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Buscando o Simples

Fernando Gomes Peixoto

I
Agradecimentos

II
Apresentação

III
Prefácio

IV
Seis de abril de 2009.

Paro em frente ao portão.

Procuro nos bolsos mais um cigarro, talvez o último. Encontro o maço vazio, todo
amassado, “cigarro de bêbado”.

Pergunto pra ela se tem algum pra dar um último trago, o dela também acabou e não
tem nada aberto pro estas bandas. Deixa pra lá.

Vamos entrar. Enquanto ela buzina, eu penso no que estou fazendo, o que me espera ali,
mas não tem jeito, tenho que fazer.

Alguém vem abre o portão, entramos.

Não sei o que sinto, sento-me no hall da casa, um homem vem me cumprimentar com
um sorriso fácil, todo o seu rosto sorri. Conversamos um pouco. Ele me fala que vai dar
tudo certo, estou exausto e acredito nele.

Mostram-me a casa, não faz diferença. Não importa onde estou, mas porque estou,
nunca pensei que chegaria até aqui. Não soube viver como deveria. Chegam outros,
falam comigo, me perguntam coisas que eu não estou a fim de responder, - De onde
vim? – Quantas vezes vim parar numa destas? Esta é minha primeira vez.

Até aqui tudo bem, não parece tão ruim. Está na hora da minha mulher ir embora, só a
verei daqui há quinze dias.

Ela chora, eu não. Meu sentimento é oco, reverbera no vazio.

Olho o carro saindo, aperto o peito, talvez esteja sentindo algo, estou seco.

Não sei sorrir, não sei pra quê.

O que me espera?

O portão fecha.

Estou mínimo.

Não quero aquilo.

V
Mas estou aqui.

Sem desculpas.

Colhendo das minhas sementes.

Fruto amargo, e terei de me alimentar dele, forçarei na garganta pra entrar, regurgitarei
um pouco, ruminarei um pouco, engulirei novamente, será preciso digeri-lo, causará
dores eu sei, depois será expelido, jogado fora, e sentido. Ficará só o que alimenta e
fortifica.

E os dias passarão e eu nunca mais serei o mesmo. Hoje são seis de abril de 2009.

Procurei escrever-te sentindo e revivendo, estou em 2013 te escrevendo pra contar mais
ou menos como foi minha primeira internação em uma comunidade terapêutica(CT), na
época chamada “casa de recuperação”.

Me sentia além de mínimo, último. Pra mim estar ali era o símbolo do meu fracasso
como ser humano.

Já não me aceitava, então ser internado por causa de abuso de drogas, era a gota do fim.
O que talvez me fez ficar ali fosse o meu medo, que só não era maior que minha auto
depreciação.

Aprendi muitas coisas naquele lugar. Sorvi ensinamentos cristãos, comecei a crer na
possibilidade de que alguém poderia fazer por mim o que eu não nunca poderia.

A esperança que Deus colocou no meu íntimo mudou todo este meu sentimento de
inadequação o qual descrevi acima.

Encharquei-me da Palavra Viva que como digo dá a vida.

Tudo mudou desde então.

Apesar disso tive outras internações, no total 6, e todas elas me ensinaram muito.

Logo que se entra numa CT a sensação é a mesma que experimentei, vi muitos entrando
com o mesmo sentimento, derrota, medo, estranheza e outras coisas que entendo serem
normais.

Contudo venho experimentando outras novidades.

VI
Não sei se por conta de tantas internações, mas comecei a não ver mais a CT como esse
monstro de mil olhos devorador e amedrontador. Creio que ao fim destas internações
passei a entender como se vive por aqui e como se tirar o melhor proveito para a
recuperação.

Não tem como eu aprender com alguma coisa que considero ruim, não entra, não tem
jeito. Esta sensação de estar internado é sufocante, na melhor das palavras. Porém, o que
aprendi é que não estou internado e isto faz toda a diferença. Primeiro que posso sair
quando eu quiser, ninguém é obrigado a ficar aqui contra a vontade, esta casa não é uma
CT compulsória, onde os familiares obrigam a pessoa a ficar, através da justiça, por
isso, não devo me sentir preso. A palavra “internado” denota alguém interno em alguma
coisa, a aqui isto não acontece, a maioria das CTs, possuem muros comuns, muitas
vezes baixos e realizam passeios regularmente onde posso sair e ver pessoas.

O que atrapalha é quando eu quero me sentir assim. Já fui assim e entendo quando
acontece e senti a necessidade de falar sobre como me livrei disso ou melhor como
venho me livrando, um dia de cada vez.

Tudo está em escolher, decidir não estar. Parece simples e é. Tenho visto as coisas
assim, simples.

VII
Arrumando a casa

Um dia acordei e disse:

- “Hoje vou usar drogas!”

Não, não foi assim.

Vem de muito longe, atrás do pensamento, de coisas guardadas que poderiam ter sido
jogadas fora e de outras, jogadas fora e que poderiam ter sido guardadas.

Surge logo a imagem de Deus me pegando, como se pega pelo cangote, me tirando do
meu mundinho de autossuficiência, e me trazendo pra cá, Ele então me sussurra
dizendo:

“- Olhe, vais ficar por aqui um tempo, não estarás sozinho, Eu estarei contigo, poderás
aqui, ver o que o barulho lá de fora não te deixou ver, descanse em mim e observe tudo,
mude o que precise mudar, te ajudarei nisto também. E fique a vontade, a casa é sua”.

Penso em quantas vezes Ele me procurou e eu não dei ouvido. Quantos chamados tive
nas ruas, pessoas falando de suas maravilhas e eu nada fiz em relação a isso.

Meus olhos focavam o nada.

Não devo me esconder mais. Não há como não me conhecer. O amor próprio tem muito
a ver com isso. Se me amo quero ser melhor. Conheço-me percebendo em que devo
crescer; a identificação com meu próximo me faz igual.

Estou dentro de uma comunidade terapêutica porque não posso mais fugir.

Permaneço porque preciso limpar a casa e depois, arruma-la.

Coloco as coisas no lugar aos poucos, não há pressa, devo ter cuidado com o tempo, o
tempo não é meu. Descubro logo coisas que não deveriam estar em mim, nesta casa, e
me livro delas guardando em lugares de difícil acesso, fora de vista. Ainda existem
coisas que não se encaixam e outras que estão faltando, procuro estas na contemplação
do mundo, ouço Deus e, no tempo certo, as dúvidas vão acabando e a casa começa a ter
ordem.

VIII
Todo dia é necessário espanar a poeira que aparece sem mesmo eu perceber, esta é a
mais difícil, é preciso ouvir os outros e pedir ajuda do Pai, só Ele limpa definitivamente.

Com as ideias no lugar, começo a me ver melhor e perceber também coisas que não
precisam ser mexidas, pois estão bem onde estão.

Recoloco os quadros na parede para ter um ambiente mais bonito. É hora da parte
externa, pintura, acabamentos, sem esquecer a manutenção, que é primordial para a
continuidade de tudo.

