Sie sind auf Seite 1von 176

Sociologia

crítica
Sociologia crítica

Wilson Sanches
Leonardo Antonio Silvano Ferreira
Maria Gisele de Alencar
© 2016 por Editora e Distribuidora Educacional S.A.
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida ou transmitida de qualquer
modo ou por qualquer outro meio, eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação ou qualquer outro tipo
de sistema de armazenamento e transmissão de informação, sem prévia autorização, por escrito, da Editora e
Distribuidora Educacional S.A.

Presidente
Rodrigo Galindo

Vice-Presidente Acadêmico de Graduação


Mário Ghio Júnior

Conselho Acadêmico
Dieter S. S. Paiva
Camila Cardoso Rotella
Emanuel Santana
Alberto S. Santana
Regina Cláudia da Silva Fiorin
Cristiane Lisandra Danna
Danielly Nunes Andrade Noé

Parecerista
Fábio Pires Gavião

Editoração
Emanuel Santana
Cristiane Lisandra Danna
André Augusto de Andrade Ramos
Daniel Roggeri Rosa
Adilson Braga Fontes
Diogo Ribeiro Garcia
eGTB Editora

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Sanches, Wilson
S211s Sociologia crítica / Wilson Sanches, Leonardo Antônio
Silvano Ferreira, Maria Gisele de Alencar. – Londrina : Editora
e Distribuidora Educacional S.A., 2016.
172 p.

ISBN 978-85-8482-374-1

1. Sociologia. 2. Sociologia crítica. 3. Ciências sociais.


I. Ferreira, Leonardo Antônio Silvano. II. Alencar, Maria Gisele
de. III. Título.

CDD 301

2016
Editora e Distribuidora Educacional S.A.
Avenida Paris, 675 – Parque Residencial João Piza
CEP: 86041-100 — Londrina — PR
e-mail: editora.educacional@kroton.com.br
Homepage: http://www.kroton.com.br/
Sumário

Unidade 1 | Compreensão e interpretação da sociedade 7

Seção 1 - Sociologia: uma ciência explicativa 11


1.1 | Sociologia Conservadora 18

Seção 2 - Sociedade e indivíduo em uma perspectiva crítica 23


2.1 | Interpretação e Compreensão da Sociedade Contemporânea 27
2.2 | Ideologia e Mídia: Interpretação e Compreensão a partir de John
Thompson 33

Unidade 2 | Florestan Fernandes 47

Seção 1 - Vida e obra 50


1.1 | A Sociologia Crítica em Florestan 54
1.2 | A Sociologia Crítica e o Sociólogo como Crítico 59

Seção 2 - Emergência da ordem social competitiva 64

Seção 3 - Capitalismo dependente e classes sociais 70


3.1 | Sobreapropriação sobre o capitalismo dependente 74

Unidade 3 | Teoria Sociológica do século XX 84

Seção 1 - Estudos dos problemas sociais examinados pelo olhar de


Gramsci e Althusser 87
1.1 | As bases teóricas e metodológicas para a sociologia marxista
do século XX 87

Seção 2 - As teorias gramscianas e os conceitos de cultura e


hegemonia 94
2.1 | As mudanças trazidas com o americanismo e o fordismo na Europa 96
2.2 | O americanismo e fordismo e a hegemonia burguesa 103

Seção 3 - As reflexões de Althusser sobre a escola como


reprodutora do modo de produção capitalista e a ideologia 108
3.1 | O capitalismo e a reprodução das condições de produção 109
3.2 | Os Aparelhos Ideológicos do Estado (AIEs) 111
3.3 | A escola como Aparelho Ideológico de Estado dominante 117
Unidade 4 | Sociologia na Sociedade Pós-Industrial 131

Seção 1 - Considerações sobre a proposta de uma


sociedade programada à pós-industrial 141
1.1 | As bases teóricas e metodológicas para a sociologia marxista
do século XX 143

Seção 2 - Os novos sujeitos sociais 151


2.1 | Uma breve contribuição sobre as classes sociais 152
2.2 | Retomando o conceito de Trabalho: ainda existe centralidade? 155
Apresentação

Neste livro, na primeira unidade, perpassaremos pelas discussões sobre a


sociologia enquanto uma ciência compreensiva e interpretativa. O que se pretende
é apresentar uma ciência não apenas descritiva ou explicativa, mas uma Sociologia
cujos estudos tendem a verificar a possibilidade do sujeito nas transformações
sociais. Conheceremos as diferentes correntes sociológicas que trabalham com
a interpretação e compreensão da sociedade. Neste contexto, o que se pretende
é mostrar que a Sociologia possui diversos percursos metodológicos para
compreender tudo o que constitui o seu campo de estudo. Portanto, estudaremos
a sociedade e o indivíduo em uma perspectiva crítica e a Sociologia como uma
ciência explicativa.

Na Unidade II, tem-se como objetivo mostrar os principais aspectos da obra


de Florestan Fernandes e de sua Sociologia crítica. Neste sentido, os estudos
perpassarão pela vida e obra deste autor, as emergências da ordem social
competitiva, o capitalismo dependente e as classes sociais.

Na Unidade III, você vai ser conduzido a compreender sobre os problemas


sociais ocasionados pelo modelo capitalista de produção examinados pela leitura
de Antônio Gramsci e de Louis Althusser. Também, veremos as bases teóricas e
metodológicas para a sociologia marxista do século XX e as reflexões de Althusser
sobre a escola como reprodutora do modo de produção capitalista e de ideologia.

E, por fim, na Unidade IV, os nossos estudos perpassarão pela Sociologia na


sociedade pós-industrial a fim de pensarmos a respeito das formas de se refletir
sobre o ser humano e sua organização social.

O nosso objetivo é levar o aluno a ter uma reflexão crítica da realidade buscando
ao máximo desenvolver uma opinião mais elaborada e realista, fugindo, assim,
consequentemente, do senso comum e de uma visão apenas descritiva dessa
ciência. A linguagem foi elaborada de uma forma simplificada, tornando-se um
texto de fácil leitura para a compreensão do aluno, e está voltada para as áreas
humanas, especialmente para o conhecimento sociológico.

Prof. Sergio de Goes Barboza


Unidade 1

COMPREENSÃO E
INTERPRETAÇÃO DA
SOCIEDADE
Wilson Sanches

Objetivos de aprendizagem:

Nesta unidade, você irá se apropriar das discussões sobre a Sociologia


enquanto uma ciência compreensiva e interpretativa, fugindo, portanto, da ideia
de que a Sociologia é apenas uma ciência descritiva ou explicativa. Em alguns
momentos, a Sociologia descreve uma determinada realidade e explica alguns
elementos da vida social, mas como o seu objeto de estudo não é somente
o objeto, ou seja, um ser passivo é, antes, um objeto/sujeito, um agente ativo
das mudanças sociais, a Sociologia crítica tem por objetivo compreender e
interpretar o papel desses sujeitos nas transformações sociais. Para isso, você
será levado a conhecer diferentes correntes sociológicas que trabalham com a
interpretação e compreensão da sociedade.

Seção 1 | Sociologia: uma ciência explicativa


Nesta seção, será apresentado o surgimento da Sociologia atrelado à
perspectiva teórico-metodológica das ciências naturais. Sendo assim, a Sociologia
se entende, neste início, como ciência capaz de explicar o funcionamento da
sociedade e de formular leis gerais tal qual as ciências naturais.

Seção 2 | Sociedade e indivíduo em uma perspectiva crítica


Nesta seção, se discutirá como o indivíduo ganha um determinado
protagonismo dentro das interpretações sociológicos, mostrando que a
sociedade não é algo que apenas afeta o indivíduo, mas que também é afetada
pela própria atuação do indivíduo.
U1

8 Compreensão e interpretação da sociedade


U1

Introdução à unidade

Você já percebeu que tudo aquilo que fazemos em nossas vidas cotidianas está
limitado a alguma realidade social? O modo como nos vestimos, o trabalho que
desenvolvemos, os meios de locomoção que utilizamos, os encontros sociais, a vida
amorosa, a vida religiosa, a vida acadêmica, todas essas coisas estão circunscritas
em certos círculos que, por vezes, nos adaptamos e, em outras vezes, negamos,
mas que, nos dois casos, nossas ações estão diretamente ligadas a essas realidades.

Se o que fazemos tem relação com o lócus em que vivemos – aqui temos que
entender que a expressão lócus supera a ideia física de lugar, mas também tem a
ver com a forma que se vive, os valores que se partilha, o tempo em que se vive,
enfim com os elementos de cunho material e também imaterial de uma sociedade
–, como nós podemos conhecer melhor a nossa realidade? Quais são as maneiras
pelas quais os homens e as mulheres desenvolvem algum tipo de relação social?
Como as mudanças sociais ocorrem?

Há algum tempo estudando Sociologia, você já deve ter percebido que são
essas as questões que nossa disciplina tem a intenção de enfrentar. Aliás, Florestan
Fernandes (1971) já havia afirmado que a Sociologia é a ciência que, além de estudar
as interações sociais dos seres vivos nos diferentes níveis de organização da vida, se
preocupa com o sistema social e as mudanças sociais. Assim, a Sociologia possui
diversos percursos metodológicos para compreender tudo o que constitui o seu
campo de estudo. Note que aqui há um elemento fundamental: a Sociologia não
está apenas preocupada em descrever a sociedade e seus processos sociais, ela
está ocupada em interpretar e compreender esses processos dentro dos cânones
da ciência moderna.

Compreensão e interpretação da sociedade 9


U1

10 Compreensão e interpretação da sociedade


U1

Seção 1

Sociologia: uma ciência explicativa


A primeira grande tarefa que foi empreendida pela Sociologia foi justamente se
firmar como ciência. Desde o século XVIII, ciências como a Física, que busca explicar
o universo em suas relações matemáticas e mecânicas, e a Biologia, que estuda os
seres vivos em suas relações fisiológicas, possuíam um caráter inquestionável de suas
investigações científicas em virtude do método que utilizavam, assim, a Sociologia
procurou estudar a sociedade em suas relações sociais cotidianas utilizando, neste
primeiro momento, os mesmos métodos das ciências naturais, se diferenciando
apenas em seu objeto de estudo para também ser reconhecida como uma ciência
legítima. A ciência social estava engatinhando. Acreditava-se que sua primeira tarefa era
descrever a sociedade. Segundo Florestan Fernandes (1973, p. 33), a ciência também
é “filha” do seu tempo:

A criação da Sociologia, como a de outras entidades culturais,


pode ser vista como um processo no qual ocorrem diversos
fatores histórico-sociais e culturais. Isso significa várias
coisas. Primeiro, que ela não nasceu pronta e acabada (como
poderia acontecer com um sistema filosófico), da capacidade
inventiva de um pensador determinado. Segundo, que seu
aparecimento marca o início de um desenvolvimento mais
complexo, que se subordinou, no caso, ao padrão cultural
de acumulação lenta, mas de contínuas de descobertas
comprovadas empiricamente, inerente ao conhecimento
científico. Terceiro, que sua continuação liga-se primariamente
a certas necessidades intelectuais e sociais preenchidas na
moderna civilização urbano-industrial pelo conhecimento
científico ou por suas aplicações. Por fim, que a capacidade
criadora dos pensadores que contribuíram de modo original
em sua formação foi estimulada e orientada por incentivos,
tendências e aspirações suprapessoais.

Compreensão e interpretação da sociedade 11


U1

Veremos, agora, alguns autores que foram importantes para o desenvolvimento da


Sociologia como ciência, mesmo que seus estudos tenham caráter descritivo e não
pensem na ciência como ciência crítica. Começaremos com alguns autores que, diante
das transformações trazidas pela Revolução Francesa e Industrial e pelo Iluminismo,
tiveram uma reação profundamente conservadora. Estes autores, franceses e ingleses,
produziram obras que afirmaram que a sociedade tem preeminência sobre o indivíduo,
e o indivíduo deve encontrar seu lugar dentro da sociedade se ajustando à estrutura
existente, pois, como as ciências naturais apenas podiam conhecer a natureza e tentar
prever como esta se comportaria, as ciências sociais teriam a mesma função. Merece
destaque apontar que estes autores criticaram a sociedade moderna e as mazelas que
ela produziu. Entre os chamados “profetas do passado”, podemos destacar

O inglês Edmundo Burke (1729-1797) e os franceses Joseph de


Maistre (1754-1821) e Louis de Bonald (1754 – 184). Em linhas
gerais, eles ansiavam por uma sociedade estável, hierarquizada,
fundada em valores familiares, religiosos e comunitários, assim
como na ordem, na coesão e na autoridade. Esse modelo havia
chegado ao clímax nas sociedades medievais, começando
a declinar com o Renascimento. A nostalgia de uma vida
comunitária e familiar, vista então como idílica, e do processo
artesanal de trabalho, ambos destruídos pelo novo modo de
produção e pela urbanização descontrolada, traduziram-se
em críticas à própria modernidade de que era fruto o homem
alienado, anômico, desprovido de virtudes morais e espirituais.
Paralelamente a essa rejeição ao moderno, tal corrente
glorificava a tradição. (QUINTANEIRO et al., 2002, p. 17)

Esses autores apontam para o caos e a ausência de moralidade nas sociedades


modernas que solaparam as antigas instituições, como a Igreja e as corporações e
ofício, que davam estabilidade e coesão social em épocas anteriores. Aliás, os temas
coesão social e solidariedade foram abordados amplamente na produção sociológica
inicial. “Apesar dessa influência, a Sociologia vem a assumir um caráter decididamente
moderno, acreditando no progresso como uma tendência inexorável” (QUINTANEIRO
et al., 2002, p. 17).

Sobre as mudanças sociais desta época recomendamos a leitura do livro


"O Germinal", de Emile Zola, escrito em 1881. O livro mostra a vida dos

12 Compreensão e interpretação da sociedade


U1

mineiros do norte da França e suas precariedades até a deflagração da


greve. Aqueles que preferirem podem assistir ao filme "O Germinal", que foi
lançado em 1993, produzido na França e dirigido por Claude Berri.

Outro autor importante para a formação da Sociologia foi Saint-Simon (1760-


1825). Em suas obras, ele destaca a inutilidade da aristocracia na nova sociedade e
o industrialismo como domínio da natureza. Apoiando-se no sucesso das ciências
naturais, Saint-Simon construiu o que chamou de Fisiologia Social. Para ele, a sociedade
é muito mais que um aglomerado de indivíduos, mas um ser animado em que cada
parte possui uma determinada função. Segundo o pensamento de Saint-Simon (apud
QUINTANEIRO et al., 2002, p. 18):

a base da sociedade é a produção material, a divisão


do trabalho e a propriedade. As vidas individuais seriam
engrenagens que contribuem para o progresso da civilização.
Todas as sociedades possuem ideias comuns, e seus membros
gostam de sentir seus laços morais que garantem sua união
com os demais.

Portanto, Saint-Simon não fala de um elemento geral que condicione a vida das
sociedades, mas do princípio da coesão mantido por laços morais. A sociedade
capitalista moderna também produziu os laços morais que garantem a coesão social.

A cada tipo de estrutura social corresponde uma moral e, na


sociedade industrial, ela se vincula à proteção e ao trabalho. Se
nas sociedades militares que a antecederam o poder cabia aos
guerreiros, na época da indústria a direção deveria passar para
a classe Industrial, cuja propriedade se origina no trabalho. A
força militar estava fadada a tornar-se completamente inútil, diz
ele [Saint-Simon]. O poder teológico seria também substituído
pela capacidade científica positiva, e os conhecimentos
passariam a se fundar na observação. O corpo social como um
todo deveria, então, exercer as funções governamentais, e o
Estado, que tenderia a se tornar uma organização de ociosos,

Compreensão e interpretação da sociedade 13


U1

seria substituído pelos interesses espontâneos da produção, sendo


absorvido pela sociedade, quando passaria a visar a satisfação de
todos os necessitados. Para ele [Saint-Simon], a luta entre a classe
militar ou feudal e a industrial resultaria na vitória desta última
e, a partir daí, constituir-se-ia uma sociedade de trabalhadores:
(QUINTANEIRO et al., 2002, p. 18)

Saint-Simon, mais tarde, modificou sua visão criticando os patrões que parasitam
o operário. Para ele, era necessária uma ciência social positiva que revelasse as leis
do desenvolvimento da história. Suas ideias terão grande impacto sobre Marx, Engels
e Durkheim. Aqui é importante que você compreenda este caráter descritivo em
Saint-Simon, que estava propondo uma ciência que revelasse as leis que regem o
desenvolvimento da história.

Augusto Comte era secretário de Saint-Simon e foi o sintetizador do método


positivista. Para Comte, o papel da ciência era “conhecer para prever, prever para
prover”, ou seja, a ciência deveria ser capaz de prever os fenômenos racionalmente
para agir com eficácia. A possibilidade de prever os fenômenos sociais se dá porque o
mundo social, tal qual o mundo natural, é regido por leis capazes de serem conhecidas
pelo cientista. Uma das preocupações de Comte era a crise que se abatia sobre a
sociedade causada pela desorganização moral, social e de ideias.

Com o sucesso cada vez maior das ciências naturais começou-se a estabelecer
analogias entre a sociedade e os organismos vivos. A sociedade passou a ser vista
como um sistema vivo, organizado, ordenado de tal forma que a diferenciação produz
harmonia. Por exemplo, em um corpo humano possuímos diversos órgãos (coração,
pulmão, cérebro, sistema digestivo etc.) e cada um deles tem suas especificidades e
suas funções (coração bombeia o sangue, o pulmão tem a função da respiração etc.).
Dessa forma, o corpo só funciona em equilíbrio ou em harmonia, na medida em que
todos esses órgãos agem de acordo com suas características, ou seja, é a diferença
dentro de uma estrutura que produz harmonia. A sociedade agiria da mesma forma,
cada parte da sociedade possui uma determinada função, e à medida que essas
funções vão sendo realizadas para atender o todo é que a sociedade produz harmonia.

Herbert Spencer (1820-1903) foi o pensador mais representativo dessa corrente de


pensamento comumente chamada de organicista.

A lei do progresso orgânico, acreditava Spencer, é a lei de


todo o progresso, que transforma o simples em complexo

14 Compreensão e interpretação da sociedade


U1

por meio de diferenciações sucessivas e da especialização das


funções. Isso se ajusta à sociedade, que teria evoluído para o
tipo industrial. Para ele [Spencer], a sociedade não é mais do
que um nome coletivo empregado para designar certo número
de indivíduos. É a permanência das relações existentes entre as
partes constitutivas que faz a individualidade de um todo e que
a distingue da individualidade das partes. Sendo os indivíduos –
unidades elementares – organismos sujeitos às leis biológicas, o
arranjo social estaria submetido às mesmas leis do mundo natural.
(QUINTANEIRO et al., 2002, p. 20)

Para Spencer, a sociedade está em crescimento contínuo e ele provoca a


dessemelhança entre as partes, passando a cada parte uma função dessemelhante.
Essas diferenças tornam as partes interdependentes entre si e mutuamente
dependentes, que agregadas constituem um organismo individual e cada vez mais
complexo.

Diante de uma realidade social cada vez mais complexa, em que o senso comum
questionava a possibilidade de encontrar leis gerais para descrever o funcionamento
da sociedade como se fazia com o mundo natural, a questão que se levantava, e
que muitos sociólogos precisam conviver até hoje, é: A sociologia de fato pode ser
pensada como uma ciência?

Charon (1999) utiliza cinco princípios para definir ciência, e neles podemos perceber
que a Sociologia, desde o seu surgimento, é uma ciência.

1º - O objetivo da ciência é compreender o universo de um modo cuidadoso,


disciplinado. Ao observar o universo, as ciências naturais tentam controlar o viés
pessoal para que essa observação não seja casual, mas rigorosa. A Ssociologia tenta
entender o homem como ser social de um modo cuidadoso e disciplinado, evitando
os olhares casuais.

2º - A prova é a condição para a aceitação das ideias na ciência, e a prova deve


ser empírica. A ciência exige uma comprovação de que o corpo de ideias estruturado
por algum cientista é válido.

A ciência difere da religião, que, em geral, fundamenta suas


ideias na fé, na autoridade e, às vezes, no debate. Também
difere de muitas disciplinas não científicas, como a filosofia
e a matemática, que tendem a basear suas ideias na lógica.

Compreensão e interpretação da sociedade 15


U1

A lógica certamente faz parte da abordagem científica, mas


os cientistas querem mais: a observação empírica com base na
prova. Na Sociologia, portanto, como em todas as ciências,
testes são cuidadosamente desenvolvidos – com experimentos,
levantamentos, estudos de caso e análises de dados oficiais, por
exemplo – e seus resultados são então computados, observados e
compartilhados com outras pessoas também capazes de analisá-
los. (CHARON, 1999, p. 9)

3º - A ciência deve ser entendida como uma comunidade de estudiosos que


verificam o trabalho uns dos outros, criticam, debatem e, juntos, constroem
lentamente um conjunto de conhecimento. Em todos os ramos científicos existe
uma grande importância da comunidade científica, ou seja, outros cientistas que
podemos debater sobre os resultados e as melhores formas de abordá-los. Neste
sentido, Anthony Giddens (2005, p. 27) afirma que:

a Sociologia nunca foi uma disciplina em que há um corpo


de ideias que todos aceitam como válida. Os sociólogos
frequentemente discutem entre si sobre como abordar
o estudo do comportamento humano e sobre como os
resultados das pesquisas podem ser mais bem interpretados.

4º - A ciência é uma tentativa de generalizar. A ciência quer ir além da situação


concreta que ela investiga e estabelecer ideias que se relacionem a situações diversas.
Na área da Física, há uma história, ou um mito, de que Isaac Newton começou a pensar
sobre a lei da gravitação universal quando foi atingido por uma maçã enquanto estava
sentado debaixo de uma árvore. Ao ser atingido, ele se perguntou: “por que ela caiu e
não flutuou?”. A partir disto Newton pensou que havia uma força que vinha de dentro
do planeta e que puxava tudo que estava em sua superfície para ela. Não obstante essa
história ser meramente ilustrativa, ela é um bom exemplo de como, a partir de um
evento concreto (a queda da maçã na cabeça de Newton), se estabelecem ideias que
se relacionam com outras situações (a Lei da Gravitação Universal).

Na Sociologia se faz generalizações sobre papéis, minorias,


revoluções, mudanças sociais, classes sociais, poder, família,

16 Compreensão e interpretação da sociedade


U1

religião etc. As pessoas fazem parte da Natureza. Embora todas as coisas


da natureza sejam, em certa medida, únicas, se formos cuidadosos
podemos generalizar de um modo inteligente. A sociologia é uma
tentativa meticulosa de fazer generalizações a respeito dos aspectos
sociais dos seres humanos. (CHARON, 1999, p. 10)

5º - A ciência é uma tentativa de explicar eventos. A ciência, de uma maneira geral,


deve ser capaz de dizer por que as coisas acontecem e quais são as causas e influências
de uma determinada classe de eventos. A sociologia possui essa preocupação.

Assim, por exemplo, Weber mostrou que o protestantismo


influenciou o desenvolvimento do capitalismo, e Durkheim,
que níveis muito baixos de integração social são uma causa
importante de índices de suicídio elevados. Os sociólogos
explicam (indicam o que influencia) o crime, o sucesso nos
estudos, o conflito social. Também são capazes de mostrar os
efeitos do racismo, da discriminação racial, da discriminação
sexual, da pobreza, da socialização e seu papel sobre outros
aspectos. A ciência é uma tentativa de desenvolver ideias
sobre relações de causa e efeito. (CHARON, 1999, p. 10)

O que podemos perceber sobre a exposição desses cinco princípios que definem
a ciência é que a Sociologia se insere em cada um deles. Claro que a Sociologia possui
suas especificidades na hora de fazer suas observações. Nós não temos como fazer
testes em laboratório e o nosso objeto de estudo está em constante mudança e por
isso deve ser observado frequentemente, mas isso não invalida a Sociologia como
ciência. Portanto, podemos afirmar categoricamente que a Sociologia é uma ciência
que possui suas características particulares.

Essa característica particular da Sociologia é sua relação com o objeto de estudo.


Nas ciências naturais, o objeto é diferente do sujeito; o objeto é aquilo que se pesquisa,
como os ciclos dos anos, a gravidade, o funcionamento de determinado órgão do
corpo humano. Esses objetos não elaboram nenhuma explicação sobre suas funções,
suas características, sendo ele, antes, o sujeito do conhecimento, o pesquisador, o
que observa o objeto e que, a partir desta observação, elabora sua teoria sobre a
característica, o funcionamento e a importância de determinado objeto. No caso da
Sociologia, o objeto de estudo e o sujeito do conhecimento são da mesma natureza.

Compreensão e interpretação da sociedade 17


U1

Assim, sob o aspecto epistemológico, a questão que se formula é: qual é o ponto de


partida da Sociologia: o objeto (uma vez que o termo Sociologia significa ciência da
sociedade, o objeto genérico desta ciência é a sociedade) ou o sujeito (o indivíduo que
interage para formar a sociedade)?

Essa questão epistemológica é tão importante que Sell (2012, p. 17) afirma o
seguinte:

Partindo da distinção entre sujeito e objeto, os teóricos da


sociologia se perguntaram qual deve ser o ponto de partida
da análise sociológica. Ou, em outros termos: para explicar
a realidade social é necessário partir do sujeito (indivíduo)
ou do objeto (sociedade)? Qual a relação que existe entre
indivíduo e sociedade: é a sociedade que explica o indivíduo
ou é o indivíduo que explica a sociedade? Para as teorias
sociológicas que conferem uma posição privilegiada ao objeto
no processo de conhecimento, a explicação sociológica
deveria mostrar como a sociedade (que é o objeto) explica
a vida dos indivíduos. Mas, para as teorias sociológicas que
partiam do pressuposto de que a origem do conhecimento se
dá mediante o papel ativo do sujeito, o indivíduo é que deveria
ser o fundamento lógico da explicação sociológica.

Para os sociólogos que partem do objeto para compreender a vida em sociedade,


o método a ser utilizado é o método empirista/objetivista. A Sociologia, quando
adota esse método, utiliza procedimentos parecidos com o das ciências naturais para
compreender o meio social. Para os sociólogos que acreditam que o ponto de partida
da ciência social é o sujeito, resta apenas construir um método próprio, diferente dos
da ciência naturais, para compreender como os homens interagem e como essas
interações originam instituições sociais.

1.1 Sociologia Conservadora

Segundo Vares (2015, p. 148), a tradição conservadora possui algumas


características: “ideia evolucionaria da história, naturalismo metodológico,
cientificismo, organicismo e suas consequências”, portanto, alguns manuais de
Sociologia apontam que os sociólogos que partem da sociedade para explicar os
fenômenos sociais são classificados como conservadores. Por que esses sociólogos
e suas teorias são tachados de conservadores? Porque, ao partirem da sociedade,

18 Compreensão e interpretação da sociedade


U1

isto é, do objeto para compreender os fenômenos sociais, fazem parecer que os


indivíduos possuem pouca, ou nenhuma, influência sobre esses fenômenos. A
Sociologia conservadora é uma Sociologia “sem sujeito”. O positivismo é tachado
como conservador, pois é dada uma grande importância na coesão social e nas
instituições sociais. O indivíduo deve apenas ocupar seu espaço dentro da estrutura
social e auxiliar as instituições a que está vinculado a cumprir a sua função social.

Partindo desta premissa, a Sociologia positivista logrou para si a tarefa de


interpretar cientificamente o mundo social. Durkheim afirma esta tarefa hercúlea
da Sociologia logo no prefácio da primeira edição do livro “As regras do Método
Sociológico” (2002), publicado em 1895:

O tratamento científico dos fatos sociais é tão pouco habitual


que algumas proposições contidas neste livro correm o risco
de surpreender o leitor. Todavia, se existe uma ciência das
sociedades, é de se esperar que ela não se limite a ser paráfrase
de preconceitos tradicionais, e, sim, que mostre as coisas de
maneira diferente da encarada pelo vulgo pois o objetivo
de toda ciência é descobrir, e toda descoberta desconcerta
mais ou menos as opiniões formadas. É preciso que o
sociólogo tome resolutamente o partido de não se intimidar
com os resultados alcançados pelas pesquisas, quando
metodicamente conduzidas, a menos que, em sociologia,
se conceda ao sendo comum uma autoridade que há muito
tempo não goza nas outras ciências e que aliás não vemos de
onde lhe poderia provir. (DURKHEIM, 2002, p. XI)

O caráter interpretativo da Sociologia é expresso nesta passagem, na medida em


que mostra que a explicação sociológica se afasta da explicação dada pelo “vulgo”,
isto é, pelo senso comum. As pessoas, comumente em seu dia a dia, vivem em
sociedade, realizam suas tarefas, exercem seus papéis sociais, mas não desenvolvem
explicações rigorosas e sistematizadas sobre tudo o que fazem. Essa tarefa é da
ciência, que, afastando-se do que as pessoas comuns, não cientistas, falam sobre
a vida, observam a realidade de maneira criteriosa enunciando os princípios que
regem o reino social. Esses princípios já existem, sempre existiram e ordenam o
funcionamento da sociedade, portanto, a tarefa da Sociologia é descobrir os
princípios que regem o reino social, da mesma forma que a Física, por exemplo, fez
com o reino natural.

No livro “As regras do método sociológico” (2002), Durkheim apresenta as regras


relativas à observação da sociedade e do comportamento do sociólogo. Para ele

Compreensão e interpretação da sociedade 19


U1

(2002, p. 13), “a primeira regra e mais fundamental de todas é tratar os fatos sociais
como coisa”. O que significa afirmar que precisamos tratar os fatos sociais como
coisas?

Durkheim afirma que os fenômenos sociais, como o direito, a família, o Estado, a


formação do valor, são fenômenos que todos os homens sentem e, por isso, sempre
possuem alguma “opinião” a respeito desse assunto, ou seja, todos nós possuímos
noções pré-concebidas, ou pré-noções, a respeito dos fenômenos sociais. Quando
um sociólogo quer conhecer os fatos sociais, ele deve se afastar de todas as pré-
noções, portanto, se afastar das explicações do senso comum. O fato social deve ser
tratado como coisa, que é um dado a ser observado, é este dado é o que importa.
Portanto, o sociólogo deve observar o fato social como dado a ser coletado, como
coisa que deve ser observada e interpretada, como ponto de partida da ciência.
Jamais o ponto de partida da ciência deve ser aquilo que as pessoas pensam a
respeito de determinado fato social, mas somente o fato em si.

Afirmando ainda que existe uma precedência lógica do coletivo sobre o indivíduo,
Durkheim estabelece que a observação deva ser feita dos caracteres exteriores dos
fatos sociais, isto é, aquelas características que não dependem das manifestações
individuais. Portanto, para Durkheim, a abordagem do objeto de estudo da Sociologia
deve ser objetiva e nunca subjetiva, deve ser a maneira como ele se apresenta
dentro do contexto social e nunca a maneira como os indivíduos pensam os fatos
sociais. No intuito de deixar claro como se deve observar os fatos sociais, Durkheim
estabeleceu três princípios:

1º. Afastar sistematicamente todas as pré-noções: “É preciso que o sociólogo se


liberte das falsas evidências que dominam o espírito do vulgo”, é preciso que todo
conhecimento previamente concebido de qualquer fato social seja afastado para
que a pesquisa não seja prejudicada.

2º. Tomar sempre como objeto de investigação um conjunto de fenômenos


previamente definidos por certas características exteriores que lhe sejam comuns
e incluir na investigação todos os que correspondem a essa investigação. Por
exemplo: quando falamos de família, precisamos definir clara e precisamente do
que se trata. Por família podemos definir como grupo particular que em sua maioria
se relaciona por laços de consanguinidade e/ou de afeto, assim, todos os grupos
que objetivamente se definirem assim iremos investigar sobre esse nome, ou então
ainda precisaríamos de uma definição mais específica para atualidade para que não
se incluam grupos que não podem objetivamente ser definidos como família.

3º. Afastar-se dos dados subjetivos: para estudar os fenômenos sociais é preciso
afastar-se das manifestações individuais e analisar de uma forma tal que ele se
apresenta isolado destas manifestações.

Como se pode perceber, os procedimentos metodológicos propostos por

20 Compreensão e interpretação da sociedade


U1

Durkheim levam sempre o sociólogo a partir do objeto, ou seja, da sociedade, para


compreender os fenômenos sociais ou, no caso de nosso autor, os fatos sociais.
Afirmar que alguns manuais colocam a Sociologia durkheiminiana como uma
Sociologia conservadora, por conta da relação objeto sujeito, não significa afirmar
que a teoria de Durkheim possui pouca importância para a Sociologia, ou que sua
proposta não foi revolucionária à sua época. Durkheim teve uma preocupação
extraordinária com o método, com a construção de uma ciência autônoma e muito
das suas contribuições estão presentes em outras correntes teóricas da Sociologia.
De fato, Giddens e Maffesoli chegam até mesmo a contrariar a ideia de que
Durkheim seja um conservador (VARES, 2015), uma vez que as contribuições deste
autor em relação ao estudo da moral e da cultura rompem com certas tradições
conservadoras que se mantinha no final do século XIX.

Há correntes dentro da Sociologia que trabalharam com tipos coletivos, mas que
pensam como os sujeitos afetam esses tipos.

1. Leia atentamente as proposições a seguir:


I. A criação da Sociologia pode ser vista como um processo no
qual ocorrem diversos fatores histórico-sociais e culturais. Isso
significa várias coisas: primeiro, que ela não nasceu, pronta e
acabada (como poderia acontecer com um sistema filosófico),
da capacidade inventiva de um pensador determinado.
II. O aparecimento da Sociologia marca o início de um
desenvolvimento mais complexo, que se subordinou ao padrão
cultural de acumulação lenta, mas contínua, de descobertas
comprovadas empiricamente, inerente ao conhecimento científico.
III. A Sociologia não figura no rol das ciências, pois ela não
preenche certas necessidades intelectuais e sociais preenchidas
na moderna civilização urbano-industrial pelo conhecimento
científico ou por suas aplicações.
IV. A Sociologia surge como obra exclusiva de Auguste Comte
e da influência que este autor exerceu sobre Emile Durkheim.
Sobre a Sociologia podem ser consideradas corretas as
proposições:
a. I e II.
b. I e III.
c. II e III.
d. I, II e III.
e. I, II, III e IV.

Compreensão e interpretação da sociedade 21


U1

2. Spencer acreditava que a lei do progresso orgânico é a lei


de todo o progresso, que transforma o simples em complexo
por meio de diferenciações sucessivas e da especialização das
funções. Isso se ajusta à sociedade, que teria evoluído para o
tipo industrial (QUINTANEIRO, 2002).
Spencer pode ser considerado um pensador organicista. Para
ele:
a. Os indivíduos são organismos independentes, e por esta
razão a sociedade não pode formar um todo orgânico.
b. As leis do mundo natural se aplicariam somente aos
organismos. A sociedade não pode ser compreendida por este
viés.
c. A sociedade industrial surge de um fato isolado que não
pode ser associado ao processo de evolução e ajuste social.
d. A sociedade é fruto dos processos históricos dialéticos
entendidos como luta de classe.
e. Sendo os indivíduos organismos sujeitos às leis biológicas,
o arranjo social estaria submetido às mesmas leis do mundo
natural.

22 Compreensão e interpretação da sociedade


U1

Seção 2

Sociedade e indivíduo em uma perspectiva crítica


Na seção anterior, demonstramos porque a perspectiva positivista pode ser
considerada, com ressalvas, uma perspectiva conservadora. A perspectiva conservadora
não se caracteriza exclusivamente pela prevalência da sociedade sobre o indivíduo,
mas pela falta de protagonismo do indivíduo.

O materialismo-histórico proposto por Marx trabalha com a dinâmica dos grupos


sociais, denominadas por ele de classes sociais. Não há em Marx um protagonismo do
indivíduo como ente isolado, mas o protagonismo das classes que agem no processo
histórico de construção das sociedades. O processo dialético materialista mostra que é
pelo trabalho que o homem transforma o mundo, mas ele não o faz da maneira como
quer, mas sob as condições que ele recebe em determinado momento histórico.

Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como


querem; não a fazem sob circunstâncias de suas escolhas e
sim sob aquelas com que se defronta diretamente, legadas e
transmitidas pelo passado. A tradição de todas as gerações
mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos. (MARX,
1997, p. 21)

Há, portanto, dentro das sociedades, um peso significativo das estruturas sociais
sobre os indivíduos, é a opressão das gerações mortas sobre a vida dos vivos. Mas, se
há esse peso, há também a possibilidade de transformação social, pois ainda são os
homens que fazem a história. Fazer a história é tornar-se sujeito da história, portanto,
responsável pelo desenrolar do processo histórico.

Na tese X sobre Feuerbach, Marx escreve que o novo materialismo não parte da
sociedade civil, mas da humanidade socializada, ou seja, da humanidade, que por
um processo histórico em curso encontra-se vivendo em sociedade e foi feito pelos
homens atuando na transformação da realidade material. Marx afirma na tese XI que

Compreensão e interpretação da sociedade 23


U1

a própria ciência deveria atuar nesta transformação quando diz que “os filósofos não
fizeram mais do que interpretar o mundo de maneiras diferentes; trata-se, porém, de
transformá-lo” (MARX, 1999, p. 8).

A possibilidade da transformação social no materialismo histórico de Marx é uma


nova forma de compreender a relação indivíduo/sociedade, ou melhor ainda, a
relação sujeito/objeto.

Na teoria marxista, a relação do homem com a sociedade


não é reduzida a um ou outro dos polos, como faziam as
teorias anteriores. Ou seja, o homem não é fruto exclusivo
da sociedade, nem esta resulta apenas da ação humana.
Na perspectiva dialética, existe uma eterna relação entre
indivíduo e a sociedade, que faz com que tanto a sociedade
quanto o homem se modifiquem, desencadeando o processo
histórico-social. (SELL, 2012, p. 78)

Em Marx, a transformação da realidade é o objetivo dos estudos, se a relação


indivíduo-sociedade não é reduzida, a relação teoria e prática tão pouco. Marx não
se dedica a escrever um livro metodológico, mas ao mesmo tempo que interpreta a
sociedade à sua volta, ele elabora sua teoria que orienta as práticas sociais, ou seja, é
o processo dialética que parte do real, isto é, da realidade material, teoriza sobre essa
realidade e retorna à realidade como real pensado. O ponto de partida é sempre a
realidade material.

Vejamos outro autor que também não polariza a questão indivíduo-sociedade.

Georg Simmel é um autor pouco estudado nos cursos de graduação em Ciências


Sociais do Brasil. Seu nome não figura entre os clássicos fundadores da Sociologia,
no entanto, ele teve um papel importante para tornar a Sociologia uma ciência
independente das demais ciências sociais. Parece que estou me referindo a Durkheim,
não é mesmo? Sempre afirmamos que Durkheim é o autor que deve ser reconhecido
por ter empreendido este esforço, mas Simmel também atuou para que a Sociologia
fosse reconhecida como uma ciência autônoma na Alemanha e contribuiu com
Durkheim publicando na revista L’Anné Sociologique no sentido de construir a
Sociologia com ciência.

Simmel publicou, em 1908, o livro “Sociologia: investigação sobre as formas de


sociação”, em que discute os fundamentos da Sociologia, segundo sua concepção
de ciência da sociedade. Em 1917, Simmel publicou o livro “Questões fundamentais
da Sociologia”, que ficou conhecido também como “Pequena sociologia”, em que o
autor oferece uma espécie de resumo do livro “Sociologia”. Assim, no livro “Questões

24 Compreensão e interpretação da sociedade


U1

fundamentais da Sociologia”, Simmel discute os principais problemas de uma


disciplina que está nascendo e oferece uma visão sistematizada e organizada de sua
“microssociologia”.

