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VÁRIOS AUTORES

Frequência
Z

UNIVERSO NOVA FREQUÊNCIA


2010
© Os direitos de cada conto deste ebook pertencem aos seus respectivos autores.
Este ebook pode ser livremente distribuído, gratuitamente.
Não é permitida a venda desta obra, assim como também não é permitida qualquer
alteração de seu conteúdo ou a criação de obras derivadas do mesmo sem o consentimento
expresso de seus autores.
© Ilustrações de Anderson Oliveira e João Norberto, usadas sob licença.
© Capa e Formatação de LeYtor
Sumário
Introdução
Ao menos… estamos vivos
Bytes, sexo e zumbis
Os zumbis e os coloridos
Sobrevivendo ao inferno
Quando os mortos se levantam
Medo, pecado e zumbis
E eu acordei morto!
Onde os Velhos não têm Vez
Os autores
Licenças de uso
Introdução
O UNF orgulhosamente apresenta... os Zumbis.
Bem-vindos ao nosso primeiro ebook.
E para a estreia de nossa série de livros virtuais escolhemos um tema que não sai de
moda: Zumbis.
Dezenas de filmes, livros e quadrinhos já foram feitos sobre o tema., e você verá as
influências destas produções nos contos deste livro, mas, quantas histórias de zumbi com o
nosso sotaque brasileiro você já leu?
Os contos a seguir se passam na fictícia cidade de Santa Fé, localizada no interior de
qualquer Estado brasileiro (Imagine que é no seu Estado, vai curtir a ideia, tenho certeza).
Num dia comum, como qualquer outro, os mortos revivem e partem pra cima dos vivos.
Quando pensamos em zumbis, logo nos vem à mente a imagem de pessoas fortemente
armadas disparando alucinadamente contra hordas intermináveis de mortos-vivos, certo?
Bem, você vai encontrar gente armada nos contos deste ebook. Mas também vai
encontrar muito mais. Vai encontrar homens de caráter duvidoso, mulheres misteriosas,
cachorros covardes, palhaços psicóticos, músicos sensíveis e idosos determinados, todos
arremessados num cenário apavorante, afinal, os mortos se levantaram!
Em cada conto da Frequência Z você vai enfrentar o apocalipse zumbi ao lado destes
personagens diferentes e inusitados. Vai ver como uma situação louca pode transformar as
pessoas, fazendo emergir o que há de melhor ou de pior em cada uma. E verá que mesmo em
situações desesperadoras o ser humano pode encontrar motivos para rir.
Este ebook é para você, que gosta de histórias de zumbis, mas que principalmente gosta
de histórias de ação, humor escrachado e drama.
Venha. Visite Santa Fé.
E escape se for capaz.

Alex Nery
Organizador Zumbi
Capítulo 1
Ao menos estamos vivos
Por João Norberto

Cidade de Nossa Senhora de Santa Fé, 8:25 da manhã.

"E lá vamos nós para mais um dia emocionante da minha vida..."


Com o irônico pensamento, José Benedito dobrou a esquina, que levava até o escritório
de contabilidade onde ele trabalhava de faxineiro, o único serviço fixo que ele conseguiu após o
tempo em que esteve preso.
"Trinta e três anos hoje... A idade que Jesus tinha quando morreu... Será que eu vou ter
mais sorte que ele?"
Antes de subir até o segundo andar, do predinho de apenas três, ele sempre parava na
pequena padaria que ocupava o térreo, para tomar seu café da manhã e trocar uns olhares
com a gracinha da atendente.
Sayuri, uma bela japonesa de apenas dezoito anos, tentava manter sempre o espírito
alegre, enquanto tinha que atender alguns bêbados, que logo cedo pediam rabos de galo ou
uma "branquinha", ou ouvir a reclamação de alguns funcionários dos comércios ali de perto.
- Minha filha tá doente... Pior que tive que deixar ela sozinha... Não posso mais perder
nenhum dia de trabalho...
- Você é uma gracinha sabia? Se eu te levo prá casa...
- Ai... Mais um dia... Tomara que passe logo né?
Mesmo com as ordens de seu Geraldo, o dono da pequena padaria, que não precisava
de mais que dois funcionários, para que a garota sempre tratasse os clientes bem, chegava
horas que tudo que a garota queria era agarrar a cabeça e sair de lá gritando.
O ponto alto das manhãs era quando José chegava.
Sayuri sempre pensava, com certo prazer, no que seus pais diriam caso vissem como ela
dispensava atenção a alguém como ele, pobre, negro, ex- detento, um simples faxineiro.
- Esse homem não serve para você Sayuri Satoshi... - Seria, com certeza, a frase com
que seu pai começaria outro sermão, o maior motivo pelo qual ela resolveu sair de casa e
tentar se virar sozinha.
Os pais queriam uma filha médica de todo jeito, mas Sayuri nunca gostou da ideia de ter
uma vida em suas mãos, logo depois quiseram que ela fosse advogada, mas ela nunca gostou
tanto de livros técnicos.
Sua paixão eram os mangas, animes e os bares de karaokê. Seu sonho era se tornar
cantora, viajar para o Japão e ficar famosa criando músicas para aberturas de animes, mesmo
com alguns amigos dizendo que ela não era tão afinada.
Em meio a um respiro no movimento daquela manhã, algo que era raro e até estranho,
ela pegou um guardanapo e começou a rascunhar como seria a roupa que ela iria usar no
concurso de cosplay do próximo final de semana.
- Você tem jeito prá desenho japinha... - A chegada repentina de José a assustou,
fazendo com que a caneta Bic acabasse fazendo um risco transversal pelo desenho. - Opa!
Mal aí...
- Não... Tudo bem... Hã... - Sentindo seu rosto corando, a garota procurou se recuperar o
mais rápido que podia. - O de sempre?
- Claro... Um café tão pretinho quanto eu e um pão passado na chapa... Por favor...
Um sorriso da garota fez o coração de José bater mais rápido e ele olhou para o relógio,
vendo que tinha ainda dez minutos antes de subir para o escritório, bater seu cartão e começar
a limpeza.
- Isso... Vai mais rápido Roberto... Assim... Aaaahhhhh....
- Nossa... Que tesão... Você é demais Cela... Aaarrrr...
No escritório de contabilidade do Almeida, o dono Roberto Almeida, fazia uma "hora
extra" com sua funcionária, Marcela de Souza, que pretendia, com aquilo, saciar sua vontade
incontrolável por sexo e ainda conseguir um aumento.
Por isso ela aguentava ser chamada por aquele apelido que ela odiava.
- Ai Cela... - Roberto aumentava ainda mais seus movimentos, sentindo a bunda da
mulher batendo com força em seu abdômen, enquanto ele agarrava com força num dos seios
dela, mantendo sua mão direita apoiada numa das mesas. - Cacete... Tô quase... Mais um
pouco...
- Vai logo... Aaaahhhh... Já, já o Zé chega...
"Saco... Como mete mal... Ai Aninha... As coisas que a mamãe tem que fazer..."
Enquanto continuava sua encenação, Marcela já mantinha a mente longe, pensando na filha,
que nascera com síndrome de down, o que simplesmente dobrou o gasto que teria com uma
criança "normal".
Foi o que o pai de Aninha jogou na cara de Marcela antes de avisar que não assumiria a
paternidade, se mudando para outra cidade um mês antes do nascimento.
Mesmo com o nascimento de sua filha, Marcela não teve seu apetite sexual diminuído,
mas agora ele era também uma desculpa para tentar conseguir mais dinheiro para cuidar de
Aninha.
- Aaaaahhh!!! Tô gozando!!!
Por causa de tudo isso, mesmo sentindo um crescente incômodo, conforme Roberto
apertava ainda mais seu seio, ou enquanto o pequeno pênis mal lhe fazia cócegas, ela
precisava fingir um orgasmo, pois sabia que assim conseguiria alcançar seus objetivos.
- Bom dia seu Manoel!! - José acabara de terminar o café, e já estava com o último
pedaço de pão na boca, quando o dono do prédio entrava na padaria.
- Olá Zé Benê!!! Ora pois se este dia não está lindo ó pá!
O faxineiro odiava apelidos, mas aprendera que, com seu nome isso, era inevitável, ao
menos já não arranjava confusão cada vez que alguém o chamava assim.
- Tá mesmo! - Após enfiar o último pedaço de pão na boca, José começou a revirar os
bolsos para pegar o dinheiro, que estendeu na direção de Sayuri. - Pronto japinha... - Apesar
de tudo, ele costumava dar apelidos. - Pode ficar com o troco...
Uma piscadinha, pois sabia que o troco não passaria de uma moeda de cinco centavos e
então, após consultar o relógio e ver que já era quase nove da manhã, ele se colocou a subir
as escadas do prédio, entrando no escritório pouco depois de Roberto e Marcela terem
terminado de transar.
Apesar de já estarem vestidos, o cheiro no escritório e os rostos dos dois deixava bem
claro o que acontecera.
José sabia que não deveria fazer nenhum comentário, Roberto sempre o lembrava de
como era um grande favor ter aceitado-o como faxineiro, por isso ele deu apenas bom dia aos
dois, bateu seu cartão e foi logo se trocar, pegando uma vassoura e começando seu serviço.
Era nove da manhã em ponto.
O inferno chegou até eles apenas uma hora após terem começado a trabalhar.
José já havia varrido, passado um pano no chão e se preparava para a pior parte do dia,
pedir licença aos demais para limpar suas mesas.
Roberto, que mais ficava na internet, em sites pornôs, do que trabalhando sempre fazia a
mesma piada "Tem que limpar justo agora? Tá certo... Não vou me meter no SEU trabalho" ele
adorava frisar a inferioridade que via no trabalho do faxineiro.
Já com Marcela era um pouco diferente. A bela ruiva fazia questão de roçar um dos
seios no braço de José, enquanto saía da mesa com um "ok" saído dos lábios com até
terceiras intenções facilmente detectáveis.
Apesar de tudo ele sabia que precisava começar pela mesa do chefe e foi caminhando
lentamente até ele, procurando evitar o olhar arrogante de Roberto, colocando um pouco de
lustra móveis numa flanela branca.
Ao longe eles ouviram o som de pneus derrapando, mas não deram maior importância,
muitas vezes as pessoas precisavam frear seus carros por causa de uma lombada, quase
invisível pela ação do tempo.
E nada faria Roberto perder sua piada.
- Poxa Zé! Tem que limpar justo...
Para um alívio momentâneo de José, a piada de seu chefe foi interrompida pelo som da
porta do escritório sendo violentamente aberta e em seguida fechada com igual força.
Quando todos se voltaram para a entrada ficaram estarrecidos.
Sayuri, a garota da padaria estava encostada na porta, que acabara de trancar, arfando
como se tivesse subido os lances de escada correndo com todas as suas forças, dos olhos
desciam verdadeiros rios de lágrimas, mas não foi isso que assustou os demais.
Ela tinha a blusa ensopada de sangue e na mão uma imensa faca, de onde também
escorria o líquido escarlate.
- Eu... Meus Deus... Meu Deus...
E então ela caiu ajoelhada, deixando José, Roberto e Marcela atônitos, sem saber o que
fazer.

***

Alguns minutos atrás.

Sayuri havia terminado de lavar alguns copos e ia começar a arrumá-los, quando


percebeu que Seu Geraldo acabara de deixar o caixa, algo que nunca significava coisa boa.
Ela olhou para a entrada da padaria e percebeu o que, à primeira vista, parecia somente
mais um bêbado parado na entrada, com o corpo balançando estranhamente. Era como se ele
estivesse para cair a qualquer momento.
Parecia problema e o chefe da garota sempre sabia o que fazer nessas
horas.
Seu Geraldo era um grandalhão, doce com quem o conhecia, mas que sabia aproveitar
seu tamanho para afastar prováveis valentões, que surgiam de tempos em tempos, fosse com
palavras ou ações.
- O que você quer aqui amigo? Se não for comprar algo é melhor sair fora... - O outro
apenas soltava gemidos e grunhidos incompreensíveis. O corpo ainda gingando de forma
estranha. - Não vai querer confusão não é?
Normalmente aquela ameaça, somada ao tamanho de Geraldo bastava, mas por via das
dúvidas Sayuri pegou uma faca de cozinha e começou a se aproximar lentamente por trás de
seu chefe, pronta para defendê-lo se fosse necessário.
- Ei, calma Sayuri... - Ao perceber a aproximação da empregada, Geraldo tratou de
acalmá-la, tirando a atenção do estranho homem à sua frente por um instante. - Não se
preocupe que vai ficar tudo bem e... AAAAAAHHHHH!!!!!
Sem aviso nenhum Geraldo teve seu pescoço mordido pelo recém- chegado, que
precisou saltar para alcançá-lo, fazendo o sangue esguichar, acabando por acertar o peito de
Sayuri, que em pânico gritou e usou a faca de cozinha para acertar o agressor.
Após várias facadas ela conseguiu finalmente tirá-lo de cima de Geraldo, que já estava
dando os últimos suspiros, ainda tentando se agarrar à vida, mas a mordida fora certeira em
sua jugular e poucos minutos depois ele jazia morto.
O agressor também parecia estar morto e enquanto a garota tentava fazer as mãos
pararem de tremer e imaginava como poderia explicar aquilo para a polícia, o impossível
aconteceu.
Impossível e aterrador.
Pela porta da padaria mais três pessoas começavam a entrar, duas mulheres e um
homem, mas esses, ao contrário do primeiro, apresentavam ferimentos terríveis.
A mulher não tinha um braço, um dos homens estava com boa parte do intestino
pendurado para fora do corpo e o último vinha se arrastando, uma de suas pernas pendia logo
atrás, presa ao seu corpo por apenas um fio de carne.
Nenhum deles deveria estar sequer de pé, quanto mais andando daquele jeito.
Sayuri só despertou quando olhou para baixo e viu horrorizada que o corpo de Seu
Geraldo começava a se mover, os olhos haviam ficado leitosos, mas ainda assim ele estendia
uma mão na direção da perna dela.
Com um grito de terror ela correu pela saída da padaria que dava para a escada do
prédio, subindo-a com toda velocidade que conseguia, só parando quando entrou no escritório
de contabilidade e trancou a porta atrás de si.

***

- Droga Japinha... Conta prá gente o que aconteceu...


- Para de falar com ela assim! - Roberto tentava assumir o controle da situação.
- Pega logo a chave Zé! E Macela! Já chamou a polícia?
- Ninguém atende! Só dá ramal ocupado...
- Merda! Deixa eu resolver isso...
Ele avançou para pegar a chave, mas Sayuri se defendeu com a faca, quase cortando a
mão do outro.
- Merda! Ora sua vaca... Eu vou...
José se levantou e segurou o chefe, sabendo que iria arriscar o emprego fazendo aquilo,
mas ele queria acreditar que a garota tinha motivos para fazer aquilo.
Motivos que ficaram claros em seguida.
Um grito pavoroso chamou a atenção de todos, que procuraram se afastar da porta
trancada, cada um procurando abrigo atrás de uma mesa ou de uma prateleira e observando
atentamente através dos vidros temperados que Roberto havia mandado insufilmar a poucas
semanas.
Ele queria mais privacidade enquanto estava transando com Marcela.
- Socorro!!! - Todos reconheceram a voz de seu Manoel, o dono do prédio, pouco antes
de ele aparecer, com ferimentos em boa parte do rosto e braços e uma mão com três dedos a
menos, correndo pelo corredor à frente do escritório. - Me ajudem!!! Socorro!!!

Eles estavam paralisados, ninguém moveu um dedo e quando começavam a cogitar a


possibilidade de se erguer, voltaram aos seus esconderijos, quando um grupo estranho de
pessoas, todos exibindo horrendos ferimentos, alcançaram seu Manoel e o derrubaram no
chão.
Os gritos do dono do prédio se estenderam por longos minutos, mas logo silenciaram,
fazendo com que todos que estavam dentro do escritório mantivessem até suas respirações
suspensas.
Poucos minutos depois os atacantes se ergueram, todos com as bocas manchadas de
sangue e voltaram pelo caminho que tinham feito até ali, mas o pior é que seu Manoel também
se levantou em seguida, os olhos leitosos, a mandíbula pendia de sua cabeça e um dos braços
já não existia mais.
Ele ficou com seu rosto voltado para dentro do escritório, acabou batendo a cabeça
algumas vezes contra o vidro escurecido, o que aumentou ainda mais o terror daqueles que
assistiam àquele dantesco espetáculo.
Pouco a pouco ele se virou e seguiu seus atacantes, deixando para trás quatro pessoas
apavoradas, que só voltaram a se mexer após ouvir o som de pneus derrapando mais uma
vez, mas agora muito mais perto, seguido do característico som de metal sendo golpeado por
algo.
Roberto se arrastou até uma janela, tentando não mostrar muito de seu rosto, mas sendo
o suficiente para ver a rua logo abaixo.
Ele voltou a se abaixar num instante, os olhos arregalados de terror.
Os demais resolveram imitá-lo e o cenário que viram era como um pesadelo.
Na rua vários carros estavam batidos, tombados ou até mesmo em chamas, pessoas
corriam para todo lado, enquanto eram perseguidas por grupos dos mesmos loucos que
atacaram o Seu Manuel.
Loucos, já que não era possível que fossem outra coisa, por mais que soasse absurdo,
afinal eles não estavam num filme, era a vida real e na vida real coisas como zumbis não
existiam.
Era uma certeza que logo teriam de abandonar.

***

Já era quase meio dia e os quatro mal tinham trocado uma só palavra, quando o celular
de Marcela tocou com a música tema do desenho "Backgardigans", fazendo-a sobressaltar e
murmurar um "meu Deus" quase inaudível, enquanto atendia.
- Aninha... Meu anjo... Sim... Isso mesmo meu amor... Fica aí... Tá... Isso mesmo...
Mamãe já vai... Te amo minha linda...
Ela desligou e, com os olhos cheios de lágrimas se voltou para os
outros.
- Nem a pau eu saio daqui... Nem ferrando! A rua tá lotada desses doidos...
- Mas... A minha filhinha... A Aninha não pode... E-eu...
E então ela começou a chorar copiosamente.
Sayuri se aproximou, abraçando-a e tentando fazer com que ela parasse, temendo que o
som atraísse outro daqueles monstros.
- Não podemos mesmo ficar aqui... Duvido que a polícia apareça tão cedo...
- E por que Zé? - Roberto não iria parar tão cedo de agredir seus companheiros. O medo
faz as pessoas, muitas vezes, terem seus piores traços de personalidade acentuados. - Ah!
Esqueci que você é um especialista em polícia...
- Dá uma olhada lá fora Roberto. - Apesar de querer saltar no pescoço do outro, José
sabia que precisava se controlar, sozinho seria muito mais difícil de se salvar. - Olha a zona
que tá na rua, você acha que é algo só aqui no bairro? Tem uma coluna de fumaça saindo de
um monte de lugar da cidade... Essa merda, sei lá o que pode ser, deve ter se espalhado...
Precisamos sair daqui e achar um lugar mais seguro, onde podemos esperar que as coisas
voltem ao normal...
- E por que não aqui? Duvido que algum desses doidos entre pela nossa porta e...
- E você pretende comer o que? Eu trouxe uma marmita, mas mal dá para mim...
Silêncio.
- Então... - Agora Roberto se sentia derrotado. - O que vamos fazer?
Marcela começava a limpar as lágrimas, o nariz fazendo o característico som de
fungadas.
Sayuri ainda abraçava a outra mulher, os olhos um pouco desfocados, provavelmente
pensando no ocorrido na padaria.
José percebeu após alguns instantes de silêncio que todos o observavam.
- Opa... Que que foi?
- Você tem alguma ideia?
- Eu... Bem... - Pego totalmente de surpresa, o faxineiro ficou desconcertado por um
instante, mas então olhou para todos ao redor, se fixando mais em Sayuri. - Certo... Antes de
mais nada precisaremos de um carro... Podemos Sair pela Navegante... Acho que é uma das
saídas mais próximas daqui...
- Antes temos que pegar a minha filha. - Finalmente Marcela parecia despertar de seu
desespero. - Sem ela eu não vou e...
- Dane-se você Cela... Eu quero viver e o plano do Zé parece bom... Acho que no meu
citroen C4 a gente pode ter alguma chance.
- Vai se foder seu filha da puta!!!
Foi preciso que José e Sayuri segurassem Marcela antes que ela conseguisse enterrar
as unhas nos olhos do seu chefe.
- Calma cacete! Se continuar a gritar vai atrair aqueles desgraçados.
Aquilo foi o suficiente para que todos se acalmassem.
- Vamos fazer o seguinte, damos um jeito de descer, pegamos seu carro Roberto,
passamos na escola da filha da Marcela e saímos pela ponte... Que tal e... Filha da puta!!
José tentou segurá-lo, mas Roberto foi mais rápido, ao se levantar, abrir a porta do
escritório e correr para a escada, deixando os demais atordoados e só tendo a escolha de
voltarem a se trancar.
- Merda... E agora?
José permanecia em silêncio, remoendo a raiva pelo chefe, que aumentou quando ouviu o
som de um carro saindo correndo na rua abaixo.
- Precisamos de outro carro...
- Que tal aquele? - Sayuri se aproximou de José e após uma rápida olhada, apontou para
um carro forte, aqueles tipicamente usados para recolher dinheiro de lojas, parado do outro
lado da rua. - Esse ia ser bom né?
Um sorriso surgiu no rosto de José e ele quase agarrou a bela oriental num beijo, só não
o fez por causa da presença de Marcela e então ele se levantou, foi até o armário onde
guardavam os materiais de limpeza e logo depois voltou com dois cabos de madeira.
- Aquele mão de vaca fazia questão de ter só uma vassoura e um rodo... - Ele então
estendeu os cabos para as duas mulheres. - Vou tentar me virar com outra coisa que eu
achar...
- Pode ficar com um deles... - Sayuri apenas ergueu uma das mãos, recusando a arma
improvisada. - Da minha faca eu não solto...
- Certo... Estão prontas? - José se colocou diante das duas, o cabo nas mãos dando um
pouco mais de coragem e então, após abrir a porta do escritório, o trio começou a avançar na
direção da escada.
Todos mantinham silêncio, mas em seus íntimos torciam para poder chegar até a rua tão
rápido quanto Roberto fizera.
Infelizmente, a poucos metros do primeiro degrau, eles viram horrorizados que seu
Manuel, ou o que fora um dia o dono do prédio, vinha na direção deles. Diante daquela cena,
vendo um conhecido andando com um braço a menos e várias marcas de mordidas pelo corpo
uma palavra assaltou a mente dos três.
Zumbi.
A criatura abriu a boca num horrível esgar, soltando um grunhido incompreensível, como
se estivesse sentindo muita dor, antes de começar a se mover na direção deles.
- Se-seu Ma-Manuel... - A coragem de José ia pouco a pouco arrefecendo. - Se-se
afasta... E-eu...
A única resposta foi mais um grunhido.
E um avanço, como o de um cão atacando.
José foi pego de surpresa e caiu de costas no chão, que estava sujo e úmido por causa
do sangue, com aquilo que era o seu Manoel por cima dele, tentando mordê-lo
desesperadamente.
- AAAAHHHHH!!!! Sai de cima!!! - Sem qualquer aviso José recebeu uma golfada de
sangue sobre seus olhos, ao mesmo tempo em que o corpo do monstro pareceu perder força,
permitindo que o faxineiro conseguisse se erguer, passando as costas das mãos em seu rosto.
- Mas que mer...
Foi quando ele viu o cabo da faca de Sayuri para fora do crânio do monstro.
José mexeu no corpo com um pé e ficou aliviado ao ver que a criatura realmente parara
de se mover, logo em seguida ele retirou a faca e devolveu à garota sempre com um olho
naquele que fora o Seu Manoel.
Sem trocarem nenhuma palavra todos empunharam suas armas e começaram a descer
as escadas. Alguns minutos depois estavam na entrada do prédio, logo ao lado da padaria,
olhando para todos os lados.
Muitas pessoas estavam caídas e grupos de zumbis disputavam por pedaços dos vivos,
como se fossem animais sobre uma caça recém abatida, pela rua vários carros estavam
caídos, ou destruídos, um já estava em chamas, com algo que lembrava um corpo humano ao
volante, sendo lentamente consumido.
Conforme viram que nenhum dos monstros estava andando pela rua, resolveram que era
hora de arriscar, saindo correndo o mais silenciosamente que podiam na direção do carro
forte.
Ao alcançar o veículo, rapidamente constataram que estava vazio, com uma grande poça
de sangue do lado do motorista, que foi ocupado por José, já sentindo a sujeira das costas
aumentar ainda mais.
Sayuri foi a segunda a entrar no veículo, seguida de perto por Marcela que, tão logo
fechou a porta atrás de si, olhou pela janela, sendo surpreendida por um dos zumbis.
- AAAAAAAAAAAAAHHHHHHHHHHHHH!!!!!!!!!!!!!
Alheio ao que provocara, o monstro tentava alcançar as pessoas de dentro do veículo,
batendo a cabeça e passando os dentes pelo vidro, provocando um som tenebroso.
Ao menos estavam seguros, com certeza ali dentro as criaturas não poderiam machucá-
los e então José, após procurar inutilmente pelas chaves, começou a tentar fazer uma ligação
direta.
Os minutos passavam, Marcela e Sayuri mantinham as cabeças baixas, ao perceberem
as gotas de suor que brotavam da pele do faxineiro, sendo incapazes também de olhar para
fora, para todo o horror que estava a apenas um vidro de distância.
Para alívio geral, o som do motor começou a roncar, indicando que José finalmente havia
conseguido, mas ao mesmo tempo eles perceberam que alguns dos zumbis que estavam
"ocupados" se alimentando, voltaram suas cabeças para o carro, começando a se arrastar na
direção deste.
- José... - Sayuri tocou de leve o braço do motorista e ele entendeu que precisavam sair
dali o mais rápido que podiam.
O carro começou a se mover, não sem antes fazer com que os ocupantes tivessem um
sobressalto, ao passar por cima de algo que só foram perceber depois, ao olhar pelo
retrovisor.
Era o que havia restado de um corpo.
Eles subiram a rua até chegar à esquina do Hospital Misericórdia e então viraram à
direita, chegando até a acreditar que aquela situação talvez tivesse ocorrido apenas no bairro
do escritório, mas assim que se aproximaram do quarteirão de um shopping, começaram a ter
uma noção do inferno onde estavam.
A rua onde pretendiam virar estava tomada por centenas de zumbis, seria impossível,
mesmo com o carro forte, passar por ali sem acabar preso em meio aos monstros e, para
comprovar suas impressões, algo chamou a atenção deles.
Um citroen preto jazia cercado pelos zumbis e foi possível ver o que restara do motorista.
Roberto tinha tomado a decisão errada, provavelmente tentando entrar com tupo por
aquela rua, batendo num poste, sendo salvo pelo air-bag, mas ficando indefeso para os
monstros que infestavam aquela rua.
Por isso rapidamente José começou a desviar, entrando na rua que levaria até o Museu,
pretendendo seguir algum caminho que estivesse mais deserto.
Sons de tiros chamaram a atenção deles, percebendo que adiante, bem perto de um
cinema, um grupo de homens atacava alucinadamente alguns grupos esparsos de zumbis.
- Grande, era tudo o que a gente precisava... Um grupo de doidos metidos a Rambo...-
Dizendo isso José entrou numa outra rua, essa com um número de zumbis que não oferecia
tanto perigo, muitos sendo atropelados, mas outros permanecendo fora do caminho. - Acho
que por aqui não vamos ter tantos problemas.
Por mais meia hora eles seguiram pelas ruas daquele bairro, desviando quando possível
de alguns zumbis, passando por cima de outros, os três espantados em como haviam
conseguido se adaptar rapidamente à situação.
Talvez por saberem que a vida de uma criança estava em jogo.
- Puxa... Aninha estava tão feliz... Hoje eu ia levá-la para um show da banda Delete, que
ela adora...
Assim que se aproximaram da escola perceberam que, em algumas casas, janelas
tinham suas cortina fechadas de forma brusca, como que numa tentativa de disfarçar que havia
gente ali dentro.
No mínimo pessoas sem coragem para sair ou sem um motivo forte o suficiente.
- Chegamos. - José falou de forma seca, percebendo alguns grupos de zumbis
cambaleando pela rua na frente da entrada, mas nada impossível de se passar.
- Onde ela está?
- Vai descer sozinho? Tá louco?
- Nem japinha... Mas os monstrengos estão bem longe e a porta da escola tá aberta...
Se eu for sozinho eu pego a Aninha, que já me conhece, e corro com ela prá cá... Mais fácil do
que se for nós três... Entendeu? Mas antes...
Ele saiu do carro com muito cuidado, foi até a traseira e testou as portas, verificando que
as mesmas abriam facilmente por dentro, o que seria necessário quando o número do grupo
subisse um pouco mais, com a possibilidade de alguém ir lá atrás.
Feito isso ele foi até o lado onde Marcela estava, Sayuri havia ficado no lugar do
motorista caso surgisse uma emergência, e após ela indicar o local onde Aninha deveria estar
escondida, ele apertou o cabo da vassoura e começou a correr.
Conforme avançava ele procurava evitar os zumbis, mas acertava as cabeças daqueles
que acabavam em seu caminho, conseguindo finalmente entrar na escola.
Os corredores estavam repletos de manchas de sangue, com restos de corpos jogados
por todo lado, o cheiro revirou o estomago de José, que agradecia a Deus o fato de não ter
almoçado.
Após meia hora ele chegou até um banheiro feminino que, segundo Marcela estava
desativado, mas que fora o "local seguro" que ela havia combinado com sua filha para que
esta se escondesse caso alguém pretendesse fazer mal a ela.
- Aninha? - Ele colocou a cabeça dentro do banheiro, tendo o cuidado de deixar parte do
corpo para fora, no caso de ter que sair correndo. - Vamos lá meu anjo... Eu sou o Zé...
Lembra? Sua mãe mandou eu te buscar... Vamos logo embora...
Para o crescente desespero de José, a menina não aparecia e além dele não querer
entrar e arriscar ficar preso ali dentro, podia jurar que estava ouvindo alguns grunhidos ficarem
cada vez mais próximos.
- Vamos minha lindinha... - O suor escorria pelo rosto dele, a tensão fazendo-o olhar para
fora várias vezes e quando ele olhou novamente para dentro do banheiro, o susto de ver
Aninha ali parada quase o fez gritar. - Nossa... Ufa...
Oi Aninha... Tudo bem? Tá machucada? Tá tudo bem mesmo?
Ela respondia sim e não para as várias perguntas e de repente os grunhidos ficaram
totalmente audíveis, fazendo com que Aninha se jogasse no colo dele ao mesmo tempo em
que um grupo de crianças zumbis surgia de um corredor adjacente.
José realmente não queria descobrir se era capaz de arrebentar a cabeça de uma
criança, que aparentava ter menos de dez anos, por isso segurou firme Aninha em seus braços
e saiu correndo pelo caminho que fizera para chegar ali.
- Liga o Carro!!! - Para alivio de Marcela, José surgia por entre as portas da escola com
sua filha nos braços, correndo na direção do carro forte. - Vamos! Vamos!!!
Assim que se aproximou, José entregou Aninha para sua mãe, que a abraçou tão forte
que quase esganou a menina, enquanto elas iam para a parte de trás do veículo.
José então voltou para a frente, tomou o volante, enquanto Sayuri pulava para o banco
do motorista, ligou o carro e, conforme alguns zumbis finalmente se aproximava, ele saiu
alucinadamente, atropelando alguns que estavam pelo caminho.
- Prá onde agora?
- Vamos tentar chegar até a Navegantes, como havíamos planejado e...
A frase morreu na garganta de José, pois assim que dobraram uma esquina, que dava
acesso à ponte que pretendiam usar, arregalaram os olhos.
Um enorme amontoado de zumbis ocupava uma imensa área da rua que, levava para a
saída que planejavam usar.
- Merda! E agora José? - O outro ficou em silêncio, atordoado, enquanto Sayuri tentava
despertá-lo. - José? E agora? O que vamos fazer?
- Eu... E-eu... Não sei... Precisamos achar outra saída, mas se as demais pontes e
estradas estiverem assim...
- E o aeroporto? Talvez consigamos um avião...
- Você acha que o pessoal mais rico já não deve ter enchido o aeroporto? Não... Tem
que ter algum outro jeito...
- Que tal o porto? - Era Marcela quem falava, através de uma janelinha que ligava a
cabine do motorista com o baú do carro forte. - Eu tive um namorado que me ensinou a
velejar... De repente...
Sem mais nenhuma palavra, após uma troca de olhares entre Sayuri e José, este deu a
volta com o carro, passando pelos caminhos que haviam feito até ali, evitando outra vez os
loucos e as grandes aglomerações de zumbis.
Quando chegaram até o bairro da Moda, o Sol estava começando a se
por.
- Melhor acharmos um local para passar a noite, não quero encontrar com esses
monstros no escuro.
- Olha lá José... Aquela loja de roupas foi montada numa daquelas casas chiques... Uma
vez minha mãe me levou lá... Tem até quartos montados e uma pequena lanchonete... As
portas estão abertas...
- Perfeito.

