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Apresentação
A Declaração Universal de Direitos Humanos, de 1948, introduziu uma concepção
contemporânea de direitos humanos, desenvolvendo-se o Direito Internacional dos Direitos Humanos.
Assim, os Direitos Humanos nasceram como direitos naturais universais e desenvolveram-se como
direitos positivos particulares posteriormente incorporados pelas constituições.
A Constituição Federal Brasileira de 1988 buscou sedimentar o Estado Democrático de Direito
no Brasil e, desde então, assuntos e temas relacionados com os Direitos Humanos vêm sendo incluídos
nos planos de ensino de cursos de formação e especialização das polícias de segurança pública, numa
visão sistêmica global e regional.
A Brigada Militar enquanto o órgão integrante da Segurança Pública que mais interage com a
comunidade é comprometida com as políticas públicas voltadas para a prevenção, e tem o dever de
manter os seus policiais sempre preparados para atuar com respeito aos Direitos Humanos.
1.2 Conceitos
1.2.1 Direitos humanos são direitos positivados em tratados internacionais, ou seja, são direitos
compreendidos no âmbito do direito internacional público. A proteção a esses direitos é feita mediante
convenções globais, por exemplo, pacto internacional sobre direitos civis e políticos ou regionais, por
exemplo, ou a convenção americana de direitos humanos.
1.2.2 Direitos do homem são direitos de cunho jus-naturalistas, não positivados ou não escritos
(seja na Constituição, seja na legislação infraconstitucional); são direitos inatos que, de acordo com
a Sociologia do Direito, existem porque são intrínsecos à natureza humana, bastando a condição de
ser humano para possuí-los, assim como o é o direito à vida.
1.2.3 Direitos fundamentais são aqueles constituídos em certo momento histórico, em determinado
Estado; são direitos constitucionalmente protegidos, ou seja, estão positivados uma em uma ordem
jurídica. Ocorrem quando os direitos naturais são positivados ou escritos no texto constitucional,
galgando conotação de direitos positivos constitucionais.
É importante ter cuidado para não confundir os direitos fundamentais com garantias
fundamentais. Direitos fundamentais são os bens protegidos pela Constituição, como a vida, a
liberdade, a propriedade; garantias fundamentais visam proteger esses bens, ou seja, instrumentos
constitucionais. Um exemplo de garantia fundamental é o habeas corpus que é instrumento de
manutenção do bem jurídico da liberdade de locomoção.
O termo “direitos naturais” está identificado com o jus-naturalismo, como se fossem fruto de
uma revelação, não levando em conta a sua construção histórica. Essa expressão está situada em
momentos históricos anteriores às primeiras Declarações do Século XVIII, que a utilizavam para
identificar os direitos essenciais à pessoa humana. Esta terminologia é, portanto, antiquada e está
praticamente em desuso, sendo utilizada apenas quando do estudo deste período (MARTÍNEZ, 1999,
p. 25).
A expressão “direitos públicos subjetivos” surge com a intenção de delimitar os direitos
considerados essenciais à pessoa humana dentro de um marco positivista (PÉREZ LUÑO, 1999, p. 33)
estando presa ao conceito de Estado Liberal atuando como um limite ao poder político, mas não nas
relações entre particulares (MARTÍNEZ, 1999, p. 28) não abrangendo, portanto, grande parte das
situações em que é necessário reivindicar tais direitos.
Segundo a doutrina francesa, “liberdades públicas” compreendem não apenas aquelas ligadas
ao Estado, mas também as relacionadas aos particulares, sendo públicas porque estão protegidas pelo
Direito (ISRAEL, 2005, p. 14), entretanto, esta expressão não consegue abranger os direitos sociais e
econômicos, por isso entende-se não ser adequado o seu uso, assim como “liberdades fundamentais”,
outro termo utilizado pelos franceses não consegue abranger tais direitos.
O Direito anglo-saxão utiliza-se da nomenclatura “direitos morais” com uma conotação jus-
naturalista, estando presa à ideia de Estado Liberal, dificultando os direitos de participação política,
assim como os direitos sociais, culturais e econômicos (MARTÍNEZ, 1999, p. 35).