Sim, há muito pra fazer.

Porém já foi um bom começo.

IX
Movimento contrário

Eu sou desconfiado, desonesto, manipulador, autosuficiente, egoísta, egocêntrico,


soberbo, prepotente, arrogante, autopiedoso, medroso e, ainda sim e, principalmente,
um amado do Pai.

Parece muito?

Pois te digo: sou isso e muito mais do que isso!

Também sou bondoso, amante da verdade, procuro ajudar os outros, procuro fazer o
certo e, meu Pai me ama.

Estas coisas, todas elas, estão dentro de mim, a cada momento que vivo sou convidado a
ser vários, muitas vezes algo que nem sabia que era ou poderia ser.

Como criação do Deus Todo Poderoso, portanto à sua imagem e semelhança, habita em
mim todos estes, mas só vivo o que desejo viver.

Ele me deu todas as possibilidades.

Porém, alimento uma pequena parte disso.

Pratico ações que, muitas vezes, terminam em arrependimento, minha natureza humana
me mostra o que eu não quero ser. Crio máscaras diferentes para diferentes lugares e,
raramente, me dispo delas. E sou assim, pois desejo o reconhecimento do meu próximo
e o que agrada o mundo é o que busco ser e nunca o que eu quero de verdade.

Neste afã de ter que agradar os outros, perco minha identidade inicial de criação, unido
com Deus.

É impossível servir a dois senhores (MT 6:24).

X
Querendo sempre mais do que preciso, admiro no outro suas posses e nunca estou
satisfeito com o que tenho. Corro atrás de inutilidades, sensações efêmeras, num ciclo
interminável de angústia e dor.

Bebo da água do mundo, enquanto Jesus está ao meu lado me oferecendo a Água Viva;
a água do mundo sacia meus desejos por um breve instante, depois a sede volta e a
busco de novo cada vez por preços maiores, preços de vida, sempre perdendo mais e
aumentando os goles, pois já não me satisfaço como antes.

A Água Viva, ao contrário, sacia e alivia, transborda no coração, transforma meu eu e


conforta minha alma, e não terei que busca-la fora de mim, porquanto ela habita em
mim.

A água do mundo me torna insensível e as necessidades de se ter um relacionamento


rico em amor torna-se piegas, fora de moda e interesseiro: meu amor vira moeda de
troca. Tenho vergonha de dizer eu te amo, desconfio da bondade e honestidade de todos;
se ajudo alguém, mais tarde irei cobrá-lo cheio de justiça própria. No fundo quero ser
elogiado pelo que faço e tenho, nunca pelo que sou no meu íntimo, afinal não gosto de
mim. Essa agonia buscar a aceitação do outro me frustra, tornando-me infeliz e
diminuindo a minha fé em Deus e, por conseguinte em mim.

Não confio em mim mesmo. Esta maneira de viver tem me afastado de Deus.

Ajo como se Ele fosse meu carrasco.

Mas quando em minha busca O conheço, tudo muda.

Não preciso me mascarar pra Ele, nem adianta.

Meu Criador sabe como sou.

Quando finjo ser outro o Pai me desconhece; Deus deseja que eu assuma meus papéis,
sem medo.

Ele toma conta de tudo.

Ainda que me envergonhe, posso admitir: sou um dependente químico em busca de cura
e só vou estar em cura se estiver em Cristo.

XI
A proximidade do Pai me torna desejoso de mudanças. Necessito praticar o que quero
ser, pois assim posso começar a ser o que procuro.

Não é máscara, é amor-próprio.

Não gosto de ser o que comumente mostro, então busco não ser estes que não gosto;
nesta prática, me habituo a ser o que almejo ser. Deste jeito me gosto e me aceito como
sou: um pecador salvo pela Graça!

E minhas ações devem seguir minhas crenças. Se de verdade creio, vivo esta verdade.

Não há como ser diferente.

Eis a identidade primeira; se já fui posso voltar a ser, não joguei fora, apenas perdi mas
a encontro novamente.

Jesus escancarava sua crença e a vivia acima de tudo!

Parar este ciclo é fundamental para seguir e crescer. As escolhas que fiz me mostraram o
que não posso ser. Sigo agora com olhos em Cristo, aquele que dá a verdadeira
liberdade; liberdade pra ser eu mesmo, sem culpa.
“Com a chegada de Jesus, o Messias, o dilema fatal foi resolvido. Os que estão em
Cristo não precisam mais viver numa nuvem escura e depressiva. Um novo poder está
atuando. O Espírito da vida em Cristo, como um vento forte, limpou totalmente o ar,
libertando vocês de uma tirania brutal nas mãos do pecado e da morte. ”(Rm 8:1-2)

XII
Deus na forma que eu O concebo.

Tenho recebido de Deus muito mais do eu preciso.

Ele me supre, nutre, salva, ensina, disciplina, restaura, ergue, encoraja, dá força, ama.

Esta é a verdade: Deus me ama.

Sim, o Criador de todas as coisas me conhece e me ama mesmo assim. Não preciso
mentir, fingir, me esconder, afinal Ele está em todos os lugares, nada foge aos seus belos
olhos. Tudo vem Dele e vai para Ele. Tudo o que faço, até mesmo se não crer, estou
fazendo porque Ele me dá forças para fazê-lo.

Quando eu estava usando drogas, achava que não podia viver isso. Afastei-me de Deus,
vivia nas vielas, becos, casas de uso, lugares que eu não acreditava que o Dono de tudo
podia estar ali.

Mas Ele estava!

O Deus da minha vida me olhava e chorava...

A Sua compaixão é loucura, não há nada maior nem que faça acabar. Talvez fosse isso
que fizesse eu não crer que Ele estava ali. Pra mim, pros meus sentimentos,
pensamentos, pelas minhas concepções tacanhas e egoístas, ninguém pode ser assim. E
é simples:

Ele é!

Deus me ama e esse amor é completo, não falta nenhum pedaço.

Quando aceitei Deus na minha vida, não O conhecia, não sabia como Ele era.
Ensinaram-me sobre alguém que castigava aqueles que não cumpriam seus decretos.
Nunca foi assim, sempre foi por amor a mim que tudo acontecia.

XIII
Deus é justo porque Deus é amor.

Nada acontece sem Ele. Deus está vivo e com Ele seu filho e Seu Santo Espírito. Apesar
da minha mente mundana pensar em coisas contrárias a isso, realmente creio que Jesus
ressuscitou e isto tornou-se verdade em mim e já não posso ser o mesmo depois disto.

Eu experimento o amor de Deus e não há amor maior do que dar o seu único filho por
aqueles que não merecem e não fazem nada por merecer.

Essa verdade me transforma e me liberta.

Mas é necessário crer de todo coração, alma, força e entendimento. Como crer que o
meu Deus vive e me lamentar sobre o meu viver? Quero viver o que creio ou melhor
será não crer em nada!

Deus está no meio da minha vida e isto extraordinário, é de arrepiar!

