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ESTUDOS EM JORNALISMO

A produção
de sentidos no
jornalismo: da
teoria da
enunciação à
enunciação
jornalística 1 Introdução

DE UMA MANEIRA geral, sem a preocupação


RESUMO de aprofundarmos o tema, podemos
Este trabalho tem como objetivo fazer uma discussão teórica re su mir as definições de jornalismo e
do jornalismo não como um simples reprodutor do real, notícia a partir de dois grandes grupos: os
mas como uma atividade que diariamente contribui para a que defendem a notícia como um espelho
construção social da realidade. Acreditamos que a concepção da realidade e aqueles que concebem a
do jornalismo como um espelho da realidade desconhece a notícia como uma construção social da
dimensão simbólica da atividade. Nesse sentido, a partir de realidade.
conceitos da teoria da enunciação procuramos apresentar Num estudo clássico sobre a produção
algumas características da enunciação jornalística tendo da notícia, Tuchman (1983) tendo como
como pressuposto que o discurso jornalístico é produzido pres su pos to a concepção sociológica
com base no concurso e do efeito daquilo que lhe ofertam dos atores sociais argumenta que por
outros códigos. Isto é, outras vozes e múltiplas polifonias um lado a sociedade ajuda a formar a
provenientes de ou tros campos ou deles tomadas por consciência e, por outro, mediante uma
empréstimos. apreensão intencional dos fenômenos do
mundo social compartilhado - mediante seu
ABSTRACT trabalho efetivo -, os homens e as mulheres
This article discusses the role of journalism in the construction constroem e cons ti tu em os fenômenos
of our daily “realitiy”, calling attention to its symbolic sociais coletivamente. Segundo a autora,
dimension. cada uma destas perspectivas ao atuar
sobre os atores sociais determina uma
PALAVRAS-CHAVE (KEY WORDS) abordagem diferente da notícia.
- Jornalismo (Journalism) A idéia da notícia como um espelho
- Enunciação (Enunciation) da realidade corresponderia à concepção
- Enunciação jornalística (Journalistic enunciation) tra di ci o nal das notícias. Este ponto de
vista defende a “objetividade” como um
elemento-chave da atividade jornalística.
Dentro desta concepção, o máximo que se
admite é a possibilidade de que as notícias
reflitam o ponto de vista do jornalista
Alfredo Vizeu (Stamm, 1976).
Coordenador do Depto. de Comunicação Social da UFPE Já Gaye Tuchman defende que a
no tí cia não espelha a realidade. Para
a autora, a notícia ajuda a constituí-la

