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Z
Alex Nery
Organizador Zumbi
Capítulo 1
Ao menos estamos vivos
Por João Norberto
***
***
***
Já era quase meio dia e os quatro mal tinham trocado uma só palavra, quando o celular
de Marcela tocou com a música tema do desenho "Backgardigans", fazendo-a sobressaltar e
murmurar um "meu Deus" quase inaudível, enquanto atendia.
- Aninha... Meu anjo... Sim... Isso mesmo meu amor... Fica aí... Tá... Isso mesmo...
Mamãe já vai... Te amo minha linda...
Ela desligou e, com os olhos cheios de lágrimas se voltou para os
outros.
- Nem a pau eu saio daqui... Nem ferrando! A rua tá lotada desses doidos...
- Mas... A minha filhinha... A Aninha não pode... E-eu...
E então ela começou a chorar copiosamente.
Sayuri se aproximou, abraçando-a e tentando fazer com que ela parasse, temendo que o
som atraísse outro daqueles monstros.
- Não podemos mesmo ficar aqui... Duvido que a polícia apareça tão cedo...
- E por que Zé? - Roberto não iria parar tão cedo de agredir seus companheiros. O medo
faz as pessoas, muitas vezes, terem seus piores traços de personalidade acentuados. - Ah!
Esqueci que você é um especialista em polícia...
- Dá uma olhada lá fora Roberto. - Apesar de querer saltar no pescoço do outro, José
sabia que precisava se controlar, sozinho seria muito mais difícil de se salvar. - Olha a zona
que tá na rua, você acha que é algo só aqui no bairro? Tem uma coluna de fumaça saindo de
um monte de lugar da cidade... Essa merda, sei lá o que pode ser, deve ter se espalhado...
Precisamos sair daqui e achar um lugar mais seguro, onde podemos esperar que as coisas
voltem ao normal...
- E por que não aqui? Duvido que algum desses doidos entre pela nossa porta e...
- E você pretende comer o que? Eu trouxe uma marmita, mas mal dá para mim...
Silêncio.
- Então... - Agora Roberto se sentia derrotado. - O que vamos fazer?
Marcela começava a limpar as lágrimas, o nariz fazendo o característico som de
fungadas.
Sayuri ainda abraçava a outra mulher, os olhos um pouco desfocados, provavelmente
pensando no ocorrido na padaria.
José percebeu após alguns instantes de silêncio que todos o observavam.
- Opa... Que que foi?
- Você tem alguma ideia?
- Eu... Bem... - Pego totalmente de surpresa, o faxineiro ficou desconcertado por um
instante, mas então olhou para todos ao redor, se fixando mais em Sayuri. - Certo... Antes de
mais nada precisaremos de um carro... Podemos Sair pela Navegante... Acho que é uma das
saídas mais próximas daqui...
- Antes temos que pegar a minha filha. - Finalmente Marcela parecia despertar de seu
desespero. - Sem ela eu não vou e...
- Dane-se você Cela... Eu quero viver e o plano do Zé parece bom... Acho que no meu
citroen C4 a gente pode ter alguma chance.
- Vai se foder seu filha da puta!!!
Foi preciso que José e Sayuri segurassem Marcela antes que ela conseguisse enterrar
as unhas nos olhos do seu chefe.
- Calma cacete! Se continuar a gritar vai atrair aqueles desgraçados.
Aquilo foi o suficiente para que todos se acalmassem.
- Vamos fazer o seguinte, damos um jeito de descer, pegamos seu carro Roberto,
passamos na escola da filha da Marcela e saímos pela ponte... Que tal e... Filha da puta!!
José tentou segurá-lo, mas Roberto foi mais rápido, ao se levantar, abrir a porta do
escritório e correr para a escada, deixando os demais atordoados e só tendo a escolha de
voltarem a se trancar.
- Merda... E agora?
José permanecia em silêncio, remoendo a raiva pelo chefe, que aumentou quando ouviu o
som de um carro saindo correndo na rua abaixo.
- Precisamos de outro carro...
- Que tal aquele? - Sayuri se aproximou de José e após uma rápida olhada, apontou para
um carro forte, aqueles tipicamente usados para recolher dinheiro de lojas, parado do outro
lado da rua. - Esse ia ser bom né?
Um sorriso surgiu no rosto de José e ele quase agarrou a bela oriental num beijo, só não
o fez por causa da presença de Marcela e então ele se levantou, foi até o armário onde
guardavam os materiais de limpeza e logo depois voltou com dois cabos de madeira.
- Aquele mão de vaca fazia questão de ter só uma vassoura e um rodo... - Ele então
estendeu os cabos para as duas mulheres. - Vou tentar me virar com outra coisa que eu
achar...
- Pode ficar com um deles... - Sayuri apenas ergueu uma das mãos, recusando a arma
improvisada. - Da minha faca eu não solto...
- Certo... Estão prontas? - José se colocou diante das duas, o cabo nas mãos dando um
pouco mais de coragem e então, após abrir a porta do escritório, o trio começou a avançar na
direção da escada.
Todos mantinham silêncio, mas em seus íntimos torciam para poder chegar até a rua tão
rápido quanto Roberto fizera.
Infelizmente, a poucos metros do primeiro degrau, eles viram horrorizados que seu
Manuel, ou o que fora um dia o dono do prédio, vinha na direção deles. Diante daquela cena,
vendo um conhecido andando com um braço a menos e várias marcas de mordidas pelo corpo
uma palavra assaltou a mente dos três.
Zumbi.
A criatura abriu a boca num horrível esgar, soltando um grunhido incompreensível, como
se estivesse sentindo muita dor, antes de começar a se mover na direção deles.
- Se-seu Ma-Manuel... - A coragem de José ia pouco a pouco arrefecendo. - Se-se
afasta... E-eu...
A única resposta foi mais um grunhido.
E um avanço, como o de um cão atacando.
José foi pego de surpresa e caiu de costas no chão, que estava sujo e úmido por causa
do sangue, com aquilo que era o seu Manoel por cima dele, tentando mordê-lo
desesperadamente.
- AAAAHHHHH!!!! Sai de cima!!! - Sem qualquer aviso José recebeu uma golfada de
sangue sobre seus olhos, ao mesmo tempo em que o corpo do monstro pareceu perder força,
permitindo que o faxineiro conseguisse se erguer, passando as costas das mãos em seu rosto.
- Mas que mer...
Foi quando ele viu o cabo da faca de Sayuri para fora do crânio do monstro.
José mexeu no corpo com um pé e ficou aliviado ao ver que a criatura realmente parara
de se mover, logo em seguida ele retirou a faca e devolveu à garota sempre com um olho
naquele que fora o Seu Manoel.
Sem trocarem nenhuma palavra todos empunharam suas armas e começaram a descer
as escadas. Alguns minutos depois estavam na entrada do prédio, logo ao lado da padaria,
olhando para todos os lados.
Muitas pessoas estavam caídas e grupos de zumbis disputavam por pedaços dos vivos,
como se fossem animais sobre uma caça recém abatida, pela rua vários carros estavam
caídos, ou destruídos, um já estava em chamas, com algo que lembrava um corpo humano ao
volante, sendo lentamente consumido.
Conforme viram que nenhum dos monstros estava andando pela rua, resolveram que era
hora de arriscar, saindo correndo o mais silenciosamente que podiam na direção do carro
forte.
Ao alcançar o veículo, rapidamente constataram que estava vazio, com uma grande poça
de sangue do lado do motorista, que foi ocupado por José, já sentindo a sujeira das costas
aumentar ainda mais.
Sayuri foi a segunda a entrar no veículo, seguida de perto por Marcela que, tão logo
fechou a porta atrás de si, olhou pela janela, sendo surpreendida por um dos zumbis.
- AAAAAAAAAAAAAHHHHHHHHHHHHH!!!!!!!!!!!!!
Alheio ao que provocara, o monstro tentava alcançar as pessoas de dentro do veículo,
batendo a cabeça e passando os dentes pelo vidro, provocando um som tenebroso.
Ao menos estavam seguros, com certeza ali dentro as criaturas não poderiam machucá-
los e então José, após procurar inutilmente pelas chaves, começou a tentar fazer uma ligação
direta.
Os minutos passavam, Marcela e Sayuri mantinham as cabeças baixas, ao perceberem
as gotas de suor que brotavam da pele do faxineiro, sendo incapazes também de olhar para
fora, para todo o horror que estava a apenas um vidro de distância.
Para alívio geral, o som do motor começou a roncar, indicando que José finalmente havia
conseguido, mas ao mesmo tempo eles perceberam que alguns dos zumbis que estavam
"ocupados" se alimentando, voltaram suas cabeças para o carro, começando a se arrastar na
direção deste.
- José... - Sayuri tocou de leve o braço do motorista e ele entendeu que precisavam sair
dali o mais rápido que podiam.
O carro começou a se mover, não sem antes fazer com que os ocupantes tivessem um
sobressalto, ao passar por cima de algo que só foram perceber depois, ao olhar pelo
retrovisor.
Era o que havia restado de um corpo.
Eles subiram a rua até chegar à esquina do Hospital Misericórdia e então viraram à
direita, chegando até a acreditar que aquela situação talvez tivesse ocorrido apenas no bairro
do escritório, mas assim que se aproximaram do quarteirão de um shopping, começaram a ter
uma noção do inferno onde estavam.
A rua onde pretendiam virar estava tomada por centenas de zumbis, seria impossível,
mesmo com o carro forte, passar por ali sem acabar preso em meio aos monstros e, para
comprovar suas impressões, algo chamou a atenção deles.
Um citroen preto jazia cercado pelos zumbis e foi possível ver o que restara do motorista.
Roberto tinha tomado a decisão errada, provavelmente tentando entrar com tupo por
aquela rua, batendo num poste, sendo salvo pelo air-bag, mas ficando indefeso para os
monstros que infestavam aquela rua.
Por isso rapidamente José começou a desviar, entrando na rua que levaria até o Museu,
pretendendo seguir algum caminho que estivesse mais deserto.
Sons de tiros chamaram a atenção deles, percebendo que adiante, bem perto de um
cinema, um grupo de homens atacava alucinadamente alguns grupos esparsos de zumbis.
- Grande, era tudo o que a gente precisava... Um grupo de doidos metidos a Rambo...-
Dizendo isso José entrou numa outra rua, essa com um número de zumbis que não oferecia
tanto perigo, muitos sendo atropelados, mas outros permanecendo fora do caminho. - Acho
que por aqui não vamos ter tantos problemas.
Por mais meia hora eles seguiram pelas ruas daquele bairro, desviando quando possível
de alguns zumbis, passando por cima de outros, os três espantados em como haviam
conseguido se adaptar rapidamente à situação.
Talvez por saberem que a vida de uma criança estava em jogo.
- Puxa... Aninha estava tão feliz... Hoje eu ia levá-la para um show da banda Delete, que
ela adora...
Assim que se aproximaram da escola perceberam que, em algumas casas, janelas
tinham suas cortina fechadas de forma brusca, como que numa tentativa de disfarçar que havia
gente ali dentro.
No mínimo pessoas sem coragem para sair ou sem um motivo forte o suficiente.
- Chegamos. - José falou de forma seca, percebendo alguns grupos de zumbis
cambaleando pela rua na frente da entrada, mas nada impossível de se passar.
- Onde ela está?
- Vai descer sozinho? Tá louco?
- Nem japinha... Mas os monstrengos estão bem longe e a porta da escola tá aberta...
Se eu for sozinho eu pego a Aninha, que já me conhece, e corro com ela prá cá... Mais fácil do
que se for nós três... Entendeu? Mas antes...
Ele saiu do carro com muito cuidado, foi até a traseira e testou as portas, verificando que
as mesmas abriam facilmente por dentro, o que seria necessário quando o número do grupo
subisse um pouco mais, com a possibilidade de alguém ir lá atrás.
Feito isso ele foi até o lado onde Marcela estava, Sayuri havia ficado no lugar do
motorista caso surgisse uma emergência, e após ela indicar o local onde Aninha deveria estar
escondida, ele apertou o cabo da vassoura e começou a correr.
Conforme avançava ele procurava evitar os zumbis, mas acertava as cabeças daqueles
que acabavam em seu caminho, conseguindo finalmente entrar na escola.
Os corredores estavam repletos de manchas de sangue, com restos de corpos jogados
por todo lado, o cheiro revirou o estomago de José, que agradecia a Deus o fato de não ter
almoçado.
Após meia hora ele chegou até um banheiro feminino que, segundo Marcela estava
desativado, mas que fora o "local seguro" que ela havia combinado com sua filha para que
esta se escondesse caso alguém pretendesse fazer mal a ela.
- Aninha? - Ele colocou a cabeça dentro do banheiro, tendo o cuidado de deixar parte do
corpo para fora, no caso de ter que sair correndo. - Vamos lá meu anjo... Eu sou o Zé...
Lembra? Sua mãe mandou eu te buscar... Vamos logo embora...
Para o crescente desespero de José, a menina não aparecia e além dele não querer
entrar e arriscar ficar preso ali dentro, podia jurar que estava ouvindo alguns grunhidos ficarem
cada vez mais próximos.
- Vamos minha lindinha... - O suor escorria pelo rosto dele, a tensão fazendo-o olhar para
fora várias vezes e quando ele olhou novamente para dentro do banheiro, o susto de ver
Aninha ali parada quase o fez gritar. - Nossa... Ufa...
Oi Aninha... Tudo bem? Tá machucada? Tá tudo bem mesmo?
Ela respondia sim e não para as várias perguntas e de repente os grunhidos ficaram
totalmente audíveis, fazendo com que Aninha se jogasse no colo dele ao mesmo tempo em
que um grupo de crianças zumbis surgia de um corredor adjacente.
José realmente não queria descobrir se era capaz de arrebentar a cabeça de uma
criança, que aparentava ter menos de dez anos, por isso segurou firme Aninha em seus braços
e saiu correndo pelo caminho que fizera para chegar ali.
- Liga o Carro!!! - Para alivio de Marcela, José surgia por entre as portas da escola com
sua filha nos braços, correndo na direção do carro forte. - Vamos! Vamos!!!
Assim que se aproximou, José entregou Aninha para sua mãe, que a abraçou tão forte
que quase esganou a menina, enquanto elas iam para a parte de trás do veículo.
José então voltou para a frente, tomou o volante, enquanto Sayuri pulava para o banco
do motorista, ligou o carro e, conforme alguns zumbis finalmente se aproximava, ele saiu
alucinadamente, atropelando alguns que estavam pelo caminho.
- Prá onde agora?
- Vamos tentar chegar até a Navegantes, como havíamos planejado e...
A frase morreu na garganta de José, pois assim que dobraram uma esquina, que dava
acesso à ponte que pretendiam usar, arregalaram os olhos.
Um enorme amontoado de zumbis ocupava uma imensa área da rua que, levava para a
saída que planejavam usar.
- Merda! E agora José? - O outro ficou em silêncio, atordoado, enquanto Sayuri tentava
despertá-lo. - José? E agora? O que vamos fazer?
- Eu... E-eu... Não sei... Precisamos achar outra saída, mas se as demais pontes e
estradas estiverem assim...
- E o aeroporto? Talvez consigamos um avião...
- Você acha que o pessoal mais rico já não deve ter enchido o aeroporto? Não... Tem
que ter algum outro jeito...
- Que tal o porto? - Era Marcela quem falava, através de uma janelinha que ligava a
cabine do motorista com o baú do carro forte. - Eu tive um namorado que me ensinou a
velejar... De repente...
Sem mais nenhuma palavra, após uma troca de olhares entre Sayuri e José, este deu a
volta com o carro, passando pelos caminhos que haviam feito até ali, evitando outra vez os
loucos e as grandes aglomerações de zumbis.
Quando chegaram até o bairro da Moda, o Sol estava começando a se
por.
- Melhor acharmos um local para passar a noite, não quero encontrar com esses
monstros no escuro.
- Olha lá José... Aquela loja de roupas foi montada numa daquelas casas chiques... Uma
vez minha mãe me levou lá... Tem até quartos montados e uma pequena lanchonete... As
portas estão abertas...
- Perfeito.
***
A limpeza da loja durou menos que uma hora, por causa dos preços absurdos não havia
muita gente lá dentro no momento em que a infestação começara, por isso foi relativamente
fácil para José e Sayuri derrubarem e se livrar dos poucos zumbis que estavam lá.
Marcela mantinha-se agarrada com Aninha.
Eles acabaram comendo alguns salgados da lanchonete, uma janta nada pesada, pois
estavam preocupados em racionar a comida, caso não conseguissem sair dali pela manhã e
então cada um deles escolheu um quarto para passarem a noite.
José estava deitado, havia se livrado das roupas imundas e ficou feliz após descobrir que
havia até um banheiro completo na loja. Ele ainda escutava Marcela conversando com sua
filha, tentando explicar por que não iriam para o show do Delete, quando ouviu a porta se abrir.
Sayuri entrou, trancou a porta atrás de si e começou a caminhar na direção do outro,
deixando uma peça de roupa para trás a cada passo.
Quando chegou na cama, estava completamente nua, expondo um corpo cujas formas
variavam entre uma menina e uma mulher, os seios num tamanho médio, as pernas bem
torneadas, a região pubiana sem qualquer pelo.
José já estava completamente excitado, desde o momento em que ela entrara, e sem
nenhuma cerimônia levantou os lençóis, deixando que a garota arregalasse os olhos com o que
via.
No instante seguinte Sayuri estava encaixada sobre o corpo dele, com movimentos
selvagens, subindo e descendo, arrancando gemidos que os dois mal conseguiam conter, em
respeito à mãe e filha que estavam no quarto ao lado.
José ergueu seu tronco, levantou Sayuri com carinho, colocou-a de quatro e penetrou-a
novamente, o que fez com que a garota terminasse por morder os lençóis, numa tentativa clara
de não gritar de prazer.
Após o orgasmo, a garota finalmente se entregou ao cansaço, ressonando
tranquilamente sobre um dos braços de José que, ainda sem conseguir dormir e com todo
cuidado, se desvencilhou dela, vestiu apenas uma calça de moletom, sem deixar de reparar
que precisaria trabalhar mais de mês para comprar algo tão caro e desceu até a lanchonete,
pretendendo tomar um café.
Sem que ele percebesse, assim que passou pelo quarto de Marcela e Aninha, a porta foi
lentamente aberta.
Após tomar uma lata de chá gelado, ele pensou que o café não iria ajudá-lo a dormir,
José teve um sobressalto quando se virou para a saída da lanchonete.
Bloqueando a porta estava Marcela.
Ela vestia apenas um roupão de seda, que logo deslizou pelo seu corpo, deixando clara
suas intenções, ainda mais quando ela se aproximou, andando languidamente, umedecendo os
lábios com a língua e terminando por se ajoelhar na frente de José.
