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Sumário

Nota dos Organizadores ................................................................................ 7

Prefácio
David Maciel ................................................................................................... 14

Direita e esquerda na história: considerações pontuais acerca de


alguns casos de dislexia conceitual
Muniz Ferreira ................................................................................................. 24

O conceito de nação e do nacionalismo presentes no partido


de extrema direita, o Front National
Guilherme Franco de Andrade…………...........................................................57

Estrema destra i nuovo fascisti: Casa Pound e a crítica ao fascismo


sob a perspectiva de Antonio Gramsci
Jefferson Rodrigues Barbosa……………………………………………..............87

O populismo de direita e suas estratégias de sobrevivência


na Alemanha: o Alternativ für Deutschland (AfD)
Vinícius Liebel…………………………………………………………………….105

Pode a Frente Nacional ao poder chegar? O terceiro excluído


da vida política
Jean-Yves Camus…………………………………………………………………134

Ausência de consenso: os partidos de extrema direita


como família partidária
João Carvalho…………………………………………………………………….153
Nota dos Organizadores
Um espectro ronda a Europa: à direita

O terceiro volume da coleção Tempos conservadores: direitas na


Europa é resultado dos esforços para a construção de um projeto editorial
com o objetivo articulado na proposição de mapear o pensamento da direita,
suas ideias, instituições, organizações e personagens.
Para o segundo volume lançado em 2018, dedicado às Direitas no
Cone Sul,1 haviam sido encaminhadas contribuições para além do debate
específico sobre a América Latina — em especial, recebemos também tex-
tos cujas temáticas abordavam a conjuntura europeia, e isso nos estimulou
a construir condições para um terceiro volume dedicado à análise de fenô-
menos europeus.
O primeiro volume de Tempos conservadores foi lançado em 2016.
Os textos foram produzidos para serem disponibilizados como e-book, vi-
sando à divulgação dos trabalhos que compunham aquela edição. 2

———————
1
Disponível em: <http://temposconservadores.blogspot.com/2018/09/saiu-o-volume-2-tempos-
conservadores.html>, Acesso em: 07/12/2019.
2
Disponível em: <http://temposconservadores.blogspot.com/2016/10/tempos-conservadores-
estudos-criticos.html>, Acesso em: 07/12/2019.
GUILHERME DE ANDRADE, JEFFERSON BARBOSA, MARCOS VINICIUS RIBEIRO, RODRIGO JURUCÊ

Neste terceiro volume, o projeto se consolida com textos de seis au-


tores — quatro pesquisadores brasileiros e dois europeus (de Portugal e da
França). O prefácio foi escrito pelo professor de História Contemporânea da
Universidade Federal de Goiás (UFG), David Maciel.
Foram abordados aspectos do pensamento político, fundamentos e
ações de intelectuais e organizações (movimentos e partidos) à direita do
espectro político na Europa recente. O livro apresenta, portanto, artigos com
singular profundidade argumentativa e fundamentos conceituais e teóricos
de extrema relevância para a conjuntura atual. São materiais escritos e pen-
sados para serem, como diria Karl Marx, “armas da crítica”.
Como convencionalmente se espera de uma nota introdutória, sinte-
tizamos aqui as ideias centrais de cada um dos capítulos. Ao final, destaca-
mos algumas das preocupações centrais que orientam os organizadores
dos três volumes de Tempos conservadores.
No primeiro capítulo da obra, Muniz Ferreira interpreta o pensamento
político da direita e suas expressões históricas na contemporaneidade. “Di-
reita e esquerda na História: considerações pontuais acerca de alguns ca-
sos de dislexia conceitual, apresenta a temática como reflexo do que o autor
denomina “onda contrarrevolucionária”, que assolou, a partir da Europa,
uma dinâmica de ofensiva à direita, influenciando a mobilização de seus
apologistas. Muniz Ferreira revela aspectos e fundamentos históricos e filo-
sóficos da formação dos pressupostos da ética burguesa, como manifesta-
ção daquilo que a obra clássica de Macpherson considerava como “ética
de individualismo possessivo”. Através de uma análise histórica sobre ele-
mentos da modernidade e da contemporaneidade, o autor estabelece, as-
sim, conexões entre acontecimentos e ideias que marcaram a construção
dos pressupostos da direita, em suas inúmeras variantes, tais como a justifi-

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cativa para a manutenção da ordem dos senhores, a defesa da intocabili-


dade da propriedade e a reação motivada pelo medo da “ditadura da maio-
ria”. Esta perspectiva analítica vem acompanhada de apontamentos sobre
novos temas e expressões correlacionados, alguns dos quais abarcando ex-
plicações pontuais, como a concepção de totalitarismo. O autor problema-
tiza, ainda, as variantes do pensamento político da direita e seus mitos e
mitologias marcadas por concepções que confirmam o caráter polifônico de
concepções como “neoconservadorismo”, “libertários de direita”, “anarco-
capitalismo”, ou “nazismo de esquerda”, todas compreendidas por Muniz
Ferreira como manifestações contundentes da diversidade de concepções
das direitas, estando seus fundamentos marcados por debilidades argu-
mentativas e pressupostos muitas vezes irracionais. É isso, afinal, que pos-
sibilita ao autor apresentar sua tese sobre a dislexia que marca os funda-
mentos de discursos e ideologias à direita do espectro político.
No capítulo seguinte, o historiador Guilherme Franco de Andrade
traz ao debate uma preocupação já demarcada por outros autores da pre-
sente coletânea: a operacionalidade dos conceitos identificados na busca
de classificar as manifestações políticas à direita do espectro político. Para
isso, ele apresenta parte sua tese de doutorado sobre a atual fase da Frente
Nacional, com Marie Le Pen à frente do partido. Segundo o autor, o extremis-
mo político articula-se como expressão de suporte para a identificação das
particularidades da xenofobia e do retorno a uma perspectiva paradigmática
de cunho conservador assentada na defesa da comunidade, da terra e do
sangue. Sob esta perspectiva, o nacionalismo de vertente chauvinista con-
clama os defensores da nação supostamente ameaçada por inimigos inter-
nos e externos. O extremismo político de direita constitui-se, assim, em ins-
trumento conceitual para distinguir as manifestações clássicas destes fenô-

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menos que marcaram a primeira metade do século XX. Destacando as mo-


dificações dos fundamentos ideológicos e de propaganda da FN francesa,
o capítulo traz, ainda, elementos para a compreensão do papel do Estado
como garantidor dos interesses da comunidade étnica. O etnopluralismo
apresenta-se como subterfugio para o discurso anti-imigração e de defesa
da cultura. O Estado é fundamental para a garantia dos direitos e privilégios
nacionais. Enfatiza-se, dessa forma, o nacionalismo como principal compo-
nente ideológico e retórico dos discursos dos dirigentes da FN na França.
Finalmente, ao se concentrar nesta análise sobre o papel do Estado e os
fundamentos nacionalistas, Guilherme Franco de Andrade defende, afinal, a
importância de sua análise:

Embora esse campo de pesquisa seja extremamente deba-


tido na academia, não existe consenso entre os diversos
pesquisadores sobre uma categoria de análise que seja su-
ficiente para agrupar esses partidos. Por ser um objeto de
estudo atual e em constante transformação e ressignifica-
ção, além de localizado dentro da perspectiva historiográ-
fica, chamada história do tempo presente ou história imedia-
ta, ele é bastante extenso e controverso.

No terceiro capítulo, “Estrema destra i nuovo fascisti: Casa Pound e


a crítica ao fascismo sob a perspectiva de Antonio Gramsci”, Jefferson Ro-
drigues Barbosa, professor de Ciência Política na Faculdade de Filosofia e
Ciências da Universidade Estadual Paulista (Unesp), apresenta seu primeiro
estudo sobre a Casa Pound, escrito há dois anos. O autor aborda os ele-
mentos preliminares desta organização italiana e suas táticas e estratégias
pouco convencionais situadas a uma extrema direita mais tradicional. Fun-
dada em 2003, a Casa Pound se destaca como uma das mais expressivas
organizações chauvinistas na Itália, declaradamente herdeira do fascismo e
das ideias de Mussolini, e pela tentativa de resgate das chamadas “políticas

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sociais do fascismo”, enfatizando em sua agenda política propostas no cam-


po da habitação, saúde, segurança e emprego, mas somente aos cidadãos
italianos — portanto, com um forte discurso anti-imigração. Atuando como
uma das mais articuladas organizações chauvinistas na Europa, seus sectá-
rios se autodefinem como “fascistas do terceiro milênio”, sublinhando, assim,
uma continuidade ideal com o passado e, ao mesmo tempo, sinalizando sua
capacidade de interpretar e intervir no presente, dentro de um universo dis-
cursivo e categorial fundamentado na suposta defesa do território, da identi-
dade e da comunidade. Sob novo enfoque, contando a pesquisa do autor
agora com atual estágio de desenvolvimento, os conceitos e teorias grams-
cianas sobre o fascismo são instrumentalizados para o estudo de manifes-
tações chauvinistas contemporâneas, tendo como fundamento o estudo de
caso sobre a Casa Pound.
Em “O populismo de direita e suas estratégias de sobrevivência na
Alemanha: o Alternativ für Deutschland (AfD)”, o pesquisador Vinícius Liebel
apresenta uma interessante análise do cenário político alemão contemporâ-
neo, destacando o principal partido de extrema direita na atualidade, o Al-
ternativa para Alemanha. Liebel fez seu doutorado em Ciência Política em
Berlim, e o contato com a história política e a cultura alemã proporcionou a
ele subsídios para um prolífico debate em torno da referida organização. A
temática se alinha ao campo das discussões sobre organizações denomina-
das generalizadamente como “populistas”, conceito que o autor busca ins-
trumentalizar em sua abordagem. Considerando a recente ascensão do Al-
ternativ für Deutschland, observa-se que um de seus temas mobilizadores
pauta-se pela instrumentalização da retórica islamofóbica. Além deste ele-
mento-central, o capítulo destaca, ainda, a identificação dos nomes de diri-
gentes e iniciativas da AfD sob o espectro do conceito de raça, posiciona-
mento típico da retórica dos chauvinistas racialistas tradicionais da primeira

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metade do século XX, que prezam o conceito de cultura na sua propaganda


política, enfatizando a defesa da comunidade, da cultura e das tradições
diante de uma suposta “ameaça”. Para confirmar sua hipótese sobre a debi-
lidade retórica e argumentativa de fundamentos conservadores, misóginos
e de supremacia cultural, o autor apresenta também elementos da propa-
ganda do AfD e sua abordagem a temas como o feminismo, em que se des-
tacam características ideológicas como expressão dos denominados parti-
dos populistas. Para Liebel, “dado seu caráter multifacetário e híbrido, acei-
tando diferentes matizes de todos os espectros da política, o populismo con-
figura-se, ao final, não em uma ideologia, mas em uma retórica que serve a
um fundo ideológico”.
Outra contribuição significativa que integra o presente livro é o capí-
tulo do pensador francês Jean-Yves Camus, analista das manifestações de
extremismo político na Europa e autor de extensa bibliografia, entre artigos
e livros acadêmicos e textos vinculados aos meios de comunicação, como
o Le Monde Diplomatique. Atuando como diretor do Observatório das Radi-
calidades Políticas da Fundação Jean-Jaurès (ORAP), Camus aborda a atual
fase da Frente Nacional francesa, sob a perspectiva do desempenho
eleitoral da candidatura de Marine Le Pen nas eleições de 2017, destacando
tanto o perfil de seus eleitores e quanto as temáticas que mobilizam sua base
de apoiadores. Fundado em 1972 por Jean-Marie Le Pen, a Frente Nacional
(FN) é a mais importante organização chauvinista na França e, sem dúvida
uma das mais expressivas e influentes na atualidade. Para Camus: “a FN é,
após as eleições presidenciais dos 23 de abril e 7 de maio de 2017, segui-
das das eleições legislativas do mês de junho subsequente, a segunda ou
terceira força política do país, de acordo com a referida contagem. Sua pre-
sidente, Marine Le Pen, qualificou-se para o segundo turno da Presidência,
como Jean-Marie Le Pen em 2002, mas com uma pontuação muito superior:

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21,3% dos votos no primeiro turno e 33,9% no segundo — respectivamente,


7.678.491 e 10.638.475 votos. Por outro lado, o autor ressalta também os
desafios para a consolidação da FN frente as dificuldades para obtenção de
maioria parlamentar, tendo em vista as novas eleições presidencias que
ocorrerão em 2022, assim como a falta de credibilidade da agenda política
do partido, pricipalmente entre a maioria dos eleitores, com destaque para
os mais escolarizados e residentes em regiões de grandes cidades — onde
a FN tem pouca representtividade devido à sua maior influência nas regiões
do interior do país — e entre eleitores de menor escolaridade. Finalmente,
ao abordar a questão das variadas manifestações partidárias nacionalistas
e populistas na Europa, Jean-Yves Camus adverte:

Populismo e nacionalismo são, de qualquer forma, termos


que precisam ser usados com muito cuidado. O primeiro é
muito mais um estilo do que uma ideologia. É a crença em
uma oposição irredutível entre ‘o povo’, considerado como
uma entidade orgânica dotada da presciência natural do
bem comum e das elites naturalmente desonestas, monopo-
lizadoras e desconectadas do fato nacional. [...] A este res-
peito, é necessário alertar contra o estabelecimento de uma
equivalência dos rótulos [...] torna necessária uma grande
cautela semântica.”

No último capítulo do livro, “Ausência de consenso: os partidos de


extrema direita como família partidária”, o pesquisador português João Car-
valho, apresenta elementos do debate das ciências sociais e da historiogra-
fia europeia contemporânea, procedendo a uma revisão bibliográfica das
proposições e tipologias para a análise dos diversos grupos políticos chau-
vinistas e marcados por discursos antissistema e anti-imigração. Em larga
medida, estes constructos estão arraigados à defesa e crítica do Estado, à
legitimação ou oposição ao liberalismo, à defesa explícita de uma concep-
ção racialista baseada em critérios biologizantes, ou, ainda, a retóricas que

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falseiam a realidade e apresentam um discurso de defesa étnico-cultural


ameaçado pelo “invasor estrangeiro”. O caráter também prolixo destes dis-
cursos, tanto quanto efêmero de alguns destes movimentos e partidos, difi-
culta a compreensão de analistas do campo da comunicação e de especia-
listas no campo das ciências humanas. Com um leque de referências biblio-
gráficas de grande valia para os estudos das direitas, como os trabalhos de
Carl Mudde, João Carvalho apresenta elementos e critérios que nortearam
sistemas de classificação destas organizações na Europa nas últimas déca-
das, sobretudo os grupos de direita tradicionalistas e contemporâneos. Se-
gundo o autor, entre as tipologias e classificações instrumentalizadas por
pesquisadores do tema, um fator prevalece determinante: o axioma antide-
mocrático, seguido do conceito operacional de “extrema direita” no tocante
à caracterização destas organizações:

Uma revisão da literatura identificou a existência de cinco


características ideológicas que são recorrentemente men-
cionadas em investigações sobre esta família partidária:
nacionalismo, racismo, xenofobia, antidemocracia, e um Es-
tado forte (MUDDE, 2000). Curiosamente, a antidemocracia
é uma conceção mais ampla que os outros quatro traços
ideológicos, mas é, simultaneamente, considerada uma
condição necessária dos PED (EATWELL, 2004). Portanto,
a aplicação da categoria de extrema direita exige a ava-
liação das propriedades antissistema dos partidos sele-
cionados (IGNAZI, 2002, 2006; CARTER, 2005)..

Como se observa, os textos que compõem este terceiro volume da


coleção Tempos conservadores abarcam a nossa intenção de contribuir com
a fundamentação histórica, teórica e conceitual para o estudo das direitas
no continente europeu, trazendo à cena análises substanciais sobre as mo-
dalidades de organização e a atuação de intelectuais e grupos situados à
direita do espectro político — sempre numa perspectiva da luta de classes.

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GUILHERME DE ANDRADE, JEFFERSON BARBOSA, MARCOS VINICIUS RIBEIRO, RODRIGO JURUCÊ

Compreendidas aqui como manifestações de facetas da ética bur-


guesa, as ideologias e organizações devem ser abordadas sob o critério das
particularidades de suas manifestações. Afinal, as expressões da direita,
quando abordadas de forma generalizante, podem não auxiliar na compre-
ensão do fenômeno e na busca das melhores estratégias de combate. É
neste sentido, especialmente, que os capítulos ora publicados nesta obra
foram pensados: para serem “armas da crítica” em sua “luta antifascista”.

Os Organizadores
(Dezembro de 2019)

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Prefácio
David Maciel*

O fascismo nunca morreu, apenas hibernou e adquiriu novas formas!


