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crítica
Sociologia crítica
Wilson Sanches
Leonardo Antonio Silvano Ferreira
Maria Gisele de Alencar
© 2016 por Editora e Distribuidora Educacional S.A.
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eGTB Editora
Sanches, Wilson
S211s Sociologia crítica / Wilson Sanches, Leonardo Antônio
Silvano Ferreira, Maria Gisele de Alencar. – Londrina : Editora
e Distribuidora Educacional S.A., 2016.
172 p.
ISBN 978-85-8482-374-1
CDD 301
2016
Editora e Distribuidora Educacional S.A.
Avenida Paris, 675 – Parque Residencial João Piza
CEP: 86041-100 — Londrina — PR
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Sumário
O nosso objetivo é levar o aluno a ter uma reflexão crítica da realidade buscando
ao máximo desenvolver uma opinião mais elaborada e realista, fugindo, assim,
consequentemente, do senso comum e de uma visão apenas descritiva dessa
ciência. A linguagem foi elaborada de uma forma simplificada, tornando-se um
texto de fácil leitura para a compreensão do aluno, e está voltada para as áreas
humanas, especialmente para o conhecimento sociológico.
COMPREENSÃO E
INTERPRETAÇÃO DA
SOCIEDADE
Wilson Sanches
Objetivos de aprendizagem:
Introdução à unidade
Você já percebeu que tudo aquilo que fazemos em nossas vidas cotidianas está
limitado a alguma realidade social? O modo como nos vestimos, o trabalho que
desenvolvemos, os meios de locomoção que utilizamos, os encontros sociais, a vida
amorosa, a vida religiosa, a vida acadêmica, todas essas coisas estão circunscritas
em certos círculos que, por vezes, nos adaptamos e, em outras vezes, negamos,
mas que, nos dois casos, nossas ações estão diretamente ligadas a essas realidades.
Se o que fazemos tem relação com o lócus em que vivemos – aqui temos que
entender que a expressão lócus supera a ideia física de lugar, mas também tem a
ver com a forma que se vive, os valores que se partilha, o tempo em que se vive,
enfim com os elementos de cunho material e também imaterial de uma sociedade
–, como nós podemos conhecer melhor a nossa realidade? Quais são as maneiras
pelas quais os homens e as mulheres desenvolvem algum tipo de relação social?
Como as mudanças sociais ocorrem?
Há algum tempo estudando Sociologia, você já deve ter percebido que são
essas as questões que nossa disciplina tem a intenção de enfrentar. Aliás, Florestan
Fernandes (1971) já havia afirmado que a Sociologia é a ciência que, além de estudar
as interações sociais dos seres vivos nos diferentes níveis de organização da vida, se
preocupa com o sistema social e as mudanças sociais. Assim, a Sociologia possui
diversos percursos metodológicos para compreender tudo o que constitui o seu
campo de estudo. Note que aqui há um elemento fundamental: a Sociologia não
está apenas preocupada em descrever a sociedade e seus processos sociais, ela
está ocupada em interpretar e compreender esses processos dentro dos cânones
da ciência moderna.
Seção 1
Portanto, Saint-Simon não fala de um elemento geral que condicione a vida das
sociedades, mas do princípio da coesão mantido por laços morais. A sociedade
capitalista moderna também produziu os laços morais que garantem a coesão social.
Saint-Simon, mais tarde, modificou sua visão criticando os patrões que parasitam
o operário. Para ele, era necessária uma ciência social positiva que revelasse as leis
do desenvolvimento da história. Suas ideias terão grande impacto sobre Marx, Engels
e Durkheim. Aqui é importante que você compreenda este caráter descritivo em
Saint-Simon, que estava propondo uma ciência que revelasse as leis que regem o
desenvolvimento da história.
Com o sucesso cada vez maior das ciências naturais começou-se a estabelecer
analogias entre a sociedade e os organismos vivos. A sociedade passou a ser vista
como um sistema vivo, organizado, ordenado de tal forma que a diferenciação produz
harmonia. Por exemplo, em um corpo humano possuímos diversos órgãos (coração,
pulmão, cérebro, sistema digestivo etc.) e cada um deles tem suas especificidades e
suas funções (coração bombeia o sangue, o pulmão tem a função da respiração etc.).
Dessa forma, o corpo só funciona em equilíbrio ou em harmonia, na medida em que
todos esses órgãos agem de acordo com suas características, ou seja, é a diferença
dentro de uma estrutura que produz harmonia. A sociedade agiria da mesma forma,
cada parte da sociedade possui uma determinada função, e à medida que essas
funções vão sendo realizadas para atender o todo é que a sociedade produz harmonia.
Diante de uma realidade social cada vez mais complexa, em que o senso comum
questionava a possibilidade de encontrar leis gerais para descrever o funcionamento
da sociedade como se fazia com o mundo natural, a questão que se levantava, e
que muitos sociólogos precisam conviver até hoje, é: A sociologia de fato pode ser
pensada como uma ciência?
Charon (1999) utiliza cinco princípios para definir ciência, e neles podemos perceber
que a Sociologia, desde o seu surgimento, é uma ciência.
O que podemos perceber sobre a exposição desses cinco princípios que definem
a ciência é que a Sociologia se insere em cada um deles. Claro que a Sociologia possui
suas especificidades na hora de fazer suas observações. Nós não temos como fazer
testes em laboratório e o nosso objeto de estudo está em constante mudança e por
isso deve ser observado frequentemente, mas isso não invalida a Sociologia como
ciência. Portanto, podemos afirmar categoricamente que a Sociologia é uma ciência
que possui suas características particulares.
Essa questão epistemológica é tão importante que Sell (2012, p. 17) afirma o
seguinte:
(2002, p. 13), “a primeira regra e mais fundamental de todas é tratar os fatos sociais
como coisa”. O que significa afirmar que precisamos tratar os fatos sociais como
coisas?
Afirmando ainda que existe uma precedência lógica do coletivo sobre o indivíduo,
Durkheim estabelece que a observação deva ser feita dos caracteres exteriores dos
fatos sociais, isto é, aquelas características que não dependem das manifestações
individuais. Portanto, para Durkheim, a abordagem do objeto de estudo da Sociologia
deve ser objetiva e nunca subjetiva, deve ser a maneira como ele se apresenta
dentro do contexto social e nunca a maneira como os indivíduos pensam os fatos
sociais. No intuito de deixar claro como se deve observar os fatos sociais, Durkheim
estabeleceu três princípios:
3º. Afastar-se dos dados subjetivos: para estudar os fenômenos sociais é preciso
afastar-se das manifestações individuais e analisar de uma forma tal que ele se
apresenta isolado destas manifestações.
