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Abstract. This paper has as objective to study the grapheme <r> and their al-
lographs in the vibrants representation in manuscripts of XVIII century.
Search to identify graphics tendencies and factors influence the scribes in
their choices. The corpus is composed of separates manuscripts, portugueses
and brazilians, to dated from 1704 to 1724, organized and cataloged by Res-
cue Project “Barão do Rio Branco”.
Resumo. Este trabalho tem como objetivo estudar o grafema “erre” e seus
alógrafos na representação das vibrantes em manuscritos do século XVIII.
Procura-se identificar tendências gráficas e fatores que influenciaram os es-
cribas em suas escolhas. O corpus é composto por manuscritos avulsos, por-
tugueses e brasileiros, datados de 1704 a 1724, organizados e catalogados
pelo Projeto Resgate Barão do Rio Branco.
Palavras-chave. Filologia, manuscritos, grafema, vibrantes.
1. Introdução
Este artigo tem por objetivo analisar o uso dos alógrafos do grafema erre na
representação das vibrantes alveolares simples e múltipla em manuscritos do século
XVIII. Apresentam-se exemplos editados desse corpus, nos quais ficam evidentes o seu
uso variacional e a sua implicação fonética. Com base no levantamento de suas
ocorrências e na análise dos contextos em que foram utilizados, procura-se identificar
tendências gráficas e fatores que influenciaram os escribas em suas escolhas. O corpus
deste trabalho limita-se a manuscritos buscados em documentos avulsos da capitania de
São Paulo (1704-1724), catálogo de Alfredo Mendes Gouveia, existentes no Arquivo
Histórico Ultramarino / Instituto de Investigação Histórica Tropical, de Lisboa. Foram
organizados e catalogados pelo Projeto Resgate “Barão do Rio Branco”. São 41
documentos, compostos por 134 fólios.
Nesse material, a representação das vibrantes alveolares simples e múltipla é
feita por diferentes alógrafos do grafema erre. À primeira vista, sem critérios claros,
processo semelhante ao que ocorre com as sibilantes e os esses caudado, longo e
pequeno. Há situações em que somente por meio do contexto e da comparação com
outros casos, identifica-se, com precisão, a vibrante que o escriba tinha intenção de
registrar. Segundo Maia (1986, p.299), nem sempre o sistema grafemático representa o
respondeo arrendado
desagradar aremataçaõ
Bara deRotados
preposta oRiginal
Para ampliar este estudo, foram levantadas a origem e a evolução da letra erre,
desde o alfabeto de Ugarit (XV-XIV a.C.) até o Latino (III a.C.), acompanhando seu
desenvolvimento nos diversos tipos de escrita que surgiram no decorrer de sua história.
Buscou-se também documentação sobre seu uso em gramáticas históricas, ortografias e
outros estudos lingüísticos.
Com base num tetragrama ideal, foram classificados dois tipos de erre no
corpus. O primeiro tipo possui corpo que ocupa apenas o espaço entre as linhas médias,
sendo, por isso, classificado como erre pequeno. Têm sido chamados de martelo, o
primeiro; quadrado, o segundo; e redondo, o terceiro. O segundo tipo tem corpo para
além dessas linhas centrais, avançando para a parte superior. O módulo é comum entre
eles, mas há diferença na forma e no traçado. Os dois primeiros têm o traçado do
martelo e será tratado por martelo alto; os dois seguintes, conhecidos desde Feijó como
dois de conta, têm o mesmo traçado do redondo e será chamado de redondo alto; os
outros quatro são erres grandes.
O alfabeto grego conservou muitas das formas acima para a letra erre, com
exceção do sentido de leitura que, nesse caso, já havia passado quase todo da direita
para a esquerda, e do nome de resh para rô. Tanto o alfabeto grego arcaico, quanto o
clássico possuem formas semelhantes para o erre. Em razão do processo gradual de
adaptação do alfabeto fenício ao grego, por volta do século VIII a.C., da mesma forma
No alfabeto latino arcaico, composto por 19 letras, ainda em formação por volta
do século III a.C., o erre continuou sendo o mesmo que era utilizado nos gregos clássico
e arcaico. Somente a partir do século I a.C., com o seu surgimento completamente
constituído (HIGOUNET: 2004, p.104), é que passa à forma mais conhecida e usada
atualmente na condição de maiúscula, por meio de três modalidades: capital quadrada,
capital rústica e a capital semicursiva:
A partir do século X, surge a escrita carolíngia, que perdurou até o século XIII.
Sua regularidade e sua clareza fizeram com que seu uso se estendesse dos livros aos
documentos. Foi, entre as escritas latinas, “aquela que teve o futuro mais longo, o mais
estável, o mais universal” (HIGOUNET, 2004, p.127). Trata-se de escrita com
elementos que variam pouco. Caracteristicamente minúscula, a maioria de suas letras
aparecem isoladas umas das outras. O erre, em especial, não se diferencia por completo
dos exemplos encontrados na visigótica, principalmente o martelo e o redondo.
Desde que se resolveu duplicar a letra erre para diferenciar a marcação das duas
vibrantes em posição intervocálica, engenhoso expediente segundo Said Ali (1965,
p.43), o critério para sua utilização tem sido o mesmo. Na época, não se dispunha de um
alfabeto que tivesse um símbolo único tanto para a simples, quanto para a múltipla.