Apesar de tragicamente derrotado na Segunda Guerra Mundial, ao custo de
60 milhões de vidas, ele sobreviveu incubado no mundo político de várias
maneiras durante o meio século seguinte, marcado pela Guerra Fria, por re-
voluções anti-imperialistas e por ditaduras de variados tipos. Isto porque o
fascismo clássico conferiu uma nova qualidade às concepções de direita
associadas ao conservadorismo, ao elitismo aristocrático e ao nacionalismo
estatólatra: o apoio de massas. Ou seja, conferiu legitimidade popular à sua
perspectiva desigualitária e reacionária ao incorporar novos elementos polí-
ticos e ideológicos e ao mobilizar setores das classes subalternas (pequena
burguesia e “classes médias”) em sua defesa. Se desde a Revolução Fran-
cesa há uma reação organizada a partir do Estado e de instituições tradicio-
nais, como as igrejas de setores das classes dominantes (aristocracia e fra-
ções burguesas), compreendendo a perspectiva igualitarista emanada da
ascensão das classes trabalhadoras à condição de sujeito político, com o

———————
* David Maciel é professor da Faculdade de História e do Programa de Pós-Graduação em
*

História da UFG. Coordena o Núcleo de Estudos e Pesquisas em História Contemporânea e o


Grupo de Pesquisas “Capitalismo e História”, do CNPq.
DAVID MACIEL

fascismo essa reação se organiza como movimento de massas e adquire


uma profundidade repressiva ainda não vista. Daí em diante, todas as con-
cepções desigualitárias tornaram-se mais ou menos tributárias do fascismo,
favorecendo sua perenidade e incorporação às formas da dominação bur-
guesa desenvolvidas a partir da Segunda Guerra Mundial.
A primeira e mais abrangente foi sua incorporação às estruturas e
ao modus operandi dos Estados capitalistas, não apenas nos Estados auto-
crático-burgueses, mas também nas ditas democracias liberais, por conta
da perspectiva contrarrevolucionária de contenção do chamado bloco soci-
alista, do combate às lutas anti-imperialistas na periferia e do controle polí-
tico interno. Os métodos e técnicas de controle policial do conflito político
desenvolvidos pelo fascismo, particularmente os mecanismos de repressão
e informação, foram incorporados como estruturas permanentes à ossatura
legal dos Estados, funcionando normalmente mesmo nos momentos de
“baixa fervura” e nos ambientes “democráticos”. Na periferia, os elementos
fascistas constituem o núcleo duro da autocracia burguesa ao lado dos ele-
mentos autoritários, assumindo o protagonismo na condução da ação estatal
em determinados períodos, como nas ditaduras militares. Em segundo lugar,
ele sobreviveu em partidos neofascistas, que se incorporaram ao jogo par-
lamentar-eleitoral afirmando-se nacionalistas e mesmo democráticos, mas
sem abandonar o racismo, a xenofobia, o elitismo e o anticomunismo explí-
cito. O Movimento Social Italiano, na Itália do Pós-Guerra; o Partido da Re-
presentação Popular do integralista Plínio Salgado durante a República Po-
pulista no Brasil; mais tarde, o Partido Nacional Democrático da Alemanha,
fundado em 1964 na antiga Alemanha Ocidental; e, ainda atuante, o National
Front da Grã-Bretanha, assim como a Frente Nacional francesa são exem-
plos desta forma de sobrevivência. Em terceiro lugar, o fascismo sobreviveu

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DAVID MACIEL

entre “as viúvas de Hitler”. Como uma corrente ideológica “subterrânea”, ali-
mentada pelo revisionismo histórico sobre temas como o Holocausto e a Se-
gunda Guerra, e pela “adoração” de textos, dizeres e imagens dos líderes
fascistas, surgiram grupos de tamanho e perfis variados organizados em tor-
cidas de futebol, grupos de rock, centros culturais etc., que agem como gan-
gues com capacidade restrita de mobilização e convencimento, mas capa-
zes não apenas de atos simbólicos como pichações, depredação de pré-
dios, cemitérios, símbolos e monumentos, como também de atos de extrema
violência como a agressão e o assassinato de judeus, muçulmanos, imigran-
tes, homossexuais, militantes, lideranças de esquerda, dentre outros.
No entanto, a partir das últimas décadas a extrema direita de inspi-
ração fascista ou protofascista não só colocou a cabeça para fora explici-
tando suas posições mais raivosas, como conquistou uma audiência cres-
cente, desdobrada em força política e ascensão eleitoral. Esta ressurgência
é fruto das características gerais assumidas pela sociedade burguesa no
atual estágio do capitalismo, condensadas num bloco histórico novo, que
combina neoimperialismo (a chamada “globalização”), reestruturação pro-
dutiva (novas tecnologias, acumulação flexível, pós-fordismo), neolibera-
lismo e pós-modernismo. Nesta situação, o velho fascismo volta a seduzir
como se representasse o novo!
O desenvolvimento de novas tecnologias e de novas formas de or-
ganização da produção capitalista, sintetizadas no conceito de “pós-for-
dismo”, desencadeou um movimento tão avassalador de substituição do tra-
balho vivo pelo trabalho morto que impôs ao mundo do trabalho um processo
de flexibilização/precarização das relações de trabalho e retirada progres-
siva dos direitos sociais, tornando a vida ainda mais instável para milhões.
O desemprego, a rotatividade no trabalho, o arrocho salarial e a redução/eli-
minação dos direitos sociais tornaram-se corriqueiros não apenas para os

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DAVID MACIEL

trabalhadores de baixa qualificação e pequena capacidade organizativa,


mas também para os trabalhadores qualificados e de profissões com um
longo histórico de mobilização e organização. Paralelamente, a eliminação
progressiva das barreiras protecionistas que limitavam a movimentação do
capital e a importância crescente da mediação exercida pela esfera finan-
ceira no processo de acumulação capitalista reforçaram a concentração de
riqueza, submeteram a dívida pública à lógica da especulação, limitando a
capacidade de os Estados nacionais implementarem políticas econômicas
anticíclicas e de interesse popular. Esta situação criou um sentimento de
insegurança e desalento não apenas entre trabalhadores, particularmente
os trabalhadores precarizados, mas em setores das classes médias, incluída
a pequena burguesia, sentimento favorável ao messianismo político e às so-
luções “definitivas” da antipolítica.
Enquanto isso, os partidos e organizações ligados ao movimento
dos trabalhadores e tradicionalmente identificados com a distribuição de
renda, a luta por direitos e o bem-estar social, uma vez no poder, mostraram-
se incapazes de ir além de versões moderadas do neoliberalismo, ren-
dendo-se à lógica do mercado e à chantagem imposta pelo grande capital.
Desde o início dos anos 80, sucedem-se os casos de aplicação do programa
neoliberal por partidos de esquerda social-democratas, como o PS na
França de Mitterrand, o PSOE na Espanha de Gonzáles, o PSD na Alemanha
de Schröeder, ou o PT no Brasil de Lula e Dilma. Mesmo os partidos mais à
esquerda no espectro político, identificados com a tradição oriunda da Re-
volução Russa, mostraram-se incapazes de propor algo além de um “Wel-
fare State” ampliado, cuja viabilidade histórica foi-se esfumando cada dia
mais. Esta situação implicou não só a derrota ideológica da perspectiva so-
cialista diante das teses neoliberais de que “não há alternativa” ou do “fim
da História”, mas uma tendência de queda do voto de esquerda, abrindo

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DAVID MACIEL

caminho para o avanço da extrema direita como alternativa à direita neolibe-


ral. As eleições de 2002 na França, opondo Chirac à Le Pen, apenas anun-
ciaram uma tendência que só cresceu desde então. O colapso da URSS e
do chamado bloco socialista no final dos anos 80 contribuiu ainda mais para
esta situação, na medida em que favoreceu o discurso liberal que associa o
projeto socialista a uma experiência fracassada de capitalismo de Estado,
além de liberar nestes países os demônios ideológicos do ultranacionalismo,
da xenofobia e do racismo, aprisionados por décadas de supremacia polí-
tica comunista. Não à toa, o Leste Europeu é a região onde a extrema direita
mais avançou nas últimas décadas, criando partidos de massa e ocupando
o poder em diversos países.
Na verdade, a progressiva identidade programática entre a direita
liberal e a esquerda social-democrata em torno do neoliberalismo revela
mais do que um processo de institucionalização da luta política que tem imu-
nizado o regime democrático-burguês cada vez mais diante das lutas soci-
ais e das demandas da maior parte da população. Revela a prevalência da
perspectiva autocrática do despotismo burguês, ou seja, ao defender a eli-
minação dos controles políticos sobre a livre movimentação do capital, o ne-
oliberalismo propõe e garante que não apenas o acesso a bens e serviços
seja definido em absoluto pela lógica do mercado, mas a própria vida social,
favorecendo ainda a mais a subsunção do trabalho ao capital. Assim, os
ditames do mercado se impuseram sobre o sistema de representação polí-
tica e o aparato de Estado de tal maneira que o encaminhamento de qual-
quer alternativa programática por dentro da legalidade é extremamente difi-
cultado ou mesmo inviabilizado, esvaziando o conteúdo político do processo
democrático. Os efeitos nocivos desta situação têm-se revelado no aumento
dos níveis de abstencionismo eleitoral na maioria dos países, no aumento da
promiscuidade entre partidos, agentes públicos e interesses privados nas

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DAVID MACIEL

eleições, nos parlamentos e nos governos, com reflexos diretos na des-


crença generalizada de importantes setores da população com a participa-
ção política e com os próprios direitos democráticos. Ou seja, o esvazia-
mento dos procedimentos democráticos tem suscitado o avanço de uma
perspectiva autocrática nos respectivos Estados burgueses, mesmo naque-
les que se constituíram como democracias burguesas ao longo do século
XX, assemelhando-se ao Estado burguês na periferia capitalista. Esta situa-
ção favorece o discurso fascista da “antipolítica” — ou seja, a negação da
democracia e das decisões politicamente mediadas por parte das forças de
extrema direita — e atrai a adesão dos desiludidos e desalentados, ansiosos
por soluções “definitivas”, particularmente aquelas encarnadas num líder ca-
rismático do tipo “salvador da pátria”.
Esta mercantilização absoluta da vida também se reflete no plano da
subjetividade, com a falência do ideário iluminista que alimentou a civiliza-
ção burguesa por 200 anos com base nos valores da igualdade e liberdade
individuais (cidadania universal), da racionalidade, do progresso e do bem-
estar, e da supressão da singularidade pelas redes sociais. A prevalência
dos interesses do capital globalizado (o chamado 1%) sobre os do restante
da população (os outros 99%) — particularmente os bilhões de trabalhado-
res — criou uma crise de sentido que atinge todas as esferas da vida cultural
burguesa, colocando em xeque sua ordem significante. Os valores da ética
do trabalho, da liberdade cidadã, da soberania do povo-nação a partir do
Estado nacional, do individualismo, da eficácia racional e do cientificis-
mo/tecnicismo são contraditados diretamente pela precarização contínua
das condições de trabalho e pela subsunção absoluta do trabalho vivo (cri-
ação e autonomia) à lógica trabalho morto (parcelização, mecanização, au-
tomação, heteronomia); pelo autocratismo das relações políticas e do pro-
cesso de tomada de decisões no mercado, nas empresas e no Estado; pela

PREFÁCIO | 19
DAVID MACIEL

imposição da liberdade de movimentação do capital globalizado sobre as


economias nacionais e locais nos países periféricos e também nos países
centrais; pelas crises ambiental e sanitária; e pela expansão sem fronteiras
do “Estado de mal-estar social”. Esta crise de sentido promove uma mistura
eclética entre concepções, valores e sentimentos como o irracionalismo, o
relativismo cultural, o fundamentalismo religioso, o narcisismo etc., mas que
de uma maneira ou de outra contribuem para a desqualificação do diálogo
democrático entre posições divergentes, da tolerância e do respeito pelo
diferente, da solidariedade com os mais fragilizados, enfim, da perspectiva
igualitarista, favorecendo o discurso de ódio, a violência, a negação da po-
lítica como mediação entre interesses conflitantes e a crença em “salvadores
da pátria”.
A hiperexposição do cotidiano, dos gostos e vontades dos indiví-
duos nas redes sociais gera um processo de exacerbação do narcisismo,
mas ao mesmo tempo de supressão da singularidade, daquilo que individu-
aliza cada um, pois cria-se um código comportamental em que a aceitabili-
dade e o reconhecimento social são dados pela homogeneidade. Todos são
iguais, pois não mais existem patrões e empregados, apenas empreende-
dores tentando vender a si e aos seus bens por meio de fotos, áudios, vídeos
e postagens de sua própria vida. Todos parecem diferentes, pois tudo é re-
velado, não há mais privacidade, cada um tem sua própria vida, mas todos
se apresentam iguais, com os mesmo gostos, pontos de vista e hábitos, se
organizando em torno de identidades fluídas, intercambiáveis entre si e de-
finidas ao sabor das circunstâncias do mercado, da “customização” e da
“fidelização” dos consumidores. Assim, o “outro” que se distingue do “eu” e
a partir de quem este se define não mais existe de fato, predominando um
“eu” sempre igual, mesmo que aparente ter muitas faces. O fascismo con-

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DAVID MACIEL

temporâneo reage a esta situação de “transparência”, “fluidez” e homoge-


neização, causador de medo, ansiedade e descrença, refundando o “outro”
ao mobilizar o “eu” em torno de uma nova coletividade, que, por sua vez,
torna a anulá-lo como indivíduo. Por suposto, uma coletividade excludente,
já que não é baseada na condição de classe, mas em fatores biológicos e/ou
culturais (raça, povo, nação, religião etc.), porém, com forte potencial mobi-
lizador em um mundo de diluição das fronteiras físicas e culturais.
Nestes termos, o neofascismo canaliza o desalento e a anomia para o radi-
calismo político e o compromisso militante, recuperando o sentimento de
pertencimento.
É neste ambiente socioeconômico e ético-político que a extrema di-
reita tem vicejado e crescido política e eleitoralmente nos últimos anos, cri-
ando partidos de massa e movimentos de largo fôlego. Abrangente, mas não
indefinido, o conceito de extrema direita abarca um arco de concepções
político-ideológicas que vai do “populismo de direita”, passando pelos par-
tidos nacionalistas xenófobos e chegando ao neofascismo propriamente
dito. Na verdade, estas distinções são mais teóricas do que práticas, pois
os movimentos e partidos da extrema direita misturam concepções de cada
uma delas numa salada reacionária oportunista que varia de acordo com as
circunstâncias. Em geral, predominam a perspectiva desigualitária, matriz
da qual emanam todas as outras nos sentidos político, social, cultural e ra-
cial; a perspectiva antidemocrática da antipolítica, na medida em que se
questionam os princípios da democracia liberal, da divisão de poderes, da
cidadania universal e da própria política como mediação do conflito social
em favor da repressão política contra a esquerda e os “desviantes” e de
fórmulas autoritárias e centralizadoras que reforcem o poder do Estado so-
bre a sociedade civil; o nacionalismo como elemento integrador do “povo” e
excludente do “outro”, baseado na cultura ou mesmo no racismo e podendo

PREFÁCIO | 21
DAVID MACIEL

evoluir para a xenofobia; a supressão dos direitos sociais para os “estran-


geiros”, imigrantes e descendentes, quando não para todos; e a primazia do
mercado.
Hoje como ontem, o fascismo e a extrema direita em geral, acomo-
dam-se aos interesses do grande capital (interno ou imperialista), aten-
dendo-os prioritariamente e submetendo-se aos seus imperativos, o que na
atual quadra histórica implica uma relação de afinidade ou mesmo de ade-
são aberta ao neoliberalismo. Portanto, não é estranho que, por mais nacio-
nalista e/ou populista que seja o partido de extrema direita em questão, o
ataque aos direitos sociais e trabalhistas seja comum, mesmo nos movimen-
tos e partidos que defendem sua limitação aos “nativos”, o que, na prática,
significa retirar direitos dos segmentos menos qualificados e mais mal remu-
nerados do mercado de trabalho. Nos países periféricos, geralmente o na-
cionalismo da extrema direita nada tem a ver com uma perspectiva econô-
mica anti-imperialista e de desenvolvimento nacional, limitando-se aos as-
pectos cultural ou racial e associando-se aos interesses do capital externo.
Estas duas últimas características são as que mais diferenciam os partidos
e movimentos neofascistas de hoje do fascismo clássico.
Assim, nos últimos anos, em aliança ou não com outras forças de
direita, a extrema direita conquistou o poder em países de importância mun-
dial ou regional, como Estados Unidos, Rússia, Inglaterra, Itália, Polônia, Ín-
dia, Turquia, Israel e Brasil, além de Hungria, Ucrânia, Filipinas e Noruega.
Constituiu, ainda, agremiações partidárias que já se apresentam como a se-
gunda ou a terceira força eleitoral em tantos outros países, como França,
Alemanha, Áustria, Holanda, Suíça, Finlândia, Dinamarca etc. Por outro lado,
este avanço político da extrema direita aponta para o agravamento da crise
da ordem do capital, na medida em que seu programa nada mais faz do que

PREFÁCIO | 22
DAVID MACIEL

aprofundar seus aspectos mais destrutivos e perversos para a enorme mai-


oria da população. Neste sentido, o combate à extrema direita deve definir-
se como combate à própria ordem do capital, não apenas à sua face mais
repressiva e violenta, colocando a perspectiva socialista no horizonte imedi-
ato da luta social.
Ao descrever e problematizar as formas e procedimentos da ex-
trema direita de ontem e de hoje, os autores aqui reunidos buscam não ape-
nas compreender este fenômeno histórico pretensamente encerrado no pas-
sado, mas contribuir para a sua superação no contexto atual.

PREFÁCIO | 23
Direita e esquerda na história:
considerações pontuais acerca de
alguns casos de dislexia conceitual
Muniz Ferreira*1

Um dos componentes fundamentais da ofensiva combinada das di-


reitas neoconservadora e neoliberal na atualidade brasileira é a demoniza-
ção das forças de esquerda e a reivindicação de todos os méritos históricos,
econômicos e conceituais para si próprias. Elemento constitutivo da onda
contrarrevolucionária, que tem varrido a maior parte do mundo desde o final
dos anos 1980, este expediente fraudulento constitui a manifestação ideoló-
gica e discursiva dos propagandistas da perenidade da ordem burguesa,
no sentido de impugnar preventivamente todos os esforços de recomposi-
ção das forças anticapitalistas nos terrenos político, social e intelectual em
escala local, regional e mundial.

———————
* Muniz Ferreira é professor do Departamento de História e Relações Internacionais da
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRJ).
MUNIZ FERREIRA

Manejando sistematicamente a massiva supremacia que exercem


sobre os meios de comunicação, a indústria cultural e outros instrumentos
de formação da opinião pública, ventríloquos e escribas, comunicadores e
artistas midiáticos, acadêmicos enquadrados e pretensos filósofos têm-se
colocado a serviço das mais impressionantes revisões histórico-conceituais
comprometidas com a realização do objetivo mencionado. Inscrevem-se
neste repertório geral as tentativas de apresentar o fascismo e o comunismo
como fenômenos políticos não apenas equivalentes em sua suposta malig-
nidade, mas também integrados ao mesmo hemisfério político: aquele ocu-
pado pelas forças de esquerda.
Os breves apontamentos seguintes visam oferecer argumentos para
a desconstrução desta insidiosa alquimia discursiva, a qual, pretendendo
redefinir os termos do debate histórico político, não tem logrado produzir
outra coisa, senão um patético exemplo de dislexia conceitual.

Direita e esquerda — conceitos dinâmicos

As elaborações originais dos conceitos “direita” e “esquerda” defi-


niam diferentes atitudes adotadas em face da Revolução Francesa. Sua
acepção preliminar nomeava as diferenciações, no âmbito do próprio pro-
cesso revolucionário, entre as forças sociopolíticas interessadas em acelerar
e aprofundar os aspectos mais radicais (no sentido de resolver pela raiz os
problemas identificados pelo projeto revolucionário) das forças que, ado-
tando uma postura de gradualismo e moderação, comprometiam a execu-
ção dos próprios objetivos proclamados na agenda da revolução. Tomando
como referência uma prosaica distinção entre os lugares habitualmente ocu-
pados pelos representantes jacobinos (esquerda) e girondinos (direita) no
interior da Assembleia Nacional, as designações diferenciavam projetos po-
líticos e apoios sociais substancialmente distintos.

