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Fraser inicia este capítulo apontando um ensaio crítico de Judith Butler, “Meramente
cultural”, no qual faz um diagnóstico da esquerda naquele momento, recuperando aspectos do
marxismo e feminismo socialista dos anos 70. Neste balanço, Fraser coloca seu desacordo com
Butler quanto ao legado do marxismo e quais são as conclusões relevantes do feminismo
socialista. Divergem também quando aos méritos das corretes pós-estruturalistas, e como
podem tais correntes inspirar uma teorização social que possa conservar uma dimensão
materialista. Por fim, divergem quanto à natureza do capitalismo contemporâneo.
Para Fraser, Butler acabou por operar uma análise dualista quase weberiana entre
status e classe, concluindo que para Fraser o reconhecimento não seria importante, o que é
uma suposição errônea. Fraser então coloca uma dupla questão que esclarece as divergências
entre as autoras: uma de ordem política e outra teórica.
Retomando mais detidamente a crítica de Butler em relação ao marco de redistribuição
e reconhecimento, Fraser apresenta os três principais argumentos críticos: 1) considerando
que gays e lésbicas sofrem de prejuízos econômicos, não é correto qualificar sua opressão
como um problema de reconhecimento; 2) retomando a teorização das feministas dos anos 70
de que a família faz parte do modo de produção, sustenta que a regulação heteronormativa da
sexualidade é fundamental para o funcionamento da economia política; 3) a distinção entre o
cultural e o material constitui um anacronismo teórico que deve ser eliminado da teoria social.
Para ela nenhum destes argumentos é persuasivo e historicamente situado na sociedade
capitalista moderna, e procura, então, respondê-los:
Fraser, todavia, rebate afirmando que a regulação sexual não estrutura a divisão social
do trabalho nem o modo de exploração da força de trabalho na sociedade capitalista. Faz isso
qualificando o argumento de Butler como desistoricizante, uma vez que perde a especificidade
das relações econômicas na sociedade capitalista, as quais estão relativamente desvinculadas
de qualquer relação de parentesco e autoridade política. Não apenas se especializa como
atenua o vínculo entre o modo de regulação sexual e as relações econômicas operantes sob a
égide da acumulação da mais-valia, expressa em trajetórias da vida cujo espaço da intimidade,
amor e amizade operam fora das vinculações familiares tradicionais. Assim, atribuir às lutas
pela sexualidade um caráter inerentemente econômico é uma conclusão tautológica e ao
mesmo tempo confusa, pois coloca reinvindicações distintas no mesmo bojo – luta lgbt e taxa
de exploração, por exemplo.
Já a variante funcionalista afirma que se a regulação heterossexual não é econômica
por definição, ela é ao menos funcional para a expansão do mais-valor. Fraser nega esta
afirmação a partir de relações empíricas em que os direitos de gays e lésbicas são reconhecidos
e absorvidos pelo próprio mercado capitalista. Pontua, neste sentido, que são os
conservadores culturais e religiosos quem mais se engaja na manutenção do status da
normatividade heterosexista, concluindo que o capitalismo contemporâneo não parece
necessitar do heterosexismo. Esta afirmação coloca uma perspectiva positiva para a luta LGBT
uma vez que não há necessidade de derrocar o capitalismo para remediar as dificuldades de
reconhecimento. Por outro lado, coloca a necessidade de transformar o status existente e
reestruturar as relações de reconhecimento.