Utiliza-se a expressão “direitos dos povos” para designar aqueles direitos que os povos têm de
determinar seu destino no campo político, social, cultural, econômico, o direito de se relacionar com
outros Estados, direito à paz, não abrangendo, entretanto os direitos da pessoas como individuais,
concretas, insubstituíveis (MIRANDA, 2000, p. 68).
Los derechos humanos aparecen como un conjunto de facultades e instituciones que, en cada
momento histórico, concretan las exigencias de la dignidad, la libertad y la igualdad humana,
las cuales deben ser reconocidas positivamente por los ordenamientos jurídicos a nivel
nacional e internacional.
Portanto, embora os direitos humanos sejam inerentes à condição humana, seu reconhecimento
e sua proteção são frutos de todo um processo histórico de luta contra o poder e de busca de um
sentido para a humanidade.
Quanto aos direitos fundamentais, estes nascem a partir do processo de positivação dos direitos
humanos, a partir do reconhecimento, pelas legislações positivas de direitos considerados inerentes à
pessoa humana. Neste sentido, José Joaquim Gomes Canotilho (1998, p. 259):
A expressão direitos humanos tem sido utilizada pela doutrina para identificar os direitos
inerentes à pessoa humana na ordem internacional, enquanto a expressão direitos fundamentais refere-
se a ordenamentos jurídicos específicos, ao reconhecimento de tais direitos frente a um poder político,
geralmente reconhecidos por uma constituição.
Pode-se considerar, portanto, direitos humanos como aqueles direitos que buscam a proteção da
pessoa humana tanto em seu aspecto individual como em seu convívio social, em caráter universal
(ANTUNES, 2005, p. 340), sem o reconhecimento de fronteiras políticas, todas decorrentes de
conquistas históricas e independentes de positivação em uma ordem específica.
O termo "direitos fundamentais" surge para a humanidade quando esses direitos são positivados
por um ordenamento jurídico específico, geralmente garantidos por normas constitucionais frente a um
Estado.
Segundo Ingo Wolfgang Sarlet (2005, p. 35 e 36):
[...] o termo direitos fundamentais se aplica para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e
positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado, ao passo que a
expressão direitos humanos guardaria relação com os documentos de direito internacional, por
referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal,
independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional, e que, portanto
aspiram à validade universal, para todos os povos e tempos, de tal sorte que revelam um
inequívoca caráter supranacional.
Utilizar-se a expressão “direitos humanos” para designar o momento em que estes surgiram ou
foram reconhecidos pela comunidade humana e a expressão “direitos fundamentais” para marcar a
positivação destes direitos.
Os direitos fundamentais não surgiram simultaneamente, mas aos poucos, em consonância com
a demanda de cada época, motivo pelo qual os estudiosos costumam dividi-los em gerações ou
dimensões, conforme sua ingerência nas constituições. Paulo Bonavides foi um dos principais
constitucionalistas que leu os direitos fundamentais a partir de um perfil histórico, agrupando os
mesmos em gerações de direitos.
As Constituições do México (1917) e de Weimar (1919) trazem em seu bojo novos direitos que
demandam uma contundente ação estatal para sua implementação concreta, a rigor destinados a
trazer consideráveis melhorias nas condições materiais de vida da população em geral,
notadamente da classe trabalhadora. Fala-se em direito à saúde, à moradia, à alimentação, à
educação, à previdência etc. Surge um novíssimo ramo do Direito, voltado a compensar, no
plano jurídico, o natural desequilíbrio travado, no plano fático, entre o capital e o trabalho. O
Direito do Trabalho, assim, emerge como um valioso instrumental vocacionado a agregar
valores éticos ao capitalismo, humanizando, dessa forma, as até então tormentosas relações jus
laborais. No cenário jurídico em geral, granjeia destaque a gestação de normas de ordem
pública destinadas a limitar a autonomia de vontade das partes em prol dos interesses da
coletividade.
