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CONTRA A

BARBÁRIE
POR ESCOLAS DEMOCRÁTICAS
EPELALIBEROADEDEENSINAR @
ã. Alcsswdm Hariano . Alcxandrc linarcs . ARaPaola Corli&ARicltSilva
+ bcll hoolfsó BiaHca Corria. Biaaca Sanlana. camIlHa Cõlini .
Calarioa dc Almcida garfos . l)aRicl.Cara . DCRiscBolclho . lludes Baila
. remandoCássio
(orl.) . remandoHaddad
' lsabclfmdc
. JoséflarccliHO dc Rczcndc Pínlo ' Mana catlollo. Marina Avelar .
flalhcus PichoRclli. Pcdro PoRliial. Rede Bmsilcim de llislória Pública
. RedeEscola
Públicac llaivcrsidadc
' RodrijoRalicr'
Rogério Janqacim. Rude Rica ' Sérvio Haddad ' Silvio Camcim
. Soda Guaiajara ' Vcm Jacob Chaves

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Copyright desta edição © Boitempo, 2019

Equipe de realização
André Albert, Andréa Bruno, Carolina Mercês, Fernando Cássio, Sumário
lvana Jinkings, Kim Dona, Livra Campos, Mika Matsuzake (capa)
Trago Ferro (edição).

Equipedeapoio
Ana Carolina Moira, Artur Renzo, Bibiana Leme, ClarissaBongiovanni
Débora Rodrigues, Elaine Ramos, FredericoIndiana, Heleni Andrade,
Higor Alvos,lsabellaMarcatti, lvam Oliveira, JoanesSalas,Luciana
Capelli, Marina Vãleriano, Marlene Baptista, Maurício Barbosa,
Raí Alves, THita Lama e Tubo Candiotto.
Prólogo
Crédito das imagens
Ferrando Nada.zd 11
capa: Baona/istockphoto; verso da capa: Edson Chagas; p. 2-3: Leandro
Toques;p. 14: Marcelo Camargo/Agência Brasil; p. 24: Romerito Pontes/ Apresentação -- Desbarbarizar a educação
Creative Commons; p. 82: Rovena Rosa/AgênciaBrasil; p. 150: Marcelo
Ferrando Cássio.... 15
Camargo/Agência Brasil; p. 2 18: Rovena Rosa/Agência Brasil

CIP-BRASIL.CA:l'ALOGAÇÃONA PUBLICAÇÃO
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, KJ Parte 1 - A barbárie gerencial
E26
7
Contra a barbárie, o direito à educação
Educaçãocontra a barbárie : por escolasdemocráticas e pela liberdade de ensinar /
A[essandro Marçano -.[et a].] ; organização Ferrando Cássio ; prólogo de Fernando i)aniel Cara. 25
Haddad. - 1. ed. - São Paulo : Boitempo, 2019.
(Tinta Vermelha) Educação e empreendedorismo da barbárie
ISBN 978-85-7559-705-7 CaroLina Catin{ ... 33
1. Educação e Estado - Brasil. 2. Educação - Aspectos políticos. 3. Democratização
da educação.4. Liberdade de ensino. 1. Mariano, Alessandro. 11.Cássio, Fernando. Vivendo ou aprendendo...A "ideologia da aprendizagem:
111.Haddad, Fernando. IV. Série. contra a vida escolar
19-56782 CDD:371.1 41
Siíuio Carneiro.
CDU: 37.014.1
Ensino médio: entre a deriva e o naufrágio
Ana Pazía Corri.. 47
Esta edição teveo apoio da Fundação PerseuAbramo.
Educação a Distância: tensões entre expansão e qualidade
É vedadaa reprodução de qualquer parte destelivro
sem a expressa autorização da editora. Catarina deAlmeida Santos 53

la edição: maio de 2019 Verdades e mentiras sobre o financiamento da educação

BOITEMPO rosé MarceLino de Rezende Pinto ................ 59

Jinkings Editores Associados Lida.