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como um fenômeno social compartilhado, enunciação monológica isolada, nem pelo
uma vez que no processo de definir um ato psicofisiológico de sua produção, mas
acontecimento a notícia define e dá forma a pelo fenômeno social da interação verbal,
este acontecimento. Ou seja, a notícia está realizada através da enunciação ou das
permanentemente definindo e redefinindo, enunciações: “A interação verbal constitui,
constituindo e reconstituindo fenômenos assim, a realidade fundamental da língua”
sociais. (Bakhtin, 1992, p. 123). Como lembra o
Entendemos que a construção da notícia autor, a enunciação é de natureza social.
não se reduz a uma mera técnica, a Ele argumenta que toda palavra
simples mobilização de regras e normas comporta duas faces, sendo determinada
fornecidas pelos manuais de redação ou tanto pelo fato de que procede de alguém
aprendidas no desempenho da atividade como pelo fato de que se dirige para
profissional. Acreditamos que tal ponto de alguém. Nesse sentido, constitui justamente
vista desconhece a dimensão simbólica do o produto da interação do locutor e do
trabalho jornalístico. ouvinte, isto é, toda palavra serve de
Consideramos que é no trabalho da expressão de um em relação ao outro.
enunciação que os jornalistas produzem Bakhtin instaura o dialogismo como
dis cur sos. E é no interior do próprio prin cí pio constitutivo da linguagem e
processo discursivo, por meio de múltiplas con di ção de sentido do discurso: “A
ope ra ções articuladas pelos processos língua constitui um processo de evolução
da própria linguagem, que a audiência é inin ter rup to, que se realiza através da
construída antecipadamente. interação verbal dos locutores” (1992, p.
Por isso, antes de entrarmos na 127).
enunciação jornalística propriamente dita, O outro está sempre presente nas
procuramos contextualizar a questão da formulações do autor e tem tanto a função
enunciação, que ponderamos importante de quem recebe como também de quem
para tratar da enunciação no jornalismo. permite ao locutor perceber o seu próprio
Partimos do prin cí pio que a teoria da enunciado:
enunciação teve como precursor Bakhtin e
ganhou um impulso na França com a obra “Os outros, para os quais o meu
do lingüista Benveniste, que propôs estudar pensamento se torna, pela primeira
a subjetividade na língua: o aparelho formal vez, um pen sa men to real (e, com
da enunciação. isso, real para mim), não são ouvintes
Acompanhamos Bakhtin (1992) passivos, mas participantes ativos da
quando concebe a língua como um produto comunicação verbal. Logo de início,
sócio-histórico, como forma de interação o locutor espera deles uma resposta,
social realizada por meio de enunciações. uma compreensão responsiva ativa.
O conceito da língua como interação social Todo o enunciado se elabora como
desempenhou um papel importante nos para ir ao encontro dessa resposta.
estudos que, hoje, se desenvolvem sobre O índice subs tan ci al (constitutivo)
a interação verbal, como a pragmática, do enunciado é o fato de dirigir-se
a teoria da enunciação e a análise do a alguém de estar voltado para o
discurso que tem como princípio que destinatário” (Id., 2000, p. 320).
a linguagem é ação e não um mero
instrumento de comunicação. Dessa forma, o interlocutor é
Bakhtin chama a atenção para o constitutivo do próprio ato de produção
fato de que a verdadeira substância da da lin gua gem, de certa maneira ele
língua não é constituída por um sistema é co-enunciador do tex to e não um
abstrato de formas lingüísticas, nem pela mero decodificador de men sa gens. Ele

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desempenha um papel fun da men tal na da relação discursiva com o parceiro. Na
constituição do significado e na produção. realização do seu estudo sobre o aparelho
Logo, um enunciado deve ser analisado formal da enunciação, ele tomou como os
levando-se em conta sua orientação para o principais pontos de partida os sistemas
outro. pronominal e verbal do francês (Id., 1995,
Outra noção introduzida por Bakhtin p. 247-283).
(1981, p. 65-85) foi o conceito de polifonia, Na descrição do sistema pronominal,
resultado dos tra ba lhos desenvolvidos o autor distingue os pronomes da pessoa
so bre a natureza do dis cur so literário. (1ª e 2ª) dos pronomes da não-pessoa (3ª).
Ao analisar a obra de Dostoievski e uma Os primeiros designam os interlocutores,
série de textos da li te ra tu ra popular, os sujeitos envolvidos na interlocução
Bakhtin percebe que o autor investe suas (eu, tu, você; nós, vós, vocês); os últimos
personagens de uma série de máscaras designam os referentes (seres do mundo
diferentes. Como es sas máscaras extralingüístico de que se fala) e, assim,
re pre sen tam várias vo zes a fa la rem não devem ser colocados na mesma classe
simultaneamente sem que uma dentre elas dos primeiros.
seja pre pon de ran te, Bakh tin qualifica o Quanto ao sistema verbal, Benveniste diz
texto de Dostoievski de polifônico. que existem dois planos de enunciação:
o discurso e a história, cada um com os
seus tempos característicos. Na história,
2 O aparelho formal da enunciação tem-se o relato de eventos passados, sem
o envolvimento do locutor, como se os fatos
O conceito bakhtiniano de língua como narrassem a si mesmos.
interação social reintroduz, nos estudos Pertencem à ordem da história o
da linguagem, a reflexão sobre a noção passé simple (pretérito perfeito simples),
de sujeito. Deixa-se de lado o conceito de os pronomes da não-pessoa, o imperfeito,
língua como um sistema neutro e passa-se o mais-que-perfeito e o futuro do pretérito
a ver a língua como o lugar privilegiado de do indicativo. Já o discurso é de ordem
manifestações enunciativas. Tal proposição diversa: num determinado momento, em
apre sen ta-se claramente na teoria da determinado lugar, um indivíduo se apropria
enunciação de Benveniste. da língua, instaurando-se como eu, e, ao
Como mostrou Benveniste, o único mesmo tempo, instaurando o outro como
modo de fazer o discurso funcionar é pela tu. É uma enunciação que pressupõe
intervenção do sujeito, que nele investe sua um locutor e um ouvinte e, no primeiro, a
subjetividade: “A enunciação é este colocar intenção de influenciar o outro de alguma
em funcionamento a língua por um ato maneira.
individual de utilização” (1989, p. 82). Orlandi (1996) critica a concepção
No entanto, no ato enunciativo, o de su jei to de Benveniste como ser
sujeito não constitui apenas a si, sujeito único, central, origem e fonte do sentido.
locutor, mas também o sujeito-alocutário, Ducrot (1987) de fi ne a enunciação
isto é, define não só a posição eu, mas independentemente do autor da palavra
também a do tu: “...ele implanta o outro como o acon te ci men to cons ti tu í do pela
diante de si, qualquer que seja o grau de aparição do enunciado.
presença que ele atribua a este outro. Toda Mainguenau (1997, p. 40) faz algumas
a enunciação é, explicita ou implicitamente, restrições ao uso da enunciação na análise
uma alocução, ela postula um alocutário” do discurso: a) não deve ser concebida
(Ibid., p. 84). como a apropriação do sistema da língua
Para o autor, o que, em geral, por parte de um indivíduo, o sujeito só
caracteriza a enunciação é a acentuação chega à enunciação através de múltiplas