***

A limpeza da loja durou menos que uma hora, por causa dos preços absurdos não havia
muita gente lá dentro no momento em que a infestação começara, por isso foi relativamente
fácil para José e Sayuri derrubarem e se livrar dos poucos zumbis que estavam lá.
Marcela mantinha-se agarrada com Aninha.
Eles acabaram comendo alguns salgados da lanchonete, uma janta nada pesada, pois
estavam preocupados em racionar a comida, caso não conseguissem sair dali pela manhã e
então cada um deles escolheu um quarto para passarem a noite.
José estava deitado, havia se livrado das roupas imundas e ficou feliz após descobrir que
havia até um banheiro completo na loja. Ele ainda escutava Marcela conversando com sua
filha, tentando explicar por que não iriam para o show do Delete, quando ouviu a porta se abrir.
Sayuri entrou, trancou a porta atrás de si e começou a caminhar na direção do outro,
deixando uma peça de roupa para trás a cada passo.
Quando chegou na cama, estava completamente nua, expondo um corpo cujas formas
variavam entre uma menina e uma mulher, os seios num tamanho médio, as pernas bem
torneadas, a região pubiana sem qualquer pelo.
José já estava completamente excitado, desde o momento em que ela entrara, e sem
nenhuma cerimônia levantou os lençóis, deixando que a garota arregalasse os olhos com o que
via.
No instante seguinte Sayuri estava encaixada sobre o corpo dele, com movimentos
selvagens, subindo e descendo, arrancando gemidos que os dois mal conseguiam conter, em
respeito à mãe e filha que estavam no quarto ao lado.
José ergueu seu tronco, levantou Sayuri com carinho, colocou-a de quatro e penetrou-a
novamente, o que fez com que a garota terminasse por morder os lençóis, numa tentativa clara
de não gritar de prazer.
Após o orgasmo, a garota finalmente se entregou ao cansaço, ressonando
tranquilamente sobre um dos braços de José que, ainda sem conseguir dormir e com todo
cuidado, se desvencilhou dela, vestiu apenas uma calça de moletom, sem deixar de reparar
que precisaria trabalhar mais de mês para comprar algo tão caro e desceu até a lanchonete,
pretendendo tomar um café.
Sem que ele percebesse, assim que passou pelo quarto de Marcela e Aninha, a porta foi
lentamente aberta.
Após tomar uma lata de chá gelado, ele pensou que o café não iria ajudá-lo a dormir,
José teve um sobressalto quando se virou para a saída da lanchonete.
Bloqueando a porta estava Marcela.
Ela vestia apenas um roupão de seda, que logo deslizou pelo seu corpo, deixando clara
suas intenções, ainda mais quando ela se aproximou, andando languidamente, umedecendo os
lábios com a língua e terminando por se ajoelhar na frente de José.
Ele fechou os olhos e, como o amanhã era ainda mais incerto, José não resistiu quando
sentiu a calça sendo abaixada.
Em poucos minutos ele e Marcela transavam com a mesma intensidade que ele havia
apresentando quando estava com Sayuri.
Mais tarde ele entrou no quarto e encontrou a garota acordada, os lençóis cobrindo o
corpo nu, um sorriso enviesado no rosto.
- Sayuri... Eu... - Ele sentou-se ao lado dela na cama, várias desculpas na ponta da
língua, mas ela o calou colocando um dedo em sua boca.
- O mundo mudou José... Podemos nos enganar sobre isso, achando que tudo vai voltar
ao normal, mas lá no fundo... - Ela interrompeu a frase, deixando algumas lágrimas caírem,
antes de continuar. - Não me importo se você quiser ficar ou não com a Marcela, mas pelo
menos hoje à noite... Dorme comigo...
Eles então passaram a noite inteira abraçados.
Na manhã do dia seguinte já estavam prontos para partir.
Novamente Marcela e Aninha iriam na parte de trás do Carro forte, onde era mais seguro
para a menina e então, após comerem o suficiente para se manter sem fome por horas,
saíram da loja.
Nesse momento já atropelaram, ao menos, uns três zumbis que não se moviam, apenas
se balançavam de um lado para o outro.
Eles subiam a rua, procurando evitar ao máximo grandes concentrações de zumbis e
José olhou com saudade e tristeza para uma pizzaria onde ele gostava de comer, vendo-a com
as portas escancaradas e várias manchas de sangue espalhadas pelas paredes próximas.
Eles tentaram avançar pela rua do parque Prof. Matheus Ubirajara, mas viram mais uma
grande agrupamento de zumbis, retornando pela mesma rua e avançando até chegarem na
região próxima da estação de trem.
Uma vez lá conseguiram, com pouco esforço, analisar as possíveis rotas até o porto,
mas para desânimo de todos, as principais vias de acesso estavam tomadas pelos zumbis.
Para piorar, a salvação parecia realmente perto, pois eles já conseguiam ver grupos do
exército, que pareciam ter tomado o porto e estavam ajudando os sobreviventes a embarcar.
- Vamos ter de ir a pé daqui... - José estacionara o carro numa avenida, pouco depois da
estação e longe o suficiente de um numeroso grupo de zumbis, por onde seria morte certa se
tentassem atravessar. - Se conseguirmos correr e evitar, ou derrubar os desgraçados que
chegarem perto, poderemos ser vistos pelo exército e talvez eles nos ajudem.
- Ou não... - Sayuri não parecia nada contente em sair do conforto do carro para se
arriscar contra os monstros.
- Ou não... Disse bem...
Marcela ouvia José concordando com a outra garota e abraçou ainda mais forte sua filha,
temendo que eles acabassem presos dentro daquele carro para sempre, ou até morrerem de
fome.
- Quero que minha filha sobreviva... Vamos tentar...
- Seria bom se a gente conseguisse distrair esses monstros...
- Tenho uma ideia... - Sayuri exibia um enorme sorriso enquanto explicava seu planos
para os demais.
Minutos depois o som do motor do carro forte atraiu a atenção de alguns zumbis, que
estavam próximos e logo o veículo começou a rodar em alta velocidade, indo na direção da
multidão dos monstros, que bloqueava o caminhos dos sobreviventes.
Corpos foram destruídos conforme o carro avançava, com o acelerador preso e sem
ninguém ali dentro, acabando por capotar quando o número de zumbis aumentou tanto que
aqueles que ficavam pelo chão acabaram fazendo as rodas deslizarem.
Enquanto isso Marcela empunhava o cabo de vassoura com duas mãos, acertando sem
dó na cabeça dos monstros que tentavam barrar seu caminho, enquanto Sayuri acertava os
olhos daqueles que se aproximavam demais, retirando a faca de seus crânios conforme eles
paravam de se mover.
José mantinha outros monstros afastados, acertando-os com o cabo do rodo,
empunhado-o com uma mão, enquanto com a outra mantinha Aninha em seu colo, desse modo
não corriam o risco da menina cair ou atrasá-los.
Eles finalmente atravessaram as pistas, começando a correr por uma área gramada, que
estava ao lado de uma rua que antecedia a chegada ao porto, onde era possível ver alguns
soldados que cuidavam da segurança do local.
- Ei!!! - José agora não tentava mais ser silencioso. - Nos ajudem!!!
- Socorro!!! - Marcela e Sayuri gritavam quase em uníssono, procurando chamar a
atenção dos soldados.
Quando faltavam poucos metros para chegarem, finalmente conseguiram chamar a
atenção de três soldados, que destravaram suas armas e começaram a cobrir o avanço dos
sobreviventes, até que esses conseguiram entrar no perímetro em segurança.
Mal tiveram tempo de respirar, foram logo subjugados pelos militares, sofreram uma
rigorosa e humilhante revista, para que fosse certificado que nenhum deles apresentava
ferimentos ou mordidas, passaram por exames de sangue, para garantir que não estavam
infectados e horas depois, finalmente conseguiram se reunir, enquanto eram levados para um
navio onde haviam outros sobreviventes.
- E agora José? - Ambas as garotas andavam abraçadas ao ex-faxineiro, Aninha vindo
logo ao lado, sob um dos braços de Marcela, mas era Sayuri quem perguntava. - O que será
que vai acontecer?
- Não faço ideia... - José lembrava dos conhecidos que eles viram se tornar aqueles
monstros, além de finalmente conseguir pensar na mãe e nos irmãos, se perguntando o que
poderia ter acontecido com eles. - Mas pelo menos estamos vivos... Por enquanto é o que
basta...
Ao longe eles podiam ver as multidões de zumbis se arrastando e a única certeza era de
que nada seria como antes novamente.

FIM
Capítulo 2
Bytes, sexo e zumbis
Por Shadow

Hora 1 antes da Infecção tomar proporções catastróficas.

Tiago trabalhava incessantemente, o website do cliente deveria ser entregue naquele dia.
A leitura completa do HTML foi feita e refeita para que nada desse errado. O site era de uma
Metalúrgica Golden Metal.
Tempos depois ele conseguira terminar o serviço. Passou por e-mail o site ao seu chefe.
Naquele dia, Sérgio, o chefe de Tiago não estava com uma aparência muito boa. As axilas
suadas deixavam uma marca nojenta em sua roupa social, enquanto ele gemia e suava frio.
Tiago entrou na sala para ver como seu superior estava. Ele estava sentado, tomando uma
xícara de café enquanto escrevia algo pelo MSN. Levou uma mão ao peito e olhou para Tiago,
os olhos agora em pânico.
- Sérgio... Como está?
- Não me sinto muito bem ainda. Acho que tenho que ir para casa. - O assustado chefe
respondeu, enquanto se levantava para sair. Suas pernas falharam e ele caiu, em coma.
- CHEFE! ALGUÉM CHAME UM MÉDICO! AH DROGA!

***

Enquanto seu namorado trabalhava e passava por maus bocados, Juliana transava feito
uma cadela no cio com Pedro. Ambos executavam todas as posições possíveis, em meio aos
gemidos safados e o cheiro de suor se misturando ao cheiro de sexo. Juliana era uma puta,
como Pedro dizia em seus xingamentos "carinhosos", enquanto batia na cara dela e a fazia
chupar seus dedos.
Os braços fortes a envolviam e sem nenhuma delicadeza ele puxava os cabelos loiros da
menina que se passava por santa. Logo depois de um longo orgasmo, ela se jogou para o lado
e olhou para o seu amante. Ele sorria de prazer, enquanto estava de olhos fechados, não
acreditando naquela transa.
Faziam cinco meses que eles transavam enquanto Tiago estava fora. Juliana se levantou
rapidamente, com os peitos e a vagina para fora e caminhou até a cozinha. Pedro se sentara
na cama e esperara pela mulher mais gostosa que ele conseguira pegar. Se levantou e se
vestiu, sua roupa informal grudava ao corpo devido ao suor.
Ele se encontrou com ela no meio da escada. Com a cara surpresa, ela perguntou:
- Já vai? Queria mais uma rodada.
- Tenho que trabalhar. Outra coisa, se o corno do Tiago aparece aí, estou fodido.
- Ele é um banana. Vai... Vamos só mais uma vez. - Ela insistia.
- Agora não. Fique com meu beijo. - Dito isso Pedro beijou com ternura a boca de
Juliana, que quis aproveitar cada momento.
Ele saiu da casa e olhou para ela uma última vez. A grande casa de dois andares era
linda por dentro e por fora também. Caminhou cansado e ofegante. Entrou em seu Captiva e
acelerou, buzinando para Juliana, que estava na janela do quarto de cima.
Ela tinha que se arrumar antes que Tiago chegasse. Quando ela pensou nisso, o telefone
tocou. Juliana desceu as escadas e atendeu.
- Alô?
- Oi amiga! - A voz era a de Gabriela.
- Gabi! Como você tá?
- Eu vi ele saindo da sua casa. Se divertiu?
- Nossa, não tem nem ideia. Um dia desses vamos marcar para eu e você nos
encontrarmos com ele.
- Hum... Danadinha. Hahahahaha. Tô indo aí.
- Tá bom, beijos.
O telefone desliga e em poucos minutos, a campainha toca. Juliana atende e abraça
Gabriela, seu vestido transparente não tampa nada, mas ela faz questão de sair na porta
desse jeito.
- Então... Me conta. - Disse Gabriela totalmente interessada na transa da amiga e do
"amigo".
- Ah, então... - O telefone toca novamente, impedindo Juliana de terminar sua frase. -
Aff... Deve ser o corno do Tiago.
Ela corre para atender e, com sua voz cínica, fala primeiro:
- Alô?
- Oi Ju.
- Oi amorzinho. - Enquanto ela falava, fazia caretas que arrancavam grandes risadas
abafadas de Gabriela.
- Estou aqui no hospital com o Sérgio, vou demorar um pouco a chegar.
- Ah amorzinho, estou com tanta saudade. Eu quero namorar ainda hoje.
- Tudo bem. Daqui umas três horas estou de volta.
- Tudo isso?
- Infelizmente sim.
Juliana pulava de alegria. Com a mesma voz cínica, ela se despediu. Assim que ela
colocou o telefone no gancho, Gabriela caiu na risada. Sua alegria era incessante. E o tesão
também.

***

Hora 1 após a infecção tomar proporções catastróficas

- O que aconteceu com ele? - O doutor Joshua perguntava à Tiago.


- Não sei, ele estava doente, tipo, muito doente mesmo e acabou desmaiando.
- Sei. Faremos alguns exames. Ele na verdade está em coma profundo.
Tiago fez uma cara de espanto. Sérgio mal respirava, o que preocupava demais o web
designer. Joshua, o estadunidense naturalizado brasileiro o acompanhou até a saída da sala.
Quando estavam fora, quase foram atropelados por macas que iam e vinham. O médico
deveria ficar de plantão, já que o número de pacientes aumentara de vinte à quase cento e
sessenta.
O ar começara a se encher com o cheiro de vômito e sangue, o que fez Tiago, que não
estava acostumado com aquilo, ter náuseas.
Joshua encarou aquela cena horrenda de transeuntes vomitando por todo o corredor e
tendo convulsões. Um homem estava com seu braço mordido, sangue por toda a parte da
roupa e pelo seu braço. Um pedaço de carne lhe faltava.
Um segurança fora chamado com extrema urgência. Um dos pacientes atacara um
médico. Uma mordida em seu pescoço e a jugular estava cortada.
Sangue espirrava pra todo o lado. Joshua correu para tentar socorrer o companheiro de
trabalho, pressionando o ferimento. Enquanto isso o segurança segurava o homem que
aparentava ter seus quarenta e cinco anos, enquanto este se debatia feito um louco.
Tiago foi vítima de um ataque malsucedido, não fosse pelo reflexo dele. Um soco bem
desferido fez um homem ensanguentado ir ao chão. Porém isso não impediu o agressor. Ele
se levantou novamente e grudou as mãos no ombro de Tiago, logo vindo com a boca contra
sua garganta. Um gemido pouco ouvido por Tiago fez ele novamente empurrar o homem, que
caiu no chão.
Joshua passava as tarefas para os enfermeiros e enquanto isso tentava se safar do que
realmente estava acontecendo ali. Ele parou ao lado de Tiago e o olhou assustado. O chão já
se preenchia completamente com poças de sangue, onde agora os pacientes estavam
jogados. Homens loucos entravam pela porta da frente do hospital e atacavam os primeiros
que eles viam.
O médico-chefe passou por Joshua, mas logo foi parado pelo mesmo, que resolveu
perguntar:
- Carlos! O que está acontecendo?
- Não sei! Abandone o hospital o mais rápido que você pode! O exército trancou a cidade!
- Ah, droga! - Tiago gritou, saindo correndo logo em seguida.
Joshua o seguiu, enquanto pessoas ao seu lado eram mortas e comidas vivas.

***

Juliana ligou a televisão, ela e Gabriela estavam completamente assustadas. Na maioria


dos canais, estava a tela multicolorida de stand by. Até que elas conseguiram assistir ao
Record News. O repórter já dizia:
- Segundo a ONU, o vírus ainda não tem causa ou como que ele pode ser parado. Tudo o
que sabemos é que a cidade de Nossa Senhora da Santa Fé foi lacrada pelas forças militares.
Juliana encarou a amiga, agora mais assustada do que nunca. Gabriela estava mais
branca do que o normal, a cara pálida deixava transparecer toda a sua preocupação.
Batidas fortes na porta fizeram com que ambas pulassem do sofá e gritassem feito
crianças débeis. Tiago abriu a porta e olhou para todas ali. Ele não acreditou ao ver a roupa
informal de Juliana e bufou, colocando as mãos na cabeça e se sentando no sofá, Joshua logo
atrás.
Sangue estava na roupa de ambos, fazendo Juliana gritar e ficar apavorada. Seu
pensamento estava na realidade focado em Pedro, o hacker que havia acabado de sair
quando tudo isso aconteceu.
Tiago tentou um abraço reconfortante na namorada, porém ela recuou, mostrando seu
total nojo na vestimenta dele. Joshua olhava pela janela, enquanto via pessoas correndo,
algumas ensanguentadas, outras andavam como seres desmiolados. O completo caos havia
se instalado na cidade de Nossa Senhora da Santa Fé.
Helicópteros que sobrevoavam a cidade caíam, enquanto enorme explosões eram
ouvidas e a terra tremia. Pessoas ardendo em fogo corriam pelas suas vidas e logo caíam ao
chão, não aguentando mais correr. Uma mulher caiu ao chão e foi arrastada pela rua, suas
unhas saíam para fora, o rastro de sangue ficava. O grito dela era desesperador, fazendo
Joshua se virar nervoso para encarar os habitantes da casa.
- Mas que porra está acontecendo aqui?!
- Ei... Se acalme, beleza? - Tiago interferiu.
- Como? - Joshua parecia muito nervoso, e estava.
Tiago abaixou a cabeça e encarou a namorada, que se debulhava em lágrimas. Até que
uma ideia assolou sua mente. Ele encarou todos e disse:
- Podemos pegar a rodovia Anhanguera e seguir para São Paulo.
- Porque São Paulo? - Juliana perguntou, em meio aos soluços.
- Sei lá. Só que como é uma cidade grande, o exército pode estar em maior
concentração ali!
- Boa ideia. - Gabriela respondeu, mesmo que não gostasse de Tiago.
- Então temos que ir AGORA! - Joshua disse, enquanto pulava para o lado.
A Captiva de Pedro entrou estourando a parede da casa, quase acertando Joshua, que a
viu chegar pela janela. Juliana gritou mais uma vez e se levantou, correndo em direção ao
carro. Lá de dentro, um Pedro ferido saiu. Seus braços largados e a feição de dor foram a
causa de ele ter se jogado sobre o capô do carro e cair novamente. Juliana o ergueu e, sem
se preocupar com Tiago, perguntou:
- Querido, você está bem?
- Querido? Que história é essa sua vaca?
- Não precisa xingar seu filho duma puta! - Gabriela gritou.
- Vai se foder sua vadia! Juliana, que história é essa?
- Argh... Eu sei lá... Urgh... Do que ela tá falando cara... - Pedro respondeu, tentando se
levantar.
- Cala a boca, seu desgraçado! - Tiago gritou, tentando partir para cima dele, porém foi
segurado por Joshua, que o lançou para o outro lado da sala.
- O que aconteceu, cara? - O médico perguntou.
- Um filho da puta me mordeu. Aí eu entrei no carro e comecei a dirigir. Perdi o controle e
entrei aqui na casa de vocês.
- Tudo bem. Temos que sair daqui. - Gabriela disse, vermelha de raiva de Tiago.
- Argh... Mas minhas pernas... Estão fodidas! - Pedro respondeu.
- Que se foda... Quem quiser, que fique com ele. - Tiago respondeu, pegando um pedaço
de madeira e saindo da casa, pelo enorme buraco que a caminhonete havia feito.

***

Hora 3 após a infecção tomar proporções catastróficas

Tiago dava passos nervosos, seguido de Joshua, que também estava armado. Logo
atrás, Juliana e Gabriela carregavam Pedro, que arrastava seus pés. Os gemidos irritavam
cada vez mais os ouvidos do homem traído, disposto a tudo agora para sobreviver.
Logo a frente, dez homens e três mulheres caminhavam como bêbados. Tiago preparou
o taco de madeira e esperou que alguma dessas pessoas se aproximassem, o que não
demorou a acontecer. Um homem veio em direção à ele que, para se defender, rodou a
madeira, acertando a cabeça do zumbi e deixando seu inimigo caído no chão.
Joshua o seguiu e girava seu bastão na cabeça dos loucos que tentavam atacá-lo, com
os braços estendidos e a boca gotejante de sangue. As meninas logo atrás foram quase que
deixadas de lado pelos dois homens à frente, e para que não fossem pegas, aceleraram o
passo, por mais que Pedro fosse pesado.
"É um homem que vale a pena ser valorizado" Pensava Juliana. Por mais que tudo isso
ainda estivesse acontecendo, ela ainda sentia que podia ficar com Pedro depois que tudo
aquilo acabasse. Ao longo do caminho, eles viam pessoas correndo enquanto eram pegas por
multidões enormes de "zumbis". Os gritos e explosões eram constantes naquela parte da
cidade, onde os helicópteros caíam sem explicação.
Carros da polícia e dos bombeiros cruzavam as ruas. O COE foi chamado para tentar
amenizar o problema e, bem na frente de Tiago e do grupo, eles foram devorados vivos,
enquanto tentavam sobreviver, atirando contra o peito de todas as pessoas. Os bombeiros que
também tentavam se defender usavam machados e, numa maneira desesperada, tentavam
fazer com que a forte pressão da mangueira d'água fizesse com que a maioria dos zumbis
caíssem para trás. O que não adiantou muito.
Eles decidiram tomar a saída do parque natural, o que facilitaria mais o seu caminho até
a rodovia, já que o caminho estava fechado devido ao tanto de pessoas "doentes" que
fecharam a rua. Eles se viraram na direção do parque e continuaram a caminhar por um bom
tempo.
Pedro agora estava tomando a mesma tonalidade de Sérgio antes dele se transformar
em uma daquelas coisas. No chão, panfletos com a propaganda da banda que Tiago mais
odiava, Delete, mostrava o seu show, como lançamento de seu novo hit: "Vem Jorjão". Os
passos se tornaram mais apressados assim que zumbis pareciam estar cercando o grupo.
Como os sintomas mostravam, Pedro caiu no chão, em coma. Gabriela caiu logo depois,
devido ao peso exercido pelo amigo e Juliana gritou infantilmente quando viu a situação de seu
amante, já que não se importava mais com o que Tiago pensasse dela. Ele olhou para as duas
pessoas caídas e, seguindo o seu coração, os deixou. Joshua não acreditou na atitude dele e
perguntou:
- Vai deixá-los ali?
- Não tenho nada a ver com eles. - Tiago respondeu.
- Ah. Pare de ser imaturo! Neste momento devemos cuidar um dos outros. - Joshua gritou
mais alto, chamando atenção indesejada.
- Não vou ajudá-los.
Tiago parou e ficou olhando os zumbis cercarem o grupo e apertou o pedaço de madeira
que estava em sua mão. Enquanto isso, Gabriela e Juliana tentavam acordar Pedro, que não
apresentava sinais vitais, isso foi confirmado quando Joshua examinou o enfermo. O médico
experiente olhou para as meninas e acenou negativamente com a cabeça, fazendo com que
ambas se pusessem a chorar.
- Eu não quero atrapalhar a palhaçada... Mas estamos sendo cercados, porra! - Tiago
gritou, chamando a atenção das meninas e de Joshua.
Devido a isso, Gabriela não estava preparada para o que aconteceria a seguir. Com uma
das mãos, Pedro, ou a criatura que ele havia se transformado, puxou ela para perto de sua
boca. Numa só mordida, ele conseguira desfigurar o rosto belo e bem feito de Gabriela, que
gritava horrorizada, enquanto o sangue quente escorria pelas suas roupas. Juliana pulou para
trás e também gritou, enquanto Pedro devorava a ex-amiga.
Joshua puxou Juliana pelo braço e a instigou a correr para sobreviver, por mais que ela
ainda quisesse ficar ali, junto com seu amor verdadeiro, ou não, e sua amiga. Enquanto isso
Tiago desferia golpes mortais contra os seres que se aproximavam demais. Assim que ele viu
que Joshua e Juliana estavam prontos para correr, apontou o caminho e todos correram.
Depois de um tempo correndo, o soluço de Juliana fora trocado por uma respiração
ofegante. Suor saía de suas têmporas, assim como Joshua e Tiago também estavam
encharcados. Naquele dia, nem o sol estava do lado deles. A imagem de Gabriela sendo
devorada ainda continuava assombrando a mente de Juliana, que sempre dava pequenos
choramingos, fazendo cara de choro. Até que eles chegaram ao parque. O único problema era
uma enorme grade separando-os da mata fechada, que os levaria à rodovia. E o pior era que,
por mais que não quisessem, eles tinham chamado a atenção de muitos zumbis.
- E agora? - Perguntou Joshua.
- Vamos pular oras. - Tiago respondeu, como se aquilo parecesse óbvio e além de tudo,
fácil.
Juliana olhava para trás e suas mãos tremiam cada vez mais. Antes que alguém pudesse
dizer alguma coisa, Tiago começou a subir, sem ao menos dar preferência para a única mulher
no grupo. Joshua já estava começando a odiar aquele cara, isso foi percebido quando ele
balançou a cabeça e, pelo seu pensamento, todos os tipos de xingamentos passavam, dando
uma vontade enorme de ele terminar tudo aquilo e matar aquele desgraçado que se tornara
frio.
Ele, como um cavalheiro, ajudou Juliana a subir, coisa que ela fazia com muita
dificuldade. Tiago já estava do outro lado da cerca e, por mais que não quisesse, ele esperou
todos passarem. Assim que Juliana pulou para o outro lado, Joshua começou sua escalada.
Talvez tarde demais. Os zumbis agarraram em seu pé, derrubando-o da grade. Num pulo, o
médico se levantou e começou a desferir socos para tentar escapar da horda que o cercara.
Assim que levou seu braço para trás para dar um potente murro em um "homem" que
aparentava ter vinte e quatro anos, foi puxado e mordido. Isso desestabilizou totalmente
aquele médico decidido de que iria sobreviver. Logo os zumbis cobriram Joshua e os gritos
foram a única prova de que ele estava morrendo.
Juliana gritava, torcendo para que ele escapasse, o que não aconteceu. Assim que os
gritos cessaram, ela se ajoelhou no chão e levou suas mãos ao rosto, o choro sentido e
desesperado fez o coração de pedra de Tiago quebrar, ou quase quebrar.
- Juliana. Escute. Precisamos correr o mais rápido possível. Consegue fazer isso?
- Eu não posso aguentar tudo isso. Primeiro o Pedro, depois a Gabi, agora o Joshua. EU
QUERO MORRER!!!
- Temos que ser fortes. - Tiago estendeu a mão esquerda à ela.
Juliana o encarou e pegou em sua mão, limpando as lágrimas restantes em sua face. E
ambos correram. Os zumbis não tinham tempo de cercá-los. A rodovia já podia ser vista. Eles
só precisavam correr por mais um tempo. Já longe do local onde Joshua havia sido morto,
Tiago pediu à Juliana para descansar um pouco. Eles pararam e ele levou suas mãos ao
joelho, dizendo logo em seguida:
- Sabe, eu não... Imaginava que você poderia fazer isso comigo.
- Tiago eu ia te contar.
- Bem que eu estranhei o Pedro sair da firma correndo feito um louco, dizendo que
precisava resolver algumas coisas.
- Me desculpe. Eu ia te contar.
- Você IA. Não vai mais.
- O que quer dizer com isso?
- Nada. Vamos continuar.
Ela foi na frente, a coisa que Tiago mais queria. Ele preparou seu taco e o quebrou,
acertando na cabeça de Juliana, que caiu, desacordada. O pedaço de madeira que havia
sobrado, ele enfiara em seu corpo, ouvindo lentamente o som dos órgãos sendo rasgados
pelo pedaço de madeira que entrava. Se ela não morresse pelos zumbis, morreria por
traumatismo e se não fosse por isso, a hemorragia daria um jeito.
- Não vai mais. - Foi a última coisa que Tiago disse.

***

Tiago corria o mais rápido que podia e, por mais que tivesse matado uma mulher, sua
futura esposa, ele não derramara nenhuma lágrima. Estava feliz com o que tinha feito. Assim
que ele avistou a rodovia, também avistou a barricada policial.
- Ah... Graças a Deus.
Ele começara a andar mais rápido, o único que conseguira escapar com vida. Pelo
menos do seu grupo. Assim que ele se aproximou viu as miras das armas sendo apontadas
para o seu peito. Tiros e mais tiros foram ouvidos e um policial disse:
- Alvo neutralizado.
O corpo de Tiago jazia ali. Sem vida, como o de sua ex-namorada. Sem vida talvez não,
já que, algumas horas depois, seus olhos foram abertos, durante a noite, pareciam duas luas.
Olhos brancos como a morte em si. Um grito de vitória e o exército zumbificado caminhava
contra a brigada policial.
Numa cidade inundada pelo sangue de inocentes.
Toda a esperança se foi{01}.

FIM
Capítulo 3
Os zumbis e os coloridos
Por Alex Nery

Nossa Senhora de Santa Fé.


Noite de Domingo.
Estádio Municipal.
Show da banda Delete.

A multidão estava eufórica. Milhares de pessoas haviam deixado suas casas para assistir
à única apresentação da famosa banda Delete no município. Adolescentes coloridos saltitavam
mais do que gazelas no cio, enquanto no palco, os quatro músicos adolescentes, líderes do
movimento colorido despejavam suas canções, todas no top 10 das rádios pop do país.
Na bateria, Zé Lucas, vinte e um anos, moreno e musculoso. Possuidor de um sorriso de
galã de Malhação. À direita do palco, na guitarra, Pru, o músico de dezesseis anos, xodó da
ala fúcsia do fã clube. À esquerda, Fucho, o colorido mais "fofinho" do grupo. Daí vinha seu
apelido, derivado de "fofucho", como diziam as fãs. À frente, arrancando gritinhos de todo tipo
de criatura saltitante presente, estava Pi Tomba, o vocalista e líder da banda.
Na plateia, as pessoas estavam alvoroçadas. Várias faixas de fã clubes podiam ser
vistas:
"A FAMÍLIA MACHINE AMA VOCÊS!"
"QUERO CONHECER VOCÊS PESSOALMENTE. ASSINADO: CHÉDOU"
Um dos momentos altos do show foi quando o DJ da rádio local sorteou uma fã para
subir ao palco e conhecer os ídolos.
- Vamos lá, pessoal! Aqui está o nome da sortuda, ou do sortudo... vejamos.
As fãs prenderam a respiração enquanto o DJ fazia suspense.
- É uma sortuda! O nome dela é... VAMPYYYYY!!!!
Depois de alguns instantes, a fã sortuda subiu ao palco. Ela chorava e pulava
emocionada ao encontrar seus ídolos.
- Eu quero mandar um beijo pro meu namorado, Frê! - disse ela.
A banda atacou com o hit que estava estourado em todas as rádios: "Vem, Jorge", que
Pi Tomba, o vocalista e baixista da banda, havia composto em homenagem ao seu gato, um
gato balinês que ele tinha desde os oito anos de idade, chamado "Jorge", e que havia morrido
atropelado pelo sorveteiro do bairro cinco anos depois.
Assim como Pi, várias fãs debulharam-se em lágrimas, emocionadas com a homenagem.

***

Nossa Senhora de Santa Fé.


Tarde de Segunda-Feira.
Saguão do Hotel "Rogério Cormão", 13:29 h.

Os quatro músicos aguardavam entediados pela van que os levaria ao aeroporto.