DIREITA E ESQUERDA NA HISTÓRIA... | 25


MUNIZ FERREIRA

A furiosa oposição, que não hesitou em recorrer à invasão militar,


apresentada pelo mundo aristocrático europeu aos acontecimentos france-
ses, ratificou e cristalizou a confrontação entre um campo político revolucio-
nário burguês e popular, de esquerda, e outro aristocrático e contrarrevolu-
cionário, de direita. Deste modo, a contraposição inicialmente referida ao
debate parlamentar francês adquiriu contornos internacionais ainda mais ní-
tidos e profundos. A uma esquerda revolucionária popular e patriótica (pa-
triotes foi uma das designações que os revolucionários atribuíram si mesmos
em contrapartida aos emigrés, aristocratas que partiam para o exílio) contra-
punha-se agora uma direita nobiliárquica e transeuropeia.
A derrota militar dos exércitos bonapartistas, portadores dos últimos
vestígios institucionais do espírito revolucionário que se apoderou da França
em 1789, possibilitou a cristalização de uma ordem continental politicamente
autocrática e elitista e ideologicamente contrarrevolucionária. O diktat im-
posto pela Convenção de Viena ao mundo europeu, que reivindicava a legi-
timidade dinástica como critério para o reconhecimento dos governos, con-
solidou, em caráter definitivo, o confronto irreconciliável entre as forças polí-
ticas republicanas, jacobinas e democráticas de esquerda e os poderes mo-
nárquicos, absolutistas e conservadores de direita. Com a incorporação das
forças socialistas, assentadas nos interesses classistas e nas reivindicações
operárias, ao território das esquerdas, a partir de 1830, configurou-se, em
sua quase totalidade, o campo político da esquerda europeia oitocentista,
restando como ressalva a volatilidade histórico-política da vertente liberal em
suas oscilações de percurso.
Desde o seu advento no século XVII inglês, o liberalismo político se
apresentava como alternativa à concepção democrática da soberania popu-
lar (no terreno filosófico, conceito elaborado a partir da noção rousseauniana

DIREITA E ESQUERDA NA HISTÓRIA... | 26


MUNIZ FERREIRA

de Vontade Geral), sacralizando, desde sempre, os direitos naturais do indi-


víduo em contraposição aos direitos soberanos do Estado. Ao assentar o
sistema político sobre o contrato entre os cidadãos, não hesitou, no entanto,
em hierarquizá-los entre aqueles aptos a constituírem o governo civil (os pro-
prietários) e os privados de tal aptidão (os não proprietários), renomeados,
nos escritos de John Locke como cidadãos “ativos” e “passivos”.
No contexto da Restauração Monárquica Francesa (1815-1848) e da
Primavera dos Povos de 1848, o liberalismo, através da pena de pensadores
continentais, como Benjamin Constant, consolidou sua completa dissocia-
ção das perspectivas jacobinas, republicanas e democráticas. Apegando-
se à defesa da monarquia constitucional e aos sistemas censitários de re-
presentação política, descomprometeu-se até mesmo com a defesa do su-
frágio universal. Diferenciando as liberdades políticas próprias da democra-
cia clássica em detrimento das liberdades individuais características da mo-
dernidade, descomprometeu-se com a defesa dos direitos exercidos na es-
fera pública em troca da garantia da intocabilidade da esfera privada.1
Este deslocamento da consciência liberal do território republicano,
democrático e radical e sua reconciliação gradativa com as forças políticas
aristocrática e conservadora repercutiu também na esfera intelectual e cul-
tural. Ao aderir, na esfera da cultura, aos formalismos artísticos, ao esteti-
cismo aristocratizante, ao culto da intimidade à sombra do status quo, abriu
caminho para a ofensiva das forças da reação no âmbito do pensamento,
possibilitando um assalto aberto à Razão emancipatória e a sua desfigura-

———————
1
CONSTANT, Benjamin. Da liberdade dos antigos comparada à dos modernos (1819). Revista
Filosofia Política, n. 2, 1985.

DIREITA E ESQUERDA NA HISTÓRIA... | 27


MUNIZ FERREIRA

ção instrumentalizadora, como no exemplo paradigmático do social-darwi-


nismo de Herbert Spencer, companheiro de viagem do vitalismo nietzschi-
ano, ambos antecipadores da ética e da estética fascistas do século XX.2
É evidente, no entanto, que nem todos os integrantes da corrente
liberal percorreram todas as estações desta trajetória sinuosa. No próprio
Reino Unido de Locke e Spencer — onde o liberalismo se encarnou em um
partido político, no sentido peculiar atribuído a esta expressão no século XIX,
uma tendência da esquerda Whig se permitiu uma aproximação com o ope-
rariado cartista, para a apresentação de proposições ao parlamento volta-
das para a ampliação do direito ao sufrágio. Em outras partes — na Rússia,
por exemplo —, liberais se ergueram contra o absolutismo tzarista, man-
tendo vivo o imaginário antidespótico que animou esta corrente em sua in-
fância política na Europa Ocidental. Em linhas gerais, entretanto, as suces-
sivas concessões, recuos e conciliações com as forças do velho mundo,
praticados pelos segmentos mais representativos da consciência liberal eu-
ropeia, abriu caminho para uma ofensiva geral das forças conservadoras e
reacionárias na virada do século XIX para o XX. Ao proceder desta forma,
propiciou a ocorrência de fraturas irreversíveis que, a partir de então, cindi-
riam o território liberal em uma esquerda política adjacente ao campo demo-
crático e radical, um centro político aderente ao status quo, e uma direita
cúmplice das vertentes mais retrógradas e antipopulares.
Por outro lado, ao manifestar sua compatibilidade com o conserva-
dorismo no terreno da política, a direita liberal iniciou um movimento, o qual,
ao término de várias décadas de aproximações, tensões, atritos e conver-

———————
2
MAYER, Arno J. A burguesia se inclina. A força da tradição: a persistência do Antigo Regime.
São Paulo: Companhia das Letras, 1987. Ver também: SCHORSKE, Carl E. Viena Fin-de-Siècle.
São Paulo: Unicamp; Companhia das Letras, 1988.

DIREITA E ESQUERDA NA HISTÓRIA... | 28


MUNIZ FERREIRA

gências, acabou por emprestar seu programa econômico privatizante, indi-


vidualista e antioperário para ser colocado em prática por governos de con-
fissão conservadora ou neoconservadora.3
Resta dizer que a esquerda — configurada no processo da Grande
Revolução, primeiro em suas variantes democrática radical, republicana e
jacobina; mais tarde igualitária e comunista —, na Conspiração dos Iguais
liderada por Grachus Babeuf, também seguiu seu rumo. Impulsionada pela
sensibilidade social de intelectuais e reformadores humanistas como Saint
Simon, Fourier e Robert Owen e pela militância política de homens como
Louis Blanc e Auguste Blanqui uma nova esquerda socialista foi adquirindo
forma. Com a adesão de Marx e Engels ao movimento em meados dos anos
1840 e a posterior reelaboração teórico política da teoria socialista em um
sentido revolucionário e proletário, a ala mais radical do campo da esquerda
passou a ser ocupada pela vertente comunista e sua concorrente anar-
quista. É este amplo leque de forças de esquerda, dos jacobinos aos comu-
nistas, passando por anarquistas e blanquistas, que protagonizou a mais
importante experiência de exercício de poder pelas massas populares, in-
cluindo seu núcleo proletário na segunda metade do século XIX: a Comuna
de Paris. Acontecimento impactante, que provocou, como resposta, um re-
crudescimento elitista e conciliador no campo liberal; autoritário e antipopu-
lar no âmbito conservador, e propiciou um deslocamento de forças situadas
na ala direita desta corrente para posições ainda mais reacionárias e regres-
sivistas (tradicionalismos religiosos e seus derivados políticos).4

———————
3
Cf. GOOBY-TAYLOR, Peter. Welfare, hierarquia e “nova direita” na era Thatcher. Lua Nova, n.
24, set. 1991.
4
BRESCIANI, Maria Stella. O pensamento político conservador após a Comuna de Paris. In:
BOITO JR., Armando (Org.). A Comuna de Paris na História. São Paulo: Xamã, 2001.

DIREITA E ESQUERDA NA HISTÓRIA... | 29


MUNIZ FERREIRA

A corrente conservadora, como o nome indica, surgiu como expres-


são política da defesa dos princípios, valores e instituições políticas carac-
terísticas da Europa do Antigo Regime. Autocrática, anti-igualitária e elitista,
representou a encarnação, como já foi dito, da mais fidedigna reação do
mundo aristocrático europeu à Revolução Francesa. Os princípios funda-
mentais, que advogou desde a sua gênese foram os seguintes: a) a preemi-
nência da ordem sobre as liberdades, tanto individuais quanto coletivas; b)
privilégio da autoridade sobre a representação política; c) prioridade da le-
gitimidade do poder de Estado em relação às demandas procedentes do
tecido social.5
Em suas origens, visceralmente antiliberal e antidemocrático, para
não dizer antioperário e antissocialista, o conservadorismo, em sua irradia-
ção continental e evolução temporal, incorporou novos componentes à sua
matriz inicial. Destarte, em sua sedimentação no interior dos mundos medi-
terrâneo, latino e católico incorporou outros elementos a sua identidade po-
lítica, como o paternalismo hierárquico; a rejeição romântica da moderni-
dade; a defesa do direito divino dos reis, a prédica da monarquia católica: a
combinação do integrismo teológico com o elitismo político social, o organi-
cismo social como doutrina, e o corporativismo como programa de reestru-
turação das relações entre o capital e o trabalho, de modo a prevenir a luta
de classes.6
Do mesmo modo, no cenário histórico do mundo germânico seten-
trional tendo como eixo central o Reino da Prússia, uma variante específica
do conservadorismo político estabeleceu seus contornos no curso do pro-
cesso de unificação alemã concluído em 1871 com a criação do Império

———————
5
Cf. MAYER, op. cit., 1987.
6
STERNHELL, Zeev. A modernidade e seus inimigos! In: STERNHELL, Zeev (Org.). O eterno
retorno: contra a democracia a ideologia da decadência. Lisboa: Editorial Bizâncio, 1999.

DIREITA E ESQUERDA NA HISTÓRIA... | 30


MUNIZ FERREIRA

Hohenzollern. Tratava-se de uma vertente que, ao combinar conservação e


transformação, modernidade e tradição, instituiu a chamada “via prussiana”
do desenvolvimento do capitalismo mundial. Destacou-se, nesta vertente, a
nação, não mais compreendida como a expressão da soberania popular
(como no discurso dos revolucionários franceses de 1879) nem como encar-
nação política da substância abstrata e genérica do Volk (povo), como pos-
tulado pelos românticos e pangermanistas. A questão da nação se resolvia
com a constituição do Estado, estabelecendo a equivalência conceitual
Staat-Nation, sem espaço para veleidades “utópicas” e românticas do tipo
Nation=Volk.7
Mais de um século depois, no mundo anglo-saxão, o conservado-
rismo conheceu um novo surto de aggiornamento em sua cultura política,
combinando o recrudescimento de sua oposição à modernidade sócio-polí-
tica (democracia, socialismo) e cultural (modernidade, iluminismo) com a in-
corporação plena da plataforma liberal na economia, agora, na verdade,
neoliberal.8

Direita, militarismo e práticas exterministas

A utilização massiva das instituições repressivas do Estado e de for-


ças militares na coibição das classes subalternas em rebelião e no controle
dos setores populares em situações normais é tão antiga quanto a existência
do Estado e da luta de classes. Na época contemporânea, a militarização
da política pelos detentores do poder constitui uma regularidade inscrita no

———————
7
BENNER, Erica. Really existing nationalisms: a post-communist view from Marx and Engels.
Oxford: Clarendon Press, 1996.
8
Cf. GRAY, John. Falso amanhecer: os equívocos do capitalismo global. Trad. Max Altman. Rio
de Janeiro: Record, 1999.

DIREITA E ESQUERDA NA HISTÓRIA... | 31


MUNIZ FERREIRA

tempo da longa duração. A invasão militar, a formação de coalizões agres-


sivas e um quarto de séculos de guerras sucessivas contra a França, revo-
lucionária primeiro e bonapartista depois, foram os expedientes empregados
sem qualquer constrangimento pelas potências aristocráticas europeias
para alcançar a restauração da monarquia absolutista no território francês.9
Execuções em larga escala, mobilização de destacamentos militares
contra populações civis, fuzilamentos sumários de lideranças revoltosas fo-
ram os expedientes utilizados pelas forças da ordem no sistema internacio-
nal da Convenção de Viena, para esmagar as reivindicações nacionais, po-
pulares e operárias, tanto na Primavera dos Povos como nas guerras de li-
bertação do povo italiano ou na Comuna de Paris. Inversamente, foi através
de guerras sucessivas, as quais manifestavam um poder destrutivo que au-
mentava direta e proporcionalmente com a incorporação das descobertas
científicas e a evolução dos recursos industriais aplicados à arte da guerra,
que as classes aristocráticas associadas aos estratos superiores das bur-
guesias resolviam suas pendências com os de baixo e administravam as
relações entre si. Uma nítida ilustração disto são os conflitos bélicos interes-
tatais ocorridos sob a vigência do “sistema de segurança coletiva” pactuado
na Convenção de Viena: Guerra da Criméia (1853-1856); Guerra Austro-ítalo-
francesa (1859-1860); Guerra dos Ducados, entre a Alemanha e a Dina-
marca (1864); Guerra Austro-Prussiana (1866); Guerra Franco-Prussiana
(1871) e, finalmente, a guerra que implodiu aquele sistema, A Primeira
Guerra Mundial (1914-1918).10

———————
9
LOSURDO, Domenico. A revolução, a nação e a paz. Estudos Avançados, v. 22, n. 62, 2008.
10
HOBSBAWN, Eric. A construção das nações. In: ________. A era do capital. São Paulo: Paz e
Terra, 1996.

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MUNIZ FERREIRA

Como resultado destes desenvolvimentos, dois elementos de


grande importância histórica se consolidaram no interior do mundo das
ideias de então. Em primeiro lugar, o militarismo, alimentado pela crença na
utilização da força como o recurso mais eficiente para solucionar disputas e
contenciosos entre os Estados. A mais característica corporificação desta
concepção foram a aristocracia Junker da Prússia, conduzida através de
sucessivas operações militares, ao comando do Império Alemão (em 1871),
e a condição de potência ascendente no sistema de poder mundial no final
do século XIX.11
O segundo elemento foi o nacionalismo. Na época das guerras tec-
nológicas (metralhadoras, encouraçados, submarinos e aviões de combate),
com capacidade crescente de provocar danos à própria população civil e
letalidade sem precedentes, tornou-se indispensável a disseminação de ide-
ologias que mobilizassem para a morte exércitos de milhões de pessoas e
persuadisse outros tantos milhões de civis a suportarem as vicissitudes e
privações produzidas pela guerra. Para este propósito, foram elaboradas,
ou resgatadas, duas diferentes modalidades de ideologias nacionais. A pri-
meira combinava elementos discursivos de caráter estatal com um compo-
nente acessório conservador ou liberal.12 Em sua narrativa, o Estado encar-
nava o espírito da nação, por vezes uma obra da providência, por outro, o
paraíso idealizado da comunhão dos cidadãos para além das barreiras de
classe riqueza e poder. Uma segunda tomava emprestado motivos e repre-
sentações da cultura romântica, retratando o Estado-nação como a cristali-
zação do espírito nacional, frequentemente entendido como a unidade de
destino, de tradição e cultura, de língua, de confissão e de sangue.13

———————
11
HOBSBAWN, Eric. A era dos impérios. São Paulo: Paz e Terra, 2009.
12
Cf. MAYER, op. cit., 1987.
13
HOBSBAWN, Eric. Nações e nacionalismo desde 1780. São Paulo: Paz e Terra, 2013.

DIREITA E ESQUERDA NA HISTÓRIA... | 33


MUNIZ FERREIRA

Neste ponto, é essencial recuperar as formas através das quais as


forças de esquerda resistiam, rejeitavam e se opunham a estas construções
ideológicas das classes dominantes. Às mistificações nacionalistas de ex-
tração romântica ou estatista, as esquerdas democráticas, republicanas e
jacobinas, de base crescentemente pequeno-burguesas e não mais burgue-
sas, recuperavam o seu conceito original de nação como a expressão da
soberania popular. Acepção esta que continuaria a se manifestar, ao longo
do vindouro século XX, nos movimentos anti-imperialistas e de libertação na-
cional do chamado mundo periférico.14
Já as esquerdas operárias e socialistas apresentavam como alterna-
tiva aos nacionalismos e militarismos das classes dirigentes suas perspecti-
vas internacionalistas (“Os operários não tem pátria”, a não ser quando as-
cendem ao poder e se convertem em “classe nacional”, imediatamente an-
tes de se engajarem, na condição de agentes propulsores, ao processo da
revolução mundial) e antimilitaristas (“paz entre nós, guerra aos senhores”),
contrapondo aos projetos das classes dirigentes de lançar os trabalhadores
uns contra os outros nas guerras, a solidariedade internacional dos trabalha-
dores contra as classes dirigentes no cenário mundial.15
Nem mesmo a transformação de uma parcela da liderança do soci-
alismo mundial em linha auxiliar do nacionalismo e do militarismo estatais,
às vésperas, durante e depois da Primeira Guerra Mundial, invalidou esta
descrição. A reorganização do movimento socialista no pós-Primeira Grande
Guerra com a criação da Internacional Comunista ratificou e consolidou as

———————
14
LOSURDO, Domenico. A Revolução, a nação e a paz. Estudos Avançados, v. 22, n. 62, 2008.
15
Sobre a Primeira Internacional ver: COLE, G. D. H. Historia del pensamiento socialista, v. II.
México: Fondo de Cultura Económica, 1975. A respeito da Segunda, ver: CARONE, Edgard. A
II Internacional pelos seus congressos (1889-1914). São Paulo: EDUSP, 1993.

DIREITA E ESQUERDA NA HISTÓRIA... | 34


MUNIZ FERREIRA

distinções político-ideológicas anteriores: a uma direita burguesa-aristocrá-


tica nacionalista e militarista, continuou se opondo uma esquerda operária
internacionalista, antimilitarista e revolucionária.16

As direitas após a Primeira Grande Guerra

A Primeira Guerra Mundial, além de materializar as mais disparata-


das distopias militaristas, românticas e exterministas, produziu também im-
plicações políticas e ideológicas multifacetadas. Uma delas foi propiciar os
elementos germinais para uma nova síntese entre o nacionalismo romântico
e o militarismo aristocrático estatal. Da inusitada experiência vivida por com-
batentes de diferentes procedências e condições sociais nas trincheiras das
linhas de combate, forjou-se uma narrativa, que reconheceu aí as bases de
reconstrução do sentimento nacional através de um “romantismo de aço”,
calcado na generalização da Fronterlebnis (experiência do Front). Em seu
desdobramento, esta construção intelectual serviu de esteio a toda uma con-
cepção, que combinava o elogio da modernidade técnica com o culto da
“alemanidade”; rejeitava os cosmopolitismos de orientação liberal e os soci-
alismos de extração marxista e proletária, oferecendo os componentes ide-
ológicos e discursivos para o advento de uma nova direita nacionalista, con-
trarrevolucionária e, pela primeira vez, mobilizadora de massas.17
O segundo aspecto foi o lançamento das bases para a implantação
de políticas estatais de contrainsurgência preventiva e permanente, para as
quais as direitas seriam de grande valia. O ponto de partida foi o triunfo bol-
chevique no outubro russo de 1917, seguido pelos levantes revolucionários

———————
16
Cf. LENIN. A guerra e a social-democracia da Rússia. Lisboa, Portugal: Edições Avante, 1977,
pp. 557-564.
17
GRAMSCI, Antonio. Sobre el fascismo. México: Ediciones Era, 1979.