O ensino superior privado-mercantil em tempos
Rua PereiraLeite, 373
de economia financeirizada
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www.nvritter.com/editoraboitempol www.youtube.com/tvboitempo Marina Apelar 73
46 l Educação contra a barbárie

fundamental para que a educação seja educação e, por consequência, para


que a escola seja escola. Pois, com a aprendizagem, reforçam-se as metas e
o desempenho dirigidos diretamente ao indivíduo em processo de aprender.
O ensino, por sua vez, carrega consigo o "signo" (/n-iÜ/gare), a "designação".
Movimento complementar àquele que "aprende" algo, o ensino propicia a pos-
sibilidade de marcar no mundo aquilo que passariapor estranho e atentar sobre
isso. Fundamental para as bases da educação, a alteridade radical passa a ser
atravessada por seus signos, cabendo ao professor dispor tais marcas para que
seus estudantes produzam as significações. Isolada do ensino, a gramática da
aprendizagem vira mera reprodução de conteúdos, pois o signo ensinado não é
um conteúdoa ser transmitido e avaliadono cardápiocurricular. O signoé a
palavra que atravessaasexperiências, multiplicado em singularidades docentes
e estudantis e que se compartilha mesmonos conflitos produtivos entre gera-
ções, gêneros, etnias ou classes.
A aprendizagem isolada se mostra insuficiente, e até mesmo avessa,a Ensino médio: entre a
uma educação de fato. Reduzida à dimensão do aprender, a educação deixa de
ser abertura e passaa ser a repetição dos roteiros avaliados -- nada mais contrá-
deriva e o naufrágio
rio ao educar. Na alteridade radical que atravessa a educação, o signo ensinado Ana Paula Corta
& aprendido traz vida aosprocessos.Vivendo & aprendendo..

Uma das lições importantes da sociologia para compreender a educaçãoé


que esta possui uma relação "orgânica" com a estrutura social à qual pertence,
uma vez que é parte desta totalidade e é por ela engendrada. Para conhecer a
educação de um país é necessário, portanto, conhecer os interesses dominan-
tes que organizam suasrelaçõeseconómicas,políticas e culturais. Dito isto, a
grande questão é perceber como essepostulado produz realidades históricas,
nunca previsíveis, mas erguidas em meio às contradições que marcam as po-
líticas e as práticas educacionais. O ensino médio, ao longo do seu desenvol-
vimento histórico, condensoubem essarelaçãoentre educaçãoe sociedade,
colaborando para a manutenção de uma estrutura social classistanum país
cujas elites conservadoras nunca chegaram a estabelecer um pacto social de-
mocrático, produzindo um verdadeiro apor/óeiZ social.
O ensino médio, parte final da educação básica, eoi o último a ser mas-
sificado e popularizado no Brasil, o que aconteceu apenas na década de 1990.
Quando finalmente os grupos sociais mais pobres e diversos conseguiram
entrar na escola média, esta já havia passado por enormes "crises", debates
48 l Educação contra a barbárie Ana PaulaCorri l 49

