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0. Introdução
Nosso trabalho tem por objetivo principal analisar, com base nas teorias da
lingüística textual e da semântica argumentativa, uma crônica humorística de autoria do jornalista José
Simão, publicada em outubro de 2006, no jornal Folha de S. Paulo.
O autor estudado possui um estilo próprio e bastante despojado de escrever seus
textos. Com sutis (e às vezes, nem tanto) toques de humor, comenta e critica atitudes e acontecimentos do
cotidiano no Brasil e no mundo, em diversas áreas. Seus textos abrangem assuntos desde a economia e a
política, até esportes e entretenimento. Embora utilize uma linguagem informal e objetiva, nem sempre
parece fácil compreender o seu texto completamente. Esta aparente dificuldade será o principal enfoque
do presente trabalho.
Ao longo do artigo, procuramos examinar os diversos mecanismos textuais
utilizados pelo autor, dentre eles a evidente e cuidadosa seleção lexical – e a importância dos fatores de
coerência para completa compreensão e interpretação de sua crônica.
1. Referencial teórico
2. Análise
Logo no título “Buemba! O Lula pegou uma barbada!”, notamos as pistas que o
autor fornece do que será o seu texto. Apenas com esse fragmento já é possível verificar o uso do recurso
da Seleção Lexical. A expressão Buemba!, assim como outras tantas que veremos no decorrer do texto,
são comuns e recorrentes em suas crônicas. Assim notamos que, ao selecionar repetir este termo para
iniciar a crônica, o autor tem a intenção de chamar o leitor para a leitura. Desse modo, além de trazer algo
familiar, demonstra que o texto que segue é de sua autoria, como uma marca registrada já utilizada em
outros textos. Em seguida, o autor conta com o conhecimento de mundo do seu leitor, que acaba por ser
também conhecimento partilhado entre autor e leitor, sem o qual é e será, em inúmeras outras partes do
texto, impossível de se estabelecer a coerência, essencial para seu entendimento. O autor espera que o
leitor possua algumas informações prévias tais quais: O Lula citado, refere-se ao atual presidente da
república e então candidato à reeleição (como já foi dito na introdução, a crônica foi publicada em
outubro de 2006, época de eleições presidenciais), a expressão pegar uma barbada vem do Turfe e refere-
se ao cavalo de um páreo que é considerado favorito por sua comprovada superioridade em relação aos
demais e por extensão, na linguagem coloquial, é também considerada qualquer competição fácil de ser
vencida. Dessa forma, apenas com o título, o leitor já poderá inferir do que o texto irá tratar: política –
especialmente a corrida presidencial e o possível favoritismo do candidato Lula.
Como são característicos das crônicas deste autor, seus parágrafos possuem orações
curtas, com muitas informações e pontuação bastante exclamativa. Isso, por si só, já demonstra uma
necessidade de se escrever muito em pouco espaço (físico ou temporal) e, assim, sua escolhas, tanto
lexicais como de argumentos e até mesmo de pontuação, devem ser as mais precisas possíveis, porém
sem quase nenhuma oportunidade de auto-explicação.
O primeiro parágrafo inicia-se com uma espécie de auto-apresentação satírica:
Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Direto do País do
Pleito Caído!. Destacamos aí a escolha lexical, o jogo de palavras com o termo Pleito que, ao aproximar
com o termo caído, torna aparente a homofonia entre pleito e peito, tornando a comparação cômica. Isso
também ocorre com o pseudo-cargo criado pelo autor esculhambador-geral, que faz alusão a outros, de
fato, existentes como, por exemplo, Procurador-Geral. Em seguida temos: Debate no SBesTeira! Num
güento mais debate. Prefiro debater uma banana com Neston! E o Lulalelé só repete: 'o adversário só
sabe vender, não sabe comprar'. Só o Lula sabe comprar: deputado, dossiê e avião! Rarará. Neste
trecho, há vários jogos de palavras, deixando clara a escolha da linguagem coloquial e oral, percebida
pelo uso de termos como güento e rarará. Há inclusive a paródia da sigla SBT, transformada em
SbesTeira, explicitando a posição ideológica do autor em relação à emissora de TV. Além disso, o autor
conta com o conhecimento de mundo do leitor para que o trecho tenha o sentido de humor pretendido,
entre eles os fatos recentes da política no país, envolvendo compra de deputados e de um dossiê por
colegas de partido do candidato Lula, contra políticos de oposição ao seu partido e da aquisição de um
novo avião, por parte do governo federal, apelidado de “Aerolula”.
