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Há 3 mil anos o ser humano tenta resolver o problema da morte, descobrir sua missão no
mundo e aprender a decidir o que é certo ou errado. O problema é que, nesse tempo todo,
acabou criando um monte de palavras difíceis. Mas fique calmo: agora você vai entender o que
elas significam.1 (Por Fabio Marton e Leandro Narloch)
Cartesianismo: Duvidar de tudo, negar tudo que não resiste à dúvida, como queria o
francês René Descartes , o principal dos filósofos modernos. No livro Meditações Metafísicas,
de 1641, Descartes propôs que todo conhecimento começasse de volta, do zero, recusando
todos os “argumentos de autoridade”, aquilo que o homem acreditava por tradição ou por
imposição de alguma autoridade ou religião. Para perceber o impacto da idéia, basta saber
que, depois de Descartes, o mundo passou a viver séculos de revoluções em várias áreas,
botando abaixo tudo o que não resistia à dúvida, seja a idéia de que a Terra é o centro do
Universo, seja a de que os reis são pessoas superiores. Para o historiador francês Alexis de
Tocqueville, a Revolução Francesa, por exemplo, foi “feita por cartesianos que saíram das
escolas e desceram à rua”. Se você usa uma camiseta com o Che Guevara, mude já a estampa:
revolucionário mesmo foi Descartes e sua idéia de duvidar de tudo.
Ética: Definir o que é certo e o que é errado. Simples, não? O problema é que a idéia de
certo e errado muda sempre, dependendo de como enxergamos o mundo. Por exemplo: os
gregos achavam que o homem deveria se integrar à harmonia do Cosmos. Por isso, usavam a
natureza para saber o que era certo ou errado. Se, na natureza, havia hierarquia entre animais
mais fortes que outros, então era muito bem aceitável que, entre os homens, houvesse
escravidão. Já na Idade Moderna, quando o homem se considera superior à natureza, a
escravidão torna-se, aos poucos, uma idéia absurda.
Epicurismo: Para Epicuro (340-270 a.C.), o ideal do bem é viver sem medo e sem dor,
aproveitando o dia de hoje. “Quem menos sente a necessidade do amanhã mais alegremente
se prepara para o amanhã”, diz Epicuro. Parece culto ao prazer, mas ele dizia também que, para
viver bem, o jeito é se abster de grandes prazeres, evitando assim a frustração quando eles
não puderem ser obtidos. Essas palavras fizeram muito sucesso na Roma antiga, quando o
prazer falava acima de quase tudo.
Imanência: Repare neste fragmento de Tales de Mileto: “Todas as coisas estão cheias de
deuses”. Imanência é isso: a idéia de que Deus ou algum princípio divino, ou qualquer ideal,
está aqui, entre nós, presente no mundo, nas leis da física, nas pessoas, nos seres vivos e talvez
em todas as coisas. Por isso, para os gregos da época de Tales, era preciso abrir os olhos para o
mundo, ou seja, apreciar a ordem natural das coisas, a harmonia da natureza. Não é à toa que a
palavra teoria vem do grego to theion, ou “eu vejo o divino”. E que os filósofos dessa época,
como Tales, se dedicaram a estudar os princípios da natureza, como na geometria .
Iluminismo: Nos séculos 16 e 17, as pessoas se sentiam perdidas no escuro. As
descobertas científicas de Newton, Kepler e Galileu derrubaram a idéia de que o mundo era
uma coisa pronta e ordenada por Deus. Começamos a olhar o Universo como um lugar sem
ordem, em que forças da física a todo momento se debatem. Então, o que fazer? Iluminar-se,
criar uma ordem para o mundo. É o que propõem os filósofos da época, principalmente
Emmanuel Kant , com o livro Crítica da Razão Pura. Por meio da ciência, da razão, o ser
humano passou a tentar a explicar o mundo e catalogá-lo – vêm daí os primeiros museus e
disciplinas científicas.
Materialismo: Lembra-se do Kléber Ban-Ban, aquele do Big Brother que dizia “faz
parte” a toda hora? Materialismo é acreditar que o sonho acabou e, como faz o ex-BBB, dar de
ombros aos problemas da vida. Literalmente, é acreditar na matéria, amar o mundo tal como
ele é. O materialista não tem utopias, tenta esperar pouco da vida. “Esperar é desejar sem fruir,
sem saber e sem poder”, afirma o filósofo André Comte-Sponville, a voz do materialismo no
século 20. O problema do materialismo contemporâneo é: como amar a realidade em
momentos como o genocídio de Ruanda sem dizer “faz parte” ou recorrer a utopias?
Metafísica: O nome certo era para ser “primeira filosofia”, como Aristóteles a chamava.
Mas, quando o filósofo Andrônico de Rhodes foi organizar os livros de Aristóteles na biblioteca
de Alexandria, simplesmente colocou esses volumes à direita da “física” aristotélica e
escreveu: “os livros que vêm depois da física”. Os romanos entenderam tudo errado: achavam
que a tal “metafísica” era o estudo das coisas “além do mundo físico” – em outras palavras,
coisas inventadas, como os deuses. Na verdade, é a metafísica que faz as perguntinhas mais
amplas, tipo “quem somos, de onde viemos?”