A primeira discussão que Simmel (2006) realiza na obra supracitada é sobre a


cientificidade da Sociologia e de seu objeto de estudo. A Sociologia é a ciência que
estuda a sociedade, como a definição etimológica do próprio termo explicita, mas será
que há um conjunto de problemas que nenhuma outra ciência trata que podem ser
reunidos sob um ponto nodal comum reconhecido como sociedade e se tornarem
objeto da Sociologia?

O problema que se coloca é de duas ordens: a primeira diz respeito à ideia de que
o conceito de sociedade por vezes é atenuado, ou seja, se considera sociedade uma
abstração prática necessária para uma síntese provisória, mas que o desenvolvimento
das relações sociais se dá entre os indivíduos, portanto a sociedade não seria um
objeto de estudo qualificado para compreensão das interações entre os indivíduos,
pois seu papel seria diminuto nessas interações. A segunda é a de que o conceito de
sociedade é exagerado, ou seja, tudo o que os homens são e fazem se dá dentro da
sociedade, assim, toda ciência, de uma certa forma, é uma ciência da sociedade.

Os problemas sobre a definição da sociedade afetam diretamente a Sociologia.


Segundo Simmel, como pode haver uma ciência da sociedade se a ideia de sociedade
por vezes parece não ser importante para compreender algo, e por outras vezes
parece tão grande que não seria possível que exista uma única ciência que dê conta
de estudá-la?

Por essa razão, Simmel (2006, p. 9) afirma que:

A ciência da sociedade, ao contrário das outras bem-


fundamentadas ciências, se encontra na desconfortável
situação na qual precisa, em primeiro lugar, demonstrar seu
direito à existência.

Apesar de passados 100 anos desde a afirmação de Simmel, a Sociologia precisa


mostrar seu direito à existência, seja como ciência, seja como disciplina em uma
determinada grade curricular. Para o autor, a Sociologia é a ciência da sociedade.
Agora precisamos entender o que é a sociedade para este autor.

Para definir o conceito de sociedade, Simmel afirma que é preciso convocar


todas as formas especiais de sociação e todas as forças que unem seus elementos.
Nas palavras do próprio autor (1983a, p. 48): “Vejo uma sociedade em toda parte
onde homens se encontram em reciprocidade de ação e constituem uma unidade

Compreensão e interpretação da sociedade 25


U1

permanente ou passageira”. Os indivíduos levados por determinados instintos ou


determinados fins formam uma unidade, uma sociedade. Esta sociedade é chamada
de sociação. “A sociação só começa a existir quando a coexistência isolada dos
indivíduos adota formas determinadas de cooperação e de colaboração que caem
sob o conceito geral de interação.” (SIMMEL, 1983b, p. 60) Neste sentido, o termo
sociedade opera como uma síntese das ações recíprocas dos indivíduos. A sociedade
é algo funcional que os indivíduos fazem e sofrem ao mesmo tempo.

Se a sociedade se constrói a partir da sociação dos indivíduos, a Sociologia, como


ciência da sociedade, é a ciência que estuda as formas de socialização, portanto, a
realidade que é formada a partir da vida dos indivíduos é que é o objeto de estudo
da sociologia em Simmel. Para ele, “fazer sociologia é fazer-ver a cultura humana do
ponto de vista das interações de suas partes, é produzir uma imagem distintamente
sociológica do mundo do espírito” (BÁRBARA, 2014, p. 91).

Para produzir a imagem sociológica da sociedade, Simmel recorre a uma série de


analogias. Compara a Sociologia com a geometria e com a biologia, mas em ambos
os casos o faz de forma muito específica, de uma maneira que o que está em jogo
é o método e não a sociedade. A geometria analisa o espaço, a área matemática,
a Sociologia poderia estudar as formas cristalizadas de sociação. Na comparação
com a biologia, o autor alemão afirma que é preciso observar a sociação como
uma microscopia social. Com essa microscopia social era possível enxergar novos
segmentos do real e perceber como eles interagem com as formas cristalizadas
de sociação, pois a sociação só começa a existir quando a existência isolada dos
indivíduos assume uma forma determinada de cooperação e colaboração, portanto o
que faz uma sociedade ser sociedade, segundo Simmel, são as maneiras diversas de
interação entre os indivíduos.

Um aglomerado de pessoas não é uma sociedade, no entanto, se este aglomerado


assume a forma de influência recíproca quando se produz a ação de um indivíduo sobre
o outro, a coexistência social pode ser chamada sociedade ou sociação. O esbarrão
entre duas pessoas na fila de um cinema não pode ser chamado sociação, pois o nível
de interação neste tipo de evento é muito fugaz e superficial. A interação acontece
quando há interesse. O interesse é o que motiva o indivíduo a agir. Há interações
duradouras que já se cristalizaram em unidades perfeitamente caracterizado, como
Estado, família, igreja associações etc., e há também inúmeras formas e modos de
interação, só possíveis de serem analisados por uma microscopia social, que aparecem
como casos isolados, mas que inseridas nas formalizações oficiais sustentam a
sociedade como a conhecemos.

A Sociologia, para Simmel, é uma ciência que tem por tarefa produzir uma
determinada maneira de ver o mundo. A construção do objeto da Sociologia, bem
como de seu método indica que cabe a esta ciência interpretar os fenômenos sociais.
Isso fica evidente quando Simmel, diante do processo de crescimento acelerado das

26 Compreensão e interpretação da sociedade


U1

cidades, define o que é o mundo urbano.

A cidade faz um contraste profundo com a vida rural e a vida da pequena cidade no
que se refere aos fundamentos sensoriais da vida psíquica (SIMMEL, 1979). Enquanto
nas pequenas cidades e em meios rurais a vida psíquica descansa em relacionamentos
profundamente sentidos e emocionais, na metrópole são as camadas mais superficiais
em que se situa o intelecto, que age para adaptar, sem choques, o indivíduo ao ritmo
metropolitano. O órgão que o homem metropolitano desenvolve para suas relações é
a cabeça e não o coração, pois a intelectualidade se destina a preservar a vida subjetiva
contra o poder avassalador da vida metropolitana. A metrópole, enquanto sede da
economia monetária e lócus do intelecto, promove uma atitude prosaica ao lidar com
homens e coisas. A mente moderna, dentro das metrópoles, torna-se mais calculista.
Há uma estrutura da mais alta impessoalidade. Todos esses elementos são necessários
para que pessoas de interesses tão diferenciados possam continuar se relacionando
dentro das metrópoles.

Quando o sociólogo explica a diferença entre a cidade e o meio rural, define


como funciona a cultura, a mentalidade, o pensamento do homem que vive no
meio urbano e a diferença em relação ao homem que vive no meio rural, ele está
determinando o significado de algo. Interpretar é justamente determinar o significado
de um acontecimento de maneira precisa.

Uma das contribuições de Simmel para o campo da Sociologia é a afirmação de


que a sociedade é algo que os indivíduos fazem e sofrem, portanto, se, por um lado,
Simmel não aponta como sendo desejo de sua Sociologia transformar o mundo, tão
pouco ele propõe o desaparecimento do indivíduo dos aspectos sociais.

As contribuições de Simmel foram importantes sobretudo para a escola sociológica


de Chicago para a compreensão do fenômeno urbano que se dava nos Estados
Unidos da América em função do fluxo de imigração do início do século XX e as
acomodações que ocorriam dentro do espaço urbano.

2.1 Interpretação e Compreensão da Sociedade Contemporânea

A Sociologia compreensiva iniciada por Weber apresenta uma novidade na


relação indivíduo/sociedade. Seguindo os pressupostos neokantianos, ele identifica
a Sociologia como uma ciência distinta das ciências naturais. Os fenômenos naturais
são exteriores aos indivíduos e acontecem por necessidade, ou seja, em determinadas
circunstâncias sob determinados aspectos os fenômenos naturais ocorrerão
necessariamente, ao passo que os fenômenos sociais ocorrem por finalidade, por
escolha dos sujeitos que realizam as ações sociais. Por isso as ciências sociais são,
em sua essência, para essa corrente de pensamento, uma ciência compreensiva.

Compreensão e interpretação da sociedade 27


U1

No entanto, Weber não rejeita a ideia de encontrar certas regularidades no


comportamento social. De fato, para ser considerada ciência, a Sociologia não pode
deixar-se levar pelo subjetivismo extremo. Assim, o método proposto por Weber
une as explicações causal e compreensiva, o que faz com que o autor questione a
proeminência da sociedade sobre o indivíduo ao mesmo tempo em que constrói
um método que valida a Sociologia como uma ciência.

A ideia weberiana de que a ciência social é de origem distinta das ciências


naturais e que, portanto, deve ter um método diferente influenciou o trabalho de
Horkheimer. Horkheimer faz parte da primeira geração de pensadores da chamada
Escola de Frankfurt.

A Escola de Frankfurt foi fundada no ano de 1923 como Instituto para a Pesquisa
Social. Theodor Adorno, Herbert Marcuse, Marx Horkheimer e Walter Benjamin
foram os principais pensadores da primeira geração dessa escola de pensamento,
que também é chamada de Teoria Crítica (ARANHA; MARTINS, 2003). Para
Horkheimer, não era possível pensar em uma ciência social que apenas descrevesse
como as sociedades funcionavam, mas era preciso uma racionalidade voltada para
emancipação para construção de uma sociedade em que mulheres e homens
pudessem viver em liberdade e igualdade.

A Escola de Frankfurt faz uma crítica ao racionalismo que não pensa sobre suas
consequências. Assim, ela aponta a existência de dois tipos de racionalidade: a razão
instrumental, que é uma razão técnico-científica que está preocupada em conhecer
para controlar, portanto está a serviço da violência e da exploração; e a razão crítica,
que reflete sobre as contradições e os conflitos sociais, bem como os conflitos
políticos, estabelecendo que essa razão possui uma força libertadora advinda da
própria crítica (CHAUÍ, 1995; ARANHA; MARTINS, 2003).

Apesar da ideia de uma modernidade calcada na racionalidade partir do ponto


de vista de Weber, a principal referência da teoria crítica da Escola de Frankfurt é o
materialismo-dialético proposto Marx e Engels, no entanto, não é a única influência.

A Escola de Frankfurt foi influenciada pelas teorias já citadas


anteriormente como a visão de ciência, proposta por Bacon
e Descartes, distanciando as explicações dos fenômenos do
divino; o racionalismo de Spinoza e a visão de emancipação
através da razão, de Rousseau; os conceitos de dialética de
Hegel; o materialismo histórico de Marx e Engels; e as visões
de historicidade, de hegemonia e de ideologia de Gramsci.
Junta-se a estas ideias a valorização da consciência na
Psicanálise de Freud. (SCHERER, 2011, p. 28)

28 Compreensão e interpretação da sociedade


U1

Uma das importantes contribuições da Escola de Frankfurt são as reflexões sobre


aquilo que Horkheimer e Adorno (1997) nominaram por Indústria Cultural. Mas o que
é Indústria Cultural e qual a importância destes estudos para teoria crítica?

O termo indústria cultural indica que a lógica produtiva industrial do modo de


produção capitalista foi aplicada à produção de bens culturais. Isso significa que a
produção de bens culturais que expressavam os valores subjetivos de uma sociedade,
ou de grupos dentro de uma sociedade, passava por um processo de padronização
característico das indústrias capitalistas, expressando não mais aspectos de um povo,
mas os valores da classe dominante.

A indústria cultural se utiliza do entretenimento para viabilizar a ideologia da


classe dominante, esta é sua importância. Ela não é a indústria que mais produz,
mas esta indústria de bens culturais é mantida pelas outras indústrias, como a
automobilística, a do petróleo, para que possam controlar a força de trabalho. O
capitalismo moderno, segundo Horkheimer e Adorno (1997), liberta o corpo para
aprisionar a mente. Assim, por exemplo, o cinema não é apenas um momento de
lazer, mas também um momento em que diversos valores da classe dominante
estão sendo passados para aqueles membros da classe dominada que estão
assistindo. Filmes, novelas, músicas e desenhos animados são canais de propagação
da ideologia dominante. Definição de certo ou errado, padrões de beleza, padrões
de comportamento, todos ditados por essa indústria que se tornou cada vez mais
presente na sociedade contemporânea. Podemos citar como exemplo a forma como
a indústria cultural veicula a ideologia dominante com dois desenhos animados. O
desenho animado Os Flintstones foi criado na década de 1960 por Hanna-Barbera
Production e retratava o cotidiano de uma família de classe média que vivia na Idade
da Pedra. A família protagonista, que dá nome à série, era constituída pelo pai, Fred
Flintstone, a mãe, Wilma Flintstone, e a filha, Pedrita. Nessa realidade, a mãe era
dona de casa e o pai, o trabalhador assalariado em uma pedreira. Sua rotina de
aventura acontecia ou depois do trabalho, ou nas férias, ou nos horários de folga.
As discussões entre Wilma e Fred, em muitos casos, girava em torno do emprego
de Fred, e em como manter esse emprego. Hanna-Barbera Production produziu
na mesma época outro desenho animado muito parecido com os Flintstones, que
se chamava Os Jetsons. Nesse desenho temos novamente uma família de classe
média como protagonista, formada pelo pai, Jorge, pela mãe, Jane, os filhos Judy e
Elroy, além de uma empregada robô chamada Rosie. Jorge é trabalhador assalariado
na empresa Spacely Space Sprockets. A diferença entre os Flintstones e os Jetsons
é que o primeiro, como já falamos anteriormente, se passa na Idade da Pedra, e o
segundo se passa no futuro, a semelhança é o trabalho assalariado que deve ser
preservado a todo custo e ser entendido como o bem mais precioso, pois pelo
trabalho se pode sustentar a família, que é tarefa do homem da casa.

Segundo a lógica de que a indústria cultural produz uma determinada visão de


mundo ligada à ideologia da classe dominante, podemos inferir que, entre outras

Compreensão e interpretação da sociedade 29


U1

ideias, se veicula a de que o trabalho assalariado sempre existiu, ele é algo natural na
história humana, pois existe desde os tempos mais remotos, os Flintstones na Idade
da Pedra, até o futuro mais longínquo, os Jetsons na era dos carros voadores. Não
obstante o trabalho assalariado, da forma que é apresentado nos dois desenhos, só
vem a existir na modernidade com o modo de produção capitalista.

Como no exemplo acima, poderíamos citar diversas outras obras produzidas


pela indústria cultural para cristalizar os valores da classe dominante na sociedade.
Nos dias atuais, consumimos cada vez mais esses produtos, e assim, essa indústria
vai impedindo a formação de sujeitos históricos capazes de julgar e decidir
conscientemente, prejudicando a formação do sujeito consciente. Para a teoria
crítica é importante revelar o modus operandi da indústria cultural para emancipação
do sujeito.

Jurgen Habermas faz parte da segunda geração de pensadores da Escola de


Frankfurt, portanto desenvolve suas temáticas dentro da perspectiva da Teoria Crítica,
com especial atenção no impacto da cultura na sustentação do modo de produção
capitalista. Habermas estuda as formas de desenvolvimento da mídia desde o século
XVIII e traça como se deu o desenvolvimento da esfera pública. Segundo Giddens
(2005, p. 375), “a esfera pública é uma arena de debates públicos na qual é possível
discutir temas de interesse geral e formar opiniões”.

A esfera pública surge nos cafés parisienses, nos salões londrinos e foi ampliado
pelo aparecimento da mídia impressa. Os jornais ampliavam as discussões, uma
vez que ofereciam informações relevantes para os debates, no entanto, Habermas
aponta que esse espaço entra em declínio com o avanço da indústria cultural, que
sufoca o debate público.

O debate democrático nas sociedades modernas está


sufocado pelo avanço da indústria cultural. A difusão da
mídia de massa e do entretenimento de massa basicamente
transforma a esfera pública em uma fraude. A política é
encenada no parlamento e na mídia, enquanto os interesses
comerciais triunfam sobre o interesse público. A “opinião
pública” não é formada por meio de uma discussão racional
aberta, mas através da manipulação e do controle – como no
caso da publicidade. (GIDDENS, 2005, p. 375)

A teoria crítica proposta pela Escola de Frankfurt revisita e revisa alguns elementos
do materialismo-histórico, como a importância da cultura para a manutenção do
modo de produção capitalista (Gramsci terá algumas contribuições neste sentido,
mas este autor será discutido em outra unidade do livro). Assim, a infraestrutura – a

30 Compreensão e interpretação da sociedade


U1

base econômica – determina a superestrutura, mas há elementos da superestrutura


que precisam ser discutidos e estudados, pois esses elementos impedem um
revolucionamento do modo de produção.

Avançando nas discussões sobre o papel da mídia nas sociedades modernas,


temos John Thompson, que é um interlocutor de Habermas. Sua produção indica
que há uma influência da mídia no cotidiano dos indivíduos, mas rejeita a ideia de que
os indivíduos são meros receptores passivos dos conteúdos midiáticos. Para estudar
os efeitos da mídia, ele desenvolve um método que chamou de hermenêutica de
profundidade.

Para Thompson (2000, p. 357), “formas simbólicas são construções significativas


que exigem uma interpretação; elas são ações, falas, textos que, por serem
construções significativas podem ser compreendidas”. Apoiada na perspectiva
elaborada por J. B. Thompson, essa pesquisa aborda o conceito de cultura,
sociedade, comunicação e ideologia, a partir de um objeto de análise repensado e
reconstruído de forma a se tornar ressignificado.

Com essa ferramenta teórica e metodológica, o pesquisador


pode analisar o contexto sócio-histórico e espaço-temporal
que cerca o fenômeno pesquisado, pode empreender análises
discursivas, de conteúdo, semióticas ou de qualquer padrão
formal que venha a ser necessário; pode analisar a ideologia
como vertente social importante, conferindo um caráter
potencialmente crítico à pesquisa. (VERONESE; GUARESHI,
2006, p. 87)

A hermenêutica de profundidade propõe sentidos que muitas vezes são


interpretados como ideológicos, mas para que isso não aconteça é necessário
argumentar e debater racionalmente de forma argumentativa e comunicativa.
A afirmação de algo realizado através da interpretação necessita de justificativa e
fundamentação dessa interpretação por meio de argumentos que sejam inteligíveis
(VERONESE; GUARESHI, 2006).

De acordo com Thompson (2000), o referencial metodológico da hermenêutica


em profundidade compreende três fases: a análise sócio-histórica, a análise formal
e discursiva e a interpretação ou reinterpretação. A primeira abrange os elementos
referentes à estrutura social, política, econômica e histórica da sociedade em que o
texto foi produzido; a segunda trabalha com a análise semiótica, sintática, narrativa
e argumentativa; a terceira é uma interpretação construída a partir dos resultados da
análise sócio-histórica e da análise discursiva.

Compreensão e interpretação da sociedade 31


U1

Para Thompson (2000, p. 369), a análise sócio-histórica tem como objetivo:

reconstruir as condições sociais e históricas de produção,


circulação recepção das formas simbólicas, examinar as
regras e convenções, as relações sociais e instituições, e a
distribuição de poder, recursos e oportunidades em virtude
das quais esses contextos constroem campos diferenciados e
socialmente estruturados.

De acordo com Ferreira (2003, p. 75), a primeira fase da hermenêutica de


profundidade deve fazer um levantamento das

condições sociais e históricas em que as formas simbólicas


foram concebidas, produzidas, recebidas e apropriadas pelos
receptores, considerando-se as situações espaço-temporais,
os campos de interação, as instituições sociais e os meios
técnicos de construção e de transmissão das mensagens.

Para Veronese e Guareshi (2006, p. 89), a análise discursiva parte do pressuposto


de que os objetos e as expressões que circulam nos campos sociais, através dos quais
se dão as relações, são formas simbólicas, construções complexas que apresentam
uma estrutura articulada (sejam elas textos, falas, imagens, ações, práticas) produzidas
no contexto sócio-histórico.

Nessa fase acontece a desconstrução dos elementos internos constitutivos da


forma simbólica, que visa entender como o sentido opera e como uma possível
mensagem é transmitida, seja pela imagem, pela fala ou pela escrita (VERONESE;
GUARESHI, 2006).

Na fase da interpretação/reinterpretação os resultados da análise sócio-histórica


articulados com a análise discursiva têm como intuito interpretar as formas simbólicas
que podem ser diferentes daquelas inicialmente pensadas pelo indivíduo que as
concebeu (reinterpretação) (FERREIRA, 2003).

Assim sendo,

32 Compreensão e interpretação da sociedade


U1

o processo de interpretação (...) é simultaneamente um


processo de reinterpretação. (...) Ao desenvolver uma
interpretação que é medida pelos métodos do enfoque da
hermenêutica de profundidade, estamos reinterpretando um
campo pré-interpretado; estamos projetando um significado
possível que pode divergir do significado construído
pelos sujeitos que constituem o mundo sócio-histórico.
(THOMPSON, 2000, p. 376)

Análises de mídia ou estudos de recepção são formas de pesquisa social que


podem utilizar-se da hermenêutica de profundidade para descrever aspectos
ideológicos das mensagens de maneira fundamentada. No caso da mídia, tem-se
um amplo campo de estudo para a utilização da hermenêutica de profundidade,
uma vez que a mídia mobiliza o sentido de forma abrangente, poderosa e persuasiva,
tendo um poder de penetração e conformação relevante e significativo (VERONESE;
GUARESHI, 2006).

2.2 Ideologia e Mídia: Interpretação e Compreensão a partir de


John Thompson
A definição de ideologia é extremamente complicada, pois desde que surgiu no
final do século XVIII, na França, o conceito foi reformulado, modificado e passou por
diversas transformações nos dois séculos seguintes.

O emprego do termo ideologia é tão ambíguo que sua acepção pode ser tanto
constitutiva quanto pejorativa. Ideologias podem significar “sistemas de pensamento”,
“sistemas de crença” ou “sistemas simbólicos”, que se referem à ação social ou à
prática política (THOMPSON, 2000, p. 16).

O estudo da ideologia exige a investigação dos contextos sociais dentro dos quais
essas formas simbólicas são empregadas e articuladas. Para Thompson (2000, p. 183),
formas simbólicas referem-se a “uma ampla variedade de fenômenos significativos,
desde ações, gestos e rituais até manifestações verbais, textos, programas de
televisão e obras de arte”. Para o autor (2000, p. 18), “as formas simbólicas servem
para estabelecer e sustentar relações de poder e dominação nos contextos sociais
em que elas são produzidas, transmitidas e recebidas”.

Thompson (2000) define cinco modos que a ideologia pode operar e as maneiras
como esses modos de operação podem estar ligados à estratégia de construção
simbólica. A Tabela 1.1 reproduz o quadro dos modos estratégicos de operação da

Compreensão e interpretação da sociedade 33


U1

ideologia apresentado por Thompson (2000, p. 81).

Tabela 1.1 | Modos e estratégias de operação da ideologia


MODOS GERAIS ALGUMAS ESTRATÉGIAS TÍPICAS DA CONSTRUÇÃO SIMBÓLICA

Legitimação Racionalização; Universalização; Narrativização.


Deslocamento; Eufemização; Tropo (metonímia, metáfora,
Dissimulação
sinédoque).
Unificação Estandardização; Simbolização da unidade.
Fragmentação Diferenciação; Expurgo do outro.
Reificação Naturalização; Eternização; Nominalização/Passivização.

Fonte: Thompson (2000, p. 81).

De acordo com Thompson (2000, p. 82), as relações de dominação podem ser


estabelecidas e sustentadas pelo fato de serem apresentadas como legítimas, isto
é, justas e dignas de apoio baseadas em fundamentos racionais (que fazem apelo à
legalidade das regras dadas), tradicionais (que fazem apelo à sacralidade de tradições
imemoriais) e carismáticos (que fazem apelo ao caráter excepcional de uma pessoa
individual que exerça autoridade).

A racionalização, a universalização e a narrativização podem ser estratégias típicas


da construção simbólica. A racionalização ocorre quando o produtor, de uma forma
simbólica, constrói uma cadeia de raciocínio buscando persuadir uma audiência de
que isso é digno de apoio, defendendo ou justificando um conjunto de relações ou
instituições sociais (THOMPSON, 2000).

A universalização, dentro da definição proposta por Thompson (2000), é uma


estratégia na qual acordos institucionais, que servem aos interesses de alguns, são
apresentados para servir aos interesses de todos. Já a narrativização é a utilização de
histórias que contam o passado e tratam o presente como parte de uma tradição
eterna e aceitável.

Um outro modo de operação da ideologia é a dissimulação, que pode ser uma


relação de dominação estabelecida e sustentada pelo fato de ser oculta, negada ou
obscurecida. Uma das maneiras da dissimulação é o deslocamento: fazendo o uso
de um objeto ou pessoa para se referir a outro e com isso transferindo as conotações,
positivas ou negativas do termo, para o outro objeto ou pessoa (THOMPSON, 2000
p. 84).

A ideologia, como dissimulação, pode ser expressa através das estratégias da


eufemização e do tropo, de modo que a primeira desperta um valor positivo no
discurso e a segunda utiliza das figuras de linguagem e das formas simbólicas para a
construção ideológica (THOMPSON, 2000).

Segundo Thompson (2000 p. 86), um outro modo de operação da ideologia é a

34 Compreensão e interpretação da sociedade


U1

unificação e sobre ela o autor escreve:

Relações de dominação podem ser estabelecidas e sustentadas


através da construção, no nível simbólico, de uma forma de
unidade que interliga os indivíduos numa identidade coletiva,
independentemente das diferenças e divisões que possam
separá-los.

Conforme o autor, a padronização é uma forma simbólica adaptada a um


referencial padrão, proposta como um fundamento partilhável e aceitável de troca
simbólica que pode servir para criar uma identidade coletiva. Outra estratégia de
construção simbólica através da qual a unificação pode ser conseguida, é o que
Thompson descreve como a simbolização da unidade, a construção de símbolos de
unidade, de identidade e de identificações coletivas (bandeiras, hinos, emblemas),
que são difundidas por um grupo ou por uma pluralidade de grupos.

A fragmentação, para o mesmo autor, é um modo por meio do qual a ideologia


pode operar. Relações de dominação podem ser mantidas não unificando as pessoas
numa coletividade, mas segmentando indivíduos e grupos. Sua execução pode ser
dada pela diferenciação, que é a ênfase dada às distinções e divisões entre pessoas e
grupos, apoiando as características que os desunem e os impedem de construir um
desafio efetivo às relações existentes.

Outra estratégia de construção simbólica fragmentada pode ser descrita como


expurgo do outro, ou seja, a criação de um inimigo interno ou externo, retratado como
mau, perigoso e contra o qual os indivíduos são chamados a resistir coletivamente
ou a expurgá-los (THOMPSON, 2000).

Relações de dominação podem ser estabelecidas e sustentadas também pela


retratação de uma situação transitória e histórica, como se essa situação fosse
permanente, natural e atemporal. O momento, dentro do processo de alienação,
tem a característica de ser uma "coisa" que se torna típica da realidade objetiva.
Dentro dele ocorre a naturalização, um estado de coisas que são criações sociais e
históricas que podem ser tratadas como um acontecimento natural ou como um
resultado inevitável de características naturais (THOMPSON, 2000).

A eternalização pode ser uma estratégia típica de construção simbólica. De


acordo com Thompson (2000), a eternização ocorre quando:

Compreensão e interpretação da sociedade 35


U1

Fenômenos sócio-históricos são esvaziados do seu caráter


histórico ao serem apresentados como permanentes,
imutáveis e recorrentes. Costumes, tradições e instituições
que parecem prolongar-se indefinidamente em direção
ao passado, de tal forma que todo traço sobre sua origem
fica perdido e todo questionamento sobre sua finalidade é
inimaginável, adquirem, então, uma rigidez que não pode ser
facilmente quebrada. Eles se cristalizam na vida social, e seu
caráter aparentemente a-histórico é reafirmando através de
formas simbólicas que, na sua construção, como também na
sua pura repetição eternalizam o contingente.

A nominalização e a passivização, segundo o mesmo autor, utiliza de recursos


gramaticais ou sintáticos que podem servir para estabelecer e sustentar relações de
dominação através da reificação de fenômenos sócio-históricos, concentrando a
atenção do ouvinte ou leitor em certos temas com o prejuízo de outros, tendendo a
eliminar referências a contextos espaciais e temporais específicos.

Assim sendo, a legitimação, a dissimulação, a unificação, a fragmentação


e a reificação abordadas por Thompson (2000) são alguns dos vários modos de
operações, dos quais a ideologia pode fazer valer-se, mobilizando os sentidos para
estabelecer ou sustentar relações de poder na sociedade.

Para ele, as formas simbólicas não são por si só ideológicas, isso depende do
modo como elas são usadas e entendidas em contextos sociais específicos, ou seja,
se servem para dar existência e manter as relações de dominação nos contextos
sociais em que elas são produzidas, transmitidas e recebidas. De acordo com o autor
(1995, p. 76):

A análise da ideologia (...) está primeiramente interessada com


as maneiras como as formas simbólicas se entrecruzam com
relações de poder. Ela está interessada nas maneiras como o
sentido é mobilizado, no mundo social, e serve, por isso, para
reforçar pessoas e grupos que ocupam posições de poder.

Thompson (1995) não restringe à ideologia às relações de dominação, ele


caracteriza as formas simbólicas e o sentido mobilizado por elas, como constitutivos
da realidade social. “As formas simbólicas não estão separadas da realidade ou
mesmo são reflexos dela, como quer a tradição marxista, porém elas são partes do

36 Compreensão e interpretação da sociedade


U1

que é a realidade” (SANTOS, 2007, p. 160). Assim sendo, quando estamos estudando
ideologia:

estamos estudando um aspecto da vida social que é tão real


como qualquer outro. Pois a vida social é, até certo ponto, um
campo de contestação em que a luta se trava tanto através de
palavras e símbolos, como pelo uso da força física. Ideologia
(...) é uma parte integrante desta luta; é uma característica
criativa e constitutiva da vida social que é sustentada e
reproduzida, contestada e transformada, através de ações
e interações, as quais incluem a troca contínua de formas
simbólicas. (THOMPSON, 1995, p. 19)

O autor desvincula-se da ideologia como forma de representação e expressão de


interesses das classes dominantes, trabalhando com a ideia de que ela faz parte da
vida social, pois é estabelecida na sociedade. Seu caráter depende do modo que é
empregado nas relações sociais.

1. Leia as proposições a seguir::


I. Para Simmel, há uma sociedade em toda a parte onde os
indivíduos se encontrem em relação de reciprocidade de ação
e constituam uma unidade permanente ou passageira.
II. Os indivíduos levados por determinados instintos ou
determinados fins formam uma unidade, uma sociedade. Esta
sociedade é chamada de sociação.
III. O termo sociedade opera como uma síntese das ações
recíprocas dos indivíduos. A sociedade é algo funcional que
os indivíduos fazem e sofrem ao mesmo tempo.
Marque V para o que for Verdadeiro e F para o que for Falso em
relação ao pensamento de Simmel e assinale a alternativa que
corresponde à sequência correta.
a. V – V – V.
b. V – V – F.
c. V – F – F.

Compreensão e interpretação da sociedade 37


U1

d. V – F – V.
e. F – F – V.

2. A escola de Frankfurt repercutiu uma das ansiedades vividas


no século XX: será que a ciência seria capaz de trazer melhoria
para os seres humanos por si só? Diante da resposta negativa,
era preciso pensar em um tipo de razão sobre as consequências
da ciência. Assim, essa escola divide a razão entre razão
instrumental e razão crítica.
Assinale a alternativa correta quanto à relação entre essas duas
formas de razão.
a. A razão crítica é aquela razão que se vale da ciência para
aprender uma determinada técnica.
b. A razão crítica é aquela que, por meio da ciência, impõe o
terror ao homens que não são cientistas.
c. A razão crítica estabelece uma intimidação aos homens.
d. A razão crítica analisa e interpreta os limites e perigos do
pensamento instrumental.
e. A razão instrumental é responsável pela emancipação
ideológica dos sujeitos modernos.

Você percebeu nesta unidade que há diversas formas de abordar


o estudo da sociedade. A Sociologia passa de uma fase explicativa
e exclusivamente nomotética à compreensão de que ela possui
característica específica e que era preciso desenvolver métodos
que atendessem a essas características.
Estabelecer que uma determinada sociologia é crítica e outra
conservadora é uma tarefa árdua e inglória, pois, como você
deve ter visto, a ciência em si rompe com o senso comum, mas
em uma tentativa de delimitar o que poderia ser uma Sociologia
crítica estabelecemos que o método que dá protagonismo ao
indivíduo enquanto sujeito histórico pode ser entendido como
um método crítico. A Sociologia crítica, no afã de propiciar essa
visão, trata de vários temas diferentes. Na atualidade, um dos
temas importantes para discutir a emancipação do sujeito é a
indústria cultural.

38 Compreensão e interpretação da sociedade


U1

Indústria Cultural é um termo desenvolvido por Adorno e


Horkheimer para mostrar que a construção da autonomia do
indivíduo está prejudicada pela influência da mídia que atua como
propagadora da ideologia dominante. Habermas, que pertence à
segunda geração da escola de Frankfurt, trata da esfera pública e
demonstra como essa esfera de debate do interesse público foi
cooptada pela indústria cultural. Seguindo a linha de Habermas,
Thompson propõe outras formas de se estudar a mídia tratando o
indivíduo como sujeito ativo e não apenas como mero receptor de
informação.
Enfim, esta unidade trabalhou no sentido de ampliar sua visão sobre
a nossa ciência/disciplina.

Nesta unidade, você aprendeu que:


- A Sociologia surge como ciência ligada ao método das ciências
naturais e, por conta disto, surge como uma ciência explicativa
ocupada em encontrar as leis gerais de funcionamento do reino
social.
- A Sociologia crítica pode ser entendida como uma forma de
fazer Sociologia na qual o indivíduo é entendido como sujeito
atuante na construção da realidade social.
- A proposta metodológica de Marx mostra o peso dos tipos
coletivos sobre o indivíduo, mas aponta que são os sujeitos
coletivos que fazem a história.
- Na XI tese sobre Feuerbach, Marx aponta que a filosofia ficou
muito tempo pensando sobre a sociedade, mas que agora é
tempo de transformá-la.
- Simmel trata a sociedade como algo que os indivíduos fazem
e sofrem.
- Weber elabora sua teoria propondo o protagonismo do
indivíduo sobre a sociedade, e sua tese sobre a característica
fundamental da modernidade é a racionalidade influencia vários
pensadores, inclusive Horkheimer, que é um dos iniciadores da
Escola de Frankfurt.
- A Escola de Frankfurt autoproclama sua teoria como Teoria
Crítica.
- Os pensadores da Escola de Frankfurt demonstram como a

Compreensão e interpretação da sociedade 39


U1

racionalidade das modernas sociedades capitalistas nada mais vê


além de criar novas amarras que aprisionam o homem, sobretudo
que aprisionam a mente dos trabalhadores por meio das ideologias
veiculadas pela Indústria Cultural.
- Habermas, segunda geração da escola de Frankfurt, trabalha com
a ascensão e decadência da esfera pública na modernidade e o peso
significativo da indústria cultural para a decadência dessa esfera na
atualidade.
- John Thompson, interlocutor de Habermas, propõe a hermenêutica
de profundidade como método mais adequado de pesquisar o papel
da mídia de massa na atualidade.
- John Thompson se dedica a desvendar também o modus operandi
da ideologia na atualidade.

1. Afirmar categoricamente que há uma Sociologia


conservadora é algo arriscado, pois a própria característica da
ciência social nos leva a pensar sobre todas as condicionantes
sociais que estabeleceram seu surgimento, por isso, a
seu tempo, todas as ciências também tiveram seu papel
revolucionário. Apesar disto, podemos afirmar que a tradição
conservadora possui algumas características. Assinale a
alternativa que traz essas características de maneira correta.
a. Ideia de revolução a partir da ação do sujeito, naturalismo
metodológico e organicismo.
b. Ideia evolucionária da história, diferenciação metodológica
entre ciências sociais e ciências naturais.
c. Ideia evolucionária da história, naturalismo metodológico,
cientificismo, organicismo e suas consequências
d. Rejeita as ideias evolucionárias, ao mesmo tempo que
pensa no protagonismo do indivíduo.
e. Preocupação com a emancipação do indivíduo e com as
temáticas da razão crítica.

2. Durkheim acreditava que, ao estudar a sociedade, a


Sociologia poderia compreender o homem, mas, no entanto,

40 Compreensão e interpretação da sociedade


U1

se a Sociologia estudasse o homem, jamais conseguiria


explicar a sociedade.
Assinale a alternativa que melhor explica essa afirmação de
Durkheim.

a) A sociedade é formada por homens que sempre estão em


contato entre si. Sabendo que o homem é mentiroso, covarde
e ávido de lucro, Durkheim diz que só é possível conhecer
este homem estudando tudo que está ao seu redor.
b) A sociedade não pode ser reduzida a leis empíricas, mas
para estudar o homem é preciso estudar tudo aquilo que ele
tem contato. Partindo da natureza até seu convívio social
tudo é determinado pelo homem.
c) O homem transforma a natureza para atendê-lo, portanto,
ao estudar o lugar que o homem transformou, estuda-se, em
última instância, o homem.
d) Cada homem faz o que quer na sociedade, não precisa
seguir nenhuma regra. Sendo assim, estudar o homem não
nos faz compreender a sociedade, mas se estudarmos as
formas de produção da sociedade podemos compreender o
homem.
e) Para Durkheim, a sociedade só existe à medida que ela
penetre nas consciências individuais. Portanto, certos estados
mentais do homem são definidos fora dele e, ao estudar a
sociedade, pode-se compreender este homem que vive em
sociedade.

3. Leiam atentamente as seguintes frases:


I – Sociologia é estritamente individual quanto ao método.
Apenas estudando o homem conhece-se a sociedade.
II – A sociedade só existe à medida que molda o homem à
“sua imagem e semelhança”.
III – Estudar a sociedade pode explicar o homem como ser
social, no entanto, o contrário não é verdadeiro.
IV – Não existe representações sociais, apenas sentimentos
individuais que marcam a trajetória do indivíduo e forma a sua
identidade.

Podem ser consideradas afirmações de Emile Durkheim


somente:

a) I e II.

Compreensão e interpretação da sociedade 41


U1

b) I e III.
c) I e IV.
d) II e III.
e) III e IV.

4. Theodor Adorno e Max Horkheimer pertencem ao grupo de


pensadores alemães conhecidos como Escola de Frankfurt.
Esses dois autores descobriram a importância dos novos
meios de comunicação para o capitalismo do século XX e
formularam o termo “Indústria Cultural”.
Assinale a alternativa que contém uma característica dessa
indústria para o pensamento de Adorno e Horkheimer.
a. Os bens culturais produzidos pela Indústria Cultural
respeitam os valores individuais de cada cultura.
b. Os bens culturais produzidos pela Indústria Cultural
incentivam os indivíduos ao questionamento da realidade
social.
c. Os bens culturais produzidos pela Indústria Cultural
incentivam os indivíduos a serem sujeitos da história.
d. Os bens culturais produzidos pela Indústria Cultural atuam
no sentido de destruir o modo de produção capitalista.
e. Os bens culturais produzidos pela Indústria Cultural
incentivam os indivíduos à passividade e obediência.