Criaram-se, então, novas possibilidades com os elementos já existentes. Com o passar
do tempo, novos alógrafos surgiram e, embora adaptados ao uso que era feito,
provavelmente em razão de características como forma, módulo e ductus passaram a ser
utilizados diferentemente do que até o momento era costume: erres grandes, martelo e
redondo alto passaram a ser empregados de forma simples em contexto das vibrantes
simples e múltipla.
Leão (1576, p.19) e Feijó (1734, p. 92) tinham como critério a pronúncia:
“quando se dobra em voz, se dobra também em numero” (quanto ao erre); “todas as
vezes, que o <r> entre duas vogaes ferir a seguinte com som forte, e aspero na
pronunciação, sempre se escreverá dobrado”. Provavelmente quem escrevia também
tinha como base o mesmo critério. Atualmente, o uso desse recurso para analisar as
ocorrências de erre é limitado pela falta de precisão na reconstituição da realização
fonética dos diversos usos desse grafema na época em que foram escritos. Por isso, o
contexto em que foram empregados tem fundamental importância para o
estabelecimento de uma edição que conserve as suas características lingüísticas.
No quadro abaixo, estão distribuídas as ocorrências dos alógrafos de erre no
corpus acompanhadas da indicação da vibrante representada e do contexto em que cada
um foi utilizado:
Contexto
Inicial Medial Total
Pré- Grupo Sílaba de
Intervocálico
Vocálico consonântico travada ocorrências
Alógrafos /r/ // /r/ /r/ //
pequeno 113 1437 2 168 4711 6431
martelo alto 7 3 10
redondo alto 304 146 30 4 484
grande 222 3 2 227
deRotados
merreporto
O contexto poderia até não exigir tais alógrafos, mas foram usados o erre grande
pelo pequeno geminado, e esse no lugar do simples, atitude justificada pelo tratamento
dados aos proclíticos em outros tempos. Segundo Said Ali (1965, p.43), de acordo com
a pronúncia, freqüentemente, os proclíticos vinha ligados à palavra posterior, como em
desseu por de seu e orreyno por o reyno. Por essa razão apareciam rr e ss
intervocálicos, rotineiramente, em contextos onde não eram exigidos.
Era comum o uso do erre grande em situação intervocálica no punho de certos
escribas. Embora pouco citado por gramáticos e ortógrafos, esse emprego é
incisivamente criticado por Feijó (1734, p.93) ao elucidar sobre quando o erre devia ser
dobrado:
He regra geral, e certa, que todas as vezes, que o R entre duas vogaes
ferir a seguinte com som forte, e aspero na pronunciação, sempre se
escreverá dobrado; [...] E porque esta regra naõ tem excepçaõ, e a
pronunciaçaõ a ensina, [...] So adverto, que erraõ os que entre duas
vogaes escrevem hum R, como hum 2 de conta ; e outros hum R
grande para ferirem a vogal seguinte com som forte, porque o R, ou
seja pequeno, ou grande, desta, ou daquella figura, sempre vale por
hum so; e não pode ferir a vogal seguinte com força, senão dobrado:
v.g. nesta palavra Arrouches tanto erra quem escreve Arouches, como
ARouches; e nesta segunda orthografia ha dous erros, hum a falta do
segundo r, e outro o R grande no meyo da palavra.
Feijó (1734, p.92), que provavelmente leu Leão, também foi direto ao debruçar-
se sobre esse assunto. Alertou sobre a variedade do uso da letra erre e a sua
conformidade com as letras que se ajuntam a ela na composição das palavras:
A convenção de tachar-se o erre grande sempre como forte para ferir a vogal
posterior com toda sua força, como afirmaram Leão e Feijó, pode ter ocasionado o seu
emprego em meio de palavra para a representação da múltipla, onde viria o minúsculo
geminado. Provavelmente, pelo mesmo motivo optou-se pelo uso dos martelo e redondo
alto. O fato de não aparecerem geminados intervocalicamente, nem em situação pós-
vocálica nos manuscritos em questão, pode sustentar a hipótese de que havia
diferenciação no seu tratamento com relação ao minúsculo. Seus usos até podiam
coincidir, mas não se tratavam de alógrafos com as mesmas funções.
O elevado emprego do erre pequeno nos manuscritos pesquisados, tanto em
posição inicial, quanto em medial, revelou a preferência dos escribas na sua utilização
embora, em início de palavra, o redondo alto tenha sido usado em número maior. Na
representação da vibrante simples, a ocorrência de diversos alógrafos não causou
imprecisão na sua identificação, podendo ser editados por meio do erre minúsculo
tipográfico. Entretanto, há muitos casos em que os escribas optavam pelos erres martelo
e redondo alto e pelo grande em contexto de /r/.
Quando isso ocorria, esse uso era sem auxílio de geminação. Como essas
formas, num mesmo manuscrito, dificilmente, coexistiam nessa função com o pequeno,
pode-se inferir, então, que seu emprego não era arbitrário, podendo exercer realmente o
papel da vibrante múltipla. É de suma importância, portanto, levar em consideração tais
aspectos ao realizar trabalhos lingüísticos a esse respeito, pois a falta de identificação
desse uso variacional, principalmente, em posição medial, pode ocasionar distinção do
fonema e até de significado.
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