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Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará

Campus Universitário de Marabá


Instituto de Ciências Humanas
Faculdade de Educação do Campo
Curso de Licenciatura Plena em Educação do Campo

UMA EXPERIÊNCIA COM O TEXTO POÉTICO NA SALA DE AULA: O


DIÁLOGO NECESSÁRIO.

Maria Vanderléia Rocha Silva

Marabá – PA

2017
Maria Vanderléia Rocha Silva

UMA EXPERIÊNCIA COM O TEXTO POÉTICO NA SALA DE AULA: O


DIÁLOGO NECESSÁRIO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de


Licenciatura Plena em Educação do Campo, Universidade
Federal do Sul e Sudeste do Pará, como requisito parcial à
obtenção do grau de Licenciada Plena em Educação do
Campo, com habilitação na área de Linguagens.

Área de concentração: Linguagens

Orientadora: Prof.ª Ma. Maria Cristina Macedo Alencar

Marabá – PA

2017
Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
(Biblioteca Josineide Tavares, Marabá-PA)
_______________________________________________________________________________
Maria Vanderléia Rocha Silva

UMA EXPERIÊNCIA COM O TEXTO POÉTICO NA SALA DE AULA: O


DIÁLOGO NECESSÁRIO.

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de


Licenciatura Plena em Educação do Campo, Universidade
Federal do Sul e Sudeste do Pará, como requisito parcial à
obtenção do grau de Licenciatura Plena em Educação do
Campo, com habilitação na área de Linguagens.

Área de concentração: Linguagens

Orientadora: Prof.ª Ma. Maria Cristina Macedo Alencar

Data de aprovação: Marabá – PA,

Conceito:

Banca Examinadora:

_________________________________________ - Orientadora

Prof.ª Ma. Maria Cristina Macedo Alencar - UNIFESSPA

__________________________________________

Prof.ª Ma. Edimara Ferreira Santos – UNIFESSPA

____________________________________________

Prof.ª Ma. Aurinete Silva Macedo – SEDUC/PA


Dedicatória

Dedico este trabalho a todos aqueles que de alguma forma contribuíram para
que esse momento de conquista acontecesse. Todos que me incentivaram e apoiaram
nessa jornada.
Dedico em especial aos educandos e educadores da E.M.E.I.F. Carlos
Marighelha. A todos os assentados e assentadas do Assentamento 26 de Março, mesmo
aqueles que fizeram ou fazem parte da trajetória dessa comunidade e que por algum
motivo deixaram de seguir essa caminhada e trilharam outros horizontes. Sou
extremamente grata por tudo o que me proporcionou. Nela vivi os melhores anos de
minha vida até aqui, aprendi a respeitar, valorizar e, principalmente, adquirir a
identidade Sem-Terra da qual me orgulho muito.
Dedico também a todos aos meus colegas e amigos do curso em especial à turma
de Linguagens, na qual dividimos momentos difíceis e prazerosos, de muito
aprendizado.
E todos os que se dedicam e acreditam no trabalho com o texto poético.
AGRADECIMENTOS

Primeiramente a Deus por ter me concedido a dádiva da vida e pela saúde no


decorrer de todos esses anos de trajetória.
Aos meus familiares, os principais incentivadores dos meus estudos, em
especial minha mãe Maria Francisca Pereira da Silva que contribuiu para minha
permência no curso e sempre priorizou a educação dos filhos; minha irmã Maria Vanda
Rocha pela contribuição nos momentos de aflição.
A todos os meus colegas do curso com quems dividi minhas inquietações e
minhas alegrias.
Aos docentes do curso de Licenciatura em Educação do Campo, pelos ensinamentos
teóricos, científicos e humanistas que me inspiram a trilhar uma docência sujeita aos
encontros e desencontros do saber. Em especial à minha orientadora Maria Cristina
Macedo Alencar, por ter aceito o desafio de orientar um trabalho na área de literatura
mesmo não sendo sua linha de formação, pela dedicação e paciência ao longo desse
trabalho.
A todos os educadores e educandos da E.M.E. I.F.Carlos Marighella, pela
disposição e a colaboração de sempre. Em especial à educadora Rosangela dos Reis, por
esclarecer e me ajudar entender a proposta de Ensino da Escola. À educadora Francisca
Ionete por disponibilizar-me o material documental da Instituição.
E por fim, mas não menos importante, aos educandos do 7° ano da escola
Carlos Marighella do ano de 2014 que participaram do projeto: Eliseu Oliveira Dias,
Raquel dos Santos Dias, Indiara Santos Silva, Jucenaria Ramalho, Gideon Coelho da
Silva, Luana Pereira, Daniel da Silva Cruz, Lucas de Souza das Neves, Dyovana Torres,
Gilberto Coelho e Katharina Macedo.
A literatura é importante no currículo escolar: o
cidadão, para exercer plenamente sua cidadania, precisa
apossar-se da linguagem literária, alfabetizar- se nela, tornar-se
seu usuário competente, mesmo que nunca vá escrever um
livro: mas porque precisa ler muitos (LAJOLO,
RESUMO
A partir de uma experiência vivenciada na sala de aula com textos poéticos na escola Carlos
Marighela, pretendeu-se nesse estudo compreender e refletir sobre o lugar do texto poético na
instituição já referida numa turma do 7° ano do Ensino Fundamental. O trabalho foi realizado
pela reflexão e análise dessa experiência. Logo, os procedimentos metodológicos utilizados
foram a pesquisa qualitativa com educadores, educandos e moradores da comunidade, além de
estudos documentais e teóricos como Chiappini (2004), Geraldi (2006), Candido (2004) e
Caldart (2004). Como resultados o trabalho aponta para a valorização dos trabalhos com a
linguagem poética na sala de aula e consequentemente na escola. Concluímos que, infelizmente,
o gênero poético ocupa um lugar desprivilegiado na sala de aula, no entanto dentro da escola
Carlos Marighella essa já não é realidade.

PALAVRAS-CHAVE: Textos poéticos. Projeto de intervenção. Escola Carlos Marighella.


LISTA DE SIGLAS

UNIFESSPA – Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará;


LPEC- Licenciatura Plena em Educação do Campo;

MST-Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra;


SEMED- Secretaria de Educação de Marabá;
IFPA- Instituto Federal do Pará;
CRMB- Campus Rural de Marabá;
SOME- Sistema Modular de Ensino;
SEDUC- Secretaria Estadual de Educação;
ASG- Agente de Serviços Gerais;
NB- Núcleo de Base

JUPC - Jovens Unidos Pela Paz no Campo


TC- Tempo –Comunidade
TA-Tempo-Aula
TNB- Tempo Núcleo de Base
TP-Tempo oficinas Pedagógicas
TR-Tempo Reflexão
TE-Tempo-Comunidade
FETRAGRI- Federação dos Trabalhadores na Agricultura

PRONERA- Programa nacional de Educação na reforma agraria


CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.
FAPESP – Fundação de Amparo á Pesquisa do Estado de São Paulo.

SUMÁRIO
INTRODUÇÃO: .........................................................................................................11
1.RAZÕES DA PESQUISA ...................................................................................13

1. 1A EDUCAÇAO DO/NO CAMPO...........................................................................14

1.2. A ESCOLA CARLOS MARIGHELLA: UM ENTRELACE DE CAMINHOS E


DESCOBERTAS NO ASSENTAMENTO 26 DE MARÇO..........................................15

2. O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA E O TEXTO POÉTICO NA


EDUCAÇÃO BÁSICA...........................................................................................31

2.1. E OS TEXTOS POETICOS?...................................................................................33

3. POETIZANDO SABERS: REESIGNIFICANDO VIVÊNCIAS..........................36

3.1CAMINHOS PARA O PROJETO POETIZANDO SABERES................................37

3.2 DESAFIOS E APRENDIZADOS NO PROJETO POETISANDO SABERES.......38

4. CONSIDERAÇOES FINAIS...................................................................................49

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................51
INTRODUÇÃO

Uma experiência com textos poéticos na sala de aula trata-se do trabalho de


conclusão curso que aborda a temática O lugar do texto poético no ensino de Língua
Portuguesa no 7 º ano do Ensino Fundamental na escola Carlos Marighella. O estudo
surgiu a partir de uma experiência vivenciada com o gênero poético durante o II Estágio
Docência – intervenção- ,correspondente à V pesquisa Sócioeducacional, desenvolvido
na escola Carlos Marighela numa turma de 7° ano em 2014.
O trabalho tinha como objetivo geral: compreender e refletir sobre o lugar do
texto poético na instituição já referida, no 7° ano do Ensino Fundamental, assim como
identificar novas possibilidades de atuação no Ensino de Língua Portuguesa em especial
o texto poético na educação básica.
Os objetivos específicos foram: a) conhecer a escola Carlos Marghella; b)
discutir sobre o Ensino de Língua Portuguesa, na educação básica atentando para o
lugar do texto literário, em particular, o texto poético; e c) analisar e refletir o projeto de
intervenção “Poetizando saberes”.
O processo metodológico utilizado na realização deste trabalho se deu por
analises e reflexões sobre os materiais produzidos pelos estudantes no projeto de
intervenção e o próprio projeto. Foram utilizadas entrevistas realizadas no II Tempo-
comunidade no intuito de recontar a trajetória da escola/comunidade através das
narrativas de educadores e moradores da comunidade, além de estudos documentais e
teóricos, Chiappini (2004), Pinheiro (2007), Lajolo (1993), Sorrenti (2009), André
(1995), Alves; Brugnotto (2014), Geraldi (2007), Silva; Jesus (2011); Silva e Ribeiro
(2014); Ribeiro; Dos Anjos (2016); Caldart (2004) e Candido (2004).
A estrutura da pesquisa segue no primeiro capítulo com a abordagem sobre
Razões da pesquisa com o texto poético na escola Carlos Marighella. Aí apresentamos
a escola em um breve histórico entrelaçado à comunidade. O intuito é mostrar de onde e
de quem falamos, para que possamos compreendê-los a partir do seu lugar. Nesse
capítulo dialogamos com os trabalhos já produzidos nas pesquisas sócio Educacional I e
II histórias de comunidades rurais (2011) e práticas pedagógicas nas comunidades
locais, (2012) e pesquisa documental.
No segundo capítulo trazemos discussões acerca do ensino de língua portuguesa
e o texto poético na educação básica. O intuito é tecer analises e reflexões acerca do
ensino de língua portuguesa na educação básica, verificando o tratamento para os textos
poéticos na sala de aula.
O terceiro e último capítulo se constitui por trazer a análise e reflexões do
projeto de intervenção “Poetizando Sabres”. Refletimos sobre as etapas de
desenvolvimento e resultados do projeto, assim como o tratamento dos textos
produzidos pelos estudantes e a compreensão deles do gênero poético. Para isso,
retomamos o diálogo com autores como Pinheiro (2007) e Sorrenti (2009) e Cândido
(2004).
Por último, apresentamos as considerações finais do trabalho, destacando os
aprendizados e os desafios dessa construção. È importante ressaltar que nossos
objetivos norteadores para a realização desse trabalho foram destacar a importância de
propormos e realizarmos atividades com o gênero poético.
1. RAZÕES DA PESQUISA

