativos integrantes do patrimônio
mundial de salvaguarda dos indivíduos coloca-
dos sob a custódia do Estado, tais como a De-
claração Universal dos Direitos Humanos, o
Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos,
a Convenção Americana de Direitos Humanos,
os Princípios e Boas Práticas para a Proteção de
Pessoas Privadas de Liberdade nas Américas, a
Convenção das Nações Unidas contra Tortura e
Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desuma-
nos ou Degradantes e as Regras Mínimas para
o Tratamento de Prisioneiros (Regras de Man-
dela).
Essa posição é consentânea, ainda, com o
entendimento do STF em temas correlatos.99
HC 143.641, rel. min. Ricardo Lewandowski, DJE
de 9-10-2018.
(Informativo 891, Segunda Turma)
_____________________________________

99 RE 641.320, rel. min. Gilmar Mendes, P; ADPF 347 MC, rel. min. Marco Aurélio, P; entre outros.

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DIREITO TRIBUTÁRIO ARE 951.533 AgR-segundo, red. p/ o ac. min.


Dias Toffoli, DJE de 25-10-2018.
EXTINÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO (Informativo 906, Segunda Turma)

MODALIDADES DE EXTINÇÃO _____________________________________

PRESCRIÇÃO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL


SECRETARIA DE DOCUMENTAÇÃO
A alteração da jurisprudência em matéria de
prescrição tributária não pode retroagir para al- COORDENADORIA DE DIVULGAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
cançar pretensões que não eram tidas por pres- (CDJU)
cdju@stf.jus.br
critas à época do ajuizamento da ação.

Se essa circunstância fosse chancelada, ha-


veria violação do princípio da segurança jurí-
dica, cujo conteúdo abrange não só a proteção
do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e
da coisa julgada, mas também o resguardo da
certeza do direito, da estabilidade das situações
jurídicas, da confiança no tráfego jurídico e do
acesso à justiça.
“Estando um direito sujeito a exercício em
determinado prazo, seja mediante requeri-
mento administrativo ou, se necessário, ajuiza-
mento de ação judicial, tem-se de reconhecer
eficácia à iniciativa tempestiva tomada pelo seu
titular nesse sentido, pois tal resta resguardado
pela proteção à confiança. Da mesma forma,
não é possível que se fulminem, de imediato,
prazos então em curso, sob pena de violação
evidente e direta à garantia de acesso ao Judi-
ciário. Pudesse o legislador impedir a jurisdição
mediante reduções abruptas de prazo, com
aplicação às pretensões pendentes ainda não
ajuizadas, restaria em grande parte esvaziada a
garantia de acesso à Justiça.”100
Os marcos jurígenos para a contagem do
prazo prescricional estão dispostos em leis. To-
davia, os tribunais, na interpretação dessas nor-
mas, podem criar um marco inicial de prazo
prescricional diverso.
Diante disso, a redução de prazo prescricio-
nal não é vedada, pois não existe direito adqui-
rido a regime jurídico. Não obstante, essa mo-
dificação não pode retroagir para fulminar, de
imediato, pretensões que ainda poderiam ser
deduzidas no prazo vigente quando da modifi-
cação legislativa.

100 RE 566.621, rel. min. Ellen Gracie, P.

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