Ele fechou os olhos e, como o amanhã era ainda mais incerto, José não resistiu quando
sentiu a calça sendo abaixada.
Em poucos minutos ele e Marcela transavam com a mesma intensidade que ele havia
apresentando quando estava com Sayuri.
Mais tarde ele entrou no quarto e encontrou a garota acordada, os lençóis cobrindo o
corpo nu, um sorriso enviesado no rosto.
- Sayuri... Eu... - Ele sentou-se ao lado dela na cama, várias desculpas na ponta da
língua, mas ela o calou colocando um dedo em sua boca.
- O mundo mudou José... Podemos nos enganar sobre isso, achando que tudo vai voltar
ao normal, mas lá no fundo... - Ela interrompeu a frase, deixando algumas lágrimas caírem,
antes de continuar. - Não me importo se você quiser ficar ou não com a Marcela, mas pelo
menos hoje à noite... Dorme comigo...
Eles então passaram a noite inteira abraçados.
Na manhã do dia seguinte já estavam prontos para partir.
Novamente Marcela e Aninha iriam na parte de trás do Carro forte, onde era mais seguro
para a menina e então, após comerem o suficiente para se manter sem fome por horas,
saíram da loja.
Nesse momento já atropelaram, ao menos, uns três zumbis que não se moviam, apenas
se balançavam de um lado para o outro.
Eles subiam a rua, procurando evitar ao máximo grandes concentrações de zumbis e
José olhou com saudade e tristeza para uma pizzaria onde ele gostava de comer, vendo-a com
as portas escancaradas e várias manchas de sangue espalhadas pelas paredes próximas.
Eles tentaram avançar pela rua do parque Prof. Matheus Ubirajara, mas viram mais uma
grande agrupamento de zumbis, retornando pela mesma rua e avançando até chegarem na
região próxima da estação de trem.
Uma vez lá conseguiram, com pouco esforço, analisar as possíveis rotas até o porto,
mas para desânimo de todos, as principais vias de acesso estavam tomadas pelos zumbis.
Para piorar, a salvação parecia realmente perto, pois eles já conseguiam ver grupos do
exército, que pareciam ter tomado o porto e estavam ajudando os sobreviventes a embarcar.
- Vamos ter de ir a pé daqui... - José estacionara o carro numa avenida, pouco depois da
estação e longe o suficiente de um numeroso grupo de zumbis, por onde seria morte certa se
tentassem atravessar. - Se conseguirmos correr e evitar, ou derrubar os desgraçados que
chegarem perto, poderemos ser vistos pelo exército e talvez eles nos ajudem.
- Ou não... - Sayuri não parecia nada contente em sair do conforto do carro para se
arriscar contra os monstros.
- Ou não... Disse bem...
Marcela ouvia José concordando com a outra garota e abraçou ainda mais forte sua filha,
temendo que eles acabassem presos dentro daquele carro para sempre, ou até morrerem de
fome.
- Quero que minha filha sobreviva... Vamos tentar...
- Seria bom se a gente conseguisse distrair esses monstros...
- Tenho uma ideia... - Sayuri exibia um enorme sorriso enquanto explicava seu planos
para os demais.
Minutos depois o som do motor do carro forte atraiu a atenção de alguns zumbis, que
estavam próximos e logo o veículo começou a rodar em alta velocidade, indo na direção da
multidão dos monstros, que bloqueava o caminhos dos sobreviventes.
Corpos foram destruídos conforme o carro avançava, com o acelerador preso e sem
ninguém ali dentro, acabando por capotar quando o número de zumbis aumentou tanto que
aqueles que ficavam pelo chão acabaram fazendo as rodas deslizarem.
Enquanto isso Marcela empunhava o cabo de vassoura com duas mãos, acertando sem
dó na cabeça dos monstros que tentavam barrar seu caminho, enquanto Sayuri acertava os
olhos daqueles que se aproximavam demais, retirando a faca de seus crânios conforme eles
paravam de se mover.
José mantinha outros monstros afastados, acertando-os com o cabo do rodo,
empunhado-o com uma mão, enquanto com a outra mantinha Aninha em seu colo, desse modo
não corriam o risco da menina cair ou atrasá-los.
Eles finalmente atravessaram as pistas, começando a correr por uma área gramada, que
estava ao lado de uma rua que antecedia a chegada ao porto, onde era possível ver alguns
soldados que cuidavam da segurança do local.
- Ei!!! - José agora não tentava mais ser silencioso. - Nos ajudem!!!
- Socorro!!! - Marcela e Sayuri gritavam quase em uníssono, procurando chamar a
atenção dos soldados.
Quando faltavam poucos metros para chegarem, finalmente conseguiram chamar a
atenção de três soldados, que destravaram suas armas e começaram a cobrir o avanço dos
sobreviventes, até que esses conseguiram entrar no perímetro em segurança.
Mal tiveram tempo de respirar, foram logo subjugados pelos militares, sofreram uma
rigorosa e humilhante revista, para que fosse certificado que nenhum deles apresentava
ferimentos ou mordidas, passaram por exames de sangue, para garantir que não estavam
infectados e horas depois, finalmente conseguiram se reunir, enquanto eram levados para um
navio onde haviam outros sobreviventes.
- E agora José? - Ambas as garotas andavam abraçadas ao ex-faxineiro, Aninha vindo
logo ao lado, sob um dos braços de Marcela, mas era Sayuri quem perguntava. - O que será
que vai acontecer?
- Não faço ideia... - José lembrava dos conhecidos que eles viram se tornar aqueles
monstros, além de finalmente conseguir pensar na mãe e nos irmãos, se perguntando o que
poderia ter acontecido com eles. - Mas pelo menos estamos vivos... Por enquanto é o que
basta...
Ao longe eles podiam ver as multidões de zumbis se arrastando e a única certeza era de
que nada seria como antes novamente.
FIM
Capítulo 2
Bytes, sexo e zumbis
Por Shadow
Tiago trabalhava incessantemente, o website do cliente deveria ser entregue naquele dia.
A leitura completa do HTML foi feita e refeita para que nada desse errado. O site era de uma
Metalúrgica Golden Metal.
Tempos depois ele conseguira terminar o serviço. Passou por e-mail o site ao seu chefe.
Naquele dia, Sérgio, o chefe de Tiago não estava com uma aparência muito boa. As axilas
suadas deixavam uma marca nojenta em sua roupa social, enquanto ele gemia e suava frio.
Tiago entrou na sala para ver como seu superior estava. Ele estava sentado, tomando uma
xícara de café enquanto escrevia algo pelo MSN. Levou uma mão ao peito e olhou para Tiago,
os olhos agora em pânico.
- Sérgio... Como está?
- Não me sinto muito bem ainda. Acho que tenho que ir para casa. - O assustado chefe
respondeu, enquanto se levantava para sair. Suas pernas falharam e ele caiu, em coma.
- CHEFE! ALGUÉM CHAME UM MÉDICO! AH DROGA!
***
Enquanto seu namorado trabalhava e passava por maus bocados, Juliana transava feito
uma cadela no cio com Pedro. Ambos executavam todas as posições possíveis, em meio aos
gemidos safados e o cheiro de suor se misturando ao cheiro de sexo. Juliana era uma puta,
como Pedro dizia em seus xingamentos "carinhosos", enquanto batia na cara dela e a fazia
chupar seus dedos.
Os braços fortes a envolviam e sem nenhuma delicadeza ele puxava os cabelos loiros da
menina que se passava por santa. Logo depois de um longo orgasmo, ela se jogou para o lado
e olhou para o seu amante. Ele sorria de prazer, enquanto estava de olhos fechados, não
acreditando naquela transa.
Faziam cinco meses que eles transavam enquanto Tiago estava fora. Juliana se levantou
rapidamente, com os peitos e a vagina para fora e caminhou até a cozinha. Pedro se sentara
na cama e esperara pela mulher mais gostosa que ele conseguira pegar. Se levantou e se
vestiu, sua roupa informal grudava ao corpo devido ao suor.
Ele se encontrou com ela no meio da escada. Com a cara surpresa, ela perguntou:
- Já vai? Queria mais uma rodada.
- Tenho que trabalhar. Outra coisa, se o corno do Tiago aparece aí, estou fodido.
- Ele é um banana. Vai... Vamos só mais uma vez. - Ela insistia.
- Agora não. Fique com meu beijo. - Dito isso Pedro beijou com ternura a boca de
Juliana, que quis aproveitar cada momento.
Ele saiu da casa e olhou para ela uma última vez. A grande casa de dois andares era
linda por dentro e por fora também. Caminhou cansado e ofegante. Entrou em seu Captiva e
acelerou, buzinando para Juliana, que estava na janela do quarto de cima.
Ela tinha que se arrumar antes que Tiago chegasse. Quando ela pensou nisso, o telefone
tocou. Juliana desceu as escadas e atendeu.
- Alô?
- Oi amiga! - A voz era a de Gabriela.
- Gabi! Como você tá?
- Eu vi ele saindo da sua casa. Se divertiu?
- Nossa, não tem nem ideia. Um dia desses vamos marcar para eu e você nos
encontrarmos com ele.
- Hum... Danadinha. Hahahahaha. Tô indo aí.
- Tá bom, beijos.
O telefone desliga e em poucos minutos, a campainha toca. Juliana atende e abraça
Gabriela, seu vestido transparente não tampa nada, mas ela faz questão de sair na porta
desse jeito.
- Então... Me conta. - Disse Gabriela totalmente interessada na transa da amiga e do
"amigo".
- Ah, então... - O telefone toca novamente, impedindo Juliana de terminar sua frase. -
Aff... Deve ser o corno do Tiago.
Ela corre para atender e, com sua voz cínica, fala primeiro:
- Alô?
- Oi Ju.
- Oi amorzinho. - Enquanto ela falava, fazia caretas que arrancavam grandes risadas
abafadas de Gabriela.
- Estou aqui no hospital com o Sérgio, vou demorar um pouco a chegar.
- Ah amorzinho, estou com tanta saudade. Eu quero namorar ainda hoje.
- Tudo bem. Daqui umas três horas estou de volta.
- Tudo isso?
- Infelizmente sim.
Juliana pulava de alegria. Com a mesma voz cínica, ela se despediu. Assim que ela
colocou o telefone no gancho, Gabriela caiu na risada. Sua alegria era incessante. E o tesão
também.
***
***
***
Tiago dava passos nervosos, seguido de Joshua, que também estava armado. Logo
atrás, Juliana e Gabriela carregavam Pedro, que arrastava seus pés. Os gemidos irritavam
cada vez mais os ouvidos do homem traído, disposto a tudo agora para sobreviver.
Logo a frente, dez homens e três mulheres caminhavam como bêbados. Tiago preparou
o taco de madeira e esperou que alguma dessas pessoas se aproximassem, o que não
demorou a acontecer. Um homem veio em direção à ele que, para se defender, rodou a
madeira, acertando a cabeça do zumbi e deixando seu inimigo caído no chão.
Joshua o seguiu e girava seu bastão na cabeça dos loucos que tentavam atacá-lo, com
os braços estendidos e a boca gotejante de sangue. As meninas logo atrás foram quase que
deixadas de lado pelos dois homens à frente, e para que não fossem pegas, aceleraram o
passo, por mais que Pedro fosse pesado.
"É um homem que vale a pena ser valorizado" Pensava Juliana. Por mais que tudo isso
ainda estivesse acontecendo, ela ainda sentia que podia ficar com Pedro depois que tudo
aquilo acabasse. Ao longo do caminho, eles viam pessoas correndo enquanto eram pegas por
multidões enormes de "zumbis". Os gritos e explosões eram constantes naquela parte da
cidade, onde os helicópteros caíam sem explicação.
Carros da polícia e dos bombeiros cruzavam as ruas. O COE foi chamado para tentar
amenizar o problema e, bem na frente de Tiago e do grupo, eles foram devorados vivos,
enquanto tentavam sobreviver, atirando contra o peito de todas as pessoas. Os bombeiros que
também tentavam se defender usavam machados e, numa maneira desesperada, tentavam
fazer com que a forte pressão da mangueira d'água fizesse com que a maioria dos zumbis
caíssem para trás. O que não adiantou muito.
Eles decidiram tomar a saída do parque natural, o que facilitaria mais o seu caminho até
a rodovia, já que o caminho estava fechado devido ao tanto de pessoas "doentes" que
fecharam a rua. Eles se viraram na direção do parque e continuaram a caminhar por um bom
tempo.
Pedro agora estava tomando a mesma tonalidade de Sérgio antes dele se transformar
em uma daquelas coisas. No chão, panfletos com a propaganda da banda que Tiago mais
odiava, Delete, mostrava o seu show, como lançamento de seu novo hit: "Vem Jorjão". Os
passos se tornaram mais apressados assim que zumbis pareciam estar cercando o grupo.
Como os sintomas mostravam, Pedro caiu no chão, em coma. Gabriela caiu logo depois,
devido ao peso exercido pelo amigo e Juliana gritou infantilmente quando viu a situação de seu
amante, já que não se importava mais com o que Tiago pensasse dela. Ele olhou para as duas
pessoas caídas e, seguindo o seu coração, os deixou. Joshua não acreditou na atitude dele e
perguntou:
- Vai deixá-los ali?
- Não tenho nada a ver com eles. - Tiago respondeu.
- Ah. Pare de ser imaturo! Neste momento devemos cuidar um dos outros. - Joshua gritou
mais alto, chamando atenção indesejada.
- Não vou ajudá-los.
Tiago parou e ficou olhando os zumbis cercarem o grupo e apertou o pedaço de madeira
que estava em sua mão. Enquanto isso, Gabriela e Juliana tentavam acordar Pedro, que não
apresentava sinais vitais, isso foi confirmado quando Joshua examinou o enfermo. O médico
experiente olhou para as meninas e acenou negativamente com a cabeça, fazendo com que
ambas se pusessem a chorar.
- Eu não quero atrapalhar a palhaçada... Mas estamos sendo cercados, porra! - Tiago
gritou, chamando a atenção das meninas e de Joshua.
Devido a isso, Gabriela não estava preparada para o que aconteceria a seguir. Com uma
das mãos, Pedro, ou a criatura que ele havia se transformado, puxou ela para perto de sua
boca. Numa só mordida, ele conseguira desfigurar o rosto belo e bem feito de Gabriela, que
gritava horrorizada, enquanto o sangue quente escorria pelas suas roupas. Juliana pulou para
trás e também gritou, enquanto Pedro devorava a ex-amiga.
Joshua puxou Juliana pelo braço e a instigou a correr para sobreviver, por mais que ela
ainda quisesse ficar ali, junto com seu amor verdadeiro, ou não, e sua amiga. Enquanto isso
Tiago desferia golpes mortais contra os seres que se aproximavam demais. Assim que ele viu
que Joshua e Juliana estavam prontos para correr, apontou o caminho e todos correram.
Depois de um tempo correndo, o soluço de Juliana fora trocado por uma respiração
ofegante. Suor saía de suas têmporas, assim como Joshua e Tiago também estavam
encharcados. Naquele dia, nem o sol estava do lado deles. A imagem de Gabriela sendo
devorada ainda continuava assombrando a mente de Juliana, que sempre dava pequenos
choramingos, fazendo cara de choro. Até que eles chegaram ao parque. O único problema era
uma enorme grade separando-os da mata fechada, que os levaria à rodovia. E o pior era que,
por mais que não quisessem, eles tinham chamado a atenção de muitos zumbis.
- E agora? - Perguntou Joshua.
- Vamos pular oras. - Tiago respondeu, como se aquilo parecesse óbvio e além de tudo,
fácil.
Juliana olhava para trás e suas mãos tremiam cada vez mais. Antes que alguém pudesse
dizer alguma coisa, Tiago começou a subir, sem ao menos dar preferência para a única mulher
no grupo. Joshua já estava começando a odiar aquele cara, isso foi percebido quando ele
balançou a cabeça e, pelo seu pensamento, todos os tipos de xingamentos passavam, dando
uma vontade enorme de ele terminar tudo aquilo e matar aquele desgraçado que se tornara
frio.
Ele, como um cavalheiro, ajudou Juliana a subir, coisa que ela fazia com muita
dificuldade. Tiago já estava do outro lado da cerca e, por mais que não quisesse, ele esperou
todos passarem. Assim que Juliana pulou para o outro lado, Joshua começou sua escalada.
Talvez tarde demais. Os zumbis agarraram em seu pé, derrubando-o da grade. Num pulo, o
médico se levantou e começou a desferir socos para tentar escapar da horda que o cercara.
Assim que levou seu braço para trás para dar um potente murro em um "homem" que
aparentava ter vinte e quatro anos, foi puxado e mordido. Isso desestabilizou totalmente
aquele médico decidido de que iria sobreviver. Logo os zumbis cobriram Joshua e os gritos
foram a única prova de que ele estava morrendo.
Juliana gritava, torcendo para que ele escapasse, o que não aconteceu. Assim que os
gritos cessaram, ela se ajoelhou no chão e levou suas mãos ao rosto, o choro sentido e
desesperado fez o coração de pedra de Tiago quebrar, ou quase quebrar.
- Juliana. Escute. Precisamos correr o mais rápido possível. Consegue fazer isso?
- Eu não posso aguentar tudo isso. Primeiro o Pedro, depois a Gabi, agora o Joshua. EU
QUERO MORRER!!!
- Temos que ser fortes. - Tiago estendeu a mão esquerda à ela.
Juliana o encarou e pegou em sua mão, limpando as lágrimas restantes em sua face. E
ambos correram. Os zumbis não tinham tempo de cercá-los. A rodovia já podia ser vista. Eles
só precisavam correr por mais um tempo. Já longe do local onde Joshua havia sido morto,
Tiago pediu à Juliana para descansar um pouco. Eles pararam e ele levou suas mãos ao
joelho, dizendo logo em seguida:
- Sabe, eu não... Imaginava que você poderia fazer isso comigo.
- Tiago eu ia te contar.
- Bem que eu estranhei o Pedro sair da firma correndo feito um louco, dizendo que
precisava resolver algumas coisas.
- Me desculpe. Eu ia te contar.
- Você IA. Não vai mais.
- O que quer dizer com isso?
- Nada. Vamos continuar.
Ela foi na frente, a coisa que Tiago mais queria. Ele preparou seu taco e o quebrou,
acertando na cabeça de Juliana, que caiu, desacordada. O pedaço de madeira que havia
sobrado, ele enfiara em seu corpo, ouvindo lentamente o som dos órgãos sendo rasgados
pelo pedaço de madeira que entrava. Se ela não morresse pelos zumbis, morreria por
traumatismo e se não fosse por isso, a hemorragia daria um jeito.
- Não vai mais. - Foi a última coisa que Tiago disse.