O direito de segunda geração, ao invés de negar ao Estado uma atuação, exige dele ste políticas
públicas, tratando-se, portanto de direitos positivos, impondo uma obrigação de fazer, correspondendo
aos direitos à saúde, educação, trabalho, habitação, previdência social, assistência social, entre outros.
Bonavides, ao fazer referência aos direitos de segunda geração, afirmou que
(...) são os direitos sociais, culturais e econômicos bem como os direitos coletivos ou de
coletividades, introduzidos no constitucionalismo das distintas formas de Estado social, depois
que germinaram por obra da ideologia e da reflexão antiliberal deste século. Nasceram
abraçados ao princípio da igualdade, do qual não se podem separar, pois fazê-lo equivaleria a
desmembrá-los da razão de ser que os ampara e estimula.
(...) os direitos de segunda dimensão podem ser considerados uma densificação do princípio da
justiça social, além de corresponderem a reivindicações das classes menos favorecidas, de
modo especial da classe operária, a título de compensação, em virtude da extrema desigualdade
que caracterizava (e, de certa forma, ainda caracteriza) as relações com a classe empregadora,
notadamente detentora de um maior ou menor grau de poder econômico.
Com efeito, um novo polo jurídico de alforria do homem se acrescenta historicamente aos da
liberdade e da igualdade. Dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade, os direitos
da terceira geração tendem a cristalizar-se no fim do século XX enquanto direitos que não se
destinam especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo ou de um
determinado Estado. Tem primeiro por destinatário o gênero humano mesmo, num momento
expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta.
Em nosso ordenamento jurídico brasileiro temos a distinção entre direitos coletivos em sentido
estrito, direitos individuais homogêneos e direitos difusos, sendo que a definição destes direitos está
contida no art. 81, parágrafo único do Código de Defesa do Consumidor:
Ao fazer referência aos direitos de terceira geração ou dimensão, Ingo Sarlet ressalta que
Portanto, os direitos de terceira geração ou dimensão possuem como seus sujeitos ativos uma
titularidade difusa ou coletiva, uma vez que não visualizam o homem como um ser singular, mas toda
a coletividade ou o grupo.
A globalização política neoliberal caminha silenciosa, sem nenhuma referência de valores. (...)
Há, contudo, outra globalização política, que ora se desenvolve, sobre a qual não tem jurisdição
a ideologia neoliberal. Radica-se na teoria dos direitos fundamentais. A única verdadeiramente
que interessa aos povos da periferia. Globalizar direitos fundamentais equivale a universalizá-
los no campo institucional. (...) A globalização política na esfera da normatividade jurídica
introduz os direitos de quarta geração, que, aliás, correspondem à derradeira fase de
institucionalização do Estado social. É direito de quarta geração o direito à democracia, o
direito à informação e o direito ao pluralismo. Deles depende a concretização da sociedade
aberta do futuro, em sua dimensão de máxima universalidade, para a qual parece o mundo
inclinar-se no plano de todas as relações de convivência. (...) os direitos da primeira geração,
direitos individuais, os da segunda, direitos sociais, e os da terceira, direitos ao
desenvolvimento, ao meio ambiente, à paz e à fraternidade, permanecem eficazes, são infra-
estruturais, formam a pirâmide cujo ápice é o direito à democracia.
tais direitos foram introduzidos no âmbito jurídico pela globalização política, compreendem o
direito à democracia, informação e pluralismo. Os direitos fundamentais de quarta dimensão
compendiam o futuro da cidadania e correspondem à derradeira fase da institucionalização do
Estado social sendo imprescindíveis para a realização e legitimidade da globalização política.
