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G PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO:
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G MÚLTIPLAS ABORDAGENS
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Elaine Moral Queiroz
Ligia A. Vercelli
(Org.)
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Z

V. 8
UNINOVE - USO EXCLUSIVO PARA ALUNO

Universidade Nove de Julho – UNINOVE


Rua Vergueiro, 235/249 – 11º andar
01504-001 – Liberdade - São Paulo, SP
Tel.: (11) 3385-9218 – editora@uninove.br
Pedagogia de A a Z
volume 8

Psicologia da educação:
UNINOVE - USO EXCLUSIVO PARA ALUNO

múltiplas abordagens

Elaine Moral Queiroz


Ligia A. Vercelli
(Org.)

São Paulo
2016
2016 UNINOVE
Direitos exclusivos no formato e-book cedidos à UNINOVE pela Paco
Editorial. A reprodução desta publicação, no todo ou em parte, constitui
violação do copyright (Lei nº 9.610/98). Nenhuma parte desta publica-
ção pode ser reproduzida por qualquer meio, sem a prévia autorização
da UNINOVE.

Os conceitos emitidos neste livro são de inteira responsabilidade do autor

Conselho Editorial Eduardo Storópoli


Maria Cristina Barbosa Storópoli
Patricia Miranda Guimarães
UNINOVE - USO EXCLUSIVO PARA ALUNO

José Carlos de Freitas Batista

Capa: UNINOVE / Big Time Serviços Editoriais


Editoração eletrônica: Big Time Serviços Editoriais

Catalogação na publicação (CIP)


Cristiane dos Santos Monteiro – CRB/8 7474
--------------------------------------------------------------------------------------------------------
Psicologia da educação : múltiplas abordagens / Elaine Moral Queiroz, Ligia A. Vercelli
organizadores. — São Paulo : Universidade Nove de Julho – UNINOVE, 2016.
216 p. il. — (Pedagogia de A a Z ; v. 8)

Inclui bibliografia
ISBN: 978-85-89852-40-1 (e-book)

1. Psicologia da educação. 2. Organizadores. I. Série.

CDU 37.015.32
--------------------------------------------------------------------------------------------------------
Sumário

Apresentação.........................................................................5

Capítulo 1
O Surgimento da Psicologia: Breve Histórico.................9
Jussara Moreira Pilão

Capítulo 2
Ciência e Senso Comum: Um Desafio para a Pedagogia....27
Rosileny Alves dos Santos Schwantes
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Capítulo 3
As Concepções de Desenvolvimento Humano
e suas Repercussões no Cotidiano Escolar......................39
Ligia A. Vercelli

Capítulo 4
Dr. Piaget, Muito Prazer....................................................61
Sylvia Paula de Almeida Torres Vilhena

Capítulo 5
Compreendendo o Processo de Desenvolvimento
Humano: As Contribuições da Psicologia
Sócio-Histórica de Vygotsky.............................................89
Margarete Mota

Capítulo 6
Henri Wallon: A Psicogênese da Pessoa Completa.......103
Regiane Rodrigues de Moraes
CApítulo 7
teoria de Aprendizagem Significativa
de David paul Ausubel......................................................125
Doralice Bortoloci Ferreira

CApítulo 8
Inteligências Múltiplas: um olhar na Educação.........149
Elaine de oliveira Carvalho Moral Queiroz

CApítulo 9
A Contribuiçao da psicanálise para a Educação............165
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Joel Santos de Abreu

CApítulo 10
Eric Erikson e as oito Idades do Homem.......................189
Rita Sibele Detilio
Sandra Regina Soares Pereira

os autores..........................................................................207
APRESENTAÇÃO
A interlocução entre psicologia e Educação há muito tem-
po é tema de debates entre os profissionais que trabalham com
formação de professores. Historicamente, a disciplina psicologia
da Educação é uma das áreas de conhecimento que sempre di-
recionou a prática pedagógica, por isso, tem papel importante
no currículo básico das licenciaturas. Ela oferece aos professores
subsídios para que possam entender de forma mais abrangente o
desenvolvimento humano e o processo de ensino aprendizagem
do aluno sob diferentes ângulos, já que apresenta diversos refe-
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renciais teóricos, com objetos e metodologias próprios.


o livro Psicologia da Educação segue nessa direção, apresentando
contribuições para o fazer pedagógico do professor, uma vez que ofe-
rece reflexões acerca de diferentes teóricos da psicologia que podem
iluminar a práxis cotidiana. Dessa forma, o volume possui dez ca-
pítulos que foram escritos por diferentes autores aqui apresentados.
No primeiro capítulo, “o surgimento da psicologia: breve
histórico”, Jussara Moreira pilão destaca a importância do co-
nhecimento da constituição da psicologia pré-científica e cientí-
fica, refletindo sobre alguns dos principais pressupostos que dão
apoio ao ensino da disciplina psicologia da Educação. Sintetiza
abordagens teóricas e históricas sobre o tema com possibilidades
de entendimento da história da psicologia.
No segundo capítulo, “Ciência e senso comum: um desafio
para a pedagogia”, Rosileny Alves dos Santos Schwantes apresenta
alguns conceitos sobre senso comum e ciência. Incialmente, mos-
tra a origem da expressão “senso comum”, passando pelo desven-
dar de uma realidade cotidiana. Em seguida, investiga o fenômeno
como forma de se fazer ciência. também aborda como se faz ciên-
cia na pedagogia e a relação existente entre ciência e senso comum.
No terceiro capítulo, “As concepções do desenvolvimento
humano e suas repercussões no cotidiano escolar”, ligia de Car-
valho Abões Vercelli apresenta as diferentes concepções de de-

5
Elaine Moral e Ligia Vercelli

senvolvimento humano (inatista, ambientalista e interacionista)


e suas correntes teóricas e como cada uma repercute no cotidiano
escolar. Cada concepção entende o homem de uma forma dife-
rente e oferece subsídios de como a escola pode trabalhar com o
aluno e, consequentemente, como determina a aprendizagem. O
texto fornece embasamento teórico para que o professor possa
avaliar as diferentes concepções e delas extrair elementos que po-
derão dar suporte à prática pedagógica.
No quarto capítulo, “Dr. Piaget, muito prazer”, Sylvia Paula
de Almeida Torres Vilhena inicia o texto com uma breve apresen-
tação biográfica de Jean Piaget. Em seguida explica as bases dos
pressupostos teóricos da epistemologia genética, teoria criada pelo
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autor que no campo da educação, em aplicações na Pedagogia, é


nominada como construtivismo. Também busca aproximar alguns
dos focos de suas pesquisas a possíveis implicações da prática peda-
gógica. Por fim, destaca pontos para uma reflexão sobre o impacto
político de uma educação construtivista no século XXI.
No quinto capítulo, “Comprendendo o processo de desen-
volvimento humano: as contribuições da Psicologia Sócio-His-
tórica de Vygotsky”, Margarete Mota apresenta algumas contri-
buições de Lev Semenovich Vygotsky para o entendimento do
desenvolvimento humano a partir do pressuposto cunhado pelo
autor de que a cultura se integra ao homem pela atividade cere-
bral estimulada pela interação entre parceiros sociais e mediada
pela linguagem. O texto está estruturado enfocando o pensa-
mento central de que o desenvolvimento é baseado na visão de
um organismo ativo, sendo construído em um contexto que é
histórico-social.
No sexto capítulo, “Henri Wallon: a psicogênese da pessoa
completa”, Regiane Rodrigues de Moraes expõe aspectos gerais
da teoria de Henri Wallon estabelecendo uma aproximação com
a prática docente. Aborda os conceitos de afetividade, tema cen-
tral desta teoria, conjunto funcional e a visão de desenvolvimen-
to humano defendida por Wallon. Aponta como este autor bus-

6
Psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

cou compreender a origem do psiquismo humano, sua formação


e transformação ao longo do processo de desenvolvimento.
No sétimo capítulo, “Teoria de aprendizagem significativa
de David Paul Ausubel”, Doralice Bortoloci Ferreira aborda a
teoria da aprendizagem significativa de Ausubel, que propõe que
os conhecimentos trazidos pelos alunos sejam valorizados. Para
que isso ocorra, é necessário que o aluno tenha disposição em
aprender e, além disso, que o conteúdo a ser estudado seja po-
tencialmente significativo para ele e não apenas memorizado de
forma arbitrária. Aponta que o educador tem papel importante
para que a aprendizagem significativa ocorra.
No oitavo capítulo, “Inteligências múltiplas: um olhar na
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educação”, Elaine de Oliveira Carvalho Moral Queiroz apresenta


a teoria sobre as “Inteligências Múltiplas”, ideia divulgada pelo
cientista norte-americano Howard Gardner. O texto se inicia
com um breve histórico a fim de entendermos a proposta acerca
da teoria de Gardner, assim como sua trajetória de pesquisa sobre
as “Inteligências Múltiplas”. Em seguida, a autora expõe as nove
inteligências estipuladas por Gardner. É tecida a reflexão sobre
uma nova visão de educação imbuida de um novo olhar meto-
dológico, concebendo as inteligências como inter-relacionadas e
com possibilidades de existência de diferentes perfis intelectuais.
No nono capítulo, “A contribuição da psicanálise para a
educação”, Joel Santos de Abreu aborda determinados aspectos
sobre o processo de ensino aprendizagem à luz de alguns concei-
tos psicanalíticos. Aponta que a cultura vem tecendo o histórico
percurso civilizatório e que as instituições educacionais, consti-
tuídas no propósito de cumprir importante papel nesse processo,
deveriam promover experiências positivas, mas, infelizmente, a
priorização da formalidade em detrimento da espontaneidade
costuma frustrar o ideal esperado.
No décimo capítulo, “Eric Erickson e as oito idades do ho-
mem”, Rita Sibele Detilio e Sandra Regina Soares Pereira fazem
um breve histórico da vida de Eric Erickson e descrevem as oito

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Elaine Moral e Ligia Vercelli

idades do homem descritas por ele. Eric Erickson, autor da teo-


ria psicossocial, define o desenvolvimento humano como resul-
tado da integração das características inatas e das influências do
meio ambiente.
Esperamos que esses textos suscitem discussões e que os lei-
tores, principalmente os universitários, futuros docentes, possam
discuti-los com seus professores em sala de aula, pautados em
situações reais vivenciadas na escola. A educação tal como se
encontra atualmente merece ser repensada e analisada à luz das
contribuições oferecidas pelas diferentes áreas do conhecimento,
entre elas, a Psicologia da Educação.
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Elaine de Oliveira Carvalho Moral Queiroz


Ligia de Carvalho Abões Vercelli
(orgs.)

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CAPÍTULO 1
O SURGIMENTO DA PSICOLOGIA:
BREVE HISTÓRICO
Jussara Moreira Pilão

introdução

o tema aqui contemplado não é novo. Muitos outros pes-


quisadores já o apresentaram, trazendo diferentes formas de
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compreensão sobre o assunto, alguns gerando polêmicas que vi-


vificam o estudo.
No entanto, acreditamos que a retomada do tema tem valor
pela interveniência de outro sujeito-reflexivo além do contexto
em que situa esse novo estudo, pelas suas formas peculiares de
elaborar e reelaborar um conhecimento.
Se o que está acontecendo hoje no campo da psicologia é
uma construção a partir do que aconteceu no passado – e é
crível essa hipótese – nada mais coerente do que se fazer uma
reflexão histórica e entender quais as relações dessa ciência
com a Educação.
É sabido que muitos pesquisadores escolhem variadas
linhas de estudo: só para se ter uma ideia, alguns seguem a li-
nha behaviorista ou, ao contrário, dedicam-se a estudar as fun-
ções cognitivistas em meio a tantas outras vertentes. o único
ponto em comum, que é consenso entre os estudiosos, é, sem
dúvida, o da constituição histórica do conhecimento a que
se dedica aprofundar. Concordamos com Schultz e Schultz
(2011, p. 2), quando afirmam que “a única linha de trabalho
que une essas áreas e esses tratamentos distintos para formar
um contexto coerente é a história, ou seja, a evolução da psi-
cologia ao longo do tempo (...)”.

9
Jussara Moreira Pilão

Assim, o entendimento da Psicologia em nossos dias passa


pelo entendimento de sua história. As atuais tendências, os con-
flitos, as contribuições, os dilemas e as perspectivas futuras são
importantes para contextualizar uma área do conhecimento.
Portanto, a evolução dos estudos em Psicologia está relacio-
nada à evolução mais geral das sociedades humanas, em sua di-
namicidade e heterogeneidade, ou seja, na própria situação de
constante movimento.
Quanto ao ensino, baseia-se no fato de que um processo de
formação – seja ele em Psicologia ou não – ocorre geralmente
de acordo com a concepção que se tem sobre a área do conhe-
cimento que se propõe estudar e ensinar; aprender e apreender.
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Essas concepções têm a ver com modos de vida em cada tempo


e espaço, gerando princípios filosóficos, éticos e metodológicos
que orientam teorias científicas e práticas profissionais.
Então, uma retrospectiva histórica das principais contribui-
ções da Psicologia pode auxiliar na compreensão das suas rela-
ções com a Educação, uma vez que o entendimento da Psicologia
passa necessariamente pela sua constituição em um determinado
contexto histórico.
Ainda que sintética, a relevância da retrospectiva histórica
pode ser atribuída, entre outros fatores, à importância da cons-
ciência histórica sobre as explicações dos comportamentos hu-
manos que inúmeros estudiosos (sejam filósofos, psicólogos ou
educadores) atribuíram ou atribuem a uma ciência.
Muitas escolas de pensamento desenvolveram-se ao longo da
história da Psicologia. Cada uma delas surgiu em contextos espe-
cíficos, com maneiras diferenciadas de conceber seu objeto. Mas
não se pode deixar de considerar que uma nova forma de pensar
acaba por utilizar a anterior como modelo, como base, seja para
dar-lhe continuidade, seja para contrapô-la.

10
Psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

1. Aspectos históricos da constitui-


ção da Psicologia como área de co-
nhecimento

No que se refere à Psicologia, vamos dividir seus estudos


em dois grandes momentos: o primeiro trata de uma Psicolo-
gia ainda subliminar, que necessita de interpretação pessoal que
denominamos de pré-científica; o segundo aborda os estudos e
pesquisas da área que chamamos de Psicologia científica.
Já na Grécia Antiga, existiam textos que sinalizavam uma
Psicologia, e aspectos desse estudo também aparecem durante a
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Idade Média e o Renascimento (SCHULTZ; SCHULTZ, 2011;


PALMER, 2005; BROZEK; MASSINI, 1998; GOODWIN,
2005). Desse modo, embora a Psicologia tenha iniciado sua ca-
minhada verdadeiramente científica somente em fins do século
XIX, não é errado afirmar que ela pode (e deve) ser observada
desde a Antiguidade, a partir de formas específicas de se pensar
o homem em sua relação com o mundo e com o conhecimento:
porque indagações a respeito de suas atitudes, seus pensamentos
ou sentimentos estão sempre presentes nas reflexões humanas.
A Psicologia foi sendo produzida ao longo dos séculos, in-
tegrada a outras áreas do conhecimento e a interesses diversos,
muito antes de adquirir autonomia e status científicos. As preo-
cupações com as questões psicológicas não são recentes: desde a
era pré-socrática já se notavam inclinações para definir o homem
em relação ao mundo por meio de suas percepções (PALMER,
2005). Mas, nesse período, as questões presentes giravam mais
em torno da existência do mundo; os pensadores que antece-
deram Sócrates se perguntavam se o homem via um mundo já
existente. A partir de Sócrates (469-399 a.C.), autores admitem
que a Psicologia começa a ganhar consistência. A preocupação
de Sócrates nesse aspecto era com o limite entre o homem e o
animal irracional. Para ele, a principal característica do homem

11
Jussara Moreira Pilão

era a razão. Via a razão como essência humana. Pode-se dizer que
é com Sócrates que têm início as teorias da consciência. Den-
tre seus postulados, o que podemos relacionar a algum indício
de preocupação com a “Psicologia da Educação” é a defesa da
maiêutica, ou seja, o “parto” das ideias (PESSANHA, 1999).
Em Sócrates, a Psicologia, a Psicologia da Educação e a Educa-
ção são inseparáveis (PILÃO, 2002). Ele legitima a Psicologia ao
afirmar “conhece-te a ti mesmo”, que é, ao mesmo tempo, a base
de uma Psicologia e um princípio pedagógico.
Segundo Platão (427-344 a.C.), a cabeça concentra a alma hu-
mana que, no entanto, era concebida por ele como separada do res-
tante do corpo e assim, para toda criança, deveria ser dado o direito
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de aprender a pensar e, para tanto, teria de participar desde cedo do


estudo sobre como alcançar as ideias (PESSANHA, 1979).
Aristóteles (284-322 a.C.), por sua vez, acreditava que a alma
e o corpo não podiam ser dissociados. Pensava que a psiché era
o princípio ativo da vida, uma vez que tudo que nasce cresce,
alimenta-se, reproduz-se e possui alma. Pode-se atribuir a ele o
primeiro estudo das diferenças entre a razão, a percepção e as
sensações. Esse estudo originou o tratado que ficou conhecido
como “De anima”. Nele, tem início uma trajetória em direção à
Psicologia com preocupações evidentes acerca da educação em
sentido mais amplo (PESSANHA, 1978).
De modo muito geral, ao serem observados os principais
pensamentos gerados na Antiguidade, é possível identificar o ho-
mem como um ser pensado abstratamente, ou seja, que ele seria
eminentemente passivo diante da complexidade do cosmo.
A Idade Média foi marcada pelo domínio da Igreja Católica.
Assim, como aborda Palmer (2005), o conhecimento em geral
estava relacionado ao conhecimento religioso. Alguns dos prin-
cipais representantes do pensamento dessa época foram Santo
Agostinho (354-430) e São Tomás de Aquino (1225-1274).
Santo Agostinho tem suas bases em Platão. Para ele, assim
como para Platão, existia estreita relação entre corpo e alma.

12
Psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

Essa última era a manifestação divina do homem físico. A alma,


diferentemente do corpo, foi considerada por Santo Agostinho
imortal e um elo de ligação entre o homem e Deus. São Tomás
de Aquino por sua vez, adere aos conhecimentos aristotélicos.
Tinha profunda preocupação com a distinção entre a essência e a
existência. A busca da perfeição pelo homem era a própria busca
de Deus. Como um fiel religioso de seu tempo, São Tomás de
Aquino, garantia o monopólio da Igreja no estudo do psiquismo
humano (PALMER, 2005; GOODWIN, 2005).
Na Era Cristã, o homem estava subordinado a uma ordem
divina, em que a moral apresentava-se fundamentada em Deus.
Portanto, a visão de mundo, que na Antiguidade era cosmocên-
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trica, passa a ser teocêntrica, porque a verdade encontrava-se, se-


gundo os pensadores dessa época, também fora do homem – não
no cosmo, mas sim em Deus.
Para compreender o homem e educá-lo, só integrando-o
a Deus. Muitos textos desse período evidenciam essa preocu-
pação, tendo um eixo que podemos denominar teopsicológico
(FREITAS, 2002).
Mais tarde, a transição do Feudalismo para o Capitalismo
veio em decorrência de profundas transformações econômicas e
socioculturais e, dentre elas, pode-se destacar a valorização do
homem; uma nova forma de organização econômica e social; e
significativos avanços nas artes, nas tecnologias e nas ciências. Só
para ilustrar, em 1543 Copérnico postulava que a Terra não era o
centro do universo e, em 1610, Galileu demonstrava, empirica-
mente, as primeiras experiências da Física moderna. Na Filosofia,
Descartes (1596-1659) introduziu os conceitos de “reflexo” e de
“consciência” em seus tratados teóricos, considerando a existên-
cia da matéria e da alma como substâncias distintas, contrapostas
e independentes. A consciência era chamada por ele de “cogito”
e essa foi sua mais expressiva colaboração para o que se poderia
identificar como Psicologia (DESCARTES, 1999). A autocons-
ciência humana foi preocupação presente nessa área. As especula-

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Jussara Moreira Pilão

ções e os estudos sobre o homem, seu significado, seu pensamento


e seus comportamentos perpassam esse período, constituindo-se
um verdadeiro embrião para as preocupações com a subjetivida-
de humana e seus consequentes (PILÃO, 2002).
Assim, Espinoza (1632-1677) buscou, com sua obra, supe-
rar o dualismo de Descartes (corpo-alma). Para esse autor, a alma
era a ideia do corpo. Sua visão sobre o ser do homem era natu-
ralista e, dessa forma, o homem consistia em um modo finito da
substância infinita que, constantemente, está submetido às leis
da natureza. Ele afirmava que a Psicologia deveria compreender
as ações humanas; considerava que a mente era constituída de
uma associação de ideias que seguiam leis fixas, como a geome-
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tria. A Psicologia estava sob a submissão dessas leis rígidas e sob a


objetividade da matemática (DESCARTES,1999).
Vale destacar que a grande contribuição da obra de Espinoza
foi postular o monismo de duplo aspecto, em contraposição ao
dualismo interacionista de Descartes, que dará base a diferentes
concepções da Psicologia em Educação, influenciando teóricos
os mais diversos (HUENEMANN, 2010).
Sob esses referenciais, começa a ser delineada a era científica
da Psicologia. A era Moderna (ou o Renascimento) marcou uma
nova visão na qual o homem passou a ser visto como o centro do
conhecimento; como tendo amplas possibilidades de dominar a
natureza para o seu próprio benefício e fazer escolhas. A moral
estava, então, fundamentada no homem; sua visão passa a ser
antropocêntrica, negando definitivamente o pensamento aris-
totélico. A verdade encontrava-se na razão, na relação homem-
-mundo, sujeito-objeto.
Vale ressaltar que a era pré-científica da Psicologia – produto
da própria história do homem em suas relações e indagações, desde
os povos da Grécia Antiga até a Era Moderna – evidencia a grande
preocupação com a origem e o respectivo significado do homem e
com esse homem em relação ao mundo que o cerca. Essa preocu-
pação reflete-se nos estudos filosóficos, na arte, na literatura e na

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Psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

religião, constituindo e consolidando conhecimentos a partir do


senso comum até chegar a elaborações lógicas, articuladas e, mais
tarde, à verificação empírica (GOODWIN, 2005).
Já em meados do século XVIII, a Psicologia promove seus
primeiros ensaios científicos independentes. Mas não se pode ne-
gar que a produção da sua autonomia como ciência teve como
sustentação as ideias de filósofos que mostraram preocupação e
trataram de questões que, tipicamente, vão constituir o campo
da Psicologia e que são relacionadas à subjetividade humana ou
ao comportamento do homem em situações diversas. A transi-
toriedade entre pré-ciência e ciência perdurou até meados do
século XIX, quando a Psicologia ainda era tida como um ramo
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da filosofia, mas então já incorporando elementos de explicação


objetiva e embasada em dados externos ao homem.
Schultz e Schultz (2011), ao estudarem as origens da Psi-
cologia, mostram as várias possibilidades e dizem que foi só a
partir do século XIX, que ela se torna independente, com “(...)
métodos de pesquisa distintos e fundamentação teórica. Embora
seja verdade, como já observamos, que os filósofos (...) se preocu-
pavam com problemas que ainda hoje são de interesse geral (...)”
(SCHULTZ; SCHULTZ, 2011, p. 4). Embora de maneiras di-
versas e muito distintas das que sabemos hoje, uma vez que eram
filósofos e não psicólogos.
A Psicologia vai tornando-se científica à medida que começa
a se desprender da Filosofia e a apresentar-se como campo autô-
nomo. Dentre os fatos significativos que marcam esse momento,
podemos destacar discussões e demarcações quanto à definição
do objeto de estudo (comportamento, vida psíquica, consciên-
cia); quanto à delimitação do campo de estudo; quanto aos mé-
todos específicos de estudo; e quanto à formulação de teorias
específicas para essa classe de estudos.
Weber (1705-1778) é um desses demarcadores, explican-
do o psíquico a partir das sensações visuais e táteis. Em seus
ensaios, Herbart (1776-1841) também já procurava por leis

15
Jussara Moreira Pilão

científicas da Psicologia. Seu princípio básico era a experiência


e ele tentou aplicar conhecimentos matemáticos ao estudo da
vida psíquica; teve grandes preocupações em aplicar também os
conhecimentos da Psicologia à Educação; e defendia a forma-
ção do caráter de maneira estruturada, que orientaria o com-
portamento do homem para a vida social. Segundo esse autor,
o indivíduo teria condições de construir, por si só, um caráter
sadio, equilibrado e coerente. O papel da Psicologia para ele
era, em última instância, o de apontar os meios necessários para
que os objetivos da Pedagogia fossem alcançados pela filosofia
moral (SCHULTZ; SCHULTZ, 2011).
Vale citar ainda Fechner (1832-1920), que amplia o pensa-
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mento de Weber implementando um método aos estudos dos


domínios visuais e táteis, chegando ao estudo da percepção. Pon-
to importante de seu pensamento foi a formulação da Lei de
Fechner-Weber (1860), baseada nos estudos da relação entre es-
tímulo e sensação (SCHULTZ; SCHULTZ, 2011).
Alguns estudos de suma importância contribuem, no século
XIX, para o avanço na área do conhecimento do ser humano e
provocam também a aceleração da aceitação da Psicologia como
área de conhecimento científico. Esses estudos são referentes à
Neurologia e à Neuroanatomia. Teorias sobre o sistema nervo-
so central, além de estudos sobre os mecanismos e o funciona-
mento do cérebro, foram decisivos para a comprovação de que
o pensamento, as percepções e os sentimentos humanos eram
produtos desse sistema.
Admite-se que a Psicologia Científica tenha nascido na Ale-
manha e crescido rapidamente nos Estados Unidos. Dentre os
seus principais representantes, em fins do século XIX, destacam-
-se, além de Weber e Fechner, Wilhelm Wundt, Edward B. Ti-
tchener e William James. Os dois últimos trabalharam juntos na
Universidade de Leipzig, na Alemanha, onde Wilhelm Wundt
(1832-1926) funda o primeiro laboratório psicológico para ex-
perimentos em Psicofisiologia, em 1879. Ele é considerado, por

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Psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

isso, o pai da Psicologia Científica (PALMER, 2005; SCHULTZ;


SCHULTZ, 2011; GOODWIN, 2005).
Em seu laboratório, Wundt desenvolve estudos sobre os fe-
nômenos mentais como correspondentes aos fenômenos orgâ-
nicos e cria um método: o introspeccionismo, que visa a explorar
a mente do indivíduo. Com seus estudos, Wundt deu um ver-
dadeiro salto na constituição da Psicologia como ciência. Para
Wundt, a Psicologia era o principal centro de interesse, e a expe-
rimentação, o método de investigação. Parece que esse autor não
mostrava preocupações com a área pedagógica, tampouco com o
desenvolvimento infantil (BRINGMANN; UNGERER, 1998).
Segundo Manacorda (2006), o primeiro pesquisador nessa
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área a se preocupar efetivamente com a área pedagógica pode ter


sido Pavlov, que realizou estudos científicos sobre os processos de
aprendizagem a partir dos reflexos condicionados.
No fim do século XIX e no início do XX, grandes progressos
ocorrem no que tange aos estudos e às descobertas na área da
Psicologia, notoriamente, na Psicologia do Desenvolvimento e
na Psicologia Infantil.
Francis Galton (1822-1911) destaca-se nesse trajeto pelas suas
estimáveis contribuições no que diz respeito aos problemas da he-
rança mental e em estudos sobre as diferenças individuais na capaci-
dade do homem. Foi com Galton que esses assuntos passaram a ser
objetos de estudo necessários na Psicologia: o que antes eram apenas
tentativas isoladas são sistematizados por Galton e, ainda, diferente-
mente de Wundt e Titchener, Galton considera esses estudos partes
integrantes da Psicologia (SCHULTZ; SCHULTZ, 2011).
Ainda de acordo com esses autores, destaca-se também Ja-
mes Mackeen Cattel (1860-1944) como fundador e estudioso
do movimento dos testes psicológicos, mensurando as diferenças
individuais, influenciando a Psicologia com o desenvolvimento e
o uso de testes mentais para medir essas diferenças.
Paralelamente, apresentam-se outros teóricos com estudos
significativos, como Granville Stanley Hall (1844-1924), um dos

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Jussara Moreira Pilão

primeiros psicólogos a dar contribuição importante à Psicologia


Educacional, pregando a crença na evolução de problemas do
desenvolvimento humano. Ele defendia a pesquisa e a necessi-
dade dela mais do que o próprio ensino, tanto que é fundador
de revistas de renome em se tratando de divulgação de estudos
e pesquisas na área da Psicologia, como o American Journal of
Psychology (SCHULTZ; SCHULTZ, 2011).
Já adentrando o século XX, cabe lembrar o papel de Binet,
Terman e Watson. Binet (1857-1911) aparece como organizador
da Psicologia Experimental e elaborador das escalas métricas para
classificar indivíduos por determinação da idade mental; Terman
(1912) acrescenta a esses estudos o conceito de quociente intelec-
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tual; e, finalmente, Watson (1878-1958) fundamenta suas desco-


bertas no conhecimento dos comportamentos humanos, uma vez
que, para ele, era impossível conhecer-se objetivamente a consciên-
cia. É dele a nova proposta aos estudos psicológicos, conhecida até
hoje como behaviorismo e que trata de conhecer o comportamento
humano, e não mais a consciência como até então. Sua proposta
tinha como objetivos centrais prever, controlar, manipular, sele-
cionar e orientar condutas para um processo adaptativo ideal do
indivíduo ao seu meio social (GOODWIN, 2005).
Historicamente pensando e de acordo com Patto (1987), todo
o desencadeamento de teorias, experimentos e modos de conceber
a Psicologia mostram como ela está voltada, teórica e praticamente
falando, para atender aos interesses dominantes da época. Isso equi-
vale a dizer que ela torna-se instrumento da sociedade capitalista,
uma vez que pretende selecionar, orientar e adaptar o indivíduo à
sociedade, visando ao aumento da produtividade. Segundo a auto-
ra, é sobre a égide do avanço do capitalismo e com o surgimento
das máquinas e das fábricas que a Psicologia vai ganhando status de
ciência. Seu perfil, no início do século XXI, está dentro desse con-
texto social com novas necessidades, conflitos, problemas, relações,
modos de vida e busca de soluções e orientações. Por isso mesmo,
ao lado da psicologia de soluções para o comportamento humano

18
Psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

e a educação, há também uma psicologia dos dilemas, das angús-


tias e do dialeticismo no desenvolvimento humano. Mas a área da
Educação é, nesse momento, absorvida pela primeira vertente.
Dessa forma, pode-se inferir que a Psicologia surge como área
científica em um momento de grande transição nas situações hu-
manas, graças às novas realidades de trabalho e de convivência
social. De modo geral, predominou nesse período (permanece
até hoje) a interpretação de que era necessária uma ciência que
tivesse condições de diagnosticar as aptidões individuais para as
novas funções sociais que surgiam. Cabia à Psicologia a elabora-
ção de alguns instrumentos que fossem precisos para controlar
e antever as possibilidades e os limites da percepção do homem
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(FREITAS, 2002).
Conforme Freitas (2002), os primeiros conhecimentos cien-
tíficos em Psicologia da Educação devem-se aos resultados da in-
vestigação experimental da Psicologia. O enfoque dos estudos,
no início do desenvolvimento da Psicologia da Educação, deu-se
fundamentalmente na aprendizagem, nas diferenças individuais
e no desenvolvimento, fazendo parte de uma corrente conhecida
como Psicologia Objetivista.

(...) a Psicologia objetivista (...) vê a pessoa como algo que


pode ser observado e compreendido a partir de seus compor-
tamentos exteriores. Tem aí grande importância o ambiente
que a condiciona e a controla mecanicamente. A Educação,
nesse sentido, se reduz à manipulação de estímulos ambien-
tais que levam a respostas desejáveis. (FREITAS, 2002, p. 58)

De um lado, manipulação de comportamentos; de outro,


medidas das capacidades mentais, das atitudes, das aptidões,
dos interesses, etc. A psicometria começa sua construção e ga-
nha grande importância, inclusive para a afirmação da cientifi-
cidade da Psicologia.

19
Jussara Moreira Pilão

Esse fato pode ser notado na tendência tecnicista que se de-


senvolve na Educação, em que os testes ganham vulto e passam
a ser utilizados para o planejamento do ensino em sala de aula.
Nessa direção, embora com outra conotação, foram de grande
importância os experimentos de Skinner que, em seus trabalhos
iniciais, via na Educação um processo de alteração de comporta-
mentos por meio de reforços.
Paralelamente à corrente objetivista, outra perspectiva que
se apresentava aos estudos de Psicologia no período foi rotulada
de Subjetivismo.

A Psicologia subjetivista, partindo da concepção de homem


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como ser autônomo e livre, não determinado pelo ambiente


social, vê como função do processo educativo a facilitação
de situações favoráveis ao desenvolvimento pleno do edu-
cando, baseado em suas tendências e predisposições natu-
rais. (FREITAS, 2002, p. 61-2)

Dessa forma, podemos dizer que as correntes subjetivistas en-


caram a possibilidade do conhecimento como anterior à experiên-
cia. O sujeito que conhece é visto em si mesmo, e não no contexto
social, sendo ele o fator decisivo e primordial para a concepção
daquilo que conhece ou quer conhecer. Kant (1724-1804) inves-
tigou a razão no conhecimento humano e acreditava que as ideias
situavam-se na consciência individual. Segundo ele, esse conhe-
cimento ocorre pela sensibilidade em que os objetos são dados e
pelo entendimento com que os objetos são pensados. Esses dois
elementos unem-se e dão ao sujeito a possibilidade de uma cons-
trução individual de conhecimento que, em última instância, está
no sujeito, e não na realidade em si (PALMER, 2005).
Cabe lembrar, ainda na fase pioneira do estabelecimento
da Psicologia como área de ciência, a contribuição de Frans
Brentano (1838-1917). É dele a proposta de um estudo do ato
mental e da noção de intenção. Suas pesquisas centravam-se no
fato de que era preciso diferenciar fenômenos físicos de fenô-

20
Psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

menos psíquicos, o que demarca diferencialmente o campo da


Psicologia. Husserl (1859-1938), tendo como ponto de partida
os trabalhos de Brentano, vem acrescentar forças à valorização
do estudo da consciência. É com ele que nasce a corrente fe-
nomenológica existencial que terá longo curso na Psicologia
(SCHULTZ; SCHULTZ, 2011).
Como se pode perceber, a Psicologia constrói-se em dife-
rentes perspectivas, coexistindo, com dominância de uma ou
outra vertente, na dependência do contexto. A busca de uma
definição sobre o objeto da Psicologia veio, pois, oscilando en-
tre bases iminentemente filosóficas com métodos interpretati-
vos e bases científicas calcadas em métodos explicativos, como
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nas ciências naturais.


É por volta de 1910 que teorias com grandes proximidades à
Psicologia da Educação começam despontar, como a psicologia
da Gestalt, tendo como referenciais os estudos de Köffka (1886-
1941), Wertheimer (1880-1943) e Köhler (1887-1967). Essas
propostas acentuam o valor do sujeito, realçando sua natureza
individual. É importante ressaltar que os gestaltistas considera-
vam e reconheciam a experiência imediata; eles também estabele-
ciam relações dessa experiência com a natureza física e biológica e
contexto sociocultural (SCHULTZ; SCHULTZ, 2011).
Trabalhos surgem contrapondo-se ao mecanicismo associa-
cionista, “(...) opondo-se à manipulação da psicologia da conduta
e ao atomismo psicológico das mensurações de aptidões, impôs-se
na psicologia uma linha humanista” (FREITAS, 2002, p. 61).
Nessa perspectiva, já em meados do século XX, grande im-
pacto é trazido para a Psicologia e para a Psicologia da Educação
pela obra de Carl Rogers (1902-1987), graças à sua teoria da per-
sonalidade que considera o indivíduo como centro do processo
educativo e esse era, segundo Rogers, um recurso facilitador de
autorrealização. Essas ideias originaram-se de sua peculiar pro-
posta de compreensão dos homens, de suas personalidades e de
sua terapia (AUSUBEL; NOVAK; HANESIAN, 1980).

21
Jussara Moreira Pilão

Na esteira do desenvolvimento dos estudos sobre as apren-


dizagens humanas, surge a Psicologia Cognitivista. Um dos
nomes mais respeitados no âmbito de pesquisas e relações en-
tre cognição e ensino nesse período, é David Ausubel. Sua
teoria está baseada na aprendizagem significativa, ou seja,
naquela que parte da compreensão e contrapõe-se ao ato de
decorar. Diz Ausubel:

Se eu tivesse que reduzir toda a psicologia educacional a um


único princípio, diria que o fator isolado mais importante
que influencia a aprendizagem é aquilo que o aprendiz já
conhece. Descubra o que ele sabe e baseie nisso os seus ensi-
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namentos. (AUSUBEL; NOVAK; HANESIAN, 1980, p. 8)

Nessa vertente, ao lado de Ausubel, Jerome Bruner é também


nome de destaque. Sua contribuição foi a de construir e estabele-
cer estágios definidos até chegar aos processos ditos maduros ou
adultos. No primeiro, o pensamento está baseado meramente nas
ações e é conhecido como atuante; no segundo, o uso das imagens
passa a ser bastante comum e é conhecido como icônico; o terceiro
inclui a linguagem e toda a sua complexidade e é o estágio sim-
bólico. De acordo com Bruner, o homem desenvolve e utiliza as
características desses estágios por toda a sua existência (BRUNER,
1990). Pelo exposto, é possível inferir que tanto Ausubel quanto
Bruner trabalham no âmbito das preocupações educacionais.
Teorias mais recentes trabalham com a aprendizagem a partir
da interação que os indivíduos estabelecem com o conhecimento,
com outros indivíduos e com o mundo. As abordagens mais im-
portantes dessa nova fase são as elaboradas por Jean Piaget (1896-
1980), Lev Seminovitch Vygotsky (1896-1934) e seus seguidores.
Piaget, abordando o estudo do pensamento infantil, propõe
uma teoria baseada em como a criança forma os conceitos a par-
tir de seu pensamento (PIAGET, 1952; PIAGET; INHELDER,
1976). Segundo Piaget, a criança desenvolve padrões de pensa-

22
Psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

mento como consequência da sua maturação, seguindo estágios


de desenvolvimento mais ou menos estáveis.
Vygotsky tem uma visão do desenvolvimento humano cal-
cado no organismo que constrói seu pensamento a partir das re-
lações que o mesmo estabelece com o meio ambiente que, por
sua vez, é histórico e social (DAVIS; OLIVEIRA, 2010). Esses
dois enfoques tiveram repercussões amplas na segunda metade
do século XX.
Podemos dizer que, até a década de 1950, resguardadas as ca-
racterísticas específicas de cada momento, atribui-se à Psicologia
a responsabilidade de encontrar os rumos da Educação. Só a par-
tir da década de 1950 percebe-se que, por mais contribuições que
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a Psicologia pudesse dar à Educação (e sabe-se que são inúmeras


e significativas em termos teóricos), na prática, os resultados al-
mejados não eram cumpridos. Muitos entraves e problemas eram
vivenciados pela Educação e a Psicologia não conseguia, por si
só, resolvê-los como se esperava.
Pelos motivos expostos e diante de várias e diferentes ver-
tentes apresentadas, pode-se afirmar que, nessa década, tem
início uma reflexão a partir das diversidades das pesquisas psi-
cológicas e suas respectivas aplicações na Educação. As difi-
culdades em se encontrar concordâncias entre os estudos até
aquele momento fazem surgir dúvidas sobre as verdadeiras e
efetivas contribuições que a ciência psicológica possa dar à
área educativa. As discussões já iniciadas na década de 1920
(Thorndike, 1874-1949), referentes à Psicologia da
Aprendizagem a partir de estudos sobre o comportamento,
intensificam-se no sentido de questionar até que ponto a psi-
cologia pode ou não contribuir para a Educação.
É por volta dos anos 1950 que temos a contribuição de ou-
tras disciplinas abalando o status da Psicologia nesse campo. Dis-
ciplinas como a Sociologia da Educação e as Teorias Políticas, en-
tre outras, surgem para questionar as responsabilidades de busca
de soluções para a Educação.

23
Jussara Moreira Pilão

Crescem as críticas sobre a efetiva contribuição da Psicolo-


gia para a Educação. Paralelamente, na década de 1970, além
das preocupações anteriores – estudo das medidas das diferenças
individuais, da aprendizagem, do crescimento e do desenvolvi-
mento humanos –, busca-se entender a partir da Psicologia Cog-
nitiva, quais as aplicações para a aprendizagem. Intensificam-se
os estudos das relações entre Psicologia da Educação e Psicologia
da Instrução com enfoques na cognição (STERNBERG, 2010).
Mas, as críticas quanto às colaborações da Psicologia para a
educação não são deixadas de lado. Durante os anos 1980, “ques-
tiona-se a utilidade de grande parte da pesquisa educativa, e, no
que concerne à psicologia da educação, põe-se em dúvida sua
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capacidade para fundamentar cientificamente a arte do ensino”


(COLL, 1996, p. 11).
Pelo exposto, percebe-se que a confiança depositada na Psi-
cologia, desde o início do século XX, para a resolução de pro-
blemas da Educação, não se efetiva. Atualmente, vivencia-se um
momento de reflexão sobre os fundamentos da Psicologia da
Educação, tentando identificar alternativas ou novas possibilida-
des, novos rumos para essa ciência.
É importante destacar que essa breve retrospectiva histórica
não teve a intenção de apresentar toda a complexidade histórica
com referência ao conhecimento em Psicologia. Pretendeu-se,
somente, pontuar alguns momentos e algumas abordagens que
se destacaram – e continuam em evidência – no campo da Psico-
logia e da Psicologia da Educação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pelo exposto, é possível afirmar que a visão da Psicologia, em


sua trajetória histórica, precisa levar em conta a complexidade do
estudo do próprio ser humano em seu contexto histórico-social.
Mas é evidente que ela, por si só, não dá conta de responder a
todas as referentes à complexidade humana.

24
Psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

A tarefa da Psicologia e de seus estudiosos continua. Desa-


fios não faltam. Problemas teóricos também não. O ensino dessa
disciplina situa-se neste embate e pesquisar sobre as questões que
nos são colocadas na atualidade, assim como buscar alternativas
viáveis para uma sociedade mais condizente com a nossa realida-
de histórico-social, por meio do entendimento do que ocorreu
no passado e vem ocorrendo no presente, pode ser o caminho
para os estudos e o ensino da Psicologia em nosso meio.

REFERÊNCIAS
AUSUBEL, D. P.; NOVAK, J. D.; HANESIAN, H. Psicologia
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Educacional. Rio de Janeiro: Interamericana, 1980.


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M. (orgs.). Historiografia da Psicologia Moderna. Versão Bra-
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COLL, César; PALACIOS, J.; MACHESI, A. Desenvolvimen-
to psicológico e Educação: Psicologia da Educação. v. 2. Porto
Alegre: Artes Médicas, 1996.
DAVIS, C.; OLIVEIRA, Z. Psicologia na Educação. São Paulo:
Ed. Cortez, 2010.
DESCARTES, René. Discurso do método. Coleção Os Pensa-
dores. São Paulo: Nova Cultural, 1999.
FREITAS, Maria T. de A. (org.). Vygotsky e Bakhtin – Psicolo-
gia e Educação: um intertexto. São Paulo: Ática, 2002.
GOODWIN, C. James. História da Psicologia Moderna. São
Paulo: Cultrix, 2005.
HUENEMANN, Charlie. Interpretando Espinoza. São Paulo:
Madras, 2010.

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Jussara Moreira Pilão

MANACORDA, M. A. História da Educação. São Paulo: Cor-


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PALMER, Joy A. 50 Grandes Educadores: De Confúcio a
Dewey. São Paulo: Contexto, 2005.
PATTO, M. H. S. Psicologia e ideologia: uma introdução críti-
ca à psicologia escolar. São Paulo: T. A. Queiroz, 1987.
PESSANHA, José A. M. Sócrates. Coleção Os Pensadores. São
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________. Tópicos de Aristóteles. Coleção Os Pensadores. São
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Paulo: Abril Cultural, 1983.


________. Diálogos de Platão. Coleção Os Pensadores. São
Paulo: Abril Cultural, 1979.
PIAGET, J. The origins of intelligence in children. Nova York:
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______; INHELDER, B. A Psicologia da criança. São Paulo:
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PILÃO, Jussara M. O ensino de psicologia da educação: li-
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SCHULTZ, Duane P.; SCHULTZ, Sydney E. História da Psi-
cologia Moderna. São Paulo: Cengage Learning, 2011.
STERNBERG, Robert J. Psicologia Cognitivista. São Paulo:
Cengage Learning, 2010.

26
CAPÍTULO 2
CIÊNCIA E SENSO COMUM –
UM DESAFIO PARA A PEDAGOGIA
Rosileny Alves dos Santos Schwantes

introdução

Este capítulo versará sobre ciência e senso comum. tal as-


sunto é linha divisória entre a produção de ciência e o pensar
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cotidiano, corriqueiro. pois a ciência se utiliza de métodos e


sistematizações, enquanto que o senso comum produz um
pensar não científico.
para estabelecer formulações com lógica científica, trabalha-
remos definições oportunas, como: ciência, pesquisa e produção
acadêmica. Além disso, vamos pensar a respeito dos conceitos de
senso comum, conhecimento e ciência do cotidiano. pois, com a
conceituação inicial desses termos, é possível entender melhor a
delimitação existente entre senso comum e ciência.