O interesse pela investigação sobre o ensino do texto literário no segundo


segmento do ensino fundamental surgiu a partir das experiências de inserção nas
atividades de pesquisas desenvolvidas ao longo de nossa formação como educandos do
Curso de Licenciatura em Educação do Campo, na Universidade Federal do Sul e
Sudeste do Pará.
O Curso de Licenciatura em Educação do Campo tem a pesquisa como princípio
educativo, desse modo desde a primeira etapa de formação nós, educandos, somos
inseridos em experiências de pesquisa sobre a realidade das comunidades onde vivemos
e/ou atuamos como educadores.
Ao longo do curso tive a oportunidade de desenvolver os trabalhos de campo no
Assentamento 26 de Março, comunidade da qual faço parte desde seus primeiros anos
de fundação. No decorrer do curso foram várias pesquisas interessantes e, sem dúvida,
importantíssimas para minha formação e para o fortalecimento da escola Carlos
Marighella como escola do campo.
Das pesquisas desenvolvidas, a V Pesquisa Sócio Educacional, que corresponde
ao Estágio Docência II, consistiu em elaborar e executar um projeto de intervenção
didático- pedagógico na escola do campo onde o discente já tinha realizado a pesquisa
sócio Educacional IV e Estágio Docência I1. Ao observar a prática docente durante a IV
Pesquisa Socioeducacional tivemos como desafio para a Pesquisa Socioeducacional V
elaborar um projeto didático educativo de intervenção acerca do tema “Cultura”. A
intenção da atividade com essa temática era contribuir para a valorização do
conhecimento local e para a valorização de práticas socioculturais dos sujeitos do
campo, além, é claro, de contribuir no processo formativo dos discentes.
Nessa perspectiva desafiei-me propor, como projeto de intervenção, uma
atividade com textos poéticos numa turma do 7° ano do Ensino Fundamental na escola
já mencionada. Essa proposta foi gerada a partir das questões que destaquei no relatório
produzido durante Pesquisa Socioeducacional IV e no Estágio Docência I, cujo objetivo
era realizar observações das aulas de Língua Portuguesa em turmas de 6º ao 9º. Nessas
observações percebi que os textos poéticos não vinham sendo trabalhados na sala de

1
O foco do Estágio Docência I foi observar a prática docente nas turmas de 6º ao 9º ano, na disciplina de
língua portuguesa.
aula e as poucas vezes que eram lembrados explorava-se somente a questão da
interpretação desses textos.
Constatando a ausência de um trabalho significativo com os textos literários na
sala de aula levantei a hipótese de que esse gênero poderia interessar aos educandos e, a
partir dessa ideia, propus trabalharmos na construção de um livreto com 11 textos
poéticos intitulados “Poetizando Saberes”.
Considerando os resultados relevantes para o aprendizado dos estudantes e os
desafios que vivenciei na condução desse projeto, coloquei-me como desafio aprofundar
estudos sobre o ensino de leitura, com foco no ensino-aprendizagem de textos poéticos
na educação básica.

1.2 A EDUCAÇÃO DO/NO CAMPO

Os movimentos sociais durante muitos anos almejavam um projeto educacional


que lhes atendessem em todos os sentidos. O modelo educacional inserido em suas
escolas massacrava sua cultura e não os considerava como sujeitos participativos de
suas próprias histórias, não os atendiam. Era preciso lutar por uma educação que falasse
a sua língua, o reconhecessem como sujeitos protagonistas da história, que respeitasse e,
sobretudo, os valorizassem.
Ao longo dos anos os movimentos sociais vêm desenvolvendo projetos e cursos de
formações para educadores em nível fundamental, realizados por universidades em
parceria com o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA), nos
anos de 1999 a 2000 e vários outros cursos de formações organizadas pelos movimentos
sociais do campo entre eles se destacam Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra (MST) e Federação dos Trabalhadores na Agricultura (FETAGRI).
O acúmulo das práticas e reflexões dessas experiências foi o primeiro passo
para a criação do curso de Licenciatura Plena em Educação do Campo em 2009,
segundo Silva e Ribeiro (2014), proposto pelos Movimentos sociais.
Desse modo, a Educação do Campo é fruto das lutas por politicas públicas
voltadas para a educação do/no campo e das práticas dos movimentos sociais
desenvolvidas ao longo dos cursos de formações. As Licenciaturas em Educação do
Campo nascem com o objetivo de abranger as especificidades do homem do campo, da
floresta, dos rios, do quilombo seja qualquer identidade dada à população que vive no
campo, considerando sua diversidade cultural, social, politica e econômica, e inserindo
nas escolas as práticas dos movimentos sociais que se construíram na firmação dos
direitos e respeito cultural, do processo formativo para além da escola, do convívio
familiar, da valorização dos saberes e das experiências com outros sujeitos. RIBEIRO;
DOS ANJOS, (2016, p.).

1.2. A ESCOLA CARLOS MARIGHELLA: UM ENTRELAÇE DE CAMINHOS E


DESCOBERTO NO ASSENTAMENTO 26 DE MARÇO.

Figura 01: Vista superior da Escola Carlos Marighella.

Fonte: Acervo da escola.

A luta para garantir uma educação e o processo de escolarização dos


trabalhadores e trabalhadoras do campo é tão importante quanto a luta
pela Reforma Agrária. Se esta última extrapola a luta pela terra, no
campo da educação o processo não acontece diferente, pois a luta por
uma escola não significa lutar somente por escolas. Todavia a escola é
necessária e importante para a efetivação e sistematização de
aprendizados da Pedagogia do Movimento. (MARABÁ, 2016, p. 04).

Neste primeiro capítulo faremos uma visita ao passado e ao presente da Escola


Carlos Marighella. Também percorreremos a trajetória do Assentamento 26 de março,
já que ambas caminham juntas. O objetivo é, a partir das narrativas dos moradores da
comunidade, apresentar ao leitor de onde e de quem falamos, esboçando os caminhos
traçados até aqui.
Conforme os dados levantados nas Pesquisas Socioeducacionais I e II, a partir
de entrevistas realizadas com antigos moradores, professores e lideranças do
Assentamento 26 de Março, construímos aqui uma narrativa sobre o processo de
conquista da escola e implantação do ensino regular no assentamento. Segundo esses
dados, em 1999 a fazenda Castanhal Cabaceiras foi ocupada por um grande número de
famílias ligadas aoMST. Nesse mesmo ano os acampados fundaram a escola Carlos
Marighella para ofertar os cursos de educação infantil, ensino fundamental e educação
de jovens e adultos.
Inicialmente a escola funcionou com professores voluntários. Os educadores
eram todos da comunidade, somente depois de muitas negociações com a Secretaria de
Educação de Marabá (SEMED), os servidores passaram a ser assalariados como aparece
na proposta de Ensino da escola:
Depois de muita negociação a SEMED resolveu realizar o
contrato dos servidores da escola. Os servidores que estavam aptos a
assumirem sala de aula foram contratados e os demais foram lotados
no quadro de apoio, mediante avaliação da Coordenação do
Assentamento e do Setor de Educação. (Proposta de Ensino da Escola
Carlos Marighella, anos, p. 05, 2016).

Assim, a escola foi legalizada pela prefeitura Municipal de Marabá no ano de


2002. Naquele ano as famílias ainda viviam acampadas na Fazenda Cabaceiras. Logo, a
escola Carlos Marighella tornou-se a primeira escola a ser reconhecida ainda em área de
acampamento. Os primeiros prédios da escola tinham uma infraestrutura muito precária,
conforme se observa no relato a seguir:
[...] a escola a princípio era de lona preta depois ela foi coberta de
palha e as paredes de pau-a-pique, os bancos era de açaí é.... Era
assim.... [...] Depois em 2003 com muita luta agente conseguiu dar
uma força, uma mudada nela, ai ela foi feita de madeira e coberta de
telha, nessa construção a prefeitura só deu a madeira e a telha, a mão
de obra foram os pais... Foram os pais que fizeram a escola né... A
escola foi feita pelos pais eles é que construíram a escola para seus
filhos estudarem (SILVA, 2014, p. 34).

Ainda de acordo com os dados das Pesquisas Socioeducacionais I e II, durante


todo o período de acampamento a comunidade decidia quem estava apto, segundo suas
visões, a assumir a gestão da instituição escolar. Funcionava da seguinte forma: a
direção do acampamento apontava os candidatos à gestão escolar e o povo escolhia o
seu favorito.
O período de acampamento teve duração de nove anos. Ao longo desses anos a
escola sempre esteve junto à comunidade enfrentando os desafios e resistindo para que
o sonho da conquista da terra fosse possível. Em 2008 a fazenda cabeceiras foi
desapropriada. As 206 famílias tiveram que desmontar o acampamento e,
consequentemente, migrarem para a localidade definitiva de moradia. Ou seja, as
famílias precisaram se reorganizar em outros espaços. Dessa forma a escola também
precisou adequar-se a essa nova condição de moradia.
Os acampados, juntamente com as lideranças, optaram por organizar as
moradias segundo um modelo geográfico conhecido como raio de sol. Esse modelo
consiste em as famílias se agruparem em várias vilas dentro de uma mesma
comunidade, isto é, em vez de uma vila, foram criadas seis agrovilas chamadas de
núcleos de moradia com uma distância de aproximadamente 15 km de uma vila a outra.
Em cada agrovila residem cerca de 20 famílias. A escola Carlos Marighella situa-se na
agrovila de número cinco, numa área de aproximadamente 17 alqueires (SILVA, 2014,
p. 24). Observe-se o mapa abaixo:

Figura 02: Mapa do Assentamento.

Fonte: INCRA.
Existem algumas famílias que não foram inseridas nas vilas devido à forma pela
qual a área foi demarcada (raios de sol). Essas famílias vivem em lotes localizados às
margens da Rodovia PA-155 e nas vicinais dos Projetos de Assentamento (PA) Escada
Alta e Piranheira. Em um dos lotes que estão fora das agrovilas se localizam os mais de
10.300 alqueires doados pelos próprios assentados ao Instituto Federal de Educação
Ciência e Tecnologia do Pará para a implantação do Campus Rural de Marabá
(IFPA/CRMB), escola cujo objetivo na sua criação era atender a demanda de educação
em nível de ensino médio e educação técnica e tecnológica para os filhos dos assentados
da Reforma Agrária e demais sujeitos do campo.
O CRMB vem funcionando desde 2009 e já ofertou cursos de técnico em
Agropecuária com ênfase em Agroecologia, Agroindústria, Licenciatura Plena em
educação do Campo e curso de qualificação profissionalizante de jovens e adultos
voltado para os assentados da comunidade que não haviam concluído o segundo
segmento do ensino Fundamental.
Atualmente, na escola Carlos Marighella, é ofertado toda a educação básica. O
ensino infantil e fundamental já funciona na escola desde sua fundação e é de
responsabilidade da Prefeitura de Marabá. As aulas são presenciais e ocorrem em tempo
integral desde o ano de 2015. Já o ensino médio é ofertado pelo Sistema Modular de
Ensino (SOME), sob a responsabilidade da Secretaria Estadual de Educação (SEDUC).
Desde 2009 a escola é contemplada com essa modalidade de Ensino.