Há correntes dentro da Sociologia que trabalharam com tipos coletivos, mas que
pensam como os sujeitos afetam esses tipos.
Seção 2
Há, portanto, dentro das sociedades, um peso significativo das estruturas sociais
sobre os indivíduos, é a opressão das gerações mortas sobre a vida dos vivos. Mas, se
há esse peso, há também a possibilidade de transformação social, pois ainda são os
homens que fazem a história. Fazer a história é tornar-se sujeito da história, portanto,
responsável pelo desenrolar do processo histórico.
Na tese X sobre Feuerbach, Marx escreve que o novo materialismo não parte da
sociedade civil, mas da humanidade socializada, ou seja, da humanidade, que por
um processo histórico em curso encontra-se vivendo em sociedade e foi feito pelos
homens atuando na transformação da realidade material. Marx afirma na tese XI que
a própria ciência deveria atuar nesta transformação quando diz que “os filósofos não
fizeram mais do que interpretar o mundo de maneiras diferentes; trata-se, porém, de
transformá-lo” (MARX, 1999, p. 8).
O problema que se coloca é de duas ordens: a primeira diz respeito à ideia de que
o conceito de sociedade por vezes é atenuado, ou seja, se considera sociedade uma
abstração prática necessária para uma síntese provisória, mas que o desenvolvimento
das relações sociais se dá entre os indivíduos, portanto a sociedade não seria um
objeto de estudo qualificado para compreensão das interações entre os indivíduos,
pois seu papel seria diminuto nessas interações. A segunda é a de que o conceito de
sociedade é exagerado, ou seja, tudo o que os homens são e fazem se dá dentro da
sociedade, assim, toda ciência, de uma certa forma, é uma ciência da sociedade.
A Sociologia, para Simmel, é uma ciência que tem por tarefa produzir uma
determinada maneira de ver o mundo. A construção do objeto da Sociologia, bem
como de seu método indica que cabe a esta ciência interpretar os fenômenos sociais.
Isso fica evidente quando Simmel, diante do processo de crescimento acelerado das
A cidade faz um contraste profundo com a vida rural e a vida da pequena cidade no
que se refere aos fundamentos sensoriais da vida psíquica (SIMMEL, 1979). Enquanto
nas pequenas cidades e em meios rurais a vida psíquica descansa em relacionamentos
profundamente sentidos e emocionais, na metrópole são as camadas mais superficiais
em que se situa o intelecto, que age para adaptar, sem choques, o indivíduo ao ritmo
metropolitano. O órgão que o homem metropolitano desenvolve para suas relações é
a cabeça e não o coração, pois a intelectualidade se destina a preservar a vida subjetiva
contra o poder avassalador da vida metropolitana. A metrópole, enquanto sede da
economia monetária e lócus do intelecto, promove uma atitude prosaica ao lidar com
homens e coisas. A mente moderna, dentro das metrópoles, torna-se mais calculista.
Há uma estrutura da mais alta impessoalidade. Todos esses elementos são necessários
para que pessoas de interesses tão diferenciados possam continuar se relacionando
dentro das metrópoles.
A Escola de Frankfurt foi fundada no ano de 1923 como Instituto para a Pesquisa
Social. Theodor Adorno, Herbert Marcuse, Marx Horkheimer e Walter Benjamin
foram os principais pensadores da primeira geração dessa escola de pensamento,
que também é chamada de Teoria Crítica (ARANHA; MARTINS, 2003). Para
Horkheimer, não era possível pensar em uma ciência social que apenas descrevesse
como as sociedades funcionavam, mas era preciso uma racionalidade voltada para
emancipação para construção de uma sociedade em que mulheres e homens
pudessem viver em liberdade e igualdade.
A Escola de Frankfurt faz uma crítica ao racionalismo que não pensa sobre suas
consequências. Assim, ela aponta a existência de dois tipos de racionalidade: a razão
instrumental, que é uma razão técnico-científica que está preocupada em conhecer
para controlar, portanto está a serviço da violência e da exploração; e a razão crítica,
que reflete sobre as contradições e os conflitos sociais, bem como os conflitos
políticos, estabelecendo que essa razão possui uma força libertadora advinda da
própria crítica (CHAUÍ, 1995; ARANHA; MARTINS, 2003).
ideias, se veicula a de que o trabalho assalariado sempre existiu, ele é algo natural na
história humana, pois existe desde os tempos mais remotos, os Flintstones na Idade
da Pedra, até o futuro mais longínquo, os Jetsons na era dos carros voadores. Não
obstante o trabalho assalariado, da forma que é apresentado nos dois desenhos, só
vem a existir na modernidade com o modo de produção capitalista.
A esfera pública surge nos cafés parisienses, nos salões londrinos e foi ampliado
pelo aparecimento da mídia impressa. Os jornais ampliavam as discussões, uma
vez que ofereciam informações relevantes para os debates, no entanto, Habermas
aponta que esse espaço entra em declínio com o avanço da indústria cultural, que
sufoca o debate público.
A teoria crítica proposta pela Escola de Frankfurt revisita e revisa alguns elementos
do materialismo-histórico, como a importância da cultura para a manutenção do
modo de produção capitalista (Gramsci terá algumas contribuições neste sentido,
mas este autor será discutido em outra unidade do livro). Assim, a infraestrutura – a
Assim sendo,
O emprego do termo ideologia é tão ambíguo que sua acepção pode ser tanto
constitutiva quanto pejorativa. Ideologias podem significar “sistemas de pensamento”,
“sistemas de crença” ou “sistemas simbólicos”, que se referem à ação social ou à
prática política (THOMPSON, 2000, p. 16).
O estudo da ideologia exige a investigação dos contextos sociais dentro dos quais
essas formas simbólicas são empregadas e articuladas. Para Thompson (2000, p. 183),
formas simbólicas referem-se a “uma ampla variedade de fenômenos significativos,
desde ações, gestos e rituais até manifestações verbais, textos, programas de
televisão e obras de arte”. Para o autor (2000, p. 18), “as formas simbólicas servem
para estabelecer e sustentar relações de poder e dominação nos contextos sociais
em que elas são produzidas, transmitidas e recebidas”.