Platonismo: Ver o mundo em duas partes. Platão (427-347 a.C.) dividia o mundo em
dois: para ele, antes das coisas reais, do mundo real em que vivemos, existem as idéias das
coisas, que são eternas e vivem no “mundo das idéias”. Esse mundo das idéias seria o único de
fato verdadeiro; e este aqui, em que vivemos, seria uma sombra, uma ilusão. Platão também
acreditava na imortalidade da alma, que, de vez em quando, era aprisionada em corpos
humanos. O platonismo lembra muito uma religião, não? Pois é exatamente a visão de mundo
de Platão que o judaísmo, o cristianismo e o islamismo se apropriaram. Séculos depois de
Platão, suas idéias se misturaram com crenças judaicas, que deram ao mundo das idéias uma
cara, uma forma de pessoa: Deus.
Pós-Modernidade: Sabe alguém que não gosta de usar celular, toma remédio de
homeopatia e, nas férias, percorreu a pé o Caminho de Santiago? Pois eis aí um belo pós-
moderno. Na teoria, o pós-modernismo é uma recusa à modernidade, uma desconfiança dos
valores do iluminismo. Na prática, ele aparece em toda parte, principalmente como uma
recusa às grandes correntes . Em vez das grandes religiões tradicionais, doutrinas orientais
como o budismo. Na moda, é aquela camiseta única, cuja estampa você mesmo inventou. Na
arquitetura: em vez dos prediões de linhas retas e funcionais do começo do século 20, linhas
curvas. E até no turismo: em vez do pacotão da CVC, uma experiência única, como fazer o
Caminho de Santiago ou percorrer a França de bicicleta .
Notas
3. Prova dessa mudança de valores é a Declaração Universal dos Direitos do Homem: conceito
básico hoje em dia, ela demorou até 1789 para surgir.
4. Filosofava com os amigos no jardim de casa, enquanto sua mãe praticava magia.
5. Se hoje você acredita que o que é natural é melhor do que o artificial, que alimentos
orgânicos são melhores que os industrializados, agradeça aos gregos por essa crença.
7. Odiava o cunhado, que queria levar sua irmã para morar no Paraguai.
8. Na pós-modernidade, não existe uma verdade única, que vale para todos, como no
iluminismo. Vem daí a idéia de relativismo cultural, de que é impossível julgar culturas
diferentes, como as tribos amazônicas que sacrificam bebês.
9. Por isso, se você quer ganhar dinheiro em tempos pós-modernos, ofereça às pessoas uma
experiência diferente – como um city tour de bicicleta pela madrugada ou chinelos com
dezenas de opções de cores.
"Pensarei que o céu, o ar, a terra, as cores, as figuras, os sons, e todas as coisas exteriores que
vemos não passam de ilusões e enganos de que ele [um deus enganador] se serve para
surpreender minha credulidade. Considerar-me-ei a mim mesmo como não tendo mãos, nem
olhos, nem carne, nem sangue, como não tendo nenhum dos sentidos, mas acreditando
falsamente possuir todas essas coisas. Perma necerei obstinadamente apegado a esse
pensamento; e se, por esse medo, não estiver em meu poder atingir o conhecimento de
nenhuma verdade, pelo menos estará em meu poder fazer a suspensão de meu juízo. […]
Posso duvidar de tudo, mas tenho certeza de que estou aqui, pensando, duvidando. Sou uma
coisa que duvida, que pensa." RENÉ DESCARTES, MEDITAÇÕES METAFÍSICAS
"É injusto que se apeguem a mim, embora o façam com prazer e voluntariamente. Eu iludiria
aqueles em quem despertasse desejo, pois não sou o fim de ninguém e não tenho com o que
satisfazê-Ios. Não estou eu pronto a morrer? E, assim, o objeto do apego dessas pessoas
morrerá. Logo, quando não seria eu culpado por fazer crer numa falsidade, embora eu a
adoçasse e acreditasse nela com prazer, e que ela me desse prazer, ainda assim sou culpado de
me fazer amar. E, se atraio as pessoas para que se apeguem a mim, devo advertir aqueles que
estariam prontos a consentir na mentira de que não devem acreditar, qualquer que seja a
vantagem que daí me advenha." BLAISE PASCAL, PENSAMENTOS
"Viver significa ter de ser fora de mim, no absoluto fora que é a circunstância ou mundo: é ter
de, querendo ou não, enfrentar-me e chocar-me, constantemente, inces san temente com tudo
que integra esse mundo: minerais, plantas, animais, os outros homens. Não há remédio. Tenho
de atracar-me com isso tudo. Tenho de me ajustar com tudo isso. Mas isso acontece
ultimamente a mim só, e tenho de fazê-lo solitariamente." JOSÉ ORTEGA Y GASSET, O
HOMEM E A GENTE
"Todos os célebres ideais da política, da moral e da religião são apenas ídolos, inchaços
metafísicos, ficções que não visam nada a não ser fugir da vida, antes de se voltar contra ela."
FRIEDRICH NIETZSCHE