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O QUEÉ
LÓGICA
editora brasiliense
1989
Copyright© Carlos Lungarzo
Capa e ilustrações:
May Shuravel, sobre
ilustrações de John Tenniel
Revisão:
Danilo Morales
ISBN: 85-11-01215-X
— Reconhecimentos 7
— De que estão falando os lógicos 9
— Lógica, pensamento e linguagem 30
— Como funciona a lógica 55
— O que fazer com a lógica? 73
— Indicações para leitura 76
A Fabrizio,
a Guilherme
e a Cristina
RECONHECIMENTOS
A palavra "lógica"
O objetivo deste livro é interessar ao leitor sem
conhecimentos da matéria no uso filosófico e cien-
tífico da palavra "lógica".
Apesar do caráter específico desse uso, a aná-
lise de nosso emprego da p a l a v r a "lógica" na vida
comumpode nos aproximar bastante do sentido
técnico.
Sem dúvida, você já ouviu muitas vezes essa
palavra, especialmente como adjetivo. Procure lem-
brar quando e por que você ouviu o termo "lógica"
e qual era o significado que tinha para você.
Fala-se, por exemplo, numa "conduta lógica".
Assim, qualifica-se às vezes um comportamento re-
10 Carlos Lungarzo
cional".
Você é convidado(a) a aceitar certas afirmações
sem muita justificação. Este não é um texto técnico;
visa apenas despertar seu interesse sobre o que é
que os lógicos estão falando. Assim, aceite que,
para os a n t i g o s a lógica era uma "ciência" do dis-
r
curso racional.
Porém, há vários conceitos de racional. Para
não complicar nossa exposição, vamos nos restrin-
gir a certos estilos de raciocínio, justamente aqueles
que na atualidade, vinte e poucos séculos depois,
são considerados o objeto de estudo da lógica.
Para Aristóteles, a lógica não parece ser uma
ciência. Antes de tudo, ela é um instrumento, uma
ferramenta, um método para as ciências. Seria, di-
gamos. um "caminho" para raciocinar corretamen-
te. Em sua lógica, considera os tópicos que estuda
como incluídos na metodologia das ciências. De fa-
to, a lógica é uma ferramenta, ou, como passou a
ser chamada depois sua obra, um Organon para as
ciências.
Assim, a lógica precede as ciências, aparece
antes, é prioritária.
Existe na lógica de Aristóteles, e dentre seus
estudos l[ogicos um que é de nosso interesse: a ló-
gica dedutiva.
Para lidar com esse assunto, vamos explicar o
que se entende por dedução. Cabe advertir a você
que não estamos fazendo história da lógica; por isso,
nem sempre nossas afirmações são as mesmas dos
16 Carlos Lunsarzo
Alguns B são A.
Logo, você fez o seguinte raciocínio:
Premissa: Alguns A são B.
Conclusão: Alguns B são A.
Você poderia tê-lo feito sem os casos particu-
lares estudados anteriormente, sem mexer com pau-
listas, estudantes, médicos e cariocas.
Que coisa provam todas essas considerações?
Que foram usadas apenas as palavras lógicas "al-
guns" e "são", e as letras A e B, que são como pa-
Iavras indeterminadas, palavras "quaisquer". O que
você obteve, tirando as palavras concretas e pondo
essas letras, foi a forma lógica.
Há um modo fácil e interessante para conferir
se a dedução é correta, ou seja, se a conclusão
"realmente" decorre da premissa.
Considere uma figura que pode ser, por exem-
plo, um círculo ou algo semelhante. Você considera
essa figura como o conjunto ou classe de objetos
correspondentes a nossa letra A. Por exemplo, no
caso concreto dos estudantes paulistas, nosso "cír-
culo" indica o conjunto de estudantes.
Desenhe agora outro "círculo". Este representa
os objetos correspondentes a B. No primeiro exem-
plo, seriam os paulistas. No segundo exemplo, tí-
nhamos "Alguns cariocas são médicos". Então,
"cariocas" é o sujeito e "médicos" o predicado.
Neste caso, A corresponde a cariocas e B a paulis-
tas.
26 Carlos Lungarzo
Os conceitos
As concepções tradicionais consideravam a ló-
gica um estudo ao pensamento. E que é o pensa-
mento? Sob que ponto de vista ele é estudado pela
lógica?
A Lógica não é a única ciência preocupada com
o pensamento. Como atividade individual, o pensa-
mento é também assunto da psicologia. Por sua vez,
sendo um fenômeno condicionado pelo ambiente,
pode ser mesmo um tema de interesse sociológico.