Thompson (2000) define cinco modos que a ideologia pode operar e as maneiras
como esses modos de operação podem estar ligados à estratégia de construção
simbólica. A Tabela 1.1 reproduz o quadro dos modos estratégicos de operação da
Para ele, as formas simbólicas não são por si só ideológicas, isso depende do
modo como elas são usadas e entendidas em contextos sociais específicos, ou seja,
se servem para dar existência e manter as relações de dominação nos contextos
sociais em que elas são produzidas, transmitidas e recebidas. De acordo com o autor
(1995, p. 76):
que é a realidade” (SANTOS, 2007, p. 160). Assim sendo, quando estamos estudando
ideologia:
d. V – F – V.
e. F – F – V.
a) I e II.
b) I e III.
c) I e IV.
d) II e III.
e) III e IV.
Referências
FLORESTAN FERNANDES
Wilson Sanches
Objetivos de aprendizagem:
48 Florestan Fernandes
U2
Introdução à unidade
Florestan une uma narrativa mítica dos heróis que, tendo nascido sob condições
desfavoráveis, vencem seus inimigos até se tornarem exemplo de conduta. O
problema é que os heróis tendem a ser cooptados pelo status quo como forma de
perpetuar determinados paradigmas. Por isto, o próprio Florestan nega essa pecha
de herói por meio de uma reflexão sobre o seu próprio fazer. A autocrítica é uma
tarefa sociológica das mais árduas. Em uma entrevista a um programa de televisão,
respondendo se era mais difícil ser Florestan do que ser Vicente (nome que sua
madrinha lhe chamava por achar que o nome alemão Florestan era pomposo
demais para uma criança pobre), Florestan responde que ele não seria quem é sem
Vicente, ao mesmo tempo que afirma que as condições objetivas de sua vida são
muito melhores do que a condição de Vicente. Florestan havia percorrido todos
os patamares da carreira acadêmica e se tornado um homem de classe média que
tem mais do que precisa para viver. Neste momento, Florestan faz uma pausa e
reflete: “é uma vergonha o homem ter mais do que ele precisa”. Assim se projeta o
pensamento de Florestan, rigoroso, crítico em todos os momentos e em todos os
sentidos. Para nós, sociólogos brasileiros, saber que um homem da envergadura
intelectual, moral e ética como Florestan Fernandes é fundador de uma de nossas
tradições teóricas é uma honra inenarrável. Portanto, vamos ao texto descobrir um
pouco mais sobre esse autor.
Florestan Fernandes 49
U2
Seção 1
Vida e obra
Discorrer sobre Florestan Fernandes é sempre um desafio. Uma figura conhecida,
professor da Universidade de São Paulo, político, debatedor da questão educacional no
país, sociólogo de um rigor impressionante; pesquisador que soube utilizar os métodos
das ciências sociais de forma única, transitou por algumas correntes do pensamento
sociológico e desenvolveu uma “maneira Florestan” de articular as diversas teorias das
ciências sociais para responder aos grandes dilemas de nosso país.
A família de Florestan se resumia a ele e sua mãe. Filho de mãe solteira no início
do século XX, ainda muito cedo começou ajudar no sustento da casa. Trabalhou
desde os 6 anos de idade. A necessidade de se manter vivo fez com que Florestan
50 Florestan Fernandes
U2
abrisse mão dos estudos, interrompendo sua formação na terceira série primária.
Aqui não cabe fazer nenhum drama sobre a vida de Florestan Fernandes, sua história
de vida não é diferente da de muitos brasileiros, e este é um dado extremamente
triste, perceber que a exclusão social, que nega aos indivíduos a possibilidade de
realizar seus estudos, não é algo que remonta somente à primeira metade do
século XX, mas que está presente ainda hoje na sociedade brasileira. Assim, o
extraordinário da história da vida de Florestan é que ela não é contada como uma
história de superação pessoal que tende a reforçar a ideia da meritocracia tão
presente em nossa sociedade desigual, mas fazemos para sublinhar como sua
socialização impactou em sua formação e em seus estudos. Haroldo Ceravolo
Sereza (2014, p. 305) afirma que:
Florestan Fernandes 51
U2
Os cursos de madureza eram cursos oferecidos a jovens para a conclusão do ensino ginasial e colegial.
1
Também se dava o nome de cursos de madureza aos exames prestados para o ingresso na faculdade.
52 Florestan Fernandes
U2
Neste ponto, temos elementos que nos permitem algumas inferências entre
a socialização de Florestan e o intelectual que se tornou. Oriundo das camadas
subalternas, jamais deixou de se perguntar sobre as razões objetivas da desigualdade
social. Diante do medo da mãe de que a deixasse, criou-se um intelectual que está
o tempo todo dialogando com a própria história. Como sábio, jamais esqueceu
que o caráter de um homem não é definido pela profissão que ele possui, mas por
sua inquebrantável posição frente aos reveses da vida. Florestan foi um homem de
caráter até sua morte em 10 de agosto de 1995.
Florestan Fernandes 53
U2
Octavio Ianni não tem dúvida em afirmar que a Sociologia crítica no Brasil tem
em Florestan Fernandes seu fundador (IANNI, 2004; 2008). A produção intelectual
de Florestan, segundo Ianni (2008, p. 15), “está impregnada de um estilo de reflexão
que questiona a realidade social e o próprio pensamento”.
54 Florestan Fernandes
U2
Florestan (1971, p. 15) afirma que “[...] é possível definir a Sociologia como a ciência
que tem por objeto estudar a interação social dos seres vivos nos diversos níveis
de organização da vida”. Essa definição aponta que é possível falar de um estudo
das interações sociais que não as exclusivamente humanas, mas que se referem às
interações sociais entre outros animas e até mesmo entre as plantas. No entanto,
apesar dessa possibilidade, o autor evidencia que as interações humanas são muito
mais complexas e interessantes do ponto de vista sociológico.
Florestan Fernandes 55
U2
teóricas dos diversos autores deveriam ser reduzidas a uma finalidade: legitimar a
Sociologia como ciência.
56 Florestan Fernandes
U2
Florestan Fernandes 57
U2
58 Florestan Fernandes
U2
Essa postura está presente em Florestan quando ele coordena, em conjunto com
Roger Bastides, uma pesquisa sobre as relações raciais em São Paulo patrocinada
pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco).
A pesquisa foi organizada fazendo reuniões com representantes da comunidade
negra que habitavam na cidade.