- O Silvio é um filhodaputa... - resmungou Pi.
- De marca maior... - concordou Zé Lucas.
- Quê isso, galera... Por que essa chateação? - perguntou Pru.
- Porra... - praguejou Fucho - Primeiro ele manda a gente pra esse fim de mundo, fazer
show num estádio menor que o meu quarto... e depois deixa a gente mofando aqui.
- Ah, ele disse que tinha um encontro com o George Doriana, o dono da gravadora -
explicou Pru.
- Tomara que ele saia de lá com mais dois CDs fechados... - rangeu Pi.
- Aqui não é tão ruim... Viram a loucura de ontem? Aqui somos deuses!
- Pru... já te disse... aquele segurança não tava olhando pra ti...
- Estraga prazer...
Algumas pessoas entravam e saiam agitadas do hotel. De início isso não atraiu a
atenção dos coloridos, mas logo eles perceberam uma agitação incomum em uma das
entradas.
- Ih, lá vem essas doidas histéricas fazendo barraco... - disse Pru, olhando para a
entrada do hotel, onde os dois seguranças tentavam impedir a entrada de um grupo de
pessoas.
- Será que o Justino Biba passa por isso? - perguntou Fucho.
- Claro que não... ele tem um empresário melhor que arruma seguranças e hotéis
melhores... - disse Pi.
Um dos seguranças caiu para trás. O grupo que tentava invadir o hotel avançou sobre
ele.
- Cruzes! Olha aquilo!
- Parece que tão...
- Tão...
- Tão mordendo o cara?
O grupo de pessoas amontoava-se sobre o segurança, mordendo-o em seus braços,
pernas e rosto. Pareciam cães famintos. Mordiam e sacudiam a cabeça procurando arrancar
um pedaço de carne. O outro segurança tentou tirar as pessoas de cima de seu colega, mas
logo foi abocanhado no pescoço por um dos invasores. Os quatro observavam atônitos a cena,
enquanto as outras pessoas corriam apavoradas. Logo perceberam que uma dos atacantes
possuía o corpo seco e semidevorado.
- Putaquepariu...
- Que porra é essa, véio?
- É... É...
- Uma fã subnutrida?
A criatura rosnou, exibindo seus dentes amarelos e começou a se arrastar em direção
aos músicos.
- Glup!
- Fã subnutrida é o caralho!
- É... É...
- ... UMA ZUMBI!
Os quatro abriam as portas do hotel e saíram correndo apavorados. Pi e Pru corriam na
frente, sendo seguidos por Zé Lucas e Fucho. Eles correram cegamente, sem a menor noção
de para onde estavam indo. Somente quando pararam no meio da rua, olharam em volta.
Dezenas de zumbis arrastavam-se pela área. Alguns dando cabeçadas nos postes,
tropeçando nos próprios pés ou avançando a esmo.
- Mas que putaquepariu é essa? - gritou Pi.
Imediatamente os zumbis perceberam a presença do grupo.
- Ai, caralho... por que tu não fica calado? - resmungou Zé Lucas tremendo.
- É, porra! Deu a maior bandeira... agora esses podres vão vir pra cima da gente! -
murmurou Pru.
- Bandeira dá essa tua cueca laranja. Dá pra ver isso a quilômetros! - disse Pi.
Os zumbis começaram a se arrastar em direção à banda. Alguns deles caiam e não
conseguiam mais se levantar. Mesmo assim, se esforçavam para rastejar em direção aos
músicos.
- CORRE CAMBADA! - gritou Fucho, saindo em disparada pela área que possuía menos
zumbis.
Seus amigos não hesitaram e correram atrás do guitarrista. Com pouco passos
ultrapassaram Fucho e continuaram correndo.
- Ei! Ei! Pô... Peraí... arf... assim não pô...
Os quatro embrenharam-se num beco próximo. A ânsia de escapar era tanta que eles
corriam alucinadamente e sem pensar.
Logo os integrantes da banda chegaram até uma cerca de madeira que media mais ou
menos dois metros e meio, fechando o beco. Fucho arfava loucamente tentando puxar o
oxigênio.
- Fudeu - disse Zé Luís.
- Quem teve a ideia de vir pra cá?- perguntou Pru.
- A tua mãe, claro. Não viu ela acenando pra gente? - disse Pi.
- Arf... Arf...
- E agora, Pi?
- Bora pular, claro.
- Bora. Zé, me levanta aí!
- Vai te fuder, Pru. Tá pensando o quê?
- Arf... Arf...
- Deixa de ser burro. Tu é único com força de levantar a gente.
- E quem me levanta?
- Ahn... O Fucho?
- O FUCHO? Putaquepariu, o Fucho não aguenta levantar nem o próprio corpo...
Grunhidos começaram a serem ouvidos vindo da entrada do beco. Os quatro se
arrepiaram.
- Bora! Bora! - Pi saltitava nervoso.
- A gente tem que empurrar o Fucho primeiro - disse Pru.
- O quê? - espantou-se Zé Lucas.
- Tá doido, Pru? Comeu cocô?
- Bora! Bora!
- Arf... Arf...
- Olha aí o coitado... não vai conseguir pular isso nem com reza braba... - murmurou Pru
olhando o obeso amigo arfante.
- Vem cá, Pru... - chamou Zé Lucas.
- Hm?
- Responde uma coisa...
- O quê?
- Tu tá pegando o Fucho?
- M-mas... Que filhodaputa!
- Já manjei... Fica nervoso não...
- As senhoras querem trocar confidências mais tarde? Agora a gente ta prestes a ser
comido! - disse Pi, pálido e saltitante.
Os grunhidos seguiam agora do irritante ruído de pés arrastando, numa marcha lenta e
inexorável. Pelo murmúrio das vozes, eles calcularam que pelo menos vinte zumbis estavam se
aproximando.
- Já sei! Fucho, entra nessa caçamba de lixo e fica quieto. A gente pula, eles não veem
nada e a gente volta pra te pegar - elaborou Pi.
- Na caçamba? Tá doido? Vocês pulam e eu fico aqui com essas coisas? - protestou
Fucho.
- Tu consegue pular? Não, né, pesadão? - disse Zé Lucas.
- Te falei que a gordura ainda ia te matar... - disse Pru.
- Grande conselho pra uma hora dessas, valeu mesmo... Tu é meu irmão... Meu chapa...
Meu...
- Cala a boca e entra nessa porra! - ordenaram os três à Fucho.
Os três levantaram Fucho desajeitadamente, segurando-o pelas pernas e bunda. Num
impulso, empurraram o guitarrista caçamba adentro. Fucho caiu pesadamente sobre a
montanha de papéis, restos de comida e sacos plásticos com sabe Deus o quê. Afundou as
mãos numa coisa pastosa e teve medo de olhar o que era.
- Ah, Deus... tomara que isso seja pudim...
- Afunda aí, Fucho. Te esconde! - disse Pru.
Fucho estava quase chorando quando afundou a cara no lixo. Com as mãos arremessava
sacolas e entulho sobre sim mesmo, buscando cobrir-se com o que tinha à mão.
Os outros três integrantes do Delete correram e saltaram a cerca rapidamente. Caíram
bruscamente do outro lado. Deram sorte. Era o jardim de uma residência e estava vazio.
- Quietos agora... - disse Pi, sinalizando com a mão.
Em silêncio, os três agacharam-se e encostaram-se na cerca. Pru encontrou uma brecha
entre as grossas tábuas e ficou observando a cena. Os zumbis aproximavam-se lentamente.
Eram cerca de quinze deles. Pru visualizou bem os primeiros. Um deles eram um homem
idoso, vestido com um paletó surrado e manchado de sangue. Ele não possuía maxilar e
arrastava a perna esquerda sem pé. Atrás dele vinha uma mulher jovem, loura, vestida como
uma executiva. Havia sangue em seu cabelo e rosto, escorrendo sobre o blazer azul. Seus
olhos eram brancos e revirados para trás. Logo em seguida, o grupo de mortos-vivos era
composto por uma variedade de tipos, desde um asiático vestido como sushiman até um
garoto de aproximadamente onze anos, ainda carregando a lancheira escolar, de onde
apareciam os dedos de uma mão, guardada como se guarda um lanche. Os zumbis
avançavam lentamente em direção ao fundo do beco, sem a menor noção de que havia uma
cerca ali. Fucho tremia feito vara verde dentro da caçamba de lixo e rezava para não ser visto.
Um zumbi moreno e forte trombou com a caçamba de lixo. Parou, tentou seguir e
trombou mais duas vezes. Então tateou a borda da caçamba e fez força para subir. Ergueu
metade do corpo. E então caiu para dentro da caçamba. Pi, Zé Lucas e Pru prenderam a
respiração.
Dentro da caçamba, o zumbi caíra exatamente sobre Fucho. O membro mais "fofinho" da
Delete cerrou os dentes para conter um grito. Sentiu o zumbi movimentar-se desajeitadamente
sobre ele, tentando levantar-se. O zumbi colocou-se de joelhos sobre as costas de Fucho e
tentou um impulso para levantar-se. Não teve forças. Voltou a cair sentado sobre o guitarrista.
Fucho não resistiu e soltou um gritinho abafado. O zumbi olhou em volta aturdido. Apoiou as
mãos no lixo para equilibrar-se e percebeu a carne macia abaixo de si. Cutucou com o dedo
indicador a bunda de Fucho, como quem analisa uma fruta no mercado.
- HUAAAAAAAA!!! - gritou Fucho dando um salto.
O lixo voou pra todos os lados. O zumbi foi empurrado para um canto da caçamba.
- SOCORROOOOO!!! - berrou Fucho.
Os demais zumbis voltaram sua atenção para a caçamba e ergueram suas mãos
esqueléticas e semidevoradas para agarrar Fucho. O guitarrista dava chutes tentando afastar
as bocas famintas. Os amigos de Fucho ficaram estarrecidos.
- FUDEU! FUDEU! - gritava Pi.
- Caracas, esses zumbis parecem as nossas fãs... - murmurou Zé Lucas.
- FUCHOOOOO!!!! - gritou Pru.
Fucho chutava violentamente os zumbis.
Até que sentiu uma mordida na bunda.
- HHHHUUUUUUAAAAAAAAAA!!!!
O zumbi que estava na caçamba havia aproveitado a distração de Fucho e o mordera,
rasgando um naco de carne bem grande da bunda do colorido guitarrista.
Com a dor, Fucho hesitou. Os zumbis conseguiram agarrar as pernas do jovem e puxá-lo
para fora da caçamba. Mal ele caiu no chão, já estava tendo seus braços, pernas e peito
rasgados pelos dentes dos zumbis. Fucho gritava enlouquecido. Seus amigos assistiam
impotentes àquela cena de pesadelo. Uma "montanha" de zumbis se formara para devorar
Fucho.
- Fucho...
- Caralho...
- Buááááá...
Assistiram a morte do amigo por cerca de um minuto antes de saírem do
transe.
- P-pessoal...
- Quié, Pi?...chuinf... - Pru soluçava.
- Bora sair daqui. Logo essas coisas acham a gente e aí a gente se fode igual ao Fucho -
disse Pi.
- Nenhum zumbi vai me comer não! - protestou Zè Lucas - Eu dou porrada neles!
- Hm, se já passou o momento "macho-man", bora pensar pra onde podemos ir, ok?
- Do avião deu pra ver uma ponte grande que levava pra fora da cidade... - lembrou Pru.
- E por quê a gente não pega um avião logo? - perguntou Zé Lucas.
- Tu sabe pilotar?
- Ahn...
- Pois é, idiota.
- A gente devia pegar um carro.
- Boa ideia, Pru.
- Mas olha essa fumaceira desgraçada... a cidade deve estar em chamas! - disse Zé
Lucas olhando para as colunas de fumaça negra que subiam aos céus de vários pontos da
cidade.
- Calma. Primeiro a gente acha um carro, depois foge pela ponte.
Os três começaram a caminhar pelo jardim, se afastando da cerca. Todos tremiam e
estavam muito abalados pelos zumbis terem lanchado o Fucho. Andavam pé ante pé cruzando
o jardim. Não viram nenhum zumbi no local. Passaram em frente à porta dos fundos da casa e
se dirigiram para a saída lateral, foi quando ouviram um grunhido.
- Gruuunnnhh...
Pararam congelados.
- Aimeudeus... - gemeu Pru.
- É zumbi! É zumbi! - disse Pi rangendo os dentes.
- Ahn... são as minhas tripas... tô com dor de barriga... - explicou Zé Lucas.
Pi deu um tapão na cabeça de Zé Lucas. Continuaram a caminhada e dobraram a lateral
da casa. Cautelosamente correram até o portão que os separava da rua e observaram o
movimento. Não notaram nenhum morto-vivo nas proximidades. Saíram para a rua e puderam
ver alguns zumbis se arrastando no fim quarteirão seguinte.
- Por ali não dá pra ir - disse Pru.
- Olha lá! Um cyber café! - notou Pi.
- E isso é hora de querer entrar no Orkut?
- Que Orkut coisa nenhuma, idiota! A gente pode pedir socorro pelo telefone ou pela net!
- disse o vocalista.
- A gente pode chamar a polícia! O exército! Os fuzileiros navais!! - disse Pru, imaginando
um resgate heroico.
- Aff...
Os três entraram bem devagar no cyber. Alguns computadores estavam ligados e seus
monitores emitiam um brilho monótono. À primeira vista não havia ninguém ali. Apressaram o
passo e trancaram a porta atrás de si.
- Bora colocar alguma coisa aqui pra fechar essa porta - disse Pi.
- Vamos empurrar a banca dos pcs e escorar aqui... - imaginou Zé Lucas.
- Se botarem a mão em qualquer coisa, eu estouro a cabeça de vocês! - disse uma voz
enérgica vindo dos fundos da lan.
Com as canelas batendo os três músicos encararam o dono da voz. Apontando um rifle
de caça diretamente para eles estava um homem gordo e suado, com expressão paranoica.
- Ai, jizuis... - murmurou Pru.
- Eu quero a minha mãe... - disse Pi.
- Gruuunnnhh... - disseram as tripas de Zé Lucas.
O homem apontava a arma e sorria maliciosamente.
- Se-senhor... precisamos de a-ajuda... - disse Pi tentando controlar o medo.
- Ajuda, é?- repetiu o homem armado.
- É-é... a gente... pode usar seu telefone? - pediu Pru.
- Meu telefone, é?
- E o seu banheiro... Unf... se não for incômodo... - pediu Zé Lucas segurando a barriga.
- É, telefone... Pra chamar a polícia... tá cheio de zumbi lá fora! - disse Pi.
- Não podem usar PORRA NENHUMA! - gritou o homem.
- M-mas...
- O mundo SE FUDEU! Eu finalmente não tenho que aturar tipos como vocês! - disse o
homem engatilhando a arma.
Os três músicos coloridos recuaram até a porta. O homem avançou.
- Anos... ANOS... aturando idiotas como vocês! Moleques com esses cabelos estranhos,
essas roupas com cores horríveis, analfabetos, imbecis... Agora posso mandar todos PRO
INFERNO! BWAHAHAHHAHAHA... - o homem apontou a arma para os músicos.
- ELE TÁ LOUCO!
- CORRE POVO!!
- GRUUUNNNHHH...
Os membros da Delete passaram pela porta correndo como uma revoada de borboletas
descontroladas. Atrás deles um tiro ecoou por sobre suas cabeças e estraçalhou o luminoso
do cyber. O homem saiu também pela porta e começou a fazer nova mira nos coloridos, o que
não era muito difícil devido às cores berrantes que usavam. Atraídos pelo som do disparo,
alguns zumbis começaram a se aproximar do cyber. O homem voltou sua atenção para eles e
começou a atirar.
- Venham, seus idiotas! VENHAM! BWAHAHAHAHAH HAHAHAHAH...
Os coloridos continuaram correndo até não poderem mais ouvir a risada maníaca do
homem da lan. Dobraram a primeira esquina que encontraram. Ofegantes, pararam de correr
no meio da rua.
- Arf... arf...
- O-olhem... estamos SALVOS! - disse Pru.
Zé Lucas e Pi levantaram as cabeças e olharam na direção em que o amigo apontava. Ali
estava a delegacia de Santa Fé.
- Sabem o que isso significa? Armas! - disse Pi com um brilho estranho no olhar.
- E você vai poder ir ao banheiro, Zé!
- Agora não preciso mais...
Logo o mau cheiro invadiu as narinas de todos.
- Zé... tu é nojento... - disse Pi tapando o nariz.
- Porra, mó vacilo... - reclamou Pru.
- Ah é? Vacilo é? Tenta fugir com dor de barriga de um maníaco armado! Tenta, vai!
Um murmúrio chamou a atenção dos três desesperados. O murmúrio já conhecido dos
zumbis se arrastando em direção a eles.
- Pra delegacia, galera! - gritou Pi.
Entraram correndo no prédio, esquecendo momentaneamente que poderiam haver
zumbis lá dentro. A delegacia estava bem iluminada, mas parecia que havia acontecido uma
rebelião ali, pois todos os móveis estavam revirados e haviam muitos papéis jogados a esmo.
- Cadê os cana? - perguntou Pru.
- Porra, nem no dia do juízo final a polícia trabalha? - reclamou Zé Lucas.
- Devem ter corrido quando sentiram esse teu cheiro de flores do campo... - resmungou
Pi abanando a mão em frente ao nariz.
- De qualquer jeito, tenho que achar o vestiário dos caras. Pode ser que haja alguma
roupa lá que eu possa usar - disse Zé Lucas olhando em volta.
- Deve ser por aquele corredor... - disse Pru apontando por um corredor nos fundos do
salão da recepção.
- Bora dar uma olhada por aí... quero pôr as mãos numa arma... - decidiu Pi.
Os três entraram por um corredor amplo até chegarem a uma porta gradeada. A porta
estava destrancada e eles resolveram entrar. Chegaram num pátio interno da delegacia. De
repente ouviram vozes:
- Abre aqui!
- Socorro!
- Aqui! Aqui!
Entreolharam-se assustados.
- Não podem ser zumbis... zumbis não falam, só gemem e grunhem - disse Pi.
- Vem dali daquele corredor - apontou Zé Lucas.
- Devem ser... os presos! A polícia deve ter caído fora e largaram os caras aqui!
- concluiu Pru.
- Pode ser. Eles podem dar a dica de onde estão as armas, né? - disse Pi.
- Tá doido? Quer ir lá com esse povo? É gente baixa, rude e violenta! - reclamou Zé
Lucas.
- Esquece essa gentalha. Bora procurar nós mesmos as armas! - disse Pru.
- É, pensando bem, que se fodam esses marginais... - concordou Pi.[1]
Vasculharam as salas ignorando os pedidos de socorro. Zé Lucas correu para o banheiro
e logo após rapidamente encontraram o vestiário dos policiais, onde o colorido achou um
macacão da divisão anti-tumulto do seu tamanho.
- Ah, agora sim... limpinho... - suspirou Zé Lucas.
- Tá uma merda - disse Pru.
- Hein? Onde? Mas eu me limpei! - protestou o baterista.
- Não. Tá uma merda essa cor cinza aí... sem graça... - disse Pru com expressão de
desagrado.
- É... não tem outro, tipo... verde fosforescente? - sugeriu Pi.
- Já mandei vocês tomarem no...
O som de tiros ecoou pela delegacia. Os três estremeceram apavorados.
- AHHHH!!- gritou Pru histericamente.
- Bora pegar umas armas! - gritou Pi.
- Onde? Onde?
Os músicos entraram correndo na última sala que faltava ser vasculhada, justamente a
sala de armas. Encontraram alguns rifles pendurados em ganchos na parede, mas protegidos
por uma grade bem resistente, com um cadeado mais forte ainda.
- A gente não devia ter levantado da cama hoje... - resmungou Zé Lucas.
- A gente devia ter ido embora dessa cidadezinha ontem mesmo... - disse Pi, rangendo
os dentes.
- A gente nem devia ter vindo pra cá... - choramingou Pru.
- Não tem jeito da gente pegar essas armas aí. Pela cara dessa grade, a gente vai levar
a vida toda tentando - concluiu Pi.
- ...e a nossa vida vai ser bem curta se continuarmos aqui. Bora cair fora!
- Tô contigo, Zé! Bora!
Esgueiraram-se de volta pelos corredores buscando a saída. Um novo tiro foi ouvido,
vindo exatamente da entrada.
- Fudeu! Os presos devem ter escapado e tão se matando na saída!
- Não tem jeito, Pru. A única entrada e saída é por ali!
- Que cadeia escrota...
- A gente sai correndo e foda-se!
- Esse é teu plano?
- Na verdade meu plano é fazer você tropeçar e deixar esses estupradores interioranos
se divertirem contigo enquanto eu fujo...
- Fidamãe...
- Que falta faz o Fucho...
- Pois é...
- ... assim ELE poderia tropeçar no meu lugar...
- A gente chora a falta dele depois! BORA CORRER!!!
E assim fizeram. Desembestaram numa correria louca, digna de um campeonato de
gazelas. Chegaram até a metade do hall de entrada quando tiveram uma visão que os
paralisou.
Um homem moreno, com aproximadamente um metro e noventa de altura, com cerca de
cento e trinta quilos, vestindo um macacão sujo de graxa e óleo, segurava uma escopeta e
disparava contra alguma coisa do lado de fora. O homem rangia os dentes e tinha seus olhos
vermelhos de fúria.
- Uia!
- Quem é?
- Que homem!
Assustado pelas vozes dos coloridos, o homem apontou para eles a arma e por pouco
não disparou.
- Quem são vocês, seus filhos da puta?! - berrou histérico.
- NÃO ATIRA PELAMORDEDEUS!! - implorou Pi.
- Somos da banda Delete! - gaguejou Pru.
- Nunca ouvi falar! - disse o homem alternando a mira entre os coloridos e os zumbis do
lado de fora.
- Caipira ignorante... - murmurou Zé Lucas.
- O QUÊ?! - o homem atirava freneticamente abatendo os zumbis que se aproximavam.
- Calma! Calma! Nós somos gente! Não zumbis! - disse Pi levantando os braços.
- Tecnicamente zumbis também são gente... a diferença é que estão mortos... - pensou
Pru.
Percebendo que os coloridos, apesar de seu aspecto, também eram pessoas vivas, o
homem relaxou e preocupou-se em manter os zumbis distantes.
- Certo! Certo! Entendi!
- E quem é você? Polícia? - perguntou Pi.
- Não. Eu sou mecânico. Meu nome é Tião.
- Ajuda a gente, Tião!
- Não consigo ajudar nem eu mesmo! É o fim do mundo!
- Mas você ta armado! A gente tem só nossos... músculos?
Tião olhou para os músicos de cima a baixo.
- É... vocês tão fodidos mesmo...
- Você pode arrombar a grade do depósito de armas! Aí a gente pega umas e sai fora
desse inferno! - sugeriu Pi.
- Eu tô com meu guincho ali fora! Vim aqui procurar ajuda da polícia! - disse Tião.
- Chegou tarde! A polícia se mandou e deixou só os marginais lá dentro - disse Zé Lucas.
- Salva a gente, seu Tião! Salva a gente! - implorou Pru.
- Porra! Tá! Os mortos-vivos tão afastados agora. A gente pode correr até o guincho! -
disse Tião.
- Ok! Ok!
Os quatro preparam-se. Tião olhou para dos dois lados da rua, certificando-se de que
havia um caminho livre. Alguns zumbis se arrastavam até ficarem a cerca de vinte metros do
guincho.
- CORRE!!! CORRE!!! - gritou Tião, saindo porta a fora.
Os músicos o seguiram correndo. Pru tropeçou e foi ao chão, batendo a cabeça no
asfalto.
- HUNF!!!
Pi e Zé Lucas chegaram ao guincho no momento em que Tião entrava pelo lado do
motorista.
- Levanta Pru! - gritou Pi entrando na cabine do caminhão guincho.
O guitarrista tentou levantar-se mas ainda estava muito zonzo. Os zumbis aproximavam-
se salivando. Um dos mortos-vivos mais próximos vestia uma camiseta do Capitão América
bastante suja de sangue. Pru ergueu-se sobre os dois braços. Sua cabeça doía e ele havia
perdido a noção da direção pra onde devia correr. O "Capitão América" caiu no chão quando
uma de suas pernas carcomidas partiu-se abaixo do joelho. Sua cabeça ficou a um metro e
meio da perna de Pru. Como se sentisse o cheiro da carne do músico, ele começou a rastejar
em direção à vítima. Sua saliva caía no asfalto quente. Seus olhos leitosos reviravam a esmo,
dando um aspecto ainda mais grotesco à sua face semidevorada. O zumbi estrelado recebeu
um tiro de escopeta na cabeça que espalhou o que restava de seus miolos pela rua. De pé,
próximo ao guincho, Tião segurava a arma ainda fumegante.
- CORRE! - gritou o mecânico.
- M-meu herói! - disse Pru, levantando-se.
Tião retornou ao volante do guincho, enquanto Zé Lucas ajudava Pru a subir na cabine.
Mais quatro zumbis uniformizados como militares tropeçaram e caíram sobre o corpo do
"capitão", fazendo um montinho. Tião arrancou com o guincho.
Tião dirigia como um louco. Manobrava por entre os zumbis sem se importar com
aqueles que esmagava pelo caminho. Os corpos semidevorados dos mortos-vivos
esfacelavam-se contra o para-choque do guincho.
- Pra onde a gente ta indo? - perguntou Zé Lucas.
- Em frente! Em frente! - grunhiu Tião.
- Em frente pra onde? - insistiu Pi.
- Sei lá, porra! Em frente até não ver mais nenhuma dessas coisas! - berrou Tião.
- O cara tá em pânico, Pi - cochicou Pru.
- Aham... Peraí... Ô, seu Tião...
- QUE FOI??
- Não seria melhor a gente ir pra ponte e de lá sair da cidade?
- Ponte? Ah é! A ponte!
Tião deu uma guinada brusca, entrando na rua à esquerda. Era uma rua elevada e de lá
eles podiam ter uma boa visão da parte baixa da cidade. Nuvens negras de vários focos de
incêndio subiam aos céus. Ao longe puderam ouvir uma explosão. Era um dos postos de
gasolina que havia ido pelos ares, arremessando zumbis aos pedaços por todo lado. Em todas
as ruas haviam zumbis perambulando. Em algumas delas, verdadeiras multidões de mortos-
vivos impediam qualquer tentativa de passagem.
- O caminho direto tá bloqueado! - disse Tião - A gente vai ter que contornar pela orla.
- Sem problemas, chefia - disse Zé Lucas.
Tião acelerou e desceu a rua. Faltando dois quarteirões, o grupo de sobreviventes deu
de cara com um tiroteio. As balas voavam de ambos os lados da rua. O guincho foi pego no
fogo cruzado, obrigando todos a se abaixarem.
- Que merda é essa?? Zumbi atirando?- berrou Zé Lucas.
Pi levantou um pouco a cabeça e pôde observar que aqueles disparos eram feitos por
vivos. Dezenas de homens e mulheres armados abrigavam-se dentro das lojas e casas e
abriam fogo contra as pessoas do outro lado da rua.
- O povo endoidou! Tão se matando! - disse o vocalista.
- É o fim do mundo! Eu disse... - resmungou Tião, tentando dirigir sem expor demais a
cabeça.
- Para essa porra, Tião! PARA! - berrou Pru.
- O QUÊ? Parar aqui? Tá doido? - contestou o mecânico.
- PARA PORRA! - exigiu o guitarrista.
Sem entender nada, o mecânico freou o guincho. Os atiradores cessaram o fogo,
curiosos com aquela súbita parada. Pru ergue-se e pôs metade do corpo pra fora da janela da
cabine. Seus amigos tentaram detê-lo mas ele chutou até conseguir se posicionar.
- Ei! Ei! Pessoal! Parem com isso! Estamos enfrentando zumbis! Não faz sentido vocês
se matarem!! Vamos nos unir e escapar juntos!!! - berrou o colorido.
Seguiu-se um silêncio sepulcral. As pessoas observavam Pru com incredulidade até
que...
- Ei! É a BANDA DELETE! - berrou alguém.
- Tá vendo, Pi? Eles nos conhecem! Tá tudo bem... - disse Pru com um sorriso largo no
rosto.
- O DOBRO DE PONTOS PRA QUEM ACERTAR ESSES IDIOTAS!!!
- "O dobro de..."????
A chuva de balas varreu o guincho. Pru ficou tão furado quanto um escorredor de arroz e
tombou pra fora do caminhão. Tião acelerou e fez o caminhão cantar pneu.
- Atiraram na gente! NA GENTE! - berrou Zé Lucas em pânico.
- Desgraçados! Acabaram com o Pru!... - chorava Pi.
- Malditos fãs de MPB!!!
Dobraram à direita dois quarteirões depois, entrando na avenida da orla de Santa Fé. Os
fugitivos viram vários zumbis em trajes de banho, circulando pelo calçadão.
- Isso é o inferno! - murmurou Pi, enxugando as lágrimas.
- Tem luzes ali no meio da ponte! - apontou Tião.
À medida que se aproximavam puderam perceber que havia uma barreira no meio da
ponte contendo alguns zumbis. Do outro lado da barreira, um grupo de militares parecia
disparar contra os mortos-vivos.
- Se segurem! - disse Tião.
O guincho entrou na ponte cantando pneu e por pouco não tombou. Os músicos gritaram
como menininhas histéricas, enquanto Tião gargalhava como um louco. Atraídos pelo barulho
do guincho, vários zumbis se voltaram para o veículo, e tentavam agarrá-lo inutilmente. Tião
arrastava os zumbis com seu caminhão e não se detinha por nada. Ou quase nada. Um zumbi
obeso, com cerca de duzentos quilos de carne podre surgiu em frente ao guincho.
- Não acredito... - murmurou o mecânico.
Tião jogou o veículo para esquerda tentando desviar do zumbi baleia. Não conseguiu de
todo. Bateu lateralmente no morto-vivo e tombou com o guincho, esmagando a montanha de
carne. O mecânico e os músicos foram violentamente sacudidos dentro da cabine. Instantes
preciosos se passaram até que os três conseguissem se recuperar minimamente e pensar em
sair do guincho.
Os zumbis cercaram o veículo.
- F-fudeu... Pi... - gaguejou Zé Lucas.
- É o fim, Zé... o fim... - concordou Pi.
- Sabe o que mais me incomoda em morrer assim?
- O quê, Zé?
- É que eu... eu... gosto mesmo é de metal... Entrei nessa de colorido pra ganhar uma
grana...
- E vou morrer... com essa fama de borboleta...
- Fidaputa...
Um grito enlouquecido fez gelar as veias dos coloridos. De pé, sobre a cabine tombada
do guincho, Tião fazia sua escopeta cuspir chumbo sobre os zumbis.
- HHHHUUUUUAAAAAAAAAAAAAA!!!
Despertos pela loucura de Tião, os dois músicos puxaram-se para cima da carcaça do
guincho. Os zumbis grunhiam e babavam litros de gosma, antecipando o banquete.
- TOMEM CHUMBO SUAS CRIAS DO INFERNO!!! - berrava Tião, salivando tanto quanto
os zumbis.
- O Tião endoidou de vez... - disse Zé Lucas.
- Ele já tava por um fio faz tempo... - concordou Pi.
Pi olhou em volta e teve uma ideia.
- Ei, Zé! A gente pode pular pra amurada da ponte!
- Porra! É mesmo!
- Ei, Tião!
- MOOOOORRRAAAMMMM BESTAS-FERAS DAS PROFUNDEZAAAASS!!!
- Tião!
- VOLTEM PRO CAPETA, MONSTROS DO INFERNOOOOO!!!!
- Tião?
- TOMEM BALAAAAAAAA CRIATURAS NOJENTAAAAAAASSS!!!
- Bora, Zé...
Pi e Zé Lucas saltaram para a amurada. Quase caíram no rio abaixo, mas conseguiram
se equilibrar a tempo. Tião continuava louco e surdo ao chamado dos músicos. Dois zumbis
conseguiram escalar o guincho e agarraram os pés do mecânico. Tião chutou-os e tentou
atirar, mas estava sem balas e a escopeta fez apenas um "CLEC" inútil. Uma linha de suor frio
escorreu pelas costas do mecânico. Um dos zumbis agarrou a perna de Tião e puxou-o para
baixo. O mecânico gritava e esmurrava os zumbis alucinadamente, mas logo foi sobrepujado
por cerca de dez dos mortos-vivos que caíram sobre ele.
- TIÃO! - berraram os coloridos.
O som das dentadas dos zumbis no corpo de Tião podia ser nitidamente ouvido,
juntamente com os grunhidos de satisfação da horda.
- Não dá pra fazer nada, Pi... A gente tem que alcançar a barreira do exército! - disse Zé
Lucas.
- Tião... Chuif... vou fazer uma música pra ti... Aham... "Aonde quer que eu vááá, te levo
comigoooo..."
- DEPOIS! DEPOIS! CORRE! - gritou Zé Lucas.
Os zumbis perceberam os dois coloridos sobre a amurada e começaram a voltar sua
atenção para eles. Sem perder tempo, os músicos começaram a andar o mais rápido que
podiam em direção aos militares, que estavam posicionados a cerca de cem metros.
- Ai, caramba... Espero que eles não atirem na gente! - disse Zé Lucas buscando
equilibrar-se.
- Temos fãs no exército? - perguntou Pi.
- Ahn... Er...
- Estamos fodidos...
Na barreira feita pelo exército, dezenas de militares haviam estabelecido um perímetro
de segurança e mantinham os zumbis distantes com a ação de franco atiradores. O capitão
Magalhães chefiava a operação e observava o movimento na ponte com um binóculo. O
sargento Zaqueu aproximou-se do capitão.
- Estamos conseguindo contê-los por enquanto, senhor. Mas se vierem em um bando
muito grande... - informou o sargento.
- É, já percebi... Logo vamos isolar de vez esta ponte e recuaremos - disse o capitão -
Mas, espere... Que diabos é aquilo lá?
O sargento apanhou outro binóculo e olhou na direção que o capitão indicava.
- Deus! Eles estão evoluindo, senhor... Já conseguem se equilibrar na amurada!
- Maldição! Temos que derrubá-los dali!
- É pra já, senhor!
O sargento apanhou seu rádio comunicador e acionou a frequência dos atiradores de
elite.
- Espere! - disse o capitão.
- Pois não, senhor?
- Um deles está vestido como um policial local... e o outro é horrivelmente colorido...
- Colorido, senhor?
- E parecem inteiros...
- Devemos atirar, senhor?
- Deixe-me pensar...
Zé Lucas e Pi caminhavam pela amurada. Alguns zumbis vinham se aproximando
lentamente e eles acelerara o que puderam. De um lado, os zumbis aguardavam, de outro, o
rio centenas de metros abaixo.
- O Fucho fez bem em morrer logo... - murmurou Pi.
- Que diabo você tá dizendo? - resmungou Zé Lucas.
- Ele jamais ia conseguir se equilibrar aqui...
Disparos foram ouvidos. Balas cortaram o ar na direção dos coloridos.
E atingiram os zumbis mais próximos da dupla.
- Estão nos dando cobertura! - berrou Zé Lucas.
- Estamos SALVOS! - gritou Pi.
Os zumbis foram abatidos com precisão. Os dois músicos chegaram até a barreira e
saltaram para o meio da ponte, buscando a entrada.
- PRO CHÂO! CHÃO! AGORA! - ordenou o soldado mais próximo apontando uma
metralhadora para os músicos.
Sem discutir, ambos se jogaram no solo. Foram revistados por dois soldados, que
constataram que eles não possuíam sinais da infecção zumbi. Foram encaminhados ao capitão
Magalhães.
- Capitão, não temos como lhe agradecer! - disse Pi apertando a mão do militar com
euforia.
- Agradeçam ao cabo Cordovil, um de nossos atiradores de elite. Ele é um de seus fãs e
os reconheceu na ponte.
- Eu te disse que a gente tinha fã no exército... Eu te disse... - murmurou Pi em direção à
Zé Lucas.
- Aff...
Uma hora depois, um helicóptero pousava no acampamento do exército trazendo Sílvio
Acatauassu, o empresário da banda Delete.
- Que isso, moçada? Mando vocês sozinhos pra um show e acontece toda essa
desgraça? - diz Sílvio sorrindo.
- Sílvio! Tu é um filhodaputa! Como não veio socorrer logo a gente? - pragueja Zé Lucas.
- Aham... Tive contratempos... - diz Sílvio, pensando no material de divulgação do que
seria o "álbum póstumo" da banda Delete indo pelo ralo. - O que importa é que vocês estão
aqui e podemos continuar a turnê!
- Continuar como? O Fucho e o Pru se fuderam! - diz Pi.
- Ora, vamos fazer um concurso em rede nacional pra encontrar novos talentos que
entrem na vaga deles, é lógico! Audiência na certa!
- Tu é um tremendo dum escroto, cara... - disse Zé Lucas.
- Sou bem pago pra isso! Agora vamos daqui.
- Sílvio, tu não tem noção mesmo... O mundo se fudeu! Tá tudo louco! - disse Pi.
- E daí que o mundo tá cheio de zumbis? Antes as fãs também não corriam feito loucas
atrás de vocês querendo um pedaço? Não mudou nada.
- Tu é realmente um escroto... - reafirmou Zé Lucas.
- Ah, Sílvio... Tô com uma letra nova na cabeça... - disse Pi.
- Manda aí, moleque!
- "E eu vou te encontraaaaarrrr, aonde quer que eu váááá..."
- Genial! Sucesso!
E o helicóptero partiu levando os três.