***
Tiago corria o mais rápido que podia e, por mais que tivesse matado uma mulher, sua
futura esposa, ele não derramara nenhuma lágrima. Estava feliz com o que tinha feito. Assim
que ele avistou a rodovia, também avistou a barricada policial.
- Ah... Graças a Deus.
Ele começara a andar mais rápido, o único que conseguira escapar com vida. Pelo
menos do seu grupo. Assim que ele se aproximou viu as miras das armas sendo apontadas
para o seu peito. Tiros e mais tiros foram ouvidos e um policial disse:
- Alvo neutralizado.
O corpo de Tiago jazia ali. Sem vida, como o de sua ex-namorada. Sem vida talvez não,
já que, algumas horas depois, seus olhos foram abertos, durante a noite, pareciam duas luas.
Olhos brancos como a morte em si. Um grito de vitória e o exército zumbificado caminhava
contra a brigada policial.
Numa cidade inundada pelo sangue de inocentes.
Toda a esperança se foi{01}.
FIM
Capítulo 3
Os zumbis e os coloridos
Por Alex Nery
A multidão estava eufórica. Milhares de pessoas haviam deixado suas casas para assistir
à única apresentação da famosa banda Delete no município. Adolescentes coloridos saltitavam
mais do que gazelas no cio, enquanto no palco, os quatro músicos adolescentes, líderes do
movimento colorido despejavam suas canções, todas no top 10 das rádios pop do país.
Na bateria, Zé Lucas, vinte e um anos, moreno e musculoso. Possuidor de um sorriso de
galã de Malhação. À direita do palco, na guitarra, Pru, o músico de dezesseis anos, xodó da
ala fúcsia do fã clube. À esquerda, Fucho, o colorido mais "fofinho" do grupo. Daí vinha seu
apelido, derivado de "fofucho", como diziam as fãs. À frente, arrancando gritinhos de todo tipo
de criatura saltitante presente, estava Pi Tomba, o vocalista e líder da banda.
Na plateia, as pessoas estavam alvoroçadas. Várias faixas de fã clubes podiam ser
vistas:
"A FAMÍLIA MACHINE AMA VOCÊS!"
"QUERO CONHECER VOCÊS PESSOALMENTE. ASSINADO: CHÉDOU"
Um dos momentos altos do show foi quando o DJ da rádio local sorteou uma fã para
subir ao palco e conhecer os ídolos.
- Vamos lá, pessoal! Aqui está o nome da sortuda, ou do sortudo... vejamos.
As fãs prenderam a respiração enquanto o DJ fazia suspense.
- É uma sortuda! O nome dela é... VAMPYYYYY!!!!
Depois de alguns instantes, a fã sortuda subiu ao palco. Ela chorava e pulava
emocionada ao encontrar seus ídolos.
- Eu quero mandar um beijo pro meu namorado, Frê! - disse ela.
A banda atacou com o hit que estava estourado em todas as rádios: "Vem, Jorge", que
Pi Tomba, o vocalista e baixista da banda, havia composto em homenagem ao seu gato, um
gato balinês que ele tinha desde os oito anos de idade, chamado "Jorge", e que havia morrido
atropelado pelo sorveteiro do bairro cinco anos depois.
Assim como Pi, várias fãs debulharam-se em lágrimas, emocionadas com a homenagem.
***
FIM
Capítulo 4
Sobrevivendo ao inferno
Por Fábio "Raven" Rodrigues
Beto Saldanha está no Clube de Tiro da cidade. Nunca cheio. Poucas pessoas se
interessam nesse tipo de esporte. Mas ele é Bi Campeão do Circuito Estadual de Tiro,
Campeão Brasileiro e também faturou o Mundial em 2008.e está com o patrocínio quase
acertado para as próximas olimpíadas. Ele chegou cedo e começou a treinar sozinho. Juarez,
dono do clube, sempre gostava de assistir ao treinamento de Beto.
- Mas e aí, Beto, não está mesmo interessado naquela arma que eu disse que tô
vendendo?
- Ah, Juarez. Estou acostumado com minha Imbel, cara... é minha preferida. Sente só a
leveza da criança... - Beto a levanta. A luz ambiente bate na arma, que reluz enquanto seu
dono sorri. Certamente, é o metal mais precioso que Beto guarda consigo.
- Sei... Mas e quanto aquela sua carabina. A Puma. Não vai mais treinar com ela? Pensa
em largar a modalidade?
- Não. Ela tá lá no carro. Estou apenas me concentrando no meu objetivo para as
Olimpíadas. A modalidade Shot Gun já tem muitos adeptos. Mas se der certo, eu vou
participar das duas.
Beto começa a atirar. Os outros três rapazes que estão treinando ao lado param para
ver o campeão.
- Puxa... Olha as horas. E o Guga ainda não chegou...
***
Pizzaria Manolo’s.
8:26 h.
Dom Manolo chegou a Santa Fé aos 13 anos de idade, veio da Itália com a família e
herdou a pizzaria de seu pai. Os negócios da família estão
prosperando e, aos cinquenta anos de idade, ele tem a sensação do dever cumprido.
Gordo e com bigode típico, se orgulha de seus três filhos já estudados e cada um seguindo
seu caminho. E para a sua alegria, o mais novo tem intenção de tocar o negócio, o que sugere
que sua aposentadoria está próxima.
- Puxa, Seu Manolo, bem que o senhor podia ter vindo sozinho. Precisava me acordar
cedo em casa pra vir receber a mercadoria?
- È ora di reclamare, Mariana? Se soubesse que você era preguiçosa eu não teria te
contratado. Você tá aqui é pra trabalhar. Se reclamar, eu ponho a Soraia no teu lugar no caixa.
- Não, Seu Manolo. Tá tudo bem. Um dia eu vou ser gerente da sua pizzaria, e você vai
ver...
- Para de sonhar menina, ninguém mandou você abandonar os estudos. Mariana tem 22
anos e parou de estudar quando acabou o colegial, pois seus pais não podiam pagar uma
faculdade particular, mas sonha ter sua própria pizzaria um dia.
- E tem mais, Seu Manolo, o seu filho mais novo, o Léo, ele tá de olho em mim. Ele é
bonito e galanteador. Se a gente der certo, você vai ter que me colocar na gerência.
- Essere nelle nuvole? Tira os olhos do ragazzo, que ele não é pro teu bico!
- Isso é o que veremos, Seu Manolo.
***
Guga vem de uma família rica e tradicional de Santa Fé. Seu pai é dono de uma das
maiores redes de petróleo da região, possuindo postos de gasolina em várias cidades do
Estado. Foi incentivado por seu amigo Beto a praticar aulas de tiro. Guga é casado, e tem um
toque de inveja de seu amigo Beto, solteiro e cheio de garotas atrás dele. O dinheiro de seu
pai lhe proporciona algum prazer noturno, mas as brigas com a esposa fazem ter preocupação
com os rumos de seu relacionamento. Ele é pai de um garotinho de dois anos de idade,
Julinho.
- Escuta Bete, para de me encher, que eu tô atrasado para o curso de tiro. - Ah! E talvez
eu chegue tarde em casa... De novo.
- Um dia, você vai chegar em casa, e não me encontrar aqui. Nem a mim, nem ao seu
filho. - Enquanto sua mãe esbraveja, Julinho chora no canto da sala.
- Se você fizer isso, meu pai bota todos os advogados dele em cima de você.
- Quem está errado dentro dessa casa é você. Poxa, Guga, você não é mais
adolescente. Tem família, tem responsabilidades, chega tarde toda noite, bêbado e...
- Vê se não me enche, que eu tô atrasado. Tchau... Julinho, vem cá... Dá um beijo no
papai.
- Volta logo, papai...
- Beijo, filhão. - Guga entra em seu carro, e sai em disparada, rumo ao clube de tiro. -
Saco, essa mulher já tá me dando nos nervos. Por isso que, à noite, sempre tenho que dar
uma extravasada. Nada como beber com algumas garotas do Club Privê até de madrugada...
O Club Privê é melhor que o Clube de Tiro... Hehehehe
***
Bernardo sempre foi um fracassado. Gordinho desde pequeno, sempre foi o motivo de
chacota na escola. No colégio. E na universidade. Nerd convicto, disfarçava os aborrecimentos
da vida em seu mundo imaginário, onde os super-heróis voavam por aí. Pensou diversas vezes
em levar uma arma pra aula, e acabar com a encheção de saco matando todos os seus
colegas de classe, mas depois ficou com medo de passar um tempo na cadeia, pois se sentia
tão fracassado que não teria coragem de se matar. Um fracassado, como sempre. Se formou
em Administração de empresas, mas nunca conseguiu um emprego decente. Um fracassado,
como sempre. Depois que a Kátia lhe deu um pé na bunda, sua autoestima foi lá embaixo e
está sem namorada a mais de um ano. Um fracassado, como sempre. Hoje ele trabalha pra
uma agência de festas, como recreador infantil. Aos 35 anos de idade, deu sorte de pegar um
trabalho na prefeitura, que está realizando uma série de eventos no parque, o "Sacode Santa
Fé", assim ele e alguns colegas trabalham animando crianças e idosos como palhaço . Um
fracassado, como sempre.
- Vamô lá molecada!!!! Quem chegar primeiro, ganha um abraço do Palhaço Xinfrim!!! -
Bernardo abre os braços e gesticula muito, tentando chamar a atenção de dezenas de
crianças.
- Seu paiaçu chifrim, seu paiaçu chifrim... - um garotinho de uns quatro anos de idade
puxa o palhaço pela calça exageradamente larga. - Me dá uma bala?
- É Xinfrim, seu muleq.... Ehr, quer dizer, só se você ganhar a corrida, amiguinho!
Pessoal, tá valendo balinhas a corrida! - Cacete, que saco isso... Esses moleques me dão nos
nervos. Ainda bem que esse emprego é temporário, o foda é que eu tô precisando da grana.
- Senhor palhaço? Eu e minha amiga podemos tirar uma foto? - Duas senhoras da turma
da terceira idade, que estão na turma dos exercícios físicos matinais do parque, se dirigem ao
palhaço com uma câmera fotográfica digital.
- Claro, senhoritas! O Palhaço Xinfrim está sempre às ordens! Vem cá, moleque! -
Bernardo abraça as senhoras enquanto pede a um garotinho que bata a foto. - Sabe tirar foto,
garoto? Bate aí uma foto da gente! - O garoto pega a câmera e registra o momento.
- Bate outra! Diz a senhora da esquerda. Dito isso ela ajeita a pose e dá uma beijoca no
rosto de Xinfrim.
- Ai, ai... Hoje vai ser mais uma merda daqueles dias que não acabam.... Saco.
***
Fernando já entregou todos os jornais e revistas dos assinantes do bairro e pedala sua
bike rapidamente em direção a sua casa. Ele segue ouvindo seu MP3, ignorando as buzinas
dos carros quando ele cruza a frente deles. Chegando em casa, ele tem algumas coisas pra
fazer antes de ir pra escola depois do almoço. Tem dezessete anos e trabalha a um como
entregador, tentando juntar dinheiro pra comprar uma guitarra. Um dia ele vai ser famoso. Só
não sabe quando.
- Cacete! Esse CD do Paul Stanley tá do caráleo! Pena que aqueles pourra não gravam
nada faz uma cara. Se eu tivesse uma puta banda, eu ia querer gravar todo ano um CD novo.
Mas também, os caras tão velhos paca. Nem devem tá ligando pro público.
Ele atravessa rapidamente pro outro lado da rua, quando avista o "Sacode Santa Fé", no
parque.
- Putaquepariu! Quanta gente! Vou lá ver se descolo um rango antes de ir pra casa! - Ele
pedala e observa as pessoas e suas atividades. Tem gente cortando o cabelo, tirando
documentos, se exercitando, e até alguns palhaços. - Mas que merda! Palhaços! Eu odeio
esses pourras!
***
***
- Cacete! Se eu começar a chegar atrasado todos os dias, não vai compensar a grana
que eu tô investindo nessa merda de curso! Melhor eu me apressar, não vai ter problema
nenhum se eu der uma acelerada no meu carrinho. E fora que o Beto vai me encher o saco
se... Ei! Sai da frente, otário! - Guga avista um pedestre andando pelo meio da rua, meio que
cambaleando. - Caralho, não vai dar pra desviar! - POW!!! - O homem é arremessado por
cima do carro. Guga coloca a cabeça pra fora, dá uma olhada, e vê o corpo caído. - Que se
foda! Ninguém mandou encher a cara logo cedo, porra. Deixa eu me mandar daqui logo, que
parece que tá vindo uma porrada de pessoas aí... Hummm... Que estranho, parecem todos
bêbados...- Guga acelera o carro, chegando enfim até o Clube de Tiro.
Ele atravessa a recepção com passadas largas e pesadas. Mexe com a recepcionista, e
não dá a mínima para Juarez, que estava sentado ao lado da moça.
- Bom dia, gostosa! Quando é que você vai topar tomar uma gelada comigo depois do
expediente?
- Se liga, cara! - A moça responde mostrando o dedo do meio.
- Ehehe... Eu sei que sou gostoso, delícia.
- Puxa, Guga. Pensei que você fosse levar mais a sério os treinos! - É Beto quem chega
na sala. - Pensei que não fosse mais vir. Quase meia hora de atraso!
- Desculpa , mamãe! Caralho, Beto! Adivinha que porra que aconteceu comigo agora a
pouco?
- O que você aprontou, Guga?
- Acho que matei um cara.
Silêncio.
- Você tá brincando, não é? Só pode. - Beto levanta os óculos e passa as mãos pela
face, com expressão incrédula.
- Sério, cara. A duas quadras daqui. Atropelei um maluco na rua. O cara tava com o rabo
cheio de cachaça. Tombando pros lados. Tentei desviar, mas o imbecil acabou vindo pra cima
do carro. E se fudeu.
- Por Deus, Guga. Isso é grave! E você não socorreu o rapaz?
- Que socorrer o que? Tava vindo um monte de gente. Eu podia se linchado. Saí fora
rapidão.
- Você tá louco? Meu, isso é crime! Vamos lá! Me mostra onde foi. A gente tem que
socorrer o cara!
- Esquece isso, Beto! Já devem ter chamado a ambulância! A essa hora o cara já deve
estar no Misericórdia. Ou na funerária. Hehehehe.
- Você perdeu mesmo o juízo, cara. Vem comigo. Vamos lá dar uma olhada. - Os dois
seguem novamente para a recepção com o intuito de ir até o local do acidente.
- Juarez! Segura as pontas aê, que eu e o Guga vamos resolver um negócio, ok? Hoje
tem poucos alunos mesmo, então está tranquilo.
- Tudo bem, Beto. - Juarez acompanha os dois até a porta e a fecha.
- Bom, vamos no meu carro, pra não dar bandeira, Guga. - Os dois entram no Fiat Punto
vermelho de Beto e seguem para o quarteirão indicado pelo Guga.
- Ei, Beto! Acho que é melhor a gente voltar. Olha só a multidão que tá ali. - Guga aponta
o local, e suas mãos tremem de medo ao pensar no que pode acontecer se o homem estiver
morto e eles o pegarem.
- Espera, vamos dar uma olhada. - Beto para próximo ao local e abre a porta do carro.
Ele acena e tenta chamar a atenção das pessoas que estão ali. - Olá! O rapaz está bem?
Chamaram o resgate?
Ninguém responde. Beto percebe que de repente, todos voltam seus olhares para ele.
Sons estranhos, parecido com grunhidos são as únicas coisas que Beto tem como resposta.
- Mas o que... O que é isso?! - Beto se assusta ao ver que todos começam a caminhar
em sua direção, continuando a soltar os grunhidos. Um deles estende as duas mãos para
frente e tenta agarrar Beto. - Mas que brincadeira é essa? Saco... - Beto corre novamente
para o carro. - Depressa, vamos embora daqui Guga. - Beto liga o carro.
- O quê que foi, Beto? Tá correndo de quê? Querem me pegar?
- Aquela gente tá estranha, Guga... Parecem zumbis... Sei lá...
- Zumbis... Que porra é essa cara?
- Zumbis, cacete! Mortos Vivos, tá ligado?
- Deixa de besteira Beto! - Nisso, um dos Zumbis bate com a mão no vidro do carro. Ele
encosta o rosto de aspecto cadavérico no vidro do lado do passageiro e começa a babar. -
Caralho, vambora daqui!
O veiculo sai em disparada. Beto mal consegue acredita no que acabara de testemunhar,
enquanto Guga só consegue dizer a palavra "caralho".
- Vamos voltar pro clube. Temos que avisar o pessoal!
O carro chega até o clube de tiro. Beto estaciona e os dois saem correndo do caro,
entrando rapidamente para dentro. Ao chegarem no balcão, a garota está sentada de costas e
parece não ouvir os dois chegarem.
- Ei, amorzinho, cadê o Juarez? - Guga vê que ela não deu a mínima pra sua brincadeira,
e vai para trás do balcão. - Ei, gata, você não tá... Cacete!!
- O que foi, cara?
- Ela tá morta, Beto! Com um buraco no pescoço. - Nisso, Guga olha para Beto e vê que
atrás dele, está Juarez, com os olhos revirados e mãos estendidas, indo em direção ao Beto.
- Beto, cuidado! - Beto se vira rapidamente, e consegue desviar de Juarez.
- Guga, corre lá dentro e pega nossas armas! Rápido! Vamos dar o fora daqui! Guga sai
em disparada para dentro do stand de tiro. Ele localiza rapidamente a
Imbel e a STI, e nota que os outros dois alunos de tiro também estavam mortos. Os dois
saem rapidamente pela porta e tornam a entrar no carro de Beto, cantando os pneus na saída.
***
Pizzaria Manolo’s.
9:46 h.
***
***
Estação de Trem.
13:15 h.
Chegando na estação, eles olham por todos os lado, e se dão conta de que não há
ninguém vivo ali. E o pior. Os mortos caídos no chão começam a se levantar.
- Era só o que me faltava. Um dos piores dias da minha vida consegue ainda ficar pior do
que tava. E aqui estou eu, matando zumbis com uma roupa ridícula de palhaço. Fernando! Fica
aqui que eu te protejo.
- Me dá uma arma dessas, palhaço, que esses caras vão ver!
O palhaço Bernardo começa a atirar contra os corpos dos mortos-vivos. A arma é
potente e praticamente destroça os ossos dos corpos, queimando sua carne e partindo
articulações. Nisso, aparece um zumbi de uniforme policial.
Beto, com precisão cirúrgica, atira no meio de sua testa, fazendo com que a criatura
tombe ao chão. Fernando corre até o corpo e retira a arma do coldre. Um revolver calibre 38.
Para Fernando, é o que basta. Ele retira o cinto do cadáver e coloca em si mesmo.