Durante a pesquisa sobre as relações raciais em São Paulo, havia três comissões
que se reuniam regularmente: a primeira de pesquisadores e representantes da
população negra; a segunda de intelectuais negros que teriam por função preparar
as reuniões da primeira comissão e tratar dos temas que eram considerados mais
delicados; e uma última comissão composta por mulheres que teria a função de
examinar o preconceito de cor em relação à mulher e à criança (SEREZA, 2014).
Florestan Fernandes 59
U2
Por que esse estudo de Florestan, com forte cunho funcionalista, pode ser
compreendido como um exemplo de postura crítica do sociólogo? Para realizar
a pesquisa, Florestan não parte de premissas arbitrárias construídas por ele, um
professor universitário branco, filho de imigrantes, em um escritório, muito menos
parte da observação dos indivíduos como objeto de estudo, como se fosse
possível para o cientista social ser imparcial e neutro, mas dá voz aos envolvidos
nos estudos, pois o objeto de estudo é também sujeito histórico. Florestan dialoga
com os membros da comunidade negra, mulheres e intelectuais que pensavam
criticamente sua posição. Aqui se percebe a postura ética e política do pesquisador
em reflexão às possibilidades políticas daquilo que ele está produzindo. Florestan
nega veementemente aquilo que por muito anos tinha sido a característica do
povo brasileiro: a democracia racial. Como Durkheim, Florestan entende que o
papel da ciência é descontruir as opiniões formadas.
60 Florestan Fernandes
U2
Ianni (2008), falando sobre o entendimento que Florestan tem sobre o papel
das ciências sociais, adverte que o cientista social com inclinação à neutralidade
científica, proposta pelo modelo liberal de ciência, evoca sobre si uma iluminação
única que ninguém pode alcançar, a não ser outro iluminado cientista, que é o de
agir sem ser guiado pelos interesses mundanos, e leva sua ciência somente até o
ponto que esta ciência se sustente objetivamente isenta do conjunto histórico da
sociedade. Ao fazer isso, o cientista social torna a sua ciência neutra, mas também
pasteurizada. O cientista social que assim age nega seu papel de cidadão e tende a
omitir-se diante dos dramas da vida humana. Segundo Ianni (2008, p. 32):
Florestan Fernandes 61
U2
consciência possa desencadear uma revolução que conduza a nação à uma ordem
social democrática e um Estado que tenha fundamento na dominação da maioria.
O que está no horizonte é a fundação de um Estado verdadeiramente democrático
em que o trabalho seja verdadeiramente livre e possa produzir não mais excedentes
para a apropriação privada de poucos, mas resultados significativos que conduzam
a vida humana à uma maior autonomia.
O cientista social não pode ser indiferente à realidade e é nesse sentido que Ianni
ressalta a importância da perspectiva dialética em que o ponto de partida da ciência
é o real. Florestan demonstra de maneira prática que, sendo o ponto de partida o real
dentro de uma perspectiva dialética, a utilização de um corpus teórico diversificado
é fundamental para compreensão deste real. Essa diversificação está presente em
diversas obras, mas iremos nos deter em algumas categorias pensadas por Florestan
que se encontram no livro “A Revolução Burguesa no Brasil”.
62 Florestan Fernandes
U2
Florestan Fernandes 63
U2
Seção 2
64 Florestan Fernandes
U2
Florestan havia usado o termo ensaio em outros dois textos anteriores ao “Revolução
Burguesa”. Em 1953, no ensaio sobre o método funcionalista em sociologia, ensaio
tem o significado de “tentativa”; e depois, em “Ensaios de Sociologia Geral e Aplicada”,
com o significado de conjunto de artigos que versam sobre um mesmo tema. Com
a utilização do termo “ensaio” na “Revolução Burguesa”, Florestan revê suas posições
cientificistas, ou seja, Florestan se permite algum nível de interpretação pessoal sobre
o tema que está se propondo a trabalhar, mas o estilo que o livro foi escrito ainda é de
um intelectual organicamente ligado ao método e ao linguajar científico.
Florestan Fernandes 65
U2
ordem social competitiva no Brasil, pois, nos países de origem colonial, o capitalismo
é introduzido antes do estabelecimento de uma ordem social competitiva, e as
estruturas econômicas, sociais e políticas da sociedade colonial moldam a sociedade
“independente” e determinam a forma como essa sociedade será absorvida pelo
mercado mundial. Neste sentido, o burguês moderno no Brasil ressurge das cinzas do
senhor antigo, o que gera um descompasso da burguesia nacional com a burguesia
clássica, pois nos países em que a revolução burguesa ocorreu de maneira “ideal” o
burguês é a antítese dos antigos estamentos e não a continuidade, como no caso
brasileiro em particular e nos casos de países originalmente constituídos a partir do
colonialismo em geral. Essa condição impediu, segundo Florestan, o aparecimento da
ordem social competitiva em sentido pleno impedindo o surgimento das relações de
classe como observado em países ditos avançados.
O Estado foi a espinha dorsal das mudanças, pois a classe burguesa se mostrava
extremamente frágil. O capitalismo dependente surge das ingerências internas e
submetido ao imperialismo. A análise da revolução burguesa no Brasil é a análise da
crise do poder burguês, e o título da obra de Florestan acaba por se constituir um
paradoxo em si mesmo, pois a revolução burguesa no Brasil foi uma revolução que
não foi uma revolução.
66 Florestan Fernandes
U2
construída, por outro lado, por Florestan como produto das funções classificadoras
do mercado e estratificadoras da produção. Essa noção em Florestan é uma absorção
das ideias weberianas, estratificação social e marxiana de determinação do mercado
por momentos anteriores. Assim, o ator aponta a persistência de três padrões distintos
do desenvolvimento no Brasil: o padrão de desenvolvimento econômico, o padrão
de desenvolvimento social e o padrão de desenvolvimento cultural. Esses padrões
não são necessariamente referidos, ou seja, o desenvolvimento de um padrão
não necessariamente reflete o desenvolvimento de outro padrão. Assim, a ordem
social competitiva no Brasil é fluída pois não produz a ordem social de classe e não
diversifica valores e aspirações sociais. Portanto, as condições estruturais herdadas do
colonialismo criam impasses que prejudicam a intenção das ações dos agentes, isso
quer dizer que o resultado da ação dos sujeitos não está conectado à intenção da
ação. No caso do capitalismo dependente, a particularidade da relação construída
impediu o florescimento da ordem social competitiva e de condutas orientadas
segundo padrões correntes do capitalismo como estilo de vida.
