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SOLANGE PEREIRA DA ROCHA
Docente ligada ao Departamento do Curso de História da UFPB
banto20ufpb@gmail.com
A prática do Catimbó-Jurema, originalmente indígena, é resultado de um longo
processo de trocas religiosas entre europeus e africanos. O culto consiste na bebida da
Jurema, no fumo do cachimbo e na possessão de entidades que tem o objetivo de curar e
resolver os problemas dos fiéis. As entidades consistem em espíritos que tiveram vida
terrestre e, após sua morte, atuam na religião, entre estas pode-se encontrar os
mestres/as, caboclos/as, pombas giras e exús. Dentre as entidades femininas, ressalto o
papel das mestras juremeiras, espíritos de catimbozeiras que, por sua atuação, se
destacaram na religiosidade, mantendo, mesmo após a morte, seus “trabalhos” com os
fiéis. Pode-se identificar várias mestras, no entanto, é Maria do Acais que se tem uma
maior referência na Paraíba. Ao realizar uma análise bibliográfica como abordagem
metodológica, tomando como base os estudos de autores que discutem a religiosidade
afro-ameríndia, desde a caracterização do Catimbó-Jurema enquanto folclore, como as
pesquisas feitas por Câmara Cascudo e Gonçalves Fernandes, e os estudos mais
recentes, como as obras de Luiz Assunção, Idalina Santiago, entre outros, buscaremos
analisar as representações sobre as mestras produzidas pelos/as autores/as mencionados.
Palavras-chaves: Religião afro-ameríndia. Catimbó-Jurema. Mestras.
catimbó com tanta facilidade é porque encontrou nele a mesma estrutura mística
existente em sua religião, a mesma resposta às mesmas tendências”(p.149). A
convivência entre negros e índios durante a escravidão era constante, desde a coabitação
nas áreas de trabalho, como nas fugas para as matas, os quilombos. A exemplo, o culto
à entidade do “rei Malunguinho”1, liderança negra que se transformou em entidade
cultuada na Jurema.
O catolicismo também contribuiu para a formação do catimbó-jurema, essa
influência é visível nos rituais, com a presença dos santos e das rezas católicas. Sendo
assim, o Catimbó-jurema é originado a partir das crenças religiosas indígenas, no
entanto, com forte influência da religiosidade europeia e negra. Como bem disse
Câmara Cascudo,
O catimbó é o melhor, é o mais nítido dos exemplos desses processos
de convergência afro-branco-ameríndia. As três águas descem para a
vertente comum, reconhecíveis mas inseparáveis em sua corrida para
o mar.(CASCUDO, 1978, P.21).
O catimbó-jurema é uma prática religiosa com concepções e representações em
torno da planta também denominada de Jurema. O culto consiste na bebida dessa planta
(que não possui efeitos alucinógenos), no fumo do cachimbo, na defumação2 e na
possessão de entidades, como mestres/as e caboclos/as, que tem o objetivo de curar os
doentes e resolver seus problemas, como também, segundo Fernandes (1938, p.107),
“eles fornecem rezas para os fins mais diversos que possa imaginar”.
A espiritualidade da planta da jurema é justificada na mitologia religiosa. De
acordo com as pesquisas realizadas por Bastide (2011), a planta tornou-se sagrada
quando a virgem Maria escondeu Jesus debaixo de um pé de jurema, durante sua fuga
para o Egito, contra a perseguição de Herodes, fazendo com que os soldados romanos
não o visse. O contato da planta com Jesus a transformou em planta sagrada, sendo,
esta, possuidora de uma força espiritual. Essa mitologia e narrada nos cânticos dos
juremeiros:
1
De acordo com o professor Marcus Carvalho (1998), Malunguinho é a titulação dada aos líderes do
Quilombo Catucá (início do século XIX), localizado nas proximidades de Recife-PE.
2
A defumação é realizada com o cachimbo invertido, o sopro é feito com a boca no local da queima da
erva. Essa prática é advinda dos costumes indígenas, tradicional da jurema, é retratada pelos primeiros
autores que trabalharam com a temática, incluindo-se aqui, o vídeo etnográfico produzido por Mário de
Andrade, Missão de Pesquisas Folclóricas, de 1928.