A lógica não está preocupada com processo
real de produção do pensamento. Pelo menos, não
a lógica formal pura. As vezes, pode estar interes-
sada nisso a lógica aplicada à psicologia, educação
O que é Lógica 31
e áreas a f i n s .
Igualmente, o pensamento é objeto de interesse
da filosofia pura. Existem várias áreas da filosofia
preocupadas com o problema do pensamento, mas
de um ponto de vista diferente do lógico.
Quer dizer, filosofia, psicologia e outras disci-
plinas lidam com o pensamento. Que é que restou
para a lógica?
Os autores tradicionais tinham uma resposta:
o assunto da lógica não é conteúdo mas a forma do
pensamento. Talvez essa afirmação não esteja mui-
to clara para você. Já vimos alguns exemplos e va-
mos dar outros.
0 pensamento tem um conteúdo, ou seja, trans-
mite certa dose de informação, de "conhecimento"
com a qual o pensamento trabalha. Mas esse pen-
samento pode ser analisado de outros pontos de
vista.
Vamos supor que eu pense o seguinte:
Este objeto é um cabo de aço.
Portanto, ele conduz a eletricidade.
Este pensamento será estudado de diversos
pontos de vista. Por exemplo, um psicólogo espe-
cialista em problemas de pensamento estará interes-
sado em saber como é que eu "produzi" esse pen-
samento. Por exemplo, eu tinha a experiência do
que é aço. Associei o conceito de metal com a pro-
priedade de conduzir a eletricidade, e assim por
diante.
Um especialista em sociologia do conhecimento
32 Carlos Lungarzo
Algum Pb é En,
Portanto, todo Pb é En.
te lógicos.
0 primeiro é o conceito de totalidade, expresso
na linguagem por intermédio da palavra todo.- o se-
gundo consiste no que "relaciona" o conceito "su-
jeito" com o conceito "predicado"; expressamos
isso pela palavra " é " .
Finalmente, temos a forma:
Todo A é B.
A lógica desenvolve todas as suas teorias, suas
de formas, de estruturas...
Ainda é cedo para dar uma idéia dos múltiplos
problemas com que se envolve a lógica. Mas pode-
mos adiantar alguns:
• Dados dois conceitos, o lógíco pode ter inte-
resse em saber qual é mais abrangente.
• Dados dois conceitos, o lógico pode se inte-
ressar em relacioná-los. Por exemplo, dados os con-
ceitos de gato e de felino, podemos construir um
novo conceito, mais complexo: "Todo gato é fe-
lino". Esse tipo de conceito era denominado, na
lógica antiga e medieval. Juízo. Os juízos afirmam
alguma coisa sobre os fatos, dizem algo sobre a rea-,
lidade; podem ser verdadeiros ou falsos.
Se temos "Vários" juizos, um problema fre-
qüente (aliás, o problema "favorito" dos lógicos) é
determinar quais são conseqüências ou conclusões
dos outros, ou seja determinar se eles constituem
u m raciocínio.
De fato, os lógicos antigos e medievais chama-
O que é Lógica 37
Dedução e verdade
A dedução e a verdade são as duas chaves da
lógica. Mas dedução é algo mais claro, menos ambí-
guo do que verdade. "Ambiguo" quer dizer que tem
vários significados. De fato, o uso corrente da pala-
vra dedução tem um significado bastante claro: ela
é pouco ambígua.
Faça a seguinte experiência: pergunte a qual-
quer pessoa o que ela acha que significa "deduzir".
0 mais provável seria ela falar alguma coisa como
esta: "deduzir é tirar alguma coisa de outra"...
42 Carlos Lungarzo
Ocidentais
Latino-americanos
Chineses
Argentinos
(a = b) primeira premissa
(b - c) segunda premissa
(c = d) terceira premissa
(a = d) conclusão.
As
regras
lógicas de
dedução devem
conduzir de premissas
verdadeiras a conclusões
também verdadeiras.
50 Carlos Lungarzo
A linguagem
Nossos comentários sobre os conceitos, juízos
e raciocínios, ou seja, as tradicionais "estruturas do
pensamento", eram indispensáveis. Devemos reco-
nhecer uma tradição valiosa.
Em lógica moderna, é preferível esquecer um
pouco do pensamento e falar mais na linguagem.
Eis algumas das razões que devemos considerar:
— Em relação ao pensamento, não é fácil se
despojar de preconceitos que nem sempre estão as-
sociados à lógica.
— Pensamento é algo que embora noções psi-
cologicass,que tem vincuiação com outras áreas da
filosofia etc. É difícil que o pensamento seja consi-
derado um tema neutro, algo que não tenha com-
promisso com certa visão do mundo.