5. Leia as proposições a seguir:


I. As relações de dominação podem ser estabelecidas e
sustentadas pelo fato de serem apresentadas como legítimas,
isto é, justas e dignas de apoio baseadas em fundamentos
racionais (que fazem apelo à legalidade das regras dadas),
tradicionais (que fazem apelo à sacralidade de tradições
imemoriais) e carismáticos (que fazem apelo ao caráter
excepcional de uma pessoa individual que exerça autoridade).
II. A racionalização, a universalização e a narrativização
podem ser estratégias típicas da construção simbólica. A
racionalização ocorre quando o produtor, de uma forma
simbólica, constrói uma cadeia de raciocínio buscando
persuadir uma audiência de que isso é digno de apoio,
defendendo ou justificando um conjunto de relações ou
instituições sociais.
III. A universalização, dentro da definição proposta por
Thompson, é uma estratégia em que acordos institucionais,

42 Compreensão e interpretação da sociedade


U1

que servem aos interesses de alguns, são apresentados


como servindo aos interesses de todos. Já a narrativização
é a utilização de histórias que contam o passado e tratam o
presente como parte de uma tradição eterna e aceitável.
IV. Outro modo de operação da ideologia é a dissimulação,
que pode ser uma relação de dominação estabelecida e
sustentada pelo fato de ser oculta, negada ou obscurecida.
Uma das maneiras da dissimulação é o deslocamento:
fazendo uso de um objeto ou pessoa para se referir a outro e
com isso transferindo as conotações, positivas ou negativas
do termo para o outro objeto ou pessoa.

Thompson (2000) define cinco modos através dos quais a


ideologia pode operar e a maneira como esses modos de
operação podem estar ligados à estratégia de construção
simbólica. Podem ser consideradas modos pelos quais a
ideologia opera, segundo Thompson, as proposições:
a. I e II.
b. I e III.
c. II e III.
d. II, III e IV.
e. I, II, III e IV.

Compreensão e interpretação da sociedade 43


U1

Referências

ARANHA, M. L. de A.; MARTINS, M. H. P. Filosofando: Introdução à Filosofia. 3. ed.


revista. São Paulo: Moderna, 2003.
BÁRBARA, L. B. A vida e as formas da sociologia Simmel. Tempo Social, revista de
sociologia da USP, v. 26, n.2, nov. 2014. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ts/
v26n2/v26n2a06.pdf>. Acesso em: 18 fev. 2016.
CHARON, J. M. Sociologia. São Paulo: Saraiva, 1999.
CHAUÍ, M. Convite à Filosofia. 5. ed. São Paulo: Ática, 1995.
DURKHEIM, E. As regras do método sociológico. Trad. Maria Isaura Pereira de Queiroz.
17. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2002.
FERNANDES, F. Ensaios de Sociologia Geral e Aplicada. São Paulo: Livraria e editora
Pioneiro, 1971.
FERREIRA, A. F. A violência e o violento em Londrina: construção de uma imagem
através do texto jornalístico. 122p. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) -
Universidade Estadual de Londrina. Londrina: EDUEL, 2003.
GIDDENS, A. Sociologia. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2005.
HORKHEIMER, M.; ADORNO, T. W. Dialética do Esclarecimento: Fragmentos
filosóficos. Trad. Guido Antonio de Almeida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.
LUBENOW, J. A. A Teoria Crítica da Modernidade de Jürgen Habermas. Revista de
Filosofia Moderna e Contemporânea Brasília, n. 1, ano 1, 2013.
MARX, K. O 18 Brumário e cartas a Kugelman. 6. ed. Tradução: Leandro Konder e
Renato Guimarães. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.
______. Teses sobre Feuerbach. Edição eletrônica, Ed. Ridendo Castigat Moraes,
1999.
PINTO, J. M. R. A teoria da ação comunicativa de Jürgen Habermas: conceitos básicos
e possibilidades de aplicação à administração escolar. Paidéia (Ribeirão Preto), Ribeirão
Preto, n. 8-9, p. 77-96, ago. 1995.
QUINTANEIRO, M. L. O. B. et al. Um toque de clássico: Marx, Durkheim e Weber. 2. ed.
rev. amp. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002.
SCHERER, A. et al. A utilização da teoria crítica como sustentação epistemológica na
construção de um grupo de estudos em Educação Física. Ciência em Movimento,

44 Compreensão e interpretação da sociedade


U1

ano XIV, n. 28. 2011.


SELL, C. E. Sociologia Clássica: Marx, Durkheim e Weber. 3 ed. Petrópolis, RJ: Vozes,
2012.
SIMMEL, G. 1. Geral: Problemas metodológicos fundamentais. In: MORAES FILHO,
Evaristo de (org.). Georg Simmel: Sociologia. São Paulo: Ática, 1983a.
______. O problema da sociologia. In: MORAES FILHO, Evaristo de (Org). Georg
Simmel: Sociologia. São Paulo: Ática, 1983 b. (Col. Grandes Cientistas Sociais, vol, 34).
______. A metrópole e a vida mental. In. VELHO, Otávio Guilherme (org). O fenômeno
urbano. Rio de Janeiro, Zahar editores: 1979.
______. Questões fundamentais da Sociologia: Indivíduo e Sociedade. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar ed., 2006.
THOMPSON, J. B. Ideologia e cultura moderna: teoria social crítica na era dos meios
de comunicação de massa. Petrópolis: Vozes, 2000.
VARES, S. F. A sociologia durkheimiana e a tradição conservadora: elementos para
uma revisão crítica. RBSE – Revista Brasileira de Sociologia da Emoção, v. 14, n. 40, p.
135 – 156, abr. de 2015.
VERONESE, M. V.; GUARESCHI, P. A. Hermenêutica de Profundidade na pesquisa
social. Disponível em: <http://www.unisinos.br/publicacoes_cientificas/images/
stories/pdfs_ciencias/v42n2/art01_veroneze.pdf>. Acesso em: 07 nov. 2008.

Compreensão e interpretação da sociedade 45


Unidade 2

FLORESTAN FERNANDES

Wilson Sanches

Objetivos de aprendizagem:

Levar você a conhecer os principais aspectos da obra de Florestan Fernandes


e de sua Sociologia crítica e, para atingir os objetivos previamente estipulados,
estruturaremos nossos estudos da seguinte forma:

Seção 1 | Vida e obra


Nesta seção, apresentaremos os principais aspectos da vida de
Florestan Fernandes que impactaram sobre sua produção acadêmica,
bem como discutir o conceito de Sociologia crítica em sua obra e em
sua prática social.

Seção 2 | Emergência da ordem social competitiva


Nesta seção, você irá refletir sobre as condições que conduziram o
Brasil a desenvolver o seu tipo específico de ordem social competitiva e
como o colonialismo contribuiu para o tipo de integração presente na
sociedade brasileira.

Seção 3 | Capitalismo dependente e classes sociais


Esta seção está estruturada de forma que você possa perceber que a
emergência da ordem social competitiva no Brasil conduz o país a um
U2

tipo de capitalismo que é dependente porque não permite ao país ter


autonomia, ao mesmo tempo que descaracteriza as relações de classe
social.

48 Florestan Fernandes
U2

Introdução à unidade

As tradições científicas possuem seus grandes nomes que se perpetuam pela


importância que tiveram ao realizar seus estudos, bem como sua influência nas
gerações seguintes. No caso da tradição sociológica brasileira, um desses nomes
é Florestan Fernandes.

Florestan une uma narrativa mítica dos heróis que, tendo nascido sob condições
desfavoráveis, vencem seus inimigos até se tornarem exemplo de conduta. O
problema é que os heróis tendem a ser cooptados pelo status quo como forma de
perpetuar determinados paradigmas. Por isto, o próprio Florestan nega essa pecha
de herói por meio de uma reflexão sobre o seu próprio fazer. A autocrítica é uma
tarefa sociológica das mais árduas. Em uma entrevista a um programa de televisão,
respondendo se era mais difícil ser Florestan do que ser Vicente (nome que sua
madrinha lhe chamava por achar que o nome alemão Florestan era pomposo
demais para uma criança pobre), Florestan responde que ele não seria quem é sem
Vicente, ao mesmo tempo que afirma que as condições objetivas de sua vida são
muito melhores do que a condição de Vicente. Florestan havia percorrido todos
os patamares da carreira acadêmica e se tornado um homem de classe média que
tem mais do que precisa para viver. Neste momento, Florestan faz uma pausa e
reflete: “é uma vergonha o homem ter mais do que ele precisa”. Assim se projeta o
pensamento de Florestan, rigoroso, crítico em todos os momentos e em todos os
sentidos. Para nós, sociólogos brasileiros, saber que um homem da envergadura
intelectual, moral e ética como Florestan Fernandes é fundador de uma de nossas
tradições teóricas é uma honra inenarrável. Portanto, vamos ao texto descobrir um
pouco mais sobre esse autor.

Florestan Fernandes 49
U2

Seção 1

Vida e obra
Discorrer sobre Florestan Fernandes é sempre um desafio. Uma figura conhecida,
professor da Universidade de São Paulo, político, debatedor da questão educacional no
país, sociólogo de um rigor impressionante; pesquisador que soube utilizar os métodos
das ciências sociais de forma única, transitou por algumas correntes do pensamento
sociológico e desenvolveu uma “maneira Florestan” de articular as diversas teorias das
ciências sociais para responder aos grandes dilemas de nosso país.

Florestan nasceu no início do século XX, em 1920, período em que a produção


intelectual brasileira na área do pensamento social estava em uma fase de transição
do pensamento pré-científico para o pensamento científico. Estão em destaque,
naquele momento, as publicações de Gilberto Freyre e também as elaborações de
vários escritos importantes de Caio Prado Júnior e Sérgio Buarque de Holanda.

Florestan começou sua formação universitária em 1941, destoando bastante


dos tipos que frequentavam a universidade nesse período, ou ainda dos tipos que
produziam conhecimento em nosso país. A produção intelectual brasileira estava
sendo realizada neste período por intelectuais oriundos das famílias tradicionais ou
das classes médias, e Florestan não pertencia a nenhuma dessas categorias. Por
que falar sobre a origem de Florestan é importante? Porque foram as suas primeiras
referências que marcaram sua trajetória intelectual e política de maneira indelével.

Qual é a importância de se conhecer a origem de um autor


para saber o significado de sua obra?

A família de Florestan se resumia a ele e sua mãe. Filho de mãe solteira no início
do século XX, ainda muito cedo começou ajudar no sustento da casa. Trabalhou
desde os 6 anos de idade. A necessidade de se manter vivo fez com que Florestan

50 Florestan Fernandes
U2

abrisse mão dos estudos, interrompendo sua formação na terceira série primária.
Aqui não cabe fazer nenhum drama sobre a vida de Florestan Fernandes, sua história
de vida não é diferente da de muitos brasileiros, e este é um dado extremamente
triste, perceber que a exclusão social, que nega aos indivíduos a possibilidade de
realizar seus estudos, não é algo que remonta somente à primeira metade do
século XX, mas que está presente ainda hoje na sociedade brasileira. Assim, o
extraordinário da história da vida de Florestan é que ela não é contada como uma
história de superação pessoal que tende a reforçar a ideia da meritocracia tão
presente em nossa sociedade desigual, mas fazemos para sublinhar como sua
socialização impactou em sua formação e em seus estudos. Haroldo Ceravolo
Sereza (2014, p. 305) afirma que:

embora nem sempre seja útil tomar a origem social como


elemento para a compreensão de uma obra, no caso de
Florestan essa formação da “ralé” ou “lumpemproletária”,
como ele próprio a chamava, parece ter exercido um papel
importante tanto nos temas quanto nas abordagens da
sociologia de Florestan desde a época de sua graduação.

Tardiamente, o próprio Florestan reconheceu a importância de sua biografia para


sua formação:

Eu nunca teria sido o sociólogo em que me converti sem o


meu passado e a socialização pré e extraescolar que recebi,
através das duras lições da vida. Para o bem e para o mal –
sem invocar-se a questão do ressentimento, que a crítica
conservadora lançou a mim – a minha formação acadêmica
superpôs-se a uma formação humana que ela nunca conseguir
destorcer nem esterilizar. Portanto, (...) afirmo que iniciei
minha aprendizagem “sociológica” aos seis anos, quando
precisei ganhar a vida como se fosse adulto. (FLORESTAN
apud GARCIA, 2002, p. 17)

Florestan Fernandes 51
U2

Portanto, Florestan mantém um diálogo crítico, profundo e constante com sua


própria origem, a qual foi um guia para os interesses acadêmicos do pesquisador no
qual Florestan se tornou, ao mesmo tempo que a luta para superar seu letramento
deficitário produziu um estilo de escrita inconfundível.

O “orgulho selvagem” ensinado por sua mãe, que, segundo Florestan,


provavelmente tenha herdado da vida rústica das aldeias do norte de Portugal,
terra de onde migrara com sua família (GARCIA, 2002), foi, sem dúvida, um dos
fatores que o ajudou a sobreviver à infância repleta de provações e aos percalços
da vida universitária para um aluno que não era originário nem mesmo das camadas
medianas da sociedade.

Os homens com os quais trabalhou em diversas profissões antes da vida


acadêmica também fizeram parte de sua socialização. Florestan afirmava que havia
aprendido com essas pessoas de valor que enfrentavam o sofrimento da vida com
serenidade o significado de “ser homem” e também que a medida do homem
estava no caráter e não na profissão. Neste sentido, a palavra caráter está ligada à
ideia prática de não se deixar degradar pelas agruras que se passa.

A escolarização sofrida por Florestan foi curta e eficiente, pois despertou no


menino o interesse pelos livros. Entendendo que uma formação cultural poderia
ser a possibilidade de superação de sua condição de penúria, e sem poder
escolher o tipo de material que teria acesso, Florestan lia todo tipo de “literatura”
que lhe caísse nas mãos. Trabalhando como garçom no Bar Bidu (GARCIA, 2002)
conheceu vários professores que frequentavam o estabelecimento, sempre
tentando aprender alguma coisa com os mestres do Ginásio Riachuelo que se
instalara ao lado do bar. Ganhou vários livros do professor Mário Wagner Vieira
da Cunha, bem como contou com a ajuda de outro freguês do Bar do Bidu para
trocar de emprego. A mudança de emprego lhe daria a oportunidade de voltar a
estudar nos cursos de madureza1.

A possibilidade de retomar os estudos lhe trouxe outro problema, a resistência


de sua mãe que achava que, estudando, ele teria vergonha de ser filho de uma
analfabeta e a deixaria. Apesar das dificuldades enfrentadas, Florestan ingressou
no curso de madureza e o conclui de maneira brilhante. O jovem recém-saído
das camadas subalternas da sociedade tentou um passo mais ousado, o de entrar
para a Universidade. Sentia que sua vocação era a Química, mas o único curso
que poderia cursar era o de Sociologia, pois a grade do curso permitiria que
ele continuasse trabalhando. Florestan ficou entre os 6 alunos escolhidos pelos
franceses que ministravam aulas na Universidade de São Paulo.

Os cursos de madureza eram cursos oferecidos a jovens para a conclusão do ensino ginasial e colegial.
1

Também se dava o nome de cursos de madureza aos exames prestados para o ingresso na faculdade.

52 Florestan Fernandes
U2

Já no meio acadêmico, o primeiro desafio foi um trabalho para o professor


Roger Bastides sobre “a crise causal na explicação sociológica” (GARCIA, 2002,
p. 71). Sem ter estudado filosofia nos cursos de madureza, portanto, pouco afeito
à linguagem filosófica, Florestan se valeu de seu autodidatismo para construir
o trabalho. Sua nota foi 4,5 e a avaliação do professor dizia que ele queria uma
dissertação e não uma reportagem. Na linguagem utilizada por Roger Bastides,
a dissertação seria a ideia de um artigo que problematizasse a questão posta
pelo professor mediante o diálogo com os autores clássicos, portanto, uma obra
própria, ao passo que a reportagem seria uma exposição acerca do assunto, mas
sem problematizar. Diante dessa primeira dificuldade, Florestan precisava fazer
uma escolha: ou desistia do curso superior por imaginar não pertencer àquele
universo, ou se dedicaria a uma disciplina de estudos que o levaria ao bom êxito
dos estudos. Evidentemente, Florestan Fernandes escolheu a segunda opção.

Neste ponto, temos elementos que nos permitem algumas inferências entre
a socialização de Florestan e o intelectual que se tornou. Oriundo das camadas
subalternas, jamais deixou de se perguntar sobre as razões objetivas da desigualdade
social. Diante do medo da mãe de que a deixasse, criou-se um intelectual que está
o tempo todo dialogando com a própria história. Como sábio, jamais esqueceu
que o caráter de um homem não é definido pela profissão que ele possui, mas por
sua inquebrantável posição frente aos reveses da vida. Florestan foi um homem de
caráter até sua morte em 10 de agosto de 1995.

Octavio Ianni (2004, p.17), em um ensaio apresentado na “Jornada de Estudos


Florestan Fernandes”, em 1986, apresentou seu antigo professor da seguinte forma:

Nos anos de 1941 a 1944 fez o bacharelado e a licenciatura em


Ciências Sociais, na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras
da Universidade de São Paulo (USP). Em 1946-1947 completou
o curso de pós-graduação em Sociologia e Antropologia, na
Escola Livre de Sociologia e Política. Tornou-se mestre em
1947, com a tese “A organização social dos Tupinambás”;
doutor e 1951, com “A função social da guerra na sociedade
Tupinambá”; livre-docente em 1953, com “Ensaio sobre
o método de interpretação funcionalista na sociologia”;
e catedrático em 1964, com “A integração do negro na
sociedade de classes”. Foi aposentado compulsoriamente,
pela ditadura militar, em 1969. Esteve, como professor

Florestan Fernandes 53
U2

visitante, na Columbia University, Nova York, em 1965-1966, e


como professor residente e titular na Universidade de Toronto,
em 1969-1972. Deu cursos no Sedes Sapientia e em 1976-1977.
É professor da Universidade Católica de São Paulo (PUC) desde
1977. Em 1979, deu um curso sobre a Revolução Cubana na USP e
na PUC. Em 1986 dá um discurso na Faculdade de Filosofia, Letras
e Ciências Humanas USP.

Sobre a obra de seu mestrado, “A Organização Social dos Tupinambás”, Antonio


Candido aponta como um clássico da antropologia moderna que despertou interesse
por parte, inclusive, de Claude Levi-Strauss, o qual afirmou que “o jovem brasileiro
tinha mostrado que era possível conhecer a organização social tupinambá” (SOUZA,
2001, p.44), mesmo não fazendo trabalho de campo, pois a tribo estava extinta, e com
pouca documentação.

As obras citadas acima são expressão do pensamento de Florestan, de suas


principais preocupações e bem como seu trajeto científico. A discussão de cunho
funcionalista, a preocupação em fundar a tradição sociológica no Brasil e a necessidade
de interpretar e transformar o país que vivemos marcaram a trajetória de Florestan.

Após o livro “A integração do negro na sociedade de classes”, destacam-se:


“Capitalismo dependente e classes sociais na América Latina” e “A revolução burguesa
o Brasil”.

1.1 A Sociologia Crítica em Florestan

Octavio Ianni não tem dúvida em afirmar que a Sociologia crítica no Brasil tem
em Florestan Fernandes seu fundador (IANNI, 2004; 2008). A produção intelectual
de Florestan, segundo Ianni (2008, p. 15), “está impregnada de um estilo de reflexão
que questiona a realidade social e o próprio pensamento”.

Como exemplo dessa reflexão sobre o próprio pensamento, podemos ler um


texto de 1957 intitulado “A sociologia: objeto e principais problemas”. No texto, que
depois ficou como o primeiro capítulo do livro “Ensaios de Sociologia Geral e Aplicada
(FERNANDES, 1971), Florestan problematiza como o objeto da Sociologia tem sido
delimitado, e a partir de diálogos com diversos autores, ele tenta não só reconstituir
os diversos debates que ocorreram sobre o objeto de estudo da Sociologia, mas, à
luz daquilo que a ciência tinha avançado na década de 1950, refletir criticamente
sobre este próprio objeto.

54 Florestan Fernandes
U2

Florestan (1971, p. 15) afirma que “[...] é possível definir a Sociologia como a ciência
que tem por objeto estudar a interação social dos seres vivos nos diversos níveis
de organização da vida”. Essa definição aponta que é possível falar de um estudo
das interações sociais que não as exclusivamente humanas, mas que se referem às
interações sociais entre outros animas e até mesmo entre as plantas. No entanto,
apesar dessa possibilidade, o autor evidencia que as interações humanas são muito
mais complexas e interessantes do ponto de vista sociológico.

É inegável que os fenômenos sociais alcançam o máximo de


complexidade, de autonomia e de organização nas sociedades
humanas. [...]. Os seres humanos vivem em um meio social mais
ou menos domesticado pelo próprio homem, e a interação
deles entre si está mais ou menos livre de muitos influxos
inorgânico ou orgânico que regulam, direta e extensamente,
a associação dos organismos em outro nível de organização
da vida. (FERNANDES, 1971, p. 12)

Segundo o próprio autor, apesar do interesse pela interação social no nível


da organização da vida das sociedades humanas, o sociólogo deve estar apto
a reconhecer as interações sociais em outros níveis de organização da vida.
No entanto, o autor adverte que nos casos de as interações formarem apenas
“amontoados” de seres vivos sem qualquer padrão, elas não poderão ser qualificadas
como sociais e nem serão alvos da Sociologia. Aliás, para ele, a Sociologia possui
dois alvos teóricos, a saber: o primeiro é descobrir formas de explicar e interpretar
os fenômenos sociais em suas manifestações, e o segundo é deixar evidentes as
relações dinâmicas da ordem social (FERNANDES, 1971). Ou seja, a Sociologia,
como uma jovem e complexa ciência, precisa discutir como abordar os fenômenos
sociais da melhor forma.

Florestan faz parte da geração de sociólogos que tenta construir um caminho


metodológico próprio para a Sociologia. Um caminho que a desvincule dos
modelos explicativos que foram aproveitados de outras ciências, como as ciências
naturais na construção daquilo que foi chamado de morfologia social e física social,
mas que também a distanciasse de ser conhecida como um modelo filosófico
que seria utilizado como norteadora do padrão de conduta da sociedade, ou
seja, uma Sociologia que procurasse a manutenção de uma ordem ou de sua
transformação. A Sociologia defendida por Florestan possui um “ethos científico”.
Para o pensamento de Florestan, as diversas contribuições metodológicas e

Florestan Fernandes 55
U2

teóricas dos diversos autores deveriam ser reduzidas a uma finalidade: legitimar a
Sociologia como ciência.

Se em seu período de formação – graduação, mestrado, doutorado, livre-


docência – Florestan apostava todas as suas fichas na ciência como vocação e que,
portanto, o sociólogo devesse abandonar todos os ideais de ação dos clássicos do
pensamento sociológico, aos poucos essa posição foi sendo superada. Florestan
questiona a neutralidade científica da era liberal e passa a se preocupar com o tipo
de conhecimento que é produzido pela Sociologia. Aqui se apresenta a autocrítica
da Sociologia, ou seja, uma Sociologia crítica que reflete sobre seus próprios
fundamentos.

Os padrões liberais da sociedade do início do século XX haviam destinado


aos cientistas um papel puramente normativo: produzir conhecimento sem se
preocupar com sua destinação. Ao romper com essa tradição, Florestan vê nos
sociólogos o tipo de cientista que utiliza o método científico rigorosamente, mas
que o comportamento vai para além de observadores do meio social, sendo
observadores participantes. Assim, a Sociologia, segundo o autor, pode ser definida
como consciência científica da sociedade de classes. Essa consciência é científica,
pois explica de maneira objetiva o cenário social.

A perspectiva oferecida por uma sociedade como a brasileira,


com acentuada desigualdade social, econômica, política e
cultural, permite questionar muito da sociologia clássica e
moderna e resgatar os seus conteúdos críticos. (IANNI, 2008,
p. 17)

Se em um primeiro momento Florestan fala de se afastar da ação prática,


criticando os primeiros autores, como Comte, Spencer, Marx, Durkheim e Weber,
na década de 1950 sua posição retoma o conteúdo crítico da sociologia, claro,
em novas bases metodológicas, já com o acúmulo de conhecimento e pesquisa
superior ao do século XIX, que permitiria, sob nova perspectiva, reafirmar o caráter
eminentemente crítico da Sociologia. Segundo Ianni (2008), podemos verificar
cinco fontes que sintetizam o pensamento crítico de Florestan Fernandes, vamos
a elas:

A primeira fonte é o diálogo travado entre Florestan e os autores da Sociologia


clássica e moderna. Dentro da necessidade que se impôs a si mesmo de fundar

56 Florestan Fernandes
U2

uma tradição sociológica no Brasil, Florestan é um estudioso ávido e aberto da


produção sociológica. Essa ação de Florestan Fernandes nos deixa a perspectiva
de que não devemos nos fechar ao conhecimento, uma vez que só podemos
exercer o ofício de sociólogo a partir do contato, da interação, com aquilo que foi
produzido pelas ciências sociais e com aquilo que se está produzindo.

É evidente que com o aumento exponencial da produção acadêmica é


quase impossível ler tudo, mas temos que ter uma relativa preocupação em nos
atualizarmos com essa produção. Dessa forma, a participação em congressos é
importante, como apresentadores e como ouvintes, os debates são igualmente
importantes, pois é por meio deles que podemos estabelecer o diálogo com o
outro e refletirmos sobre a nossa própria produção acadêmica. Um exemplo
disso é que na primeira unidade deste livro afirmamos que a tradição positivista
é, segundo alguns autores, uma tradição conservadora, pois o protagonismo
do indivíduo desaparece diante da necessidade de manter a estrutura social. Em
Florestan, até Comte aparece fazendo uma leitura crítica da sociedade ao seu
tempo, uma vez que queria produzir mudanças significativas na sociedade de
sua época. Com Florestan podemos repensar o que significa a tradição crítica
dentro da Sociologia. Ianni (2008) ainda ressalta que, dentre os autores com quem
Florestan travou abertos diálogos, destaca-se Karl Mannheim.

A segunda fonte é o pensamento marxista. Florestan realizou a tradução do livro


“Contribuição à crítica da economia política”, de Karl Marx, em 1946, e escreveu
a introdução deste livro. Ele incorporou o pensamento dialético tanto em relação
à escolha dos temas quanto à sua abordagem. As primeiras obras de Florestan
eram funcionalistas, portanto, uma perspectiva sincrônica. Estudou a organização
social dos tupinambás e, posteriormente, a função social da guerra neste mesmo
povo, a proposta metodológica da perspectiva funcionalista prescinde da história
para sua explicação. O processo histórico como processo dialético desafia não
só Florestan mas também os movimentos sociais e os partidos políticos a uma
nova interpretação do Brasil, e não só a uma nova interpretação, bem como uma
nova perspectiva de ação. Não é Florestan quem introduz o pensamento de Marx
dentro da teoria social brasileira, Caio Prado Júnior já o havia feito, mas Florestan,
assumindo essa metodologia, aprofunda e alarga aquilo que era sua perspectiva
crítica.

Florestan também dialoga com a corrente crítica do pensamento social brasileiro,


que é a sua terceira fonte. Os diversos desafios lançados pelo pensamento social
brasileiro em autores como Euclides da Cunha, Manuel Bonfim, Graciliano Ramos,
Caio Prado Júnior, entre outros, são suscitados na obra de Florestan. Algumas
dimensões da sociedade brasileira que esses autores retrataram é revisitada por
Florestan, atuando como fonte de reflexão crítica para interpretar o nosso país.

Florestan Fernandes 57
U2

A quarta fonte do seu pensamento crítico é a década de 1940, período em que


ingressou no curso de Sociologia da USP. Para Ianni (2008), a década de 1940 foi
a de consolidação do pensamento nas universidades. Diversos fenômenos sociais
estavam ocorrendo: a migração, a urbanização, a industrialização, o surgimento de
movimentos sociais e partidos políticos no Brasil, a política externa com a Segunda
Guerra Mundial. Havia um desafio enorme em compreender essas mudanças,
bem como em atuar dentro delas. Assim, o intelectual se vê na necessidade de se
produzir uma interpretação sobre o que estava acontecendo ao mesmo tempo
em que a década de 1950 se tornou a década da autoafirmação das universidades
e dos intelectuais e da “constatação do conflito irremediável” (IANNI, 2008). Assim,
Florestan Fernandes (apud IANNI, 2008, p. 21) afirma o seguinte:

As coisas que tiveram maior importância na minha obra como


investigador se relacionam com pesquisas feitas na década de
40 (como a investigação sobre o folclore paulista, a pesquisa
de reconstrução histórica sobre os Tupinambás e várias outras,
de menor envergadura) ou com a pesquisa sobre relações
raciais em São Paulo feita em 1951-52 em colaboração com
Roger Bastides (e suplementada por mim em 54). Esse trabalho
puramente intelectual conformou o meu modo de praticar o
ofício de sociólogo.

A quinta influência da Sociologia crítica de Florestan Fernandes se deu com a


presença das classes sociais e dos grupos que representam a maioria da sociedade
brasileira. O negro, o trabalhador braçal do campo ou da indústria ao lado do
migrante, do indígena desvenda um olhar sobre o panorama social que os grupos
pertencentes às elites dominantes não conseguem desvendar. A sociologia crítica,
comprometida com transformações sociais significativas, leva Florestan a lutar pela
escola pública e a entender que esta luta é de responsabilidade do intelectual que
sabe o que o pensamento crítico pode produzir nas camadas subalternas. A suposta
neutralidade científica é um escudo de que o cientista se vale para se isolar de suas
reais responsabilidades.

Em Florestan é preciso fazer as ideias circularem, não ficarem restritas ao


academicismo ou às publicações especializadas, pois, segundo Ianni (2008, p.21),
“quando se está ligado à máquina do mundo aproveita-se a colaboração coletiva dos
auditórios, o que torna o movimento das ideias muito mais rico, aberto e fecundo”.

58 Florestan Fernandes
U2

A Sociologia Crítica em Florestan Fernandes é pensar a realidade social a partir


da raiz.

1.2 A Sociologia Crítica e o Sociólogo como Crítico

A primeira pergunta que podemos fazer é: o que define a Sociologia crítica?


Na unidade anterior, havíamos demarcado esta questão, mas em Florestan esse
questionamento ressurge como uma nova questão: é o método que estabelece
a crítica ou é o sujeito investigador que promove a possibilidade de uma ciência
crítica? Como deve ter ficado claro durante esta unidade, o recurso teórico-
metodológico de Florestan Fernandes é amplo, sua carreira acadêmica inicia-se
com a pesquisa sobre o folclore em São Paulo e, na sequência, com estudos de
cunho funcionalista. Florestan transita por diversas correntes teóricas da Sociologia.
Não será o encontro com o marxismo que o fará pensar em uma teoria crítica, é
sua teoria crítica que o leva ao encontro com o materialismo-histórico. Assim,
o que torna a Sociologia crítica não é o método do qual nos apropriamos, mas
antes é o uso que deles fazemos. “O destino da descoberta científica não pode
ser indiferente ao cientista” (IANNI, 2008, p. 31). Neste sentido, o sociólogo deve
sempre pensar criticamente sobre as condições de sua produção e as implicações
desta, pois o processo do conhecimento deve ser entendido como teoria e prática.
Para o cientista social é uma necessidade refletir sobre as condições políticas,
éticas e institucionais de sua produção. É preciso fazer uma meta-sociologia, ou
ainda, uma Sociologia da própria Sociologia.

Essa postura está presente em Florestan quando ele coordena, em conjunto com
Roger Bastides, uma pesquisa sobre as relações raciais em São Paulo patrocinada
pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco).
A pesquisa foi organizada fazendo reuniões com representantes da comunidade
negra que habitavam na cidade.

Durante a pesquisa sobre as relações raciais em São Paulo, havia três comissões
que se reuniam regularmente: a primeira de pesquisadores e representantes da
população negra; a segunda de intelectuais negros que teriam por função preparar
as reuniões da primeira comissão e tratar dos temas que eram considerados mais
delicados; e uma última comissão composta por mulheres que teria a função de
examinar o preconceito de cor em relação à mulher e à criança (SEREZA, 2014).

O resultado alcançado por essa pesquisa contrariava a premissa da Unesco que


acreditava haver no Brasil uma convivência racial mais democrática. A Unesco se
apoiava nos estudos de Donald Pierson, um norte-americano professor da Escola
Livre de Sociologia e Política de São Paulo.

Florestan Fernandes 59
U2

Por que esse estudo de Florestan, com forte cunho funcionalista, pode ser
compreendido como um exemplo de postura crítica do sociólogo? Para realizar
a pesquisa, Florestan não parte de premissas arbitrárias construídas por ele, um
professor universitário branco, filho de imigrantes, em um escritório, muito menos
parte da observação dos indivíduos como objeto de estudo, como se fosse
possível para o cientista social ser imparcial e neutro, mas dá voz aos envolvidos
nos estudos, pois o objeto de estudo é também sujeito histórico. Florestan dialoga
com os membros da comunidade negra, mulheres e intelectuais que pensavam
criticamente sua posição. Aqui se percebe a postura ética e política do pesquisador
em reflexão às possibilidades políticas daquilo que ele está produzindo. Florestan
nega veementemente aquilo que por muito anos tinha sido a característica do
povo brasileiro: a democracia racial. Como Durkheim, Florestan entende que o
papel da ciência é descontruir as opiniões formadas.

A pesquisa sobre as relações raciais em São Paulo fornece material para a


publicação do livro “A integração do negro na sociedade de classes”, este livro:

[...] revela uma profunda identificação pessoal de Florestan


Fernandes com as dores e os sofrimentos dos trabalhadores
e marginalizados. Uma identificação que se mostra em
detalhes, com o extremo cuidado de Florestan na definição
do “objeto de estudo” do livro. O autor, por exemplo, mostra
seu desconforto com as denominações “preto” e “população
de cor”, sempre colocadas entre aspas, porque sabidamente
passíveis de manipulação política e ideológica por brancos
e negros, dominadores e dominados, na batalha cotidiana e
muitas vezes mesquinha do dia a dia. (SEREZA, 2014, p. 302)

A identificação com os marginalizados é constante nas obras de Florestan. O


marginalizado é aquele que fica à margem, no limite entre os mundos e, portanto,
ocupa espaços de invisibilidade. Florestan sempre se viu um marginal, alguém que
surge do lumpemproletariado e que, frequentando a universidade, não mais é
reconhecido pelos seus companheiros desta condição, mas que, não oriundo das
camadas médias da sociedade, também não é reconhecido como pertencente ao
universo dos intelectuais letrados.

Na identificação com aqueles que são marginalizados, Florestan ressalta mais


uma vez a preocupação sobre o fazer do cientista social, e não só sobre o seu

60 Florestan Fernandes
U2

fazer, mas também é preciso se preocupar com os desdobramentos políticos da


produção acadêmica.

Ianni (2008), falando sobre o entendimento que Florestan tem sobre o papel
das ciências sociais, adverte que o cientista social com inclinação à neutralidade
científica, proposta pelo modelo liberal de ciência, evoca sobre si uma iluminação
única que ninguém pode alcançar, a não ser outro iluminado cientista, que é o de
agir sem ser guiado pelos interesses mundanos, e leva sua ciência somente até o
ponto que esta ciência se sustente objetivamente isenta do conjunto histórico da
sociedade. Ao fazer isso, o cientista social torna a sua ciência neutra, mas também
pasteurizada. O cientista social que assim age nega seu papel de cidadão e tende a
omitir-se diante dos dramas da vida humana. Segundo Ianni (2008, p. 32):

A neutralidade ética comparece, aqui, como componente


essencial desse processo de acomodação intelectual e social,
pelo qual o sociólogo pode oscilar, na esfera prática do
‘reformismo esclarecido’ ao ‘conservantismo consequente’ e
à ‘apologia da ordem’.

O pensamento de Florestan é avesso a este papel reformista e conservador, pois


seu compromisso é com a conjuntura histórica. A Revolução Burguesa, uma de suas
obras que iremos tratar nesta unidade, mostra que o legado histórico do país em
função do colonialismo foi um capitalismo dependente. Se o capitalismo dependente
for apenas constatado cientificamente por uma série de categorias de análise
teríamos uma ideia sobre sua atuação, mas poderíamos não pensar criticamente
nos elementos de superação desta condição. O tipo de estudo que não gera
mudança não é apenas neutralidade, é conformação a uma determinada conjuntura
histórica que conduz, no caso brasileiro, a classe trabalhadora à superexploração e a
burguesia local à cômoda situação de parceiro menor da burguesia internacional. A
neutralidade científica conduz à naturalização das relações de dominação, validando
o ponto de vista dos setores dominantes da sociedade.

Mas, qual seria a tarefa essencial da inteligência dentro da perspectiva de


Florestan Fernandes? Para Florestan, os cientistas sociais não têm por tarefa lutar
pelo povo, antes, os intelectuais possuem a incumbência de se colocar a serviço do
povo. Especificamente, Florestan está pensando no intelectual brasileiro se colocar
a serviço do povo brasileiro na produção de uma consciência de si próprio, uma
consciência que o faça conhecer sua condição, os processos históricos que levaram
o povo brasileiro à sua condição de dependente e superexplorado, de forma que essa

Florestan Fernandes 61
U2

consciência possa desencadear uma revolução que conduza a nação à uma ordem
social democrática e um Estado que tenha fundamento na dominação da maioria.
O que está no horizonte é a fundação de um Estado verdadeiramente democrático
em que o trabalho seja verdadeiramente livre e possa produzir não mais excedentes
para a apropriação privada de poucos, mas resultados significativos que conduzam
a vida humana à uma maior autonomia.

A análise do processo de conhecimento nas ciências sociais,


pois, mostra que o que está em marcha é um complexo
intercâmbio no qual ciência e realidade, razão e história, estão
reciprocamente referidos, determinados, acumpliciados.
O cientista não é mera mediação que se põe inocente,
na trama das relações entre o pensamento e o real. Não
pode ser indiferente nem imune, seja às condições, seja às
implicações de sua reflexão. Encontra-se no princípio, no fim
e na travessia. Na perspectiva dialética, essa cumplicidade é
plenamente assumida, de tal maneira que o pensamento se
põe e repõe, todo o tempo, como prático-teórico, ou melhor
ainda, prático-crítico. (IANNI, 2008, p. 38)

O cientista social não pode ser indiferente à realidade e é nesse sentido que Ianni
ressalta a importância da perspectiva dialética em que o ponto de partida da ciência
é o real. Florestan demonstra de maneira prática que, sendo o ponto de partida o real
dentro de uma perspectiva dialética, a utilização de um corpus teórico diversificado
é fundamental para compreensão deste real. Essa diversificação está presente em
diversas obras, mas iremos nos deter em algumas categorias pensadas por Florestan
que se encontram no livro “A Revolução Burguesa no Brasil”.

1. Embora nem sempre seja útil tomar a origem social como


elemento para a compreensão da obra de um determinado
autor, no caso de Florestan esse elemento pode ser
fundamental, pois:
a. Compreender sua vida significa compreender como funciona
a meritocracia, coisa que Florestan acreditava piamente.

62 Florestan Fernandes
U2

b. Compreender sua vida significa compreender como os


processos de socialização que ele sofreu impactaram em sua
formação.
c. Compreender sua vida significa compreender a formação do
mito dentro da sociedade, toda ciência precisa de seus mitos.
d. Compreender sua vida significa compreender sua formação
elitista e a continuidade deste elitismo em seus estudos
posteriores.
e. Compreender sua vida significa compreender a alma de
todo sociólogo brasileiro, pois a Sociologia se repete ao longo
do tempo.

2. Leia atentamente as proposições a seguir:


I. Em 1946-1947, Florestan Fernandes completou o curso de
pós-graduação em Sociologia e Antropologia, na Escola Livre
de Sociologia e Política. Tornou-se mestre em 1947, com a
tese “A organização social dos Tupinambás”.
II. A livre-docência de Florestan se deu em 1953, com sua
obra: “Ensaio sobre o método de interpretação funcionalista
na sociologia”.
III. Em 1964, Florestan construiu a obra “A integração do negro
na sociedade de classes”, com a qual se tornou catedrático.
Sobre a vida acadêmica e as obras de Florestan Fernandes
podemos considerar que:
a. Apenas a proposição I está correta.
b. Apenas a proposição II está correta.
c. Apenas as proposições I e II estão corretas.
d. Apenas as proposições I e III estão corretas.
e. As proposições I, II e III estão corretas.