Florestan Fernandes 67
U2
68 Florestan Fernandes
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Seção 3
Para responder a esta questão é preciso pensar que o Brasil se constituiu, desde o seu
descobrimento, a partir da expansão do capitalismo. Assim, qualquer questionamento
sobre o Brasil só pode ser respondido na medida em que se pense para além apenas
de nossa nação, mas é imperioso que se pense como as articulações para a expansão
do capitalismo envolveram o Brasil e afetaram sua formação. Portanto, pensar o Brasil
dentro de um sistema mundial que é o capitalismo significa pensar como o Brasil faz
parte deste sistema, como participou de sua expansão e como está inserido hoje. Mas
também é preciso pensar como o capitalismo é apropriado pelo Brasil, ou seja, como
70 Florestan Fernandes
U2
Portanto, o que Florestan chama atenção é que o cientista social deve se preocupar
em estudar a evolução do capitalismo em quadros particulares, pois se teorizou que o
capitalismo se origina da Revolução Burguesa clássica que conduz necessariamente
ao Estado representativo. Nas particularidades não se pode afirmar que esse caminho
siga esta ordem, há casos, sobretudo na América Latina, em que o capitalismo não
surge das revoluções burguesas e não conduz ao Estado representativo democrático
ou à autonomia do país. Este capitalismo praticado, não só na América Latina,
mas em toda a periferia do mundo capitalista, é um capitalismo difícil e selvagem.
Somente no momento em que as ciências sociais aceitarem o desafio de estudar
essas particularidades que se produzirá um conhecimento significativo e se poderá
entender em parte o que se passa nas nações que ocupam esses espaços, como o
caso do Brasil.
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U2
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U2
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U2
74 Florestan Fernandes
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76 Florestan Fernandes
U2
do povo, aquele que tem por objetivo propiciar formas para que a
população atinja de uma maneira mais rápida a consciência de si.
Florestan caminha por diversas correntes teórica, mas é no
materialismo-histórico que suas aspirações críticas encontraram
repouso, no entanto, o compromisso com um determinado ethos
científico o faz dialogar constantemente com diversas teorias para
melhor abordar os objetos de estudo. Essa posição fica evidente
no livro “A Revolução Burguesa no Brasil: ensaios de interpretação
sociológica” em que nosso autor dialoga ao longo da obra com
Durkheim, Weber, Manheim, Merton, Parsons e Marx.
Os estudos sobre a vida e obra de Florestan Fernandes nos ajudam
a compreender o papel da sociologia crítica na sociedade brasileira,
a pensar o papel do sociólogo na sociedade, e a refletirmos sobre
nossa própria ação enquanto sujeitos históricos.
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U2
78 Florestan Fernandes
U2
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Referências
82 Florestan Fernandes
Unidade 3
TEORIA SOCIOLÓGICA DO
SÉCULO XX
Objetivos de aprendizagem:
Nesta unidade, você poderá compreender sobre os problemas sociais
ocasionados pelo modo capitalista de produção examinados pela leitura de
Antônio Gramsci e de Louis Althusser. Num primeiro momento, você entenderá
a contextualização histórica da realidade social observada pelos autores, a qual
levou à formação de suas teorias de perspectiva marxista, que enxergam as
contradições presentes no capitalismo, embora com análises e teorias distintas.
Introdução à unidade
Neste capítulo, vamos estudar sobre a teoria sociológica do século XX, na qual
você aprenderá a respeito da análise de dois autores que estudaram intensamente
a “moderna” sociedade industrial que emergia sobre seus olhos, no contexto
específico a que se inseriam. As profundas transformações que ocorreram ao
longo do século XX marcaram modificações profundas nas relações de trabalho
e de produção no capitalismo, aprimorando a cultura e a sociabilidade burguesa
como exercício de dominação, o papel do Estado e sua estrutura, dentre outros
temas. Essas e outras questões foram colocadas pelos autores que abordaremos
nas próximas páginas a desenvolver suas teorias, e você, caro aluno, é o nosso
convidado para esta aventura sociológica.
Seção 1
Desde o seu surgimento, a sociologia fora caracterizada por ser uma área do
conhecimento marcada por muitas crises, conflitos e divergências por seus autores
clássicos, ou seja, Auguste Comte, Émile Durkheim, Karl Marx e Max Weber. Esses
autores desenvolveram estudos segundo seus respectivos conceitos e métodos
de análise. No âmbito metodológico, os clássicos da Sociologia ofereceram uma
forma específica de analisar a sociedade de sua época, que são referências para
Como você pôde ter percebido em outros textos, a perspectiva analítica de Marx
se assenta nas contradições presentes na sociedade, ou seja, nos antagonismos
produzidos a partir das relações materiais de produção. Tendo como base o
materialismo histórico dialético1, Marx analisou a sociedade de sua época a partir
das transformações concretas e de relações da luta de classes em movimento, não
como coisas isoladas e estáticas, mas sim a partir dos antagonismos presentes nas
relações sociais em determinado momento histórico. Com base neste antagonismo
de classes é que a sociedade capitalista se apresenta de modo contraditório e,
portanto, transitório no curso da humanidade.
1
O materialismo histórico dialético é o método utilizado por Marx para explicação da sociedade, e pode
ser brevemente resumido da seguinte forma: materialista, porque as relações sociais são ligadas às forças
produtivas de uma sociedade; histórico, uma vez que a história de todas as sociedades é marcada pela
luta de classes; e dialético, pois as construções culturais e ideológicas são produtos das relações sociais
que constituem uma esfera do comportamento social determinado, que identifica as leis da realidade.
O modo de produção que compõe a realidade social é regido por leis dialéticas
objetivas, como as derivadas das contradições entre as forças produtivas e as
relações de produção, determinada em última instância pela infraestrutura e movida
concretamente pela luta de classes (MARX, 1983). O capitalismo, em sua gênese
histórica, se objetiva por ampliar e promover a acumulação de riquezas.
De que forma podemos articular a metodologia utilizada por Marx com o seu
projeto de sociedade? Como a ciência se relaciona e se aplica na organização social?
É justamente nesse sentido que você, caro aluno, consegue perceber a influência das
contribuições de Marx, que vai além de preocupação puramente econômica ou com
o desenvolvimento da ciência e do conhecimento humano como um todo. Com
os seus escritos, Marx visava, em última instância, a uma ampla revolução social, que
deveria ser realizada por uma mudança lenta e gradual, na qual prescindia-se de uma
ampla conscientização dos trabalhadores sobre a formação da sociedade capitalista
que os levou a condição de explorados nas relações materiais de produção.
