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º 305 CRIAP-ASA
No início de mais um ano lectivo, voltam a preo- os nossos dados, em que se verifica uma efemini-
cupar-nos as estatísticas terríveis do abandono zação a partir do 9.º ano de escolaridade.
escolar em Portugal. Uma breve consulta no É frustrante saber que o fenómeno é desconhe-
PORBASE devolve-nos um universo de 32 estu- cido pela tutela, porque há pessoas em Portugal
dos portugueses sobre o fenómeno, com algumas que têm vindo a fazer um estudo sistemático da
pessoas a estudarem-no de forma continuada e situação e dos seus contornos regionais e existem
sistemática, como João Ferrão, que tem vindo a números que nos podem permitir uma reflexão e a
caracterizar regionalmente os factores de abando- procura de novas (ou não) hipóteses explicativas.
no. Todavia, o debate nacional sobre a educação Num estudo sobre o abandono escolar na
revela um diminuto conhecimento geral do fenó- região centro, publicado na Revista Finisterra, 79
meno, o que nos conduz naturalmente à premissa de 2005, (pp.163-176), Lucília Caetano, Professo-
de que política e investigação se movem em cam- ra Catedrática aposentada da Faculdade de Letras
pos de difícil encontro. da Universidade de Coimbra, refere que os indica-
Na verdade, a dificuldade de acesso a dados do dores das últimas décadas posicionam Portugal na
Ministério da Educação, o distanciamento ou cauda da Europa: apenas 27,1%, por oposição
desencontro do Ministério da Educação relativa- aos 61,8% europeus, dos jovens portugueses
mente à investigação em Ciências da Educação activos, com idades compreendidas entre os 15 e
não poderiam ter outra consequência que não o os 24 anos concluíram o Ensino Secundário ou
agravamento do problema; ora, um fenómeno um Curso Profissional e 3% não chegaram
cujas variáveis não são rigorosamente conhecidas sequer a concluir o Ensino Básico.
é um fenómeno incorrigível: a tutela acusa os pro- A evolução da escolaridade dos portugueses
fessores, os professores acusam os pais, os alu- nos últimos cinquenta anos regista uma taxa de
nos acusam os pais, estes os professorem que, analfabetismo da ordem dos 9% na população
por sua vez, acusam a tutela. portuguesa com mais de 10 anos em 2001, e uma
Podemos também constatar que o acesso a percentagem de apenas 15,7% da população com
estudos internacionais é mais fácil que o acesso o Ensino Secundário, sendo que a maior fatia, de
ao conhecimento produzido em Portugal, o que é 35,1%, tem apenas o 1.º Ciclo do Ensino Básico.
problemático, já que, assim, nunca conseguimos No conjunto do País, apenas se regista uma
uma massa crítica com base nos nossos dados, situação mais favorável em Lisboa e Vale do
na nossa realidade. Tejo, com 32,8% da população com o 3.º Ciclo e
Embora os fenómenos possam ter uma configu- Ensino Secundário, situando-se os piores resulta-
ração geral idêntica e transversal nas diversas cul- dos no Norte e no Centro, ocorrendo ainda dife-
turas e sociedades, as especificidades de cada renças evidentes entre o litoral e o interior e
uma molda-lhes o perfil. A título de exemplo, um neste entre as zonas mais industrializadas e as
estudo muito recente, que é, aliás, um dos mais basicamente rurais, marcadas ainda por um anal-
relevantes na matéria, em que diversas variáveis fabetismo de 17,4% em 2001 na Beira Interior
sociais e académicas são articuladas, através de Sul, salientando-se uma clara falência das políti-
tratamentos correlacionais, indica que a monopa- cas de educação delineadas com o objectivo de
rentalidade é um factor de risco nas crianças pro- combater o abandono escolar precoce e desquali-
venientes de famílias desfavorecidas, em termos ficado.
de abandono precoce. Sabemos com algum grau Os números revelam ainda que este abandono
de precisão qual é o peso desta variável no nosso se dá sobretudo nos 1.º e 3.º Ciclos do Ensino
país? Básico e no Ensino Secundário, com uma taxa
Por outro lado, os filhos de mães domésticas de abandono média no Secundário da ordem dos
estão em desvantagem relativamente aos filhos de 32,6%, em que se constata uma mancha particu-
mães trabalhadoras. larmente crítica em toda a região centro e ainda
Outro factor de abandono prende-se com os taxas de 34% e superiores no Baixo Vouga e no
resultados académicos no primeiro ano de ensino. Pinhal Litoral.
Outra evidência é que o abandono precoce é O diagnóstico das causas deste abandono refe-
preponderantemente masculino, o que condiz com re como motivos mais apontados pelos alunos
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Correio da Educação n.º 305 CRIAP-ASA
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