nacionais e reformas. Como ocorreu com outras etapasescolares,a massifi- que representavam 18,3% do total da rede em 1995, saltaram para 34,7% em
cação do ensino médio se deu basicamente pela ampliação da oferta de vagas 2002'. Dados mais recentes,de 2018, mostram que as matrículas no ensino
em escolaspúblicas, nessecaso,estaduais.Daí podermos afirmar que a única médio respondem por 40,7% da rede estadual paulista.
escola e6etivamente acessível ao povo brasileiro 6oi a escola pública. O governo FHC aprovou em 1998 uma reforma do ensino médio, tra-
A décadada massificação
do ensinomédiofoi um períodoárido zendopara o currículo a ideia de diversiâcação,flexibilização laboral e desen-
em termos de financiamento:até a criação do Fundo de Manutenção e volvimento de competências -- termos que marcavam os processosde rees-
Desenvolvimento da Educação Básicae de Valorização dos Profissionais da truturação produtiva do período, provenientesdo ambiente corporativo. Era
Educação (Fundeb), em 2006, aquela etapa não contava com fonte própria necessárioformar um trabalhador polivalente, com competências gerais que
de recursos. Como então foi viabilizada a sua expansão?Aproveitando-se a possibilitassem uma abertura permanente aos novos contextos produtivos. O
estrutura escolar e os professores do ensino fundamental. A União e os estados mais importante era que os jovens "aprendessema aprender".A partir dessa
não planejaram o crescimento, e reagiram de maneira improvisada à pres- mesmaracionalidade curricular, foram editados os Parâmetros Curriculares
são popular por vagas. Ao Estado brasileiro, representante político das elites, Nacionais (PCN). Mas como levar adiante uma reforma educacional de al-
nunca interessou a expansão organizada e planejada de educaçãopara o povo, cance nacional em tempos neoliberais, sem investir recursos financeiros sufi-
muito menos do ensino médio, etapa reservada aos "eleitos" que assumiriam cientes?Para isso, o governo FHC tomou um empréstimo do Banco Mundial,
as posições de comando no país. Novamente na história brasileira, a expansão alocando recursos para a reforma física de escolase para a formação de profes-
educacional 6oi deflagrada pela demanda popular. sores.O saldo foi incipiente, e os problemas anteriores à reforma, a maioria de-
Houve uma verdadeira explosão na procura por vagas no ensino médio les de ordem estrutural, coram pouco enfrentados: políticas de carreira e salário
público, em parte geradapelo aumento no número de concluintes do ensino docente; formação de professores;escassezde laboratórios, equipamentos e ma-
fundamental, mas também por um processo de migração da rede privada para terial didático. Tratou-se, sobretudo, de uma reforma curricular, que mesmo
a pública, pois pressionadaspelo arrocho salarial e pela hiperinflação, as famí- promovendo mudanças no jargão educacional, não aEetouo funcionamento
lias náo conseguiam mais pagar asmensalidades escolares,que sofriam aumen- estrutural das redesescolares.Um dos obstáculoscentrais era o padrão de fi-
tos constantes. Apesar de tudo isso, o ensino médio permanecia quaseinvisível nanciamento educacional criado por FHC em 1996, o Fundo de Manutenção
no âmbito das políticas educacionais. e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério
A partir do governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), o ensino (Fundei), que localizava os recursos no ensino fundamental e excluía o ensino
médio finalmente entrou para a agenda educacional do país. Já era notório médio das prioridades nacionais.
o elevado crescimento das matrículas nos anos 1990, e multiplicavam-se na (quando Lula assumiu a Presidência da República, em 2003, deparou-se
mesma proporção asdificuldades de acomodação da demanda. O tema passou com duas principais demandas em relação ao ensino médio que vinham de
a frequentar as páginas dos grandes jornais e a marcar presença nos noticiários, anos anteriores: 1) a rearticulação entre ensino médio e educaçãoprofissio-
juntamente com os casosde violência escolar, de degradação física e material nal, que haviam sido separadosno governoFHC; 2) a criaçãodo Fundeb,
das escolas e de baixo rendimento acadêmico dos alunos. incluindo o ensino médio no financiamento educacional. O primeiro ponto
Uma das medidas centrais desseperíodo 6oi o estímulo à municipaliza- 6oi parcialmente atendido pelo Decreto n. 5.154/2004, que possibilitou a oferta
ção do ensino fundamental, de modo que as redesestaduais setornassem mais integrada de ensino médio e técnico. Em que pesea importância do decreto,
enxutas" e oferecessem,prioritariamente, o ensino médio. Um dos empeci- das políticas de expansão da rede federal e do ensino médio integrado ao téc-
lhos era justamente o fato de boa parte das redes escolares oGertarem as duas nico como modelo defendido por inúmeros segmentosdo campo educacional,
etapas de ensino numa mesma escola. A saída seria então reorganizar as redes
de ensino, separando escolasde ensino fundamental das de ensino médio, o
que foi realizado no estado de São Paulo em 1995. Para se ter uma ideia do im- Ana Paula Corri, .Â2rr/z/a: um estudo sobre a expansãodo ensino médio no estadode
São Paulo (1991-2003) (Tese de Doutorado em Educação, Sáo Paulo, Universidade de São
pacto dessamedida na rede estadual paulista, as matrículas no ensino médio,
Paulo, 2015).
50 l Educação contra a barbárie Ana Paula Corei l 51