FIM
Capítulo 4
Sobrevivendo ao inferno
Por Fábio "Raven" Rodrigues

Cidade de Nossa Senhora de Santa Fé.


Clube de Tiro.
8:15 h.

Beto Saldanha está no Clube de Tiro da cidade. Nunca cheio. Poucas pessoas se
interessam nesse tipo de esporte. Mas ele é Bi Campeão do Circuito Estadual de Tiro,
Campeão Brasileiro e também faturou o Mundial em 2008.e está com o patrocínio quase
acertado para as próximas olimpíadas. Ele chegou cedo e começou a treinar sozinho. Juarez,
dono do clube, sempre gostava de assistir ao treinamento de Beto.
- Mas e aí, Beto, não está mesmo interessado naquela arma que eu disse que tô
vendendo?
- Ah, Juarez. Estou acostumado com minha Imbel, cara... é minha preferida. Sente só a
leveza da criança... - Beto a levanta. A luz ambiente bate na arma, que reluz enquanto seu
dono sorri. Certamente, é o metal mais precioso que Beto guarda consigo.
- Sei... Mas e quanto aquela sua carabina. A Puma. Não vai mais treinar com ela? Pensa
em largar a modalidade?
- Não. Ela tá lá no carro. Estou apenas me concentrando no meu objetivo para as
Olimpíadas. A modalidade Shot Gun já tem muitos adeptos. Mas se der certo, eu vou
participar das duas.
Beto começa a atirar. Os outros três rapazes que estão treinando ao lado param para
ver o campeão.
- Puxa... Olha as horas. E o Guga ainda não chegou...

***

Pizzaria Manolo’s.
8:26 h.

Dom Manolo chegou a Santa Fé aos 13 anos de idade, veio da Itália com a família e
herdou a pizzaria de seu pai. Os negócios da família estão
prosperando e, aos cinquenta anos de idade, ele tem a sensação do dever cumprido.
Gordo e com bigode típico, se orgulha de seus três filhos já estudados e cada um seguindo
seu caminho. E para a sua alegria, o mais novo tem intenção de tocar o negócio, o que sugere
que sua aposentadoria está próxima.
- Puxa, Seu Manolo, bem que o senhor podia ter vindo sozinho. Precisava me acordar
cedo em casa pra vir receber a mercadoria?
- È ora di reclamare, Mariana? Se soubesse que você era preguiçosa eu não teria te
contratado. Você tá aqui é pra trabalhar. Se reclamar, eu ponho a Soraia no teu lugar no caixa.
- Não, Seu Manolo. Tá tudo bem. Um dia eu vou ser gerente da sua pizzaria, e você vai
ver...
- Para de sonhar menina, ninguém mandou você abandonar os estudos. Mariana tem 22
anos e parou de estudar quando acabou o colegial, pois seus pais não podiam pagar uma
faculdade particular, mas sonha ter sua própria pizzaria um dia.
- E tem mais, Seu Manolo, o seu filho mais novo, o Léo, ele tá de olho em mim. Ele é
bonito e galanteador. Se a gente der certo, você vai ter que me colocar na gerência.
- Essere nelle nuvole? Tira os olhos do ragazzo, que ele não é pro teu bico!
- Isso é o que veremos, Seu Manolo.

***

Rua Albuquerque de Gouvêa.


Próximo ao Shopping Center.
Casa de Guga de Freitas.
8:37 h.

Guga vem de uma família rica e tradicional de Santa Fé. Seu pai é dono de uma das
maiores redes de petróleo da região, possuindo postos de gasolina em várias cidades do
Estado. Foi incentivado por seu amigo Beto a praticar aulas de tiro. Guga é casado, e tem um
toque de inveja de seu amigo Beto, solteiro e cheio de garotas atrás dele. O dinheiro de seu
pai lhe proporciona algum prazer noturno, mas as brigas com a esposa fazem ter preocupação
com os rumos de seu relacionamento. Ele é pai de um garotinho de dois anos de idade,
Julinho.
- Escuta Bete, para de me encher, que eu tô atrasado para o curso de tiro. - Ah! E talvez
eu chegue tarde em casa... De novo.
- Um dia, você vai chegar em casa, e não me encontrar aqui. Nem a mim, nem ao seu
filho. - Enquanto sua mãe esbraveja, Julinho chora no canto da sala.
- Se você fizer isso, meu pai bota todos os advogados dele em cima de você.
- Quem está errado dentro dessa casa é você. Poxa, Guga, você não é mais
adolescente. Tem família, tem responsabilidades, chega tarde toda noite, bêbado e...
- Vê se não me enche, que eu tô atrasado. Tchau... Julinho, vem cá... Dá um beijo no
papai.
- Volta logo, papai...
- Beijo, filhão. - Guga entra em seu carro, e sai em disparada, rumo ao clube de tiro. -
Saco, essa mulher já tá me dando nos nervos. Por isso que, à noite, sempre tenho que dar
uma extravasada. Nada como beber com algumas garotas do Club Privê até de madrugada...
O Club Privê é melhor que o Clube de Tiro... Hehehehe

***

Parque "Professor Matheus Ubirajara".


8:43 h.

Bernardo sempre foi um fracassado. Gordinho desde pequeno, sempre foi o motivo de
chacota na escola. No colégio. E na universidade. Nerd convicto, disfarçava os aborrecimentos
da vida em seu mundo imaginário, onde os super-heróis voavam por aí. Pensou diversas vezes
em levar uma arma pra aula, e acabar com a encheção de saco matando todos os seus
colegas de classe, mas depois ficou com medo de passar um tempo na cadeia, pois se sentia
tão fracassado que não teria coragem de se matar. Um fracassado, como sempre. Se formou
em Administração de empresas, mas nunca conseguiu um emprego decente. Um fracassado,
como sempre. Depois que a Kátia lhe deu um pé na bunda, sua autoestima foi lá embaixo e
está sem namorada a mais de um ano. Um fracassado, como sempre. Hoje ele trabalha pra
uma agência de festas, como recreador infantil. Aos 35 anos de idade, deu sorte de pegar um
trabalho na prefeitura, que está realizando uma série de eventos no parque, o "Sacode Santa
Fé", assim ele e alguns colegas trabalham animando crianças e idosos como palhaço . Um
fracassado, como sempre.
- Vamô lá molecada!!!! Quem chegar primeiro, ganha um abraço do Palhaço Xinfrim!!! -
Bernardo abre os braços e gesticula muito, tentando chamar a atenção de dezenas de
crianças.
- Seu paiaçu chifrim, seu paiaçu chifrim... - um garotinho de uns quatro anos de idade
puxa o palhaço pela calça exageradamente larga. - Me dá uma bala?
- É Xinfrim, seu muleq.... Ehr, quer dizer, só se você ganhar a corrida, amiguinho!
Pessoal, tá valendo balinhas a corrida! - Cacete, que saco isso... Esses moleques me dão nos
nervos. Ainda bem que esse emprego é temporário, o foda é que eu tô precisando da grana.
- Senhor palhaço? Eu e minha amiga podemos tirar uma foto? - Duas senhoras da turma
da terceira idade, que estão na turma dos exercícios físicos matinais do parque, se dirigem ao
palhaço com uma câmera fotográfica digital.
- Claro, senhoritas! O Palhaço Xinfrim está sempre às ordens! Vem cá, moleque! -
Bernardo abraça as senhoras enquanto pede a um garotinho que bata a foto. - Sabe tirar foto,
garoto? Bate aí uma foto da gente! - O garoto pega a câmera e registra o momento.
- Bate outra! Diz a senhora da esquerda. Dito isso ela ajeita a pose e dá uma beijoca no
rosto de Xinfrim.
- Ai, ai... Hoje vai ser mais uma merda daqueles dias que não acabam.... Saco.

***

Rua Eurico Tolentino.


Próximo á Biblioteca Rui Barbosa.
8:51 h.

Fernando já entregou todos os jornais e revistas dos assinantes do bairro e pedala sua
bike rapidamente em direção a sua casa. Ele segue ouvindo seu MP3, ignorando as buzinas
dos carros quando ele cruza a frente deles. Chegando em casa, ele tem algumas coisas pra
fazer antes de ir pra escola depois do almoço. Tem dezessete anos e trabalha a um como
entregador, tentando juntar dinheiro pra comprar uma guitarra. Um dia ele vai ser famoso. Só
não sabe quando.
- Cacete! Esse CD do Paul Stanley tá do caráleo! Pena que aqueles pourra não gravam
nada faz uma cara. Se eu tivesse uma puta banda, eu ia querer gravar todo ano um CD novo.
Mas também, os caras tão velhos paca. Nem devem tá ligando pro público.
Ele atravessa rapidamente pro outro lado da rua, quando avista o "Sacode Santa Fé", no
parque.
- Putaquepariu! Quanta gente! Vou lá ver se descolo um rango antes de ir pra casa! - Ele
pedala e observa as pessoas e suas atividades. Tem gente cortando o cabelo, tirando
documentos, se exercitando, e até alguns palhaços. - Mas que merda! Palhaços! Eu odeio
esses pourras!
***

Cidade de Nossa Senhora de Santa Fé.


9:00 h - A Hora da Morte.

***

A duas quadras do Clube de Tiro.


9:25 h.

- Cacete! Se eu começar a chegar atrasado todos os dias, não vai compensar a grana
que eu tô investindo nessa merda de curso! Melhor eu me apressar, não vai ter problema
nenhum se eu der uma acelerada no meu carrinho. E fora que o Beto vai me encher o saco
se... Ei! Sai da frente, otário! - Guga avista um pedestre andando pelo meio da rua, meio que
cambaleando. - Caralho, não vai dar pra desviar! - POW!!! - O homem é arremessado por
cima do carro. Guga coloca a cabeça pra fora, dá uma olhada, e vê o corpo caído. - Que se
foda! Ninguém mandou encher a cara logo cedo, porra. Deixa eu me mandar daqui logo, que
parece que tá vindo uma porrada de pessoas aí... Hummm... Que estranho, parecem todos
bêbados...- Guga acelera o carro, chegando enfim até o Clube de Tiro.
Ele atravessa a recepção com passadas largas e pesadas. Mexe com a recepcionista, e
não dá a mínima para Juarez, que estava sentado ao lado da moça.
- Bom dia, gostosa! Quando é que você vai topar tomar uma gelada comigo depois do
expediente?
- Se liga, cara! - A moça responde mostrando o dedo do meio.
- Ehehe... Eu sei que sou gostoso, delícia.
- Puxa, Guga. Pensei que você fosse levar mais a sério os treinos! - É Beto quem chega
na sala. - Pensei que não fosse mais vir. Quase meia hora de atraso!
- Desculpa , mamãe! Caralho, Beto! Adivinha que porra que aconteceu comigo agora a
pouco?
- O que você aprontou, Guga?
- Acho que matei um cara.
Silêncio.
- Você tá brincando, não é? Só pode. - Beto levanta os óculos e passa as mãos pela
face, com expressão incrédula.
- Sério, cara. A duas quadras daqui. Atropelei um maluco na rua. O cara tava com o rabo
cheio de cachaça. Tombando pros lados. Tentei desviar, mas o imbecil acabou vindo pra cima
do carro. E se fudeu.
- Por Deus, Guga. Isso é grave! E você não socorreu o rapaz?
- Que socorrer o que? Tava vindo um monte de gente. Eu podia se linchado. Saí fora
rapidão.
- Você tá louco? Meu, isso é crime! Vamos lá! Me mostra onde foi. A gente tem que
socorrer o cara!
- Esquece isso, Beto! Já devem ter chamado a ambulância! A essa hora o cara já deve
estar no Misericórdia. Ou na funerária. Hehehehe.
- Você perdeu mesmo o juízo, cara. Vem comigo. Vamos lá dar uma olhada. - Os dois
seguem novamente para a recepção com o intuito de ir até o local do acidente.
- Juarez! Segura as pontas aê, que eu e o Guga vamos resolver um negócio, ok? Hoje
tem poucos alunos mesmo, então está tranquilo.
- Tudo bem, Beto. - Juarez acompanha os dois até a porta e a fecha.
- Bom, vamos no meu carro, pra não dar bandeira, Guga. - Os dois entram no Fiat Punto
vermelho de Beto e seguem para o quarteirão indicado pelo Guga.
- Ei, Beto! Acho que é melhor a gente voltar. Olha só a multidão que tá ali. - Guga aponta
o local, e suas mãos tremem de medo ao pensar no que pode acontecer se o homem estiver
morto e eles o pegarem.
- Espera, vamos dar uma olhada. - Beto para próximo ao local e abre a porta do carro.
Ele acena e tenta chamar a atenção das pessoas que estão ali. - Olá! O rapaz está bem?
Chamaram o resgate?
Ninguém responde. Beto percebe que de repente, todos voltam seus olhares para ele.
Sons estranhos, parecido com grunhidos são as únicas coisas que Beto tem como resposta.
- Mas o que... O que é isso?! - Beto se assusta ao ver que todos começam a caminhar
em sua direção, continuando a soltar os grunhidos. Um deles estende as duas mãos para
frente e tenta agarrar Beto. - Mas que brincadeira é essa? Saco... - Beto corre novamente
para o carro. - Depressa, vamos embora daqui Guga. - Beto liga o carro.
- O quê que foi, Beto? Tá correndo de quê? Querem me pegar?
- Aquela gente tá estranha, Guga... Parecem zumbis... Sei lá...
- Zumbis... Que porra é essa cara?
- Zumbis, cacete! Mortos Vivos, tá ligado?
- Deixa de besteira Beto! - Nisso, um dos Zumbis bate com a mão no vidro do carro. Ele
encosta o rosto de aspecto cadavérico no vidro do lado do passageiro e começa a babar. -
Caralho, vambora daqui!
O veiculo sai em disparada. Beto mal consegue acredita no que acabara de testemunhar,
enquanto Guga só consegue dizer a palavra "caralho".
- Vamos voltar pro clube. Temos que avisar o pessoal!
O carro chega até o clube de tiro. Beto estaciona e os dois saem correndo do caro,
entrando rapidamente para dentro. Ao chegarem no balcão, a garota está sentada de costas e
parece não ouvir os dois chegarem.
- Ei, amorzinho, cadê o Juarez? - Guga vê que ela não deu a mínima pra sua brincadeira,
e vai para trás do balcão. - Ei, gata, você não tá... Cacete!!
- O que foi, cara?
- Ela tá morta, Beto! Com um buraco no pescoço. - Nisso, Guga olha para Beto e vê que
atrás dele, está Juarez, com os olhos revirados e mãos estendidas, indo em direção ao Beto.
- Beto, cuidado! - Beto se vira rapidamente, e consegue desviar de Juarez.
- Guga, corre lá dentro e pega nossas armas! Rápido! Vamos dar o fora daqui! Guga sai
em disparada para dentro do stand de tiro. Ele localiza rapidamente a
Imbel e a STI, e nota que os outros dois alunos de tiro também estavam mortos. Os dois
saem rapidamente pela porta e tornam a entrar no carro de Beto, cantando os pneus na saída.

***

Pizzaria Manolo’s.
9:46 h.

Rápido, Mariana! Abra a porta da cozinha para os rapazes entrarem. - A garota


-
acompanha um dos entregadores de bebidas até a cozinha, onde as garrafas serão
acondicionadas em um freezer. - Don Manolo apenas fica de olho, inspecionando.
- Onde o senhor quer que eu desça as caixas, Senhor Manolo? - O entregador para, e
começa a descarregar os caixotes no chão. - Vou ajudar o Celso a trazer as últimas caixas.
- Pode deixar aí, amigo.
O segundo entregador, que havia ficado do lado de fora retirando as outras caixas de
bebida do caminhão, sente uma mão tocar seu ombro.
- O que foi, Pedrão? - Celso olha para trás e vê a figura aterrorizante de um morto-vivo
tocando o seu braço. Mas que porra é essa? Cadê o Pedrão? Tá louco, cara? -
Inadvertidamente, o zumbi finca os dedos no pescoço do entregador, e morde o seu rosto. O
sangue jorra, molhando as caixas de bebida. Celso cai no chão e começa a gritar. -
S...Socoorrooo...
De dentro da pizzaria, Pedrão e Seu Manolo ouvem o homem gritando.
- Ué... O que será que aconteceu com o Celso? Melhor eu ir dar uma olhada. - Pedrão
sai devagar, e vê que não há ninguém na calçada. Ele vê na guia da calçada uma poça de
sangue se formando, e conclui que algo grave aconteceu atrás do caminhão. - Celso? O que
houve?
A cena diante dele será a última coisa que Pedrão vê em vida. O corpo de seu amigo
sendo devorado por uma criatura vinda dos mortos. Ele rasga a carne do entregador, puxando
para fora órgãos e entranhas. E parecia se deliciar com isso, mas não gostou de ser
interrompido. O morto-vivo levanta-se e caminha em direção á Pedrão.
- Filho da puta! Cê matou meu amigo!! - Pedrão cerra os punhos e parte pra cima do
zumbi. O entregador acerta um soco no rosto do zumbi, mas corta os
dedos nos dentes da criatura. - Mas que merda é você? - O zumbi responde com uma
feroz mordida em seu pescoço.
- Mas o que está acontecendo aqui fora? - Manolo sai da pizzaria na intenção de saber o
que havia ocorrido aos entregadores. - Jesus... O... O que é isso? - o zumbi para de morder o
entregador e fixa os olhos em Manolo. - O que .. O que é você?
Manolo corre em disparada para dentro da pizzaria.
- Mariana! Mariana!... Rápido, chama a polícia!
- O que foi, seu Manolo! - A menina pega o telefone, começa a discar, e percebe que a
linha estava cortada. - Seu Manolo, o senhor pagou a conta de telefone desse mês?
- Menina atrevida! Claro que sim, minhas contas estão todos em dia e... Mas oras,
Mariana, mataram os entregadores lá na frente. Temos que sair daqui! Manolo corre para a
cozinha e procura algo que possa ser usado como arma.
- Hmm... Isso aqui servirá... - Manolo pega um enorme facão de açougueiro.
Ele testa o fio da lâmina para se certificar que o corte está bom. - Vem, Mariana, vamos
procurar outro telefone. Os dois caminham em direção à saída da pizzaria e notam que os
entregadores se levantaram, e caminhavam todos tortos ao redor do caminhão.
- Seu Manolo, os entregadores estão ali, ó.
- Dio mio... - Manolo olha para eles e não pode deixar de notar que ambos estão com um
enorme rombo em seus corpos. Vísceras à mostra. Sangue encharcando suas roupas. -
Menina, nós temos que correr.

***

Parque "Professor Matheus Ubirajara".


10:12 h.
- Com esse puta calor, e eu aqui vestido de palhaço. E o pior, ter que ficar dando risada
e fazendo brincadeiras. Eu tô é com fome. Quero almoçar... Heheheh
- Ei, Bernardo! Quero ver a animação! Você está sendo pago pra divertir o público.
Desse jeito que está você parece mais um animador de velório. - O supervisor de Bernardo dá
uma cutucada em seu rim.
- Vai te fuder, seu merda. Vê se não me enche o saco. - Bernado xinga seu amigo,
arruma a calça larga, e sai saltitando entre a multidão. Nesse instante, ele vê algumas pessoas
conhecidas. Uma delas é Kátia. Sua ex. Ela está com o novo namorado e com alguns amigos
do bairro onde Bernardo morava.
- Olha! É o Bernardo, não é? Ei, Bernardo!
- Seu ex, aquele zero à esquerda? Só podia ser um mané, mesmo. Trampar vestido de
palhaço.
- Ei Kátia, manda esse teu namorado idiota calar a boca, ok?
- O que foi, seu bosta? Vai encarar?
- Fica na tua que a conversa ainda não chegou no chiqueiro.
- Ora, seu...
Quando o namorado de Kátia parte pra cima de Bernardo, eles escutam um tiro no meio
da multidão.
- Ei, o que houve? - Bernardo procura uma das velhinhas da terceira idade.
- Um maluco atacou um rapaz lá no meio. O segurança foi interferir e o rapaz mordeu ele.
Daí o outro policial acabou atirando nele.
A multidão rapidamente começa a correr, gerando um grande tumulto. O Palhaço Xinfrin
faz a sua boa ação do dia pegando uma menininha no colo. Ela se assusta com o palhaço e
começa a chorar.
- Calma, garotinha. Qual é o nome da sua mamãe? Onde ela está? Mostra pro tio
Xinfrim... - Nisso, uma mulher chega até o palhaço, e pega a menina de seu colo.
- Obrigado por ter ficado com a Renatinha, senhor palhaço. - ela abraça Bernardo e lhe
dá um beijo no rosto.
- Disponha, moça! E se quiser me recompensar depois, toma o meu cartão. Me dá uma
ligada! - A moça sai correndo com a filha no colo e o cartão de Bernardo na mão.
- Bom, pelo menos uma vez eu tenho que me dar bem nessa droga de vida...
Naquele instante, mais tiros são ouvidos, e o corre-corre fica mais intenso.
- Merda, o que está acontecendo lá no meio? - Bernardo decide ver e segue na direção
contrária a do resto das pessoas.
Ele avista alguns policiais disparando contra uma meia dúzia de pessoas. Eles atiram. E
atiram. E as pessoas continuam a caminhar na direção deles. Um policial pega seu cassetete e
entra em combate corporal com o agressor. Logo duas das pessoas o pegam por trás e o
derrubam. Os outros dois seguranças tentam retirar o agressor de cima do amigo, mas um é
mordido no braço por um deles. Logo, os policiais acabam sendo dominados pelos
agressores, que parecem aumentar de número rapidamente.
- Putaquepariu... Que porra é essa? São zumbis, caralho! Mas que merda tá
acontecendo aqui? - Bernardo passa então a acompanhar as pessoas, apertando o passo pra
sair dali. Ele acaba trombando com um garoto de bicicleta.
- Ei, seu palhaço tonto! Tá me atrapalhando, que eu tô vendo o show de zumbis! -
Fernando tinha ido de bicicleta ao parque e achava que a cena que estavam presenciando era
uma espécie de espetáculo.
- Olha seu burro, aquilo não é show, não. Aquelas porras são de verdade. Deixa eu
montar na tua garupa, e vamos saindo daqui. Anda logo, moleque!
- Nossa senhora... Caralho, palhaço, é verdade... São zumbis mesmo aquela porra!
O Palhaço Xinfrim monta na garupa da bicicleta e Fernando pedala desesperado em
direção ao outro lado do parque.

***

Próximo á Pizzaria Manolo’s.


10:15 h.

- Rápido Beto, acelera essa porra, cara...


- Fica calmo, Guga, a gente vai dar um jeito nisso... Espera! Olha só, um homem e uma
garota acenando. - Beto vê Manolo e Mariana na calçada correndo, enquanto um zumbi os
persegue.
- Não para, caralho! Pode ser uma armadilha!
- Cala essa boca, Guga. Eles precisam de ajuda. - Beto encosta o carro enquanto Guga
abaixa o vidro.
- Per favore, amico, precisamos de ajuda. Meu nome é Dom Manolo, sou o dono da
pizzaria da esquina... Fomos atacados por pessoas mortas...
- Zumbis, seu Manolo... - Mariana corrige seu chefe, que a olha de cara feia.
- Pois sim, vocês podem nos dar uma carona até a delegacia?
- Entre no carro, senhor! Olha, eu e meu amigo demos uma volta rápida de carro pela
vizinhança. - Beto fala enquanto dirige. - Todas as ruas estão infestadas. Os zumbis estão por
todos os lugares, e sem querer ser pessimista, a polícia não vai poder ajudar.
- Mas porque não? - Mariana, com voz de choro, começa a se desesperar.
- Porque lá atrás, vimos alguns zumbis fardados como policiais. Receio que nem mesmo
eles conseguiram se livrar dos zumbis.
- Pois então estamos perdidos. Oh Dio. O que faremos agora?
- Vamos tentar sair da cidade... Tem que haver um jeito. Não é possível que estas
criaturas estejam cercando Santa Fé, ent...
- Cuidado com a bicicleta!!! - Guga grita e Beto desvia o carro, batendo-o em um poste. -
Putaquepariu, Beto... Cacete...
- Alguém se machucou? Beto olha para o banco de trás para verificar se estavam todos
bem. - Deixa eu ajudar o rapaz da bicicleta. - Beto abre a porta e vê duas pessoas caídas ao
chão.
- Cê vai ter que pagar essa bicicleta, cara!! - Fernando levanta-se bravo, apontando o
dedo para o rosto de Beto.
- Calma garoto. O que aconteceu com vocês, para onde estava indo quando
atravessaram na frente do meu carro desse jeito?
- Cara, vamos embora logo daqui... Zumbis, cara... Zumbis invadiram a cidade... Estamos
mortos... - O Palhaço Xinfrim se segura para não chorar.
- É verdade, garoto. Estávamos fugindo dos zumbis também. - Os outros descem do
carro. - Olha só, esses são o senhor Manolo, a Mariana e o Guga. Eu me chamo Beto.
- Olha só, meu nome é Bernardo, e não tô nenhum pouco afim de morrer. Esse moleque
aqui é o Fernando. Ele tava me dando uma mãozinha quando vocês atropelaram a gente.
- Não atropelamos vocês, ô palhaço. Nós desviamos e vocês fizeram a gente bater o
carro no poste. Agora a gente tá a pé. Muito obrigado. - Guga começa a se exaltar.
- Calma, Guga. Não adianta estressar. Estamos perto da estação de trem. Vamos ver se
dá pra gente chegar lá. Palhaço, você sabe atirar?
- Olha, eu nunca atirei não, mesmo porque, se eu pegasse numa arma, eu acho que
mataria muita gente por aí...
- Dá arma pra esse cara não, Beto! É um maluco! Uma droga de um palhaço psicopata!
- Precisamos de toda a ajuda possível, Guga. Dá uma arma pro Manolo e uma pro
palhaço.
- Posso ficar com essa grandona? - Bernardo aponta para a carabina.
- Essa é uma carabina Puma. Uso ela em competições de tiro. Toma cuidado com ela.
Tem um grande poder de fogo, mas é mais eficaz em alvos mais próximo.
- Tá mesmo doido , hein, Beto? Dar a Puma pra esse cara.
- Senhor Manolo, fica com esta Imbel. Tenho duas dela. As munições estão comigo aqui
na minha pochete. Se precisar de mais é só falar.
- Obrigado, garoto, mas acho que este facão que eu peguei na cozinha da pizzaria já
quebra o galho.
- Fique com a arma, senhor. Pode precisar dela. Muito bem, vamos com cautela. Fiquem
todos juntos, um cobrindo a retaguarda do outro. A gente só vai conseguir se permanecermos
unidos.
O grupo desce a rua, enquanto ouvem algumas explosões. Em outros lugares deve estar
acontecendo algo pior, eles pensam, visto que no céu dá para enxergar fumaça por todos os
cantos da cidade. Eles não notam que, de um beco atrás deles, começam a sair mortos-vivos.
Um grupo de pelo menos doze zumbis.
- É, parece que a coisa está mesmo feia, pessoal. Melhor nós...
- Haaaaa....! - É Mariana quem grita. Um dos zumbis agarra a moça e começa a mordê-
la. Ela se debate e tenta sair dos braços da criatura horrenda.
- Jesus Cristo! - Guga atira na cabeça da criatura, que solta a moça, cambaleia e
finalmente cai. Todos de arma em punho apontando para os outros zumbis, enquanto Beto
verifica a moça.
- Sinto muito, Manolo. A Mariana está morta. Bem, pessoal. É sabido que a única forma
de derrubar um zumbi é com tiros na cabeça. Se der errado, depois que isso acabar a gente
processa os estúdios de cinema.
- Dio santo, o que falarei para tua mamma... Malditos, monstros... - Manolo se enfurece e
parte para cima dos demais zumbis com o facão em punho. Ele golpeia. E golpeia. O avental
que ele ostentava suja-se de sangue. Ofegante, Manolo para apenas depois de derrubar três
mortos-vivos, enquanto que o restante do grupo derruba algo em torno de mais cinco zumbis,
com tiros. Em seguida, começam a correr.
- Bem, pessoal. Olhem para as roupas desses caras... Não estão vestindo trapos. As
únicas peças rasgadas são as que contem algum tipo de ferimento. Com certeza, eles são
habitantes de Santa Fé. Possivelmente, todos foram mortos e transformados em zumbis.
- Meu Deus! Julinho... Beto, preciso ir pra casa. Tenho que defender o meu filho!
- Desculpa, Guga, mas não vai dar pra voltar. Você viu como estão as coisas. Sinto
muito.
- Caralho, Beto! Eu preciso voltar pra casa! - Guga se ajoelha no chão e chora.
- Calma Guga. Tudo vai acabar bem... - Beto apoia o amigo no ombro e o levanta. E os
sobreviventes seguem o caminho em direção à estação de trem.
***

Estação de Trem.
13:15 h.

Chegando na estação, eles olham por todos os lado, e se dão conta de que não há
ninguém vivo ali. E o pior. Os mortos caídos no chão começam a se levantar.
- Era só o que me faltava. Um dos piores dias da minha vida consegue ainda ficar pior do
que tava. E aqui estou eu, matando zumbis com uma roupa ridícula de palhaço. Fernando! Fica
aqui que eu te protejo.
- Me dá uma arma dessas, palhaço, que esses caras vão ver!
O palhaço Bernardo começa a atirar contra os corpos dos mortos-vivos. A arma é
potente e praticamente destroça os ossos dos corpos, queimando sua carne e partindo
articulações. Nisso, aparece um zumbi de uniforme policial.
Beto, com precisão cirúrgica, atira no meio de sua testa, fazendo com que a criatura
tombe ao chão. Fernando corre até o corpo e retira a arma do coldre. Um revolver calibre 38.
Para Fernando, é o que basta. Ele retira o cinto do cadáver e coloca em si mesmo.
- Pronto. Podem vir, zumbis filhos da puta. Agora eu tenho uma arma. - Fernando pega a
arma e aponta para um zumbi que se aproxima lentamente dele. Ele puxa o gatilho, mas nada
acontece. Quando o zumbi finalmente chega perto e estica os braços para pegá-lo, Manolo,
com o seu facão, decepa os dois braços do zumbi, enquanto Guga atira em sua nuca varias
vezes.
- Pessoal, a gente tem que sair daqui. Não tem ninguém vivo por aqui, e sinto informar-
lhes, mas o trem não vai passar. Fernando, empresta sua arma. É o seguinte. Você tem que
engatilhar a arma primeiro... Assim, está vendo?
- Valeu, cara. Agora eu não vou dar mais mancada.
- Certo, o porto militar está perto. Talvez tenha alguém lá para nos ajudar. Vamos até lá.
O grupo desce mais uma rua e logo avistam mais um pequeno grupo de mortos-vivos se
aproximando.
- Essa não. A gente tá sem sorte. Sejam precisos nos tiros. Temos que economizar
munição se queremos sobreviver.
Bernardo é o primeiro a partir para cima dos zumbis. Sua potente carabina destroça os
corpos dos zumbis, incapacitando-os de andar.
- Atirem nas cabeças deles. - Guga é quem dá as ordens. - A gente vai conseguir! - De
costas um para o outro, Guga e Beto atiram no maior número possível de zumbis rapidamente,
enquanto Fernando, ainda aprendendo a manusear a arma, fica ao lado de Bernardo. Manolo,
com seu facão, golpeia o pescoço dos zumbis que tentam se aproximar. - Estamos quase lá
pessoal! Falta pouco. - Nisso, Guga sai de sua posição para derrubar um zumbi que se
esgueirava pelas sombras.
- Te vi filho da puta. Cê tá morto! - Guga atira e mata mais um. Quando vai voltar para
junto de seus amigos, um zumbi aparece por uma fresta, e o ataca.
- Caralho! Que merda. - Guga dá três tiros na boca do zumbi. - Ele me arrancou um
pedaço do braço. Caralho. Filho da puta.
- Oh, meu Deus, Guga! - Seu amigo Beto tenta ampará-lo.
- Senhor Beto, é melhor não ficar muito perto dele. - É Manolo quem fala.
- Porque?
- Porque ele também vai virar zumbi. Eu vi lá na pizzaria. O rapaz entregador de bebida.
Ele foi mordido e virou zumbi. - Manolo se aproxima e levanta o facão.
- Espera! O que vai fazer? - Beto aponta a arma para Manolo.
- Vamos ter que matá-lo.
- Não! Deve ter uma saída!
- Olha só, se esse cara começar a babar e atacar a gente eu mesmo mato ele.
- O palhaço se exalta, ganhando um olhar de desprezo de Beto. - Turma, a coisa é séria.
Todo mundo sabe disso. Quem é mordido vira zumbi. É fato.
- Bernardo, cala a boca e fica de olho. Presta atenção e vê sem vem mais deles. Cadê o
Fernando?
- Ele foi dar uma olhada na outra esquina. Olha ele lá. Está voltando.
- Beto. Por ali está limpo. A gente tá pertinho do porto. Vamos indo?
- Ok, vamos então.

