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CONTOS DO AMOR E DA MORTE- Ricardo Rocha

Um número em cada ponto do espaço


(Viagem para fora do corpo)
O ar pesado da temporada ecoa como um
marulho paralelo, sepultando os pensamentos
benignos, levando ao lucro e ao prazer. A
gaivotas porém planam e pairam, só elas
próprias conhecem o teor de sua melodia. O
turista acredita estar preparado. Férias é um
conceito amplo e deformável.

Dionísio, o dono do único supermercados do


balneário, tenta entender, pasmo.

Nariz e maxilar rígidos. Os músculos se


cristalizaram. Os feixes transportavam intenso
mal-estar para toda a alma. A pele que recobre
o ninho de desconfortos é salpicada de calores e
pontos frios; e a alternância mórbida produz um
repuxamento muscular com plenos poderes
sobre o pensamento. Era a síndrome de
abstinência. Estava acostumado. Mas não o
suficiente para que a nova crise fosse menos
apavorante. Decidiu que preferia não viver
mais, não à mercê desse hediondo fantasma.
Lembra-se de ter passado no bar.

Entretanto, isso aqui é um hospital.

Conquanto exista esse esforço dedicado e


crente, o mesmo do pioneiro que determina
eqüidistâncias, esse anelo cósmico, havia a
contemplação apenas, como um anjo da escada
de Jacó não se deslumbrará com os degraus
abaixo. Dionísio reflete e transpõe. Toda essa
glória não pode virar medo. Olha. Médicos e
enfermeiras em frenesi. Mas por que não
consegue se comunicar? Que modo tristonho de
estar morto. Porque do alto também via a si
mesmo, ali deitado, como se seus olhos fossem
câmeras de circuito interno da sala de cirurgia.

Morto mesmo? Desejou regressar. Alguém me


veja e haja retorno ao que tento expressar.
Nada. Aparentemente perdera todo contato com
o mundo e o mundo sem traumas lhe sobrevive.
Deus. A volta de uma onda, daquelas lá, não
teria tamanha força e tão irracional. É assim
essa memória. Três tiros à queima-roupa
antecedidos por uma maldição – Desgraçado!
Leva isso para o inferno! – quando encontrava a
jovem a quem dera carona na avenida Beira-
Mar. Ai, o prazer da sedução em dor tornado,
sem tempo sequer para arrependimento. E
deveria se arrepender? Malditazinhas... Colocam
esses shortinhos, enlouquecem a gente, e
depois chega um marido ciumento e acaba com
tudo. Não é justo.

Não sentiu dor ou medo, apenas disse consigo


mesmo que, oh meu Deus, ia morrer. O dono da
mercearia o amparou. Quando alguém estendeu
um lençol sobre seu rosto, pensou ter gritado
para que não fizessem aquilo, ele estava ali, iam
acabar enterrando um vivo. Bem que alguns de
seus conhecidos diziam que algo assim ia
acabar acontecendo. Mas não tão cedo. E afinal
nem fizera algo assim tão adúltero. Então viu
sua pequena Demi, a meiga sofredora das
doenças dele. Batia nela, traía, ignorava. O que
mudou desde que se casaram? Ele também
sempre foi um bom rapaz, íntegro, trabalhador.
Mas começaram a escarnecer dele, chamaram-
no de crente, e isso era a pior ofensa. Aí
mudou. Afastou-se da esposa, passou a andar
com as vagabundas, tornou-se alcoólatra, uma
companhia desagradável e fedorenta, deixou de
lado a velha honestidade nos negócios. Quando
o efeito passava e caía em si, sentia-se sim o
pior dos adúlteros.

Os médicos a estavam pondo a par da morte


dele. Que morte? Esses doutores compram os
diplomas! Seu espírito errante turbava-se,
agitado. Tudo ficou negro de repente. A seguir
viu o túnel e lá no finzinho uma luz. Seria
possível que estivesse mesmo morto? Não.
Tinha certeza de que não estava morto – tanta
quanto estava fora de seu corpo. E o que isso
prova? Projeção astral não é um fenômeno
recém-descoberto. O tal professor Tard
escreveu a respeito, narrando as experiências
de pessoas quando submetidas a demasiada
proximidade da morte ou mesmo quando por
instantes dados como clinicamente mortos –
seria o caso?

Demi não termina de ouvir, rebenta em


lágrimas. Pobrezinha... Não sabia exatamente
quando deixara de adora-la. Porque, se a
adorasse, não haveria escárnio que o fizesse
mudar – não para procurar fora de casa o que ali
ela dava com tamanho gosto; menos ainda para
bater nela, bem, ele chegou a achar que punha
tão pouca força que nem doía, quase acreditou
que ela gostava, louco. E como era apaixonado!
Foi a bebida, sem dúvida. Esse vício maldito, só
pode.