Uma especificidade do novo colonialismo fez com que essas regiões, que
tiveram seus recursos gradativamente saqueados pelas potências capitalistas,
também se tornassem locais de consumo das mercadorias produzidas nos países
de industrialização avançada. Isso fez com que esses países se tornassem cada
vez mais ricos, ampliando o abismo no que se refere à distribuição de riquezas no
mundo. Além disso, no interior de seus próprios territórios, os países centrais do
capitalismo intensificaram a produção de mercadorias e a exploração da força de
trabalho, agravando a desigualdade entre as classes sociais.
Enfim, faz-se muito importante, caro aluno, você compreender que as análises
sociológicas do século XX não surgiram do nada, ou seja, as explicações pautaram-
se pela análise da sociedade da época em que os autores estão inseridos, sendo
consequência das transformações sociais, políticas e econômicas de um contexto
histórico que antecedem e constituem esta sociedade.
Seção 2
Desde o fim do século XIX e início do século XX, quando houve a consolidação
da grande indústria com a introdução da maquinaria, aumentou consideravelmente
a produção de mercadorias, como vimos em Marx. É preciso, portanto, relembrar
que as profundas mudanças que existiram nesse período visaram à melhoria do
desenvolvimento industrial e o aumento da produtividade, modificando assim as
características da relação capital e trabalho.
Com isso, os antigos artesãos (que dominavam um saber fazer) puderam ser
gradativamente substituídos por operários menos qualificados e com menor custo.
Há, portanto, um enfraquecimento político da classe trabalhadora nesse contexto, o
que resultou num aumento de lucros e produtividade, de modo geral, perpetuando
assim o controle sobre os trabalhadores e o rebaixamento dos salários.
ter estudado, o fordismo foi desenvolvido nas fábricas de automóveis nos Estados
Unidos, num primeiro momento, servindo depois de modelo para as outras empresas
do mundo. O que fez então Ford de novidade?
2
Gramsci explica que as experiências fordistas sobre a economia da empresa e a gestão direta no transporte
e no comércio de mercadorias, incorporadas diretamente ao conjunto da produção industrial, teve um
impacto direto no custo da produção, sendo possível o pagamento de maiores salários aos trabalhadores.
Consequentemente, foi possível a redução dos preços de venda dos produtos, o que estimulou diretamente
o consumo de mercadorias, articulando assim a produção e o consumo em massa.
Como você pôde perceber, caro aluno, são essas as condições preliminares
que tornaram possível a realização do fordismo na América, ou seja, houve a
racionalização da produção e do trabalho, combinada com a alta persuasão sobre
a classe subalterna mediante os altos valores pagos e os produtos vendidos a baixo
custo, estimulando o consumo e permitindo que a “nova” empresa capitalista, que
emergia neste início de século, se expandisse em larga escala. A hegemonia, portanto,
afirma Gramsci, “vem da fábrica e, para ser exercida, só necessita de uma quantidade
mínima de intermediários profissionais da política e da ideologia” (GRAMSCI, 1976,
p. 381-2).
Somente assim, segundo Gramsci, foi possível pensar neste “novo tipo humano”
a partir de uma nova concepção de trabalho e produção. Entretanto, no mundo
europeu e, especificamente no contexto histórico italiano, identifica-se uma espécie
de “delírio fordista”, mas que, não tendo as mesmas condições materiais e culturais
da América, assistiu a uma “conversão ao ruralismo e à depressão iluminista da
cidade, a exaltação do artesanato” (GRAMSCI, 1976, p. 383).
3
A produção sociológica da época permite Gramsci dialogar com Max Weber. O livro “A ética protestante e
o espírito do capitalismo” de Weber tem como objetivo pensar a sociedade moderna capitalista da Europa
Ocidental, em suas características de desenvolvimento econômico, na possibilidade da existência de alguma
relação com o pensamento religioso.
que é igualmente regulada pela cultura industrial, com vistas a adequar este
trabalhador aos moldes fordistas de produção. Gramsci demonstra sua preocupação
sobre a questão sexual, na qual é um dos aspectos fundamentais para se pensar
também na questão econômica, pois está profundamente relacionada.
Gramsci adverte que há uma relação entre a baixa natalidade em muitas cidades
industriais com a fecundidade das pessoas, devendo haver uma assimilação das
novas mudanças com a vida na indústria, que, por sua vez, exige um processo de
adaptação para essas novas condições de trabalho, de nutrição, de habitação e
de costumes ofertados pelas mudanças em tela (GRAMSCI, 1976). Essa é uma das
razões para uma considerável despesa para a capacitação dos “novos não urbanos”,
e que altera, em grande medida, a composição social e política da cidade.
É nesse sentido que você pode perceber como o fordismo, através de seus
administradores e gestores, inovou no sentido de racionalizar toda a produção,
uma vez que o trabalhador fora pensado para além do espaço físico e temporal da
fábrica. De forma diferente do taylorismo, o trabalhador fordista foi pensado como
um ser complexo, não apenas a partir de suas características físicas voltadas para a
operação da máquina.
Não era mais possível, como observa Gramsci em relação ao taylorismo, otimizar a
produção de mercadorias, apenas racionalizando as etapas do processo operacional
nas máquinas. Não era mais possível pensar o trabalhador em relação à execução
de tarefas bem definidas, como uma espécie de check list a ser seguido, definindo
o papel do trabalhador como uma própria “máquina” no interior do funcionamento
orgânico da indústria moderna.
Os altos salários que são pagos por Ford na indústria americana, como adverte
Gramsci (1976), são mais altos comparados com a média salarial dos salários
dos demais trabalhadores americanos. Somente assim é possível compreender
as características desse modelo de produção sob a ótica gramsciana. O autor
identificou as múltiplas dimensões dessa profunda mudança cultural trazida com o
americanismo e o fordismo e as preocupações dos gestores com a vida social do
trabalhador, de modo mais amplo e interligado com um “melhor” aproveitamento de
suas atividades no momento em que está trabalhando e gerando valor.
Seção 3
Como você pôde perceber, estudamos até aqui as formas de reprodução das
forças produtivas, que consistem na reprodução dos meios de produção de um
lado, e da força de trabalho de outro. Entretanto, seguindo a explicação de Althusser,
somos conduzidos a analisar a reprodução das relações de produção, pois é uma
questão crucial para a teoria marxista.