— O pensamento que interessa à lógica é um
pensamento exprimível numa linguagem. Aquilo que
não pode ser refletido na linguagem talvez não seja
de interesse do lógico.
A linguagem é mais acessível do que o pensa-
mento. O pensamento fica dentro da menle,. Apenas
52 Carlos Lungarzo
de captar;
Regras lógicas
Sabemos que o assunto da lógica formal dedu-
tiva é:
A dedução.
— A relação entre dedução e verdade.
— As linguagens nas quais são expressadas es-
sas deduções e são Formuladas as sentenças cuja-
verdade interessa.
Sabemos também que a linguagem necessária,
embora não possa prescindir da língua natural, re-
quer também símbolos especiais para alcançar o má-
ximo possível de precisão.
Antes de estudar essas linguagens especiais,
examinemos o que é que vamos inserir em nossa
linguagem.
Nosso assunto é a dedução. A dedução, para
56 Carlos Lungarzo
ciado e proposição.
Observe que a verdade ou falsidade de uma
sentença não depende da existência de métodos
para conferir essa verdade ou falsidade. Por exem-
plo, a sentença "Existe vida humana num planeta
muito longe da Terra" é verdadeira ou falsa. Então,
ela é um autêntico enunciado. Carecemos de méto-
dos para verificá-la, porém teoricamente ela pode
cumprir uma das duas condições. É diferente do
caso de "Há vida em algum planeta?", onde temos
uma pergunta que não é nem verdadeira nem falsa.
Pois bem, com essa noção de sentença, torne-
mos mais exata a nossa noção de dedução:
Simbolização
Ainda não está bem esclarecido quais "recei-
tas" são regras lógicas, e quais não são. Menciona-
mos que em certos raciocínios aplicamos certas re-
gras, porém nem sempre indicamos quais.
Veja o seguinte exemplo:
Algum sociólogo é antropólogo... premissa
Algum antropólogo é sociólogo... conclusão
Mesmo sem saber lógica, podemos aspirar a
encontrar uma regra "geral" que tenha esta forma,
ou seja, que não dependa do conteúdo das senten-
ças. Ela deve ser válida para quaisquer outras coisas,
não apenas para antropólogos e sociólogos.
A premissa pode ser transformada, pondo um
A para "sociólogo" e um B para "antropólogo".
Fica assim:
Algum A é B.
Então, temos a conclusão:
Algum Bé A.
Essa regra, agora simbolizada numa forma mais
geral, pode ser enunciada do seguinte modo:
Formalização
De tudo o que foi exposto até agora, podemos
afirmar que a lógica é uma espécie de "ciência da
dedução". Relembremos o que é a dedução.
A dedução é um raciocínio no qual a conclusão
decorre das premissas, de maneira que fica garan-
tida a seguinte condição:
Desde que as premissas sejam verdadeiras,
a conclusão será verdadeira.
Também sabemos que a dedução precisa de
regras. As regras são receitas que indicam o se-
guinte:
"Se você tiver tais e quais premissas, então
você pode tirar a conclusão tal".
que representa a
primeira premissa.
O que é Lógica 67
Também temos
que representa a
segunda premissa.
Caro leitor:
As opiniões expressas neste livro são as do autor,
podem não ser as suas. Caso você ache que vale a
pena escrever um outro livro sobre o mesmo tema,
nós estamos dispostos a estudar sua publicação
com o mesmo titulo como "segunda visão".
Sobre o autor
Nasci em Buenos Aires, Argentina, e lá completei os
mestrados de Filosofia e Matemática. Na Universidade fui
desde auxiliar de ensino de álgebra até professor titular de
lógica. Obtive meu doutoramente em Filosofia na Universi-
dade Federal de La Plata (Buenos Aires), onde fui professor
adjunto e titular de lógica por concurso público. Fiz minha
candidatura ao doutorado em Matemática e meu pós-dou-
torado em Fundamentos e Filosofia da Ciência no Canadá.
• Lecionei e pesquisei em vários países da Europa e
América, e fui consultor e pesquisador do equivalente ar-
gentino do C N P q . Em 1975, quando se aproximava a catás-
trofe (desfechada sobre meu país no ano seguinte) fui con-
tratado pela Unicamp. Fiz parte do grupo que idealizou, or-
ganizou e implantou o primeiro programa de Lógica na
América Latina, do qual ainda faço parte.
Em 1980 fui para o México, em 1986 fui reabilitado pela
nova reitoria em meu antigo emprego na Unicamp. Traba-
lhei com filosofia da lógica, lógica da mecânica quântica e
temas correlatos. Atualmente, estudo os aspectos lógicos
da inteligência artificial. Escrevi um monte de coisas cujos
títulos prefiro não lembrar.