Tabela 01: Dados da oferta de ensino na EMEF. Carlos Marighella.


MODALIDADE FORMA DE FORMA DE Nº DE Nº MÉDIO DE Nº TOTAL DE
ORGANIZAÇÃO OFERTA TURMAS ALUNOS POR TURMA ALUNOS

Educ. Infantil Jardim I e II. Regular 01 28 alunos 28 alunos


Turma Multisseriada.

1º ao 5ºano Ciclo Regular 05 12 á 23 alunos 97 alunos

6ºao9ºano Ciclo Regular 04 12 á 26 alunos 82 alunos


1ºao 3º ano do Seriado Modular 03 10 á 23 40 alunos
Ensino Médio.
TOTAL 13 -------- 247
Fonte: Secretaria da EMEF. Carlos Marighella, 2016.
No total a escola atende 247 educandos, sendo 207 do ensino infantil e
fundamental e 40 educandos do ensino médio. A instituição atende tanto os alunos
locais quanto de comunidades vizinhas, como por exemplo, escada alta, COSIPAR,
Piranheira e do acampamento Hugo Chaves.

Estes educandos são de todas as idades e séries, desde as iniciais até o ensino
médio. Esse fato ocorre porque em muitas localidades não existem escolas e nos poucos
lugares onde há, a escola só oferece o ensino até o 5º ano do ensino fundamental.
Assim, principalmente os alunos que passam a cursar o ensino Médio precisam se
deslocar para as chamadas escolas polo.
No ano de 2016, o quadro de funcionários da escola Carlos Marighella era
constituído de 33 servidores exercendo diferentes funções: merendeiras, secretárias,
vigias, motoristas, professores, coordenação pedagógica e direção. Desse conjunto, 17
profissionais moravam no Assentamento 26 de Março, os demais vinham dos
municípios de São Joao do Araguaia e de Marabá. Quanto à formação dos educadores,
todos que atuavam na sala de aula eram Licenciados ou estavam cursando alguma
licenciatura, conforme se pode verificar na tabela abaixo:
Tabela 02: Dados sobre o corpo docente.

Tempo de
Séries em que Meio de
Área de atuação Escolaridade/Titulação Serviço na Local de moradia Cond. Prof.
atuam transporte
escola
Matemática Superior Lic. Plena em Educ. do 6º ao 9º ano 06 anos Assent. 26 de Março Ônibus escolar Concursado
Campo: Mat.
Língua Portuguesa Superiores Letras c/ espec. em 6º ao 9º ano 10 anos Assent. 26 de Março Ônibus escolar Concursada
e Espanhol Ed. Do campo.
Artes, teatro e Cursando Superior Edu. Camp. 6º ao 9º ano 16 anos Assent. 26 de Março Ônibus escolar Concursada
Música. Humanas.

Ciências e Lic em Educ.Campo Ciências 6º ao 9º ano 02 anos S. João do Araguaia Motocicleta Contratada
Agroecologia Agrárias e Naturais
História Licenciada em 6º ao 9º ano 01ano S. João do Araguaia Motocicleta Contratada
História
Educação Física Cursando Lic. Educ. Física 1º ao 9º 10 meses Zona Urbana Marabá Motocicleta Contratada
Bibliotecária Licenciada em Pedagogia 1º ao 9º 02 anos Assent. 26 de Março Ônibus escolar Concursada
Coordenador Licenciada em Pedagogia Ed. Infantil e 06 anos Zona Urbana Marabá Carro Concursado
Pedagógico Ens. Fund.
Diretoria Lic. Em Pedagogia da Terra. Diretora 04 anos Zona Urbana Marabá Carro Concursada

Todas as áreas Lic. Em Pedagogia Educ. Infantil 07 anos Zona Urbana Marabá Transporte Contratada
alternativo
Todas as áreas Cursando Superior Pedagogia 1º ano 03 anos Zona Urbana Marabá Transporte Contratada
alternativo

Todas as áreas Lic. Educ. do Campo: Ciências 2º ano 10 meses Zona Urbana Marabá Transporte Contratada
Humanas. alternativo
Todas as áreas Cursando Lic. Em Educ. 3º ano 10 meses Zona Urbana Marabá Transporte Contratada
Campo: Linguagens. alternativo
Todas as áreas Lic. Em Pedagogia da Terra 4º ano 10 meses Zona Urbana Marabá Motocicleta Contratada
Todas as áreas Lic. Educ. do Camp: Mat 5º ano 03anos Zona Rural Marabá Motocicleta Concursada

Fonte: Secretaria da EMEF. Carlos Marighella, 2016.


Já os servidores de apoio, dos 18 atuantes 09 estão cursando ensino superior e 01
possui o curso técnico em agropecuária. Os demais servidores possuem o ensino
fundamental incompleto, completo e o ensino médio completo. Como mostra a tabela
abaixo:

Tabela 03: Dados sobre os servidores de apoio.

Área de Sexo Escolaridade Tempo Local de Meio de Condição


atuação E Titulação serviço moradia transporte profissional
M Fundamental Ônibus Contrata pela
Motorista 02 anos Vila Sororó
incompleto escolar Prefeitura
Agente de M Cursando
07 anos Vila Sororó Motocicleta Concursado
Portaria pedagogia
Cursando Acampamento Ônibus
Secretária F 03 anos Concursada
pedag. Hugo Chaves escolar
Auxiliar de Cursando Assentamento
F 06 anos Motocicleta Contratada
secretaria Pedagogia. 26 de Março
Cursando Assentamento Ônibus
Agente de S.G. F 01 ano Contratada
Educ. Campo. 26 de Março escolar
Fundamental Acampamento Ônibus
Merendeira F 03 anos Concursada
incompleto. Hugo Chaves escolar
Agente de Técnico em Assentamento Ônibus
M 02 anos Contratado
Conservação Agropecuária 26 de Março escolar
F Cursando Assentamento Ônibus
ASG 15 anos Concursada
Pedag. 26 de Março escolar
F Ensino médio Assentamento Ônibus
ASG 15 anos Concursada
completo. 26 de Março escolar
Ensino Assentamento
ASG F 06 meses Motocicleta Concursada
Fundamental 26 de Março
F Assentamento Ônibus
ASG Ensino médio 14 anos Concursada
26 de Março escolar
F Cursado Edc. Assentamento Ônibus
ASG 10 anos Concursada
Campo. CAN. 26 de Março escolar
F Cursando Assentamento
ASG 13 anos Carro Concursada
Pedag. 26 de Março
M Concluinte
Agente de Educ. do Assentamento
14anos Motocicleta Concursado
Portaria Campo. 26 de Março
Linguagens.
M Ensino Contratado
Assentamento Ônibus
Motorista fundamental 02 anos Empresa
26 de Março escolar
incompleto Terceirizada
M Ensino
Agente de Assentamento
fundamental 14 anos Motocicleta Concursado
Portaria 26 de Março
incompleto
F Cursando Assentamento Ônibus
ASG 14anos Concursada
Pedag. 26 de Março escolar
M Ensino Contratado
Ônibus
Motorista Fundamental 01 ano Marabá-PA Empresa
Escolar
completo Terceirizada
Fonte: Secretaria da EMEF. Carlos Marighella, 2016.

No que se alude à estrutura física do prédio escolar, durante muitos anos a escola
vinha funcionando numa das antigas sedes da fazenda. Isso durou um período que vai
de 2009 até março de 2016, quando os moradores passaram da condição de acampados
para Assentados e obviamente a escola também precisou adequar-se com essa mudança.
A escola também não tinha uma estrutura adequada para receber os educandos e tudo
funcionava de modo provisório. Isso se manteve até os moradores acessarem os
primeiros créditos do governo Federal e reivindicarem a construção do prédio escolar.
Desse modo, até maio do ano de 2016, a escola Carlos Marighella funcionou
num prédio improvisado. Durante o período em que a escola ocupou esse espaço a
secretaria de educação fez alguns ajustes na tentativa de adequar o prédio (sede da
fazenda) a um ambiente escolar. O antigo prédio se compunha por um bloco onde
funcionavam três salas de aulas, uma secretaria, três banheiros e uma cozinha. Havia
nesse mesmo local, três casas de moradias que foram adaptadas para salas de aulas e
casa de apoio para os educadores que não residiam na comunidade.

Figura 03: Antigo prédio da Escola Figura 04: Antigo prédio da Escola

Fonte: Freitas 2012.


Após sete anos lutando pela construção do predo escolar, em junho do ano de
2016 finalmente foi inaugurado o prédio permanente com seis salas de aulas, uma
biblioteca, cozinha, secretaria, banheiros, sala de computação, refeitório e sala dos
educadores. A conquista do prédio foi a realização de mais um sonho para os assentados
e a comunidade escolar.
Com relação ao ensino aprendizado, a escola tem procurado trabalhar com os
princípios de educação do Movimento Sem Terra, os quais consistem em uma sociedade
humana e socialista. Esses princípios compreendem ainda o processo de luta pela terra,
as experiências coletivas, a realidade vivenciada pelos Sem Terras como parte do
processo formativo social e politico dos sujeitos. “Trata-se de uma pedagogia que tem
como sujeito educador principal o MST, que educa os sem-terra enraizando-os em uma
coletividade forte, e pondo-os em movimento na luta pela sua própria humanidade”
(CALDART, 2004, p. 19).
Ao longo de sua trajetória a escola Carlos Marighella perpassou por diversos
desafios. Ainda durante o período de acampamento os problemas não se limitavam,
mas direcionavam-se principalmente a questão de permanência na terra por parte dos
acampados. Durante esse período é comum que os acampados enfrentem muitas
dificuldades financeiras, já que o único meio de sobrevivência é o cultivo da terra. Os
acampados desafiaram seus próprios limites e superaram seus medos, pois a qualquer
momento estavam sujeitos a conflitos com a polícia e pistolagem.
O período de acampamento é cheio de incertezas e por isso poucos conseguem
permanecer até a desapropriação da área. Assim, é comum durante esse período à
desistência de muitas famílias. No Assentamento 26 de Março esse período também foi
marcado pela luta dos acampados para o reconhecimento da E.M.E.F. Carlos Marighella
por parte do poder público.
Logo no primeiro ano de ocupação da Fazenda Cabaceiras, em 1999, a escola foi
construída pelos próprios acampados como já mencionei nesse trabalho anteriormente.
Os educadores eram todos moradores da comunidade que passaram os primeiros meses
trabalhando voluntariamente. Foram dois anos lutando pelo reconhecimento da escola,
depois do reconhecimento os acampados passaram a lutar pela aceitação (Contratação)
dos servidores.
Houve a contratação desses voluntários, os servidores que tinham formação para
atuarem na sala de aula foram contratados para tal demanda e os demais foram
contratados como apoio. Enfim, esses foram alguns dos desafios enfrentados por essa
comunidade ainda no período de acampamento.
Trouxemos essas problemáticas somente para ressaltar que com a mudança da
condição de acampamento para assentamento os problemas não deixaram de existir, eles
simplesmente se adaptaram à nova condição de moradia dos assentados.
Como dissemos no início desse trabalho, com a desapropriação da área da
Fazenda Cabaceiras para criação do Assentamento 26 de Março os moradores se
organizaram em raio de sol, ou seja, em seis agrovilas. Como a escola situa-se na
agrovila cinco, os únicos estudantes que não dependem do transporte escolar para
chegar à escola são aqueles que residem nessa agrovila. Os estudantes que residem nas
demais vilas e vicinais precisam do ônibus escolar para ter acesso á escola.
Desse modo, um dos problemas - senão o maior- que a escola vem enfrentando
desde a mudança para o novo prédio é o transporte escolar. Junto com ele um conjunto
de fatores que se associam impossibilitando o acesso dos educandos até a escola, entre
eles a questão das péssimas condições de tráfego pelas estradas vicinais, que pioram no
durante o período do inverno. Dialogamos mais uma vez com os dados dos
entrevistados na nossa Pesquisa Socioeducacional I:
O maior desafio que a escola vem enfrentando hoje... É a falta de um
bom transporte escolar e estradas boas para esses transportes
trafegarem, porque a falta disso tem resultado em enormes percas para
a escola, eu me refiro ao grande número de transferências e
desistências que a escola esta passando nesses últimos três anos,
devido principalmente a essa questão, os pais terminam tirando seus
filhos, levando pra rua ou botando em outras escolas, eles si cansam
disso, porque hoje tem ônibus amanha não tem, entendeu ai os pais
casam disso e levam seus filhos pra estudar em outras escolas isso é
um dos desafios que eu penso que seja o maior dentro da escola e isso
também precisa ser mudado. (SILVA, 2014, p. 34).