1. conhEciMEnto –
EM gErAL, coMuM A todoS

A expressão “senso comum” deveria ser autoexplicativa. No en-


tanto, em separado, o termo “senso” é a “faculdade de distinguir
espontaneamente o verdadeiro do falso e de apreciar as coisas pelo
seu justo valor” (lAlANDE, 1999, p. 996). o termo “comum”
quer dizer aquilo que é de todos, ou “o que pertence ao mesmo
tempo a vários sujeitos” (lAlANDE, 1999, p. 177). passaremos ao
termo senso, para que a expressão “senso comum” seja investigada.
“Senso” é um termo filosófico, muitas vezes, utilizado como
sinônimo de “razão”. E razão é uma faculdade mental que nos

27
Rosileny Alves dos Santos Schwantes

fornece os princípios do conhecimento. Ou seja, compreender


o termo “senso” nos leva imediatamente ao encontro do co-
nhecimento, pois, por meio da razão, podemos conhecer algo.
Na psicologia, razão é uma faculdade mental. Isto quer dizer
que, em outras palavras, é a capacidade que uma pessoa tem
de raciocinar. É a capacidade em forma de “faculdade men-
tal compreendida em seus aspectos fisiológicos e psicológicos”
(SCHWANTES, 2004, p. 33).
Do ponto de vista filosófico, Emmanuel Kant aponta que
o estudo do conhecimento humano passa pela formulação
da ideia. Logo, a razão tem um papel marcante na atuali-
dade, pois é ela que inaugura o período iluminista, a era da
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razão. “A essência do iluminismo é o uso da livre da razão”


(LALANDE, 1999, p. 913).
Razão sugere palavra, é teórica ou especulativa quando diz
respeito ao conhecimento. Mas, na prática, razão contém o prin-
cípio da ação. A palavra “razão” pode ter o sentido de instrumen-
to universal. As afirmações de Kant, em Crítica da razão pura,
não se referem a palavras imediatas (signos lógicos); antes suge-
rem que a razão pura nos mostra o que podemos saber. Ele rejeita
a ideia que a reflexão seja desencadeada pela razão. Igualmente,
Kant coloca a razão como faculdade que nos fornece os princí-
pios do conhecimento. Logo, por meio da razão adquirimos um
senso, que de certa forma produz um tipo de conhecimento. Isso
ocorre por meio de nossas faculdades mentais.
As faculdades mentais podem se caracterizar sob dois aspec-
tos: as faculdades-funções (por exemplo, a linguagem, as memó-
rias específicas, etc); e as faculdades-modalidades (inteligência,
afetividade, etc).
Assim, compreender razão enquanto faculdade se refere ao ato
de realizar algo em sentido mental. Ou seja, ter habilidade natural
para realizar alguma atividade específica. Por meio da razão rela-
cionamos o lado teórico e o lado prático de todas as atividades hu-
manas. Tudo que vai da arte ao desenvolvimento de personalidade,

28
Psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

passando pelo relacionamento social. Tudo que tem implicações


racionais. As realizações humanas que vão da estética (obras de
arte), passando pela realização (produção intelectual) cognoscível,
incluindo a realização individual (características personais), até
realização comunitária/social, todas estas realizações pertencem à
razão ou ao uso da razão. Desencadeiam a razão autônoma.
Assim o conceito de razão nos ajuda a compreender o ter-
mo “senso”, para daí chegarmos ao que quer dizer a expressão
senso comum. Pois, senso pode ser entendido como faculdade
mental em seus aspectos fisiológicos e psicológicos. Em outras
palavras, razão autônoma. Regida pela vontade que provoca as
realizações humanas diversas. Portanto o termo “senso”, asso-
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ciado ao termo “comum”, leva-nos a tudo que é autônomo, mas


desenvolvido de forma comum.

1.1 A origem da expressão

Do latim sensos communis, que origina “senso comum”, era a


maneira comum de agir e sentir sem implicar em ideia ou juízo
retórico ou teórico. Portanto, senso comum pode sugerir aqui-
lo que é comum a todos e que produz conhecimento também
comum a todos. Pois tudo que experimentamos em nosso dia a
dia é promovido por um conhecimento que vai acontecendo na-
turalmente. Por experiência cotidiana vamos conhecendo o que
nossas realizações racionais nos permitem.
De certa forma, podemos dizer que senso comum é o “conjunto
das opiniões tão geralmente admitidas, numa dada época e num dado
meio, por meio da razão sem a reflexão e sem ciência”(LALANDE,
1999, p. 998). Esse conjunto de opiniões nos permite conhecer a
realidade. É no cotidiano que este conhecer acontece.
Nosso cotidiano é repleto de aquisições e representações es-
peciais. Veja este exemplo: pessoas que vivem em cidades metro-
politanas, como São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre, passam
por experiências comuns bem peculiares. Quem nunca pensou

29
Rosileny Alves dos Santos Schwantes

em viajar, escolheu sair em um determinado horário por julgar


ser o melhor, e constatou que muitas outras pessoas escolheram
o mesmo horário para sair de casa? Então milhares de pessoas
passam horas em congestionamentos imensos – como se todas
as pessoas retidas nos congestionamentos tivessem tido a mesma
ideia ao mesmo tempo e lugar.
Pensamos e agimos ao mesmo tempo. Isso certamente promo-
ve um conhecimento. Trânsito, feriado e viagens são passíveis de
planejamento. No entanto, o senso comum nos leva ao inevitável.
Em outro feriado, é possível que o congestionamento seja menor.
Logo, o senso comum produz certo conhecimento nas pessoas.
Senso comum, na produção desse tipo de conhecimento,
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percorre um caminho que vai do hábito à tradição, a qual,


quando estabelecida, passa de geração a geração. Assim, apren-
demos com nossos pais a atravessar uma rua, a fazer o liquidi-
ficador funcionar, a plantar alimentos na época e de maneira
correta, a conquistar a pessoa que desejamos, e assim por diante
(BOCK, 1999, p. 17).
O senso comum promove o desvelamento de uma realidade,
e podemos conhecer uma realidade a partir daquilo que é comum
a quase todas as pessoas. Vejamos isso mais detalhadamente.

1.2 O desvendar da realidade

A realidade é percebida de várias formas pelas pessoas. O


cotidiano pode ser compreendido por nossa realidade. Todos os
dias, dia após dia, sentimos e agimos baseando-nos no que cons-
truímos de saber durante nossa vida. Tudo acontece no cotidia-
no. Nós nos sentimos vivos, atuantes.
Neste momento, poderíamos dizer, estou lendo este livro e
depois vou assistir a um filme. É no cotidiano que organizamos
nossos afazeres diários e, assim, vamos nos organizando na vida.
Fazemos uma coisa após a outra, ou muitas ao mesmo tempo. Mas
o fato é que, vamos nos desenvolvendo na vida, na medida em que

30
Psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

nosso cotidiano se organiza. Percebemos que temos vida, cuida-


mos dela, por sobrevivência e por realização em nosso dia a dia.
Ao contrário, é no cotidiano, também, que tomamos conheci-
mento do que não devemos realizar. Conforme vamos experimen-
tando a vida, vamos percebendo que devemos fazer algumas coisas
e evitar outras. Por exemplo, descobrimos a dor física e passamos
a evitá-la durante toda a nossa vida, por se tratar de uma reação
biológica. Cuidamos de evitar o sofrimento a todo custo.
Mas para facilitar nossa vida produzimos compreensão diária
sobre nossa realidade. E o conhecimento produzido por esta com-
preensão se reverte em uma visão própria e particular sobre nós. A
esta visão podemos chamar de sabedoria da vida.1 Esta sabedoria
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certamente nos levará a uma visão particular e específica do mun-


do real, ou da realidade. Esta visão nos levará a ter visão de mundo.
Visão de mundo associada ao senso comum quer dizer exa-
tamente como se expressa: uma visão sobre o mundo que experi-
mentamos. Uma visão própria. Pois, no senso comum, “o conhe-
cimento vulgar, a sociologia espontânea, a experiência cotidiana
são opiniões, formas de expressão, que não representam e não
têm valor de conhecimento científico” (FONSECA, 2008, p. 4).
É uma visão peculiar e particular de situações, eventos, experiên-
cias e vivencias pessoais.
Mas, como esta visão de mundo se dá em determinadas áreas
de conhecimento? Como o senso comum pode ser conhecido em
áreas do conhecimento que se utilizam da ciência para se organi-
zarem? Poderíamos supor que a pedagogia se utilizaria do senso
comum para existir? Bem, agora passaremos a investigar a ciência
e os métodos que nos levam a fazer ciência.

1. Veja mais sobre este conceito no livro: A. J. Severino, Filosofia da Educação, São
Paulo: FDT, 1994.

31
Rosileny Alves dos Santos Schwantes

1.3 Ciência e a pesquisa pedagógica

Na área da Educação, área maior que contempla a discipli-


na Pedagogia, o conhecimento se baseia em preceitos científi-
cos que são originários de resultado de pesquisas. Estas são fruto
de trabalho acadêmico de pesquisadores que, empenhados em
conhecer a área, investigam, estudam, quantificam e qualificam
resultados colhidos a luz da ciência. Mas, como se faz ciência?
Ciência é ter conhecimento sobre algo. E este algo pode ser
chamado de fenômeno que deve ser estudado por meio de sis-
tematização. Logo, podemos dizer que ciência se faz por estudo
dos fenômenos. Historicamente tem sido assim, e “a primeira
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classificação sistemática das ciências de que temos notícia foi a de


Aristóteles” (CHAUÍ, 2006, p. 226).
Cada uma das ciências subdivide-se em ramos específicos,
com nova delimitação do objeto e do método de investigação.
Assim, por exemplo, a Física subdivide-se em mecânica, acústica,
ótica, etc; a Biologia, em botânica, zoologia, fisiologia, genética,
etc; a Psicologia subdivide-se em psicologia do comportamento,
do desenvolvimento, psicologia clínica, psicologia social, etc.
Por sua vez, os próprios ramos de ciência subdividem-se em
disciplinas cada vez mais específicas, à medida que seus objetos
conduzem a pesquisas cada vez mais detalhadas e especializadas.
(CHAUÍ, 2006, p. 226).

1.4 Um fenômeno – objeto de estudo

Um estudo científico, com clareza de ideias e com conheci-


mento de realidade, se dá à medida que se conhece um determinado
objeto. Para que o objeto de pesquisa não seja subjetivo em demasia,
sugere-se que haja certo cuidado na escolha de um objeto. Na Peda-
gogia podemos escolher uma gama enorme de objetos de pesquisa.
Podemos pesquisar da criança ao idoso, das escolas às universidades.

32
Psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

No entanto, devemos ter clareza na escolha. Nosso objeto


de pesquisa deve estar em conformidade com o que exatamen-
te queremos descobrir. Em outras palavras, devemos escolher
um objeto de pesquisa a partir de uma pergunta: O que que-
remos descobrir?
Na classificação das ciências, seguindo critérios aristotélicos,
nos deparamos com pelo menos três critérios de pesquisa, a sa-
ber: a ação humana presente ou ausente nos seres investigados, o
movimento dos serem investigados e a modalidade prática. Esta
classificação levou-nos à classificação das ciências que se conhece
atualmente. Veja como as ciências são classificadas:
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• Ciências Matemáticas:
(estudos de aritmética, geometria, álgebra, trigonometria, ló-
gica, física pura, astronomia pura, etc);
• Ciências Naturais:
(paleontologia, geologia, astronomia, física, química, biolo-
gia, etc);
• Ciências Humanas ou Sociais:
(psicologia, geografia humana, economia, linguística, arque-
ologia, história, pedagogia, etc);
• Ciências Aplicadas:
(ciências em que são aplicadas as técnicas para intervir na natu-
reza, na sociedade e no cotidiano das pessoas, como por exemplo,
o direito, a engenharia, a medicina, a arquitetura e a informática)

Por meio da classificação acima é que podemos situar a Peda-


gogia. Como disciplina mais objetivamente, como área científica
de saber. Passemos a este estudo mais objetivo, sobre como se faz
ciência por meio da Pedagogia.

2. Pedagogia – ciência humana

Na classificação das ciências, um dos itens são as Ciências Hu-


manas. Logo, o objeto de pesquisa dessas ciências é o ser humano,
pois o próprio nome já nos diz. Mas este objeto, como objeto pes-

33
Rosileny Alves dos Santos Schwantes

quisado, é muito recente. Pesquisar o ser humano como se apre-


senta é uma ideia que surge no século XIX, pois anteriormente a
este período, a Filosofia explicava o ser humano. Ou seja, tudo que
se referia ao estudo do ser humano tinha a ver com Filosofia.
Foi por meio do estudo de fenômenos que se estabeleceu o
que realmente estudar para categorizar o ser humano. Assim, a
fenomenologia contribuiu para que o objeto de pesquisa fosse
melhor especificado. O ser humano. Ou o fenômeno humano.
A Pedagogia estuda o ser humano sob vários aspectos, entre eles
estão: o ser humano e sua prática, o ser humano e seu desenvol-
vimento, o ser humano e seu aprendizado, etc. Todos os aspectos
estudados pela Pedagogia podem ser mensurados e classificados,
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resultando, assim, em medidas de acompanhamento e computa-


ção de dados de pesquisa. Estes dados nos ajudam a compor ações
educativas e pedagógicas que auxiliam na compreensão do objeto
pesquisado, visando seu desenvolvimento global e estrutural.
Para pensarmos uma pedagogia científica a tarefa é sempre
perguntar-nos: estamos fazendo ciência? Assim, tentamos res-
ponder esta pergunta em várias direções.

2.1 Quando fazemos ciência em Pedagogia?

Para responder esta pergunta, precisamos de outra: Fazemos


ciência quando estamos em prática pedagógica?
E as respostas são duas: Sim, fazemos. Não, não fazemos.
Fazemos ciências quando utilizamos um método específico
que visa conhecer, explorar e reconhecer algo. Mas, não fazemos
ciência quando abrimos mão de um determinado método, para
conhecer algo que não se sistematiza. Um método sistematiza e
garante a sua principal ferramenta: o rigor. Métodos requerem
técnicas que necessitam de cuidado e rigor científico.
Por exemplo, a ciência tende a separar o objetivo do que é
subjetivo, e distingue o fenômeno de outros fenômenos. A ciência
controla, prescreve e interpreta resultados. E também demonstra

34
Psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

resultados, analisa e prova suas hipóteses. Para todo este processo é


preciso método. E um método tenta responder a pergunta: Como?
Ou seja, um método nos diz como é que fazemos algo.
Na Pedagogia, por exemplo, indagaríamos: como é que se faz
alfabetização? A resposta seria dada do ponto de vista metodoló-
gico, utilizando uma técnica, resultante de um método específi-
co. Assim faríamos para alfabetizar.

2.2 Quando senso comum e ciência se encontram

Aparentemente, ciência e senso comum nunca se encontram.


Mas, ao contrário do que muitos pensam, o senso comum e a
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ciência se encontram sim. Porém, corremos certo risco quando


isso acontece.
Já afirmamos, anteriormente, que a ciência prova com rigor
suas descobertas. O senso comum não tem tal preocupação. Para
o senso comum, os fenômenos não existem e se existem eles se
repetem tradicionalmente. Por exemplo, pensemos a família. É
uma célula que conhecemos, e até pensamos que, assim como se
apresenta hoje, se apresentou no passado.
O senso comum se incumbe de referenciar “família” para to-
dos. Em nossa cultura, pensamos conhecer família, e não temos
dúvidas a respeito dela e nem de sua organização. É como se sem-
pre fosse assim. Família sempre foi assim, e pronto. Neste ponto,
senso comum descreve uma família. Mas a ciência precisa se ache-
gar à pesquisa sobre família para provar se este conceito, assim
como temos hoje, se refere, de fato, à família como se apresenta.
Assim como afirmamos que o senso comum se aproxima da
ciência, também reconhecemos que o senso comum pode se afas-
tar e muito da ciência.
Pois vejamos, família nem sempre foi assim. A ciência com
seus métodos estuda “família” e descobre sua origem. Classifica
seus tipos. Organiza esses tipos por épocas. Classifica seus subti-
pos. Enumera suas características. E mais, prova a existência de

35
Rosileny Alves dos Santos Schwantes

novos tipos de famílias. A ciência, também, analisa as famílias


existentes, na contemporaneidade, e as compara historicamente
com outras famílias, com características iguais ou diferentes des-
sas que conhecemos. Logo, nossa ideia sobre “família” pode so-
frer alterações. Passamos a conhecer famílias e famílias, de várias
maneiras e sob vários aspectos.
Por meio de métodos científicos descobrimos que família,
como nós conhecemos, não é o único e verdadeiro modo de se
conhecer a célula social família.

Considerações finais
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Neste capítulo tentamos investigar as proximidades e distân-


cias do termo “senso comum” e do termo “ciência”. E não apenas
isso. Tentamos conhecer a utilização e o significado desses termos.
É certo que o senso comum não conhece a realidade com o
rigor que a ciência conhece. O senso comum não se preocupa em
conhecer uma realidade, apenas a descreve como a maioria das
pessoas a percebem. Em muitos casos, a ciência parte do senso
comum para buscar conhecer um objeto.
Se confiarmos na ciência para toda e qualquer decisão pode-
mos incorrer no engano de que a ciência pode e deve conhecer
tudo. Cairíamos em um cientificismo perigoso.
Mas, por meio da ciência, evoluímos e descobrimos verdades
fundamentais para uma sociedade. Ainda que o senso comum
contribua para as dúvidas de uma existência, a ciência se mostra
incansável pelo conhecimento de realidades objetivas ou subjeti-
vas. E esse é o espírito pedagógico contemporâneo: zelar por des-
cobertas que aperfeiçoem cada vez mais os conhecimentos sobre
os saberes que explicam a complexidade do ser humano.

36
Psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

Referências
BOCK, Ana Mercês Bahia. Psicologias. São Paulo: Saraiva, 2009.
CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 2010.
FONSECA, Dirce Mendes da. A pedagogia científica de Bache-
lard: uma reflexão a favor da qualidade da prática e da pesquisa
docente. Educ. Pesqui, ago. 2008, v. 34, n. 2, p. 361-370.
LALANDE, André. Vocabulário Técnico e Crítico da Filoso-
fia. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
NEVES, R. M. C. Lições da iniciação científica ou a pedago-
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gia do laboratório. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, v.


7(3): p. 71-97, mar./jun. 2001.
SCHWANTES, Rosileny Alves dos Santos. Entre a razão e o
Êxtase. São Paulo: Loyola, 2004.
TEIXEIRA, C.; SCHWANTES, Rosileny A. S. Organização do
Trabalho Pedagógico. São Leopoldo: Oikos, 2011.

37
CAPÍTULO 3
AS CONCEPÇÕES DE
DESENVOLVIMENTO HUMANO
E SUAS REPERCUSSÕES NO
COTIDIANO ESCOLAR
Ligia de Carvalho Abões Vercelli

introdução
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Este capítulo tem por objetivo apresentar as diferentes con-


cepções de desenvolvimento humano e suas repercussões no coti-
diano escolar, além de apontar modelos metodológicos adotados
pelas escolas que vão ao encontro dessas concepções.
Cada concepção (inatista, ambientalista e interacionista) en-
tende o homem de uma forma diferente, ou seja, o concebe de
acordo com a visão de mundo existente em um dado período
histórico. Elas oferecem dados de como a escola concebe o aluno
e como determina a maneira que a aprendizagem ocorre.
A concepção inatista enfatiza os fatores maturacionais e he-
reditários. portanto, entende que o ser humano nasce com po-
tencialidades, com dons e aptidões que serão desenvolvidos de
acordo com o amadurecimento biológico.
A concepção ambientalista, ao contrário da inatista, atribui
grande valor ao ambiente no desenvolvimento humano, ou seja,
parte do pressuposto de que o homem desenvolve suas caracterís-
ticas em função das condições que o meio apresenta.
A concepção interacionista entende que o ser humano cons-
trói seus conhecimentos na interação com o meio, isto é, fatores
internos e externos se inter-relacionam continuamente.
Essas concepções epistemológicas do desenvolvimento hu-
mano têm feito com que educadores realizem práticas pedagógi-

39
Ligia de Carvalho Abões Vercelli

cas distintas pautadas na maneira pela qual se concebe a criança e


o processo pelo qual ela adquire e amplia o conhecimento.
Dessa forma, esse texto busca fornecer embasamento teórico
para que o professor possa avaliar as diferentes concepções e delas
extrair elementos que poderão dar suporte à prática pedagógica.

1. A concepção inatista de
desenvolvimento

A teoria inatista busca fundamento teórico na filosofia ra-


cionalista e idealista elaboradas pelos seguintes filósofos: Renê
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Descartes, Malebranche, Espinoza, Leibniz, Wolff e Kant. Mas o


que significam esses termos?
O racionalismo é uma concepção filosófica que parte do
princípio de que a razão é a única forma que o homem possui
para obter conhecimento adequado sobre a realidade. Entende
que somente por meio da razão é possível apreender os conheci-
mentos e articulá-los uns com os outros, negando, assim, tudo
que o homem adquire por meio da experiência.
O Idealismo, segundo Villela (2010), é um termo que ad-
vém do latim idealis, que significa dedicação, engajamento a uma
doutrina ou a uma causa, um compromisso com o ideal. No
campo do conhecimento, esse termo traz um efeito indesejável,
uma vez que o objeto que se quer conhecer é estudado pelo pró-
prio sujeito conhecedor das ideias. Portanto, esse sujeito estuda
apenas a si mesmo, isto é, a sua forma de conceber as caracterís-
ticas do objeto que é analisado.
O idealismo não leva em consideração as características, as
qualidades ou os atributos do objeto de conhecimento, pois o
importante é como esse conhecimento está sendo incorporado
pelo indivíduo que o estuda. Leva em conta a ideia que o sujeito
tem do objeto e não como ele realmente é. Assim, maximiza a
subjetividade e minimiza a objetividade.

40
Psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

Partindo dessas correntes filosóficas, os teóricos da concep-


ção inatista desenvolveram uma teoria baseada na crença de que
as características e capacidades básicas de cada ser humano, entre
elas a personalidade, os valores, o comportamento, as formas de
pensar, etc, são inatas, isto é, já estariam praticamente prontas
no momento do nascimento ou potencialmente definidas e na
dependência do amadurecimento para se manifestarem.
Dessa forma, a concepção inatista parte do pressuposto de
que os acontecimentos ocorridos após o nascimento não são es-
senciais e/ou importantes para o desenvolvimento. Até as reações
emocionais e a conduta social já se encontrariam finalizadas por
ocasião do nascimento, sofrendo pouca modificação no decorrer
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da vida. Assim, para os teóricos dessa concepção, o ambiente exer-


ce pouca influência no processo de desenvolvimento humano.
Para os inatistas, a educação tem um papel limitado, uma vez
que entendem que o desempenho individual está atrelado às ca-
pacidades inatas e que o desenvolvimento psíquico se dá pautado
em leis próprias, sendo, portanto, um processo endógeno, isto é,
que ocorre de dentro para fora, independente de conhecimentos
anteriores, da experiência e da cultura.
Na educação, esta concepção traz prejuízos enormes. Isso
porque se espera que alunos amadureçam naturalmente, inde-
pendentemente da aprendizagem. Ou, mais grave ainda, não se
espera muito daqueles alunos que, por motivos diversos, apre-
sentam dificuldades. Esses, muitas vezes, são excluídos dentro da
própria escola que, em princípio, deveria ser uma instituição de
promoção social.
Terão sucesso na escola as crianças que possuírem qualidades,
aptidões ou pré-requisitos básicos que possibilitem que a apren-
dizagem ocorra, tais como: inteligência, esforço, atenção, interes-
se e maturidade para aprender.
O desempenho das crianças deixa de ser responsabilidade da
escola, assim, elas e suas famílias são responsabilizadas pela não
aprendizagem ou mau comportamento. Portanto, o processo edu-

41
Ligia de Carvalho Abões Vercelli

cativo depende de traços comportamentais ou cognitivos inerentes


ao aluno. Mas afinal, de que forma essa concepção se originou? Se-
gundo Davis e Oliveira (1994), as origens podem ser encontradas
na Teologia e em interpretações equivocadas referentes à teoria da
evolução de Darwin, da Embriologia e da Genética.
Quanto à Teologia admite-se que Deus criou cada ser huma-
no em sua forma definitiva e que, após o nascimento, nada mais
poderia ser feito para modificá-lo, pois a criança já traz consigo a
essência do adulto que um dia será. Assim, o destino de cada ser
humano estaria determinado pela vontade de Deus.
Você já ouviu as seguintes frases: “Deus quis assim, o que eu
posso fazer?” ou “é a cruz que eu tenho que carregar”. Essas frases
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dizem, nas entrelinhas, que nada mais poderá ser modificado,


pois uma pessoa é de determinada forma por vontade divina,
então cabe a nós aceitar. Partindo desse pressuposto, no caso da
educação, a criança dita “problema” será sempre assim, pois se
entende que nada poderá ser feito para que ela melhore.
A Teoria da Evolução de Darwin ressalta que, durante as di-
ferentes gerações, grande número de pessoas morre antes de pro-
criar. Os sobreviventes que conseguem gerar seus descendentes
são aqueles “selecionados” e “adaptados” ao meio por conta das
relações que estabelecem com os demais de sua espécie e também
ao ambiente no qual vivem. A cada nova geração, a seleção natu-
ral favorece a permanência das características adaptadas, constan-
temente aprimoradas e melhoradas.
Pela seleção natural, as condições ambientais determinam
quanto uma determinada característica ajuda na sobrevivência e
na reprodução de um ser vivo. A ideia de que só os fortes sobre-
vivem é errônea, pois, dependendo das condições do ambiente,
um animal de grande porte poderá demandar mais alimento e
ter menos chances de vida do que um animal mais ágil e veloz.
A teoria de Darwin foi mal interpretada pelos inatistas, que
não consideraram que os fatores ambientais têm um papel deter-
minante sobre o ciclo de vida de cada espécie. No que se refere à

42
Psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

espécie humana, Davis e Oliveira (1994, p. 28) ressaltam que os


inatistas deixaram de lado

(...) a influência da experiência individual de cada pes-


soa; equiparou-se, consequentemente, o complexo com-
portamento sociocultural do homem àquele que é típico
de organismos inferiores, onde se observa pouca ou ne-
nhuma diferenciação.

Os inatistas também recorreram aos conhecimentos da Em-


briologia para fundamentar suas ideias. Os primeiros estudos
dessa área do saber apontavam sequências de desenvolvimento
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reguladas por fatores endógenos, ou seja, de origem interna.


Acreditava-se que o desenvolvimento do feto ocorria em um am-
biente constante e que não sofria influência do meio externo.
Porém, observou-se que essa ideia era inadequada, pois acre-
ditava que, após o nascimento, a experiência de cada indivíduo
não iria impactar de forma alguma o organismo, sendo que dados
recentes da Embriologia apontam que tanto o ambiente interno
quanto o externo são fundamentais para o desenvolvimento hu-
mano (DAVIS; OLIVEIRA, 1994).
Bem, se para os inatistas o homem já nasce pronto, então
o ambiente (e consequentemente a escola) pouco favorecerá no
seu desenvolvimento. Certo? Nesse sentido, os ditados populares
“pau que nasce torto, morre torto” e “filho de peixe, peixinho é”
refletem essa concepção, causando prejuízos principalmente aos
alunos que encontram certa dificuldade para aprender.
Vamos exemplificar com uma situação muito comum no co-
tidiano escolar. Um colega de trabalho pergunta o seguinte: “Você
vai dar aula para o Jorginho? Nossa! Você não sabe o que te espera!”
Nessa fala está implícito que seu colega não acredita que o
Jorginho possa mudar, nem que os estímulos do ambiente e as
mediações realizadas serão eficazes no caso do aluno. Portanto,
seu colega parte de uma concepção inatista do desenvolvimento,
por mais que não queira admitir.

43
Ligia de Carvalho Abões Vercelli

Infelizmente, nos dias atuais, muitas escolas e educadores


agem pautados no inatismo, porém, não percebem isso. Um
exemplo muito presente nas escolas se refere aos encaminhamen-
tos desnecessários que são feitos para profissionais de diferentes
áreas da saúde, principalmente psicólogos e psicopedagogos.
Assim, quando a escola se isenta de sua responsabilidade, de-
legando o possível “fracasso” a pais e alunos (se é que esse fracasso
realmente existe), parte-se do pressuposto de que aquela criança ou
jovem não poderá oferecer nada além do que apresenta no momento.
O pior (ou melhor) de tudo isso é que, muitas vezes, durante o diag-
nóstico nada é encontrado que possa justificar a não aprendizagem.
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2. A concepção ambientalista do
desenvolvimento

Ao contrário da concepção inatista, a concepção ambientalis-


ta atribui grande importância ao ambiente no desenvolvimento
humano. Essa concepção busca fundamento teórico na corrente
filosófica denominada empirismo, que pensa estar na experiência
a origem de todas as ideias. O nome empirismo deriva do latim
empiria, que significa experiência. Essa corrente entende que o
conhecimento parte da vivência, portanto, só aceita verdades que
possam ser comprovadas pelos sentidos.
O behaviorismo surgiu nos Estados Unidos, em 1913, com
John Broadus Watson (1878-1958), e tem como objeto de estu-
do o comportamento. O termo se origina do inglês behavior, que
em português significa comportamento. Watson acreditava que,
analisando os comportamentos dos animais, seria possível com-
preender determinados comportamentos dos seres humanos.
Para ele, a Psicologia deveria ser a ciência do comportamen-
to, descartando todos os conceitos mentais que afirmavam que
as causas das ações humanas estavam na mente, utilizando-se
apenas de conceitos que pudessem ser objetivamente definidos

44
Psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

como estímulo e resposta. A finalidade da Psicologia seria prever


e controlar o comportamento.
O behaviorismo radical, modelo mais difundido na edu-
cação, surgiu no início do século XX com Burrhus Frederic
Skinner (1904-1990) e é definido como a ciência que analisa o
comportamento. No behaviorismo radical o que é valorizado e
considerado é a forma como os comportamentos ocorrem, quais
as contingências envolvidas e os reforços existentes para a manu-
tenção ou extinção de um dado comportamento.
Skinner utiliza o comportamento do organismo como objeto
de estudo e assume o reflexo como unidade básica do compor-
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tamento, porém, percebe que apenas o reflexo não explicava os


comportamentos mais complexos. Assim, em 1937, formulou o
comportamento operante, pelo qual postulou que quando o orga-
nismo age sobre o ambiente produz consequências, reforçamentos,
escolhendo os reflexos importantes e desprezando os irrisórios.
A unidade básica do comportamento passou a ser a contingência
de reforçamento que une o comportamento, suas condições anterio-
res e suas consequências. Skinner dizia que para compreender o com-
portamento é necessário levar em consideração a espécie, a vida do
sujeito e a cultura, pois a fragmentação e a observação direta não per-
mitem compreender a complexidade do comportamento humano.
Para Skinner, o ambiente tem mais importância que a matu-
ração biológica. São os estímulos presentes em uma determinada
situação que fazem com que os seres humanos se comportem de
uma determinada forma. Os behavioristas buscam diminuir a
dor e aumentar o prazer por meio da manipulação dos estímulos
presentes no ambiente, fazendo com que sua frequência aumente
ou diminua dependendo da situação. Bem, mas o que significam
os conceitos acima citados? Vamos estudá-los a seguir.

45
Ligia de Carvalho Abões Vercelli

2.1 Comportamento respondente


e comportamento operante

A fim de explicarmos esse dois conceitos faz-se necessário en-


tender que existem comportamentos típicos da espécie humana
que são dados geneticamente e controlados por eventos antece-
dentes chamados estímulos eliciadores.
O exemplo mais conhecido advém da experiência de Pavlov,
que mostrou que é possível ensinar um cão a salivar em respos-
ta ao estímulo de uma campainha. Isso foi possível porque ele
pareou (utilizou ao mesmo tempo) o som de uma campainha à
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presença de alimento diretamente na boca do animal. O alimen-


to é um estímulo inato (não aprendido) que elicia (provoca) a
resposta de salivação.
Pavlov demonstrou que a salivação não ocorre na presença
da campainha, mas em consequência de sucessivos pareamentos
dela com o alimento. Assim, o som da campainha é capaz de
provocar a salivação, ou seja, o cão aprendeu a conexão existente
entre o som da campainha e a resposta de salivação, por isso, o
nome comportamento respondente ou reflexo. Estímulo e res-
posta foram representados das seguintes formas: E › R ou S › R
(S da palavra stimulus em inglês).
Skinner identificou outro tipo de condicionamento e mais
frequente nas atividades humanas cotidianas que foi o compor-
tamento operante. Nesse tipo de comportamento, as respostas
não são eliciadas e sim emitidas, isto é, o organismo aprende que
responder diante de um conjunto de condições tem certa pro-
babilidade de ser seguido por uma determinada consequência.
Exemplo: quando uma criança verbaliza “gaga” e indica o polegar
para o filtro ou pega seu copo e entrega para a mãe. Percebemos,
nesse caso, que se a criança for recompensada com a água, toda
vez que estiver com sede apontará para o filtro e dirá “gaga” ou
entregará seu copo à mãe quando estiver com sede.

46
Psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

A representação do comportamento operante é contrária à do


comportamento respondente: será R › E, pois uma determinada
resposta (R) que foi emitida (apontar o dedo para o filtro e dizer
“gaga”) diante de uma série de condições ambientais tem a proba-
bilidade de ser seguida por um estímulo (E) reforçador, no caso,
a água. Portanto, no comportamento operante segundo Carrara
(2004, p. 115), estão presentes as seguintes contingências:

• Eventos antecedentes estão presentes e precedem a ocorrên-


cia de um determinado comportamento;
• Em seguida, ocorre um determinado comportamento for-
mado por alguma mudança mensurável e observável nas ativida-
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des executadas por alguém;


• Seguem-se eventos responsáveis pela manutenção, ampliação ou
redução da probabilidade de ocorrência de um dado comportamento.

O comportamento operante, segundo Weiten (2002, p.


170), “(...) é uma forma de aprendizagem em que as respostas
voluntárias são controladas por suas consequências (...)”
Podemos dizer que o comportamento operante são nossas ações
cotidianas que provocam mudanças sobre o mundo. Exemplos: tocar
piano, ler um livro, fazer uma comida, escrever um texto, entre outros.
Para explicar esse tipo de comportamento, Skinner e outros
analistas do comportamento realizaram experimentos com ani-
mais, como ratos, pombos e macacos. Eles buscavam demonstrar
como as variações no ambiente interferiam no comportamento.
O experimento que veremos a seguir, muito conhecido pela Psi-
cologia, tornou possível aos analistas do comportamento fazer
afirmações sobre as leis comportamentais.
Skinner utilizou-se de uma caixa, que continha apenas uma
barra. Essa caixa recebeu seu nome: “caixa de Skinner”. Nela, foi
colocado um ratinho sedento. Quando ele pressionava a barra,
fazia com que um mecanismo fosse acionado, o que lhe permitia
obter uma gota de água. Com esse experimento, Skinner espera-

47
Ligia de Carvalho Abões Vercelli

va que o ratinho pressionasse a barra toda vez que quisesse obter


água. Veja figura 1:

FIGURA 1
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Fonte: www.google.imagens

Tendo por base esse experimento sobre comportamento ope-


rante, verificamos que o que propicia a aprendizagem é a ação
do organismo sobre o meio e o efeito que dela resulta, ou seja, a
satisfação de alguma necessidade.
Skinner denominou relação funcional a essa relação exis-
tente entre a ação do indivíduo e suas consequências. Ela é
fundamental porque o organismo se comporta emitindo uma
determinada resposta cuja ação produz alteração no ambiente,
que retroage sobre ele mesmo. Exemplos: fazemos uma deter-
minada comida para saboreá-la e sentirmos prazer; abraçamos
uma pessoa para sentirmos o calor de seu corpo; telefonamos
para uma pessoa querida a fim de ouvir sua voz; ligamos o ven-

48
Psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

tilador para não sentirmos calor; e estudamos para obter boas


notas e sermos aprovados.

2.2 Reforço positivo e reforço negativo

Para Skinner, o reforço é toda consequência que, por meio


de uma resposta, modifica a probabilidade de ocorrência dessa
resposta. Os efeitos produzidos por essas consequências normal-
mente são: aumento, manutenção da frequência ou sua diminui-
ção. O reforço pode ser positivo ou negativo.
O reforço é positivo quando há aumento da probabilidade
de ocorrer um determinado comportamento como resultado da
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apresentação de um estímulo reforçador. Estamos diante de um


reforço negativo quando, como consequência da emissão de uma
dada resposta, retira-se um estímulo aversivo. Tanto no reforço
positivo quanto no negativo há o aumento da probabilidade de
um determinado comportamento ocorrer, seja pela apresentação,
seja pela retirada de um estímulo.
Para exemplificar, retornamos ao ratinho que foi colocado na
“caixa de Skinner”. Quando ele pressionava a barra para obter
água, podemos dizer que ele foi reforçado positivamente, uma
vez que seu comportamento (pressionar a barra) fez com que ele
recebesse a água.
Imagine que nessa mesma caixa fossem colocados fios elétri-
cos fazendo com que o animal recebesse pequenos choques que
cessariam apenas se ele pressionasse a barra. Ao pressioná-la os
choques cessariam e, com isso, aumentaria a probabilidade de o
ratinho efetivar esse comportamento. Chama-se reforço negati-
vo, pois houve a remoção de um estímulo aversivo (choque) que
controlava e emissão de uma resposta (pressionar a barra).
Na relação professor/aluno podemos citar o seguinte exemplo:
a professora chama seus alunos para mostrar o caderno. Em alguns
cadernos ela escreve “parabéns”, em outros “gostei do seu caderno”
e, em outros, “continue assim”. Essas expressões servem de reforço

49
Ligia de Carvalho Abões Vercelli

positivo, pois aumentam a probabilidade de o aluno continuar ca-


prichando e/ou realizando as atividades corretamente.
Outra situação: o professor pergunta ao aluno quanto é 9 +
5. Somente quando for dito 14, o docente confirmará a resposta:

E-----------------------------------R-----------------------------------Er
9+5 14
Parabéns!

Agora, imagine a seguinte situação: a professora escreve


no caderno de alguns alunos as seguintes expressões: “precisa
melhorar”, “não gostei da organização” ou “capriche mais” e
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apenas deixaria de escrevê-las se os alunos passassem a capri-


char em suas atividades. No dia seguinte, ao apresentarem o
caderno, alguns desses alunos receberam elogio por parte da
professora. As expressões citadas anteriormente funcionaram
como reforço negativo, uma vez que permitiram a remoção
de um estímulo aversivo (capriche mais, etc) que controlava a
emissão de uma resposta.
Assim, podemos dizer que o reforço positivo oferece algo ao
organismo (elogio ao apresentar caderno caprichado), e o reforço
negativo permite que se retire um estímulo aversivo, isto é, as
expressões “negativas” escritas pela professora nos cadernos dos
alunos. No reforço negativo estão presentes dois processos im-
portantes que precisam ser analisados, a saber: a esquiva e a fuga.
Weiten (2002, p. 178) ressalta que a esquiva ocorre “(...) quando
um ser vivo adquire uma resposta que evita que algum estímulo aver-
sivo ocorra”. Exemplo: quando você vê uma porta sendo fechada (pri-
meiro estímulo) bruscamente pelo vento e bater (segundo estímulo).
Esses estímulos são aversivos, mas você logo tampará os ouvidos quan-
do vir que a porta está fechando para evitar ouvir o barulho da porta
batendo, ou seja, o primeiro estímulo ameniza o som do segundo.
Em situação escolar citamos o seguinte exemplo: uma crian-
ça chega atrasada na aula e sabe que a professora fará um gesto

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Psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

de repreensão. A criança desvia o olhar para não ter de ver o


rosto da professora.
Assim, tanto fechar os ouvidos para não ouvir a porta bater
quanto desviar o olhar da professora são reforçadores negativos
condicionados, isto é, aprendidos, e a ação que os reduzem é
reforçada pelo comportamento operante.
Dessa forma, percebemos que no processo de esquiva, após o
estímulo condicionado, a pessoa apresenta um comportamento
que é reforçado pela necessidade de evitar o segundo estímulo,
que também é aversivo.
No processo de fuga, segundo Weiten (2002, p. 178), “(...)
um ser vivo adquire uma resposta que diminui ou termina com
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alguma estimulação aversiva (...)”. Nos exemplos citados, tam-


par os ouvidos para não ouvir a porta batendo é esquiva, e ficar
com o ouvido tampado para evitar ouvir o barulho novamente é
fuga. No caso da criança que chegou atrasada, virar o rosto para
evitar o gesto repreendedor da professora é esquiva, e não entrar
na aula seria fuga.

2.3 Punição

Weiten (2002) assinala que a punição envolve a apresenta-


ção de um estímulo aversivo, enfraquecendo uma determinada
resposta. Se passamos no farol vermelho, somos punidos com
uma multa e pontos na carteira de habilitação. Se não pagamos
as contas de luz e água, somos punidos com o corte desses ser-
viços. Assim, a punição também diminui a ocorrência de um
dado comportamento.
Na escola, a professora poderá punir a criança que bateu no
colega deixando-a um tempo sem brincar no parque, e a mãe
poderá punir seu filho(a) desobediente não permitindo que ele
assista ao desenho que mais gosta.
Carrara (2004) salienta que a punição pode ser positiva e
negativa. Na primeira, uma resposta é seguida por um estímulo
aversivo e, em consequência, sua frequência se reduz. Podemos
observá-la no exemplo do não pagamento das contas. A punição

51
Ligia de Carvalho Abões Vercelli

negativa, a emissão da resposta, tem como consequência a per-


da de um reforçador positivo. Exemplo: a criança não arruma o
quarto e a mãe não a elogia. Nesse caso também existe a diminui-
ção de tal comportamento se repetir por parte da criança.

2.4 Extinção

O fato de se aprender uma resposta não significa que ela per-


manecerá. Caso não seja acompanhada de uma recompensa, a
associação entre estímulo e resposta se enfraquece e o organis-
mo deixa de eliciar ou emitir uma resposta. Esse fato Skinner
denominou extinção. Nesse processo ocorrerá a diminuição de
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ocorrência de um determinado comportamento até a eliminação


deste. O procedimento de extinção tem por objetivo quebrar o
elo que se estabeleceu entre o comportamento dito indesejável e
determinadas consequências desse comportamento.
Exemplo: todos os dias, na hora do almoço, você telefona para
seu namorado(a) para saber se ele(a) está bem. Ele(a) atende a li-
gação com menosprezo. A tendência é você não telefonar mais,
ou seja, esse comportamento foi colocado em extinção. Imagine
que um aluno tenha um comportamento inadequado para chamar
atenção da professora. Se esta o ignorar, a tendência de a criança
repetir o comportamento diminui, ou não se repete.

2.5 Controle de estímulos

Conceito essencial na análise do comportamento que leva


em consideração duas dimensões: a generalização e a discrimina-
ção de estímulos. A generalização ocorre quando um indivíduo
responde de forma igual ou semelhante a estímulos diferentes.
Exemplo: uma criança de 2 anos vê um cachorro e diz “au-au”.
Quando ela vir um gato, um cavalo ou um coelho, também dirá
“au-au”, pois esses estímulos (animais) têm as mesmas caracterís-
ticas, são mamíferos, mas são animais diferentes.

52
Psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

Na discriminação, os indivíduos respondem de forma diferente a


estímulos diferentes, ou seja, quando uma resposta se mantém na pre-
sença de um estímulo. Exemplo: Toda vez que a professora mostrar
diferentes raças de cachorro e a criança disser “au-au” ou “cachorro”.
Diante do exposto, podemos dizer que para a concepção am-
bientalista a aprendizagem ocorre quando um comportamento é
modificado por meio da experiência. Para aprender, é necessário
que se estabeleça associações entre um estímulo e uma resposta
e entre uma resposta e um reforçador, mas também é importan-
te considerar os fatores orgânicos e psicológicos que poderão
afetar a aprendizagem. Por exemplo: criança com fome, dor ou
sono não presta atenção aos estímulos e, com isso, não pode
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discriminá-los. Crianças que não recebem carinho, que são agre-


didas, “abandonadas” à própria sorte, buscam incessantemente a
aprovação da professora.
Portanto, para que haja aprendizagem é necessário levar em
consideração a natureza dos estímulos presentes em cada situa-
ção, as respostas que se espera obter e o estado físico e psicológico
de cada indivíduo.
Davis e Oliveira (1994) salientam que a introdução de teo-
rias ambientalistas em sala de aula proporciou que o professor
desse importância ao planejamento de ensino, pois a organização
das condições para que a aprendizagem ocorra exige que o do-
cente tenha clareza dos objetivos instrucionais e operacionais que
quer alcançar, além de estabelecer a sequência de atividades que
poderão levar a criança a dar uma determinada resposta.
Para as autoras, essa concepção valoriza o papel do professor,
pois agora está em suas mãos a responsabilidade de planejar, or-
ganizar e executar as diferentes situações de aprendizagem para
que a criança obtenha sucesso.
Concordamos com as autoras quanto aos efeitos nocivos des-
sa abordagem na prática pedagógica. Com as atividades prontas
somente para serem executadas, deixou-se de lado a reflexão filo-
sófica sobre sua prática. Nesse sentido, programar o ensino pas-

53
Ligia de Carvalho Abões Vercelli

sou a ser uma atividade mecânica que substituiu a reflexão crítica


sobre o processo de aprendizagem dos alunos.
Entendemos que a mais grave implicação da concepção am-
bientalista para a educação está relacionada à forma como ela
entende o homem: um sujeito passivo frente às pressões do meio,
cujo comportamento é moldado, manipulado, controlado e de-
terminado por estímulos do ambiente no qual vive.
Na sala de aula, o professor direciona as atividades, sem consi-
derar as necessidades de cada aluno. Assim, para os ambientalistas,
as situações de ensino devem ser estruturadas e planejadas a priori
como se o mundo fora do muro da escola deixasse de existir e de
oferecer situações que interferem ou instiguem a aprendizagem.
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As ideias do ambientalismo justificam, ainda hoje, práticas


autoritaristas, pois se a criança é entendida como um ser que
se constrói a partir das influências do meio, cabe à escola e seus
docentes modelar o caráter e o comportamento da criança. Fal-
cão (2001) apresenta-nos outras críticas referentes à concepção
ambientalista das quais também compartilhamos. São elas:

- Modificar o comportamento de uma pessoa deve im-


plicar fazê-la refletir para convencer-se da necessidade de
mudar, e não fazê-la mudar por interesse em recompensas.
- Resultados obtidos com ratos, gatos ou pombos não po-
dem ser generalizados para o ser humano, com seu sistema
nervoso incrivelmente mais sofisticado.
- Resultados obtidos num laboratório de psicologia, em que
o experimentador tem controle de todo o andamento do pro-
cesso, não podem ser generalizados para situações de vida que
lidam com fatores incontroláveis. (FALCÃO, 2001, p. 163)

Para os behavioristas, não há preocupação em explicar os


processos cognitivos que levam a criança a emitir determinada
resposta, nem que raciocínio ela utilizou para chegar a uma dada
conclusão. Veremos a seguir que foram os interacionistas que se
debruçaram sobre essas questões.

54
Psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

3. A concepção interacionista de de-


senvolvimento

Vimos até o momento duas concepções; uma que dá ênfase


aos aspectos orgânicos (inatista) e outra que privilegia o ambien-
te (ambientalismo). Nesse momento, apresentamos uma terceira
concepção: a interacionista. Os teóricos dessa concepção partem
do pressuposto de que o ser humano se desenvolve nas relações
que estabelece com o meio no qual vive.
No decorrer deste livro, ao estudarem a teoria de Vygotsky, vocês
terão a oportunidade de entender o conceito de mediação. Nesse mo-
UNINOVE - USO EXCLUSIVO PARA ALUNO

mento, nossa intenção é apontar que os interacionistas entendem que


a relação do homem com o mundo não ocorre de forma direta, como
apontam os ambientalistas, e sim de forma mediada, isto é, para eles,
a inteligência, a memória, o raciocínio, a linguagem e demais funções
mentais se desenvolvem na relação estabelecida com o outro.