***

Porto de Barcos Militares.


15: 27 h.

Depois de passarem por mais algumas ruas, eles logo chegam até o porto, mas o que
vêem não é nada animador. Pessoas enlouquecidas lutando contra os zumbis, e tentando
embarcar em um navio ancorado no porto. Muitos deles caem e são devorados por mortos-
vivos, enquanto os que já embarcaram ficam de cima, atirando contra os zumbis, causando um
mínimo efeito.
- Acho que a gente se ferrou mais uma vez. Querem tentar entrar? - Beto pergunta antes
de levar seu grupo até lá.
- Claro que sim, eles podem nos ajudar a sair daqui. - Seu Manolo logo corre em direção
ao navio e começa a grita por socorro. - Ei, vocês, nos deixem embarcar!!
- Não grite, Manolo. Pode chamar a atenção dos zumbis.
Não foi dos zumbis que Manolo chamou a atenção. De dentro do navio, uma gangue de
malucos suicidas começa a gritar.
- Olha lá pessoal! Uns idiotas que servirão de lanchinho pros mortos... Huahauhau -
Todos gargalham no navio. - Vocês não são bem-vindos aqui. - O grupo de loucos começa a
atirar contra Manolo. Um dos tiros pega em seu ombro, deixando-o mais lento. Prato cheio
para aquelas duas dezenas de zumbis que começam a se aglomerar por ali.
- Manolo!! Volta para cá!! Rápido! - Beto grita, impossibilitado de atirar, já que a gangue
enlouquecida estava muito longe dele.
- Beto, me dá cobertura, que eu tiro ele de lá. - O palhaço arma sua carabina e corre em
direção de Manolo, antes que fosse tarde demais, enquanto Beto apoia Guga, que está com
um ferimento no braço e parece delirante. Fernando, anestesiado pela situação, corre atrás do
palhaço. Quando um dos zumbis estava prestes a atacar Manolo, a carabina dispara em sua
cabeça, espalhando os miolos da criatura pelo chão. - Vem Fernando, me ajuda a levantar o
Manolo. - Bernardo apoia Manolo em seu ombro e o carrega em direção ao Beto. Fernando
segue olhando para trás e atirando. De repente eles se veem cercados de mortos-vivos.
- Fudeu, Bernardo. A gente tá cercado.
- Calma, Fernando. A gente vai dar um jeito. - Bernardo solta Manolo, que se senta no
chão, não aguentando a dor do ferimento em seu ombro. Manolo tira a arma que Beto lhe deu,
e junto com Bernardo e Fernando, começa a atirar nos zumbis.
Quando parecia que tudo estava perdido, surge uma picape atropelando todos os
Zumbis, correndo em círculos ao redor dos três sobreviventes, cercando-os e protegendo-os.
Quando finalmente os ataques cessam, a picape para. É Beto quem está na direção.
- Esta picape estava estacionada ali no posto de gasolina, com a chave no contato.
Rápido, entrem!
Fernando é o primeiro a saltar na carroceria da picape, Bernardo entra e dá sua mão
para o ferido Manolo. Muito pesado, Manolo tem dificuldades para subir. Mesmo lentos, os
Zumbis se aproximam. Sentindo que iria morrer, Manolo utiliza todas as suas forças para
entrar no veículo, mas não foi rápido o suficiente para evitar que sua mão esquerda fosse
mordida por um dos mortos.
- Vamos voltar pela rua do posto! Acho que vai dar tudo certo, porque o aeroporto fica do
lado, e... Ei! Calma Guga! - De repente Guga agarra Beto, tentando mordê-lo. Beto tenta
afastar Guga com a mão direita, sem ser mordido. - Pelo amor de Deus Guga, para com isso.
Na carroceria, os outros veem aquilo e começam a gritar.
- Atira nele, Beto! Atira logo! - Fernando pede que o amigo mate Guga.
- Anda, Beto. É o único jeito, senão a gente pode bater a picape, e daí, estaremos todos
mortos
Um estampido é ouvido, e o vidro traseiro da picape se estilhaça. A cabeça de Guga é
estourada por um projétil saído da arma de Manolo. Beto freia bruscamente a picape.
- Nãããoooo... Guga! - Por Deus... Porque, Manolo?
- Porque era preciso. Ele te mordeu?
- Não... Estou ileso. Mas o Guga...
- Sinto muito.
- Ei, o Guga foi mordido e virou zumbi. Manolo, você também foi mordido... - Bernardo
trava a mira em Manolo.
- Fica tranquilo, palhaço. Fui mordido agora. Talvez haja uma forma de conter a infecção.
-Manolo retira o cinto de sua calça e faz um torniquete em seu braço. Em seguida, apóia seu
braço esquerdo na borda da caçamba da picape, e ameaça golpeá-lo com seu facão.
- Espera, seu Manolo! Não faz isso!
- É o único jeito, Fernandinho. Pode ser minha única chance de viver. Se demorar muito
mais, pode ser que eu me torne um maldito zumbi. - dito isso, Manolo golpeia seu braço,
decepando-o no rumo do cotovelo. - Ooohhh, Dio mio... - ele retira o seu avental e enrola o
coto ensanguentado. Beto liga o motor novamente e partem em direção à rua do aeroporto.
Ao passarem em uma rua com alguns zumbis, Manolo pega o braço decepado e arremessa na
direção deles.
- Peguem malditos. Esse é o único pedaço meu que vocês devorarão. Ao chegarem
próximo à esquina que leva até o aeroporto, uma multidão de zumbis os aguarda.
- Não vai dar pra passar. São muitos. Eles não nos viram. Apenas estão caminhando sem
rumo. Mas precisamos dobrar a esquina para chegar até a entrada do aeroporto. Estamos
bem próximos e temos uma única chance.
- Vamos atropelar todo mundo!
- Não vai dar Fernando. Poderíamos ficar presos no meio do tumulto. Seria morte certa. -
Beto desce da picape e pega o corpo de Guga. Ele retira a camisa de Guga, a torce e abre o
tanque de combustível do carro, introduzindo
a camisa dentro, de forma que apenas um pedaço fique exposto, como um pavio. - Vou
arremessar a picape no meio dos mortos, e torcer para que o carro exploda. Se der certo,
vocês vão ter que ser rápidos, e correr em direção aos portões do aeroporto. Topam?
- Mas e você? - Fernando se preocupa com o colega.
- Eu me viro. Vai dar tudo certo. - dito isso, todos saem da caçamba e esperam a ordem
de Beto. Ele pega o isqueiro no bolso de Guga e dá nas mãos de Bernardo. Beto entra na
picape e dá a partida. - Vai Bernardo, acende! O palhaço acende o pavio e Beto sai cantando
pneu, em direção a centenas de mortos-vivos. Seus amigos só tiveram tempo de ver o impacto
da picape no meio dos zumbis. Depois de eternos trinta segundos, finalmente o carro se
incendeia e explode, arremessando pedaços de corpos por todos os lados.
- Rápido, pessoal, é agora ou nunca. - Bernardo dá a ordem e eles saem correndo em
direção à esquina, saltando corpos retalhados de zumbis, e ganhando a rua principal que dá
acesso à entrada do aeroporto. Fernando olha para trás e vê que Beto os segue de perto.
- Beto! Você conseguiu!!
- Sim... Saltei antes do impacto. Mas ganhei alguns esfolados... Heheheh....

***

Aeroporto "Hugo Magalhães".


18:45 h.

Ao chegarem nos portões do aeroporto, exaustos, eles são recebidos por uma força
militar que guarda o local, triando as pessoas não infectadas para a entrada.
- Manolo, parece cansado. Precisa de ajuda? - Beto vê Manolo com as costas arqueadas
e bota as mãos em suas costas. Nisso, surpreendentemente, Manolo o empurra e grita...
- Saiam... De perto...Arhhhgg... - Manolo avança sobre eles.
- Manolo!! Ele está infectado!
Manolo salta sobre seus colegas, mas Fernando não consegue se desviar. O garoto cai
no chão e é devorado vivo por Manolo.
O exército abre fogo contra Manolo e o corpo de Fernando, enquanto Beto segura
Bernardo, que grita pelo amigo Fernando. Uma equipe de médicos, usando roupas protetoras,
avalia Beto e Bernardo. Com um caminhão pipa, eles jogam um forte jato de água na direção
deles, que retira a maquiagem já borrada do palhaço. Alguns militares e cientistas os levam em
segurança para dentro dos portões do aeroporto. Outra equipe se certifica que Manolo e
Fernando não mais se levantem dali, e incendeiam os corpos. Os portões se fecham por
detrás deles, mas eles sentem que aquilo tudo ainda não acabou...

FIM
Capítulo 5
Quando os mortos se levantaram
Por Anderson Oliveira

Nossa Senhora da Santa Fé.


Hora: Apocalipse Z menos 8 minutos.
Ginásio Esportivo de Santa Fé, 8:52 da manhã.

O besouro empurrava sua bola de esterco pelo asfalto velho. Uma pequena rajada de
vento tirou seu precioso esterco do caminho. O besouro parou um instante, aparentemente
aborrecido, e foi atrás da bola. Porém antes de tocá-la, um vento mais forte a fez rolar ainda
mais. Novamente desconcertado, o besouro correu até ela. Ele parou antes de tocá-la, como
que esperando novo movimento. Passou alguns segundos e ele continuou estático. Quando
resolveu pegá-la, uma nova rajada a levou embora. Dessa vez uma rajada úmida e quente. O
besouro, antes que pudesse lamentar a perda de seu esterco, se virou e entendeu a origem do
vento.
- Chomp! - o besouro foi abocanhado pelo enorme cachorro, preto e babão.
- Seboso! Não come essa merda! Eita cachorro do diacho! - exclamou Sérgio, um jovem
alto e magro, com uma farta cabeleira castanha, com uma mochila à tira colo, tentando
segurar seu amigo canino.
- Wouf! - protestou o cachorro.
- Vem, meu filho, vamos comer algo decente antes do jogo. Olha ali, o seu Anquenor do
cachorro quente! - Mal terminou a frase e Sérgio foi praticamente arrastado pelo cão
esfomeado.
Enquanto isso nas arquibancadas do Ginásio, em frente a quadra de
vôlei:
- Ai, amiga, eu acho que ele vai me chamar pra sair! Eu posso sentir isso, sabe? Aquele
recado no Orkut e depois o Halls que ele ofereceu! São sinais, sabia? Pena que nunca
encontro ele on no MSN. Quem sabe ele não tá on agora? Ai! Vanda, me empresta seu
notebook um pouquinho!
- Sossega aí, Darlene. Não vou emprestar não. Tô terminando esse simulado e não
posso parar agora.
- Mas... mas... Eu preciso ver—
- Não precisa ver nada, Darlene. O Felipe não de deixou sinal nenhum. Aquele recado no
Orkut é um daqueles automáticos que ele manda pra todo mundo. Até eu recebi um igual.
Esses recados enchem o saco. Por isso prefiro o Twitter. Ah, e também ganhei um Halls, nem
chupei na hora, tá aqui na minha mochila. Deve tá todo grudento já.
- Por que ele te deu um Halls, Vanda? - Darlene encara a amiga nerd com um ar
zangado.
- Porque ele, apesar de ser um boyzinho fútil e metido, ainda tem alguma educação, e
quando abriu o pacote de balas ofereceu para todos que encontrou em seu caminho. Ele não
quer sair comigo, tira isso da cabeça. Ele deu um Halls pro Sérgio e pro Seboso também.
Acha que ele quer sair com eles? Não. Ele não é gay e nem zoófilo. E até creio que ele queira
algo com você, mas estranhamente justo com você ele é tímido pra falar a respeito.
Darlene ficou em silêncio, precisando de algum tempo pra processar tanta informação.
- Então ele é tímido, hein?! Ai, que fofo! - disse numa voz estridente, típica das
patricinhas.
- Ai Deus... - Vanda levou a mão no rosto. Apesar dos rompantes de frescura de Darlene,
tem nela sua melhor amiga. A garota de dezesseis anos, cabelos tingidos de ruivo e roupas da
moda sempre foi sua amiga desde cedo, afinal seus pais sempre foram próximos. O pai dela o
delegado Matias, e o seu pai o legista do IML, Cavalcante. Bem diferente de Darlene, Vanda,
um ano mais velha, é baixinha, um pouco acima do peso e pouco preocupada com moda. Este
ano sua atenção é para o vestibular, o que a fez deixar um pouco de lado os mangás e o RPG.
- Olá, garotas, o que estão fazendo aqui tão cedo? - perguntou um rapaz sorridente, com
cabelos loiros espetados e corpo atlético. Era o Felipe, o filho do vereador Cerqueira.
- E aí, Fê. - respondeu Vanda sem tirar os olhos do seu notebook.
- Oi, Fê! Viemos ver o seu jogo. - disse Darlene sorrindo e ajeitando o cabelo.
- Que legal! Vão ver como iremos derrotar aquele bando de favelados. Falando nisso, o
Sérgio já desceu do morro?
- Aff... Um dia você vai ser processado por falar assim... - disse Vanda.
- Calma, Vandinha. Você sabe que é brincadeira! Fora que, de onde o Sérgio vai arrumar
dinheiro pra me processar?
- Talvez sequestrando seu pai, aquele corrupto duma figa. - disse Sérgio entrando no
ginásio, com dois hotdogs na mão fora o que Saboso ainda mastigava. - Daí peço como
resgate toda a fortuna que ele roubou da gente e mandou pra Suíça.
- Só um ladrão pra reconhecer outro, hein? - Felipe largou sua bolsa no chão e encarou o
recém chegado, apesar dele ser mais alto. As garotas se entreolharam, imaginando que agora
a coisa foi longe demais. No fundo sabiam que um dia Sérgio não ia mais tolerar essas piadas
sem graça do outro. Os dois se encaram por mais algum tempo. Seboso lambe os beiços e já
fita o dogão na mão do dono. Sérgio enfim abre a boca:
- Hahahaha!! Tinha que ver sua cara agora!
- Hahahaha! Aposto que ainda assim estava mais bonita que a sua! - os dois começaram
a rir e se cumprimentaram. As garotas respiraram aliviadas.
- Seus bobos! Essas brincadeiras não têm mais graça! - reclamou Darlene.
- Relaxa, linda. Sabe que o Serjão aqui é meu parceiro, né? - Felipe abraçou o amigo,
obrigando Sérgio a se curvar um pouco. Nisso um dos dogs caiu no chão e não levou nem um
segundo pra Seboso abocanhá-lo. Mas Darlene pouco se importou com isso, afinal Felipe a
chamou de linda.
- Então, quando começa o jogo mesmo? - Vanda perguntou olhando no seus três relógios
(do note, do pulso e do celular).
- As nove e meia, Vanda.
- Ótimo, ainda tenho meia hora pra terminar isso aqui. - disse a garota teclando
rapidamente.
Nesse instante Seboso, após saborear seu segundo dog, sentiu um cheiro que chamou
sua atenção. Desajeitado como qualquer cachorro do seu tamanho, ele correu para fora do
Ginásio.
- Ué, onde esse cachorro maluco vai agora? - Sérgio coçou a cabeça, mas deu de
ombros. Sabia que seu amigo sempre voltava, as vezes sujo e fedendo, mas voltava.
Do lado de fora, Seboso farejava o caminho com atenção. Contornou o Ginásio e deu de
frente ao muro traseiro do Cemitério Municipal de Santa Fé. Seja o que for, o cheiro que sentiu
veio dali. Se aproximando mais encontrou uma ruptura no muro causada pela raiz de uma
grande árvore. Após demarcar o território na raiz, o cão cavucou a terra abaixo do muro e
conseguiu abrir espaço para entrar no cemitério.
Entre lápides abandonadas e tomadas pelo musgo, Seboso percebeu que o cheiro vinha
de todo lugar. Ele sentiu um calafrio e resolveu voltar. Em seu caminho de volta ele se
assustou. Um osso, ou quase isso - na verdade um braço em avançado estado de
decomposição - jogado no chão de terra. Aquilo não estava ali antes. Seboso, mesmo com
certo receio, abocanhou o braço e o levou dali.
Saindo pelo buraco por onde entrou não percebeu quando um braço putrefato tentou
agarrá-lo. Lentamente o braço foi recolhido e desapareceu pelo vão do muro.

***

Hora: Apocalipse Z mais 1 minuto.

- Agora chega de conversa. Vamos lá pro vestiário que todo mundo já chegou. - disse
Felipe se levantando e pegando sua mochila. Sérgio já o seguia, quando ouviu o latido abafado
de seu cachorro.
- Esperem, o Seboso voltou.
- Ele tá trazendo algo... - observou Vanda.
- Deve ser alguma porcaria que achou por aí. Eita vira-lata vagabundo! - resmungou
Sérgio.
- Parece que sim... E das piores... Eca! - disse Darlene quando o cão se aproximou e
todos puderam ver o braço de defunto entre seus dentes.
- Larga isso, Seboso! - Sérgio empurrou o cachorro com o pé, o fazendo largar a coisa
entre resmungos.
- Acho que vou vomitar! - Darlene se escondeu atrás de Felipe com nojo do objeto no
chão.
- Pois é... Isso é nojento! - disse o rapaz tentando disfarçar a sua própria ânsia de
vômito.
- Interessante... - Vanda se aproximou do braço ajeitando seus óculos. Como filha do
legista da cidade e aspirante a médica, um pedaço de gente morta não a incomodava. - Esse
sujeito morreu há mais de cinco anos, pelo menos... Não é à toa que o Seboso o confundiu
com um simples osso.
- Hmm... Esse cachorro vagabundo é mais esperto do que parece. Apesar de ter um
estômago selvagem, ele não é de confundir as coisas. Tem coisa aí. - disse Sérgio se
agarrando ao cão.
- Pelo amor de Deus, joguem esse troço no lixo! - disse Darlene quase gritando.
- Aff... Vem, Sérgio, vamos enterrar esse braço. - resmungou Vanda já se levantando.
Foi então que ela percebeu algo muito estranho. Fitou o braço novamente, os dedos
esqueléticos retorcidos como galhos de uma velha árvore. Deve ter sido coisa da sua vista
cansada de ficar na tela do computador. Quando já voltava a olhar para os amigos, percebeu
novamente. E pela cara dos outros, não era coisa dos seus olhos. O braço tinha mexido.
Os dedos abriram e fecharam, como se buscassem algo. Se firmando no chão, o braço
começou a se arrastar pelos dedos. O grito de Darlene só foi interrompido pelo seu desmaio.
Felipe se apressou em segurá-la, mas suas pernas perderam a firmeza e ele caiu sentado
com a garota no colo. Seboso ficou em posição de ataque e rosnava para o braço enquanto
Sérgio apenas recuava. Vanda também recuou alguns passos e tropeçou em Felipe, caindo ao
lado dos amigos. De uma coisa ela sabia: pedaços decepados de gente morta não deveriam
se mover sozinhos.
- S-Sérgio! Tira isso daqui! - disse Vanda buscando se levantar.
- Por que eu?!
- Porque foi seu cachorro que trouxe isso, caramba!
- Cachorro duma figa! - resmungou Sérgio. Depois engoliu em seco e tirando um pedaço
de papel higiênico do bolso foi com cuidado para apanhar o braço. Este, por sua vez, se
contorcia a esmo, vagarosa e magicamente. Sérgio tomou coragem e agarrou a coisa pelo
antebraço. No mesmo instante a mão tentou agarrá-lo, como se estivesse pegando uma cobra
e ela quisesse picá-lo.
- T-tá... E agora... O que eu faço com isso?!
- Boa pergunta... - Vanda, já de pé, se aproximou do braço para observá-lo dizendo para
si mesma para não ter medo. - Gostaria muito de... Examinar essa amostra... Precisamos de
uma caixa... Algo para prendê-lo.
- Deus! Essa garota é doida! - disse por fim Felipe, que conseguiu acordar Darlene mas
ainda a mantinha nos braços. - Enterra isso no buraco mais fundo que encontrar e depois
toque fogo!
- Não é pra tanto, Felipe. Isso é apenas um braço, alguma reação química/elétrica deve
tê-lo feito se reanimar... Não significa que há um... Um... Um zumbi sem o braço por aí... -
Vanda fez uma pausa, olhando o olhar de medo de seus amigos que olhavam para fora do
ginásio. Nessa hora seu coração disparou. Teve vontade de xingar. Se tivesse algum zumbi lá
fora, além de ser muito clichê, seria a coisa mais assustadora do mundo. - Amigos...? O q-
que...? - o dedo indicador trêmulo de Felipe foi a única resposta que teve.
Vanda se virou por fim. A boa notícia é que não era um clichê. Não havia um zumbi
maneta vindo buscar seu braço perdido. A má notícia é que haviam dezenas de zumbis, com
seus dois braços, andando vagarosamente, com os corpos sujos de terra, alguns em
avançados estado de decomposição, com seus ternos e vestidos mofados. Outros mais
conservados, ainda com algodão nas narinas e restos de flores pelo corpo. Tinham acabado
de se levantar de seus túmulos.

***

Hora: Apocalipse Z mais 6 minutos.

- FUJAM!! - alguém gritou nos fundos do ginásio. O caos se instaurou entre os que
estavam ali para jogar vôlei e também para assistir. O grupo de quatro amigos não perdeu
tempo e começou a correr também, apenas parando para recolherem suas coisas. Os mortos
entravam no ginásio, um passo de cada vez, com seus braços erguidos e bocas abertas, por
onde, vez ou outra, um verme caía.
Sérgio largou o braço no chão sem pensar duas vezes. Seboso esboçou um rosnado
contra as criaturas, mas desistiu e correu junto com o dono. Os mortos tinham tomado a
entrada principal do ginásio. Como iriam sair dali? Certamente haveria de ter alguma outra
saída. Uma saída de emergência, talvez. Porque aquilo sim era uma emergência.
- Por aqui, pessoal! - avisou Felipe, encontrando a entrada para o vestiário. Os outros o
seguiram assim como a multidão. Lá dentro, alguns rapazes se trocavam para o jogo e se
assustaram com a invasão. Mas com certeza nem mesmo a garota mais safada estaria
interessada em vez sua nudez, não agora.
O grupo seguiu Felipe até uma área de depósito de material esportivo nos fundos do
vestiário onde havia uma porta. Felipe meteu o pé na porta sem qualquer cerimônia. A mesma
cedeu com um forte barulho e estilhaços. Os quatro passaram primeiro e o resto dos jovens
veio em seguida, com algum tumulto. A porta dava para uma área de carga e descarga de
materiais, ladeada por um alto muro e com um portão de alambrado à diante. Seria o caminho
da fuga.
Porém o muro leste dessa parte do ginásio dava para o cemitério, ainda que separado
por um vão de dois metros. Mas isso não foi obstáculo para uma dúzia de mortos-vivos que
apontaram atrás do muro.
- Deus do céu!! - alguém gritou. Na mesma hora um dos zumbis caiu para o lado de
dentro. Ao bater no chão um liquido espesso e fétido escapou de sua barriga. Felipe e outros
já estavam no portão quando outro zumbi caiu, dessa vez bem em cima de uma garota
apavorada. O monstro não perdeu tempo e mordeu seu dorso. O grito da garota foi aterrador.
Algumas garotas desmaiaram. Alguns rapazes também. Outro zumbi vencia o muro. O grupo
dos quatro amigos só queria sair logo dali.
- Vamos!! - gritou Felipe quando abriu o portão. Os quatro e mais alguns sortudos
conseguiram escapar, enquanto os zumbis devoravam os que foram deixados para trás.
Enquanto todos corriam, Seboso disparou na frente, como que pressentindo algo. Sérgio
o seguiu acompanhado pelos outros. Seguiram rumo ao noroeste, ao grande estacionamento
do ginásio. Olhando para trás por um instante, Vanda viu um mar de carcaças mortas se
acotovelando, cruzando o portão. Parecia que todo o cemitério tinha acordado. Isso significa
centenas de zumbis. Felipe se lembrou do carro de seu pai. Tinha vindo nele para o ginásio,
aproveitando a habilitação recém conquistada. O rapaz loiro então correu para o meio dos
carros.
- Precisamos sair daqui! O mais rápido possível! - disse Felipe. - Ali! Vamos para o
carro! - ele apontou para um Fiat Doblô verde. Àquela altura, só seus amigos o seguiam. As
outras pessoas tinham tomado caminhos diferentes. Não poderiam ajudá-los agora. Felipe
destravou o carro e tomou o assento do motorista. Darlene ficou ao seu lado, Sérgio com
Seboso e Vanda foram no banco de trás. Trataram de fechar bem as janelas antes do
motorista dar a partida.
- O que tá acontecendo?! - perguntou Sérgio, olhando para trás enquanto o carro
avançava.
- É o fim do mundo!! 2012 é real! Ai meu Deus!! - respondeu Darlene aos berros. - Aí
meu Deus! Minha família! Precisamos tirá-los daqui!!
- Calma gente, vamos pensar com calma. - interfere Vanda. - Seja lá o que aconteceu,
não deve ter acontecido em toda a Santa Fé. Ainda teremos tempo pra avisar a polícia.
- Vou ligar pro meu pai. - disse Darlene pegando seu celular mais preocupada com seu
progenitor, sem se ater ao fato dele ser o delegado da cidade. - Só chama... Ninguém
atende...
- Ali na frente tem um posto policial. - falou Sérgio. - Vamos pra lá, lá estaremos
protegidos dessas coisas.
- Boa ideia, Sérgio. Enquanto isso também ligo pro meu pai, pra ele não vir trabalhar no
turno da tarde... - disse Vanda colocando seu fone de ouvido bluetooth sem imaginar que
também não conseguiria contato. Porém o que o grupo não sabia é que a infestação corria
rápido.

***
Hora: Apocalipse Z mais 1 hora e 14 minutos.

O Doblô chegou ao posto policial. Um complexo da polícia rodoviária militar para


patrulhar as estradas que cruzam Santa Fé. Felipe encostou o carro um tanto afastado da
guarita, temendo que os guardas tomassem sua velocidade de fuga como de ataque. Ao
descerem do carro, o que o grupo estranhou é que o lugar estava deserto, sem qualquer viva
alma montando vigilância.
- O que está acontecendo por aqui? - perguntou Sérgio, levando Seboso ao lado. O cão
farejava freneticamente tudo ao redor.
- Talvez tenham saído pra atender alguma ocorrência. Possivelmente alguém no ginásio
já ligou pra eles... - disse Felipe.
- Se é que sobrou alguém vivo... - o comentário de Darlene selou um silêncio perturbador.
Engolindo em seco, Felipe abriu a porta do complexo. Ela rangeu e um bafo quente tomou
suas narinas. Seboso latiu. Instintivamente Felipe recuou.
- Essa não... - Sérgio olhava para a estrada logo ao lado. Em sua margem oeste, outrora
tomada por mato, uma multidão de zumbis se aproximava. Lerdos e tortos, mas às dezenas. E
diferentes dos que atacaram o ginásio, eles usavam roupas do cotidiano e não estavam
decompostos, apenas com chagas enormes, deixando, entre outras coisas, seus dentes e
ossos da mandíbula à mostra, como se tivessem mordido e engolido os próprios lábios... E
alguns deles usavam uniforme da polícia rodoviária.
- Vamos... Vamos entrar! - disse Felipe e ninguém protestou.
- Eles foram infectados! É como nos filmes! - gritou Sérgio já dentro do posto rodoviário.
Ele tratou de selar a porta com todas as suas trancas. Pela grande janela da guarita, todos
viam o avanço dos mortos-vivos. Já tomavam o asfalto. Um ou outro carro passava, freando
bruscamente. Um deles capotou ao tentar desviar. Outro acertou em cheio a turma de mortos,
fazendo alguns voarem longe. Mas mesmo assim o restante não se deteve. Outros partiam
para atacar os tripulantes dos carros. Alistar mais zumbis para o exército necrótico.
- Rápido! Tranquem todas as entradas. E também procurem por armas! - disse Felipe
arrastando um arquivo para uma porta lateral.
- Tá falando sério, Fê? - disse Darlene atônita.
- Claro! Essas coisas estão vindo atrás da gente. Precisamos nos defender.
- Mas não podemos ficar ilhados aqui! - atalhou Vanda.
- Eu sei. Eles devem estar por toda parte agora. Por isso mesmo precisamos de armas. -
Felipe revirava tudo enquanto falava.
- Teremos que abrir caminho à bala pra sair da cidade. - disse Sérgio abrindo com o pé
um armário de metal. Dentro dele, diversas armas pertencentes aos policiais.
- Sair da cidade?! - se espantou Darlene, ainda mais quando Sérgio entregou uma pistola
Taurus 9mm pra ela. - Peraí! Mas e meu pai?! Nossos pais?!
- Iremos buscá-los. Não se preocupe. - Felipe pega outra pistola e entrega uma pra
Vanda. - Meus pais estão fora da cidade, mas ajudarei a resgatar os seus. Iremos para o
aeroporto e sumimos daqui até tudo se resolver.
- Meus pais estão fora também. - lembrou Sérgio aliviado. Porém uma sensação estranha
o fez mudar de sentimento. - O que foi isso? - Seboso também percebeu e ficou de prontidão.
- O que foi o quê, Sérgio? - questionou Vanda.
- Pensei ter ouvido algo... Ou mesmo sentido...
- Credo em cruz! Tem assombração agora? - Darlene tremia só de imaginar mais alguma
coisa estranha além dos mortos-vivos. Felipe pouco deu atenção, pois fitava o movimento dos
zumbis pela janela.
- Assombração coisa nenhuma! - gritou Sérgio com espanto quando viu sair dos fundos
do complexo um policial infectado. Com os braços erguidos e um urro voraz escapando da
boca escancarada. Ainda que tremendo, Sérgio atirou contra o zumbi, acertando seu tronco. O
monstro recuou alguns passos, mas logo em seguida voltou a avançar.
- Na cabeça! Mire na cabeça!! - gritou Vanda com a sua arma em punho vacilando em
acertar sua mira. Sérgio entendeu o recado e deu dois tiros na cabeça do zumbi. Seus miolos
sujaram a parede branca e ele caiu se retorcendo. - Nos filmes, sempre acerte na cabeça... -
Vanda abaixou sua arma e só então percebeu como ela era pesada.
- Vamos lá, pessoal. Temos que pegar todas as armas e munição disponível e sair daqui.
- disse Felipe encontrando uma bolsa e a enchendo de caixas de balas.
- O que eu mais quero é sair daqui! - disse Darlene. Nesse momento o seu celular tocou.
Uma mensagem de texto do seu pai. - Ai meus Deus! Temos que ir pra delegacia! Meu pai tá
em apuros!! E o seu pai tá lá também, Vanda!
- Então não percamos tempo! - disse a garota baixinha pegando mais uma pistola.
Lá fora, entre carros batidos e motoristas histéricos, os zumbis se detinham na estrada.
O grupo de amigos aproveitando a chance saiu do posto policial e foi até o carro. Felipe e
Sérgio atiraram nos zumbis mais próximos para abrirem caminho. Dentro do veículo, Felipe
acelerou e contornou o posto policial, deixando a estrada e indo pelas ruas residenciais. Todos
podiam ver o caos que se descortinava na cidade. Focos de incêndio em muitos pontos. Casas
arrombadas e zumbis perambulando pelas ruas. Qualquer um que cruzava com o doblô verde
era atropelado.

***

Hora: Apocalipse Z mais 2 horas e 8 minutos.

- Espera, Felipe. Logo na frente tem o Supermercado Oliveira. Vamos precisar nos
abastecer com suprimentos. - disse Sérgio.
- Sempre pensando com o estômago, amigo! - brincou Felipe.
- Ele tá certo, Fê. Não sabemos o que vem pela frente. Precisamos de comida e o que
mais puder ajudar. - disse Vanda. - Mas que seja rápido! Temos que chegar na delegacia!
Sem dizer nada Felipe entrou no estacionamento do supermercado. O lugar estava
deserto, apesar dos poucos carros estacionados. Os jovens desceram do carro com armas
engatilhadas e entraram no mercado. O cenário lá dentro era caótico como no resto da
cidade. Corpos mutilados tomavam os caixas e corredores. Mercadorias no chão e outras
levadas por saqueadores. Seboso latiu e avisou da presença de um zumbi. Vestido como o
gerente do estabelecimento, o mesmo foi abatido por um tiro de Vanda.
Com um carrinho de compras, Sérgio recolhia bolachas, iogurtes, frutas, enlatados, água
mineral, ração canina, salsichas e outros embutidos, e tudo mais que julgava ser de fácil
consumo para horas difíceis. Tudo que o manual de sobrevivência guardado em sua mente
mandava pegar. Darlene pegou um jogo de facas Tramontina, próprias para churrasco, mas
que hoje teriam outro fim. Vanda foi atrás de pilhas, baterias e lanternas. Felipe só pensou em
pegar cobertores na sessão de cama, mesa e banho. Entre uma coleta e outra, zumbis
rastejando no chão ou atrás de balcões eram abatidos. Darlene estreou uma das facas ali
mesmo, sentindo certo prazer em o fazer. Sérgio precisou estourar a cabeça de um
açougueiro para conseguir suas salsichas. Logo todos voltaram para o doblô.
***

Hora: Apocalipse Z mais 2 horas e 58 minutos.