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regras do gênero de discurso; b) não reside Para Austin, entre está chovendo
num único enunciador, é a interação que e afir mo que está chovendo haveria
está em primeiro lugar; c) o indivíduo que apenas uma diferença de explicitação; o
fala não é necessariamente a instância que performativo seria explícito no segundo
se encarrega da enunciação. caso e primário no primeiro. Decerto ações
Apesar das ressalvas, Mainguenau como sustentar, afir mar, or de nar... são
ad mi te que a enunciação trouxe verbais; não são do mesmo tipo do que
con tri bui ções. Para o autor, um dos ações institucionais como jurar, batizar ou
contributos fundamentais foi o de colocar decretar, mas trata-se, nos dois casos, de
em evidência a dimensão reflexiva da atos de linguagem. No telejornalismo, é
atividade lingüística: o enunciado só remete muito comum os editores trabalharem com
para o mundo, seu referente, quando reflete atos ilocutórios ao interpelar a audiência.
o ato da enunciação que o produz. Por exemplo: Confira...
Desse modo, as pessoas e o tempo do Para uma concepção da linguagem
enunciado são referenciados relativamente ingênua, os enunciados são, de certo modo,
a essa situação de enunciação; assim, o trans pa ren tes; devem se apagar diante
enunciado possui o valor elocutório que ele do estado de coisas que representam. Em
mostra através da sua enunciação. compensação, na perspectiva pragmática,
Em seu livro Quando Dizer é Fazer, Austin um enunciado só consegue representar um
(1990) distingue, com precisão, três estado de coisas distinto dele se mostrar
atividades complementares na enunciação. também a sua própria enunciação.
Proferir um enunciado é ao mesmo tempo: Dizer algo parece inseparável do
gesto que consiste em mostrar que se diz.
a) realizar um ato locutório, produzir uma Isso se manifesta através dos embreantes;
série de sons dotada de um sentido numa qualquer enunciado tem marcas da pessoa
língua; e do tempo que refletem sua enunciação,
coloca-se mostrando o ato que o faz surgir.
b) realizar um ato ilocutório, produzir A enunciação constitui a âncora da
um enun ci a do ao qual se vincula re la ção entre a língua e o mundo: ela
convencionalmente através do próprio dizer permite representar os fatos no enunciado,
uma força; cons ti tu in do, ela própria, um fato, um
acontecimento único definido no tempo e
c) realizar uma ação perlocutória, isto é, no espaço.
provocar efeitos por intermédio da palavra A isso, acrescentaríamos que, a
(por exemplo, pode-se fazer uma pergunta partir dos estudos da enunciação, se
passou a es tu dar outras marcas da
d) ato ilocutório – para interromper alguém, presença do enunciador, do co-enunciador,
para embaraçá-lo, para mostrar que se está nos enunciados pro du zi dos, como, por
ali, etc.). O campo do perlocutório sai do exemplo, os indicadores de modalidade,
contexto propriamente lingüístico. todos os tipos de modalizadores ou marcas
lingüísticas.
Grosso modo, Austin mostra que é
im pos sí vel encontrar enunciações sem
valor performativo que só descrevessem 3 Jornalismo e a construção do real
o mundo. Até um enunciado que parece
puramente descritivo, como está chovendo, É no trabalho da enunciação, na operação
coloca-nos diante de uma realidade nova, sobre vários discursos, que os jornalistas
realiza também uma ação, no caso, um ato produzem as notícias. No entanto, nessa
de afirmação. operação, os profissionais não são simples