Isso nos leva a concluir que o que acontece no último andar, ou seja, na
superestrutura, é determinado pelo que ocorre na base econômica5. Os andares
da superestrutura não são determinantes, mas são determinados pela eficácia de
base. Althusser chama esse fenômeno de índice de eficácia, que é pensado na teoria
marxista de duas formas:
Ideológica
(diferentes ideologias:
religiosa, ética, legal,
política, etc.)
Superestrutura
Jurídico-Política
(o direito e o Estado)
Infraestrutura ou base
Infraestrutura econômica (unidade
das f. produtivas e das
relações de prod.)
Fonte: O autor.
5
Althusser parte da explicação de Marx na análise da estrutura social como algo constituído por dois níveis,
articulados numa determinação específica.
3.2.1 O Estado
O Estado não tem lógica a não ser em função de seu poder, denominado
de poder estatal. A luta política das classes dominantes e das classes dominadas
estão no entorno da luta pelo Estado. Desse modo, Althusser aponta que, por um
lado, tem-se o objetivo da luta política de classes, que gira em volta do Estado, e,
por outro lado, o Aparelho de Estado, ou seja, a sua estrutura.
É nesse momento que o autor propõe a sua tese. Para Althusser, é preciso
considerar não apenas a distinção entre poder estatal e aparelho de Estado, mas
uma outra realidade localizada ao lado do aparelho repressivo do Estado, que é
diferente dele. Essa realidade a que Althusser está se referindo é denominada de
Aparelhos Ideológicos de Estado. De acordo com Althusser, os AIEs consistem
num “certo número de realidades que se apresentam ao observador imediato
sob a forma de instituições distintas e especializadas”.
Para ilustrar como exemplo a teoria de Althusser, vamos à imagem de uma Igreja,
que é a representação do Aparelho Ideológico Religioso, segundo a concepção do
autor.
Enfim, caro aluno, como você pôde notar, para Althusser, a força do Aparelho
Repressivo do Estado, por si só, não garante a manutenção e a reprodução das
relações de produção. O consenso, legitimado pelos aparelhos ideológicos de
Estado, sejam quais forem, determinam e legitimam a dominação de uma classe
sobre a outra, naturalizando, através do discurso, dos sermões religiosos de padres
e pastores, das normas morais da família, dos valores culturais, do ideário político
de um ou outro partido, das sanções disciplinares da justiça. Sem o consenso
criado pelos Aparelhos Ideológicos de Estado não será possível a reprodução das
condições de produção.
Referências
SOCIOLOGIA NA SOCIEDADE
PÓS-INDUSTRIAL
Objetivos de aprendizagem:
Nossa proposta é desenvolver algumas discussões sobre a contribuição
dos estudos sociológicos após a segunda metade do século XX, definida por
um viés teórico como sociedade pós-industrial. Para atingir este objetivo,
vamos partir dos estudos do sociológico francês Alain Touraine, que se
preocupou em analisar a formação de novos campos das lutas sociais, assim
como pensar os conflitos gerados pela ‘nova’ formação social. Ter-se-á, de
acordo com o autor, a formação dos novos sujeitos sociais.
Bons estudos!
Introdução à unidade
Pensar sobre:
É importante que você busque as obras dos autores, para orientá-los(as) vejam:
1
AUGUSTE COMTE: urso de filosofia positiva, em 6 volumes (1830-1842) (em 1848 foi renomeado para
Sistema de filosofia positiva); Discurso sobre o espírito positivo (1848); Discurso sobre o conjunto do
Positivismo (1851) (Introdução geral ao Sistema de política positiva); Sistema de política positiva, em 4
volumes (1851-1854).
2
KARL MARX: Manifesto Comunista (Boitempo Editorial, 1998. Tradução: Álvaro Pina.). A ideologia alemã
(Boitempo Editorial, 2007. Tradução: Rubens Enderle, Nélio Schneider e Luciano Cavini Martorano.); O
Capital: Crítica da Economia Política. Livro 1: O processo de produção do capital (Boitempo Editorial,
2013. Tradução: Rubens Enderle). O Capital: Crítica da Economia Política. Livro 2: O processo de
circulação do capital (Boitempo Editorial, 2014. Tradução: Rubens Enderle). Manuscritos econômico-
filosóficos (Boitempo Editorial, 2004. Tradução: Jesus Ranieri.).
3
ÉMILE DURKHEIM: Da divisão do trabalho social, 1893; Regras do método sociológico, 1895; O
suicídio, 1897; As formas elementares de vida religiosa, 1912;
4
MAX WEBER: 1904: A objetividade do conhecimento na ciência política e na ciência social 1904: A
ética protestante e o espírito do capitalismo; 1917: A ciência como vocação; 1910/1921: Economia e
Sociedade.
Mais adiante vamos desenvolver uma discussão sobre as classes sociais na perspectiva da pós-
2
Mais adiante vamos estudar como Touraine, ao desenvolver suas análises sobre
a sociedade pós-industrial, dialoga – no limite – com algumas das ideias de Bauman.
Lembrando que os nossos propósitos são: a) não estabelecer juízo de valor sobre
as considerações dos autores que estudaremos, mas sim apresentar a vocês outras
interpretações sobre a vida social a partir da perspectiva sociológica considerada
no contexto pós-industrial; b) não propor um estudo de todas as contribuições de
Alain Touraine (assim como dos autores aqui mencionados) na sua vasta produção
que se inicia na segunda metade do século XX, e sim realizar um recorte de uma
das análises por ele desenvolvida.
Vejamos:
Seção 1
Mas o que isto significa? Na teoria clássica, o trabalho é considerado como uma
categoria sociológica importante para compreender os processos de transformação
da vida social, assim como também contribuiu para formar um cenário de lutas sociais
(capital de um lado, trabalho de outro), contudo, na configuração pós-industrial lutar
contra o capitalismo não faz sentido, pois torna-se mais eficaz (partindo dessa análise)
lutar pelos direitos da existência das identidades culturais, dos direitos sociais, políticos
e civis.
E agora? Qual definição utilizar para falar sobre a teoria do autor? Cada uma
das definições não parte de análises fechadas. Vocês podem pensar nesta nova
configuração histórica, proposta por Touraine, como um dado de transição.
de tempo e lugar”.
Pois bem...
Mas o que a sociologia de Touraine nos diz sobre os conflitos dos movimentos
sociais?
Lembrando que estamos falando das considerações do autor francês nos anos
de 1969, um ano depois dos movimentos de estudantes em maio de 1968 que
pulverizaram os chamados novos movimentos sociais.