E posso me arrepiar na presença Dele, não é emoção passageira, é a Pura Verdade.

Deus está aqui e agora. E esse amor é inacreditável, não preciso fazer nada nem realizar
nada. Ao aceitar que sou aceito, começo a ser o que Ele quer que eu seja. Sou filho do
Pai e o filho ama o seu Pai. Que assim seja.

O que posso fazer com isso, com esse amor? Posso andar nesse amor.

É isso que o amor faz, me deixa desejoso de amar. Tão simples.

Se eu amo a Deus é impossível não amar tudo e todos.

Nesse amor o viver é simples. É suave.

Quero também este amor.

E busco!

XIV
“É impossível comer um só”.

Lembro-me da propaganda do salgadinho e ligo isto a Deus.

Estranho? Concordo!

Às vezes Ele é estranho.

Mas faz sentido quando sinto esta vontade de querer mais de Deus, cada vez mais.

Não que seja insuficiente, ora, é mais que suficiente.

Mas, é impossível não desejar mais desta “paz que excede todo entendimento” quando
compreendo o que Deus deseja de mim.

Tenho medo até de ser compulsão e sim, se for deste jeito, eu quero o mergulho.

A felicidade só é real quando é compartilhada.

Peco as vezes, mas não desabo em prantos indescritíveis. Jesus me salvou da perfeição.

As aflições acontecem, fazem parte do viver e me alegro toda hora com Ele nas suas
demonstrações de amor inacreditável.

E me acalmo em êxtase de felicidade.

Meu sentimento é de pura liberdade em Cristo, pois nenhuma condenação há.

O percebo a todo o momento.

Quando as dificuldades vêm eu vislumbro as oportunidades de crescimento colocadas a


minha frente com uma simplicidade única, pela liberdade que passo a usufruir tão logo
eu aceito Deus como Pai.

XV
A cada dia coloco-me a disposição de matar meus desejos mesquinhos, de não mais
querer jogar minhas emoções nos outros, cheio de justiça própria, freio meus impulsos
porque não quero mais ser o que os outros querem que eu seja, vou correr contra a
correnteza num esforço de gratidão, pois já tenho o que preciso e tenho isto todos os
dias.

E alegro-me de novo ao dizer-te isso: não temo mais a mim mesmo!

Não sofro de querer também ser o que agradaria a outrem. Quero sim a verdade do eu
mesmo, sem maniqueísmos, nem brincar de marionetes nas mãos do que não me faz
sonhar.

E gosto do ser eu mesmo!

Aleluia!

“Confie no Eterno do fundo do seu coração; não tente resolver tudo sozinho. Ouça a
voz do Eterno em tudo que fizer, aonde for. Ele manterá você no melhor caminho.“
(PV 3:5-6/ Bíblia A Mensagem)

É disso que eu to falando!


Por que não crer nestas possibilidades? Se me são dadas?
O que Deus me oferece é muito simples.
E isso assusta, eu sei, já vivi assim.
O simples não é fácil, mas é palpável e mais que isso, possível.
Meu passado me remete a um eu sem sentido, que outrora buscava em tudo um sentido
e que vivia para que houvesse sentido em tudo, como pude?
Não pude.
Então caí e agora ergo meu corpo firme de volta a razão.
E sonho alegre e sem questionamentos, vivo o é-se.
E é hoje e é imperdível o meu hoje.
Não posso parar, a vida continua...
E respiro o ar dos reticentes, esperando sempre as nuvens das possibilidades diárias.
E eu as agarro e continuo vivo, no meu instante único.
E posso ser tudo isso!

XVI
É impossível alegrar-se uma só vez com Deus!
Ele não me deixa...
Rsrsrsrs...

Espera suave

Quero humildade. Tenho evitado falar; talvez assim eu seja menos.

Também quero ser menos.

Estou quieto e tudo é espera, mas é espera tranquila. Já sei ser afoito, quero agora a
espera e a observação.

Contemplar é preciso.

Escuto atrás de mim as vozes que vem da piscina e os risos da sala de TV; estou cercado
de gente e estou só, te escrevendo.

Tu me lê, este sou eu.

E este eu está bem à espera de um dito qualquer de Deus.

O meu tempo é suave.

Quem sabe este não é o tempo de Deus, o tempo Dele deve ser assim.

Te digo isto achando que estou sendo muito, portanto, vou agora mais devagar, como
disse:

-“já sei ser afoito”.

Me percebo e então paro.

Deve ser assim. Mas creio em mim mais do que em outrora.

As nuvens se dissipam e eu espero.

XVII
“Onde senão em meu companheiro, poderei encontrar este espelho?”

Retirada da filosofia “Daytop”, esta frase repetida por todos a cada manhã na
comunidade terapêutica a qual me encontro internado, teve nestes dias seu significado
atingido e, por assim dizer, descoberto. Além disso pude encontrar, mais uma vez, o
porque de estar aqui.

Observo certo interno sofrendo em suas dificuldades e me vejo nele.

Ou melhor, eu sou ele.

A autopiedade foi o maior freio na minha recuperação. Tempos atrás, quando na ativa,
ficava em um canto, de cabeça baixa, esperando alguém vir e perguntar o que havia
comigo. Por um tempo, alguns até vinham, mas depois, ninguém mais veio.

Usei álcool e outras drogas por 25 anos, joguei muitas coisas fora, deixei outras pra trás,
buscava preencher o vazio que havia em mim, e preenchia. Mas não durava. Logo
precisava de mais e mais até que, não suportando aquilo, decidia me internar, sem antes,
claro, tentar parar sozinho, negar minha situação, fazer do meu jeito, entre outras
insanidades comuns na adicção*

Aqui é inútil eu me vitimizar; e é imprescindível eu tomar a atitude de mudar.


Permanecendo do jeito que entrei, vivendo os 6 meses alimentando as minhas falsas e
antigas ideias, me frustrarei novamente, perdendo o meu tempo, que já pode estar se
esgotando. Logo, faço o movimento contrário.

Só pude começar a vislumbrar esta transformação quando me vi no outro.

E não gostei do que vi.

Voltei a me aproximar de Deus e assim desejei ser melhor, é natural.

Posso sim crescer e ter muito mais de mim mesmo.

Deus me aceita como sou porque sabe que posso ser melhor.

E esta verdade é para todos!

XVIII
Quando percebo no outro meus próprios erros e desejo mudar, mudo também minha
maneira de vê-los, fazendo a vontade do Pai.

Só por hoje, continuo querendo a humildade, todo dia.

* Adicção é o vício, e geralmente está relacionado com drogas ilícitas. Mas a adicção
pode também significar qualquer dependência psicológica ou compulsão tipo jogo
(bingo, pôquer, etc), comida, sexo, pornografia, computadores, internet, vídeo games,
notícias, exercício, trabalho, TV, compras e etc.

Uma pessoa que é viciada não consegue controlar seu desejo por álcool ou drogas,
mesmo que sinta efeitos negativos pra saúde, problemas com família e amigos, ou
problemas com a polícia.