S -------------------- R
X (elo mediador = uma pessoa, um objeto, uma lembrança)

Para os interacionistas, as crianças são capazes de responder


às questões que lhe são colocadas porque agem sobre o mundo de
forma ativa, tentam, a seu modo, compreender o que vivenciam
e explicar o que lhes é novo e diferente por meio de hipóteses
que, para elas, são compreensíveis.
Para tal, tanto fatores externos quanto os internos são funda-
mentais nesse processo, por isso, os interacionistas discordam dos
inatistas que privilegiam fatores endógenos e dos ambientalistas
que privilegiam fatores ambientais.
Bem, se existe interação, então o indivíduo e o meio agem re-
ciprocamente. Basta observar um bebê explorando o meio físico
e social que percebemos como ele apreende as características do
mundo que o rodeia.

55
Ligia de Carvalho Abões Vercelli

À medida que se desenvolve, as experiências anteriores ser-


virão de base para novas construções de conhecimentos, que
são adquiridos graças às pressões do meio sobre o indivíduo e
à relação que o mesmo estabelece com o ambiente em uma de-
terminada situação. Nesse sentido, Seber (1997, p. 95) salienta
que para os interacionistas:

(...) entre o sujeito e o mundo há trocas constantes, in-


terações contínuas, contribuições mútuas. As interdepen-
dências precisam ser compreendidas para que aquilo que
temos a informar à criança seja passível de interpretações
significativas. De um lado existem os objetos do meio (fí-
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sicos, sociais, conhecimentos coletivos), com os quais a


criança interage no decorrer das experiências mais varia-
das. De outro, essas experiências precisam ser organizadas
e essa organização se faz mediante a inteligência da criança.
Estabelecendo relações, ela pode enriquecer os elementos
do meio com criações originais, consequência direta da sua
possibilidade de atuação (...).

Os modelos de escola que se esforçam para atender esse novo


modo de pensar a educação seguem a proposta construtivista
e sociointeracionista. Para esses modelos, a escola tem por ta-
refa re-interpretar, re-conhecer ou re-criar o seu próprio papel,
pois não existem fórmulas mágicas que farão com que a criança
aprenda. Uma é diferente da outra, com especificidades próprias
e que necessitam de um olhar e de uma escuta individual.
Nessa perspectiva, o aluno não aprende por memoriza-
ção. A aprendizagem é fruto do pensamento e este depende
do desenvolvimento da estrutura cognitiva, a qual fará cone-
xões se os professores instigarem que as crianças se esforcem
em conhecer o mundo e levantar hipóteses sobre o porquê de
tal funcionamento.
A preocupação principal está voltada em como o indivíduo
aprende, uma vez que ele atua no mundo de maneira inteligente

56
Psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

a fim de buscar respostas para suas inquietações. Nesse modo de


entender a educação, os métodos de ensino são colocados em se-
gundo plano, pois parte-se do princípio de que os alunos apren-
dem apesar deles. Nesse sentido, Ferreiro (1987, p. 30) assinala:
“Os métodos não oferecem mais do que sugestões, incitações,
quando não práticas rituais ou conjunto de proibições. O méto-
do não pode criar conhecimento”.
Portanto, o foco da concepção interacionista está no aluno.
O professor assume o papel de mediador do processo de ensino-
-aprendizagem. O erro é analisado como ponto de partida para
que o docente possa verificar qual a lógica de pensamento do
discente e até que ponto ele apreendeu o que foi ensinado.
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Considerações finais

Este capítulo teve por objetivo apresentar as diferentes con-


cepções de desenvolvimento e suas repercussões na escola. Vimos
que cada uma delas oferece subsídios importantes à educação.
As interpretações feitas pelos profissionais da educação sobre
as diversas situações que vivem no cotidiano dependem não só
dos conhecimentos adquiridos durante sua formação, mas tam-
bém da história de vida e experiência profissional de cada um.
Nessa perspectiva, Souza e Kramer (1991, p. 70) apontam
que “(...) é falaciosa a busca de um conhecimento mais aca-
bado, verdadeiro ou inquestionável: ao procurá-lo, o que pro-
vavelmente encontramos será um conhecimento cristalizado,
mofado e aprisionador (...)”.
Entendemos que não devemos abandonar descobertas cientí-
ficas importantes, pois cada uma delas foi desenvolvida em con-
textos históricos diversos, trazendo contribuições diferentes que
nos ajudam a pensar a realidade com a qual nos defrontamos
diariamente. Nesse aspecto, agir ocultando os conhecimentos se-
ria o mesmo que negar a história.

57
Ligia de Carvalho Abões Vercelli

Porém, em pleno século XXI, com inúmeras pesquisas refe-


rentes às influências do social no desenvolvimento e na aprendi-
zagem, torna-se inviável pensar uma escola que entenda o aluno
sob uma ótica inatista, ou pensar uma escola que o conceba como
sujeito meramente passivo, incapaz de dar voz às suas ideias.
A escola atual deve compartilhar aprendizagens que foram
adquiridas por meio da educação informal e não formal e articu-
lá-las aos conteúdos ensinados em sala de aula, pois, dessa forma,
o aluno dá pistas de seus avanços e de suas dificuldades, tornando
esse espaço mais democrático e prazeroso.

Referências
UNINOVE - USO EXCLUSIVO PARA ALUNO

CARRARA, Kester. Behaviorismo, análise do comportamento e


educação. In: Kester Carrara (org.). Introdução à psicologia da
educação: seis abordagens. São Paulo: Avercamp, 2004.
DAVIS, Cláudia; OLIVEIRA, Zilma de. Psicologia na educa-
ção. São Paulo: Cortez, 1994.
FALCÃO, Gérson Marinho. Psicologia da aprendizagem. São
Paulo: Ática, 2001.
FERREIRO, Emília. Reflexões sobre alfabetização. São Paulo:
Cortez/Autores Associados, 1987.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1987.
SKINNER, Burrhus Frederic. Sobre o behaviorismo. Tradução
de Maria da Penha Villalobos. São Paulo: Cultrix/Edusp. 1982.
______. Ciência e comportamento humano. Tradução de João
C. Todorov e Rodolpho Azzi. Brasília: UNB; São Paulo: Funbec,
1970.

58
Psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

SOUZA, Solange J; KRAMER, Sonia. O debate Piaget e


Vygotsky e as políticas educacionais. Cadernos de pesquisa, São
Paulo, n. 77, maio 1991.
VERCELLI, Ligia de Carvalho Abões. A psicologia da educa-
ção na formação docente. 2007. Dissertação (Mestrado) – Uni-
versidade Nove de Julho (Uninove), São Paulo.
VILLELA, Fábio Renato. Idealismo filosófico. 2010. Disponí-
vel em: <http://www.recantodasletras.com.br>. Acesso em: 19
abr. 2012.
WEITEN, Waine. Introdução à psicologia: temas e variações.
UNINOVE - USO EXCLUSIVO PARA ALUNO

Tradução de Zaira G. Botelho, Maria Lúcia Brasil, Clara A.


Colotto e José Carlos B. dos Santos. São Paulo: Pioneira Thom-
son, 2002.

59
CAPÍTULO 4
DR. PIAGET, MUITO PRAZER
Sylvia Paula de Almeida Torres Vilhena

introdução

parafraseando o próprio Jean piaget, que em sua autobio-


grafia1 nos diz que sua história pessoal interessa na medida em
que explica, ou se relaciona, às suas ideias, à teoria que propôs,
esse capítulo é iniciado por uma breve apresentação biográfica
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de piaget, com a qual se espera explicar as bases dos pressupos-


tos teóricos da ciência que ele criou: a epistemologia genética.
No campo da Educação, em aplicações na pedagogia, essa teoria
é denominada construtivismo. A seguir, pretende-se aproximar
alguns dos focos de suas pesquisas a possíveis implicações da prá-
tica pedagógica. por fim, destacando algumas de suas obras, ofe-
recem-se pontos para uma reflexão sobre o impacto político de
uma educação construtivista no século XXI. Assim, serão apre-
sentados alguns aspectos do arcabouço teórico arquitetado por
este epistemólogo suíço que, durante mais de sete décadas, uma
vez que seu primeiro artigo científico foi publicado ainda quan-
do era criança, manteve alta produção acadêmica, submetendo a
toda comunidade científica suas descobertas.

Ó Senhor...
Mira e veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto
Que as pessoas não estão sempre iguais,
Ainda não foram terminadas – mas que elas vão sempre
mudando.
Afinam ou desafinam.
Verdade maior.

1. para saber mais, ver: piaget, Autobiografia, 1976.

61
Sylvia Paula de Almeida Torres Vilhena

É o que a vida me ensinou...


Isso que me alegra. Montão.
Guimarães Rosa

1. Era uma vez...

Imagine-se uma época em que as mulheres não votavam,


que as crianças – as mais afortunadas – tinham apenas alguns
brinquedos fabricados (bolas de borracha ou de vidro, boneca,
soldadinho de chumbo, tambor), mas, no mais das vezes, brin-
cavam com objetos que elas mesmas construíam e/ou eram feitos
caseiramente (boneca de pano, pião, bola de meia). Dispunham
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de mais espaço para correr, moravam em casas com quintais e/


ou jardins e podiam brincar nas ruas. Geralmente não comparti-
lhavam dos momentos sociais dos adultos. Tinham como dever
cumprir o que lhes era atribuído pelo responsável em casa e na
escola ou na creche, se a mãe fosse operária e se houvesse possibi-
lidade de contar com tal instituição.
Assim, era em fins do século XIX, antes das Grandes Guerras
Mundiais, na maior parte das cidades ocidentais e, também, em
Neuchâtel, na Suíça, uma pequena cidade, cercada de monta-
nhas e lagos. Foi aí que nasceu Jean Piaget, em 9 de agosto de
1896. Primeiro filho de Arthur Piaget, professor de Literatura
Medieval, e de Rebecca Jackson, a quem Piaget descreve como
mãe amorosa, de profundos sentimentos religiosos, mas, de certa
maneira, instável emocionalmente.
Desde pequeno, o ambiente em casa muitas vezes o levava
a constantes saídas em busca de algum distanciamento, com
passeios pelo parque público ou, mesmo, ao museu local. O
casal ainda teve mais duas meninas que não chegaram a confi-
gurar como parceiras nas ideias e curiosidades de Jean Piaget.
Talvez isso se justifique por seu interesse por pássaros, fósseis,
mecânica e conchas, sucessivamente; ou por sua precocidade
científica evidenciada já aos 10 anos, com a publicação em pe-

62
Psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

riódico voltado à pesquisa, de um artigo que tratava de um


pardal parcialmente albino.
Logo depois foi aceito, e assim permaneceu por alguns anos,
como assistente voluntário do diretor do museu local, personali-
dade destacada no mundo das ciências naturais, que o orientou e
apoiou em inúmeras publicações sobre moluscos lacustres e ou-
tros tópicos de zoologia.
De certa maneira, essa situação lhe rendeu notoriedade e tam-
bém alguns momentos engraçados, já que endereçavam correspon-
dência ao “Dr. Piaget”, à época, ainda um menino que, formal-
mente, não havia concluído sequer os estudos do que chamamos
de ensino médio; também de outra feita, quando ainda adoles-
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cente, recebeu convite para assumir cargo no museu de Genebra,


devido à sua habilidade na classificação e conservação de conchas.
Durante a adolescência e a juventude, leu muito sobre re-
ligião, filosofia e sociologia, e autores como Bergson e Bruns-
chiwig foram foco de seu interesse.
Nessa época, escreveu um ensaio sobre pesquisa em que,
adentrando no campo da filosofia, na pele de um personagem
“Sebastian”, já delineava suas ideias sobre uma epistemologia in-
terdependente de bases orgânicas, de mecanismos de equilíbrio
entre todo e partes que poderiam avançar (isso desconhecendo a
Gestalt que começara a despontar na Alemanha). A prenunciada
invasão da ciência, mais uma vez, no campo da Filosofia, mesmo
que literária, enfureceu seus adeptos; isto porque a filosofia, du-
rante todo o século XIX, acompanhara a criação de novas ciências
que, gradativamente, lhe capturava bocados. A futura epistemo-
logia genética, nova ciência criada por Jean Piaget, desenvolvida
por mais de setenta anos, teve assim seu berço entre Filosofia e
Ciências Naturais e floresceu envolvendo muitos outros campos
do conhecimento, ora valendo-se de conceitos matemáticos, ora
ponderando que, sem a interação social e o afeto, o desenvol-
vimento cognitivo não ocorre, ora adentrando em campos da
ótica, ou da própria biologia, entre outros.

63
Sylvia Paula de Almeida Torres Vilhena

Formou-se na Universidade de Neuchâtel, em 1915. Com


uma tese sobre moluscos de Valais, doutorou-se em Ciências
Naturais em 1918, mantendo seu interesse pelos processos de
desenvolvimento e adaptação, incluindo moluscos e plantas,
até o fim de sua vida, o que ocorreu em setembro de 1980, em
Genebra, aos 85 anos.
Depois do doutorado, seguiu-se período em que foi para Zu-
rique estudar Psicologia em laboratórios e na clínica psiquiátri-
ca de Bleuler, resultando no entendimento de que a psicologia
experimental poderia ser extremamente útil na construção de
uma epistemologia científica. Dirigiu-se a Paris, onde estudou
filosofia com Anfré Lalande e trabalhou no laboratório de Binet
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Simon aplicando testes padronizados de raciocínio em crianças,


o que o fez se interessar pelas respostas infantis ditas “erradas” e
pensá-las como momentos de evolução do pensar.
Em contínua pesquisa e produção de artigos, teve seus tra-
balhos publicados nos melhores periódicos científicos e foi,
desde cedo, motivo de muito debate devido ao ineditismo de
suas ideias que, em suma, contrariavam a maneira como era
concebida a nossa possibilidade de conhecer. Ou seja, o adulto,
ou mesmo a criança, não aprende porque já detém as qualida-
des para isso (inatismo) e basta amadurecê-las, nem aprende
porque é colocado em contato com algo (associacionismo), mas
sim porque a partir de seu próprio interesse – motivado por seu
prazer ou sua necessidade pessoal – interage com a situação ou
com o objeto e, em decorrência disso, com o desenvolvimento
torna-se apto a aprender.
É interessante lembrar que, no início do século XX, não só
se ponderava aspectos do inconsciente – Freud principiava a di-
fundir suas ideias –, como se pensava que as crianças aprendiam,
pensavam e raciocinavam como os adultos, apenas em menor
grau, já que ainda não estavam crescidos.
Na Universidade de Neuchâtel, foi professor de psicologia,
sociologia e filosofia das ciências, de 1925 a 1929.

64
Psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

Importa não esquecer que, durante esse período, se casa


com Valentine Châtenay, de quem terá três filhos: Jaqueli-
ne (1925), Lucienne(1927) e Laurent (1931). Esses dados
familiares têm a sua importância para as investigações futu-
ras (...) Será a partir da observação dos três filhos que Jean
Piaget irá estudar as diferentes manifestações da inteligência
infantil. (PERRAUDEAU, 1996, p. 20)

Será com base em suas observações sobre o desenvolvimento


dos próprios filhos que fundamentará gêneses no período sen-
sório-motor e, também a partir daí, estabelecerá a assimilação e
acomodação como invariáveis funcionais, que passam a ter papel
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central em seu arcabouço teórico.

A assimilação é a integração de um elemento da realidade na


gama de esquemas já construídos pela criança. A acomodação
é a modificação de esquemas já construídos ou a criação de
esquemas totalmente novos. (PERRAUDEAU, 1996, p. 21)

Transfere-se, então, para a Universidade de Genebra e mi-


nistra aulas de história do pensamento científico, até 1939, e,
depois, de sociologia até 1952 e de psicologia experimental de
1940 a 1971. Também leciona psicologia e sociologia, de 1938 a
1951, na Universidade de Lausanne. Enquanto isso, permaneceu
como diretor do Bureau International d’Education de 1929 a
1967. No entanto, em 1921 já aceitara o cargo de diretor no Ins-
tituto J. J. Rousseau, em Genebra, oferecido por Claparède, que
havia se impressionado com o teor de seus artigos. Nessa época,
expande pesquisas e inicia uma série de estudos que o tornariam
famoso, antes dos 30 anos. Foi também o único professor suíço
convidado a ensinar na Sorbonne, de 1952 a 1963.
Se, por uma lado, a proximidade geográfica europeia per-
mite incursões de um país a outro para lecionar as tais aulas,
por outro, o nível das instituições e a natureza das disciplinas
evidenciam a constância de Piaget na atualização e atualidade

65
Sylvia Paula de Almeida Torres Vilhena

das pesquisas, ao longo de tantos anos, e em áreas diferentes do


conhecimento humano, o que confere, mais uma vez, o caráter
de interesse interdisciplinar que o epistemólogo sempre demons-
trou e que desenvolveu em seu sistema teórico.
Ainda, com apoio da Fundação Rockefeller, em 1955, fun-
da em Genebra um centro de altos estudos no qual colaboram
cooperativamente estudantes e inúmeros cientistas de ponta, de
campos diferenciados do conhecimento, muitos deles Prêmio
Nobel, sempre todos voltados para pesquisas sobre como se dá
o desenvolvimento do conhecimento, em suas várias vertentes e
matizes: da ética à física; da construção do número à construção
da escrita; da filosofia à geometria; da percepção visomotora à
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memória; de estudos sociológicos aos problemas da própria in-


terdisciplinaridade das ciências e tantos outros.
Piaget dirige o Centro Internacional de Epistemologia Ge-
nética2 até sua morte. Sempre pautado em uma epistemologia
científica, implementou investigações em diversificados campos
do conhecimento, valendo-se de dois métodos complementares
e solidários: a análise logística e a análise histórica ou genética.
Também contou com muitos colaboradores para corroborar
suas ideias, até porque

a noção do aumento dos conhecimentos implica, de repen-


te, uma pluralidade de hipóteses e exige a colaboração de
pesquisadores múltiplos, cuja própria oposição das atitudes
intelectuais só poderia ser fecunda. (PIAGET, 1978, p. 105)

Quando se diz que a epistemologia genética3 tem uma base


de concepção naturalista, isso não se refere apenas à primeira

2. Para saber mais sobre o Centro de Epistemologia e/ou os Arquivos, consulte:


<http://www.unige.ch/piaget/presentg.html>. 
3. A epistemologia genética se propõe a pôr a descoberto “as raízes das diversas varie-
dades de conhecimento, desde as suas formas mais elementares e seguir sua evolução
até os níveis seguintes, inclusive o pensamento científico” (PIAGET, 1971, p. 8).

66
Psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

formação de seu mentor – Jean Piaget –, mas também a princí-


pios que a proposta observa ao explicar o desenvolvimento do
conhecimento humano, em última análise, da inteligência como
um processo adaptativo, uma possibilidade de adaptação de um
ser ao ambiente, de ampliação de suas oportunidades para viver,
sobreviver, desenvolver-se e perpetuar-se (procriar).
Assim, apresenta-se a natureza do sistema teórico piagetiano,
um sistema que enfatiza o desenvolvimento, a sucessão de “etapas”
e o não determinismo, o afeto como fator energético e a interação
dialética entre o sujeito e o ambiente como os fatores básicos.
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2. Desenvolvimento e as invariáveis
funcionais

Pouca diferença se nota em termos de potencial intelectual,


social ou físico entre duas pessoas com dez anos de diferença se,
por exemplo, uma tem 26 anos e, a outra, 36 anos. Já na adoles-
cência, quatro anos de diferença de idade, supondo-se indivíduos
de 13 e 17 anos, traz consigo possibilidades físicas, sociais e emo-
cionais bastante diversas. Sabemos, até intuitivamente, que quan-
to mais baixa a faixa etária, menores diferenças de idade implicam
maiores diferenças na relação do indivíduo com o mundo; um
ou dois anos fazem muita diferença entre crianças pequenas, e,
dentre os bebês, meses (ou mesmo dias) são notórios na indicação
de grandes alterações.
Esta observação introdutória busca chamar atenção para as
grandes diferenças contidas entre os indivíduos inseridos na faixa
etária compreendida pela, assim chamada, educação infantil e,
também alertar para as diferenças dentre as crianças do ensino
fundamental, que as recebe aos 6 anos e que também estão afetas
ao pedagogo, bem como as de 10.
Nesse sentido, pode-se aquilatar a necessidade pedagógica de
adequação desde as dimensões do mobiliário até a organização de

67
Sylvia Paula de Almeida Torres Vilhena

espaços, tempos e atividades diversificadas, conforme as possibi-


lidades de foco de atenção, manipulação e nível socioemocional
e cognitivo do grupo-classe.
Nessa concepção teórica, entende-se o homem como ser bio-
lógico, histórico, ser epistêmico que retira do ambiente informa-
ções e energia, as transforma e é por elas transformado. Assim,
não só a natureza, mas também o ambiente construído, a vida
em comunidade/sociedade, a cultura – plena de valores, usos,
costumes, crenças – configuram-se como o meio em que o sujei-
to se forma, se informa, se transforma em dinâmica recorrente e
majorante e ainda, na mesma ação, constrói, reconstrói, destrói
e reconstrói o ambiente e, desse contexto, não se excluem nem
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crianças, nem adultos, nem objetos, nem ideias, usos, costumes


ou ideologias que permeiam o ambiente.

Ora a ação não se desenrola em função de impulsos internos


(exceto no início do período sensório-motor), ela é engen-
drada exclusivamente de modo centrífugo. Pelo contrário,
na experiência da criança, as situações com as quais ela de-
para são engendradas pelo seu ambiente social envolvente,
as coisas aparecem em contextos que lhes conferem signifi-
cados particulares. A criança não assimila objetos “puros”
definidos por seus parâmetros físicos. Ela assimila situações
nas quais os objetos desempenham determinados papéis e
não outros. (PIAGET, 1987, p. 228)

O desenvolvimento dá-se a partir de um substrato orgânico –


um corpo – que tem suas possibilidades de sentir e movimentar-
-se. Esse ser vivo inegavelmente traz consigo uma determinada
organização e disposições para funcionar. Assim, uma educação
que se pauta na epistemologia genética considera também o cor-
po, as suas demandas, as suas possibilidades de sentir, movimen-
tar-se, funcionar, em diversificados espaços e atua, pedagogica-
mente, nesse sentido.

68
Psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

Herdamos especificamente, biologicamente, órgãos, “sensores”


que nos permitem inter-relacionar com o mundo: apreendê-lo, in-
teragir. Mais que isso, também se dispõe de uma hereditariedade
geral funcional. Para Piaget, que entende o desenvolvimento inte-
lectual como um prolongamento do funcionamento biológico, há
que se considerar duas características fundamentais desse funcio-
namento: a organização e a adaptação – processos complementares
de um mesmo mecanismo. Por sua vez, a adaptação compreende
a assimilação e a acomodação, já mencionadas, como invariantes
indissolúveis e complementares entre si.
Para manter a sua organização, o organismo estabelece tran-
sações com o ambiente, na medida de seu interesse, necessidade.
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Do mesmo modo que alguém, com fome, ajusta seus dedos, sua
mão, para pegar uma maçã, por exemplo. Em termos piagetianos,
uma vez que se acomoda ao objeto, também deverá modificar esse
objeto para poder complementar a assimilação: morderá um naco
da maçã, mastigará, engolirá, transformará esse alimento em ener-
gia, etc. Enfim, para assimilar altera o objeto, acomoda-o às suas
estruturas (boca, esôfago, etc) e, com isso, transforma o objeto e se
transforma, fica mais forte, cresce... Da mesma maneira, havendo
suficiente emoção para interagir, ou seja, havendo algo que suscite
a atenção da criança, isso será motivo de tentativa de assimilação
(despertou a curiosidade), o que também acionará a acomodação
e esse processo, de ações diferentes e complementares, ocorre na
medida das possibilidades daquele sujeito, naquele momento.
Charlon-Blanc (1997, p. 52) reitera que,

por diversas vezes a partir dos anos 50, em 1966 e em 1972,


Piaget afirmará que, sem a afetividade, a inteligência não
pode funcionar. (...) Assim, para Piaget, no início está a
afectividade. Ela encontra-se na origem de todo o compor-
tamento e autoriza, sem explicar a sua organização.

69
Sylvia Paula de Almeida Torres Vilhena

Vamos supor que alguém balance chaves de um carro espor-


te, à frente de João. João sorri, agita rapidamente as mãos em
direção às chaves, pega-as e as leva à boca; João está com 6 meses.
Passa-se o tempo e, novamente, se oferecem as chaves do carro
a João que, agora, corre para o automóvel, abre as portas, senta-
-se na ponta do banco e finge que dirige, porque sequer alcança
os pedais; João está com 6 anos. Passa-se o tempo e a história
se repete, porém, agora com 20 anos pega as chaves e assume
a direção do carro eficientemente. Pode-se, por aqui, avaliar a
importância do papel do pedagogo na escolha e na apresentação
de algo à sua classe e, simultaneamente, evidencia-se que a mo-
tivação e as possibilidades de interação situam-se no educando,
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o pedagogo é um animador da relação que se pretende que se


estabeleça, um profissional que descobre o que interessa ao edu-
cando, apresenta o desafio, passível de sucesso com o emprego de
algum esforço que, por sua vez, redundará em desenvolvimento
que implicará em aprendizagem.
A assimilação ocorre, geralmente, em três momentos distintos:
no primeiro, quando o sujeito ainda não conhece o objeto, mas por
ele sente algum interesse e, assim, entra em contato com o objeto,
enfim conhece-o; no segundo, quando em outro contexto, esse mes-
mo objeto pode ser reapresentado e o sujeito assimila-o novamente,
reconhecendo-o; e por fim, no terceiro momento, quando o sujeito
entra em contato com o objeto em situações diferentes, não neces-
sariamente tendo o objeto o mesmo estado do primeiro momento,
mas ainda passível de alguma identificação, ou seja, reconhece-o tan-
tas vezes e em circunstâncias tão diferentes que tende a generalizar
esse objeto, e o integra ao seu acervo de conhecimentos.
Essa assertiva nos remete novamente aos afazeres de um pe-
dagogo que, ao estabelecer objetivos, deve prever em seu pla-
nejamento a oferta de situações/estratégias diversificadas e em
diferentes momentos subsequentes com vistas ao sujeito prosse-
guir em seu interesse e na interação com o objeto que se tem em
vista, pelo qual há uma clara intencionalidade pedagógica, para

70
Psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

que a criança prossiga conhecendo, reconhecendo, generalizan-


do. Como ela procede?
Pela comparação e diferenciação, cada vez mais frequente,
com a correta nomeação e descoberta das qualidades que os dis-
tinguem e assim por diante. Evidencia-se, desse modo, a impor-
tância do cuidadoso e inteligente trabalho do professor que ao
tratar, por exemplo, da boa alimentação e de frutas com a classe,
oferece laranjas, bananas e maças, mas também a seguir: mexe-
ricas, tangerinas, limões (notoriamente demandam mais atenção
para a diferenciação) e, ainda, favorece a interação completa das
crianças. Descasca as frutas, oferece para degustação, nomeia com
clareza, busca que descrevam com qualificadores (adjetivos) suas
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propriedades, etc. Desafia a classe para que explique de onde vêm


tais frutas, como nascem e assim por diante. Note-se a importân-
cia de ampliar o contexto do objeto em estudo, o que se impõe
às crianças desde pequenas: textos com contextos em expansão.
Emilia Ferreiro, ao ser questionada por Daniel Goldin so-
bre o que seria uma criança “piagetiana”, diz: “é a criança que
tenta compreender o mundo que a rodeia, que formula teorias
acerca desse mundo; uma criança para quem nada é estranho”
(FERREIRO, 2001, p. 18).
A evolução do conhecimento se dá em espirais que, partindo
de um substrato, de uma base orgânica – um corpo – pela inte-
ração do sujeito com o ambiente, expande suas possibilidades.
Pelo funcionamento dos sentidos apreende-se o ambiente. As es-
piras expandem-se retomando conhecimentos anteriores; neles
se apoiam, os reelabora, coordena-os e avançam e, novamente,
o movimento prossegue na medida em que o sujeito, aceitando
desafios dado o interesse, se desequilibra, e procede reiterada-
mente, pela interação sujeito-ambiente, no binômio assimilação-
-acomodação com vistas a se reorganizar, reequilibrando-se como
resultado provisório, já que há um contínuo devir.4 Dessa ma-
neira, o desenvolvimento do conhecimento é fruto da interação.
4. Flavell é autor de livro, prefaciado pelo próprio Piaget que, em linguagem bem
acessível, apresenta conceitos e as propostas gerais das obras básicas publicadas até
a década de b1970.

71
Sylvia Paula de Almeida Torres Vilhena

O conhecimento não parte nem do sujeito nem do objeto,


mas da interação indissociável entre eles, para avançar daí
na dupla direção de uma exteriorização objetivamente e de
uma interiorização reflexiva. (PIAGET, 1973, p. 14)

As pesquisas pautadas na epistemologia genética desvelam


que a ordem na progressão da evolução cognitiva da criança
tem a mesma possibilidade, independentemente do espaço, do
tempo e da cultura de que se fala. No entanto, a velocidade em
que acontece (e se acontece), como também a amplitude em que
ocorre, depende das variáveis em que o ambiente se apresenta,
e ainda do interesse e da qualidade da interação do sujeito em
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relação ao objeto.
Há que ser suficientemente situação encorajadora, suscita-
dora de curiosidade e, ao mesmo tempo, um desafio possível de
enfrentamento para que a criança progrida com satisfação e é
dessa maneira que a qualidade da interação conta, e é condição
necessária para que a criança esteja sempre pronta a prosseguir.
Assim, permanecer olhando, de um mirante, a mesma paisagem,
é diferente de descer ao vale e experimentar o frescor da água dos
rios, deitar-se em grama macia, provar de frutos que só vicejam
no baixio das encostas.
Em conversa com o jornalista Bringuier (1993, p. 163), há a
pergunta: “É, portanto, a riqueza dos possíveis comportamentos
que apressa a evolução? (resposta de Piaget): Possíveis e pratica-
dos! Sim, é isto”.
Nesse sentido, complementa-se o binômio educar-ensinar
com o comprometimento do profissional da educação. Cabe ao
professor acolher o aluno em sua cultura e valer-se de estratégias
interessantes para animar a criança a descobrir, inventar, man-
ter-se ativa na construção de seu conhecimento, porque é nesse
viver, fazendo, experimentando que se desenvolve um cidadão
contemporâneo, planetário, que sabe aprender, agir e conviver
frutífera e conscientemente.

72
Psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

A construção teórica de Jean Piaget, centrada em um sujeito


universal, cujas decalagens, em uma leitura até política, podem
ser atribuídas também à pobreza ambiental, se tanto furor causou
no início do século XX, hoje se tem assentada e corroborada por
inúmeros pesquisadores. Também sempre deixou claro o valor
que atribui às emoções, ao aspecto afetivo de qualquer cognição,
conquanto não fosse este seu objeto de estudo.
Em conversa com Jean-Claude Bringuier (1993, p. 71), o
diálogo corre nos termos:

E no campo afetivo, não há fatos? (resposta): Este proble-


ma não me interessa como científico, porque não é um pro-
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blema do conhecimento, que é de meu interesse especial, e


depois, porque todas as teorias que se têm feito sobre a afeti-
vidade, me parecem extremamente provisórias, aguardando
que os fisiologistas nos dêem explicações endocrinológi-
cas precisas”. (...) “É inteiramente evidente que, para que
a inteligência funcione, é preciso um motor, que é afetivo.
Jamais se procurará um problema se ele não lhe interessa.
O interesse, a motivação afetiva, é o móvel de tudo. Dese-
jo disto, desinteresse daquilo. É a energética, certamente.
Tome apenas, por exemplo, duas crianças em relação às li-
ções de aritmética. Uma que gosta de matemática, e progri-
de; a outra, que tem a impressão de não compreendê-la e
que tem sentimentos de inferioridade e todos os complexos
bem conhecidos nas lições de matemática, nos fracos em
matemática. O primeiro irá bem mais rápido; o segundo,
bem mais lentamente. Mas para ambos, dois e dois farão
quatro. Isto não modifica nada da estrutura adquirida. Se
o problema que se estuda é a construção das estruturas, a
afetividade, bem entendido, é essencial como motor, mas
não constitui explicação das estruturas. (...) É estranho que,
mesmo assim, ela não apareça no mesmo nível das estrutu-
ras! Porque um indivíduo é uma totalidade, é um todo. É
isto, mas no estudo dos sentimentos, quando você encon-
tra estruturas, são estruturas de conhecimento. Nos senti-

73
Sylvia Paula de Almeida Torres Vilhena

mentos de afeição mútua, por exemplo, há um elemento


de compreensão, há um elemento de percepção. Tudo isto
é cognitivo. Nas condutas, você tem – e eu creio que todos
os autores estão de acordo a este respeito – uma estrutura
da conduta e uma energética da conduta. Há o motor e há
o mecanismo.

O grande objeto de interesse nas pesquisas do epistemólogo


suíço centrou-se em descobrir como se desenvolvem os conheci-
mentos. Piaget sempre esteve interessado nos mecanismos, sem
jamais minorar a importância do afeto como fator fundamental
que os faz desenvolver, mas que não era o ponto central de sua
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curiosidade científica, e/ou voltar o foco para a análise do(s) am-


biente(s) em suas investigações. Daí, inclusive prefaciar obra de
Wallon e, ainda, declarar as ideias desse autor como complemen-
tares à teoria que ele mesmo desenvolveu.
Também citou em sua própria bibliografia a importância do
meio, até porque a qualidade deste afeta o sujeito e, por conseguin-
te, afeta o desenvolvimento, porém, e novamente, não o determina.5
Assim, o fator energético e o meio ambiente como possibi-
lidade de interesse e de desafio devem ser ponderações de um
pedagogo que busca o processo de desenvolvimento da criança.
O processo de interação/desenvolvimento não se dá de forma
linear, mas sim articulando-se ao já construído, retomando estru-
turas e avançando em desenvolvimento. Nesse sentido, a diver-
sificação de atividades que favoreçam o fortalecimento de esque-

5. Além de citações em diferentes obras, vale consultar Estudos Sociológicos, biblio-


grafia em que o autor cuida de apresentar não só uma apreciação sobre as áreas
do conhecimento que transitam nos campos sociais, como enfatiza a importância
de atentar para o fato de que os conhecimentos são construídos imersos em fatos
sociais, plenos de valores, regras e símbolos. Também interessante notar, em El na-
cimento de la inteligência (1976, p. 51), os comentários que Piaget faz ao apresentar
estudos comparados em que evidencia o papel do meio como favorecedor e/ou re-
tardador do desenvolvimento cognitivo, dado os hábitos culturais de se relacionar
com as crianças.

74
Psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

mas, de estruturas cognitivas, deve ser uma medida a ser adotada


pelo pedagogo construtivista. O bebê capaz de pegar um boneco
de borracha deve ser desafiado a pegar outro tipo de brinquedo,
assim como a criança que encaixa discos em um pino, pode/deve
ser desafiada a inserir contas em um barbante e/ou a criança que
junta quatro bananas a cinco laranjas, pode adicionar outros ti-
pos de objetos em quantidades paulatinamente crescentes.
As desequilibrações devem ser suficientemente interessantes
para causar o desafio e adequadamente dosadas para que, pela in-
terdependência do já estruturado, a situação configure-se como
passível de ser ultrapassada. Importa assim que haja
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proveito de interações e interdependências, cujos “cír-


culos” e as “espirais” são impossíveis de dominar sem
fazer intervir sistemas de regulações e de equilíbrações.
(PIAGET, 1973, p. 13)

Esse evoluir, explicitado em todo o arcabouço teórico de Jean


Piaget, é claro quando indica a progressão do conhecimento a
partir de um momento inicial de indiferenciação, seguido de di-
ferenciação para então alcançar coordenação. Assim, atividades
pedagógicas que favoreçam o comparar e o diferenciar impul-
sionam positivamente o evoluir em direção a um conhecimento
mais ampliado. Diversificar continuamente materiais e situações
é uma atividade do professor construtivista, bem como alternar
propostas de atividades em grupo e individuais.
A tomada de consciência dos desdobramentos de sua própria
ação no ambiente (e aí incluídos os aspectos naturais, constru-
ídos, de relacionamento social, etc) propicia não só o agir res-
ponsável, mas permite avanços qualitativos no desenvolvimento
cognitivo, emocional e social. E, novamente, aponta-se o papel
do professor na intervenção para que essa tomada de consciência
ocorra; é pelo questionamento à criança que se desvelará o quão
consciente de seu comportamento, da maneira como faz as coi-
sas, das consequências de seus atos ela se encontra, o que possi-

75
Sylvia Paula de Almeida Torres Vilhena

bilita mais um pequeno passo para novas retomadas em direção


à majoração.

3. Períodos, estágios, etapas... roteiro


para o pedagogo

Nessas poucas páginas, não se pretende percorrer estágios,


etapas e subetapas abarcados nos períodos (sensório-motor;
operacional e hipotético-dedutivo/formal) em que se organiza
a sucessão de desenvolvimento piagetiano, até porque inúmeros
outros autores bem mais capazes já o fizeram; o que se almeja
é expressar a ideia de propostas pedagógicas continuadas, di-
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versificadas e necessárias para favorecer tal desenvolvimento,


sempre deflagrado a partir da compreensão sobre aquilo que
move a criança em um determinado momento e da tomada de
consciência pelo educador de que ele é um modelo que a crian-
ça imita e em quem a sociedade confia para educar seus filhos,
e, ainda, que cada momento é único e precioso na formação e
informação desse ser.
A primeira infância é de fundamental importância para todo
o desenvolvimento psíquico.

Constitui ao mesmo tempo a base de toda atividade psíqui-


ca construtiva. (...) Se as crianças dos sete aos doze anos, se
mais tarde os adultos, são capazes de adquirir conhecimentos
geométricos e físicos é porque durante os primeiros anos de
vida conquistaram o espaço graças aos seus movimentos e
percepções. A coordenação dos movimentos do próprio cor-
po e dos objetos leva ao conhecimento sensório motor do
espaço sobre o que se estruturam mais tarde as representações
especiais concretas e sobre estas as operações geométricas do
pensamento. (PIAGET; INHELDER, 1988, p. 32)

Ao nascer, o bebê ainda não pensa – nada ab extraiu, ou


seja, nada retirou do ambiente e transformou em imagem men-

76
Psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

tal, mas isso ocorrerá pelas interações que estabelecer com o


meio. Dispõe para sobreviver, se comunicar, interagir com o
que o cerca, de seu próprio corpo. Evidencia-se que nos pri-
meiros meses de vida o apoio é total nos próprios sentidos e
nas possibilidades de movimentação do corpo, ou mais preco-
cemente, de movimentarem seu corpo e com isso ampliar seu
espaço de experiência. Outra vez, se evidencia a importância
das ações dos profissionais em relação à educação de um bebê.
Aquilo para o que se chama a atenção da criança, cenários em
que se insere e é inserida, são fontes de informações básicas e
sempre, mesmo que inconscientemente por parte do adulto,
vêm carregadas de valorização: o que é comível; o que pode ou
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não ser feito; o que é oferecido à audição, ao tato; onde deve


movimentar-se, a textura de panos e pequenos objetos passíveis
de preensão, são questões básicas, e há que ponderar na manei-
ra como o educador restringe ou amplia essas possibilidades,
como e em que tom se dirige à criança.
Se, por um lado, há necessidade do estabelecimento de ro-
tinas para viabilizar o bem cuidar, há também que intervir para
oferecer diferentes possibilidades de movimentação e contato
com objetos, desde os primeiros meses. Tapetes de estimulação,
oferta de objetos passíveis de preensão, situações de estimulação
tátil e auditiva suave devem ser aproximados da vivência do bebê,
bem como “conversas” amorosas, com o rosto voltado para a
frente do rosto do bebê também colaboram para o seu desenvol-
vimento e devem ocorrer diariamente. Esse pequeno ser também
sente prazer e deve ser acolhido calorosamente desde seus primei-
ros dias para que seu aparelho psíquico se desenvolva em ótimos
termos, tanto emocional quanto cognitivamente, até porque está
evidente que são aspectos interdependentes.
Piaget explicita seis estágios no período sensório-motor (que
pauta-se em uma inteligência prática), a base de todo o arcabou-
ço de estruturas que se desenvolvem.

77
Sylvia Paula de Almeida Torres Vilhena

O primeiro desses estágios é caracterizado pelo uso dos re-


flexos (aproximadamente até o fim do primeiro mês) e mesmo
nesse, tão inicial, já se detecta as invariáveis funcionais: organiza-
ção e capacidade de adaptação (com assimilação e acomodação).
Os estágios seguintes se sucedem como adaptações adquiridas.
Há constante aplicação de esquemas a situações novas, como tam-
bém ocorre coordenação dos esquemas conhecidos. Nesse sentido,
são notórias as tentativas do bebê em prolongar espetáculos interes-
santes (aproximadamente 4 a 8 meses); o uso de sinais para antecipar
acontecimentos (piscar para tentar apagar as luzes, por exemplo);
exploração de novos objetos de interesse; descoberta de novos meios
para se atingir objetivos a partir da experimentação ativa (geralmente
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entre 12 a 18 meses) e, por fim, a invenção de novos meios a partir


de combinações mentais, uma vez que já conserva, mentalmente, o
objeto (entre 18 e 24 meses, aproximadamente).
Piaget enraíza a cognição no período sensório motor: da ma-
temática, com as estruturas-mães dos Bourbaki (álgebra; geome-
tria/deslocamentos espaciais de Poincaré, cálculo), à formação
moral. Brincando com uma bola observa o caminho percorrido,
o deslocamento dos objetos, mas também o comportamento e
altura de voz do adulto.
Nesses primeiros momentos de sua vida a criança formará
suas primeiras imagens mentais por ter entrado em contato com
objeto que assimilou conhecendo, reconhecendo várias vezes, até
generalizá-lo e retê-lo mentalmente (conservação do objeto).
Ao situar o objeto, interagir com ele, seja esse objeto a mãe,
a mamadeira, o chocalho ou uma bola, a criança passa a reter
fragmentos dessa imagem e, pouco a pouco, articula com noções
dos locais, dos momentos em que ocorrem e vincula, muito em-
brionariamente, alguma causa que associa ao objeto.
Assim, ao se coordenarem esses fatores – objeto, espaço, tempo
e causalidade – se constitui o pensamento. Ainda um pensamen-
to bem estanque, pouco encadeado, mas que tende a se organizar
em totalidades. Como se fossem fotografias esparsas que, gradativa-

78
Psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

mente, vão sendo, primeiro, justapostas e ocasionam algum sentido


(pré-operatório e/ou simbólico) e, depois, são articuladas e passadas
tão rapidamente que se tornam como um filme, com muita plasti-
cidade. Um filme que lá por volta dos 6 ou 7 anos pode ser passado
de trás para frente. Então, a criança poderá inverter mentalmente a
ordem do fenômeno, que é o que se chama de raciocinar.
Assim, a criança será capaz de mentalmente compreender que
7+4=11 e que 11-7=4. Nisso está implícito que, antes, ela deixará
de ser enganada visualmente pelas transformações de forma pelas
quais alguma substância possa passar (conservação de substância,
que ocorre aproximadamente entre os 5 e 7 anos de idade).
Um exemplo clássico disso é o caso da esfera de massinha,
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que transformada em cilindro aparenta, para a criança, ter mais


ou menos substância – opinião mantida mesmo quando se ques-
tiona se alguém alterou a quantidade de substância, e ela diz não,
mas não nota a própria incoerência.
Essa incursão em outro período tem o intuito de demonstrar
a continuidade no desenvolvimento, o que vai demandar conti-
nuidade no planejamento pedagógico e não de esgotar noções
sobre estágios, etapas, etc. Vale lembrar que os momentos sub-
sequentes ao sensório motor são: pré-operatório, também chamado
de simbólico; operatório concreto; e, por fim, geralmente já na
adolescência, operatório formal ou hipotético-dedutivo.
Retomando, brevemente, o período sensório motor, porque
é nele que se encontra a base de toda a evolução, é desde esse
momento inicial que se detectam as atividades mais espontâneas
e constantes da criança: a imitação e a brincadeira, ambas natu-
ralmente utilizadas para seu próprio desenvolvimento, atividades
que perdurarão durante toda a infância.
Essas atividades, o encantamento com as próprias mãos, até
a repetição exaustiva de objetos jogados ao chão, têm o objetivo
de exercitar sua assimilação; ou, em maior grau, o objetivo de
acomodação – quando o caso é de imitação.

79
Sylvia Paula de Almeida Torres Vilhena

A criança natural e espontaneamente assimila o meio, a cul-


tura em que está inserida e nela brinca, e com isso, se desenvol-
ve. Tem-se, dessa maneira, que atentar para o que se fala com a
criança, como se fala, ao que a expomos, porque, mesmo ainda
com poucas possibilidades de explicar o que vê ou daquilo que
participa, ela é capaz de demonstrar o que aprendeu a partir da
imitação, da brincadeira.
Ora, até mesmo empiricamente, sabe-se das diferenças entre
uma criança pequena de 6 meses e outra de 1 ano; ou de uma de
2 anos, de 5 e outra de 10.
Nesse sentido, há que se prever e prover espaços que se con-
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figurem como desafios seguros, desde o exercício do engatinhar,


aprender andar, rolar, aprender a correr, saltitar, saltar, até esca-
lar... Sempre dosados como obstáculos passíveis de serem venci-
dos e favorecedores do contínuo aprendizado.
Ainda pequena, ao atribuir significado a imagens mentais
(que passam, assim, a ser significantes), a criança adentra em um
mundo em que há a reapresentação mental de objetos, fenôme-
nos ausentes fisicamente, ou seja, há a entrada em um mundo
simbólico, semiótico. A princípio, plenos de carga emocional,
os símbolos são extremamente pessoais e, paulatinamente, pela
convivência social, compartilham-se os significantes do meio, na
maneira como é entendido pela sociedade.
Assim, se em ano inicial de vida um pedaço de pano é enten-
dido como inseparável companheiro para a hora de dormir (sím-
bolo pessoal), depois de algum tempo passa a ser fralda, “coisa
que só bebês usam”. Na explicação das coisas, no entendimento
do mundo, há uma ego-centração6.
Essa ego-centração vai se repetir quando alçar-se ao mundo
do hipotético-dedutivo em que suas hipóteses, a princípio, serão
aquelas consideradas únicas, plenas de explicações e soluções fi-
6. Palavra usada, nesse primeiro momento, com hífen para demonstrar diferenciação,
para evitar confusão com o termo egoísmo.