DIREITA E ESQUERDA NA HISTÓRIA... | 35


MUNIZ FERREIRA

na Alemanha, Áustria e Hungria nos anos 1918 e 1919. Vislumbrando nestes


acontecimentos russos o ingresso da Europa na época das revoluções pro-
letárias, desde então potencialmente apoiadas pelos recursos de uma enti-
dade estatal expressiva, classes dirigentes e governos europeus recorreram
a um vasto somatório de recursos tanto preventivos (concessões políticas e
econômicas) quanto repressivos e militares (mobilização de forças militares
regulares e irregulares contra os revolucionários). Esta foi a gênese de um
novo ciclo de militarização da política, na qual o combate ao inimigo revolu-
cionário interno passava a ser interpretado nos termos da guerra de destrui-
ção e extermínio máximo que acabara de ser travada, propiciando o inte-
resse de setores crescentes das classes dirigentes, que experimentaram
mais diretamente a “ameaça revolucionária” (Alemanha, Áustria, Itália, Hun-
gria) e dos setores sociais sob sua influência, nos novos movimentos direi-
tistas, que combinavam discursos e práticas militaristas (Corpos Livres, Ca-
pacetes de Aço, SA, Fasci di Combatimento, Cruz Flechada), com um nacio-
nalismo exacerbado, romântico, antioperário e antissemita.

De onde vem o fascismo?

Até o advento destes fenômenos políticos, todas as direitas euro-


peias eram, sem exceção, conservadoras e elitistas (estamos aqui falando
da política europeia anterior à Primeira Guerra Mundial). O chamado “popu-
lismo” [sic!] völkish não passava de uma corrente cultural sem representa-
ção no mundo da política partidária; porém, os ecos deste romantismo
völkish, conquanto politicamente derrotado no movimento de unificação da
Alemanha, ressurgiriam atualizados na República de Weimar através das
obras de autores como Friedrich e Ernest Jünger, Carl Schmitt, Werner Som-
bart, Oswald Spengler e Martin Heidegger.

DIREITA E ESQUERDA NA HISTÓRIA... | 36


MUNIZ FERREIRA

A principal função destes intelectuais de direita era demonstrar que


a idealização das virtudes inatas do Volk alemão poderia conviver com o
culto da autoridade estatal e a apologia da modernização industrial e tecno-
lógica. Era o Modernismo Reacionário, corrente intelectual que, ao reunificar
as principais vertentes do pensamento de direita alemão, preparou as con-
dições espirituais para o triunfo do nacional socialismo. Assim como seus
antecessores völkish do século XIX, os modernistas reacionários despreza-
vam as tradições radicadas no iluminismo: o pensamento calcado na razão,
o materialismo filosófico, a noção de luta de classe, o cosmopolitismo liberal,
a democracia representativa e o socialismo. Vislumbravam a existência de
dois tipos de comunidades nacionais, aquelas baseadas na unidade do san-
gue, no ímpeto das energias vitais primordiais e as que se fundavam no in-
telecto, na individuação e na multiplicidade. Valorizavam as primeiras em
detrimento das segundas, conduzindo suas formulações ao limite do anti-
intelectualismo e da reprovação daqueles que, segundo eles, “traíam o san-
gue com o intelecto”, preconizando, em lugar disso, “pensar com o sangue”.
Rejuvenescidos pelo contato com o esteticismo voluntarista de Nietzsche,
pelo social-darwinismo e pela Fronterlebnis (experiência do Front),18 milita-
ram na linha de frente de defesa da völkishkultur alemã, germinada na força
do sangue, da raça e do destino germânicos, contra as conspurcações da
Zivilisation desenraizada, sem alma, artificial.

———————
18
Alguns “modernistas reacionários”, em particular Ernest Jünger, que fora militar e combatera
nas trincheiras da Primeira Grande Guerra, identificavam na solidariedade construída no front,
nos laços de sangue instituídos entre os combatentes e no heroísmo patriótico dos que se
sacrificaram pela Alemanha as bases para a reconstrução da unidade da nação alemã. Não é
preciso enfatizar aqui em que medida tais formulações antecipam o discurso de Hitler e seus
seguidores. Sobre a vida e as ideias de Jünger e outros modernistas reacionários, ver: HERF,
Jeffrey. O modernismo reacionário. São Paulo: Editora Ensaio, 1993.

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MUNIZ FERREIRA

Ideologia de vanguarda no campo da política da direita na época


de Weimar, o modernismo reacionário de matriz völkish definiu as balizas
essenciais da cultura conservadora germânica do século XX, anteceden-
do, preparando o terreno, enriquecendo o acervo ideológico do nacional
socialismo.
Os fascismos foram, assim, as primeiras direitas a adotarem um dis-
curso e um sistema de organização voltados para a mobilização de massas,
integrados por componentes discursivos "igualitários", nacionalistas (de per-
fil romântico) e até "anticapitalistas" (normalmente expressos nos ataques à
“plutocracia judaica” ou internacional). Tratava-se de uma estratégia que,
como já foi sugerido, visava derrotar a esquerda operária em lugares onde
ela havia alcançado substantiva representatividade entre as massas (como
na Alemanha e na Itália) e disputar espaço efetivo nos sistemas políticos de
representação ampliada da Europa do pós-Primeira Grande Guerra, que
avançava em direção ao sufrágio universal.
Na prática, o anticapitalismo fascista se limitava, como visto, ao com-
bate às burguesias "alienígenas" (judaica e anglo-americana), e seu igualita-
rismo encobria a reivindicação de uma organização social não mais base-
ada nas hierarquias provenientes do nascimento (aristocracia) e da riqueza
(burguesia), mas na "pureza racial' (na Alemanha) e na devoção à nação
(na Itália).19
Tudo isto, no entanto, jamais conheceu qualquer efetivação para
além do discurso e da dinâmica interna dos próprios movimentos. Uma vez
no poder, as tendências "pragmáticas" se sobrepuseram às “utópicas” e as
"revoluções fascistas" se dissiparam na acomodação às estruturas econômi-
cas, políticas e sociais pré-existentes. O exemplo histórico mais eloquente

———————
19
TOGLIATTI, Palmiro. Lecciones sobre el fascismo. México: Ediciones de Cultura Popular,
1977.

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MUNIZ FERREIRA

disto foi a disputa interna do NSDAP, que resultou na Noite das Longas Fa-
cas, com a decapitação dos setores mais “inconformistas” [sic!] das SA e
do Partido Nazista.
Os fascismos, portanto, mudaram a direita no sentido de “conta-
miná-la” com discursos e mesmo práticas organizativas até então só utiliza-
das pelas esquerdas (anticapitalismo, igualitarismo e mobilização de mas-
sas), apesar do caráter farsesco, demagógico e incompleto daqueles.

O nazismo era “de esquerda”?

A originalidade do nacional-socialismo consistiu em sua capacidade


de combinar tradições ideológicas até então divergentes e até concorrentes.
Por um lado, o nacionalismo romântico pangermânico, derrotado no pro-
cesso de formação do império alemão, e, por outro, o nacionalismo estatista
e militarista encarnados pela aristocracia Junker e os círculos políticos vin-
culados à dinastia Hohenzollern. Se, para uns, a nação era o Volk, para ou-
tros, era o Staat.
A reconciliação destas duas concepções no nacional-socialismo fez
do movimento o propositor de um novo nacionalismo romântico e panger-
mânico (o “romantismo de aço”) combinado com o nacionalismo estatista e
militarista de extração Junker. Tais fatores possivelmente explicam a apro-
vação dos círculos militar-aristocrático e monarquista da ascensão de um
ex-cabo austríaco e sua “horda de desclassificados sociais” das SA ao go-
verno do Reich (o ajuste de contas com a “horda” viria depois). Explicariam
também os crescentes atritos entre a liderança nazista e os representantes
dos demais setores das classes dirigentes alemães no período hitleriano
quando os objetivos de guerra e da política exterior do Estado alemão pas-
saram a se orientar por abordagens cada vez mais “ideológicas” e “utópi-

DIREITA E ESQUERDA NA HISTÓRIA... | 39


MUNIZ FERREIRA

cas”, como na guerra de destruição total contra a URSS, na política de ger-


manização do Leste e nas demandas de uma instauração de uma “Nova
Ordem Mundial” de cariz racista-arianista.
O historiador inglês conservador Hugh Trevor-Roper se dedicou a
uma minuciosa análise das relações de Hitler com os integrantes e re-
presentantes das classes dirigentes alemãs, conceituadas por ele como
German Establishment.20
Com esta categoria, o historiador inglês denominava os estratos su-
periores das burocracias civil e militar do III Reich, os líderes políticos, a
diplomacia, em resumo, aquilo que outros autores antes dele já haviam clas-
sificado como a elite tradicional, cujas origens remontam ao processo de
constituição do Estado imperial sob a condução da dinastia Hohenzollern.
Estes personagens teriam desempenhado um papel fundamental na ascen-
são de Hitler ao poder em 1933, constituindo-se, num primeiro momento, em
seus fiéis servidores, para, mais tarde, padecerem amargas desilusões com
os rumos de sua política e se lançarem em sua oposição. A trajetória de
homens que, a partir de posições proeminentes no corpo diplomático e nas
forças armadas, participaram de conspirações para destituir o ditador ale-
mão exemplifica, para Roper, o destino deste estrato sócio-político.
O fator de aproximação entre o ímpeto belicoso e expansionista do
Führer e o programa conservador deste establishment fora seu comprome-
timento comum com a restauração do poderio alemão aniquilado pelas dis-
posições do Tratado de Paz de Versalhes. Ambos, tanto Hitler quanto os
conservadores alemães, desejavam a restauração do poderio militar do país.
Ambos aspiravam a uma ordem política autoritária, que expurgasse da so-

———————
20
TREVOR-ROPER, H. R. Hitler’s War Aims. In KOCH, H. W. Aspects of the Third Reich. Londres:
Macmillan Education, 1988.

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MUNIZ FERREIRA

ciedade e da política alemãs as forças “nocivas” e “alienígenas” do libera-


lismo, da democracia, do cosmopolitismo e do socialismo em ascensão na
República de Weimar, acalentando desejos de aquisições territoriais; esta
convergência, porém, terminava aqui.
Os objetivos dos representantes do establishment possuíam um ca-
ráter essencialmente limitado e restauracionista. Pretendiam o restabeleci-
mento das fronteiras do extinto império de Guilherme I, o que acarretava a
anexação da maior parte da Polônia. Talvez estivessem dispostos a ir “um
pouco além” — como de fato o foram — absorvendo a Áustria e os Sudetos,
fundamentalmente para preencher o “vazio” político deixado ali pela disso-
lução do império dos Habsburgo, mas no essencial suas demandas tinham
caráter conservador. Seguramente, detestavam a URSS, devido ao seu sis-
tema sócio-político, mas não estavam motivados a conquistá-la. Jamais co-
gitaram, acima de tudo, a necessidade de uma “revolução alemã”, mesmo
no sentido mais propriamente “contrarrevolucionário”, conforme a conce-
biam os nazistas. Ora, sendo o ponto de convergência o “revisionismo”21 do
sistema de Versalhes e o de divergência o “revolucionarismo” [sic!] ideoló-
gico nacional-socialista, ambas as perspectivas conviveram no interior dos
mecanismos de produção das políticas de Estado do Reich até que a imple-
mentação da agenda “ideológica” hitleriana fraturasse a aliança entre os
dois setores.
Da convivência entre conservadores e nazistas teria resultado um
sentido mais “pragmático” e “razoável” da política exterior do Reich. Da su-
premacia nazista dimanou uma política ideológica em seu caráter e em sua
condução. Para Roper, o divisor de águas entre estes dois momentos ocor-
rera, como não poderia ser diferente, por ocasião da guerra contra a União

———————
21
“Revisionismo” aqui diz respeito à revisão dos termos do Tratado de Versalhes, considerados
desfavoráveis ao Estado alemão.

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MUNIZ FERREIRA

Soviética. Esta guerra — cujo empreendimento constituiu a quintessência do


milenarismo hitleriano e em cujo desenrolar seu poderio transitou do zênite
ao nadir — assinala o divórcio definitivo entre o projeto do establishment
conservador alemão e os objetivos internacionais do chanceler do Reich.
Neste projeto irredutível de hegemonia, nesta competição inadiável pela
anulação dos efeitos internacionais da revolução bolchevique através do po-
der da contrarrevolução alemã, investiu o autor do Mein Kampf todas as suas
forças vitais, o que lhe propiciou a visualização do Milênio ariano no mundo
e a experimentação do sabor cartaginês da derrota.
Mesmo o texto de Roper, que no âmbito da historiografia burguesa
é um dos mais avançados na investigação acerca da expressão dos interes-
ses sociais na política (materializado nas análises das relações do Chanceler
com as elites aristocráticas da sociedade alemã), silencia a respeito do po-
sicionamento e das perspectivas de um setor essencial da sociedade alemã:
os homens da grande indústria do período. Apenas um deles, o industrial
Fritz Von Thyssen é mencionado en passant, como exemplo da desilusão de
apoiadores de primeira hora do nazismo com os rumos adotados pela polí-
tica do Reich depois de 1939. A própria posição de classe do historiador
inglês o impediu de identificar nos propósitos belicistas e hegemonistas do
nazismo as aspirações e interesses do grande capital alemão.

Franquismo e Salazarismo foram fascismos tout court?

A originalidade do nacional-socialismo consistiu em sua capacidade


de combinar tradições ideológicas até então divergentes e até concorrentes.
Por um lado, o nacionalismo romântico pangermânico, derrotado no pro-
cesso de formação do império alemão, e, por outro, o nacionalismo estatista

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MUNIZ FERREIRA

e militarista encarnados pela aristocracia Junker e os círculos políticos vin-


culados à dinastia Hohenzollern. Se, para uns, a nação era o Volk, para ou-
tros, era o Staat.
Se considerarmos como modelares as experiências dos fascismos
alemão e italiano, observaremos que eles possuem uma dinâmica histórica
e uma anatomia comum. Nos dois casos um movimento ideológico e político
mobilizador extrapartidário (os Fasci na Itália, os Corpos Livres na Alema-
nha) antecederam o partido, que surgiu como uma força política mobiliza-
dora e orgânica no seio da sociedade civil antes de empolgar o poder de
Estado. Em ambos os casos, esta organicidade e a capacidade de mobili-
zação se assentaram na utilização intensiva de uma ideologia de pureza ra-
cial em um caso, de grandeza nacional em outro, bem como no carisma
pessoal do líder (o Duce e o Führer). Uma vez no poder, o traço mais saliente
do sistema sociopolítico colocado em prática nestes países foi a organiza-
ção corporativa do trabalho através dos sindicatos nacionais, que agrupa-
vam trabalhadores e patrões sob a bandeira da colaboração de classes e
da rejeição ao conflito social.
Se estas experiências nos fornecem o modelo, faltam alguns destes
aspectos tanto no caso espanhol como no português, senão vejamos. Tanto
no caso de Franco quanto no de Salazar faltaram: a) um movimento político
mobilizador pré-existente (a Falange Espanhola não foi criação de Franco,
mas aliada, e teve importância secundária durante o domínio franquista); b)
uma ideologia política própria ou uma síntese ideológica própria, o que fez
com que recorressem a um acervo de ideias já existentes, no caso, o nacio-
nalismo conservador/romântico e o catolicismo integrista, acarretando com-
promissos com as instituições que eram as suas encarnações na sociedade
— a monarquia e a Igreja, na Espanha de Franco, a Igreja católica, no Por-

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MUNIZ FERREIRA

tugal de Salazar. Subsistem também muitas dúvidas em relação à importân-


cia do carisma pessoal, senão de Franco, pelo menos de Oliveira Salazar).
Por fim, não existiu um partido político franquista ou salazarista de massas
antes da chegada de ambos ao poder. Por estes motivos, prefiro considerar
que os dois ditadores ibéricos foram fascistizantes e filo-fascistas, mas não
fascistas, no sentido mais rigoroso e conceitualmente preciso da palavra.22

A redução e identificação do nazismo ao comunismo no mundo


ocidental do pós-Segunda Grande Guerra

Os elementos inovadores do nazismo e do fascismo em relação às


direitas que os precederam foram astutamente distorcidos pelos ideólogos
da direita liberal no período da Guerra Fria, para identificar os inimigos de
então, os comunistas, com os inimigos do passado, os fascistas. Em suas
elaborações mais refinadas, como nos textos de Hannah Arendt, a causa
comum de fascistas e comunistas (ambos “totalitários”) era a negação do
indivíduo e das liberdades individuais, a estatolatria e a ambição de estabe-
lecimento do "poder total" sobre a sociedade. Esta, com variações e notório
empobrecimento argumentativo nos nossos dias, tem sido a base ideológica
das mais do que duvidosas tentativas de redução e equiparação do fas-
cismo ao comunismo e a caracterização de ambos como fenômenos “de
esquerda”.
A contribuição de Hannah Arendt à reflexão acerca do fenômeno to-
talitário de modo geral — e do nacional-socialismo, em particular — tem sido
amplamente reconhecida e valorizada nos campos da práxis política e das

———————
22
Acerca do franquismo e sua relação com a Falange Espanhola, ver: BREA PEDREIRA, Ana et
al. Historia de España contemporánea. La Coruña: Baía Edición, 1997. Sobre o salazarismo,
ver: REZOLA, Maria Inácia. A igreja católica nas origens do salazarismo. Locus: Revista de
História, v. 18, n. 1, Juiz de Fora, 2012, pp. 69-88.

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MUNIZ FERREIRA

ciências humanas. Sua conceituação do totalitarismo e a tentativa de empre-


endimento de sua genealogia histórico-política têm desempenhado uma fun-
ção estimulante seja no apoio, seja na contestação às suas teses por parte
dos estudiosos quer do nazismo, quer do stalinismo. Contudo, suas interpre-
tações do caráter e dos processos de concepção e implantação da política
externa da Alemanha hitleriana carecem de sustentação historiográfica. Pro-
duzida no quase imediato pós-Segunda Grande Guerra (1951) nos Estados
Unidos, sua obra não foi beneficiada pela interação com uma cultura mais
aberta aos novos horizontes da investigação histórica, como a vertente his-
toriográfica francesa nucleada pelos Annales. Ao basear suas conclusões
na apreciação de fontes até então consideradas alternativas, como livros de
memórias, relatos, correspondência, discursos e textos de doutrinação polí-
tica, careceu a autora, sobretudo, de um instrumental teórico-metodológico
que lhe possibilitasse uma apropriação mais crítica dos documentos que lo-
grou consultar. Ademais, Totalitarismo, o paroxismo do poder — uma pro-
posta ambiciosa de abordagem teórico-política da problemática do poder
total — antecede em praticamente uma década o adensamento da interlocu-
ção acadêmica e historiográfica sobre a variante germânica do fascismo.23
Para além destas tentativas de interpretação, o estabelecimento de
equivalências estruturais entre o regime soviético e o nazismo esteve a cargo
de historiadores vinculados a uma corrente revisionista da historio-
grafia. Esta vertente, que teve na obra do historiador alemão Ernest Nolte
seu principal expoente, interpretava o hitlerismo como mero reflexo do
“comunismo”.24

———————
23
FERREIRA, Muniz. “Do passado vem a tempestade”. Notas historiográficas sobre as políticas
externas do Terceiro Reich Alemão. Caderno de Estudos e Pesquisas, ano VIII, n. 19, jan.-abr.,
2004.
24
Acerca das interpretações historiográficas de Nolte, ver o artigo de Demian Melo no
blogue Junho, intitulado “Ernst Nolte e a historiografia revisionista”. Disponível em:
<http://blogjunho.com.br/ernst-nolte-e-a-historiografia-revisionista>. Acesso em: 02/09/2017.