Qual é a origem dos tipos de interação social presentes no


Brasil?

Florestan Fernandes 63
U2

Seção 2

Emergência da ordem social competitiva


Uma série de temas deriva da obra de Florestan. A construção de diversas
interpretações do Brasil com base na realidade empírica o faz construir categorias
de análise para além daquelas formuladas pelos clássicos para compreensão do
capitalismo global. Aqui, uma das categorias que Florestan se utiliza no livro “A revolução
burguesa no Brasil” é o de ordem social competitiva, em que a preocupação está
em compreender como emerge essa ordem social no Brasil. A ideia da emergência
de uma ordem social competitiva no Brasil já, de saída, implica pensar em alguns
elementos específicos, que poderemos analisar a partir da obra supracitada.

“A Revolução Burguesa no Brasil: ensaios de interpretação sociológica” (2006) foi


concebida na década de 1960 e, em parte, foi escrita nesta mesma época, no entanto,
sua primeira publicação data de 1975. Este livro, escrito quando Florestan estava
afastado da vida universitária pelo regime militar, encerra um projeto de interpretação
do Brasil perseguido por ele desde a década de 1950. Após a pesquisa sobre as
reações raciais em São Paulo, este projeto implicava adequar e refinar os métodos
da perspectiva aplicada da Sociologia para contextos mais heterogêneos como os do
nosso país.

A mudança social é um assunto privilegiado nos temas tratados por Florestan


Fernandes, mas nesta obra que acabamos de citar o autor indica que o capitalismo no
Brasil é um impeditivo de mudanças sociais que podem conduzir o país a parâmetros
civilizacionais. Aqui temos que tomar alguns cuidados, pois Florestan, ao falar de
parâmetros civilizacionais, não está aderindo ao discurso evolucionista de que tínhamos
de deixar a condição de incivilizado para a condição de civilizado, mas está em seu
horizonte a ideia de que os padrões civilizacionais pudessem produzir um Estado
democrático representativo que fosse assim de fato, e não apenas formalmente, bem
como as condições para superação da dependência e da superexploração.

A obra supracitada indica um elemento importante já em seu título. A obra chama-


se “A revolução burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica”. O termo
ensaio não é de utilização corrente na obra de Florestan, aliás uma das críticas de
Florestan com o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), órgão com o qual

64 Florestan Fernandes
U2

mantém intenso diálogo, sobretudo com Guerreiro Ramos, é o caráter ensaístico de


suas produções.

Florestan havia usado o termo ensaio em outros dois textos anteriores ao “Revolução
Burguesa”. Em 1953, no ensaio sobre o método funcionalista em sociologia, ensaio
tem o significado de “tentativa”; e depois, em “Ensaios de Sociologia Geral e Aplicada”,
com o significado de conjunto de artigos que versam sobre um mesmo tema. Com
a utilização do termo “ensaio” na “Revolução Burguesa”, Florestan revê suas posições
cientificistas, ou seja, Florestan se permite algum nível de interpretação pessoal sobre
o tema que está se propondo a trabalhar, mas o estilo que o livro foi escrito ainda é de
um intelectual organicamente ligado ao método e ao linguajar científico.

No texto “A revolução Burguesa”, o autor persegue o significado dos termos


“burguês”, “burguesia”, “revolução burguesa” no contexto brasileiro, procurando
estabelecer questões úteis para as ciências sociais em geral. O problema central que
Florestan quer refletir nesse texto é a especificidade da construção da sociedade
de classes e da formação da revolução burguesa no Brasil vistas sobre o prisma da
racionalidade burguesa, ou seja, da ética do lucro e do risco calculado. O livro trata do
Brasil após a independência até o período posterior a 1964.

A primeira parte do livro “A revolução Burguesa” tem por objetivo pensar a


formação do Brasil moderno a partir da reflexão sobre os agentes históricos,
sobretudo a influência do caráter valorativo do senhoriato brasileiro na formação do
espírito burguês nacional. A segunda parte intitula-se “A formação da Ordem social
competitiva (fragmentos)”. O capítulo 4 desta obra, intitulado “Esboço de um estudo
sobre a formação e o desenvolvimento da ordem social competitiva”, é aberto com a
explicação do conceito de Ordem social competitiva para Florestan:

Ao absorver o capitalismo como sistema de relação de


produção e de troca, a sociedade desenvolve uma ordem
social típica, que organiza institucionalmente o padrão de
equilíbrio dinâmico, inerente à integração, funcionamento e
diferenciação daquele sistema, e o adapta às potencialidades
econômicas e socioculturais existentes. Essa ordem social tem
sido designada, por historiadores, economistas, sociólogos,
juristas e cientistas políticos, como ordem social competitiva.
Aqui interessam apenas os aspectos de sua emergência e
desenvolvimento que assinalam os marcos propriamente
estruturais da Revolução Burguesa no Brasil. (FERNANDES,
2006, p. 179)

Florestan chama a atenção sobre os aspectos do surgimento e desenvolvimento da

Florestan Fernandes 65
U2

ordem social competitiva no Brasil, pois, nos países de origem colonial, o capitalismo
é introduzido antes do estabelecimento de uma ordem social competitiva, e as
estruturas econômicas, sociais e políticas da sociedade colonial moldam a sociedade
“independente” e determinam a forma como essa sociedade será absorvida pelo
mercado mundial. Neste sentido, o burguês moderno no Brasil ressurge das cinzas do
senhor antigo, o que gera um descompasso da burguesia nacional com a burguesia
clássica, pois nos países em que a revolução burguesa ocorreu de maneira “ideal” o
burguês é a antítese dos antigos estamentos e não a continuidade, como no caso
brasileiro em particular e nos casos de países originalmente constituídos a partir do
colonialismo em geral. Essa condição impediu, segundo Florestan, o aparecimento da
ordem social competitiva em sentido pleno impedindo o surgimento das relações de
classe como observado em países ditos avançados.

A terceira parte do livro “A revolução Burguesa” intitula-se “Revolução Burguesa e


capitalismo dependente” e se discute a gênese da forma de acumulação capitalista
dependente e a especificidade de sua realização.

O mundo burguês e a burguesia são particulares, pois não se autonomizaram da


oligarquia e a burguesia não realizou a sua tarefa de construir a nação. A burguesia
brasileira vive seu dilema histórico, o dilema de sua situação de classe, pois se juntou
às forças sociais arcaicas e não construiu a social democracia.

O Estado foi a espinha dorsal das mudanças, pois a classe burguesa se mostrava
extremamente frágil. O capitalismo dependente surge das ingerências internas e
submetido ao imperialismo. A análise da revolução burguesa no Brasil é a análise da
crise do poder burguês, e o título da obra de Florestan acaba por se constituir um
paradoxo em si mesmo, pois a revolução burguesa no Brasil foi uma revolução que
não foi uma revolução.

No âmbito político emerge o modelo autocrático burguês de transformação


do capitalismo, e 1964 é um momento paradigmático de modelo. A burguesia brasileira
não soube conciliar transformação econômica com a revolução nacional e o Estado
passa a ser a entidade central, minimizando o significado político da classe na medida
em que o Estado assumiu as funções capitalistas.

Assim, o caráter da obra de Florestan “A revolução burguesa no Brasil” segue um


ordenamento estrutural em que a primeira parte trata das noções de racionalismo
econômico e da passagem da autoridade à ordem legal, ou seja, a passagem da ordem
do senhor para a estrutura do Estado ordenado juridicamente. A estrutura social é
pensada a partir dos estilos de vida e das relações estamentais e das castas, ao estilo
weberiano. Assim como na ordem social competitiva, emergem outros princípios
de estratificação, que é a ordem da sociedade aquisitiva, ou burguesa, marcada pela
racionalidade, no sentido das relações de mercado apontadas por Weber (2012).

A ordem social competitiva, portanto, é o substrato social do capitalismo e é

66 Florestan Fernandes
U2

construída, por outro lado, por Florestan como produto das funções classificadoras
do mercado e estratificadoras da produção. Essa noção em Florestan é uma absorção
das ideias weberianas, estratificação social e marxiana de determinação do mercado
por momentos anteriores. Assim, o ator aponta a persistência de três padrões distintos
do desenvolvimento no Brasil: o padrão de desenvolvimento econômico, o padrão
de desenvolvimento social e o padrão de desenvolvimento cultural. Esses padrões
não são necessariamente referidos, ou seja, o desenvolvimento de um padrão
não necessariamente reflete o desenvolvimento de outro padrão. Assim, a ordem
social competitiva no Brasil é fluída pois não produz a ordem social de classe e não
diversifica valores e aspirações sociais. Portanto, as condições estruturais herdadas do
colonialismo criam impasses que prejudicam a intenção das ações dos agentes, isso
quer dizer que o resultado da ação dos sujeitos não está conectado à intenção da
ação. No caso do capitalismo dependente, a particularidade da relação construída
impediu o florescimento da ordem social competitiva e de condutas orientadas
segundo padrões correntes do capitalismo como estilo de vida.

A análise de Florestan adota também o campo teórico-metodológico do funcional-


estruturalismo na vertente dos ingleses e da sociologia norte americana, pois ele trata
da estruturação de posições sociais e dos papéis sociais que deveriam corresponder
às diferentes posições dentro da estrutura societal. Na terceira parte do livro há uma
inflexão dessas vertentes, pois Florestan dialoga abertamente com o marxismo. Esse
diálogo aparece na ideia de padrão de desenvolvimento do capitalista monopolista na
periferia, que pressupõe que o imperialismo é fruto dos constrangimentos internos e
externos. Sobre esse tema trataremos mais demoradamente na próxima seção, em
que discutiremos o capitalismo dependente e as classes sociais no pensamento de
Florestan Fernandes.

1. O Livro “A Revolução Burguesa no Brasil” tinha por objetivo


ser uma resposta intelectual à situação política que se criara
com o regime instaurado em 31 de março de 1964, ou seja,
a ideia era elaborar uma obra que desse conta de explicar o
golpe militar que Florestan estava presenciando, no entanto,
alguns eventos fizeram com que a obra, iniciada em 1966,
fosse terminada somente em 1974 como sendo um estudo
sobre as linhas de evolução do capitalismo e da sociedade de
classe no Brasil.
A partir das informações acima, leia as proposições a seguir:

Florestan Fernandes 67
U2

I. Partindo do pressuposto de que a modernidade que havia


se instaurado na Europa era fruto de um processo histórico
que havia conduzido a classe burguesa à condição de classe
dominante no velho continente, e essa transformação na
infraestrutura, ou seja, o modo de produção, provocou
mudanças na superestrutura, ou seja, na ordem política
ideológica, Florestan (2006) questionou quais foram os
elementos que impediram a burguesia de concretizar a
modernidade no Brasil.
II. Florestan Fernandes vê na tradição patrimonial a construção
de uma ordem social competitiva orientada por uma empresa
colonial que estava submetida ao Estado, que resultou em um
papel periférico do Brasil no sistema internacional.
III. Para Florestan, a burguesia brasileira havia feito a revolução
nos moldes da burguesia europeia e o país estava atrasado
apenas porque não cumpriu todos os estágios da evolução
social, mas ainda pertencia àquela fase denominada de
barbárie.
Assumindo V para o que for verdadeiro em relação ao
pensamento de Florestan Fernandes e F para o que for falso,
assinale a alternativa correta.
a. I-V; II-V; III-V.
b. I-V; II-V; III-F.
c. I-V; II-F; III-V.
d. I-F; II-V; III-F.
e. I-F; II-V; III-V.

2. Na obra “A Revolução Burguesa no Brasil”, Florestan


Fernandes afirma que:
a. O Brasil havia apresentado um desenvolvimento econômico
rápido que beneficiou somente a burguesia que passou a ser
a classe dominante e esta burguesia impediu o progresso do
país.
b. O Brasil apresentou uma revolução burguesa nos mesmos
moldes que o modelo francês do século XVIII, mas que os
tipos brasileiros que se formaram em função da miscigenação
impediram a modernidade de chegar ao país.
c. Na Europa, a Burguesia tinha passado à condição de classe
dominante em função das revoluções que ocorreram, no Brasil,
entretanto, a classe burguesa não se tornou classe dominante.
d. O racismo foi o elemento fundamental que impediu o país
de adentrar na modernidade, por mais que concordasse com

68 Florestan Fernandes
U2

a democracia racial de Freyre, que a mentalidade primitiva


brasileira impediu o desenvolvimento.
e. A origem da burguesia brasileira estabelece, a princípio
a forma de desenvolvimento que teremos em nosso país.
A burguesia brasileira esteve sempre na vanguarda do
capitalismo e se tornou a classe dominante em nosso país.

Florestan Fernandes 69
U2

Seção 3

Capitalismo dependente e classes sociais


Florestan é sempre atento à luta dos oprimidos, mesmo tendo sido um profissional
que percorreu todos os patamares do meio acadêmico. Em seus escritos sempre
teve como norte pensar a transformação da sociedade capitalista, visando conseguir
contribuir para a transformação desta sociedade. Sua ótica é sempre a dos despossuídos
e dos explorados. Na seção anterior trabalhamos bastante com essa ideia e de que a
sociologia crítica de Florestan é uma sociologia para transformação do mundo onde
o ponto de partida são as camadas subalternas em que se encontra a maior parte da
população brasileira.

A transformação da sociedade burguesa só se dá com o descortinar da dominação


burguesa, e para isso é preciso de um tipo de conhecimento que seja capaz de colocar
às claras os aspectos dessa dominação.

Apesar da produção de Florestan ser extremamente rica e diversificada, nesta


seção nos dedicaremos a um tema central para compreensão do Brasil: o conceito
de capitalismo dependente.

O conhecimento da sociedade brasileira é a grande preocupação de Florestan, sua


grande indagação é “o que é o Brasil?”. Essa indagação é problematizada da seguinte
forma: “por que a independência política do Brasil não significou a independência
efetiva?”; outra questão que ele coloca é: “Por que a exploração do trabalho realizada
no Brasil é muito maior do que a exploração realizada nos países que foram chamados
de desenvolvidos?”, “Por que a democracia que conhecemos é tão restrita?”, “Por que
a burguesia brasileira não realizou a revolução burguesa?”.

Para responder a esta questão é preciso pensar que o Brasil se constituiu, desde o seu
descobrimento, a partir da expansão do capitalismo. Assim, qualquer questionamento
sobre o Brasil só pode ser respondido na medida em que se pense para além apenas
de nossa nação, mas é imperioso que se pense como as articulações para a expansão
do capitalismo envolveram o Brasil e afetaram sua formação. Portanto, pensar o Brasil
dentro de um sistema mundial que é o capitalismo significa pensar como o Brasil faz
parte deste sistema, como participou de sua expansão e como está inserido hoje. Mas
também é preciso pensar como o capitalismo é apropriado pelo Brasil, ou seja, como

70 Florestan Fernandes
U2

se desenvolvem as relações capitalistas no interior de nosso país.

Portanto, o que Florestan chama atenção é que o cientista social deve se preocupar
em estudar a evolução do capitalismo em quadros particulares, pois se teorizou que o
capitalismo se origina da Revolução Burguesa clássica que conduz necessariamente
ao Estado representativo. Nas particularidades não se pode afirmar que esse caminho
siga esta ordem, há casos, sobretudo na América Latina, em que o capitalismo não
surge das revoluções burguesas e não conduz ao Estado representativo democrático
ou à autonomia do país. Este capitalismo praticado, não só na América Latina,
mas em toda a periferia do mundo capitalista, é um capitalismo difícil e selvagem.
Somente no momento em que as ciências sociais aceitarem o desafio de estudar
essas particularidades que se produzirá um conhecimento significativo e se poderá
entender em parte o que se passa nas nações que ocupam esses espaços, como o
caso do Brasil.

Na pesquisa sobre o Brasil, Florestan desloca seu objeto de pesquisa para as


influências que a ordem social capitalista tem sobre a absorção e expansão do
capitalismo no Brasil.

No horizonte de Florestan Fernandes (1968) está que a mudança das hegemonias


transformam o caráter dos laços coloniais. Para os estudos sobre a influência da ordem
social capitalista sobre a absorção e a expansão do capitalismo no Brasil, o pensador
que estamos estudando entende que o tipo de relação de poder estabelecido durante o
período colonial do Brasil com Portugal é qualitativamente diferente daquelas relações
de poder desenvolvida com a Inglaterra depois que o Brasil se tornou juridicamente e
formalmente independente. Dentro da lógica da ordem social capitalista, as relações
de poder não se dão apenas no âmbito jurídico formal, mas mediado pelo capital.
Assim, a dependência assume outra característica: a econômica. Se o colonialismo se
desfaz, novas formas de dependências se estabelecem assim como novas formas de
colonização.

No caso do Brasil há uma condição colonial permanente, instável e imutável. Essa


condição é tão funesta que o desenvolvimento não resolve essa questão (FERNANDES,
1968).

Está claro que essa condição se altera continuamente:


primeiro se prende ao antigo sistema colonial; depois, se
associa ao tipo de colonialismo criado pelo imperialismo das
primeiras grandes potências mundiais; na atualidade, vincula-
se aos efeitos do capitalismo monopolista na integração da
economia internacional. Ela se redefine no curso da história,
mas de tal modo que a posição heteronômica da economia do

Florestan Fernandes 71
U2

País, em sua estrutura e funcionamento, mantém-se constante.


O que varia, porque depende da calibração dos fatores externos
envolvidos, é a natureza do nexo de dependência, a polarização
da hegemonia e o poder de determinação do núcleo dominante.
(FERNANDES, 1968, p. 26)

A condição de heteronomia de que fala Florestan está referida a uma autonomia,


que é uma autonomia capitalista geradora de heteronomia capitalista. Esse elemento é
muito importante para compreender os escritos de Florestan, pois a responsabilidade
pela heteronomia não é do país que possui autonomia capitalista, mas resultado
do próprio sistema capitalista. A marcha do sistema capitalista produz países com
autonomia capitalista e, por conseguinte, países com heteronomia capitalista.
Portanto, a condição brasileira de dependência não é dada pela condição colonial em
si, mas sim por causa do desenvolvimento capitalista que sempre gera desigualdades.
A autonomia que produz a expansão do capitalismo é geradora de heteronomia, isso
lhe é um processo inerente.

Como Florestan define o capitalismo dependente? Em primeiro lugar é preciso


deixar claro que, na perspectiva de Florestan, a lógica é capitalista e econômica, e
não geográfica. Portanto, o capitalismo dependente é uma forma determinada de
capitalismo que, segundo Florestan (1968, p. 31-32)

só pode ser caracterizada através de uma economia de


mercado capitalista duplamente polarizada, destituída de
autossuficiência e possuidora, no máximo, de uma autonomia
limitada. Em outras palavras, a semelhança com o modelo
original começa e termina naquilo que se poderia designar
como organização formal do sistema econômico. Nos planos
da estrutura, funcionamento e diferenciação do sistema
econômico, a dupla polarização do mercado suscita uma
realidade histórica nova e inconfundível. Trata-se de uma
economia de mercado capitalista constituída para operar,
estrutural e dinamicamente como uma entidade especializada,
no nível da integração do mercado capitalista mundial; como
entidade subsidiária e dependente, no nível das aplicações
reprodutivas do excedente econômico das sociedades
desenvolvidas; e como entidade tributária, no nível do ciclo de
apropriação capitalista internacional, no qual aparece como
fonte de incrementação ou de multiplicação do excedente
econômicos das economia capitalistas hegemônicas.

72 Florestan Fernandes
U2

A forma dependente e periférica do capitalismo é a forma que assume essa


heteronomia na fase monopolista do capitalismo, o que associa as formas nacionais
e estrangeiras do capital financeiro. Dentro desta perspectiva, Florestan aponta que
as relações de dependência dentro da fase monopolista do capital não são relações
entre Estados-Nações, ou seja, não é um Estado tornando outro Estado dependente,
mas é uma luta de classe, pois o Estado não é agente histórico, os agentes históricos,
ou seja, aquele que responsável pela ação histórica, são os homens, são grupos de
homens, são as classes sociais.

Portanto há uma centralidade nas relações de classe na análise de Florestan, pois,

a explicação sociológica do subdesenvolvimento econômico


teria de ser procurado no mesmo fator que explica,
sociologicamente, o desenvolvimento econômico sob o
regime de produção capitalista: como as classes se organizam
e cooperam ou lutam entre si para preservar, fortalecer e
aperfeiçoar ou extinguir aquele regime social de produção
econômica. (FERNANDES, 1968, p. 35)

O fundamental para explicar a sociedade em desenvolvimento tem que ser


buscado no mesmo ponto com o qual se explica as sociedades desenvolvidas, nas
classes sociais. “A história é feita coletivamente pelos homens, e sob o capitalismo
através de conflitos de classe de alcance local regional e internacional” (FERNANDES,
1980, P. 62).

Quando Florestan analisa as relações de classe no Brasil, ele percebe uma


burguesia interna que não fez a revolução burguesa, mas que se contentou em ser
parceira da burguesia internacional. Uma parceria que legou à burguesia interna uma
condição menor e subordinada em relação à burguesia internacional, mas, mesmo
assim, se estabeleceu como parceira desta burguesia. No tocante as relações de
dependência este dado é importante porque Florestan perceberá que as relações de
dominação não são somente externa, é uma dominação externa que se conjuga com
uma dominação interna. A dominação externa só se dá por intermédio da dominação
interna. A burguesia interna é aquela que faz funcionar todos os mecanismos para que
a burguesia internacional possa auferir os resultados da dominação que ela impõe de
maneira imperialista. Uma vez que a burguesia interna é parceira da grande burguesia
internacional, Florestan aponta para o erro de supor que a burguesia local possa ser
parceiro do trabalhador para combater o novo imperialismo, antes a burguesia local é
agente deste novo imperialismo.

Florestan Fernandes 73
U2

3.1 Sobreapropriação sobre o capitalismo dependente

Tomando como base a discussão realizada até aqui sobre o capitalismo


dependente, Florestan afirma que:

o modelo concreto de capitalismo que irrompeu e vingou


na América Latina reproduz as formas de apropriação e
expropriação inerentes ao capitalismo moderno com um
componente adicional específico e típico: a acumulação
de capital institucionaliza-se para promover a expansão
concomitante dos núcleos hegemônicos externos e internos
(ou seja, as economias centrais e os setores sociais dominantes).
Em termos abstratos, as aparências são de que estes setores
sofrem a espoliação que se monta de fora para dentro, vendo-
se compelidos a dividir o excedente econômico com os
agentes que operam a partir das economias centrais. De fato, a
economia capitalista dependente está sujeita, como um todo,
a uma depleção permanente de suas riquezas (existentes ou
potencialmente acumuláveis), o que exclui a monopolização
do excedente econômico por seus agentes privilegiados.
Na realidade, porém, a depleção de riquezas se processa à
custa dos setores assalariados e destituídos da população,
submetidos a mecanismos permanentes de sobreapropriação
e sobreexpropriação capitalista. (FERNANDES, 1972, p.45)

O modo de produção capitalista se assenta sobre a exploração e expropriação da


força de trabalho, mas a partir do período imperialista do capitalismo o que Florestan
percebe é que se projeta é que o tipo de exploração sofrido pelos trabalhadores
nos países autônomos é muito menor do que a expropriação dos trabalhadores nos
países dependentes. E por que há esta superexploração nos países dependentes?
Porque há a necessidade de aumentar o excedente produzido para dividir entre
as frações da burguesia que estão envolvidas no processo (burguesia interna
e externa). Assim, nos países de capitalismo dependente é tão grande o nível de
exploração que exige que o nível de dominação seja ainda maior, portanto há uma
importância imensa na questão da ideologia (enquanto falsa consciência e, portanto,
a manutenção das ideias da classe dominante) e da repressão. Neste sentido, o que
há é uma “sobreapropriação repartida do excedente econômico” (FERNANDES,
1972, p. 57).

O processo de suprexploração da força de trabalho nos países periféricos não


opera apenas no nível da organização econômica e da organização empresarial, mas
o Estado Nacional está no cerne desta superexploração produzindo leis capazes de

74 Florestan Fernandes
U2

facilitar os agentes da burguesia local a expropriar o trabalhador.

A história das economias dependentes é uma história que se recompõe a partir da


dominação burguesa, internamente, e da dominação imperial, externamente. Essa
dupla dominação produz novos modelos de desenvolvimento capitalista que exige a
conciliação entre o antigo e do moderno e ultramoderno, tudo isto para permanecer
na condição de dependência. No campo político qualquer abertura, por mínima que
seja, faz com que a burguesia local busque formas de retomar as antigas amarras,
retroceder no campo da democracia dos iguais e perpetuar a superexploração.

1. Leia atentamente as proposições abaixo:


I. Nos estudos sobre a influência da ordem social capitalista
sobre a absorção e a expansão do capitalismo no Brasil,
Florestan Fernandes entende que o tipo de relação de poder
estabelecido durante o período colonial do Brasil com Portugal
é qualitativamente diferente daquelas relações de poder
desenvolvidas com Inglaterra depois que o Brasil se tornou
juridicamente e formalmente independente.
II. Dentro da lógica da ordem social capitalista, as relações
de poder se dão apenas no âmbito jurídico formal, e não nas
relações de poder mediado pelo capital.
III. A dependência assume outras características, a
dependência dentro da ordem social capitalista é econômica.
Se o colonialismo se desfaz, novas formas de dependências se
estabelecem em novas formas de colonização.
Partindo do conhecimento sobre a questão da dependência
em Florestan Fernandes, podemos afirmar que:
a. Somente a proposição I está correta.
b. Somente as proposições I e II estão corretas.
c. Somente as proposições II e III estão corretas.
d. Somente as proposições I e III estão corretas.
e. As proposições I, II e III estão corretas.

2. No Brasil, segundo Florestan Fernandes, há uma condição


colonial permanente que impede o próprio desenvolvimento
do país. Neste sentido, podemos afirmar que:
a. Desde o antigo sistema colonial, o que varia entre o

Florestan Fernandes 75
U2

colonialismo propiciado pelo imperialismo das grandes


potências e os efeitos do capitalismo monopolista são os
nexos da dependência e não a condição de dependência.
b. O desenvolvimento do país não está vinculado à condição
de heteronomia. A heteronomia é a condição do país de
se autogestar independente dos outros países capitalistas
avançados, em uma relação de independência.
c. A condição subalterna a que o Brasil está sujeito se deve ao
fraco desenvolvimento intelectual de seu povo. A condição
de dependência é uma condição que nasce da incompetência
das forças políticas brasileiras.
d. A condição de subdesenvolvimento foi plenamente
superada quando o Brasil saiu da condição de colônia de
Portugal. Sua integração aos mercados capitalistas se deu de
maneira harmoniosa e favorável ao país.
e. A condição de desenvolvimento é a imposição de
um país sobre o outro. Essa relação de dependência e
subdesenvolvimento não é uma condição do sistema
capitalista, pois o sistema capitalista tende a colocar todos no
mesmo patamar.

Nesta unidade você viu que Florestan Fernandes é um dos


maiores sociólogos brasileiros, com reconhecimento da sua obra
em âmbito internacional. Florestan se ocupou com a fundação
da Sociologia brasileira e a construção de um ofício típico para o
sociólogo. Superando as dificuldades oriundas de sua condição
de lupemproletariado, Florestan chegou à universidade, mas
reconhece que não foi algo a se comemorar, pois as condições
do país não ajudavam os filhos dos trabalhadores, por meio dos
estudos, a ansiarem melhores condições, e ele sabia que foi ele,
apenas ele, que chegou à universidade. Essa consciência de sua
condição dotado das armas dadas pela carreira acadêmica fez
de Florestan um sociólogo crítico, fundador da tradição crítica
na sociologia brasileira.
A sociologia crítica na obra de Florestan indica o forte
compromisso do sociólogo com a conjuntura social, com a
população. Em Florestan, o intelectual é aquele que está a serviço

76 Florestan Fernandes
U2

do povo, aquele que tem por objetivo propiciar formas para que a
população atinja de uma maneira mais rápida a consciência de si.
Florestan caminha por diversas correntes teórica, mas é no
materialismo-histórico que suas aspirações críticas encontraram
repouso, no entanto, o compromisso com um determinado ethos
científico o faz dialogar constantemente com diversas teorias para
melhor abordar os objetos de estudo. Essa posição fica evidente
no livro “A Revolução Burguesa no Brasil: ensaios de interpretação
sociológica” em que nosso autor dialoga ao longo da obra com
Durkheim, Weber, Manheim, Merton, Parsons e Marx.
Os estudos sobre a vida e obra de Florestan Fernandes nos ajudam
a compreender o papel da sociologia crítica na sociedade brasileira,
a pensar o papel do sociólogo na sociedade, e a refletirmos sobre
nossa própria ação enquanto sujeitos históricos.

Nesta unidade você aprendeu que:


• Florestan Fernandes foi um dos grandes nomes da sociologia
brasileira e o responsável pela fundação da sociologia crítica
brasileira.
• A condição de lupemproletaria de Florestan Fernandes dirige e
orienta seus estudos no campo sociológico. Florestan, de fato,
afirma ter começado a aprender sociologia aos 6 anos quando
teve de trabalhar para ajudar a manter a casa.
• A ideia de uma ciência neutra está ligada a uma ciência, na
melhor das hipóteses, sem compromisso com as mudanças
socias, ou mais ainda, com uma ciência compromissada com a
manutenção da ordem dominatnte.
• A tradição sociológica, segundo Florestan, está intimamente
ligada à mudança social.
• A mudança social no Brasil significa superar a condição de
dependência e instaurar um Estado democrático de fato.
• O estudo coordenado por Florestan sobre as relações raciais em
São Paulo, na década de 1950, demonstram o caráter crítico da
obra deste autor, ao mesmo tempo que fornece elementos para
duas importantes obras: “A integração do negro na sociedade de
classes” e “A revolução burguesa no Brasil”.
• No livro “A Revolução Burguesa no Brasil”, Florestan aponta

Florestan Fernandes 77
U2

para a emergência daquilo que ele denominou de ordem social


competitiva no Brasil.
• A ordem social competitiva no Brasil deriva da condição colonial
anterior.
• O tipo de ordem social competitivo que se desenvolve no Brasil
marca o tipo de atuação que a burguesia interna terá no processo
de adesão do Brasil ao sistema capitalista mundial.
• A burguesia interna se subsumi à burguesia internacional criando
uma lógica dependente de nossa inseção no capitalismo.
• A forma dependente se conjuga com o imperialismos típico da
fase monopolista.
• O imperialismo impele ao trabalhador uma condição de
superexplorado.

1. Florestan Fernandes afirma que há interação social em


diversos níveis de organização da vida, isso quer dizer que
há interações entre as diversas espécies animais e vegetais.
Nesse sentido, o sociólogo poderia estudar todos os níveis de
organização da vida que possui algum tipo de sociabilidade,
no entanto, Florestan aponta que as interações humanas são
muito mais interessantes do ponto de vista sociológico, pois:
a. Os seres humanos vivem em um meio social mais ou menos
domesticado pelo próprio homem, e a interação deles entre
si está mais ou menos livre de muitos influxos inorgânico ou
orgânico que regulam, direta e extensamente, a associação
dos organismos em outro nível de organização da vida
b. Os seres humanos são os únicos que possuem algum tipo
de sociabilidade, uma vez que as sociabilidades dos outros
níveis de organização da vida são apenas manifesta de
maneira superficial e ilusória, o que existe são apenas influxos
orgânicos impossíveis de serem vistos como interação.
c. Os seres humanos são os únicos que podem ser
verdadeiramente analisados pela sociologia, pois a sociologia
é uma ciência social. As plantas e os animais só podem ser
analisados pelas ciências naturais e essas nunca pesquisam as
formas de sociabilidades.

78 Florestan Fernandes
U2

d. Os seres humanos apresentam características condizentes


com o método sociológico. A sociologia como ciência
exclusivamente interpretativa, não pode estudar seres que
não se comunicam oralmente, pois não poderiam interpretar
suas interações e as pesquisas ficariam incompletas.
e. Os seres humanos são os únicos habitantes do planeta
que conseguiram domesticar o meio em que vive, e essa
domesticação possibilitou que fossemos a única espécie a
possuir inteligência e, portanto, a única que pode ser estudada
por uma ciência em que a interação é mais importante.

2. Octavio Ianni não tem dúvida em afirmar que a sociologia


crítica no Brasil tem em Florestan Fernandes seu fundador.
A produção intelectual de Florestan “está impregnada de um
estilo de reflexão que questiona a realidade social e o próprio
pensamento”. (IANNI, 2008, p.15)
Sabendo disso, observe as afirmativas abaixo:
I. Uma das fontes do pensamento crítico de Florestan é o
afastamento desse tal Florestan em relação aos autores da
sociologia clássica e moderna. Dentro da necessidade que
impôs a si mesmo de fundar uma tradição sociológica no
Brasil para realizar essa obra, Florestan não se permitiu estudar
avidamente outros autores da sociologia.
II. Uma das fontes do pensamento crítico de Florestan é
o pensamento marxista. Ele realizou a tradução do livro
“Contribuição à crítica da economia política”, de Karl Marx,
em 1946, e escreveu sua introdução. Florestan incorporou o
pensamento dialético tanto em relação à escolha dos temas,
quanto de sua abordagem.
III. Florestan também dialoga com a corrente crítica do
pensamento social brasileiro, esta é uma de suas fonte. Os
diversos desafios lançados pelo pensamento social brasileiro
em autores como Euclides da Cunha, Manuel Bonfim,
Graciliano Ramos, Caio Prado Júnior, entre outros, são
suscitados na obra de Florestan.
Ianni afirma ainda que há cinco fontes para o pensamento
crítico de Florestan, sabendo disto podemos afirmar que:
a. Somente a proposição I está correta.
b. Somente as proposições I e II estão corretas.
c. Somente as proposições II e III estão corretas.
d. Somente as proposições I e III estão corretas.
e. As proposições I, II e III estão corretas.

Florestan Fernandes 79
U2

3. A sociologia é uma ciência e há um pressuposto de que


toda ciência crítica não aceita as verdades estabelecidas, mas
tende a procurar explicações mais profundas da realidade que
se quer compreender. Especificamente no caso da sociologia,
Florestan afirma que:
a. Não há nenhuma possibilidade das descobertas científicas
serem críticas.
b. A pasteurização e homogeneização são características
desejadas pela ciência.
c. A sociologia não deve dar ouvidos às vozes das minorias,
pois essas não conhecem a ciência.
d. O destino da descoberta científica não pode ser indiferente
ao cientista.
e. O cientista social não deve refletir sobre as consequências
políticas de suas descobertas.

4. Leia atentamente as proposições abaixo:


I. O modelo concreto de capitalismo que irrompeu e vingou
na América Latina reproduz as formas de apropriação e
expropriação inerentes ao capitalismo moderno com um
componente adicional específico e típico: a acumulação
de capital institucionaliza-se para promover a expansão
concomitante dos núcleos hegemônicos externos e
internos (ou seja, as economias centrais e os setores sociais
dominantes).
II. A economia capitalista dependente está sujeita, como
um todo, a uma depleção permanente de suas riquezas
(existentes ou potencialmente acumuláveis), o que exclui a
monopolização do excedente econômico por seus agentes
privilegiados. Na realidade, porém, a depleção de riquezas
se processa à custa dos setores assalariados e destituídos
da população, submetidos a mecanismos permanentes de
sobreapropriação e sobrexpropriação capitalista.
III. Nos países de capitalismo dependente é tão grande o
nível de exploração que exige que o nível de dominação
seja ainda maior. Portanto, há uma importância imensa na
questão da ideologia (enquanto falsa consciência e, portanto,
a manutenção das ideias da classe dominante) e da repressão.
Em relação ao pensamento de Florestan sobre o capitalismo
dependente e a sobreapropriação, pode-se afirmar que:
a. Somente a proposição I está correta.

80 Florestan Fernandes
U2

b. Somente as proposições I e II estão corretas.


c. Somente as proposições I e III estão corretas.
d. Somente as proposições II e III estão corretas.
e. As proposições I, II e III estão corretas.

5. O processo de suprexploração da força de trabalho nos


países periféricos não opera apenas no nível da organização
econômica e da organização empresarial, mas o Estado
Nacional está no cerne desta superexploração produzindo leis
capazes de facilitar os agentes da burguesia local a expropriar
o trabalhador. Neste sentido podemos afirmar que:
a. A história das economias dependentes é uma história
permeada de escolhas ruins por parte do Estado que
impossibilitou o crescimento econômico do país.
b. A história das economias dependentes é uma história que
se recompõe a partir da dominação burguesa, internamente,
e da dominação imperial, a partir de fora.
c. A história das economias dependentes é uma história que
demonstra como as burguesias locais lutaram para superar a
dependência em relação às burguesias internacionais.
d. A história das economias dependentes é a história de como
os projetos socialistas afundaram os planos econômicos
deste países e como os países desenvolvidos tentaram ajudar.
e. A história das economias dependentes é uma história
naturalmente determinada, porque a dependência é algo que
naturalmente acontece nas relações sociais.

Florestan Fernandes 81
U2

Referências

FERNANDES, Florestan. A revolução burguesa no Brasil: ensaios de interpretação


sociológica. 5. ed. São Paulo: Globo, 2006
______. Capitalismo Dependente e Classes Sociais na América Latina. Rio de Janeiro:
Zahar, 1972.
______. Ensaio de Sociologia geral e aplicada. 2. ed. São Paulo: Livraria Pioneira
Editora, 1971.
______. Sociedade de classes e subdesenvolvimento. Rio de Janeiro, Zahar, 1968.
GARCIA, Sylvia Gemignani. Destino ímpar: sobre a formação de Florestan Fernandes.
São Paulo: Ed. 34, 2002.
IANNI, Octavio. Florestan Fernandes: Sociologia crítica e militante. São Paulo:
Expressão Popular, 2004.
______. Florestan Fernandes (coleção grande cientistas sociais). São Paulo: Ática,
2008.
JACKSON, Luis Carlos. Gerações pioneiras na sociologia paulista (1934-1969). Tempo
Social, revista de sociologia da USP, v. 19, n. 1, jun. 2007).
OLIVEIRA, Marcos Marques de. Florestan Fernandes. Recife: Fundação Joaquim
Nabuco, Editora Massangana, 2010.
PERICÁS, Luiz Bernardo. Intérpretes do Brasil: Clássicos, rebeldes e renegados. São
Paulo: Boitempo, 2014.
SEREZA, H. C. Florestan Fernandes. In: Pericás, Luiz Bernardo; Secco, Lincoln. (Org.).
Intérpretes do Brasil - Clássicos, Rebeldes e Renegados. 1. ed. São Paulo: Boitempo
Editorial, 2014, v. 1, p. 227-238.
SOUZA, Antonio Candido de Mello e. Florestan Fernandes. São Paulo: Editora
fundação Perseu Abramo, 2001.
WEBER, Max. Economia e Sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Vol
2. 4 ed. 3ª reimpressão. Brasília: UnB, 2012.

82 Florestan Fernandes
Unidade 3

TEORIA SOCIOLÓGICA DO
SÉCULO XX

Leonardo Antonio Silvano Ferreira

Objetivos de aprendizagem:
Nesta unidade, você poderá compreender sobre os problemas sociais
ocasionados pelo modo capitalista de produção examinados pela leitura de
Antônio Gramsci e de Louis Althusser. Num primeiro momento, você entenderá
a contextualização histórica da realidade social observada pelos autores, a qual
levou à formação de suas teorias de perspectiva marxista, que enxergam as
contradições presentes no capitalismo, embora com análises e teorias distintas.

