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Elogio da Corrupção

QUI, 06 JUL 2017 | 12:16

TEXTO
ROBERTO ROMANO

FOTOS
ANTONINHO PERRI | REPRODUÇÃO

EDIÇÃO DE IMAGEM
LUIS PAULO SILVA
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Um costume de intelectuais, hoje sumido, reside na visita semanal


às livrarias. Com o aumento dos textos eletrônicos e a crise dos
impressos, a mais que agradável inspeção às prateleiras das lojas
rareia. Não há mais tempo e lazer para conversas com os intelectuais
(de variados setores acadêmicos ou mundanos) que traziam informações bibliográficas
úteis ao passear olhos e mãos pelos volumes expostos. Recordo a excelente Livraria
Duas Cidades, comandada por um discípulo do Padre Lebret, fundador do movimento
Economia e Humanismo. Frei Benevenuto de Santa Cruz oferecia aos leitores de
todas as crenças e ideologias as mais recentes e profundas análises sobre o mundo
político, cultural, religioso, além de um diálogo seguro acerca de fonte e autores.
No seu espaço pequeno, galáxias de saber tinham encontro marcado com pensadores
ortodoxos ou heterodoxos, como Antonio Candido e outros.

Se andássemos um pouco mais na direção da Biblioteca Mário de Andrade (ela


própria celeiro de intelectuais que marcaram a vida nacional, entre eles Mauricio
Tragtemberg) entrávamos na Livraria Italiana, onde milhares de volumes traziam ar
fresco para a pesquisa artística, histórica, filosófica. A viagem poderia terminar no
Sebo do Brandão e outros estabelecimentos similares, próximos ao Largo de São
Francisco. Ali, coleções inteiras de clássicos, românticos, modernistas e demais
etiquetas do espírito eram oferecidas a preço acessível. O costume de frequentar
os sebos marca o intelectual efetivo. Aqui mesmo, em Barão Geraldo, acompanhei
um grande escritor em excursões rumo às prateleiras. O nome daquele precioso
ensaísta é conhecido de toda a Unicamp: Eustáquio Gomes.
Mas antes de chegar aos sebos paulistanos era obrigatória uma parada longa na
Livraria Francesa. Ali, em suas aleias superlotadas de livros, o mais substancioso da
cultura humana era oferecido ao cérebro que desejava pensar com outros. Além dos
proprietários, eles próprios bem formados acadêmica e humanamente, atendiam
funcionários com mais erudição do que muito doutor de nossos dias. Daise, uma
nipônica que domina com perfeição a literatura e as formas de pensamento histórico,
antropológico, filosófico, ajudava muito na pesquisa de textos raros ou novos. Das
sacolas daquela livraria vinha o bálsamo contra o psitacismo que sempre ameaça os
debates no Brasil.

Numa visita assim à loja, situada na Rua Barão de Itapetininga, encontrei certo dia
o fármaco para um dos piores males da vida nacional. Trata-se da enorme hipocrisia
e fanatismo escondido na “luta contra a corrupção”. Sim, a ladroagem dos políticos
e de seus cúmplices empresários é perene ameaça ao bem comum. Ela integra um
sistema de poder que nos assola desde 1500. Mas um de seus efeitos colaterais é
gerar supostos combates à prática corrupta, sendo eles mesmos uma corrosão
virulenta.

Sebo em São Paulo, Marie-Laure Susini e


manifestação contra corrupção | Fotos: cum-nice.org | Reproduções Google Images

O Brasil conhece espasmos de tal moralismo corrupto. Desde as campanhas da UDN


(União Democrática Nacional) que moveu o fantasma do “mar de lama” contra
Getúlio Vargas, até situações recentes, os implacáveis da ética vazia atacam
adversários e governantes com lábios cheios de slogans em prol da moral pública.
Mas na primeira ocasião em que têm oportunidade de chegar aos postos do Estado
(nos três poderes), revelam imensa cupidez de riqueza oficial para seus cofres
privados. Resulta que, assim como em todo fascismo, tais movimentos espasmódicos
de moralidade semeiam ódios, intolerância, autoritarismo. Nas bocas dos moralistas
se encontram os piores vitupérios contra a democracia, os direitos humanos, a
tolerância face aos diferentes. Eles estão sempre dispostos a apoiar lideranças
truculentas que prometem limpar a cena pública dos “corruptos”, por definição os
que pensam de modo diverso ao deles.

Ah! Sim! O antídoto que encontrei na Livraria Francesa? Trata-se do livro editado
em 2008 pela psicanalista Marie-Laure Susini com o título de Eloge de la
Corruption (Paris, Ed. Fayard). Ali a autora traça a genealogia do moralismo que
se traveste de política. Em primeiro lugar temos o magnífico tratamento de G.
Orwell e seu ataque aos salvadores do mundo que desejam decidir o futuro das
pessoas infernizando seu presente e distorcendo seu passado. Depois vem a análise
do jacobinismo que teve Robespierre à frente do Terror “que a tudo purifica”.
Susini desce até Tomás Morus e sua utopia de um Estado limpo, dentro e fora dos
homens. E finalmente ela discute a semente da pureza ocidental, no pensamento
de Paulo apóstolo.

Da pureza espiritual à pureza das intenções e da vontade, e daí para a pureza


ideológica e de raça, o movimento é contínuo, de uma lógica sem piedade. Susini dá
um tapa na face dos hipócritas que assumem o apelido de “incorruptíveis”, até o
instante em que atravessam as praças e se instalam nos palácios. Num instante
agudo de histeria coletiva brasileira, em que a propaganda dos “bem intencionados”
tenta derrubar direitos de defesa e de pensamento plural, vale a pena consultar o
volume daquela corajosa escritora. Em cada frase sua o leitor reconhecerá falas e
atos, além das figuras, dos que hoje se arvoram em faxineiros da sociedade e de
Estado. Falta no Brasil quem recorde aos referidos lavadores: medice, cura te
ipsum. Para bom entendedor, meia palavra basta.

Disponível em: https://www.unicamp.br/unicamp/index.php/ju/artigos/roberto-romano/elogio-da-corrupcao

Acesso em 23.11.2018

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