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MUNIZ FERREIRA

Para Nolte, as principais ações da liderança nazista foram interpre-


tadas como reações aos atos da União Soviética. Até mesmo o holocausto
judeu teria sido uma reação à eliminação, causada pelos bolcheviques, das
antigas classes dirigentes russas e aos supostos massacres soviéticos na
Ucrânia. Das elaborações de Nolte emana não a caracterização do nazismo
como fenômeno “de esquerda”, mas a justificativa do nazismo como reação
ao comunismo e os primórdios de uma construção discursiva que igualará
os crimes comprovadamente praticados pelos nazistas a supostos delitos
de igual proporção imputados aos soviéticos. Tal operação discursiva per-
seguiria a produção de uma ratificação historiográfica para as justificativas
de caráter defensivo e reativo com as quais os próceres do III Reich procu-
raram justificar seus arreganhos, inclusive diante do Tribunal de Nuremberg.
Mais tarde, em suas obras e nas de seus consortes e sucessores, os mas-
sacres de pessoas, atribuídos aos governos comunistas, ultrapassariam lar-
gamente os praticados não só pelos regimes fascistas, mas também as víti-
mas do colonialismo, das intervenções militares e das guerras desencadea-
dos pelas potências imperialistas. Uma audaciosa operação de whitewa-
shing historiográfica e midiática, com fortes repercussões em nossos dias.
Seguindo a via aberta pelos artífices da equiparação entre nazismo
e comunismo iniciada pelos teóricos do totalitarismo e do revisionismo, a
historiografia conservadora dos EUA conduziu, já na década de 1970 do
século XX, tais elaborações a um novo patamar. Se o revisionista Ernest
Nolte realizara a defesa histórica do fascismo apresentando-o como um fe-
nômeno político que simplesmente reagia às ameaças e ações agressivas
do “comunismo soviético”, coube a Robert Contest e outros expoentes da
historiografia conservadora estadunidense tentar comprová-lo localizando
um holocausto soviético, o Holodomor.25 Ora, argumentar que um dos piores

———————
25
Ver a este respeito: LOSURDO, Domenico. Stalin: história crítica de uma lenda negra. Rio de
Janeiro: Editora Revan, 2004.

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MUNIZ FERREIRA

massacres praticados pelo regime hitlerista teve um correspondente sovié-


tico significa minimizar a malignidade do nazismo, negando sua responsa-
bilidade exclusiva pelo maior de seus crimes. Denunciar um suposto holo-
causto praticado pelo regime soviético contra a população ucraniana elimina
a singularidade do genocídio do povo judeu e equipara, fraudulentamen-
te, fenômenos políticos diametralmente opostos. Ocioso dizer que este su-
posto holocausto jamais foi comprovado empiricamente e, por isto, rejeitado
pelos historiadores acadêmicos situados fora do âmbito revisionista e ultra-
conservador.

O neoconservadorismo

Em sua versão intelectualizada e ideológica, o neoconservadorismo


emana, de forma essencial, das elaborações de Leo Strauss, um pensador
e professor universitário nascido na Alemanha, ao final do século XIX, radi-
cado nos Estados Unidos no final da década de 1930, fugindo da persegui-
ção nazista. Dez anos mais tarde, já como docente nas universidades de
Chicago e Stanford, Strauss elaborou uma filosofia política que conjugava a
crítica da modernidade política ocidental (Maquiavel, Hobbes, Rousseau e
Hegel), o resgate dos valores e ideias da democracia grega e a reivindica-
ção da restauração do direito natural e dos princípios transcendentes da
religião revelada como pilares para a refundação da democracia liberal. Seu
pensamento foi acolhido por um setor da elite intelectual norte-americana
que, a partir dos anos 50 do século XX, fora assombrada pelo fantasma da
decadência dos valores e da desagregação das energias vitais de seu país
pela influência das concepções e políticas liberais e progressistas.26

———————
26
Sobre Leo Strauss e o neoconservadorismo, ver: ANDERSON, Perry. Spectrum: de La dere-
cha a la izquierda em el mundo de las ideas. Madri: Ediciones Akal, 2008.

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MUNIZ FERREIRA

Como alternativa, foram lançadas as bases de um projeto de restau-


ração da coesão das elites sociais e políticas e de conservação do poderio
mundial dos EUA, tendo por base o regate dos princípios tradicionais da
cultura e do modo de vida norte-americanos supostamente sob ataque. A
solução era o combate às ameaças tanto dentro quanto fora do país, man-
tendo a sociedade mobilizada e consciente de sua individualidade nacional
e da superioridade de seu modo de vida, alegadamente acossados por seus
inimigos. Tais ideias encontraram apoio junto aos círculos mais direitistas do
partido republicano e entraram em complexa simbiose com o pensamento
religioso fundamentalista a partir do final dos anos 1970. Seu primeiro mo-
mento de esplendor se deu durante a era Reagan, com seus ataques aos
direitos civis, o keynesianismo às avessas, a corrida armamentista e a con-
frontação com o “comunismo” — leiam-se: as experiências de transição so-
cialista e os movimentos revolucionários ao redor mundo.

Neonazismo e neofascismos em tempos de contrarrevolução


planetária

O ciclo de contrarrevoluções, que a partir de 1989 se abateu sobre


o Leste Europeu, representou a culminação de uma ofensiva das forças re-
acionárias em nível mundial, capitaneadas pelos governos republicanos de
Reagan e Bush pai nos EUA entre os anos 1981 e 1992. Os episódios mais
emblemáticos desta vigorosa onda (neo)conservadora na política mundial
foram a demolição do Muro de Berlim e a reunificação alemã em 1989 e a
desagregação da União Soviética em 1991. Com a humilhante capitulação
sem resistência dos regimes de transição socialista e a ascensão das forças
comprometidas com a restauração capitalista, instaurou-se um clima propí-
cio ao fortalecimento sem precedentes e ao ressurgimento das mais empe-

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MUNIZ FERREIRA

dernidas concepções e correntes políticas da direita mundial. Os protago-


nistas dos processos de restauração burguesa/capitalista, em seus esforços
no sentido de demolir as realizações dos regimes derrotados, remover do
imaginário social qualquer apreciação favorável às experiências histórico-
sociais encerradas e disseminar ideias e valores adequados aos novos tem-
pos, criaram um ambiente cultural fecundo para o ressurgimento do ra-
cismo, da xenofobia, do anticomunismo em suas várias manifestações, e do
fascismo.
Ainda que o reordenamento político gerado pelas restaurações pri-
vilegiassem, na maior parte dos casos, os sistemas liberal-representativos,
sob clara hegemonia conservadora o caldo de cultura para a rápida difusão
de posições de extrema direita se espalhou por todo o corpo social. Desta
forma, grupos políticos, oficiais ou informais, encontraram estímulo para a
reivindicação de tradições aristocráticas e monarquistas, religioso-integris-
tas, colaboracionistas e até abertamente nazistas e fascistas. Seja na agluti-
nação de jovens delinquentes skinheads, seja no retorno de setores religio-
sos intolerantes e antissemitas, seja na atuação institucional-parlamentar de
grupamentos orientados por agendas ultraconservadoras, a restauração re-
presentou, no terreno político cultural, um movimento impetuoso de retorno
ao passado.
Porém, não apenas nos países antes comprometidos com as expe-
riências de transição socialista o ciclo regressivo se fez sentir. Mesmo na
Europa Ocidental liberal-capitalista, o Zeitgeist ultrarreacionário e fascisti-
zante foi perceptível. Ali, a base material para o crescimento das correntes
reacionárias foi gerada pelos representantes políticos e ideológicos do
grande capital, em seus esforços no sentido de fazer recuar conquistas eco-
nômicas e sociais das classes trabalhadoras, obtidas nas quatro décadas
anteriores, solapando as bases do Estado de bem-estar social e preparando

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MUNIZ FERREIRA

o capital para os processos de reestruturação produtiva sob hegemonia ne-


oliberal. O recuo frequentemente desorganizado das forças de esquerda
(socialistas, comunistas, esquerda trabalhista), oferece terreno para a ofen-
siva acelerada das forças de ultradireita, sejam elas de extração tradiciona-
lista e fascistizante (França, Espanha), ultranacionalistas e filo-fascistas (In-
glaterra, Alemanha, Áustria) ou “neopopulistas” [sic!] de direita (Holanda,
Bélgica, Dinamarca, Itália). Praticamente em toda a Europa Ocidental, verifi-
cou-se um avanço liberal-conservador na política, uma consolidação gra-
dual do predomínio das forças de direita e ultradireita e a desfiguração da
centro-esquerda social-democrata, convertida em força auxiliar da direita
conservadora-liberal, em suma, o recuo da influência e/ou o isolamento po-
lítico das forças de esquerda e ultraesquerda.
Nos dias de hoje, em alguns destes países ocidentais, o neofas-
cismo, fragmentado no aspecto organizativo e marginalizado politicamente
pela hegemonia liberal-conservadora, não vai além de uma constelação de
ajuntamentos marginais políticos e jovens de instrução e de emprego pelas
políticas neoliberais. Em outras circunstâncias, manifesta-se sob a forma de
partidos políticos, clubes e associações culturais integrados à institucionali-
dade existente. Nestes últimos, sua retórica e seus métodos são adaptados
à atmosfera política e intelectual dominante, atualizando e por vezes refor-
mando suas ideias centrais. Deste modo, principalmente no mundo de fala
alemã, as concepções mais diretamente referidas no nacionalismo român-
tico (völkish) e no pangermanismo cedem espaço para o nacionalismo
xenófobo, o racismo comunitarista (europeu) e diferencialista (ariano). A de-
fesa aberta do nazismo e seus malfeitos é dissimulada pelas impostações
revisionistas.
Porém, em um arco mais amplo de questões sociais e culturais, a
prédica e a atuação dos grupos neofascistas na disputa pelo coração das

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MUNIZ FERREIRA

massas tomam forma na condição de uma exacerbação do conservado-


rismo. Nos temas referentes aos direitos civis, liberdade de escolha e livre
orientação sexual, estas formações perfilam, sem maiores surpresas, com
as demais forças conservadoras do mundo no combate ao direito ao aborto,
na oposição às reivindicações feministas, na pouca sensibilidade para com
as questões ecológicas e na condenação do homossexualismo. Estes gru-
pos costumam defender políticas de “tolerância zero” para delitos menores,
reivindicando penas draconianas para pequenos furtos, ao passo que fazem
vistas grossas para os crimes financeiros e escândalos de corrupção.
Quando conseguem representação nos parlamentos, seus porta-vozes de-
fendem a reeducação pelo trabalho para viciados em drogas e opõem-se
decididamente a que se reduza para menos a idade legal para a prática de
atividades homossexuais.

Conclusão: nazismo “de esquerda” para “libertários” de direita, um


duplo caso de dislexia

No espectro político da chamada “nova direita brasileira”, adquirem


visibilidade crescente as ações, discursos e propostas dos chamados “liber-
tários de direita”. Já em sua autodesignação, esta vertente manifesta seu
descompromisso com a lógica conceitual e sua ausência de escrúpulos na
apropriação de um adjetivo elaborado muito anteriormente para a denomi-
nação de posicionamento político e ideológico profundamente distinto. Com
efeito, a expressão “libertário” passou a ser empregada, no final do século
XIX, para definir concepções, propostas, grupos e organizações políticas
integradas ou adjacentes ao campo da esquerda revolucionária, que demar-
cavam suas posições em face dos socialismos tanto de inspiração marxista
quanto reformista, através da prédica da destruição imediata do Estado, no

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MUNIZ FERREIRA

processo de superação da ordem burguesa-capitalista sem qualquer perí-


odo intermediário e sem a realização de quaisquer pré-condições. Seu nítido
pertencimento à esquerda era enfatizado nos substantivos aos quais habitu-
almente se encontrava associado: anarquismo libertário ou socialismo liber-
tário. Sua utopia societária apontava não apenas para a eliminação completa
do Estado e todas as formas de dominação política, mas também, a exemplo
de outras correntes socialistas e revolucionárias, para a supressão do capi-
tal, da propriedade privada e do Estado no processo de transição para uma
sociedade autogestionária, formada pela livre associação dos indivíduos.
Atribui-se a Antonio Gramsci a afirmação segundo a qual o anar-
quismo teria as suas origens primevas na tradição liberal, e não no socia-
lismo. Determinados autores, como Max Stirner e Henry David Thoreau —
um, teórico da completa autonomia do indivíduo em face do Estado e da
sociedade e o outro, propositor da tática da desobediência civil contra o
poder da autoridade estatal —, foram reivindicados, ao longo do tempo,
tanto por anarquistas quanto por liberais. Os “libertários de direita” de nos-
sos dias encenam sua vinculação à linhagem ideológica e intelectual anar-
quista, ao verbalizarem a proposição de um “anarcocapitalismo” [sic!], ba-
seado na plena liberdade individual e na rejeição do poder do Estado; po-
rém, sua nebulosa identificação com os seguidores de Bakunin e Malatesta
se dissipa prontamente na enunciação das bases materiais de seu projeto
social: a propriedade privada como suporte da liberdade individual, a regu-
lação da vida social pelo mercado, como sucessora do poder do Estado.
Organizados desde 1971 em um partido político nos Estados Unidos
e exercendo sua influência em significativas áreas da vida política e cultural
daquele país, os “libertários de direita” apresentam-se como um dos sub-
produtos da Contracultura dos anos 1960. Em seus aspectos exteriores esta
vertente ideológica paga tributo à atmosfera do tempo que a originou. Da

DIREITA E ESQUERDA NA HISTÓRIA... | 52


MUNIZ FERREIRA

Nova Esquerda estadunidense constituída naqueles anos, recebeu a influên-


cia da rebelião contra os elementos programáticos e organizativos das tra-
dições políticas que se cristalizaram, ao longo do século XX, naquela socie-
dade norte-americana. De seu apreço pelo “novo” emerge sua determinação
em se diferenciar do “velho” liberalismo estadunidense, acomodado às re-
gras do New Deal desde a década de 30, “leniente” em face das políticas
“intervencionistas” e reguladoras, “cúmplice” do acordo do Estado com os
sindicatos de trabalhadores. Como “libertários”, porém, demarcam posição
em face do neoconservadorismo crescente na sociedade estadunidense
das últimas décadas contrapondo as interdições e reações contra reivindi-
cações e direitos já conquistados de mulheres, negros e homossexuais, a
intocabilidade dos direitos individuais, desde que devidamente assentados
sobre a propriedade, a riqueza e o poder de compra de cada um.27
Em termos gerais, os “neolibertários” atualizam os temas do pensa-
mento liberal do século XIX, já reciclado pela intervenção dos autores da
Escola Austríaca do pensamento econômico de meados do século XX e pe-
los neoliberais monetaristas das últimas cinco ou seis décadas. Requen-
tando antigas utopias individualistas, mercadocêntricas e antiestatistas, fa-
zem-no, entretanto, parcial e condicionalmente. Rejeita toda e qualquer in-
tervenção do Estado no processo de regulação das atividades econômi-
cas(até mesmo no que se refere ao monopólio da moeda e da implementa-
ção de políticas monetárias), nas relações entre o capital e o trabalho, nos
processos de produção e redistribuição da riqueza produzida socialmente;
porém, não podem dispensar o exercício do papel coercitivo do Estado na
repressão aos indivíduos, grupos, movimentos e classes sociais que não

———————
27
Cf. AUGUSTO, André Guimarães. O que está em jogo no “Mais Mises, menos Marx”. Dispo-
nível em: <http://marxismo21.org/wp-content/uploads/2015/04/Mises-Marx.pdf>. Acesso em:
02/09/2017.

DIREITA E ESQUERDA NA HISTÓRIA... | 53


MUNIZ FERREIRA

aceitem as regras contratuais da sociedade do “livre mercado” ou desres-


peitem o princípio da soberania absoluta da propriedade privada, defen-
dendo até mesmo “ditaduras temporárias” e formas aristocráticas de exercí-
cio do poder.
Na noite mercantilizada dos indivíduos proprietários, todos os Esta-
dos intervencionistas são vermelhos e pardos. Assim, os fascistas, elogiados
um dia por Mises, como uma alternativa válida para a defesa do capital e da
propriedade, converteram-se depois em furibundos inimigos das liberdades,
individuais e econômicas, portadores de concepções autoritárias, “populis-
tas” e “estatistas”, de extração socialista, do mesmo tipo da de seus arqui-
inimigos, os comunistas. Estava instaurada uma das mais espetaculares sim-
plificações conceituais da história do pensamento político de todos os tem-
pos: a inscrição dos fascismos no campo das esquerdas e a identificação
orgânica e estrutural entre fascistas, socialistas e comunistas.
Por mais persuasiva e convincente que esta infundada redução
possa parecer aos olhos e ouvidos de pessoas dotadas de intelecto pregui-
çoso, ou pouco instruído e suscetível ao poder da propaganda, ela evidencia
o esgotamento dos recursos imaginativos da consciência liberal, na época
de realização de suas mais sombrias distopias. O máximo volume de sua
reverberação precederá o canto de cisne da credibilidade das agências e
sujeitos que tiverem tido a infelicidade de apregoá-la.

DIREITA E ESQUERDA NA HISTÓRIA... | 54


MUNIZ FERREIRA

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DIREITA E ESQUERDA NA HISTÓRIA... | 56


O conceito de nação e do
nacionalismo presentes no partido
de extrema direita, o Front National
Guilherme Franco de Andrade*1

O surgimento da nação moderna

O nascimento das nações modernas como conhecemos hoje teve


sua primeira experiência na declaração de Independência dos Estados Uni-
dos da América e na formação da Primeira República representativa, inspi-
rado pelas ideias iluministas desenvolvidas na França no século XVIII. Entre-
tanto, a formação das primeiras nações modernas é um tema ainda muito
debatido no meio acadêmico, existindo diversos debates sobre os entornos
da construção da nação.
O estudo dos fenômenos do nacionalismo na Europa é visto como
um produto das transformações da sociedade capitalista, assim como o de-
senvolvimento e a ampliação do Estado, como órgão responsável pelo prin-
cipal controle das sociedades. O nacionalismo também é analisado como
um produto da construção histórica das nações modernas.

———————
* Guilherme Franco de Andrade é doutor em História pela PUC-RS. E-mail: guilherme_
andrade@hotmail.com.
GUILHERME FRANCO DE ANDRADE

A importância de estudá-lo não reside apenas no ponto de vista das


relações humanas com seu meio, sobretudo dos riscos que o ultranaciona-
lismo ocasionou na Europa nos séculos XIX e XX, mas compreende também
a urgência e a atualidade da temática, visto que o continente europeu tem
sido palco de levantes sociais e de demonstrações extremistas de grupos
nacionalistas. Ante o agravamento da crise econômica, o enfraquecimento
da política dos partidos tradicionais e dos conflitos de identidade nacional,
percebemos maior aceitação e espaço para partidos e grupos nacionalistas
no cenário político europeu que ganham força eleitoral em países com insti-
tuições historicamente estabelecidas.
O desenvolvimento da nação é, portanto, objeto crucial do ideal na-
cionalista. Sua materialidade, sua expansão territorial — ou manutenção das
fronteiras —, a política voltada para seus membros — em que uma única
comunidade política é beneficiada — têm como base os mesmos pressu-
postos e sentimentos nacionais. Devemos lembrar que existe uma impor-
tante separação entre o que é nação como federação e o que são o Estado
e suas funções burocráticas e administrativas, configurando-se, afinal, dois
lados de uma mesma moeda. Nesse sentido, o nacionalismo funciona como
uma engrenagem que consegue desenvolver sentimentos de amor à pátria
e estabelecer projetos que buscam o desenvolvimento nacional e dos cida-
dãos, ainda que no âmbito da estrutura do Estado.
A diferença do significado objetivo entre Estado e nação fica mais
evidente quando conseguimos enxergar as diferenças entre ambas: o Es-
tado, em sua composição, é formado por instituições públicas, por estruturas
hierárquicas e é detentor exclusivo do monopólio da força e da coerção. A
nação, em sentido estrito, é uma comunidade “imaginada”, política, com-
posta por indivíduos com aproximações culturais, detentora de singularida-
des linguísticas, semelhanças étnicas e pelo sentimento de pertencimento a
um mesmo território comum.