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reprodutores do real e senhores soberanos anteriormente, por diferentes instâncias,
dos discursos, como reza toda uma tradição de certa forma, como um pré-requisito à
do fazer jornalístico. emergência do dito. Como o tempo do fato
Fausto Neto (1991, p. 25-40) denuncia bruto, por exemplo, o incêndio em uma
essa falácia que situa o jornalismo num fábrica, e o tempo da produção da matéria
con tex to de desobrigações, no qual se constituem num outro, não é possível a
funciona como dispositivo intermediário, superposição de ambos, restando apenas
instrumento, articulador e suporte de algo o recurso do jornalista (o enunciador)
que lhe é externo. recorrer à mediação dos procedimentos
O autor lembra que a enunciação de linguagem para procurar reconstituir o
é uma espécie de tomada de posição, a tempo do fato bruto.
instância que estrutura o valor do dito. Esse é um dos motivos pelos quais
Nesse sentido, o sujeito enunciador não a mai o ria dos autores que estudam o
constitui um todo unificado. Isso porque, se jor na lis mo denomina-o de discurso da
é verdade que a língua é finita na definição atualidade. Como afirma Gomis (1991),
dos seus limites e de suas regras; por outro o presente é mais direto e próximo. É o
lado, também é verdade que são infinitas tempo do imediato, do vivido.
as possibilidades modalizadoras de uso Outra razão apontada pelo autor para
da língua, pela mediação da palavra, pelo o uso do presente é por tratar-se do tempo
sujeito. do cotidiano. Quando as pessoas querem
Sem dúvida, o enunciador está contar alguma coisa que ocorreu com elas
pre sen te no discurso através de suas ou lhes chamou a atenção, a tendência é
marcas. No entanto, ele não tem controle, contar no presente.
a priori, do que deve ser dito de uma Os jornais, os radiojornais e os
maneira melhor ou não. É neste trabalho telejornais mediam o passado e o futuro
de enun ci a ção-apro pri a ção da língua convertendo todos os tempos no presente,
onde se dá o modo pelo qual o jornalista con vi dan do-nos a atuar nesse tempo
(enunciador da informação) se relaciona difuso, imaginado como um presente aberto
com o que ele mesmo diz, isto é, está ao que está por vir.
relacionado com o problema de como
ele legitima o seu discurso ou o torna “O presente é o que se comenta. Por
aceitável. Mas isso não implica um controle isso são mais notícias as que duram
do discurso voluntariamente definido pelo mais tempo porque são elas que dão
sujeito. consistência a nosso pre sen te de
O trabalho jornalístico é concebido referência, ao nosso presente coletivo,
sempre a partir de mensagens que ganham comum, aos fatos que comentamos
forma de matérias segundo economias socialmente.” (Ibid., p. 34)
específicas a cada sistema e/ou veículo de
comunicação, que produzem dimensões Por isso, busca-se, por conta do papel
classificatórias da realidade. que desempenham as técnicas discursivas
Compartilhamos da opinião de Fausto e os seus efeitos junto à audiência,
Neto para quem toda notícia se constitui legitimar o tempo e o modo discursivo como
uma espécie de formação substitutiva. o próprio tempo do fato. Como o processo
Ou seja, é algo que tenta se colocar no de interação social vive dos protocolos de
lugar de outra coisa que lhe é exterior. linguagem, é de se supor, igualmente, que
Sendo assim, o dito tem uma objetivação a veracidade e a legitimidade dos fatos
expressa em forma de matéria significante estejam, portanto, no reino dos discursos.
(mensagem).
Um conjunto de operações é estruturado, “A isto estamos chamando modos/