80
Psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

nais até para problemas longevos da humanidade. Basta observar


um adolescente, escutá-lo e perceber que, felizmente, é bastante
criativo e descobridor de caminhos e saídas para várias situações,
todas a partir de seu próprio mundo, mas ferrenhamente defen-
didas. Aos poucos, na convivência com a geração mais velha da
sociedade, com outras experiências, aprenderá a ponderar outras
perspectivas, outros olhares, descentrará.
No período simbólico – geralmente, entre 2 a 6 anos –, as ca-
racterísticas do pensamento infantil serão marcadas pelo: realismo
nominal; sincretismo; egocentração; justaposição; e transducção.
Por conta de características como essas, ocorrerão situações que,
muitas vezes, parecem engraçadas aos adultos, mas que devem ser
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motivo de reflexão para o profissional que atua com essa faixa etá-
ria. Nomear partes do corpo e, ao fazê-lo, utilizar a expressão “bar-
riga da perna”, já levou muitos profissionais à estranheza, por não
perceberem que o que a criança tanto mexia na perna dos outros
resumia-se à busca pelo umbigo da tal “barriga”.
Outro exemplo disso é o da criança brincando ao ar livre em dia
ensolarado que repentinamente grita e corre desesperada para ver-se
livre da sombra que a persegue. Isso não deve ser motivo de galhofa,
pois esse seu “não saber” sinaliza a necessidade urgente de teatro de
sombras, de brincadeiras com focos de luz, distância e perspectivas.
Para crianças um pouco mais velhas, até a percepção do que é
vivo ou não depende do momento da evolução mental. Brinque-
dos que fazem barulho, falam, podem estar vivos; a seguir, só são
assim considerados os que se movem (a bicicleta, por exemplo,
mas a árvore, não); se o peixinho nada, come, está vivo e conversa
(lembrando que, para o pequeno, muito do que se fala são sons
absolutamente irrelevantes, por não estar interessado, ou por não
saber o significado das palavras, mas das quais capta a emoção da
circunstância e, muitas vezes, o sentido semântico).
A criança aprende desde muito cedo a intensidade e a pou-
ca aceitação pelos adultos quando ouve um “não”. Quando o
pequeno adentra ao período simbólico, a linguagem possibilita

81
Sylvia Paula de Almeida Torres Vilhena

uma infinitude de descortinamentos, mas o seu pensar é ain-


da “einsteiniano”: tempo e espaço compreendidos em uma só
dimensão, imbricados. Também devido à justaposição e ao sin-
cretismo, os antagônicos são perfeitamente complementares, isto
sem jamais ter ouvido falar em Piaget ou Edgar Morin.
A lógica se constrói a partir do estabelecimento de vínculos
percebidos em um mesmo contexto. Questiona, por exemplo,
porque a pessoa que quer emagrecer usa adoçante, produto que
deve engordar, já que todos os que o usam são mais gordinhos.
Tudo depende do quanto, quando e como se apresentam as coi-
sas do mundo real para a criança.
O contexto de vida atual impacta o desenvolvimento da crian-
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ça com muita tecnologia de informação e comunicação. E nem


o berçário nem a escola, inseridos no aqui e agora, estão ausentes
desse contexto, que observa alternância de ritmos e materiais como
meios para favorecer o desenvolvimento das possibilidades cogniti-
vas e sociais das crianças, de maneira lúdica ou mais formal. A pre-
sença de um pedagogo consciente e criativo, que sabe valer-se do
que a sociedade disponibiliza de mais atual, pode favorecer a apre-
sentação de situações desafiadoras e/ou facilitadoras da tomada de
consciência do que, do como, do por quê e do para que o educan-
do age daquela determinada maneira, naquela circunstância.
A primeira infância é de fundamental importância para todo
o desenvolvimento psíquico.

Constitui ao mesmo tempo a base de toda atividade psíqui-


ca construtiva. (...) Se as crianças dos sete aos doze anos, se
mais tarde os adultos, são capazes de adquirir conhecimentos
geométricos e físicos é porque durante os primeiros anos de
vida conquistaram o espaço graças aos seus movimentos e
percepções. A coordenação dos movimentos do próprio cor-
po e dos objetos leva ao conhecimento sensório motor do
espaço sobre o que se estruturam mais tarde as representações
especiais concretas e sobre estas as operações geométricas do
pensamento. (PIAGET; INHELDER, 1988, p. 32)

82
Psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

Pondera-se que a criança pré-operatória (ou também chamada de


simbólica) difere muito daquela que se encontra no momento sensó-
rio-motor, uma vez que funciona em um plano novo da realidade, o
plano da representação que se contrapõem à ação prática, direta.
Nesse sentido, também há que se deixar claro que a criança
simbólica pode indicar, pela conservação de substância, sua entra-
da em outro patamar de desenvolvimento, qual seja, o operatório.
Reitera-se que jamais deixaremos de ser sensório motores, ou sim-
bólicos. Essas instâncias são integradas, possivelmente, a outras seguin-
tes, mais sofisticadas, até atingir o pensamente formal. Se a aquisição
da linguagem possibilita uma expansão maravilhosa do potencial se-
miótico humano, a escrita também amplia esse potencial da lingua-
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gem ao viabilizar a comunicação entre gerações e/ou a documentação


em um ambiente tão volátil como é esse em que se vive hoje.
Cabe ao pedagogo facilitar a ampliação do repertório lin-
guístico de seus alunos, como também a aproximação ao mundo
escrito, letrado, bem como a apropriação do código, construtiva
e apropriadamente. Em termos pedagógicos, é fazendo, agindo,
que a criança compreende o mundo, daí a necessidade de saber
escolher a qualidade da ação que se propõe, ou que se permite
que se apresente aos olhos da criança, uma vez que isso é essencial
para um ser humano que se pretenda humanizado, ético.
Quando Piaget reitera, em várias obras, que o os alvos do
comportamento são a extensão do meio, ampliar a circunscri-
ção imediata e o crescimento dos poderes do organismo sobre o
meio implica manter em foco que o grande diferencial humano
reside em seu potencial semiótico, e que é a riqueza dos possíveis
e praticados comportamentos que apressa a evolução, o desen-
volvimento; e, por outro lado, a tomada de consciência, como
já citado, se dá a posteriori, mas permite o aperfeiçoamento, a
abstração em nível mais elevado.
A criança pequena, realmente desde bebê, apreende o que lhe é
possibilitado: pelos adultos, no espaço, na cultura, em qualquer mo-
mento da história humana. Pela interação sujeito-ambiente, que im-

83
Sylvia Paula de Almeida Torres Vilhena

plica reconhecer a qualidade do meio como um diferencial, engati-


nhará ou não (como na Idade Média europeia, em que era comum tal
fato ser tolhido para que não se assemelhasse o ser humano ao animal),
irá andar, falar, brincar, conviver, viver imersa em conhecimentos e
contextos sociais que prezam determinadas informações e determi-
nados valores, ou não, irá imitar “coisas”, atitudes, comportamentos.
Disporá de vasto repertório linguístico, ou não, apropriar-se-á de dife-
rentes contextos, de portadores de escrita, desenhos, ou não.
Os domínios cognitivos são constantemente renovados,
imersos em cultura e em tradições. Quando se viaja (concreta ou
virtualmente), conhece-se outra cultura, outros valores e hábitos;
depara-se também com aspectos que “não se sabia que sabia”.
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Atualmente, considerando os meios de comunicação, o con-


fronto de valores, hábitos e informações gerais é grande, e cabe
ao adulto estar ciente de que os comportamentos denotarão os
resultados da interação do sujeito. Assim, brincadeiras, filmes e
desenhos podem ajudar a refletir sobre escolhas que devemos fa-
zer e o que pretendemos que as crianças façam.

4. Por uma educação construtivista


para o século XXI

Notadamente a partir das últimas décadas do século XX, com a


internacionalização dos sistemas de comunicação, televisão via satélite,
democratização do uso do computador pessoal/internet e do celular,
ou mesmo com as facilidades de acesso a viagens até internacionais que
nos transportam a lugares e culturas exóticas e que, simultaneamente,
nos brindam com gentes de todos os cantos do mundo, acelerou-se a
sensação do aqui e agora, a imersão do sujeito em diferentes circuns-
tâncias, demandas diferenciadas para o viver e conviver no século XXI.
Ora, isso exige uma educação centrada na possibilidade de
constante aprendizagem, ou seja, saber aprender, e implica a exis-
tência de sujeitos que também sabem fazer, viver e conviver em
harmonia, em situações de pouca permanência,7 de tolerância
7. Relatório Delors / 1996 – Os quatro pilares para uma educação do século XXI –
Unesco/ONU.

84
Psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

com o semelhante e de capacidade de interagir equilibradamente


no e com o ambiente, o que, enfim, redunda em uma visão inter-
disciplinar e transdisciplinar de educação.
Piaget (1973), em ensaios da década de 19708, já pautava a ne-
cessidade de assumir-se, de vez, uma nova maneira de ensinar, mes-
mo que isso representasse um desafio para os professores, porque
seria a partir das oportunidades de aprender, de inventar e descobrir
que se coinstruiria um sujeito, de fato, autônomo intelectual, capaz
de fazer frente a desafios que se apresentam cada vez mais amiúde e
que têm, no mais das vezes, repercussões inesperadas.

É que é nada mais difícil para o adulto que saber apelar para
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a actividade real e espontânea da criança e do adolescente;


no entanto, somente essa actividade, orientada e incessan-
temente estimulada pelo professor, mas permanecendo livre
nas experiências, tentativas e até erros, pode conduzir à au-
tonomia intelectual. (PIAGET, 1972, p. 74)

Se a epistemologia genética possibilita desvelar como se dá


o conhecimento, as etapas em que um saber se coloca como su-
porte do seguinte, o que favorece sobremaneira o planejamento
pedagógico e ainda indica a sondagem como atividade constante
do professor, frente ao seu grupo-classe, para detectar em que
momento se encontra, pelo que se interessa, também incita a
criar estratégias inovadoras, que avivem a curiosidade infantil.
Em Psicologia e Pedagogia, Piaget apresenta uma análise de dife-
rentes métodos de ensino do campo da educação: ativo, intuitivo, mé-
todo programado e até “máquinas de aprender”. Cita também alguns
autores como Freinet e Pestalozzi, e faz uma apreciação das propostas,

8. Em Para onde vai a educação, Piaget fala da tarefa do educador diante dos proble-
mas internacionais e o que cabe a ele proporcionar às crianças. Mais que conheci-
mentos novos, em que não se esconde complexidades, há que muni-los, ao mesmo
tempo, com “uma atitude sui generis, um instrumento de coordenação de natureza
ao mesmo tempo intelectual e moral, válido em todas as escalas, e adaptável aos
próprios problemas internacionais” (Piaget, 1973, p. 91).

85
Sylvia Paula de Almeida Torres Vilhena

métodos e abordagens a partir da perspectiva da epistemologia gené-


tica, o que pode interessar ao pedagogo, ao educador construtivista.
Importa conhecer a obra de Jean Piaget como um marco na
educação que permite uma nova visão da relação ensino-apren-
dizagem, porque o processo se dá em desenvolvimento. Graças à
epistemologia genética, e a partir dela, não mais se pode rotular,
a priori, o destino das crianças – seja porque a alegação seria de
que teriam nascido inteligentes, ou não, ou, ainda, porque nas-
ceram e vivem em ambiente com umas ou outras características.
O ser humano é um ser aberto a possibilidades que aprende,
na interação com o ambiente, movido pela emoção e, dessa ma-
neira, nenhum desses citados integrantes dessa “química” pode
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ser excluído, nem ter sua importância minorada, e sobre eles, não
se pode negar, há a responsabilidade de todo o contexto social.
O bonito é que, com a tomada de consciência dos adultos
sobre esses fatos, a responsabilidade pelo devir das crianças cabe
aos educadores de qualquer parte do mundo, das grandes metró-
poles aos rincões mais agrestes de qualquer país, pensamento tão
bem anunciado por Guimarães Rosa.

REFERÊNCIAS
BRAGA, Ivete (trad.). Para Onde Vai a Educação? Rio de Janei-
ro: José Olympio, 1973.
BRINGUIER, Jean-Claude. Conversando com Jean Piaget. 2.
ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1993.
CHARLON-BLANC, Annie. Introdução a Jean Piaget. Lisboa
(Portugal): Instituto Piaget, 1997.
FERREIRO, Emilia. Cultura, escrita e educação: conversas de
Emilia Ferreiro com José Antonio Castorina, Daniel Goldin e Rosa
Maria Torres. Tradução: Ernani Rosa. Porto Alegre: Artmed, 2001.

86
Psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

FLAVELL, John Hurley. A psicologia do desenvolvimento de


Jean Piaget. Prefácio de Jean Piaget; tradução de Maria Helena
Souza Patto. São Paulo: Pioneira, 1975.
KATZ, D.; et al. Psicologia das idades: do nascimento à morte.
São Paulo: Manole, 1988.
PERRAUDEAU, Michel. Piaget hoje: respostas a uma contro-
vérsia. Lisboa (Portugal): Instituto Piaget: 1996.
PIAGET, Jean. Psicologia e epistemologia: por uma teoria do
conhecimento. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1978.
UNINOVE - USO EXCLUSIVO PARA ALUNO

______. A epistemologia genética. Petrópolis/RJ: Vozes, l971.


______. Autobiografia. El nacimento de la inteligência. Buenos
Aires: Ediciones Caldén, 1976.
______. Estudos sociológicos. São Paulo: Forense, l973.
______. Para onde vai a educação? Lisboa (Portugal): Horizon-
te, 1972.
______. Psicologia e pedagogia. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense,
1976a.
______. Sabedoria e ilusões da filosofia. Tradução de Nathana-
el C. Caixeiro, Zilda Abujamra Daeir, Celia E. A. Piero. Coleção
Os pensadores. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983.
______; GARCIA, R.. Psicogénese e história das ciências. Lis-
boa (Portugal): Dom Quixote, 1987.
ROSA, João Guimarães. Grande Sertão: Veredas. São Paulo:
Nova Fronteira, 2006. (Edição comemorativa).

87
CAPÍTULO 5
COMPREENDENDO O PROCESSO DE
DESENVOLVIMENTO HUMANO: AS
CONTRIBUIÇÕES DA PSICOLOGIA
SÓCIO-HISTÓRICA DE VYGOTSKY
Margarete Mota

introdução
UNINOVE - USO EXCLUSIVO PARA ALUNO

l. S. Vygotsky, psicólogo bielo-russo, é reconhecido como um


pioneiro da psicologia do desenvolvimento. Sua psicologia deno-
minada histórico social, também conhecida como psicologia his-
tórico-cultural, psicologia interativista sociocultural ou, ainda, psi-
cologia sociointeracionista, nunca foi bem entendida no ocidente.
Vygotsky foi o primeiro psicólogo moderno a enfatizar que a cultura
se integra ao homem pela atividade cerebral estimulada pela intera-
ção entre parceiros sociais, mediada pela linguagem. A linguagem é
a ferramenta que torna o animal homem, verdadeiramente humano.
lev Vygostsky nasceu em 1896, na cidade de orsha, na re-
gião da Bielo-Rússia, ao final do século IXX. Morreu aos 37 anos,
em 1934, vítima de tuberculose. Deixou um legado com mais de
duzentos estudos científicos sobre diversos temas.1
oriundo de uma família de intelectuais judeus, teve uma
formação plural. Até os 15 anos de idade, foi educado em casa
por tutores, conforme a tradição da época das famílias mais
privilegiadas. Ávido por informações, sempre foi um estudante

1. De 1936 a 1956, por questões político-ideológicas, as obras de Vygotsky fo-


ram proibidas na uRSS. Seu livro, Pensamento e Linguagem, lançado na uRSS
em 1934, meses após a sua morte, foi publicado nos Estados unidos somente em
1962, e, no Brasil, em 1982. É uma obra fundamental para se conhecer suas prin-
cipais teses sobre as relações entre pensamento e linguagem.

89
Margarete Mota

dedicado, manifestando interesse pela literatura e pelas artes


em geral. Seu prazer pela leitura o levou ao aprendizado de
diversas línguas (alemão, latim, hebraico, francês e inglês). Em
1917, formou-se em Direito e em Literatura, na Universidade
de Moscou. Nesse mesmo período, frequentava os cursos de
História e Filosofia na Universidade Popular de Shanyavskii.
Seu crescente interesse em entender o desenvolvimento psico-
lógico humano, especialmente os processos de anomalias men-
tais e físicas, fez com que ele participasse de cursos na Faculda-
de de Medicina em Moscou e em Kharkov.

Assim, seu percurso acadêmico foi marcado pela interdis-


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ciplinaridade já que transitou por diversos assuntos, desde


artes, literatura, linguística, antropologia, cultura, ciências
sociais, psicologia, filosofia e, posteriormente, até medici-
na. O mesmo ocorreu com sua atuação profissional, que
foi eclética e intensa e esteve sempre associada ao trabalho
intelectual. (REGO, 2002, p. 22)

Aos 21 anos, após a Revolução Rússia de 1917, começou sua


carreira, inspirado nas ideias de Karl Marx, que postulavam que
tudo é histórico, fruto de um processo e que são as mudanças his-
tóricas na sociedade e na vida material que modificam a natureza
humana em sua consciência e comportamento.
Pautado neste princípio, Vygotsky pretendia uma abordagem
que buscasse a síntese do homem como ser biológico, histórico e
social. Ele sempre considerou o homem inserido na sociedade e,
sendo assim, sua abordagem sempre foi orientada para os proces-
sos de desenvolvimento do ser humano com ênfase da dimensão
sócio-histórica e na interação do homem com o outro no espaço
social. Sua abordagem sociointeracionista buscava caracterizar os
aspectos tipicamente humanos do comportamento e elaborar hi-
póteses de como as características humanas se formam ao longo
da história do indivíduo (VYGOTSKY, 1996).

90
Psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

Ele se opunha tanto às teorias inatistas como às empiris-


tas. Segundo a concepção inatista, o ser humano já carrega ao
nascer as características que desenvolverá ao longo da vida.
Os empiristas veem o ser humano como um produto dos es-
tímulos externos. Para Vygotsky, a formação se dá em uma
relação dialética entre o sujeito e a sociedade a seu redor. O
homem modifica o ambiente e o ambiente modifica o homem
(DAVIS e OLIVEIRA, 2010).
Para desenvolver suas ideias, Vygotsky teve a colaboração de
dois grandes aliados: Luria e Leontiev, que como ele estavam pre-
ocupados com a visão de uma nova psicologia, fundamentada no
enfoque de que o desenvolvimento humano:
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• Tem suporte biológico, pois é produto da atividade cerebral;


• Fundamenta-se nas relações sociais entre o indivíduo e o
mundo exterior (Processo Histórico);
• É mediado por sistemas simbólicos. (OLIVEIRA, 1993)

No trabalho de Vygotsky e no de seus seguidores (...), en-


contra-se uma visão de desenvolvimento baseada na con-
cepção de um organismo ativo, cujo pensamento é cons-
truído paulatinamente num ambiente que é histórico e, em
essência social. Nessa teoria é dado destaque ás possibilida-
des que o indivíduo dispõe a partir do ambiente em que
vive e que dizem respeito ao acesso que o ser humano tem
a instrumentos físicos (como a enxada, a faca, a mesa etc)
e simbólicos (como a cultura, valores, crenças, costumes,
tradições, conhecimentos) desenvolvidos em gerações pre-
cedentes. (DAVIS e OLIVEIRA, 2010, p. 56)

1. FUNÇÕES PSICOLÓGICAS SUPERIORES

As funções psicológicas elementares são de origem biológica,


estão presentes nas crianças e nos animais e se manifestam por
ações involuntárias (reflexas), mediante reações imediatas (au-

91
Margarete Mota

tomáticas) sofrendo controle do ambiente externo. Somadas ao


aprendizado cultural, as funções psicológicas elementares gradati-
vamente transformam-se em funções psicológicas superiores, que
se caracterizam pela interação entre os fatores biológicos e sociais,
manifestando-se pela intencionalidade das ações (voluntárias), e,
portanto, presentes apenas na raça humana. Apesar de sua origem
social, as funções psicológicas superiores só surgem porque existe
atividade cerebral. As funções psicológicas superiores podem ser
descritas pela capacidade humana de auto-observação, planeja-
mento, intencionalidade, pensamento abstrato e metacognição (o
sujeito é capaz de pensar sobre o seu próprio pensamento).
Segundo Vygotsky (1988), apenas as funções psicológicas
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elementares se caracterizam como reflexos. Os processos psi-


cológicos mais complexos – ou funções psicológicas superiores
(pensamento, linguagem e consciência), que diferenciam os ho-
mens dos outros animais – só se formam e se desenvolvem pelo
aprendizado. A perspectiva de Vygotsky é sempre a da dimensão
social do desenvolvimento. Para ele, o ser humano constitui-se
como tal na sua relação com o outro social; a cultura torna-se
parte da natureza humana em um processo histórico que molda
o funcionamento psicológico do homem ao longo do desenvol-
vimento da espécie (filogenética) e do indivíduo (ontogenética).
O ser humano tem, assim, uma dupla natureza: membro de uma
espécie biológica que só se desenvolve no interior de um grupo
cultural (OLIVEIRA,1993; REGO, 2002).
O desenvolvimento mental é marcado pela interiorização2 das
funções psicológicas. O surgimento das funções psicológicas supe-
riores não elimina os processos psicológicos elementares. Os proces-
sos psicológicos mais complexos se constituirão paulatinamente, me-
diante a intervenção sociocultural. Nesta perspectiva, para Vygotsky,

2. O processo de internalização é ativo. A criança toma posse do social de uma


maneira particular, ou seja, se integra ao social sendo capaz, ao mesmo tempo, de
se posicionar frente a ele.

92
Psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

a construção do real (entendimento do mundo) se dá do social para


o individual, ou seja, do interpsíquico para o intrapsíquico.

Todas as funções psicointelectuais superiores aparecem


duas vezes no decurso do desenvolvimento da criança: a
primeira vez, nas atividades coletivas, nas atividades sociais,
ou seja, como funções interpsíquicas; a segunda, nas ati-
vidades individuais, como propriedades internas do pen-
samento da criança, ou seja, como funções intrapsíquicas.
(VYGOTSKY, 1988, p. 114)

O caráter histórico e social dos processos psicológicos supe-


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riores (únicos dos seres humanos) é uma das ideias básicas nes-
sa teoria psicológica de Vygotsky, ou seja, a ideia de que esses
processos têm a característica de alto grau de universalização e
descontextualização da realidade empírica imediata.

(...) Em seu entender a criança já nasce num mundo so-


cial e, desde o nascimento, vai formando uma visão desse
mundo através da interação com adultos ou crianças mais
experientes. A construção do real é, então, mediada pelo
interpessoal antes de ser internalizada pela criança. Desta
forma, procede-se do social para o individual, ao longo do
desenvolvimento. (DAVIS e OLIVEIRA, 2010, p. 73-74)

2. MEDIAÇÃO SIMBÓLICA

As concepções vygotskyanas se tornam mais compreensíveis


quando nos apropriamos do seu conceito de mediação. De acor-
do com Vygotsky, o conceito de mediação refere-se ao processo
de intervenção de um elemento intermediário em uma relação,
a qual deixa de ser direta e passa a ser mediada por tal elemento.
Dentro desta premissa, a relação do homem com o mundo é uma
relação, primordialmente, mediada (OLIVEIRA, 1993).

93
Margarete Mota

(...) Compreender a questão da mediação, que caracteriza a


relação do homem com o mundo e com os outros homens, é
de fundamental importância justamente porque é através deste
processo que as funções psicológicas superiores, especificamen-
te humanas, se desenvolvem (...). (REGO, 2002, p. 50)

Vygotsky apresenta dois tipos de mediadores: instrumentos,


“que tem a função de regular as ações sobre os objetos”, e os sig-
nos, “que regulam as ações sobre o psiquismo das pessoas” (Rego,
2002, p. 50). Os instrumentos atuam no plano externo ao homem e
os signos no plano interno ao homem, são reversíveis, regulam a ati-
vidade, mediam a atividade interna (o pensamento e a consciência).
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Os instrumentos (utensílios domésticos, ferramentas, mate-


riais pedagógicos, por exemplo) são elementos externos ao indi-
víduo. São objetos construídos socialmente e mediadores da rela-
ção entre o indivíduo e o mundo. São construídos especialmente
para uma finalidade, sendo utilizados pelo sujeito com o objetivo
de ampliar as possibilidades de transformar a natureza, sendo,
assim, um objeto social. Ele carrega, portanto, a função para a
qual foi criado e o modo de utilização desenvolvido durante a
história do trabalho coletivo.
Os animais também fazem uso de instrumentos, porém, de
maneira rudimentar. São conhecidos os experimentos com chim-
panzés que se utilizam de varas ou sobem em caixas para pega-
rem alimentos que não estão ao seu alcance. Vygotsky considera
como sendo de natureza diferente da utilização dos instrumentos
humanos (OLIVEIRA, 1993; REGO, 2002).

(...) existem diferenças entre as utilizações humanas e as


animais. Tais diferenças consistem no fato de que apenas
os seres humanos produzem, deliberadamente, instrumen-
tos com objetivos específicos, guardam os instrumentos
para uso futuro, preservam sua função como conquista a
ser transmitida a outros membros do grupo social; são ca-
pazes de transformar o ambiente num momento específi-

94
Psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

co, desenvolvendo sua relação com o meio num processo


histórico-cultural. (OLIVEIRA, 1993, p. 29)

Os signos podem ser comparados à utilização de instrumen-


tos, só que no âmbito das atividades psíquicas (internas) são
orientados para o próprio sujeito e têm por função o controle
de ações psicológicas, seja do próprio indivíduo, seja de outras
pessoas. Vygotsky também denominou os signos como instru-
mentos psicológicos.

(...) a invenção e o uso de signos auxiliares para solucio-


nar um dado problema psicológico (lembrar, comparar
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coisas, relatar, escolher etc.) é análoga à invenção e uso de


instrumentos, só que agora no campo psicológico. O sig-
no age como um instrumento da atividade psicológica de
maneira análoga ao papel de um instrumento no trabalho.
(VYGOTSKY, 1984, p. 59-60)

O homem, com o auxílio dos signos, pode controlar volun-


tariamente sua atividade psicológica e ampliar sua capacidade de
atenção, memória e acúmulo de informações. Pode, por exem-
plo, registrar as informações da aula no caderno para não esque-
cer, consultar um GPS para localizar um endereço.

3. A LINGUAGEM COMO ELEMENTO MEDIADOR

Duas transformações fundamentais e qualitativas ocorrem


com o uso de instrumentos psicológicos: a utilização de marcas
externas vai se modificando em processos internos de mediação
(internalização), sendo desenvolvidos sistemas simbólicos, que
reordenam os signos em estruturas complexas e articuladas. Ao
longo do processo de desenvolvimento, o sujeito deixa de preci-
sar de marcas externas e passa a usar signos internos, ou seja, re-
presentações mentais que substituem os objetos do mundo real.

95
Margarete Mota

O desenvolvimento (...) quando se refere à constitui-


ção dos Processos Psicológicos Superiores, poderia ser
descrito como a apropriação progressiva de novos ins-
trumentos de mediação ou como o domínio de formas
mais avançadas de iguais instrumentos (...) (Esse domí-
nio) implica reorganizações psicológicas que indicariam,
precisamente, progressos no desenvolvimento psicoló-
gico. Progressos que (...) não significam a substituição
de funções psicológicas por outras mais avançadas, mas,
por uma espécie de integração dialética, as funções psi-
cológicas mais avançadas reorganizam o funcionamento
psicológico global variando fundamentalmente as inter-
-relações funcionais entre os diversos processos psicoló-
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gicos. (BAQUERO, 1998, p. 36)

Para Vygotsky, portanto, os instrumentos de mediação são


uma fonte de desenvolvimento e também de reorganização do
funcionamento psicológico. O desenvolvimento global da criança
depende basicamente de dois fatores: características individuais
da criança (condições orgânicas e afetivas) e características do am-
biente (aspecto sociofamiliar e oportunidades de aprendizagem).
Dentro desta premissa, a linguagem (signo interno) é o prin-
cipal elemento mediador nesta relação homem-mundo. Por meio
dela, o homem faz a representação mental da realidade.
Para Vygotsky (1989), a aquisição da linguagem na criança
se dá devido à interação que a mesma possui com o ambiente
que a rodeia e o convívio com outros da espécie. Elaborada e
desenvolvida no curso da história social da espécie humana, a
linguagem simbólica é primordial para estabelecermos relaciona-
mentos. Pode-se considerar a linguagem como um instrumento
complexo que viabiliza a comunicação e a vida em sociedade.
Sem ela, o ser humano não é social, nem cultural. Entre pensa-
mento e palavra existe uma inter-relação fundamental, em que a
linguagem tem papel essencial na formação do pensamento e do

96
Psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

caráter do indivíduo. Portanto, a linguagem não é apenas uma


expressão do conhecimento adquirido pela criança.

O pensamento e a linguagem têm origens diferentes e


desenvolvem-se segundo trajetórias diferentes e indepen-
dentes, antes que ocorra a estreita ligação entre esses dois
fenômenos. (OLIVEIRA, 1993, p. 43)

Nos primeiros meses de vida da criança, o choro e o balbucio


não têm ligação com a evolução do pensamento, são períodos do
desenvolvimento da fala considerados como expressões emocio-
nais, que ajudam na comunicação com o outro, ou seja, neste
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momento, o pensamento não é verbal e a fala não é intelectual.


Embora pensamento e linguagem tenham raízes diversas (gené-
ticas do pensamento e da linguagem), há no desenvolvimento da
criança um período considerado como pré-linguístico do pen-
samento (utilização de instrumentos, inteligência prática) e um
período pré-intelectual da fala (alívio emocional, função social).

(...) Antes de dominar a linguagem, a criança demonstra


capacidade de resolver problemas práticos, de utilizar ins-
trumentos e meios indiretos para conseguir determinados
objetivos. Ela é capaz, por exemplo, de subir numa cadeira
para alcançar um brinquedo, ou de dar a volta num sofá
para pegar uma bolacha que caiu atrás dele. (...) Nessa fase
de seu desenvolvimento, a criança, embora não domine a
linguagem enquanto sistema simbólico, já utiliza manifes-
tações verbais. O choro, o riso e o balbucio da criança pe-
quena têm clara função de alívio emocional, mas também
servem como meio de contato social, de comunicação difu-
sa com outras pessoas. (OLIVEIRA, 1993, p. 46)

Por volta dos 2 anos de idade, pensamento e linguagem se


fundem e inicia-se outra maneira de funcionamento psicológi-
co (pensamento verbal e linguagem racional – transformação do
biológico no sócio-histórico).

97
Margarete Mota

(...) a fala torna-se intelectual, com função simbólica, ge-


neralizante, e o pensamento torna-se verbal, mediado por
significados dados pela linguagem. (...) o ser humano passa
a ter a possibilidade de um modo de funcionamento psico-
lógico mais sofisticado, mediado pelo sistema simbólico da
linguagem. (OLIVEIRA, 1993, p. 47)

4. INTERVENÇÃO PEDAGÓGICA DA ESCOLA


NO PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO

Conforme mencionado anteriormente, é o grupo cultural na


qual o indivíduo se desenvolve que lhe fornece formas de per-
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ceber e organizar o real, as quais vão constituir os instrumentos


psicológicos que fazem a mediação entre o indivíduo e o mundo.
A vida humana, entretanto, está impregnada de significações e
a influência do mundo social se dá por meio de processos que
ocorrem em diversos níveis.
A interação de indivíduos possibilita a interiorização das
formas culturalmente estabelecidas de funcionamento psi-
cológico. Por isso, o intercâmbio social fornece a matéria-
-prima para o desenvolvimento psicológico do indivíduo.
Para se entender a origem das funções psicológicas superiores, por-
tanto, é necessário refletir sobre as relações sociais entre o indivíduo
e os outros homens. Partindo desta premissa, a escola desempenha
uma função primordial para o processo de desenvolvimento hu-
mano. É lócus privilegiado onde esse processo ocorre, pois é nesta
instituição de caráter educativo que os conceitos do senso comum
adquiridos pela criança no seu cotidiano serão transformados, pau-
latinamente, em conhecimentos científicos, graças à intervenção
de parceiros mais experientes, em especial o professor.

Portanto, o papel da educação e, consequentemente, o da


aprendizagem, ganham destaque na teoria de desenvolvi-
mento de Vygotski, que também mostra que a qualidade
das trocas que se dão no plano verbal entre professor e aluno

98
Psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

irá influenciar decisivamente na forma como as crianças


tornam mais complexo o seu pensamento e processam no-
vas informações. (DAVIS e OLIVEIRA, 2010, p. 62)

Os conceitos aprendidos na escola e as atividades desenvolvi-


das promovem a transformação do ser humano. Novas maneiras
de inserção e atuação em seu meio são provocadas em decorrência
da construção de novos modos de operação intelectual, ou seja, o
sujeito passa a “(...) obter o domínio de formas complexas de cál-
culos, construir significados a partir das informações descontextu-
alizadas, ampliar seus conhecimentos, lidar com conceitos cientí-
ficos hierarquicamente relacionados (...)” (REGO, 2002, p. 104).
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Para Vygotsky a atuação pedagógica da escola deve promover


avanços substanciais no desenvolvimento do aluno. Neste sentido,
a escola precisa ter uma visão prospectiva em relação ao processo
de desenvolvimento do educando. Isto significa dizer que o ensino
deve estar direcionado às funções psicológicas que estão em vias de
se formarem efetivamente. O ensino não pode corresponder sim-
plesmente ao desenvolvimento, mas sim se adiantar a ele, promo-
vendo aprendizagens que levem ao desenvolvimento. Nas palavras
de Vygotsky: “o bom ensino é aquele que se adianta ao desenvolvi-
mento” (OLIVEIRA, 1993, p. 62).
Para compreendermos melhor essa ideia, se faz necessário
apresentarmos um conceito fundamental na teoria vygotskiana,
que é a noção de zona de desenvolvimento proximal (ou próxi-
mo, conforme encontraremos em algumas literaturas). Vygotsky
definiu “zona de desenvolvimento proximal-ZPD” como sendo:

a distância entre o nível de desenvolvimento real que se cos-


tuma determinar através da solução independente de pro-
blemas e o nível de desenvolvimento potencial, determina-
do através da solução de problemas sob a orientação de um
adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes.
(VYGOTSKY, 1984, p. 97)

99
Margarete Mota

É na zona de desenvolvimento proximal que a aprendizagem


acontece. As aprendizagens que ocorrem na ZDP fazem com
que a criança se desenvolva ainda mais. Por isso, para Vygotsky,
tais processos são indissociáveis, ou seja, desenvolvimento com
aprendizagem na ZDP leva a mais desenvolvimento.
Neste sentido, o papel do professor é o de favorecer esta apren-
dizagem, servindo de mediador entre a criança e o mundo. Para
Vygotsky, o desenvolvimento consiste em um processo de apren-
dizagem do uso das ferramentas intelectuais, através da interação
social com outros mais experimentados no uso dessas ferramentas.
Para a evolução, são ineficazes as aprendizagens voltadas
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para níveis de desenvolvimento já atingidos, porque não le-


vam a um novo patamar no processo de desenvolvimento. Ao
planejar sua aula, o professor precisa ter processos progressivos e
convergentes com as necessidades do aluno, a fim de estabelecer
sequências significativas para a elaboração de um aprendizado
que permita ao aluno se apropriar dos conhecimentos ofereci-
dos pelas atividades escolares.

(...) o aprendizado orientado para os níveis de desenvol-


vimento que já foram atingidos é ineficaz do ponto de
vista do desenvolvimento global da criança. Ele não se
dirige para um novo estágio do processo de desenvolvi-
mento, mas, ao invés disso, vai a reboque desse processo.
(VYGOTSKY, 1984, p. 100)

Portanto, ao basear-se somente nas realizações já adquiridas


pelo aluno, o professor terá um enfoque equivocado e limitado
daquilo que o aluno consegue fazer, restringindo as possibilida-
des de ampliar as formas de pensar, sentir e agir deste aluno.
Quando o aluno, por exemplo, tem dificuldades em entender o
conceito de multiplicação e o professor não oferece o auxílio ne-
cessário para ele rever essa dificuldade, a partir de novas situações
que envolvam o conceito em questão, e, ao contrário, lhe propõe

100
Psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

somente atividades que ele já domina e realiza sem ajuda. Essa


atitude do professor impede que o aluno avance no processo de
construção de um novo saber, pois o professor não proporcionou
a mediação necessária para a estruturação de um pensamento
mais elaborado por parte do aluno.
Isso significa que o ensino deve estar relacionado com ambos
os níveis de desenvolvimento da criança, pois “(...) existe uma re-
lação entre determinado nível de desenvolvimento e a capacidade
de aprendizagem” (VYGOTSKY et al, 1988, p. 111).

(...) um aspecto essencial do aprendizado é o fato de ele criar


a zona de desenvolvimento próximo; ou seja, o aprendizado
UNINOVE - USO EXCLUSIVO PARA ALUNO

desperta vários processos internos de desenvolvimento, que


são capazes de operar somente quando a criança interage
com pessoas em seu ambiente e quando em cooperação
com seus companheiros. Uma vez internalizados esses pro-
cessos tornam-se parte das aquisições do desenvolvimento
independente da criança. (VYGOTSKY, 1988, p. 101)

A função mediadora do professor consiste em propiciar


condições de aprendizagem que impulsionem o educando para
aquilo que ainda não sabe, mas que virá a saber mediante seu
auxílio. Conforme mencionado anteriormente, isso promoverá o
desenvolvimento do aluno, pois essa ação prospectiva em relação
ao aluno garantirá que aquilo que o aluno domina é apenas um
ponto de partida para novas conquistas cognitivas, que serão al-
cançadas mediante situações adequadas de aprendizagem.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na perspectiva de Vygotsky, o processo de desenvolvimento


humano encontra-se atrelado aos fatores socioculturais, tendo
em vista que as funções psicológicas superiores do sujeito emer-
gem de fenômenos sociais. Os instrumentos simbólicos, como
a linguagem, são culturalmente construidos e partilhados em

101
Margarete Mota

um grupo social servindo de mediadores na nossa relação com


o mundo.
Dentro deste enfoque, é preciso redimensionar a função da
escola e o papel do professor. O ensino tem que se adiantar ao
desenvolvimento, promovendo aprendizagens significativas ao
aluno, que levem à construção de novos conhecimentos, alavan-
cando, desta maneira, o seu processo de desenvolvimento global.

REFERÊNCIAS
BAQUERO, Ricardo. Vygotsky e a aprendizagem escolar. Por-
to Alegre: Artes Médicas, 1998.
UNINOVE - USO EXCLUSIVO PARA ALUNO

DAVIS, Claudia; OLIVEIRA, Zilma de. Psicologia na educa-


ção. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2010.
OLIVEIRA, Marta Kohl de. Vygotsky: aprendizado e desenvol-
vimento um processo sócio-histórico. São Paulo: Scipione, 1993.
REGO, Teresa Cristina. Vygotsky: Uma perspectiva histórico-
-cultural da educação. 13. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2002.
VYGOTSKY, Lev Semyonovitch. A formação social da mente.
São Paulo: Martins Fontes,1984.
______. Pensamento e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes,
1989.
______; et al. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem.
São Paulo: Ícone, Edusp, 1988.

102
CAPÍTULO 6
HENRI WALLON:
A PSICOGÊNESE DA PESSOA COMPLETA
Regiane Rodrigues de Moraes

introdução

Neste capítulo trataremos da teoria psicogenética de Henri


Wallon, destacando aspectos gerais defendidos por este teórico
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que leva em consideração a relação indissociável entre organis-


mo e meio. o objetivo deste texto é apresentar conceitos e prin-
cípios teóricos, buscando identificar as contribuições deste autor
para a prática docente.
Henri Wallon (1879-1962) nasceu na França, foi médico,
psicólogo, filósofo e professor. Em seus estudos, buscou com-
preender como se forma e se transforma o psiquismo humano.
Sua teoria psicogenética investigou a criança para compreender
o adulto que ela tende a ser, ou seja, investigou a gênese do
psiquismo humano.
o contexto histórico, social e político vivenciado por Wallon
e a sua participação nas duas Grandes Guerras Mundiais (na pri-
meira como médico dos soldados feridos; e, na segunda, como
integrante da equipe de resistência francesa) exerceram grande
influência em sua obra. Além disso, “o interesse pelo outro é o
que, gradualmente, o aproximou das ideias marxistas, não só do
dogma, mas do método de análise, marcando sua psicologia Ge-
nética Histórica” (MoRAES; oNCAllA, 2011, p. 203-204).
Wallon (2005, p. 31) aponta a importância de se compre-
ender a criança e a dinâmica do seu desenvolvimento, que não é
linear, mas marcado por conflitos. para ele, é preciso observar a
criança, considerando ela própria como o ponto de partida.

103
Regiane Rodrigues de Moraes

O método de análise utilizado em seus estudos foi denomina-


do de método genético comparativo multidimensional. Seu méto-
do consistia em analisar e comparar a criança ao adulto, às outras
faixas etárias, ao animal, ao primitivo e ao patológico. Consideran-
do, ainda, suas diferentes dimensões: afetiva, motora e cognitiva.
Cabe enfatizar o papel do meio e do outro na constituição
do individuo, um ser geneticamente social que se humaniza e se
individualiza nas relações com os outros indivíduos (WALLON,
1980, p. 159-164). Neste sentido, podemos afirmar que este au-
tor descreve uma psicogênese da pessoa completa, que se inicia
nos primeiros contatos do bebê com as pessoas à sua volta. Nos
próximos tópicos descreveremos como ocorre este processo de
UNINOVE - USO EXCLUSIVO PARA ALUNO

construção psicológica do ser humano.

1. O processo de desenvolvimento
para Henri Wallon

Nesta teoria, o desenvolvimento humano é um processo


contínuo, de transformações, decorrentes da integração organis-
mo-meio e das diferentes dimensões humanas, às quais Wallon
(2005, p. 135) denominou de conjuntos funcionais: afetividade,
ato motor, conhecimento e pessoa.
Este processo ocorre por estágios, são eles: impulsivo emo-
cional (0 a 12 meses); sensório motor e projetivo (1 a 3 anos); per-
sonalismo (3 a 6 anos); categorial (6 a 11 anos); e puberdade e
adolescência (a partir dos 11-12 anos). Em cada estágio existe
uma pessoa completa, resultante da integração dos quatro con-
juntos funcionais e do organismo com o meio. De acordo com a
perspectiva walloniana, não é a idade da criança que determina
as características de um estágio, mas sim a maturação orgânica e
as condições que se apresentam para o desenvolvimento, ou seja,
o meio físico e social no qual esta vive.

104
Psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

1.1 Os conjuntos funcionais

Afetividade, ato motor, conhecimento e pessoa são conjuntos


ou domínios funcionais indissociáveis. Estes domínios funcio-
nais se desenvolvem de forma integrada ao longo do processo
de desenvolvimento humano, estando presentes nas ações dos
indivíduos e possuindo, desta forma, impacto entre si.
Segundo Wallon (2005, p. 131), no início da vida, as ativi-
dades afetivas, motoras e cognitivas não estão facilmente diferen-
ciadas e tratá-las separadamente é apenas um procedimento para
a descrição dos conjuntos funcionais.
Para ele, existe uma sucessão de preponderância entre afeti-
UNINOVE - USO EXCLUSIVO PARA ALUNO

vidade, ato motor e conhecimento (WALLON, 2005, p. 131).


Isso quer dizer que, dependendo da situação vivenciada pelo in-
divíduo em um determinado espaço/tempo ou do seu estágio
de desenvolvimento, haverá o predomínio de um dos conjuntos
funcionais. Sendo assim, afetividade e conhecimento se alternam
na sua preponderância ao longo dos estágios, fazendo com que
o desenvolvimento ocorra em duas direções: centrípeta e centrí-
fuga. Há estágios em que o indivíduo está voltado para o conhe-
cimento de si mesmo – direção centrípeta; neles, o predomínio
é da afetividade. Há também estágios em que o indivíduo está
voltado para o conhecimento do mundo exterior – direção cen-
trífuga; neles, o predomínio é do conhecimento.
Diante dessa dinâmica de desenvolvimento, é possível afir-
mar que a constituição do sujeito ocorre de forma dialética, alter-
nando momentos afetivos e cognitivos. De acordo com Dantas
(1992, p. 91), nas fases em que a afetividade prepondera, o que
está em evidência é a construção da individualidade do sujeito,
que ocorre mediante a interação com os indivíduos. Já nas fases
em que há um predomínio do cognitivo, há um interesse maior
pela realidade objetiva, pelo objeto em si.
Entretanto, cabe enfatizar que: “Ambos os processos são, por
conseguinte, sociais, embora em sentidos diferentes: no primei-

105
Regiane Rodrigues de Moraes

ro, social é sinônimo de interpessoal; no segundo, é o equivalente


de cultural” (DANTAS, 1992, p. 91).
O autor pontua que a constituição do sujeito se dá a partir
das relações sociais e da integração dos conjuntos funcionais. Se-
gundo Wallon, (2005, p. 133), cada indivíduo tem uma maneira
particular de agir em relação aos domínios. Portanto, é impor-
tante ressaltar que, embora haja uma separação das atividades
motoras, afetivas e cognitivas e do predomínio de cada uma delas
no decorrer do desenvolvimento ou da situação vivenciada pelo
sujeito, em todos os estágios existe uma pessoa completa que se
expressa nas dimensões afetiva, cognitiva e motora.
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1.1.1 Afetividade

De acordo com Mahoney e Almeida (2005, p. 19), a afeti-


vidade pode ser compreendida como a capacidade que o ser hu-
mano tem de afetar e ser afetado pelo mundo interno e externo,
por sensações agradáveis ou desagradáveis, correspondentes aos
estados de bem-estar e de mal-estar.
A afetividade tem origem nas sensibilidades interoceptiva, pro-
prioceptiva e exteroceptiva. A sensibilidade interoceptiva correspon-
de às sensações viscerais do indivíduo, reúne os sinais dos órgãos
internos, são as sensações de fome e cólica, por exemplo. A sen-
sibilidade proprioceptiva está relacionada às sensações musculares,
ligadas à consciência corporal, ao movimento do corpo e ao equilí-
brio dele no espaço, à sensação que o indivíduo tem de sua própria
perna, por exemplo. Já a sensibilidade exteroceptiva corresponde às
sensações voltadas para o mundo exterior, relacionadas aos órgãos
dos sentidos, à sensação do vento que bate no rosto, por exemplo.
Esse conjunto funcional é marcado por uma evolução que acom-
panha o desenvolvimento do indivíduo e se revela de diferentes for-
mas durante os estágios pelos quais a criança passa. As manifestações
que inicialmente são inconscientes, involuntárias e esporádicas se tor-
nam conscientes e voluntárias, a partir da interação com os sujeitos.