O CONCEITO DE NAÇÃO E DO NACIONALISMO PRESENTES NO PARTIDO DE EXTREMA DIREITA... | 58


GUILHERME FRANCO DE ANDRADE

Para o historiador Eric Hobsbawm (1992, p. 27), a nação em seu


modelo atual teria a "característica básica da nação moderna e de tudo o
que a ela está ligado é a sua modernidade”. Segundo ele, as nações moder-
nas como conhecemos se diferenciam das outras formações nacionais do
passado pelo fato de o discurso nacional estar ligado às políticas governa-
mentais e à política capitalista liberal. Tal característica particular das na-
ções modernas não existia nas nações até a Revolução Francesa. Assim,
Hobsbawm estabelece uma separação entre nação e nação moderna, tendo
como principal diferença quando o Estado opera o conceito em seu discurso
político e social. A criação da nação como projeto de sociedade linguística
e etnicamente homogênea fez parte do projeto político liberal que se desen-
volveu de forma majoritária nos séculos XIX e XX. Nas nações modernas, é
o governo que está diretamente ligado ao conceito de nação; ele é o princi-
pal responsável por criar formas burocráticas, organiza os padrões oficiais
da sociedade, elegendo uma língua oficial. Além disso, designa uma religião
oficial, opera uma máquina administrativa para o envolvimento dos cidadãos
e a lealdade ao Estado.
Para o historiador Benedict Anderson (1983), a nação nada mais é
do que uma comunidade limitada, soberana e, sobretudo, imaginada. Limi-
tada porque, por maior que elas sejam, sempre haverá fronteiras finitas; so-
berana porque pressupõe lidar com um grande pluralismo. Viva e, final-
mente, imaginada porque seus indivíduos, mesmo nunca conhecendo inte-
gralmente uns aos outros, compartilham signos e símbolos comuns que os
fazem reconhecer-se como pertencentes a um mesmo espaço imaginário.
Ainda sobre o conceito de nação, segundo Hans-Jurgen Puhle, para
se estudar o desenvolvimento das nações modernas europeias, faz-se ne-
cessário compreender diversos fatores que contribuíram para seu desenvol-
vimento. Para Puhle (1994, p. 13.), o continente europeu é um produto de

O CONCEITO DE NAÇÃO E DO NACIONALISMO PRESENTES NO PARTIDO DE EXTREMA DIREITA... | 59


GUILHERME FRANCO DE ANDRADE

sua história, pois sua formação vai além das suas fronteiras, regiões, Esta-
dos e nações, sendo que não teria como sobrepor uma ordem de importân-
cia, ou maior relevância em uma característica sobre a outra. Investigar
como se deram essas transformações é o que contribui para a abordagem
do processo real de construção das nações europeias.
Além das questões da formação das fronteiras e regiões europeias,
o autor também elucida a importância de outros fatores que contribuíram
para o desenvolvimento das nações modernas, como as questões de ordem
econômica, social e política que constituem questões específicas, resul-
tando em construções, invenções das “identidades” locais e regionais, que
são resultado também do mercado e da sociedade civil (PUHLE, 1994, p.
13). Dessa forma, uma nação é resultado da construção de diferentes regi-
ões, de diferentes Estados, com indivíduos de diferentes nações. E isso de-
vido à enorme riqueza cultural e da diversidade existente em toda a Europa.
Segundo Puhle, tais características do continente europeu impõem ao pes-
quisador o cuidado e a preocupação preliminar com duas questões de ex-
trema relevância. A primeira é a existência de um amplo material a ser mol-
dado, investigado e explorado. Já a segunda se refere aos processos histó-
ricos complexos de interações, interferências de instituições e até mesmo as
formas de violência a partir das quais são moldadas identidades. Estes são
aspectos, segundo o autor, igualmente importantes e não devem ser esque-
cidos (PUHLE, 1994, p. 13).
Para alguns pesquisadores, os movimentos nacionalistas tiveram
seu auge no final do século XIX e início do século XX, com o final da pós-
Segunda Guerra Mundial, que marcou a derrota do nazismo e do fascismo,
principais modelos políticos nacionalistas — uma conjuntura em que nacio-
nalismo perdeu sua emergência e significado para as massas. No plano po-
lítico, o discurso nacional foi substituído pela defesa do sistema capitalista,

O CONCEITO DE NAÇÃO E DO NACIONALISMO PRESENTES NO PARTIDO DE EXTREMA DIREITA... | 60


GUILHERME FRANCO DE ANDRADE

devido à intensificação do conflito do Ocidente frente o comunismo da União


Soviética. Os discursos nacionalistas só voltariam a entrar em destaque na
década de 1990, com o fim da União Soviética e início dos processos sepa-
ratistas na Europa, África e Ásia (BRUBAKER, 1996).
Para Brubaker (1996, p. 23), a União Soviética era um Estado multi-
nacional, não só em termos demográficos e étnicos — além da extraordinária
heterogeneidade étnica de sua população —, mas, fundamentalmente, em
termos institucionais. O Estado soviético era tolerante e agia de forma pas-
siva para a não integração dessas comunidades à cultura soviética. Assim,
essas múltiplas nações estavam institucionalizadas como componentes fun-
damentais do Estado e seus cidadãos. Por não planejar um processo de
transformação dessas “nações” como parte integral da sociedade soviética,
a União Soviética preparou sua própria morte, pois a não integração foi cru-
cial para a desintegração do Estado soviético e para moldar os conflitos se-
paratistas que ainda prevalecem em Estados russos (BRUBAKER, 1996, p.
41). Sob este mesmo modelo, outros países do Bloco Comunista sofreram
com processos históricos parecidos, como é o caso da Iugoslávia em seu
processo de desintegração. Cabe destacar que, nesse processo de des-
mantelamento dos países comunistas, verificamos o ressurgimento dos mo-
vimentos nacionalismo e separatistas na década de 1990, tanto nos países
da Europa Oriental como na Europa Ocidental (BRUBAKER, 1996, p. 42).
O retorno dos partidos e movimentos nacionalistas no fim da década
de 1980-1990 trouxe novas perguntas para os pesquisadores, tais como:
“Como compreender o retorno da pauta nacionalista no cenário político, em
um mundo globalizado e interligado?” “Quais as novas pautas políticas dos
novos movimentos nacionalistas?” Na academia na década de 1990, se-
gundo Hroch (1996), os pesquisadores que se deram ao trabalho de inves-
tigar esses novos fenômenos no calor de seu aparecimento procuraram ex-

O CONCEITO DE NAÇÃO E DO NACIONALISMO PRESENTES NO PARTIDO DE EXTREMA DIREITA... | 61


GUILHERME FRANCO DE ANDRADE

plicar que, durante os regimes comunistas, o nacionalismo teria sido proi-


bido, visto que a tendência política da internacional comunista era de âmbito
internacionalista; portanto, o nacionalismo não era incentivado pelos gover-
nos comunistas. Dessa forma, as pesquisas sobre o nacionalismo colocaram
como resposta o retorno do nacionalismo como resultado de problemas mal
resolvidos pelo comunismo. Para Hroch, esses argumentos, por um período
razoável, foram convincentes para explicar o nacionalismo no final do século
XX, mas, nos últimos cinco anos, essa perspectiva passaria a ser refutada
pelos novos pesquisadores (HROCH, 1996, p. 36).
Dessas teorias antigas, o que sobreviveu, segundo Hroch (1996, p.
37), foi o conceito de nacionalismo como espécie de “epidemia” que deve
ser tratada; nestes termos, o principal paradoxo do nacionalismo seria en-
contrar um método adequado para tratar essa problemática. Segundo o au-
tor, é necessário procurar explicações mais profundas para explicar o apa-
recimento do nacionalismo no século XXI e as implicações que tais movi-
mentos podem ter no futuro da sociedade europeia. É necessário, diante
disso, compreender a ascendência dos movimentos nacionalistas através
do processo histórico especifico de cada país.
Hroch evidencia que cabe ao historiador, em primeiro lugar, fazer
considerações sobre o conceito de “nacionalismo” ponderando sua aplica-
ção nas diversas áreas das ciências humanas. O tom generalizante com que
costuma ser abordado pode lhe conferir diversos significados, alguns dos
quais empobrecedores de sua real significação e esquivos das necessárias
problematizações. Explorar de forma ampla e generalizada o conceito de
nacionalismo, pretendendo com isso caracterizar diferentes processos his-
tóricos, contribui para tornar ainda mais difícil a compreensão de suas parti-
cularidades (HROCH, 1996, p. 37). Contrapondo-se a isso, Hroch esclarece
que a abordagem do nacionalismo deve ser restrita à sua formação original,

O CONCEITO DE NAÇÃO E DO NACIONALISMO PRESENTES NO PARTIDO DE EXTREMA DIREITA... | 62


GUILHERME FRANCO DE ANDRADE

ou seja, não como sinônimo de identidade nacional ou programa de desen-


volvimento nacional, mas “como um estado de espirito (mental e coletivo),
que dá prioridade aos interesses e valores da nação, acima de todos os
outros interesses e valores” (ibidem). Dessa forma, na questão contemporâ-
nea do reaparecimento do sentimento nacionalista, o autor recomenda que
tratemos esse processo como “movimento nacional”, que é compreendido
como um esforço organizado por parte de alguns setores da sociedade, na
busca de determinados “direitos”.
Na esteira desse raciocínio, para uma compreensão mais acurada
dos movimentos nacionais e do nacionalismo, é necessária a formulação
preliminar de algumas premissas, as quais, segundo o autor, seriam deter-
minantes para a abordagem do processo histórico estudado. Em primeiro
lugar, “nacionalismo” deve ser entendido como expressão de um grupo so-
cial existente em determinada nação, compreendido como resultado de um
longo processo de formação do Estado-nação. Em segundo lugar, o princi-
pal elemento de compreensão de formação de uma nação é a identidade
nacional, e não o nacionalismo. E, em terceiro lugar, o processo de forma-
ção das nações modernas não foi um erro na História, como sugerem alguns
autores — pressupondo o nacionalismo como responsável pelas duas guer-
ras mundiais no século XX —, mas, antes, um processo natural de transfor-
mação da sociedade europeia moderna, em paralelo com a industrialização,
o capitalismo e a burocratização das instituições nacionais. Outro pronto im-
portante para a análise da emergência do nacionalismo seria compreender
também a emergência das nações, das formações das identidades nacio-
nais e as disputas entre determinadas culturas que habitam o mesmo es-
paço cotidiano, como um processo que ocorre majoritariamente no mundo
ocidental.

O CONCEITO DE NAÇÃO E DO NACIONALISMO PRESENTES NO PARTIDO DE EXTREMA DIREITA... | 63


GUILHERME FRANCO DE ANDRADE

Dessa forma, no que tange ao nosso objeto, que é o estudo do par-


tido de extrema direita francês, o Front National, observamos como, conhe-
cido por sua postura ultranacionalista, ele ganha maior evidencia e destaque
a partir da década de 1990.

A extrema direita europeia

Embora esse campo de pesquisa seja extremamente debatido na


academia, não existe consenso entre os diversos pesquisadores sobre uma
categoria de análise que seja suficiente para agrupar esses partidos. Por ser
um objeto de estudo atual e em constante transformação e ressignificação,
além de localizado dentro da perspectiva historiográfica, chamada história
do tempo presente ou história imediata, ele é bastante extenso e controverso.
Segundo Jean-Yves Camus, podemos compreender o aparecimento
da extrema direita no século XX através de “três ondas” históricas. 1 A
primeira coincide com o início dos movimentos extremistas e a consolidação
do seu modelo, através de sua implantação nos regimes nazifascistas na
década de 1930. A segunda onda corresponde aos movimentos
neofascistas que procuram reorganizar-se na Europa durante a Guerra Fria,
principalmente na França, Espanha, Portugal e Itália. Além dos movimentos
neofascistas e negacionistas que surgiram na Europa na década de 1960,
as ditaduras em Portugal e Espanha, que pertenciam à primeira onda da
extrema direita, remodelaram-se e serviram de exemplo para inspirar alguns
grupos da segunda onda. Em ambos os países, a transformação do modelo
de governo afastou-se um pouco da ideologia do fascismo clássico, como
no tocante ao abandono do corporativismo e das questões raciais. Ambos

———————
1
CAMUS, J-Y. Metamorfoses políticas na Europa. Le Monde Diplomatique Brasil, 01/05/2002.
Disponível em: <http://diplo.org.br/2002-05,a299>. Acesso em: 10/05/2011.

O CONCEITO DE NAÇÃO E DO NACIONALISMO PRESENTES NO PARTIDO DE EXTREMA DIREITA... | 64


GUILHERME FRANCO DE ANDRADE

os governos tentavam legitimar seus governos autoritários com base na


defesa nacional e na contenção do avanço do comunismo na Europa,
característica que também marcava os movimentos de extrema direita em
outros países europeus. Na França, isso se deu por meio dos grupos Jeune
Nation e Fedération des Étudiants Nacionalistes 2 e, na Itália, pelo MSI —
Movimento Social Italiano.3
A terceira onda dos partidos extremistas ocorre quando realmente
voltam a ter espaço político, ou seja, durante a década de 1980. É nesse
período que os partidos de extrema direita passam a assumir um projeto
econômico ultraliberal, protestando contra a imigração africana e asiática na
Europa, assumindo uma postura de defesa “cultural” de cunho xenófobo e
nacionalista.
A extrema direita, como podemos verificar, tem sido desde a metade
do século passado tema de grande relevância acadêmica, sendo cada vez

———————
2
A Federação dos Estudantes Nacionalistas (FEN) surgiu durante os anos da Guerra da Argélia,
no meio universitário. Era ultranacionalista, racista, xenófoba, antissemita e antiliberal. Seu
objetivo principal durante o conflito argelino era conseguir disseminar o seu programa
antidemocrático no meio universitário. Fundada por estudantes da Universidade de Sorbonne,
que se colocavam como “vanguarda”, tinha como objetivo desenvolver um projeto político para
a extrema direita. Os fundadores da FEN utilizavam os pseudônimos François d’Orcival e
Fabrice Laroche para assinar os textos produzidos por Amaury de Chaunac-Lanzac e Alain de
Benoist, respectivamente. Sua criação foi, aparentemente, uma resposta dos estudantes
conservadores à crescente vertente dos marxistas na academia francesa e dos movimentos
estudantis, em particular a Union Nationale des Étudiants de France (UNEF).
3
O MSI surgiu no cenário político italiano logo após a Segunda Guerra Mundial, fornecendo,
anos adiante, corpo à Alleanza Nazionale. As duas agremiações, com trajetória em comum,
auxiliam a compreender o processo e a possibilidade de definição conceitual de neofascismo.
Criado, inicialmente, a partir dos quadros do Partito Nazionale Fascista e da própria burocracia
do regime fascista italiano, o MSI buscava arregimentar o capital político e a mobilização
fascista após a queda do fascismo, mantendo alguns de seus referenciais e postulando a
herança fascista de modo explícito. A este respeito, ver: MARCHI, Riccardo. Movimento sociale
italiano, Alleanza Nazionale, popolo delle liberta: do neofascismo ao pós-fascismo em Itália.
Analise Social, v. XLVI, n. 201, 2011, pp. 697-717.

O CONCEITO DE NAÇÃO E DO NACIONALISMO PRESENTES NO PARTIDO DE EXTREMA DIREITA... | 65


GUILHERME FRANCO DE ANDRADE

mais alvo de pesquisa de diversos campos das ciências humanas, princi-


palmente entre historiadores, filósofos e cientistas sociais. E sobretudo após
o ressurgimento de plataformas políticas chauvinistas e xenófobas no final
do século XX e início do século XXI.
A primeira dificuldade encontrada no estudo da extrema direita se
dá do ponto de vista conceitual, dada a existência de ampla literatura que
trata desses movimentos políticos desde 1960. As diferentes formas de
categorização e abordagem nos chamam a atenção para um primeiro
questionamento sobre qual categoria define concretamente essa classe
política, já que os especialistas a categorizam de diferentes formas: direita
radical, ultradireita, extrema direita, direita nacionalista, ultranacionalista,
além de outras formas e expressões possíveis para denominar esses
partidos. Por outro lado, as divergências e influências políticas também
dificultam a categorização desses partidos. Os grupos de extrema direita
possuem uma literatura própria, com questões históricas, políticas e
nacionais específicas, o que torna difícil homogeneizar todos esses grupos
em uma mesma categoria de análise.
Outro ponto que merece destaque é que, em mais de 50 anos de
pesquisa sobre a extrema direita, a academia anglo-saxônica não conseguiu
chegar a uma terminologia em comum, problema já mencionado aqui, mas
ainda mais relevante quando se pondera que ele também constituiu um
campo de disputa intelectual. Dito de outra forma, a quantidade de termos
e diferentes conceituações sobre o objeto de pesquisa em si também é alvo
de disputas entre diferentes correntes de pensamento acadêmico, o que
colabora mais ainda para a dissidência terminológica.

Quando o processo de avanço científico está muito ligado


às condições políticas, e a atual definição do problema se
torna o principal critério para sua relevância, existe o agudo

O CONCEITO DE NAÇÃO E DO NACIONALISMO PRESENTES NO PARTIDO DE EXTREMA DIREITA... | 66


GUILHERME FRANCO DE ANDRADE

perigo de reflexão trivial, sem fôlego e não-histórica. A fina-


lidade política domina ou, pelo menos, prejudica o nível
de conhecimento e as análises se tornam empiricamente
anuladas.4 (BACKES, 1990)

De acordo com Hainsworth:

A extrema direita contemporânea surgiu em circunstâncias


sociopolíticas e históricas muito diferentes das extrema
direita pré guerra e durante a da guerra. Notavelmente, a
democracia liberal e capitalista tornou-se mais embutida na
Europa Ocidental e o clima internacional evoluiu da Guerra
Fria para o degelo, para aceitar a "queda do muro" e a
retirada do comunismo.5 (HAINSWORTH, 2008, p. 2)

Em termos políticos, podem-se comparar quatro características


essenciais que diferenciam a extrema direita do fascismo: a visão econômica,
o posicionamento político, o nacionalismo e o militarismo. Neste sentido, a
extrema direita rompeu com alguns dos paradigmas que caracterizam o
fascismo. No plano econômico, os novos partidos radicais se posicionam a
favor do capitalismo e do mercado, não se colocam mais como “terceira via”,
ou se apresentam como alternativa entre o capitalismo e o socialismo. No
começo da década de 1980, o FN, por exemplo, pregava o ultraliberalismo,
que depois foi alavancado por Ronald Reagan e Margareth Thatcher
(BASTOW, 1997). Nas questões sociais, a extrema direita defende o estado

———————
4
Em tradução livre: “When the process of scientific catch-up is linked too much to the political
conditions, and the topicality of the definition of the problem becomes the main criterion for its
relevance, the acute danger of trivial, breathless, non-historical reflection exists. Political pur-
posiveness dominates or at least harms the level of knowledge of empirically crashed analyses.”
5
Em tradução livre: “The contemporary extreme right has emerged in socio-political and histor-
ical circumstances that are very different to the pre-war and war-time ones. Notably, liberal and
capitalist democracy has become more embedded in Western Europe, and the international
climate has evolved from Cold War to thaw, to take in the ‘fall of the wall’ and the retreat from
communism.”

