Sie sind auf Seite 1von 8

Walter Fraga

PÓS-ABOLIÇÃO; O DIA
SEGUINTE
No DIA 13 DE MAIO DE 1888, UMA LEI IMPERIAL, A CHAMADA LEI Áurea, deu fim à
instituição que por mais de três séculos marcou de maneira profunda a
vida cotidiana no Brasil: modos de viver e de pensar, relações de poder,
etiquetas de mando e obediência. Desde então, aquele segundo
domingo do mês de maio de 1888 deixaria de ser apenas um dia
qualquer do calendário para ganhar as páginas da história do país,
como um momento fundador, decisivo e crucial.
No calor da hora houve quem definisse aquele dia como o maior
acontecimento da história brasileira. Entretanto, os significados das
intenções, escolhas, expectativas e desencantos que assinalaram esse
evento estão longe de esgotar futuras leituras e interpretações. Tal
como a ambiguidade e os dilemas da própria abolição que então se
consumava, o Treze de Maio estaria para sempre fadado às disputas
sobre sua representatividade simbólica para as lutas por liberdade e
cidadania no país.
O Treze de Maio fez parte dos embates que vinham se agudizando
desde pelo menos a década de 1870, e que dividiram a população em
relação ao fim da escravidão e à maneira como a sociedade deveria ser
reestruturada depois de abolido o cativeiro. Esses embates projetaram
nas elites do país o medo de que o fim da escravidão pudesse
aprofundar conflitos que pusessem em questão as hierarquias e os
lugares sociais e raciais que então alicerçavam a sociedade brasileira.
Até aquela data, em todas as províncias do Império, era intensa a
agitação social, a indisciplina de escravizados nas fazendas, as fugas
individuais e coletivas, a hostilidade de populares ao escravismo e a
radicalização de setores do abolicionismo. Embora o número de
escravizados tenha se reduzido em função das fugas coletivas, às
vésperas do 13 de maio de 1888 ainda restavam as bases institucionais,
costumeiras e legais que afirmavam a condição de propriedade de uns
sobre outros no Brasil.
Naquele dia, a cidade do Rio de Janeiro, centro do poder do Império
do Brasil, amanheceu agitada com a expectativa de que finalmente
fosse votado no Senado o projeto de lei que abolia a escravidão. Desde a
manhã, uma multidão ocupou as ruas centrais da cidade e postou-se
em volta do edifício do Senado e do Paço Imperial. O clima era de
entusiasmo e festa diante da expectativa da sessão extraordinária que
decidiria a sorte de milhares de pessoas ainda submetidas ao cativeiro.
Diversas bandas de música animavam os desfiles das associações
abolicionistas que percorriam as ruas exibindo seus estandartes.
Às duas horas da tarde, quando o texto da lei saiu do Senado para a
sanção imperial, já era impressionante a quantidade de pessoas pelas
ruas centrais do Rio. Alguns jornais chegaram a afirmar que a
concentração popular tomava uma proporção nunca antes vista em
outra manifestação já ocorrida na cidade. Na rua do Ouvidor, as sacadas
dos prédios das redações dos jornais que circulavam na corte estavam
adornadas com bandeiras e repletas de homens e mulheres dando vivas
à liberdade. Cinco anos depois de tais acontecimentos, o romancista
Machado de Assis ainda evocaria a ocasião como "o único dia de delírio
público que me lembro ter visto".
Já eram mais de três horas quando a princesa Isabel finalmente
assinou a lei que aboliu a escravidão. Ela chegou a discursar, mas pouca
coisa pôde ser ouvida ante o barulho da multidão que enchia a sala do
Paço Imperial. Quando apareceu na sacada do prédio, Isabel foi
ovacionada por cerca de 10 mil pessoas que se aglomeravam na praça D.
Pedro rr. À noite, teve desfile de entidades abolicionistas e os edifícios
das ruas centrais da cidade foram iluminados. Das sacadas dos prédios,
muitos discursos e saudações ao grande dia. As festas na corte se
estenderiam até o dia 20 de maio.