Seção 1 | Estudos dos problemas sociais examinados pelo


olhar de Gramsci e Althusser

Nesta seção, você estudará as bases do pensamento de Antônio


Gramsci (1891-1937) e Louis Althusser (1918-1990), assim como a
influência de Marx em suas obras. Qual é a importância do método
dialético para o pensamento sociológico do século XX? Qual é o legado
das contribuições de Marx para os autores que o sucederam? Vamos
estudar sobre as principais transformações que houveram na emergente
sociedade capitalista do século XIX, intensificadas pela expansão industrial
e pelas novas formas gerenciais que foram pensadas para otimizar a
produção, com o objetivo de aumentar a taxa de exploração da mais-
valia pela burguesia, gerando o agravamento das condições de vida da
classe trabalhadora. Nesta seção, vamos compreender que a sociedade
industrial do século XX foi resultado de um passado conturbado de lutas
sociais no século XIX.
Seção 2 | As teorias gramscianas e os conceitos de cultura e
hegemonia
A teoria gramsciana é muito importante para o campo do marxismo e
da sociologia de modo geral, pois nos leva a pensar sobre a possibilidade
de um conhecimento científico voltado para a transformação prática
da realidade a partir da conscientização dos trabalhadores, classe social
que é dominada nas relações de produção capitalistas. Nesse sentido,
vamos colocar algumas questões: O que é hegemonia para Gramsci?
O que é fordismo? Quais são impactos dessa organização dos fatores
de produção sobre a sociedade italiana e europeia? Esses são alguns
dos problemas que Gramsci se propõe a examinar. Outro conceito
importante de Gramsci que trataremos nesta seção é o de intelectual
orgânico, uma espécie de agente social capaz de fazer a ligação entre
superestrutura e infraestrutura, diretamente relacionado com o lugar que
ocupa nas relações materiais de produção. O intelectual orgânico atuaria
junto à classe subalterna, organicamente e de forma autônoma a ela,
explicando sobre os antagonismos presentes no atual bloco histórico,
formado pela infra e superestrutura, cuja atuação deveria ser na educação
e conscientização sobre as características da formação social capitalista.
Nesta seção, vamos estudar sobre as contribuições dos estudos de
Gramsci, inserido num contexto em que as abruptas mudanças que
as sociedades europeias passaram com a introdução do fordismo,
configurando as relações de produção capitalistas do século XX.

Seção 3 | As reflexões de Althusser sobre a escola como


reprodutora do modo de produção capitalista e a ideologia
Nesta seção, vamos estudar sobre os estudos realizados por Althusser
e a sua contribuição para o estabelecimento de relações teóricas entre
o marxismo e o estruturalismo. Quais foram os conceitos usados por
Althusser para explicar a reprodução dos meios de produção? O que
significa a noção de Aparelhos Ideológicos de Estado? O que significa
Aparelho Repressivo do Estado? Em que medida esses conceitos nos
ajudam a compreender as características do Estado burguês e o seu
exercício de dominação e reprodução? Você entenderá a forma como o
autor pensa as categorias do Estado moderno desenvolvendo conceitos
precisos que são explicativos de como as relações de poder se perpetuam
gerando desigualdades sociais, ou seja, como estão estruturadas no
interior do cotidiano das relações sociais.
U3

Introdução à unidade

No estudo da Sociologia, você já se deparou com os clássicos que estudaram a


sociedade e desenvolveram conceitos, teorias e métodos explicativos que lhes são
próprios. Na oportunidade, você já conheceu os autores clássicos da Sociologia,
Émile Durkheim (1858-1917), Karl Marx (1818-1883) e Max Weber (1864-1920).
Em que medida a teoria sociológica nos ajuda a compreender o cotidiano e as
relações sociais? Por que os clássicos são importantes até os dias atuais para as
ciências sociais?

Por que o método dialético marxista se insere como pensamento crítico da


Sociologia? Por que essas teorias são importantes para se compreender as atuais
relações entre capital e trabalho? Como o marxismo e seu método dialético nos
ajuda a compreender as contradições presentes na moderna sociedade capitalista,
em meio aos valores e princípios burgueses arraigados na sociedade capitalista?

Neste capítulo, vamos estudar sobre a teoria sociológica do século XX, na qual
você aprenderá a respeito da análise de dois autores que estudaram intensamente
a “moderna” sociedade industrial que emergia sobre seus olhos, no contexto
específico a que se inseriam. As profundas transformações que ocorreram ao
longo do século XX marcaram modificações profundas nas relações de trabalho
e de produção no capitalismo, aprimorando a cultura e a sociabilidade burguesa
como exercício de dominação, o papel do Estado e sua estrutura, dentre outros
temas. Essas e outras questões foram colocadas pelos autores que abordaremos
nas próximas páginas a desenvolver suas teorias, e você, caro aluno, é o nosso
convidado para esta aventura sociológica.

86 Teoria Sociológica do século XX


U3

Seção 1

Estudos dos problemas sociais examinados pelo


olhar de Gramsci e Althusser
As profundas transformações pelas quais passou o mundo na passagem do
século XIX para o século XX com a consolidação do modo capitalista de produção,
responsável por redesenhar as regras da organização social e do trabalho, são
objetos de estudos no campo da Sociologia. Como você já pôde ler em outros
textos, a Sociologia surgiu como uma ciência da sociedade, capaz de dar explicações
sobre os múltiplos fenômenos sociais, fruto do Iluminismo, da Revolução Francesa,
da Independência dos Estados Unidos e da Revolução Industrial. Nesta seção,
estudaremos as características do contexto social no qual os autores da Sociologia
crítica do século XX estão inseridos, ou seja, Antônio Gramsci e Louis Althusser, bem
como as bases de sua formação intelectual.

1.1 As bases teóricas e metodológicas para a Sociologia marxista


do século XX
Com a emergência e a consolidação do capitalismo, decorrente da ampliação
da indústria moderna, ao longo do século XIX, inúmeros conflitos sociais, revoltas
e revoluções assolaram os países europeus e outras regiões do mundo, sendo
caracterizados por uma crescente industrialização e intensificação das relações
produtivas. As mudanças ocasionadas pelos conflitos se tornariam então objetos de
reflexão científica, e a Sociologia obteve o status de ciência responsável por analisar
esses acontecimentos.

Desde o seu surgimento, a sociologia fora caracterizada por ser uma área do
conhecimento marcada por muitas crises, conflitos e divergências por seus autores
clássicos, ou seja, Auguste Comte, Émile Durkheim, Karl Marx e Max Weber. Esses
autores desenvolveram estudos segundo seus respectivos conceitos e métodos
de análise. No âmbito metodológico, os clássicos da Sociologia ofereceram uma
forma específica de analisar a sociedade de sua época, que são referências para

Teoria Sociológica do século XX 87


U3

os cientistas sociais que o sucederam. Os sociólogos posteriores se utilizaram dos


conceitos, teorias e métodos dos clássicos, e elaboraram novas reflexões com vistas
ao avanço do conhecimento científico.

Qual seria então a perspectiva teórica e metodológica de Antônio Gramsci


e Louis Althusser? Qual dos clássicos da sociologia ofereceu a matriz analítica e
metodológica para os autores do pensamento crítico sociológico do século XX?

Como você pôde ter percebido em outros textos, a perspectiva analítica de Marx
se assenta nas contradições presentes na sociedade, ou seja, nos antagonismos
produzidos a partir das relações materiais de produção. Tendo como base o
materialismo histórico dialético1, Marx analisou a sociedade de sua época a partir
das transformações concretas e de relações da luta de classes em movimento, não
como coisas isoladas e estáticas, mas sim a partir dos antagonismos presentes nas
relações sociais em determinado momento histórico. Com base neste antagonismo
de classes é que a sociedade capitalista se apresenta de modo contraditório e,
portanto, transitório no curso da humanidade.

As forças produtivas de uma sociedade são os meios de produção necessários


para a realização da vida material dos homens, e, nesse sentido, a relação de
produção se configura, no curso da história, pela exploração de uma classe sobre
a outra, seguindo a perspectiva de Marx. Com o conjunto de mudanças sobre
as relações de produção e sua organização social trazidos com o Iluminismo, a
Revolução Industrial e as Revoluções Burguesas, modificou-se profundamente as
características de se produzir as necessidades básicas de sobrevivência e outras
necessidades criadas, sobretudo pelo conjunto de valores burgueses introduzidos.
Essa sociedade burguesa industrial se consolidava, portanto, ao longo da segunda
metade do século XIX.

No modo capitalista de produção, a burguesia é a classe que se apropriou dos


meios necessários para a reprodução da vida social, segundo os seus interesses de
classe. Com isso, a burguesia adquiriu poder político e influenciou a máquina estatal,
remodelando-a conforme seus interesses, com vistas a manter sua dominação
política, e, de quebra, para garantir a hegemonia do capital, introduzindo um padrão
(estilo) de vida burguês. A difusão dos valores da sociabilidade burguesa contribuiu
para uma constante valorização e proteção da propriedade privada, o que levou ao
aumento significativo da produção e circulação de mercadorias.

A organização social pautada na exploração do homem pelo homem se


perpetua num contexto de ascensão do capitalismo e da hegemonia burguesa, a

1
O materialismo histórico dialético é o método utilizado por Marx para explicação da sociedade, e pode
ser brevemente resumido da seguinte forma: materialista, porque as relações sociais são ligadas às forças
produtivas de uma sociedade; histórico, uma vez que a história de todas as sociedades é marcada pela
luta de classes; e dialético, pois as construções culturais e ideológicas são produtos das relações sociais
que constituem uma esfera do comportamento social determinado, que identifica as leis da realidade.

88 Teoria Sociológica do século XX


U3

classe detentora dos meios de produção. Esta sociedade se apresentava de forma


conflituosa e antagônica para Marx. O marco histórico onde “o estado em que
o trabalhador se apresenta no mercado como vendedor de sua própria força de
trabalho deixou para o fundo dos tempos primitivos o estado em que o trabalho
humano não se desfez ainda de sua primeira forma instintiva” (MARX, 1983, p. 149).

Nesse contexto histórico, o trabalho assalariado se tornou característico e a divisão


social do trabalho se diversificou. Nesse sentido, a maquinaria e a consequente
mecanização foram elementos que influenciaram a drástica diminuição do trabalho
artesanal e da manufatura, não restando ao trabalhador o controle da produção.
Marx chega a tratar da alienação do trabalho. Dessa forma, os proletários, detentores
somente de sua força de trabalho, ofereciam sua mão de obra para as fábricas, pois
não possuíam os meios de produção, possibilitando assim a reprodução ampliada
do capital como critica Marx.

O modo de produção que compõe a realidade social é regido por leis dialéticas
objetivas, como as derivadas das contradições entre as forças produtivas e as
relações de produção, determinada em última instância pela infraestrutura e movida
concretamente pela luta de classes (MARX, 1983). O capitalismo, em sua gênese
histórica, se objetiva por ampliar e promover a acumulação de riquezas.

A principal origem dessa fonte de riquezas se dá pela exploração da classe


trabalhadora, a partir do momento em que o trabalhador vende a sua força de
trabalho para o capitalista em troca de um salário, que corresponde ao pagamento
de somente uma parte, ou seja, um quantum de trabalho dispendido na produção
de uma mercadoria qualquer. O conceito de mais valia é utilizado por Marx para
medir o grau da exploração do trabalhador pelo capital. A mais valia é, portanto, a
diferença entre o que o trabalhador produz e o valor do salário que recebe. Com
isso, o modo de produção capitalista tende a aumentar a desigualdade social entre
os homens, gerando, cada vez mais, miséria e pobreza.
Figura 3.1 | Operários belgas em greve na Mina Haazard (século XIX)

Fonte: Disponível em: <http://mundoeducacao.bol.uol.com.br/historiageral/revolucao-industrial.htm>. Acesso em: 02 mar.


2016.

Teoria Sociológica do século XX 89


U3

De que forma podemos articular a metodologia utilizada por Marx com o seu
projeto de sociedade? Como a ciência se relaciona e se aplica na organização social?
É justamente nesse sentido que você, caro aluno, consegue perceber a influência das
contribuições de Marx, que vai além de preocupação puramente econômica ou com
o desenvolvimento da ciência e do conhecimento humano como um todo. Com
os seus escritos, Marx visava, em última instância, a uma ampla revolução social, que
deveria ser realizada por uma mudança lenta e gradual, na qual prescindia-se de uma
ampla conscientização dos trabalhadores sobre a formação da sociedade capitalista
que os levou a condição de explorados nas relações materiais de produção.

Haveria, portanto, a necessidade de uma organização política da classe


trabalhadora, num segundo momento, a começar pela conscientização do processo
histórico, pois, para Marx, é o homem quem faz a sua própria história e a história da
sociedade. Somente assim é possível, segundo a concepção de Marx, a tomada
de poder de Estado organizado pelos trabalhadores, mediante a luta de classes e o
controle dos meios de produção pela classe trabalhadora, para se instaurar a ditadura
do proletariado, derrotando, consequentemente, o Estado burguês. Esta seria uma
etapa transitória conforme os preceitos do socialismo científico, pois, com o passar
do tempo, as classes sociais e o Estado seriam extintos, havendo um momento em
que se chegaria ao comunismo, isto é, uma forma de vida mais justa e igualitária.

Com a divisão social do trabalho buscamos atender às nossas


necessidades, estabelecemos relações de trabalho e maneiras de dividir
socialmente as atividades. Em meio a isso, somos submetidos a uma
ideologia burguesa, que norteia os valores da reprodução social. O
desenvolvimento da produção e seus excedentes deram lugar a uma nova
divisão entre quem administra (diretor ou gerente, burgueses) e quem
executa (operário). Aí está a semente da divisão em classes, que existe
em todas as sociedades modernas. A mecanização revolucionou o modo
de produzir mercadorias mas também colocou o trabalhador como um
apêndice da máquina, pois o trabalho requerido para a produção passa a
ser o trabalho abstrato, realizado por qualquer trabalhador, uma vez que
não era preciso ter conhecimentos específicos (TOMAZI, 2010).

90 Teoria Sociológica do século XX


U3

A busca constante pelo aumento da expansão industrial e do exercício de


dominação política e econômica levou os países capitalistas a buscarem novas
fontes para exploração de matérias-primas, com vistas a alavancar a capacidade
de produção de mercadorias e, consequentemente, ampliar seus mercados. Este
contexto de dominação política e econômica ocorrido no final do século XIX e
início do século XX, denominado de neocolonialismo, desencadeou numa ampla
exploração em regiões da África, da Ásia e da Oceania.

O neocolonialismo estabelecido ao longo do século XIX e início do século


XX foi influenciado e legitimado pelas teorias evolutivas. As potências
capitalistas (especialmente Estados Unidos, França, Alemanha, Reino
Unido e Bélgica) avançaram por quase toda a África, por grandes porções
da Ásia, como os territórios que hoje chamamos de Índia, Paquistão,
Bangladesh, Indonésia, e até por porções da China. Algumas teorias
antropológicas delimitaram a linha de evolução e a noção de progresso
a partir da existência da propriedade privada e da presença do Estado.

Uma especificidade do novo colonialismo fez com que essas regiões, que
tiveram seus recursos gradativamente saqueados pelas potências capitalistas,
também se tornassem locais de consumo das mercadorias produzidas nos países
de industrialização avançada. Isso fez com que esses países se tornassem cada
vez mais ricos, ampliando o abismo no que se refere à distribuição de riquezas no
mundo. Além disso, no interior de seus próprios territórios, os países centrais do
capitalismo intensificaram a produção de mercadorias e a exploração da força de
trabalho, agravando a desigualdade entre as classes sociais.

Em meio a essa política neocolonialista colocada em prática pelos países


industrializados, o legado das contribuições de Marx fomentou inúmeros diálogos
e debates entre intelectuais críticos que analisaram a emergente sociedade
capitalista. A partir da obra de Marx, as bases teóricas partiram de uma perspectiva
em que as contradições inerentes ao modo de produção capitalista prevaleciam
sobre as relações humanas.

E quais foram as consequências para o mundo trazidas com o neocolonialismo?


Como você já deve ter estudado em história, caro aluno, o neocolonialismo
representou a disputa imperialista pelo poder político e econômico entre os países
capitalistas, que resultou numa corrida ávida por matérias-primas em regiões da
África e da Ásia.

Teoria Sociológica do século XX 91


U3

A consequência disso veio a caracterizar no que denominamos de Primeira


Guerra Mundial, quando muitos países lançaram-se em guerra pelos conflitos
políticos e econômicos, em razão dessa disputa imperialista e do enriquecimento
das potências capitalistas. As consequências dessa grande guerra, marcada “pelos
confrontos de trincheira”, geraram uma tremenda destruição sobre o continente
europeu, o epicentro e palco da guerra, levando milhões de pessoas à morte.

Enfim, faz-se muito importante, caro aluno, você compreender que as análises
sociológicas do século XX não surgiram do nada, ou seja, as explicações pautaram-
se pela análise da sociedade da época em que os autores estão inseridos, sendo
consequência das transformações sociais, políticas e econômicas de um contexto
histórico que antecedem e constituem esta sociedade.

No campo da Sociologia crítica, muitos autores, embora com leituras distintas,


desenvolveram correntes dentro do que se denomina de marxismo. Nesta unidade,
vamos examinar as contribuições de Antônio Gramsci e de Louis Althusser. Neste
momento, você será conduzido a compreender alguns aspectos dos estudos dos
problemas sociais examinados por esses autores marxistas no arrolar do século XX.

1. Com o advento da maquinaria e da grande indústria, o espaço


de trabalho definitivamente passou a ser a fábrica, pois era lá
que estavam as máquinas que comandavam o processo de
produção. Nessa fase, todo o conhecimento que o trabalhador
usava para produzir suas peças foi dispensado, ou seja, sua
destreza manual foi substituída pela máquina. Desse modo,
o trabalhador passou a realizar operações fragmentadas,
“parcelares” do processo produtivo como um todo. Houve um
ofensivo capital em relação ao trabalho humano, acarretando
na intensificação da produção.
Assinale a alternativa que corresponde corretamente ao
período acima:
a) A maquinofatura, em meio ao contexto de ampliação da
autonomia do trabalhador organizado em cooperativas,
proporcionou uma harmonia entre o mestre e o aprendiz.
b) A maquinofatura, em meio ao contexto de expansão da
maquinaria e grande indústria, se apresentava como forma de

92 Teoria Sociológica do século XX


U3

trabalho predominante nas grandes cidades do final do século


XIX.
c) Na manufatura era mantida a hierarquia da produção artesanal
entre o mestre e o aprendiz, e o artesão ainda desenvolvia, ele
próprio, todo o processo produtivo, do molde ao acabamento.
d) A manufatura, em meio ao contexto de expansão do capital
e desenvolvimento dos empreendimentos urbanos, aparece
como forma de articular uma relação mútua e complementar
entre capital e trabalho.
e) A pejotização, a terceirização e o trabalho temporário
configuram-se como as tradicionais formas de relações de
trabalho no mercado nesta fase do capitalismo.

2. Por meio do método dialético, Marx analisou a sociedade de


sua época a partir de transformações concretas e de relações
de luta de classes em movimento, não como as coisas isoladas
e estáticas, mas sim a partir do movimento da luta de classes
em curso. Portanto, esse marco histórico de luta de classes

representa a condição de subordinação do trabalho ao capital.


Com base nos conhecimentos sobre o tema, assinale a
alternativa correta:
a) Para Marx, o modo de produção capitalista é regido por leis
que asseguram a sua funcionalidade e coesão social presentes
entre as forças produtivas e as relações de produção.
b) É no âmbito das ações humanas e sociais que Marx
compreende o seu método sociológico, ou seja, a ação
manifestada pelo sujeito que se orienta ao outro.
c) Os fatos sociais representam para Marx a ferramenta
sociológica objetiva de compreender a totalidade da vida social.
d) Para Marx, o modo de produção capitalista é regido por
leis que asseguram as contradições presentes entre as forças
produtivas e as relações de produção.
e) A desigualdade social manifestada pelas lutas de classes
se originam na sociedade capitalista do pós-Segunda Guerra
Mundial.

Teoria Sociológica do século XX 93


U3

Seção 2

As teorias gramscianas e os conceitos de cultura


e hegemonia
Nesta seção, caro aluno, você conhecerá as contribuições de um importante
sociólogo italiano do século XX, Antônio Gramsci (1891-1937). Mas quem foi Gramsci?
Qual é a sua importância no campo do marxismo?

Gramsci participava de forma bastante ativa na política de sua época, escrevendo


seus artigos em jornais críticos nas primeiras décadas do século XX. Ao longo de sua
caminhada, demonstrou sua "visão de mundo” sobre como enxergava a sociedade
moderna e tratou sobre a inserção da Itália neste processo de expansão capitalista,
sobretudo motivada pelo cenário propiciado pela Primeira Guerra Mundial.

Figura 3.2 | Antônio Gramsci

Fonte: Disponível em: <http://www.fanpage.it/torino-la-casa-di-gramsci-diventa-un-albergo-di-lusso/>. Acesso: 29 fev.


2016.

Devido ao seu pertencimento ao partido comunista na época que a Itália estava


sob a liderança do ditador Benito Mussolini no regime fascista, Gramsci foi preso em
1926 e escreveu a sua principal obra nesta fase de sua vida, intitulada de “Os cadernos
do Cárcere”. Este livro resultou num conjunto de textos que foram publicados após
a sua morte.

Neste contexto turbulento de guerras que assolou os países europeus no

94 Teoria Sociológica do século XX


U3

começo do século XX, as análises de Gramsci sobre a Itália e o modelo capitalista de


produção foram considerados de grande importância para o movimento operário
italiano. Gramsci acreditava ser possível uma ampla transformação social pelo bloco
dominado, que deveria ser motivada pelos próprios trabalhadores a partir de uma
consciência construída gradativamente pelo que denomina de intelectual orgânico.
Em relação a este conceito, Gramsci afirma que a ação de pensar é própria do
homem como tal, sendo que, nessa perspectiva, todos os homens são filósofos.
Para Gramsci, é imprescindível o papel do intelectual orgânico, que seria o agente
social capaz de explicar as contradições presentes na hegemonia capitalista.

Com o propósito de identificar possibilidades de realizar uma


reforma intelectual e moral no sentido de educar os grupos
subalternos para elevá-los a um nível superior de civilidade
e superar o dualismo entre governantes e governados,
para conquistar a hegemonia, Gramsci propõe organizar a
cultura, apresentando o esboço da escola unitária. Nessa
perspectiva, dedica grande parte de seu trabalho ao estudo
das concepções de mundo dos grupos subalternos. Estes,
para ele, têm uma concepção mecanicista da história e dos
conflitos na sociedade, principalmente a concepção fatalista
e determinista, como se o modo de superar a exploração do
sistema capitalista adviesse de suas próprias crises. (DORE,
2014, p. 301)

Por isso que a educação a respeito da formação da consciência dos grupos


subalternos sobre a constituição desta sociedade burguesa, marcada pelo
antagonismo de classe, é essencial em sua visão. Nesse sentido, Gramsci analisa
as condições de trabalho dos trabalhadores italianos inseridas num contexto mais
amplo, que envolve as relações de poder e o exercício de dominação política e
econômica.

Desde o fim do século XIX e início do século XX, quando houve a consolidação
da grande indústria com a introdução da maquinaria, aumentou consideravelmente
a produção de mercadorias, como vimos em Marx. É preciso, portanto, relembrar
que as profundas mudanças que existiram nesse período visaram à melhoria do
desenvolvimento industrial e o aumento da produtividade, modificando assim as
características da relação capital e trabalho.

Teoria Sociológica do século XX 95


U3

2.1 As mudanças trazidas com o americanismo e o fordismo na


Europa
A introdução do fordismo na Europa foi acompanhada por amplas mudanças
que foram pensadas conjuntamente com novas formas de gerência colocadas
em prática, com vistas à melhoraria da produtividade e de maior controle sobre
os trabalhadores. Essas profundas mudanças no capitalismo, denominada de
reestruturação produtiva, são pensadas justamente quando ocorre alguma queda
de lucratividade por parte das indústrias ou empresas. As mudanças organizacionais
colocadas em prática neste primeiro momento, foi o taylorismo e o fordismo.

Mas o que significa essas mudanças organizacionais tayloristas/fordistas? A


princípio, caro aluno, você deve perceber que essas novas formas de gerência
visavam, em última instância, à reorganização do processo produtivo, a fim de
otimizar a extração de mais-valia, o que gerou inúmeros impactos sobre a classe
trabalhadora norte-americana e europeia. Essas mudanças estão profundamente
relacionadas ao contexto da Primeira Guerra Mundial e com a crise de lucratividade
capitalista no final da década de 1920, o que levou alguns países europeus à adesão
aos regimes totalitários no período entre guerras.

O taylorismo representa um processo de inovação e de renovação da ferramenta


existente no interior das indústrias, e consiste em alguns aspectos específicos,
como nos mostra Coriat (1976, p. 97): separação do trabalho de concepção e de
execução, ao longo da apropriação do saber operário constantemente incorporado
pela máquina, o que resultou numa exclusão imediata de trabalhadores no processo
produtivo, ou seja, as etapas do trabalho foram fragmentadas em várias operações
simples e rotineiras, bem como os instrumentos parcelados ao máximo possível,
fazendo com que as máquinas se tornassem a base fundamental do processo de
trabalho.

Em linhas gerais, o taylorismo caracteriza-se pela aplicação de um método na


organização gerencial do trabalho nas indústrias, cujos tempos e movimentos eram
controlados e fiscalizados por um gerente ou supervisor, com o objetivo de retirar
cada vez mais das mãos dos trabalhadores o controle da produção e incorporá-lo,
posteriormente, à máquina.

Com isso, os antigos artesãos (que dominavam um saber fazer) puderam ser
gradativamente substituídos por operários menos qualificados e com menor custo.
Há, portanto, um enfraquecimento político da classe trabalhadora nesse contexto, o
que resultou num aumento de lucros e produtividade, de modo geral, perpetuando
assim o controle sobre os trabalhadores e o rebaixamento dos salários.

E quanto ao fordismo, quais são as características? O fordismo surgiu em 1913,


quando H. Ford implementou uma nova organização da produção do trabalho
destinada a fabricar seu veículo a um preço relativamente baixo. Como você já deve

96 Teoria Sociológica do século XX


U3

ter estudado, o fordismo foi desenvolvido nas fábricas de automóveis nos Estados
Unidos, num primeiro momento, servindo depois de modelo para as outras empresas
do mundo. O que fez então Ford de novidade?

Ford aperfeiçoou as técnicas tayloristas pela introdução da linha de montagem


subdividindo todos os níveis a produção do automóvel, desde a chapa de metal
até os últimos ajustes, ligando cada momento da produção através de uma esteira
rolante. Contudo, na fábrica fordista esta produção fragmentada era comportada
dentro de uma mesma planta onde se produzia todas as peças utilizadas e a própria
montagem do carro.

As medidas adotadas por Ford estimulou uma intensa produção em suas


fábricas com o aumento dos salários dos trabalhadores, que passavam a receber
por metas. Além disso, Ford buscou controlar e evitar o alcoolismo propondo
regras de comportamento que iam para além da fábrica. Entretanto, o aspecto mais
importante da inovação trazida pelo fordismo foi um estilo de vida essencialmente
norte-americano (american way of life), que consiste num estímulo de consumo dos
produtos oriundos da produção industrial.

Em outras palavras, Ford inovou no sentido de fomentar a produção em massa


e, junto a isso, estimular em grande medida o consumo em massa, alterando
profundamente as características da relação capital e trabalho. Como você pode
perceber, caro aluno, o fordismo nasceu nos Estados Unidos, num contexto
específico de expansão da industrialização norte-americana, sem as amarras de um
passado atrelado ao antigo regime e com muitas lutas sociais que houveram, como
ocorreu na Europa.

Num contexto onde havia operários extremamente especializados, ou seja, os


grandes mecânicos da fábrica de Ford (GOUNET, 1999), os métodos tayloristas
foram aplicados à indústria automobilística para atender um potencial de consumo
das massas.

O fordismo se apoia em cinco transformações principais (GOUNET, 1999):

1) Produção em massa; racionalização das operações para combater os


desperdícios.

2) A primeira racionalização é o parcelamento das tarefas (tradição taylorista);


o operário faz um número limitado de gesto e não o carro inteiro (o artesão não
precisa mais ser um especialista em mecânica).

3) Criação da linha de montagem. “Uma esteira rolante desfila, permitindo os


operários, colocados um ao lado do outro, a realizar as operações que lhes cabem”.
A linha fixa uma cadência regular mediada pela direção da empresa.

Teoria Sociológica do século XX 97


U3

4) Com o objetivo de reduzir alguns gestos simples, Ford padroniza as peças e,


para isso, compra as firmas que fabricam as peças (integração vertical da produção
e controle direto do processo produtivo).

5) Automatização das fábricas.

Figura 3.3 | A organização de produção fordista

Fonte: primeira <https://pt.wikipedia.org/wiki/Fordismo>. Acesso em: 23 fev. 2016.

Como você perceberá, o tempo de produção de uma mercadoria era


rigorosamente controlado pelos gestores da produção:

Os resultados dessas transformações são, no mínimo,


prodigiosos. A antiga organização da produção precisava de
12:30 horas para montar um veículo. Com o taylorismo, ou seja,
apenas com o parcelamento das tarefas, a racionalização das
operações sucessivas e a estandartização dos componentes, o
tempo cai para 5:50 horas. Em seguida, graças ao treinamento,
para 2:38 horas. Em janeiro de 1914, Ford introduz as primeiras
linhas automatizadas. O veículo é produzido em 1:30 hora, ou
seja, pouco mais de oito vezes mais rápido que no esquema
artesanal usado pelos concorrentes. (GOUNET, 1999, p. 20)

E por falar em concorrentes, Ford dá uma tacada de mestre aumentando os


salários dos funcionários (de 2,5 para 5 dólares). E “apesar do aumento dos custos
salariais, ele consegue baixar o preço dos veículos, seu objetivo para alcançar o
consumo de massas” (GOUNET, 1999, p. 20). Desse modo, os concorrentes não
têm escolhas, e devem se adaptar às soluções fordistas.

98 Teoria Sociológica do século XX


U3

As influências tayloristas-fordistas no trabalho geraram impactos à


classe trabalhadora e à sociedade capitalista norte-americana e europeia
no arrolar do século XX. Relacionam-se a isso os marcos históricos do
período, a Primeira Guerra, a crise capitalista do final da década de 1920,
o período entre guerras e os regimes totalitários, a Segunda Guerra, o
pós-segunda guerra e os “anos gloriosos” do capitalismo e a crise do
fordismo.
Para leitura de aprofundamento, sugerimos a obra “Fordismo e toyotismo:
na civilização do automóvel”, de Thomas Gounet.

Gramsci procurou compreender as características da inserção do fordismo na


Europa, sobretudo na Itália, lugar onde conviveu e acompanhou as condições de
trabalho e as mudanças trazidas a partir dessas características. Gramsci estudou a
inserção do fordismo na Itália em seu livro “Americanismo e Fordismo”, examinando
as características das mudanças organizacionais sobre a indústria automobilística
italiana e as consequências para o mundo do trabalho. Nessas circunstâncias,
Gramsci buscou compreender como isso estava acontecendo em seu país de
origem.

Uma série de problemas que devem ser examinados sob este


título geral e um pouco convencional de “Americanismo e
Fordismo”, depois de se ter levado em conta o fato fundamental
de que as suas soluções são necessariamente formuladas e
tentadas nas condições contraditórias da sociedade moderna,
o que determina complicações, posições absurdas, crises
econômicas e morais de tendência muitas vezes catastrófica,
etc. (GRAMSCI, 1976, p. 375)

Como você pode perceber, Gramsci procurou analisar o conjunto de mudanças


culturais introduzido nas relações sociais, altamente vinculados ao estilo de vida
característico da sociabilidade capitalista burguesa, ou seja, os aspectos relacionados
ao consumismo em larga escala, potencializados principalmente pela produção
industrial, e de altos salários para uma parcela de trabalhadores articulada com uma
cultura do consumo em massa. Ou seja, “um movimento progressista iniciado por
uma determinada força social não deixa de ter consequências fundamentais: as
forças subalternas, que deveriam ser ‘manipuladas’ e racionalizadas de acordo com

Teoria Sociológica do século XX 99


U3

novos objetivos, resistiram inevitavelmente” (GRAMSCI, 1976, p. 376).

E é justamente esta crítica que está presente na obra do Gramsci, apontando os


problemas da introdução do fordismo na Itália. Como você poderá acompanhar
na sequência, o autor analisou as questões relacionadas à racionalização e à
mecanização do trabalho, à sexualidade e ao puritanismo, ao papel do Estado e às
características da civilização europeia (italiana) e americana, na tentativa de explicar
essas mudanças sociais em curso na Europa.

Gramsci faz uma crítica a essa tentativa de conciliação do fordismo na Itália,


pois, segundo o autor, há uma estrutura social anacrônica e demográfica na Europa,
com uma forma extremamente moderna de se produzir as mercadorias, como o
modelo fordista de produção oferecido pelos norte-americanos (GRAMSCI, 1976).
A formação social histórica da Europa, acompanhada por um passado conturbado
com profundas mudanças políticas e de organização da vida social, gerou classes
parasitárias, manifestadas inclusive pela própria administração do Estado, que absorve
essas riquezas e atrapalham no desenvolvimento industrial, na visão do autor.

Podemos perceber, caro aluno, que Gramsci se objetiva em mostrar as


características do fordismo na Europa, comparando com a estrutura econômico-
social de Nápoles, por exemplo, onde essas explicações estão associadas, em tal
medida, “a uma grande parte da história da cidade, repleta de contradições aparentes
e de espinhosos problemas políticos” (GRAMSCI, 1976, p. 379). Diferentemente da
formação do capitalismo dos Estados Unidos2, onde a burguesia industrial sentia-se
livre para atuar e realizar a produção industrial com o apoio e o fomento do Estado.

Em contrapartida, na cidade de Nápoles, como explica Gramsci, existem muitos


imigrantes que chegam de forma mais intensa. Além disso, lá, por exemplo, as
mulheres não estão efetivamente empregadas na produção industrial e a cidade
possui uma quantidade menor da população economicamente ativa, a parcela
da sociedade que gera valor na atividade industrial. Essas características, em seu
conjunto, resultaram na impossibilidade de se introduzir o fordismo na Itália e nos
países europeus de forma mais “intensa”, como ocorreu na América.

A não existência dessas sedimentações parasitárias, deixadas


pelos períodos históricos passados, permitiu uma base sadia
para a indústria, e especialmente para o comércio, e permite

2
Gramsci explica que as experiências fordistas sobre a economia da empresa e a gestão direta no transporte
e no comércio de mercadorias, incorporadas diretamente ao conjunto da produção industrial, teve um
impacto direto no custo da produção, sendo possível o pagamento de maiores salários aos trabalhadores.
Consequentemente, foi possível a redução dos preços de venda dos produtos, o que estimulou diretamente
o consumo de mercadorias, articulando assim a produção e o consumo em massa.

100 Teoria Sociológica do século XX


U3

cada vez mais a redução da função econômica representada pelos


transportes e pelo comércio a uma atividade real subalterna da
produção, ou melhor, a tentativa de incorporar estas atividades à
própria atividade produtiva. (GRAMSCI, 1976, p. 381)

Como você pôde perceber, caro aluno, são essas as condições preliminares
que tornaram possível a realização do fordismo na América, ou seja, houve a
racionalização da produção e do trabalho, combinada com a alta persuasão sobre
a classe subalterna mediante os altos valores pagos e os produtos vendidos a baixo
custo, estimulando o consumo e permitindo que a “nova” empresa capitalista, que
emergia neste início de século, se expandisse em larga escala. A hegemonia, portanto,
afirma Gramsci, “vem da fábrica e, para ser exercida, só necessita de uma quantidade
mínima de intermediários profissionais da política e da ideologia” (GRAMSCI, 1976,
p. 381-2).

Somente assim, segundo Gramsci, foi possível pensar neste “novo tipo humano”
a partir de uma nova concepção de trabalho e produção. Entretanto, no mundo
europeu e, especificamente no contexto histórico italiano, identifica-se uma espécie
de “delírio fordista”, mas que, não tendo as mesmas condições materiais e culturais
da América, assistiu a uma “conversão ao ruralismo e à depressão iluminista da
cidade, a exaltação do artesanato” (GRAMSCI, 1976, p. 383).

No âmbito da superestrutura, o autor faz uma comparação entre as características


sociais dos países, uma vez que, na América, os grupos que disseminam este modo
de sociabilidade capitalista, como o Rotary Club, por exemplo, têm uma inclinação
à propriedade e ao espírito capitalista3 de modo geral, ou seja, os indivíduos de uma
família protestante possuem uma ética capitalista na sua essência, onde é cultivada
nos lares, sendo um aspecto importante na formação da identidade cultural com
uma educação dispendiosa, e, posteriormente, para a posse e acúmulo de capital.

Como vimos, a hegemonia nasce na fábrica fordista, ou seja, é a própria


produção da vida material (estrutura) que determina as outras instâncias ideológicas
da sociedade (as demais superestruturas) de acordo com Gramsci. Essa mudança
cultural, portanto, tem seu ponto de partida na própria fábrica fordista, que determina
as demais esferas das relações sociais.

Outro aspecto importante analisado pelo autor refere-se à questão da sexualidade,

3
A produção sociológica da época permite Gramsci dialogar com Max Weber. O livro “A ética protestante e
o espírito do capitalismo” de Weber tem como objetivo pensar a sociedade moderna capitalista da Europa
Ocidental, em suas características de desenvolvimento econômico, na possibilidade da existência de alguma
relação com o pensamento religioso.

Teoria Sociológica do século XX 101


U3

que é igualmente regulada pela cultura industrial, com vistas a adequar este
trabalhador aos moldes fordistas de produção. Gramsci demonstra sua preocupação
sobre a questão sexual, na qual é um dos aspectos fundamentais para se pensar
também na questão econômica, pois está profundamente relacionada.

O aumento da média da vida na França, com o escasso índice


de natalidade e com as necessidades de fazer funcionar uma
estrutura de produção muito rica e complexa, apresenta hoje
alguns problemas ligados ao problema nacional: as velhas
gerações vão estabelecendo uma relação cada vez mais
anormal com as jovens gerações da mesma cultura nacional,
e as massas trabalhadoras acusam uma presença cada vez
maior de imigrantes estrangeiros que modificam a sua base.
(GRAMSCI, 1976, p. 391)

Gramsci adverte que há uma relação entre a baixa natalidade em muitas cidades
industriais com a fecundidade das pessoas, devendo haver uma assimilação das
novas mudanças com a vida na indústria, que, por sua vez, exige um processo de
adaptação para essas novas condições de trabalho, de nutrição, de habitação e
de costumes ofertados pelas mudanças em tela (GRAMSCI, 1976). Essa é uma das
razões para uma considerável despesa para a capacitação dos “novos não urbanos”,
e que altera, em grande medida, a composição social e política da cidade.

Assim, diante das mudanças sobre o comportamento sexual dos habitantes de


uma cidade, o autor coloca em discussão a respeito da formação de uma nova
personalidade feminina, acompanhada pelas mudanças culturais trazidas no início
do século XX, pois, “enquanto a mulher não alcançar não só uma real independência
diante do homem, mas também um novo modo de conceber a si mesma e a sua
parte nas relações sexuais, a questão sexual permanecerá rica de aspectos doentios”
(GRAMSCI, 1976, p. 391).