O CONCEITO DE NAÇÃO E DO NACIONALISMO PRESENTES NO PARTIDO DE EXTREMA DIREITA... | 67


GUILHERME FRANCO DE ANDRADE

de bem-estar social, mas com limitações a partes especificas da população.


Na concepção do Estado, essa nova direita abandonou a centralização do
poder de um governo com um único partido — embora seja importante dizer
que não temos nenhum exemplo de partidos de extrema direita em um cargo
presidencial ou posição majoritária com legitimidade e apoio das massas
para imprimir um golpe. A parte mais radical desses partidos se dá nas
questões da segregação étnica, do controle rígido da imigração, na moral
cristã e em posicionamentos conservadores em relação às minorias
(BASTOW, 1997, p. 70).
Outra diferença é o abandono do militarismo e das formações de
milícias, que eram de vital importância para os regimes fascistas, para
garantir a manutenção do poder, o controle sobre a sociedade e também no
tocante aos planos expansionistas, o que não ocorre com os partidos de
extrema direita. Sua posição é extremamente nacional no que respeita à
defesa de sua nação e o controle das fronteiras, e não existe um projeto
internacionalista nem alinhamento político com outras nações em um grande
projeto extremista (ibidem, p. 72).
Dentre as características que comumente são ligadas ao fascismo e
também à direita radical está o nacionalismo.6 Em ambos os movimentos, o
nacionalismo é um fator importantíssimo, muito embora as concepções de
nação e nacionalismo sejam bastante diferentes.
Diferente do nacional-socialismo que tinha como projeto de mil anos
a expansão da sua ideologia para outras nações “arianas”, a extrema direita
atual sequer planeja projetos expansionistas. O nacionalismo conforme en-
tendido por eles é algo estritamente regional, próprio; é uma relação quase

———————
6
O nacionalismo será discutido no item 1.2.2. do presente texto.

O CONCEITO DE NAÇÃO E DO NACIONALISMO PRESENTES NO PARTIDO DE EXTREMA DIREITA... | 68


GUILHERME FRANCO DE ANDRADE

de inversão do expansionismo e algo que deve ser protegido como um “ani-


mal em extinção”, sendo imprescindível também que exista em um espaço
geográfico definido, sem expandir fronteiras. Diferente do que acontecia na
Segunda Guerra Mundial, em que os movimentos nacionalistas lutavam por
questões territoriais, por limites de fronteiras, ou para resgatar território per-
dido ou anexado por outros países, até mesmo em disputas por colônias, os
partidos de direita radical na Europa não têm em sua agenda tais pautas. Do
ponto de vista internacional, por exemplo, o FN defende a autonomia de
cada país europeu, dentro de seus limites geográficos, para que todos pos-
sam exercer seus costumes culturais e linguísticos, demonstrando simpatia
pelas individualidades culturais, desde que elas fiquem a uma boa distância
de seu país (TAGUIEFF, 1997).
Outra diferença crucial no que tange ao nacionalismo da extrema
direita na atualidade é não ser orientado por uma questão “étnica”. Muito
embora o racismo, o antissemitismo e a xenofobia sejam características
presentes nesses partidos, não existe um programa de purificação racial,
cujo sucesso é essencial para o futuro do país, como era o caso do nazismo
na Alemanha (WIEVIORKA, 1992).
Segundo Wieviorka (1997), a atual extrema direita se orienta menos
pelas questões biológicas como outrora; não existe um programa eugenista,
ou de purificação racial no programa político desses partidos. O preconceito
que existe se orienta por um senso de inferioridade em relação a tudo aquilo
que não se encaixa categoricamente no padrão nacional, ou seja, quando a
relação é de inferioridade cultural, religiosa, linguística e econômica não está
relacionada com a questão étnica, mas com posições sociais (ibidem).
Finalmente, o militarismo, que foi base fundamental para a ascensão
do nacional-socialismo e também para o fascismo, hoje sequer existe nos
partidos radicais. Ainda que em grupos neonazistas e skinheads exista uma

O CONCEITO DE NAÇÃO E DO NACIONALISMO PRESENTES NO PARTIDO DE EXTREMA DIREITA... | 69


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exaltação das forças repressivas e que o visual estético seja uma forma de
geração do medo, nos partidos políticos o militarismo é deixado de lado
(SHIELDS, 2007). Muito embora o FN tivesse em suas fileiras vários ex-
combatentes da Guerra da Coréia e da Argélia, o partido nunca possuiu
milícias de combate ou relação direta com o exército francês.7 Esse ponto
remete de novo à questão do nacionalismo: como no fascismo, o nacionalis-
mo estava intimamente ligado ao exército e a seus feitos históricos, sobre-
tudo na exaltação dos heróis de guerra. No que diz respeito à extrema direita,
obviamente existe um respeito pelas forças armadas, mas nada mais do que
o respeito pelos soldados que defendem a nação, como em qualquer outro
país (SHIELDS, 2007).
Para Camus (1989), o que definiria os partidos de extrema direita
europeus como família partidária seria, em primeiro momento, uma matriz
ideológica em comum, constituída pelo nacionalismo (étnico), pelo auto-
ritarismo e pelo programa político de cunho “populista-nacionalista”. Embora
haja diferenças nas pautas políticas de cada partido que compõem essa
“família”, a ideologia é o que constituiu a principal característica de
aproximação entre eles. Conforme reitera Mudde (2000), o primeiro critério
utilizado para categorizar os partidos de extrema direita é a matriz ideológica
e política; são essas aproximações que os definem como membros dessa
subfamília política.
Os partidos de extrema direita estão inseridos no cenário democrá-
tico e agem dentro dos limites impostos pelas democracias ocidentais;
portanto, o uso do termo “extremo” não está associado à violência ou
qualquer referência ao fascismo, mas às concepções e posicionamentos
políticos, ao contrário do que aponta Norris.

———————
7
Sobre o período das guerras coloniais, ver: JAUFFRET & VAÏSSE, 2012; MONNERET, 2008,
pp. 144-145; MONTAGNON, 1984, pp. 127-128; STORA, 2005, p. 25; e ERVILLE, 2002.

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GUILHERME FRANCO DE ANDRADE

Nesse mesmo sentido, tanto Taguieff (1997) como Rydgren (2005)


reforçam o argumento que dissocia a extrema direita do fascismo tradicional,
indo no sentido contrário às colocações de Norris (apud TAGUIEFF, 1997).
Portanto, a extrema direita é assim denominada por se enquadrar no extremo
do espectro político e ideológico dos partidos de direita.
Em termos políticos, os partidos de extrema direita compartilham das
seguintes características: rejeição ao multiculturalismo e ao pluralismo,
oposição ao liberalismo econômico e autoritarismo nos âmbitos social e
cultural. No sentido religioso, o FN tem uma ligação enorme com o catolicis-
mo, mas defende a laicidade do Estado. Em outros partidos de extrema
direita, predominam as religiões católicas e protestantes. Para Mudde, po-
demos definir a extrema direita a partir de três pontos: o nacionalismo, o
autoritarismo e a xenofobia.
Para Carter (2005, p. 16), a extrema direita é caracterizada por sua
rejeição aos valores fundamentais (direitos humanos), procedimentos e
instituições (eleições livres, iguais, diretas e secretas, competição partidária,
pluralismo, estado de direito, separação de poderes) do Estado democrático
constitucional, ao passo que se distingue por aquilo que abraça: o abso-
lutismo e o dogmatismo. Os partidos de extrema direita vão além: na sua
compreensão de Estado e nação, o sentimento de pertencimento étnico, de
nacionalismo, transforma a relação de como o Estado deve atuar. Nesse
sentido, o Estado é percebido como organismo que deve controlar e suprir
as necessidades da população, ou seja, para a extrema direita, o Estado é
responsável por garantir privilégios à população local frente aos estrangeiros.
E os privilégios não só do ponto de vista econômico, mas também no que
respeita à prioridade em empregos, ao acesso à moradia, à ampliação do
estado de bem-estar social, à educação e saúde pública, todas garantidas
pelo Estado. Segundo Rydgren (2005), tais preocupações e mudanças no

O CONCEITO DE NAÇÃO E DO NACIONALISMO PRESENTES NO PARTIDO DE EXTREMA DIREITA... | 71


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projeto político da extrema direita é um das características principais que a


separam da tradição fascista.
Para Carter (2005), “o extremismo de direita enfatiza a noção de
desigualdade dos indivíduos e os modelos de extrema direita da ordem polí-
tica e social estão enraizados na crença na necessidade de desigualdade
social e política”. 8 Dessa forma, percebemos que o projeto político da
extrema direita acredita que a desigualdade faz parte das democracias
liberais e do processo natural da sociedade, sendo função do Estado garan-
tir que ela seja institucionalizada.
Para Minkenberg, um dos grupos intelectuais que mais influenciaram
o pensamento dos partidos de extrema direita é o movimento Nova Direita,9
de Allain Benoit. Esse grupo, pertencente à extrema direita da terceira onda,
teve papel importante para a transição dos movimentos de extrema direita,
da base do fascismo, para a mudança ideológica dos anos 80. Segundo
Minkenberg, a Nova Direita defendia que o multiculturalismo era uma
espécie de câncer para as culturas europeias, por defender a incompatibili-
dade entre as culturas ocidentais com a cultura dos imigrantes, principal-
mente os de origem africana (mulçumanos). A Nova Direita foi, neste sentido,
um dos movimentos responsáveis pela transição do racismo étnico para o
preconceito cultural, que foi amplamente aceito pela extrema direita,
inclusive pelo FN.

———————
8
Em tradução livre: “Institutionalized right-wing extremism emphasizes the notion of inequality
of individuals and ‘extreme right-wing models of political and social order are rooted in a belief
in the necessity of institutionalised social and political inequality.”
9
A Nova Direita (Nouvelle Droite) é um movimento político intelectual francês criado por Alain
de Benoit, que criticava o multiculturalismo e a incompatibilidade entre as culturas (ocidentais
x orientais), bem como a necessidade legitima de resistência e segregação cultural. Tendo
enorme aceitação na Europa, inclusive no FN, foi a base ideológica para o racismo culturalista.

O CONCEITO DE NAÇÃO E DO NACIONALISMO PRESENTES NO PARTIDO DE EXTREMA DIREITA... | 72


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Ao analisar esta terceira onda de extremismo, é importante re-


conhecer o papel do movimento intelectual dos anos 1970 até os anos 1990
como uma força para a renovação ideológica de direita. A formulação do
conceito de “etnopluralismo” pela Nova Direita rompeu com o pensamento
antigo utilizado pela extrema direita — sobre as ideias antiquadas de
racismo biológico e superioridade branca. Ao apropriar-se diretamente do
conceito de “direito de ser diferente” da esquerda política, a Nova Direita
enfatizou a incompatibilidade entre culturas e etnias e defendeu a legiti-
midade da resistência europeia à mistura cultural. O etnopluralismo é uma
segregação politicamente forçada de culturas e etnias segundo critérios
geográficos — essencialmente, uma espécie de Apartheid global — e a
partir do contramodelo da Nova Direita sobre o multiculturalismo, que
funciona como uma estratégia modernizada contra a imigração e a integra-
ção. Ele precede e se funde às mensagens xenófobas promulgadas por
políticos e autores do mainstream.

O Front National e o nacionalismo

O partido francês, originalmente criado como Front National pour


l'unité Française10 (FN), foi fundado em 5 de outubro de 1972, procurando
reunir o eleitorado dos conservadores franceses. A direita francesa se
encontrava em situação delicada na década de 1970; em primeiro lugar, os
movimentos conservadores não obtinham confiança e respeito da popula-
ção. Após várias tentativas de organização partidária, ou de formação de
outros movimentos conservadores, a direita estava desorganizada, dividida
em pequenas facções. Durante o periodo do pós-guerra até a década de

———————
10
Frente Nacional pela união francesa, nome que seria abandonado futuramente perma-ne-
cendo apenas o Frente Nacional (Front National).

O CONCEITO DE NAÇÃO E DO NACIONALISMO PRESENTES NO PARTIDO DE EXTREMA DIREITA... | 73


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1970, os grupos conservadores haviam falhado em suas tentativas de


representação política e de união partidária (MAYER & SINEAU, 2002, p. 43).
No início do FN, segundo Paulo Fagundes Vizentini (2000), o partido
foi uma mistura de várias vertentes do pensamento conservador, incluindo
os nostálgicos de Vichy e os anti-Gaulle11 neofascistas, intelectuais e ativis-
tas, sob a liderança de Jean-Marie Le Pen. Os membros dos partidos de
extrema direita na Europa apresentavam particularidades distintas:

Os partidos de extrema direita tinham uma composição etá-


ria curiosa. Eram formados por pessoas acima de 60 anos
e que haviam sido nazistas no passado; e depois se-guia-
se a faixa de pessoas de meia idade, onde a pirâmide redu-
zia-se drasticamente; abaixo, uma ampla base social de jo-
vens entre dezesseis e vinte e quatro anos. [...] Fora essa
exceção, normalmente os partidos viviam uma vida vegeta-
tiva e semiclandestina; veteranos de guerra, entre outros,
que tinham seus clubes e associações e que uti-lizavam
certas causas periféricas (cabe salientar que essa é uma
forma de retomar-se a linha política). (VIZENTINI, 2000, p.
51)

A criação do FN foi inspirada no sucesso eleitoral do partido neofas-


cista italiano, o Movimento Sociale Italiano (MSI). O início do partido se deu
com grupos distintos, incluindo membros do governo de Vichy, opo-sitores
do general De Gaulle, membros do movimento poujadista, neofas-cistas, mi-
litantes que participaram da FEN, JN e ativistas que não possuíam vínculo
partidário, mas simpatizavam com a ideia de organizar um partido de ex-
trema direita. O início do FN esteve sob a liderança de Jean-Marie Le Pen e
François Duprat.

———————
11
Opositores do presidente francês Charles de Gaulle, que ocupou o cargo durante a ocupação
nazista na França em 1944, no exílio, e também foi presidente entre 1959 a 1969.

O CONCEITO DE NAÇÃO E DO NACIONALISMO PRESENTES NO PARTIDO DE EXTREMA DIREITA... | 74


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Segundo Jean-Yves Camus, o nacionalismo encampado pelo FN era


diferente dos outros partidos franceses. Essa diferença ficaria muito evidente
entre o nacionalismo defendido pelo partido de centro-direita e pela extrema
direita. Os partidos tradicionais que estavam intimamente ligados ao projeto
liberal não se posicionavam na defesa da soberania nacional e pouco fi-ze-
ram para manter as colônias como território francês, não priorizando a de-
fesa da cultura francesa como uma questão fundamental (CAMUS, 1989, p.
18). Já a extrema direita representada pelo FN e PFN colocava o naciona-
lismo e a defesa da pátria como prioridades, conseguindo, assim, apropriar-
se do nacionalismo, tornando-se a principal defensora das “causas nacio-
nais” na França. Tanto que o patriotismo se tornou algo próprio, legitimo, ex-
clusivo desses partidos. Segundo Camus, “a distinção entre nacionalistas
tradicionais e o nacionalismo da extrema direita, fica evidente após a guerra
da Argélia, e nos ajuda a compreender o porquê de o FN e o PFN12 liderarem
a extrema direita e se tornarem “donos” do patriotismo na França” (CAMUS,
1989, p. 19).
O FN, em seu “programa de governo”, tinha uma estrutura política e
ideológica baseada na defesa da identidade nacional, ameaçada pela imi-
gração e pela internacionalização do comércio e da globalização, e também
no retorno do “glorioso” nacionalismo francês. Em seu alegado plano de de-
fender a França, lançava-se contra seus inimigos internos (anteriormente
judeus, maçons e protestantes, agora imigrantes, principalmente árabes e
muçulmanos) e contra os inimigos externos (especulação internacional e
forças das multinacionais e do corporativismo). O FN defende valores tradi-
cionais e instituições que, segundo ela mesma, devem basear-se na iden-

———————
12
Parti des Forces Nouvelles (PFN) é um partido criado em 1974 por dissidentes do Front
National (e também da Ordre Noveau).

O CONCEITO DE NAÇÃO E DO NACIONALISMO PRESENTES NO PARTIDO DE EXTREMA DIREITA... | 75


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tidade francesa e nos princípios de família, exército, autoridade e catolicismo


(HAINSWORTH, 2004, p. 44).
O FN, em sua primeira eleição em 1973, autodeclarava-se um par-
tido defensor do nacionalismo e das raízes do povo francês, compreen-
dendo a nação francesa como resultado de uma entidade orgânica, cons-
truída por uma civilização etnicamente homogênea, sendo produto da histó-
ria, da cultura e da sua civilização (BOURSEILLER, 1991, p. 88). Segundo o
FN, a França seria uma nação construída a partir das memórias das grandes
batalhas, do sofrimento e do sacrifício da população francesa; dessa forma,
todo cidadão deveria honrar os costumes e as tradições, e essas conquistas
deveriam ser reverenciadas pela população, respeitando-se o passado de
glória (BOURSEILLER, 1991, p. 89).