- Pronto. Podem vir, zumbis filhos da puta. Agora eu tenho uma arma. - Fernando pega a
arma e aponta para um zumbi que se aproxima lentamente dele. Ele puxa o gatilho, mas nada
acontece. Quando o zumbi finalmente chega perto e estica os braços para pegá-lo, Manolo,
com o seu facão, decepa os dois braços do zumbi, enquanto Guga atira em sua nuca varias
vezes.
- Pessoal, a gente tem que sair daqui. Não tem ninguém vivo por aqui, e sinto informar-
lhes, mas o trem não vai passar. Fernando, empresta sua arma. É o seguinte. Você tem que
engatilhar a arma primeiro... Assim, está vendo?
- Valeu, cara. Agora eu não vou dar mais mancada.
- Certo, o porto militar está perto. Talvez tenha alguém lá para nos ajudar. Vamos até lá.
O grupo desce mais uma rua e logo avistam mais um pequeno grupo de mortos-vivos se
aproximando.
- Essa não. A gente tá sem sorte. Sejam precisos nos tiros. Temos que economizar
munição se queremos sobreviver.
Bernardo é o primeiro a partir para cima dos zumbis. Sua potente carabina destroça os
corpos dos zumbis, incapacitando-os de andar.
- Atirem nas cabeças deles. - Guga é quem dá as ordens. - A gente vai conseguir! - De
costas um para o outro, Guga e Beto atiram no maior número possível de zumbis rapidamente,
enquanto Fernando, ainda aprendendo a manusear a arma, fica ao lado de Bernardo. Manolo,
com seu facão, golpeia o pescoço dos zumbis que tentam se aproximar. - Estamos quase lá
pessoal! Falta pouco. - Nisso, Guga sai de sua posição para derrubar um zumbi que se
esgueirava pelas sombras.
- Te vi filho da puta. Cê tá morto! - Guga atira e mata mais um. Quando vai voltar para
junto de seus amigos, um zumbi aparece por uma fresta, e o ataca.
- Caralho! Que merda. - Guga dá três tiros na boca do zumbi. - Ele me arrancou um
pedaço do braço. Caralho. Filho da puta.
- Oh, meu Deus, Guga! - Seu amigo Beto tenta ampará-lo.
- Senhor Beto, é melhor não ficar muito perto dele. - É Manolo quem fala.
- Porque?
- Porque ele também vai virar zumbi. Eu vi lá na pizzaria. O rapaz entregador de bebida.
Ele foi mordido e virou zumbi. - Manolo se aproxima e levanta o facão.
- Espera! O que vai fazer? - Beto aponta a arma para Manolo.
- Vamos ter que matá-lo.
- Não! Deve ter uma saída!
- Olha só, se esse cara começar a babar e atacar a gente eu mesmo mato ele.
- O palhaço se exalta, ganhando um olhar de desprezo de Beto. - Turma, a coisa é séria.
Todo mundo sabe disso. Quem é mordido vira zumbi. É fato.
- Bernardo, cala a boca e fica de olho. Presta atenção e vê sem vem mais deles. Cadê o
Fernando?
- Ele foi dar uma olhada na outra esquina. Olha ele lá. Está voltando.
- Beto. Por ali está limpo. A gente tá pertinho do porto. Vamos indo?
- Ok, vamos então.
***
Depois de passarem por mais algumas ruas, eles logo chegam até o porto, mas o que
vêem não é nada animador. Pessoas enlouquecidas lutando contra os zumbis, e tentando
embarcar em um navio ancorado no porto. Muitos deles caem e são devorados por mortos-
vivos, enquanto os que já embarcaram ficam de cima, atirando contra os zumbis, causando um
mínimo efeito.
- Acho que a gente se ferrou mais uma vez. Querem tentar entrar? - Beto pergunta antes
de levar seu grupo até lá.
- Claro que sim, eles podem nos ajudar a sair daqui. - Seu Manolo logo corre em direção
ao navio e começa a grita por socorro. - Ei, vocês, nos deixem embarcar!!
- Não grite, Manolo. Pode chamar a atenção dos zumbis.
Não foi dos zumbis que Manolo chamou a atenção. De dentro do navio, uma gangue de
malucos suicidas começa a gritar.
- Olha lá pessoal! Uns idiotas que servirão de lanchinho pros mortos... Huahauhau -
Todos gargalham no navio. - Vocês não são bem-vindos aqui. - O grupo de loucos começa a
atirar contra Manolo. Um dos tiros pega em seu ombro, deixando-o mais lento. Prato cheio
para aquelas duas dezenas de zumbis que começam a se aglomerar por ali.
- Manolo!! Volta para cá!! Rápido! - Beto grita, impossibilitado de atirar, já que a gangue
enlouquecida estava muito longe dele.
- Beto, me dá cobertura, que eu tiro ele de lá. - O palhaço arma sua carabina e corre em
direção de Manolo, antes que fosse tarde demais, enquanto Beto apoia Guga, que está com
um ferimento no braço e parece delirante. Fernando, anestesiado pela situação, corre atrás do
palhaço. Quando um dos zumbis estava prestes a atacar Manolo, a carabina dispara em sua
cabeça, espalhando os miolos da criatura pelo chão. - Vem Fernando, me ajuda a levantar o
Manolo. - Bernardo apoia Manolo em seu ombro e o carrega em direção ao Beto. Fernando
segue olhando para trás e atirando. De repente eles se veem cercados de mortos-vivos.
- Fudeu, Bernardo. A gente tá cercado.
- Calma, Fernando. A gente vai dar um jeito. - Bernardo solta Manolo, que se senta no
chão, não aguentando a dor do ferimento em seu ombro. Manolo tira a arma que Beto lhe deu,
e junto com Bernardo e Fernando, começa a atirar nos zumbis.
Quando parecia que tudo estava perdido, surge uma picape atropelando todos os
Zumbis, correndo em círculos ao redor dos três sobreviventes, cercando-os e protegendo-os.
Quando finalmente os ataques cessam, a picape para. É Beto quem está na direção.
- Esta picape estava estacionada ali no posto de gasolina, com a chave no contato.
Rápido, entrem!
Fernando é o primeiro a saltar na carroceria da picape, Bernardo entra e dá sua mão
para o ferido Manolo. Muito pesado, Manolo tem dificuldades para subir. Mesmo lentos, os
Zumbis se aproximam. Sentindo que iria morrer, Manolo utiliza todas as suas forças para
entrar no veículo, mas não foi rápido o suficiente para evitar que sua mão esquerda fosse
mordida por um dos mortos.
- Vamos voltar pela rua do posto! Acho que vai dar tudo certo, porque o aeroporto fica do
lado, e... Ei! Calma Guga! - De repente Guga agarra Beto, tentando mordê-lo. Beto tenta
afastar Guga com a mão direita, sem ser mordido. - Pelo amor de Deus Guga, para com isso.
Na carroceria, os outros veem aquilo e começam a gritar.
- Atira nele, Beto! Atira logo! - Fernando pede que o amigo mate Guga.
- Anda, Beto. É o único jeito, senão a gente pode bater a picape, e daí, estaremos todos
mortos
Um estampido é ouvido, e o vidro traseiro da picape se estilhaça. A cabeça de Guga é
estourada por um projétil saído da arma de Manolo. Beto freia bruscamente a picape.
- Nãããoooo... Guga! - Por Deus... Porque, Manolo?
- Porque era preciso. Ele te mordeu?
- Não... Estou ileso. Mas o Guga...
- Sinto muito.
- Ei, o Guga foi mordido e virou zumbi. Manolo, você também foi mordido... - Bernardo
trava a mira em Manolo.
- Fica tranquilo, palhaço. Fui mordido agora. Talvez haja uma forma de conter a infecção.
-Manolo retira o cinto de sua calça e faz um torniquete em seu braço. Em seguida, apóia seu
braço esquerdo na borda da caçamba da picape, e ameaça golpeá-lo com seu facão.
- Espera, seu Manolo! Não faz isso!
- É o único jeito, Fernandinho. Pode ser minha única chance de viver. Se demorar muito
mais, pode ser que eu me torne um maldito zumbi. - dito isso, Manolo golpeia seu braço,
decepando-o no rumo do cotovelo. - Ooohhh, Dio mio... - ele retira o seu avental e enrola o
coto ensanguentado. Beto liga o motor novamente e partem em direção à rua do aeroporto.
Ao passarem em uma rua com alguns zumbis, Manolo pega o braço decepado e arremessa na
direção deles.
- Peguem malditos. Esse é o único pedaço meu que vocês devorarão. Ao chegarem
próximo à esquina que leva até o aeroporto, uma multidão de zumbis os aguarda.
- Não vai dar pra passar. São muitos. Eles não nos viram. Apenas estão caminhando sem
rumo. Mas precisamos dobrar a esquina para chegar até a entrada do aeroporto. Estamos
bem próximos e temos uma única chance.
- Vamos atropelar todo mundo!
- Não vai dar Fernando. Poderíamos ficar presos no meio do tumulto. Seria morte certa. -
Beto desce da picape e pega o corpo de Guga. Ele retira a camisa de Guga, a torce e abre o
tanque de combustível do carro, introduzindo
a camisa dentro, de forma que apenas um pedaço fique exposto, como um pavio. - Vou
arremessar a picape no meio dos mortos, e torcer para que o carro exploda. Se der certo,
vocês vão ter que ser rápidos, e correr em direção aos portões do aeroporto. Topam?
- Mas e você? - Fernando se preocupa com o colega.
- Eu me viro. Vai dar tudo certo. - dito isso, todos saem da caçamba e esperam a ordem
de Beto. Ele pega o isqueiro no bolso de Guga e dá nas mãos de Bernardo. Beto entra na
picape e dá a partida. - Vai Bernardo, acende! O palhaço acende o pavio e Beto sai cantando
pneu, em direção a centenas de mortos-vivos. Seus amigos só tiveram tempo de ver o impacto
da picape no meio dos zumbis. Depois de eternos trinta segundos, finalmente o carro se
incendeia e explode, arremessando pedaços de corpos por todos os lados.
- Rápido, pessoal, é agora ou nunca. - Bernardo dá a ordem e eles saem correndo em
direção à esquina, saltando corpos retalhados de zumbis, e ganhando a rua principal que dá
acesso à entrada do aeroporto. Fernando olha para trás e vê que Beto os segue de perto.
- Beto! Você conseguiu!!
- Sim... Saltei antes do impacto. Mas ganhei alguns esfolados... Heheheh....
***
Ao chegarem nos portões do aeroporto, exaustos, eles são recebidos por uma força
militar que guarda o local, triando as pessoas não infectadas para a entrada.
- Manolo, parece cansado. Precisa de ajuda? - Beto vê Manolo com as costas arqueadas
e bota as mãos em suas costas. Nisso, surpreendentemente, Manolo o empurra e grita...
- Saiam... De perto...Arhhhgg... - Manolo avança sobre eles.
- Manolo!! Ele está infectado!
Manolo salta sobre seus colegas, mas Fernando não consegue se desviar. O garoto cai
no chão e é devorado vivo por Manolo.
O exército abre fogo contra Manolo e o corpo de Fernando, enquanto Beto segura
Bernardo, que grita pelo amigo Fernando. Uma equipe de médicos, usando roupas protetoras,
avalia Beto e Bernardo. Com um caminhão pipa, eles jogam um forte jato de água na direção
deles, que retira a maquiagem já borrada do palhaço. Alguns militares e cientistas os levam em
segurança para dentro dos portões do aeroporto. Outra equipe se certifica que Manolo e
Fernando não mais se levantem dali, e incendeiam os corpos. Os portões se fecham por
detrás deles, mas eles sentem que aquilo tudo ainda não acabou...
FIM
Capítulo 5
Quando os mortos se levantaram
Por Anderson Oliveira
O besouro empurrava sua bola de esterco pelo asfalto velho. Uma pequena rajada de
vento tirou seu precioso esterco do caminho. O besouro parou um instante, aparentemente
aborrecido, e foi atrás da bola. Porém antes de tocá-la, um vento mais forte a fez rolar ainda
mais. Novamente desconcertado, o besouro correu até ela. Ele parou antes de tocá-la, como
que esperando novo movimento. Passou alguns segundos e ele continuou estático. Quando
resolveu pegá-la, uma nova rajada a levou embora. Dessa vez uma rajada úmida e quente. O
besouro, antes que pudesse lamentar a perda de seu esterco, se virou e entendeu a origem do
vento.
- Chomp! - o besouro foi abocanhado pelo enorme cachorro, preto e babão.
- Seboso! Não come essa merda! Eita cachorro do diacho! - exclamou Sérgio, um jovem
alto e magro, com uma farta cabeleira castanha, com uma mochila à tira colo, tentando
segurar seu amigo canino.
- Wouf! - protestou o cachorro.
- Vem, meu filho, vamos comer algo decente antes do jogo. Olha ali, o seu Anquenor do
cachorro quente! - Mal terminou a frase e Sérgio foi praticamente arrastado pelo cão
esfomeado.
Enquanto isso nas arquibancadas do Ginásio, em frente a quadra de
vôlei:
- Ai, amiga, eu acho que ele vai me chamar pra sair! Eu posso sentir isso, sabe? Aquele
recado no Orkut e depois o Halls que ele ofereceu! São sinais, sabia? Pena que nunca
encontro ele on no MSN. Quem sabe ele não tá on agora? Ai! Vanda, me empresta seu
notebook um pouquinho!
- Sossega aí, Darlene. Não vou emprestar não. Tô terminando esse simulado e não
posso parar agora.
- Mas... mas... Eu preciso ver—
- Não precisa ver nada, Darlene. O Felipe não de deixou sinal nenhum. Aquele recado no
Orkut é um daqueles automáticos que ele manda pra todo mundo. Até eu recebi um igual.
Esses recados enchem o saco. Por isso prefiro o Twitter. Ah, e também ganhei um Halls, nem
chupei na hora, tá aqui na minha mochila. Deve tá todo grudento já.
- Por que ele te deu um Halls, Vanda? - Darlene encara a amiga nerd com um ar
zangado.
- Porque ele, apesar de ser um boyzinho fútil e metido, ainda tem alguma educação, e
quando abriu o pacote de balas ofereceu para todos que encontrou em seu caminho. Ele não
quer sair comigo, tira isso da cabeça. Ele deu um Halls pro Sérgio e pro Seboso também.
Acha que ele quer sair com eles? Não. Ele não é gay e nem zoófilo. E até creio que ele queira
algo com você, mas estranhamente justo com você ele é tímido pra falar a respeito.
Darlene ficou em silêncio, precisando de algum tempo pra processar tanta informação.
- Então ele é tímido, hein?! Ai, que fofo! - disse numa voz estridente, típica das
patricinhas.
- Ai Deus... - Vanda levou a mão no rosto. Apesar dos rompantes de frescura de Darlene,
tem nela sua melhor amiga. A garota de dezesseis anos, cabelos tingidos de ruivo e roupas da
moda sempre foi sua amiga desde cedo, afinal seus pais sempre foram próximos. O pai dela o
delegado Matias, e o seu pai o legista do IML, Cavalcante. Bem diferente de Darlene, Vanda,
um ano mais velha, é baixinha, um pouco acima do peso e pouco preocupada com moda. Este
ano sua atenção é para o vestibular, o que a fez deixar um pouco de lado os mangás e o RPG.
- Olá, garotas, o que estão fazendo aqui tão cedo? - perguntou um rapaz sorridente, com
cabelos loiros espetados e corpo atlético. Era o Felipe, o filho do vereador Cerqueira.
- E aí, Fê. - respondeu Vanda sem tirar os olhos do seu notebook.
- Oi, Fê! Viemos ver o seu jogo. - disse Darlene sorrindo e ajeitando o cabelo.
- Que legal! Vão ver como iremos derrotar aquele bando de favelados. Falando nisso, o
Sérgio já desceu do morro?
- Aff... Um dia você vai ser processado por falar assim... - disse Vanda.
- Calma, Vandinha. Você sabe que é brincadeira! Fora que, de onde o Sérgio vai arrumar
dinheiro pra me processar?
- Talvez sequestrando seu pai, aquele corrupto duma figa. - disse Sérgio entrando no
ginásio, com dois hotdogs na mão fora o que Saboso ainda mastigava. - Daí peço como
resgate toda a fortuna que ele roubou da gente e mandou pra Suíça.
- Só um ladrão pra reconhecer outro, hein? - Felipe largou sua bolsa no chão e encarou o
recém chegado, apesar dele ser mais alto. As garotas se entreolharam, imaginando que agora
a coisa foi longe demais. No fundo sabiam que um dia Sérgio não ia mais tolerar essas piadas
sem graça do outro. Os dois se encaram por mais algum tempo. Seboso lambe os beiços e já
fita o dogão na mão do dono. Sérgio enfim abre a boca:
- Hahahaha!! Tinha que ver sua cara agora!
- Hahahaha! Aposto que ainda assim estava mais bonita que a sua! - os dois começaram
a rir e se cumprimentaram. As garotas respiraram aliviadas.
- Seus bobos! Essas brincadeiras não têm mais graça! - reclamou Darlene.
- Relaxa, linda. Sabe que o Serjão aqui é meu parceiro, né? - Felipe abraçou o amigo,
obrigando Sérgio a se curvar um pouco. Nisso um dos dogs caiu no chão e não levou nem um
segundo pra Seboso abocanhá-lo. Mas Darlene pouco se importou com isso, afinal Felipe a
chamou de linda.
- Então, quando começa o jogo mesmo? - Vanda perguntou olhando no seus três relógios
(do note, do pulso e do celular).
- As nove e meia, Vanda.
- Ótimo, ainda tenho meia hora pra terminar isso aqui. - disse a garota teclando
rapidamente.
Nesse instante Seboso, após saborear seu segundo dog, sentiu um cheiro que chamou
sua atenção. Desajeitado como qualquer cachorro do seu tamanho, ele correu para fora do
Ginásio.
- Ué, onde esse cachorro maluco vai agora? - Sérgio coçou a cabeça, mas deu de
ombros. Sabia que seu amigo sempre voltava, as vezes sujo e fedendo, mas voltava.
Do lado de fora, Seboso farejava o caminho com atenção. Contornou o Ginásio e deu de
frente ao muro traseiro do Cemitério Municipal de Santa Fé. Seja o que for, o cheiro que sentiu
veio dali. Se aproximando mais encontrou uma ruptura no muro causada pela raiz de uma
grande árvore. Após demarcar o território na raiz, o cão cavucou a terra abaixo do muro e
conseguiu abrir espaço para entrar no cemitério.
Entre lápides abandonadas e tomadas pelo musgo, Seboso percebeu que o cheiro vinha
de todo lugar. Ele sentiu um calafrio e resolveu voltar. Em seu caminho de volta ele se
assustou. Um osso, ou quase isso - na verdade um braço em avançado estado de
decomposição - jogado no chão de terra. Aquilo não estava ali antes. Seboso, mesmo com
certo receio, abocanhou o braço e o levou dali.