sua oferta nos governos Lula e Dilma náo avançou como esperado. Em 2015, de autoria do deputado Reginaldo Lopes (PT/MG). Tal proposta trazia mar-
ano de ápice na oferta de vagasno ensino médio integrado, as matrículas cas evidentesdo poder de influência dos amoresempresariaistambém junto
representavam 5% do total do ensinomédio brasileiro.O segundoponto foi ao Legislativos.Os principais pontos do PL eram: universalização, em vinte
atendido em 2006. Curiosamente, o ensino médio passoua integrar o fundo anos, do ensino médio em tempo integral; proibição do ensino médio noturno
de ânanciamento da educaçãojustamente quando as matrículas nesta etapa já para jovens menores de dezoito anos; ampliação da carga horária do ensino
começavama mostrar uma leve diminuição. médio noturno para 4.200 horas;organizaçãodo currículo em quatro áreas
Os governos Lula e Dilma mostraram disposição para enfrentar os pro- de conhecimento (linguagens, matemática, ciências humanas e ciências natu-
blemasestruturais do ensino médio, na medida em que alteraram seu meca- rais); adição de opçõesformativas no último ano do ensino médio, a critério
nismo de financiamento e apostaram num modelo público de excelência:o dos alunos (ênfase em linguagens; matemática; ciências da natureza; ciências
ensinomédio integrado. Entretanto, asdisputaspela hegemoniada agenda humanas; e formação profissional); implantação da basenacional comum para
educacional foram intensas, e marcadas pela corça de institutos e fundações o ensino médio; obrigatoriedade da realização do Exame Nacional do Ensino
empresariais,que ampliaram seu poder e passarama pautar o governo fede- Mlédio (Enem). A proposta foi rechaçada por diversasentidades do campo
ral no sentido de aprofundar as políticas neoliberais:. Disso resultou a cria- educacional, o que comentou a criação de um Movimento Nacional em Defesa
çãodo índice de Desenvolvimentoda Educação(Ideb) e do Plano de Metas do Ensino Médio. As principais divergências incidiam sobreo caráter compul-
Compromisso Todos pela Educação, medidas que abrangiam toda a educa- sóricído ensino médio em tempo integral, num país em que a concomitância
ção básica. Foi uma vitória do empresariado que gerou críticas dos setores entre escolae trabalho é uma realidade entre os jovens; a proibição do ensino
educacionais,na medida em que essaagendafragilizava o Plano Nacional de noturno aosmenoresde dezoito anose suadesvalorizaçãono PL, embora a
Educação (2001-2010), que deveria pautar as açóesgovernamentais. suaoferta sejade enorme importância na garantia do direito ao ensino médio
Boa parte dos amoresempresariais que compunham a coalizão Todos pela para jovens trabalhadores; a escolha de áreasde ênfase na formação do aluno,
Educação vinham desenvolvendoprogramas e projetos voltados ao ensino mé- retrocedendoa uma formação fragmentada que comprometeria a formação
dio público, experimentandodesenhosde currículo e de gestãocom corte viés geral para todos; a transformação da formação profissional em uma área de
empresarial.Juntamente com o Sistema S, essesamoresparticiparam fortemente ênfase, minimizando a sua importância e desconsiderando o modelo de ensino
do ProgramaEnsino Médio Inovador (ProEMI), criado pelo governofede- médio integrado já praticado na rede federal e em algumas redes estaduaiss.
ral em 2009. Um exemplo bastanteilustrativo Eoia participação do Instituto Nos anos seguintes, o PL n. 6.840/2013 6oi engavetado em razão da crise
Unibanco, que conseguiu implantar seu programa Jovem de Futuro em cinco política que levou ao impeachment da presidente Dilma Rousse# e à posse
estados da federação (Ceará, Goiás, Mato Grosso do Sul, Para ê Piauí), pas- de Michel Temer, em 2016. No mesmo ano, Temer apresentou duas medidas
sando a contar com a chancela do Ministério da Educação3. provisórias com enorme impacto para a educação:a MP n. 746 (reforma do
Em 2012, a Câmara dos Deputados instituiu uma comissãopara elaborar ensino médio) e a PEC n. 55 (que se tornou a Emenda Constitucional n. 95),
uma reforma do ensino médio, que resultou no Projeto de Lei n. 6.840/2013, congelando por vinte anos os gastos sociais do Estado. Se por um lado o PL
n. 6.840/13 e a MP n. 746/16ó não são rigorosamente a mesma coisa, por
2 Paralelamente à influência dos setores empresariais nas agendas governa mentais, cabe des-
tacar o efetivo aumento da oferta de educação privada entre 2000 e 2015, tanto em número de Va\d\!ene P\\xesde O\\vota, As políticas para o ensino médio no período de 2003 cl2014:
matrículas na educação básica, quanto em número de escolas.Ver TheresaAdrião, "Dimensões disputas, estratégias, concepções e projetos (Tese de Doutorado em Educação, Goiânia,
e formas da privatização da educaçãono Brasil: caracterizaçãoa partir de mapeamento de Universidade Federal de Golas, 2017).
produções nacionais e internacionais", Currüzz/a iem /ro/zfeirai, v. 18, n. 1, 2018, p. 8-28; 5 O manifesto em que o movimento apresenta suas discordâncias em relação ao PL
disponível em: <http;//www.curriculosemfronreiras.org/vo118isslarticles/adriao.pdf>. n. 6.840/2017 está disponível em: <http://www.observatoriodoensinomedio.ufpr.br/
3 Simone Sandri, .4 reZafáaplZó#ra'praz,údoa fa ferro Zo 1, s//zomédio ór.zi//giro:em disputa movimento-nacional-em-defesa-do-ensino-medio-2>.
a formação dos jovens e a gestão da escola pública (Tese de Doutorado em Educação, Curitiba, 6 A divulgação da MP n. 746/2016 (reforma do ensino médio) desencadeouo que Groppo
Universidade Federal do Paraná, 2016). denomina de "segunda onda de ocupações" de escolasem 2016, começando pelo Paranáe se
52 l Educação contra a barbárie