A adicção a drogas é considerada uma doença como outra qualquer. É uma doença
crônica, ou seja, afeta a pessoa ao longo prazo, ou acontece várias vezes. Ela acontece
pois a pessoa procura uma recompensa ou um alívio pelo uso da substância. A adicção
é caracterizada pela dificuldade em controlar o comportamento, presença de fissura ou
desejos, dificuldade de ficar sem a droga (abstinência), e falta de noção dos problemas
causados pela droga.(fonte: http://www.quedroga.com.br)

XIX
Restos de vida

A casa era antiga, lembrava aquelas casas antigas francesas que quando se vê a frente
parece pequena, vê-se apenas uma porta e uma janela, mas...

Ao entrar percebe-se o engano, pois logo após a porta de entrada, abre-se uma bela e
espaçosa sala, dois vastos quartos á direita e, ao fundo, a cozinha espalha-se na largura
da sala e dos dois quartos, quando se entra nela, avista-se já o quintal, modesto até, mas
funcional e ainda, contíguo a cozinha, outro quarto e mais um banheiro. É uma boa
casa. O pé direito é alto e tem duas meia águas dividindo sala e quartos de frente;
cozinha e quintal, quarto e banheiro ao fundo, uma casa até bem aconchegante para se
viver e tenho certeza que já se tenha vivido desta forma nela.

Estou eu aqui descrevendo-a como quem vai lembrando dela e flutuando por entre seus
espaços, como um fantasma, observando apenas seus lugares e divisões de seus
cômodos, como em um sonho talvez. Não da forma como entrava em dias outros, dias
antigos, ativos, não muito atrás do tempo...

Era assim:

Quando chegava, cumprimentava D. Maria, dona da casa que, quase sempre estava
sentada a soleira da porta numa almofadinha. Bem pequenininha era ela, D. Maria era
cansada e com longos anos marcados pelo corpo, as rugas eram espessas, não digo que
tivesse muita idade, mas o tempo a tinha maltratado demasiado. Esforçava-me para
passar por ela e pela estreita porta entreaberta e aos pedaços, que separava a rua da sala,
eu erguia as pernas para enfim, alcançar o interior daquele lugar extremo.

Vendo agora a sala, anteriormente bela e espaçosa, transformara-se num depósito de


coisas quaisquer, era tudo indefinido. O que eram as coisas, não se sabia. Eram jogadas
ali como sem importância e esquecidas e amontoadas, ao ponto de eu ter que olhar para
o chão, receando não pisar em algo e também verificar se nada se mexia ali.

As paredes não se sabia de que cor eram, pois eram escuras e sujas, além do lugar não
possuir luz artificial, eu andava, buscando adaptar os olhos a claridade que vinha do
quintal. Além disso haviam os cachorros. Sete. Sete no total; todos eles como farrapos
de estopas usadas e encharcadas de óleo queimado. Eles eram sujos, sujos e carentes,
enquanto eu ia entrando eles iam pulando e latindo talvez implorando um toque apenas
que eu dava constrangido com a situação. Latiam interminavelmente, ora um, ora outro,
ora todos, até que enfim paravam depois de bravos gritos de D. Maria e de seu filho que

XX
me esperava na cozinha, assim eles se deitavam de novo a espera de um outro despertar,
talvez de algum carro que passasse ou alguém que cumprimentaria ela que sentada a
soleira da porta ia aos poucos se desfazendo. Quando chegava a cozinha, o fogão, a
geladeira, a pia, louças, talheres, pratos, restos de comida, baratas, ratos, vermes, horror,
tudo era uma coisa só, um amontoado de desgraça humana. E eu estava ali naquele
lugar, um lugar que não era a sua utilidade, não era o que para que havia sido
construído. Então o que restava? Restava a mesa no canto da cozinha. Esta era cheia de
restos de vida, repleta de sonhos destruídos, carregadas de insensibilidade, vazia de
amor. Uma mesa, que um dia esteve rodeada de pessoas que compartilhavam a vida,
hoje servia para a destruição da alma. Sentado jazia meu amigo de nome oculto, cria de
D. Maria, que dividia comigo o pânico, o medo, a angústia, a ansiedade, tudo regado a
muito egoísmo. Aquela era uma casa onde habitava a dor. Aquele era o lugar onde eu
entregava a minha vida a qualquer emoção efêmera, nada havia além de um asqueroso
horror, desvalor e desrespeito a mim e a qualquer um que ali chegasse. E quem chegasse
trocava a mesma e tenebrosa indiferença. Este era o lugar da droga.

De vez em quando, em um novo despertar, os cachorros recomeçavam os latidos, ao


fundo ouvia D. Maria agradecer a alguém que, piedosamente, lhe entregava algo de
comer e que os cães é que comeriam, pois ela não tinha fome:

- Que Deus te abençoe e aumente teus dias, ela dizia, com um sorriso apertado e
mínimo, tirado não sei de onde e tinha aquela esperança pela sua fé, que um dia aquilo
tudo acabasse e Deus a levasse.

E Deus a levaria sim.

XXI
Recaída: nova oportunidade

Do carro eu observando o mundo: pessoas apressadas, senhoras nas janelas, velhos em


frente as casas velhas, velhos lares que mesmo antigos ainda permanecem de pé. Penso
no tempo, este contador de histórias. Minha mulher dirige calada; está segura; não feliz.
Eu continuo a olhar pela janela do carro, absorto, também não estou feliz, nem seguro,
estou a caminho de mais uma tentativa, mais uma oportunidade.

Direita, esquerda, segunda direita, muro baixo, é aqui. Chegamos...

Ficarei por aqui por um tempo que não sei qual é, buscando me encontrar, talvez
entender minha estupidez!

Dói.

Minha mulher chora. procura se sentir normal. Impossível. Mas valeu a tentativa.
Impossível ficar normal frente à dúvida: será que desta vez vai? São muitas perguntas.
Estas mesmas perguntas são feitas por mim, que não sei o que dizer.

(...)

Ela vai embora. Fico eu mais uma vez.

O que sinto?

Não sei o que sinto. É ruim estar aqui de novo. Não queria estar aqui de novo. Eu
deveria ter sido mais simples, como aquelas pessoas que passaram por mim, pela janela
do carro. Bem mais simples.

Então começa. Preciso fazer coisas que não quero neste lugar. E faço. Busco a
compreensão destas coisas, começo também a buscar entendê-Lo. No início dói um
pouco; é como colocar de volta o braço no lugar de onde foi deslocado; estou fora de
lugar! Depois acostuma-se na prática. Como eu disse dói um pouco. É como

XXII
fisioterapia. necessita-se forçar um pouco; repetir movimentos, então vai ficando mais
no corpo, como o bailarino, que de tanto repetir a mesma coreografia, chega um dia que
a faz sem perceber, virou vida.