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maneiras de dizer. Se nos é espécie de saber explicativo dos processos
im pos sí vel aprisionar o tempo do sociais.
ʻfato brutoʼ, estruturamos nossa Também não podemos deixar de
com pre en são pe los processos de lado as vozes internas do próprio discurso
classificação e inteli-gibilidade social jornalístico. São as técnicas que mobilizam
definidos pelas operações discursivas as regras de vários campos: convenções
da comunicação social. Neste sentido, au di o vi su ais, vocabulário, normas
sim, o dis cur so jornalístico produz gramaticais, procedimentos profissionais,
fatos.” (FAUSTO NETO, 1991, p. 30, o estilo, entre outros, para a produção das
itálico é nosso) notícias.
Entendemos que o processo de
No jornalismo, a linguagem não é enunciação jornalística é regulamentado
apenas um campo de ação, mas a sua através de pro ce di men tos mais
dimensão constitutiva. É a condição pela generalizados e que se en con tram
qual o sujeito constrói um real, um real estabelecidos em es pé ci es de
midiatizado. ma cro có di gos: a língua, as matrizes
Nesse sentido, a enunciação culturais, as regras sociais, a ética e as
jornalística é bastante singular em função ideologias. E, por microcódigos, como os
de esse campo deslocar-se sempre como códigos particulares estabelecidos pelas
um lugar que retrata e cria o lugar do outro, empresas de comunicação, por exemplo,
a partir de leis e regras determinadas. os manuais de redação, mas também os
valores-notícia (critérios de noticiabilidade),
“A enunciação jornalística se faz que vão ser manejados e mobilizados no
a par tir de uma dupla falta. A processo de enunciação.
primeira àquela relativa ao próprio A dependência das fontes de informação e
ʻestatutoʼ do sujeito, face à ordem de opinião reduz o grau de autonomia do
simbólica, que toma a palavra como jornalista como autor de um texto e faz com
representante da coisa. A segunda, que o discurso jornalístico seja marcado
por se cons ti tuir num dis cur so pela intercalação entre discurso narrativo
relatador, o saber jornalístico tenta e discurso citado (fragmentos da fala), na
superar esta impossibilidade de ser acepção de Bakhtin, que vê o discurso
um discurso de ʻprimeira mãoʼ através indireto como a transmissão analítica do
das multiplici-dades de investimentos discurso de outrem.
enunciativos (lingüísticos, discursivos,
pedagógicos, etc.), para, através de “O emprego do discurso indireto ou
modalidades substitutivas, dar conta de uma de suas variantes implica uma
de um certo real.” (Ibid., 1991, p. 31) análise da enunciação simultânea ao
ato de transposição e insepa-rável
Dessa forma, o discurso jornalístico é dele. A tendência analítica do discurso
produzido com base no concurso e do efeito indireto manifesta-se principalmente
daquilo que lhe ofertam outros códigos, pelo fato de que o ele men to
isto é, outras vozes e múltiplas polifonias emocional e afetivo do discurso não
provenientes de outros campos culturais é literalmente transposto ao discurso
ou que deles são tomadas por empréstimo: indireto, na medida em que não são
vozes deontológicas - que dão conta de um ex pres sos no conteúdo mas nas
certo fazer discursivo; as vozes da divisão formas de enunciação.” (BAKHTIN,
social do trabalho inerente ao jornalismo; 1992, p. 158-159)
as vozes da pedagogia - cada vez mais o
discurso jornalístico se insinua como uma Bakhtin (1992, p. 161) explica que