Saindo pelo buraco por onde entrou não percebeu quando um braço putrefato tentou
agarrá-lo. Lentamente o braço foi recolhido e desapareceu pelo vão do muro.
***
- Agora chega de conversa. Vamos lá pro vestiário que todo mundo já chegou. - disse
Felipe se levantando e pegando sua mochila. Sérgio já o seguia, quando ouviu o latido abafado
de seu cachorro.
- Esperem, o Seboso voltou.
- Ele tá trazendo algo... - observou Vanda.
- Deve ser alguma porcaria que achou por aí. Eita vira-lata vagabundo! - resmungou
Sérgio.
- Parece que sim... E das piores... Eca! - disse Darlene quando o cão se aproximou e
todos puderam ver o braço de defunto entre seus dentes.
- Larga isso, Seboso! - Sérgio empurrou o cachorro com o pé, o fazendo largar a coisa
entre resmungos.
- Acho que vou vomitar! - Darlene se escondeu atrás de Felipe com nojo do objeto no
chão.
- Pois é... Isso é nojento! - disse o rapaz tentando disfarçar a sua própria ânsia de
vômito.
- Interessante... - Vanda se aproximou do braço ajeitando seus óculos. Como filha do
legista da cidade e aspirante a médica, um pedaço de gente morta não a incomodava. - Esse
sujeito morreu há mais de cinco anos, pelo menos... Não é à toa que o Seboso o confundiu
com um simples osso.
- Hmm... Esse cachorro vagabundo é mais esperto do que parece. Apesar de ter um
estômago selvagem, ele não é de confundir as coisas. Tem coisa aí. - disse Sérgio se
agarrando ao cão.
- Pelo amor de Deus, joguem esse troço no lixo! - disse Darlene quase gritando.
- Aff... Vem, Sérgio, vamos enterrar esse braço. - resmungou Vanda já se levantando.
Foi então que ela percebeu algo muito estranho. Fitou o braço novamente, os dedos
esqueléticos retorcidos como galhos de uma velha árvore. Deve ter sido coisa da sua vista
cansada de ficar na tela do computador. Quando já voltava a olhar para os amigos, percebeu
novamente. E pela cara dos outros, não era coisa dos seus olhos. O braço tinha mexido.
Os dedos abriram e fecharam, como se buscassem algo. Se firmando no chão, o braço
começou a se arrastar pelos dedos. O grito de Darlene só foi interrompido pelo seu desmaio.
Felipe se apressou em segurá-la, mas suas pernas perderam a firmeza e ele caiu sentado
com a garota no colo. Seboso ficou em posição de ataque e rosnava para o braço enquanto
Sérgio apenas recuava. Vanda também recuou alguns passos e tropeçou em Felipe, caindo ao
lado dos amigos. De uma coisa ela sabia: pedaços decepados de gente morta não deveriam
se mover sozinhos.
- S-Sérgio! Tira isso daqui! - disse Vanda buscando se levantar.
- Por que eu?!
- Porque foi seu cachorro que trouxe isso, caramba!
- Cachorro duma figa! - resmungou Sérgio. Depois engoliu em seco e tirando um pedaço
de papel higiênico do bolso foi com cuidado para apanhar o braço. Este, por sua vez, se
contorcia a esmo, vagarosa e magicamente. Sérgio tomou coragem e agarrou a coisa pelo
antebraço. No mesmo instante a mão tentou agarrá-lo, como se estivesse pegando uma cobra
e ela quisesse picá-lo.
- T-tá... E agora... O que eu faço com isso?!
- Boa pergunta... - Vanda, já de pé, se aproximou do braço para observá-lo dizendo para
si mesma para não ter medo. - Gostaria muito de... Examinar essa amostra... Precisamos de
uma caixa... Algo para prendê-lo.
- Deus! Essa garota é doida! - disse por fim Felipe, que conseguiu acordar Darlene mas
ainda a mantinha nos braços. - Enterra isso no buraco mais fundo que encontrar e depois
toque fogo!
- Não é pra tanto, Felipe. Isso é apenas um braço, alguma reação química/elétrica deve
tê-lo feito se reanimar... Não significa que há um... Um... Um zumbi sem o braço por aí... -
Vanda fez uma pausa, olhando o olhar de medo de seus amigos que olhavam para fora do
ginásio. Nessa hora seu coração disparou. Teve vontade de xingar. Se tivesse algum zumbi lá
fora, além de ser muito clichê, seria a coisa mais assustadora do mundo. - Amigos...? O q-
que...? - o dedo indicador trêmulo de Felipe foi a única resposta que teve.
Vanda se virou por fim. A boa notícia é que não era um clichê. Não havia um zumbi
maneta vindo buscar seu braço perdido. A má notícia é que haviam dezenas de zumbis, com
seus dois braços, andando vagarosamente, com os corpos sujos de terra, alguns em
avançados estado de decomposição, com seus ternos e vestidos mofados. Outros mais
conservados, ainda com algodão nas narinas e restos de flores pelo corpo. Tinham acabado
de se levantar de seus túmulos.
***
- FUJAM!! - alguém gritou nos fundos do ginásio. O caos se instaurou entre os que
estavam ali para jogar vôlei e também para assistir. O grupo de quatro amigos não perdeu
tempo e começou a correr também, apenas parando para recolherem suas coisas. Os mortos
entravam no ginásio, um passo de cada vez, com seus braços erguidos e bocas abertas, por
onde, vez ou outra, um verme caía.
Sérgio largou o braço no chão sem pensar duas vezes. Seboso esboçou um rosnado
contra as criaturas, mas desistiu e correu junto com o dono. Os mortos tinham tomado a
entrada principal do ginásio. Como iriam sair dali? Certamente haveria de ter alguma outra
saída. Uma saída de emergência, talvez. Porque aquilo sim era uma emergência.
- Por aqui, pessoal! - avisou Felipe, encontrando a entrada para o vestiário. Os outros o
seguiram assim como a multidão. Lá dentro, alguns rapazes se trocavam para o jogo e se
assustaram com a invasão. Mas com certeza nem mesmo a garota mais safada estaria
interessada em vez sua nudez, não agora.
O grupo seguiu Felipe até uma área de depósito de material esportivo nos fundos do
vestiário onde havia uma porta. Felipe meteu o pé na porta sem qualquer cerimônia. A mesma
cedeu com um forte barulho e estilhaços. Os quatro passaram primeiro e o resto dos jovens
veio em seguida, com algum tumulto. A porta dava para uma área de carga e descarga de
materiais, ladeada por um alto muro e com um portão de alambrado à diante. Seria o caminho
da fuga.
Porém o muro leste dessa parte do ginásio dava para o cemitério, ainda que separado
por um vão de dois metros. Mas isso não foi obstáculo para uma dúzia de mortos-vivos que
apontaram atrás do muro.
- Deus do céu!! - alguém gritou. Na mesma hora um dos zumbis caiu para o lado de
dentro. Ao bater no chão um liquido espesso e fétido escapou de sua barriga. Felipe e outros
já estavam no portão quando outro zumbi caiu, dessa vez bem em cima de uma garota
apavorada. O monstro não perdeu tempo e mordeu seu dorso. O grito da garota foi aterrador.
Algumas garotas desmaiaram. Alguns rapazes também. Outro zumbi vencia o muro. O grupo
dos quatro amigos só queria sair logo dali.
- Vamos!! - gritou Felipe quando abriu o portão. Os quatro e mais alguns sortudos
conseguiram escapar, enquanto os zumbis devoravam os que foram deixados para trás.
Enquanto todos corriam, Seboso disparou na frente, como que pressentindo algo. Sérgio
o seguiu acompanhado pelos outros. Seguiram rumo ao noroeste, ao grande estacionamento
do ginásio. Olhando para trás por um instante, Vanda viu um mar de carcaças mortas se
acotovelando, cruzando o portão. Parecia que todo o cemitério tinha acordado. Isso significa
centenas de zumbis. Felipe se lembrou do carro de seu pai. Tinha vindo nele para o ginásio,
aproveitando a habilitação recém conquistada. O rapaz loiro então correu para o meio dos
carros.
- Precisamos sair daqui! O mais rápido possível! - disse Felipe. - Ali! Vamos para o
carro! - ele apontou para um Fiat Doblô verde. Àquela altura, só seus amigos o seguiam. As
outras pessoas tinham tomado caminhos diferentes. Não poderiam ajudá-los agora. Felipe
destravou o carro e tomou o assento do motorista. Darlene ficou ao seu lado, Sérgio com
Seboso e Vanda foram no banco de trás. Trataram de fechar bem as janelas antes do
motorista dar a partida.
- O que tá acontecendo?! - perguntou Sérgio, olhando para trás enquanto o carro
avançava.
- É o fim do mundo!! 2012 é real! Ai meu Deus!! - respondeu Darlene aos berros. - Aí
meu Deus! Minha família! Precisamos tirá-los daqui!!
- Calma gente, vamos pensar com calma. - interfere Vanda. - Seja lá o que aconteceu,
não deve ter acontecido em toda a Santa Fé. Ainda teremos tempo pra avisar a polícia.
- Vou ligar pro meu pai. - disse Darlene pegando seu celular mais preocupada com seu
progenitor, sem se ater ao fato dele ser o delegado da cidade. - Só chama... Ninguém
atende...
- Ali na frente tem um posto policial. - falou Sérgio. - Vamos pra lá, lá estaremos
protegidos dessas coisas.
- Boa ideia, Sérgio. Enquanto isso também ligo pro meu pai, pra ele não vir trabalhar no
turno da tarde... - disse Vanda colocando seu fone de ouvido bluetooth sem imaginar que
também não conseguiria contato. Porém o que o grupo não sabia é que a infestação corria
rápido.
***
Hora: Apocalipse Z mais 1 hora e 14 minutos.
***
- Espera, Felipe. Logo na frente tem o Supermercado Oliveira. Vamos precisar nos
abastecer com suprimentos. - disse Sérgio.
- Sempre pensando com o estômago, amigo! - brincou Felipe.
- Ele tá certo, Fê. Não sabemos o que vem pela frente. Precisamos de comida e o que
mais puder ajudar. - disse Vanda. - Mas que seja rápido! Temos que chegar na delegacia!
Sem dizer nada Felipe entrou no estacionamento do supermercado. O lugar estava
deserto, apesar dos poucos carros estacionados. Os jovens desceram do carro com armas
engatilhadas e entraram no mercado. O cenário lá dentro era caótico como no resto da
cidade. Corpos mutilados tomavam os caixas e corredores. Mercadorias no chão e outras
levadas por saqueadores. Seboso latiu e avisou da presença de um zumbi. Vestido como o
gerente do estabelecimento, o mesmo foi abatido por um tiro de Vanda.
Com um carrinho de compras, Sérgio recolhia bolachas, iogurtes, frutas, enlatados, água
mineral, ração canina, salsichas e outros embutidos, e tudo mais que julgava ser de fácil
consumo para horas difíceis. Tudo que o manual de sobrevivência guardado em sua mente
mandava pegar. Darlene pegou um jogo de facas Tramontina, próprias para churrasco, mas
que hoje teriam outro fim. Vanda foi atrás de pilhas, baterias e lanternas. Felipe só pensou em
pegar cobertores na sessão de cama, mesa e banho. Entre uma coleta e outra, zumbis
rastejando no chão ou atrás de balcões eram abatidos. Darlene estreou uma das facas ali
mesmo, sentindo certo prazer em o fazer. Sérgio precisou estourar a cabeça de um
açougueiro para conseguir suas salsichas. Logo todos voltaram para o doblô.
***
Quanto mais se aproximavam no centro da cidade mais tinham noção da situação que se
instaurava. Carros ardiam em chamas, pessoas corriam apavoradas enquanto mortos-vivos,
andando como bêbados doentes, as perseguiam. Próximos a uma Lan House o carro foi
cercado por uma dezena de zumbis. Apenas com tiros os amigos conseguiram se safar.
Descendo ao sudoeste chegaram à delegacia meia hora depois.
- Papai! - chamou Darlene, entrando com cautela. Seus amigos logo atrás com suas
armas varrendo todos os cantos. - Papai?! - O hall de entrada estava vazio. Mais à frente a
mesa do delegado revirada e também vazia. Darlene se alarmou. O que teria acontecido ao
seu pai? Foi quando Seboso deu um latido, apontando para o corredor que levava à
carceragem.
- O Seboso achou algo, vamos ver. - disse Sérgio.
- Sei. A última coisa que ele achou nos meteu nessa enrascada! - disse Felipe.
- Como se fosse culpa desse vira-lata os mortos terem se levantado. - resmungou
Sérgio.
- Vai saber... - Felipe abanou a cabeça. Então viu a arma de Sérgio bem diante dos
olhos.
- Mais uma palavra e eu estouro seus miolos, filho da puta!
- Calma Sérgio! Pelo amor de Deus!! - disse Darlene pegando no braço de Sérgio
enquanto Vanda procurava afastá-lo. Seboso rosnou.
- Foi mal, cara! Não falei por mal! - disse Felipe realmente arrependido.
- Agora chega vocês dois! - disse Vanda. - Sei que essa merda toda tá mexendo com
nossos nervos, mas precisamos nos controlar, puxa vida! Somos amigos e estamos nessa
juntos.
- Tem razão. - disse Sérgio por fim. - Isso é o fim do mundo! Viram lá fora? Todos
ficaram loucos! Eu vi helicópteros no céu. Parecem do exército. A coisa tá preta, pessoal! E eu
tô morrendo de medo! - entre lágrimas, Sérgio se escorou na parede e a socou. Todos ali
compreenderam seu estresse.
- O-onde está meu pai? - Darlene, vertendo lágrimas também, chamou a atenção de
todos para este fato. Onde estava o delegado Matias? Foi quando todos ouviram um ruído
vindo da carceragem.
- Tem gente lá embaixo. - disse Vanda.
- São os bandidos. Deixem eles lá. - disse Felipe se aproximando. Nisso Seboso passou
por todos e desceu até o xadrez.
- Cachorro duma figa! - disse Sérgio logo indo atrás do animal. Os outros o seguiram.
Após descerem as escadas encontraram o cão abanando o rabo de frente à cela lateral.
Assim que os jovens alcançaram Seboso, quem estava na cela disse:
- Graças a Deus que vocês vieram!
- Papai!! - gritou Darlene. Seu pai estava preso na cela junto com outros três homens. O
legista, pai de Vanda e dois guardas feridos, deitados na cama.
- Vanda, minha pequena! - disse o legista enxugando as lágrimas.
- Vamos tirar vocês daqui. - disse a garota mantando a racionalidade. - Mas, como foram
parar aí?
- É uma longa história, Vanda, mas vou resumir. - disse o delegado. - Eram nove e quinze
da manhã quando os telefones começaram a tocar. Ocorrências em várias partes da cidade.
Despachei alguns homens para lá, mas a cada minuto as ocorrências aumentavam. Então lá
pras nove e meia o Cavalcante veio aqui, branco como papel. Disse que tinha visto um morto
se levantar.
- E vi mesmo. Estava na faculdade e quase me borrei. Um corpo de um indigente mantido
lá para estudos começou a se mexer. Ele se levantou e atacou os alunos. Nós conseguimos
fugir. Pelas ruas, pessoas desesperadas como eu por todos os lados.
- Na hora disse que o Cavalcante tinha começado a beber muito cedo. Mas aí esses dois
guardas voltaram das ocorrências e, Virgem Santa, tinha uns cinco caras esfarrapados e com
rombos no peito atrás deles. Foi o inferno, minhas crianças! E pra piorar, aproveitando a
confusão, os presos conseguiram dominar o carcereiro - pobre Valdir - e escaparam nos
rendendo lá em cima e nos trancando aqui. Os filhos da puta ainda disseram que não iriam nos
matar porque sabiam que iríamos nos levantar de novo! Por sorte não tomaram meu celular e
consegui mandar aquela mensagem! Minha filha, temos que deixar a cidade o quanto antes!
- Eu sei pai. Mas como vamos sair daqui? - enquanto Darlene falava, Felipe veio com as
chaves da cela e libertou o delegado. Abriu espaço para ele o legista saírem e também os
dois guardas, mas então o delegado se interpôs e fechou a cela com os dois lá dentro.
- Por que fez isso, delegado?! - perguntou Felipe assutado.
- Eles estão infectados, filho. Veja: foram mordidos. Estão perdendo a razão aos poucos.
Tivemos que bater neles para se acalmarem. Não podemos deixá- los soltos.
- Isso é uma praga! Em horas não existirá mais Santa Fé. A cidade inteira estará
devorada ou infectada! - lamentou o legista.
- Como poderemos sair daqui? - perguntou Sérgio.
- Esse é o problema. - disse o delegado terminando de fechar a cela e subindo para seu
escritório. - recebemos um comunicado, destorcido e confuso, mas tudo indica que o exército
está cercando a cidade.
- Eu disse! Eu vi o helicóptero! - exclamou Sérgio.
- O exército não vai nos deixar sair? - perguntou Vanda.
- Não é bem assim. Acho que eles irão resgatar os sobreviventes. Mas só aqueles que
conseguirem chegar até suas barreiras. - o delegado arrancou da parede e jogou em sua
mesa o mapa da cidade. - Vejam, ao norte tem o porto turístico. Sabem, de onde pequenos
barcos levam o povo pra passear no rio. Creio que na outra margem terá um posto militar, ou
pelo menos caminho livre pra fora daqui. É a saída mais próxima.
- Então vamos para lá! - disse Darlene abraçando o braço do pai. Ele a olhou nos olhos e
disse com um semblante pesado.
- Vocês vão, crianças.
- Como assim, papai?! - Darlene se surpreendeu.
- Nós dois precisamos ficar aqui por mais um tempo. Procurar mais sobreviventes. vocês
vão na frente. Nós iremos logo atrás.
- É perigoso! Juntos teremos mais chances! - disse Vanda para seu pai.
- Não podemos deixar essas pessoas abandonadas, filha. Temos que salvar o maior
número de pessoas possíveis. - disse Cavalcante com lágrimas nos olhos. - Vocês chegaram
até aqui. Conseguirão chegar até o porto.
- Mas...
- Desculpem, garotos. É assim que tem que ser. Estaremos logo atrás, lhes dando
cobertura. Eu prometo. - o delegado Matias foi enfático na última frase. Mas não pôde conter
a lágrima em seu olho.
- Vamos garotas. Eles são bons, vão sair dessa. - disse Felipe abraçando Darlene.
Sérgio amparou Vanda.
- Papai! - Darlene agora se desfazia em lágrimas. Mas manteve certa calma e disse: - te
vejo na outra margem.