outro é inegável que são parte de um mesmo projeto (com rupturas, fissuras e
divergências) de reforma educacional.
Em 2017 Goiaprovada a Lei n. 13.145,que finalmente instituiu a reforma
do ensino médio. No novo contexto político, a reforma assumiu uma radica-
lidade neoliberal marcada pela ênfasena BaseNacional Clomum Curricular
(BNCC) em detrimento dos componentescurriculares até então obrigatórios,
pela redução curricular da formação básica geral de 2.400 para 1.800 horas,
pela desregulaçãoque permite oferecer parte do ensino à distância e pela con-
tratação de profissionais sem licenciatura, abrindo enormes precedentespara a
privatização. Tal radicalidade é um indício da vitória dos setores empresariais
na formulação da agenda governamental para o ensino médios.
Ao que tudo indica, reformas curriculares são o modelo preferido de
Estados neoliberais quando propõem (ou encenam) mudanças educacionais,
não apenas pelo seu baixo custo em relação ao enfrentamento dos problemas
estruturais, mas também por seremuma fórmula para reduzir o investimento
em educação, favorecerem a privatização e atuarem como peças de marketing
Educação a Distância:
político capazesde aplacar a sede da população por melhorias. tensões entre expansão e qualidade
Estamos diante de uma reforma que destrói o ensino médio público,
Catarina de Almeida Santos
mas que também desnuda a destruição da própria política, uma vez que os
atoresque definem a agenda educacional não coram eleitos, mas promovem
a privatização indireta da esfera pública tomando decisões estratégicas num
movimento opaco e imperceptível para a maioria da população. Ao fazê-lo,
abrem um enorme leque de novas possibilidades de negócio para o capital às Pensara Educação a Distância (EAD) no Brasil requer que pensemos
custas do direito social e humano à educação. Numa explícita aliança com o a própria educaçãoe a sua função na sociedade.Requer ainda lembrar a edu-
Estado, o capital aprofunda a barbárie social em nome de saídasque garantam caçãocomo um direito humano fundamental e seupapel na formaçãodos
a continuidade de seu processo de acumulação. sujeitos e na construção das relações socais. Isso implica pensar a educação
como possibilidade de desenvolvimento das potencialidades humanas, da apro-
priação dos saberessociais construídos historicamente e de aquisição de co-
nhecimentos que permitam conhecer, compreender e transformar a realidade.
Em ]947, Anísio Teixeira defendia que, para além de ser a baseda demo-
cracia,a educaçãoé o processoque pode levar à justiça social, tendo em vista
que ela é o principal meio de se conquistar a igualdade de oportunidades. Mas,
espraiando por outros dezoito estadosbrasileiros. Ver Luís A. Groppo, "Ação coletiva e forma-
segundo o autor, esta náo seria uma educação qualquer, mas uma que "Eaz-nos
ção política: os coletivos juvenis e a ocupação de uma universidade no sul de Minas Gerais",
em 38" Rez//zf,ío,47zaa/Za ,4]VPE2, São Luís, MA, 1-5 out. 2017. livres pelo conhecimento e pelo sabere iguais pela capacidadede desenvolver
7 A convergênciaentre a reforma do ensino médio e os documentos programáticos do ao máximo os nossospoderes inatos"' Uma educação que não seja, segundo
Instituto Unibanco e do TodospelaEducaçãofoi investigadapor Vinicius Bezerrae Cada
Maluf de Araújo, "A reforma do ensino médio: privatização da política educacional", .Refrzzfai
da EsfaZa, Brasí]ia, v. ]], n. 2], 2017, p. 603-18; disponível em: <http://retratosdaescola. Anísio Teixeira, "Autonomia para a educação",em JogoAugusto de Lima Rocha (org.),
emnuvens.com.br/rde/article/download/779/pdf>. 4/zá/aem maz,imf/zfa:a vida e aslutas de Anísio Teixeira pela escolapública e pela cultura
Catarina de Almeida Santosl 55
54 l Educação contra a barbárie