106
Psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

No processo de constituição humana, a emoção dá espaço à


atividade cognitiva, mas ambas evoluem simultaneamente. Con-
forme a criança se desenvolve e interage com as pessoas do seu
meio, ela vai diferenciado melhor as situações ao seu redor. No
entanto, sempre que houver momentos nos quais há o predomí-
nio da afetividade, ocorre a confusão mental, “derrota do racio-
cínio e das representações objectivas pela emoção” (WALLON,
2005, p. 144). Este tipo de situação pode ocorrer nos momen-
tos novos e difíceis, afetando tanto a criança quanto o adulto,
levando-os ao estado de imperícia, que se caracteriza como um
momento no qual o sujeito se sente inseguro e não consegue
apresentar clareza em seu raciocínio, expressando, deste modo,
UNINOVE - USO EXCLUSIVO PARA ALUNO

uma reação puramente afetiva.


A relação entre os fatores orgânicos e sociais dá origem ao
desenvolvimento da afetividade, que se desdobra em emoção,
sentimento e paixão.
A emoção é um mecanismo de sobrevivência da espécie hu-
mana e, dentre os aspectos que envolvem a afetividade, foi o que
apresentou maior espaço nessa teoria. É a expressão corporal e
motora da afetividade. Nela, há um predomínio orgânico incon-
trolável. Deriva, deste modo, da função postural e corresponde
a variações viscerais e musculares do tônus. Podemos defini-la
como uma expressão ou atitude diante de uma situação.
Inicialmente, a afetividade está ligada às reações orgânicas e
às interações sociais estabelecidas entre o bebê e os adultos de seu
meio, ao atendimento, ou não, das suas necessidades. O choro si-
naliza para o adulto que o bebê sente fome, frio ou dor, por exem-
plo, afetando-o e mobilizando-o para atendê-las. Diante dessa in-
teração com o adulto, aos poucos o recém-nascido passa a utilizar o
choro intencionalmente, pois vai estabelecendo relações entre suas
manifestações e os momentos de espera, satisfação ou insatisfação
das suas necessidades, comunicadas por meio do choro.
Para Wallon (2005, p. 141), o contato entre as pessoas é es-
tabelecido pela interpretação das necessidades do outro e pela

107
Regiane Rodrigues de Moraes

reciprocidade de atitudes, isso quer dizer que a emoção contagia


e estabelece a relação entre as pessoas, o que pode ser claramen-
te percebido na interação entre recém-nascido e adulto. Isso se
constitui, portanto, como um instrumento que possibilita a co-
municação e a expressão e que se refina a partir das interações
sociais. Entretanto, sua tendência é se reduzir conforme vai se
tornando linguagem, mímica e convenção representadas de acor-
do com o contexto histórico, cultural e social vivenciado pela
criança, à medida que esta adquire a capacidade de raciocinar e
representar. Wallon (2005, p. 141) afirma que existe um campo
de percepção e de ação entre as atitudes emocionais das pesso-
as. Este campo se constitui nas relações, nas trocas e nos ritos
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que envolvem as expressões, que são interpretadas e significa-


das pela cultura e pelas interações estabelecidas entre os sujeitos
(WALLON, 1971, p. 91-92). Isso quer dizer que conseguimos
perceber que um indivíduo está com raiva só de olharmos para
sua expressão, e sabemos que alguém está se despedindo quando
faz o sinal com mãos indicando “tchau”.
Aos poucos, a criança, envolvida neste campo de percepção e
de ação comum entre as pessoas, compreende e transforma suas
expressões em mímica convencional, como no sinal de despedida,
por exemplo. Desse modo, ela vai adquirindo uma forma de se ex-
pressar e de se comunicar por meio da representação. Sendo assim:

(...) a emoção a tal ponto se refina que nos oferece hoje uma
gama de manifestações das mais orgânicas às mais delica-
das nuances da sensibilidade intelectual. (...) Outra coisa
não faz, entretanto, senão participar do progresso da vida
mental. Ao fornecer à vida coletiva suas primeiras possi-
bilidades, torna viável a vida mental. (...) Assim pois, se a
emoção ritualizada representa, sem dúvida, algo no advento
da atividade simbólica, se parece preludiar as manifestações
as mais decisivas da vida e da alma coletivas, nesse caso é
mister encará-la como um elo intermediário entre o auto-
matismo e o conhecimento. (WALLON, 1971, p. 93-94)

108
Psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

Notamos, desta forma, que a representação deriva da emoção,


que adquire outras formas de reação, como o sentimento e a paixão.
No sentimento, existe o componente representacional. Nele,
não há uma reação direta e rápida como na emoção. Constitui-se,
portanto, como a representação simbólica da emoção. A paixão é
marcada por ciúme, exigências e exclusividade. Nela é preciso o
autocontrole das emoções e dos sentimentos. Por isso, a paixão é
percebida na criança apenas por volta dos 3 anos de idade, quan-
do, para dominar uma situação, tenta silenciar a própria emoção.
O sentimento e a paixão são representações simbólicas da
emoção, consequentes da influência ou dos conflitos entre o or-
ganismo e os outros conjuntos funcionais, isto é, ato motor, co-
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nhecimento e pessoa. Desse modo, é possível compreender que,


embora a afetividade faça parte de um domínio funcional distin-
to, esta exerce influência nos demais domínios.

1.2 Ato motor

O conjunto funcional denominado por ato motor corres-


ponde à manifestação motora. Para Wallon (1980, p. 77; 2005,
p. 148), o movimento tem início desde a vida fetal. Manifes-
tando-se no bebê por descargas motoras simples, espasmos e
gestos descoordenados, reveladores do desequilíbrio de seu sis-
tema psíquico, da falta de coordenação e das reações provenien-
tes dos estados de bem-estar e de mal-estar do recém-nascido.
São os gestos e posturas que possibilitam à criança estabelecer
relações com o meio.
O órgão responsável pelo movimento é a musculatura estria-
da, que possui duas atividades complementares: as funções clô-
nica e tônica. A primeira, função clônica, se refere ao movimento
propriamente dito, encolhimento e alongamento dos músculos,
ou seja, o deslocamento e movimento de um membro no espaço.
A segunda, função tônica, mantém no músculo um certo nível
de tensão, que pode variar de acordo com as condições ou com

109
Regiane Rodrigues de Moraes

a dificuldade da ação que se pretende realizar, sendo responsável


pelo equilíbrio, postura, atitudes e mímicas do corpo. É também
a função responsável pela expressão da afetividade, pois a reação
postural do corpo revela os estados de bem ou mal-estar do indi-
víduo. Desse modo, o tônus exerce distintos papéis no mecanis-
mo motor, o seu equilíbrio é transformado com a idade e vai se
diferenciando conforme a individualidade do sujeito.
Wallon (1980, p. 75-76) apresenta três formas de movimen-
to: passivo ou exógeno, autógeno ou ativo e reações posturais.
O movimento passivo ou exógeno permite às pessoas saírem da
posição horizontal para a vertical, sendo responsável pelo equi-
líbrio do corpo no espaço. Já o movimento autógeno ou ativo
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possibilita a locomoção e a preensão dos objetos, e se caracteriza


pelos deslocamentos do corpo ou partes do corpo no espaço. As
reações posturais correspondem aos deslocamentos dos segmen-
tos corporais, e são reveladoras das expressões corporais e faciais.
O ato motor se desenvolve e, de acordo com a idade, os mo-
vimentos e gestos se tornam cada vez mais específicos e refinados.
Estes movimentos e gestos representam a ação do indivíduo no
presente – conforme as condições reais e objetivos, podem fazer
parte do meio concreto, que é o ato motor propriamente dito
(o gesto ou o movimento). Também podem fazer parte do meio
simbólico, que está no plano da representação e do conhecimen-
to, referente àquilo que o sujeito pretende expressar com o seu
movimento ou gesto.
A maturação do organismo possibilita uma adaptação do
movimento e, conforme a criança se desenvolve e interage com
as pessoas e com os objetos de seu meio, os seus gestos são gra-
dualmente ajustados aos efeitos que provocam. O movimento,
quando descoberto fortuitamente pela criança, é fonte de prazer,
depois passa a ser repetido de forma intencional.
Esta repetição, denominada por Wallon (1980, p. 79) de
reações circulares (caracterizadas por atividades de repetição),
traduz as primeiras manifestações do brincar infantil e pos-

110
Psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

sibilita a exploração do mundo externo e o desenvolvimento


das funções sensoriais, motoras e perceptivas. É por meio do
movimento que o bebê conquista os espaços bucal, proximal
(preensão) e locomotor.
Isso posto, podemos afirmar que o movimento possibilita
o desenvolvimento da percepção e da representação, tendo em
vista que a criança pequena precisa dele para representar seu pen-
samento. Conforme descreveu Mahoney (2004, p. 17), o desen-
volvimento da criança segue a direção do motor para o mental,
mostrando que o ato motor possibilita a representação do ato
mental. Sendo assim, notamos que a motricidade faz parte do
processo de constituição da pessoa, sendo imprescindível para
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o desenvolvimento do conhecimento e da afetividade, pois dá


suporte para ambos e se institui como a materialização das emo-
ções, dos sentimentos e do pensamento.

1.3 Conhecimento

O conjunto funcional “conhecimento” possibilita à criança


detectar, definir, classificar, dissociar, reunir e confrontar os sig-
nificados e reconstruir a estrutura dos objetos. Essas ações se de-
senvolvem gradativamente no pensamento infantil.
A criança possui um pensamento sincrético que, progressiva-
mente, segue o caminho da diferenciação (WALLON, 2005, p.
178). Este sincretismo é caracterizado por uma percepção global,
descontínua e confusa da realidade.
No início da vida, o bebê se comunica com o mundo externo
por meio da emoção e do movimento. Posteriormente, passa a
se comunicar intencionalmente, conforme vimos anteriormen-
te, demonstrando, aos poucos, uma inteligência prática que o
possibilita realizar problemas corriqueiros, de ordem concreta.
Conforme a criança interage com seu meio e soluciona proble-
mas cotidianos, começa a perceber as diferenças entre os objetos

111
Regiane Rodrigues de Moraes

e, aos poucos, compreende a noção de causalidade, indispensável


para o desenvolvimento da função categorial.
O domínio do conhecimento passa por vários níveis, e o pri-
meiro deles é o da representação, que possibilita a aquisição da
linguagem. A linguagem permite novas formas de relações sociais
entre a criança e o meio. É um instrumento para o desenvolvi-
mento do pensamento, tornando viável a transmissão dos conhe-
cimentos historicamente acumulados pela sociedade.
Apesar de grandes evoluções, o pensamento infantil não tem
o poder de classificar e de criar categorias antes dos 11 ou 12 anos
de idade. Dessa forma, a criança deverá vencer difíceis oposições
para chegar à lógica do pensamento do adulto, que atua por re-
UNINOVE - USO EXCLUSIVO PARA ALUNO

versibilidade, análise e síntese (WALLON, 2005, p. 179).

1.4 Pessoa

A pessoa é o conjunto funcional responsável por traduzir a in-


dividualidade do sujeito. Ao mesmo tempo em que caminha para
o desenvolvimento da personalidade do indivíduo, possibilita tam-
bém a materialização da afetividade, ato motor e conhecimento.
A construção da individualidade tem origem no nasci-
mento, “nos primeiros vislumbres da vida psíquica, no seu pe-
ríodo afectivo, se encontra a origem da evolução da pessoa”
(WALLON, 2005, p. 201).
De acordo com o autor, a vida psíquica da criança se origina
na relação com o outro, e o meio físico e social são fundamentais
para o desenvolvimento das funções motoras, afetivas e cogniti-
vas. Nesta perspectiva, indivíduo e meio se constituem mutua-
mente, sendo o meio social responsável por estabelecer condições
de existência coletiva. Sendo assim, vale ressaltar que “não exis-
te apropriação rigorosa e definitiva entre o ser vivo e seu meio.
As suas relações resumem-se a uma transformação mútua (...)”
(WALLON, 1980, p. 164).

112
Psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

Neste sentido, podemos definir o meio social como um espa-


ço de trocas e interações sociais que são constantemente transfor-
madas e modificadas de acordo com as necessidades criadas pelos
indivíduos, necessidades estas que são elaborações culturais, so-
ciais e históricas que constituem o indivíduo e as pessoas de seu
meio. Wallon (1980, p. 165-167) destaca a diferença entre meio
e grupo social, reforçando a importância que o grupo social tem
para a constituição da individualidade da criança.
Segundo ele, o grupo se caracteriza por atribuir um papel ou
uma posição para o indivíduo diante das relações estabelecidas
entre os participantes daquele grupo. Ser o líder ou o filho mais
velho, por exemplo, são posições que certamente influenciarão
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a constituição do sujeito e suas ações e condutas serão sempre


reguladas pelo grupo do qual faz parte. Assim como o meio, o
grupo é transitório, podendo ser constituído de acordo com a
idade, as necessidades físicas, psíquicas, intelectuais e sociais da
criança, que, no decorrer de sua vida, participa de diferentes gru-
pos, como o familiar e o escolar (WALLON, 1980, p. 173).
Para Wallon (1980, p. 178-179), “é um ordenamento íntimo
da pessoa que os grupos realizam fazendo penetrar nela as diversas
categorias de relações com os outros. Estas categorias são relati-
vas simultaneamente à acção própria de cada um e ao ambiente
social”. De acordo com o autor (1980, p. 176), o lugar ocupado
no grupo faz com que a criança regule suas ações para atender às
expectativas do grupo. Dessa forma, a assimilação da criança aos
outros, possibilitada pela vivência em um grupo, permite a aqui-
sição de regras, a tomada da consciência de si e de suas próprias
capacidades, bem como a percepção das necessidades do outro.
Neste sentido, Wallon reforça que, no decorrer da vida,
existe uma relação de oposição e dependência entre o eu e o
outro (ou socius). É por volta dos 3 anos de idade que a criança
inicia o processo de diferenciação entre ela e o outro, processo
este que não ocorre de forma clara e passiva e, na tentativa
de individualização e diferenciação, a criança busca expulsar o

113
Regiane Rodrigues de Moraes

outro, opondo-se a ele, mas ao mesmo tempo dependendo dele


(WALLON, 1980, p. 159).
Para Wallon (1980, p. 158-159), o outro complementa o eu,
sendo, portanto, imprescindível esta relação. O outro (ou socius),
na perspectiva do autor, não representa apenas uma pessoa, mas
a cultura de modo geral e tudo o que pode ser produzido por
ela; sendo assim, um livro, uma música ou um filme, por exem-
plo, podem participar ativamente do processo de construção da
personalidade ou, conforme Wallon denomina, do eu psíquico.
Segundo ele:
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O socius ou o outro é um parceiro perpétuo do eu na vida


psíquica. É normalmente reduzido, inaparente, conti-
do e como que negado pela vontade de dominação e de
integridade completa que acompanha o eu. No entanto,
toda a deliberação, toda a indecisão é um diálogo às ve-
zes mais ou menos explícito entre o eu e um objectante.
(WALLON, 1980, p. 159, grifos no original)

O socius se constitui como um integrante do eu que vem de


fora e aparece na forma de posições contraditórias em situações
novas ou difíceis, nas quais o indivíduo precisa tomar uma deci-
são. Há uma estreita relação entre o eu e o outro, e toda decisão
reflete um diálogo advindo desta relação.
As relações estabelecidas entre o sujeito e a sua cultura pos-
sibilitarão a constituição da pessoa. Em cada estágio existe uma
pessoa completa, com características e necessidades específicas.

2. Os estágios de desenvolvimento

Henri Wallon explica o processo de desenvolvimento a par-


tir de diferentes etapas denominadas por estágios. Em diferentes
momentos de sua obra, o autor descreve características destas eta-
pas. No decorrer dos estágios existem avanços e retrocessos, o que

114
Psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

evidencia um desenvolvimento não linear, em que cada estágio


gera o seguinte. As características de cada etapa são construídas
na interação entre o organismo e o meio, pois os modos de ser e
de viver de cada criança são estabelecidos a partir da relação in-
dissociável entre o orgânico e o social (WALLON, 2005, p. 210).
O autor pontua, também, que a trajetória do desenvolvimen-
to segue duas leis: alternância e preponderância dos conjuntos
funcionais. Como vimos anteriormente, afetividade e conheci-
mento se alternam em sua preponderância ao longo dos estágios.
Desse modo, haverá estágios em que a criança estará voltada para
o conhecimento de si, para diferenciação do eu-outro; neles, há
o predomínio da afetividade. Em outros estágios, a criança estará
UNINOVE - USO EXCLUSIVO PARA ALUNO

voltada para a exploração do mundo exterior, para o conheci-


mento da realidade objetiva; neles, o que está em evidência é o
conjunto funcional conhecimento.
Estes diferentes momentos denominados por estágios de de-
senvolvimento serão descritos a seguir, de acordo com Wallon.

2.1 Impulsivo-Emocional (0 a 12 meses)

No estágio impulsivo-emocional há o predomínio do con-


junto funcional afetividade, toda atividade da criança é direcio-
nada para diferenciação entre o eu e o outro. No início desta fase,
o recém-nascido se sente um prolongamento da mãe, é um ser
indiferenciado, confuso e global, o que caracteriza a simbiose.
Sua comunicação com o meio externo e com o outro ocorre a
partir da emoção.
Este estágio é marcado por dois momentos: impulsivo, de 0 a
6 meses; e emocional, de 6 a 12 meses. O momento impulsivo se
caracteriza por movimentos descoordenados do recém-nascido –
são gesticulações dos membros do corpo que funcionam como
descargas motoras e revelam seus estados de bem e mal-estar.
Os gestos de expressão, assim nomeados por Wallon (1980, p.
77), estabelecem as primeiras relações do bebê com os adultos do

115
Regiane Rodrigues de Moraes

seu meio. O bebê afeta seu meio para a satisfação de suas necessi-
dades; seu choro, logo ao nascer, é apenas um espasmo, mas aos
poucos, conforme interage com os adultos e estabelece associa-
ções entre sua manifestação e a resposta obtida, se torna também
um meio de expressão. No segundo momento, o emocional, o
bebê já começa a demonstrar reações e expressões diferenciadas
para raiva, alegria, tristeza, etc.
O estágio impulsivo-emocional, marcado pelo interesse da
criança em se diferenciar do outro, prepara o estágio seguinte.
Nele a criança se entrega às atividades que irão emergir no perío-
do sensório motor e projetivo, surge o interesse dela em explorar
os objetos exteriores, pegar, agarrar, apalpar, colocar na boca. No
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início, estas ações ocorrem de forma descoordenada e sem do-


mínio, mas aos poucos, conforme ajusta o gesto à atividade, o
bebê consegue controlar melhor sua própria ação. Neste período
surgem as atividades circulares, que são atividades de repetição e
que se revelam como a primeira forma do brincar infantil.

2.2 Sensório-motor e Projetivo (1 a 3 anos)

No estágio sensório-motor e projetivo, todo interesse da crian-


ça se volta para exploração do mundo exterior, caracterizando o
predomínio do conjunto do conhecimento. O primeiro momen-
to é marcado pela experiência sensório-motora. A criança mostra
interesse em explorar e investigar o ambiente que a cerca, e essa
possibilidade de exploração aumenta a partir das conquistas da
marcha e da linguagem.
Nesta etapa, a inteligência se dedica à construção da realida-
de objetiva. A aquisição da função simbólica permite à criança
nomear um objeto, representá-lo e evocá-lo, mesmo na sua au-
sência, a linguagem e a brincadeira de representação simbólica
exprimem todas as possibilidades desta função. A possibilidade
de manipular os objetos e de se descolar no espaço evidencia
as conquistas anunciadas no estágio anterior, que, juntamente

116
Psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

com a aquisição da linguagem, aumentam as possibilidades prá-


ticas de atuação e permitem um grande avanço nas relações que
a criança estabelece com seu meio.
Neste estágio, a criança ainda não conquistou a habilidade de
prever e planejar, mas já possui uma inteligência prática ou das si-
tuações, que permite a resolução de problemas no plano concreto.
Em um segundo momento desta fase, a criança precisa tanto
de gestos como de palavras para se expressar – são os gestos que
dão vida às suas palavras, servindo de complemento para o seu
pensamento. Desse modo, fica evidente que o movimento acom-
panha as representações mentais, estando, portanto, a serviço do
pensamento infantil.
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Este estágio não termina sem o anúncio do seguinte, o per-


sonalismo (WALLON, 1980, p. 65). A consciência que a criança
tem de seu próprio corpo revela o reconhecimento de si como
um ser distinto; a atividade de imitação toma relevo, a criança se
envolve em brincadeiras consigo mesma, assumindo diferentes
papéis. Sua curiosidade pela própria imagem revela a principal
tarefa que está por vir, a diferenciação do eu psíquico.

2.3 Personalismo (3 a 6 anos)

O personalismo é um estágio de orientação subjetiva, com


preponderância afetiva, no qual o interesse da criança fica voltado
para a diferenciação entre o eu e o outro. Este período é marcado
pela instabilidade e toda atividade da criança gira em torno da
construção de sua personalidade e individualização, por meio de
três fases complementares: oposição, graça e imitação.
Na fase da oposição, a criança quer se afirmar e se manifesta
frequentemente com o choro. Sua intenção é fazer prevalecer o
seu desejo, testar sua independência, mostrando que possui von-
tade própria. As atitudes de exigência e negação, demonstradas a
todo momento, revelam a necessidade de reconhecer a sua pes-
soa, de se diferenciar do outro. A criança que até então utilizava a

117
Regiane Rodrigues de Moraes

terceira pessoa para falar de si mesma passa a utilizar com frequ-


ência os pronomes “mim” e “eu”.
A segunda fase, da graça, é marcada por uma necessidade de
autoafirmação, na qual a criança procura chamar a atenção dos
adultos para si mesma, se torna sedutora, mostrando suas capaci-
dades de imitação, tudo o que sabe fazer, as músicas que apren-
deu, as habilidades que possui, buscando, com estas atitudes, a
admiração e a aprovação de todos que estão à sua volta.
Na fase denominada imitação, a criança busca modelos para
imitar. Copia todas as características de uma personagem, imita
pessoas que admira, que gostaria de ser.
As três fases revelam a tentativa da criança de se individuali-
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zar, se distinguir do seu meio. Wallon (1980, p. 212) ressalta que


os conflitos presentes neste estágio são fundamentais para o esta-
belecimento das relações sociais. Afirmando, ainda, que a criança
deste estágio deve frequentar a escola de educação infantil, para
estabelecer relações sociais diferentes das familiares. Segundo o
autor (1980, p. 210), frustrações ou arrogâncias ocorridas neste
momento da vida podem marcar fortemente o comportamento
infantil e as relações estabelecidas com o ambiente.
Ao final do personalismo, o interesse da criança em brincar
com seus semelhantes e pertencer a um grupo fica mais evidente
e anuncia um dos aspectos que terão relevo no período seguin-
te, o categorial, no qual as relações com o meio se tornam mais
diferenciadas. Além disso, seu interesse se volta também para o
conhecimento da realidade externa.

2.4 Categorial (6 a 11 anos)

No período categorial, há um aumento significativo das pos-


sibilidades da criança e de suas relações com o meio. Sua parti-
cipação em um grupo passa a ser atrelada às suas preferências. A
atividade de exploração do mundo exterior e da realidade obje-
tiva se intensificam, evidenciando, assim, o predomínio do con-

118
Psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

junto funcional conhecimento. Neste estágio, seu maior desafio


é superar o pensamento sincrético.
Em um primeiro momento deste estágio, a criança consegue
fazer a distinção entre a unidade e o conjunto, classificar objetos
de acordo com as propriedades, estabelecer categorias de acordo
com as características dos objetos, o que significa que um objeto
pode ser identificável e passa a ser categorizado.
Inicialmente, a criança desenvolve uma percepção mais
abstrata, diferenciando desenhos, linhas, posições, direções,
signos e gráficos. Há um aumento do poder de abstração da
mente e o pensamento é sincrético. O interesse infantil se
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transfere de pessoas para as coisas, pois neste momento a crian-


ça tem a possibilidade de manipular e modificar os objetos
(MORAES; ONCALLA, 2011, p. 229).
O segundo momento deste estágio é marcado pela ma-
turação dos centros nervosos de discriminação e inibição, o
que possibilita maior concentração e dedicação de tempo em
uma só tarefa. Ocorrendo, deste modo, um desenvolvimen-
to relevante da memória, atenção e raciocínio simbólico. Os
gestos se tornam mais ajustados ao seu efeito, a criança realiza
estratégias de ação, apresenta noção de causa e efeito e sua ca-
pacidade de conceituar os fenômenos e de explicá-los é pouco
a pouco ampliada.
De acordo com Galvão (2002, p. 85), a maturação orgânica
contribui para a superação do sincretismo, visto que a maturação
dos centros nervosos de inibição e discriminação possibilitam
à criança um controle voluntário de seus movimentos e de sua
atenção em uma determinada tarefa. Essa evolução no plano in-
telectual ocorre paulatinamente, segundo Wallon (2005, p. 179-
214). Somente por volta dos 11 ou 12 anos é que o pensamento
infantil irá superar o sincretismo, funcionando com a objetivida-
de da lógica do adulto.

119
Regiane Rodrigues de Moraes

2.5 Puberdade e adolescência (11 anos em diante)

O estágio da puberdade e adolescência marca a última etapa da


vida que separa a criança do adulto. Este é um período de prepon-
derância afetiva no qual o jovem busca compreender o que acon-
tece com ele, voltando sua atenção para questões de seu interesse.
Segundo Wallon (1980, p. 69), a puberdade é um fato bioló-
gico, porém, sua importância psicológica e social, assim como seus
efeitos, podem variar de acordo com o contexto social, histórico e
cultural de cada indivíduo. As transformações corporais e psico-
lógicas acentuam as diferenças entre os gêneros. Entretanto, essas
mudanças têm significados próprios nas diferentes civilizações.
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O adolescente apresenta um pensamento categorial, que é


a capacidade de variar as classificações de acordo com as quali-
dades e definir suas diferentes propriedades (WALLON, 2005,
p. 186-198). Há um fortalecimento da compreensão de si e da
dimensão temporal possibilitada pelo desenvolvimento orgânico
e psicológico deste momento.
Esse estágio é marcado por uma crise que desequilibra de
forma intensa a relação do adolescente com o seu meio. Vale res-
saltar que essa crise se manifesta de forma diferenciada em cada
indivíduo, pois é consequência da sua interação com seu meio e
não da sua psicogênese.
O autor descreve diferentes características que podem ser fa-
cilmente identificadas no jovem de hoje, dentre elas, as contra-
dições vivenciadas por estar em um período de transição entre a
infância e a vida adulta, a busca de identidade e da permanência
em um grupo, a necessidade de compartilhar segredos com os
pares, a sensação de mudanças rápidas, a busca de um par ideal.
No período denominado puberdade e adolescência, a vida afe-
tiva é muito intensa e fatos corriqueiros ganham um peso extraor-
dinário, revelando a preponderância da afetividade. Novamente a
relação eu-outro adquire papel relevante na vida do indivíduo, ser-
vindo de base para a construção da consciência de si. A ambivalên-

120
Psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

cia de sentimentos e atitudes marca essa etapa da vida, surgem sen-


timentos de desacordo e inquietação, desejos de posse e sacrifício,
oposição e conformismo, renúncia e aventura. Ao mesmo tempo
em que o adolescente deseja seduzir, encantar e ser extravagante,
sente-se intimidado e embaraçado com suas atitudes.
Segundo Wallon (1980, p. 221), esses desejos podem ser re-
alizados por fantasias ou ações reais, para as quais o adolescente
pode se unir a seus pares em função de valores éticos ou crimino-
sos. Sendo assim, este estágio passa por um momento de opções,
no qual o jovem estabelece relações com a sociedade, que podem,
ou não, ser aptas, mas tudo isso dependerá da orientação recebi-
da do adulto e do seu meio.
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3. A visão de Henri Wallon sobre a escola

De acordo com Almeida (2004, p. 121), Wallon mostrava


grande respeito pela instituição escolar. O autor tinha um ideal
de escola e chegou a imprimi-lo em um projeto que elaborou
junto com o físico Paul Langevin para a reforma do ensino fran-
cês, o plano Langevin-Wallon.
Os idealizadores do projeto acreditavam que a estrutura do
ensino deveria ser adaptada à estrutura social, considerando a
diversidade cultural, étnica, social e geográfica dos alunos (PLA-
NO DE REFORMA LANGEVIN-WALLON, 1969, p. 156).
Propuseram uma escola para todos, independentemente da ori-
gem ou condição do indivíduo. Desse modo, alunos com defici-
ência, das classes trabalhadoras ou de diferentes regiões geográfi-
cas tiveram suas necessidades consideradas. Todos tinham direito
ao desenvolvimento máximo, por isso o ensino deveria oferecer
possibilidades iguais, permitindo o acesso aos bens culturais.
O Plano entendia a escola como um centro de difusão da
cultura que deveria transmitir os conhecimentos historica-
mente construídos. Pretendia-se a formação plena do cidadão,
uma formação integral que visasse à humanização. Para isso,

121
Regiane Rodrigues de Moraes

pautava-se nos princípios de justiça, igualdade e orientação,


escolar e profissional (PLANO DE REFORMA LANGEVIN-
-WALLON, 1969, p. 157-158).
A escolarização era obrigatória entre 6 e 18 anos de idade. O
ensino era dividido em ciclos, cada um correspondendo a uma
determinada faixa etária e organizado de acordo com os interes-
ses e necessidades desta, mas sempre levando em conta o ritmo
de cada indivíduo, buscando desenvolver as potencialidades do
aluno, independentemente de sua origem social e econômica. O
primeiro ciclo escolar era destinado às crianças entre 7 e 11 anos;
o segundo atendia alunos entre 11 e 15 anos de idade; e o tercei-
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ro, alunos entre 15 e 18 anos.


É importante ressaltar o quanto o plano Langevin-Wallon é
atual. Este documento propunha uma escola para todos, que de-
veria considerar a diversidade de seus alunos, buscava a formação
do cidadão, possibilitava o acesso à cultura, realizava a avaliação
do processo, fundamentada na observação e no registro. Apre-
sentava métodos ativos que permitiam a participação do estu-
dante e o exercício de escolha.

Considerações finais

Neste capítulo, estudamos conceitos e princípios gerais da


teoria de Henri Wallon, mas em nenhum momento intencio-
namos esgotá-los.
Este teórico apresenta ideais muito relevantes sobre o papel
da escola para o desenvolvimento da criança. Suas ideias conti-
das no Plano Langevin-Wallon poderiam iluminar, influenciar
ou mesmo sugerir políticas públicas mais eficazes de ensino.
Comecemos as reflexões levando em consideração a questão
do meio, que cumpre um papel fundamental no desenvolvimen-
to do indivíduo. Como vimos anteriormente, o meio social ofe-
rece as condições e potencializa o desenvolvimento, compreendi-

122
Psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

do como um processo contínuo de transformações não lineares,


decorrentes da integração entre o orgânico e o social.
Os pressupostos wallonianos contribuem para a compreensão
das características de cada faixa etária. Deste modo, o professor
tem subsídios teóricos que o permitem atender adequadamente
às crianças, respeitando suas especificidades e necessidades. Vale
enfatizar que, mais do que conhecer o criança dentro da perspec-
tiva teórica, é preciso conhecê-la de forma concreta. O próprio
autor ressalta que as características dependem do contexto em que
a criança vive. Portanto, é imprescindível conhecer sua realidade.
Outra contribuição oferecida pela teoria reside na compreen-
são dos conjuntos funcionais afetividade, ato motor, conhecimento
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e pessoa, e da integração entre eles. Nessa perspectiva, o ser huma-


no é um todo integrado, se expressa por inteiro, nas dimensões
afetiva, cognitiva e motora, revelando ainda sua personalidade.
Sendo assim, é indispensável para uma prática docente com-
prometida com o desenvolvimento global do aluno, e coerente
com esses princípios teóricos, considerar a dimensão afetiva dos
estudantes, atentando para o fato de que ela tem impacto sobre
as dimensões cognitiva e motora. Vale lembrar, também, que in-
dependentemente do meio, o aluno se expressa por inteiro den-
tro dessas dimensões, construindo a sua individualidade. Neste
sentido, cabe ao professor pensar em propostas de ensino que
considerem todos estes aspectos.

Referências
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nética de Wallon. In: La Taille, Y. de; Dantas, H; Oli-
veira, M. K. de. Piaget, Vygotsky e Wallon: teorias psicoge-
néticas em discussão. São Paulo: Summus Editorial Ltda, 1992.
GALVÃO, l. Henri Wallon: uma concepção dialética do desen-
volvimento infantil. 10. ed. Petrópolis/RJ: Vozes, 2002.

123
Regiane Rodrigues de Moraes

MAHONEY, A. A.; ALMEIDA, L. R. de (orgs.). A constituição


da pessoa na proposta de Henri Wallon. São Paulo: Edições
Loyola, 2004.
______. Afetividade e processo ensino-aprendizagem: contribui-
ções de Henri Wallon. Psicologia da Educação, São Paulo, n.
20, p. 11-30, 1º sem./2005.
MORAES, R. R. de; ONCALLA, S. A. A teoria psicogenética
de Henri Wallon e suas contribuições para a Psicopedagogia. In:
BARONE, L. M. C.; MARTINS, L. C. B.; CASTANHO, M. I.
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UNINOVE - USO EXCLUSIVO PARA ALUNO

Paulo: Casa do Psicólogo, 2011, p. 203-255.


PLANO DE REFORMA LANGEVIN-WALLON. In: ME-
RANI, A. L. Psicología y pedagogía: Las ideas pedagógicas de
Henri Wallon. México/DF: Grijalbo, 1969.
WALLON, Henri. A evolução psicológica da criança. Lisboa,
Portugal: Edições 70, 1941/2005.
______. As origens do caráter na criança. Os prelúdios do sen-
timento de personalidade. São Paulo: Editora Pensamento, 1971.
______. Psicologia e Educação da Infância. Lisboa, Portugal:
Editorial Estampa, 1973/1980.

124
CAPÍTULO 7
TEORIA DE APRENDIZAGEM
SIGNIFICATIVA DE DAVID
PAUL AUSUBEL
Doralice Bortoloci Ferreira

introdução

Nos dias atuais, ser professor representa cada vez mais um grande
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desafio, pois os professores têm de lidar não só com os saberes da sala


de aula, mas também com as tecnologias e a complexidade social do
momento. podemos até supor que o professor, hoje, vivencie um ce-
nário mais promissor para o desempenho de sua vocação, já que pode
lançar mão de modernos modelos teóricos e estratégias que podem
auxiliar a sua atuação em sala de aula. As teorias de aprendizagem, os
resultados de pesquisa, a inter-relação dos conteúdos com áreas que
pareciam pouco relevantes para a aprendizagem evoluíram e amplia-
ram fronteiras. Atualmente se fala nas contribuições para aprendiza-
gem das inteligências múltiplas,1 do discurso do professor, das con-
cepções prévias2 que os alunos trazem para a sala de aula, das visões
que o professor tem do que é ensinar a sua disciplina, dos esquemas
mentais que o aluno elabora para entender algo e, até mesmo, das
hipóteses que a psicanálise pode fornecer na tentativa de iluminar a
relação subjetiva entre os envolvidos: professor, aluno, instituição e
sociedade nas suas queixas e angústias (MRECH, 1999).
Apesar de todo esse amplo espectro de possibilidades elen-
cadas, encontramos o professor em sala de aula, ainda inseguro,

1. Howard Gardner, Inteligências Múltiplas: a Teoria na Prática, porto Alegre: Artes


Médicas, 1995.
2. M. E. Santos, Mudança conceptual na sala de aula: um desafio pedagógico, lisboa:
livros Horizonte ltda, 1991.

125
Doralice Bortoloci Ferreira

buscando elementos e alternativas capazes de gerar resultados


otimizados, principalmente no que diz respeito aos conteúdos
que ele tem de ministrar.
Muitas teorias e conceitos podem tentar ajudar o professor
nessa tarefa. Um conceito muito importante, que não se pode
perder de vista, é o de aprendizagem significativa, proposto por
Ausubel (1976), psicólogo educacional, que é considerado um
elemento capaz de ajudar o professor na compreensão de aspec-
tos da prática pedagógica e que, sendo facilitados, contribuem
para o aperfeiçoamento do seu ensino.
David Paul Ausubel nasceu nos Estados Unidos, na cidade de
Nova York, no ano de 1918, e era filho de imigrantes judeus. Em
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sua biografia relata algumas situações vivenciadas em seu tempo


escolar e que de certa forma o mobilizaram na busca de um mé-
todo de ensino e aprendizagem mais eficientes, menos punitivos
e que fizessem mais sentido.

Escandalizou-se com um palavrão que eu, patife de seis


anos, empreguei certo dia. Com sabão de lixívia lavou-me
a boca. Submeti-me. Fiquei de pé num canto o dia inteiro,
para servir de escarmento a uma classe de cinquenta meni-
nos assustados (...). A escola é um cárcere para meninos. O
crime de todos é a pouca idade e por isso os carcereiros lhes
dão castigos. (AUSUBEL,1968, p. 31)

Para promover um aprendizado significativo, muitos pes-


quisadores buscaram dar à teoria de Ausubel (1976) um enca-
minhamento mais prático para assim conseguir, na sala de aula,
cada vez mais, um ambiente promissor para que a aprendizagem
significativa ocorresse.
A teoria de Ausubel (1976) é uma teoria cognitiva que se pre-
ocupa com os processos de compreensão, transformação, arma-
zenamento e uso da informação envolvida na cognição. O con-
ceito de cognição (do latim: cognoscere, que significa “conhecer”)
faz referência à faculdade que os seres humanos têm de processar

126
Psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

as informações a partir da percepção, do conhecimento já adqui-


rido e aspectos subjetivos que fazem com que deem mais valor a
alguns elementos em detrimento de outros.
Segundo Ausubel (1976), na aprendizagem por recepção o
material a ser aprendido é apresentado ao aluno na sua forma final,
enquanto na aprendizagem por descoberta o conteúdo principal
deve ser descoberto pelo aprendiz. Entretanto, a aprendizagem,
seja por recepção ou por descoberta, só será significativa se o novo
conteúdo for incorporado na estrutura cognitiva de forma substan-
tiva, não arbitrária e não literal. A aprendizagem por descoberta e a
aprendizagem por recepção também podem ocorrer concomitante-
mente ou irem se alternando na mesma situação de aprendizagem.
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FIGURA 2

Estrutura
cognitiva

Aprendizagem

Aprendizagem Aprendizagem
Sgnificativa Mecânica

Aprendizagem Aprendizagem
Significativa por Significativa por
Recepção Descobera

Esquema elaborado pelo autor utilizando o conceito de mapa conceitu-


al, conceitos apresentados no texto e a concepção gráfica do SmartArt do
Word do Microsoft Office

127
Doralice Bortoloci Ferreira

Para Ausubel (1976), a aprendizagem significativa é o


mecanismo capaz de permitir ao homem adquirir e armaze-
nar ideias e informações sobre qualquer campo do conheci-
mento. Este armazenamento deve ser de forma não arbitrá-
ria e substantiva.
Pode-se entender como não arbitrariedade o fato de que
o conhecimento novo vai se relacionar com o material que
já existe na estrutura cognitiva, não com qualquer elemento,
mas com aqueles que são relevantes e que funcionam como
base para o novo conhecimento. E entender substantividade
como a substância do que é incorporado à estrutura cognitiva
e que se configura como a base do novo conhecimento. Essa
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base para a ocorrência da aprendizagem não é expressa em


palavras precisas, já que podemos utilizar diferentes signos para
conseguir o mesmo significado.
Rodrigues (2010) fala sobre a relação não arbitrária e
substantiva com o conhecimento. Exemplifica a relação não
arbitrária dizendo que o conceito de cadeira terá sentido
para o indivíduo se, para ele, existir uma relação de cadeira
com o conceito de sentar. E relação substantiva diz respeito
ao fato de qualquer que seja o tipo de cadeira que ele venha
a conhecer em sua existência, após ter apreendido um con-
teúdo, ele poderá sempre explicá-los com suas próprias pa-
lavras. Se o aluno aprender significativamente um conceito,
ele pode expressá-lo fazendo diferentes relações. Portanto, a
substantividade do aprendizado diz respeito ao fato de que
apreendido o sentido, o significado, ele poderá ser expresso
com as mais diversas palavras.

128
Psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

FIGURA 3
relação do conhecimento
não/arbitrariedade novo apenas com
elementos relevantes da
estrutura cognitiva
aprendizagem
significativa
nova base para
substantividade o conhecimento
e não expressa
em palavras precisas

Esquema elaborado pelo autor utilizando o conceito de mapa conceitual,


conceitos apresentados no texto e concepção gráfica utilizando elementos
do SmartArt do Word do Microsoft Office
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Ausubel (1976) sustenta que o conjunto de conceitos acumu-


lados na estrutura cognitiva de cada aluno é único. Logo, cada
pessoa poderá construir diferentes ligações conceituais mesmo
que esteja vivenciando a mesma tarefa de aprendizagem.
As informações são armazenadas no cérebro de forma orga-
nizada. Existe uma hierarquia de conceitos que foram criados
levando em conta as experiências “sensoriais do indivíduo”. Con-
sidera-se aprendizagem a organização desse material na estrutura
cognitiva do indivíduo.
Para que novas ideias e informações sejam aprendidas e re-
tidas, para que novos elementos sejam agregados ou ressignifi-
cados pelo indivíduo, é necessário que exista na estrutura cog-
nitiva “pontos de ancoragem”, ou seja, deve existir na estrutura
cognitiva algo capaz de fazer essa ligação com o novo elemento,
denominado conceito “subsunçor”3. Partindo desse princípio, a

3. A palavra “subsunçor” não existe em português; trata-se de uma tentativa de


aportuguesar a palavra inglesa “subsumer”. Seria mais ou menos equivalente a “in-
seridor”, facilitador ou subordinador (Moreira, 1999, p. 153).
Moreira e Masini (1982) consideram que “subsunçor” é uma ideia (conceito ou
proposição) mais ampla, que funciona como subordinador de outros conceitos na
estrutura cognitiva e como ancoradouro no processo de assimilação. Como resultado
dessa interação (ancoragem), o próprio “subsunçor” é modificado e diferenciado.

129
Doralice Bortoloci Ferreira

aprendizagem ocorre quando uma nova informação ancora-se


em conceitos que estão presentes nas experiências de aprendiza-
do vividas anteriormente. Portanto, considera-se que o fator mais
importante que influencia na aprendizagem consiste naquilo que
o aluno já sabe. O novo conteúdo poderá, se significativo, ligar-
-se à estrutura cognitiva preexistente do indivíduo, possibilitan-
do a ocorrência de aprendizagem dos novos conceitos. Conforme
Moreira (2006, p. 38): “a aprendizagem significativa é o processo
por meio do qual novas informações adquirem significado por
interação (não associação) com aspectos relevantes preexistentes
na estrutura cognitiva”.
Moreira considera ainda que
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A aquisição de significados para signos ou símbolos de


conceitos ocorre de maneira gradual e indiossincrática em
cada indivíduo. Em crianças pequenas, conceitos são ad-
quiridos, principalmente, pelo processo de formação de
conceitos, o qual é um tipo de aprendizagem por desco-
berta, envolvendo geração e testagem de hipóteses bem
como generalizações, a partir de instâncias especificas.
Porém ao atingir a idade escolar, a maioria das crianças
já possui um grupo adequado de conceitos que permite
a ocorrência da aprendizagem significativa por recepção.
(MOREIRA, 2006, p. 21)

A aprendizagem será considerada significativa se uma in-


formação nova se relacionar com o aspecto relevante da es-
trutura de conhecimento do indivíduo, ou seja, o conceito
subsunçor. Oposta a esta situação, está a aprendizagem me-
cânica que consegue apenas estabelecer pouca, ou nenhuma,
associação do conceito novo com os já existentes na estrutura
cognitiva. Apesar disso, verificamos que é um tipo de apren-
dizagem necessária quando o indivíduo se depara com um co-
nhecimento totalmente novo. Pois essa é a maneira pela qual
ele consegue manter na estrutura cognitiva alguns elementos

130
Psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

do novo conhecimento e que, posteriormente, poderão ser


usados como subsunçores. Esse processo é dinâmico e, à me-
dida que a aprendizagem vai ficando mais significativa, esses
subsunçores sofrerão maior elaboração e serão capazes de rea-
lizar melhor essas ancoragens.
A aprendizagem mecânica, proposta por Ausubel (1976),
diz respeito, por exemplo, à aprendizagem pela criança na
fase de alfabetização de pares de sílabas sem sentido, às fór-
mulas e leis que são decoradas para resolver exercícios em
uma avaliação, etc.
Muitas são as razões para se utilizar uma aprendizagem
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mecânica, mas, segundo a teoria, isso se faz quando o sujei-


to não tem ideias relevantes disponíveis que sirvam de sub-
sunçores para a ancoragem do material novo a ser aprendido,
quando o novo material não é potencialmente significativo
para o aprendiz ou até mesmo quando, apesar de ser signifi-
cativo, naquele momento o estudante não tem condições de
incorporá-lo à sua estrutura cognitiva e, assim, realizar uma
aprendizagem significativa.
Nesse sentido, Ausubel (1976) pondera que, sempre que
um indivíduo adquire informações em uma área completa-
mente nova, ele tem que realizar uma aprendizagem mecâni-
ca, até que surjam em sua estrutura cognitiva alguns conhe-
cimentos que possam servir de subsunçores e, à medida que
a aprendizagem vai se tornando significativa, os subsunçores
vão ficando cada vez mais elaborados e prontos para ancorar
novos conhecimentos.
Segundo Ausubel, Novak e Hanesian (1980), não há oposi-
ção entre a aprendizagem mecânica e a significativa. Isso porque
a aprendizagem mecânica é inevitável no caso de conceitos intei-
ramente novos para o aluno, mas posteriormente ela se trans-
formará em significativa. Consideram que as aprendizagens
por recepção e por descoberta situam-se ao longo de um con-

131
Doralice Bortoloci Ferreira

tinuum de aprendizagens significativa e mecânica. Na situação


de aprendizagem proposta por Soares (2008) verificamos que:

(...) ao se apresentar ao aluno o conceito de área, ele só terá


sentido, à medida que ele for relacionado com alguma ideia
relevante, que esteja clara e organizada na sua estrutura cog-
nitiva. Caso contrário, a princípio será armazenado de for-
ma mecânica. O conhecimento anterior sobre medidas de
comprimento, unidades de medida de comprimento, entre
outros, facilitarão a construção do conceito de “área”, uma
vez que podem funcionar como ancoradouros para o novo
conceito. Somente no decorrer do tempo, com a aquisição
das “ideias âncoras” é que o conceito passará a ter significa-
UNINOVE - USO EXCLUSIVO PARA ALUNO

do para o aluno. (SOARES, 2008, p. 54)

A aprendizagem significativa, segundo Ausubel (1976), pode


ser organizada em três tipos:

• Representacional: o tipo mais simples é a aprendizagem do


significado dos símbolos individuais ou aprendizagem do que
eles representam. A Aprendizagem Representacional é basica-
mente uma associação simbólica primária que atribui signifi-
cado a símbolos como, por exemplo, valores sonoros vocais e
caracteres linguísticos;
• Conceitual: diz respeito à aprendizagem de conceitos, é um
caso da aprendizagem representacional porque conceitos tam-
bém são representados por símbolos individuais, mas nesse caso
são representações genéricas ou categorias;
• Proposicional: se apreende o significado das na forma de pro-
posição dos conceitos. Seu objetivo é promover uma compreensão
sobre uma proposição através da soma de conceitos mais ou menos
abstratos. Por exemplo, o entendimento do que é moral.