- Estarei lá, minha filha. - com essa sentença, Matias se despediu da filha e de seus
amigos. Quando eles já estavam no doblô, Matias disse: - Tomem cuidado! Evitem as ruas da
estação de TV. Os bandidos rebelados foram para lá. Vão pela rua Gusmão Xavier.
O doblô saiu em disparada. Pelo retrovisor, Darlene e Vanda viam seus pais se armarem
e tomarem uma viatura.
***
A rua Gusmão Xavier era uma descida. Ladeada por casas e pontos de comércio.
Fumaça negra tomava conta de diversos pontos visíveis dali. Zumbis despedaçados, malditos
desgraçados sem alma e sem perdão perambulavam pelos cantos. Do alto de um pequeno
prédio residencial, os jovens viram um grande grupo de sobreviventes. Certamente o delegado
daria atenção a eles. Na rota de fuga, abriram as janelas do doblô e atiravam nos zumbis em
seu caminho. Não que eles fossem um obstáculo tão grande, mas era bom para extravasar.
Estourar cabeças, ver vísceras tingirem o asfalto. Malditos sem alma. Eles trouxeram o inferno
à Santa Fé. Destruíram suas casas, acabaram com a vida de seus amigos. O inferno. E
quando se está no inferno... abrace o capeta.
- Ali! Logo abaixo! O porto! - avisou Felipe. Enfim a salvação estava diante deles. - Oh-
ou! - Como se jogando um balde de água fria em suas esperanças, os jovens viram um mar de
zumbis tomando conta do porto. Primeiro grupos de dezenas, mas mais a frente cerca de
milhares de desmortos se acotovelavam cercando o caminho. O acesso ao cais, onde os
barcos turísticos ficavam, estava tomado e destruído.
- E agora?! Como vamos sair da cidade? - perguntou Darlene que sempre olhava para
trás a procura de seu pai que não aparecia.
- Só tem um jeito, galera. - disse Felipe engatando a quinta marcha. - Se segurem!
O doblô desceu a rua em alta velocidade. O que estivesse em seu caminho iria tombar.
Felipe apertou as mãos no volante. Sua intenção não era o cais, era margem livre do rio, onde
haviam poucos zumbis. A poucos metros dali ele tirou o cinto de segurança e avisou para
todos fazerem o mesmo. Só então eles compreenderam sua intenção. Mas já era tarde
demais para protestarem.
O carro caiu na água turva do rio levando pedaços de zumbis consigo. Antes que a água
tomasse a cabine, Felipe abriu a porta e saiu do carro, ajudando Darlene a sair também.
Sérgio primeiro tirou Seboso pelo vidro e depois saiu junto com Vanda. Ela nem teve tempo de
lamentar seu notebook perdido para sempre. Quando todos vieram à superfície, ainda viram o
doblô terminar de afundar no rio. Porém para seu total espanto viram uma turba de zumbis cair
na água atrás deles.
- Não sabia que zumbis nadavam! - exclamou Felipe.
- Até hoje de manhã não sabia nem que eles existiam! - disse Sérgio, que se lembrou de
pegar a bolsa de armas, pensando se elas ainda estariam boas depois de molhadas. Ele
tratou de pegar pistolas e jogar para os amigos enquanto ficou com uma doze. E por sorte as
armas estavam suficientemente secas para o uso.
- Temos que ir para a outra margem! - avisou Vanda, com a água no queixo, o braço
para fora e atirando a esmo, acertando alguns zumbis que despejavam suas tripas no rio. Seus
amigos sabiam disso, e se revesavam entre nadar e manter os zumbis afastados. Mas a
multidão de mortos não cessava, e a cada minuto ficavam mais próximos do grupo.
- Caralho!! - praguejou Sérgio quando ficou seu balas. Vasculhando a bolsa com apenas
uma mão achou uma pistola, mas já completamente imprestável. Resolveu então se livrar da
bolsa e começou a nadar. Sentiu um puxão em seu pé. Um maldito morto-vivo o tinha
agarrado. Sérgio esperneou e com um chute
na cara do zumbi ele escapou. Porém os zumbis cada vez mais os cercavam e não iria
demorar muito até suas mãos nojentas os alcançarem. E ainda estavam na metade do rio.
Apenas Seboso estava mais adiante, graças ao seu apreço canino pela água.
- Socorr-- - o clamor de Darlene foi abafado quando sua cabeça entrou na água. Junto
com bolhas de ar uma mancha de sangue subiu. Apreensivos, seus amigos se aliviaram
quando viram a garota emergir com uma de suas facas em punho e logo ao seu lado um morto
sem um talo do pescoço. Todas as balas já tinham se acabado e só tinham a faca da garota.
Estavam completamente cercados.
***
Chutes e facas eram a única resistência do grupo quando, um a um, eles foram puxados
para baixo. Desespero. A morte eminente da forma mais terrível. Dor. Olhos turvados pela
água imunda do rio viam os amigos, braços e pernas presas por seres do inferno. Sem ar.
Sem voz. Sem salvação.
***
Seboso chegou à margem oposta. Se sacudiu e ficou esperando pelo dono e seus
companheiros. Mas onde eles estavam? Apurou sua visão e seus sentidos animais e os viu
ainda no meio do rio, cercados por zumbis por todos os lados. Eles estavam perdidos. Não!
Não enquanto Seboso ainda tivesse forças.
O cachorro mergulhou novamente. Uma selvageria e coragem nunca antes sentidas. Sua
boca repleta de dentes não teve misericórdia da primeira carcaça morta que encontrou. Suas
patas receberam forças para abrir caminho entre os zumbis. Seus dentes destroçavam tudo o
que encontravam. Um arranhão em seu dorso. Nada que o fizesse parar. Estava quase
alcançando Sérgio.
Sérgio já sentia a água tomar seus pulmões e seu coração começar a desistir de bater
quando ouviu o rosnar feroz de seu amigo. Só podia ser alucinação. Nunca que Seboso emitira
aquele grito selvagem. Era um cão vagabundo e mulambento. Não era um lobo corajoso.
Sérgio já fechava seus olhos, disposto a desistir, quando percebeu que as mãos mortas que o
perdiam se soltaram. Em seguida, um empurrão o fez subir de volta à superfície. O ar bem
vindo invadiu seus pulmões. Debaixo de seu braço, o sustentando naquele momento torpe, viu
seu cão, seu amigo, seu salvador. Sem ter tempo para qualquer reação, Sérgio viu o cachorro
mergulhar novamente, enquanto zumbis ainda cercavam aquele espaço de água.
Sérgio viu, em pouco tempo, os zumbis a sua frente afundarem no rio, emitindo grunhidos
medonhos e aparentemente de dor. Em seguida viu Vanda emergir amparada por Seboso, e
logo ao seu lado Felipe, trazendo Darlene consigo. Seboso ainda se virou para os zumbis
próximos e latiu feroz, abocanhando as mãos que se aproximavam.
- Vamos!! - gritou Sérgio chamando todos para vencerem o rio e então encontrarem a
salvação. Todos se puseram a nadar. Enquanto a turba desmorta, uns pisando nos outros, os
seguiam. Seboso tomou a dianteira, ferido nas costas e nas patas, mas com uma energia
nunca antes vista. Porém todo o esforço parecia em vão. Os zumbis eram muitos.
Um tiro. A cabeça de um zumbi explodiu. Mais tiros. Saraivada deles. Zumbis
despedaçados boando nas águas. Os jovens se viraram. Viram na borda do cais uma multidão
de pessoas, todas armadas, atirando nos zumbis, lhes dando cobertura. No meio das pessoas
Darlene reconheceu seu pai e o de Vanda. Realmente eles conseguiram chegar a tempo.
- A margem! Estamos chegando! - gritou Sérgio entre o barulho dos tiros. Mais alguns
instantes e todos tocaram a terra firme. Seboso, se arrastando pelas pernas, caiu exausto.
Sérgio o amparou choroso. O cachorro iria ficar bem. Não achou nele nenhuma mordida. Ele
os salvou.
Nisso, um helicóptero militar passou rasante por suas cabeças. Da aeronave, soldados
se uniram ao grupo de atiradores e com suas metralhadoras exterminaram os zumbis do rio,
dando uma travessia segura as pessoas na outra margem, que usaram os barcos que se
achavam em bom estado.
Darlene e Vanda abraçaram seus pais emocionadas. Homens do exército faziam exames
em todos para se certificarem que não havia contaminação. Recebendo cuidados médicos,
Sérgio encontrou Seboso, quase desmaiado. Acariciou sua cabeça. Recebeu um olhar
camarada do cachorro e após um suspiro de alívio foi se reunir com os amigos.
- O que será da cidade? - Vanda perguntava para o delegado.
- Ninguém sabe dizer. Só sei que o mundo não será mais o mesmo de hoje em diante.
- Nenhum de nós será mais o mesmo. - disse Felipe cabisbaixo. Se atentando a essa
observação, sem se importar com a presença de seu pai, Darlene puxou Felipe para si e lhe
deu um forte beijo, que o rapaz não recusou. Ao fim, a garota disse:
- Então temos que começar uma vida nova.
- Se estivermos todos juntos, não vejo problema. - Felipe abraçou os amigos. - E aí, que
tal montarmos uma agência de caçadores de monstros?
Todos começaram a rir.
FIM
Capítulo 6
Medo, pecado e zumbis
Por Lelecoaa
FIM
Capítulo 7
E eu acordei morto!
Por Tebhata "Vampira" Spekman
A primeira sensação que tive foi sentir um cheiro forte, enojante, sentia como se algo
estragado, putrefato estivesse por perto, a dor que latejava minha cabeça ainda era forte o
suficiente para não me deixar pensar, mas aos poucos comecei a abrir os olhos e, ao ver o
rosto de Antônio, meu namorado, confesso que senti alívio.
- Graças a Deus, Sara, já estava ficando realmente preocupado!
- Antônio, que lugar é esse?- passando a mão pela cabeça comecei a reparar que não
estávamos sozinhos, alias, não fazia ideia de onde estava, apenas sabia que havia mais três
pessoas - O que aconteceu?
- Calma doçura! - ele começou a explicar- Creio que na correria com o pessoal da
estação você bateu forte a cabeça, achamos esse lugar a salvo. E enfim, estamos aqui para
nos proteger. Os que estão aqui foram os poucos que sobraram... Precisamos pensar num
modo de sair daqui com segurança.
É quando finalmente começo a observar os outros, era um grupo pequeno, um homem
bonito, alto, pele escura, com o semblante fechado e uma pistola na mão enquanto mantinha o
olho em mim e outro na porta fechada. Havia também um jovem de aproximadamente 20 anos,
creio. Cabelo loiro, magro, estava abraçando uma menina que chorava copiosamente e pouco
se via dela, além do cabelo castanho claro. Depois vou descobrir que, ao contrario do irmão,
ela possui sardas no rosto. O primeiro se aproxima de mim ainda com a arma apontada para a
porta e diz:
- Finalmente ela acordou, não é? Não vamos poder ficar muito tempo mais aqui...
Precisamos de uma rota segura, quem conhece bem a cidade? Antônio me olha enquanto eu
respondo:
- Eu, vivi praticamente a vida toda aqui... Mas, será que alguém pode realmente me dizer
o que ocorre?
- Eles querem nos comer! - o adolescente logo tenta tapar a boca da menina que se
debate com o movimento brusco do irmão.
- Não ligue para o que ela está dizendo... Está assustada!- o rapaz abraça a garota que
está aos prantos.
- É verdade, parece mentira, mas infelizmente tem algo muito estranho ocorrendo - o
homem volta a falar- parece um ataque de zumbis! Ou algo parecido, se é que tudo isso é
possível. Instintivamente faço o sinal da cruz e beijo a mão.
- Não creio que superstições vão nos ajudar... - ele estende a mão e eu o cumprimento -
meu nome é Cláudio. O jovem rapaz é o Fábio, e pelo que ele diz a menina é sua irmã, Tina.
- Prazer, eu sou Sara...
- O prazer é nosso, apesar da situação. O que me leva a ser insensível e perguntar:
Você está em condições de andar? Talvez correr, e nos orientar?
- Sim, posso. Mas não sabemos qual é a saída mais segura, alguém tem ideia de como
está o porto ou aeroporto? Não deve ser difícil chegar... E quem sabe meu pai não está nos
esperando lá?
- Não, sabemos. - Antônio me ajudava a levantar e falava- Mas creio que para o norte
podemos ter mais chances. O segurança da estação disse ter visto helicópteros naquela
direção, antes de sair para fazer a ultima vigília, já que ouvimos alguns tiros horas atrás, e já
não temos noticias há um tempo. Uma coisa é certa, pela linha férrea não há como, são
muitos! O que está fazendo?
- Tentando ligar para o meu pai...- eu segurava ansiosamente o celular junto ao ouvido -
Droga, parece que não há resposta! Vou ter que passar em casa!
- E... Para que lado fica o Hospital?- Carlos tentava localizar algum caminho viável num
mapa da cidade preso na parede da sala, parecia extremamente preocupado - Preciso, antes
de sair da cidade, passar por lá... Tenho alguém importante me esperando. Vamos para o
oeste!
- Calma ai! Não vamos sair por ali não! Meu pai está ao sul! Precisamos encontrá-lo,
tenho certeza que ele vai saber o que fazer! - ao tentar pensar no que o preocupava, o rosto
do meu pai e irmãos vieram rapidamente, seria impossível deixá-los para trás.
- Se ainda estiver na cidade, doçura... Seu pai pode ser importante, mas é covarde como
um rato quando o assunto é sangue!
- Epa, quem é seu pai? Algum delegado?
- Er...
- O pai dela é um secretário da prefeitura...- Antonio respondeu na minha frente,
claramente mentindo, tentando esconder quem eu realmente sou, a filha do prefeito de Santa
Fé, algo que Cláudio logo percebe- Sabe que não podemos mais ficar aqui não é? Há quanto
tempo aquele crioulo saiu?
- O vigia? Já tem mais de meia hora. Já passou do tempo, agora estamos por nossa...
Carlos não termina de falar quando escutamos um tiro para o alto e um grito de um velho,
em seguida outro tiro e mais um, e o silêncio.
- Pegaram ele, já era.
- Merda!
- Eu quero a mamãe... - Tina começa a chorar novamente enquanto o irmão fica de pé
largando-a de lado.
- Não posso ficar parado aqui para sempre! Vim pegar e salvar minha irmã! Eu vou sair
com ela com ou sem vocês! Venha Tina!
O rapaz puxa a menina pelo braço e abre a porta. Naquele instante eu descobri de onde
vinha o cheiro putrefato, no corredor haviam pedaços de corpos decompostos e muito sangue.
Um frio correu por minha espinha. Não sabia se realmente aquela era uma boa ideia, mas, por
mim, teria ficado ali por semanas, meses, anos se fosse necessário. E talvez o melhor tivesse
sido realmente isso!
- Alguém sabe como ocorre o contágio? Ou seja, lá o que isso é? -enquanto eu falava,
alguns passos lentos eram dados pelo corredor do inferno.
- Pelo que entendemos, quando a pessoa sofre algum ferimento, arranhão ou mordida...
É bem, pronto, já era! Pelo menos é como vimos ocorrer no inicio da confusão. - Cláudio
esticou a mão com uma das armas entregando, mesmo que visivelmente contrariado, a
Antônio - Sabe usar isto?
- Sim. -Cláudio não sabia o quanto Antônio conhecia armas. - Vamos?
- Só isso? Mais alguma coisa? - eu não me conformei ao ver as coisas como iam.
- Até o momento é isso, afinal, nos confinamos aqui e...
Todos gelam ao escutar um gemido de dor, e o gemido estava bem
perto.
- Vamos entrar, vamos voltar!
- Se não encararmos vamos ficar aqui para sempre!
Quando Cláudio termina a frase nós vimos um homem se arrastando pelo chão. Eu não
sabia quem era, mas os rapazes logo o reconhecem como sendo o vigia que saiu para ver
como estava a situação. Cláudio e Antônio trocam um olhar e começam a caminhar pelo
corredor em direção ao homem.
- Fábio, entre com a Tina e a Sara e feche a porta!
Quando Antônio fala isso o garoto entende o recado e nos empurra para dentro. Ao
contrario dele, demorei a entender o que ocorreria e tentei me lançar para fora, mas o jovem
fechou a porta na minha cara.
- Tina - o rapaz me olha suplicando para que o entendesse e o ajudasse - Vamos
brincar? Cada um vai ser um dos monkeys. Eu não falarei, Sara não verá, e você não
escutará, ok? Por um minuto. Então é 1, 2, 3... E...
Nós três fazemos o movimento dos macacos quando escutamos um estouro abafado
vindo do lado de fora, depois um segundo, um terceiro e então o quarto e último.
Dos meus olhos tapados, Tina veio a notar uma lágrima escorrendo por entre as mãos e
caindo no chão.
- Nada disto é justo...
***
***
***
O caminho até o hospital não foi tão fácil como pensei. Mas creio que por conhecer a
cidade bem, conseguimos chegar inteiros ao hospital. Cláudio nem parecia o mesmo quando
viu o prédio e, antes mesmo que eu parasse, abriu a porta do carro e saiu correndo.
- Calma, iremos com você. Não sei se é certo ir sozinho.
- Não. Fique aqui, volto em 10 minutos. Se não, pode ir. Há munições no porta malas. E...
- ele me joga a outra arma.
- Cuidado.
Do lado de fora ficamos quietos dentro da TR4, Tina já havia tirado a venda quarteirões
atrás e depois de um ataque histérico, ao ver um homem comendo as tripas de outro, parecia
mais calma, talvez até conformada com a situação. Peguei o celular e tentei novamente discar
para meu pai, enquanto via Cláudio correr até a entrada.
Ou tentar.
Pareceu uma emboscada. Haviam três zumbis vindos da porta. Logo surgiram mais
outros dois pelos lados. Mas ele não recuou. Algo de muito importante havia dentro daquele
hospital e ele sacou uma das armas e começou a atirar. De dentro do hospital começaram a
sair mais e mais zumbis, parecia não ter fim quando finalmente ele apertou e apertou o gatilho
e nada.
O som do estalo eu pude escutar. A voz do meu pai, me chamando do outro lado da
linha, não.
Eu considerei, de todas as cenas que vi, aquela como a mais horrível. Cláudio jamais se
tornaria um zumbi. Seus braços, pernas e inclusive a cabeça foram arrancadas pelo grupo de
mortos-vivos que ali estava. Carmem entrou em desespero dentro do carro e ameaçou sair.
Fábio a segurou, mas não o suficiente. Ela pegou o pedaço de madeira e correu para tentar
salvar o que sobrara daquele homem.
- Não vai acontecer com esse grupo o que vi com o outro!