nas basesde sua defesa.Se por um lado, a educação é condição para o de-
o autor, apenaspara alguns, mas para todos. Que possibilite superar as dis-
senvolvimentodas potencialidades humanas, por outro, servepara construir
tâncias físicas, materiais, sociais, mentais, culturais, económicas e raciais do
um ideário que favorecea manutenção da hegemonia política dos grupos
Brasil. Que não seja treino ou domesticação, mas base da construção de uma
sociedadedemocrática. que exercem o poder, visando, em última instância, à reprodução ampliada
A Constituição de 1988, ao definir que a educação é direito de todos
do capital.
No documento " Construir sociedades
de conocimiento:nue osdes($ospara
e dever do Estado e da família, também define que ela tem três finalidades:
Zaed cació /erc/úr/a", publicado em 2003, o Banco Mundial defendealtera-
o desenvolvimento pleno do sujeito, a formação para a cidadania e para o
ções no modelo tradicional de controle estatal, sinalizando quc os governos
mundo do trabalho. Os preceitosali estabelecidos
coadunam com o que Anísio
peixeira defendia para uma sociedadedemocrática. podem promover mudanças por meio do estabelecimento de linhas gerais de
Na busca pela garantia do direito à educação,a utilização da EAD é ação e estímulos às instituições de educaçãosuperior em um contexto de po-
apontada como forma de superação das distâncias geográficas que, em algumas líticas coerentes,um marco regulatório favorável e a existência de incentivos
situações,impedem o acessofísico a instituições de ensino. Assim, o uso da financeiros adequados.'

modalidade a distância garantiria a expansãodas oportunidades educacionais e Para a organização, essemarco regulatório deve "respaldar ao invés de
a democratizaçãodo acessoà educação,com maior alcance,maior flexibilidade limitar a inovaçãonas instituições públicas, assim como as iniciativas do setor
para professores e alunos e modernização dos processos educativos por meio do privado de ampliar o acessoa uma educação superior de boa qualidade", sina-
uso das tecnologias de informação e comunicação. lizando que "as normas para o estabelecimentode novas instituições, incluindo
A defesada utilização da EAD é permeadapor um conjunto de argu- asprivadas e as virtuais, devem restringir-se a requisitos mínimos de qualidade
mentos que buscam legitimar a sua ampla expansão, não apenas pela perspec' e não devem constituir barreiras para o acessoao mercado".4
uva do direito, mastambém pelaampliaçãodo mercadoeducacional.A não Assim, a análise da expansãoda EAD não pode deixar de levar em
presença do aluno em sala de aula, o fato de este poder organizar seus horários consideração a força do mercado educacional e a incidência de empresários
de estudo, o respeito ao tempo do estudante, a flexibilidade dessamodalidade do ramo frente aosdomadoresde decisõesem todas as esferasestatais,inclu-
educativa e, principalmente, o fato de ela chegar a lugares onde a educação sive regulatórias. Não é possível ignorar que essesempresários influenciam
presencial não chega e a custo menor --, são argumentos basilaresdos defen- nas decisões,sobretudo nos votos parlamentares e no âmbito da regulação,
soresda modalidade.
o que pode ser medido pela magnitude dos negócios fechados nos últimos
A ampla utilização da EAD é defendida por diferentes Xtores, não só anos, sempre após intensos processos de negociação entre empresários e ins-
do campo educacional. Organismos multilaterais, como o Banco Mundial, tâncias reguladoras.
apontam a utilização das tecnologias educacionais para a implantação de No Brasil, a modalidade EAD surgiu sem qualquer regulamentação ou
sistemasde ensino a distância, com especial atenção "para programas que parâmetros de qualidade. Embora os seusprimeiros passos e a oferta de cursos
abordam as necessidadeseducativas dos grupos geograficamente isolados das tenham se dado nas instituições públicas, o Z'oomexpansionista se deu via
instituições públicas convencionais de ensino"2. Nessa ética, não há como oferta privada e sem qualquer controle por parte do Estado. Se a oferta da
analisar a expansãoda EAD sem levar em conta as contradições que estão EAD começa tardiamente no Brasil, em comparação a outros países, os dados
apontam que em nível superior ela cresceucom tal velocidade, que hoje, em

no Brasil (Brasília, SenadoFederal/ Conselho Editorial, 2002, p. 33-49), p. 35; disponível