Importante também é gostar do que se está fazendo, é preciso alimentar-se do Pão da


Vida, Aquele que transforma, a Palavra de Deus que me mostra que sou importante pra
alguém. O tempo passa e, quando se está na busca, querendo achar, encontra-se e então
não se quer mais parar. E o tempo passa a ser pouco. O coração tem que estar entregue
para o novo.

Quando as dificuldades surgem, Deus continua. Ele envia alguém que me diz o que
preciso ouvir. Dói outra vez. Mas já sei que não é para a morte, assim me percebo e me
aceito. Sou grato.

E continua...

A busca continua...

E Deus continua... Ele está perto.

Agora meus olhos veem à frente.

Ele está na frente.

Então caminho.

XXIII
Paliativos

Outro dia vi em Fortaleza a prefeitura consertando as ruas da cidade, era a operação


tapa-buracos.

Ora, todos sabem que essas medidas são paliativas, quando as chuvas retornarem, os
buracos voltam e muito piores.

Fico pensando quantas vezes fiz isso em minha vida.

Quantas vezes eu preferi paliativos a resolver problemas definitivamente. Quantos


buracos que, paliativamente cobri em minha alma, espaços vazios no meu coração que
mascarava com alguma emoção passageira ou pequenos momentos de falso prazer.

Como adicto, usei a droga para maquiar sentimentos, fugi com medo de emoções que
eram necessárias pra eu viver, cobri vazios existenciais e me transformei em alguém
seco e esturricado.

A dor de não ser aceito ou de me sentir menor que os outros, me fizerem comprar
sorrisos, companhias e amizades que não me edificavam. Quando me frustrava com
algum desejo não realizado ou com uma negativa qualquer, corria pra usar alguma coisa
que me anestesiasse e causasse algum prazer fugaz, e voltava a minha realidade com
mais dor ainda e querendo, muitas vezes, desistir de mim mesmo.

Um dia, porém, conheci algo diferente, que não acabava, que andava na contramão de
todas as coisas e, poderia usa-lo o quanto quisesse, porque era Eterno. Algo que não me
condenava por não ser o melhor, pelo contrário, me dizia que eu podia ser o que
quisesse ser. Uma possibilidade de ser feliz, uma verdade que era pra sempre. Sem
paliativos. Que me mostrava que era igual a todos e que podia ser melhor do ontem. E
mais, essa verdade não queria nada em troca, era de graça, bastava eu caminhar com ela
e já tinha Tudo.

XXIV
Podia, agora, viver tranquilo, em paz, pois soube que estava aos cuidados daquilo que
realmente importa.

Era o Amor de Deus!

Neste Amor, não há cobrança

Há “levante e ande”, “alegre-se pois Eu sou contigo”!

Nada é maior que isso.

O que quero agora é viver nesse prazer, depender desse Amor e não mais correr atrás do
que não é pra sempre.

Hoje eu quero Amor!

E amar esse Amor é caminhar.

Hoje posso caminhar!

XXV
Socorro!!!

Na minha vida tomei atitudes sem pensar no que estava fazendo.

E como fiz isso!

Fazia para buscar identificação com algum par meu que eu queria ser.

Isso mesmo, não era bem visto por mim mesmo, gostaria de ser outro, que loucura!

Ainda bem que mais tarde descobri que não estava só nisso.

Assim essas coisas que realizava, não significavam nada, tanto é que quando apareciam
outras novas que via nos outros, queria sê-las novamente e rapidamente modificava meu
modo de ser.

O pior é que seguindo determinados movimentos não pararia nunca de fazê-los, porque
neste mundo os modismos são mutáveis, a todo o momento tentava ser algo que nem
entendia, e quando estava perto de entendê-los, eles mudavam e lá ia eu de novo
correndo atrás do vento.

(...)

O mais entediante é que fazia-os sem entender porque, logo não ganhava nada com
aquilo, nem aprendizado, nem resolvia minhas autopreciações. Perdia meu tempo e cada
vez mais me sentia vazio e sem sentido no mundo.

Dentro de uma comunidade terapêutica isso acontece muito. Existe uma programação
de recuperação, e esta programação possui certas dicas que podem ser muito úteis se eu
entende-las, por exemplo: o pedido de ajuda.

Ele funciona se a honestidade estiver com ele.

“Sozinho eu não consigo”, então eu peço ajuda.

Peço ajuda pra fazer o que quero e o que não quero fazer.

XXVI
Até pra ajudar eu necessito pedir ajuda.

Me igualo ao meu próximo, desço de onde imagino estar e encontro meu eu verdadeiro.
E não sofro por isso. Porque aceito o que sou.

Usando drogas, ia aonde queria e fazia o que queria, não pedia ajuda de ninguém, ia lá e
pronto, hoje, peço ajuda pra não ser mais eu quem controla tudo.

É por isso que não pode ser boca pra fora.

É preciso estar no hábito.

Necessita ser a tentativa do controle fora de mim.

Não sou mais eu que quero isso ou aquilo, sou eu que quero se for possível.

O “não” perde o valor de rejeição. Vou em busca do “sim”, e Deus me dá o sim.

E também posso dar ajuda, a troca é justa e não pode haver o medo de rejeitar, porque é
ajuda, e quando esta é pedida estou me sujeitando ao que for, não importa, parto pro
mergulho, respiro fundo e vou.

Se grito por socorro é porque já me aceito e logo aceito o meu cúmplice, eu o valorizo,
pois estou junto.

O sim ou o não que podem vir, eu decido o que seguir.

Pra mim isto é viver na verdade de Deus.

No pedido de ajuda coloco nas mãos do outro a liberdade do poder.

Mas Deus me dá a liberdade de escolher.

Do que mais preciso.

A Graça do amor me basta!

E grito:

- Socorro!!!

E não estou sozinho.

XXVII
Mais de Dona Maria

Os dedos dos pés eram tortos. Não apenas pelos joanetes incríveis que possuía, mas
principalmente pelas dores nas pernas que sofria. Quando andava, arrastava-se numa
jornada de lá pra cá e cá pra lá, da entrada da casa até a cozinha, sempre buscando uma
posição melhor para andar; ora apoiando-se mais num pé do que no outro e vice-versa, a
fim de vislumbrar segundos de alívio, de tanto fazê-lo eis que os dedos adaptaram-se a
modos melhores de se posicionarem que por fim entortaram-se definitivamente. Quando
findava sua jornada, sentava-se num suspiro que eu próprio, só de olhar, aliviava-me
junto com ela. Descia as mãos pelas pernas até os tornozelos, fazendo expressões que
gostaria de apagar de minha memória.

Ela sofria, mas calava-se. Não via ali uma reclamação, o que pelo muito que passava,
seria normal.

Quando me via cumprimentava com honestidade e dava graças a Deus por eu estar vivo
e aparentemente bem, ela se importava comigo.

Dona Maria vivia ali há mais de 40 anos e já tivera tempos felizes naquela casa.
Contava que as vezes saia pra se divertir, passava a noite inteira em serestas, chegava de
manhã, era feliz!