(...) em recentes debates científicos (IX Congresso Íbero-Americano e VII Simpósio Nacional
de Direito Constitucional, realizados em Curitiba/PR, em novembro de 2006, bem como II
Congresso Latino-Americano de Estudos Constitucionais, realizado em Fortaleza/CE, em abril
de 2008), BONAVIDES fez expressa menção à possibilidade concreta de se falar, atualmente,
em uma quinta geração de direitos fundamentais, onde, em face dos últimos acontecimentos
(como, por exemplo, o atentado terrorista de “11 de Setembro”, em solo norte-americano),
exsurgiria legítimo falar de um direito à paz. Embora em sua doutrina esse direito tenha sido
alojado na esfera dos direitos de terceira dimensão, o ilustre jurista, frente ao insistente rumor
de guerra que assola a humanidade, decidiu dar lugar de destaque à paz no âmbito da proteção
dos direitos fundamentais.
A divisão acima detalhada das gerações ou dimensões dos direitos fundamentais trata-se de um
método meramente acadêmico, uma vez que os direitos dos seres humanos não devem ser divididos
em gerações ou dimensões estanques, retratando apenas a valorização de determinados direitos, em
momentos históricos distintos.
1
Declaração Universal dos Direitos Humanos Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/pt/resources_10133.html.
Acesso em 06 Fev 2019.
2
Princípios orientadores para a aplicação efetiva do Código de Conduta para os Funcionários Responsáveis pela
Aplicação da Lei – 1989. Disponível em: http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Sistema-Global.-
Declara%C3%A7%C3%B5es-e-Tratados-Internacionais-de-Prote%C3%A7%C3%A3o/principios-orientadores-para-a-
aplicacao-efetiva-do-codigo-de-conduta-para-os-funcionarios-responsaveis-pela-aplicacao-da-lei.html. Acesso em 06 Fev
2019.
3
Princípios Básicos Sobre a Utilização da Força e de Armas de Fogo pelos Policiais, adotado pela ONU em 07 de
julho de 1990. Disponível em: http://pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-
apoio/legislacao/segurancapublica/principios_basicos_arma_fogo_funcionarios_1990.pdf. Acesso em 06 Fev 2019.
Capítulo 3 – Aplicação dos Direitos Humanos na atuação policial-militar
Quem se dá respeito, não é capaz de macular a si mesmo com práticas atentatórias à própria
dignidade de sua condição humana. Um policial, pois, que queira bem a si mesmo e à
profissão/missão que exerce, jamais se deixará rebaixar a procedimentos criminosos.
(BALESTRERI, 2003, p. 25)
[...] se refere às formas de violência exercidas no âmbito da casa, geralmente entre familiares
ou pessoas com quem se tem laços de afetividade, mas podendo ser exercida por pessoas
estranhas, além de se estender, às vezes, para fora de casa. (SOUSA, 2001, p.15).
Este tipo de violência situa-se no terreno das relações interpessoais, em contextos de pouca
visibilidade para os órgãos públicos, contribuindo com a dificuldade de ser tratada, prevenida e
reprimida. Conforme a pesquisa de vitimização do IBGE, o percentual das pessoas que sofreram
agressão de parente e registraram queixa na polícia e bem menor do que nos casos em que o autor da
agressão é pessoa desconhecida.
Além das questões de gênero e idade, a vulnerabilidade ligada à raça ou etnia deve ser
mencionada. Recentemente, o Brasil voltou a contar sua história de opressão e violência contra os
índios, os negros e outras etnias ou raças. Esta diferença de tratamento em tempos passados traz
consequências nefastas até hoje. A formação de cinturões de miséria oriundos de um desenvolvimento
desordenado mantém a maior parte da população de negros e indígenas em condições extremamente
desfavoráveis em relação às dos brancos. Segundo pesquisas do IBGE, os negros, quando empregados,
possuem salários menores do que os brancos no mesmo tipo de emprego. A polícia também acaba
sofrendo influências desses fatores de segregação, sentindo-se muitas vezes mais à vontade para
reprimir esses segmentos da população.
A violência contra grupos vulneráveis alcançou grande evidência na contemporaneidade. No
decorrer dos últimos anos, com a crescente organização da sociedade civil no Brasil, têm-se afirmado
os direitos individuais e sociais dos cidadãos e uma série de violações anteriormente pouco
reconhecidas e tratadas passou a ser visibilizada e menos tolerada, emergindo como tema de
preocupação social. Essa maior visibilidade relaciona-se aos avanços na percepção dos direitos:
Existe uma maior sensibilidade coletiva de percepção da violência nas várias esferas da
sociedade, perpassando o público e o privado, em relação a atos que passam a ser identificados
como violentos e inaceitáveis devido ao maior reconhecimento de direitos sociais e de
cidadania. (WAISELFISZ, 1998, p. 146).