Não há muito que dizer sobre o que aconteceu em seguida. A mulher, que ela vira correr
para se salvar de zumbis, agora estava correndo para salvar um homem que já estava morto.
Eu liguei a ignição do carro e me assustei ao ver um zumbi que apareceu ao lado da minha
porta.
- Mas e a Carmem?
- Fábio, não há mais nada o que fazer por ela... Tina, se quiser, pode recolocar a venda!
- Vamos para onde?
- Para casa do meu pai!
***
Parte do caminho precisou ser feito a pé. Foi complicado, visto que era apenas eu, Fábio
e Tina. Fábio segurava um dos pedaços de madeira, Tina outro e eu as duas pistolas e muita
munição nos bolsos e numa bolsa que encontrei no carro. Caminhamos pelo parque e
começamos a subir a colina, que levava para perto da casa do meu pai. Já estava de noite
quando alcançamos a mansão. Parecia um lugar completamente abandonado. Todas as luzes
se encontravam apagadas. Tentei ligar com o celular, mas ninguém mais atendia.
A mansão de meu pai era enorme, basicamente decorada com móveis brancos ou claros,
que agora estavam com diversas manchas de sangue. Algo que me deixou ainda mais
preocupada. Evitávamos trocar palavras. Tudo era feito por acenos de cabeça.
Procurei no escritório, na sala de jantar, na cozinha aproveitamos para pegar alguns
pacotes de pães, biscoitos e uma garrafa d’água que coloquei logo na bolsa. Não saberíamos
quando e como comeríamos algo. Eu era a guia, Fábio ficava atrás guardando e observando.
Passamos pelo corredor e chegamos à beira da escada. Fiz um sinal e os dois entenderam. A
passos silenciosos e lentos subimos as escadas que davam para o segundo andar.
Assim que chegamos nele um barulho me assustou, confesso que quase gritei, mas me
segurei.
Olhei para Tina e mostrei um leve sorriso para que ela não ficasse ainda mais apavorada.
- O barulho veio daquela porta - Fábio me indicou com a cabeça ao sussurrar.
- Meu quarto?
Continuamos e caminhamos até a porta, quando fiquei de frente observei uma sombra
por baixo e fiz um sinal de cabeça para Fábio, que puxou Tina mais para perto. Mantive uma
das armas engatilhadas na mão, com a outra fui abrindo a porta devagar. Eu precisaria estar
pronta para atirar a qualquer custo.
- Pai?!
O susto foi compensado com a alegria ao ver meu pai e mais dois assessores dentro do
meu quarto também prontos a atirar. Abracei-o forte e logo entramos. O ar dentro do meu
quarto estava viciado, porém era um dos poucos lugares até agora que havia sentido sem
aquele cheiro putrefato. Estava feliz, em casa, com meu pai e no meu quarto. Desabei a
chorar! Finalmente salva. Meu pai sempre iria me salvar!
Conversamos mais um pouco conforme a noite avançava. Tina se deitou na minha cama
agarrada a um pequeno coelho azul de pelúcia que encontrou. Os outros foram dormindo nos
cantos, cada um se revezaria na proteção da porta em turnos. De manhã, tentaríamos o
helicóptero do meu pai.
Com muita dificuldade fui pegando no sono e a ultima cena que me lembro foi de um dos
assessores sentado ao lado da porta com a arma na mão.
***
O som de um tiro e um grito. Foram as primeiras coisas que ouvi ao acordar. Tina gritava
desesperadamente, enquanto eu me levantei já com a arma em punho não estava preparada
para ver o que vi.
O corpo do meu pai estava ensanguentado no chão e um dos assessores estava
atacando-o. Não pensei duas vezes ao cobrir ele de tiros, enquanto pegava a outra arma na
cintura vi o outro assessor ser morto, enquanto atirava em um que tinha acabado de morder o
braço de Fábio.
- NÃO!
Ele gritou com força e dor enquanto virou a madeira que segurava arrancando fora a
cabeça do zumbi.
- Vem Tina, precisamos sair correndo daqui! - puxei a menina pelo braço, ela não largava
o animal de pelúcia, enquanto Fábio, que vinha correndo atrás da gente, pegou uma das
pistolas que estava no chão, largada por um dos assistentes.
Eu estava em estado de choque, mas precisava sobreviver e não conseguiria sozinha.
- Fábio, você tá ferido. Tem como aguentar a corrida? - Já no hall do primeiro andar ouvi
um grunhido e um corpo caindo no chão. Não olhei para trás. Eu sabia que meu pai havia
virado um zumbi.
Abrimos a porta e foi a cena mais estranha que vi. O sol nascendo, lindo, anunciando um
novo dia e no horizonte um exército que caminhava. Um exército morto.
O rapaz olha para seu braço ferido e olha para sua irmã que, apavorada, abraçava o
coelho de pelúcia com toda a força que podia.
- Vamos! Não temos tempo a perder!
E iniciou nossa corrida colina abaixo. Eu sabia que existia uma saída naquela direção.
Era ela a nossa salvação. Enquanto corria tentávamos desviar de zumbis no caminho, o
confronto direto seria muito pior. Apesar de em alguns momentos ser inevitável.
Fábio começou a sofrer com seu ferimento. Começava a ficar mais lento. Em alguns
momentos parecia estar fervilhando de febre. A verdade é que tanto eu quanto ele sabíamos o
que viria a acontecer e por isso, evitávamos contatos com zumbis.
Eu iria possivelmente ter que enfrentar o pior deles.
Já devia ser perto das dez da manhã quando paramos junto a uma árvore e pedras. Era
um lugar de fácil visualização, e também ninguém chegaria perto sem que víssemos.
Aproveitamos para então beber a água e comer.
- Sara, olhe!
- Estamos salvos! - exclamou Fábio
Tina apontou uma barreira policial para o lado que íamos, senti um alivio. Afinal, o mundo
ainda não tinha enlouquecido, talvez eu pudesse me salvar. Foi quando me assustei. Um casal
se aproximava, um casal humano, eles pareciam chorar de esperança ao ver a barreira.
Esperança que não existia.
Pois quando eles estavam próximos o suficiente para serem considerados salvos, vimos
os policiais, aqueles que pensamos que seriam nossa esperança, atirar no casal sem piedade.
- Não é possível!
Fabio começou a chorar copiosamente. Eu não sabia o que fazer. Sei que ele ainda
estava ali, ele ainda estava vivo para garantir a salvação da sua irmã.
- Fábio, eu darei um jeito de manter Tina viva. Prometo.
Ele me olhou com os olhos cheios de água.
- Até o último suspiro de sua vida?
- É uma promessa!
A partir dali caminhamos de forma mais calma. Fábio parecia piorar a cada minuto. Por
um momento vi a mesma situação que tinha visto antes, naquele homem em frente ao
mercado. Os olhos ficaram brancos, vazios, porém ele voltou a si. Era questão de tempo até
eu usar as últimas balas naquele rapaz que se mantinha vivo pela irmã.
"Ele é como meu pai" pensei "a salvação dela sempre dependeu dele!"
Seguíamos no mesmo esquema. Fábio vinha atrás observando nossa retaguarda e eu
com Tina à frente. Só faltava mais uns quinze minutos no máximo de caminhada. Foi quando
olhei para trás e dei por falta de Fábio.
Tina também.
- Fábio! Fábio!
Começamos a voltar e procurar o rapaz. Creio que, pensando agora, cometi vários erros
em minha vida. E talvez por eles tivesse feito aquela promessa de cuidar daquela garota. Mas
jamais teria pensado que o maior erro estava sendo cometido ali.
Procurando por entre umas arvores, não tive tempo para me preparar. Fábio, o que
restara dele, voara em minha direção. Já não estava mais em si. Já não era mais o rapaz que
fazia de tudo pela irmã. Ele tinha fome e era de carne humana. Chutei, bati, lutei contra ele e
acabamos rolando por dentro da floresta para baixo. Tina estava desesperada e corria atrás
de nós colina abaixo.
Eu não conseguia me controlar, muito menos conseguia pegar minha arma. Todo o meu
corpo doía, senti o sangue escorrer, mas precisava sobreviver, agora, eu não tinha mais meu
pai para me salvar. E precisava salvar uma garota.
E percebi que não lutava contra mais nada. Apenas um corpo inerte e sem cabeça.
Enquanto rolávamos a cabeça do que um dia fora Fábio se desfizera ao bater em uma arvore.
Tina se aproximou chorando. Pensei que ali ela iria me odiar, mas me estendeu a mão.
- Sara, vamos, você prometeu...
Devo ter ficado alguns segundos olhando para aquela criança. Sim, ela talvez já não
pudesse mais ser chamada assim. Ainda segurava com força aquele coelho de pelúcia. Mas
depois dos últimos dois dias sua vida seria e teria outro caminho.
- Vamos.
Chegamos à beira da estrada. Na caminhada percebi que adquirira vários arranhões e
rasgos na minha pele. Porém um me incomodava. Um que me fazia sentir mal, febril e em
alguns momentos sentindo perder a consciência. Parecia uma leve mordida. Não, eu me
negava a acreditar que ele tinha conseguido.
- Querida, vou realmente precisar que você seja forte a partir de agora. Não sei se
conseguiremos chegar aos policias a salvo. Mas eu prometo que ficará bem, ok?
- Ok, Sara.
Nos espreitamos por entre as árvores na lateral da rodovia. Eles não estavam sem nada,
possuíam cachorros e sempre que estes sentiam algum cheiro esquisito eles atiravam.
- Vai ser difícil. Tina, só teremos uma chance. Quero que prometa correr o máximo que
puder. Não pare por nada. Só pare quando encontrar alguém fora da cidade e que essa
pessoa esteja sem ferimentos, ok?
Enquanto eu falava isso, a menina começou a chorar. Eu coloquei minha bolsa com ela. A
tontura aumentava, não sabia até quando eu me manteria consciente, ou viva.
Abracei com força a menina que mantinha o ursinho nas mãos. E então a empurrei. Senti
algo estranho tomando conta de mim e comecei a correr na direção contrária da que indicara
para Tina.
- Agora!
Foi então que surgi na estrada. Já não conseguia mais pensar por mim. Vendo meu
braço, aquela mordida parecia estar se alastrando, carne putrefata. O pânico começou a me
dominar. Minha mente oscilava entre o ser e o não ser, me sentia um animal, minha boca pedia
um gosto estranho, sangue, carne. Ao longe eu via Tina correr por entre a floresta, fugindo da
barreira.
Não sabia se ela sobreviveria aos cães ou não. Se algo pior a aguardava. Agora eu
entendia o que Fábio fez naquela hora. Era o mesmo que eu fazia neste instante, enquanto
tinha um fio de humanidade. Minha vista começara a ficar turva, leitosa, mal conseguia ver Tina
e seu coelho azul. Começo a caminhar em direção a barreira policial e eles precisavam fazer o
seu trabalho.
Senti o primeiro tiro me atingir.
Eu não me importava mais, eu queria carne, eu queria sangue.
E recebi mais outro tiro.
Meus passos eram lentos e eu queria correr, queria carne, sangue, e queria correr.
O terceiro e último tiro.
Um líquido escuro, vermelho começou a escorrer pela minha cabeça, ainda tinha algo
quente?
Algo humano? Ainda não sei. Meu corpo começou a tombar, eu já não sei em que
momento minha mente estava sã, em que momento eu ainda era eu. Apenas fixei na última
visão do horizonte.
Uma menina livre.
Correr, carne, sangue...
E o coelho azul.
FIM
Capítulo 8
Onde os velhos não têm vez
Por Renan Duarte "Ocelot"
- Santa Nozes! Mas será possível? - Disse o velho Leonardo, coçando seu grande nariz.
- E nós que pensávamos que a vida seria levantar, comer mingau, e voltar a dormir. O
que raios aconteceu? Maldição, maldição. - Jeremias, de rosto enrugado demais e careca
espaçosa, lamuriava.
- E agora, o que faremos? - Mustafá, um velho gordo e judeu, de longa barba,
perguntava articulando com as mãos.
- Cadê minha dentadura? - Disse Jairinho na cadeira de rodas. Essa era a única frase
que ele dizia.
- Santa Nozes! Estamos no fim! - Leonardo concluiu.
A trupe de velhos estava trancada em uma sala do museu. Tudo aconteceu de forma
inusitada. Era apenas uma excursão do clube da terceira idade. Leonardo, o velho em boa
forma, tirava fotos de tudo. Jeremias, o mais velho do grupo, não via a hora de voltar pra
casa, só estava com os demais por exigência de família. Mustafá, de nome árabe, mas que
era judeu, gordo e preguiçoso, adorava as horas no clube. E por fim, Jairinho, um sujeito
amalucado que não saía da cadeira de rodas e que só ficava a perguntar pela dentadura,
embora ele tivesse todos os dentes da boca, sem nunca cair nenhum.
Dentre outros velhinhos, estes foram os que sobraram da excursão. Todos os outros
foram comidos pelos mortos-vivos.
Quando tudo começou, as pessoas se deram a correr de um lado para o outro. As
portas do museu fecharam, com mortos e feridos dentro. Não demorou muito para os feridos
morrerem e os mortos se levantarem. Os vivos se danaram enquanto os velhos correram para
a primeira sala que encontraram.
Passaram um dia inteiro ali, até chegar a noite. Então, quando as coisas pareciam estar
calmas, resolveram conversar para decidir o que fariam os quatro senhores.
- Parece que todo mundo morreu. - Disse Jeremias.
- Morrer é pouco. Eles morreram e voltaram pra buscar a gente. Santa nozes! - Disse
Leonardo.
- Mas será que não tinham outras pessoas pra eles buscarem? Logo a gente?
- Perguntou Mustafá.
- Pois é, tanta gente ruim nesse mundo. E eles querem comer a gente, pobres velhos.
Ninguém respeita os idosos mais neste país. - Respondeu Leonardo.
- Cadê minha dentadura? - Jairinho murmurou.
- Olha ele, nem sabe o que tá acontecendo. Só pensa na dentadura, e dentadura, e mais
dentadura. Santa Nozes! - Disse Leonardo.
- E você? Só fica nessa de santa nozes aqui, santa nozes acolá. Quem aguenta? -
Mustafá se irritou.
- Quem aguenta? Era só o que faltava, um rabugento judeu numa hora dessas.
- Retrucou.
- Vê se calem estas bocas velhas e banguelas! - Jeremias quis finalizar o papo. De
todos, o mais rabugento. Nem mesmo a família aguentava.
- Cadê minha dentadura?
Os outros três se voltaram para Jairinho, que serviu de ponto final para o
papo.
- Vejam só, temos que sair desse lugar. - Leonardo sugeriu.
- E como faremos isso? - Perguntou Mustafá.
- É simples, vamos devagarzinho, sem que eles nos vejam e saímos para a rua. - Disse
Leonardo.
- Estranho, não ouvi policiais, nem sirenes, nem nada. O que está acontecendo lá fora? -
Jeremias desconfiou.
- Quem sabe? Quem sabe? - Disse Mustafá.
Os quatro senhores abriram a porta lentamente, e tudo estava escuro demais. Viram
alguns olhos noturnos andando de um lado para o outro. Tudo muito lento.
- Hê, eles não são muito diferentes dos nossos colegas do clube. - Brincou Leonardo.
- Não fala besteiras! Tenha dó! - Jeremias se irritou, fazendo Leonardo fechar a cara.
Andavam em passos de formiga, empurrando Jairinho na cadeira de rodas, se
esforçando ao máximo para não fazer qualquer barulho, em direção a saída principal. Todos
em completo silêncio.
De repente, Jairinho não se segura.
- Cadê minha dentadura?
Todos congelaram de medo. Os zumbis cancelaram suas rotas e se voltaram para os
quatro.
- Santa nozes! E agora?
- Velho idiota! - Jeremias resmungou. - Entregou a gente.
Os zumbis se aproximavam cada vez mais. Jeremias, impaciente, virou a cadeira de
rodas do desbocado, o deixando de costas para as portas, e a empurrou com força. O velho
foi em alta velocidade, mexendo as canelas velhas, passando por todos os zumbis e saindo do
museu para a rua. Foi um tombo só.
- Agora a gente corre! - Disse Jeremias.
E lá foram os velhos, remexendo os ossos porosos. Ao saírem do museu, fecharam as
portas para que aqueles que os perseguiam não saíssem. Ainda bufando de cansaço,
sentaram no chão, observando Jairinho no meio da rua, com a cara velha no chão,
perguntando pela maldita dentadura.
- Esse velho é maluco. - Disse Leonardo.
- E dizem que o filho da mãe não perdeu nenhum dente até hoje. - Disse Jeremias.
- Tristeza, tristeza. Vamos marchar que a Sapucaí é grande.
- O que é isso agora?
- O quê?
- Vai ficar usando bordão de novela?
- Que bordão?
- Além de velho é burro. Vamô embora. Pega o Jairinho.
- Pega você.
- Minha mãe.
E lá foi Jeremias empurrando o velho na cadeira. Os velhos caminharam alguns passos,
então começou a surgir um grupo estranho. Lentamente se aproximando, mas desta vez, não
eram zumbis. Estavam bem vivos, e de armas na mão. Os olhos arregalados revelavam a
sandice em que eles se encontravam. Os velhotes perceberam que aquilo não estava normal.
- Deixa que eu falo... - Se prontificou Jeremias. - Então, senhores, como vocês podem
ver, temos aqui um problema. E um problema precisa ser resolvido. Pelo que posso ver, a
nossa cidade está...
BLAM!!
Antes que Jeremias terminasse, um tiro para o alto calou a sua fala. Um alucinado com
uma escopeta nas mãos saiu do meio da horda de malucos e veio frenético:
- Qualé tiozão?
Jeremias voltou rapidamente para trás e empurrou Leonardo a frente.
- Fala você.
- Eu? S-s-santa nozes! Que velho covarde você é.
- Covarde? Vou te mostrar o covarde debaixo das minhas calças... - Enfurecido, puxou
Leonardo para trás, e retomou a posição de negociador. - Então, meu jovem, sabia que
atirando desse jeito vai atrair mais daqueles lazarentos? E sabia que gritando assim pela rua
afora, todos aqueles bastardos sem rumo nem carne vão cercar vocês na rua?
O grupo se aglutinou diante dos velhos.
- Pra um tiozão, tá sabendo demais dessas coisas...
- É claro que eu sei! Você não sabe quem sou, sabe? - Jeremias assumiu uma postura
corporal de confiança. Os outros velhos se entreolharam.
Assim, meio tentando bancar o irredutível, o jovem líder da gangue quis saber mais.
- Então... Abre o bico, velhote!
- Olha aqui, meu jovem. Vou te dizer... - Pigarreou, buscando alguma ideia genial, mas só
conseguiu o que tinha na cabeça velha mesmo. - Eu sou um cientista, tá entendendo? Desses
da TV, que fazem coisas estranhas, fui eu que criei essas coisas e só eu posso acabar com
elas.