- “Ninguém mandava em mim, eu gostava daquele tempo”, ela dizia olhando o telhado
da casa como se houvesse uma janela que se abrira ali para outro mundo, realizava
aquele momento com um leve sorriso de canto de boca...Até que a janela se fechava e
voltava ao seu presente: nada mais era como antes...Eu concordava e dava corda para
que ela continuasse. E continuava, conversávamos sempre. Enquanto seu filho saia pra
comprar a droga, conversávamos e parecia que a vida fazia algum sentido pra ela.

Até que ele chegava.

Vinha suado, ofegante, lamentando a própria vida que ele próprio havia desmontado,
reclamando sempre de algo que aconteceu.

Quando ouvíamos o barulho do portão, tudo mudava.

XXVIII
Ela silenciava.

Ele não permitia que ela se expressasse.

Eu sempre aceitei aquilo, dolorido.

Não queria me incomodar, nem a ela. E começava de novo a dor.

De toda aquela imundície que ali se iniciava, talvez uma única coisa salvava aquele
lugar: A mansidão tolerante e amorosa de Dona Maria.

XXIX
De quando eu cobro o que preciso dar.

Uma vez te escrevi um poema.

Dizia assim:

Porque dormes tanto, minha doce amada?

Será pra esquecer-se das lembranças de outrora, onde o medo sobrepujava a vida,
amargurando o sonho?

Mas e se dormes tanto então sonhas o tanto também.

O que sonhas?

Sonhas bem?

Se quando acordas ainda estás cansada.

Ah, minha doce amada, entrega-te ao Forte!

Entrega-te Àquele que cumpre o que promete e não te desvanecerá em esperas e sortes;

caminharás tranquila, esperando na Verdade.

Então teus sonhos serão vastos e lânguidos espreguiçares e dormirás não mais para
esquecer e sim descansar...

Quando te escrevi estas palavras, vivia num mundo que era só eu.

Lamentava coisas e, enquanto te via dormindo, não percebia que quem dormia era eu,
deixando passar o tempo a ver navios e olhar pro outro, sem nunca enxergar a mim
mesmo.

XXX
Não reparava nas tuas duras labutas diárias, não só de trabalho, mas e principalmente,
de sonhar sozinha sonhos que eram pra ser divididos e carregar cargas que deveriam ter
sido compartilhadas.

Cobrei coisas que não nunca te dei.

Esqueci-me de ti durante noites em que me entregava aos meus próprios quereres,


sempre me achando correto e cheio de satisfação em mim mesmo.

Quantos erros, mentiras, desonestidades, manipulações cometi; desconsiderações a


alguém que doava-se todo o tempo, aceitando-me sempre com o coração puro, cheio de
perdão e amor.

Te escrevo agora, buscando me colocar em teu lugar durante todas estas situações em
que fui todo eu e nada em ti.

Perdão.

Não desejo ser plausível, não.

Apenas hoje, desejo ser melhor comigo pra ser muito melhor contigo.

A partir destas percepções, buscarei ser homem sincero e carinhoso, compreensivo e


amigo, unindo-me a ti pra sermos a tão desejada uma só carne em Cristo.

Andréa, obrigado por tudo o que suportastes e suportas de mim, te agradeço pelas
mudanças, crenças novas e entregas de vida que fazes a cada dia por nós e para nós.

“Quanto a mim e à minha família, nós serviremos ao Eterno”. (Josué 24:15c)

XXXI
Como falar?

Como posso falar de alguém sem julgá-lo, criticá-lo ou mesmo elogiá-lo


demasiadamente?

Derramar elogios a qualquer ser humano pode ser deveras prejudicial. Naturalmente eu,
como tal, costumo ver mais falhas do que virtudes e quando sou elogiado, mostro
alguém bem complicado.

Quanto às virtudes, dificilmente as valorizo adequadamente; Deus observa tanto uma


quanto outra, mas principalmente o que faço com elas.

Aqui, te escrevendo, tentarei ser assim, quero andar na contramão e não estou com
medo de parecer com Ele, tomara que pareça, o que seria ótimo, é apenas um exercício
de fazer o que o Pai faria.

Quero olhar o belo que existe em tudo, e que deixo sempre de lado.

Falhas, costumam me deixar auto-piedoso, com baixa auto-estima, me colocando em


posição de vítima. Antes, deviam ser lições e força para agir diferente. Enquanto fico
vivendo e revivendo o erro, alimento o inaceitável, estanco meu crescimento e tudo em
minha volta perece junto comigo, saio do Caminho.

Outro dia ouvi que,

– “só conseguimos prosseguir se o futuro der novo significado ao passado.”

Esta frase ficou nos meus pensamentos por dias e dias, sem eu saber o que aquilo tinha a
me dizer.

Eis que me saltam aos olhos quando percebi alguém que consegue viver isso!

É um cara que conheci há algum tempo.

XXXII
Veja bem, nem o conheço a fundo, mas sei que sua vida era de infâmia, lamento e
tristeza e hoje foi transformada em vida, força e alegria.

Sim, Deus faz novas todas as coisas

Alguém que não valorizava a vida, as pessoas e o mundo e vivia de acordo com suas
próprias vontades, de repente passa a acreditar em si mesmo, e acreditar que existe um
Deus que é Pai.

Na vida, fazemos coisas que aos olhos humanos são imperdoáveis, entretanto, Deus não
vê assim.

O Criador vê o que eu faço após o engano.

Para Ele o que importa é a volta ao Caminho e não a saída dele.

Me alegro ao ver que alguém me mostra que para mudar o mundo, preciso primeiro
mudar a mim mesmo vivendo isso com integridade e amor, me diz que é possível,
respingando em quem está em volta e assim segue-se adiante, mas também me diz que
não é fácil, e sei que Deus está por trás disto!

Mas não precisa ser fácil, precisa ser possível. É do jeito Dele.

Hoje ele é a referência do possível e da mudança que eu também posso ter!

De quem eu falo?

Acho desnecessário dizer, pois posso eu mesmo ser ele, se quiser.

Atitudes é que fazem a diferença.

Não importa de onde elas vêm e, muitas vezes, vem de alguém que o mundo diz ser
impossível, e o impossível não existe.

Existe o Deus!

XXXIII
Eu paro pra continuar a caminhar.

Mas e quando as adversidades vêm?

Faço isso: eu paro.

Apesar de todas as minhas vontades me induzirem a ir em frente, eu paro.

Mesmo eu achando com uma certeza inabalável que estou fazendo o que devo fazer, eu
paro.

Até quando todos me dizem, - fazes o que tu queres, - eu paro.

Aprendi que meus melhores pensamentos me levaram pra lugares onde não deveria ter
ido.

Aprendi, também, que minha natureza é falha e por isso, meu umbigo é sempre minha
primeira intenção.

Aprendi, ainda, que não sou dono da verdade e que as coisas podem ser agradáveis se
não forem do meu jeito.

Então...

Eu paro pra olhar em volta e ver além do que vejo no primeiro instante.

Eu paro pra pensar melhor do que pensei outrora.