Figura 4.3 | Estudantes franceses, em maio de 1968
Para analisar esse cenário dos novos sujeitos sociais na sociedade que Touraine
está definindo, é importante retomar o conceito de historicidade estudado acima.
Perceba que ao afirmar que o autor entende a historicidade como um campo
de reconstrução permanente da realidade social, estamos dizendo que isso é o
campo da ruptura com a alienação.
Aqui, percebe-se que os conflitos principais estão ligados às lutas que não
estão dispostas a romper com um modelo capitalista (almejado pelas ideias
revolucionárias): ter-se-á nesta passagem, em termos gerais, que a luta deixa de
ser de classe contra a exploração do trabalho no sistema capitalista para pensar
nas lutas pelos direitos das identidades nas singularidades culturais.
Para Touraine, portanto, a luta não centra mais no movimento operário, pois não
há mais luta entre o capital e o trabalho característico das sociedades industriais.
Diferente, por exemplo, da teoria clássica de Karl Marx (1818-1883), pois entendia
que o operário (trabalhador) seria o agente da revolução, portanto, estaria na classe
operária a força para romper com a estrutura capitalista.
Vejamos o que Marx disse sobre a importante presença do operário como agente
das lutas sociais:
Para o autor, a ruptura com as estruturas capitalistas não seria possível, por isso
acredita que as possibilidades de lutas sociais que foram pensadas no período de
formação da sociedade capitalista não condizem com a realidade social, política,
econômica e cultural do século XX, principalmente a partir da segunda metade.
Seção 2
Figura 4.4 | Movimento contra a discriminação racial gerada pelo racismo e pelo preconceito
Vocês se lembram que no início das nossas discussões foi mencionado o Trabalho
como categoria sociológica? Existe até uma nota explicativa sobre a perspectiva
ontológica (vale a pena retomar a leitura acima). Neste tópico vamos voltar ao
conceito de Trabalho a partir de uma breve explicação sobre como a sociologia
Partiremos das contribuições dos três autores clássicos Karl Marx, Émile Durkheim
e Max Weber; em seguida, vamos indicar as contribuições de Touraine ao afirmar a
não centralidade do trabalho.
Uma primeira análise diria que o trabalho tem a exclusiva função de promover
condições econômicas para que os indivíduos sobrevivam na ordem capitalista,
contudo, já se perguntaram porquê?
Na citação acima percebemos que Marx indica a base mais simples do trabalho,
entretanto, na ordem capitalista ultrapassa esta relação de mediador entre homem e
natureza, somente ela não é capaz de explicar como o trabalho transformou-se em
elemento de dominação, exploração e alienação.
Se para Marx o trabalho está na esfera do econômico, para Weber passa pela
esfera da cultura, da ação social do indivíduo. O que isto significa? O autor entendeu
que a lógica do trabalho na ordem capitalista teve suas bases na ética religiosa
protestante, a partir do século XVII na Europa. Com a Reforma Protestante, o trabalho
perde seu status de sacrifício para tornar-se um instrumento de salvação. Reiterando
que Weber analisa a ética religiosa como mediadora do processo de formação do
sistema capitalista e não como causa única.
Solidariedade para Durkheim não deve ser confundida com caridade ou o ato de
ser solidário com o próximo, é um conceito que utiliza para analisar a coesão social
tanto em sociedade pré-capitalistas (solidariedade mecânica) quanto nas sociedades
capitalistas (solidariedade orgânica).
Para os autores da teoria clássica, o trabalho tem papel fundamental nas relações
sociais da sociedade moderna, capitalista. Mas, para Touraine, considerando os seus
posicionamentos, a sociedade capitalista industrial não teria mais espaço na nova
configuração social, deste modo o trabalho vem perdendo espaço como elemento
fundante da vida social.
[..] o motor dos problemas, dos conflitos e dos atores que intervêm
na evolução histórica está em vias de mudar. As lutas de amanhã
não serão a retomada ou a modernização daquelas de ontem [...]
as lutas propriamente sociais estão em vias de serem substituídas
por revoltas culturais [grifo meu] [...] os problemas e os conflitos
sociais se situam hoje mais no domínio do consumo que naquele
da produção [grifo meu] [...]. Os novos conflitos sociais não se
colocam fora do sistema de produção, mas em seu centro. Eles se
estendem a domínios novos da vida social, mas somente porque
a informação, a educação ou o consumo estão ligados mais
estreitamente que antes ao domínio da produção. Não é necessário
a nenhum preço dissociar as lutas sociais do poder econômico e
político (TOURAINE, 1969, p. 28-29).
Nas citações acima, Touraine afirma que a base das relações sociais, assim como
os conflitos e os sujeitos sociais na sociedade pós-industrial, migraram para outras
esferas da vida social e o trabalho que a até então era visto como a mola propulsora
da dinâmica social perdeu o foco.
Para Weber, por exemplo, que entendia a vida social do ponto de vista cultural,
de uma ética (distanciando-se das aplicações teóricas de Karl Marx), o trabalho
como produtor de mercadorias, para gerar bens e para acumular contribuiu para a
formação do “espírito do capitalismo”, da ética capitalista.
Texto 1
“Diante da nova ordem econômica, verificada com as
revoluções industriais, percebe-se que a sociologia
desempenha um papel preponderante no contexto da
análise, estudo e esclarecimentos quanto aos aspectos de
uma sociedade industrial” (FORACHI, Marialice; MARTINS,
José de Souza. Sociologia e Sociedade: leituras de introdução
à Sociologia. 21. ed. Rio de Janeiro: LTC, 1994, s/p. Disponível
em: <http://adobservare.com/2013/03/21/resumo-do-
capitulo-sociologia-e-sociedade-industrial/>. Acesso em: 20
mar. 2016.
Texto 2
“A Sociologia é uma ciência nova. Essa afirmação, que podemos
aplicar também em relação a outras ciências, precisa ser
compreendida em seu caráter essencialmente contraditório.
Ela surgiu no século XIX, portanto, num momento histórico
em que o capitalismo se consolidou como forma econômica,
política e social de organização da sociedade. Então, se a
Sociologia como ciência surge no interior do capitalismo,
como explicação da vida em sociedade, explicaria a vida social
somente no capitalismo? A resposta a esta questão é simples:
não. Esse é o seu caráter contraditório: surge para estudar
e explicar o capitalismo, ora defendendo-o e produzindo
conhecimentos para aprimorá-lo segundo a perspectiva
capitalista, ora criticando-o e produzindo conhecimentos
Referências