Uma das principais iniciativas tomadas pelo poder público, nos últimos anos, para atacar esse
problema foi a criação de órgãos policiais de atendimento à mulher, de proteção ao idoso e para a
criança e o adolescente, com o objetivo de oferecer às vítimas um atendimento direcionado, tentando
estimular suas denúncias. Assim, as polícias cumprem um importante papel no primeiro atendimento
às vítimas de violência, na repressão do crime e na própria conscientização das pessoas envolvidas
quanto aos seus direitos e deveres. Uma vez que os problemas dessa ordem provêm de causas variadas,
o rompimento do ciclo de violência exige a atuação integrada do poder público com as entidades da
sociedade civil.
Em termos jurídicos também houve mudanças importantes, com a criação de legislação
específica a cada grupo. Dentre elas, pode-se citar o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Estatuto
do Idoso, a lei que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor e a promulgação da
recente Lei Maria da Penha, que representa um instrumento mais eficaz de defesa das mulheres.
Além do que já foi referido, há outras formas mais difusas de vulnerabilidade, ligadas à
pobreza ou a condições especiais de trabalho.
As populações de periferia das grandes cidades, como as residentes nas favelas do Rio de
Janeiro, sofrem tremendo estigma sem terem necessariamente contribuído para a violência e a
criminalidade. Há uma crença geral de que a criminalidade está concentrada naqueles locais,
desprezando-se totalmente o fato de que a maioria das pessoas lá residentes é constituída de
trabalhadores que, por sua vez, vivem em situação de exclusão social. Neste sentido, Cano e Santos
(2001) discutem a “hipótese da vitimização diferencial”, segundo a qual os indivíduos de renda mais
baixa têm maior probabilidade de serem mortos do que os de maior renda. Conforme a perspectiva
teórica centrada na vítima, a renda age como fator de proteção contra a violência.
De certa forma, poderíamos incluir também os policiais entre os grupos vulneráveis à violência,
por trabalharem diretamente expostos à criminalidade em condições desfavoráveis (escassez de
equipamentos de proteção individual, assistência psicológica deficiente) e outros fatores que causam
sofrimento no trabalho (MORAES JR., 2005).
Outros grupos vulneráveis também estão presentes na sociedade. O importante é que sejam
vistos como tais, necessitando de maior atenção do poder público, bem como tratamento diferenciado
pelas polícias e demais órgãos de segurança pública.
Enquanto fenômenos sociais, o crime e a violência modificam-se na mesma medida em que se
transforma a sociedade. Os avanços tecnológicos e aqueles relativos ao reconhecimento de direitos
apresentam constantes desafios aos que trabalham com a segurança pública. Cabe a esses profissionais
compreender a sua própria importância diante dessas tendências, e buscar conhecê-las.
Nos relatórios sobre direitos humanos, seja em nível internacional como os da Human Rights
Watch ou Anistia Internacional, seja em nível nacional, como pesquisas acadêmicas das universidades,
os profissionais de segurança pública são constantemente citados como violentadores de direitos, mas
muito pouco como violentados.
Principalmente no que diz respeito aos direitos trabalhistas, ou nas defesas contra assédio
moral, ou mesmo nas defesas do que a mídia publica sobre estes profissionais, nenhuma voz se
levanta.
No Relatório Final da Comissão Especial de Segurança Pública, da Assembleia Legislativa do
Estado do Rio Grande do Sul, em 2003, observa-se o seguinte comentário, feito pelos parlamentares
gaúchos:
É compreensível que mortes de civis pela Polícia tenham grande repercussão. Nasceu o mito da
prepotência policial. Mas os números não o confirmam. Parece ocorrer, em muitas situações,
conflito entre a "Era da Informação Instantânea" e a "Era da Informação Desejada". Uma
noticia o fato no momento em que acontece, a outra noticia também o fato mas já revestido da
ótica desejada. E, assim, passa a ser verdade uma interpretação subjetiva. A Polícia violenta é
um desses casos.[...] Os números acima demonstram que a repercussão de incidentes
lamentáveis cria imagem que não corresponde aos dados estatísticos.