A aprovação da lei gerou manifestações muito parecidas e quase
simultâneas nas diversas capitais das províncias do Brasil. As notícias
chegaram pelos fios dos telégrafos, e por isso as redações dos jornais e
as estações ferroviárias que tinham o aparelho atraíram inúmeros
curiosos. No Recife, de todos os lados da cidade tocaram-se muitos
foguetes, e uma grande multidão afluiu para a rua do Imperador em
busca de notícias que chegavam às redações dos jornais. Depois de
confirmada a informação, a multidão marchou em passeata para a
praça da Princesa e postou-se diante do palácio do governo para ouvir o
pronunciamento oficial do presidente da província. Na quarta-feira, 16
de maio, a passeata organizada pelos abolicionistas pernambucanos
reuniu mais de 15 mil pessoas no centro da cidade.
As primeiras notícias da abolição chegaram a Salvador na tarde de 13
de maio. Por volta das duas horas, as redações dos jornais receberam a
novidade: o Senado acabara de votar o projeto de lei da abolição. À
noite, já confirmada a abolição, entidades abolicionistas, estudantes,
populares e ex-escravos ocuparam as ruas e desfilaram pelo centro da
cidade ao som de filarmônicas. Queimaram-se fogos de artifício e, por
noites seguidas, as fachadas das casas e das repartições públicas foram
iluminadas.
A festa tinha sua razão de ser. Afinal, era o fim da escravidão. Além
disso, representava a vitória do movimento popular sobre aqueles que
resistiram à abolição até as vésperas do Treze de Maio. Mas o que
embalava também a festa era a expectativa de que dali por diante dias
melhores viriam.
Três dias depois da abolição, o senhor de engenho e comerciante
Aristides Novis, em carta endereçada ao amigo e correligionário barão
de Cotegipe, senador do Império e residente no Rio de Janeiro,
confidenciou suas impressões sobre o que vira no dia 13 de maio em
Salvador. Entre irônico e temeroso, ele observou: "Viva o dia 13 de Maio,
viva a abolição imediata e sem indenização, vieram enfim os salvadores
da Pátria! Desde o dia 13 que vivemos em completo delírio! Comércio
fechado todo o dia de ontem, passeatas pelas ruas, carros dos caboclos
que foram buscar na Lapinha e depositaram na praça do Palácio; enfim
todas as noites temos grandes festas; carnaval, 2 de Julho, e festa da
abolição! Faça ideia[ ... ] que efeito não produzem, temos aqui mais de 3
mil pretos vindos dos engenhos. Ainda ontem conversando com o
presidente e Chefe de Polícia pedi-lhes que assim passassem estas
festas, providenciasse no sentido destes trabalhadores voltarem às
fazendas, se não em breve os roubos e mortes se dariam a cada
momento".
O que mais preocupava eram os milhares de libertos misturados aos
populares nas ruas da cidade. E, mais ainda, o entusiasmo do povo
tinha incorporado a dimensão e os significados das duas maiores festas
populares da província. Para seu desespero, a celebração da liberdade se
transformou numa síntese potencialmente explosiva do Carnaval e do
Dois de Julho. Realmente, foi insuportável para aquele ex-senhor de
escravos assistir, a um só tempo, à inversão da ordem do Carnaval e à
exaltação da liberdade do Dois de Julho. Por trás disso, havia o medo
maior de que a festa desembocasse em ameaça séria à ordem. Afinal,
festas e batuques sempre foram vistos pela classe senhorial como
prenúncios de revolta.
Na festa organizada pelos abolicionistas de Recife no dia 16 de maio,
um carro alegórico da associação abolicionista Clube do Cupim trazia
uma jangada e uma barcaça com a seguinte inscrição nas velas: "Vinte e
cinco de março de 1884 - nascimento - Ceará Livre". No mesmo carro,
sobre o pedestal, uma mulher jovem representando a liberdade trazia
nas mãos um estandarte que dizia: "Decreto de 13 de Maio de 1888 -
Abolição imediata - Isabel". Aos pés da jovem, um grupo de libertos
seguravam palmas simbolizando a liberdade.