132
Psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

FIGURA 4

Aprendizagem
Significativa

Representacional Conceitual Proposicional

Significados das ideias,


Dá significado a Conceitos também
compreensão através
símbolos: valores sonoros, representam símbolos.
da soma de conceitos.
vocais e caracteres Representação de generos
Por exemplo, entendimento
linguísticos ou categorias
do conceito de moral
UNINOVE - USO EXCLUSIVO PARA ALUNO

Esquema elaborado pelo autor utilizando o conceito de mapa conceitual,


conceitos apresentados no texto e concepção gráfica utilizando o SmartArt
do Word do Microsoft Office

Para melhorar a compreensão do processo, Ausubel (1976)


propõe a Assimilação, que explica como a retenção de ideias, ou
informações, pode gerar uma aprendizagem significativa.
A nova informação consegue se ligar a um conceito já exis-
tente na estrutura, portanto, a nova informação e o conceito so-
frem modificações devido à interação a que foram sujeitos.
Durante um período, o elemento novo e o subsunçor mo-
dificado permanecem facilmente dissociáveis e disponíveis na
estrutura cognitiva, o que facilita a incorporação do elemento
novo, ou seja, o processo de Assimilação.
Mas o processo de retenção obedece a uma certa lógica eco-
nômica, no sentido de guardar apenas aspectos mais gerais e es-
táveis e não os recém-assimilados. Dessa forma, após a aprendi-
zagem significativa, ocorrerá, em um segundo momento, o de
assimilação obliteradora, que tornará cada vez menos indissociá-
veis os elementos novos dos seus subsunçores, aqueles que foram
capazes de acolher esses elementos.

133
Doralice Bortoloci Ferreira

Finalmente teremos novos subsunçores, ou seja, subsunçores


modificados, o que evidencia a necessidade do esquecimento para
a consolidação do novo conceito que ganha, no caso, o status de
um novo subsunçor. Ou seja, após a aprendizagem já ser consi-
derada significativa, começa um segundo estágio da Assimilação:
a assimilação obliteradora. Porque as novas informações tornam-se
espontâneas e progressivamente menos dissociáveis de suas ideias-
-âncoras (subsunçores) até que não mais estejam disponíveis, isto
é, não são mais reproduzíveis como entidades individuais.
Moreira (1999) descreve e representa esquematicamente a
Assimilação do seguinte modo:
UNINOVE - USO EXCLUSIVO PARA ALUNO

(...) Portanto a assimilação é um processo que ocorre


quando um conceito ou proposição a, potencialmente sig-
nificativo, é assimilado sob uma ideia ou conceito mais in-
clusivo, já existente na estrutura cognitiva... não só a nova
informação a, mas também o conceito subsunçor A, com o
qual ela se relaciona, são modificados pela interação.
(...) As novas informações tornam-se espontâneas e pro-
gressivamente menos dissociáveis de suas ideias-âncora
(subsunçores) até que não mais estejam disponíveis, i.e, não
mais reproduzíveis como entidades individuais. Atinge-
-se, então, um grau de dissociabilidade nulo e A’a’ reduz-se
simplesmente a A’. O esquecimento é, portanto, uma con-
tinuação temporal do mesmo processo de assimilação que
facilita a aprendizagem e a retenção de novas informações.
(...) O resíduo da assimilação obliteradora é A’, o mem-
bro mais estável do produto A’a’, i.é, o subsunço modifica-
do. (MOREIRA,1999, p. 158-159)

134
Psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

FIGURA 5

Assimilada por Conceito


Nova resíduo da
Conceito Subsunçor
informação a A A´a assimilação A´
Subsunçor existente
potencialmente obliteradora
existente na na estrutura
e significativa
estrutura cognitiva
cognitiva

Esquema elaborado pelo autor utilizando o conceito de mapa conceitual,


conceitos apresentados no texto e concepção gráfica do SmartArt do Word
do Microsoft Office

A aprendizagem sofre nesse estágio nova categorização:


UNINOVE - USO EXCLUSIVO PARA ALUNO

• subordinada: a informação nova se mostra subordinada


àquela preexistente na estrutura cognitiva do indivíduo (subsun-
çores). Nesse caso, a aprendizagem pode ser derivativa quando
não há alteração da ideia mais geral ou correlativa quando apenas
a aprendizagem já promove uma ampliação do sentido sem que
surja algo novo;
• superordenada: quando a informação nova é ampla demais
para ser assimilada por qualquer subsunçor existente, sendo mais
abrangente que estes e então passa englobá-los. Por exemplo: se
o indivíduo tem subsunçores, conhecimentos práticos de eletri-
cidade, resolvendo problemas domésticos, quando ele começar a
estudar eletricidade em um curso técnico, com certeza compre-
enderá melhor o que ele já está fazendo e poderá explicar com
esse novo conhecimento alguns eventos para os quais não tinha
explicação. Portanto, o novo conhecimento teórico engloba o co-
nhecimento prático que ele tinha e o assimila;
• combinatória: quando a informação nova não é suficiente-
mente ampla para absorver os subsunçores, mas, em contraparti-
da, é muito abrangente para ser absorvida por estes.

135
Doralice Bortoloci Ferreira

FIGURA 6

A informação nova se mostra subordinada


SUBORDINADA àquela preexistente na estrutura
cognitiva do indivíduo ( subsunçores)
APRENDIZAGEM
SIGNIFICATIVA

A informação nova é ampla demais para


ser assimilada por qualquer subsunçor
SUPERORDENADA existente, sendo mais abrangente que
estes e então passa a englobá-los

A informação nova não é suficientemente


COMBINATÓRIA ampla para absorver os subsunçores,
mas em contrapartida é muito
abrangente para ser absorvida por estes
UNINOVE - USO EXCLUSIVO PARA ALUNO

Esquema elaborado pelo autor utilizando o conceito de mapa conceitual,


conceitos apresentados no texto e concepção gráfica utilizando o SmartArt
do Word do Microsoft Office

Quando pensamos em aprendizagem significativa devemos sele-


cionar os conteúdos a serem trabalhados e, ao mesmo tempo, estabe-
lecer uma sequência para a apresentação destes conteúdos. Ausubel
(1976) propõe dois princípios inter-relacionados que podem norte-
ar esta escolha: a diferenciação progressiva e a reconciliação integrativa.
Na diferenciação progressiva, as ideias, conceitos, proposições
mais gerais e inclusivas do conteúdo devem ser apresentados no
início da instrução e, progressivamente, diferenciados em termos
de detalhe e especificidade. Considera-se mais fácil a aprendiza-
gem de conceitos particulares a partir de um conceito mais geral.
Segundo Moreira (1999, p. 157),

(...) é menos difícil para seres humanos captar aspectos diferen-


ciados de um todo mais inclusivo previamente aprendido, do que
chegar ao todo a partir de suas partes diferenciadas previamente
aprendidas. A organização do conteúdo de uma certa disciplina,

136
psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

na mente de um indivíduo, é uma estrutura hierárquica na qual


as ideias mais inclusivas e gerais estão no topo e progressivamen-
te, incorporam proposições, conceitos e fatos inclusivos e mais
diferenciados. (AuSuBEl apud MoREIRA, 1999, p. 157)

FigurA 7

NOVA
INFORMAÇÃO + RECONCILIAÇÃO
SUBSUNÇORES INTEGRATIVA
UNINOVE - USO EXCLUSIVO PARA ALUNO

DIFERENCIAÇÃO
PROGRESSIVA

APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA

Esquema elaborado pelo autor. A ação da Reconciliação Integrativa e da


Diferenciação progressiva agindo nas novas informações e subsunçores,
gerando Aprendizagem Significativa. Concepção utilizando o elemento
gráfico SmartArt do Word do Microsoft office

Na reconciliação integrativa deve haver a exploração de ideias


que apontem para similaridades e diferenças importantes e re-
conciliem discrepâncias reais ou aparentes. ou seja, diz respeito
a como se relacionam as ideias a serem apresentadas ao aluno e
como ela fará essa relação na sua estrutura cognitiva.
para uma melhor utilização dos recursos da diferenciação
progressiva e da reconciliação integrativa, podemos utilizar orga-
nizadores prévios que sejam adequados ou através da utilização de
mapas conceituais (MoREIRA, 1999, p. 160-161).

137
Doralice Bortoloci Ferreira

1. Os organizadores prévios

Em busca da aprendizagem significativa, Ausubel et al (1980)


propõem a utilização do recurso didático dos organizadores pré-
vios, que constitui uma estratégia a ser aplicada pelo professor
deliberadamente, com o objetivo de manipular a estrutura de
aprendizagem de modo que o novo conceito seja formado a par-
tir de conceitos já existentes. Essa estratégia apresenta o novo
conceito a partir da sua ideia mais geral e depois vai detalhando-
-o, mas retornando ao conceito geral sempre que possível.
A elaboração e escolha de organizadores prévios deverão ser da res-
ponsabilidade do educador, pois se pressupõe que ele tenha o conhe-
UNINOVE - USO EXCLUSIVO PARA ALUNO

cimento necessário para a seleção de materiais, com a generalidade e


relevância indispensáveis, a serem oferecidas durante a aprendizagem.
Segundo Moreira e Masini (1982), organizador prévio é:

Material introdutório apresentado antes do material a ser


aprendido, porém em nível mais alto de generalidade, inclu-
sividade e abstração do que o material em si e, explicitamente,
relacionado às ideias relevantes existentes na estrutura cogniti-
va e à tarefa de aprendizagem. Destina-se a facilitar a aprendi-
zagem significativa, servindo de ponte entre o que o aprendiz
já sabe e o que ele precisa saber para que possa aprender o novo
material de maneira significativa. É uma espécie de ponte cog-
nitiva. (MOREIRA; MASINI, 1982, p. 103)

Organizadores prévios, segundo Ausubel et al (1980), são


materiais introdutórios dos conteúdos a serem propostos com o
objetivo de facilitar a aprendizagem de tópicos ou conjuntos de
ideias relacionadas. É um recurso instrucional potencialmente
facilitador da aprendizagem significativa, no sentido de servirem
de pontes cognitivas entre novos conhecimentos e aqueles já exis-
tentes na estrutura cognitiva do aprendiz. Potencializam a criação
de relações não arbitrárias entre os novos conceitos e subsunçores
que servirão de âncora na estrutura cognitiva do aprendiz.

138
Psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

Organizadores prévios podem ser de dois tipos: expositivos, quan-


do os conceitos a serem aprendidos não possuem elementos mais
inclusivos na estrutura do aluno, já que ele desconhece totalmente o
assunto; e, comparativos quando já existem ideias que podem anco-
rar os novos conceitos, porque parte já é sabido pelo aluno.
Ausubel et al (1980) consideram que a construção de organi-
zadores prévios depende da natureza do material a ser aprendido,
da idade do aprendiz e do seu grau de familiaridade prévia com
a passagem a ser aprendida. Segundo Moreira e Masini (1982),
eles podem ser considerados “expositórios” quando o material
a ser aprendido for completamente desconhecido do aprendiz;
“comparativo”, quando o material a ser aprendido for relativa-
UNINOVE - USO EXCLUSIVO PARA ALUNO

mente familiar e, nessa situação, espera-se a ocorrência de inte-


gração de material significativo na estrutura cognitiva.

FIGURA 8

ORGANIZADORES
PRÉVIOS

NOVA INFORMAÇÃO SUBSUNÇORES

APRENDIZAGEM
SIGNIFICATIVA

Esquema elaborado pelo autor utilizando o conceito de mapa concei-


tual, conceitos apresentados no texto acima e SmartArt do Word do
Microsoft Office

139
Doralice Bortoloci Ferreira

2. Mapa conceitual

Mapas conceituais são diagramas que sinalizam as ligações


entre os conceitos. São representações gráficas semelhantes a
diagramas que indicam relações entre conceitos ligados por
palavras. Descrevem desde os conceitos mais abrangentes até
os menos inclusivos. Ordena e sequencia os conteúdos de
ensino a fim de gerar estímulos adequados para promover a
aprendizagem significativa.
Os mapas conceituais são resultado de uma pesquisa de No-
vak e Gowin’s (1984) sobre a construção do aprendizado e co-
UNINOVE - USO EXCLUSIVO PARA ALUNO

nhecimento humanos. Eles definem que os elementos primários


do conhecimento são os conceitos.
Em Moreira (1983, p. 75), encontramos a seguinte definição:

Mapas conceituais devem ser entendidos como diagra-


mas bidimensionais mostrando relações hierárquicas entre
conceitos de uma disciplina e que derivam sua existên-
cia da própria estrutura da disciplina (...) e deve ser visto
como apenas uma das possíveis representações de uma cer-
ta estrutura conceitual.

Podem ser utilizados tanto como recurso na aprendizagem


como na verificação da aprendizagem, porque possibilitam a
averiguação de como é feita a ligação de conceitos pelo aluno.
Ligação que pressupostamente tem alguma relação com a sua
própria estrutura cognitiva. Os mapas conceituais podem reve-
lar relações de subordinação e superordenação, que poderão estar
afetando a aprendizagem. Aparecerão similaridades e diferenças
reais ou aparentes que deverão ser reconciliadas e integradas
(reconciliação integrativa).
Segundo Faria (1995), as utilizações possíveis de um
mapa conceitual podem variar desde a utilização como estra-
tégia de estudo, na apresentação de itens curriculares, como

140
Psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

instrumento de avaliação escolar e até mesmo em pesquisas


educacionais. Para o aluno, poderá ser utilizado como fer-
ramenta de aprendizagem, sendo útil como forma de fazer
anotações, resolver problemas, planejar estudos, preparar-se
para avaliações e identificar a integração e relação entre os
tópicos de estudo.
Para o professor, os mapas conceituais se constituem po-
derosos auxiliares, na medida em que tornam mais claros os
conceitos difíceis, arrumando-os em uma forma sistemática, de
modo a mostrar uma relação mais clara entre eles. Isso possi-
bilita verificar a aprendizagem, ou seja, o alcance dos objetivos
propostos inicialmente, e identificar os conceitos mal compre-
UNINOVE - USO EXCLUSIVO PARA ALUNO

endidos pelos alunos.


Além disso, os mapas ajudam o professor a se manter
atento aos conceitos-chave e suas relações, dando uma ima-
gem clara de como essas relações são realizadas pelos alunos.
Reforça, portanto, a compreensão e aprendizagem signifi-
cativa pelo aluno e auxilia os professores na avaliação do
processo de ensino.
Uma condição favorável à ocorrência de aprendizagem
significativa é que o aluno tenha conhecimento relevante
anterior (algum subsunçor) sobre o tema a ser aprendido.
Além disso, é necessário que o material de aula selecionado
pelo professor seja significativo e que o aluno deseje viver
essa experiência. Para conseguir essa adesão do aluno, o pro-
fessor pode lançar mão das mais diferentes ferramentas e
materiais instrucionais.

141
Doralice Bortoloci Ferreira

FIGURA 9

APRENDIZAGEM CONDIÇÕES PAPEL


SIGNIFICATIVA PARA QUE DO PROFESSOR
ELA OCORRA

Pressupõe o que está


na estrutura cognitiva
CONHECIMENTO
do aluno
RELEVANTE
ANTERIOR
APRENDIZAGEM
SIGNIFICATIVA Deve ter a competência
MATERIAL para a organização
SIGNIFICATIVO e apresentação
UNINOVE - USO EXCLUSIVO PARA ALUNO

(organizador) do material

Deve buscar materiais e


ENVOLVIMENTO
estratégias que
DO ESTUDANTE
garantam esse
envolvimento

Papel do professor na Aprendizagem Significativa. Esquema elaborado


pelo autor utilizando o conceito de mapa conceitual, concepção utilizando
o elemento gráfico SmartArt do Word do Microsoft Office

3. Fatores a se considerar para a ocor-


rência de aprendizagem significativa

A premissa de uma aprendizagem significativa pressupõe a


existência de subsunçores e a vontade de o aluno aprender sig-
nificativamente (fatores internos da aprendizagem). O material
a ser oferecido deve ser potencialmente significativo e também
apresentar relações não arbitrárias e substantivas entre as diversas
ideias que está se querendo trabalhar e as que, supostamente, já
façam parte da estrutura cognitiva do aluno.
Na montagem de suas aulas o professor tem à disposição os
mais variados materiais a serem selecionados e oferecidos como

142
Psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

organizadores prévios, como livros, transparências, filmes, sof-


twares, revistas, etc.
O professor tem papel de extrema importância no processo
de promoção de uma aprendizagem significativa, mas devemos
esperar da parte do estudante existência de subsunçores e a von-
tade de realizar essa nova aprendizagem.
Portanto, o professor deve pensar na melhor estratégia para
apresentar o novo conteúdo, tendo em conta quais seriam os
subsunçores necessários e quais o aluno já deve ter.

FIGURA 10 - Visão esquemática de uma aula ex-


positiva sob enfoque ausubeliano
UNINOVE - USO EXCLUSIVO PARA ALUNO

CONTEÚDO DA AULA

2. Identificar os 3. Diagnosticar
1. Determinar a
Subsunçores aquilo que os
estrutura conceitual
específicamente alunos ja sabem
e proposicional
relevantes

4. Ensinar usando
organizadores prévios e
princípios programáticos

APRENDIZAGEM
SIGNIFICATIVA

Extraído de SILVA, Nilson O. Aula expositiva no ensino de física. Dispo-


nível em: <http://fisica.uems.br/arquivos/pratica/aula-expositiva.pdf>. Acesso
em: 27 maio 2012.

143
Doralice Bortoloci Ferreira

4. Aplicação de mapas conceituais em


sala de aula
A utilização do mapa conceitual deve ser pensada por cada
professor dependendo de suas necessidades e do material instru-
cional disponível. Fazemos a seguir algumas sugestões para a ela-
boração de mapas conceituais.
Na pré-escola, o professor poderá elaborar um mapa com
figuras. Ele poderá ler ou contar uma história infantil e depois
distribuir aos alunos atividades com desenhos dos personagens,
partes do cenário, situações, etc.
Por exemplo, na estória de chapeuzinho vermelho temos no
UNINOVE - USO EXCLUSIVO PARA ALUNO

primeiro plano os personagens: avó, lobo, chapeuzinho verme-


lho e caçador; temos em segundo plano os objetos: cesto, rifle,
óculos, cama, porta, casa da vovó, mãe da chapeuzinho; e, por
fim, as ações: andando pelo caminho do rio e pelo caminho da
floresta , visitar vovó doente, lobo se veste de vovó, etc.

FIGURA 11 - Exemplo 1: CHAPEUZINHO VERMELHO -


LOBO - VOVÓ - CESTA - FLORESTA - CAÇADOR - ARMA

Esquema elaborado pelo autor utilizando o conceito de mapa conceitual,


conceitos apresentados no texto acima e figuras do Clipp-Art do Word do
Microsoft Office

144
Psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

A criança poderá fazer essas ligações de personagens e objetos


e recontar a história.
Crianças maiores em fase de alfabetização poderão, além
da ligação, escrever sobre as linhas desenhadas quem são
essas ligações.
Em fase de alfabetização o professor pode oferecer alguns ele-
mentos e solicitar que a partir deles seja feita sua ligação; como,
por exemplo, as palavras “gato” e “leão”, que podem se relacionar
de diversas formas: ambos são animais; um é selvagem e o outro
doméstico; ambos têm dentes, bigodes; fazem barulhos diferen-
tes; um pode morar no circo, no zoológico ou na floresta, outro
em casa ou na rua. Dependendo do nível de maturidade dos
UNINOVE - USO EXCLUSIVO PARA ALUNO

alunos pode-se pensar em gatos abandonados nas ruas, prote-


ção aos animais e animais selvagens como o leão, explorados ou
maltratados em circos, etc. Nesta fase já se pode oferecer textos
introdutórios, além de filmes, etc.
O mapa conceitual deve abordar os elementos introduzi-
dos, as novas informações e como ocorrem as relações com
aqueles elementos que, supostamente, já estejam na estrutura
cognitiva do aluno.
Quando se deseja a elaboração de um mapa conceitual que
reflita o processo que o aluno está vivenciando na aprendizagem,
devemos propor algumas atividades para que ele se familiarize
em separar os conceitos mais gerais dos mais inclusivos segundo
uma escala de prioridades que ele aprenda a estabelecer. A suges-
tão é que os primeiros mapas sejam elaborados em conjunto por
professores e alunos.

145
Doralice Bortoloci Ferreira

FIGURA 12 – Exemplo 2: ÁGUA – ESTADOS FISICOS –


SÓLIDO – LIQUIDO – GASOSO – CONDENSAÇÃO –
CHUVA – LENÇOIS SUBTERRÂNEOS – RIOS – OCEANOS
– MARES – LAGOS – CALOR ESPECÍFICO

Sólido Líquido Gasoso

Água Estados Fisícos Condensão

Calor específico Mares Chuva


1 cal/g.C
UNINOVE - USO EXCLUSIVO PARA ALUNO

Que forma
Rios Lençóis
Subterrâneos
Lagos
Oceanos

As diferentes estratégias de apresentação dos conteúdos no-


vos e como essa relação pode ser feita com o que se pressupõe
estar na estrutura cognitiva do aluno dependem da criatividade
do professor.
Essas atividades podem incluir um texto ou conteúdo já
apresentado anteriormente e que o aluno teve a oportunidade de
pesquisar em diferentes meios impressos ou eletrônicos, além de
apresentação oral dos conceitos feita pelo professor.
Inicialmente, o professor ou aluno podem elaborar uma re-
lação dos conceitos a serem inseridos no mapa, ligar cada con-
ceito às ideias principais relacionadas a ele e depois traçar linhas
ligando os conceitos e suas ideias, escrevendo sobre cada linha
de ligação como eles se relacionam. As linhas de ligação podem
ter dois sentidos ou um só, dependendo da compreensão que se
tenha feito do tema, para indicar isso podemos utilizar setas.

146
Psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

Não devemos esquecer que não existe uma forma correta e


muito menos uma única forma de ligação dos conceitos. Quanto
melhor os estudantes compreenderem os conceitos e as suas rela-
ções, poderão traçar mapas mais ricos, completos e mais preci-
sos. O modo como essa ligação é feita é de extrema importân-
cia para o professor, já que reflete o raciocínio que está sendo
estabelecido pelo aluno sobre a situação a ser aprendida.

Considerações Finais

Estar na sala de aula como professor é uma experiência de


múltiplas dimensões, superação de limites e renovação constan-
UNINOVE - USO EXCLUSIVO PARA ALUNO

te. Mesmo não tendo controle sobre os aspectos emocionais e


os efeitos subjetivos vivenciados dentro do processo de ensino-
-aprendizagem, dos quais ele e o aluno são objetos, o professor
pode contar com muitos elementos, como vimos no início desse
capítulo, para estimular a ocorrência de aprendizagem.
A teoria da aprendizagem significativa de Ausubel (1976), que
se faz presente sempre que se pensa sobre educação, auxilia o pro-
fessor na compreensão de aspectos de sua prática pedagógica ao
mesmo tempo em que aponta a importância de seu papel como
gerenciador de um espaço de aprendizagem. Isso significa ter co-
nhecimento das concepções de seus alunos, conhecimento do con-
teúdo, rigor na seleção dos diferentes tipos de informações, bem
como ter discernimento para aperfeiçoar o seu ensino elaborando
os caminhos e os meios possíveis para a aprendizagem significativa.

Referências
AUSUBEL, D. P. Educational psychology: a cognitive view.
New York: Holt, Rinehart and Winston. 1968
______. Psicologia educativa. Un Punto de vista congnosciti-
vo. México: Trillas, 1976.

147
Doralice Bortoloci Ferreira

______; NOVAK, J. D.; HANESIAN, J. Psicologia educacio-


nal. Rio de Janeiro: Interamericana, 1980.
FARIA, W. Mapas Conceituais: Aplicações ao ensino, currículo e ava-
liação. São Paulo: EPU – Temas Básicos de educação e ensino, 1995.
MOREIRA, Marco A.; MASINI, Elcie F. Salzano. Aprendizagem
significativa. A teoria de David Ausubel. São Paulo: Moraes, 1982.
______. Uma abordagem cognitivista ao ensino de física; a
teoria de aprendizagem de David Ausubel como sistema de re-
ferência para a organização do ensino de ciências: Porto Alegre:
Universidade, 1983.
UNINOVE - USO EXCLUSIVO PARA ALUNO

______. Teorias de Aprendizagem. São Paulo: EPU, 1999.


______. A teoria da aprendizagem significativa e suas im-
plementações em sala de aula. Brasília: Editora UNB, 2006.
MRECH, L. M. Psicanálise e educação: Novos operadores de
leitura. São Paulo: Editora Pioneira, 1999.
NOVAK, J. D.; GOWIN, D. B. Learning How to Learn. New
York: Cambridge University Press, 1984.
RODRIGUES, R. Teoria da Aprendizagem Significativa de
David Ausubel. Disponível em: <http://rcrrodrigues.wordpress.
com/2010/12/06/teoria-da-aprendizagem-significativa-de-da-
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SILVA, Nilson O. Aula expositiva no ensino de física. Dispo-
nível em <http://fisica.uems.br/arquivos/pratica/aula-expositiva.
pdf>. Acesso em: 27 maio 2012
SOARES, L. H. Aprendizagem significativa na educação ma-
temática: uma proposta para a aprendizagem de geometria bási-
ca. 2008. Dissertação (Mestrado) – UFPB, João Pessoa.

148
CAPÍTULO 8
INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLAS:
UM OLHAR NA EDUCAÇÃO
Elaine de Oliveira Carvalho Moral Queiroz

introdução

todos concordam que, de todas as qualidades huma-


nas, a inteligência é uma das mais desejáveis. Mas nem
UNINOVE - USO EXCLUSIVO PARA ALUNO

todos se referem à mesma coisa quando falam dela. pla-


tão afirmava que, ao sabermos em que consiste a inte-
ligência, de certa maneira ficaríamos mais inteligentes.
(WIllIAM StERN)1

Durante muito tempo, cultuou-se a ideia de que as pes-


soas nasciam com graus de inteligência e que dificilmente
esses graus se alteravam em função de seu caráter genético.
Essa quantificação se dava através dos testes de Q.I. (Quo-
ciente Intelectual), que compreendiam questões lógico-ma-
temáticas e linguísticas (ou verbais). tais testes, que men-
suravam a inteligência, ou seja, identificavam a capacidade
intelectual do indivíduo, nasceram há pouco mais de um
século, com Alfred Binet2.

1. William Stern (1871–1938), nascido em Berlim, Alemanha, foi um psicólogo e fi-


lósofo, apontado como um dos pioneiros da psicologia da personalidade e inteligên-
cia, considerado um líder da juventude do seu tempo e uma das maiores autorida-
des em psicologia diferencial. Disponível em: <www.pt.scribd.com/doc/12927333/
psicologia-moderna>.
2. Alfred Binet (1857–1911) foi pedagogo e psicólogo francês. Ficou conhe-
cido por sua contribuição à psicometria; foi o inventor do primeiro teste de
inteligência, a base dos atuais testes de Q.I.

149
Elaine de Oliveira Carvalho Moral Queiroz

Foi então que, no final da década de 1970 e início da de


1980, Howard Gardner3, psicólogo e pesquisador na Universida-
de de Harvard, propôs uma nova concepção sobre inteligência, a
qual denominou de “Teoria das Inteligências Múltiplas”, que se
refere a um conceito de inteligência como uma capacidade inata
que dá liberdade aos indivíduos de apresentarem um maior ou
menor desempenho em áreas distintas de atuação.
Gardner iniciou sua carreira na área da cognição, com uma pós-
-graduação em Psicologia. Ele tinha como referência Sigmund Freud4
e seu professor foi o psicanalista Eric Erikson5. Porém, foi lendo as
obras de Jerome Bruner6, doutor em psicologia (conhecido também
como pai da psicologia cognitiva) e as de Jean Piaget7 que Gardner
UNINOVE - USO EXCLUSIVO PARA ALUNO

resolveu especializar-se em Psicologia do desenvolvimento cognitivo.


3. Howard Gardner (11/7/1943), nascido em Scranton, Pensilvânia, é um psicó-
logo cognitivo e educacional, ligado à Universidade de Harvard e conhecido pela
sua teoria das inteligências múltiplas. Em 1981 recebeu prêmio da MacArthur
Foundation. Em 2011 foi galardoado (recompensado) com o Prémio Príncipe das
Astúrias das Ciências Sociais. É professor de Cognição e Educação na Universidade
de Harvard, professor adjunto de neurologia na Universidade de Boston.
4. Sigismund Schlomo Freud (6/5/1856 – 23/9/1939), mais conhecido
como  Sigmund Freud, foi um  médico  neurologista, judeu-austríaco, fundador
da psicanálise. Nasceu em Freiburg, na época pertencente ao Império Austríaco;
atualmente a localidade é denominada Příbor, na República Tcheca. Considera-
do o Pai da Psicanálise.
5. Eric Erikson (15/7/1902 – 5/1994), nasceu em Frankfurt, na Alemanha. Foi
professor em uma escola considerada progressista. Relacionou-se com a família de
Freud, especialmente com Anna Freud, com quem iniciou Psicanálise e ganhou o
gosto pelo estudo da infância. Em 1933, iniciou a prática da psicanálise infantil em
Boston, associando-se à faculdade de medicina de Harvard.
6. Jerome Bruner nasceu em 1915, em Nova Iorque. Doutor em Psicologia, cha-
mado de “Pai da Psicologia Cognitiva”, pois desafiou o Behaviorismo. Para ele, as
estruturas cognitivas (esquemas, modelos mentais) permitem ao indivíduo ir além
da informação recebida. A aprendizagem é um processo interno e não um produto
direto do ambiente (pessoas, fatores externos ao aprendiz)
7. Jean Piaget (9/8/1896 – 16/9/1980) nasceu em Neuchâtel. Considerado um dos
mais importantes pensadores do século XX. Estudou Biologia, se dedicou à área da
Psicologia, Epistemologia e Educação. Tornou-se mundialmente reconhecido pela
sua revolução epistemológica. Escreveu mais de cinquenta livros e centenas de artigos.

150
Psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

Dando início a seus trabalhos nessa área, Gardner salientou que:


“(...) praticamente todos os desenvolvimentistas supunham que o
pensamento científico e a carreira científica representavam o piná-
culo ou o ‘estado acabado’ do desenvolvimento humano” (Gard-
ner, 2001, p. 40). Foi esse pensamento que o levou à criação das
perguntas dos testes de inteligências atualmente existentes.
Através desses estudos, Gardner (2001) decidiu utilizar a pa-
lavra “inteligência” para determinar as habilidades apontadas em
sua teoria. Ele define “inteligência” como “um potencial biopsi-
cológico para processar informações que pode ser ativado num
cenário cultural para solucionar problemas ou criar produtos que
sejam valorizados numa cultura” (Gardner, 2001, p. 46).
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Diferentemente da teoria tradicional, Gardner acredita que o


termo inteligência se refere a habilidades desenvolvidas ou não,
mas que possuem possibilidades de desenvolvimento em todas
as fases da vida caso sejam estimuladas. Para ele, nem todas as
habilidades possuem a mesma forma de desenvolvimento. Nesse
sentido, Armstrong (2001, p. 15) salienta:

(...) para oferecer fundamentos teóricos sólidos para suas


afirmações, Gardner estabeleceu certos “testes” básicos nos
quais cada inteligência teria de ser aprovada para ser consi-
derada uma inteligência habilitada e não simplesmente um
talento, habilidade ou aptidão.

Com os seus estudos, Gardner (2001) nos dá um novo sentido


para o significado do termo inteligência, que facilitará o trabalho
do professor em sala de aula. Nas escolas, os gestores poderão ofe-
recer um currículo e um ambiente que propicie a exploração das
inteligências. Os professores terão que se valer de seu conhecimen-
to, de sua criatividade e flexibilidade para adaptar os conteúdos a
todos os tipos de alunos e a todos os tipos de inteligências.

Estreitamente ligada a uma descrição acurada e acurada-


mente evolutiva da inteligência de cada pessoa está a ne-

151
Elaine de Oliveira Carvalho Moral Queiroz

cessidade de um regime educacional que a ajude a atingir


o máximo potencial através da variedade de disciplinas e
ofícios. (GARDNER, 1995, p. 194)

Para falarmos em Inteligências Múltiplas, precisaremos antes


entender o que significa o termo “inteligência”.

1. INTELIGÊNCIA

Vamos começar analisando os exemplos abaixo:


A professora disse que Maria é inteligente, porque ela
aprendeu a lição facilmente; o patrão de uma oficina mecâni-
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ca diz que o estagiário é um moço promissor, quando vê sua


habilidade com as ferramentas; e o gerente de uma loja con-
sidera sua vendedora perspicaz no atendimento ao cliente. A
professora, o patrão e o gerente na verdade estão julgando o
comportamento eficiente, melhor dizendo, inteligente. Mas
será que isso basta para considerarmos que uma pessoa agiu
com inteligência?
Certamente, a eficiência é um dos termos utilizado para
definir inteligência, assim como também habilidade cognitiva,
abstração e compreensão de ideias, não esquecendo que plane-
jamento estratégico e capacidade mental de resolver problemas
de maneira original e criativa, também faz parte desta definição.
Aurélio Buarque de Holanda Ferreira (1993, p. 311) afirma que
“inteligência é a faculdade ou capacidade de aprender, apreender,
compreender ou adaptar-se facilmente; intelecto, intelectualidade”.
Para Gardner (1994, p. x), “(...) inteligência é a capacidade
de resolver problemas ou criar produtos que sejam valorizados
dentro de um ou mais cenários culturais”. Assim, a inteligência
é a capacidade de resolver, de maneira criativa, nova e original,
os problemas de uma dada situação, do meio em que vivemos.
Nem todos os nossos comportamentos exigem uma ação
inteligente, pois nossos hábitos são estruturas “mecânicas” de

152
Psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

comportamento que acionamos para atingirmos muitos objeti-


vos, sem precisar mobilizar a inteligência. Quando surge uma
situação difícil que não nos permite resolver por meio de recursos
já aprendidos anteriormente, por reações e hábitos automáticos,
apelamos para as forças superiores da inteligência. Podemos dizer
que em todo ato inteligente há uma descoberta, mínima que seja.
Gardner relaciona inteligência, além da criatividade, à genia-
lidade, à prodigiosidade e a qualquer realização vinculada a ações
mentais. Essa maneira de analisar e compreender a inteligência
faz com que a educação seja mais centrada no indivíduo, consi-
derando seriamente essa visão multifacetada da inteligência.
Ao mencionarmos Gardner e as suas teorias sobre inteligên-
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cia, faz-se necessário um rápido apanhado histórico no que diz


respeito à sua trajetória de pesquisa nesta área.

2. HISTÓRICO

Por volta de 1908, na França, as autoridades solicitaram a


Binet que criasse um instrumento que lhes dessem condições de
medir a inteligência das crianças, não com o intuito de classificá-
-las, mas sim de avaliar o grau de desenvolvimento e dificuldade,
ajudando-as nos trabalhos da escola. Foi aí que Binet elaborou
uma bateria de testes baseados nas áreas verbal e lógica, uma vez
que os currículos acadêmicos da época priorizavam o desenvol-
vimento da linguagem e da matemática. Os testes de Binet eram
fundamentados na hereditariedade.
Binet, porém, não acreditava que estes testes serviam para
medir a inteligência, pois a considerava tão complexa que seria
impossível resumi-la em apenas um número. Mas, quando os
pesquisadores tiveram acesso a estes testes, perceberam que havia
a possibilidade de utilizá-los como medição de inteligência, sur-
gindo aí os conhecidos testes de Q.I.
Com isso, os testes de Binet ganharam o mundo e torna-
ram-se fortes na América nos anos 1920 e 30, quando os indiví-

153
Elaine de Oliveira Carvalho Moral Queiroz

duos testados podiam ser examinados e seus resultados podiam


ser comparados.
Mas os testes tiveram seus críticos, dentre eles Lippmann8, que
apontou a superficialidade e preconceitos culturais que havia nas
perguntas dos testes, e questionou como esses testes (orais e escri-
tos) rápidos e únicos podiam avaliar o potencial de um indivíduo.
Assim, esses instrumentos passaram a ser vistos como uma tecno-
logia útil apenas para preencher vagas acadêmicas ou vocacionais.
Daí em diante, conforme ressalta Gardner (2006), “foi o en-
contro dos testes para uma sociedade testista”. Para ele, a socieda-
de só valorizava as pessoas por meio dos testes, o que acabava por
gerar uma sociedade preconceituosa onde se procurava sempre o
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melhor. Ao longo do tempo, as principais ideias de inteligência


foram baseadas em três pressupostos:

• Ideia de inteligência como hereditariedade – você nasce


pouco ou muito inteligente e assim o será para o resto da vida;
• Ideia de inteligência enquanto classificação das pessoas –
os testes sempre procuravam pessoas “super” inteligentes (prodí-
gios) ou “menos” inteligentes para compará-las;
• Ideia de inteligência em medir – a inteligência podia ser
colocada em uma balança, com pesos e medidas.

Mas a ideia de se pensar a inteligência como algo que é he-


reditário, ou que se pode medir ou classificar as pessoas como
muito ou pouco inteligentes, baseia-se no princípio de que a in-
teligência é uma coisa única e que um dia teremos pessoas muito
semelhantes em relação à inteligência, sobretudo se pensarmos
que estes testes e teorias baseiam-se apenas na argumentação de
que as pessoas possuem somente dois tipos de inteligência: a lin-
guística e a lógico-matemática.

8. Walter Lippmann (Nova York, 23/9/1889 – 14/12/1974), escritor, jornalista da


New Republic e comentarista político estadunidense.

154
Psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

Logo, esses pressupostos, juntamente com os testes de Q.I. e o


conceito de unicidade de inteligência, começaram a ser questionados.
Vygotsky9 apud Smole (2006) ressalta que os testes não serviam
de muita coisa. A inteligência não podia ser avaliada através deles.
Smole ainda aponta que estes instrumentos nunca foram questio-
nados de verdade. Pelo contrário, coloca que Guilford10, psicólogo
americano, procurou mostrar que dentro da inteligência havia mui-
tas habilidades e, por meio de seu trabalho, as pessoas acharam uma
forma de medida para se criar o “fator G” – fator geral de inteligên-
cia, – que se baseava no pressuposto de que as pessoas deveriam ter
um certo grau para serem consideradas inteligentes; um grau acima
para serem consideradas superdotadas; e um grau abaixo para serem
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consideradas pouco inteligentes. Esta concepção aparece ainda mui-


to forte nos estudos e nas escolas, até os dias de hoje.
Porém, hoje acredita-se que as habilidades cognitivas são di-
ferenciadas e específicas. Assim como o sistema nervoso e seus
centros neurais processam informações diferentes.
Com isso, Gardner aponta que existem mais inteligências para
respostas curtas e que os seres humanos possuem diversas habilida-
des como manifestação de inteligência. Quando as pessoas come-
çam a descobrir que há no cérebro muito mais do que imaginamos
e muito mais do que explica a filosofia, é aí que elas começam a
direcionar seus estudos de inteligência para outra área.
Baseando-se nessas novas pesquisas, Gardner (1994) questio-
na a tradicional visão da inteligência e, nos anos 1980, elabora
a “Teoria das Inteligências Múltiplas”. Ele ressalta: “(...) sinto-
-me igualmente suspeito de alegações de testagem de inteligência
(seja de que tipo forem) (...)” (p. X).

9. Lev Semenovitch Vygotsky (1896 – 1934), nascido em Orscha, psicólogo russo,


pensador importante em sua área, foi pioneiro na ideia de que o desenvolvimento
intelectual das crianças ocorre em função das interações sociais e condições de vida.
Veio a ser descoberto pelos meios acadêmicos ocidentais muitos anos após a sua
morte, que ocorreu em 1934, por tuberculose, aos 37 anos.
10. Joy Paul Guilford (1897 – 1987), nascido em Marquette, Nebraska.

155
Elaine de Oliveira Carvalho Moral Queiroz

Gardner trabalhou com duas linhas de pesquisa, a primeira no


Projeto Zero11 em Harvard, onde trabalhava com crianças normais
e talentosas, com capacidades artísticas e, outra, no Boston Veterans
Administration Medical Center e na Boston University School of Me-
dicine, onde trabalhava com crianças portadoras de dano cerebral.
Assim, em jornada dupla de trabalho/pesquisa, aponta Gardner:

Todas as manhãs, eu me dirigia ao Centro de Pesquisa da


Afasia, com sua população de vítimas de derrames sofren-
do de problemas de linguagem e outros tipos de distúrbios
cognitivos e emocionais. (...) Ao meio dia, ou logo depois,
ia até meu outro laboratório, no Projeto Zero de Harvard,
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onde eu trabalhava com crianças comuns e superdotadas,


tentando entender o desenvolvimento das capacidades cog-
nitivas humanas. (GARDNER, 2001, p. 43)

Conforme Gardner (1994, p. XVI), “(...) as estruturas da


mente (...) surgiu com a maneira mais adequada e abrangente
de conceituar as capacidades cognitivas humanas cujo desenvol-
vimento e colapso estive estudando (...)”. Ele diz que, por meio
destas pesquisas, definiu as estruturas da mente em relação ao de-
senvolvimento das Inteligências Múltiplas, ou seja, desenvolveu a
Teoria das Inteligências Múltiplas.
Para Gardner (1994), novas pesquisas sobre inteligência foram
ocorrendo porque o mundo e as pessoas estavam mudando, assim
como surgiam mais estudos sobre o cérebro e suas áreas de inteligência.
Outro ponto que Gardner (1994) aborda é a Inteligência Ar-
tificial. Ele faz uma analogia da “inteligência das máquinas” com
as nossas inteligências, que foi sendo desenvolvida para os estu-
dos da ciência cognitiva, tendo como base o estudo da inteligência
humana, abordando assim um novo cidadão, um novo homem,

11. Projeto Zero de Harvard, iniciado por Nelson Goodman e codirigido por Da-
vid Perkins, realiza pesquisas básicas sobre cognição, inteligência humana, aprendi-
zagem, artes e o potencial humano.

156
Psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

buscando uma pessoa mais feliz, não tão ansiosa, nem tampouco
fragmentada, com capacidades específicas e direcionadas.
Gardner (1994) descreve o indivíduo como criativo, capaz
de tomar decisões éticas equilibrado não só na razão, mas no
equilíbrio da razão com a emoção, pois, para ele, a razão é uma
emoção que já se tornou consciência. Sendo assim, busca-se uma
pessoa mais inteira, mais feliz, mais preocupada com as questões
da sociedade, do outro. E, para se formar esse tipo de pessoa, não
bastava medir a inteligência por testes únicos.
As questões relacionadas ao cérebro são muito importantes,
pois pesquisas apontaram sua capacidade de adaptação no que
concerne à retenção de memórias, desenvolvimento de projetos,
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adaptações de funções de partes lesadas do cérebro por partes não


lesadas, contradizendo, assim, a teoria de que a inteligência não
pode ser alterada e comprovando que o cérebro pode adaptar-se
conforme as situações e daí desenvolver inteligências variadas.
Gardner (1994) aponta três fatores que marcaram uma nova
visão sobre as inteligências, são eles: a Inteligência artificial, o de-
senvolvimento de estudos sobre o cérebro e a necessidade de um
novo cidadão. Com esses fatores, ele amplia o conceito de inte-
ligência, apresenta uma visão pluralista da mente humana, con-
testando a unicidade de inteligência e a medição padronizada.
Apesar de Gardner ter sofrido influências de Jean Piaget, diver-
giu dele na questão do desenvolvimento cognitivo. Para Piaget, tal
desenvolvimento ocorre em estágios determinados; e para Gardner,
o desenvolvimento cognitivo acontece no contexto cultural, confor-
me a necessidade de se desenvolver capacidades, independentemen-
te do estágio de desenvolvimento em que o indivíduo se encontra.

3. AS INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLAS

Por meio das pesquisas realizadas no Projeto Zero, no Bos-


ton Veterans Administration Medical Center e na Boston University
School of Medicine, Gardner entendeu que a mente humana é

157
Elaine de Oliveira Carvalho Moral Queiroz

dotada de uma série de faculdades relativamente independentes.


Mas foi somente em 1979 que ele teve a chance de detalhar mais
suas investigações. Foi nesse ano que recebeu a bolsa da Funda-
ção Bernard Van Leer, na Holanda, para realizar um estudo que
sintetizasse a “natureza e a realização do potencial humano”.
Depois de quatro anos de pesquisas, apresentou um delinea-
mento da teoria. Foi quando decidiu utilizar a palavra “inteligên-
cia” para definir as “habilidades” apontadas em sua tese.
Assim, Gardner criou os métodos de avaliação para definir o
que pode ser considerado inteligência. Após criar esses métodos,
ele apresentou as sete primeiras inteligências: lógico-matemática,
linguística, musical, corporal-cinestésica, espacial, interpessoal e
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intrapessoal. Após algumas pesquisas, a naturalista e a existencial,


passaram a compor a lista. Ele diz:

Desde o início, ressaltei que a lista das inteligências era pro-


visória, que cada uma das inteligências abrigava sua própria
área de subinteligências e que a relativa autonomia de cada
inteligência e as maneiras como elas interagem precisavam
ser mais estruturadas. (GARDNER, 2001, p. 58)

Essas competências intelectuais dos seres humanos apresen-


tam graus variados e maneiras diferenciadas de combinações e
organizações. Apesar de considerá-las, até certo ponto, indepen-
dentes entre si, elas raramente funcionam isoladamente. Para
maior entendimento e clareza, Gardner (2001) definiu cada uma
das inteligências, que serão estudadas a seguir.