3
3
Canto tirado do livro de Luiz Assunção (2010), p.80.
4
4
Estudo que resultou na dissertação de Mestrado pela Universidade Federal de Pernambuco – UFPE,
intitulada: “Catimbó: Pesquisa Exploratória sobre a Forma Nordestina de Religião Mediúnica”.
5
A umbanda, considerada uma religião brasileira, se formou na região sudeste, principalmente do Rio
de Janeiro e São Paulo, no início do século XX. É caracterizada por sua formação ser resultado da união
das religiões negras, o catolicismo e o kardecismo.
5
6
Pode-se encontrar nessas casas oferendas feitas a partir de sacrifícios de animais, costume adotado a
partir do contato com a Umbanda. Segundo Câmara Cascudo, Gonçalves Fernandes, Roger Bastide e
René Vandezande (nos livros já citados), o sacrifício de animais não era uma prática realizadas pela
Jurema de mesa.
6
que atuava “nas esquerdas”, e da mestra Maria Cassimira Gonçalves da Silva, de acordo
com Salles (2010), mestra Cassimira costumava realizar antigas práticas indígenas.
Além das mestras do Acais, Vandezande fala da mestra Isabel, mãe de um
catimbozeiro entrevistado, mestre Adão, que, mesmo falecida “dá assistência ao filho,
geralmente pela voz de uma presença feminina” (VANDEZANDE, 1975, p. 57); mestra
Leonor, mestra do Pindobá, mestra Maria Arcanjo, dona Mocinha, mestra Tandá e
Amélia, a “mestra do outro mundo que gosta de joias”(p.117). No tempo em que
Vandezande produziu sua dissertação, todas as mestras citadas possuíam suas cidades,
ou seja, seus pés de jurema. Hoje, devido à mudança de proprietários, invasão do mato
ou ainda, falta de um zelador9 para cuidar da manutenção da cidade, muitas se perderam
e foram destruídas. Além das mestras de Alhandra, Fernandes faz menção à Joana-Pé-
de-Chita, feiticeira que residiu em um “mucambo bem revestido da estrada de Santa
Rita”, segundo o autor, catimbozeira muito conhecida e procurada pela redondeza da
cidade, mestra também citada por Santiago (2008).
Por influência umbandista e, por sua vez, kardecista, os mestres e mestras
paraibanos hoje, são tidos como espíritos evoluídos ou em processo de evolução mas,
sempre em um estágio além das demais entidades, como afirma Assunção (2011). Ao
mesmo tempo em que, alguns espíritos considerados degenerados, por atuarem na linha
da esquerda e realizarem trabalhos nem um pouco virtuosos, como as pombas-gira e os
exús, passaram a ser classificados como mestras e mestres.
99
Zelador é o nome dado à pessoa responsável pela cidade da jurema de algum mestre, pela
preservação do santuário. Em geral, tal responsabilidade é destinada à um discípulo ou parente do
mestre (ver Salles, 2010).
9
todo o ano e nas diferentes atividades religiosas desenvolvidas no interior dos terreiros
de religião de matriz africana.
Referências Bibliográficas
BASTOS, Ivana Silva. O perfil dos terreiros de João Pessoa. In: Anais do X Simpósio
da Associação Brasileira de História das Religiões. Assis: UNESP, 2008.
CASCUDO, Luís Câmara. Meleagro. Rio de Janeiro: Agir, 1978. 1ªEdição 1951.
PIMENTEL, Fábio Luiz. Das religiões de matriz africana e indígena como espaço de
resistência política e cultural no Estado da Paraíba. João Pessoa, TCC (Monografia),
UFPB – Campus I, 2010.
SANTIAGO, Idalina Maria Freitas Lima. O jogo de gênero e sexualidade nos terreiros
de Umbanda X Jurema. In: HABAY, Glória. MELO, Heleina. Gênero, raça e etnia.
João Pessoa: Ed. Universitária/UFPB, 2003.