3 Banca Huna\a\, Construir sociedadesde coKocimiento: nneuos{íesaPospara La edacación
em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/ha ndle/id/1060/619664.pdf>-
ffrflarfa (Washington/DC, World Bank, 2003), p. xxiv; disponível em: <http://documentos.
l Banco Mundial, Educacional Cbangein Latim America and tbe Caribbean / La edKcación bancomundial.org/curated/es/287031468168578947/pdf7249730PUBOCons00Box0361484B
en,4mér/ca L.zr//z.z.7e/ Car/óe (Washington/DC, World Bank, 1999), p. 102; disponível em: OPUBLICO.pdb.
<http://documenta.worldbank.org/curated/en/991981468300538039/Pdf7202480SPANISH0
' Ibidem, p. xxv-
Educationa10change.pdf>.
56 l Educação contra a barbárie Catarina de Almeida Santos l 57

cursos como pedagogia, o número de matrículas a distância já supera o nú-


2 000 000
mero de matrículas na modalidade presencial.
l 800 000
matriculados
O Censo da Educação Superior de 2017 aponta que, na modalidade
l 600 000 Privado
presencial, a oferta no setor privado detém cerca de 75%S das matrículas. Na
l .400 000 Público
modalidade a distância, essepercentual sobe para 91% no setor privado, e a
l 200 000
EAD já representa 21% do total de matrículas nessenível de ensino.
l 000 000
Observando esseprocessoexpansionista, o leitor desavisadopode ter
800 000
a impressão de que a EA[) está cumprindo a promessa de co]aborar com o
600 000
aumento das matrículas na educação superior e com a democratização do
400 000
acesso,como apontou o governo brasileiro na ocasião de criação do sistema
200 000
Universidade Aberta do Brasil (UABy. A UAB Eoicriada, segundo seus idea-
0
lizadores, com o objetivo de estimular a articulação e a integração de um 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017
sistemanacional de educaçãosuperior a distância, formado por instituições
públicas de ensino superior que se comprometeram a levar ensino público de Número de matrículas na modalidade a distância na educação superior por esferaadministrativa Brasil
qualidade a localidades que não possuíam universidades ou institutos federais, 2006-2017. Fonte: Censo da Educação Superior (Inep)
garantindo a democratizaçãodo acessoà educaçãosuperior pública, gratuita
e de qualidade.
Analisando devidamente os dados de matrícula, é possível perceber que A partir dessecenário, é possível apontar alguns dilemas para a educa-
no secarpúblico a expansãonáo 6oi significativa, e que o setorprivado investiu ção a distância, sobretudo em relação à garantia de qualidade. Em que pese
no aumento da oferta de vagas a distância em detrimento das presenciais. Os o Decreto n. 5.622/2005 estabelecernormas e procedimentos para o creden-
dados do Censo da Educação Superior (Inep) apontam que, entre os anos de ciamento, recredenciamento, condições de oferta, supervisão e avaliação das
2006 e 2017,houve um aumento de mais de 550% no número de matrículas instituições, os parâmetros de qualidade utilizados entre 2003 e 2016 para a
na EAD, que passaram de 270 mil para pouco mais de 1,75 milhão. Em çon- organização dos sistemas da EAD estavam assentados em "referenciais de qua-
traposição, as matrículas na modalidade presencial expandiram em proporções lidade". Ou seja, em parâmetros indutores, mas sem força legal.
bem menores,pois em 2006 o paíspossuía4,67 milhões de alunos matricula- Com o intuito de conter a expansãodesordenadada EAD, o Conselho
dos e, em 2017,essenúmero era de pouco mais de 6,52 milhões, o que signi- Nacional de Educaçãoinstituiu uma comissão,em 2012, para discutir e pro-
fica que o sistema presencial sofreu um incremento de apenas 1,85 milhão de por normas nacionais para a oferta de programas e cursos de educação supe-
matrículas (39,6%) em mais de uma década. rior na modalidadea distância. Após um conturbado processode debateem
O gráfico a seguir apresenta o crescimento da oferta de EAD no ensino reuniões e audiências públicas com atires do campo, Eoiaprovada a Resolução
superior no período, apontando para uma queda e estagnaçãona oferta pública CNE/CES n. 1/2016.O documento traz um conceitomais amplo de EAD
e para uma acelerada expansão das matrículas no setor privado. do que o presenteno Decreto n. 5.622/2005, relacionando elementose insu-
mos importantes para a sua implementação. O artigo 2' define a educaçãoa
distância como uma
} Todos os dadosde matrículas da educaçãosuperior provêm dassinopsesestatísticasda edu- modalidade educacional na qual a mediação didático-pedagógica, nos proces-
caçãosuperior disponíveis no portal do Instituto Nacional de Estudos e PesquisasEducacionais
sosde ensino e aprendizagem, ocorre com a utilização de meios e tecnologias de
Anísio peixeira (Inep).
informação e comunicação, com pessoalqualificado, políticas de acesso,acom-
O sistema Universidade Aberta do Brasil foi criado por meio do Decreto n. 5.800/2006, panhamento e ava]iaçãocompatíveis [.-], de modo que sepropicie, ainda, maior
cuja finalidade era expandir e interiorizar a oGerca
de cursos e programas de educaçãosuperior
articulação e efetiva interação e complementariedade entre a presencialidade e
no pais.
58 l Educação contra a barbárie