3.1 Inteligência lógico-matemática

Esta inteligência é característica de matemáticos e cientistas.


Ela passa dos objetos para as afirmativas, das ações para as rela-
ções entre ações, do domínio sensório-motor para o domínio da
abstração. As origens do pensamento lógico-matemático e cien-

158
Psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

tífico são encontradas nas ações simples das crianças pequenas


sobre os objetos físicos do mundo.
As ações são desempenhadas a princípio sobre a matéria fí-
sica, que com o tempo são realizadas mentalmente, e mais tarde
tornam-se internalizadas. Para Gardner (1994), os componentes
centrais desta inteligência são a sensibilidade para padrões, or-
dem e sistematização. A habilidade explora relações, categorias e
padrões, por meio da exploração de objetos e símbolos e lida com
o raciocínio na resolução de problemas.
A criança com esta inteligência desenvolvida demonstra facilida-
de para fazer cálculos matemáticos, contar, identificar, comparar, criar
estratégias práticas de raciocínio, tal como perceber a geometria nos
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espaços e resolver quebra-cabeças que demandam pensamento lógico.

3.2 Inteligência Linguística

Caracteriza-se pela “sensibilidade para a língua falada e es-


crita, a habilidade de aprender línguas e a capacidade de usar a
língua para atingir certos objetivos” (GARDNER, 1994, p. 56).
Esta inteligência possui habilidades para lidar com as palavras
de maneira criativa, tanto na escrita como na fala, nos diferentes
níveis da linguagem.
O estímulo a esse tipo de inteligência apresenta facilidade
para comunicar-se e expressar-se, enriquecimento do vocabulá-
rio, aptidão para debates, gosto pela leitura, facilidade em ab-
sorver e transmitir informações verbais complexas com rapidez.
Na criança, esta habilidade manifesta-se por meio da capacidade
para contar histórias e no relato de experiências vividas.

3.3 Inteligência Musical

Esta inteligência comporta a organização de sons de maneira


criativa, a partir de elementos como timbres e tons. Apresenta-se
nas habilidades de apreciar, compor ou reproduzir uma peça mu-

159
Elaine de Oliveira Carvalho Moral Queiroz

sical, por exemplo. Esta habilidade é notável em compositores e


músicos. A criança pequena, com esta habilidade musical, percebe
desde cedo diferentes sons no seu ambiente e canta para si mesma.

3.4 Inteligência Corporal-Cinestésica

Gardner (1994) ressalta a inteligência corporal trabalhando


o corpo como um objeto, tanto na manipulação do corpo como
um todo quanto só em algumas partes.
Esta inteligência refere-se ao desenvolvimento das habilida-
des do corpo quanto à coordenação dos movimentos necessários
para a execução de técnicas. É o caso de dançarinos, atletas, ma-
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labaristas, mímicos e artistas.


A criança que apresenta esta inteligência se movimenta com
graça e expressão a partir de estímulos verbais e/ou musicais e,
demonstra uma habilidade física coordenada. Aprendem mais
quando tocam e manipulam os objetos e, em situações de apren-
dizagem, se sentem melhor quando em movimento. Caso fiquem
paradas por um período muito longo, não conseguem pensar di-
reito. Daí a importância da movimentação da criança no espaço
da escola, da sala de aula, para uma melhor aprendizagem.

3.5 Inteligência Espacial

As habilidades ligadas a essa inteligência são as capacidades de


perceber os padrões do espaço, do mundo visual, com precisão, e
poder efetuar transformações e modificações sobre as percepções ini-
ciais, como é o caso dos artistas plásticos, engenheiros e arquitetos.
Nas crianças pequenas é percebido na habilidade para quebra-
-cabeças e jogos espaciais em geral que, futuramente, quando adul-
tas, esse potencial é demonstrado através do talento natural para
combinação de cores e na harmonização de ambientes; elas parecem
ter um senso artístico apurado e agradável aos olhos.

160
Psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

3.6 Inteligência Interpessoal

É a capacidade de uma pessoa “se dar bem” com outras,


compreendendo-as. Para Campbell et al (2000), essa inteligência
permite entender outras pessoas, assim como também uma melhor
comunicação com elas, na medida em que percebem sua diferen-
ças de temperamento. Ela aparece em líderes de grupo, políticos,
professores e vendedores. Um adulto com esta habilidade sabe ler
intenções e desejos, mesmo que ocultos.
Para as crianças, esta inteligência dá condições para que dis-
crimine os indivíduos ao seu redor e perceba seus humores.
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3.7 Inteligência Intrapessoal

Esta inteligência é a competência que a pessoa tem para se


conhecer e estar bem consigo mesma. Por meio do autoconhe-
cimento, terá acesso aos seus sonhos e ideais, reconhecendo suas
próprias necessidades, desejos, medos e capacidades, utilizando
tais informações com eficiência para a própria vida.
Segundo Campbell et al (2000), nela também estão presente
a determinação, a ética, a motivação, a integridade e o altruís-
mo, ligados aos sentimentos e pensamentos, que se bem traba-
lhados e trazidos à consciência, melhoração o relacionamento
consigo mesmo e com o outro. Essa inteligência está presente
em romancistas e terapeutas.

3.8 Inteligência Naturalista

É a habilidade e a capacidade em reconhecer objetos da na-


tureza tais como plantas, animais e rochas. “(...) um naturalista
demonstra grande experiência no reconhecimento e na classifi-
cação de numerosas espécies – a fauna e a flora – de seu meio
ambiente” (GARDNER, 2001, p. 64).

161
Elaine de Oliveira Carvalho Moral Queiroz

3.9 Inteligência Existencial ou Espiritual

Embora Gardner tenha interesse neste nono tipo de inteli-


gência, aponta que “o fenômeno é suficientemente desconcertan-
te e a distância das outras inteligências suficientemente grande
para ditar prudência – pelo menos por ora” (2001, p. 85).
Esta inteligência precisa de maiores investigações, ainda en-
contra-se no campo do provável. Ela refere-se à capacidade de
reflexão sobre as questões da existência humana, que são caracte-
rísticas existentes nos líderes espirituais e estudiosos da filosofia,
tais como Sartre e Dalai Lama, entre outros.
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4. AS INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLAS E SUAS IM-


PLICAÇÕES PARA A EDUCAÇÃO

As inteligências ficam ocultas, adormecidas dentro das pes-


soas, e não poderão emergir por meio da força, da insistência.
É preciso criar condições para isso, motivando e atendo-se
aos desejos e anseios do Ser. Assim, segundo Ruben Alves, em
Cenas da Vida,
as inteligências dormem. Inúteis são todas as tentativas de
acordá-las por meio da força e das ameaças. As inteligências
só entendem os argumentos do desejo: elas são ferramentas
e brinquedos do desejo. (ALVES, 1997, p. 128)

Quando nos referimos às inteligências múltiplas na educa-


ção, é importante considerarmos que não há uma inteligência
mais importante que a outra, que todos têm condições de desen-
volver todas as inteligências e que, apesar de serem independen-
tes, trabalham juntas e devem ser estimuladas.
No que se refere à educação da criança, segundo Gardner (2001),
é preciso pensar em sua individualidade e considerar dois pontos im-
portantes. O primeiro refere-se ao perfil cognitivo diferenciado entre

162
Psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

os alunos e que, portanto, a escola deveria se atentar a isto, oferecendo


uma educação para o desenvolvimento individual e não padroniza-
do. Um segundo ponto é considerar que ninguém consegue adquirir
um saber universal e que, partindo deste pressuposto, se faz necessá-
rio um limite na variedade de conteúdos oferecidos pela escola.
É por meio das inteligências múltiplas que a educação torna
o indivíduo mais compreensivo, pois podemos oferecer ao aluno
diferentes formas de pensar um mesmo assunto.
Cabe então à escola favorecer o conhecimento de variadas disci-
plinas básicas, incentivando seus alunos a transpor essas disciplinas
para situações de vida prática, de modo a ampliar suas competências,
agregando concepções e contribuindo para o desenvolvimento inte-
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lectual individual, o que leva o aluno a se estender ao coletivo.


Hoje, a Teoria das Inteligências Múltiplas é vista na educação
de modo mais reflexivo e atento por parte do professor sobre o
aluno. O educador está preocupado com as políticas educacio-
nais e imbuído na busca de uma educação holística, ou seja, de
uma educação na qual as pessoas tenham condições de encontrar
sua identidade, significado e propósito de vida, atendendo assim
às necessidades do indivíduo enquanto pessoa e cidadão.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ficou claro que não há receita para o desenvolvimento das


inteligências e que a mente humana, com suas habilidades e po-
tencialidades, se estimulada adequadamente, tem possibilidade
de desenvolver-se em todas as fases da vida.
A escola, em seu papel, ao estabelecer padrões e criar ambien-
tes apoiadores, deve visar ao profundo entendimento dos alunos
em suas diversas disciplinas, oferecendo um currículo e um am-
biente que propicie a exploração das inteligências.
Os professores com seu conhecimento, com sua criatividade
e flexibilidade, segundo Gardner (1995, p. 195), “(...) deveriam
ter um objetivo mais ambicioso: produzir uma educação para o

163
Elaine de Oliveira Carvalho Moral Queiroz

entendimento”, adaptando os conteúdos a todos os tipos de alu-


nos e a todos os tipos de inteligências, com a finalidade de “(...)
iluminar problemas novos e desconhecidos (...) e executar pro-
jetos novos, revelando neste processo que eles compreenderam e,
não apenas imitaram os ensinamentos (...)”.
Portando, se as escolas, gestores e educadores decidirem abra-
çar os objetivos e métodos da educação centrada no indivíduo,
não terão nenhuma dúvida de que é possível fazer progressos sig-
nificativos nessa direção.

REFERÊNCIAS
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ALVES, Rubem. Cenas da Vida. Campinas: Parirus, 1997.


ARMSTRONG, Thomas. Inteligências Múltiplas na sala de
aula. Porto Alegre: Artes Médicas, 2001.
CAMPBEL, L; et al. Ensino e aprendizagem por meio das in-
teligências múltiplas. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000.
CHEN, Jie-qi; et al. Utilizando as competências das crianças. Tradu-
ção: Maria Adriana Veríssimo Veronese. Porto Alegre: Artmed, 2001.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Minidicionário da
Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993.
GARDNER, Howard. Estruturas da Mente. A Teoria das Inte-
ligências Múltiplas. Tradução: Sandra Costa. Porto Alegre: Artes
Médicas, 1994.
______. Inteligências Múltiplas: A teoria na prática. Porto Ale-
gre: Artmed, 1995.
______. Inteligência – Um Conceito Reformulado. Rio de Ja-
neiro: Objetiva, 2001.
SMOLE, Kátia Cristina Stocco. Howard Gardner, Documentá-
rio. Coleção Grandes Educadores. Direção: Regis Horta. 2006.

164
CAPÍTULO 9
A CONTRIBUIÇAO DA PSICANÁLISE
PARA A EDUCAÇÃO
Joel Santos de Abreu

Nenhuma das aplicações da


psicanálise excitou tanto in-
teresse e despertou tantas es-
peranças (...) quanto seu em-
prego na teoria e na prática
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da educação. (SIGMuND
FREuD / 1856–1939)

introdução

Muitos já ouviram falar de Sigmund Freud, mas poucos co-


nhecem com profundidade a obra deste gênio que se tornou po-
pular em praticamente todas as esferas da cultura ocidental. Ele
é considerado o pensador do absurdo humano. Esse respeitado
médico neurologista dedicou-se com afinco e determinação a
entender o funcionamento do psiquismo em um contexto his-
tórico- filosófico não receptivo, e até resistente, às suas desco-
bertas. Ele estudou poder de influência das instâncias mentais
de um sujeito, que são: inconsciente, pré-consciente e consciente,
assim como os elementos que constituem o aparelho psíquico
responsável pela formação da personalidade de cada indivíduo:
id, ego e superego. paulatinamente, suas ideias foram obtendo
credibilidade no vasto mundo acadêmico e na área da Educação,
que não ficou isenta de “garimpar” contribuições para o campo
pedagógico, considerando a intrínseca necessidade do ser huma-
no em adquirir conhecimento em contínua busca de preenchi-
mento de um vazio permanente.

165
Joel Santos de Abreu

1. A popularidade do pai da Psicanálise

Quem nunca ouviu falar em Sigmund Freud? Todo o mundo


conhece esse nome: costuma ser referência nos mais altos escalões
acadêmicos e, não raro, mencionado em conversas informais en-
tre pessoas comuns. Pudera! Figura no rol da galeria dos grandes
sábios da humanidade. As teorias psicanalíticas desenvolvidas
por esse célebre médico neurologista consagraram-no como um
dos maiores pensadores do século XX. Suas ideias exercem, ain-
da, enorme influência na cultura ocidental, inclusive, no cenário
artístico em que seus temas já serviram de inspiração para diver-
sas produções cinematográficas, pinturas, peças teatrais, literatu-
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ra e composições de musicais. Apenas a título de curiosidade, os


exemplos abaixo (letras de sucesso de dois famosos cantores bra-
sileiros) ilustram o quão popular tornou-se o pai da psicanálise.

QUADRO 1

TODO MUNDO EXPLICA CHÃO DE GIZ


(Raul Seixas) (Zé Ramalho)

Não me pergunte por que Eu desço dessa solidão


Quem-Como-Onde-Qual-Quando- Espalho coisas sobre
O Que? Um Chão de Giz
Deus, Buda, O tudo, O nada, O ocaso, Há meros devaneios tolos
Como o cosmonauta busca o nada, o A me torturar
nado, o nada Fotografias recortadas
Seja lá o que for, já é. Em jornais de folhas
Amiúde!
Não me obrigue a comer Eu vou te jogar
O seu escreveu não leu Num pano de guardar confetes
Papai mordeu a cabeça Eu vou te jogar
De Dr. Don Sigismundo Num pano de guardar confetes...
Porque sem querer cantou de galo que
Cada cabeça era um mundo Gismundo
Antes de ler o livro que o guru lhe deu
Você tem que escrever o seu

166
Psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

Chega um ponto que eu sinto Disparo balas de canhão


Que eu pressinto É inútil, pois existe
Lá dentro, não do corpo, mas lá Um grão-vizir
dentro-fora Há tantas violetas velhas
No coração, no sol, no meu Sem um colibri
peito eu sinto Queria usar quem sabe
Na estrela, na testa, eu farejo em Uma camisa de força
todo o universo Ou de vênus
Que eu to vivo Mas não vou gozar de nós
Que eu to vivo Apenas um cigarro
Que eu to vivo, vivo, vivo como Nem vou lhe beijar
uma rocha Gastando assim o meu batom...
E eu não pergunto
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Porque já sei que a vida não é Agora pego


uma resposta Um caminhão na lona
E se eu aconteço aqui se deve Vou a nocaute outra vez
ao fato de eu Pra sempre fui acorrentado
simplesmente ser No seu calcanhar
Se deve ao fato de eu simplesmente Meus vinte anos de “boy”
That’s over, baby!
Mas todo mundo explica Freud explica...
EXPLICA FREUD, o padre explica
Krishnamurti tá vendendo a explicação Não vou me sujar
na livraria, Fumando apenas um cigarro
que lhe faz a prestação Nem vou lhe beijar
Que tem Platão que explica, Gastando assim o meu batom
Que explica tudo tão bem, vai lá que Quanto ao pano dos confetes
Que todo mundo, todo mundo explica Já passou meu carnaval
O protestante, o autofalante, o E isso explica porque o sexo
zen-budismo, É assunto popular...
O Brahma e o Skol
Capitalismo oculta um cofre de fá, fá, No mais estou indo embora!
fé, finalismo No mais estou indo embora!
Hare Krishna dando a dica No mais estou indo embora!
Enquanto aquele papagaio No mais!...
curupaca implica
E com o carimbo positivo da ciência
Que aprova e classifica

167
Joel Santos de Abreu

2. Um trabalho de fôlego

Sua vasta e importantíssima obra só foi possível de vir à luz


graças à sua refinada inteligência, excepcional capacidade criativa
e, acima de tudo, incansável dedicação, ao longo de sua carreira,
aos seus propósitos de conceituar a estrutura da psique humana.
Certa vez ele mencionou que não poderia imaginar que uma vida
sem trabalho seja capaz de trazer qualquer espécie de conforto.
A imaginação criadora e o trabalho andam de mãos dadas e que
não há prazer em nenhuma outra coisa.
Suas pesquisas elaboradas com rigoroso critério assemelham-
-se às minuciosas atividades investigativas de um exímio arque-
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ólogo em busca de vestígios históricos. Considerando que o


processo educativo se dá através da psique humana, por óbvias
razões, os registros que constituem o valioso legado freudiano de-
veriam ser estudados, com muita diligência, por todas as pessoas
que atuam profissionalmente na área educacional: psicólogos,
pedagogos, professores...

3. Breve comentário sobre o contexto


histórico e filosófico em que viveu
Freud e o surgimento da Psicanálise

A descoberta dos conhecimentos relativa à Psicanálise surgiu


no tempo propício? Sem dúvida, mas não sem sofrer resistências
da maneira de pensar e viver daquela época. Por ter sido muito
bem fundamentada, sua lógica foi conquistando merecido espa-
ço e aceitação, com o decorrer dos anos.
Quando qualquer inevitável e radical mudança no modo de
ser das pessoas vem se firmando através de uma nova e convin-
cente visão de mundo, o estabelecimento dessa inédita consciên-
cia, a princípio, costuma causar muita estranheza e forte rejeição
por parte dos que estão habituados aos velhos padrões comporta-

168
Psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

mentais de uma sociedade. Foi exatamente o que ocorreu com os


revolucionários conceitos elaborados pelo pródigo intelecto do
criador da Psicanálise. Na verdade, não é fácil ser um gênio entre
seus contemporâneos! O reconhecimento de suas ideias costuma
sempre ficar para a posteridade.
Na segunda metade do século XIX, o contexto histórico preva-
lecente era vitoriano caracterizado pela fé no dogmatismo religioso
católico romano e o puritanismo exacerbado em que a moralida-
de rígida sustentava, a todo sacrifício, a castidade sexual antes do
casamento, comumente arranjado, ou seja, a existência de afeição
mútua entre as pessoas envolvidas não era vista como um fator de
grande importância, mas outros interesses materiais e/ou políticos
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prevaleciam sobre os elementos indispensáveis para um saudável


relacionamento afetivo entre os casais, além de uma acentuada e
vigorosa cobrança sobre a fidelidade conjugal. A adequação a esse
quadro social, para muitos, era a fonte de suas patologias.
Por isso, não é de se admirar que, em seu consultório clínico,
o doutor Freud atendia a um grande número de pacientes que
padeciam de sérios desequilíbrios mentais, tendo como uma das
causas a repressão dos impulsos libidinosos, que são os instintos
que buscam a satisfação de necessidades físicas e psicológicas do
sujeito. Suas experiências levaram-no a descobertas que exigiam
afirmações consideradas audaciosas, que iam de encontro ao
condicionamento imposto pelas normas de convivência, daquela
ocasião. Com muita razão ele costumava dizer que é quase im-
possível conciliar as exigências do instinto sexual com as da civi-
lização, e que a renúncia progressiva dos instintos parece ser um
dos fundamentos do desenvolvimento da civilização humana.
Naqueles dias, o culto ao racionalismo ainda estava em voga,
e a ciência ocupava o pedestal da “onipotência”. Porém, o sur-
gimento da teoria psicanalítica do inconsciente representou um
duro golpe nas bases do pensamento filosófico iluminista e na
crença otimista de um saber científico capaz de organizar o mun-
do humano e solucionar seus problemas. Os que acreditavam

169
Joel Santos de Abreu

no poder da razão, diante do fragoroso desprestígio, tornaram-se


obstinados oponentes às ideias que abriram a dolorosa chaga no
narcisismo da racionalidade. O homem não tem controle sobe-
rano sobre sua própria vida.
Freud, mesmo diante de tanta hostilidade, não se entregou
ao esmorecimento. Tenaz em suas profundas convicções, se-
guiu praticamente sozinho, pois até mesmo seus companheiros
de profissão não entenderam e nem admitiram o teor vanguar-
dista de suas teses.
A Psicanálise atravessa seu segundo século de existência por-
que não é produto do acaso e nem fruto de elucubrações ab-
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surdas de um louco. Foi concebida, desenvolvida e aperfeiçoada


mediante exaustivas pesquisas dos fenômenos psíquicos relacio-
nados às áreas do conhecimento científico, filosófico ou literário:
Medicina, Psiquiatria, Fisiologia, Neurologia, Filosofia e até da
Mitologia. Persiste no tempo, porque atua, com muita especifici-
dade, em um campo complexo: a mente humana.

4. Breve definição sobre os três siste-


mas ou instâncias psíquicas: incons-
ciente, pré-consciente e consciente

Antes da abordagem específica sobre a Psicanálise e a Educa-


ção, convém apresentar breve definição sobre as instâncias psí-
quicas considerando possível o uso de alguns desses termos, de
forma direta ou indireta, no contexto.

• Inconsciente: este é o termo que marca expressiva relevância no


assunto desenvolvido neste estudo. Sua grande importância con-
siste em ser o objeto de estudo da psicanálise, pois é tido como o
responsável pela organização do psiquismo humano; o alicerce que
sustenta a estrutura de toda a vida psíquica, que se constitui através
do acúmulo de constantes registros das experiências existenciais de

170
Psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

cada indivíduo. Exprime um enorme conjunto de elementos não


presentes no campo atual da consciência. É uma espécie de arqui-
vo em que se encontram todos os conteúdos reprimidos, que exer-
cem, inevitavelmente, poderosa influência em todas as atividades
humanas. É atemporal; não existem noções de passado e presente,
mas exerce um enorme poder sobre o comportamento das pessoas
no cotidiano de suas vidas. “Denominamos um processo psíquico
inconsciente, cuja existência somos obrigados a supor – devido a
um motivo tal que inferimos a partir de seus efeitos – mas do qual
nada sabemos” (FREUD, 1933, p. 90).

O termo inconsciente, que foi empregado antes no senti-


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do puramente descritivo, vem agora a implicar algo mais.


Designa não apenas as ideias latentes em geral, mas espe-
cialmente ideias com certo caráter dinâmico, ideias que se
mantêm à parte da consciência, apesar de sua intensidade e
atividade. (FREUD, 1912, p. 56)

• Pré-consciente: sistema em que permanecem aqueles conteú-


dos acessíveis à consciência. É aquilo que não está na consciência,
neste momento, e no momento seguinte pode estar. Considerada
uma região do consciente não tão clara, mais profunda. É uma
espécie de arquivo morto que pode ser resgatado pelo consciente
em ocasiões precisas. Faz fronteira com o inconsciente, podendo
receber dele conteúdos psíquico que possam vir à luz da memó-
ria, tais quais experiências e emoções marcantes.
• Consciente: aparelho psíquico que recebe ao mesmo tempo
informações do mundo exterior e as do mundo interior. A aten-
ção, o raciocínio. Representa uma pequena parte da mente em
que as pessoas, em um dado momento, estão conscientes. São as
experiências perceptíveis em que se incluem ações intencionais e
lembranças, conforme demarcações de tempo e espaço.

171
Joel Santos de Abreu

5. Id, ego e superego

São os elementos que constituem o aparelho psíquico de


cada pessoa e que exercem funções distintas e indispensáveis na
formação da personalidade do indivíduo cujas definições, aqui,
são relevantes.

• Id: essa estrutura do modelo triádico do aparelho psíquico


representa a fonte da energia psíquica (libido), onde se localizam as
pulsões regidas pelo princípio de prazer, desejos inconscientes. O
id não faz planejamentos e não espera, busca uma solução imediata
para as tensões, não aceita frustrações e não conhece inibição. Ele
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não tem contato com a realidade, e uma satisfação na fantasia pode


ter o mesmo efeito de atingir o objetivo através de uma ação con-
creta. O id desconhece juízo, lógica, valores, ética ou moral, sendo
exigente, impulsivo, cego, irracional, antissocial, egoísta e dirigido
ao prazer. Para fins educativos, reclama por limites, pois o próprio
Freud dizia que a tarefa imediata da Educação consiste em levar a
criança a aprender a dominar seus instintos. Para isso, é necessário
inibir, proibir, reprimir sua liberdade, restringindo assim seus im-
pulsos produtores de atos indevidos.
No prefácio do livro da Kupfer (2001), escrito por Paulo César
Souza, há uma importante informação, que merece ser transcrita:

Quando nasceu a Psicanálise, os educadores progressistas se


entusiasmaram com a possibilidade de uma nova pedago-
gia, que, possuindo mais compreensão e concedendo mais
liberdade à criança, impedisse o surgimento das angústias e
neuroses. Com o aprofundamento da pesquisa psicanalíti-
ca, logo se percebeu que essa esperança era pouco realista.
A ausência de restrições e de orientação pode produzir de-
linquentes, em vez de crianças saudáveis. As angústias são
inevitáveis; mesmo a infância mais feliz tem seu grão de
angústia. (Paulo César Souza, 2001, p. 5)

172
Psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

A citação acima pode ser entendida como uma advertência


sobre a política liberal vigorante em relação ao tratamento dis-
pensado às crianças e aos adolescentes. A citação acima leva a
pensar que o abrandamento das restrições necessárias sobre as
vontades de um ser que está em formação de caráter é o causa-
dor da drástica realidade educacional nos dias atuais. Angústias
e neuroses são inevitáveis em qualquer situação. Delinquência
pode ser evitada.
• Ego: sistema que estabelece o equilíbrio entre as exigên-
cias do id, as exigências da realidade e as “ordens” do superego.
Regido pelo princípio da realidade. É um regulador na medida
em que altera o princípio do prazer para buscar a satisfação con-
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siderando as condições objetivas da realidade. A busca do prazer


pode ser substituída pela busca de se evitar o desprazer. “O ego
odeia, abomina e persegue, com intenção de destruir, todos os
objetos que constituem uma fonte de sensação desagradável para
ele (...)” (FREUD, 1914, p. 41).

O trabalho do ego é resolver problemas, pensar, planejar,


proteger-se e proteger o id. É um agente executivo, inter-
mediário entre os instintos (pulsões) e o mundo externo. Sua
tarefa é difícil, e frequentemente não consegue realizar os
difíceis ajustamentos necessários. Sob frustração e conflito,
muitas vezes se manifesta como angústia. Esta, se prolon-
gada e não solucionada, resulta em alguma forma de com-
portamento neurótico. A angústia, diz Freud, é o “alfa e
ômega da neurose”. A neurose (termo que abrange grande
variedade de perturbações da personalidade) deve-se ao fato
de que o ego, que tira energia do id e executa as ordens
impulsivas deste, verifica que o mundo externo é excessiva-
mente resistente. Os estranhos rodeios que disso resultam
são “neuróticos”. (ALLPORT, 1973, p. 191)

O pobre ego é um escravo, não apenas dos dois “tira-


nos” – o impulso do id e a realidade externa – mas tam-

173
Joel Santos de Abreu

bém de um terceiro: o superego. Este, que é a consciência


moral e o ideal do ego de uma pessoa, é um conjunto de
hábitos aprendidos com os pais e a sociedade e que exigem
que o indivíduo realize suas tarefas de acordo com as regras
prescritas do jogo. É uma consciência moral do “precisar”.
(ALLPORT, 1973, p. 191)

O grande desafio do processo educativo é justamente promo-


ver exercícios cuja função assemelha-se ao do ego; saber condu-
zir tarefas que contribuem com o saudável desenvolvimento da
personalidade do aluno. Canalizar as pulsões naturais do id em
atividades escolares que ao mesmo tempo causam prazer, aliviam
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as tensões, promovem realizações pessoais e são socialmente acei-


táveis. Evitar, também, rígidas censuras sobre situações banais,
proibições exacerbadas desnecessárias que, em nome de uma dis-
ciplina passiva, tolhem a espontaneidade dos alunos. A arte de
educar consiste na boa administração das forças antagônicas do
id e do superego. A sublimação, neste contexto, é um instru-
mento de fundamental relevância. Freud certa vez afirmou que
o educador é aquele que deve buscar, para seu educando, o justo
equilíbrio entre o prazer individual – vale dizer, o prazer inerente
à ação das pulsões sexuais – e as necessidades sociais – vale dizer,
a repressão e a sublimação dessas pulsões.
• Superego: origina-se com o complexo de Édipo, a partir da
internalização das proibições, dos limites das autoridades. A mo-
ral, os ideais, são funções do superego. Seus conteúdos referem-se
às exigências sociais e culturais.

6. Breves conceitos da Psicanálise so-


bre sexualidade infantil e a Educação

Freud, em seus estudos investigativos sobre o funcionamento
das neuroses, descobriu que desejos reprimidos estavam relacio-
nados a conflitos de ordem sexual desde o nascimento do sujeito
e que experiências traumáticas desse tipo refletiam na fase adulta.

174
Psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

Quando se trata da questão sexual, por incrível que pare-


ça, ainda hoje, a sociedade mantém improcedente moralismo
repressivo, que deve ser extinto por ser a causa de inúmeras an-
gústias nos indivíduos. Em sua obra, Três ensaios sobre a teoria da
sexualidade (1905), Freud explica que o marco inicial da sexuali-
dade ocorre quase que simultaneamente ao nascimento de uma
pessoa. O desenvolvimento é paulatino e complexo, chegando à
maturidade no período da juventude.
Uma criança, em seu instinto de sobrevivência, ao sugar o
seio de sua mãe não está apenas se alimentando, mas concomi-
tantemente sentindo prazer. O simples ato de sugar uma chupeta
ou chupar o dedo demonstra a busca de satisfação oral e não de
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fome. É, sem dúvida, a primeira manifestação de cunho sexual.


O prazer oral é sucedido pelo anal quando as crianças passam
a controlar os esfíncteres retendo ou expulsando as fezes. É o
período em que gostam de brincar com barro, lama, massinha.
Em seguida, a criança descobre seu órgão genital sentindo
grande satisfação em manipulá-lo. É a fase fálica. Conforme a
criança cresce, o impulso sexual vai ganhando maior nitidez. Aos
5 anos sua sexualidade está razoavelmente definida.
Daí então, até a puberdade, passa por uma adaptação cha-
mada pela psicanálise de latência, em que vai abandonando o
objeto sexual das relações parentais (em que ocorre o Complexo
de Édipo) buscando o objeto de desejo fora do âmbito familiar.
Convém mencionar que a atração sexual infantil não está
relacionada ao sentido genital. Trata-se do processo natural da
organização dos impulsos da libido. Os mecanismos de desvio
dessa energia, do ponto de vista social, chamam-se de sublima-
ção. Os educadores que trabalham especificamente com crianças
devem estar cientes desses fatores e entendê-los como naturais
e não como uma perversão, pois são fases que fazem parte da
estruturação da personalidade de todo indivíduo.

175
Joel Santos de Abreu

7. Psicanálise e Educação

Antes de tudo, convém mencionar que, segundo relatos de


pesquisadores das obras freudianas, a Psicanálise não está vol-
tada, especificamente, à Pedagogia. Logo, não apresenta princí-
pios organizadores para um sistema ou metodologia educacional.
Contudo, aborda assuntos que contribuem para o entendimento
do efeito da educação no destino dos seres humanos, que nascem
dotados com o desejo de saber ligado à necessidade de preencher
um espaço que parece permanentemente vazio.
A educação é um fenômeno cultural que segue o histórico
percurso do processo civilizatório. É introduzida pelo conví-
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vio familiar e sequenciada, formalmente, na escola, com pre-


visibilidade e homogeneidade. Pode ser uma experiência po-
sitiva ou promover inúmeros sintomas neuróticos capazes de
estabelecer sérios problemas na vida adulta de um indivíduo.
Depende muito de como será aplicada. “A Educação exerce
seu poder através da palavra. Seus esforços concentram-se na
tentativa de estimular, pelo discurso à consciência, os indiví-
duos a se conduzirem em uma direção por ela própria deter-
minada” (KUPFER, 2001, p. 58-59).
Freud foi, sem dúvida, um pensador sobre o absurdo da
existência humana. Quando ele disse que educar, ao lado de
governar e psicanalisar, é uma profissão impossível, não estava
declarando, necessariamente, um niilismo, algo desestimulador
relacionado (neste caso) à Educação, mas apontando os limites
reais da ação educativa. O educador precisa estar consciente de
que deve fazer uso de sua autoridade e poder, e que esses não
são os únicos elementos indispensáveis para o bom exercício do
ensino-aprendizagem. Há vários outros fatores de importância
fundamental, que, infelizmente, não estão no repertório de
conhecimento de expressiva parcela de professores. Por isso,
faz-se necessário obter considerável noção sobre a Psicanálise no
aspecto educativo.

176
Psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

Ao ministrar o conhecimento formal, além da utilização de


métodos pedagógicos, ocorrem transmissões que escapam ao
controle do professor como do aluno, porque envolvem o in-
consciente de ambos. Lidar com a complexidade humana requer
muito tato e delicadeza.

Na época em que Freud ligava, simplesmente, doença ner-


vosa a moralidade – e, portanto, a educação – era sim-
ples propor uma profilaxia das neuroses por meio de um
processo educativo. Bastaria recomendar uma redução da
severidade imposta pelos educadores às crianças. Mas, a
partir do momento em que Freud entende o rigor como
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algo necessário ao bom funcionamento psíquico, as coisas


se complicam. Restava, de qualquer modo, propor que a
educação não fizesse uso abusivo de sua autoridade. Por-
que, se a correção educativa passou a ser, no entender de
Freud, necessária, nem por isso precisava ser excessiva.
(KUPFER, 2001, p. 37)

Em todos os afazeres humanos há o envolvimento do incons-


ciente cujas influências implacáveis costumam produzir efeitos
inesperados, que estão muito além das boas intenções e não se sub-
metem a qualquer tipo de planejamento ou controle. Esse fenôme-
no não isenta as tarefas educacionais empenhadas no objetivo de
despertar nos estudantes estímulos ideais à vontade de aprender.
Muitas vezes, infelizmente, o resultado é o oposto: apatias refratá-
rias independentes de qualquer propósito motivacional.

8. Repercussões inconscientes no ato


de ensinar

O professor, ao ministrar as aulas, se devidamente orienta-


do pelo referencial psicanalítico, sabe que mesclado ao conteúdo
da matéria há muita subjetividade envolvida inconscientemente
tanto por parte de seu estilo pessoal de docência (que realmente

177
Joel Santos de Abreu

instaura a diferença) quanto por parte da identificação transfe-


rencial outorgada pelo aluno.
No ensino formal, o objetivo da disciplina pode submeter-
-se ao controle de determinada ordem, estabilidade e previsi-
bilidade de avaliação. Porém, deve-se considerar que é pratica-
mente impossível conhecer e avaliar as repercussões causadas
pelas suas influências pessoais transmitidas, de forma particu-
lar, a cada estudante no espaço da sala de aula. O efeito dessa
singularidade no ato educativo é tratado no campo específico
das teorias psicanalíticas.

(...) o educador inspirado por ideias psicanalíticas renun-


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cia a uma atividade excessivamente programada, instituída,


controlada com rigor obsessivo. Aprende que pode orga-
nizar seu saber, mas não tem controle sobre os efeitos que
produz sobre seus alunos. Fica sabendo que pode ter uma
noção, através de uma prova, por exemplo, daquilo que está
sendo assimilado, naquele instante, pelo aluno. Mas não co-
nhece as muitas repercussões inconscientes de sua presença
e de seus ensinamentos. Pensar assim leva o professor a não
dar tanta importância ao conteúdo daquilo que ensina, mas
a passar a vê-los como a ponta de um iceberg muito mais
profundo, invisível aos seus olhos. (KUPFER, 2001, p. 97)

Pode-se afirmar que a Pedagogia trabalha com métodos que


objetivam facilitar o trânsito do aprendiz no campo universal
do conhecimento, isto é, está voltada, exclusivamente, ao ensino
comum aplicado aos alunos, abrangendo conteúdos disciplina-
res, inclusive, a utilização de recursos didáticos. Já a Psicanálise
atenta à singularidade de cada sujeito no processo de ensino-
-aprendizagem, em que deve ser considerada, também, a tempo-
ralidade própria de cada indivíduo na obtenção de saber, balizada
na curiosidade e no desejo de aprender o que a Educação possa
lhe oferecer, independente da idade cronológica. Desse modo,
sustenta um questionamento sobre pressupostas convenções pe-

178
Psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

dagógicas de estabelecer um tempo que priorize a aplicação ine-


ficaz de conteúdos curriculares estratificados por séries, que não
correspondem às necessidades reais dos alunos.

9. Necessidade real: prazer de aprender



A aprendizagem é algo que acontece mediante motivações
subjetivas. Consiste na dependência exclusiva da vontade do
aprendiz e essa autonomia deveria, por excelência, ser respeitada.
O que, drasticamente, na Educação brasileira costuma não acon-
tecer. Quando um aluno realiza uma tarefa no intuito apenas
de atender à determinação de seu professor, é bem possível que
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ocorra exatamente o que a sabedoria popular conceituou: um


finge que aprende e o outro finge que ensina. Difícil entender
a conivência dessa espécie de engano, que há tempos deveria ser
banida. Até quando o professor, com sua autoridade, decidirá
o que julga ser necessário para a aprendizagem de seus alunos?
Até quando a autonomia, a liberdade e a iniciativa dos discentes
serão tolhidas? Será mesmo uma utopia, na sala de aula, a prática
do prazer de aprender?
A criatividade deveria ser uma virtude constante na convivên-
cia cotidiana do espaço escolar. É fato que os saberes científicos
estão em permanente processo de construção. Suas generalidades
não são absolutas e, portanto, não são merecedoras da prerroga-
tiva de ocupar elevado patamar no mundo da sabedoria a ponto
de tornar excludente qualquer tipo de manifestação particular.
Duas citações do renomado psicólogo Gordon Willad All-
port ilustram bem isso: “(...) a generalidade pertence à ciência, e
a individualidade à arte” (1973, p. 29); “a ciência é impiedosa em
sua exclusão de particularidades. Por isso é, quando muito, um
complemento da sabedoria” (1973, p. 29). Em outras palavras, o
ensino deveria ser mais democrático, intermediar tanto os con-
ceitos generalizados da ciência como permitir a participação ativa
de cada indivíduo. Ensinar, acima de tudo, é uma grande arte.

179
Joel Santos de Abreu

Em uma entrevista, a educadora e psicóloga Léa da Cruz


Fagundes mencionou essa máxima, uma verdade inconteste: “A
vida é interdisciplinar. Quem a fragmentou e a encaixotou toda
foi a escola, o professor, a organização” (Disponível em: <http://
www.appoa.com.br/uploads/arquivos/revistas/revista16.pdf>.
Acesso em: 26 jun. 2012).

O encontro entre o que foi ensinado e a subjetividade de


cada um é que torna possível o pensamento renovado, a
criação, a geração de novos conhecimentos. Esse mundo de-
sejante, que habita diferentemente cada um de nós, estará
sendo preservado cada vez que um professor renunciar ao
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controle, aos efeitos de seu poder sobre seus alunos. Estará


preservado cada vez que um professor renunciar ao contro-
le, aos efeitos de seu poder sobre seus alunos. Estará cada
vez que um professor se dispuser a desocupar o lugar de
poder em que um aluno o coloca necessariamente no início
de uma relação pedagógica, sabendo que, se for atacado,
nem por isso deverá reprimir tais manifestações agressivas.
Ao contrário, saberá que estão em jogo forças que ele não
conhece em profundidade, mas que são muito importantes
para a superação do professor como figura de autoridade e
indispensáveis para o surgimento do aluno como ser pen-
sante. Matar o mestre para se tornar o mesmo de si mesmo,
esta é uma lição que, já vimos, pode ser extraída até mesmo
da vida de Freud. (KUPFER, 2001, p. 98-99)

10. Afinal, quem é o bode expiatório


de todos os pecados cometidos pela
Educação?

Historicamente, as estatísticas constatam resultados insa-


tisfatórios em razão do ineficaz sistema educacional brasileiro.
Paradoxalmente, recai sobre a instituição escolar a responsabili-
dade pelo elevado número de analfabetos funcionais, amargando
uma vergonha nacional. Com um pouco de dedicação e engaja-

180
Psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

mento por parte da política educacional e o devido preparo de


muitos profissionais da área, é possível combater esta “doença”
contagiosa, mas parece que a falta de informação, atualização ou
força de vontade deixam esse nobre ideal na esfera da utopia.
Essa lastimável condição levou o professor José Manuel Moran a
declarar, com toda razão, o seguinte: “Temos um ensino em que
predominam a fala massiva e massificante, um número excessivo
de alunos por sala, professores mal preparados, mal pagos, pouco
motivados e evoluídos como pessoas” (MORAN, 2007, p. 37).
Questiona-se o despreparo didático de muitos professores,
cuja consequência drástica de sua própria ineficiência é deposi-
tada na parte mais fraca envolvida no processo, óbvio: a culpa
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majoritária encontra-se nos alunos, que não aprendem, incluin-


do suas respectivas famílias, que omitem os acompanhamentos
de suas atividades escolares. Essa perversa injustiça clama, ur-
gentemente, por um fim definitivo. Senão, haja neuroses e divãs
para todos por elas afetados. “(...) A nossa civilização, que pro-
duz uma ação educativa tão exageradamente severa, é neurótica”
(KUPFER, 2001, p. 45).
Na verdade, os papéis sociais do corpo docente e discente não
se cumprem de forma devida e os objetivos nunca alcançados
frustram os ideais esperados. Em outras palavras, o trabalho não
está sendo realizado de modo satisfatório, provavelmente porque
a relação entre professores e alunos consiste apenas na transmis-
são mecâmica de conteúdos da disciplina e assimilação duvidosa,
em uma formalidade, muitas vezes, desprovida de entusiasmos
e estímulos de ambas as partes. Em um ambiente “fúnebre”, até
a comunicação inconsciente fica prejudicada, não colaborando
com possíveis aspectos positivos.

Quando olhamos as relações na educação, do ensino fun-


damental ao ensino superior, observamos quão desgastadas
estão, baseadas quase que somente no ensino de conteúdos,
os quais se encontram, muitas vezes, calcados em conteúdos

181
Joel Santos de Abreu

fatuais, sem nenhum significado para os alunos e professo-


res. (ALMEIDA, 2007, p. 37)

O escritor francês Michel de Montaigne (século XVI) dizia


que nenhum vento ajuda a quem não sabe para que porto deverá
velejar. Em outras palavras, é caminhando que se faz o destino de
quem sabe aonde quer chegar. Pela lógica, o educador deve ser
capaz de conduzir sua classe, com o máximo de proveito possível,
no processo de transmissão de conhecimento. Com urgência, são
necessárias novas maneiras de compreensão da prática pedagó-
gica. Se isso não acontece, a “máquina” funciona com engrena-
gens emperradas, e cabe aqui fazer uma angustiada e provocadora
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pergunta aos que lidam com educação: O que falta para que o
exercício dessa nobilíssima profissão deixe de ser um fracasso?
A resposta é simples: ter muito boa vontade de praticar for-
mas de ensino que favoreçam o processo de conhecimento dos
alunos; essa didática, essa arte, só é possível através de atualização
de professores; os vocacionados, que se dedicam ao ofício, de
corpo e alma, pela grandeza de espírito de gostar muito do que
fazem. Freud (apud Kupfer, 2001, p. 44) afirmava: “Só pode
ser pedagogo aquele que se encontrar capacitado para penetrar
na alma infantil”.

11. Os dez mandamentos para o bom


desempenho do professor

É evidente que o bom desempenho do trabalho do professor


não é mero fruto do acaso. Não depende somente de uma ótima
formação acadêmica, mas de toda a história que constitui o
universo de sua existência, abrangendo características de sua
personalidade e experiências pessoais. É, acima de tudo, gostar
do que faz. É ter o espírito imbuído de satisfação naquilo que
realiza. “É um fato estabelecido que, geralmente, as pessoas gos-
tam de fazer aquilo que fazem bem” (ALLPORT, 1973, p. 298).

182
Psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

É a soma de várias qualidades (conscientes e inconscientes), que,


enfim, contribuem positivamente na formação de outras pessoas.

Freud nos mostra que um professor pode ser ouvido quando


está revestido por um aluno de uma importância especial.
Graças a essa importância, o mestre passa a ter em mãos um
poder de influência sobre o aluno (KUPFER, 2001, p. 85).

Em síntese, a relação abaixo aponta dez pontos fundamentais


que podem garantir o bom desempendo do profissional que atua
em sala de aula.
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1) Ser cordial e companheiro de seus “discípulos” tanto em


sala de aula quanto fora dela;
2) Valorizar, sempre, a participação do aluno;
3) ter domínio sobre a matéria a ser ministrada;
4) Fazer, constantemente, atualizações e pesquisas para me-
lhor ensinar;
5) Usar roteiro flexível, adequando suas aulas às necessidades
dos alunos;
6) Ter prazer em ensinar, pois o entusiasmo é percebido
pelo aluno;
7) Fazer uso de linguagem acessível, não ser rebuscado, prolixo;
8) Ser autêntico, não usar “máscaras” e ser respeitoso;
9) Tornar o aluno um parceiro no acesso ao conhecimento;
10) Estimular o aluno para que o mesmo perceba outros as-
pectos além do conteúdo, que serão marcantes em sua vida futura.

(...) formadores e formandos são uma combinatória de ex-


periências, informações, leituras, relações, sonhos, imagina-
ção, desejos, frustrações, e o formador não pode esquecer
que o saber e a prática do professor que quer formar vai se
basear em todos esses processos. (ALMEIDA, 2004, p. 28)

Em contrapartida, é lamentável admitir que a falta dos ele-


mentos positivos, acima mencionados, podem dar lugar a diver-

183
Joel Santos de Abreu

sos problemas oriundos de um relacionamento não harmonioso


entre docentes e discentes. Por consequência, os conflitos se ins-
talam, tornando um ambiente hostil capaz de transformar a sala
de aula em uma arena de tensões, desgastes e desinteresses.
Eis algumas situações que deveriam ser evitadas, mas ocor-
rem com muita frequência no âmbito escolar:

1) O professor mantém distância e impessoalidade em rela-


ção a seus alunos;
2) dirige-se aos alunos com ironia e agressividade;
3) Faz uso de roteiro inflexível e não admite interrupções;
4) Não organiza o conteúdo a ser ministrado, causando pro-
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blemas na aprendizagem;
5) Trabalha a matéria sem explicação, tornando a aula cansa-
tiva e desinteressante;
6) Faz das avaliações um instrumento de punição;
7) Usa uma linguagem que o aluno não entende.