Agora percebe uma corrente prateada ligando


seus corpos. Como Deus é sábio... Um
mecanismo para que não se perdesse no
infinito. A consciência de que plana, uma
sombra sobre seu rosto etéreo. Os poderes o
iluminam de súbito, inesperadas luzes da
morte, anelo de atravessar paredes e percorrer
grandes distâncias num átimo, latejando no
desejo de rever a filhinha. Encontra-a
agradecendo a uma coleguinha pelas
condolências. Papai bebia muito, foi melhor
assim, se continuasse vivo iria sofrer mais e
mais. Erro primário da idéia condescendente de
que os vícios não o impediam de ser um bom
pai, que amava mais que tudo sua garotinha. E
onde está o menino, meu Deus, o que será dele
com semelhante exemplo em casa? O futuro
goteja das folhas, impregna o sereno. Que
jovem seria uma menina amada assim tão sem
compromisso? Passam pela noite jovens e
jovens daquele tipo com as quais traíra Demi. A
luz das estrelas distantes ainda não o iluminou.

Uma decisão. Esteja ou não morto. Se está fora


do corpo e tem poderes, tirará partido enquanto
durar. Não mais questionará. Irá oferecer algum
socorro a eventuais almas na mesma situação.
Pois não haveria de ser um caso único. Quantos
como ele, baleados, afogados, queimados, não
estariam vagueando em temor? O cirurgião
chefe e as residentes modelo apertam o passo
pelos corredores , parentes choram na sala de
espera. Todos terão amado assim as vítimas? O
dragão e sua chama, quis dizer câmera, essa
coisa deve afetar também a expressão das
palavras. Ali ela, o pivô de tudo. Faz frio assim
para roupas tão escuras? Dionísio sente o calor
impregnando a blusa e a pulsação apertando o
jeans.

O que é novo tem atributos do céu e do inferno.

Deseja em seu íntimo – e esta mos falando do


que é definitivamente íntimo – servir ao
semelhante. Todavia não desprende a
consciência dos bloqueios individualistas.
Permanece assim girando em torno de si
mesmo. Um momento. Um plano de seu bairro.A
visão libertadora. Demi. Desce até o
apartamento. Pela primeira vez desde que deu
por si, não passa pela cabeça a possibilidade de
ser enterrado vivo. A mulher deveria agora
estar no quarto, chorando, sozinha para não
impressionar ainda mais as crianças, depois de
um dia estressante de trabalho, do qual não
podia prescindir, costurando para fora. Desde
há muito ele não é um provedor, sob a desculpa
de que a renda dos aluguéis incorpora esse
papel; não, é ao contrário o dissipador. E agora,
terá chorado com a notícia, chorado por ele,
infeliz. E sempre havia, quando chegava em
casa à noite, havia uma roupa limpa em cima da
cama para depois que tomasse banho e a janta
quente no fogão, que ele quase nunca comia,
preferindo os salgados suspeitos do bordel,
quando não pagava jantar para dois num bom
restaurante, se era o caso de impressionar uma
jovenzinha de fora.

Atravessa a parede de seu quarto em encontra a


mulher. Ela porém não chora. Há um tom rosado
desconhecido em suas faces. Um insight, uma
fagulha de felicidade. É um alívio perceber que
ela resiste bem e consequentemente seus filhos
suportarão melhor. Nem percebe ele que
começa a se comportar como se de fato não
fosse voltar.

E ia.

Um residente descobre o engano por acaso.


Contará para seus netos. E, procurando ser
discretos, recolocam o paciente na mesa de
operações. Por enquanto porém a descoberta
não havia sido suficiente para traze-lo de volta
a seu corpo físico e permanecia vagando. Ignora
que é uma experiência astral com hora marcada
para acabar.

Pairou sobre a delegacia e lá desceu. Queria ver


seu assassino. Pelo que podia ouvir, era aquele
da cela à direita. Deu tudo de si para se
lembrar, mas o rosto era de todo estranho. Não
havia um companheiro de cela para que, através
de uma conversa, ele pudesse entender. Mas
logo o delegado o chamou, tinha visita. Já a
mulher que entrou possuía um rosto de todo
conhecido. O que fora fazer ali? Tentou avisa-la
para se cuidar, talvez fosse um desequilibrado
mais que um namorado ciumento ou um
assassino de aluguel.