Durante anos a história se repetia. Ao longo de todo o período inverno as aulas


paravam durante meses, os educandos sempre ficavam prejudicados por essas questões
naturais. Vendo esse fenômeno se repetir a cada ano a comunidade escolar ao longo
desses anos vem buscando estratégias para solucionar esse problema.
Depois de anos lidando com essa problemática, a equipe de profissionais da
escola, no ano de 2015, decidiu experimentar uma nova forma de organização do
calendário escolar e do tempo das atividades pedagógicas realizadas na escola. Os
educadores se reuniram durante dias para refletir e repensar as práticas de ensino que
seriam adotadas para recuperar o tempo em que as aulas estiveram paradas por causa
das chuvas. Depois de várias discussões elaboraram uma proposta de ensino que
atendesse as especificidades da comunidade do Assentamento 26 de Março baseada no
modelo de ensino em tempo integral e na perspectiva da interdisciplinaridade.
O projeto intitulado “Educação do Campo em Movimento” foi executado
durante o ano de 2015 em caráter experimental. Nessa perspectiva a proposta de ensino
nasceu para atender as necessidades locais apresentando novas possibilidades de ensino-
aprendizado como consta na proposta de Ensino da E.M.E.F. Carlos Marighella:
[...] Acerca da necessidade de se pensar praticas de ensinos voltados
para a elevação da qualidade de ensino e superação das percas durante
os dias em que as aulas ficariam paralisadas. A partir daí nasceu o
Projeto, Educação do Campo em Movimento, numa perspectiva de
inovação do ensino a partir da integralização dos alunos na escola. Ou
seja, eles passariam de quatro para oito horas de estudos. (Proposta de
Ensino e E.M.E.F. Carlos Marighella, 2016, p. 06).

Com a implantação dessa proposta a escola precisou experimentar outras


práticas de ensino. Também foi necessário pensar outras formas de organização do
tempo para a realização das atividades. Recorremos mais uma vez a proposta de Ensino
da Escola Carlos Marighella:

Nessa proposta as atividades foram organizadas por eixos temáticos,


os quais foram: Educação e Artes, Natureza e Cultura, Raciocínio
Lógico e linguagens e códigos. O foco das Práticas de Ensino foi à
interdisciplinaridade no sentido de rompendo a organização
tradicional das disciplinas. Devido à falta de espaço físico foi
necessário juntar turmas exceto Educação Infantil. (Proposta de
Ensino E.M E. F. Carlos Marighella p 06. 2016).

Os momentos direcionados às atividades são chamados de tempos/espaços


educativos. Abaixo temos a tabela com a organização dos tempos pedagógicos.

Tabela 04: Quadro dos tempos pedagógicos.


Tempos Finalidades
Tempo Aula (TA) Tempo destinado ao estudo das temáticas em sala de aula

Tempo em que os alunos desenvolverão oficinas pedagógicas.


OBS: As oficinas eram pensadas e planejadas previamente
Tempo Prática (TP)
pelas equipes de educadores. Eles aconteciam no período da
aula.
Tempo em que os alunos farão reflexões orais e escritas
acerca das atividades desenvolvidas durante o dia.
Tempo Reflexão (TR)
OBS: Esse momento acontece no final do dia termino das
aulas.
Tempo/espaço organização
Reuniões, avaliações, demandas e estudos coletivos.
NB

Tempo/espaço no Núcleo Pesquisas/diagnóstico, reflexões, reuniões e projetos de


de Moradia intervenção coletiva.
Tempo/espaço na família: Diagnóstico do lote/pesquisa; elaboração de projeto; execução
de projeto.

Tempo/espaço visitas Realizações de intercâmbios e visitas em espaços históricos.

Fonte: Proposta De Ensino da E.M.E.F.Carlos Marighella. 2016.

Como se pode observar o processo formativo dos estudantes se dá em dois


períodos: 1º Tempo-Escola (TE) e o 2º Tempo-Comunidade (TC), ou seja, dentro dessa
dinâmica os estudantes terão a alternância pedagógica entre prática e a teoria. Como
discorre a proposta de Ensino da E.M.E.F. Carlos Marighella:

Dentro dessa proposta, o processo formativo dos educando-as, se dá


através do diálogo entre teoria/prática em dois períodos: o Tempo
Escola (TE) e Tempo Comunidade (TC). No Tempo Escola os
educandos ficarão na escola onde desenvolverão as atividades
programadas direcionadas pelo educador. O Tempo Comunidade se
dará na comunidade com atividades dirigidas. Ressaltamos que esses
trabalhos são adequados de acordo com o segmento em que o
educando-a está inserido. (proposta de Ensino da E.M.E.F. Carlos
Marighella. P 21. 2016).

No que se refere à carga horária, o total é de 1.040 horas anuais, o que


corresponde a 181 dias letivos assim distribuídos como consta na Proposta de Ensino
da E.M.E.F. Carlos 2016:

Sabemos que a carga horária anual garantida por lei é de 800 horas,
nessa proposta de ensino, a carga horária total é de 1046 horas anual
que corresponde a 181 dias letivos, que está distribuída da seguinte
forma: 29% para Tempo Comunidade, que perpassa pela Educação
Infantil ao 9º que corresponde a 304 horas e 71% para o tempo escola
que corresponde a 742 horas. (Proposta de Ensino da E.M.E.F. Carlos
p.21.2016).

Verificamos isso na tabela abaixo:

Tabela 05: Organização do Tempo-Comunidade e o tempo escola.

Tempo Tempo
Ano/série Horas Horas
comunidade (%) escola (%)
Ed. Infantil ao 9º 29% 304h 71% 742h

Fonte: Proposta de Ensino da E.M.E.F. Carlos p.21.2016.


Outro fator que vale destacar é o acréscimo de três disciplinas complementares,
sendo estas: agroecologia, teatro e música. O dia- a- dia dos estudantes funciona da
seguinte forma: Eles entram as 7:30 na escola. Não é servido café da manhã nem
mesmo para a educação infantil. Não é feito nenhum tipo de acolhimento na chegada
dos estudantes. Logo que chegam à escola um seguimento vai para os locais
direcionado s oficinas pedagógicas, o tempo oficinas pedagógico (TP), enquanto o outro
seguimento se direciona às salas de aula, o Tempo Aula (TA).
Às 9:45 é servido o lanche. Depois do lanche os estudantes retornam às suas
atividades. 12:00 o almoço é servido e, após o almoço há um intervalo que os
educandos usam para tomar banho e descansar. Para que esse momento aconteça a
escola possui uma sala climatizada destinada ao repouso dos educandos, com 30
colchões e 30 cobertores.
As atividades do período da tarde se iniciam às 13:30. Nesse momento ocorre
uma troca, o seguimento que frequentou o TP ( Tempo Oficinas Pedagógicas) no
período da manhã vai direto para o TA ( Tempo Aula) e aqueles que estavam no TA vão
para o TP.
No TA foram desenvolvidas atividades, com textos dos diversos gêneros,
música, teatro, seminários, jogos, vídeos, filmes, poesia, debates, documentários e etc.
Já no tempo TP as oficinas são organizadas de acordo com a demanda escolar. Algumas
oficinas realizadas foram: de leituras e percussão corporal.
A última refeição é servida s 15:45h. Novamente os estudantes lancham e
retornam para suas atividades. Por volta das 16:30h todos os educandos de 1° ao 9° ano
se dirigem às salas de aulas para o TR (Tempo Reflexão), no qual acontecem as
reflexões das atividades desenvolvidas durante o dia.
O Tempo/espaço organização (NB- Núcleos de Bases) se constitui de equipes
nas quais os educandos foram organizados previamente. Esse tempo se destina a inserir
os educandos nas tarefas do dia- a- dia na escola, como ajudar na limpeza, por exemplo,
na ornamentação do ambiente e outros. Eles também participam das tomadas de
decisões na escola.
O Tempo NB foi pensado para que os educandos pudessem se sentir sujeitos
participativos e ativos dentro e fora da escola. As NB’s foram inspiradas na própria
forma de organização da comunidade2, que segue a organicidade do MST:

2
Isso consiste na forma de organização politica e ideológica da comunidade desde o período de
acampamento coordenado pelo MST..
Direção Nacional do Movimento Sem-Terra = Direção Estadual = Representante
da comunidade = núcleos de base.
O Tempo/espaço no Núcleo de Moradia e Tempo/espaço na família ocorrem
durante o tempo – comunidade (TC). Esse tempo é destinado a pesquisas de campo, que
ocorrem nas sextas feiras. As aulas na escola funcionam de segunda a quinta-feira. As
sextas-feiras funcionam o TC com estudos dirigidos. Após a greve dos professores do
município de Marabá, a qual a escola aderiu, o TC passou a ser realizado nos finais de
semana e as aulas passaram a ser de segunda a sexta-feira para avançar nas disciplinas.
As pesquisas desenvolvidas durante o TC são sempre direcionadas pelos educadores de
acordo com a demanda apresentada pela comunidade escolar. No TC os educandos tem
como tarefa realizar pesquisas, reflexões, planejar e executar projetos nos núcleos de
moradia.
Vale destacar que durante o período de inverno não há TA nem TC, pois como
nessa região (Sudeste Paraense) esse período se estende até os primeiros meses do ano,
a Escola começa o ano letivo após esse período já em tempo integral evitando prejuízos
aos estudantes. Como pudemos verificar anteriormente na tabela 05: Organização do
Tempo-Comunidade e o tempo escola. Esse esquema funciona somente para os
estudantes do 1º e 2º seguimento, a educação Infantil possui outro tratamento no qual
não nos deteremos porque o nosso foco consiste no segundo segmento do ensino
fundamental.
Na proposta de ensino da Escola Carlos Marighella o processo formativo dos
educandos se dá através do diálogo da teoria e da prática. Isto é, no Tempo Escola e
Tempo comunidade. Vale ressaltar que as atividades são desenvolvidas de acordo com
as especificidades de cada seguimento.
No segundo seguimento, por exemplo, alguns trabalhos desenvolvidos no campo
das linguagens e códigos foram:
TP: oficinas de percussão corporal e leituras de diversos gêneros textuais; no
TA: estudo de crônicas, cordel (verso e estrofe), gramatica, questões ortográficas
e morfológicas, lendas amazônicas, textos acerca do eixo temático: Divisão
Territorial e social, musica “Cidadão”, poema “ O operário em construção”,
filme “ O formigaz”, Adivinhações, superstições e trava- línguas, conto, Musica
“ Cidadão” fabulas entre outros.
TC investigação de histórias lendárias na comunidade 26 de Março; Relembrar
brincadeiras de adivinhações, trava-língua e as superstições locais; Produção de lendas
locais a partir das pesquisas de campo.
Nesse TCC refletimos sobre os textos poéticos a partir de um projeto de
intervenção que se realizou em 2014, logo, antes da implementação da proposta de
ensino que ora apresentamos. Percebe-se pelo exposto até aqui que o trabalho com o
gênero poético vem ocupando um espaço significativo na área de língua portuguesa da
escola Carlos Marighella.
Ao navegarmos nas vivências passadas e presentes da Escola Carlos Marighella,
compreendemos que a escola faz parte da trajetória de lutas e conquistas dos assentados
da 26 de Março. Ao longo de todos esses anos os moradores daquela comunidade
continuam a batalha por políticas públicas que assegurem sua permanência na terra,
dando-lhes os direitos básicos para melhores condições de vida. A escola também faz
parte desses direitos, o de ter uma educação de qualidade que os atenda em sua
particularidade.
Citamos neste capítulo que desde sua fundação a escola procura desenvolver
suas atividades de acordo com os princípios de educação do MST. Pois bem,
acreditamos que ao longo de sua trajetória ela tenha buscado inserir esses princípios no
seu fazer pedagógico e durante alguns anos tenham conseguido. No entanto, problemas
relacionados à infraestrutura e questões políticas que dizem respeito, por exemplo, a
apoio financeiro e pedagógico, limitava os educadores a realizarem um trabalho mais
consistente.
Em 2016 se viu a concretização de muito do que foi sonhado lá atrás,
principalmente no que se refere ao fazer pedagógico ofertado atualmente na escola. O
projeto Educação do Campo em Movimento é fruto de ideias, de construções e práticas
coletivas dos educadores e estudantes que ao longo dos anos sonharam com um projeto
educacional como esse.
2. O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA E O TEXTO POÉTICO NA
EDUCAÇÃO BÁSICA.

Neste capítulo refletiremos sobre o ensino de língua portuguesa e o lugar do


texto poético na Educação Básica, com foco para o segundo seguimento do ensino
fundamental. Para isso o diálogo com autores como Chiappini (2004), Geraldi (1995)
Lajolo (1993), Pinheiro (2007) e Sorrenti (2009) é necessário para compreendermos
como anda o processo de ensino de língua portuguesa e o tratamento dado ao gênero
poético nas escolas brasileiras.
Iniciemos essa reflexão com as contribuições de Chiappini (2004). A autora
apresenta os resultados da pesquisa por ela realizada intitulada “A circulação dos textos
na Escola”. Essa pesquisa, realizada entre os anos de 1992 a 1998, com 14 escolas da
rede municipal, estadual e uma escola particular no estado de São Paulo, iniciou-se a
partir do estudo dos diários de campo de um grupo de bolsistas de iniciação científica
(alunos de Letras) e de professores do 1° e 2° graus, financiada pela CNPq e FAPESP.
A pesquisa em questão teve como finalidade estudar as práticas de leituras e
produção de textos, verificando como vem se perpetuando o tratamento dos diferentes
gêneros dentro das escolas. Segundo Chiappini (2004) a trajetória histórica da escola foi
consolidando-se como a principal instância social formadora de leitores e escritores.
Para a autora, à medida que essa visão se concretizava ou ganhava força, acontecia na
prática à burocratização da linguagem. Talvez esse tenha sido um dos fatores
contribuintes para a dificuldade do educador em trabalhar a linguagem de forma
dinâmica e dialógica.
Os resultados da pesquisa de Chiappini (2004) demonstraram que, de modo
geral, muitos educadores perpetuaram em sua prática nas aulas de Língua Portuguesa a
utilização de cópia, ditados e redações isolados das práticas reais de isso da língua, ou
seja, sem um trabalho de leitura e produção de diferentes gêneros textuais.
A pesquisa de Chiappini (2004) também demonstrou que era comum na prática
dos professores uma concepção de linguagem instrumental. Prática essa na qual o
professor é o transmissor do conhecimento e o aluno um mero receptor de um roteiro já
pronto para ser executado em atividades tradicionais e enfadonhas. Como lembra Geraldi
(1995):
É um trabalho mecânico, infeliz, repetitivo, ao lado dos companheiros,
mas longe deles. Essas crianças passarão alguns anos na escola sem
saber que poderão acertar o sujeito da oração, mas nunca serão os
sujeitos das suas próprias histórias (GERALDI, 1995, pp. 15-16).

Com Geraldi (1995) entendemos que ensinar está para além da apreensão de
significados. Mais do que repetir uma sequência de atividade é ofertar novos meios de
reunião dos saberes vivenciados e adquiridos pelos sujeitos. A sala de aula precisa ser
esse lugar de interação de reunião do saber, os professores e estudantes precisam ocupar
esse espaço confrontando-os interagindo verbalmente constantemente.
Os estudantes precisam ser inseridos na construção do conhecimento precisa
sentir-se parte dessa construção, por isso a importância de conceber o texto como peça
fundamental para o ensino-aprendizado. Assim compreende-se o texto:
[...] como um lugar de entrada para o diálogo com outros textos, que
remetem a textos passados e que farão surgir textos futuros. Conceber
o aluno como produtor de textos é concebê-lo como participante ativo
deste diálogo continuo: com texto e leitores” (CHIAPPINI, 2004, p.
22).

Nessa perspectiva o texto (oral ou escrito), como ressalta Geraldi (1995), deve
ser visto como o lugar das correlações, ou seja, o texto liga, interagem em qualquer que
seja o campo de conhecimento. Sendo necessária, que haja uma constante prática de
escuta de textos orais, leitura de textos escritos e de produção de textos orais e escrita.
Entretanto, os estudos apontam que ainda é uma realidade nas salas de aula de
Língua Portuguesa o trabalho com textos centralizados na assimilação de conteúdos
gramaticais. Geraldi (1995) afirma que em linhas gerais, os estudos apontam o ensino
de língua portuguesa em duas instâncias: O tradicional, centrado no ensino da
gramática; e a dialógica orientada pela interlocução. Segundo o autor, na abordagem
tradicional a aprendizagem é receptiva e automática, prevalecendo o código escrito
culto, expresso nas atividades em sala de aula. E a abordagem dialógica fundamenta-se
na prática da interlocução.

2.1 E OS TEXTOS POÉTICOS?

Nas linhas seguintes focaremos nossa discussão sobre o tratamento que os


textos poéticos recebem na educação básica. Vimos sob a ótica de Chanppini (2004) e
Geraldi (1995), que os trabalhos com texto nas aulas de português, de forma geral, seja
na produção, leitura ou oralidade ainda é visto como pretexto para assimilação de
conteúdos gramaticais. Também Teixeira (2004, p.73) afirma que “os temas, assim
como surgem, desaparecem. Eles servem para uma aula, cuja leitura centra-se na
verificação do uso de conteúdos ou na assimilação prática de regras gramaticais”. Se na
prática de leitura e produção de textos, em geral, percebemos problemas gravíssimos,
imagine o lugar do texto poético nesse contexto, posto que frequentemente a ele se dá
uma importância mínima na sala de aula.
Em sua obra Do Mundo da Leitura para a Leitura do Mundo Lajolo (2007)
reflete sobre a importância da leitura em nossas vidas. Para a autora a leitura deve ser
uma prática circular e infinita, podendo ser conduzida para além do universo escolar,
isto é, ela pode até iniciar-se no âmbito escolar, mas não pode limitar-se somente nesse
contexto.
Segundo a ótica de Lajolo (2007) uma possível hipótese para o emblemático
ensino da literatura na escola, seria a falta de inspiração e talento por parte dos livros
didáticos e paradidáticos. Outro fator seriam os rituais de iniciações propostos na escola
que acabam se tornando atividades obrigatórias e enfadonhas para os educandos. Para
Lajolo (2007) o caminho para romper os problemas com o ensino do gênero literário na
escola talvez dependa da escola e professores romperem com a “leitura alienada e
consumista. Para que ocorra a ruptura é preciso uma guinada radical nos rumos que
norteiam as políticas de leituras atualmente em práticas” (LAJOLO, 2007, p.109).
Pinheiro (2007) destaca que os problemas são diversos e que quase não temos
trabalhos eficazes com poesia, pois “de todos os gêneros literários a poesia é
possivelmente a menos trabalhada na escola e logo a menos prestigiada no fazer
pedagógico” (PINHEIRO, 2007, p.17). O autor afirma que o primeiro segmento do
Ensino Fundamental (1ª a 4ª serie/ 1º ao 5° ano) apresenta problemas gravíssimos no
tratamento com a poesia.
Nessa fase a poesia quando é vista é sempre tida em segundo ou terceiro plano.
Pinheiro (2007) diz ser possível e válido trabalhar com poesia na sala de aula, porém
destaca que não é qualquer poesia e nem de qualquer modo. É necessário que tenhamos
um olhar criterioso na escola das obras para que não se caia no que ele chama de
“didatismo emburrecedor” (PINHEIRO, 2007, p. 20). O autor destaca ainda a
desmotivação e o desinteresse do aluno pela poesia, assim deixam de trabalhar o sentido
para investir em recursos sonoros e ilustrações vistas nas poesias infantis.
O autor afirma ainda que a partir do 8° ano os estudantes se interessam por
poemas que tematizem experiências afetivas, as quais podem ser uma porta para se
desenvolver um trabalho com os textos poéticos. Pinheiro (2007, p. 20) acrescenta que é
importante que haja uma verdadeira discussão acerca do trabalho com poesia na sala de
aula. Porque os problemas com a poesia são diversos e quase não temos trabalhos
eficazes com poesia

Sorrenti (2009), também privilegia a poesia em suas obras como algo cheio de
mistério, capaz de prender o leitor, chamando-o para compartilhar o universo poético.
Se observarmos, dentre os variados benefícios da literatura/texto poético nas escolas
brasileiras, veremos que ela propicia ao educando o exercício de sua livre imaginação,
sendo ele capaz de compreender e apreciar o texto como um todo contextualizado.