No segundo parágrafo temos:
Neste parágrafo, ficam evidentes duas críticas do autor: a primeira em relação à fala
repetitiva do candidato Geraldo Alckmin e a crítica às recorrentes metáforas futebolísticas utilizadas pelo
candidato Lula. No trecho, ainda é possível notar a despreocupação com a norma culta da língua
portuguesa. O autor utiliza assistir o debate, embora a regência gramatical do verbo assistir, com o
sentido de ver, observar, apreciar exige a preposição a, no caso, assistir ao debate. Ainda notamos que,
por meio da seleção lexical utilizada pelo autor na atribuição da alcunha Picolé de Chuchu ao candidato
Geraldo, é possível inferir seu conceito de pouca estima em relação ao candidato.
No terceiro parágrafo, notamos:
Novamente o autor conta com o conhecimento partilhado entre autor e leitor para se
fazer compreender. Primeiro o leitor necessita saber que Madonna é uma famosa cantora norte-
americana, considerada por diversas vezes símbolo sexual e que, em visita à África, interessou-se, como
dito, em adotar uma criança que se encontrava em situações precárias. A partir desse mote, o autor
aproveita para fazer uma piada com conotações sexuais. Em seguida, ao comentar sobre um automóvel
denominado Chana, aproveita a homofonia do termo com outra palavra que na linguagem popular
denomina o órgão reprodutor feminino, considerada tabuísmo. Assim, utiliza mais uma vez a polissemia
do nome próprio para fazer piada com outro modelo de automóvel Picasso. O autor segue abusando da
seleção lexical, por meio da polissemia e do conhecimento de mundo por parte do leitor para fazer piada
com o estilista, homossexual assumido e deputado federal eleito, Clodovil Fernandes e com uma Mostra,
sobre a qual não dá detalhes. Ao final do parágrafo, encerra com uma expressão popular É mole? A qual é
utilizada como pretexto para satirizar, mais uma vez, com possíveis conotações sexuais.
No penúltimo parágrafo do texto, o autor conta com mais um fator de coerência, o
intertexto dos termos reloaded e a missão, que se relacionam a seqüências de obras cinematográficas e,
assim as utiliza para dar o mesmo sentido de continuação à sua campanha, vejamos:
O tucanês aqui pode ser entendido como um discurso mais formal e rebuscado
utilizada por políticos filiados a um partido cujo símbolo é o tucano. Além disso, ocorre mais um
intertexto: ao considerar Beco da Facada, um exemplo de antitucanês, acrescenta a opinião de que
parece Dias Gomes. No caso, a comparação é em relação à linguagem direta e clara do dramaturgo. Sem
esses conhecimentos e informações extralinguísticas, o trecho tornar-se-ia bastante incoerente para o
leitor.
O lulês, ao contrário do tucanês, é considerado pelo leitor uma língua mais fácil,
assim tem o exemplo do último parágrafo:
Mais uma vez o autor é bastante criativo ao fazer um jogo de palavras com o termo
repetente. E, novamente, o conhecimento partilhado com o leitor é imprescindível para produzir os
efeitos de sentido necessários. Ao final, utiliza, nessa crônica, expressões já bastante conhecidas por seus
leitores, devido ao fato de sempre repeti-las ao final de seus textos e encerra mais uma vez com um jogo
de palavras, com a palavra pleito (o mesmo que disputa) e neologismo, blunda. Tudo para manter o tom
cômico e bem-humorado, presente em todo o texto.
3. Conclusão
Diante dessa análise, é possível concluir que, de fato a seleção lexical exerceu um
relevante e decisivo papel na produção da crônica. O cuidado com a escolha dos termos fez com que
ocorressem os efeitos de humor, sátira e crítica pretendidos.
No entanto, a aparente facilidade de leitura, em virtude de ser um texto curto, em
linguagem direta, traz, na verdade, uma certa dificuldade e exige um leitor altamente qualificado. Ou seja,
para ser compreendido em todos os seus possíveis sentidos, o texto necessita de um leitor que possua
conhecimentos abrangentes de atualidades em diversas áreas e assuntos, sem os quais o texto não atingiria
sequer o objetivo de ser cômico.
Assim, a preocupação do autor em persuadir o leitor fica evidente, embora na
mesma proporção, se faz necessária um amplo conhecimento extralingüístico por parte do leitor para
fazer inferências e, no jogo discursivo, compreender, acatar ou discordar das posições ideológicas do
autor.
4. Referências
BEAUGRANDE, Robert de. Text, discourse and process. Londres: Longman, 1980.
DRESSLER, Wolfgang U. Introduzione alla linguistica del texto. Roma: Officina Edizioni, 1974.
KOCH, Ingedore G. V. e TRAVAGLIA, Luiz C. A coerência textual. São Paulo: Contexto. 6ª ed., 1995.
SIMÃO, José. Buemba! O Lula pegou uma barbada! In: Folha de S. Paulo, São Paulo, 21/10/2006.