Note-se que, se para os abolicionistas baianos o Treze de Maio era
um desdobramento do dia 2 de julho de 1823, data da independência do
colonialismo português, para os pernambucanos a relação era com o
dia 25 de março de 1884, quando jangadeiros e populares aboliram o
tráfico interno de escravos e a escravidão na província do Ceará. Nas
passeatas abolicionistas que se realizaram em Salvador nos dias
subsequentes ao Treze de Maio, os libertos também se fizeram
presentes, mas apareciam no final do cortejo e puxando os carros dos
caboclos. Aquela posição subalterna na festa de algum modo
simbolizava o lugar pensado para eles ocuparem no Brasil pós-
escravista.
Mas a forma como a notícia chegou às casas-grandes e senzalas
mostra que os libertos, desde então também chamados de "treze de
maio", não pretendiam aparecer como meros figurantes da festa. Os
escravizados da vila de Santo Antônio de Jesus, Recôncavo baiano,
souberam da notícia do fim do cativeiro depois que funcionários de
uma estação ferroviária anunciaram os últimos acontecimentos no Rio
de Janeiro. Uma autoridade da vila de São Francisco do Conde, coração
da lavoura açucareira do Recôncavo, informou com preocupação que,
desde o Treze de Maio, os libertos se entregaram a "ruidosos" sambas
durante noites seguidas. Em diversas cidades da região, recém-libertos
juntaram-se a populares nos festejos e desfiles promovidos por
associações abolicionistas.
Em 1933, um ex-escravizado chamado Argeu, residente no
Recôncavo, relembrou como os cativos do engenho em que vivia
festejaram o que definiu como o "dia da liberdade". Disse ele: "Foi uma
cousa terrive. Seu Mata Pinto [dono do engenho] ajuntou tudo, uns
cem, para um samba, mandou abrir vinho, cachaça, melaço com
tapioca, bestou, e de madrugada diche que tudo tava livre. Foi o diacho.
A gente já sabia e fuguete pipocou a noite toda".
Vê-se que a festa cuidadosamente preparada pelo senhor para dar as
boas-novas frustrou-se em seus objetivos, pois os ex-cativos souberam
com antecedência que a escravidão já havia sido abolida. Na manhã
seguinte, o senhor experimentaria desgosto maior ao constatar que os
ex-escravos não atendiam à convocação ao trabalho, pois, segundo o
velho ex-escravo, "no outro dia não tinha ninguém mais no terreiro".
Em muitos lugares a notícia oficial da abolição só chegou dias depois
do Treze de Maio. Quase um mês após a abolição, na manhã de 7 de
junho de 1888, os libertos da vila de Santa Rita do Rio Preto (extremo
oeste da Bahia) ainda encontraram motivo para festejar quando o
secretário da Câmara anunciou em voz alta pelas ruas a promulgação
da lei de 13 de maio. À medida que percorria as ruas, o secretário foi
festivamente acompanhado por ex-escravizados, homens e mulheres.
Naquele dia, os ex-escravos encontraram oportunidade de
questionar de maneira aberta os padrões e etiquetas de mando
senhorial. Em tal contexto, a desobediência era uma forma de
aprofundar as transformações nas relações cotidianas de poder. Aos
olhos dos ex-senhores, as reações dos libertos não passavam de atos
despropositados, frutos da "embriaguez" e do entusiasmo.
Inegavelmente, o dia 13 de maio e os subsequentes foram momentos
ricos, pois estavam em disputa as possibilidades e os limites da
condição de liberdade.
Depois da promulgação da lei de 13 de maio, a situação parecia
incontrolável em muitos lugares do Brasil. Os libertos passaram a
expressar a nova condição numa linguagem franca, que aos ouvidos de
ex-senhores e feitores soou como "insolente" e "insubordinada". Não
são poucos os senhores e senhoras que guardaram daquele dia
lembranças terríveis de "ingratidão" e desobediência.