Em seu livro “A Poesia vai à Escola” Sorrenti (2009) trata de como os


educadores podem trabalhar dinamicamente com as crianças, com a apreciação de
músicas, poesia e sonoridade que elas possuem. Para a autora, o ritmo é o elemento
imprescindível num texto poético. O texto poético “pode não ter rima, mas sempre terá
um ritmo, um jogo sonoro. Assim brincadeiras e musicalidade se misturam
poeticamente por meio da escrita” (SORRENTI, 2009, p. 73).

Até aqui em nosso estudo vermos diferentes autores que trabalharam com o
gênero textos literários. E que acreditam nos textos poéticos como instrumento de
aprendizados. Boas e significativas experiências de trabalho com a poesia na escola
existem. Mas, na Educação Básica, as experiências ainda são limitadas, por vezes,
muito tímidas. Atribui-se como fator para a existência dessa realidade o fato de que
maioria dos professores não são leitores de poemas. O texto poético, precisa ser
trabalhado no cotidiano escolar para que, deste modo, alunos e professores despertem
em si o prazer por esse tipo de leitura.
3. POETISANDO SABERES, RESSIGNIFICANDO VIVÊNCIAS.

Refletimos aqui sobre a experiência realizada no projeto de intervenção durante


a Pesquisa Socioeducacional V e Estágio-Docência II, desenvolvido em 2014, na escola
Carlos Marighella. O objetivo desse projeto foi realizar uma atividade de intervenção
em turmas do 6º ao 9º do Ensino Fundamental, nas quais já havíamos realizado as
atividades de Observação em sala de aula durante a Pesquisa Socioeducacional IV e o
Estágio Docência I.
Para descrever essa experiência foi necessário retomar os relatórios dos Estágios
Docência I e II, os cadernos de campo daqueles estágios e ainda analisar o projeto.
Além disso, foi necessário fazer um exercício de memória para a escrita de registros
retrospectivos, a fim de, na escrita desse trabalho, com um olhar mais maduro e distante
da execução do projeto, refletir sobre os limites daquele momento e os aprendizados.
Vale ressaltar que todas as Pesquisas Socioeducacionais que constituíram nossa
formação no Curso de Licenciatura Plena em Educação do Campo, na UNIFESSPA,
foram realizadas no Assentamento 26 de Março. Além de residir e trabalhar nessa
comunidade, também sou filha de assentados e com eles vivenciei a trajetória de lutas e
conquistas, desde o início do acampamento, quando tudo se limitava ao sonho da
conquista pela terra (período de acampamento).

3.1 CAMINHOS DO PROJETO POETISANDO SABERES


Como moradora do Assentamento 26 de Março, acompanhamos a luta dos
assentados por melhores condições de vida no assentamento, os anseios da juventude
em relação à ausência de espaços que lhes proporcionem lazer e a falta de perspectiva
na comunidade. Ao mesmo tempo, percebíamos nesses jovens uma insistência em
permanecer na comunidade. Havia ali uma questão de amor, gratidão e muito respeito
envolvido. Os desafios de não ter uma escola construída, transporte escolar de qualidade
, estradas boas, empregos, espaços que lhes ofertassem distração e etc., tudo isso parecia
tornar-se pequenos diante da identidade sem-terra que já haviam adquirido.
A juventude resistia para não romper os laços de sua cultura camponesa. Eles
queriam muito uma escola de boa qualidade, o emprego dos sonhos. Mas queriam
conquistar tudo isso junto com a comunidade, afinal esses sonhos eram dos assentados
também. Sair da comunidade significava abandonar a luta e se render a uma cultura
diferente daquela que se tinha ali. O dia-a-dia com os colegas não seriam mais o
mesmo, a vida os levaria para caminho diferentes. Essa sempre foi uma questão que nos
inquietou bastante. Por ser presente, sempre quis saber mais da juventude, no entanto
ainda não havia tido a oportunidade.
A orientação para a Pesquisa Socioeducacional V e elaboração do Projeto de
Intervenção a ser realizado no Estágio Docência II era para que desenvolvêssemos ações
voltadas para a reflexão sobre o tema “Cultura”. Para a elaboração do referido projeto,
além das questões surgidas das observações realizadas durante o Estágio Docência I,
retomamos questões que observamos na comunidade em momentos anteriores a
realização da Pesquisa Socioeducacional II.
O ponto de partida para a elaboração de nosso projeto foram as inquietações em
relação a permanência da juventude na comunidade. Desse modo começamos nossa
investigação com a juventude inserida dentro da escola, a partir de algumas conversas
informais com os jovens educandos que participavam do grupo de jovens vinculados ao
MST, Jovens Unidos Pela Paz no Campo (JUPC).
Constatamos que os jovens mencionavam um amor incondicional pela
comunidade do Assentamento 26 de Março e, acima de qualquer desafio encontrado, o
orgulho de estudar ou ter estudado na escola Carlos Marighella. Vale ressaltar que o
grupo extinguiu-se logo após a realização de nosso projeto de intervenção em 2014.
Diante disso, colocamos a temática da permanência dos jovens no Assentamento
26 de Março em discussão na sala de aula no âmbito da execução do Projeto de
intervenção do Estágio Docência II. O que nos motivou propor um projeto com essa
temática foi constatar que tal reflexão dialogava fortemente com o eixo temático
“Valorização da cultura local” que orientou nossos estudos durante aquela etapa de
formação da Licenciatura em Educação do Campo.

3.2 DESAFIOS E APRENDIZADOS NO PROJETO POETISANDO SABERES


Antes de apresentar propriamente as ações que realizamos no nosso projeto de
intervenção é necessário mencionar que durante o Estágio Docência I (observação) e
Pesquisa Socioeducacional IV, verificamos que na sala de aula observada não foram
realizadas atividades de leitura ou produção de textos poéticos. Foram trabalhados
diferentes conteúdos como, por exemplo, verbos de elocução, artigo de opinião, orações
coordenadas, conjunções coordenativas, leitura e interpretação de textos, Produção de
textos e os filmes “Anjos do sol” e “Preciosa”. Como podemos constatar com a
descrição dos conteúdos trabalhados, o texto poético não aparece dentre os assuntos
abordados em sala de aula.
A partir disso levantamos várias hipóteses para a ausência dos textos poéticos
naquela sala de aula: a) o docente que ministrava as aulas de Língua Portuguesa na
turma observada era pedagogo, ou seja, não tinha formação na área de linguagens.
Talvez por insegurança ou falta de conhecimento desse gênero não se arriscou a ensiná-
lo; b) os estudantes tem resistência à linguagem poética. Para compreender a ausência
da linguagem poética na sala de aula, desafiei-me trabalhar o gênero com os estudantes
no projeto de intervenção da pesquisa V.
Assim, em treze de abril de 2014 apresentamos o projeto à direção da escola
para ser realizado numa turma de 7º ano do Ensino Fundamental. É importante ressaltar
que essa turma estava sem professor de Língua Portuguesa. Devido a carência e
urgência de educadores habilitados para assumir o cargo fui convidada pela
coordenação da escola a assumir a disciplina de Língua Portuguesa nas turmas de 6 e 7°
ano do ensino fundamental.
Desafio aceito, decidimos então desenvolver a atividade de intervenção em uma
das turmas nas quais passaríamos a atuar. Os motivos para tal decisão dizem respeito à
dificuldade em conciliar as atividades como docente e o tempo necessário para a
execução do projeto em outra turma. Diante dessa dificuldade nos ajustes dos tempos a
alternativa foi desenvolver o projeto e avaliar a nossa própria prática de sala de aula.
Tarefa difícil! Aquela foi nossa primeira experiência em sala de aula, como educadora e
ao mesmo tempo discente do curso, esse fator tornava este trabalho ainda mais
desafiador, pois, teria a árdua tarefa de avaliar minha pratica como docente. Prática essa
que ainda não havia adquirido já que nunca havia lecionado. Somente quando
retomamos nossas anotações daquele Estágio Docência percebemos que nosso exercício
de refletir sobre um projeto realizado na própria sala de aula poderia ser compreendido
como uma pesquisa-ação. Segundo André (1995):
Os livros da década de 1950 descreveram essa metodologia como uma
ação sistemática e controlada desenvolvida pelo próprio pesquisador.
Um exemplo clássico é o professor que decide fazer uma mudança na
sua prática docente e a acompanha com um processo de pesquisa, ou
seja, com um planejamento de intervenção, coleta sistemática dos
dados, análise fundamentada na literatura pertinente e relato dos
resultados.
[...] Em suma, pode-se dizer que em todas as correntes, a pesquisa
ação envolve sempre um plano de ação, planos esses que sempre se
baseiam em objetivos, em um processo de acompanhamento e
controle da ação planejada e no relato concomitante desse processo.
Muitas vezes esse tipo de pesquisa recebe o nome de intervenção.
(ANDRÉ, 1995, pp. 31-33).

A realização do projeto do Estágio Docência II não sofreu nenhum tipo de


questionamento por parte da direção da escola nem tão pouco dos próprios educandos.
Das seis etapas previstas no projeto, duas não foram desenvolvidas: 1) a montagem de
uma peça teatral contando as histórias narradas nas produções dos alunos e 2) a
produção de um vídeo documentário com os aprendizados dos textos poéticos na sala de
aula. As demais etapas foram a apresentação do projeto á comunidade escolar;
Discussão da proposta em sala de aula, de forma a gerar um debate do tema junto com
os envolvidos no projeto e o estudo de textos poéticos; Produção de texto a partir da
temática abordada e produção de desenhos.
Na primeira aula, realizada dia treze de abril, foi realizada a apresentação do
projeto à direção da escola. Fizemos a primeira etapa da atividade que objetivava
apresentar o projeto á comunidade escolar e levar a proposta para discussão em sala de
aula de forma que gerasse um debate sobre o tema cultura. Nessa atividade organizamos
As cadeiras em círculo e fizemos uma sondagem aos alunos para verificar o que
entendiam por “Cultura”. Havia uma cartolina no centro do círculo com o tema. Foram
distribuídas aos alunos algumas folhas de papel A4 e solicitado que escrevessem ali o
que compreendiam do conceito em discussão.
Os alunos escreveram sobre crenças, modo de se vestir e hábitos do cotidiano.
Após a socialização do que haviam escrito, foi solicitado que escrevessem sobre a
cultura no Assentamento 26 de Março. O objetivo era que os alunos pensassem sobre as
práticas de cultura da comunidade. Nesse segundo momento os alunos mencionaram os
dias festivos e não festivos lembrados pela comunidade, hábitos da do dia -a- dia,
pontos de referencia na comunidade como a Escola. Trouxeram também seus anseios
com relação à ausência de espaços de lazer e outros espaços de diversão para a
juventude como praças, campos de futebol, clubes de festas, lazer etc..
Nós precisamos de uma praça... Um lugar, onde a gente possa se
encontrar pra gente conversar, brincar e se divertir. (Raquel, educanda
do 7° ano).