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a aná li se envolvida na construção de ao discurso indireto palavras e maneiras
um discurso indireto pode partir de duas de se expressar de outrem de tal forma que
abordagens: sua especificidade, sua subjetividade, seu
caráter típico são claramente percebidos.
I - Discurso indireto analisador do conteúdo Entre a variante analisadora de
– quando a enunciação de outrem é conteúdo e a analisadora de expressão,
apreendida como a tomada de posição com Bakh tin situa a variante impressionista,
conteúdo semântico preciso, o que leva que busca transmitir o discurso interior
à recomposição do sentido exato do que – pen sa men tos e sen ti men tos dos
disse o falante (ou locutor). Tal apreensão personagens ou a re gis trar im pres sões
é feita no plano meramente temático e subjetivas sobre o com por ta men to de
permanece surda e indiferente a tudo que alguém. Esse recurso é muito encontrado
não tenha significação temática. nas reportagens de comportamento em
televisão.
“A variante analisadora do conteúdo
abre grandes pos si bi li da des às
tendências à réplica e ao comentário 4 As características da enunciação
no contexto narrativo, ao mes mo jornalística
tempo em que conserva uma distância
nítida e estrita entre as palavras do Na enunciação jornalística, o jornalista dá
narrador e as palavras citadas.” (Ibid., conta daquilo que aconteceu recentemente
1992, p. 161) e, por esse motivo, daquilo que ainda
não acedeu à memória coletiva e que
Esse tipo de transmissão preserva a poderá ir gravar-se nela, em primeira mão,
integridade e a autonomia da enunciação pre ci sa men te pelo fato de o jornalista
original, mais em termos semânticos enunciar (RODRIGUES, 1996).
do que sintáticos, mas gera uma certa A seleção dos acontecimentos que o
des per so na li za ção do discurso citado. jornalista enuncia pressupõe, da sua parte,
Nessa variante, “a propriedade do falante um julgamento, na maior parte dos casos
só existe enquanto ocupa uma posição implícito, acerca da relevância e do seu
semântica determinada (cognitiva, ética, interesse para o público. A formação desse
moral, de for ma de vida)” (Ibid., 1992, julgamento está relacionada implicitamente
p.164), e transmitida de forma estritamente a uma visão do mundo interiorizada pelo
objetiva. próprio jornalista que a considera, também,
universalmente partilhada pela audiência.
II - Discurso indireto analisador da O jornalista, ao enunciar, parte do
expressão – quando a enunciação de pres su pos to de que a audiência tem
outrem é apreendida e transmitida como interesse em conhecer o que enuncia. Isto
uma expressão própria do locutor, não só é, a enunciação jornalística, nesse sentido,
em relação ao objeto ou o assunto sobre o é um trabalho de transformação incorporal
qual fala, mas também – e principalmente dos fatos, fazendo-os aceder, através da
– por sua maneira individual ou tipológica sua enunciação, ao público.
de se expressar (por exemplo: dificuldades Um texto jornalístico é, por isso,
de falar fluentemente, sotaques, jargões um ato de linguagem que consiste no
ou gestos característicos, etc.) Implica, des do bra men to de um trabalho de
ne ces sa ri a men te, juízo de valor do transformação, feliz ou infeliz, provocado
narrador sobre o modo de pensar, falar e se pelas ações que a enunciação põe em
comportar do seu interlocutor. Essa variante cena, colocando, assim, em relação duas
- pouco explorada no jornalismo – integra temporalidades-li mi te, um an tes e um