a virtualidade "real", o local e o global, a subjetividade e a participação demo-


crática nos processosde ensino e aprendizagem em rede, envolvendo estudantes
e profissionais da educação (professores, tutores e gestores),que desenvolvem
atividades educativas em lugares e/ou tempos diversos.'

A resolução também aborda aspectos como material didático; avaliação


e acompanhamento da aprendizagem; metodologias e estratégiaspedagógicas;
organização da oferta em sedese polos; profissionais da educação,definindo as
funções de docente e tutor, sendo esteúltimo um profissional de nível superior
com formação na área de conhecimento do curso.
Essasmedidas, no entanto, coram abonadas a partir de 2017, quando
o governo Temer publicou decretos e portarias que, ao fim e ao cabo, des-
regulamentarama modalidade na perspectivada qualidade, escancarando
as portas para a expansão sem controle e sem qualidade:. Nessa esteira, a
reforma do ensino médio de Michel Temer admite que até 20% da carga
horáriatotal no diurno e até30% no noturno podemsercontempladascom
Verdades e mentiras sobre o
atividades a distância. O anual presidente também vê na EAD uma forma de financiamento da educação
baratear a oferta da educaçãopública, com a vantagem de combater aquilo
que chama de "marxismo" na sala de aula. Bolsonaro defendia, já em seu rosé Marcelino de Rezende Pinto
programa de governo, a oferta educacional na modalidade a distância desde
o ensino fundamental.
Anísio Teixeira afirmou que o Brasil é um país com uma geografia que
espanta e que nos separa em suas imensas distâncias. Mas a educação ofertada, Se há um tema suscetível à manipulação, à meias verdades que embalam
especialmente na modalidade a distância, ajuda a superar as distâncias mate- grandes mitos, é a discussão sobre o financiamento da educação Vamos abor-
riais, sociais, culturais, económicas e raciais existentes no país ou simplesmente dar aqui alguns dessesmitos.
contribui para a sua ampliação?

Mito 1: o Brasil não gasta pouco com educação,gasta mal.


Vamos começar pela questão muito recorrente na mídia e em alguns
trabalhos acadêmicos: o Brasil gasta um montante adequado com a educação
de suas crianças? Em geral, os economistas ligados ao mercado financeiro e os
representantes
do Ministério da Educação(MEC), não importa o governo,
respondem afirmativamente, alegando que o país aplica em educação um per'
centual do PIB equivalente ou mesmo superior ao investido por paísesricos e
que possuem uma educação muito melhor que a nossa. Um exemplo: dados
da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE)
7 Ministério da Educação, "Resolução CNE/CES n. 1, de 11 de março de 2016"; disponível em:
<http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com.docman&view=download&alias=35541. para o ano de 2014, indicam que enquanto os Estados Unidos destinaram
res-cne-ces-001-14032016-pdf&category.slug=marco-2016-pdf&ltemid=30192>. 4,2% de seu PIB em recursos públicos para a educação (em todos os níveis
8 O Decreto n. 9.057/2017 assinado por Temer, por exemplo, revogou o Decreto n. 5.622/2005

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