- Mas que merda é essa? - Grasnou Leonardo.
- Cala a boca, infeliz. Não tá vendo que eles tão caindo na nossa? - Disse Mustafá, judeu,
mestre em negociações. Mas só era bom quando contava suas histórias, na hora mesmo,
amarelou.
- Então tu é o danado de uma figa que criou essa coisa toda? - Disse o jovem.
- Hã... É isso mesmo, rapaz. - Disse com toda a pompa que conhecia. Pobre engano.
- Tu merece é tiro na bunda! - Apontou a arma.
Jeremias engoliu seco.
- Calma aí, vamos ter civilidade. Eu não disse que posso tirar vocês dessa? Eu sou do
alto escalão do governo, rapaz! Se me matar, eles vão te fazer picadinho. CIA, FBI, KGB,
Interpol, George W. Bush, Hugo Chávez... Oh! Todo mundo! Todo mundo mesmo vai querer
um pedaço da tua tripa. - Se virou para os outros velhos e continuou baixinho - Fiquem
tranquilos, esses jovens de hoje não sabem de nada.
O jovem líder achou aquele discurso mesmo muito estranho. E de tão estranho, parecia
convincente.
- Então... Vamô ver se eu entendi... Você é um cientista que vai limpar essa bagaça? E
esses berenguendentos todos andando pela rua comendo gente é coisa desses presidas aí?
- É... Isso mesmo, meu filho!
O rapaz caiu na gargalhada.
- Qualé que é dessa tua, tiozão!? Até articulei nas ideia que era sério. Mas diga lá... Tá
tirando onda com a gente, né? - Tomou uma atitude séria. - Tu tá mandando um 171 bonito,
estouro teus miolos seu tio safado! Dá o papo, qualécatua?
Jeremias tremeu as pernas.
- Hã... É... Bem...
- Somos apenas velhotes! - Mustafá, o judeu de nome árabe, corajosamente tomou a
frente da conversa vencendo seus escrúpulos com uma ideia empolgante. - Velhotes, sim! Mas
mortos, nunca! Sim, tiozões renegados, a escória da sociedade. O clube sobrevivente e
soberano da terceira idade. - O jovem se assustou com o levante de Mustafá, mas deixou o
velho falar, aquilo estava cada vez mais estranho. - Éramos apenas alguns velhos banguelas
naquele museu, mas um mal terrível abateu sobre nós. A morte! Sim, ela veio, e escolheu
os seus alvos. Mas nós sobrevivemos! Me diga o que é isto se não a vitória dos mais fortes?
Darwin estava certo, afinal. Só os fracos perecem! Mas os fortes... Ah... Os fortes
sobrevivem! - Mustafá começou a falar grandiloquente, fechando os punhos, socando o ar,
fazendo caras como se discursasse para uma grande multidão. A gangue ficou perplexa.
- Acho que já vi isto em algum lugar... - Leonardo disse baixinho para si mesmo, a
respeito do discurso. - Num filme sobre a segunda guerra...
O breve descrédito e zombaria por parte dos jovens começou dar lugar ao respeito.
Cada palavra, como uma corrente elétrica, circulava sobre aquele pequeno grupo. De repente,
o discurso começou a encantar os olhos daquela pobre gangue de farrapos tentando
sobreviver. Mustafá continuou:
- Vejam vocês! Pobre almas perdidas na noite, entremeio aos desígnios da morte.
Zumbis! Sim! SIM! Zumbis! Andando pela nossa cidade, tomando nossas ruas, nossas vielas,
nossas casas, esposas, filhos, pais! Nossos empregos! Nossa economia! - Estendeu os
braços e começou a vociferar. - EU VOU DIZER O QUE ELES SÃO! NOSSOS INIMIGOS É O
QUE SÃO!
Mustafá falou por mais vinte minutos. A plateia se rendeu completamente. Falou dos
zumbis, da morte, da luta de classes, das injustiças sociais e que tinha um sonho em que seus
filhos não fossem julgados pela cor da pele, mas pelo caráter. Falou a respeito de uma
ameaça global, e que tudo que tinham que fazer é sobreviver. Impor a vontade. Impor a vida.
- O que fazemos para sobreviver? DIGAM!? O QUE? - Não esperou que eles
respondessem. - Temos que nos unir! Como um punho só! Um só feixe! Com ordem e
disciplina traremos o poder sobre esses corpos putrefatos! - E socando o ar, finalizou. -
SOBREVIVENTES DE TODO O MUNDO, UNI-VOS! MARCHEMOS SOBRE SANTA FÉ,
MATEMO-LOS TODOS! NOVAMENTE! - A multidão de umas quinze pessoas aplaudiu
gritando. Mustafá havia conquistado pelo discurso.
Os outros velhos estavam boquiabertos.
- Jesus... - Leonardo se adiantou, como quem acaba de testemunhar uma bizarrice. -
Que foi isso?
- Não sei não, Léo. Mas que é estranho é! Veja só, só faltou o bigode pro velho.
- Jeremias respondeu.
Entretanto, os gritos discursais do velho judeu atraíram uma horda de zumbis. Dezenas,
centenas deles. Aquela encenação toda fora tão convincente que eles nem perceberam os
gemidos, grunhidos e grasnados possíveis dos mortos vivos. Estavam cercados.
- Vejam! Zumbis! - Gritou um daqueles jovens malucos lobotomizados.
Mustafá viu sua chance que concluir o que começou. Assumiu um olhar napoleônico,
apontou para a horda e gritou às barbas largas:
- ATACAAAAAAAAAAAR!!!
Todos avançaram, menos os velhos. Até o suposto líder da gangue já estava dominado.
Os malucos se atiraram na horda de zumbis como em uma cena de filme épico. Os que tinham
armas atiravam, os que não tinham iam na mão mesmo. Estes se danaram primeiro. Os
velhotes aproveitaram a passagem e caíram na estrada.
Enfim, estavam livres da horda e da gangue de malucos. Ao longe, um Shopping Center
funcionava com algumas luzes fracas. Provavelmente devido ao gerador interno.
- Bem... Se houver mais sobreviventes, talvez eles estejam lá... - Disse Leonardo.
- Eu é que não quero mais saber de sobrevivente nenhum. E eu que achava os filhos da
louca da vizinha é que eram malucos... Aquela trupe de marginais bocabertas são o fim do
mundo!
- Jeremias, Jeremias... Sempre rabugento. - Mustafá comentou com um sorriso
presunçoso.
- O que é isso agora?
- Nada, camarada, nada mesmo. - Continuou com o sorriso soberbo.
- Eu também poderia ter nos tirado daquela. Você tá é muito convencido pro meu gosto!
- Mas vocês viram, não viram? Viram como eles caíram no meu discurso? Foi fantástico.
Não sabia que eu tinha tal poder... É como... Eu falava e eles simplesmente concordavam...
- Parecia um maldito fascista.
Então, Leonardo se lembrou:
- Isso mesmo! Agora me lembrei... Quando vi você falando daquele jeito, pensei ter tido
um daqueles Déja Vu... Era porque você falava como um ditador. Mas ei... Espere... Você é
judeu. Você deveria detestar ditadores... Não é?
Mustafá estava convencido demais com a vitória para pensar nas tradições familiares.
- Não é bem assim. Eles só precisavam de alguém para se espelharem... Um exemplo...
Um ideal... Um pai.
- Um füher. - Jeremias concluiu. - Velho fascista.
- Santa nozes! Agora temos um ditador judeu. - Disse Leonardo.
- Brrfffu... Esse gordo calça frouxa vai nos atormentar com este fato até a eternidade. -
Jeremias reclamou, adiantando-se nos passos, um tanto aborrecido, empurrando Jairinho na
cadeira de rodas.
- Cadê minha dentadura? - Perguntou o velho cadeirante.
O shopping, de fora, continuava imponente, porém, as portas fechadas. Os velhotes
caminhavam lentamente entre uma porta e outra, procurando alguma entrada. Tudo em silêncio
para não atrair nenhum zumbi. Foi então que Jairinho começou a falar ligeiramente,
perguntando pela danada da dentadura, mas apontando para o teto. Apontava para uma
câmera que os acompanhava.
- Velho esperto, e a gente pensando que só faltava você morrer, hein Jairinho?
- Brincou Leonardo.
- Não fala assim que chateia. - Disse Mustafá.
- Chateia quem?
- O velho, oras. Ninguém aqui tá querendo morrer.
- Só me faltava essa...
Jeremias se adiantou a fazer contato:
- Oh seus bastardos! Não tão vendo que a gente tá aqui fora pra morrer não? Abre logo
essa bosta! Onde já se viu deixar a gente do lado de fora... No meu tempo, a gente sedia o
lugar pros mais velhos. Abram logo, seus infelizes!
Um longo silêncio permaneceu, e então, uma das portas foi aberta. Um homem alto,
forte, mas roliço, negro e de cabelos espaçosos atendeu, chamando logo os velhos para
dentro.
- A gente fica agradecido. - Disse Leonardo com um sorriso da terceira idade.
O sujeito de macacão nem respondeu. Jeremias ficou ofendido.
- Olha aqui, filho. Prestenção! Vocês iam deixar a gente do lado de fora? Cambada...
- Humpf... - O sujeito suspirou de tédio. - Meu senhor, deixa eu te falar uma coisa, com
todo o respeito... O mundo tá acabando, então não enche o saco. Só deixei vocês entrarem
por que fiz uma promessa pra minha mãezinha que nunca trataria mal um velhinho. Isso incluía
ela... E meu nome é João... Mas todo mundo aqui me chama de Barril.
Jeremias de pescoço fino e orelhas moles, balançou a cabeça em reprovação.
- Quer chamar isso de tratamento? Esses jovens de hoje...
- Cadê minha dentadura? - Disse Jairinho, como sempre. João nem se importou, mas
Leonardo explicou assim mesmo.
- Ele é maluco.
João riu.
- E todos vocês não são?
- Hã... Não... Tá certo que eu tomo meus remédios, dois pra memória, um para os ossos,
o vermelho de noite, o azul de dia, e o amarelo quando acordar. Ainda tem aquele para
intestino. Uma beleza! Uma beleza! - Disse Leonardo.
- Não dê papo pra esse aí Léo. - Jeremias continuava indignado. Mas estava só por
estar, não havia motivos reais. Era sua natureza ficar chateado com alguma coisa.
- Venham, vou apresentar vocês ao grupo... Estamos refugiados aqui desde que
aconteceu... - Disse Barril.
- Espero que tenha alguém decente nesse grupo.
- Fica logo ali, no andar de cima.
Antes que pudessem subir as escadas, um grito ecoou pelo lugar. Vinha de cima.
- Droga! - Barril disparou a correr. Os velhos nem se moveram.
- Não vou correr mesmo. Deus que me livre da descadeiração. - Leonardo justificou.
- Nem eu. Mas se me vissem uns 30 anos atrás, eu era um verdadeiro atleta. - Mustafá
se gabou triunfante.
- Saco de banha idiota. - Jeremias acabou com a festa.
- Cadê minha dentadura?
Outros gritos começaram a acontecer. Alguma coisa séria estava acontecendo. Os
velhos, calmamente, subiam a rampa que dava para o andar de cima. O caminho mais longo.
Precisavam evitar as escadas. Muito trabalho.
- O que é isso, hein? - Perguntou Leonardo.
- Vá saber... Vá saber...
Quando finalmente chegaram ao andar de cima, viram Barril com uma cadeira de ferro
nas mãos, atacando um outro sujeito, que tinha o braço de uma mulher entre os dentes. Os
zumbis estavam ali.
- Eita merda! Nunca acaba. Nunca! - Jeremias resmungou.
Barril girou a cadeira na cabeça do zumbi, estourando-a. Oscilou, tentando fazer algo
pelo grupo que estava sendo atacado, mas já não havia saída. Os zumbis mordiam a todos, e
os mordidos mordiam outras pessoas. O grupo já era.
- Corram! - Gritou Barril, se adiantando pelas escadas.
- Lá vamos nós... - Disse Jeremias.
- Também não aguento mais... - Leonardo completou.
- Cadê minha dentadura?
E lá se foram os velhos, correndo, de canelas magrelas e bochechas flácidas. Com
certeza não era bonito, mas era melhor que os zumbis.
Juntamente com o Barril, correram para a garagem do shopping, apertaram-se em um
carro qualquer e saíram em disparada. Entre curvas malucas e manobras arriscadas, e um
pouco de carne de zumbi no para-brisas, eles seguiam, na adrenalina do momento. De
repente, a toda velocidade, o carro atropelou um montante de cadáveres amontoados,
impulsionando o veículo a um sobressalto que o fez capotar. O carro ergueu-se meio metro do
chão, caindo com os pneus virados devido ao fato de Barril perder o controle da direção pelo
susto. Aquele caixote de velhos cambalhotou até ser parado por um poste de luz. Todos
apagaram.
***
Após o caos, Jairinho não soube bem se acordou pela dor de cabeça ou se a sentiu só
depois. Abriu os olhos lentamente, situou-se, apertou os olhos para o fosco se tornar em
imagem nítida. Os olhos do velho eram como de águias.
- Dentadura? - Disse instintivamente.
Estava apertado dentro do carro amassado, com Leonardo desacordado sobre ele.
Sentiu algo estranho na perna esquerda. Algo molhado. Se movendo em torno de suas canelas
pintalgadas. Então se deu conta que estava sentindo as pernas. E isto o fez estranhar ainda
mais.
- Mi...la..gre... - Balbuciou, e esta foi a primeira palavra diferente em anos. Aquele
acidente trouxe certa lucidez para o velho. Parecia ter acordado de um longo sono. Passou a
mão na testa, um sangue vermelho vivo escorria. - Eu tô vivo. - Disse por final.
Tentou reparar no que havia em sua perna e a cena era realmente muito pior do que
imaginara. Leonardo transfigurado, sem dentes, tentando mordiscar a sua canela. O velho Léo
morreu na batida e voltou feito morto. A dentadura deve ter voado pela janela.
- Banguela do inferno! - Disse chutando a cabeça de Léo para largá-lo.
Tentou se arrastar para fora, mas Leo não o deixava em paz. Chutou mais algumas
vezes. As pernas eram fracas. Tanto tempo em uma cadeira de rodas fez os músculos
perderem o vigor. Mas os braços eram fortes. Arrastou- se pela janela então, mas junto veio o
Leonardo zumbificado.
- Sinto muito, Léo. - Splash! Foi o som da martelada que Jeremias deu na cabeça do
velho zumbi. Espatifou o cérebro gelatinoso.
- Hã... Obrigado.
- Então agora você fala?
- Não deveria?
- Levanta logo.
Jairinho se levantou, percebeu no outro lado da rua um velho partido ao meio. Era
Mustafá, lançado pela janela no acidente. Mais adiante, Barril. Os dois estavam sem cintos. Ao
redor, o caos total. Mortos por todos os lados. Jairinho estremeceu.
- Que houve?
- Bela hora pra acordar hein?
- Mas... Como assim?
Jairinho não sabia bem o que estava acontecendo. Subitamente, despertara da vida
vegetativa de uma frase só. Talvez o tranco que levou na cabeça tenha sido responsável, mas
quem sabe?
- Velho maluco. - Jeremias disse asperamente. E continuou - Temos que sair dessa
maldita cidade.
Atordoado, porém consciente, Jairinho apontou para o horizonte, para o
porto.
- Dentadura...
- De novo essa merda? Achei que esti...
- Não, não... Minha dentadura! Lá, no porto.
- Que merda... - Jeremias saiu irritado. Mas Jairinho estava disposto a terminar a fala.
Seguiu falando.
- É meu barco. Meu barco de pesca! Se chama dentadura. Foi um presente...
- O que? - Jeremias teve que parar para ouvir.
- Uns amigos me deram um presente. Um barco de pesca. Pequeno, mas veloz e
aconchegante. Disseram que eu deveria chamá-lo de dentadura, pois dentadura é o melhor
amigo de um velho.
- Tá dizendo que a maldita dentadura que você ficava perguntando é um barco?
Jairinho se demorou na resposta, como quem se lembra de uma memória antiga.
- Isso, sim. Agora me lembro... Me lembro da saudade que eu tinha do meu barco.
Dentadura! Podemos sair daqui por ele.
Jeremias suspirou aliviado.
- Finalmente você serviu pra alguma coisa. Vambora velho maluco! - Sorriu.
E lá se foram os dois velhotes para o porto. Havia muitos barcos no local e uma horda de
outros amalucados. Mas não houve problemas. Todos reconheceram a fama do velho
revolucionário Mustafá, que havia juntado um exército no centro da cidade, unido os povos e
lutado bravamente contra os zumbis. E ali estava os dois últimos amigos do grande líder dos
sem esperança de Santa Fé. Jeremias e Jairinho, agora a bordo da Dentadura, partiram
tranquilamente, juntamente com a horda de malucos arrebanhados por Mustafá para o outro
lado do rio. Deixando Santa Fé e todos os zumbis para trás.
Depois disso, Jeremias se deu a praticar tiro ao alvo, alpinismo, natação, bang jump e
tudo quando é tipo de coisa aventureira para resgatar a adrenalina que sentiram em Santa Fé.
Jairinho passou a viver na Dentadura, seu pequeno barco de pescas. Dizia que ali era o
lugar mais seguro do mundo e que nunca mais deixaria Dentadura. Os malucos ergueram um
memorial para Mustafá, o grande líder. Também não se esqueceram de Leonardo, o
simpático.
Assim foi o fim dessa aventura da terceira idade.
Vida longa aos velhos!
FIM
Os autores
O Universo Nova Frequência é um grupo formado por novos escritores brasileiros que se
uniram para fundar e manter um site onde pudessem extravasar as ideias que lhes
atormentavam, seja produzindo contos, séries, fanfics ou tiras.
O UNF está em franca produção desde janeiro de 2009 e, após a produção de dezenas
de textos disponíveis online, este é o primeiro ebook do grupo, fruto de um jogo estipulado
entre os autores, onde todos foram desafiados a escreverem um conto sobre o apocalipse
zumbi ocorrido numa fictícia cidade brasileira.
Conheça os outros projetos do grupo visitando nosso site oficial:
http://www.novafrequencia.com.br
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Registered :: Mon Jan 17 18:13:47 UTC 2011
Title :: Ao menos estamos vivos.
Category :: Literature
Fingerprint ::
f2c87132562326b839287bc0821acd35187d7caf909d1adedda5ec8f48a168ca
MCN :: CQ2HV-DEJ9F-5YDG4
APAVORE-SE!
VOCÊ ESTÁ NA FREQUÊNCIA Z!
{01} Música da banda Slipknot de um álbum com o nome: All Hope Is Gone (Toda a esperança
se foi)