Deve-se destacar o relevo com que os industriais se


interessavam pelas relações sexuais dos seus dependentes e
pela acomodação de suas famílias; a aparência de ‘puritanismo’
assumida por este interesse (como no caso do proibicionismo)
não deve levar a avaliações erradas; a verdade é que não
é possível desenvolver o novo tipo de homem solicitado
pela racionalização da produção e do trabalho, enquanto o
instinto sexual não for absolutamente regulamentado, não for
também ele racionalizado”. (GRAMSCI, 1976, p. 392)

102 Teoria Sociológica do século XX


U3

Há, portanto, uma preocupação em adequar e regulamentar o trabalhador aos


padrões da indústria fordista moderna, e a questão da sexualidade é entendida como
um aspecto importante de se organizar as relações sociais. É parte da racionalização
de um processo organizacional nos moldes do “americanismo e fordismo”, que
corresponde a uma cultura de produção e de consumo em larga escala, sob os
preceitos norte-americanos, com vistas a otimizar a cadeia produtiva do setor
automobilístico, para, consequentemente, levar à obtenção de lucratividade pela
indústria.

2.2 O americanismo e fordismo e a hegemonia burguesa

Na América, há uma estreita ligação entre a racionalização do trabalho e o


proibicionismo como parte das mudanças em curso, em que “os inquéritos dos
industriais sobre a vida íntima dos operários, os serviços de inspeção criados por
algumas empresas para controlar a 'moralidade' dos empresários são necessidades
do novo método de trabalho" (GRAMSCI, 1976, p. 398).

É nesse sentido que você pode perceber como o fordismo, através de seus
administradores e gestores, inovou no sentido de racionalizar toda a produção,
uma vez que o trabalhador fora pensado para além do espaço físico e temporal da
fábrica. De forma diferente do taylorismo, o trabalhador fordista foi pensado como
um ser complexo, não apenas a partir de suas características físicas voltadas para a
operação da máquina.

Taylor exprime com o cinismo brutal o objetivo da sociedade


americana desenvolver ao máximo no trabalhador as atitudes
maquinais e automáticas, romper o velho nexo psicofísico do
trabalho profissional qualificado, que exigia uma determinada
participação ativa da Inteligência, da fantasia, da iniciativa
do trabalhador, e reduzir as operações produtivas apenas ao
aspecto físico maquinal. (GRAMSCI, 1976, p. 397)

Não era mais possível, como observa Gramsci em relação ao taylorismo, otimizar a
produção de mercadorias, apenas racionalizando as etapas do processo operacional
nas máquinas. Não era mais possível pensar o trabalhador em relação à execução
de tarefas bem definidas, como uma espécie de check list a ser seguido, definindo
o papel do trabalhador como uma própria “máquina” no interior do funcionamento
orgânico da indústria moderna.

Em Ford, na indústria americana, há uma distinção significativa que veio aprimorar

Teoria Sociológica do século XX 103


U3

o processo produtivo como um todo. Houve a preocupação com os aspectos


psicológicos do trabalhador, uma vez que suas condições mentais e de saúde se
tornaram elementos importantes para a administração da empresa. O trabalhador,
como parte essencial da produção, é racionalizado de maneira mais totalitária,
envolvendo as múltiplas dimensões de sua vida social.

O industrial americano preocupa-se em manter a continuidade


da eficiência física do trabalhador, da sua eficiência muscular
nervosa; é do seu interesse ter um quadro de trabalhadores
estável, um conjunto permanentemente afinado, porque
também o complexo humano (o trabalhador coletivo) de uma
empresa é uma máquina que não deve ser desmontado com
frequência e ter suas peças renovadas constantemente sem
perdas ingentes. (GRAMSCI, 1976, p. 397-8)

O trabalhador é parte de um conjunto amplo, e suas ações dependem


diretamente de como se comporta em sua coletividade, como podemos perceber
com as mudanças culturais trazidas com o americanismo e fordismo. Há, portanto,
uma intensa preocupação com a possibilidade de melhorar o rendimento deste
“novo trabalhador” intrinsecamente interligado com as mudanças culturais na forma
de vida que vão além do interior da indústria.

Além dessas características, Gramsci observa que o americanismo e fordismo


inovam no sentido de estimular ainda mais a produção, incentivando alguns
trabalhadores com altos salários, sobretudo para aqueles mais aptos a se adequarem
ao ritmo do trabalho na produção industrial. Este trabalhador mais apto serve como
referência para outros trabalhadores o seguirem, e “toda a ideologia fordiana dos altos
salários é um fenômeno derivado de uma necessidade objetiva da indústria moderna
altamente desenvolvida, e não um fenômeno primário” (GRAMSCI, 1976, p. 405).

O chamado alto salário é um elemento que depende desta


necessidade: ele é instrumento para selecionar os trabalhadores
aptos para o sistema de produção e de trabalho e para manter
a sua estabilidade. Mas o salário elevado é uma arma de dois
gumes: é preciso que o trabalhador gaste ‘racionalmente’
a maior quantidade de dinheiro, para manter, renovar e,
possivelmente, aumentar a sua eficiência muscular nervosa, e
não para destruí-la ou diminuí-la. (GRAMSCI, 1976, p. 398)

104 Teoria Sociológica do século XX


U3

Os altos salários que são pagos por Ford na indústria americana, como adverte
Gramsci (1976), são mais altos comparados com a média salarial dos salários
dos demais trabalhadores americanos. Somente assim é possível compreender
as características desse modelo de produção sob a ótica gramsciana. O autor
identificou as múltiplas dimensões dessa profunda mudança cultural trazida com o
americanismo e o fordismo e as preocupações dos gestores com a vida social do
trabalhador, de modo mais amplo e interligado com um “melhor” aproveitamento de
suas atividades no momento em que está trabalhando e gerando valor.

O novo industrialismo representa, portanto, um conjunto de mudanças sobre


a cultura organizacional no interior da própria indústria, na qual se objetivava a
otimizar a produção industrial a partir da intensificação do trabalho. Por outro lado,
o fordismo traz consigo um conjunto de mudanças culturais sobre o modo de
vida do trabalhador, alinhando com os objetivos da empresa e o que se espera do
trabalhador quanto ao seu comportamento e à forma como leva a vida.

Percebe-se claramente que o novo industrialismo pretende a


monogamia, exige que o homem-trabalhador não desperdice
as suas energias nervosas na procura desordenada e excitante
da satisfação sexual ocasional: o operário que vai ao trabalho
depois de uma noite de ‘desvarios’ não é um bom trabalhador, a
exaltação profissional não está de acordo com os movimentos
cronometrados dos gestos produtivos ligados aos mais
perfeitos processos de automação. (GRAMSCI, 1976, p. 399)

Em meio a esse contexto de intensa industrialização, podemos perceber que


o pensamento de Gramsci se insere no marxismo a partir do reconhecimento do
materialismo histórico dialético como ponto de partida metodológico, ou seja,
a sociedade está pautada pela luta de classes. O autor trabalha com o conceito
de hegemonia, que seria uma estrutura ideológica burguesa predominante na
sociedade, articulada com o Estado, utilizada como meio de dominação na
sociedade capitalista.

E como se dá essa dominação burguesa na sociedade capitalista para Gramsci?


A hegemonia é um conceito utilizado para explicar como ocorre o exercício de
dominação burguesa, que está presente na sociabilidade cotidiana, no acordo
comum que rege a vida dos indivíduos.

A hegemonia presente consiste numa espécie de movimento cultural que visa,


em última instância, preservar a unidade ideológica de todo o bloco social, proferida
pela hegemonia dominante, ou seja, a “hegemonia cultural” resulta numa forma de
educação e modo de comportamento presente nas escolas, nas igrejas e nos meios

Teoria Sociológica do século XX 105


U3

de comunicação de massa. Em outras palavras, a hegemonia dominante educa a


hegemonia subalterna, formando uma coesão entre as classes sociais, resultando
num projeto burguês de sociedade.

A noção de hegemonia propõe uma nova relação entre


estrutura e superestrutura e tenta se distanciar da determinação
da primeira sobre a segunda, mostrando a centralidade das
superestruturas na análise das sociedades avançadas. Nesse
contexto, a sociedade civil adquire um papel central, bem
como a ideologia, que aparece como constitutiva das relações
sociais. (ALVES, 2010, p. 71)

Para Gramsci, há a necessidade de uma contra hegemonia, uma maneira de


refletir (educação e cultura) criticamente a partir do antagonismo pautado na luta
de classes entre trabalhadores e burgueses. A contra hegemonia, afirma Gramsci,
deveria surgir no interior das massas, isto é, a classe trabalhadora. Quem deveria
encabeçar essa organização? Para o autor, seria o partido político, de essencial
relevância para realizar a mudança social. O partido político seria instrumentalizado
pelo intelectual orgânico, fundamental na mediação do sujeito (em classe) e a
sociedade com o todo social.

1. O industrial norte-americano Henry Ford (1863-1947) se


utilizou de todas as técnicas gerenciais introduzidas por Taylor
e a elas somou outras. Sobre o fordismo é correto afirmar:
a) Foi um conjunto de propostas a aplicação de princípios
científicos que visavam somente à organização do processo
de trabalho, buscando maior racionalização do processo
produtivo.
b) Fazendo referência a Henry Ford, o fordismo foi uma
forma de organização da produção, implantada na fábrica de
automóveis de Ford, e este modelo seria seguido por muitas
outras indústrias, marcando uma nova etapa na produção
industrial.

106 Teoria Sociológica do século XX


U3

c) Desenvolvida por Frederick Taylor, foi a organização da


produção em linhas de montagem, se caracterizando pela
produção em massa.
d) Um movimento organizado pelos trabalhadores da indústria
Ford, que reivindicavam por melhores salários e condições de
trabalho.
e) O fordismo caracterizou uma mudança significativa na forma
de organização do trabalho com a introdução da esteira rolante,
pois facilitou os tempos e movimentos dos trabalhadores no
processo da produção.

2. O filósofo Antônio Gramsci foi um dos grandes pensadores


do século XX, que refletiu sobre as características da formação
social na Itália na década 1920 e suas profundas transformações
sociais decorrentes da expansão capitalista, com a introdução
de novos métodos produtivos. Com base nos conhecimentos
sobre o Gramsci, é correto afirmar:
a) A política industrial italiana desenvolveu uma reorganização
do processo produtivo ao longo da década de 1920, inspirando
outras economias capitalistas a adotarem tal modelo.
b) Para Gramsci, o novo industrialismo representa um conjunto
de mudanças sobre a cultura organizacional no interior da
própria indústria, na qual colocou os trabalhadores mais aptos
no controle da produção.
c) As novas formas de gerência visavam a uma reorganização
do processo produtivo, retirando a maioria dos operários de
ofício do interior da fábrica, pois, nesse contexto, marcado por
uma gradativa substituição do trabalhador pela máquina.
d) Uma das características do americanismo e fordismo
consiste no estímulo da produção a partir do incentivo de
alguns com altos salários àqueles mais aptos na adequação do
ritmo da produção, pois este servia de referência para outros
trabalhadores.
e) As mudanças culturais sobre a forma organizacional trazida
com o americanismo e o fordismo se restringiram apenas
ao âmbito da própria indústria, onde houve uma ampla
intensificação na produtividade.

3. Qual é a contribuição de Gramsci no estudo sobre as


mudanças culturais trazidos com o americanismo e fordismo
introduzidos na Itália no começo do século XX?

Teoria Sociológica do século XX 107


U3

Seção 3

As reflexões de Althusser sobre a escola como


reprodutora do modo de produção capitalista e
a ideologia
Louis Althusser (1918-1990) foi um filósofo francês que conviveu com os problemas
sociais europeus ao longo do século XX. Mas qual foi a contribuição desse autor?
Por que é um autor importante para o marxismo e o pensamento crítico do século
XX? Althusser foi considerado um importante pensador que buscava compreender
as estruturas de dominação capitalista e a engrenagem de sua reprodução.

Figura 3.4 | Louis Althusser

Fonte: Disponível em: <http://douglaslain.net/instruction-3-kirk-kill-television-watch-landru/althusser/>. Acesso: 29 fev. 2016.

Neste momento, vamos compreender como Louis Althusser procurou explicar


as contradições da sociedade capitalista presente em suas obras e como ocorre a
reprodução das condições de produção em suas teorias.

Althusser inicia suas análises colocando em questão a reprodução das condições


de produção. Toda formação social existente surge de um modo de produção
dominante, e o seu processo de produção coloca em movimento as forças
produtivas existentes sob a vigência de relações de produção definidas, de acordo
com Althusser (2004). Em sua concepção, para que se produza a formação social,
deve-se reproduzir as condições de sua produção, ou seja, reproduzir as forças
produtivas e as relações de produção existentes. Nesta seção, você perceberá

108 Teoria Sociológica do século XX


U3

que Althusser se objetiva em analisar a estrutura da sociabilidade capitalista e sua


reprodução, a engrenagem do funcionamento da sociedade como um todo.

3.1 O capitalismo e a reprodução das condições de produção

A análise sociológica de Althusser parte da perspectiva de Marx em que a produção


se torna possível caso seja assegurada a reprodução das condições de produção.
Segundo Althusser, a reprodução das condições materiais de produção somente
se realiza pela reprodução das condições de produção e da força de trabalho, que
mantém a engrenagem da estrutura capitalista e sua ideologia.

Quanto à reprodução dos meios de produção, Althusser apoia-se em Marx para


explicar que não existe qualquer produção possível sem que seja assegurada a
reprodução das condições materiais de produção. E, assim, portanto, mostra que
não é somente na empresa que ela existe nas suas condições reais, uma vez que ela
transcende para outras dimensões das relações sociais existentes.

Como categorias sociológicas explicativas, a reprodução da força de trabalho


se distingue das forças produtivas dos meios de produção, segundo Althusser, pois
a qualificação da força de trabalho é a condição necessária para a reprodução das
forças produtivas. Esta é, portanto, a preocupação conceitual de Althusser, na qual
procura explicar como ocorre a reprodução da sociabilidade burguesa. Althusser
realiza alguns questionamentos que você também deve estar se fazendo: mas como
se assegura então a reprodução da força de trabalho?

Primeiramente, é preciso saber que Althusser parte do conceito de capital


variável4 de Marx para desenvolver suas explicações e mostrar que a reprodução
da força de trabalho orienta-se pelo salário, representado como meio material para
essa reprodução (ALTHUSSER, 2004), e não como uma condição de reprodução
material da força de trabalho. Ou seja, para Althusser, o salário é uma forma de
capital aplicado em mão de obra.

O salário é, portanto, indispensável para a realização da vida do trabalhador, a fim


de que o mesmo possa morar, se alimentar, se vestir etc. Nesse sentido, o salário é
fundamental para a reprodução da força de trabalho. O trabalho humano qualitativo,
sob a ótica do capital, é percebido como força de trabalho, na qual pode ser vendida,
diminuída, aumentada ou trocada. E, no contexto do modo capitalista de produção,
o valor do trabalho humano qualitativo pode ser trocado por dinheiro.

Capital variável é o valor da produção gasto com o pagamento da força de trabalho.


4

Teoria Sociológica do século XX 109


U3

Porém, não basta assegurar à força de trabalho as condições


materiais da sua reprodução, para que ela seja reproduzida
como força de trabalho. Dissemos que a força de trabalho
disponível devia ser ‘competente’, isto é, apta a ser posta a
funcionar no sistema complexo do processo de produção. O
desenvolvimento das forças produtivas e o tipo de unidade
historicamente constitutivo das forças produtivas num
momento dado produzem o seguinte resultado: a força de
trabalho deve ser (diversamente) qualificada e, portanto,
reproduzida como tal. Diversamente: segundo as exigências
da divisão social-técnica do trabalho, nos seus diferentes
‘postos’ e ‘empregos’. (ALTHUSSER, 2004, p. 20)

E como se assegura a reprodução da qualificação da força de trabalho no


capitalismo? Althusser faz esses questionamentos para demonstrar que, no
capitalismo, a reprodução da qualificação assegura-se cada vez mais fora da
produção material em si, ou seja, se realiza em outras instituições que norteiam a
vida social. É justamente nesse sentido que Althusser explica que não é somente
no interior da empresa que se realiza a reprodução da força de trabalho, isto é, a
reprodução se realiza substancialmente fora da empresa.

Como assim se realiza fora da empresa? Nessa perspectiva, Althusser explica


que o que assegura a reprodução da força de trabalho são os próprios Aparelhos
Ideológicos do Estado, sobretudo pelo sistema escolar capitalista e outras instituições
que amalgamam a vida social do trabalhador, como as demais instituições sociais,
como a igreja, a escola etc. Mas, por que a escola? O que se aprende na instituição
escolar?

(...) Vai-se mais ou menos longe nos estudos, mas de qualquer


maneira, aprende-se a ler, a escrever, a contar, - portanto
algumas técnicas, e ainda muito mais coisas, inclusive
elementos (que podem ser rudimentares ou pelo contrário
aprofundados) de ‘cultura científica’ ou ‘literária’ diretamente
utilizáveis nos diferentes lugares da produção (uma instrução
para os operários, outra para os técnicos, uma terceira para
os engenheiros, uma outra para os quadros superiores, etc.).
Aprendem-se, portanto, ‘saberes práticos’ (des ‘savoir loire’).
(ALTHUSSER, 2004, p. 20-1)

110 Teoria Sociológica do século XX


U3

No contexto em que a escola está inserida, a instituição de ensino tem como


objetivo ensinar as normas do bom comportamento, isto é, valores e maneiras de
se comportar para que o trabalhador seja subserviente em seu local de trabalho.
A escola, então, tem como objetivo ensinar a reprodução da força de trabalho na
indústria capitalista e a submissão às regras estabelecidas e à ideologia dominante.

Em outras palavras, a reprodução da força de trabalho requer não apenas uma


reprodução de sua qualificação mas também, concomitantemente, uma reprodução
da capacidade de manipular corretamente à ideologia para os agentes da exploração
e da repressão, assegurando o domínio da classe dominante (ALTHUSSER, 2004).

A escola, ao lado dos demais aparelhos ideológicos, como o exército e a igreja,


ensinam a "habilidade", mas sob formas que assegurem a sujeição à ideologia
dominante. Ou seja, é sob as formas da sujeição ideológica que se assegura a
reprodução da qualificação da força de trabalho. A sujeição à ideologia dominante
nada mais é do que o domínio de sua própria prática, na qual todos os agentes
(produção, exploração, repressão) são os “profissionais da ideologia dominante”.
Esses agentes atuam no sentido de unir as tarefas e desenvolver um exercício de
dominação política e econômica de forma conjunta.

Enfim, de acordo com o autor, a reprodução da qualificação do trabalho qualitativo


é acompanhada pela reprodução de sua submissão à ideologia dominante. Neste
momento, iremos elencar as formas de reprodução das forças produtivas, a partir
do raciocínio althusseriano. Em seguida, trataremos a questão da reprodução das
relações de produção.

3.2 Os Aparelhos Ideológicos do Estado (AIEs)

Como você pôde perceber, estudamos até aqui as formas de reprodução das
forças produtivas, que consistem na reprodução dos meios de produção de um
lado, e da força de trabalho de outro. Entretanto, seguindo a explicação de Althusser,
somos conduzidos a analisar a reprodução das relações de produção, pois é uma
questão crucial para a teoria marxista.

Althusser nos propõe a fazer uma digressão, ou seja, um desvio momentâneo


do assunto sobre o qual se fala ou escreve, para levantar uma velha e primordial
questão: o que é uma sociedade? Para responder a isso, a análise dos conceitos
marxianos de infraestrutura e de superestrutura fazem-se necessários para responder
esta questão. Foi Marx quem concebeu a estrutura social como algo constituído por
dois níveis articulados numa determinação específica, isto é: a Infraestrutura, ou base
econômica, que é a unidade das forças produtivas e das relações de produção; e
a superestrutura, que consiste em dois níveis ou instâncias: uma jurídico-política (o
direito e o estado) e outras instâncias ideológicas (as ideologias religiosas, ética, legal,

Teoria Sociológica do século XX 111


U3

política etc.) ( ALTHUSSER, 2004).

Vamos imaginar um edifício, pelo raciocínio de Althusser, para desvendar e


fazer a correta separação entre infra e superestrutura. Neste edifício, se erigem dois
"andares" da superestrutura. O leitor deve saber, por experiência e observação, que
o último andar de um edifício não pode se sustentar pairando no ar. Isto é, faz-se
necessário abstrair e simplificar o problema. O último andar de um prédio não pode
se sustentar se não tiver, por baixo de si, algo que sustente sua base. Althusser diz
que "o objetivo da metáfora do edifício, é, antes de tudo, representar a determinação
em última instância pela base econômica" (ALTHUSSER, 2004, p. 27).

Isso nos leva a concluir que o que acontece no último andar, ou seja, na
superestrutura, é determinado pelo que ocorre na base econômica5. Os andares
da superestrutura não são determinantes, mas são determinados pela eficácia de
base. Althusser chama esse fenômeno de índice de eficácia, que é pensado na teoria
marxista de duas formas:

I. Há uma autonomia relativa da superestrutura em relação à base.

II. Há uma ação recíproca da superestrutura sobre a base.

Figura 3.5 | A metáfora do edifício de Louis Althusser

Althusser e a metáfora do edifício

Ideológica
(diferentes ideologias:
religiosa, ética, legal,
política, etc.)
Superestrutura

Jurídico-Política
(o direito e o Estado)

Infraestrutura ou base
Infraestrutura econômica (unidade
das f. produtivas e das
relações de prod.)

Fonte: O autor.

Althusser analisa o que é essencial da natureza da estrutura do modo de produção


capitalista:

5
Althusser parte da explicação de Marx na análise da estrutura social como algo constituído por dois níveis,
articulados numa determinação específica.

112 Teoria Sociológica do século XX


U3

A partir da reprodução, acreditamos, é possível e necessário


pensar aquilo que caracteriza o essencial da existência e da
natureza da superestrutura. Adotando-se o ponto de vista
da reprodução, esclarecem-se imediatamente muitas das
questões que a metáfora espacial do edifício havia mostrado
existir, mas às quais ela não podia dar uma resposta conceitual.
(ALTHUSSER, 2004, p. 110)

A metáfora do edifício permanece aqui como ferramenta descritiva dos


fenômenos, devendo ser superada. Ou seja, Althusser afirma que é necessário pensar
aquilo que caracteriza o essencial da existência e da natureza da superestrutura:
buscar entender a força motriz da reprodução da ideologia dominante pela
superestrutura. Dessa forma, o autor procura analisar na sequência, o Estado, o
Direito e a Ideologia.

3.2.1 O Estado

Como se sabe, Marx e os pensadores de tradição marxista que deram


prosseguimento às suas ideias concebiam o Estado como instrumento de
dominação de uma classe sobre a outra, refletindo a dominação da burguesia sobre
a classe trabalhadora. Entretanto, para Althusser, o Estado é, antes de qualquer coisa,
aparelho de Estado.

E o que significa o termo Aparelho de Estado? Significa não apenas o aparelho


específico que compreendemos graças às práticas jurídicas, como a polícia, os
tribunais, os presídios, mas também é o exército, que intervém diretamente como
força repressora suplementar ou auxiliar em última instância.

Nesse sentido, quando a polícia e seus auxiliares repressores são surpreendidos


por algo que escapou de seu controle, como uma revolta popular caracterizada
como "distúrbio" social, é entendido pelos capitalistas como algo anormal dentro
do "corpo social". A anormalidade é compreendida como anomalia que precisa
ser contida para o "normal" funcionamento da ordem social. O Estado, portanto, é
concebido como um aparelho repressor.

Teoria Sociológica do século XX 113


U3

Figura 3.6 | Atuação policial e a repressão durante a ditadura militar no Brasil

Fonte: Disponível em: <https://sustentabilidadeedemocracia.wordpress.com/2014/12/13/hoje-e-dia-de-luto-em-


homenagem-as-vitimas-dos-crimes-praticados-pela-ditadura/>. Acesso em: 03 mar. 2016.

Althusser explica que a teoria descritiva da teoria marxista de Estado é uma


primeira fase de qualquer teoria, e, portanto, transitória. Nesse sentido, explica ser
essencial a teoria marxista do Estado, mas parcialmente descritivo, que esclarece
brilhantemente o Estado e os seus aparelhos repressivos, levando a ditadura da
burguesia.

Diremos com efeito que a teoria descritiva do Estado é correta,


dado que podemos perfeitamente fazer corresponder à
definição que ela dá do seu objeto a imensa maioria dos factos
observáveis no domínio a que ela se refere. Assim, a definição
do Estado como Estado de classe, existente no aparelho de
Estado repressivo, esclarece de uma maneira fulgurante todos
os fados observáveis nas diversas ordens da repressão sejam
os seus domínios quais forem: dos massacres de Junho de 48
à Comuna de Paris, do sangrento Domingo de Maio de 1905
em Petrogrado, da Resistência de Charonne, etc... às simples
(e relativamente anódinas) intervenções de uma ‘censura’
que proíbe a Religiosa de Diderot ou uma peça de Gatti sobre
Franco; ela esclarece todas as formas directas ou indirectas de
exploração e de extermínio das massas populares (as guerras
imperialistas); ela esclarece a subtil dominação quotidiana em
que está brutalmente presente, por exemplo nas formas da
democracia política, aquilo a que Lenine chamou depois de
Marx, a ditadura da burguesia. (ALTHUSSER, 2004, p. 34-35)

114 Teoria Sociológica do século XX


U3

O Estado não tem lógica a não ser em função de seu poder, denominado
de poder estatal. A luta política das classes dominantes e das classes dominadas
estão no entorno da luta pelo Estado. Desse modo, Althusser aponta que, por um
lado, tem-se o objetivo da luta política de classes, que gira em volta do Estado, e,
por outro lado, o Aparelho de Estado, ou seja, a sua estrutura.

O Aparelho de Estado seria a máquina estatal propriamente dita. A luta de


classes, portanto, consiste na tomada de poder estatal e o uso do aparelho
de Estado. Como você já percebeu em outros estudos, o objetivo da classe
trabalhadora é de substituir o aparelho de Estado capitalista, em seguida,
constituir um aparelho de Estado com os interesses da classe trabalhadora, e,
por fim, destruí-lo.

Na perspectiva marxista, o Estado burguês só se torna possível mediante a


contradição existente entre as classes no seio da sociedade. Como você pode
perceber, a permanência do modelo burguês de vida, reproduzida pelos aparelhos
repressivos do Estado, atua no sentido de equacionar e resolver os conflitos
sociais, mas sem deixar de preservar o modelo capitalista de produção. O Estado,
aparentemente, aparece como "árbitro" da contradição existente entre as classes
sociais, entretanto, através de sua aparente neutralidade e justiça social, atua de
forma posicionada e se articula defendendo os interesses da classe dominante,
em sua essência.

Nessas circunstâncias, Althusser nos orienta a fazer uma distinção entre o


poder estatal e o aparelho de estado. Por não terem sistematizado sob forma
teórica os avanços decisivos contidos nas experiências e métodos, Althusser
faz uma crítica aos clássicos marxistas, que examinaram “o Estado como uma
realidade mais complexa do que a definição que dele se dá na ‘teoria marxista do
Estado’” (ALTHUSSER, 2004, p. 41). É justamente esta a sua contribuição teórica,
pois o autor acrescenta um aspecto importante sobre a teoria marxista de Estado.

É nesse momento que o autor propõe a sua tese. Para Althusser, é preciso
considerar não apenas a distinção entre poder estatal e aparelho de Estado, mas
uma outra realidade localizada ao lado do aparelho repressivo do Estado, que é
diferente dele. Essa realidade a que Althusser está se referindo é denominada de
Aparelhos Ideológicos de Estado. De acordo com Althusser, os AIEs consistem
num “certo número de realidades que se apresentam ao observador imediato
sob a forma de instituições distintas e especializadas”.

Teoria Sociológica do século XX 115


U3

Vejamos na tabela a seguir os Aparelhos Ideológicos de Estado e os exemplos


trazidos por Althusser:

Aparelhos Ideológicos de Estado Exemplo


Religioso Sistema das diferentes Igrejas
Escolar Sistema das diferentes escolas, sejam elas públi-
cas ou particulares
Familiar Família
Jurídico Legislação
Político Inclui-se distintos partidos
Informação Os meios de comunicação em massa
Cultural Literatura, artes, esportes.

Para ilustrar como exemplo a teoria de Althusser, vamos à imagem de uma Igreja,
que é a representação do Aparelho Ideológico Religioso, segundo a concepção do
autor.

Figura 3.7 | O Aparelho Ideológico Religioso: o Papa em cerimônia da Igreja Católica

Fonte: Disponível em: <https://sacrificiovivoesanto.wordpress.com/2011/11/10/a-necessidade-da-igreja-catolica-e-a-


importancia-da-igreja-catolica/>. Acesso em: 02 mar. 2016.

116 Teoria Sociológica do século XX


U3

Este exercício de dominação ideológica está presente nas diversas esferas da


vida humana, segundo Althusser. E é justamente nesse sentido que compreender
a forma como esses Aparelhos Ideológicos de Estado presentes na formação dos
trabalhadores, desde os primeiros contatos com o processo de socialização, se
torna interessante na preocupação de Althusser.

3.3 A escola como Aparelho Ideológico de Estado dominante


Para abordamos esta subseção, vamos, inicialmente, esclarecer a diferença
entre os Aparelhos Ideológicos de Estado e o Aparelho Repressivo de Estado.
Para responder a esta questão, Althusser faz duas considerações: a primeira, é
que o aparelho repressivo de Estado funciona “pela violência”, ao passo que os
Aparelhos Ideológicos de Estando funcionam essencialmente pela ideologia.
Há, assim, portanto, um duplo funcionamento. A segunda consideração é que
nos aparelhos ideológicos de Estado ocorre a luta de classes, sendo essencial
retomar a distinção que faz entre poder estatal com aparelho de Estado, que
compõe o aparelho repressivo e os aparelhos ideológicos de Estado.

De acordo com o raciocínio de Louis Althusser, existe um Aparelho Estatal, que


é público, e vários aparelhos ideológicos, que podem ser públicos ou privados.
Como você viu, o aparelho estatal exerce seu domínio por distintas formas de
violência, sejam administrativas ou físicas, através da repressão e do uso da
força; enquanto que, o aparelho ideológico de Estado funciona pela influência
ideológica, com reflexos sobre a classe social dominada.

Da mesma maneira, mas inversamente, devemos dizer que,


em si mesmos, os Aparelhos Ideológicos de Estado funcionam
de um modo massivamente prevalente pela ideologia) embora
funcionando secundariamente pela repressão, mesmo que
no limite, mas apenas no limite, esta seja bastante atenuada,
dissimulada ou até simbólica. (Não há aparelho puramente
ideológico). Assim a escola e as Igrejas ‘educam’ por métodos
apropriados de sanções, de exclusões, de selecção, etc., não
só os seus oficiantes, mas as suas ovelhas. Assim a Família...
Assim o Aparelho IE cultural (a censura, para só mencionar
esta) etc. (ALTHUSSER, 2004, p. 47)

Teoria Sociológica do século XX 117


U3

E como se assegura a reprodução das relações de produção? Para Althusser


(2004), a reprodução das relações de produção é assegurada pela superestrutura
jurídico-política e ideológica, ou seja, pelo exercício do poder estatal nos
aparelhos de Estado, de um lado, o Aparelho (Repressivo) de Estado, e de outro,
os Aparelhos Ideológicos de Estado.

O papel do aparelho repressor do Estado, portanto, consiste em assegurar,


através do uso da força, as condições políticas de reprodução, com vista a
manutenção de uma relação de exploração. Há, desse modo, uma intermediação
da ideologia dominante que assegura uma “harmonia” presente na vida social.

Todos os aparelhos Ideológicos de Estado, sejam quais forem, contribuem


para um mesmo resultado: a reprodução das relações de produção. A reprodução
das relações de produção não tem, segundo Althusser, uma existência ideal ou
espiritual, mas ela se manifesta na materialidade, no mundo concreto. Não existe
ideologia a não ser na prática, ou seja, existe pelo e para os sujeitos.

Nesses termos, a ideologia não encontra correlação com o ideal, como


ideia (conceito), mas nas formas materiais que refletem a existência de seu
funcionamento. A ideologia não tem um exterior (para si mesma), mas ela não
é nada sem o exterior, sem a prática do cotidiano no qual ela se materializa
nas relações sociais. Não são os Aparelhos Repressivos do Estado detentores
das forças repressivas que mantêm o domínio puro e simples, a opressão e
subordinação da classe proletária.

Os Aparelhos Ideológicos de Estado são os elementos responsáveis por


legitimar a dominação da classe detentora dos meios de produção. O Estado
entra em cena com a sua força repressiva. Os aparelhos ideológicos de Estado,
com a força do consenso. Por isso, a família, a justiça, o sistema político, o sindical,
os meios de comunicação (imprensa, rádio, televisão) e o cultural, a escola e as
religiões, na condição de aparelhos ideológicos de Estado, são os mantenedores,
os legitimadores das ideias dominantes de um certo período histórico.

Nos tempos que antecedem, como as vivenciadas pelas organizações


feudais, a Revolução Francesa e a Revolução industrial, o principal aparelho
ideológico do Estado nessas sociedades era a Igreja, sendo substituída, com o
passar do tempo, decorrentes da emergência do capitalismo e pela necessidade
de se inserir um aparelho ideológico alinhado com a educação e a formação
das pessoas para o processo de produção. Nesse contexto de racionalização da
ciência aplicada nas organizações de produção, o aparelho ideológico escolar
se tornaria hegemônico.

118 Teoria Sociológica do século XX


U3

É por isso que nos julgamos autorizados a avançar a tese


seguinte com todos os riscos que isso comporta: pensamos
que o Aparelho Ideológico e Estado colocado em posição
dominante nas formações capitalistas maduras, após uma
violenta luta de classes política e ideológica contra o antigo
Aparelho Ideológico de Estado dominante, é o Aparelho
Ideológico Escolar. (ALTHUSSER, 2004, p. 60)

Com a emergência do modo capitalista de produção, a burguesia se combina


com os Aparelhos Ideológicos de Estado e concilia os interesses de dominação de
classe. E por que o Aparelho Ideológico de Estado (AIE) educacional é dominante?
De acordo com Althusser, o objetivo essencial de todos os aparelhos ideológicos de
Estado é “a reprodução das reações de produção, isto é, das relações de exploração
capitalistas” (ALTHUSSER, 2004, p. 63). Entretanto, a instituição escolar é que
abarca todas as crianças, adolescentes de todas as classes sociais, ou seja, a escola
desempenha um silencioso papel dominante.

Figura 3.8 | A Escola como Aparelho Ideológico de Estado dominante

Fonte: Disponível em: <http://www.jornaldoestadoms.com/2011/09/campea-do-enem-aposta-em-tradicao.html>. Acesso


em: 06 abr. 2016.

Para Althusser, o Aparelho Ideológico de Estado educacional atua para moldar


os indivíduos a partir da disciplina para viverem seguindo a sociabilidade burguesa,
a fim de que os trabalhadores se preparem a exercer suas funções numa empresa
capitalista, e assim seja assegurada a reprodução das condições de produção.

A escola, portanto, representa o órgão responsável, pois é o cerne da estrutura


ideológica de dominação da classe capitalista, uma vez que reproduz os valores e

Teoria Sociológica do século XX 119


U3

princípios norteadores de uma sociabilidade burguesa. Os alunos são preparados,


treinados para atuação na vida profissional, se tornando potenciais trabalhadores
produtivos que reproduzirão o modo de produção capitalista.

Enfim, caro aluno, como você pôde notar, para Althusser, a força do Aparelho
Repressivo do Estado, por si só, não garante a manutenção e a reprodução das
relações de produção. O consenso, legitimado pelos aparelhos ideológicos de
Estado, sejam quais forem, determinam e legitimam a dominação de uma classe
sobre a outra, naturalizando, através do discurso, dos sermões religiosos de padres
e pastores, das normas morais da família, dos valores culturais, do ideário político
de um ou outro partido, das sanções disciplinares da justiça. Sem o consenso
criado pelos Aparelhos Ideológicos de Estado não será possível a reprodução das
condições de produção.

Althusser propõe o exame das questões de forma metódica, colocando questões


para serem pensadas, por exemplo, de que maneira pode ser assegurada a reprodução
da qualificação da força de trabalho no capitalismo? Ele afirma que os Aparelhos
Ideológicos do Estado têm um papel fundamental para adestrar os trabalhadores,
sobretudo aqueles trabalhadores vindouros para indústria. Nesse sentido, a escola
pode ser considerada como o local ideal na formação desses trabalhadores, ou seja,
a escola é o primeiro local onde a maioria das pessoas encontra espaços para a
socialização.

1. Qual é a contribuição de Althusser para a ampliação do


entendimento sobre a teoria marxista do Estado?

2. Quais são as diferenças entre Aparelhos Ideológicos de


Estado e Aparelhos Repressivos de Estado? Dê exemplos.

3. Por que a escola, na teoria de Althusser, é considerada como


o Aparelho Ideológico dominante?

120 Teoria Sociológica do século XX


U3

Nesta unidade, estudamos alguns dos autores que buscaram


analisar as características do modo capitalista de produção
ao longo do século XX e as consequências para a vida social,
sobretudo para os impactos na relação entre capital e trabalho.
Alguns dilemas perpetuam até os dias atuais nas Ciências Sociais
sobre os rumos da perspectiva metodológica do materialismo
dialético.
Desde os tempos mais remotos, a ciência tem atuado como
meio de manutenção e reprodução do modo de produção
vigente. A perspectiva dialética de análise das contradições
presentes na sociedade tem se inserido de maneira marginal no
meio acadêmico científico. Nesse sentido, algumas questões
são importantes de serem tecidas: Qual é a importância da
perspectiva crítica do modo de produção capitalista na análise
dos conflitos presentes na sociedade? Qual é a importância
dessas teorias nos estudos das relações entre capital e trabalho?
Em relação à divisão do trabalho, por que se faz necessário o
conhecimento das formas gerenciais tayloristas e fordistas para
a compreensão das atuais relações de trabalho?
Foi o que os nossos autores estudados nesta unidade, cada um
à sua maneira, buscaram fazer em suas obras, ou seja, explicar
como a sociedade se apresentava aos seus olhos, como ocorria
a reprodução da exploração sobre a classe trabalhadora.
Buscaram, também, estudar sobre a utilização de diversos meios
para manter o exercício de dominação política, econômica e
cultural e a otimização da extração de mais valia do trabalhador
no processo da produção industrial capitalista, e o consequente
enriquecimento da burguesia, a classe que domina os meios
de produção e os aparelhos de Estado, para emprestarmos o
conceito de Althusser.
Os estudos de Gramsci e Althusser, assim como de outros
autores marxistas, são extremamente importantes para se pensar
no mundo de hoje, ou seja, buscar meios de compreender a
perpetuação da exploração do homem sobre o homem, expressa
nas relações de trabalho contemporâneas. Você pôde perceber
ao longo dessas páginas como os autores estudados elaboraram
ferramentas que servem para pensar o seu tempo, mas também
lançam categorias para se pensar a realidade social do tempo
presente.

Teoria Sociológica do século XX 121


U3

1. Para Marx, o ser humano, além do resultado da evolução


biológica da espécie, é um produto histórico em constante
mudança, dependendo da sociedade na qual está inserido
e das condições em que vive. Assim, os indivíduos devem
ser analisados de acordo com o contexto social em que
vivem. Segundo Marx, na sociedade capitalista, quando se
desenvolve de modo mais preciso o trabalho assalariado, os
trabalhadores perderam o domínio sobre sua vida e passaram
a depender do capitalista; não trabalham mais para si, mas
vendem seu trabalho e não conseguem se reconhecer no
que fazem e produzem. É correto afirmar, de acordo com o
pensamento de Marx:
a) As relações de trabalho na sociedade moderna demonstram
uma crescente especialização do trabalho promovida pela
produção industrial, e isso trouxe uma forma superior de
solidariedade, e não de conflito, segundo Marx.
b) É na luta diária para se contrapor a esse tipo de vida
desumanizado, no qual são reduzidos a uma coisa que pode
ser vendida, comprada e até descartada, que os indivíduos
trabalhadores se identificam e se unem para questionar a
realidade de exploração, configurando uma classe social.
c) Os fatos sociais não são coisas, e sim acontecimentos que
precisam ser analisados e compreendidos para uma melhor
organização social, ou seja, é preciso desenvolver a integração
entre os indivíduos.
d) A ação social possui um sentido que orienta a conduta dos
atores sociais, e é essa a base de compreensão da sociedade,
isto é, o indivíduo e o conjunto de suas ações sociais, pois o
indivíduo prevalece sobre a sociedade.
e) Segundo Marx, para superação do modo de produção
capitalista é necessário realizar a revolução social, que deve
ser liderada pela burguesia (donos dos meios de produção).