Espaço pra futebol... Escola adequada para uma boa educação


(Katharyna Macedo, educanda do 7º ano).

Essa etapa teve duração de três horas. Depois dos relatos dos estudantes foram
feitas algumas considerações e o material da dinâmica ficou exposto na sala de leitura,
onde foram realizadas essas atividades. Após essa etapa da atividade passamos ao
estudo de textos do gênero poético com os estudantes, pois ainda não havia sido
trabalhado na turma. Essa etapa começou a ser desenvolvida em seis de Maio de 2014 e
só foi concluída em quinze de Maio do mesmo ano. Foram utilizadas as aulas dos dias
06,08, 09, 13 e 15, para a finalização dessa etapa. Ao todo foram 13 horas de estudos
realizados da seguinte forma: Leitura de trechos do “Iracema”, de José de Alencar na
sua versão original. Identificamos aqui esse texto como texto I. Em seguida os alunos
leram uma versão de “Iracema” de autoria de João Martins de Athayde, em forma de
cordel, texto II. Os dois trechos levados para estudo relatam o episódio que trata do
encontro de Iracema e Martin. O objetivo com a leitura dessas versões do poema era que
os estudantes pudessem diferenciar um estilo do outro e, principalmente, compreender
que a poesia pode estar presente nesses dois gêneros, mesmo tendo linguagens e
estrutura diferentes.
Começamos o estudo pelo texto I. Primeiro fizemos uma leitura compartilhada e
depois conversamos sobre o episódio narrado. Na perspectiva de instigar os estudantes a
expor suas impressões sobre o texto foram feitos alguns questionamentos tais como, o
que acharam do texto, se já os conheciam, se conseguiam identificar o gênero.
Alguns estudantes, nesse primeiro momento, relataram que o texto I apresentava
uma linguagem de difícil compreensão, palavras desconhecidas e que não
compreendiam o trecho narrado. Disseram ainda acreditar que o texto apresentava
características do gênero narrativo por ter contado uma história, a presença dos
personagens e do próprio narrador. O que de fato não deixa de fazer sentido.
Ressaltamos aos estudantes que se tratava de um poema escrito em prosa.
Nesse sentido, foram expostas na lousa as características gerais dos textos em
prosa e do poema, explicando como cada uma se estrutura, os recursos utilizados por
cada gênero e etc. Os conceitos que apresentamos aos alunos naquela aula foram
extraídos do livro didático que usávamos como base para nosso planejamento. Vejamos
como o livro definia o texto em prosa e os poemas:
A prosa é escrita em parágrafos em forma do discurso direto, a
linguagem empregada pode ser tanto a conotação quando a denotação.
Poema: textos escritos em versos, estrofes que contam história.
(ALVES; BRUGNEROTTO, 2014, p.36).

Em seguida fizemos um exercício de identificar essas características no texto. Os


estudantes foram convidados a ler com atenção e analisar minuciosamente o texto,
dando destaque para a organização dos parágrafos, o uso da linguagem poética, para a
harmonia e o ritmo das palavras.
Algumas considerações também foram feitas com relação à história
apresentada. Percebemos que a dificuldade encontrada pelos estudantes com relação à
linguagem e, consequentemente, o próprio entendimento do texto I, ocorreu por se tratar
de um texto escrito em 1865, que se tornou um dos clássicos da literatura romântica
brasileira. Além disso, a linguagem poética romancista não era algo comum aos
estudantes, ou seja, uma linguagem que não estavam acostumados ver nos livros com
que tinham contato, em especial o livro didático.
Em seguida, passamos a analisar o texto II. Mais uma vez fizemos uma leitura
compartilhada discutindo o texto e procurando relacioná-lo com o texto I. Analisamos e
comparamos as características dos dois textos, verificando os aspectos comuns e
diferentes entre ambos. Nesse segundo texto os educandos demonstraram maior
compreensão da história. Logo reconheceram estar diante de uma literatura de cordel,
por apresentar principalmente os versos, a rima e a musicalidade3.
Ao longo das aulas colocamos aos alunos alguns questionamentos a fim de
provocar as discussões e de que eles pudessem aprofundar o tema tratado no projeto.
Algumas das questões colocadas foram: gostam ou não do gênero? Conhecem alguém
na família ou no assentamento que seja cordelista? Observamos que havia um estudante
que, apesar de não ter estudado o gênero, tinha facilidade em criar repentes e relatou ter
aprendido sozinho.
Após as discussões fizemos a exposição do gênero, ressaltando suas
características e buscando-as no texto como fizemos com o texto I. Ressaltamos que
tanto no primeiro quanto no segundo texto, tínhamos um poema narrativo relembrando
o que anteriormente já havíamos trabalhado em sala. Nesse sentido, os educandos
tiveram um maior discernimento quanto à temática pelo fato de os próprios estudantes
já conhecerem o estilo do cordel.
Retiramos um parágrafo do texto para explicar a questão da estrutura do gênero,
os recursos sonoros, melódicos, os próprios versos e a questão da liberdade na
pontuação, ou seja, todas essas características da literatura de cordel possível de
identificar logo no primeiro parágrafo. Solicitamos aos alunos que relessem o texto II
enquanto chamávamos a atenção para a apropriação dos recursos estilísticos.
[...]
Ao ver aquela figura
de admirável beleza

3
Apesar de não terem estudado a literatura de cordel, os estudantes relataram conhecer o gênero da TV.
estátua de bronze vivo
feita pele natureza
Martim até se assustou
dum pulo se levantou
sem se conter de surpresa
[...] (autor, ano, p.)

Primeiro observamos a organização do texto. Escrito em versos, estrofes e rimas,


notamos que cada linha compunha um verso e que ao todo tínhamos sete versos os quais
poderíamos classificar de septilha e cada septilha formava uma estrofe. Do mesmo
modo, ressaltamos a presença das rimas externas, que sempre aparecem no final dos
versos e as rimas mistas por apresentar um esquema não fixo nos versos.
Outro texto trabalhado foi o poema “O ônibus” de Fernando Paixão. O poema
não estava inserido no livro didático com o qual trabalhamos naquele ano. A escolha do
poema se deu aleatoriamente por apresentar características de poema narrativo. Nesse
poema o autor conta a rotina diária de um motorista de ônibus numa linguagem poética.
Analisamos também uma estrofe do poema, na qual constatamos está organizado
em quadras, por conter quatro versos em todas as estrofes e as rimas serem alternadas.
[...]
Logo na esquina
desceu o primeiro.
Seguiu o motorista
mais quatro passageiros

O quarto desceu
em frente à estátua.
Caiu-lhe sobre a cabeça
uma espada de prata.
[...] (autor, ano, p.)

Nessa etapa da atividade tivemos dificuldades com relação à própria apropriação


do gênero. Limitamo-nos a utilizar na preparação das aulas somente o livro didático.
Todos os textos usados nessa atividade para a compreensão do poema foram extraídos
do livro didático de língua portuguesa do 7° ano em estudo aquele ano. Por falta de
instrução e conhecimento, ficamos numa visão “artificial” da poesia. Artificial na
perspectiva de ser limitada, reduzida e ingênua. É importante ressaltar que naquele
momento não tínhamos essa compreensão de que poderíamos ter fornecido um trabalho
mais rico, tão pouco uma visão mais apurada de poesia. Acreditávamos realmente ter
desenvolvido um ótimo trabalho.
Talvez para o momento tenha sido mesmo, pois, só depois da disciplina
“Literatura, Poema e Música”, cursada na VI etapa do curso de Licenciatura em
educação do Campo, passamos a compreender, a partir das discussões feitas sobre os
poemas de Pablo Neruda, Thiago de MelIo, Divas Lopes, Bruno Menezes, Carlos
Drummond de Ande entre outros, além do filme “O carteiro e o Poeta” e do estudo de
teóricos como Lajolo (1993) e Brecht (1978), a importância em levar a linguagem
poética para a sala de aula, além de construir nossos significados de poesia que
ultrapassem a visão ingênua do jogos de palavras e da organização estrutural do
poema.
Um dos grandes desafios no ensino-aprendizagem do gênero poético tem sido
desfazer os clichês que foram criados sobre ele. Isso ocorre principalmente pelo fato de
não vir sendo trabalhado de maneira correta nas escolas, quando é trabalhado. Sabe-se
que há uma deficiência e falta de incentivo muito grande para o trabalho com esse
gênero na educação básica. Existe uma série de fatores que faz com que os textos do
gênero poético sejam menos prestigiados no fazer pedagógico como afirma Pinheiro
(2007):
De todos os gêneros literários, provavelmente, é a poesia o menos
prestigiado no fazer pedagógico da sala de aula[...] Os problemas
relativos á aplicação da poesia são inúmeros e diversos. A primeira
fase do primeiro grau menor (1ª a 4ª serie) apresenta problemas graves
no trato com a poesia – quando existe o contato. Normalmente, as
professoras dão prioridade ao trabalho com textos em prosa, deixando
sempre a poesia em segundo ou terceiro plano. (PINHEIRO, 2007, p.
17).

Por todos esses fatores problematizados para muitos a poesia é algo


desnecessário, sendo visto como perda de tempo levá-la para a escola. Por outro lado é
importante ressaltar que existem autores que demonstram o contrário disso. Sorrenti
(2009), por exemplo, afirma:
Sempre achei que poesia não é coisa para lunáticos e desocupados,
como pensam alguns. A poesia nos torna mais crítica e mais
participantes. E o que é melhor: permite um olhar emocionado em
direção ao outro”. (SORRENTI, 2009, p.10).

Seguimos com o projeto de intervenção naquele II Estágio Docência partilhando


dessa mesma ideia. A etapa seguinte do projeto foi a orientação para as produções de
poemas feitas pelos alunos. Para essa produção os alunos foram orientados a trazerem
suas vivências na comunidade, seus sonhos, seus anseios e conquistas. Feitas as
orientações, os educandos passaram a produzir os poemas. A produção dos desenhos
ocorreu no dia 20 e 22 o equivalente a duas aulas com 5 horas de duração.
3.2.1 Navegando nas vivências

Para alguns dos alunos a inspiração veio de imediato e logo os primeiros poemas
foram surgindo. Para outros, o processo foi um pouco mais doloroso, a nossa orientação
precisou ser mais individualizada, ajudando-os, tirando dúvidas e, principalmente,
estimulando-os para não desistirem desse processo de produção.

Figura 05 e 06: Educandas Indiara e Raquel criando seus poemas.

Fonte: Arquivo Pessoal.