A mulher fizera um escândalo antes de entrar. O


delegado acalmou-a, permitiu que visse o
assassino mas isso só para que, como ela disse,
olhasse nos olhos daquele maldito que não teve
misericórdia e deixou duas crianças órfãs. O
espírito do marido percebeu que Demi deixara
um papel nas mãos do assassino antes de sair.
Aproximou-se. Um calafrio se apoderou do
homem, um frio tão intenso que se encolheu, o
papel em sua mão, tremendo. Não era tremor
bastante que fosse impedimento para o
espectro do homem de cujo corpo no hospital
era extraída a terceira bala. Leu.

Marcel fazia parte de uma casta de homens


singulares, generosos e educados, contudo de
gênio difícil, que poderia leva-lo a uma
grosseira desproporcional com o incidente que a
gerara ou simplesmente faze-lo feroz, sem lugar
para a bondade – e aqui, independente do caso,
no fundo sabia estar errado, pois qualquer
circunstância é passível de misericórdia. Mas
era mais forte que ele. Libriano, a justiça – nem
sempre justa – o controlava e descontrolava.

Trabalhava elaborando e dirigindo projetos


como prédios, obras de saneamento e pontes,
como atualmente sucedia com a ligação entre os
povoados de Iorentin e Amupi. Durante o
trabalho, tornara-se amigo do chefe-de-obras,
morador na cidade vizinha de Nahico. Chegou a
flertar com a filha caçula do colega, Brenda.

Os pais dela faziam tanto gosto na união que


passaram a dizer ao namorado da moça,
adolescente como era, que raramente nos
últimos tempos ela vinha em casa, a não ser
para dormir, que estava morando em Iorentin e
trabalhando em Amupi, insinuando que era
também o que ele deveria fazer, cuidar da
própria vida, uma vez que se dedicava tanto ao
grupo musical de que era líder e vocalista. A
jovem também, uma vez que, quando se
encontrou com o rapaz, confirmou a estória dos
pais, mesmo sem conhecimento prévio do que
eles disseram. Depois, achou de fato uma boa
idéia para impressionar Marcel e realmente se
inscreveu num curso de idioma e arranjou um
bom emprego entre as cidades mencionadas.

Não se pode dizer que Marcel não estivesse


interessado em Brenda porque, enfadado de sua
profissão, esforçava-se para fazer-se admirado
pelas mulheres e a matéria dessas admirações
caracterizava-se ´por magias específicas que
transmudavam uma noite insossa num período
fértil de sedução. Mas jogava esse jogo pelo
prazer de jogar, nada mais. Uma noite contudo
uma peça se acrescentou à partida. A filha mais
velha, Demi, entra pela porta, solene, enquanto
estavam na mesa.

Quando olhar de Marcel se cruzou com o dela,


seu coração disparou. Estava ela para dar cabo
da vida, muito infeliz. Voltava a apanhar do
marido e nem podia reclamar, pois quando
resolvera se casar afrontou a vontade dos pais.
Eles deixaram claro que quando se
arrependesse, não estariam ali para a consolar,
uma vez que Demi não lhes dera nem mesmo o
benefício da dúvida, de pôr a prova aquele
noivo por mais algum tempo, não, quis casar-se
logo, como se estivesse em chamas, e estava, e
quão depressa se apagaram ao ser o álcool
derramado sobre elas, quando o homem
esbelto por quem estava apaixonada deixou em
seu lugar um bêbado pançudo dos mais
ordinários.

Na cadeia, passado o frio quando o espectro se


foi, Marcel leu o bilhete que dava conta de que
o homem por ele baleado deveria se salvar.
Acostumado ao processo do amor, à atração
física inicial, os galanteios, as resistências, os
momentos sensuais da amizade entremeada de
sexo – cada vez mais esparso – até o rancor
pelos motivos mais sem sentido, dos quais o
mais comum é a raiva contra a pessoa que nos
apresenta ao tédio e ao desencanto. Mas matar
por amor, era impensável. E, ao passo em que
se acostumava àquela sensação, um absoluto
desafio a seus valores e à mais inerente
estrutura de ser, como tudo, passava a se
acreditar capaz.

Para todos os efeitos, vira a esposa da vítima


apenas uma vez, na casa dos pais dela, quando
na verdade, ainda naquela noite a viu de novo, e
todas as vezes que ela ía para fazer compras,
única saída que o marido permitia. Para plena
verossimilhança do combinado, segundo o qual
matara por ter se revoltado com a idéia de um
homem espancando a mulher covardemente,
mantém um relacionamento com Brenda, no
qual cria álibis, incentiva-lhe a falar das
confissões que a irmã lhe fazia e se mostrava
indignado (o que não era difícil, apenas de
afetado, porque se indignava realmente).
Orgulha-se de pensar que só não agiu às claras
para preservar a amante.