Assim, para entender os sentidos daqueles acontecimentos, é
necessária uma perspectiva mais dilatada, isso porque as
consequências do fim do cativeiro perduraram. Basta dizer que, um ano
depois do Treze de Maio, as áreas rurais do Recôncavo baiano ainda
estavam conflagradas por conflitos envolvendo ex-escravizados e
proprietários rurais. Ali os ex-escravizados se recusaram a receber a
ração habitual, e só aceitavam trabalhar mediante pagamento semanal
ou por diária. Recusaram-se também a cumprir as mesmas jornadas de
trabalho do tempo da escravidão. Exigiram trabalhar menos horas nas
lavouras dos fazendeiros e reivindicaram mais tempo para se
dedicarem às áreas que lhes eram reservadas para o cultivo de suas
próprias lavouras. Trabalhar nos termos das velhas relações escravistas
era visto pelos libertos como "continuação do cativeiro".
Temendo a rebeldia dos ex-escravizados, muitos proprietários do
Recôncavo deixaram suas propriedades pouco antes do Treze de Maio e
se refugiaram nas cidades. Quando resolveram reaver suas posses, os
libertos tinham se assenhoreado das terras, abandonado as lavouras de
cana e iniciado seus próprios cultivos. Meses depois da abolição, muitas
dessas propriedades ainda eram dirigidas pelos libertos do Treze de
Maio. Foi assim no Engenho Maracangalha, onde os libertos se
arrancharam e plantaram mandioca, experimentando a doce sensação
de viver sem senhor. Desde então puderam livremente vender o
produto das roças nas feiras locais, e não havia quem os obrigasse a
seguir para o canavial. Tais iniciativas sem dúvida demonstram que,
para aqueles libertos, a liberdade alcançada em 13 de maio estava
conectada ao desejo de possuir terras.
Aos olhos das autoridades, essa onda de expectativas e de
reivindicação de melhores dias não passava de rebeldia e
insubordinação. Depois do Treze de Maio houve crescente controle
sobre a população liberta. A repressão à vadiagem foi um recurso
frequentemente utilizado pelos poderosos para expulsar das
localidades indivíduos considerados "insubordinados" ou que não se
submetiam à autoridade senhorial. Essa era também uma tentativa de
controlar e limitar a liberdade dos egressos da escravidão de escolher
onde e quando trabalhar, e de circular em busca de alternativas de
sobrevivência.
Ao longo dos anos 1888 e 1889, representantes dos fazendeiros
defenderam no Parlamento indenização pelas perdas financeiras
decorrentes do fim do cativeiro. O fato de não verem atendida sua
reivindicação explica por que muitos desistiram da monarquia e
embarcaram no projeto de República pouco mais de um ano depois do
Treze de Maio. Por seu lado, os libertos tiveram que se esforçar para
efetivar sua condição de liberdade num contexto de repressão que
atingia não apenas os "treze de maio", mas toda a população negra. Nos
anos iniciais do Brasil republicano, recrudesceu o controle sobre os
candomblés, batuques, sambas, capoeiras e qualquer outra forma de
manifestação identificada genericamente como "africanismo". Esse
antiafricanismo teve implicações dramáticas para as populações
negras, pois reforçou as barreiras raciais que dificultavam o acesso a
melhores condições de vida e a ampliação dos direitos de cidadania.
A despeito disso, até por volta da década de 1920 o Treze de Maio era
intensamente celebrado nas propriedades rurais do Recôncavo baiano.
Nesse dia, os moradores, muitos deles ex-escravos ou descendentes,
reuniam-se no terreiro dos engenhos para cantar, sambar, jogar
capoeira e comemorar o que chamavam de o "dia da liberdade". Nos
anos 1930, a Frente Negra Brasileira relembrava o fim do cativeiro, mas
também fazia daquele dia um momento para denunciar e reatualizar
antigas demandas da população negra, especialmente acesso à
educação.
As celebrações nos redutos negros parecem ter sobrevivido ao
esquecimento. Em Cachoeira, na Bahia, toda noite de 13 de maio a
filarmônica Lyra Ceciliana, fundada pelo abolicionista negro Manuel
Tranquilino Bastos, desfila pelas principais ruas da cidade repetindo o
trajeto do desfile abolicionista de 1888. Em Santo Amaro, também na
Bahia, todos os terreiros de candomblé da cidade se reúnem no largo do
Mercado, é o Bembé do Largo do Mercado. Segundo a tradição oral, essa
celebração começou em 1889 por iniciativa de um famoso babalorixá
local chamado João de Obá.

Das könnte Ihnen auch gefallen