122 Teoria Sociológica do século XX


U3

2. Sobre as racionalizações operadas pelo fordismo e


taylorismo, e as consequências auferidas para o trabalho, de
acordo com o texto, é correto afirmar que:
a) A sociedade capitalista impossibilitou a emergência da
propriedade privada, bem como proporcionou a alienação
dos indivíduos nas relações do mercado financeiro.
b) As racionalizações propiciadas pelo maquinismo e o
taylorismo-fordismo nos processos de produção também
tiveram como escopo e efetivamente viabilizaram o
enxugamento de postos de trabalho, uma vez que permitiram
simplificar e intensificar os processos de trabalho e, assim,
o acúmulo de operações em um número reduzido de
trabalhadores.
c) As mercadorias, propulsionadas pelos métodos tayloristas-
fordistas, constituem-se em um elemento pacificador das
relações entre patrões e trabalhadores.
d) As racionalizações propiciadas pelo maquinismo e o
taylorismo-fordismo nos processos de produção também
tiveram como escopo e efetivamente viabilizaram maior
número de postos de trabalho, e a geração de empregos, uma
vez que permitiram o desenvolvimento e o enriquecimento
de diversas parcelas da sociedade e, assim, o acúmulo de
operações em um número reduzido de trabalhadores.
e) Não há uma mudança significativa no mundo do trabalho
com a introdução do taylorismo e fordismo.

Observe a imagem, leia o texto e responda à questão 3.


Figura 3.9 | O processo produtivo nas primeiras décadas do século XX

Fonte: Disponível em: <http://aparenciadoespaco.blogspot.com.br/2012/10/fordismo-vs-toyotismo.


html>. Acesso em: 15 fev. 2016.

Teoria Sociológica do século XX 123


U3

A Administração Científica tem, por seus fundamentos,


a certeza de que os verdadeiros interesses de ambos,
empregador e empregado, são um, único e mesmo: de que
a prosperidade do empregador não pode existir, por muitos
anos, se não for acompanhada da prosperidade do empregado,
e vice-versa, e de que é preciso dar ao trabalho o que ele mais
deseja – altos salários – e ao empregador também o que ele
realmente almeja – baixo custo de produção (TAYLOR, 1970).

3. O taylorismo consiste na aplicação de um conjunto


de princípios científicos desenvolvido por Taylor para
organização do trabalho, buscando maior racionalização do
processo produtivo; e o fordismo, que consiste num modelo
de produção desenvolvido por Ford como uma forma de
organização da produção, com o incremento da linha de
montagem implantada na fábrica de automóveis. Com
base nos conhecimentos sobre as mudanças ocasionadas
no mundo do trabalho a partir desses processos, assinale a
alternativa correta.
a) A racionalização e consequente produtividade alcançada
com a aliança entre os princípios tayloristas e a linha de
montagem da empresa Ford se limitou no setor automobilístico
durante a década de 1920, servindo como base do modelo de
produção até a década de 1980, sobretudo no Japão.
b) A racionalização e consequente produtividade alcançada
com a aliança entre os princípios tayloristas e a linha de
montagem veio a se tornar referência, e se generalizou, para
praticamente todos os ramos de produção, inclusive o de
serviços. As racionalizações propiciadas pelo maquinismo
e o taylorismo-fordismo nos processos de produção
também tiveram como escopo e efetivamente viabilizaram o
enxugamento de postos de trabalho.
c) A substituição do paradigma flexível de mercado de trabalho
pelo paradigma fordista favorece a desregulamentação do
mercado de trabalho, que visa diminuir os gastos trabalhistas.
O objetivo do modelo fordista de organização da produção
era obter um maior controle da produção por parte dos
trabalhadores.
d) A introdução de esteiras rolantes pouco influenciou no
processo produtivo. Esse mecanismo suprimiu o tempo
anteriormente necessário para o transporte de peças a cada

124 Teoria Sociológica do século XX


U3

posto de trabalho para reorganizar os trabalhadores.


e) Neste contexto, os trabalhadores passaram a controlar a
organização das peças, para, gradativamente, assumirem os
postos de gerência. As peças vinham até o trabalhador de
acordo com o ritmo da esteira rolante. A racionalização e
consequente produtividade alcançada com a aliança entre
trabalhadores e capitalistas, no que se refere aos princípios
tayloristas e a linha de montagem, resultaram numa elevada
produção de mercadorias.

4. O fordismo foi um modelo de produção que começou


nos Estados Unidos no início do século XX, cujos métodos
de produção se tornaram referência, e se expandiu,
posteriormente, para outras regiões do mundo. Com base
nos conhecimentos sobre fordismo, considere as afirmativas
a seguir:
I. Ford desenvolveu um modelo de produção em massa, mas
que não se relacionava diretamente com o consumo das
mercadorias produzidas pelos operários da fábrica.
II. O fordismo foi um modelo de produção exclusivamente
inserido nos Estados Unidos, caracterizado pelo trabalho
qualificado e a alta rotatividade profissional, no interior das
atividades produtivas.
III. O fordismo surgiu em 1913, quando H. Ford implementou
uma nova organização da produção do trabalho destinada a
fabricar seu veículo a um preço relativamente baixo.
IV. O modelo fordista de produção e os seus métodos
começou, primeiramente, no espaço da fábrica e se
generalizou para outros setores no século XX, como o setor
de serviços. Podemos afirmar que as assertivas corretas são:
a) I e II.
b) II e IV.
c) III e IV.
d) I, II e III.
e) I, III e IV.

Teoria Sociológica do século XX 125


U3

5. (Adaptada – ENEM, 2001) Como você pôde estudar, um


dos aspectos significativos do fordismo refere-se à introdução
da esteira rolante, contribuindo para o aumento significativo
da produtividade. De acordo com Adam Smith, em seu livro
“A riqueza das nações”, “[...] um operário desenrola o arame,
o outro o endireita, um terceiro corta, um quarto o afia nas
pontas para a colocação da cabeça do alfinete; para fazer a
cabeça do alfinete requerem-se 3 ou 4 operações diferentes;
[...]” (SMITH, 1985).

Figura 3.10 | A linha de montagem na produção fordista

Fonte: Jornal do Brasil (fev. 1977)

A respeito do texto e do quadrinho são feitas as seguintes


afirmações:
I. Ambos retratam a intensa divisão do trabalho que são
submetidos os operários.
II. O texto refere-se à produção informatizada, e o quadrinho,
à produção artesanal.
III. Ambos contêm a ideia de que o produto da atividade
industrial não depende do conhecimento de todo o processo
por parte do operário.
a) Dentre essas afirmações, apenas I está correta.
b) II está correta.
c) III está correta.
d) I e II estão corretas.
e) I e III estão corretas.

126 Teoria Sociológica do século XX


U3

Referências

ALTHUSSER, Louis. Ideologia e aparelhos ideológicos de estado. In: ZIZEK (org.). Um


Mapa da ideologia. Portugal: Editora Contraponto, 2004.
ALVES, Angela Rodrigues Cavalcanti. O Conceito de hegemonia: de Gramsci a Laclau
e Mouffe. Lua Nova, São Paulo, 2010.
CORIAT, Benjamin. O Taylorismo e a expropriação do saber operário. In: PIMENTEL,
Duarte et. al. (Orgs.). Sociologia do Trabalho – Organização do Trabalho Industrial:
Antologia. Lisboa: A Regra do Jogo Edições, s/d.
DORE, Rosemary. Afinal, o que significa o trabalho como princípio educativo em
Gramsci? Caderno CEDES, Campinas, v. 34, 2014.
GOUNET, Thomas. Fordismo e toyotismo: na civilização do automóvel. São Paulo:
Boitempo Editorial, 1999.
GRAMSCI, Antônio. Maquiavel, a política e o estado moderno. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1976.
MARTINS, Angela Maria Souza. Um estudo sobre as categorias teóricas: ideologia,
imaginário social e mentalidade na historiografia da educação. III Congresso Brasileiro
de História da Educação. Curitiba, 2004.
MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. São Paulo: Abril Cultural, 1983. v. I,
Tomo 1.
______. O Capital: crítica da economia política. São Paulo: Abril Cultural, 1984. v. I,
Tomo 2.
TOMAZI, Nelson Dacio. Sociologia para o ensino médio. São Paulo: Saraiva, 2010.

Teoria Sociológica do século XX 127


Unidade 4

SOCIOLOGIA NA SOCIEDADE
PÓS-INDUSTRIAL

Maria Gisele de Alencar

Objetivos de aprendizagem:
Nossa proposta é desenvolver algumas discussões sobre a contribuição
dos estudos sociológicos após a segunda metade do século XX, definida por
um viés teórico como sociedade pós-industrial. Para atingir este objetivo,
vamos partir dos estudos do sociológico francês Alain Touraine, que se
preocupou em analisar a formação de novos campos das lutas sociais, assim
como pensar os conflitos gerados pela ‘nova’ formação social. Ter-se-á, de
acordo com o autor, a formação dos novos sujeitos sociais.
Bons estudos!

Seção 1 | Considerações sobre a proposta de uma


sociedade programada à pós-industrial
O objetivo desta seção é apresentar o caminho percorrido por Alain
Touraine para analisar a sociedade atual, que, segundo ele, pode ser
definida teoricamente como sociedade programada, tecnocrata e pós-
industrial. Estudaremos a importância do conceito de historicidade como
um elemento importante no processo de formação e a emergência dos
novos movimentos sociais.

Seção 2 | Os novos sujeitos sociais


Nesta seção, nossa proposta é discutir os aspectos políticos,
econômicos e teóricos que contribuíram para a formação dos chamados
novos movimentos sociais. Neste sentido, o foco é desenvolver uma
discussão sobre as classes sociais e o trabalho como categoria sociológica.
U4

No desenvolvimento das discussões, vamos dialogar com autores


da Sociologia clássica e contemporânea.

130 Sociologia na Sociedade Pós-Industrial


U4

Introdução à unidade

Olá, sejam bem-vindos ao capítulo Sociologia na Sociedade Pós-Industrial.


Nosso objetivo nesta unidade é promover um debate acerca das contribuições
da Sociologia para pensar a vida social a partir dos anos de 1970, quando surgiu,
teoricamente, a classificação de pós-industrial e os desdobramentos dessa ‘nova’
forma de organização social.

Vamos pensar sobre?

Antes de iniciar as análises propostas, é importante promover uma reflexão


sobre as bases históricas que contribuíram para a formação da sociologia como
disciplina acadêmica e científica entre os séculos XVIII e XIX. Neste contexto, a
Europa vivenciava um intenso processo de transformações políticas, motivadas
pelo fim do absolutismo do Estado, e econômicas, motivadas pelas revoluções
industriais.

Figura 4.1 | Revolução Industrial: a grande transformação

Fonte: Disponível em: <http://farm4.static.fickr.com/3495/3306985358_8694e5b7fe.jpg>. Acesso em: 1º mar. 2016.

Sociologia na Sociedade Pós-Industrial 131


U4

As revoluções industriais desencadearam as transformações dos modos


de produção e, por conseguinte, o desenvolvimento e fortalecimento da
sociedade urbano-industrial capitalista. A industrialização, a urbanização e
seus desdobramentos impactaram no modo como os sujeitos históricos se
relacionavam com as instituições, assim como produziam as suas condições
materiais e imateriais de existência.

Figura 4.2 | Trabalhadores das indústrias inglesas no período da Revolução Industrial

Fonte: Disponível em: <http://www.infoescola.com/historia/revolucao-industrial/>. Acesso em: 29 fev. 2016.

Neste cenário de transformações, a Sociologia surge como um caminho teórico


e metodológico para compreender os processos de mudança e tentar intervir na
realidade social (em contexto) para promover o melhoramento da vida social.

É possível afirmar que a Sociologia, desde o seu processo de institucionalização


no âmbito da cientificidade, ao longo do século XIX, enfrentou desafios teóricos
significativamente importantes, uma vez que pensadores – cada um no seu tempo
histórico e teórico – iniciaram projetos para compreender e analisar a realidade
sócio-histórica a fim de revelar os enveredamentos do devir, ou seja, quais seriam os
caminhos que a humanidade poderia trilhar rumo às transformações sociais. Deste
modo, podemos afirmar que a Sociologia surgiu na era industrial, cujo objetivo era
desenvolver análises específicas sobre esse modo de organização social.

É fundamental que você retome as bases históricas do surgimento da


Sociologia para que possa compreender as discussões da atualidade, mesmo

132 Sociologia na Sociedade Pós-Industrial


U4

que as teorias sejam discordantes. Para pensarmos neste período da sociedade


industrial, destacar-se-ão os pensadores Auguste Comte1 (1798-1857), Karl Marx2
(1818-1883), Émile Durkheim3 (1858-1917) e Max Weber4 (1864-1920), cada um
com suas particularidades contribuíram para o desenvolvimento das discussões e
problematizações da Sociologia como ciência.

Vale a pena pesquisar sobre as contribuições desses autores considerados


clássicos da Sociologia. Confira: QUINTANEIRO, Tânia, BARBOSA, Maria Ligia
de O; OLIVEIRA, Márcia Gardênia de. Um toque de clássicos: Marx, Durkheim e
Weber. 2, ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002.

Pensar sobre:

Por que precisamos estudar o surgimento da Sociologia como ciência,


disciplina acadêmica?

Como vocês notaram, a Sociologia é uma ciência relativamente nova, com


questionamentos importantes sobre a vida social; pois bem, se na primeira etapa do
pensamento sociológico os problemas relacionados à sociedade industrial foram
os temas que nortearam as preocupações teóricas e metodológicas, percebe-se
que na segunda metade do século XX surgiram autores que apresentaram outras
inquietações epistemológicas sobre a sociedade capitalista.

É neste sentido que buscaremos, a partir das discussões de Alain Touraine,


sociólogo francês, compreender esses novos caminhos propostos para pensar uma
sociedade em processo de transformação. O autor tem como ponto de partida
problematizar as lutas históricas, a formação de novos agentes como sujeitos da
mudança social das décadas de 1960 até as manifestações e os movimentos da
atualidade. Esta nova conjuntura em formação, segundo o autor, define-se como
categoria sociológica de Pós-Industrial.

É importante que você busque as obras dos autores, para orientá-los(as) vejam:
1
AUGUSTE COMTE: urso de filosofia positiva, em 6 volumes (1830-1842) (em 1848 foi renomeado para
Sistema de filosofia positiva); Discurso sobre o espírito positivo (1848); Discurso sobre o conjunto do
Positivismo (1851) (Introdução geral ao Sistema de política positiva); Sistema de política positiva, em 4
volumes (1851-1854).
2
KARL MARX: Manifesto Comunista (Boitempo Editorial, 1998. Tradução: Álvaro Pina.). A ideologia alemã
(Boitempo Editorial, 2007. Tradução: Rubens Enderle, Nélio Schneider e Luciano Cavini Martorano.); O
Capital: Crítica da Economia Política. Livro 1: O processo de produção do capital (Boitempo Editorial,
2013. Tradução: Rubens Enderle). O Capital: Crítica da Economia Política. Livro 2: O processo de
circulação do capital (Boitempo Editorial, 2014. Tradução: Rubens Enderle). Manuscritos econômico-
filosóficos (Boitempo Editorial, 2004. Tradução: Jesus Ranieri.).
3
ÉMILE DURKHEIM: Da divisão do trabalho social, 1893; Regras do método sociológico, 1895; O
suicídio, 1897; As formas elementares de vida religiosa, 1912;
4
MAX WEBER: 1904: A objetividade do conhecimento na ciência política e na ciência social 1904: A
ética protestante e o espírito do capitalismo; 1917: A ciência como vocação; 1910/1921: Economia e
Sociedade.

Sociologia na Sociedade Pós-Industrial 133


U4

De acordo com Daniel Bell (1919-2011), sociológico estadunidense e autor da


obra "O Advento da Sociedade Pós-industrial", publicada por voltar dos anos de 1974,
a sociedade industrial estaria perdendo forças, pois do ponto de vista econômico a
indústria - como meio de produção de bens - perde espaço para o setor de serviços
e o poder reside, deste modo, na informação e não mais no capitalista (aquele que
detém a propriedade dos meios de produção) (BELL, 1974, p.146-149).

A análise de Bell parte do pressuposto de que o operário – chão de fábrica –


perde espaço para os trabalhadores das áreas de prestação de serviços e para os
profissionais das áreas técnicas dos setores intelectuais. Vejamos o que o sociólogo
Ariovaldo de Oliveira Santos (2008, p. 78) nos diz:

[...] o abandono da expressão sociedade capitalista para


abordar a vida social que emerge do pós-Segunda Guerra. Em
seu lugar, ganha preponderância a expressão sociedade pós-
industrial, que traz embutido o maior destaque a elementos
epidérmicos da vida social real, tal como a expansão do setor
dos serviços, o declínio do operariado fabril e a defesa de
novas demandas, aglutinadas sob a denominação de culturais.

Pode parecer que as análises dos autores que discutem os aspectos da


sociedade pós-industrial se resumam ao fim da indústria e ao fortalecimento do
setor de serviços, mas neste cenário de debates destacar-se, também, o sociólogo
polonês Zygmunt Bauman (1925), que desenvolveu o conceito de modernidade
líquida para pensar as relações sociais contemporâneas. Para ele, vivemos em um
mundo cujas relações entre os indivíduos são superficiais, líquidas e os vínculos
são questionados.

Bauman está preocupado em encontrar um caminho teórico capaz de explicar


a realidade social (a partir da segunda metade do século XX e especificamente,
do século XXI), que está em processo de mudanças sociais e, por conseguinte,
as mudanças dos sujeitos sociais. Neste contexto narrado pelo autor, as grandes
defesas teóricas do século XX deixaram de fazer sentido, como os debates,
discussões e enfrentamentos das classes2 sociais; sobre este aspecto (ao analisar
as contribuições de Bauman) Maria José de Rezende (2007, p. 16) diz que, segundo
o autor:

134 Sociologia na Sociedade Pós-Industrial


U4

a ação coletiva orientada pela classe vai perdendo,


paulatinamente, terreno. Na modernidade sólida, a classe
era um lócus, por excelência, de acomodação das demandas
comuns de um dado grupo social. Um traço da chamada
modernidade líquida é o desaparecimento de espaços
sociais (como as classes) por onde fluam buscas em prol
dos interesses coletivos. Restam, então, aos indivíduos
inteiramente desacomodados a obrigação de buscar soluções
biográficas para os problemas produzidos socialmente

Se o século XX foi palco de grandes debates e tensões pautadas no enfrentamento


de classes, no século XXI há um enfraquecimento dessas tensões sociais, cuja
coletividade perde espaço para o individualismo. Bauman definiu esta contradição
a partir do enfrentamento entre o indivíduo e o cidadão, ou seja, para o autor, na
sociedade atual o indivíduo tornou-se inimigo do cidadão, que corrobora a ideia
de que os projetos coletivos de nação deixam de ser importantes e os interesses
individuais passam a ser a pauta política.

Se o indivíduo é o pior inimigo do cidadão, e se a individualização


anuncia problemas para a cidadania e para a política fundada
na cidadania, é porque os cuidados e preocupações dos
indivíduos enquanto indivíduos enchem o espaço público até
o topo, afirmando-se como seus únicos ocupantes legítimos
e expulsando tudo o mais do discurso público. O 'público‘ é
colonizado pelo 'privado', o 'interesse público' é reduzido à
curiosidade sobre as vidas privadas de figuras públicas e a arte
da vida pública é reduzida à exposição pública das questões
privadas e a confissões de sentimentos privados (quanto mais
íntimo melhor). As questões públicas que resistem a essa redução
tornam-se quase incompreensíveis. (BAUMAN, 2001, p. 46)

O nosso objetivo, entretanto, não é tecer uma análise sobre as contribuições


específicas de Bauman, contudo, quando falamos sobre a sociedade atual e os
desdobramentos das mudanças sociais que ocorrem continuamente, vale a pena
mencionar alguns apontamentos do autor, assim como fizemos ao apresentar os

Mais adiante vamos desenvolver uma discussão sobre as classes sociais na perspectiva da pós-
2

modernidade, ou modernidade líquida.

Sociologia na Sociedade Pós-Industrial 135


U4

argumentos de Bell ao definir o conceito de sociedade pós-industrial.

Mais adiante vamos estudar como Touraine, ao desenvolver suas análises sobre
a sociedade pós-industrial, dialoga – no limite – com algumas das ideias de Bauman.
Lembrando que os nossos propósitos são: a) não estabelecer juízo de valor sobre
as considerações dos autores que estudaremos, mas sim apresentar a vocês outras
interpretações sobre a vida social a partir da perspectiva sociológica considerada
no contexto pós-industrial; b) não propor um estudo de todas as contribuições de
Alain Touraine (assim como dos autores aqui mencionados) na sua vasta produção
que se inicia na segunda metade do século XX, e sim realizar um recorte de uma
das análises por ele desenvolvida.

De modo geral, discutir conceitualmente a noção de sociedade industrial


e pós-industrial consiste em compreender as significativas transformações
sociais, econômicas, políticas e culturais que ocorreram após a década de 1950,
especificamente no que se refere ao papel social do conhecimento, da informação.

Vejamos:

“A sociedade industrial, com sua produção em massa, foi possível


por causa do avanço tecnológico, mas também organizacional. Neste
sentido, a disciplina foi essencial. Embora não se possa identificar
com uma instituição nem com um aparelho, por ser um tipo de poder,
a disciplina ficou a cargo das instituições e a fábrica foi uma delas.
Serviu para produzir corpos submissos e exercitados para o trabalho.
A disciplina aumenta as forças do corpo (em termos econômicos de
utilidade) e diminui essas mesmas forças (em termos de política de
obediência) (FOUCAULT, 1975, p. 120). O que ocorre é o aumento
de uma aptidão e o aprofundamento da dominação. Assim, toda a
sociedade industrial entrou no ritmo do trabalho, passando a ser
ele o eixo identitário em torno do qual as identidades foram sendo
produzidas. Este modelo foi relevante para desenvolver a riqueza em
alguns países ditos desenvolvidos. Portanto, o acúmulo de riqueza
e de conhecimento determinou a passagem da sociedade industrial
para a pós-industrial. As características da sociedade pós-industrial
são distintas das sociedades anteriores. No plano do poder, observa-
se que o poder passa das mãos dos proprietários dos meios de
produção de bens materiais, portanto, da indústria, para as mãos dos
proprietários dos meios de produção de bens imateriais. Isso significa
a passagem de um tipo de poder a outro. A sociedade industrial ou

136 Sociologia na Sociedade Pós-Industrial


U4

moderna precisou do poder disciplinar, a sociedade pós-industrial


ou pós-moderna (sociedade do conhecimento e da informação)
precisa de uma pessoa criativa, não mais fixa num espaço e no
ritmo das máquinas, como anteriormente. O poder agora opera pelo
controle, sem perder, é claro, sua dimensão disciplinar. Observa-se,
portanto, que a indústria não produziu apenas produtos em série, mas
comportamentos. Princípios e comportamentos, entre eles, como
vimos, a padronização e a racionalidade (fechada), mas também a
objetividade e a especialização. Cada trabalhador efetua diariamente
a mesma tarefa milhares de vezes. Tudo na sociedade industrial
se realiza em escala industrial: na fábrica, na escola, na prisão, no
hospital, na família. Claro que a sociedade industrial foi capaz de
grandes progressos: urbanização, comunicação em massa, avanço
da tecnologia, democratização da educação – e, foi capaz, também,
de gerar a sociedade pós-industrial. Na sociedade pós-industrial, as
máquinas, cada vez mais inteligentes, substituem grande parte da
massa operária, dos trabalhadores do comércio. Ambas, a sociedade
industrial e a pós-industrial, são sociedades capitalistas e implicam uma
relação que compreende quem explora e quem é explorado, quem
ordena e quem é ordenado, quem subordina e quem é subordinado. As
transformações do capitalismo provocadas pelas lutas populares, pelo
desenvolvimento de novas tecnologias, pela ruína do Segundo Mundo
etc. apontam para uma nova situação histórica de transformação
entre o moderno e o pós-moderno. Claro, muitos são os pontos que
devem ser conectados para se compreender a passagem de um modo
de produção a outro. Seja como for, observa-se que o novo contexto
possibilita a invenção sem limites e exige uma pessoa coletiva e mais
livre. O capital não oferece mais o instrumento do trabalho, como
anteriormente o fazia, mas depende da apropriação do conhecimento.
O que está ocorrendo, portanto, é uma grande mudança no quadro
paradigmático do trabalho e, consequentemente, na sociedade como
um todo. Na sociedade pós-industrial, não se produzem bens materiais
em larga escala, como na sociedade industrial, mas bens imateriais
(serviço, informação, estética). Nesse processo, pelas mesmas razões
que a sociedade industrial não poderia dispensar os bens agrícolas
(apenas pôde reorganizar o modo de produção com máquinas,
adubos químicos e pesticidas), a sociedade pós-industrial não pode
dispensar os bens industriais. Não pode dispensar os carros, nem os
eletrodomésticos. O que a sociedade dispensa são os trabalhadores:
a sociedade industrial dispensou grande parte dos trabalhadores

Sociologia na Sociedade Pós-Industrial 137


U4

agrícolas, a sociedade pós-industrial dispensa grande parte dos


operários, dos gerentes, dos dirigentes, enfim, dos trabalhadores
industriais [grifo meu] Como se pode observar passamos da sociedade
rural à sociedade industrial e desta para a pós-industrial. Este processo,
em todos os níveis, apresenta importantes consequências. Os novos
tempos geram novos comportamentos, novos princípios, novos
valores e novas necessidades. Sem dúvida, sempre que aparece uma
nova configuração do tecido histórico tem-se uma mudança na
perspectiva epistemológica. Com isso, a visão sobre os fatos, sob o
ponto de vista prático, é modificada. Hoje, os novos paradigmas trazidos
pelo capitalismo cognitivo, sob o qual tem lugar a sociedade pós-
industrial – mais ligados ao intelecto, à ética, à estética, às emoções, à
desestruturação do tempo e do espaço, à racionalidade plural – exigem
a produção de novos modos de compreensão da realidade, ou seja, de
uma nova educação” (KEIL, 2007. p. 16).

No texto acima, Keil apresenta alguns indicativos importantes acerca da


configuração social na chamada sociedade pós-industrial. A autora desenvolve a
sua análise com base na comparação entre a sociedade agrícola – industrial –
pós-industrial para que seja possível perceber o quanto as transformações sociais
afetam não somente a estrutura, mas também o modo como os indivíduos se
relacionam e criam novas formas de sociabilidade.

1. “A sociedade já no seu estágio complexo produz a sociologia,


assim como essa última caracteriza e tenta conceituar seu
objeto de estudo.” (FORACHI; MARTINS, 1994, s/p) Sobre o
surgimento da sociologia como ciência no cenário acadêmico,
assinale a alternativa correta:

a) A revolução iluminista promoveu o surgimento da sociologia


como ciência, uma vez que promoveu a valorização do
conhecimento.
b) A sociedade pós-industrial criou bases para o surgimento da

138 Sociologia na Sociedade Pós-Industrial


U4

sociologia como ciência.


c) A sociologia como ciência, surgiu como uma tentativa de
compreender e propor soluções aos impactos da revolução
industrial.
d) O objeto de estudo da sociologia é o indivíduo, isto é, seu
propósito consiste em compreender os comportamentos
individuais na vida social.
e) Os impactos da revolução industrial na vida social dos
indivíduos geraram crises políticas profundas, assim como
as transformações culturais.

2. “As transformações do capitalismo provocadas pelas lutas


populares, pelo desenvolvimento de novas tecnologias,
pela ruína do Segundo Mundo etc. apontam para uma nova
situação histórica de transformação entre o moderno e o
pós-moderno. Claro, muitos são os pontos que devem ser
conectados para se compreender a passagem de um modo
de produção a outro. Seja como for, observa-se que o novo
contexto possibilita a invenção sem limites e exige uma
pessoa coletiva e mais livre” (KEIL, 2007, p.16).

Sobre que tipo de sociedade a autora Ivete Keil está se


referindo?
a) Sociedade de consumo.
b) Sociedade industrial.
c) Sociedade pós-industrial.
d) Sociedade desenvolvida.
e) Sociedade de massa.

Sociologia na Sociedade Pós-Industrial 139


U4

140 Sociologia na Sociedade Pós-Industrial


U4

Seção 1

Considerações sobre a proposta de uma


sociedade programada à pós-industrial
Até o momento nós buscamos compreender a formação deste novo cenário de
análises, seja ele definido como pós-industrial ou modernidade líquida para pensar
sobre os elementos que nortearam os argumentos de Touraine. Deste modo, nosso
próximo passo é apresentar alguns aspectos da teoria do autor para compreender
como chegou ao conceito de novos sujeitos sociais na esfera da luta política.

As sociedades, segundo o autor, após a segunda metade do século XX, organizaram-


se com base na acumulação do conhecimento e, portanto, o trabalho como categoria
sociológica deixa de existir como instrumento de transformação da vida social.

O trabalho, como categoria sociológica, consiste no modo como os


sujeitos históricos produzem as suas condições – materiais e imateriais –
de existência. Do mesmo modo que utilizam a natureza para satisfazer as
necessidades e a transformam, também acabam por ser transformados.

Na obra "A Sociedade Pós-industrial", de 1969, preocupado com um novo modus


operandi da sociedade capitalista, Touraine utiliza algumas definições como sociedade
tecnocrata, programada e pós-industrial. Para o autor essas definições podem variar
de acordo com a determinação histórica, ou seja, o tipo de ação realizada pela própria
realidade social, vejamos a sua fala:

Chamar-lhe-emos sociedades pós-industriais, se quisermos


marcar a distância que as separa das sociedades de
industrialização [...]. Chamar-lhes-emos de sociedade

Sociologia na Sociedade Pós-Industrial 141


U4

tecnocráticas, se quisermos designar pelo nome do poder que


as domina. Chamar-lhe-emos sociedades programadas, se
procurarmos defini-las, em primeiro lugar, pela natureza do seu
modo de produção e de organização econômica. Esta última
expressão, porque indica mais diretamente a natureza do trabalho
e da ação econômica, parece-me mais útil. Todas essas expressões
têm em comum o fator de definir uma sociedade pela sua realidade
histórica ou, melhor, pela sua historicidade, pelo tipo de ação
exercida pela sociedade sobre si mesma, numa palavra, pela sua
práxis. (TOURAINE, 1969, p.7)

O conceito de historicidade em Touraine é como pano de fundo de suas


discussões; para o autor, é a capacidade que as sociedades têm de agir sobre
si mesmas, redefinindo um projeto societal. A historicidade é o campo de
reconstrução permanente da realidade social.

A sociedade tecnocrata representa um modo de organização orientado pela maior


racionalização do capitalismo, decorrente do avanço de seu desenvolvimento. Para
tanto, Touraine buscou na teoria de Max Weber (1864-1920) as discussões sobre a
racionalização do capital para explicar o modo como os burocratas/tecnocratas
gerenciam o capital e não mais os capitalistas empresários.

A sociedade programada representa uma sociedade mediatizada pelo mercado.


A sociedade contemporânea, segundo o autor, seria programada e comandada pela
lógica do mercado. As necessidades dos seres humanos estão em sintonia com
as necessidades do mercado e a produção cada vez mais racionalizada. Isso, para
Touraine, representa um tipo de sociedade cujas lutas históricas não são mais as lutas
contra o sistema capitalista, pois o trabalho, como instrumento de conscientização
(lembre-se da nossa definição acima), perde a centralidade e entram em cena os
movimentos culturais.

Mas o que isto significa? Na teoria clássica, o trabalho é considerado como uma
categoria sociológica importante para compreender os processos de transformação
da vida social, assim como também contribuiu para formar um cenário de lutas sociais
(capital de um lado, trabalho de outro), contudo, na configuração pós-industrial lutar
contra o capitalismo não faz sentido, pois torna-se mais eficaz (partindo dessa análise)
lutar pelos direitos da existência das identidades culturais, dos direitos sociais, políticos
e civis.

142 Sociologia na Sociedade Pós-Industrial


U4

De que modo Touraine definiu a sociedade contemporânea?


Explique cada uma das definições acima.

E agora? Qual definição utilizar para falar sobre a teoria do autor? Cada uma
das definições não parte de análises fechadas. Vocês podem pensar nesta nova
configuração histórica, proposta por Touraine, como um dado de transição.

Mas como podemos relacionar essas discussões com o objetivo central


deste texto?

Se estamos falando de sociedade pós-industrial, devemos também apresentar


as particularidades conceituais do autor, por isso indicamos as três definições, assim
como o conceito de historicidade.

O próximo passo é compreender como neste novo cenário ocorrem os conflitos


que, segundo o autor, se configuram numa realidade social mediatizada pelo mercado,
assim como gerenciada pelo setor de serviços, voltados às tecnologias da informação,
cujo trabalho (como categoria sociológica) perde a centralidade nas relações sociais.

Para analisar as contribuições de Touraine, é necessário saber qual é o seu ponto


de partida para pensar a nova forma de sociedade e identificar quais são os atores que
atuam neste ‘novo’ cenário e suas práticas sociais.

Relembrando: Até aqui estudamos como Alain Touraine desenvolveu formas de


classificação da sociedade atual pensando em um modo específico de socialização,
ou seja, como os indivíduos se relacionam entre si e com as instituições. O cenário
que compõe essas novas relações se organiza a partir da mediatização do mercado,
da informação, assim como gerenciada pelo setor de serviços, voltados às tecnologias
da informação, cujo Trabalho (como categoria sociológica) perde a centralidade nas
relações sociais.

1.1 A emergência das lutas sociais no cenário pós-industrial


Contextualizar sobre que tipo de sociedade Touraine estava preocupado em
definir será decisivo para compreendermos os sentidos que ele atribuiu aos conflitos
gerados pelas ‘novas formas’ de sociabilidade. Segundo Élida Rubini Liedke (2007, p.
266), “entender uma teoria implica em situar o pensamento do seu autor em termos

Sociologia na Sociedade Pós-Industrial 143


U4

de tempo e lugar”.

Neste sentido, ao localizarmos a proposta teórica de Touraine, vamos direcionar


nosso olhar para algumas especificidades, como, o cenário das lutas sociais, aspecto
caro para o autor, pois surge a construção dos novos sujeitos sociais, definidos como
movimentos sociais.

De acordo com Gohn (2006), Touraine desenvolveu estudos sobre as diferentes


linhas de lutas sociais ao longo das suas discussões sobre os movimentos sociais,
como dos operários da indústria, movimentos populares, e aí podemos destacar seu
olhar sobre a América Latina, o movimento de mulheres assim como após a década
de 1990 dedicou-se aos estudos sobre os impactos da democracia e globalização.

Pois bem...

Mas o que a sociologia de Touraine nos diz sobre os conflitos dos movimentos
sociais?

Lembrando que estamos falando das considerações do autor francês nos anos
de 1969, um ano depois dos movimentos de estudantes em maio de 1968 que
pulverizaram os chamados novos movimentos sociais.
Figura 4.3 | Estudantes franceses, em maio de 1968

Fonte: Disponível em: <http://mundoestranho.abril.com.br/materia/o-que-foi-o-movimento-de-maio-de-68-na-franca>.


Acesso em: 22 fev. 2016.

144 Sociologia na Sociedade Pós-Industrial


U4

Para analisar esse cenário dos novos sujeitos sociais na sociedade que Touraine
está definindo, é importante retomar o conceito de historicidade estudado acima.
Perceba que ao afirmar que o autor entende a historicidade como um campo
de reconstrução permanente da realidade social, estamos dizendo que isso é o
campo da ruptura com a alienação.

A alienação deve ser definida em termos de relações sociais.


[...] O homem alienado é aquele que não tem outra relação
face às orientações sociais e culturais de sua sociedade que
aquela que lhe é reconhecida pela classe dirigente como sendo
compatível com a manutenção de sua dominação. [...] alienação
é, consequentemente, a redução do conflito social por meio
de uma participação dependente. As atitudes do homem
alienado somente têm sentido quando consideradas como a
contrapartida dos interesses daquele que o aliena [...] Nossa
sociedade é uma sociedade de alienação não porque ela reduz
à miséria ou porque impõe sujeições policiais, mas porque ela
seduz, manipula, integra. (TOURAINE, 1969, p. 14-15)

A contrapartida da alienação, portanto, é a historicidade. A historicidade que


promove a capacidade que as sociedades possuem de agir sobre si mesmas,
e assim redefinindo os projetos societais, em outras palavras, é o modo como
as sociedades atuam para a mudança social. Neste aspecto, Touraine diz que:
“O objeto de minhas análises não é o funcionamento do sistema social, mas
a formação da ação histórica, a maneira como os homens fazem sua história”
(1969, p. 8-9).

Neste processo de mudança existem conflitos e neste cenário de contradições


que o mundo ocidental se desenvolveu as lutas sociais deixaram de acreditar na
ruptura de um modelo de sociedade e passaram a defender o fortalecimento de
pequenas mudanças a partir de reformas.

Aqui, percebe-se que os conflitos principais estão ligados às lutas que não
estão dispostas a romper com um modelo capitalista (almejado pelas ideias
revolucionárias): ter-se-á nesta passagem, em termos gerais, que a luta deixa de
ser de classe contra a exploração do trabalho no sistema capitalista para pensar
nas lutas pelos direitos das identidades nas singularidades culturais.

Sociologia na Sociedade Pós-Industrial 145


U4

Todos aqueles que se interessam pela transformação das


sociedades industriais estão bem cientes de que sua visão é
geralmente muito limitada: para não caírem nas armadilhas da
imaginação permanecem excessivamente presos à realidade
industrial. (TOURAINE, 1989, p. 6)

Para Touraine, portanto, a luta não centra mais no movimento operário, pois não
há mais luta entre o capital e o trabalho característico das sociedades industriais.
Diferente, por exemplo, da teoria clássica de Karl Marx (1818-1883), pois entendia
que o operário (trabalhador) seria o agente da revolução, portanto, estaria na classe
operária a força para romper com a estrutura capitalista.

Vejamos o que Marx disse sobre a importante presença do operário como agente
das lutas sociais:

O movimento político da classe operária tem naturalmente


por objetivo final a conquista do poder político por ela, e
por isso naturalmente necessário uma organização anterior
da classe operária, organização que atingiu certo ponto
de seu desenvolvimento e saída diretamente de suas lutas
econômicas [...]. Mas, de outra parte, todo movimento no qual
a classe operária se opõe às classes dominantes enquanto
classe e busca constranger por pressão do exterior é um
movimento político. (MARX, 1982, p. 59-60)

Na passagem acima percebemos o quanto Touraine se distancia de Marx do


ponto de vista teórico e temporal, ou seja, Marx, no século XIX, no auge do modo
de produção capitalista, apontou que o trabalhador é capaz de romper com as
opressões dominadoras da classe dominante; para Marx, movimento social é o
mesmo que movimento político, um movimento de classe.

Contradizendo esta perspectiva, Touraine (1984, p. 15) nos diz que:

146 Sociologia na Sociedade Pós-Industrial


U4

Não há mais o proletário como única classe verdadeiramente


revolucionária; há um proletariado minoritário na sociedade,
que não se opõe como classe revolucionária e nem mesmo
mais como classe e cuja luta contra o sistema instituído não é,
qualitativamente ou quantitativamente.