No bilhete que recebera, havia apenas três


palavras, mas que como Eu te amo ou Por favor
Socorro, diziam tudo. “Ele vai sobreviver”.
Quando se soube que assassinato não houve
mas apenas a tentativa, ficou fácil para o
advogado deixa-lo livre. Tornou a se encontrar
com a mulher do dono do supermercado na
calada da mesma noite e se amaram como da
primeira vez. Ela estava feliz, profundamente, o
que não impedia entretanto que aqui e ali se
mostrasse receosa pelo fato do marido ainda
viver. Quando contava a respeito dele, das
surras que levava, das amantes que ele tinha,
das humilhações por que a fazia passar,
indignado Marcel garantia que daria uma lição
nesse miserável. Ah, então é melhor mata-lo, ou
acabara você morto antes, numa tocaia. É por
isso que você não se separa dele?, pergunta
Marcel, e ela responde, chorando, que é claro.

– Então seja, mato-o.


Se Marcel tinha essa coragem, Demi garantiu
que o ajudaria com o dinheiro do próprio marido
a se livrar da prisão. – Então iremos para bem
longe, porque aqui terá se tornado impossível
viver.

Agora, recordando ao lado de Demi aquela


conversa, Marcel verifica que sua própria
situação não se beneficiaria tanto da
sobrevivência da vítima. Estava livre da prisão
mas não para sair do país. Na verdade, não
poderia sequer sair da cidade. E como continuar
se encontrando com Demi sem levantar
suspeitas contra ela?

O desfalecimento dela é puro terror ao se


deparar com a visão. Não podia acreditar mas
era, sem dúvida, seu marido, Dionísio. Acaba de
aparecer diante dela e do amante – e não podia
ser, como, quando saíra do hospital? A voz do
homem que deveria estar morto soava no
silêncio com ecos infernais. Conseguira!,
rejubilava-se Dionísio, materializara-se, viam-no
e era ouvido! Seu olhar buscou a parte
alcançável da alma de Marcel, o fundo dos olhos
dele, onde vê a sinceridade do amor que a Demi
ele devota. Pois que sejam felizes. Ele dará o
divorcio e quanto a pensão será justo.

Olhando Dionísio na porta, Demi não podia


evitar o horror e a palidez natural de seu rosto
tornou-se pura morbidez. Gaguejando, duvida
da boa intenção manifestada pelo marido.
Decorreram alguns minutos na sobrenatural da
respiração do casal na cama. O talhe do marido,
difuso na penumbra, causa grande pavor na
mulher e em Marcel uma sensação estranha,
longe de qualquer coisa assemelhada a terror.

Era uma noite vazia, silenciosa, e os morcegos


velozmente cruzavam os céus e as mariposas
pairavam nos postes da rua. Marcel não pôde
encontrar um porquê mas teve certeza de que o
homem estava sendo sincero. Era como se
auscultasse a alma. Quis expressar essa
convicção para a amante porém Demi se negava
a crer e ele supôs que deveria perdoar-lhe
aquela insensibilidade específica, vez que tanto
havia sofrido e decerto não lhe era fácil
desarmar-se assim de antigos sentimentos dum
instante para outro e acreditar que quem tanto
a maltratara pudesse agora ser uma pessoa
diferente.

Enquanto contemplava Marcel em sua cama, ao


lado de sua mulher, e isso não modificava sua
serenidade e desejo que ela acreditasse que o
que ele dizia, dizia de coração, Dionísio sentiu o
maxilar enrijecendo de modo opressor e houve o
desconforto nos músculos, e um mal-estar
angustiante se espalhou por seus nervos,
interferindo na clareza dos pensamentos. Pense
no que eu disse, mulher, agora tenho de ir.

No hospital, os olhos e a respiração de Dionísio


davam aos médicos e enfermeiras que o
cercavam claros indícios de que despertava e
em seu coração um aperto emitia o mesmo
sinal. Uma concatenação dolorosa das idéias
apontava para a vida onde novamente entrava
com o corpo ferido à bala. Na sua cama, após se
entreolharem longamente, Marcel e Demi já
sabiam um o que o outro pensava e tentavam
mutuamente se dissuadir. Com a boca seca, ele
pela primeira vez observava uma nuance difícil
de ser amada no olhar daquela a quem tanto
amara, a ponto de matar. (cont.)

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