Eu paro pra não mostrar meu eu que só critica, julga e tira conclusões sempre em torno
de mim mesmo.

Há muita coisa acontecendo, há um propósito de ser em tudo. E o propósito é bom,


sempre.

Mas é preciso parar pra ver.

XXXIV
Olhar com olhos livres.

Hoje, paro pra continuar a caminhar.

Impressões de mim mesmo.

Deus já faz o suficiente pra mim.

Se eu caio, eu levanto.

Mas me acomodo nisto: jogo nas mãos Dele o que é pra eu fazer.

O que preciso que Deus faça pra mim além do que já foi feito na cruz?

Já fui justificado e ainda sim continuo vivendo como um pobre coitado, lamentando
coisas feitas, lacrimejando por tudo, enquanto já deveria ter cometido a atitude de me
levantar e seguir.

Novas possibilidades permitidas a mim são deixadas pra trás. Não é preciso recomeçar e
sim dar continuidade. Tudo o que já vivi serve como impulso, não como freio.

É um processo.

Como posso dizer que sou justificado se vivo mostrando tristeza e dor?

Fui daqueles que era o que lia, e sempre li muito e de tudo, ficava jogando frases de
efeito na cara das pessoas com uma certeza da verdade em cada uma delas, apenas por
achá-las bonitas e de impacto, mas poucas vezes vivi o que elas diziam, assim não podia
ter a experiência do que podiam ser realmente. Algum tempo depois lia outra coisa e já
mudava de novo meu modo de ver o mundo, tudo tornava-se diferente e mais uma vez
essa nova impressão de mundo era o que me bastava e não aceitava o contrário disso.

Estas impressões de mundo eram meu medo de pensar por mim mesmo. Meus
pensamentos sempre foram de liberdade, por um mundo melhor, baseava-me em
sensibilidade, sofrendo pelos outros, mas basicamente por não aceitar-me como era.

Nunca partilhei estes sentimentos.

XXXV
Queria sempre viver a vida dos outros, nunca a minha.

Tempos atrás escrevi um texto de teatro para um festival de esquetes, montamos a peça
e apresentamos, o texto foi até premiado/, mas o mais importante foi o que os jurados
me disseram sorrindo: - “Isto é a sua biografia?”

Eu também sorri. Talvez de nervoso como fiquei ao ver como eles me viam, e eu não
percebia-me, brinquei dizendo que não pois a personagem tratava-se de uma mulher, na
hora pensei na possibilidade de ser verdade, mas só pensei, pois naquela época ainda
vivia atrás de agradar outros em detrimento de mim mesmo.

Só que mais tarde percebi que ela era eu.

O nome da peça era “Vida Perdida”, e contava a história de mulher que se imaginava
dentro de seu apartamento à procura da sua vida que, de tão bagunçada, encontrava-se
perdida. O apartamento era seu interior, e o que encontrava eram pedaços de coisas que
não se encaixavam.

Sim, era absurdo. Mas nem tanto.

O monólogo decorria tranquilo nesta busca quando enfim ela se deparava com uma ou
outra coisa que mostrava a forma como ela encarava a tal vida e como justificava
atitudes que acabaram levando-a até aquele exato instante.

Ela negava tudo o que estava acontecendo, transferia culpas, nada do que havia feito
podia ter causado aquilo pelo qual estava passando. Na verdade Lúcia, como a chamei,
não se conhecia, vivia num mundo onde escondia-se de si mesmo pois não tinha
coragem sequer de olhar-se no espelho. Enfim, ela descobre que tudo havia sido
causado por ela mesmo, desesperada tenta correr para resgatar-se e pedir perdão à si
mesma, queria de volta a vida, a qual ela própria havia negligenciado; começa então a
encontrar-se num retorno a realidade, onde talvez, ela pensara, não pudesse voltar.

Ali naquele momento eu havia me encontrado, mas, não percebera isso. Estava de frente
comigo mesmo, olhando pra atriz, e assistindo no teatro a história da minha própria
vida, a derrocada de alguém que não se aceitava, que tinha medo dos seus sentimentos e
estava indo para um fim que poderia ser a morte.

XXXVI
Deus não desiste de mostrar-me como sou, para que eu possa fazer melhor do que fazia.
Acredito nesta oportunidade que Ele me dá na sua eterna misericórdia. Eu posso me
modificar a partir de aceitar o Amor do Pai e assim começar a me amar.

Começo a não me amedrontar comigo mesmo e entender que meus pensamentos podem
ser bons.

Torno-me viável.

E continuo mais uma vez a caminhar.

Na vida, muitas coisas são ditas, algumas falam de como devo me aceitar não me
comparando, pois “quem se compara não se aceita”, ou até que “a dificuldade está em
mim”, tudo isso de nada serve se eu não viver cada um desses ditos. O que escrevi em
“Vida Perdida” me revela, eu falando de mim mesmo, porém como uma máscara, uma
roupagem que se transfigura no outro o que sou na verdade.

Mas Deus continua, desmascarando-me, até que, enfim, resolvo me aceitar e perceber
que posso ser melhor do que isso.

Vivo o possível e não corro mais de mim mesmo.

E sonho com as novas possibilidades todos os dias!

Na minha vida tive medo de mostrar quem eu era de verdade por não me achar
adequado.

Aqui, aprendi a ter coragem de ser eu mesmo!

Na minha vida sempre quis ser o melhor, pois quase sempre me achava inadequado.

Aqui, aprendi que posso ser o que quiser e que é belo ser diferente.

Na minha vida tentei viver da maneira que eu achava que era melhor, sempre tentando
agradar os outros.

Aqui, também aprendi que as coisas não são como eu quero e não há problema nenhum
nisso.

Na minha vida sempre quis ter a última palavra, porque queria sempre ter alguma coisa
a dizer.

XXXVII
Aprendi também por aqui, que posso dizer muito quando me calo.

Na minha vida, procurei ser alguém importante, pois queria ser reconhecido.

Aqui, finalmente aprendi que todas as pessoas são valorosas.

Neste lugar Deus me mostrou quem eu sou, sem subterfúgios, sem máscaras, sem nada
escuso.

Mostrou-me o que eu era e o que eu poderia ser. Mostrou-me que as pessoas eram
difíceis, iguais a mim.

E me deu escolhas.

Eu escolhi a verdade que encontrei por aqui, apesar de tudo.

Hoje, encaro o medo com coragem;

O inadequado como diferente;

Amo os outros como a mim mesmo;

Me calo quando quero ser demais;

E sou importante pois sou filho de Deus.

Aqui, nesta Comunidade Terapêutica, aprendi a ser grato e a viver o simples, um dia de
cada vez.

E quero mais!

Quero aprender sempre e mais!

Graças a Deus nunca vai parar.

Continuo sendo um amontoado de coisas.

E posso viver com isso.

Vida perdida?

Só por hoje não!

XXXVIII
Observação recíproca

A observação dentro de uma comunidade terapêutica é fundamental. Tanto observar


outro interno, como observar aquele que experimenta o que preciso.