O questionamento que o autor desenvolve não é sobre a lógica do capital, ele


procura um terreno mais equilibrado para as produções capitalistas. Para Touraine,
não existem mais condições concretas para que ocorram as revoluções, pois estas
ideias já foram superadas pela própria sociedade.

Os conflitos sociais que se formam nesta sociedade não são da


mesma natureza que na sociedade anterior. Opõem menos o
capital ao trabalho do que os aparelhos de decisão econômica
e política àqueles que são submetidos a uma participação
dependente. (TOURAINE, 1969, p.13)

O autor acredita que a mudança ocorre no interior da ordem institucional. Não


está na perspectiva touraineana a transformação dos modos de produção capitalista;
não vê a possibilidade de um novo projeto meta-social.

[...] a ideia de movimento social é menos uma categoria


propriamente analítica do que uma categoria de natureza
histórica. Isto é, os movimentos sociais estão ligados a um
tipo de sociedade, que deixamos para trás, por exemplo, a
sociedade industrial. (TOURAINE, 2006, p.1)

Para o autor, a ruptura com as estruturas capitalistas não seria possível, por isso
acredita que as possibilidades de lutas sociais que foram pensadas no período de
formação da sociedade capitalista não condizem com a realidade social, política,
econômica e cultural do século XX, principalmente a partir da segunda metade.

Portanto, pensar nos movimentos sociais como agentes no processo da mudança


social consiste em percebê-los na processualidade histórica, e acima de tudo que
sejam ações coletivas.

Sociologia na Sociedade Pós-Industrial 147


U4

Trata-se de estudar os movimentos que colocam em questão


condições particulares, isto é, em domínios socialmente
definidos, uma dominação que, em sua natureza e em suas
aplicações, tem um impacto geral. Essa afirmação conduz
diretamente a uma segunda, a saber, que só há movimento
social se a ação coletiva – também ela com um impacto
maior do que a defesa de interesses particulares em um
setor específico da vida social – se opuser a tal dominação.
(TOURAINE, 2006, p.1)

Relembrando: Neste item nós estudamos como Alain Touraine, ao definir as


novas formas de socialização da sociedade pós-industrial, identifica que os agentes da
mudança social deixaram de ser o modelo clássico dos movimentos operário/classe.
Neste aspecto, seu posicionamento se distancia, significativamente, da discussão
teórica de Karl Marx, pois Touraine não acredita que existam condições históricas
concretas para que ocorra a ruptura da ordem social capitalista. Identificamos
também que o autor utiliza o conceito de historicidade para pensar o cenário de
ruptura da alienação, uma vez que os movimentos sociais devem ser analisados não
como categorias analíticas, e sim como localizadas na história.

1. Alain Touraine, ao estudar a sociedade considerada por ele


como sociedade pós-industrial (programada e tecnocrática),
indica a necessidade de se contextualizar as lutas sociais, pois
a historicidade é fundamental para pensar os processos de
mudança.
Sobre o conceito de historicidade, assinale a alternativa correta:
a) O conceito de historicidade em Touraine significa a
capacidade que as sociedades têm de agir sobre si mesmas,
redefinindo um projeto societal.
b) A historicidade é o campo da determinação permanente da
realidade social.
c) Em Touraine, a historicidade representa o contexto das
sociedades industriais capitalistas.

148 Sociologia na Sociedade Pós-Industrial


U4

d) Touraine acredita nas possibilidades da historicidade


contribuir com o processo de organização das sociedades
programadas.
e) A historicidade pode ser considerada um instrumento
fundamental para a formação e fundação dos movimentos
operários na sociedade industrial.

2. Leia com atenção as citações a seguir:.


“O movimento político da classe operária tem naturalmente
por objetivo final a conquista do poder político por ela, e por
isso naturalmente necessário uma organização anterior da
classe operária, organização que atingiu certo ponto de seu
desenvolvimento e saída diretamente de suas lutas econômicas
[...]. Mas, de outra parte, todo movimento no qual a classe
operária se opõe às classes dominantes enquanto classe e
busca constranger por pressão do exterior é um movimento
político” (MARX, 1982, p. 59-60).

"Não há mais o proletário como única classe


verdadeiramente revolucionária; há um proletariado
minoritário na sociedade, que não se opõe como classe
revolucionária e nem mesmo mais como classe e cuja
luta contra o sistema instituído não é, qualitativamente
ou quantitativamente" (TOURAINE, 1984, p. 15).

Assinale a alternativa que contém todas as afirmativas corretas:


I – A sociedade considerada como pós-industrial é, segundo
Marx, um cenário ideal para o desenvolvimento da consciência
de classe e da organização dos movimentos sociais dos
operários.
II – Na sociedade programada, a vida social é mediada pela
força do mercado, isto é, as necessidades dos indivíduos são
cada vez mais racionalizadas pelo mercado.
III – De acordo com Touraine, na sociedade pós-industrial as
lutas sociais não se resumem à luta contra o capital, mas sim
por demandas culturais.

a) Apenas a afirmativa III está correta.


b) As afirmativas I e II estão corretas.
c) As afirmativas II e III estão corretas.
d) Apenas a afirmativa I está correta.
e) As afirmativas I, II e III estão corretas.

Sociologia na Sociedade Pós-Industrial 149


U4

150 Sociologia na Sociedade Pós-Industrial


U4

Seção 2

Os novos sujeitos sociais


Touraine pretende analisar o sujeito social na sociedade pós-industrial como
movimentos sociais, isso significa que uma ligação direta é estabelecida entre sujeito
e contestação. O indivíduo contesta a ordem existente, contudo, não interessa a essa
nova configuração das lutas sociais questionar os modos de produção. Para o autor, o
indivíduo não é isolado para o autor, ele é coletivo.

Nesta seção, nós vamos construir juntos a compreensão das contribuições de


Touraine para pensar como, na lógica da sociedade pós-industrial, os movimentos
sociais organizam suas lutas, uma vez que é considerado pelo autor como os “novos
sujeitos sociais”, aqueles que atuam contra a alienação (retomar o conceito nos tópicos
acima) das relações sociais no cenário da historicidade. Portanto, o

'sujeito' como uma categoria fundamental, constitui e


posiciona indivíduos na história dos processos sociais, culturais
e políticos de uma sociedade. Ela confere protagonismo
e ativismo aos indivíduos e grupos sociais, transforma-
os de atores sociais, políticos e culturais, em agentes de
seu tempo, de sua história, de sua identidade, de seu papel
como ser humano, político, social; o sujeito é reconhecido-
objetivamente, e reconhece-se - subjetivamente, como
membro de uma classe, de uma etnia, parte de um gênero,
uma nacionalidade, e muitas vezes de uma religião, culto ou
crença. Os sujeitos se constituem no processo de interação
com outros sujeitos, em instituições, privadas e públicas,
estatais ou não. Sujeitos coletivos expressam demandas de
diferentes naturezas, tem capacidade de interlocução com a
sociedade, civil e política. Eles têm também a capacidade de
propor ações, criam e desenvolvem uma identidade ao grupo
que o compõe, baseada em crenças, valores compartilhados.
A noção de sujeito coletivo tem a ver com a capacidade de
se interferir nos processos sociais. Eles criam sistemas de
pertencimentos. (GOHN, 2006, p.5)

Sociologia na Sociedade Pós-Industrial 151


U4

2.1 Uma breve contribuição sobre as classes sociais


Ao questionar as bases da sociedade industrial, Touraine não desconsidera, por
exemplo, o conceito de classes sociais. No limite, as classes sociais representam
uma unidade de interesses. Para o autor, elas não acabaram, contudo, não são mais
as classes que dominam o conflito.

Vocês podem se perguntar: qual é o significado desta afirmação do autor?

Os conflitos atrelados às classes sociais remetem à sociedade industrial que,


por sua vez, indicam que o conflito e as contradições ocorrem entre o capital
e o trabalho, ou seja, a luta de classes. No entanto, na sociedade pós-industrial,
para Touraine, as questões direcionadas ao conflito no campo do trabalho já foi
superado e é por isso que o autor defende que a luta deve estar relacionada à luta
por direitos.

A ideia de que a sociedade é dominada pela economia situava


os conflitos fundamentais no setor do trabalho, do mesmo
modo que na sociedade que precedeu a sociedade industrial,
o papel eminente da soberania política dava uma importância
central aos conflitos sobre a cidadania e os direitos cívicos.
Em cada sociedade parece existir assim um papel social
privilegiado ao qual correspondem os conflitos fundamentais.
(TOURAINE, 1989, p. 9)

Se os direitos materiais foram adquiridos, de acordo com as leituras de


Touraine, isto é, se as condições materiais de existência já foram resolvidas, a
luta contra o sistema econômico passa ser obsoleta, a classe (como categoria
sociológica e como um dado da realidade social) também se torna secundária.

Portanto, as lutas ficam reduzidas ao plano da cultura; o movimento de classe


perde espaço para os movimentos culturais que ‘brigam’ pelos direitos culturais e
liberdades, como os movimentos negros, feministas, ecológicos/ambientalistas,
dos homossexuais, das religiões de matrizes africanas.

152 Sociologia na Sociedade Pós-Industrial


U4

Para Touraine, na atualidade, o Sujeito é o ator que luta pela


produção de si próprio, de sua história de vida individual, sua ação
se traduz no esforço do indivíduo para transformar experiências
vividas em construção de si mesmo, como ator. Ele busca a
afirmação de sua própria liberdade contra as ordens sociais. É
uma luta sua, baseada em seu trabalho pessoal e em sua cultura.
A consciência que tem de si mesmo o ajuda a desprender-se das
influências sofridas. Transforma- se em consciência de si, ele é
uma força de libertação. (GONH, 2006, p.7)

Para Touraine (1994, p. 248):

A ideia de sujeito não se opõe à de indivíduo, mas ela é


uma interpretação muito particular dele [...] quando eu falo
do Sujeito, isto é, da construção do indivíduo como ator, é
impossível separar o indivíduo de sua situação social.

Figura 4.4 | Movimento contra a discriminação racial gerada pelo racismo e pelo preconceito

Fonte: Disponível em: <http://www.cantareira.org/tag/racismo>. Acesso em: 2 mar. 2016.

Sociologia na Sociedade Pós-Industrial 153


U4

Figura 4.5 | Movimento Feminista. Segunda Onda

Fonte: Disponível em: <http://2.bp.blogspot.com/-seQurWpo-rA/T5s_Z2IpMFI/AAAAAAAAAQ8/8ymxHxiSLEs/s1600/


feminists.jpg>. Acesso em: 2 mar. 2016.

Figura 4.6 | Direitos iguais no casamento avançam por todo mundo

Fonte: Disponível em: <http://rumosnovos-ghc.blogs.sapo.pt/tag/casamento+homossexual+no+mundo>. Acesso em: 2


mar. 2016.

Figura 4.7 | Brasília – Movimentos sociais e organizações ambientalistas promovem marcha


e ato público para lançar a Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida e
protestar contra alteração do Código Florestal.

Fonte: Disponível em: <http://www.ecodebate.com.br/2011/04/08/movimentos-sociais-protestam-contra-reforma-do-


codigo-florestal-e-uso-de-agrotoxicos/>. Acesso em: 24 mar. 2016.

154 Sociologia na Sociedade Pós-Industrial


U4

Os novos movimentos sociais, na perspectiva touraineana, são aqueles que


operacionalizam suas lutas na esfera da política e da cultura contrária ao modelo de
lutas sociais que se colocam na esfera material econômica. Esse novo cenário, para
o autor, deve impulsionar a sociologia a repensar seus próprios métodos de análise
da vida social.

Assim, o conceito de classe, de acordo com a teoria clássica marxista, perde


espaço teórico e prático.

Oriente-se pelas discussões presentes neste tópico e


compare: qual é a diferença entre a teoria clássica e as
considerações de Touraine sobre as classes sociais como
categoria sociológica e como dado da vida social?

2.2 Retomando o conceito de Trabalho: ainda existe


centralidade?

Pessoal, até este momento caminhamos pelas contribuições teóricas de


Touraine e buscamos de alguma forma dialogar com os autores Bell e Marx para
que vocês percebam que as discussões teóricas, sejam elas próximas ou contrárias,
são importantes para pensarmos a vida social na perspectiva sociológica.

No nosso caso, Bell apresenta contribuições importantes para analisar o conceito


de sociedade pós-industrial. Mesmo que o pensamento de Touraine se distancie da
proposta teórico metodológica de Marx, ele nos dá elementos para compreender
a partir da própria contradição. Estabelecemos, portanto, a comparação como
instrumento de aprendizagem.

Para entendermos um pouco mais acerca da sociologia na sociedade pós-


industrial, a partir das contribuições de Alain Touraine, avançamos no entendimento
do conceito de movimentos sociais para entender o que ele chamou de novos
sujeitos sociais, conduzimos também os estudos para pensar o conceito de classe.
E agora? Qual será nosso próximo passo?

Vocês se lembram que no início das nossas discussões foi mencionado o Trabalho
como categoria sociológica? Existe até uma nota explicativa sobre a perspectiva
ontológica (vale a pena retomar a leitura acima). Neste tópico vamos voltar ao
conceito de Trabalho a partir de uma breve explicação sobre como a sociologia

Sociologia na Sociedade Pós-Industrial 155


U4

clássica fundamentou teoricamente as suas explicações e, desta forma, pensar


como essas propostas de análises nos ajudarão nos estudos sobre a centralidade e a
perda da centralidade do trabalho nos argumentos de Touraine.

Partiremos das contribuições dos três autores clássicos Karl Marx, Émile Durkheim
e Max Weber; em seguida, vamos indicar as contribuições de Touraine ao afirmar a
não centralidade do trabalho.

É fundamental que vocês tenham a consciência de que não conseguiremos


problematizar todos os aspectos da teoria dos autores clássicos, pois necessitaríamos
de mais tempo de discussões. Contudo, ficam as ideias centrais de cada um e
algumas indicações bibliográficas para aprofundar as análises. Lembrando que no
início do nosso texto há uma nota de rodapé com outras indicações de leitura do
clássico.

Marx, Durkheim e Weber desenvolveram seus estudos cada um com suas


experiências específicas (de trajetória de vida) que os levaram por caminhos teóricos
e metodológicos diferentes para analisar a vida em sociedade. Mas o que eles
disseram sobre o trabalho?

Uma primeira análise diria que o trabalho tem a exclusiva função de promover
condições econômicas para que os indivíduos sobrevivam na ordem capitalista,
contudo, já se perguntaram porquê?

Vamos pensar do ponto de vista histórico? Ao longo do desenvolvimento da


humanidade, o trabalho adquiriu diferentes características de acordo com as relações
sociais, políticas, econômicas e culturais específicas, em cada modo de organização
social. Para chegar nas explicações que temos sobre o trabalho na atualidade um
longo caminho foi percorrido.

Karl Marx, no século XIX, preocupado em compreender a engrenagem do sistema


capitalista, entendeu o trabalho como elemento central de dominação econômica,
mas também, segundo ele, é o modo como os indivíduos se relacionam com a
natureza para satisfazer suas necessidades materiais e imateriais de existência. De
acordo com o autor (1985, p. 50):

[...] a existência [...] de cada elemento da riqueza material não


existente na natureza, sempre teve de ser mediada por uma
atividade especial produtiva, adequada a seu fim, que assimila
elementos específicos da natureza a necessidades humanas
específicas. Como criador de valores de uso, como trabalho
útil, é o trabalho, por isso, uma condição de existência do
homem, independente de todas as formas de sociedade,

156 Sociologia na Sociedade Pós-Industrial


U4

eterna necessidade natural de mediação do metabolismo entre


homem e natureza e, portanto, da vida humana.

Na citação acima percebemos que Marx indica a base mais simples do trabalho,
entretanto, na ordem capitalista ultrapassa esta relação de mediador entre homem e
natureza, somente ela não é capaz de explicar como o trabalho transformou-se em
elemento de dominação, exploração e alienação.
Se para Marx o trabalho está na esfera do econômico, para Weber passa pela
esfera da cultura, da ação social do indivíduo. O que isto significa? O autor entendeu
que a lógica do trabalho na ordem capitalista teve suas bases na ética religiosa
protestante, a partir do século XVII na Europa. Com a Reforma Protestante, o trabalho
perde seu status de sacrifício para tornar-se um instrumento de salvação. Reiterando
que Weber analisa a ética religiosa como mediadora do processo de formação do
sistema capitalista e não como causa única.

Max Weber explica que essa mentalidade acumulativa surge


da Religião e esse pensamento religioso é protestante e das
vertentes mais radicais. Na ética católica, o trabalho é uma
maldição, em contrariedade com a protestante, na qual
o trabalho é uma forma de glória ao homem, bem como o
pensamento liberal que dita até hoje que o trabalho dignifica
o homem. (BARBOSA, online)

Seguindo um caminho teórico específico, Durkheim (2004) compreende que


o trabalho possui uma função moral de coesão social nos diferentes modos de
organização social. Para o autor, a maneira como a divisão social do trabalho ocorre
determina o tipo de solidariedade gerada, o modo como as sociedades se mantêm
coesas.

Solidariedade para Durkheim não deve ser confundida com caridade ou o ato de
ser solidário com o próximo, é um conceito que utiliza para analisar a coesão social
tanto em sociedade pré-capitalistas (solidariedade mecânica) quanto nas sociedades
capitalistas (solidariedade orgânica).

Sociologia na Sociedade Pós-Industrial 157


U4

Mas, se a divisão do trabalho produz a solidariedade, não é


apenas porque ela faz de cada indivíduo um ‘trocador’, como
dizem os economistas; é porque ela cria entre os homens
todo um sistema de direitos e deveres que os liam uns aos
outros de maneira duradoura. Do mesmo modo que as
similitudes sociais dão origem a um direito e a uma moral
que as protegem, a divisão do trabalho dá origem a regras
que asseguram o concurso pacífico e regular das funções
divididas. (DURKHEIM, 2004, p.429)

Para os autores da teoria clássica, o trabalho tem papel fundamental nas relações
sociais da sociedade moderna, capitalista. Mas, para Touraine, considerando os seus
posicionamentos, a sociedade capitalista industrial não teria mais espaço na nova
configuração social, deste modo o trabalho vem perdendo espaço como elemento
fundante da vida social.

Na passagem a baixo, Touraine (1969, p. 17-18) nos apresenta que:

uma sociedade que repousava sobre o trabalho diretamente


produtivo, [grifo meu] é o operário qualificado, relativamente
privilegiado [...] que se opunha mais diretamente ao capitalista
[grifo meu] [...] Em uma sociedade em mudança, é a categoria
mais aberta à mudança e mais favorecida por ela que se subleva
mais diretamente contra a tecnocracia [...] Sublevação social
e cultural mais que econômica, porque as lutas sociais, hoje
como ontem, mobilizam duas ordens complementares [grifo
meu] de reações do lado popular [...] De um lado, é o apelo
às próprias orientações da sociedade contra sua apropriação
privada pela classe dirigente; de outro, é a resistência da
experiência pessoal e coletiva às mudanças que deixaram de
ser controladas pela coletividade [grifo meu] [...] enquanto que
na sociedade de industrialização capitalista esta resistência da
vida privada permanecia definida no quadro do trabalho, [grifo
meu] apoiava-se sobre a profissão (métier) ou a coletividade
local, agora, face a um poder de integração, de manipulação
e de agressão que atinge todos os domínios da vida social, é
o conjunto da personalidade que se mobiliza [...] A sociedade,
entorpecida durante muito tempo na satisfação do seu êxito
material, não rejeita o progresso técnico e o crescimento

158 Sociologia na Sociedade Pós-Industrial


U4

econômico, mas a sua submissão a um poder que se proclama


impessoal e racional, que espalha a ideia de já não ser, ele próprio,
senão o conjunto de exigências da mudança e da produção.

[..] o motor dos problemas, dos conflitos e dos atores que intervêm
na evolução histórica está em vias de mudar. As lutas de amanhã
não serão a retomada ou a modernização daquelas de ontem [...]
as lutas propriamente sociais estão em vias de serem substituídas
por revoltas culturais [grifo meu] [...] os problemas e os conflitos
sociais se situam hoje mais no domínio do consumo que naquele
da produção [grifo meu] [...]. Os novos conflitos sociais não se
colocam fora do sistema de produção, mas em seu centro. Eles se
estendem a domínios novos da vida social, mas somente porque
a informação, a educação ou o consumo estão ligados mais
estreitamente que antes ao domínio da produção. Não é necessário
a nenhum preço dissociar as lutas sociais do poder econômico e
político (TOURAINE, 1969, p. 28-29).

Nas citações acima, Touraine afirma que a base das relações sociais, assim como
os conflitos e os sujeitos sociais na sociedade pós-industrial, migraram para outras
esferas da vida social e o trabalho que a até então era visto como a mola propulsora
da dinâmica social perdeu o foco.

Seu posicionamento teórico rompe com as ideias de coesão social de Durkheim,


pois para o autor clássico é a partir da divisão social do trabalho que as sociedades
(sejam elas capitalistas ou não) se organizam e buscam manter a coesão a harmonia
social.

Para Weber, por exemplo, que entendia a vida social do ponto de vista cultural,
de uma ética (distanciando-se das aplicações teóricas de Karl Marx), o trabalho
como produtor de mercadorias, para gerar bens e para acumular contribuiu para a
formação do “espírito do capitalismo”, da ética capitalista.

Percebemos a partir da comparação com esses autores que Touraine vai


deslocando a centralidade do trabalho das relações sociais do modo de organização
social. Seu argumento e posicionamento coloca cada vez mais os movimentos
sociais como um caminho profícuo para resolver os problemas sociais. Como assim?
Ao afirmar que o trabalho não é mais capaz de promover a organização social, que
não possui capacidade de gerar um sujeito histórico e político no processo das lutas
sociais, precisa – necessariamente – apresentar um caminho teórico e prático, pois
assim, afirma que os novos movimentos sociais que estavam em formação (e os já

Sociologia na Sociedade Pós-Industrial 159


U4

formados) ao longo da segunda metade do século XX promoveriam condições de


estabelecer um equilíbrio entre as forças sociais, uma vez que, para Touraine:

[...] o conflito, estes não têm por finalidade conduzir à


superação da materialidade social burguesa, mas, pelo
contrário, lançar questões que conduzam a sociedade a uma
nova organicidade institucional e societal. Mais precisamente,
seu objetivo é, senão objetivar o estabelecimento da harmonia
social, pelo menos encontrar o ponto de equilíbrio entre os
diversos interesses em disputa. (SANTOS, 2008, p. 82)

Deste modo, segundo Touraine, não há condições históricas necessárias para


romper com a lógica do sistema capitalista, mas sim promover reformas capazes de
promover um melhoramento da vida social. Será que isso é possível?

De modo geral, segundo Gohn (2006, p, 3):

o objeto da teoria da ação social de Touraine é o sujeito


histórico. O conceito central focalizado é o da ação coletiva
e o tema da dominação tem grande importância. Touraine
desenvolve uma análise da sociedade em termos geral e
histórico. Entretanto, em sua análise geral há uma recusa
à visão desta sociedade como sendo dominada pelas
macroestruturas, por leis naturais de um sistema social ou por
determinações de qualquer espécie. O que ele propõe é uma
análise centrada no desempenho dos atores sociais enquanto
sujeitos que atuam na sociedade mais geral, com suas culturas,
pertencimentos e historicidade.

1. “A ideia de que a sociedade é dominada pela economia


situava os conflitos fundamentais no setor do trabalho, do
mesmo modo que na sociedade que precedeu a sociedade

160 Sociologia na Sociedade Pós-Industrial


U4

industrial, o papel eminente da soberania política dava uma


importância central aos conflitos sobre a cidadania e os direitos
cívicos. Em cada sociedade parece existir assim um papel social
privilegiado ao qual correspondem os conflitos fundamentais”
(TOURAINE, 1989, p. 9).

Leia com atenção o texto acima.


Com base nas discussões contidas na citação acima, assinale a
alternativa que contém todas as afirmativas corretas:

I - Para Touraine, os conflitos ocorrem de acordo com o


contexto histórico das sociedades que estão inseridos.
II - Segundo Touraine, os conflitos são atemporais, ou seja,
suas demandas são independentes dos contextos históricos
que estão inseridos.
III – Na sociedade pós-industrial, os conflitos se resumem no
campo do trabalho.

a) Apenas a afirmativa III está correta.


b) Apenas a afirmativa II está correta.
c) As afirmativas I e III estão corretas.
d) As afirmativas II e III estão corretas.
e) Apenas a afirmativa I está correta.

2. Ao longo da história da humanidade, o Trabalho, como


categoria sociológica, passou por diferentes significados: desde
o sentido de sacrífico, passando pela ideia de prosperidade até
chegar como mercadoria. Na teoria clássica de Karl Marx, o
Trabalho na lógica capitalista é transformado em mercadoria
– com valor de troca e uso; é considerado, também, como
campo de enfrentamentos, visto que é um instrumento de
dominação.
Leia com atenção o texto acima e assinale a alternativa que
corresponda a todas as informações corretas.

a) Karl Marx, teórico do sistema capitalista, defendeu a tese de


que na esfera do trabalho as lutas sociais estão fadadas ao fim,
ou seja, não gera mais conflitos.
b) A sociedade pós-moderna foi alvo de críticas de Karl Marx
pois contrariou sua tese econômica.

Sociologia na Sociedade Pós-Industrial 161


U4

c) No sistema capitalista, o Trabalho como mercadoria


determinou as relações de produção e, segundo Marx, pode
ser considerado como instrumento de dominação.
d) Na sociedade pós-industrial, os conflitos ocorrem fora
das contradições do mundo do Trabalho.
e) O trabalho como mercadoria no sistema capitalista pós-
industrial é considerado uma mola propulsora dos conflitos
de ordem cultural.

1. “Touraine desenvolve uma análise da sociedade em termos


geral e histórico. Entretanto, em sua análise geral há uma
recusa à visão desta sociedade como sendo dominada pelas
macroestruturas, por leis naturais de um sistema social ou por
determinações de qualquer espécie [...]” (GOHN, 2006, p. 3).

a) A sociedade atual, considerada por Alain Touraine como


pós-industrial, possui a base dos conflitos no campo da
infraestrutura, ou seja, da base econômica.
b) A historicidade é um fenômeno social que, segundo
Touraine, pouco influencia na formação dos sujeitos
históricos.
c) As leis naturais e a indústria são aspectos fundamentais da
sociedade pós-industrial, portanto, é para Touraine a base
dos conflitos.
d) Touraine considera que na sociedade contemporânea as
relações no mundo do trabalho fomentam a consciência de
classe e deste modo, a formação do operário.
e) A vida social para Touraine, na configuração histórica
capitalista atual corresponde a uma sociedade programa e
tecnocrata.

2. “[...] as transformações ocorridas no modo de produção


e nas relações de trabalho têm importância fundamental
para a compreensão do movimento histórico que determina

162 Sociologia na Sociedade Pós-Industrial


U4

as relações entre os homens, com particularidades


econômicas, sociais, políticas e culturais em cada contexto
histórico. [...]. Atualmente, vivenciamos o modo de produção
capitalista (acredito que o mais selvagem e massificador
para o trabalhador até o momento), que, com seu marco
na Revolução Industrial o trabalho passou a ser cada vez
mais centrado na indústria, o homem transferiu o trabalho
artesanal para a indústria mecanizada” (DALLAGO, Cleonilda
S. T. Relações de trabalho e modo de produção capitalista.
VII Seminário de Saúde do Trabalhador e V Seminário: O
Trabalho em Debate “Saúde Mental Relacionada ao Trabalho"
2010. p.1-2)

Leia com atenção o texto acima.

I – No sistema capitalista, as chamadas sociedades industriais


desenvolvem as relações de trabalho mediatizadas pelo
mercado e pelas tecnologias da informação.
II – Com as revoluções industriais, o trabalho passa a ser
mercadoria e centralizado na esfera da indústria.
III – O texto acima desenvolve argumentos sobre as relações
de trabalho pautados na teoria de Karl Marx sobre a sociedade
industrial.

Assinale a alternativa correta.


a) Apenas a afirmativa II está correta.
b) As alternativas I e III estão corretas.
c) As alternativas II e III estão corretas.
d) Apenas a alternativa III está correta.
e) As alternativas I e II estão corretas.

3. “ No cenário do mundo globalizado, vários autores têm


destacado que o conflito social mudou, no mundo moderno,
da esfera da produção para a esfera dos problemas da cultura,
e nesta, os problemas de identidade cultural seriam os mais
importantes, gerando movimentos em torno das questões
de raça, gênero, nacionalidade" (GONH, Maria da Glória. 500
Anos de Lutas Sociais no Brasil: movimentos sociais, ONG e
terceiro setor. Rev. Mediações. v. 5, n. 1, p. 11, jan./jun. 2000.

Assinale a alternativa que corresponda à informação correta


de acordo com as argumentações presentes na citação:

Sociologia na Sociedade Pós-Industrial 163


U4

a) O texto acima faz referência ao conceito de indústria


cultural, a partir das considerações de Theodor Adorno.
b) Os argumentos do texto afirmam os indicativos teóricos
presentes na obra de Karl Marx e F. Engels.
c) De acordo com Maria da Glória Gonh, os movimentos sociais
na atualidade se destacam pelas demandas direcionadas
contra o grande capital.
d) As indicações do texto acima apresentam elementos da
sociedade pós-industrial, e como base teórica ter-se-ão as
considerações de Alain Touraine.
e) O texto traz argumentos específicos de estudos de base
teórica da sociedade industrial, cujos conflitos ocorrem na
esfera do trabalho.

4. Leia atentamente as citações a seguir:.

Texto 1
“Diante da nova ordem econômica, verificada com as
revoluções industriais, percebe-se que a sociologia
desempenha um papel preponderante no contexto da
análise, estudo e esclarecimentos quanto aos aspectos de
uma sociedade industrial” (FORACHI, Marialice; MARTINS,
José de Souza. Sociologia e Sociedade: leituras de introdução
à Sociologia. 21. ed. Rio de Janeiro: LTC, 1994, s/p. Disponível
em: <http://adobservare.com/2013/03/21/resumo-do-
capitulo-sociologia-e-sociedade-industrial/>. Acesso em: 20
mar. 2016.

Texto 2
“A Sociologia é uma ciência nova. Essa afirmação, que podemos
aplicar também em relação a outras ciências, precisa ser
compreendida em seu caráter essencialmente contraditório.
Ela surgiu no século XIX, portanto, num momento histórico
em que o capitalismo se consolidou como forma econômica,
política e social de organização da sociedade. Então, se a
Sociologia como ciência surge no interior do capitalismo,
como explicação da vida em sociedade, explicaria a vida social
somente no capitalismo? A resposta a esta questão é simples:
não. Esse é o seu caráter contraditório: surge para estudar
e explicar o capitalismo, ora defendendo-o e produzindo
conhecimentos para aprimorá-lo segundo a perspectiva
capitalista, ora criticando-o e produzindo conhecimentos

164 Sociologia na Sociedade Pós-Industrial


U4

para superá-lo, transformá-lo” (TOZONI-REIS, Marília Freitas


de Campos. Sociologia: O Estudo da Sociedade.

Com base nas informações presentes nos textos 1 e 2, assinale


a alternativa que contém todas as afirmativas corretas.

I – A sociologia surge como ciência por volta do século XIX,


como tentativa de compreensão da realidade europeia a partir
das transformações iniciadas com as revoluções culturais e
intelectuais (geradas pelo Renascimento e Iluminismo) assim
como as revoluções políticas (Revoluções Burguesas) e as
revoluções econômicas (Revoluções Industriais).
II – Embora tenha surgido no contexto histórico de
fortalecimento do sistema capitalista, a sociologia é uma
ciência que se preocupa em entender os processos sociais,
a relação indivíduo-sociedade independente da ordem
econômica, política, social e cultural a qual se propõem
analisar.
III - O desenvolvimento da chamada sociedade industrial
contribuiu, significativamente, para o questionamento da
relação indivíduo-sociedade e rompeu integralmente com a
sociologia clássica, considerada um instrumento de análise
pertinente.

a) Apenas a afirmativa II está correta


b) As afirmativas I, II e III estão corretas.
c) As afirmativas I e III estão corretas.
d) As afirmativas I e II estão corretas.
e) Apenas a afirmativa III está correta.

5. “A alienação deve ser definida em termos de relações sociais.


[...] O homem alienado é aquele que não tem outra relação
face às orientações sociais e culturais de sua sociedade que
aquela que lhe é reconhecida pela classe dirigente como
sendo compatível com a manutenção de sua dominação. [...]
alienação é, consequentemente, a redução do conflito social
por meio de uma participação dependente. As atitudes do
homem alienado somente têm sentido quando consideradas
como a contrapartida dos interesses daquele que o aliena [...]
Nossa sociedade é uma sociedade de alienação não porque
ela reduz à miséria ou porque impõe sujeições policiais, mas

Sociologia na Sociedade Pós-Industrial 165


U4

porque ela seduz, manipula, integra” (TOURAINE, 1969, p. 14-


15).

Com base na fala de Touraine, assinale a alternativa correta.


a) Segundo Touraine, a alienação é resultado das relações de
dominação e exploração do trabalho, pertinentes à sociedade
industrial.
b) A sociedade alienada é aquela cujas relações sociais ocorrem
no plano ideológico, pertinentes à sociedade industrial.
c) A alienação é um conceito com diferentes sentidos e, para
Touraine, devemos considerar o trabalho separado dos meios
de produção.
d) De acordo com Touraine, a historicidade promove a
capacidade que as sociedades possuem de agir sobre si mesmas,
redefinindo os projetos societais e, portanto, rompendo com
os processos de alienação.
e) A alienação é capaz de promover condições favoráveis para
o aparecimento de conflitos, especificamente os de ordem
política e cultural.

As breves considerações apresentadas neste texto foram


orientadas no sentido de promover uma reflexão acerca de uma
das contribuições de Alain Touraine para pensar a sociedade após
a segunda metade do século XX. Esses escritos não buscaram
abranger toda a obra do autor, mas realizar um pequeno recorte
teórico sobre a sociedade pós-industrial, ou, como ele mesmo
definiu, ter-se-ão as sociedades programa ou tecnocrata de
acordo com a historicidade.
Percebemos que o autor foi desenvolvendo ao longo da sua
trajetória de estudos alguns conceitos pertinentes à sua análise,
como por exemplo de historicidade como o cenário de rupturas
com a alienação, o sujeito como movimento social que atua fora
da contradição capital-trabalho, e sim, na esfera da cultura e da
política.
Os autores e os seus escritos devem ser localizados no tempo e
no espaço, portanto, compreender Touraine significa entender
sobre qual sociedade está falando, em que momento histórico

166 Sociologia na Sociedade Pós-Industrial


U4

está atuando. Deste modo, não caberia a essas discussões


mensurar se o sociólogo francês está ou não correto, mas sim de
que modo seus escritos podem ou não nos ajudar a entender a
vida social contemporânea.

Sociologia na Sociedade Pós-Industrial 167


U4

Referências

BARBOSA, Gabriel. Capitalismo e Trabalho – Max Weber. Disponível em: <http://


literatortura.com/2012/12/capitalismo-e-trabalho-maxweber/>. Acesso em: 29 fev.
2016.
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Tradução: Plínio Dentzien. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 2001.
BELL, D. O Advento da Sociedade Pós-Industrial. São Paulo: Cultrix, 1974.
CAETANO. Érika de Cássia Oliveira. A divisão do trabalho: uma análise comparativa
das teorias de Karl Marx e Émile Durkheim. Disponível em: <http://www.pucminas.br/
imagedb/documento/DOC_DSC_NOME_ARQUI20060410095823.pdf>. Acesso em:
02 mar. 2016.
DE MASI, Domenico. A Sociedade Pós-Industrial. São Paulo: SENAC, 2002.
DURKHEIM, Émile. As regras do método sociológico. 11. ed. São Paulo: Nacional,
1984.
DURKHEIM, Émile. Da divisão do trabalho social. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes,
2004.
FERREIRA, Delson. Manual de sociologia: dos clássicos a sociedade da informação.
São Paulo: Atlas, 2001.
FORACHI, Marialice; MARTINS, José de Souza. Sociologia e Sociedade: leituras de
introdução à Sociologia. 21. ed. Rio de Janeiro: LTC, 1994. Disponível em: <http://
adobservare.com/2013/03/21/resumo-do-capitulo-sociologia-e-sociedade-
industrial/>. Acesso em: 19 fev. 2016.
GOHN, Maria da Glória Gohn. 30º ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS GT 1: Cidades:
Sociabilidades, Cultura, Participação e Gestão. A Contribuição de Alain Touraine
para a Produção do Conhecimento na Sociologia Urbana: sujeitos coletivos e
multiculturalidade / Unicamp. Caxambu/MG. Apoio CNPq 24-28 de outubro. Disponível
em: <http://portal.anpocs.org/portal/index.php?option=com_docman&task=doc_
view&gid=3190&Itemid=232>. Acesso em: 05 mar. 2016.
KEIL, Ivete. Do capitalismo industrial ao pós-industrial: Reflexões sobre trabalho e
educação. Educação Unisinos, jan./abr. 2007. Disponível em: <http://revistas.unisinos.
br/index.php/educacao/article/view/5681/2886>. Acesso em: 29 fev. 2016.
LIEDKE, Élida Rubini. Breves indicações para o ensino de teoria sociológica hoje.
Sociologias, Porto Alegre, ano 9, n. 17, jan/jun. 2007, p. 266-278.

168 Sociologia na Sociedade Pós-Industrial


U4

MARX, K. ; ENGELS, F. O manifesto do Partido Comunista. São Paulo: Boitempo, 2010.


MARX, K. O Capital: crítica da economia política. Tradução por Regis Barbosa e Flávio
R. Kothe. São Paulo: Abril Cultural, 1985. Livro 1, v.1, t.1. (Os economistas).
MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos e outros textos escolhidos. São
Paulo, Nova Cultural. 1991.
MONTEIRO, RODRIGO BENTES. As Reformas Religiosas na Europa Moderna notas
para um debate historiográfico. VARIA HISTORIA, Belo Horizonte, v. 23, n. 37: p.130-
150, jan./jun. 2007. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/vh/v23n37/v23n37a08.
pdf>. Acesso em: 05 mar. 2016.
QUINTANEIRO, Tânia; BARBOSA, Maria Ligia de O; OLIVEIRA, Márcia Gardênia de. Um
toque de clássicos: Marx, Dürkheim e Weber. 2. ed. Belo Horizonte: Editora UFMG,
2002.
REZENDE, Maria José de. A globalização e os desafios da ação política num contexto
de concentração de riqueza e de poder: as reflexões de Zygmunt Bauman e as de
Celso Furtado. Centro De Investigación En Alimentación Y Desarrollo, a.c. v. 16, n.
30, jul./dez. 2007.
SANTOS, Ariovaldo de Oliveira. Adeus ao Trabalho e aos sindicatos ou a perda da
centralidade do Trabalho em Alain Touraine. Mediações. UEL, v. 13, n.1-2, jan./jun. e
jul./dez. 2008.
TOURAINE, Alain. La Société Post-Índustrièlle. Paris: Denoël/Gonthier, 1969.
______. Na fronteira dos movimentos sociais. Sociedade e Estado, Brasília, v. 21, n.1,
p. 17-28, jan./abr. 2006.
______. Os Novos Conflitos Sociais: Para evitar mal-entendidos. Lua Nova: Revista de
Cultura e Política, n. 17, jun. 1989.
WEBER, Max. A Ética Protestante e o Espirito do Capitalismo. São Paulo: Ed. Martin
Claret, 2002.

Sociologia na Sociedade Pós-Industrial 169

Das könnte Ihnen auch gefallen