Isto evidencia que os policiais são tratados como profissionais que tem por obrigação enfrentar
a violência, mesmo que não lhes sejam oferecidas as condições mínimas para tal enfrentamento.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Aqui se traz o que já foi escrito em outras ocasiões sobre o mesmo tema4
As instituições policiais encontram-se, de certa maneira maltratadas, tanto como sendo a única
instituição estatal que atinge todas as camadas da população, quanto na consideração de culpa pelo
crescimento da violência.
4
Ver outros artigos sobre violência contra policiais escritos por Martim Cabeleira de Moraes Jr.
Pois em ambos os casos, considerando o sistema de segurança pública, tal como descrito por
SILVA (1999, p. 85), envolvendo o ministério público, o judiciário, o sistema prisional e outros
órgãos, que atuam desde a prevenção ao crime até a ressocialização do delinquente, passando pelo
julgamento e prisão, somente a polícia está acessível às camadas menos privilegiadas da população,
uma vez que vai até o local onde ocorrem fatos que exijam intervenção desta instituição.
Os direitos humanos são sempre pensados como se não envolvesse os policiais do ponto de
vista das vítimas, mas sempre como algozes.
Nesta esteira o programa de saúde mental para os trabalhadores da segurança púbica (2002)
colocou a seguinte conclusão:
Se, por um lado, muito tem-se dito a respeito do trabalho policial, sistema prisional,
arbitrariedade, corrupção e impunidade policiais, por outro lado, muito pouca ou quase
nenhuma atenção tem-se dedicado aos modos de funcionamento das organizações da segurança
pública. Temos assistido a uma inflação de debates nunca antes promovida, frequentes
reportagens policiais com forte apelo sensacionalista, explorando a inoperância do aparelho
policial ou, então, a violência por ele exercido, não raras vezes, tratadas como se fossem
mercadorias. Esta forma simplificada de encaminhamento da discussão sobre a temática causa
efeitos que se refletem na formulação de um senso comum cristalizado prejudicial para o
avanço das discussões, produzindo sofrimento, ou seja, efeito nos policiais.
É preciso que, cada vez mais os acadêmicos e juristas, bem como os próprios policiais
compreendam a necessidade de que a violação de direitos humanos dos policiais sejam tornados
visíveis e façam parte da contextualização das discussões sobre segurança pública, criminalidade e
violência.
Conforme já mencionado, seguindo as ideias de SILVA (1999), os problemas de segurança
pública devem ser vistos considerando todo sistema social de proteção aos cidadãos, desde a
prevenção até a recuperação de delinquentes, passando, necessariamente, por questões como o
tratamento adequado da violência a que estão expostos os policiais.
Nada pode acontecer, sem que antes exista um diagnóstico confiável do quadro geral
apresentado, eis porque as pesquisas devem ser estimuladas, mas não como motivo de orgulho dos
pesquisadores, e sim como ferramentas alavancadoras de políticas públicas que visem resolver os
problemas sociais de segurança pública.
Por derradeiro se conclui que, como afirmou o ex-secretário nacional de segurança pública Luiz
Eduardo Soares, é necessário que se faça uma discussão honesta e apartidária sobre a violência urbana,
para então se chegar a um consenso sobre quais as medidas efetivas a serem tomadas, independente de
motivações individuais ou corporativas.
Assim se espera que discussões sobre a violência contra policiais, sejam cada vez mais
freqüentes e profundas, permitindo assim uma progressão dialética, onde cada tese poderá originar
novas antíteses e sínteses, as quais servirão como novas teses, seguindo um ciclo evolutivo de
pensamentos e práticas em prol do bem estar social.
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