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depois, mediante uma tem po ra li da de grande entre ser informado da ocorrência
transformadora de mediação. de um acidente de carro e ser informado
Como tal, o texto jornalístico é um pelo vizinho de que o gato dele foi
processo de doação de sentido, uma vez atropelado em frente à sua porta.
que dá a ler uma orientação para o devir, é É claro que as mensagens
discurso, disposição ordenadora dos fatos, jornalísticas que digam respeito ao mundo
tornando-os, desse modo, inteligíveis, mutuamente par ti lha do pelo jornalista
si tu a dos numa lógica racionalmente e pela audiência podem adquirir uma
compreensível. dimensão comunicacional. Mas nem essa
Nessa perspectiva, na enunciação dimensão é partilhada pela totalidade da
jornalística, predomina o valor referencial; audiência da informação, nem é ela que
pressupõe a veracidade dos fatos a que constitui e justifica o seu valor propriamente
se refere e a autenticidade do seu relato. informativo.
O pressuposto dessa veracidade institui um A enunciação jornalística, ao
autêntico contrato entre o jornalista, por um au to no mi zar os fatos, as ações e
lado, e a audiência, por outro. as palavras do mundo vivido do seu
Uma das questões interessantes a acontecimento, li ber ta-os de sentido
colocar da enunciação jornalística é a da tradicionais, da sua carga corporal
sua inteligibilidade por parte da audiência: concreta, tornando-os, assim, disponíveis
como é possível que os enunciados para toda espécie de novos sen ti dos
ela bo ra dos pelos jornalistas sejam e de novos investimentos simbólicos.
entendidos por um número indefinido Desse modo, cada indivíduo que integra a
de pessoas, apreendendo o seu sentido audiência, ao interpretar os novos saberes
a partir da ex pe ri ên cia de mundos do discurso jornalístico, a partir do seu
vividos e situados dentro de horizontes próprio mundo vivido, pode constituir-se
heterogêneos? num sujeito autônomo de constituição de
O jornalista pode recorrer sentido.
aos pro ces sos metalingüísticos, de Há ainda uma outra modalidade
redundância e con tex tu a li za ção, para a ser le va da em conta na enunciação
se fazer compreendido. Mas não tem, jornalística: o silêncio. É um silêncio que
ao seu alcance, a he te ro ge nei da de de não cessa de se deslocar, à medida que
sentidos a que seu discurso dá origem, o jornalismo prossegue incansavelmente
já que não pode identificar todos e a sua representação discursiva. Embora
cada um dos seus interlocutores, nem logicamente prévio, o silêncio percorre,
pode, con se qüen te men te, no decurso no entanto, de uma ponta à outra, todo o
do pro ces so enun ci a ti vo, controlar as discurso jornalístico.
hipóteses interpretativas a partir das quais Mesmo quando o discurso
cada um infere aquilo que pretende dizer. jornalístico é re fe ren ci al men te correto,
Ele transmite um conjunto de saberes, quando re pre sen ta exatamente aquilo
converte, em notícia, os fatos ocorridos no que aconteceu, é atravessado por uma
mundo, informa sua audiência daquilo que diferença insanável entre, por um lado,
de relevante aconteceu, mas não controla aquilo que, numa primeira aproximação,
a heterogeneidade de sentidos que essas podemos designar como a di men são
transmissões e esses saberes adquirem referencial e a dimensão significante e,
por parte dos seus interlocutores, não por outro lado, a dimensão expressiva e o
lhes comunica um sentido, não integra sentido da representação discursiva.
esses sentidos num mundo mutuamente É nos interstícios entre essas
partilhado. diferentes dimensões da enunciação que
Por exemplo, há uma diferença muito um silêncio constitutivo e indizível, mas