Quanto mais se aproximavam no centro da cidade mais tinham noção da situação que se
instaurava. Carros ardiam em chamas, pessoas corriam apavoradas enquanto mortos-vivos,
andando como bêbados doentes, as perseguiam. Próximos a uma Lan House o carro foi
cercado por uma dezena de zumbis. Apenas com tiros os amigos conseguiram se safar.
Descendo ao sudoeste chegaram à delegacia meia hora depois.
- Papai! - chamou Darlene, entrando com cautela. Seus amigos logo atrás com suas
armas varrendo todos os cantos. - Papai?! - O hall de entrada estava vazio. Mais à frente a
mesa do delegado revirada e também vazia. Darlene se alarmou. O que teria acontecido ao
seu pai? Foi quando Seboso deu um latido, apontando para o corredor que levava à
carceragem.
- O Seboso achou algo, vamos ver. - disse Sérgio.
- Sei. A última coisa que ele achou nos meteu nessa enrascada! - disse Felipe.
- Como se fosse culpa desse vira-lata os mortos terem se levantado. - resmungou
Sérgio.
- Vai saber... - Felipe abanou a cabeça. Então viu a arma de Sérgio bem diante dos
olhos.
- Mais uma palavra e eu estouro seus miolos, filho da puta!
- Calma Sérgio! Pelo amor de Deus!! - disse Darlene pegando no braço de Sérgio
enquanto Vanda procurava afastá-lo. Seboso rosnou.
- Foi mal, cara! Não falei por mal! - disse Felipe realmente arrependido.
- Agora chega vocês dois! - disse Vanda. - Sei que essa merda toda tá mexendo com
nossos nervos, mas precisamos nos controlar, puxa vida! Somos amigos e estamos nessa
juntos.
- Tem razão. - disse Sérgio por fim. - Isso é o fim do mundo! Viram lá fora? Todos
ficaram loucos! Eu vi helicópteros no céu. Parecem do exército. A coisa tá preta, pessoal! E eu
tô morrendo de medo! - entre lágrimas, Sérgio se escorou na parede e a socou. Todos ali
compreenderam seu estresse.
- O-onde está meu pai? - Darlene, vertendo lágrimas também, chamou a atenção de
todos para este fato. Onde estava o delegado Matias? Foi quando todos ouviram um ruído
vindo da carceragem.
- Tem gente lá embaixo. - disse Vanda.
- São os bandidos. Deixem eles lá. - disse Felipe se aproximando. Nisso Seboso passou
por todos e desceu até o xadrez.
- Cachorro duma figa! - disse Sérgio logo indo atrás do animal. Os outros o seguiram.
Após descerem as escadas encontraram o cão abanando o rabo de frente à cela lateral.
Assim que os jovens alcançaram Seboso, quem estava na cela disse:
- Graças a Deus que vocês vieram!
- Papai!! - gritou Darlene. Seu pai estava preso na cela junto com outros três homens. O
legista, pai de Vanda e dois guardas feridos, deitados na cama.
- Vanda, minha pequena! - disse o legista enxugando as lágrimas.
- Vamos tirar vocês daqui. - disse a garota mantando a racionalidade. - Mas, como foram
parar aí?
- É uma longa história, Vanda, mas vou resumir. - disse o delegado. - Eram nove e quinze
da manhã quando os telefones começaram a tocar. Ocorrências em várias partes da cidade.
Despachei alguns homens para lá, mas a cada minuto as ocorrências aumentavam. Então lá
pras nove e meia o Cavalcante veio aqui, branco como papel. Disse que tinha visto um morto
se levantar.
- E vi mesmo. Estava na faculdade e quase me borrei. Um corpo de um indigente mantido
lá para estudos começou a se mexer. Ele se levantou e atacou os alunos. Nós conseguimos
fugir. Pelas ruas, pessoas desesperadas como eu por todos os lados.
- Na hora disse que o Cavalcante tinha começado a beber muito cedo. Mas aí esses dois
guardas voltaram das ocorrências e, Virgem Santa, tinha uns cinco caras esfarrapados e com
rombos no peito atrás deles. Foi o inferno, minhas crianças! E pra piorar, aproveitando a
confusão, os presos conseguiram dominar o carcereiro - pobre Valdir - e escaparam nos
rendendo lá em cima e nos trancando aqui. Os filhos da puta ainda disseram que não iriam nos
matar porque sabiam que iríamos nos levantar de novo! Por sorte não tomaram meu celular e
consegui mandar aquela mensagem! Minha filha, temos que deixar a cidade o quanto antes!
- Eu sei pai. Mas como vamos sair daqui? - enquanto Darlene falava, Felipe veio com as
chaves da cela e libertou o delegado. Abriu espaço para ele o legista saírem e também os
dois guardas, mas então o delegado se interpôs e fechou a cela com os dois lá dentro.
- Por que fez isso, delegado?! - perguntou Felipe assutado.
- Eles estão infectados, filho. Veja: foram mordidos. Estão perdendo a razão aos poucos.
Tivemos que bater neles para se acalmarem. Não podemos deixá- los soltos.
- Isso é uma praga! Em horas não existirá mais Santa Fé. A cidade inteira estará
devorada ou infectada! - lamentou o legista.
- Como poderemos sair daqui? - perguntou Sérgio.
- Esse é o problema. - disse o delegado terminando de fechar a cela e subindo para seu
escritório. - recebemos um comunicado, destorcido e confuso, mas tudo indica que o exército
está cercando a cidade.
- Eu disse! Eu vi o helicóptero! - exclamou Sérgio.
- O exército não vai nos deixar sair? - perguntou Vanda.
- Não é bem assim. Acho que eles irão resgatar os sobreviventes. Mas só aqueles que
conseguirem chegar até suas barreiras. - o delegado arrancou da parede e jogou em sua
mesa o mapa da cidade. - Vejam, ao norte tem o porto turístico. Sabem, de onde pequenos
barcos levam o povo pra passear no rio. Creio que na outra margem terá um posto militar, ou
pelo menos caminho livre pra fora daqui. É a saída mais próxima.
- Então vamos para lá! - disse Darlene abraçando o braço do pai. Ele a olhou nos olhos e
disse com um semblante pesado.
- Vocês vão, crianças.
- Como assim, papai?! - Darlene se surpreendeu.
- Nós dois precisamos ficar aqui por mais um tempo. Procurar mais sobreviventes. vocês
vão na frente. Nós iremos logo atrás.
- É perigoso! Juntos teremos mais chances! - disse Vanda para seu pai.
- Não podemos deixar essas pessoas abandonadas, filha. Temos que salvar o maior
número de pessoas possíveis. - disse Cavalcante com lágrimas nos olhos. - Vocês chegaram
até aqui. Conseguirão chegar até o porto.
- Mas...
- Desculpem, garotos. É assim que tem que ser. Estaremos logo atrás, lhes dando
cobertura. Eu prometo. - o delegado Matias foi enfático na última frase. Mas não pôde conter
a lágrima em seu olho.
- Vamos garotas. Eles são bons, vão sair dessa. - disse Felipe abraçando Darlene.
Sérgio amparou Vanda.
- Papai! - Darlene agora se desfazia em lágrimas. Mas manteve certa calma e disse: - te
vejo na outra margem.
- Estarei lá, minha filha. - com essa sentença, Matias se despediu da filha e de seus
amigos. Quando eles já estavam no doblô, Matias disse: - Tomem cuidado! Evitem as ruas da
estação de TV. Os bandidos rebelados foram para lá. Vão pela rua Gusmão Xavier.
O doblô saiu em disparada. Pelo retrovisor, Darlene e Vanda viam seus pais se armarem
e tomarem uma viatura.

***

Hora: Apocalipse Z mais 3 horas e 44 minutos.

A rua Gusmão Xavier era uma descida. Ladeada por casas e pontos de comércio.
Fumaça negra tomava conta de diversos pontos visíveis dali. Zumbis despedaçados, malditos
desgraçados sem alma e sem perdão perambulavam pelos cantos. Do alto de um pequeno
prédio residencial, os jovens viram um grande grupo de sobreviventes. Certamente o delegado
daria atenção a eles. Na rota de fuga, abriram as janelas do doblô e atiravam nos zumbis em
seu caminho. Não que eles fossem um obstáculo tão grande, mas era bom para extravasar.
Estourar cabeças, ver vísceras tingirem o asfalto. Malditos sem alma. Eles trouxeram o inferno
à Santa Fé. Destruíram suas casas, acabaram com a vida de seus amigos. O inferno. E
quando se está no inferno... abrace o capeta.
- Ali! Logo abaixo! O porto! - avisou Felipe. Enfim a salvação estava diante deles. - Oh-
ou! - Como se jogando um balde de água fria em suas esperanças, os jovens viram um mar de
zumbis tomando conta do porto. Primeiro grupos de dezenas, mas mais a frente cerca de
milhares de desmortos se acotovelavam cercando o caminho. O acesso ao cais, onde os
barcos turísticos ficavam, estava tomado e destruído.
- E agora?! Como vamos sair da cidade? - perguntou Darlene que sempre olhava para
trás a procura de seu pai que não aparecia.
- Só tem um jeito, galera. - disse Felipe engatando a quinta marcha. - Se segurem!
O doblô desceu a rua em alta velocidade. O que estivesse em seu caminho iria tombar.
Felipe apertou as mãos no volante. Sua intenção não era o cais, era margem livre do rio, onde
haviam poucos zumbis. A poucos metros dali ele tirou o cinto de segurança e avisou para
todos fazerem o mesmo. Só então eles compreenderam sua intenção. Mas já era tarde
demais para protestarem.
O carro caiu na água turva do rio levando pedaços de zumbis consigo. Antes que a água
tomasse a cabine, Felipe abriu a porta e saiu do carro, ajudando Darlene a sair também.
Sérgio primeiro tirou Seboso pelo vidro e depois saiu junto com Vanda. Ela nem teve tempo de
lamentar seu notebook perdido para sempre. Quando todos vieram à superfície, ainda viram o
doblô terminar de afundar no rio. Porém para seu total espanto viram uma turba de zumbis cair
na água atrás deles.
- Não sabia que zumbis nadavam! - exclamou Felipe.
- Até hoje de manhã não sabia nem que eles existiam! - disse Sérgio, que se lembrou de
pegar a bolsa de armas, pensando se elas ainda estariam boas depois de molhadas. Ele
tratou de pegar pistolas e jogar para os amigos enquanto ficou com uma doze. E por sorte as
armas estavam suficientemente secas para o uso.
- Temos que ir para a outra margem! - avisou Vanda, com a água no queixo, o braço
para fora e atirando a esmo, acertando alguns zumbis que despejavam suas tripas no rio. Seus
amigos sabiam disso, e se revesavam entre nadar e manter os zumbis afastados. Mas a
multidão de mortos não cessava, e a cada minuto ficavam mais próximos do grupo.
- Caralho!! - praguejou Sérgio quando ficou seu balas. Vasculhando a bolsa com apenas
uma mão achou uma pistola, mas já completamente imprestável. Resolveu então se livrar da
bolsa e começou a nadar. Sentiu um puxão em seu pé. Um maldito morto-vivo o tinha
agarrado. Sérgio esperneou e com um chute
na cara do zumbi ele escapou. Porém os zumbis cada vez mais os cercavam e não iria
demorar muito até suas mãos nojentas os alcançarem. E ainda estavam na metade do rio.
Apenas Seboso estava mais adiante, graças ao seu apreço canino pela água.
- Socorr-- - o clamor de Darlene foi abafado quando sua cabeça entrou na água. Junto
com bolhas de ar uma mancha de sangue subiu. Apreensivos, seus amigos se aliviaram
quando viram a garota emergir com uma de suas facas em punho e logo ao seu lado um morto
sem um talo do pescoço. Todas as balas já tinham se acabado e só tinham a faca da garota.
Estavam completamente cercados.

***

Hora: Apocalipse Z mais 4 horas e 2 minutos.

Chutes e facas eram a única resistência do grupo quando, um a um, eles foram puxados
para baixo. Desespero. A morte eminente da forma mais terrível. Dor. Olhos turvados pela
água imunda do rio viam os amigos, braços e pernas presas por seres do inferno. Sem ar.
Sem voz. Sem salvação.

***

Hora: Apocalipse Z mais 4 horas e 1 minuto.

Seboso chegou à margem oposta. Se sacudiu e ficou esperando pelo dono e seus
companheiros. Mas onde eles estavam? Apurou sua visão e seus sentidos animais e os viu
ainda no meio do rio, cercados por zumbis por todos os lados. Eles estavam perdidos. Não!
Não enquanto Seboso ainda tivesse forças.
O cachorro mergulhou novamente. Uma selvageria e coragem nunca antes sentidas. Sua
boca repleta de dentes não teve misericórdia da primeira carcaça morta que encontrou. Suas
patas receberam forças para abrir caminho entre os zumbis. Seus dentes destroçavam tudo o
que encontravam. Um arranhão em seu dorso. Nada que o fizesse parar. Estava quase
alcançando Sérgio.
Sérgio já sentia a água tomar seus pulmões e seu coração começar a desistir de bater
quando ouviu o rosnar feroz de seu amigo. Só podia ser alucinação. Nunca que Seboso emitira
aquele grito selvagem. Era um cão vagabundo e mulambento. Não era um lobo corajoso.
Sérgio já fechava seus olhos, disposto a desistir, quando percebeu que as mãos mortas que o
perdiam se soltaram. Em seguida, um empurrão o fez subir de volta à superfície. O ar bem
vindo invadiu seus pulmões. Debaixo de seu braço, o sustentando naquele momento torpe, viu
seu cão, seu amigo, seu salvador. Sem ter tempo para qualquer reação, Sérgio viu o cachorro
mergulhar novamente, enquanto zumbis ainda cercavam aquele espaço de água.
Sérgio viu, em pouco tempo, os zumbis a sua frente afundarem no rio, emitindo grunhidos
medonhos e aparentemente de dor. Em seguida viu Vanda emergir amparada por Seboso, e
logo ao seu lado Felipe, trazendo Darlene consigo. Seboso ainda se virou para os zumbis
próximos e latiu feroz, abocanhando as mãos que se aproximavam.
- Vamos!! - gritou Sérgio chamando todos para vencerem o rio e então encontrarem a
salvação. Todos se puseram a nadar. Enquanto a turba desmorta, uns pisando nos outros, os
seguiam. Seboso tomou a dianteira, ferido nas costas e nas patas, mas com uma energia
nunca antes vista. Porém todo o esforço parecia em vão. Os zumbis eram muitos.
Um tiro. A cabeça de um zumbi explodiu. Mais tiros. Saraivada deles. Zumbis
despedaçados boando nas águas. Os jovens se viraram. Viram na borda do cais uma multidão
de pessoas, todas armadas, atirando nos zumbis, lhes dando cobertura. No meio das pessoas
Darlene reconheceu seu pai e o de Vanda. Realmente eles conseguiram chegar a tempo.
- A margem! Estamos chegando! - gritou Sérgio entre o barulho dos tiros. Mais alguns
instantes e todos tocaram a terra firme. Seboso, se arrastando pelas pernas, caiu exausto.
Sérgio o amparou choroso. O cachorro iria ficar bem. Não achou nele nenhuma mordida. Ele
os salvou.
Nisso, um helicóptero militar passou rasante por suas cabeças. Da aeronave, soldados
se uniram ao grupo de atiradores e com suas metralhadoras exterminaram os zumbis do rio,
dando uma travessia segura as pessoas na outra margem, que usaram os barcos que se
achavam em bom estado.
Darlene e Vanda abraçaram seus pais emocionadas. Homens do exército faziam exames
em todos para se certificarem que não havia contaminação. Recebendo cuidados médicos,
Sérgio encontrou Seboso, quase desmaiado. Acariciou sua cabeça. Recebeu um olhar
camarada do cachorro e após um suspiro de alívio foi se reunir com os amigos.
- O que será da cidade? - Vanda perguntava para o delegado.
- Ninguém sabe dizer. Só sei que o mundo não será mais o mesmo de hoje em diante.
- Nenhum de nós será mais o mesmo. - disse Felipe cabisbaixo. Se atentando a essa
observação, sem se importar com a presença de seu pai, Darlene puxou Felipe para si e lhe
deu um forte beijo, que o rapaz não recusou. Ao fim, a garota disse:
- Então temos que começar uma vida nova.
- Se estivermos todos juntos, não vejo problema. - Felipe abraçou os amigos. - E aí, que
tal montarmos uma agência de caçadores de monstros?
Todos começaram a rir.

FIM
Capítulo 6
Medo, pecado e zumbis
Por Lelecoaa

Ele tinha medo.


- É só mais um pesadelo, é só mais um pesadelo - dizia pra si mesmo, mas, no fundo,
sabendo que não era. Seus pesadelos não eram assim.
- Morram desgraçados! - ouviu o morador do andar de baixo dizer. E agora? Sairia
daquela relativa segurança para ajudá-lo?
Botou as mãos no rosto e chorou. Sentia uma crise chegar. O coração disparado, a
dificuldade de respirar, os calafrios, dessa vez, porém, seu motivo era claro. Queria apenas se
arrastar até a cama e se enrolar em um lençol.
Sob os destroços de um prédio caído, uma mulher gritava, em crioulo, por socorro. Dava
pra ver seu rosto sujo de poeira. Se não fosse a viga sobre as suas pernas, talvez pudesse se
soltar, mas tinha que ser rápido. O que restava da casa ameaçava ruir sobre ela.
Provavelmente ele teria conseguido salvá-la. Se tivesse abandonado as duas crianças ali
perto.
Corpos esmagados foram retirados dos escombros junto a poucos vivos. As pessoas
choravam. Pobres desde que podiam se lembrar, elas perderam o pouco que restava, e só
sobraram as lágrimas. Crianças perderam seus pais. Pais perderam seus filhos. Amantes
foram separados, e lá estava ele assistindo a todo esse sofrimento. Talvez aquilo só tenha
revelado o que há muito estava escondido lá dentro, mas, de qualquer forma, os resultados
foram devastadores para o lado emocional de Matheus Castro.
Ele se arrastou pelo chão, mas não foi para a cama, suas mãos tatearam dentro do
armário, buscando a arma que ele mantinha em casa. Era uma pistola simples, mas tinha que
ser suficiente.
Levantou-se, segurava a arma sem a habilidade que os anos de exército o haviam dado,
suas mãos continuavam tremendo. Saiu do quarto, passou pela sala evitando olhar as janelas.
Respirou fundo e abriu a porta...
O corredor estava vazio.
Desceu pelas escadas sem encontrar ninguém. A tranquilidade que tanto apreciara agora
o amedrontava.
Matheus chorava todas as noites após aquilo. Não que ele fosse o único, mas o estado
dele era um dos piores. Se torturava por não ter conseguido salvar mais pessoas, se sentia
triste por estar no Haiti, um lugar tão longe de
casa e por estar sozinho em um mundo tão grande, podendo morrer a qualquer instante
por um simples acaso.
Primeiro transferiu tudo para o trabalho, fazia mais do que qualquer outro, não
descansava nos trabalhos de reconstrução, não fazia pausas, só que chegou um ponto em que
ele não aguentou mais e caiu. - Ele tem um quadro de síndrome do pânico e de depressão -
anunciou um psiquiatra local - Se fosse possível, era melhor ele voltar pro Brasil. Normalmente
seria um pouco mais complicado, mas ele tinha amigos no alto escalão do exército e conseguiu
uma dispensa. E assim voltou para o Brasil.
- Por que você não morre!? - ouviu ao seu aproximar da porta do apartamento de baixo.
Girou a maçaneta, estava fechada.
- Droga! Alguém que se escondeu aí deve ter sido mordido. Se afastou alguns passos e
chutou a porta até conseguir arrombá-la, entrou rapidamente, com a arma em punho.
- Whata hell?! - um homem gordo vestido só de cueca pulou do sofá, tirou os fones de
ouvido e largou o controle de videogame que segurava. - O que cê tá fazendo na minha casa?
- ele ameaçou lutar, mas vacilou ao ver a arma.
- Porra, cara! Você tá jogando videogame com essa merda toda que tá acontecendo aí
fora?
- O que tá acontecendo aqui? Fique calmo, abaixe essa arma. Você não vai querer atirar.
- Por que eu atiraria em você?- Hã? Você arromba minha casa, com uma arma na mão.
O que eu podia imaginar?
- Você vive numa bolha? O que tava fazendo nas últimas horas?
- Eu tô há 24 horas num corujão de Resident Evil - ele sorriu alegre - 1, 2, 3,4, todos.
Acho que esse é meu recorde, nunca passei tanto tempo assim.
Ele não ia acreditar se não tivesse visto o estado daquela sala: controles espalhados por
toda sala. Salgadinhos meio comidos, sacos vazios, latas de refrigerante, pacotes de biscoito,
tudo jogado aleatoriamente.
Matheus caminhou até a janela que dava pra rua, puxou as cortinas e apontou pra alguma
coisa na rua.
- O que fo... Merda. - três ou quatro pessoas avançavam incessantemente contra as
grades, mas elas eram estranhas. Sangue escorria e faltavam pedaços de carne em seus
corpos. Eles pareciam extremamente sem força. - Droga! Eles são zumbis, não é?
- Acho que sim.
O nerd caminhou até um armário, abriu-o e puxou uma corda que revelou um tipo de
compartimento secreto.
- Armas, munições, pé de cabra, facas, comida, kits de primeiros socorros, para o caso
de ferimentos não zumbíricos, comida. Aqui tem umas sacolas e uns cintos. Vou vestir uma
roupa e volto pra gente decidir o que vai fazer.
Matheus esperou ele voltar, se perguntando por que o cara estranho tinha todo aquele
material em casa e estranhando que ele não tenha percebido toda a movimentação da ultima
hora. Rodeou a sala e deu uma olhada no jogo de videogame. A música que saia dos fones
era muito alta, talvez isso explicasse alguma coisa.
Um barulho no corredor. Dona Gleide, a simpática senhoria usava seu habitual terninho
creme, seus cabelos estavam penteados para trás, mas o que mais impressionou foi a ferida
sangrando em seu pescoço. Ela o encarou com um olhar sem vida, sua boca se abriu e fechou
faminta. A zumbi se virou e foi atrás dele lentamente.
- Aqui tem quatro apartamentos contando com o que eu moro, cada um tem sua suíte,
uma sala e um banheiro.
É mais pra pessoas solteiras mesmo - disse ela com seu adorável sorriso.
-E é tranquilo? Como é a vizinhança?
- Não precisa se preocupar com isso, não gosto de ninguém fazendo bagunça por aqui,
tem umas regrinhas que devem ser seguidas. E essa região é tranquila, os vizinhos colaboram
e tudo mais.
Desde o começo ele gostara daquela mulher.
A criatura aumentou o ritmo como se sentisse a aproximação da comida. A mão dele
continuava balançando. Ele tinha medo.
Uma lágrima. Um tiro. E um corpo definitivamente morto.
- O QUE TÁ ACONTECENDO? - o nerd saiu do quarto, agora vestindo uma camisa
estampada com o pássaro do twitter e "@vieiragledson_" escrito em baixo. Ele olhou toda a
cena, pasmo. Apenas colocou a mão no ombro do ex- soldado.
- Você não teve escolha.
(...)
Naquela manhã, ela foi acordada pelos barulhos das sirenes de carros e ambulâncias.
Como sempre, levantou com uma forte ressaca. Botou água pra esquentar em uma velha
chaleira e, enquanto esperava, se olhou no espelho partido do seu quarto. Sua pele estava
cheia de manchas roxas, vestígios da noite anterior e de um cliente especialmente violento.
- Você gosta disso, né, sua putinha? Vai apanhar pra aprender a ficar calada.
Ela não percebera que ia ficar com tantas marcas e agora imaginava com que roupa iria
para o ponto. Tinha que se mostrar, mas escondendo pelo menos parte dos hematomas.
A velha chaleira apitou e ela botou o café em uma caneca de porcelana, que segurou
com as duas mãos. Sentou-se no sofá rasgado, parecia extremamente frágil.
Devia ter sido bonita, mas as drogas e a vida que levava acabaram com seu corpo: ela
estava magra demais, bolsas roxas ao redor dos olhos, seus longos cabelos pretos caíam
cada vez mais. Lembrou que sua menstruação estava atrasada, mas sempre estava.
Mais uma sirene na rua, e ela se perguntou o que estaria acontecendo. Ligou a televisão,
que estalou algumas vezes antes de mostrar a imagem. Foi passando os canais, mas nenhum
funcionava. Achou mais estranho ainda, só que não teve tempo de se questionar. Alguém
bateu furiosamente na porta, e os pensamentos dela se voltaram pra isso.
- Quem é?
- Abre logo essa porra, Mary! Rápido.
- O que foi? - disse para uma amiga, que entrou pela porta mancando.
- Pra que isso?
- Mary, eles tão por todas as partes da cidade, eu tava em casa... Ninguém conseguiu
fugir. Eles são horríveis.
- Calma! Eles quem?
- Os mortos, Mary - seu olhar estava cheio de medo - Eles tão levantando dos túmulos.
- Cara, são o que? Nove e meia, dez horas? E você já tá chapada? Você vai acabar se
fudendo se for pro ponto desse jeito. Senta aí, vou fazer um café forte pra você.
Ela empurrou amiga no sofá e aí viu o por quê dela estar mancando. Tinha um buraco na
calça, por onde escorria sangue. Olhando bem, ela viu que faltava um pedaço da batata da
perna. Era uma ferida feia que provavelmente ia infeccionar.
- O que foi isso? Cê tá sangrando muito, tá ficando pálida.
Mary correu, pegou alguns panos e uma maleta onde guardava alguns remédios básicos,
pensando que seria melhor levá-la para um hospital. Mas ele chegou tarde. A respiração de
sua amiga parara, seus olhos estavam vazios e leitosos, a boca pendia aberta e exalava um
cheiro de morte.
Antes que ela pudesse gritar, antes que ela pudesse correr, o cadáver gemeu e, num
movimento estranho, se atirou contra o pescoço dela.
(...)
- Cara, onde você arrumou essas coisas todas? - perguntou Matheus enquanto eles
terminavam de dividir a carga.
- Você pode me achar estranho, mas algo me dizia que isso ia acontecer um dia e que eu
precisava me preparar, aí eu comecei esse estoque.
- Se eu tivesse te conhecido até ontem, eu diria que você era louco. - agora ele estava
mais calmo, arrumar aquelas coisas liberara a tensão. Ele se sentia estranho por estar tão
bem com tudo aquilo.
- Certo... Nas nossas mochilas tem suprimento para um tempinho, eu tô com um pé-de-
cabra, você com um martelo. Cada um de nós tem uma faca grande e uma arma. O pior é que
não dá pra gente carregar muito mais coisa.
- Será que não era melhor a gente esperar? Temos mantimentos para um bocado de
tempo... Talvez o governo venha buscar os sobreviventes ou algo assim...
- Eu sinceramente não sei o que fazer. Não tenho ideia de como começou a infestação,
quando e em que horário. Se eu soubesse ficaria bem mais fácil, mas eu tenho a impressão de
que o governo não vem nos buscar (nos filmes ele nunca vem) e que a situação desse bairro
só vai piorar.
- Acho que tem razão.
- Há... Mais uma coisa - disse olhando para o corpo no chão da sala - evite usar a arma,
a menos que seja realmente necessário. Nos filmes é o barulho que atraí os zumbis.
- Antes de sair eu quero dar uma checada na rua. É bom ter uma ideia sobre o território.
- Puxou as cortinas e observou por alguns momentos - Venha ver isso, Gledson.
Um homem caminhava pela rua, seus passos eram firmes e silenciosos. Ele não chamava
a atenção dos zumbis e carregava um tipo de lança de ferro.
- Eu conheço ele - disse Matheus, tentando lembrar onde já tinha visto aquela figura.- É o
padre da igreja daqui!
O padre se aproximou dos zumbis e perfurou a cabeça de dois deles. Quando o outro se
virou, ele arrancou a lança da cabeça dos zumbis definitivamente mortos e bateu com o lado
sem ponta no crânio do que restava. Mais um ou dois apareceram, mas não foi difícil derrubá-
los.
O padre os viu e fez um gesto chamando-os para descer.
- Será que a gente devia confiar? - perguntou Gledson.
- Acho que sim... Ele é um padre, não deve querer fazer algum mal.
- Então tá. - ele não confiava realmente, mas não via nenhuma alternativa.
Desceram os outros dois andares sem encontrar nenhum morto-vivo, os moradores
estavam provavelmente trabalhando quando tudo começou. Mesmo tendo percorrido uma
distância tão pequena, o nerd já suava e respirava com esforço, e, meio triste, o militar
percebeu que ele não duraria muito.
- Oi - disse o padre estendendo a mão - Eu sou o padre Antônio, e estou reunindo os
sobreviventes ali na igreja. A gente vai tentar sair daqui o mais rápido possível.
Toda ajuda vai ser necessária. Antônio era jovem e atlético, bem diferente do estereotipo
de padre, sua roupa estava meio desengonçada e suja de sangue.
- A gente vai com o senhor. Eu sou Matheus, e esse é o Gledson.
A igreja não era muito longe, duas quadras a separavam do pequeno prédio onde
Gledson e Matheus moravam. Havia alguns corpos, mortos de verdade, no caminho. Obra do
padre Antônio. Faltava apenas uma quadra para a igreja, quando um grupo de mortos-vivos
apareceu. Eram dois homens e uma mulher. De suas bocas escorria uma mistura de saliva e
sangue, seus olhos estavam vazios, perdidos. Eles emitiam um estranho grunhido.
O padre ergueu sua lança - que era, na verdade, o cabo do crucifixo de procissão - o
soldado sacou uma de suas facas, e o nerd andou discretamente para trás.
As criaturas farejaram o ar e avançaram. A cabeça do primeiro foi trespassada pela
lança improvisada, e a faca de Matheus atravessou o olho do segundo. Tentando pegar suas
armas de volta, eles não perceberam que a mulher se aproximava, com a boca salivando.
- Hááááááá! - o nerd avançou, acertou a cabeça da zumbi com sua faca, mas tropeçou
nas próprias pernas e caiu por cima do corpo dela. Gritou quando a ela grunhiu mais uma vez
antes de morrer de vez.
- Calma, cara, agora já passou. Tá tudo certo - disse Matheus, oferecendo sua mão para
ajudá-lo a se levantar
- Vamos logo sair daqui.
Enfim, chegaram à igreja. Não tiveram mais nenhum grande obstáculo no caminho. O
padre destrancou a porta com uma antiga chave de ferro, e eles deram de cara com um
pequeno grupo de refugiados.
Uma mulher magra demais, de cabelos pretos e manchas roxas ao redor dos olhos, que
parecia seriamente transtornada. Um garoto de, no máximo, seis anos acompanhado de seu
pai. Uma jovem loira, usando uma calça laranja e uma camisa rosa.
- Você tem um mapa da cidade? - o soldado perguntou ao padre
- Acho que deve ter alguma coisa lá na sacristia. Venha, vamos dar uma olhada.
Eles foram procurar o mapa e o nerd ficou com o grupo que já estava ali.
- Hum... Oi. - disse e recebeu alguns acenos como resposta. Sentou-se no chão,
seguindo o exemplo dos outros.
-Onde cês tavam quando os bichos feios apalecelam? Eu tava no paquinho, mas meu pai
deu uma sula neles - o menino sorria e, ele era tão fofo que um sorriso acanhado apareceu no
rosto de todos.
- Eu tava em casa, uma amiga minha chegou lá, mas ela tinha sido mordida. - quem
falava era a mulher de cabelos pretos - Eu matei ela. EU MATEI ELA COM A MALDITA
MALETA DE PRIMEIROS-SOCORROS. Então eu fiquei meio atordoada e saí por aí e,
quando vi, o padre já tava me trazendo pra cá.
- Ontem de noite eu fui pro show da Banda Delete, então eu e meus miguxos resolvemos
prolongar a noite e fomos tomar umas cocas light no barzinho. A gente já tava doidão, então
tudo começou. Meu nome é Juliana, e vocês são meus novos miguxos. Lindos tããão
lindooooooooooooooosssssss.
Os outros se apresentaram. Mary, a mulher de cabelos pretos. Marcos e Gabriel, pai e
filho.
-E você?
- Eu nem vi quando tudo começou, tava jogando videogame. Sorte que aquele outro cara,
o Matheus, me achou.
Nesse momento, o padre e o soldado voltaram para o salão da igreja, trazendo um mapa
grande da cidade, que abriram no chão para todo mundo ver.
- Eu acho que a melhor saída é a Ponte Aurélio Manoel, se a gente seguir direto nessa
avenida aqui do lado, a gente saí direto lá, e talvez ainda encontre alguns sobreviventes. -
disse Matheus.
- Certo... A igreja tem uma Kombi, dá pra ir nela. Vou pegar a chave.
- Tudo bem, tamos te esperando aqui.
Junto com Gledson, ou ajudando o padre, ele estava bem, mas agora o medo voltava em
ondas arrebatadoras. Ele olhou ao redor e viu Mary tão assustada quanto ele. Sem nenhuma
palavra, ele se abaixou e abraçou-a e assim ficaram.
- Ei! Eu tava pensando... O que será que aconteceu com os meus lindos? Será que eles
foram comidos? - perguntou desesperada a jovem colorida.
- Tenho a ligeira impressão de que eles gostam de ser comidos - Gledson não resistiu à
piadinha.
Todos riram, menos a colorida, que fez uma cara feia, e Matheus, que continuava
assustado, os batimentos cardíacos acelerados a adrenalina correndo no sangue.
Talvez isso tenha salvado a sua vida.
O padre entrou correndo, com a chave na mão. Vários zumbis o seguiam.
- RÁPIDO! AS PORTAS DO FUNDO ESTAVAM ABERTAS!
Matheus segurou Mary e puxou-a para longe, usando a outra mão para atirar. Gledson
estava mais afastado e também conseguiu entrar na área de cobertura do soldado. Os outros
não tiveram a mesma sorte.
A colorida foi a primeira. Ela tentou se levantar e correr, mas um zumbi agarrou-a pela
calça de cor berrante.
- Seus malditos, se vocês levaram os meus lindos... Me levem também! Eu não posso
viver sem eles!
Seu desejo foi atendido quando outra criatura mordeu sua jugular, Logo outros caíram em
cima, devorando-a.
Marcos pegou o filho no braço, mas vacilou com o peso, e esse vacilo foi fatal. Ele foi
puxado e derrubou a criança. O menino apontou o dedo.
- Pôu, Pôu - disse, sem perceber que aquilo não era uma brincadeira.
O padre ainda tentou pegá-lo, mas os zumbis foram mais rápidos. Mary gritou, chocada
com aquilo.
- Vamos, não dá pra fazer mais nada! Eles não foram escolhidos. - disse o padre para
Matheus, que continuava atirando.
Correram para a rua e entraram na velha Kombi branca da igreja. O padre girou a chave
e eles ouviram um estalo, mas o carro não ligou.
- Fudeu. - alguém disse.
Padre Antônio girou a ignição de novo, e dessa vez o carro ligou. Eles aceleraram,
deixando uma cortina de fumaça preta para trás.
A cidade estava um caos, a cada instante era preciso desviar de carros largados na rua,
alguns em chamas. Zumbis vagavam a esmo, alarmes tocavam por toda parte. Eles ficaram
calados, as imagens do massacre na igreja ainda vívidas nas mentes.
As criaturas agitavam as mãos em direção a Kombi, como se pudessem pegá-la. Foi
Matheus quem quebrou o silêncio:
- O que você quis dizer com "eles não foram escolhidos"?
- Não é óbvio?
- O que?
- Isso é o apocalipse, amigos. Nós estamos vivendo a peste, e só os puros sobreviverão
a isso para viver o céu na terra.
- Isso é insano! E aquele menino? Que pecados ele cometeu?
- Não sei... Talvez ele não tenha sido batizado, consagrado a Deus.
- Que tipo de padre você é? Esse é o tipo de pensamento daquelas carolas do interior.
Você acha mesmo que Deus ia castigar uma criança só por que ela não foi batizada?!
- Acho...
- Isso é ridículo - finalmente Mary saíra do choque e voltara a falar.
- Cala boca, sua puta! Você acha que eu não sei o que você é? Eu sei o que você faz de
madrugada pra "se manter". Se eu tivesse te reconhecido antes eu nem teria salvado você.
Matheus olhou para ela, queria saber se era verdade. Ela só pôde confirmar com a
cabeça.
- Cala boca, você - gritou Matheus - quem se importa com o que ela é ou não é. Aposto
que ela é bem melhor que você! - e voltou a abraçá-la.
- Eu tenho certeza. - confirmou Gledson.
Depois disso ninguém voltou a falar. A ponte não estava tão longe quando a Kombi
parou, o motor soltava muita fumaça, e eles tiveram que descer. O padre e o soldado ficaram
procurando a solução para o problema, ainda sem se falarem.
- Ei... Olhem isso - Gledson chamou a atenção.- O que fo...?
A pergunta se respondeu quando, ao levantarem os olhos, viram a multidão de zumbis
que se aproximava. Eles vinham de todos os lugares, saiam das casas, dos carros, das lojas,
e percorriam a rua, babando e gemendo. Eram centenas, talvez milhares deles.
- Merda!
- Corram - gritou o soldado, já sacando a arma e atirando contra os zumbis mais
próximos. - Rápido! Eu dou cobertura.
- Não... São muitos. - implorou Mary, desesperada com a rápida aproximação.
- VÁ! AGORA!Correram e entraram à direita na mesma rua. Nunca mais veriam Matheus.
Valente, ele derrubou dezenas de zumbis, dando tempo para que os outros fugissem.
Quando as balas acabaram, ele sacou a faca e continuou a carnificina, mas eram muitos, e um
mordeu seu braço. O cheiro de sangue atiçou ainda mais as criaturas, que avançaram e
sobrepujaram o soldado. Em meio a dor ele percebeu que estava livre.
Estava livre do medo e, assim, morreu em paz.
(... )
Os três sobreviventes correram - o nerd tentou. - pela rua, atirando nos poucos zumbis
que entraram em seu caminho. Mary e Gledson choravam pela perda do amigo, mas o padre
não demonstrava sentimento algum.
Em certo momento, eles perceberam que alguém os observava.
- Ei, vocês aí! - chamou um cara do portão de uma casa. - Venham!
Sem nem pensar do que realmente se tratava, eles seguiram o chamado. Era uma casa
cercada por altos muros, a entrada era um portão de ferro resistente. Provavelmente pertencia
a alguém influente.
- Entrem. Vamos, vamos. - disse abrindo o portão e olhando para os lados
- Isso aqui é um ótimo abrigo. - Gledson foi o primeiro a falar.
- Foi o melhor que achamos.- disse o homem, orgulhoso.
- "Achamos"? Vocês são quantos?
-Agora, já somos 15.
- Vocês têm um grupo bem grande. - comentou o padre - Aposto que todos são pessoas
de bem - completou, ácido.
- Vocês vão tentar sair quando? - perguntou Gledson, ignorando o padre.
- Sair? Você tá louco!? Essas coisas tão espalhadas por todo canto... A gente via
esperar eles virem nos resgatar . Tenho certeza que eles vem. O governo, o exército, quem
seja!
-Não tenho tanta certeza disso. Nós vamos tentar sair daqui.
- Tudo bem, vocês que sabem. Mas não vai demorar muito para escurecer. Passem a
noite aqui, temos comida, água e tudo mais. Amanhã de manhã vocês vão, e, se alguém daqui
quiser, vai junto.
(... )
Mary sentiu a água do chuveiro limpar seu corpo. Pela primeira vez em muitas horas, ela
estava tranquila. Comera junto com os outros refugiados, eles entregaram uma toalha e
mostraram o banheiro onde podia se lavar.
Por um momento, sua tristeza ficou esquecida e ela relaxou. Desligou o chuveiro,
enxugou o corpo, vestiu roupas limpas e foi para o quarto que dividiria com algumas outras
mulheres. Ainda estava vazio, todos estavam na sala discutindo sobre o próximo passo. - Tá
vendo? - o padre saiu das sombras.
- O que você quer aqui?
- Matheus tinha tudo para sobreviver, ele era uma ótima pessoa. Ele era um escolhido...
Mas você entrou no caminho e arruinou tudo. Ele ficou lá para te salvar, se não fosse você ele
ainda estaria vivo.
- Você é um louco! SAIA DAQUI! AGORA!
- Claro, claro...
Sozinha, tudo veio à tona. A vida que costumava levar, a amiga que a atacara, os
milhares de zumbis nas ruas, e Matheus morrera por ela. A culpa era dela, e seria impossível
viver com isso.
Havia uma navalha no banheiro, ela tinha visto. Doeu quando ela usou a lâmina para
cortar seus pulsos, mas logo perdeu muito sangue e não sentiu mais nada. Nunca mais.
(...)
As outras mulheres da casa acharam o corpo quando foram dormir. Depois de muitos
gritos e olhares curiosos, o corpo foi coberto com um lençol e enterrado em uma vala rasa no
quintal. O padre disse algumas palavras, sem conseguir esconder o cinismo. Por fim, todos
foram dormir, mais tristes e preocupados do que nunca. Mas sem imaginar que as coisas
ficariam cada vez piores.
(... )
Uma multidão de zumbis devorara um soldado, mas aquilo não era nada. Era impossível
deixá-los satisfeitos. Seguiram, então, a esmo buscando qualquer sinal de vida.
E encontraram em uma casa cercada por altos muros.
Os primeiros chegaram e se atiraram contra os portões, o barulho chamou a atenção de
mais alguns e, antes que o sol nascesse, já eram dezenas deles.
Cercados, até mesmo os que queriam fugir, ficaram sem escolha.
Talvez eles sejam salvos, talvez não. Talvez eles esperem ali até não ter mais comida e
tentem fugir. Talvez, numa ironia macabra, eles comam uns aos outros para sobreviver. Talvez
um padre elimine aquelas pessoas que ele não considere dignas. Tudo é possível, agora que
os mortos andam.