Alguns estudantes por várias vezes pensaram em desistir. Ora com o pretexto de
não saber, ora pelo simples fato de não querer se envolver na atividade. Para esses
alunos foi dado o tempo necessário para amadurecer uma proposta de texto, além da
atenção necessária para que se envolvessem com a proposta da atividade e
desenvolvessem-na em seu próprio ritmo. Assim, essa etapa que havia, incialmente sido
pensada para ser concluída em dois dias, só foi finalizada após cinco dias, pois se notou
naquele momento a necessidade de adéqua-me ao tempo e ao ritmo dos educandos.

3.2.2 Produção dos desenhos

Com os poemas já prontos seguimos a nossa atividade dando início à confecção


dos desenhos. O objetivo era que os estudantes ilustrassem suas poesias. Assim,
propusemos que eles finalizassem suas poesias criando um desenho que representasse
sua criação. Essa etapa foi realizada nos dias 27 e 28 com duração de duas aulas que
equivaleram a 5 horas. Esse foi um momento muito prazeroso de acompanhar, os
estudantes não tiveram dificuldade em fazê-la. Foi o momento descontraído da
atividade.
Figura 07 e 08: Educando Eliseu na produção de desenhos para a ilustração de seu poema.

Fonte: Arquivo Pessoal.

Apesar das limitações que tivemos, o projeto foi executado da maneira como
planejado, ao contrário de outras Pesquisas Socioeducacionais, nas quais enfrentamos
muitos desafios e contratempos comuns na 26 de Março.
O trabalho resultou em 11 textos poéticos feitos pelos próprios educandos, nos
quais os estudantes refletem o processo de luta e conquista do Assentamento 26 de
Março, as dificuldades que vinham enfrentando no período da pesquisa, seus sonhos,
seus anseios e, principalmente. a valorização da comunidade.
Os estudantes produziram textos em estrofes acompanhados por rimas; alguns
optaram pela quadra, outros pela sextilha e rimas externas, outros preferiram por não
seguir uma estrutura fixa, sendo mais livres em suas criações; outros optaram por textos
característicos da prosa e outros, ainda, da literatura de cordel com mais ritmo e
musicalidade, como é o caso da produção apresentada abaixo:

Aos camponeses da 26 de Março

Eu sou gildeon
Agora vou falar
Da luta dos assentados
Para a terra conquistar.
Buscando seu próprio alimento
Para seus filhos sustentar.

Todos nós trabalhamos


Com garra e emoção pra
Ter nosso próprio recurso
E dá aquém tem precisão.
Temos hoje uma escola
Onde vamos estudar
Aprenderemos e faremos
Esse país mudar.

Parabenizo os meus pais


E todos os assentados
Se não fosse eles muito ter lutado
Hoje seriamos todos jovens agregados.
(Gildeon)

Observa-se que o estudante trouxe um poema característico da literatura de


cordel. A primeira estrofe se apresenta em sextilha e as demais estrofes estruturam-se
em quadras bem marcadas por rimas alternadas no final de todos os versos a qual
classificamos de rimas externas.
No texto que apresentamos a seguir, outra estudante também produziu um texto
poético, organizado por estrofes, versos e rimas. Na primeira estrofe vemos uma
quintilha e as três últimas estão organizadas em quadras. As rimas também são
alternadas e, assim como no primeiro caso, os estudantes apresentam um tema para suas
produções e dentro do texto esses temas aparecem bem inseridos.

No Assentamento 26 de Março
No meu assentamento
Tem uma escola, que tem
Um interesse cultural
Transformou um curral
Num espaço cultural.

As salas da minha escola


Tem banheiros que não funcionam.
Mas, tem uma juventude que
Sonha a cada dia com uma nova aventura.

No assentamento 26 de março
Já teve muitas conquistas
E realizações, porém faltam
Para os jovens mais revolução.

No assentamento tem de tudo um pouco...


Alegria, diversidade cultural, artes e sabedoria.
Por isso vivo no assentamento
Com muito amor e alegria.
(Luana pereira da silva).
Ao analisarmos essas produções percebemos que estamos diante de textos
poético, mesmo não apresentando os todos os elementos estruturais dos poemas mais
tradicionais, pois, acreditamos que a poesia está para além dos versos, linhas e rimas a
poesia é mais que uma forma, como afirma Sorrenti (2009):
É oportuno observar que á medida que lemos e conhecemos diferentes
tipos de textos notamos que nem todo texto em versos, linha debaixo
de linha, contém poesia. Por outro lado, há textos que não são
construídos em versos e contém poesia. E como! Paisagens, cenas,
olhares, pinturas podem ser essencialmente poético, mesmo não sendo
poemas. (SORRENTI, 2009, p. 59).

Para Cândido (2004) um texto literário são “[...] Todas as criações de toque poético,
ficcional ou dramático em todos os níveis de uma sociedade, em todos os tipos de
cultura, desde o que chamamos folclore, lenda, chiste, até as formas mais complexas e
difíceis da produção escrita das grandes civilizações” (CÂNDIDO, 2004, p 03.).
Vejamos outro texto organizado de maneira distinta dos apresentados anteriormente:

Minha Escola

Tudo aconteceu assim...


A nossa primeira escola foi criada de baixo de um pé de arvore,
porque não tinha outro lugar Pra nós estudar.
Depois fizeram uma escola e tudo melhorou...
Mais tarde, cada um mudou para seu lugar.
Hoje a gente continua estudando no assentamento 26 de março
porque aqui é bom e a gente se encontra com os amigos.
(Jocinara).

A estudante trouxe um poema narrativo contando a trajetória da escola e sua


história no Assentamento. Ao relatar a trajetória da escola percebemos que ela também
fez e parece continuar fazendo parte desse processo histórico, por estar inserida na
construção do assentamento desde o início de sua fundação. Nessa produção não se nota
as caraterísticas estruturais mais comum na composição de textos poéticos. A estudante
parece não se prender ou seguir um estilo fixo de texto poético, ela criou seu próprio
estilo construindo suas próprias normas. Vale aqui lembrar o que Cândido (2004) afirma
sobre as formas de organização dos textos literários:
A organização da palavra comunica-se ao nosso espírito e o leva
primeiro a se organizar; em seguida, a organizar o mundo. Isto ocorre
desde as formas mais simples, como a quadrinha, o provérbio, a
história de bichos, que sintetizam a experiência e a reduzem a
sugestão, norma, conselho ou simples espetáculo mental. (CÂNDIDO,
2004, p.05).

Nessa perspectiva, a estrutura do texto é uma forma particular por meio da qual
se apresentam as experiências sentidas pelo autor que as individualiza. Portanto, não
nos permitimos julgar o conteúdo pela forma. A lição que retiramos das produções
escritas dos alunos no projeto de intervenção Poetizando Saberes foi que, embora
apresentando características diferentes, os textos dos alunos possuem riquezas próprias.
Ver as produções dos alunos nos permite acreditar no trabalho com o gênero poético e
afirmar que a escola precisa tomar iniciativas para vivenciar momentos como esse.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para tecermos as considerações finais deste trabalho, partirei da ideia de
Cândido (1988, p. ): “E durante a vigília a criação ficcional ou poética, que é a mola da
literatura em todos os seus níveis e modalidades, está presente em cada um de nós,
analfabeto ou erudito, como anedota, causo, história em quadrinhos, noticiário policial,
canção popular, moda de viola”.
O objetivo desse estudo não se fundiu em fazer juízos de valor acerca do que é
ou não textos literários, privilegiar um tipo de produção literária. Como se observa na
citação de Cândido (1988) acima, a criação ficcional ou poética está presente em todos
nós. Pode aparecer nos causos e até mesmo na moda de viola, embora a linguagem
poética se apresente em formas distintas ela está presente em nossas vivências. Basta
sermos humanizados para enxergá-la.
A literatura deve estar a serviço do povo. Todos nós temos o livre arbítrio para
usá-la. Ela não pode e nem tão pouco deve ser artifício de poucos, ao contrario ela dever
ser mais explorada. A escola precisa proporcionar vivências com os textos poéticos na
sala de aula.
Vimos ao longo desse estudo que os trabalhos com textos e produções de textos
apresentam problemas gravíssimos quanto ao seu tratamento. Nas aulas de linguagens
ainda prevalece uma pedagogia instrumental e mecanizada. O intuito dessa
investigação centrou-se nas discussões sobre o tratamento para/com os textos poéticos
dentro do ensino de língua portuguesa no segundo segmento do ensino fundamental,
tendo como material para nossas reflexões o produto do projeto “Poetizando Saberes”
desenvolvido em 2014 na Escola Carlos Marighella na turma de 7° ano do ensino
Fundamental.
Ao realizarmos esse estudo chegamos à conclusão de que os textos poéticos
ocupam ainda um lugar subalterno dentro da sala de aula. Esse fator pode estar
relacionado a uma série de outros, sendo os mais comuns relacionados ao despreparo
por parte dos professores, a falta de apreciação dos professores e estudantes dos textos
poéticos, o preconceito e, até mesmo, a privação dos textos do gênero poético como
luxo dos eruditos.
Trabalhar com o gênero poético não foi tarefa fácil no projeto que
desenvolvemos em nosso II Estágio de Intervenção. Os desafios no fazer desse trabalho
foram inicialmente compreender a literatura como meio de produção de sentidos e não
apenas como expressão do belo.
Durante o estágio os desafios se deram por não ter experiência na sala de aula,
como já mencionado nesse trabalho. Ter realizado o projeto de intervenção na nossa
própria sala de aula foi um grande desafio porque nos exigiu avaliar a nossa própria
prática docente. Além disso, lidar com o público adolescente e manusear equipamentos
tecnológicos para a confecção do livreto com as produções dos alunos foram muito
desafiadores.
Como aprendizados na realização do projeto de intervenção que analisamos
aqui, destacamos que foi um trabalho muito rico e prazeroso que resultou na troca de
informação e principalmente na produção de conhecimento. O livreto é uma pequena
mostra/fruto dos saberes partilhado durante a atividade. Destaco também que devido
falta de leituras e domínio com relação ao gênero proposto, fizeram-me ofertar um
trabalho muito limitado, mesmo sem ter embasamento teórico esta atividade
proporcionou aprendizados significativos, pois pude aprender na pratica o quanto é
relevante o trabalho com o gênero proposto.
Através dessa experiência vivenciada, analise desses momentos e um estudo
mais intenso com teóricos gabaritados no tema aqui abordado destaco que à construção
desse trabalho proporcionou-me ampliar o conhecimento a cerca do gênero poético e
vencer meus próprios desafios, as leituras realizadas durante a realização deste estudo
fizeram-me compreender a importância em propormos atividades com o gênero literário
na sala de aula e querer adota-lo em minha pratica docente.
Com relação ao lugar dos textos poéticos na escola Carlos Marighella chegamos
a conclusão que eles tem ocupado um lugar significativo nas aulas de linguagens e
códigos, devido à proposta de ensino implantada desde 2015 a escola passou a dá um
tratamento mais altivo, além do projeto foi possível verificar essa firmação no plano de
aula da professora de língua portuguesa do segundo seguimento do ensino fundamental
da instituição já referida.
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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