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cheio de sentidos heterogêneos, se instala. apelos muito comuns (por exemplo, na
É, no fun do, com esse silêncio que o abertura a cabeça de uma matéria dizendo:
discurso jornalístico dialoga. Violência na zona norte de Vitória).
Mas, além dessas modalidades
constitutivas da enunciação jornalística, Para Lopes (1990), independente do
há ainda outras categorias de silêncio que tipo de notícia ou reportagem, os textos
atravessam as suas formas de expressão, jor na lís ti cos podem mobilizar diferentes
tais como elipses e reticências. Muito mais formas de enunciação e de organização
fáceis de identificar, essas modalidades dos enunciados. Entendemos que isso vai
de silêncio deixam em branco unidades depender da intenção comunicativa, do
significantes, na cadeia de expressões repertório informativo, cultural e lingüístico
lingüísticas, unidades que a audiência é da audiência, da flexibilidade das normas
levada a complementar, assumindo, assim, de redação de cada veículo.
um papel ativo, tanto na reconstituição da É nesse processo que a recepção é
cadeia das formas significantes elidida ou construída, mediante um conjunto de regras
implicitada como na elaboração de um e de instruções construídas pelo campo da
sentido comum. produção, para serem seguidas pelo campo
As formas da enunciação da recepção (audiência), condição por meio
jornalística são marcadas por processos do qual ele se insere no sistema interativo
de raciocínio ou ca dei as de razões proposto e pelo qual ele é reconhecido e,
que visam a de ter mi na dos efeitos de conseqüentemente, se reconhece como tal.
reconhecimento (apreensão, compreensão A recepção não pode ser definida
pela audiência) e podem restringir-se ao apenas pelos estudos que as estratégias
anúncio, à descrição, à argumentação, à de ma rke ting propõem para ajudar
demonstração e à persuasão. as empresas jor na lís ti cas a construir
o mercado. É claro que tra ços e
I – Anunciar - dizer o que aconteceu ou características sociais iden ti fi ca dos
vai acontecer; dizer o que alguém disse, pelos institutos de pesquisa orientam as
subtendendo a relevância do dito; organizações a construírem o mercado e
um perfil da audiência.
II - Descrever- relatar as etapas de um fato, Entretanto, entendemos que a recepção
com suas circunstâncias; os passos de um é cons tru í da na própria economia
personagem, com seus comportamentos, enunciativa:
atitudes, declarações ou proposições, ou o
quadro de uma situação, com os diversos “...tais vínculos são construídos no
aspectos envolvidos; in te ri or da própria discursividade,
bem como daquelas leis que ao
III - Demonstrar – provar a relevância, nível do discurso tratam de tipificar
va li da de ou veracidade do que foi não só as maneiras pelas quais o
anunciado ou descrito; suporte cons trói as notícias, mas
especialmente a organização mesma
IV- Argumentar – orientar inferências a da sua noção de leitor.” (Fausto Neto,
partir do que foi dito ou realizado (é o que 1991, p. 37)
acontece, comumente, na abertura das
matérias no telejornalismo); O outro, que compôs a cadeia interativa
da atividade linguageira jornalística, não
V- Persuadir – buscar convencer o outro é apenas um personagem revestido com
da importância e da veracidade do relato, cer tos matizes de indicadores sociais,
uti li zan do-se, no caso da sedução, de mas alguém que é construído na própria

Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 22 • dezembro 2003 • quadrimestral 115


produção imaginária dos organizadores e
enunciadores do discurso. MAINGUENAU, D. Novas tendências em análise do discurso.
Nesse sentido, acreditamos que 3a ed. Campinas: Pontes/Editora da Unicamp, 1997.
fica difícil pensar o jornalismo como uma
mera reprodução do real. Como podemos ORLANDI, E. P. A linguagem e seu funcionamento: as formas
ver são tan tos os “discursos” - não do discurso. Campinas: Pontes, 1996.
cometeríamos uma heresia se disséssemos
que são infinitos – que atravessam o RODRIGUES, A. D. O discurso mediático. Lisboa, 1996,
campo jornalístico, são tantas as tensões, mimeo.
as “vozes”, as práticas discursivas, que o
reduzir a uma simples técnica, ao simples STAMM, K.R. “The nature of news-news concepts”. In:
acionamento de regras “mecânicas”, seria McCOMBS, Maxwell; SHAW, Donald Lewis; GREY, David
perder sua própria dimensão, seu próprio (orgs.). Handbook of reporting methods. Houtghton Mifflin
objeto . Company: Londres, 1976.

TUCHMAN, Gaye. La producción de la noticia: estudio sobre


la construcción de la realidade. Barcelona: Bosch, 1993.
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FAUSTO NETO, A. Mortes em derrapagem: os casos Corona


e Cazuza no discurso da comunicação de massa. Rio de
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GOMIS, L. Teoría del periodismo: cómo se forma el presente.


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Dissertação (Mestrado em Comunicação Social).

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