FIM
Capítulo 7
E eu acordei morto!
Por Tebhata "Vampira" Spekman

Cidade de Santa Fé.


Estação Central de Trem - mais de 5 horas após o contagio.

A primeira sensação que tive foi sentir um cheiro forte, enojante, sentia como se algo
estragado, putrefato estivesse por perto, a dor que latejava minha cabeça ainda era forte o
suficiente para não me deixar pensar, mas aos poucos comecei a abrir os olhos e, ao ver o
rosto de Antônio, meu namorado, confesso que senti alívio.
- Graças a Deus, Sara, já estava ficando realmente preocupado!
- Antônio, que lugar é esse?- passando a mão pela cabeça comecei a reparar que não
estávamos sozinhos, alias, não fazia ideia de onde estava, apenas sabia que havia mais três
pessoas - O que aconteceu?
- Calma doçura! - ele começou a explicar- Creio que na correria com o pessoal da
estação você bateu forte a cabeça, achamos esse lugar a salvo. E enfim, estamos aqui para
nos proteger. Os que estão aqui foram os poucos que sobraram... Precisamos pensar num
modo de sair daqui com segurança.
É quando finalmente começo a observar os outros, era um grupo pequeno, um homem
bonito, alto, pele escura, com o semblante fechado e uma pistola na mão enquanto mantinha o
olho em mim e outro na porta fechada. Havia também um jovem de aproximadamente 20 anos,
creio. Cabelo loiro, magro, estava abraçando uma menina que chorava copiosamente e pouco
se via dela, além do cabelo castanho claro. Depois vou descobrir que, ao contrario do irmão,
ela possui sardas no rosto. O primeiro se aproxima de mim ainda com a arma apontada para a
porta e diz:
- Finalmente ela acordou, não é? Não vamos poder ficar muito tempo mais aqui...
Precisamos de uma rota segura, quem conhece bem a cidade? Antônio me olha enquanto eu
respondo:
- Eu, vivi praticamente a vida toda aqui... Mas, será que alguém pode realmente me dizer
o que ocorre?
- Eles querem nos comer! - o adolescente logo tenta tapar a boca da menina que se
debate com o movimento brusco do irmão.
- Não ligue para o que ela está dizendo... Está assustada!- o rapaz abraça a garota que
está aos prantos.
- É verdade, parece mentira, mas infelizmente tem algo muito estranho ocorrendo - o
homem volta a falar- parece um ataque de zumbis! Ou algo parecido, se é que tudo isso é
possível. Instintivamente faço o sinal da cruz e beijo a mão.
- Não creio que superstições vão nos ajudar... - ele estende a mão e eu o cumprimento -
meu nome é Cláudio. O jovem rapaz é o Fábio, e pelo que ele diz a menina é sua irmã, Tina.
- Prazer, eu sou Sara...
- O prazer é nosso, apesar da situação. O que me leva a ser insensível e perguntar:
Você está em condições de andar? Talvez correr, e nos orientar?
- Sim, posso. Mas não sabemos qual é a saída mais segura, alguém tem ideia de como
está o porto ou aeroporto? Não deve ser difícil chegar... E quem sabe meu pai não está nos
esperando lá?
- Não, sabemos. - Antônio me ajudava a levantar e falava- Mas creio que para o norte
podemos ter mais chances. O segurança da estação disse ter visto helicópteros naquela
direção, antes de sair para fazer a ultima vigília, já que ouvimos alguns tiros horas atrás, e já
não temos noticias há um tempo. Uma coisa é certa, pela linha férrea não há como, são
muitos! O que está fazendo?
- Tentando ligar para o meu pai...- eu segurava ansiosamente o celular junto ao ouvido -
Droga, parece que não há resposta! Vou ter que passar em casa!
- E... Para que lado fica o Hospital?- Carlos tentava localizar algum caminho viável num
mapa da cidade preso na parede da sala, parecia extremamente preocupado - Preciso, antes
de sair da cidade, passar por lá... Tenho alguém importante me esperando. Vamos para o
oeste!
- Calma ai! Não vamos sair por ali não! Meu pai está ao sul! Precisamos encontrá-lo,
tenho certeza que ele vai saber o que fazer! - ao tentar pensar no que o preocupava, o rosto
do meu pai e irmãos vieram rapidamente, seria impossível deixá-los para trás.
- Se ainda estiver na cidade, doçura... Seu pai pode ser importante, mas é covarde como
um rato quando o assunto é sangue!
- Epa, quem é seu pai? Algum delegado?
- Er...
- O pai dela é um secretário da prefeitura...- Antonio respondeu na minha frente,
claramente mentindo, tentando esconder quem eu realmente sou, a filha do prefeito de Santa
Fé, algo que Cláudio logo percebe- Sabe que não podemos mais ficar aqui não é? Há quanto
tempo aquele crioulo saiu?
- O vigia? Já tem mais de meia hora. Já passou do tempo, agora estamos por nossa...
Carlos não termina de falar quando escutamos um tiro para o alto e um grito de um velho,
em seguida outro tiro e mais um, e o silêncio.
- Pegaram ele, já era.
- Merda!
- Eu quero a mamãe... - Tina começa a chorar novamente enquanto o irmão fica de pé
largando-a de lado.
- Não posso ficar parado aqui para sempre! Vim pegar e salvar minha irmã! Eu vou sair
com ela com ou sem vocês! Venha Tina!
O rapaz puxa a menina pelo braço e abre a porta. Naquele instante eu descobri de onde
vinha o cheiro putrefato, no corredor haviam pedaços de corpos decompostos e muito sangue.
Um frio correu por minha espinha. Não sabia se realmente aquela era uma boa ideia, mas, por
mim, teria ficado ali por semanas, meses, anos se fosse necessário. E talvez o melhor tivesse
sido realmente isso!
- Alguém sabe como ocorre o contágio? Ou seja, lá o que isso é? -enquanto eu falava,
alguns passos lentos eram dados pelo corredor do inferno.
- Pelo que entendemos, quando a pessoa sofre algum ferimento, arranhão ou mordida...
É bem, pronto, já era! Pelo menos é como vimos ocorrer no inicio da confusão. - Cláudio
esticou a mão com uma das armas entregando, mesmo que visivelmente contrariado, a
Antônio - Sabe usar isto?
- Sim. -Cláudio não sabia o quanto Antônio conhecia armas. - Vamos?
- Só isso? Mais alguma coisa? - eu não me conformei ao ver as coisas como iam.
- Até o momento é isso, afinal, nos confinamos aqui e...
Todos gelam ao escutar um gemido de dor, e o gemido estava bem
perto.
- Vamos entrar, vamos voltar!
- Se não encararmos vamos ficar aqui para sempre!
Quando Cláudio termina a frase nós vimos um homem se arrastando pelo chão. Eu não
sabia quem era, mas os rapazes logo o reconhecem como sendo o vigia que saiu para ver
como estava a situação. Cláudio e Antônio trocam um olhar e começam a caminhar pelo
corredor em direção ao homem.
- Fábio, entre com a Tina e a Sara e feche a porta!
Quando Antônio fala isso o garoto entende o recado e nos empurra para dentro. Ao
contrario dele, demorei a entender o que ocorreria e tentei me lançar para fora, mas o jovem
fechou a porta na minha cara.
- Tina - o rapaz me olha suplicando para que o entendesse e o ajudasse - Vamos
brincar? Cada um vai ser um dos monkeys. Eu não falarei, Sara não verá, e você não
escutará, ok? Por um minuto. Então é 1, 2, 3... E...
Nós três fazemos o movimento dos macacos quando escutamos um estouro abafado
vindo do lado de fora, depois um segundo, um terceiro e então o quarto e último.
Dos meus olhos tapados, Tina veio a notar uma lágrima escorrendo por entre as mãos e
caindo no chão.
- Nada disto é justo...

***

Enquanto caminhávamos para fora da estação, tivemos a real noção do caos. Os


rapazes haviam pegado as duas pistolas que o vigia carregava. Uma estava carregada por
completa e na outra faltava três balas.
Cláudio ficou com esta, pois não parecia ficar confortável com menos de duas pistolas. E
me entregou a completa, disse que eu teria que ser forte, ágil e, principalmente, possuir
instinto de sobrevivência a partir daquele momento.
Fomos até outra sala, aonde os dois homens pegaram mais munição e arrancaram os
pés de uma cadeira de madeira, sendo que um ficou com Fábio e outro com Antônio. A ideia
era dar pancadas quando não pudéssemos atirar.
Na entrada da estação ficamos observando atrás de uma parede, Fábio preparava uma
venda improvisada para os olhos de Tina, que reclamava por não poder ver nada. E ele
justificava dizendo que não queria sua irmã traumatizada com imagens tão grotescas e não
queria que isso fixasse na mente da garota. Eu não via outro meio de sair dali. Minha vontade
era realmente voltar àquela sala e esperar o socorro. A mim, aquilo já havia marcado de forma
irreparável.
- Alguém mais sabe dirigir? - Cláudio se virou para nós enquanto observava a TR4
estacionada do outro lado da rua, toda suja de sangue. - Preciso que alguém saiba, pois
posso precisar parar de dirigir para atirar.
- Eu sei.-apesar de não saber se realmente queria dirigir nesta situação.
- Está certo então... - ele joga a chave do carro na minha mão- Corra até o carro, ligue e
venha até aqui. Estarei te dando cobertura.
- Ir sozinha? -eu olho para o lado e vejo a cabeça de um zumbi ser arremessada quando
Antônio golpeia um que se aproximava com o pedaço de madeira.- Porque não vamos juntos?
- Porque se formos juntos atrairemos mais atenção. Ainda mais com a Tina vendada, não
poderemos correr. Uma pessoa tem mais chances. Não tenha medo que estarei dando
cobertura.
Mal consegui respirar quando ele me empurrou para longe. Me vi parada na entrada da
estação, vendo o caos generalizado que tudo aquilo havia se formado. A arma na minha cintura
parecia pesar muito mais do que parecia.
Comecei a caminhar lentamente em direção a TR4, com a mão direita na arma, como se
aquilo fosse minha única segurança. Meu coração batia forte, parecia que saltaria pela boca
enquanto eu via pessoas devorando outras, pessoas que pareciam terem sido pessoas
comuns. Mas agora, com os rostos e corpos em putrefação, não passavam de monstros.
Estava chegando ao automóvel, tentando abri-lo quando senti uma mão, vinda de baixo
do carro, pegar meu pé. Tentei correr de volta, mas o corpo pesado apenas se arrastou.
Parecia uma adolescente, que já não tinha mais pernas e estava com o rosto deformado e
olhos brancos.
Eu cai no chão com uma vontade louca de gritar. Peguei a arma que estava na cintura e
enquanto dava chutes no cadáver, tentava alcançar alguma mira. Aqueles segundos pareciam
eternos enquanto me sentia louca.
Foi quando um barulho, um estouro passou ao lado do meu ouvido e acertou em cheio a
cabeça da menina zumbi, estourando seus miolos. Olhei para trás atordoada e era Antônio,
que me fazia sinal para entrar logo no carro e ir buscá-los.
As chaves pareciam ser todas iguais devido ao pânico que me encontrei, alguns zumbis
pareciam já se aproximar devido ao que ocorrera e também ao meu claro cheiro de pânico.
Um homem, que parecia mais um padeiro, ou um atendente de supermercado, já se
aproximava quando me joguei dentro do carro. Precisei de um minuto para me recuperar e
ouvir o grito de Fábio me mandando andar logo. Abri novamente os olhos, segurando firme o
volante e observei um grupo que já se aproximava da estação. Do lado de fora, o zumbi lambia
a porta do carro esperando sentir meu sabor.
Dei uma arrancada deixando-o para trás. Na manobra, propositalmente o atropelei, assim
como os restos daquela adolescente.
- Ninguém, ninguém, vai sentir o meu sabor tão cedo.
Com mais uma manobra parei em frente da estação e abri a porta. Cláudio e Antônio
deram cobertura a Fábio, que carregava Tina no colo. Com todos no carro partimos em
direção ao norte.

***

Quando passávamos em frente ao shopping e supermercado, nos deparamos com uma


cena bizarra. Uma mulher correndo desesperadamente, com suas roupas rasgadas e o rosto,
que antes já estivera maquiado, borrado com as lágrimas vindo em direção ao nosso carro.
Atrás dela, um homem cujo um dos braços havia sido arrancado, junto com um grupo de
zumbis.
- Me ajudem, por favor, me ajudem!
- Carmem, não me deixe!
- Me ajudem, ele quer me matar! Me ajude!
Parei o carro, a contragosto do Cláudio, quando abri a porta para que subissem. A
mulher chamada Carmem no mesmo instante fecha a porta.
- Corre, por favor, corre! Ele tá contaminado e já tentou me morder!
Por instinto e por sem dúvida alguma ter visto os olhos daquele homem enfurecido
ficarem leitosos e voltarem ao normal, eu acelerei. Ele tentou correr atrás do carro, mas logo
foi alcançado pelo grupo de zumbis que vinha na direção dele.
Pelo retrovisor vi o outro braço ser arrancado.
- Quero apagar essas cenas da minha memória.
- Então... Carmem.-Antônio não conseguia tirar os olhos dos seios, que agora apenas o
sutiã tampava- O que aconteceu?
Minhas mãos pressionaram o volante com mais força, não iria aguentar aquele salafrário
olhando para ela daquele jeito por muito tempo. Cláudio tocou meu obro e sussurrou.
- Sangue frio, princesinha do papai. - meus olhos arregalaram e encontraram os dele.
Naquele instante percebi que ele sabia exatamente quem eu era, e por algum motivo ele
tentaria tirar proveito disso.
- Vamos tentar ir ao sul, certo?
- Desde que passemos pelo hospital, concordo com tudo o que falar, princesa.
Definitivamente meus nervos não estavam preparados para aquilo. Viramos à esquerda e
seguimos em direção a igreja.
Carmem começou a nos contar que na realidade fazia parte de um grupo de
sobreviventes, que se encontravam num ponto perto do supermercado. Aquele homem, fora o
motivo de todos os outros terem morrido e virarem zumbis também. Ela era a última
sobrevivente.
- E como foi que conseguiu ficar... -Fábio, como um jovem normal, olhava para as poucas
roupas dela- Assim?
- Foi assim que fiquei ao fugir quando um deles tentou me agarrar. Pelo retrovisor olhava
para ela e para a pequena Tina. Dois lados da moeda. Uma tão pura que não podia sequer ver
o que acontecia, enquanto a outra, mais me parecia uma devassa, porém as duas, claramente,
pareciam tremendamente assustadas.
- Olhem, a igreja! - Antônio mantinha um brilho no olhar ao ver a construção- Será que
temos como entrar?
- Como?-Não acreditei que ele estivesse pensando em se "converter" naquele momento,
afinal estava claro que estávamos no inferno, eu tinha ideia total de suas intenções. Ele era um
ladrão, e já estava planejando um roubo à igreja a tempos.
- Olha, as pessoas tendem a procurar esses locais para se refugiar. Pode ser que tenha
alguém aqui ainda. - ele falou isso olhando para mim e abrindo já a porta- Vou ver se alguém
precisa de ajuda!
- Seu safado! Eu sei bem o que você quer! Antônio volte já aqui!-Não sei o que me deu na
cabeça, se era a adrenalina ou o que, mas em seguida abri a porta como se tivesse esquecido
o que acontecia e fui caminhando para ele.
Já na porta da igreja o alcancei.
- Você quer tentar roubar algo não é? -agarrei o braço dele e cravando minhas unhas, ele
se virou para mim com um olhar que não conhecia. E num movimento rápido e brusco
conseguiu me fazer largar.
- Sua vaca, fala assim como se não soubesse como eu sou! Pior, fala como se não fosse
igual ou pior! Você está pouco se importando com o que está acontecendo e com as pessoas,
mas sim em sobreviver, em manter seu luxo, manter tudo para você!
Ele começou a caminhar para dentro da igreja pelo corredor principal, não víamos
nenhum zumbi.
- Está sempre preocupada com sua vida de luxo, e sempre certa de que seu pai, ou
alguém vai te salvar! Não tem metas, não tem nada! Apenas não agüenta sentir que está
perdendo seu precioso espaço. Acha mesmo que não reconheci aquele seu olhar de ciúmes,
ao olhar para Carmem, como algo vindo do amor? Não, aquilo era o retrato de uma pessoa
egoísta e mesquinha que não aguenta saber que pode levar um pé nessa maldita bunda a
qualquer hora!
Num reflexo que não sei qual foi o real motivo, peguei a arma que estava na minha cintura
e apontei na direção dele.
- Talvez esteja certo! Não me importo com ninguém, só quero ser e estar salva! E muito
menos sei perder a porra de uma luta! Mas quer saber mais? Cansei de você!
Minhas mãos tremiam de nervoso e não conseguia apertar o gatilho. Antônio virou as
costas para mim e conforme ia caminhando, minha vista começou a ficar nublada, comecei a
observar que sim, havia diversos zumbis pela igreja, assim como uma mochila largada e alguns
mapas, sinais de correria, mas nada disso posso dizer que era certo ou real. Fiquei ali,
segurando a arma, tentando mirar como podia na cabeça daquele infeliz que já chamei de
amor, mas era impotente, algo em mim dizia que ele estava certo e algo em mim dizia que se
fizesse aquilo, estaria abrindo mão dele. E eu era egoísta demais para isso.
- Cuidado!
O grito de Carmem me acordou do transe e foi tarde demais para conseguir reparar no
que ela dizia. Tentando focalizar, vi um zumbi surgir de um dos bancos da igreja, era uma
criança, não deveria ter passado de seis anos de idade, mas estava com o rosto decomposto
e avançou em Antônio. Com o grito ele também se virou, mas foi apenas o tempo para ele
conseguir ver o que estava para mordê-lo. O monstro abocanhou sua perna arrancando fora
um pedaço. Ele apenas teve tempo de tentar levar a mão ao ferimento, que jorrava sangue e
sentir a vista ficando escura, enquanto tombava no chão.
Quando um segundo zumbi, que parecia uma adolescente com calças laranjas rasgadas
se aproximava para o banquete.
- NÃOOOOOOOOO! - eu não podia aceitar aquilo e por instinto, que não tive antes,
disparei três tiros certeiros na infeliz. Outros já caminhavam em minha direção, outros para a
porta, onde Carmem e Cláudio estavam, e os últimos se aproximavam e começavam a devorar
o que um dia fora Antônio.
- Vamos sair daqui! - Cláudio falava isso enquanto atirava em alguns para me abrir
caminho.- Tô com pouca munição e o resto está no carro!
Corri como pude para fora da igreja. Já não olhei para trás e rapidamente entramos no
carro.
- Eu quero ver o que está acontecendo! -Tina gritava, tentando arrancar a venda
enquanto o irmão a segurava
- Tire a venda dela, Fábio! - ao entrar no carro ordenei ao rapaz. - Ela precisa se tornar
forte e encarar a vida! Ou morrer sabendo o que a matou!
Logo dei partida no carro e seguimos em frente.
- Para o hospital, princesa. - a voz de Cláudio em breve me tiraria do sério.

***

O caminho até o hospital não foi tão fácil como pensei. Mas creio que por conhecer a
cidade bem, conseguimos chegar inteiros ao hospital. Cláudio nem parecia o mesmo quando
viu o prédio e, antes mesmo que eu parasse, abriu a porta do carro e saiu correndo.
- Calma, iremos com você. Não sei se é certo ir sozinho.
- Não. Fique aqui, volto em 10 minutos. Se não, pode ir. Há munições no porta malas. E...
- ele me joga a outra arma.
- Cuidado.
Do lado de fora ficamos quietos dentro da TR4, Tina já havia tirado a venda quarteirões
atrás e depois de um ataque histérico, ao ver um homem comendo as tripas de outro, parecia
mais calma, talvez até conformada com a situação. Peguei o celular e tentei novamente discar
para meu pai, enquanto via Cláudio correr até a entrada.
Ou tentar.
Pareceu uma emboscada. Haviam três zumbis vindos da porta. Logo surgiram mais
outros dois pelos lados. Mas ele não recuou. Algo de muito importante havia dentro daquele
hospital e ele sacou uma das armas e começou a atirar. De dentro do hospital começaram a
sair mais e mais zumbis, parecia não ter fim quando finalmente ele apertou e apertou o gatilho
e nada.
O som do estalo eu pude escutar. A voz do meu pai, me chamando do outro lado da
linha, não.
Eu considerei, de todas as cenas que vi, aquela como a mais horrível. Cláudio jamais se
tornaria um zumbi. Seus braços, pernas e inclusive a cabeça foram arrancadas pelo grupo de
mortos-vivos que ali estava. Carmem entrou em desespero dentro do carro e ameaçou sair.
Fábio a segurou, mas não o suficiente. Ela pegou o pedaço de madeira e correu para tentar
salvar o que sobrara daquele homem.
- Não vai acontecer com esse grupo o que vi com o outro!
Não há muito que dizer sobre o que aconteceu em seguida. A mulher, que ela vira correr
para se salvar de zumbis, agora estava correndo para salvar um homem que já estava morto.
Eu liguei a ignição do carro e me assustei ao ver um zumbi que apareceu ao lado da minha
porta.
- Mas e a Carmem?
- Fábio, não há mais nada o que fazer por ela... Tina, se quiser, pode recolocar a venda!
- Vamos para onde?
- Para casa do meu pai!

***

Parte do caminho precisou ser feito a pé. Foi complicado, visto que era apenas eu, Fábio
e Tina. Fábio segurava um dos pedaços de madeira, Tina outro e eu as duas pistolas e muita
munição nos bolsos e numa bolsa que encontrei no carro. Caminhamos pelo parque e
começamos a subir a colina, que levava para perto da casa do meu pai. Já estava de noite
quando alcançamos a mansão. Parecia um lugar completamente abandonado. Todas as luzes
se encontravam apagadas. Tentei ligar com o celular, mas ninguém mais atendia.
A mansão de meu pai era enorme, basicamente decorada com móveis brancos ou claros,
que agora estavam com diversas manchas de sangue. Algo que me deixou ainda mais
preocupada. Evitávamos trocar palavras. Tudo era feito por acenos de cabeça.
Procurei no escritório, na sala de jantar, na cozinha aproveitamos para pegar alguns
pacotes de pães, biscoitos e uma garrafa d’água que coloquei logo na bolsa. Não saberíamos
quando e como comeríamos algo. Eu era a guia, Fábio ficava atrás guardando e observando.
Passamos pelo corredor e chegamos à beira da escada. Fiz um sinal e os dois entenderam. A
passos silenciosos e lentos subimos as escadas que davam para o segundo andar.
Assim que chegamos nele um barulho me assustou, confesso que quase gritei, mas me
segurei.
Olhei para Tina e mostrei um leve sorriso para que ela não ficasse ainda mais apavorada.
- O barulho veio daquela porta - Fábio me indicou com a cabeça ao sussurrar.
- Meu quarto?
Continuamos e caminhamos até a porta, quando fiquei de frente observei uma sombra
por baixo e fiz um sinal de cabeça para Fábio, que puxou Tina mais para perto. Mantive uma
das armas engatilhadas na mão, com a outra fui abrindo a porta devagar. Eu precisaria estar
pronta para atirar a qualquer custo.
- Pai?!
O susto foi compensado com a alegria ao ver meu pai e mais dois assessores dentro do
meu quarto também prontos a atirar. Abracei-o forte e logo entramos. O ar dentro do meu
quarto estava viciado, porém era um dos poucos lugares até agora que havia sentido sem
aquele cheiro putrefato. Estava feliz, em casa, com meu pai e no meu quarto. Desabei a
chorar! Finalmente salva. Meu pai sempre iria me salvar!
Conversamos mais um pouco conforme a noite avançava. Tina se deitou na minha cama
agarrada a um pequeno coelho azul de pelúcia que encontrou. Os outros foram dormindo nos
cantos, cada um se revezaria na proteção da porta em turnos. De manhã, tentaríamos o
helicóptero do meu pai.
Com muita dificuldade fui pegando no sono e a ultima cena que me lembro foi de um dos
assessores sentado ao lado da porta com a arma na mão.