Conselheiro, facilitador, monitor, obreiro, líder, qualquer nome que se dá a estes


servidores é menos importante que a função que eles exercem. E a função é de observar
para colaborar com o meu crescimento, para que eu tenha um bom aproveitamento dos
dias passados por estas bandas.

Eu, como interno que observa o líder, ou o nome que for, sou o que mais aproveito. Ele
é a autoridade e é passível de erros como qualquer um e não tem essa de obreiro bom ou
ruim pelos erros ou acertos que cometem o que importa é a motivação dentro disso.

Esta autoridade colocada por Deus necessita encontrar algo entre o excesso e a inércia,
mais conhecido por amor; ora o amor compartilha tudo.

O sentimento do monitor é o de se colocar na figura do observado e relaxar nesta


posição, importante já ter experiência de observado, a empatia funciona sempre,
lembrando que Deus está perto.

Ele é a referência, a marca do possível.

O facilitador, sendo ele também um adicto, demonstra sua fragilidade de pecador, mas
junto a isso a força de um servo salvo pela graça.

O conselheiro faz da sua atividade uma doação, não quer nada em troca, e é grato por
isso, mas percebe, com sua experiência, a vivência do aluno, trazendo para si um
aprendizado com este. E também está à disposição de expor-se a tudo e a todos,
experenciando novas trocas de conhecimento, nunca deixando de colocar suas práticas
de vida à vista de qualquer um.

XXXIX
Contudo, não há modelo.

Há sim alguém que queira, apesar de tudo igualar-se ao outro, sabendo que numa CT, a
empatia é a mola para o autoconhecimento que impulsiona para a mudança e o
desenvolvimento humano essencialmente.

Sem deixar de ser aluno, ensina com seu viver e aprende com prazer.

E eu, também observador, monitoro-me mediante a visão que tenho dos meus iguais,
unindo-me a necessidade de transformação.

Não maior nem menor.

Há a comunhão de seres, onde a reciprocidade de experiências é o motor principal na


busca com algo maior que todos:

O encontro da liberdade com Deus!

XL
Recaída dois

Alguém viu a minha vida por aí?

A minha vida alguém viu?

Ela estava por aqui, em algum lugar...

Eu a sinto perto, mas não consigo ver...

E o que aconteceu aos meus olhos?

Não enxergo nada!

O que eu fiz de mim?

Meu Deus!!!

Tudo estava tão bem, eu caminhava bem e de repente, as coisas ficaram estranhas...

Onde é que tá todo mundo?

Tem alguém aí?

Eu preciso de alguém.

(...)

Toda vez que retornei a uma comunidade terapêutica, me sentia como isso aí.

Não sabia de mim.

Não tinha perspectiva.

Ao recair, o chão some e surto com questionamentos em busca de identidades perdidas.

XLI
Não busco mais o emotivo passageiro, estou de volta ao meu próprio medo, minha
própria insegurança, e surgem mais.

Por que estou aqui?

Pra quê estou aqui?

Pode parecer claro até demais pra ti, que me lê, mas muito mais que isso e isso também
são os desejos reprovados!

Nada está claro!

Não há respostas que conseguem me satisfazer, pergunto por perguntar.

Não quero a resposta que é sempre contra mim.

Não vejo a favor.

Este reinício de estar onde meus medos são confrontados, leva-me até momentos de
angústia, chegando ao colapso da fuga eminente, o terror afronta a Verdade e quero sair
de qualquer forma deste lugar.

Então chega a escolha.

Este momento é crucial pro resto todo.

O todo que me espera após a escolha e pode ser qualquer todo.

Vida ou morte.

Mas é saudável.

Assusto-te?

Leia de novo então: é saudável sim!

E exclamo essa possibilidade!

E continuo em meio às dores.

Minha reação é o que importa, pergunto atrás de querer saber, mesmo que não importe a
resposta, pois naquele momento qualquer coisa dita não supre a falta de mim mesmo,
sem norte.

XLII
Mas pergunto, reajo.

Reagir é preciso dentro do sofrimento, é quando ele se torna dádiva e escolho que seja
assim.

Tenho a escolha!

Como Jó, reclamo que aquilo não é pra mim, que não sou merecedor disso tudo, até que
enfim, relaxo e entrego-me Aquele que pode tudo.

Engulo meu eu destruído pra continuar.

E vou mancando.

Vou devagar e vivo.

Meu manquejar assumido me aproxima do Deus que me ama.

E me acolho e me amo junto ao Amor Maior.

E já virou vida.

Olha só.

Virou vida rica e abundante graça.

As perguntas continuam e me enlaçam de repente outra vez.

Mas já passou o medo.

Olho agora na direção zero.

Ponto zero contínuo.

Aqui e agora.

E já me basta tudo isso!

A vida torna a me cercar, regozijo.

E basta por um dia.

Do meu grande dia!

XLIII
Identidade

Algumas pessoas dizem como eu sou.

Sempre ouvi dizer que não devo me preocupar com que os outros falam ou pensam
sobre mim.

Também dizem que minha vida não é da conta de ninguém; e talvez não seja mesmo.

Acredito que não preciso me incomodar com o que os outros pensam, mas sei que
preciso refletir sobre tal coisa.

De que forma estou me mostrando ao mundo?

Será que pareço com o que penso que sou, ou será que penso que sou o que pareço ser?

Qual a minha identidade?

É importante eu ouvir o que outros têm a dizer.

Qualquer um pode estar certo, e isso é bom!

Já fui visto de várias formas e é provável que me mostre diferente a todo momento, mas
não posso deixar minha identidade em dúvida.

Sou um amontoado de coisas.

A incoerência é uma prática minha.

Meus hábitos é que me definem.

Meus pensamentos estão vivos e descontrolados as vezes.

XLIV
Aborreço-me, perco a paciência, não tolero algumas coisas, porém, são atitudes que não
precisam estar arraigadas a mim, não precisam ser meu reflexo.

Sou um bocado de coisas, já disse…

Se o outro me olha como alguém que é aborrecido e me informa isso, mesmo que de
forma equivocada, reflito imediatamente na possibilidade de sê-lo realmente.

Também com a intolerância, vigio-me para não ser assim, todavia se alguém me
caracteriza desta forma, vou logo aos meus botões, e analiso, – Será?

Não fico incomodado com estas coisas, sei que são inerentes a mim como criatura
humana, porém não vou me permitir ser o que não quero.

Me amo e preciso amar o próximo também, assim não relaxo em ser algo ruim pois não
quero ter a identidade de algo afastado de Deus.

Quero ser o melhor possível, mesmo que não o seja.

Mas procuro mostrar-me como gostaria de ser.

Busco no Caminho, ando, tropeço e me levanto, pois tenho mãos que me apóiam.

Corrigindo-me vou ao intuito de ver o Deus que pode fazer todas as coisas.

Até o dia que Ele quiser que eu seja assim…

XLV
Sobre o autor

XLVI
Referências bibliograficas

XLVII

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