Sob essas condições, o processo de ensino-aprendizagem tor-


na-se inviável. Se o trabalho não é bem direcionado e o convívio
deixa a desejar, realiza-se em vão e o resultado é a improdutivi-
dade e os objetivos construtivos são frustrados. O que resta é a
ansiedade pelo término do período “letivo”.

12. Imposição e Educação transitam em


oposição

O que não é bom para o professor não é bom para o aluno.


Tudo conspira contra aquele que, sem vontade, sem preparo ou
aptidão, envolve-se em atividades que lhe exigem refinada com-
petência. Há determinadas profissões que só devem ser exercidas
por aqueles que têm o talento para desempenhá-las. Em especial:
a Educação.

184
Psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

Isto porque comprometem diretamente os outros, por cons-


tituir-se de pessoas que delas dependem. A princípio, os alunos
costumam atribuir ao professor um respeito e estão dispostos a
se submeter à sua liderança. Esse atributo, o professor jamais de-
veria perder, mas usá-lo em benefício da transmissão de conhe-
cimento. “Freud nos mostra que um professor pode ser ouvido
quando está revestido por um aluno de uma importância espe-
cial. Graças a essa importância, o mestre passa a ter em mãos um
poder de influência sobre o aluno” (KUPFER, 2001, p. 76).
Lidar com gente requer muito cuidado e fineza no trato;
para se trabalhar com a mente das pessoas é preciso, acima de
tudo, o emprego de uma bem-sucedida arte para transmitir-
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-lhes conhecimentos, humanizá-las, torná-las mais inteligentes,


mais sábias, enfim, exercer influências que as tornem melhores.
O profissional da sala de aulas, através de sua dedicação nas
atividades, deveria preservar esse digníssimo prestígio. Infeliz-
mente, um número expressivo de professores desconsidera esse
lado que favorece uma boa relação e opta por uma posição au-
toritária, sem perceber que tal atitude é altamente prejudicial,
pois ninguém gosta de estar sob a imposição de um déspota.
“(...) o quanto é difícil, embora desejável, assumir uma posição
de renúncia ao poder, oferecido pelo próprio ‘lugar’ de profes-
sor – aquela posição que permite a alguém controlar outros, no
caso, os alunos” (KUPFER, 2001, p. 97-98).
O ofício do professor é, sem dúvida, nobilíssimo, e deveria ser
exercido com cativante humildade. Já dizia o velho filósofo grego
Sócrates: “Só sei que nada sei”. Quem tem a verdade absoluta? O
ar de conhecedor de toda a verdade é produto da vaidade e sabe-se
que é falso. Autoritarismo e Educação não combinam. O mestre
deve estar ciente de que seus discípulos devem superá-lo.

Talvez não se possa imaginar uma pedagogia organizada


em torno de um princípio como esse, o do ‘assassinato’ do
mestre. Mas um educador esclarecido verá nessa ideia uma

185
Joel Santos de Abreu

espécie de referência, que, se bem analisada e compreendi-


da, pode ser até mesmo libertadora, pois tira dos ombros do
professor uma carga de controle excessiva e indesejável, em-
bora acrescente outra: a de permanecer tranquilo, inteiro,
consciente de seus poderes e limites, humilde e impotente
frente à tarefa de ajudar outro ser humano a atingir seus
mais radical compromisso com a vida: ser um indivíduo
livre e produtivo. (KUPFER, 2001, p. 99)

Considerações finais

Antes de tudo, é conveniente mencionar que não há literatura


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abundante sobre o assunto porque os registros da psicanálise não


tratam especificamente sobre a Educação. As fontes pesquisadas
baseiam-se em fragmentos extraídos da vasta obra de Freud. Os
professores devem adquirir conhecimentos sobre o funciona-
mento da psique humana, pois o processo educativo se dá através
dela. Isso, sem dúvida, contribuirá para um melhor desempenho
em suas atividades profissionais na sala de aula. As primeiras ex-
periências de aprendizagem de um sujeito ocorrem no convívio
familiar. Em idade propícia, ele é conduzido para a instituição
escolar em que o ensino é tratado de maneira formalizada, clas-
sificada com previsibilidade e homogeneidade. O ponto X está
na seguinte pergunta: Como esse ensino é aplicado? Também é
preciso enfatizar que o processo de ensino-aprendizagem não se
restringe apenas à transmissão dos conteúdos disciplinares. Há
vários elementos envolvidos nessa relação, inclusive, muitos in-
conscientes que costumam produzir inesperados efeitos subjeti-
vos, abrangendo a personalidade do professor e a maneira como
ele conduz suas aulas. A Psicanálise atenta para a singularidade
de cada pessoa, e a Educação deveria considerar profundamente
esse aspecto. Caso contrário, fica capenga.

186
Psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

Referências
ALLPORT, G. W. Personalidade. 4ª reimpressão. São Paulo:
E.P.U – Editora Pedagógica e Universitária Ltda. / EDUSP –
Editora da Universidade de São Paulo, 1973.
ALMEIDA, Laurindo Ramalho de; PLACO, Vera Maria Nigro
de Souza. As relações interpessoais na formação de professo-
res. 2. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2004.
FREUD, Sigmund. Uma nota sobre o inconsciente na psi-
canálise (1912). v. 22. Edição Standart Brasileira das Obras
Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro:
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Imago, 1980.
______. A interpretação dos sonhos (1893-1899). v. 5 e 14.
Edição Standart Brasileira das Obras Psicológicas Completas de
Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1980.
______. A história do movimento psicanalítico, artigos sobre
metapsicologia e outros trabalhos. v. 22. Edição Standart Bra-
sileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio
de Janeiro: Imago, 1980.
KUPFER, Maria Cristina. Freud e a educação – O mestre do im-
possível. 3. ed. (6ª impressão). São Paulo: Editora Scipione, 2001.
MORAN, José Manuel; MASETTO, Marcos T. Novas tecno-
logias e mediação pedagógica. 13. ed. Campinas/SP: Papirus
Editora, 2007.

187
CAPÍTULO 10
ERIC ERIKSON E AS OITO
IDADES DO HOMEM
Rita Sibele Detilio
Sandra Regina Soares Pereira

introdução

Erikson nasceu na Alemanha, em Frankfurt em 15 de junho


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de 1902 e faleceu na Inglaterra, em Harwich, em 12 de maio de


1994. Foi abandonado pelo pai ao nascer e adotado por Theo-
dor Homburger, um pediatra alemão que considerava ser o seu
verdadeiro pai.
Sua formação geral e suas habilidades para arte plástica per-
mitiram exercer a profissão de pintor de retratos, o que lhe pos-
sibilitou viajar pela Europa. Erikson era talentoso para pintar
retratos de crianças e recebeu um convite para fazer o retrato de
uma menina na Áustria. para sua surpresa, essa garota era filha
de Sigmund Freud. Enquanto realizava a pintura, teve muitas
conversas com Freud, que o convidou para fazer o curso de psica-
nálise no Instituto psicanalítico de Viena. Dessa forma, Erikson
começou sua carreira de psicanalista de crianças.
Após formar-se em psicanálise, foi para os Estados unidos.
Em 1936, tornou-se professor universitário. lecionou nas uni-
versidades de Harvard, Berkeley e Yale.
Morou na reserva dos índios Sioux, o que lhe trouxe muitas
experiências marcantes em relação à convivência social e conhe-
cimentos da Antropologia.
Em 1936, iniciou seus estudos sobre a influência dos fatores
culturais no desenvolvimento psicológico. Formulou sua teoria
psicossocial, na qual defende a ideia de que as sociedades influen-

189
Rita Sibele Detilio e Sandra Regina Soares Pereira

ciam o desenvolvimento da personalidade, e que as soluções que


o sujeito encontra para os conflitos cotidianos variam de cultura
para cultura.
Erikson transformou-se em um dos grandes teóricos da Psi-
cologia do Desenvolvimento e a sua teoria Psicossocial relata o
desenvolvimento humano do nascimento até a senilidade.

1. A TEORIA PSICOSSOCIAL DE ERIC ERIKSON

Erikson também é considerado um autor sociointeracionista,


porém, há uma diferença entre ele e os demais. Piaget se preocu-
pou em saber como o indivíduo aprende considerando a matura-
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ção como base do desenvolvimento, seguida das interações com


objetos e pessoas. Vygotsky enfatizou a língua e a interação social
no processo de desenvolvimento. Freud considerou a sexualida-
de a base do desenvolvimento. Já Erikson (2008) considerou o
impacto e as influências que a sociedade na qual vivemos tem no
desenvolvimento da personalidade.
Para ele, somos frutos do nosso “eu” em interação com o
meio ambiente, ou seja, mais que de forças individuais inter-
nas, a personalidade resulta da elaboração que fazemos do nosso
modo de viver e sentir. Sendo o meio ambiente o espaço que nos
coloca em constantes desafios para nos posicionarmos, obtermos
respostas dos que nos cercam e lidarmos com as vicissitudes das
relações interpessoais. Dessa forma, a teoria de Erikson destaca-
-se como uma teoria psicossocial.
A maturação, para Erikson (1998), é vista como competên-
cia física, na qual o sujeito tem prazer em utilizá-la, como quan-
do a criança aprende a andar, ela exerce esse potencial insistente
e prazerosamente. Da mesma forma que, para se desenvolver
outras funções físicas e mentais, é necessário interação com as
informações e desafios do meio ambiente.
Biaggio (2008) salienta que a tese de Erikson é a de que,
na evolução do homem, os modos instintivos de funcionamento

190
Psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

transformaram-se em modos psicossociais. Sendo assim, pode-


mos dizer que a personalidade que resulta em diferentes modos
de lidarmos com as situações do dia a dia é fruto da evolução
física, da maturação e dos momentos vividos no meio ambiente,
momentos esses significativos, que motivam elaborações mentais
individuais e consequentemente novos comportamentos sociais.
Considerando essas hipóteses, Erikson (2000) descreveu oito
estágios de desenvolvimento, aos quais chamou de: “As Oito Ida-
des do Homem”. O modo como cada sujeito resolve os conflitos
que fazem parte da vida cotidiana, em uma determinada fase da
vida, torna-se condição necessária para lidar com a fase seguinte.
Erikson (2000) sugeriu idades às oito fases do desenvolvi-
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mento, mas elas não são rígidas, e variam de acordo com a ma-
turação de cada um e as experiências vividas. As Oito Idades do
Homem dividem-se em: quatro primeiras, que se referem à fase
de bebê e à infância; e quatro últimas, da fase adulta até a velhice.
Erikson enfatizou a adolescência como passagem da infância à
vida adulta, sendo que esta última é fundamentalmente influen-
ciada por como o sujeito vivenciou a adolescência.
Desde o inicio da civilização, há relatos entre os padrões
cronológicos e o desenvolvimento psíquico. Relacionando o de-
senvolvimento humano aos direitos e deveres que cada fase nos
atribui. Por exemplo: Sólon, um legislador e poeta lírico, viveu
em Atenas entre os séculos VI e VII. Ele determinava que os di-
reitos e deveres dos cidadãos devessem ser respeitados conforme a
idade, sem distinção de classe social (ERIKSON, 1998).
Eric Erikson (1998) foi um dos pesquisadores que classificou
e uniu os aspectos biológico, social e do comportamento. Na sua
classificação, foi um dos poucos pesquisadores que descreveu todas
as faixas etárias do sujeito, que vão desde a infância, adolescência,
idade adulta até a velhice, sem desvalorizar nenhuma delas.
Ao basear-se na Psicanálise, Erikson utilizou os conceitos de
id, ego e superego que Freud (HALL, 2000) descreveu como
energias que compõem o aparelho psíquico e que são responsá-

191
Rita Sibele Detilio e Sandra Regina Soares Pereira

veis pelo modo como nos comportamos, sendo que o id é uma


energia inconsciente movida pelo princípio do prazer e exige sa-
tisfação imediata. Quando uma criança ou até mesmo um adulto
age impulsivamente para obter algo que deseja, sem conseguir es-
perar um momento mais adequado, certamente essa pessoa está
agindo sobre as forças do id.
O superego é uma energia consciente, oposta ao id. É o prin-
cípio da realidade, formado através dos valores e limites impostos
ao longo do processo educacional. Uma pessoa que acata demasia-
damente as regras sociais está submetida à rigidez do seu superego.
O ego é uma energia consciente, responsável pelo equilíbrio
entre as forças do id e do superego. É o ego que decide se pode
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ou não satisfazer os desejos do id ou do superego. Quanto mais


desenvolvido for o ego, mais equilibrado o sujeito se mostrará em
suas decisões e comportamentos.
Segundo Rabello (2001), Erikson enfatizou o ego, ao contrá-
rio de Freud, que valorizou mais o id.
Para Erikson, o ego passa por crises existenciais. Dependen-
do do desfecho dessas crises, o ego pode ser positivo (como no
caso de um ego forte e estável) ou negativo (quando o sujeito
apresenta um ego mais fragilizado). Segundo Erikson, nas fases
de desenvolvimento humano, após cada crise do ego ocorre a
reformulação e reestruturação da personalidade.
Rabello (2007) explica que As Oito Idades do Homem, teo-
rizadas por Erikson, são crises de desenvolvimento denominadas
por “estados psicossociais”.

2. FASES DO DESENVOLVIMENTO PSICOSSO-


CIAL SEGUNDO ERIKSON

Fase 1– Confiança básica x Desconfiança básica


Segundo Erikson (1998), essa fase inicia-se no nascimento e
vai até aproximadamente 18 meses de idade. O primeiro contato

192
Psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

social do bebê geralmente é a mãe, que fornece tudo o que ele


necessita para o seu bem-estar.
A confiança básica ocorre quando a mãe se ausenta e o bebê
experimenta o sentimento de esperança – passa a esperar que a
mãe volte. Tendo confirmadas as suas expectativas e esperanças,
ocorre um desfecho positivo, de onde surge o sentimento de con-
fiança do bebê na sua progenitora. A criança aprende a confiar
nos provedores e desenvolve a sua capacidade interna em seus
órgãos para buscar saciar seus desejos enquanto a mãe não chega,
tendo a sensação de que o mundo é bom, que as pessoas podem
ser reais e confiáveis.
A desconfiança básica acontece quando o bebê perde a espe-
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rança diante da figura materna – um dos motivos para isso é, por


exemplo, a ausência da mãe por um longo período. O desfecho
negativo para as esperanças do bebê o leva a ter sentimentos de
insegurança e desconfiança.
A criança necessita de atenção, carinho e acolhimento para
que desenvolva confiança no meio ambiente em que vive – ini-
cialmente a família e posteriormente a sociedade.
Para Erikson, de acordo com Rabello (2007), o excesso de cui-
dado, atenção e carinho também pode ser maléfico, pois a criança
aprende a visualizar a mãe como algo perfeito, o que jamais ela
poderá ser. Assim, os pais devem dar autonomia à criança e, ao
mesmo tempo, ampará-la diante dos ganhos das suas capacidades.
Como, por exemplo, quando a criança começa a comer sozinha,
mesmo que no início faça o que seria considerado pelos adultos
“sujeira”, essa é uma situação em que a criança necessita da paci-
ência e estímulo do adulto para aprender a comer adequadamen-
te. Uma mãe que se irrita nessa situação, às vezes, demonstra sua
insatisfação de modo exagerado, e essa atitude é prejudicial para
criança, que passa a ter desconfiança das suas capacidades.
Essa primeira fase de Erikson corresponde à fase oral de
Freud, na qual a criança sente maior prazer na região da boca e
sente-se segura ao abocanhar o peito da mãe.

193
Rita Sibele Detilio e Sandra Regina Soares Pereira

Fase 2 – Autonomia x Vergonha e Dúvida


Segundo Erikson, essa fase ocorre durante o segundo e tercei-
ro ano de vida. A criança passa a ter autocontrole e controle so-
cial, portanto, os pais e os professores devem transmitir à criança
o respeito às regras sociais, apontando o que ela deve ou não deve
fazer diante do mundo que a rodeia.
As regras sociais são transmitidas pelos pais e professores e a
criança vai aprendendo o que a sociedade em que vive espera dela,
sobretudo as suas limitações, obrigações e direitos. Nesta fase, a
atribuição de certo grau de autonomia à criança é benéfico, po-
rém, se a exigência for em demasia, sua autoestima será fragilizada.
Caso haja pouca exigência ou proteção exagerada, a criança pode-
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rá caminhar para um sentimento de insegurança e vergonha. Ela


poderá ter dúvidas diante das suas capacidades, podendo ocorrer
sensação de abandono. Portanto, os pais devem atribuir autono-
mia à criança e, ao mesmo tempo, estar por perto para auxiliá-la
nas atividades que ainda não consegue realizar sozinha.
A assimilação das regras sociais coincide com a fase explora-
tória da criança, que apresenta a vontade de conhecer e explorar
o mundo que a rodeia. Nessa etapa, deve haver um cuidado por
parte dos pais e professores para que não controlem excessiva-
mente as ações da criança.
Porém, se a criança for exposta à crítica constantemente, ela
poderá apresentar um comportamento social de descaramento e
dissimulação, podendo futuramente se tornar um adulto com sen-
timentos frequentes de vergonha e dúvida sobre suas capacidades.
Nessa fase, as regras sociais devem ser cumpridas, mesmo que
os pais e as crianças, no primeiro momento, tenham sentimento
de desaprovação e culpa. As crianças devem ser orientadas de
modo firme e, ao mesmo tempo, carinhoso. Devem ser ensinadas
sobre o que podem e o que não podem fazer, para que se sintam
exigidas, mas também protegidas e cuidadas.
A estruturação da autonomia pode ser comparada à fase anal
freudiana, na qual a criança começa a andar e deixa de usar fraldas,

194
Psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

aumentando assim a sua autonomia para manusear os objetos que


a cercam, o que a leva a desenvolver maior independência.

Fase 3 – Iniciativa x Culpa


Para Erikson, esta fase ocorre na idade entre os 3 e 6 anos.
Nessa fase, a criança que deseja alcançar um objetivo já apresenta
condições de planejar suas ações e utilizar as habilidades motoras
e intelectuais desenvolvidas anteriormente.
Segundo Erikson (1987), essa combinação de confiança e au-
tonomia dá à criança um sentimento de determinação, sendo um
dispositivo para manifestar iniciativa diante do mundo, tendo
a colaboração do início da alfabetização e sua ampliação social.
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Nessa fase, ela adquire crescimento intelectual necessário para


apurar sua capacidade de planejamento e realização.
Muitas vezes a criança se empolga na busca de seus objetivos
além das suas possibilidades, e quando não consegue realizar seu
desejo, pode ter um sentimento de culpa atrelado à sensação de
fracasso, o que poderá gerar uma certa ansiedade em torno de
atitudes. Percebe que o que desejou não é aceitável socialmente,
podendo assim fantasiar a realidade para fugir da tensão que a
frustração provoca.
A fantasia em exagero pode gerar o perigo da personificação,
ou seja, quando a criança tenta escapar da frustração, da incapa-
cidade de realizar alguns de seus objetivos, exagerando na fan-
tasia. Isso pode levá-la a desenvolver várias personalidades, com
possibilidade de se tornar compulsiva por esconder seu verdadei-
ro “eu” e acabar se afastando do contato consigo mesma.
Nessa fase, deve ser cobrado da criança o senso de respon-
sabilidade; ela sente a necessidade de realizar tarefas e cumprir
papéis. Os pais devem disponibilizar a oportunidade para que
realizem tarefas condizentes com seu nível motor e intelectual,
sendo que as tarefas mais complexas poderão ser realizadas com
o auxilio de alguém.

195
Rita Sibele Detilio e Sandra Regina Soares Pereira

Em relação à teoria de Freud, esse estágio corresponde à fase


fálica, a criança já conquistou a confiança, a autonomia, sua ex-
pansão motora, intelectual e maior independência da mãe, sen-
tindo-se capaz para realizar parte dos seus desejos.

Fase 4 – Domínio x Inferioridade


Refere-se à idade de 6 a 12 anos. É a fase em que a criança
se apresenta confiante e autônoma, passa a ter iniciativa, sente-
-se capaz de produzir para alcançar os seus objetivos e ocorre a
iniciação à alfabetização formal.
A criança passa a perceber o mundo do trabalho valorizando
suas produções, que lhe proporcionará sentimentos de conquista e
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competência. Percebe que possui habilidades no estudo e na realiza-


ção de tarefas acadêmicas, finalizando-as com domínio da situação.
Para que ocorra o fortalecimento do ego, os pais e profissio-
nais envolvidos com a criança devem estimular suas produções e
valorizá-las socialmente, objetivando facilitar suas relações sociais
evitando o sentimento de inferioridade. Sendo que o excesso de
falhas e exigências atribuídas à criança pode contribuir para o
enfraquecimento da construção da personalidade e para o desen-
volvimento dos sentimentos de inferioridade.

Fase 5 – Identidade x Confusão de Identidade


Nessa fase, a criança entra na adolescência – aproximada-
mente entre 12 e 18 anos de idade. Devido à complexidade dessa
fase, Erikson escreveu o livro Crise de Identidade, que relata a
confusão de identidade que o adolescente sofre.
Nessa fase, inicia-se a construção da identidade do adolescente,
na passagem da vida infantil à vida adulta. Então surgem perguntas
como: O que serei? Quem sou? Sou diferente dos meus pais? Sou
apenas extensão da personalidade deles ou sou alguém diferente?
Nesse momento o adolescente é facilmente influenciado pe-
las atitudes e ideias de pessoas que admira e, assim, ele passa a ter
diferentes posições em um curto espaço de tempo.

196
Psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

O adolescente nessa fase pode apresentar sentimentos de


vazio, isolamento, tornar-se ansioso, e apresentar dificulda-
des para se integrar ao mundo adulto, o que pode, muitas
vezes, levar a uma infantilização por não saber lidar com
seus sentimentos.
Rabello (2007) cita a teoria de Erikson ao dizer que, quando
as crises anteriores são bem resolvidas com desfechos positivos, é
mais fácil a superação desta fase. Quando o adolescente consegue
estabelecer a lealdade e a fidelidade com si mesmo, ele estará tra-
çando o caminho da conquista da sua identidade.

Fase 6 – Intimidade x Isolamento


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Essa fase compreende as idades dos 20 aos 40 anos. Nela


ocorre a estabilização da identidade, ou seja, o ego está fortale-
cido e o sujeito apresenta capacidade de conviver com pessoas
diferentes e não se sentir ameaçado de perder sua personalidade.
É comum, nesse momento, a busca das relações íntimas,
como as uniões estáveis, o casamento, as parcerias e colaborações.
Mas se o ego ainda se encontra frágil, a tendência é que o sujeito
se isole para se preservar sua identidade.
O isolamento não é de todo mal se for por períodos cur-
tos, podendo contribuir para o desenvolvimento do ego, ou
seja, aprender a reconhecer seu “eu”, suas potencialidades,
limites e desejos e diferenciá-lo dos demais. Mas quando o
isolamento é longo, o desfecho dessa crise torna-se negativo,
impossibilitando o sujeito de estabelecer relações de intimida-
de com os outros.
Para Erikson (1998), a superação saudável desta fase favo-
recerá o desenvolvimento de um ego estável, em que o sujeito
é minimamente flexível e, mesmo assim, consegue se relacionar
com diferentes pessoas, às vezes fazendo valer suas vontades e
outras acatando e respeitando as vontades dos demais.

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Fase 7 – Generatividade x Estagnação


Ocorre entre os 30 e 60 anos de idade. Nessa fase, o sujeito
tem a necessidade de conviver em família e produzir algo útil
socialmente, ou seja, ocorre a generatividade.
Nessa fase, o sujeito sente a necessidade de ensinar o que
aprendeu, e muitos buscam oportunidades para compartilhar
seus conhecimentos, tendo a sensação de que, dessa forma, dei-
xarão algo aos outros. Erikson considerou esse desfecho algo po-
sitivo nesta fase.
Quando ocorre o inverso, ou seja, quando o sujeito não com-
partilha conhecimento com os seus e com as próximas gerações,
isso gera o que Erikson chamou de estagnação, que pode ser con-
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siderado um desfecho negativo, porque o sujeito se isola em seus


próprios interesses.

Fase 8 – Integridades x Desespero


Essa fase se inicia a partir dos 60 anos de idade, aproximada-
mente. Erikson (1998) estabelece esta como a fase final do ciclo
psicossocial, podendo ser positiva, quando o sujeito procura re-
ver sua vida, refletir sobre suas conquistas e não conquistas, valo-
rizando suas vivências anteriores e tendo sentimentos de missão
cumprida e integridade.
Enfrentar essa fase negativamente seria estagnar, ter o sen-
timento de “fim” da vida, esperando a morte chegar, entrando
em desespero e grande tristeza, apenas lamentando por não ter
realizado vários desejos na vida adulta, sentindo-se incapaz de
realizar-se agora na velhice.
Erikson (1987, p. 91) destaca que:

(...) uma personalidade saudável domina ativamente seu


meio, demonstra possuir uma certa unidade de personali-
dade (...). De fato, podemos dizer que a infância se define
pela ausência inicial desses critérios e de seu desenvolvimen-
to gradual em passos complexos de crescente diferenciação.

198
Psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

Como é, pois, que uma personalidade vital cresce ou, por


assim dizer, advém das fases sucessivas da crescente capaci-
dade de adaptação às necessidades da vida – com algumas
sobras de entusiasmo vital?

Para Erikson, as crises do ego estão relacionadas ao que ele


chama de Plano de Vida, que são os Ciclos de Vida descritos nas
Oito Idades do Homem, em que o desfecho pode ser positivo ou
negativo, dependendo da superação de cada fase.

3. AS OITO IDADES DO HOMEM E A EDUCAÇÃO


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Para pensarmos um pouco mais sobre a utilização da Teoria


Psicossocial de Eric Erikson, falaremos agora sobre ela em relação
à educação:

Quadro 2

As Oito Idades
Principais Características
do Homem

Um bebê que é atendido em suas necessidades bási-


cas e recebe carinho da mãe ou da pessoa cuidadora
desenvolve confiança nela e consequentemente nas
pessoas que a cercam, mas se essa criança sofrer pri-
vação de cuidados e afeto ela terá sentimento de des-
Primeira Idade
confiança da mãe e generalizará essa desconfiança
Confiança x Des-
para outras pessoas, inclusive à figura da professora,
confiança
o que poderá acarretar dificuldades de adaptação à
do Nascimento
escola. Aqui podemos pensar sobre a importância de
aos 18 meses
atender aos bebês que ficam em período integral no
berçário, o quanto eles precisam de um tratamento
acolhedor e mais individualizado, mesmo pertencen-
do ao coletivo, para que possa desenvolver a confian-
ça em si e no outro.

199
Rita Sibele Detilio e Sandra Regina Soares Pereira

O fato de a criança deixar de usar fraldas, começar a


andar e falar dá a ela maior autonomia que a faz ficar
mais distante da mãe do que na fase anterior. Quan-
do a mãe permite que a criança explore o ambiente
está colaborando para que tenha um sentimento de
independência, de autonomia, mas quando a mãe su-
Segunda Idade perprotege, critica e briga constantemente com a ex-
Autonomia X ploração que a criança faz no ambiente ela desenvol-
Vergonha ve a dúvida e a vergonha dos seus atos. Professores
dos 2 aos 3 anos que lecionam na Educação Infantil quando são mui-
to rígidos com as crianças, também podem provocar
em seus alunos o sentimento de vergonha. Há de se
entender que a criança está em desenvolvimento e
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no meio ambiente tudo é novo e interessante para


ela, o adequado é protegê-la dos perigos reais, mas
sem proibi-la e criticá-la a ponto de sentir vergonha.
Nessa fase Erikson utiliza as ideias de Complexo de
Édipo da teoria Psicanalítica lembrando que nesse
período a criança descobre e desenvolve a sua iden-
tidade sexual. A menina se identifica com a mãe e a
imita, desenvolvendo a sua identidade feminina. O
menino percebe-se semelhante ao pai, se identifica,
imita-o e desenvolve a sua identidade masculina.
Sendo assim, quando a família percebe esses com-
portamentos e permite que a criança expresse esses
Terceira Idade
sentimentos envolvendo os progenitores, a crian-
Iniciativa X Culpa
ça desenvolve a iniciativa, mas quando os pais não
dos 3 aos 6 anos
permitem e até ridicularizam essas expressões da
criança, ela desenvolve o sentimento de culpa. Mui-
tas vezes essas manifestações acontecem na escola,
onde a menina quer, por exemplo, pintar o desenho
da cor que a mãe gosta ou o menino brincar de luta
como faz com o pai em casa e a professora, sem
compreender cobra e pune radicalmente as crianças,
sem maiores explicações, levando-as ao sentimento
de culpa.

200
Psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

Nessa Fase a criança mostra-se muito motivada a


aprender, a desenvolver suas diferentes habilida-
des e mostrar aos pais, familiares, professores e
amigos o que sabe. É comum nessa fase a crian-
ça pedir para participar de diferentes aulas de es-
porte, música, dança e os pais muitas vezes não
comprendem essa vontade, mas para ela desen-
Quarta Idade volver diferentes habilidades lhe dá o sentimento
Domínio x Infe- de domínio, de poder, de conseguir aprender e se
rioridade relacionar através dessas aprendizagens. Quando
dos 6 aos 12 anos os pais não permitem ou criticam o desempenho
da criança nessas atividades ela sente-se inferior
aos colegas. O mesmo acontece quando o aluno
erra e o professor o expõe na frente dos demais.
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Ao contrário de sentir que domina o assunto e


pode dividir com os demais o seu conhecimento,
a criança sente-se incapaz, inferior e pode carregar
esse sentimento para sua vida furtura.
Ao longo do processo educacional a criança herda
dos pais vários comportamentos, valores e gostos
pessoais, mas nessa fase ela questiona tudo o que
assimilou do outro e se pergunta: Quem sou eu?
Começa então um processo de discriminação das
“coisas” que realmente são suas e de outras que não
condizem com a sua personalidade. Por essa confu-
são entre “eu e o outro” é que Erikson defende a
Quinta Idade ideia de que o jovem deveria esperar um pouco mais
Identidade x para definir a sua escolha profissional, pois nesse
Confusão de momento ele está escolhendo e tentando encontrar
Papéis quem ele é. Ao final dessa fase o adolescente
dos 12 aos 18 encontra sua real identidade e faz suas escolhas de
anos acordo com o que realmente deseja, mas se ele teve
uma trajetória de desconfiança, vergonha, culpa, ou
inferioridade certamente se sentirá confuso e com
dificuldades de encontrar a sua própria identidade.
Nessa fase podemos notar que a maioria dos jovens
é rebelde, contrária à autoridade dos pais e dos pro-
fessores, há de entendermos que essa contrariedade
faz-se necessária para diferenciar-se e encontrar o
seu próprio “eu”.

201
Rita Sibele Detilio e Sandra Regina Soares Pereira

Nesse momento da vida, após ter encontrado sua


identidade, o adulto mostra-se disponível para di-
vidir sua vida afetiva com alguém, optando pelo
casamento, por criar sua própria família, dedica-se
à sua profissão sabendo que é parte da sua vida e
pode inclusive ser membro de uma equipe religio-
sa, esportiva ou de um grupo de voluntários sem
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temer misturar-se a ponto de perder sua identidade.


Mas, ao contrário, se na fase anterior ele não se en-
controu, nesse momento atual sente-se inapto para
estar em constante relacionamento com os demais,
Sexta Idade temendo perder sua identidade, temendo misturar-
Intimidade x se demasiadamente com o outro e perder-se de si,
Isolamento então isola-se e sente-se mais confortável sozinho
dos 18 aos 30 do que com a ameaça da perda do seu próprio eu.
anos Nessa fase podemos entender aqueles jovens que
se isolam no ambiente escolar e que muitas vezes
tornam-se “solteirões” convictos mesmo com a
sociedade cobrando e muitas vezes rotulando-os
como homossexuais ou até mesmo “esquisitos”
por estarem sempre sozinhos, sem um relaciona-
mento amoroso, distante dos familiares, amigos e
até mesmo sem muito envolvimento profissional.
Na realidade, o que essas pessoas têm de “esquisi-
to” é o pavor de envolver-se e sentir-se completa-
mente dominados, misturados com o outro a ponto
de perder sua frágil identidade.

202
Psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

Nessa fase o adulto que conseguiu estabelecer rela-


ções de intimidade em um relacionamento amoroso,
no trabalho, com amigos e familiares em geral viverá
a experiência da generatividade. Dedicando-se à edu-
cação dos mais novos e sentindo-se útil, necessário
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para a melhoria da nossa sociedade. Essa capacidade


de generatividade oferece ao adulto a realização pes-
soal, leva-o a sentir que tem um papel importante
Sétima Idade no desenvolvimento da nova geração, mas se ele não
Generatividade x construiu laços afetivos anteriormente sente-se sem
Estagnação objetivo na vida, sem movimento, sem importância
dos 30 aos 60 no ambiente em que vive. A estagnação leva à baixa
anos autoestima e consequente desmotivação, podendo
gerar comportamentos de tristeza e queixas cons-
tantes, daí a importância de desenvolver sua própria
personalidade, integrar-se com os outros e manter
suas funções humanas em ação. Podemos pensar que
quem tem muito o que fazer não consegue se sentir
mal, inferior e sem energia. Torna-se uma pessoa em
constante aprendizado e sempre tem o que trocar
com o outro.

203
Rita Sibele Detilio e Sandra Regina Soares Pereira

Erikson nos mostra claramente que o desenvolvi-


mento humano é um processo e nessa fase o idoso
vive o resultado da sua trajetória. Aquele que con-
fiou, desenvolveu autonomia, iniciativa, domínio,
identidade, intimidade e generalizou o seu papel na
sociedade, sendo solidário e criando vínculos afe-
tivos com os outros e com a vida, chega à velhice
sentindo-se realizado, sente que fez tudo o que con-
seguiu, que o saldo de sua vida foi positivo, consi-
derando que isso não significa a felicidade alienada
e fantasiosa, mas sim a felicidade de uma vida re-
pleta de bons e maus momentos, que faz parte da
Oitava Idade realidade de todos nós e que satisfaz às necessidades
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Integridade do humanas. Torna-se aquele idoso que reconhece os


Ego x Desespe- limites da velhice, mas que tem boas lembranças do
rança passado, aceita o presente e nem pensa no futuro,
após os 60 anos vive bem o aqui e agora consigo e com aqueles que
o cercam. Porém, aqueles idosos que não conseguem
olhar para trás e ver sua vida como algo que valeu a
pena sentem-se desesperançosos por verem a vida
chegar ao fim e não poderem mais melhorá-la como
gostariam, sentem que não têm mais tempo de vi-
ver e fazer o que desejariam ter feito no passado e
entregam-se à desesperança. Podemos, assim, refletir
sobre o alto índice de comportamentos queixosos e
“depressivos” nos idosos, enquanto outros vivem a
velhice de modo dócil, tranquilo e alegre.

Considerações Finais

Considerando que o ser humano se desenvolve a partir das


evoluções orgânicas e de um funcionamento mental que está em
contato constante com o meio, podemos pensar que as Oito Ida-
des descritas por Erikson são flexíveis, isto é, podem sofrer mu-
danças entre um e outro aspecto, de acordo com a consciência
que cada sujeito tem de si e do quanto ele consegue mudar o
rumo da sua vivência cotidiana.

204
Psicologia da Educação: Múltiplas Abordagens

Sendo assim, Erikson é um autor que nos permite pensar o


desenvolvimento humano e a nossa possibilidade de influenciá-
-lo, desde a mais tenra idade até o último momento de vida,
dando-nos possibilidade de reflexão, atuação e mudança sempre.

Referências
ALMEIDA, J. R. de S. A Teoria do Desenvolvimento Psicos-
social de Eric Erikson. 2008. Disponível em: <http://www.we-
bartigos.com/artigos/a-teoria-do-desenvolvimento-psicossocial-
-de-eric-erikson/8668>. Acesso em: 8 abr. 2012.
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BARROS, Célia Silva Guimarães. Pontos da psicologia do de-


senvolvimento. São Paulo: Ática, 1998
BARROS, Gilda N. M. Sólon de Atenas: a cidadania antiga.
São Paulo: Humanitas, 1995.
BIAGGIO, Ângela M. Brasil. Psicologia do desenvolvimento.
20. ed. Petrópolis: Vozes, 2008.
ERIKSON, E. H. Infância e sociedade. 2. ed. Rio de Janeiro:
Zahar editores, 1987.
______; ERIKSON, J. O ciclo da vida completo. Porto Alegre:
Artes Médicas, 1998.
HALL, Calvin S.; et al. Teorias da personalidade. Porto Alegre:
Artmed, 2000.
RABELLO, E. T.; PASSOS, J. S. Erikson e a teoria psicossocial
do desenvolvimento. Disponível em: <http://www.josesilveira.
com/artigos/erikson.pdf>. Acesso em: 7 abr. 2012.
______. Personalidade: estrutura, dinâmica e formação um recorte
eriksoniano. Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Fundação
Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2001. Disponível em: <http://teorias-
personalidade.no.sapo.pt/indice1.htm >. Acesso em: 6 abr. 2012.

205
OS AUTORES

Doralice Bortoloci Ferreira


Doutora em Educação pela Faculdade de Educação da USP, mes-
tre em ensino de Física pelo Instituto de Física da USP e gradu-
ada em Matemática com especialização em Educação Matemá-
tica. É professora do curso de Engenharia na Universidade Nove
de Julho (Uninove).

Elaine de Oliveira Carvalho Moral Queiróz


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Mestre em Educação pela Universidade Nove de Julho (Unino-


ve). Possui especialização em Psicopedagogia. É graduada em
Psicologia e em Pedagogia com habilitação em Supervisão Es-
colar. A autora é gestora e professora do curso de Pedagogia da
Uninove. Foi professora na rede privada de ensino atuando na
Educação Infantil, Ensino Fundamental, sobretudo em salas de
alfabetização, e no curso magistério.

Joel Santos de Abreu


Graduado em Português/Literatura pela Faculdade de Huma-
nidades Pedro II (Fahupe), Teologia pelo Seminário Adventista
Latino-Americano de Teologia (Salt), Psicologia pela Universi-
dade Santo Amaro (Unisa) e Pedagogia pela Universidade Nove
de Julho (Uninove). Possui especialização em Língua Portuguesa
pela Faculdade Severino Sombra e em Psicopedagogia Clínica
e Educacional pela Uninove. Participou como coautor em dez
livros de poemas. Suas produções literárias foram publicadas em
diversos jornais, revistas e periódicos editados em várias regi-
ões do Brasil e do exterior. Criador do projeto cultural “Faça
Parte desta Arte”, que resultou na produção de quatro livros
de poemas de autoria de seus alunos. Atualmente faz formação
em Psicanálise no Centro de Estudos Psicanalíticos (Cep).
Jussara Moreira Pilão
Doutora e mestre em Psicologia da Educação pela PUC-SP. Gra-
duada em Pedagogia com especialização em Sociologia e Política.
É coautora do livro O construtivismo em 50 palavras (1998).
Professora em cursos de graduação e pós-graduação há 27 anos.
Foi professora de Educação Infantil e da Educação Básica. Atual-
mente leciona e orienta trabalhos científicos em cursos de gradu-
ação, pós-graduação e capacitação na área da Educação da Uni-
versidade Nove de Julho (Uninove).

Ligia de Carvalho Abões Vercelli


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Doutora e mestre em Educação pela Universidade Nove de Julho


(Uninove). Graduada em Psicologia e em Pedagogia com espe-
cialização em Psicopedagogia, é professora do curso de Pedagogia
na Uninove. No âmbito da pós-graduação, atua como docen-
te colaboradora no Mestrado Profissional em Gestão e Práticas
Educacionais da Uninove. É membro do NDE do curso de Pe-
dagogia e da pós-graduação lato sensu da Uninove. É coautora
do livro Organização do Trabalho Pedagógico: múltiplos olhares
(2012). Foi professora na rede pública estadual paulista e na rede
privada de ensino, sendo que na primeira atuou também como
coordenadora pedagógica. Atualmente faz formação em Psicaná-
lise no Centro de Estudos Psicanalíticos (Cep).

Margarete Mota
Mestre em Psicologia pela Universidade São Marcos. Graduada
em Psicologia com especialização em Psicopedagogia, é professo-
ra do curso de Pedagogia na Universidade Nove de Julho (Uni-
nove). É membro do Núcleo Docente Estruturante (NDE) e da
nucleação do  curso de Pedagogia. Foi professora de Educação
Infantil na rede privada de ensino e atua como psicóloga na Pre-
feitura Municipal de Guarulhos.
Regiane Rodrigues de Moraes
Mestre em Psicologia da Educação pela PUC-SP. Graduada em
Pedagogia pela mesma universidade. Possui treze anos de experi-
ência na docência. É professora do ensino superior na Uninove e
da Educação Infantil na rede municipal de São Paulo.

Rita Sibele Detílio


Especializada em Neuropedagogia e Psicanálise e Docência do
Ensino Superior pelo Instituto Saber Cultura, bem como em
Psicopedagogia pela Universidade São Judas Tadeu. Graduada
em Pedagogia pela mesma universidade. É professora do curso
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de Pedagogia da Universidade Nove de Julho (Uninove). Atuou


como pedagoga na Diagonal Urbana e como pedagoga e psico-
pedagoga na Fundação Casa.

Rosileny Alves dos Santos Schwantes


Doutora e mestre em Ciências da Religião pela Universidade
Metodista de São Paulo (Umesp). Graduada em Psicologia com
especialização em Abordagem Centrada na Pessoa e Psicossocio-
motricidade Ramain/Thiers. Professora pesquisadora em pós-
-doutorado em Educação pela Universidade de Freiburg – Ale-
manha. É professora dos cursos de Psicologia e Pedagogia da
Universidade Nove de Julho (Uninove). Líder do grupo de pes-
quisa: Educação Arte e Sociedade – CNPq. Dedica-se atualmen-
te a pesquisas relacionadas à identidade e subjetividade infantis
sob a ótica da Psicologia Analítica.

Sandra Regina Soares Pereira


Especialista em Psicologia e Educação – Processos de Aprendi-
zagem e Escolarização pela USP. Graduada em Pedagogia pela
Universidade São Judas e em Psicologia pela Universidade de
Guarulhos. Foi professora na Educação Infantil, no Ensino Fun-
damental I  e II e no Ensino Médio. Durante dezesseis anos exer-
ceu a função de coordenadora pedagógica. Atualmente é docente
do curso de Pedagogia da Universidade Nove de Julho (Unino-
ve). Autora do livro paradidático A Tia Querida, publicado em
2012 pela editora Oikos.

Sylvia Paula de Almeida Torres Vilhena


Mestre em Educação pela Universidade Nove de Julho (Unino-
ve). Especialista em Didática e Educação Infantil. Graduada em
Biblioteconomia e Documentação e em Pedagogia. Atualmente
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atua como professora universitária e analista de pesquisa da Uni-


nove; é membro do Núcleo Docente Estruturante (NDE), do
curso de Pedagogia. Atuou na Secretaria Municipal de Educação
de São Paulo e como consultora em cargos e funções ligadas à
Educação Infantil, à Alfabetização e à Educação Ambiental.
Pedagogia de A a Z
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A Coletânea “Pedagogia de A a Z” foi idealizada pelos


professores José Carlos de Freitas e Patrícia Bioto-
Cavalcanti com o objetivo de reunir e trazer a público
significativas contribuições de educadores nacionais
e internacionais acerca de temas fundamentais
da Pedagogia. O foco das discussões situa-se nos
elementos teóricos e práticos da formação e da prática
docente. Além disso, a Coletânea aborda os debates
travados no campo científico, de modo a contribuir
para um aprofundamento das reflexões e das propostas
que concorrem para o progresso da educação no Brasil.

Patricia Ap. Bioto-Cavalcanti


José Carlos de Freitas Batista
PEDAGOGIA DE A a Z - Volumes

1. PERSPECTIVAS DE ALFABETIZAÇÃO
Nádia Conceição Lauriti e Simone G. S. Molinari

2. CURRICULO ESCOLAR
Patricia Ap. Bioto-Cavalcanti, Rosiley A. Teixeira, Viviani Anaya

3. EDUCAÇÃO INCLUSIVA: ASPECTOS POLÍTICO-SOCIAIS E


PRÁTICOS
Eliana Sala e Tânia Medeiros Aciem

4. EDUCAÇÃO INFANTIL NA FORMAÇÃO DO PEDAGOGO


Elaine Moral Queiroz, Sylvia Paula Vilhena e Thatiana Pineda

5. GESTÃO ESCOLAR
UNINOVE - USO EXCLUSIVO PARA ALUNO

Margarete Bertolo Boccia, Marie Rose Dabul e Sandra da Costa Lacerda

6. HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA


Patricia Ap. Bioto-Cavalcanti e Rosiley A. Teixeira

7. LITERATURA INFANTIL E JUVENIL: ABORDAGENS MÚLTIPLAS


Thiago Lauriti e Wendel Christal

8. PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO: MÚLTIPLAS ABORDAGENS


Elaine Moral Queiroz e Ligia A. Vercelli

9. EDUCAR NA CONTEMPORANEIDADE: CULTURA, TECNOLOGIA


E EDUCAÇÃO NO COTIDIANO DO PROFESSOR E DO ALUNO
Andrea Domingues, Magali Fernandes e Margarita Victoria

10. METODOLOGIAS DE ENSINO:


ENTRE A REFLEXÃO E A PESQUISA
Ana Maria Haddad Batista, Maria Luisa Sardinha e Monica Todaro

11. EDUCAÇÃO NÃO FORMAL: CAMPOS DE ATUAÇÃO


Ligia Vercelli

12. EJA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS


E SEUS DIFERENTES CONTEXTOS
Silvana Cortada

13. CORPO E EDUCAÇÃO – DESAFIOS E POSSIB ILIDADES


Filomena de Carlo S. Fabrin, Maria Luisa Sardinha de Nóbrega e Monica de Ávila Todaro

14. AVALIAÇÃO ESCOLAR. VÁRIOS ENFOQUES E UMA SÓ


FINALIDADE: melhorar a aprendizagem
Adriana Patrício Delgado, Maria do Socorro Taurino, Nádia Conceição Lauriti,
Regina Célia Montefusco Pessoa Florindo Pessoa

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