***

O som de um tiro e um grito. Foram as primeiras coisas que ouvi ao acordar. Tina gritava
desesperadamente, enquanto eu me levantei já com a arma em punho não estava preparada
para ver o que vi.
O corpo do meu pai estava ensanguentado no chão e um dos assessores estava
atacando-o. Não pensei duas vezes ao cobrir ele de tiros, enquanto pegava a outra arma na
cintura vi o outro assessor ser morto, enquanto atirava em um que tinha acabado de morder o
braço de Fábio.
- NÃO!
Ele gritou com força e dor enquanto virou a madeira que segurava arrancando fora a
cabeça do zumbi.
- Vem Tina, precisamos sair correndo daqui! - puxei a menina pelo braço, ela não largava
o animal de pelúcia, enquanto Fábio, que vinha correndo atrás da gente, pegou uma das
pistolas que estava no chão, largada por um dos assistentes.
Eu estava em estado de choque, mas precisava sobreviver e não conseguiria sozinha.
- Fábio, você tá ferido. Tem como aguentar a corrida? - Já no hall do primeiro andar ouvi
um grunhido e um corpo caindo no chão. Não olhei para trás. Eu sabia que meu pai havia
virado um zumbi.
Abrimos a porta e foi a cena mais estranha que vi. O sol nascendo, lindo, anunciando um
novo dia e no horizonte um exército que caminhava. Um exército morto.
O rapaz olha para seu braço ferido e olha para sua irmã que, apavorada, abraçava o
coelho de pelúcia com toda a força que podia.
- Vamos! Não temos tempo a perder!
E iniciou nossa corrida colina abaixo. Eu sabia que existia uma saída naquela direção.
Era ela a nossa salvação. Enquanto corria tentávamos desviar de zumbis no caminho, o
confronto direto seria muito pior. Apesar de em alguns momentos ser inevitável.
Fábio começou a sofrer com seu ferimento. Começava a ficar mais lento. Em alguns
momentos parecia estar fervilhando de febre. A verdade é que tanto eu quanto ele sabíamos o
que viria a acontecer e por isso, evitávamos contatos com zumbis.
Eu iria possivelmente ter que enfrentar o pior deles.
Já devia ser perto das dez da manhã quando paramos junto a uma árvore e pedras. Era
um lugar de fácil visualização, e também ninguém chegaria perto sem que víssemos.
Aproveitamos para então beber a água e comer.
- Sara, olhe!
- Estamos salvos! - exclamou Fábio
Tina apontou uma barreira policial para o lado que íamos, senti um alivio. Afinal, o mundo
ainda não tinha enlouquecido, talvez eu pudesse me salvar. Foi quando me assustei. Um casal
se aproximava, um casal humano, eles pareciam chorar de esperança ao ver a barreira.
Esperança que não existia.
Pois quando eles estavam próximos o suficiente para serem considerados salvos, vimos
os policiais, aqueles que pensamos que seriam nossa esperança, atirar no casal sem piedade.
- Não é possível!
Fabio começou a chorar copiosamente. Eu não sabia o que fazer. Sei que ele ainda
estava ali, ele ainda estava vivo para garantir a salvação da sua irmã.
- Fábio, eu darei um jeito de manter Tina viva. Prometo.
Ele me olhou com os olhos cheios de água.
- Até o último suspiro de sua vida?
- É uma promessa!
A partir dali caminhamos de forma mais calma. Fábio parecia piorar a cada minuto. Por
um momento vi a mesma situação que tinha visto antes, naquele homem em frente ao
mercado. Os olhos ficaram brancos, vazios, porém ele voltou a si. Era questão de tempo até
eu usar as últimas balas naquele rapaz que se mantinha vivo pela irmã.
"Ele é como meu pai" pensei "a salvação dela sempre dependeu dele!"
Seguíamos no mesmo esquema. Fábio vinha atrás observando nossa retaguarda e eu
com Tina à frente. Só faltava mais uns quinze minutos no máximo de caminhada. Foi quando
olhei para trás e dei por falta de Fábio.
Tina também.
- Fábio! Fábio!
Começamos a voltar e procurar o rapaz. Creio que, pensando agora, cometi vários erros
em minha vida. E talvez por eles tivesse feito aquela promessa de cuidar daquela garota. Mas
jamais teria pensado que o maior erro estava sendo cometido ali.
Procurando por entre umas arvores, não tive tempo para me preparar. Fábio, o que
restara dele, voara em minha direção. Já não estava mais em si. Já não era mais o rapaz que
fazia de tudo pela irmã. Ele tinha fome e era de carne humana. Chutei, bati, lutei contra ele e
acabamos rolando por dentro da floresta para baixo. Tina estava desesperada e corria atrás
de nós colina abaixo.
Eu não conseguia me controlar, muito menos conseguia pegar minha arma. Todo o meu
corpo doía, senti o sangue escorrer, mas precisava sobreviver, agora, eu não tinha mais meu
pai para me salvar. E precisava salvar uma garota.
E percebi que não lutava contra mais nada. Apenas um corpo inerte e sem cabeça.
Enquanto rolávamos a cabeça do que um dia fora Fábio se desfizera ao bater em uma arvore.
Tina se aproximou chorando. Pensei que ali ela iria me odiar, mas me estendeu a mão.
- Sara, vamos, você prometeu...
Devo ter ficado alguns segundos olhando para aquela criança. Sim, ela talvez já não
pudesse mais ser chamada assim. Ainda segurava com força aquele coelho de pelúcia. Mas
depois dos últimos dois dias sua vida seria e teria outro caminho.
- Vamos.
Chegamos à beira da estrada. Na caminhada percebi que adquirira vários arranhões e
rasgos na minha pele. Porém um me incomodava. Um que me fazia sentir mal, febril e em
alguns momentos sentindo perder a consciência. Parecia uma leve mordida. Não, eu me
negava a acreditar que ele tinha conseguido.
- Querida, vou realmente precisar que você seja forte a partir de agora. Não sei se
conseguiremos chegar aos policias a salvo. Mas eu prometo que ficará bem, ok?
- Ok, Sara.
Nos espreitamos por entre as árvores na lateral da rodovia. Eles não estavam sem nada,
possuíam cachorros e sempre que estes sentiam algum cheiro esquisito eles atiravam.
- Vai ser difícil. Tina, só teremos uma chance. Quero que prometa correr o máximo que
puder. Não pare por nada. Só pare quando encontrar alguém fora da cidade e que essa
pessoa esteja sem ferimentos, ok?
Enquanto eu falava isso, a menina começou a chorar. Eu coloquei minha bolsa com ela. A
tontura aumentava, não sabia até quando eu me manteria consciente, ou viva.
Abracei com força a menina que mantinha o ursinho nas mãos. E então a empurrei. Senti
algo estranho tomando conta de mim e comecei a correr na direção contrária da que indicara
para Tina.
- Agora!
Foi então que surgi na estrada. Já não conseguia mais pensar por mim. Vendo meu
braço, aquela mordida parecia estar se alastrando, carne putrefata. O pânico começou a me
dominar. Minha mente oscilava entre o ser e o não ser, me sentia um animal, minha boca pedia
um gosto estranho, sangue, carne. Ao longe eu via Tina correr por entre a floresta, fugindo da
barreira.
Não sabia se ela sobreviveria aos cães ou não. Se algo pior a aguardava. Agora eu
entendia o que Fábio fez naquela hora. Era o mesmo que eu fazia neste instante, enquanto
tinha um fio de humanidade. Minha vista começara a ficar turva, leitosa, mal conseguia ver Tina
e seu coelho azul. Começo a caminhar em direção a barreira policial e eles precisavam fazer o
seu trabalho.
Senti o primeiro tiro me atingir.
Eu não me importava mais, eu queria carne, eu queria sangue.
E recebi mais outro tiro.
Meus passos eram lentos e eu queria correr, queria carne, sangue, e queria correr.
O terceiro e último tiro.
Um líquido escuro, vermelho começou a escorrer pela minha cabeça, ainda tinha algo
quente?
Algo humano? Ainda não sei. Meu corpo começou a tombar, eu já não sei em que
momento minha mente estava sã, em que momento eu ainda era eu. Apenas fixei na última
visão do horizonte.
Uma menina livre.
Correr, carne, sangue...
E o coelho azul.

FIM
Capítulo 8
Onde os velhos não têm vez
Por Renan Duarte "Ocelot"

- Santa Nozes! Mas será possível? - Disse o velho Leonardo, coçando seu grande nariz.
- E nós que pensávamos que a vida seria levantar, comer mingau, e voltar a dormir. O
que raios aconteceu? Maldição, maldição. - Jeremias, de rosto enrugado demais e careca
espaçosa, lamuriava.
- E agora, o que faremos? - Mustafá, um velho gordo e judeu, de longa barba,
perguntava articulando com as mãos.
- Cadê minha dentadura? - Disse Jairinho na cadeira de rodas. Essa era a única frase
que ele dizia.
- Santa Nozes! Estamos no fim! - Leonardo concluiu.
A trupe de velhos estava trancada em uma sala do museu. Tudo aconteceu de forma
inusitada. Era apenas uma excursão do clube da terceira idade. Leonardo, o velho em boa
forma, tirava fotos de tudo. Jeremias, o mais velho do grupo, não via a hora de voltar pra
casa, só estava com os demais por exigência de família. Mustafá, de nome árabe, mas que
era judeu, gordo e preguiçoso, adorava as horas no clube. E por fim, Jairinho, um sujeito
amalucado que não saía da cadeira de rodas e que só ficava a perguntar pela dentadura,
embora ele tivesse todos os dentes da boca, sem nunca cair nenhum.
Dentre outros velhinhos, estes foram os que sobraram da excursão. Todos os outros
foram comidos pelos mortos-vivos.
Quando tudo começou, as pessoas se deram a correr de um lado para o outro. As
portas do museu fecharam, com mortos e feridos dentro. Não demorou muito para os feridos
morrerem e os mortos se levantarem. Os vivos se danaram enquanto os velhos correram para
a primeira sala que encontraram.
Passaram um dia inteiro ali, até chegar a noite. Então, quando as coisas pareciam estar
calmas, resolveram conversar para decidir o que fariam os quatro senhores.
- Parece que todo mundo morreu. - Disse Jeremias.
- Morrer é pouco. Eles morreram e voltaram pra buscar a gente. Santa nozes! - Disse
Leonardo.
- Mas será que não tinham outras pessoas pra eles buscarem? Logo a gente?
- Perguntou Mustafá.
- Pois é, tanta gente ruim nesse mundo. E eles querem comer a gente, pobres velhos.
Ninguém respeita os idosos mais neste país. - Respondeu Leonardo.
- Cadê minha dentadura? - Jairinho murmurou.
- Olha ele, nem sabe o que tá acontecendo. Só pensa na dentadura, e dentadura, e mais
dentadura. Santa Nozes! - Disse Leonardo.
- E você? Só fica nessa de santa nozes aqui, santa nozes acolá. Quem aguenta? -
Mustafá se irritou.
- Quem aguenta? Era só o que faltava, um rabugento judeu numa hora dessas.
- Retrucou.
- Vê se calem estas bocas velhas e banguelas! - Jeremias quis finalizar o papo. De
todos, o mais rabugento. Nem mesmo a família aguentava.
- Cadê minha dentadura?
Os outros três se voltaram para Jairinho, que serviu de ponto final para o
papo.
- Vejam só, temos que sair desse lugar. - Leonardo sugeriu.
- E como faremos isso? - Perguntou Mustafá.
- É simples, vamos devagarzinho, sem que eles nos vejam e saímos para a rua. - Disse
Leonardo.
- Estranho, não ouvi policiais, nem sirenes, nem nada. O que está acontecendo lá fora? -
Jeremias desconfiou.
- Quem sabe? Quem sabe? - Disse Mustafá.
Os quatro senhores abriram a porta lentamente, e tudo estava escuro demais. Viram
alguns olhos noturnos andando de um lado para o outro. Tudo muito lento.
- Hê, eles não são muito diferentes dos nossos colegas do clube. - Brincou Leonardo.
- Não fala besteiras! Tenha dó! - Jeremias se irritou, fazendo Leonardo fechar a cara.
Andavam em passos de formiga, empurrando Jairinho na cadeira de rodas, se
esforçando ao máximo para não fazer qualquer barulho, em direção a saída principal. Todos
em completo silêncio.
De repente, Jairinho não se segura.
- Cadê minha dentadura?
Todos congelaram de medo. Os zumbis cancelaram suas rotas e se voltaram para os
quatro.
- Santa nozes! E agora?
- Velho idiota! - Jeremias resmungou. - Entregou a gente.
Os zumbis se aproximavam cada vez mais. Jeremias, impaciente, virou a cadeira de
rodas do desbocado, o deixando de costas para as portas, e a empurrou com força. O velho
foi em alta velocidade, mexendo as canelas velhas, passando por todos os zumbis e saindo do
museu para a rua. Foi um tombo só.
- Agora a gente corre! - Disse Jeremias.
E lá foram os velhos, remexendo os ossos porosos. Ao saírem do museu, fecharam as
portas para que aqueles que os perseguiam não saíssem. Ainda bufando de cansaço,
sentaram no chão, observando Jairinho no meio da rua, com a cara velha no chão,
perguntando pela maldita dentadura.
- Esse velho é maluco. - Disse Leonardo.
- E dizem que o filho da mãe não perdeu nenhum dente até hoje. - Disse Jeremias.
- Tristeza, tristeza. Vamos marchar que a Sapucaí é grande.
- O que é isso agora?
- O quê?
- Vai ficar usando bordão de novela?
- Que bordão?
- Além de velho é burro. Vamô embora. Pega o Jairinho.
- Pega você.
- Minha mãe.
E lá foi Jeremias empurrando o velho na cadeira. Os velhos caminharam alguns passos,
então começou a surgir um grupo estranho. Lentamente se aproximando, mas desta vez, não
eram zumbis. Estavam bem vivos, e de armas na mão. Os olhos arregalados revelavam a
sandice em que eles se encontravam. Os velhotes perceberam que aquilo não estava normal.
- Deixa que eu falo... - Se prontificou Jeremias. - Então, senhores, como vocês podem
ver, temos aqui um problema. E um problema precisa ser resolvido. Pelo que posso ver, a
nossa cidade está...
BLAM!!
Antes que Jeremias terminasse, um tiro para o alto calou a sua fala. Um alucinado com
uma escopeta nas mãos saiu do meio da horda de malucos e veio frenético:
- Qualé tiozão?
Jeremias voltou rapidamente para trás e empurrou Leonardo a frente.
- Fala você.
- Eu? S-s-santa nozes! Que velho covarde você é.
- Covarde? Vou te mostrar o covarde debaixo das minhas calças... - Enfurecido, puxou
Leonardo para trás, e retomou a posição de negociador. - Então, meu jovem, sabia que
atirando desse jeito vai atrair mais daqueles lazarentos? E sabia que gritando assim pela rua
afora, todos aqueles bastardos sem rumo nem carne vão cercar vocês na rua?
O grupo se aglutinou diante dos velhos.
- Pra um tiozão, tá sabendo demais dessas coisas...
- É claro que eu sei! Você não sabe quem sou, sabe? - Jeremias assumiu uma postura
corporal de confiança. Os outros velhos se entreolharam.
Assim, meio tentando bancar o irredutível, o jovem líder da gangue quis saber mais.
- Então... Abre o bico, velhote!
- Olha aqui, meu jovem. Vou te dizer... - Pigarreou, buscando alguma ideia genial, mas só
conseguiu o que tinha na cabeça velha mesmo. - Eu sou um cientista, tá entendendo? Desses
da TV, que fazem coisas estranhas, fui eu que criei essas coisas e só eu posso acabar com
elas.
- Mas que merda é essa? - Grasnou Leonardo.
- Cala a boca, infeliz. Não tá vendo que eles tão caindo na nossa? - Disse Mustafá, judeu,
mestre em negociações. Mas só era bom quando contava suas histórias, na hora mesmo,
amarelou.
- Então tu é o danado de uma figa que criou essa coisa toda? - Disse o jovem.
- Hã... É isso mesmo, rapaz. - Disse com toda a pompa que conhecia. Pobre engano.
- Tu merece é tiro na bunda! - Apontou a arma.
Jeremias engoliu seco.
- Calma aí, vamos ter civilidade. Eu não disse que posso tirar vocês dessa? Eu sou do
alto escalão do governo, rapaz! Se me matar, eles vão te fazer picadinho. CIA, FBI, KGB,
Interpol, George W. Bush, Hugo Chávez... Oh! Todo mundo! Todo mundo mesmo vai querer
um pedaço da tua tripa. - Se virou para os outros velhos e continuou baixinho - Fiquem
tranquilos, esses jovens de hoje não sabem de nada.
O jovem líder achou aquele discurso mesmo muito estranho. E de tão estranho, parecia
convincente.
- Então... Vamô ver se eu entendi... Você é um cientista que vai limpar essa bagaça? E
esses berenguendentos todos andando pela rua comendo gente é coisa desses presidas aí?
- É... Isso mesmo, meu filho!
O rapaz caiu na gargalhada.
- Qualé que é dessa tua, tiozão!? Até articulei nas ideia que era sério. Mas diga lá... Tá
tirando onda com a gente, né? - Tomou uma atitude séria. - Tu tá mandando um 171 bonito,
estouro teus miolos seu tio safado! Dá o papo, qualécatua?
Jeremias tremeu as pernas.
- Hã... É... Bem...
- Somos apenas velhotes! - Mustafá, o judeu de nome árabe, corajosamente tomou a
frente da conversa vencendo seus escrúpulos com uma ideia empolgante. - Velhotes, sim! Mas
mortos, nunca! Sim, tiozões renegados, a escória da sociedade. O clube sobrevivente e
soberano da terceira idade. - O jovem se assustou com o levante de Mustafá, mas deixou o
velho falar, aquilo estava cada vez mais estranho. - Éramos apenas alguns velhos banguelas
naquele museu, mas um mal terrível abateu sobre nós. A morte! Sim, ela veio, e escolheu
os seus alvos. Mas nós sobrevivemos! Me diga o que é isto se não a vitória dos mais fortes?
Darwin estava certo, afinal. Só os fracos perecem! Mas os fortes... Ah... Os fortes
sobrevivem! - Mustafá começou a falar grandiloquente, fechando os punhos, socando o ar,
fazendo caras como se discursasse para uma grande multidão. A gangue ficou perplexa.
- Acho que já vi isto em algum lugar... - Leonardo disse baixinho para si mesmo, a
respeito do discurso. - Num filme sobre a segunda guerra...
O breve descrédito e zombaria por parte dos jovens começou dar lugar ao respeito.
Cada palavra, como uma corrente elétrica, circulava sobre aquele pequeno grupo. De repente,
o discurso começou a encantar os olhos daquela pobre gangue de farrapos tentando
sobreviver. Mustafá continuou:
- Vejam vocês! Pobre almas perdidas na noite, entremeio aos desígnios da morte.
Zumbis! Sim! SIM! Zumbis! Andando pela nossa cidade, tomando nossas ruas, nossas vielas,
nossas casas, esposas, filhos, pais! Nossos empregos! Nossa economia! - Estendeu os
braços e começou a vociferar. - EU VOU DIZER O QUE ELES SÃO! NOSSOS INIMIGOS É O
QUE SÃO!
Mustafá falou por mais vinte minutos. A plateia se rendeu completamente. Falou dos
zumbis, da morte, da luta de classes, das injustiças sociais e que tinha um sonho em que seus
filhos não fossem julgados pela cor da pele, mas pelo caráter. Falou a respeito de uma
ameaça global, e que tudo que tinham que fazer é sobreviver. Impor a vontade. Impor a vida.
- O que fazemos para sobreviver? DIGAM!? O QUE? - Não esperou que eles
respondessem. - Temos que nos unir! Como um punho só! Um só feixe! Com ordem e
disciplina traremos o poder sobre esses corpos putrefatos! - E socando o ar, finalizou. -
SOBREVIVENTES DE TODO O MUNDO, UNI-VOS! MARCHEMOS SOBRE SANTA FÉ,
MATEMO-LOS TODOS! NOVAMENTE! - A multidão de umas quinze pessoas aplaudiu
gritando. Mustafá havia conquistado pelo discurso.
Os outros velhos estavam boquiabertos.
- Jesus... - Leonardo se adiantou, como quem acaba de testemunhar uma bizarrice. -
Que foi isso?
- Não sei não, Léo. Mas que é estranho é! Veja só, só faltou o bigode pro velho.
- Jeremias respondeu.
Entretanto, os gritos discursais do velho judeu atraíram uma horda de zumbis. Dezenas,
centenas deles. Aquela encenação toda fora tão convincente que eles nem perceberam os
gemidos, grunhidos e grasnados possíveis dos mortos vivos. Estavam cercados.
- Vejam! Zumbis! - Gritou um daqueles jovens malucos lobotomizados.
Mustafá viu sua chance que concluir o que começou. Assumiu um olhar napoleônico,
apontou para a horda e gritou às barbas largas:
- ATACAAAAAAAAAAAR!!!
Todos avançaram, menos os velhos. Até o suposto líder da gangue já estava dominado.
Os malucos se atiraram na horda de zumbis como em uma cena de filme épico. Os que tinham
armas atiravam, os que não tinham iam na mão mesmo. Estes se danaram primeiro. Os
velhotes aproveitaram a passagem e caíram na estrada.
Enfim, estavam livres da horda e da gangue de malucos. Ao longe, um Shopping Center
funcionava com algumas luzes fracas. Provavelmente devido ao gerador interno.
- Bem... Se houver mais sobreviventes, talvez eles estejam lá... - Disse Leonardo.
- Eu é que não quero mais saber de sobrevivente nenhum. E eu que achava os filhos da
louca da vizinha é que eram malucos... Aquela trupe de marginais bocabertas são o fim do
mundo!
- Jeremias, Jeremias... Sempre rabugento. - Mustafá comentou com um sorriso
presunçoso.
- O que é isso agora?
- Nada, camarada, nada mesmo. - Continuou com o sorriso soberbo.
- Eu também poderia ter nos tirado daquela. Você tá é muito convencido pro meu gosto!
- Mas vocês viram, não viram? Viram como eles caíram no meu discurso? Foi fantástico.
Não sabia que eu tinha tal poder... É como... Eu falava e eles simplesmente concordavam...
- Parecia um maldito fascista.
Então, Leonardo se lembrou:
- Isso mesmo! Agora me lembrei... Quando vi você falando daquele jeito, pensei ter tido
um daqueles Déja Vu... Era porque você falava como um ditador. Mas ei... Espere... Você é
judeu. Você deveria detestar ditadores... Não é?
Mustafá estava convencido demais com a vitória para pensar nas tradições familiares.
- Não é bem assim. Eles só precisavam de alguém para se espelharem... Um exemplo...
Um ideal... Um pai.
- Um füher. - Jeremias concluiu. - Velho fascista.
- Santa nozes! Agora temos um ditador judeu. - Disse Leonardo.
- Brrfffu... Esse gordo calça frouxa vai nos atormentar com este fato até a eternidade. -
Jeremias reclamou, adiantando-se nos passos, um tanto aborrecido, empurrando Jairinho na
cadeira de rodas.
- Cadê minha dentadura? - Perguntou o velho cadeirante.
O shopping, de fora, continuava imponente, porém, as portas fechadas. Os velhotes
caminhavam lentamente entre uma porta e outra, procurando alguma entrada. Tudo em silêncio
para não atrair nenhum zumbi. Foi então que Jairinho começou a falar ligeiramente,
perguntando pela danada da dentadura, mas apontando para o teto. Apontava para uma
câmera que os acompanhava.
- Velho esperto, e a gente pensando que só faltava você morrer, hein Jairinho?
- Brincou Leonardo.
- Não fala assim que chateia. - Disse Mustafá.
- Chateia quem?
- O velho, oras. Ninguém aqui tá querendo morrer.
- Só me faltava essa...
Jeremias se adiantou a fazer contato:
- Oh seus bastardos! Não tão vendo que a gente tá aqui fora pra morrer não? Abre logo
essa bosta! Onde já se viu deixar a gente do lado de fora... No meu tempo, a gente sedia o
lugar pros mais velhos. Abram logo, seus infelizes!
Um longo silêncio permaneceu, e então, uma das portas foi aberta. Um homem alto,
forte, mas roliço, negro e de cabelos espaçosos atendeu, chamando logo os velhos para
dentro.
- A gente fica agradecido. - Disse Leonardo com um sorriso da terceira idade.
O sujeito de macacão nem respondeu. Jeremias ficou ofendido.
- Olha aqui, filho. Prestenção! Vocês iam deixar a gente do lado de fora? Cambada...
- Humpf... - O sujeito suspirou de tédio. - Meu senhor, deixa eu te falar uma coisa, com
todo o respeito... O mundo tá acabando, então não enche o saco. Só deixei vocês entrarem
por que fiz uma promessa pra minha mãezinha que nunca trataria mal um velhinho. Isso incluía
ela... E meu nome é João... Mas todo mundo aqui me chama de Barril.
Jeremias de pescoço fino e orelhas moles, balançou a cabeça em reprovação.
- Quer chamar isso de tratamento? Esses jovens de hoje...
- Cadê minha dentadura? - Disse Jairinho, como sempre. João nem se importou, mas
Leonardo explicou assim mesmo.
- Ele é maluco.
João riu.
- E todos vocês não são?
- Hã... Não... Tá certo que eu tomo meus remédios, dois pra memória, um para os ossos,
o vermelho de noite, o azul de dia, e o amarelo quando acordar. Ainda tem aquele para
intestino. Uma beleza! Uma beleza! - Disse Leonardo.
- Não dê papo pra esse aí Léo. - Jeremias continuava indignado. Mas estava só por
estar, não havia motivos reais. Era sua natureza ficar chateado com alguma coisa.
- Venham, vou apresentar vocês ao grupo... Estamos refugiados aqui desde que
aconteceu... - Disse Barril.
- Espero que tenha alguém decente nesse grupo.
- Fica logo ali, no andar de cima.
Antes que pudessem subir as escadas, um grito ecoou pelo lugar. Vinha de cima.
- Droga! - Barril disparou a correr. Os velhos nem se moveram.
- Não vou correr mesmo. Deus que me livre da descadeiração. - Leonardo justificou.
- Nem eu. Mas se me vissem uns 30 anos atrás, eu era um verdadeiro atleta. - Mustafá
se gabou triunfante.
- Saco de banha idiota. - Jeremias acabou com a festa.
- Cadê minha dentadura?
Outros gritos começaram a acontecer. Alguma coisa séria estava acontecendo. Os
velhos, calmamente, subiam a rampa que dava para o andar de cima. O caminho mais longo.
Precisavam evitar as escadas. Muito trabalho.
- O que é isso, hein? - Perguntou Leonardo.
- Vá saber... Vá saber...
Quando finalmente chegaram ao andar de cima, viram Barril com uma cadeira de ferro
nas mãos, atacando um outro sujeito, que tinha o braço de uma mulher entre os dentes. Os
zumbis estavam ali.
- Eita merda! Nunca acaba. Nunca! - Jeremias resmungou.
Barril girou a cadeira na cabeça do zumbi, estourando-a. Oscilou, tentando fazer algo
pelo grupo que estava sendo atacado, mas já não havia saída. Os zumbis mordiam a todos, e
os mordidos mordiam outras pessoas. O grupo já era.
- Corram! - Gritou Barril, se adiantando pelas escadas.
- Lá vamos nós... - Disse Jeremias.
- Também não aguento mais... - Leonardo completou.
- Cadê minha dentadura?
E lá se foram os velhos, correndo, de canelas magrelas e bochechas flácidas. Com
certeza não era bonito, mas era melhor que os zumbis.
Juntamente com o Barril, correram para a garagem do shopping, apertaram-se em um
carro qualquer e saíram em disparada. Entre curvas malucas e manobras arriscadas, e um
pouco de carne de zumbi no para-brisas, eles seguiam, na adrenalina do momento. De
repente, a toda velocidade, o carro atropelou um montante de cadáveres amontoados,
impulsionando o veículo a um sobressalto que o fez capotar. O carro ergueu-se meio metro do
chão, caindo com os pneus virados devido ao fato de Barril perder o controle da direção pelo
susto. Aquele caixote de velhos cambalhotou até ser parado por um poste de luz. Todos
apagaram.

***

Após o caos, Jairinho não soube bem se acordou pela dor de cabeça ou se a sentiu só
depois. Abriu os olhos lentamente, situou-se, apertou os olhos para o fosco se tornar em
imagem nítida. Os olhos do velho eram como de águias.
- Dentadura? - Disse instintivamente.
Estava apertado dentro do carro amassado, com Leonardo desacordado sobre ele.
Sentiu algo estranho na perna esquerda. Algo molhado. Se movendo em torno de suas canelas
pintalgadas. Então se deu conta que estava sentindo as pernas. E isto o fez estranhar ainda
mais.
- Mi...la..gre... - Balbuciou, e esta foi a primeira palavra diferente em anos. Aquele
acidente trouxe certa lucidez para o velho. Parecia ter acordado de um longo sono. Passou a
mão na testa, um sangue vermelho vivo escorria. - Eu tô vivo. - Disse por final.
Tentou reparar no que havia em sua perna e a cena era realmente muito pior do que
imaginara. Leonardo transfigurado, sem dentes, tentando mordiscar a sua canela. O velho Léo
morreu na batida e voltou feito morto. A dentadura deve ter voado pela janela.
- Banguela do inferno! - Disse chutando a cabeça de Léo para largá-lo.
Tentou se arrastar para fora, mas Leo não o deixava em paz. Chutou mais algumas
vezes. As pernas eram fracas. Tanto tempo em uma cadeira de rodas fez os músculos
perderem o vigor. Mas os braços eram fortes. Arrastou- se pela janela então, mas junto veio o
Leonardo zumbificado.
- Sinto muito, Léo. - Splash! Foi o som da martelada que Jeremias deu na cabeça do
velho zumbi. Espatifou o cérebro gelatinoso.
- Hã... Obrigado.
- Então agora você fala?
- Não deveria?
- Levanta logo.
Jairinho se levantou, percebeu no outro lado da rua um velho partido ao meio. Era
Mustafá, lançado pela janela no acidente. Mais adiante, Barril. Os dois estavam sem cintos. Ao
redor, o caos total. Mortos por todos os lados. Jairinho estremeceu.
- Que houve?
- Bela hora pra acordar hein?
- Mas... Como assim?
Jairinho não sabia bem o que estava acontecendo. Subitamente, despertara da vida
vegetativa de uma frase só. Talvez o tranco que levou na cabeça tenha sido responsável, mas
quem sabe?
- Velho maluco. - Jeremias disse asperamente. E continuou - Temos que sair dessa
maldita cidade.
Atordoado, porém consciente, Jairinho apontou para o horizonte, para o
porto.
- Dentadura...
- De novo essa merda? Achei que esti...
- Não, não... Minha dentadura! Lá, no porto.
- Que merda... - Jeremias saiu irritado. Mas Jairinho estava disposto a terminar a fala.
Seguiu falando.
- É meu barco. Meu barco de pesca! Se chama dentadura. Foi um presente...
- O que? - Jeremias teve que parar para ouvir.
- Uns amigos me deram um presente. Um barco de pesca. Pequeno, mas veloz e
aconchegante. Disseram que eu deveria chamá-lo de dentadura, pois dentadura é o melhor
amigo de um velho.
- Tá dizendo que a maldita dentadura que você ficava perguntando é um barco?
Jairinho se demorou na resposta, como quem se lembra de uma memória antiga.
- Isso, sim. Agora me lembro... Me lembro da saudade que eu tinha do meu barco.
Dentadura! Podemos sair daqui por ele.
Jeremias suspirou aliviado.
- Finalmente você serviu pra alguma coisa. Vambora velho maluco! - Sorriu.
E lá se foram os dois velhotes para o porto. Havia muitos barcos no local e uma horda de
outros amalucados. Mas não houve problemas. Todos reconheceram a fama do velho
revolucionário Mustafá, que havia juntado um exército no centro da cidade, unido os povos e
lutado bravamente contra os zumbis. E ali estava os dois últimos amigos do grande líder dos
sem esperança de Santa Fé. Jeremias e Jairinho, agora a bordo da Dentadura, partiram
tranquilamente, juntamente com a horda de malucos arrebanhados por Mustafá para o outro
lado do rio. Deixando Santa Fé e todos os zumbis para trás.
Depois disso, Jeremias se deu a praticar tiro ao alvo, alpinismo, natação, bang jump e
tudo quando é tipo de coisa aventureira para resgatar a adrenalina que sentiram em Santa Fé.
Jairinho passou a viver na Dentadura, seu pequeno barco de pescas. Dizia que ali era o
lugar mais seguro do mundo e que nunca mais deixaria Dentadura. Os malucos ergueram um
memorial para Mustafá, o grande líder. Também não se esqueceram de Leonardo, o
simpático.
Assim foi o fim dessa aventura da terceira idade.
Vida longa aos velhos!

FIM
Os autores
O Universo Nova Frequência é um grupo formado por novos escritores brasileiros que se
uniram para fundar e manter um site onde pudessem extravasar as ideias que lhes
atormentavam, seja produzindo contos, séries, fanfics ou tiras.
O UNF está em franca produção desde janeiro de 2009 e, após a produção de dezenas
de textos disponíveis online, este é o primeiro ebook do grupo, fruto de um jogo estipulado
entre os autores, onde todos foram desafiados a escreverem um conto sobre o apocalipse
zumbi ocorrido numa fictícia cidade brasileira.
Conheça os outros projetos do grupo visitando nosso site oficial:
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Title :: Frequência Z - Quando os mortos se levantaram
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Title :: E Eu Acordei Morto!
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Title:Frequencia Z: Onde Os Velhos Não Tem Vez
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Title :: Frequência Z - álbum de desenhos
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Frequência Z
Santa Fé, uma cidade interiorana como outra qualquer, que subitamente mergulha
num dos piores pesadelos já imaginados: O apocalipse zumbi!
Mulheres fatais e dissimuladas, homens corruptos, músicos idiotas, heróis
forçados, palhaços psicóticos, idosos desesperados, crianças perdidas, cachorros
espertos, padres alucinados e muitos outros personagens têm que lutar para escapar
da cidade condenada, usando todos os meios possíveis ao seu alcance. E não será
nada fácil.

APAVORE-SE!
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{01} Música da banda Slipknot de um álbum com o nome: All Hope Is Gone (Toda a esperança
se foi)

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