O que nós temos de mais comum entre nós, aqui, hoje, e


com nossos compatriotas franceses que estão no exterior
deste recinto, é a noção de patrimônio, seu patrimônio cul-
tural acumulado por séculos de trabalho e de sacrifícios, por
gerações que nos precederam, seu imenso patrimônio mo-
ral cultural. (LE PEN, 1987. p. 10)

Nesse mesmo sentido, Jean-Marie Le Pen explica que “a nação é a


comunidade de língua, de interesse, de raízes, seus mortos, o passado, a
hereditariedade e a herança. Tudo o que a nação lhe transmite no nasci-
mento tem já um valor inestimável” (ibidem). Podemos pontuar aqui que o
discurso de exaltação das batalhas, do militarismo, da ideia de o naciona-
lismo ser hereditário nos lembra as pseudociências, as teorias raciais e a
eugenia dos séculos XVIII e XIX. Esse discurso de Jean-Marie Le Pen é uma
tentativa de tocar a população nas questões nacionalistas, visto que parte
dos militantes do FN, principalmente os ex-combatentes (Argélia e Coreia),

O CONCEITO DE NAÇÃO E DO NACIONALISMO PRESENTES NO PARTIDO DE EXTREMA DIREITA... | 76


GUILHERME FRANCO DE ANDRADE

sente frustração frente à derrota da França em manter suas colônias africa-


nas e asiáticas.
No processo de construção do projeto político do FN, podemos per-
ceber também que, além da questão militar para reforçar o nacionalismo, o
partido procurou construir outros símbolos, principalmente buscando heróis
na história da França, personalidades históricas que pudessem reforçar,
simbolizar o novo nacionalismo desenvolvido pelo Front National. Nesse pro-
cesso de busca para encontrar heróis, vemos o fortalecimento do catoli-
cismo dentro do partido. Para representar o FN, foi escolhida a figura de
Joana D’Arc como símbolo de nacionalismo do FN, uma heroína francesa,
nacionalista, católica, devota à nação, que sacrificou sua vida em prol da
liberdade do país, sem ter qualquer ação individualista, a nação acima de
qualquer desejo individual. A escolha de Joana D’Arc também passa pela
questão da busca pela tradição histórica do país, demonstração de orgulho
com o passado histórico. A escolha do símbolo do partido é também uma
forma de procurar unir todas as células dentro do partido, colocando um
novo foco a ser seguido, supondo que essa nova escolha conseguisse su-
perar antigas figuras como Napoleão Bonaparte, Marechal Pétain, General
Boulanger, Charles Maurras e Pierre Laval.
O uso da História Antiga pela extrema direita na França já ocorria
desde o governo de Vichy. Segundo Glaydson José da Silva, hoje o FN pro-
cura utilizar o passado para recriar uma identidade nacional:

É da História, como grande campo de alusões e de suas


relações com a “identidade nacional” que Le Pen extrai re-
ferências para seus discursos, estabelecendo paralelos
com heróis (sobretudo Joana D’Arc) e atos fundadores da
História nacional, criando uma França mítica da qual o par-
tido tem necessidade e faz apelo na justificativa de suas po-
sições ideológicas. (SILVA, 2007, pp. 98-118)

O CONCEITO DE NAÇÃO E DO NACIONALISMO PRESENTES NO PARTIDO DE EXTREMA DIREITA... | 77


GUILHERME FRANCO DE ANDRADE

Parte da inspiração do FN também vem do governo de Vichy. Os


saudosistas do antigo regime buscaram, em algumas leis racistas do go-
verno provisório, para incorporar ao programa do FN, principalmente nessa
época que ainda se discutia o antissemitismo no partido.
A influência do catolicismo é bastante presente no FN, quando iden-
tificamos o uso de sujeitos importantes para a Igreja Católica francesa, sím-
bolos do nacionalismo e do cristianismo francês. Dessa forma, verificamos o
uso da figura de Joana D’Arc como símbolo católico e nacionalista e também
a figura de Clovis, o rei do império franco, responsável por unir os diversos
povoados francos. Clóvis é uma figura bastante importante na cultura fran-
cesa, principalmente para os católicos. Ele foi responsável pela mudança
religiosa nos territórios francos, pois se converteu ao catolicismo, abando-
nando os cultos nórdicos, germânicos, que predominavam em grande parte
da população (DAVIES, 1993, pp.10-17). Quando Clóvis se torna cristão, ele
promove o processo de cristianização em seu reino, de modo que sua figura
para o FN tem importância em dois sentidos: primeiro, por representar um
ícone do nacionalismo francês, por ter unificado os territórios francos e dado
início ao que se tornaria futuramente a França. E, em segundo lugar, pelo
forte apelo católico que Clóvis representa junto à ala católica do partido
(DAVIES, 2010, pp. 576-587). Para Peter Davies, a elevação de Joana D’Arc
e Clóvis como símbolos do partido corresponde à nova visão do FN sobre
nacionalismo, como esses dois sujeitos representando o que há de mais
puro e fiel à história e tradição da França (DAVIES, 1999, p. 20).
Quanto ao nacionalismo do FN, o partido procurou posicionar-se em
defesa dos cidadãos naturais franceses. Cabe pontuar que tal sujeito defen-
dido pelo FN seria: o cidadão francês que proviesse de uma longa geração
de franceses (podemos indicar aqui que isso seria o francês branco cauca-

O CONCEITO DE NAÇÃO E DO NACIONALISMO PRESENTES NO PARTIDO DE EXTREMA DIREITA... | 78


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siano), católico, nacionalista, identificado com sua terra, um cidadão orgu-


lhoso de suas raízes e identificado com a História da França, que valorizasse
o desenvolvimento da nação acima da vontade individual (FN, 1973).
Para Jean-Yves Camus, a questão da nação é algo central no FN,
sendo o nacionalismo o principal ponto de referência ideológico. Podemos
afirmar que a ideia da nação é o ponto vital, é a fonte principal de luta e é
fundamental para o discurso do partido (CAMUS, 1989, p. 18). Dar ênfase à
nação é a questão-chave para ocupar os espaços deixados pelos outros
partidos. A defesa da nação como pauta da agenda política do FN tem dois
objetivos: o primeiro é para legitimar a ideia de o nacionalismo pertencer ao
FN, e quando outro partido utiliza dessa tática o FN sai em defesa da sua
ideia acusando a oposição de apropriação política. O segundo objetivo é
obrigar outros partidos a também fazerem um discurso que saia em defesa
da soberania nacional (ibidem).
Na concepção de nacionalismo para o FN, segundo Bruno Megret e
George-Paul Wagner, a identidade francesa é mais que nacionalismo é um
“instinto natural”. Um dos secretários do FN, Jean-Pierre Stirbois, chegou a
afirmar, em um artigo publicado na revista do partido, a National Hebdo, que
“o FN se tornou referência, quando tomou como prioridade a política nacio-
nal”, colocou que a “a nação é uma entidade política fundamental, é a crença
de que o nacionalismo prospera em situações concretas, em que indivíduos
e grupos se unem para sobreviver, proteger e se reproduzir” (STIRBOIS,
1988, p. 217).
Para James Shields, o abandono do antissemitismo nos discursos e
no posicionamento dessa nova extrema direita representada pelo FN de-
monstra uma evolução no sentido ideológico e discursivo, priorizando exclu-
sivamente a defesa do nacionalismo, da identidade francesa. Na déca-da
de 1990, a imagem do partido ficou cada vez mais acentuada à xenofobia.

O CONCEITO DE NAÇÃO E DO NACIONALISMO PRESENTES NO PARTIDO DE EXTREMA DIREITA... | 79


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Nos discursos de Jean-Marie Le Pen, o partido deveria ser lembrado como


“nacional, social e de direita popular” (FN, 1995) e também se colocava
como “nem direita, nem esquerda — francês” (FN, 1994, p. 4).
No que tange à principal característica do FN, sem nenhuma sur-
presa é a defesa incondicional do nacionalismo e da nação. Desde seu iní-
cio, em 1973, até meados dos anos 1990, os líderes do partido coordenaram
diversas campanhas políticas na defesa da nação, colocando como contra-
ponto a visão internacionalista do socialismo (BIRENBAUM, 1992, p. 67). O
anticomunismo e o antissocialismo têm sido uma estratégia consistente, a
exploração do medo da população em relação à revolução bolchevique, ser-
viu de terreno para o crescimento do partido e para marcar posições estra-
tégicas (SIMMONS, 1996, p. 223).
A campanha de Marine Le Pen foi pautada pelo nacionalismo. Du-
rante seus discursos, seu grupo de campanha organizava o ambiente com
enormes bandeiras da França, com símbolos dourados e representações de
Joana D’Arc. O objetivo da organização da campanha do FN era criar um
sentimento de patriotismo na população e, ao mesmo tempo, atribuir um sen-
tido à campanha de Marine Le Pen. A intenção da equipe de campanha da
FN era tentar simbolizar Marine Le Pen como heroína, salvadora da pátria,
assim como Joana D’Arc, personagem histórica da França, símbolo do na-
cionalismo, do amor à pátria, da entrega e devoção à nação, símbolo da
libertação do país. Joana D’Arc é considerada uma heroína na História da
França e também figura importantíssima para a Igreja Católica francesa,
sendo considerada a santa padroeira da França. Joana D’Arc foi chefe mili-
tar durante a Guerra dos Cem Anos, entre França e Inglaterra. Capturada e
executada em 1431, tornou-se uma mártir do naciona-lismo francês, especi-
almente por ter devotado sua vida à defesa do país. A tentativa de ligar a
figura de Marine Le Pen à de Joana D’Arc é uma tentativa do FN de colocar

O CONCEITO DE NAÇÃO E DO NACIONALISMO PRESENTES NO PARTIDO DE EXTREMA DIREITA... | 80


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Marine Le Pen no estandarte do nacionalismo, a representação da devoção


e patriotismo que a candidata a presidente teria.
Durante a campanha para a eleição presidencial em 2012, Marine
Le Pen, em seu programa político do FN, coloca em pauta alguns projetos
para recuperar a econômica francesa e principalmente como objeto de re-
cuperação da soberania nacional e monetária da França. Em cada ponto
especifico do programa citado e das áreas especificas que o projeto do FN
aponta, o programa político do partido traz uma visão nacionalista, segre-
gacionista e protecionista. Em sua página de abertura, podemos verificar o
posicionamento radical do partido, quando expõe a necessidade de uma
defesa à soberania nacional e a um Estado forte, mobilizador, protecionista
e principalmente militar:

Totalmente desarmada por trinta anos de inatividade e re-


cuos face à globalização, a França deve voltar ao jogo das
nações. O emprego, a reindustrialização do país, a igual-
dade entre os franceses, o planejamento do território e a vi-
talidade dos serviços públicos dependentes.

Em razão da nossa história nacional, é, naturalmente o Es-


tado que será a ponta de lança do rearmamento da França:
Um Estado forte capaz de impor sua autoridade sobre o po-
der do dinheiro, as suas comunidades e a seus feudos lo-
cais.13 (FN, 2012, p. 5)

Nesse mesmo sentido, o FN, ainda na abertura do seu programa de


governo, explora a temática da soberania nacional e o desejo de retorno da
França como potência militar e política:

———————
13
Em tradução livre : “Totalement désarmée par trente d’ans d’inaction et de reculades face à
la mondialisation, la France doit revenir dans le jeu des Nations. L’emploi, la réindustrialisation
du pays, l’égalité entre les Français, l’aménagement du territoire et la vitalité des services publics
en dépendent. En raison de notre histoire nationale, c’est naturellement l’Etat qui sera le fer de
lance de ce réarmement de la France : un Etat fort capable d’imposer son autorité aux puis-
sances d’argent, aux communautarismes et aux féodalités locales".

O CONCEITO DE NAÇÃO E DO NACIONALISMO PRESENTES NO PARTIDO DE EXTREMA DIREITA... | 81


GUILHERME FRANCO DE ANDRADE

Uma defesa nacional ao serviço de uma ambição: proteger


a França, defender a liberdade das nações [...]. A França é
uma das cinco potências diplomáticas e militares do mundo.
Ora, nossos governos não consideram a Defesa nacional a
não ser pelo ângulo das economias orçamentárias, ou da
participação nas intervenções multinacionais frequente-
mente arriscadas, e nas quais o interesse nacional não é
evidente porque não pode haver uma grande Nação sem
uma grande Forças Armadas, nossa política de Defesa deve
estar à altura da nossa ambição nacional e internacional. 14
(FN, 2012, p. 3)

Podemos perceber que o discurso nacionalista do partido só aumen-


tou com o passar dos anos, enquanto, no cenário político, à medida que as
tensões internacionais diminuíam — o fim da Guerra Fria e da riva-lidade
com as nações socialistas —, os outros partidos não viam mais necessidade
de discutir as questões supostamente “saturadas”, como o nacionalismo e o
anticomunismo. O Front National, ao contrário dos outros partidos, reforçava
o discurso do nacionalismo e, mesmo que as bandeiras de luta tenham se
alterado, o partido continuou defendendo o patriotismo e o amor à França.

Conclusão

No que tange às questões centrais da Frente Nacional, como o na-


cionalismo, a imigração, o evidente racismo contra imigrantes africanos, a
xenofobia e aversão a culturas orientais, a postura conservadora em relação

———————
14
Em tradução livre: “Une défense nationale au service d’une ambition: protéger la France, dé-
fendre la liberté des nations [...]. La France est l’une des cinq premières puissances diploma-
tiques et militaires du monde. Or, nos gouvernements ne considèrent plus la Défense nationale
que sous l’angle des économies budgétaires, ou bien de la participation à des interventions
multinationales souvent hasardeuses, et dans lesquelles l’intérêt national n’est pas évident.
Parce qu’il ne peut y avoir de grande Nation sans grande armée, notre politique de défense se
doit d’être à la hauteur de notre ambition nationale et internationale.

O CONCEITO DE NAÇÃO E DO NACIONALISMO PRESENTES NO PARTIDO DE EXTREMA DIREITA... | 82


GUILHERME FRANCO DE ANDRADE

ao feminismo ou união homoafetiva, ou seja, na linha autoritária e fascista do


partido, podemos afirmar, a partir das leituras dos programas políticos do
FN e dos discursos Marine Le Pen e dos militantes do partido, que a suavi-
zação do discurso do FN e seu crescimento representa hoje são algo muito
mais perigoso e radical.
Na questão da imigração o partido não só se manteve um crítico fiel,
como potencializou a questão. Ela se tornou o principal mecanismo político
do partido e tem papel central na campanha de Marine Le Pen. A imigração,
assim como a questão econômica, foi remodelada, ampliou-se o foco do de-
bate para um grupo especifico de imigrantes, os imigrantes de origem mu-
çulmana.
Finalmente, a questão-chave que buscamos identificar durante
nosso percurso de pesquisa, que norteava a problemática principal que pro-
curávamos responder, era a suposta existência de uma transformação no
partido através da liderança de Marine Le Pen. Ao que parece, existem, sim,
diversas mudanças e adaptações feitas por Marine Le Pen no FN, conforme
pudemos observar.

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Estrema destra i nuovo fascisti: Casa
Pound e a crítica ao fascismo sob a
perspectiva de Antonio Gramsci
Jefferson Rodrigues Barbosa*1

“Destra non conforme” é a terminologia empregada pela Casa


Pound, organização de direita extremada que busca se apresentar como
uma alternativa às formas de política partidária tradicionais. Segundo a ter-
minologia utilizada por pesquisadores em publicações relevantes na atuali-
dade, este grupo pode ser compreendido no âmbito conceitual dos “novos
fascismos” (CAMELLI, 2015).
A problemática desta pesquisa visa à análise da organização e
agenda política do referido grupo político, que tem obtido destaque na con-
juntura política italiana contemporânea. As lideranças da Casa Pound iden-
tificam suas propostas como herdeiras do que denominam “fascismo social”.
Os fundamentos teóricos de Antonio Gramsci sobre o fascismo serão utiliza-
dos como modelo analítico para a investigação proposta.

———————
* Jefferson Rodrigues Barbosa é professor de Teoria Política no Departamento de Ciências
Políticas e Econômicas (DCPE) da Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual
Paulista (Unesp). E-mail: jrb@marilia.unesp.br.
JEFFERSON RODRIGUES BARBOSA

O anticapitalismo e a crítica aos métodos da democracia representa-


tiva apresentam-se muitas vezes como pressupostos de organizações extre-
mistas de direita, que camuflam em seus discursos uma crítica romântica ao
capitalismo, baseada em mitos fundamentalistas e valores moralizantes, co-
mo nacionalismo exacerbado ou a preservação das identidades culturais.
Fundada desde 2003, a organização se destaca como uma das mais
expressivas organizações da direita radical, sendo seu líder Gianluca Ian-
none. A Casa Pound se destaca entre as organizações da estrema destra
na Itália pela tentativa de resgate das chamadas “políticas sociais do fascis-
mo”, enfatizando em sua agenda política propostas no campo da habitação,
saúde, segurança e emprego, somente aos cidadãos italianos, com um forte
discurso antimigratório (GATINARA; ALBANESE; FROIO, 2013).
A Casa Pound foi articulada incialmente por ocasião da ocupação
de prédio estatal em Roma, na região central da capital, no bairro de Esqui-
lino, por ativistas chauvinistas. A ocupação foi chamada de Scopo Abitativo,
lá residindo famílias e, também, servindo como espaço social para promo-
ção de cultura, como atividades recreativas, debates, reuniões, formando
espaços de aglutinação baseados em valores coletivos, como senso de co-
munidade, o europeísmo, projetando a organização através de um dis-curso
crítico à União Europeia e pela defesa do regionalismo. A organização se
estruturou em Roma e tem fortes representações em muitas cidades ao
norte, inicialmente; consolidou-se, na atualidade, firmando presença em
grandes e médias cidades também ao sul do país.
As ocupações que se sucederam na capital foram bem-sucedidas,
denominadas Occupazioni no Conformi, e impulsionaram espaços de socia-
bilidades emergentes de caráter regressivo, bem como para produção cul-
tural voltada a estreitar laços ideológicos e processos pedagógicos de edu-
cação política de reação, com fortes aspectos autocráticos, xenofóbicos,

ESTREMA DESTRA I NUOVO FASCITI: CASA POUND... SOB A PERSPECTIVA DE ANTONIO GRAMSCI | 88
JEFFERSON RODRIGUES BARBOSA

projetando-se na proposição de preservação e divulgação das ideias de


Mussolini (CAMELLI, 2015).
A cooptação juvenil, entretanto, também voltada a outras faixas etá-
rias, é estimulada por espaços de propaganda relegado por muitos intelec-
tuais e organizações tributárias do fascismo clássico. A cena musical, por
exemplo, tem como destaque a banda ZetaZeroAlfa (ZZA), o vocalista da
banda é Gianluca Iannone, liderança carismática da organização e com re-
lações próximas a lideranças da direita radical que aterrorizou a Itália na
década de 1970.
Através de ocupações em prédios públicos (okupas), desenvolvi-
mento de trabalhos sociais e defendendo em sua propaganda política ques-
tões relacionadas aos “direitos sociais dos trabalhadores brancos italianos”,
destaca-se também o projeto Mutuo Sociale, que propõe novas leis de direi-
to à habitação aos segmentos sociais mais pobres não migrantes. A defesa
do que denominam “hipoteca social” está assentada na defesa do direito de
cada cidadão italiano adquirir sua propriedade privada a preço de custo;
esta nova política de habitação é um dos principais motes que têm dado
visibilidade à referida organização (DI NUNZIO & TOSCANO, 2011).
A crítica ao aumento do custo de vida, a defesa da família tradicional
e a crítica às políticas migratórias são também pontos de sua agenda. Prin-
cipalmente, por não estar circunscrita aos modelos partidários de organiza-
ção e mobilização, o grupo em questão, atrai e inova ao surrupiar modelos
e temáticas até então utilizados por agrupamentos de esquerda, como cen-
tros comunitários, trabalhos sociais, discursos em defesa dos trabalha-dores
e de tônica antiburguesa.
A retórica anticapitalista tem o potencial de ludibriar segmentos so-
ciais frágeis diante da recessão europeia e encontra nos discursos dos mili-
tantes da organização fundamento para contradições da cotidianidade.

ESTREMA DESTRA I NUOVO FASCITI: CASA POUND... SOB A PERSPECTIVA DE ANTONIO GRAMSCI | 89
JEFFERSON RODRIGUES BARBOSA

A Casa Pound tem forte atuação, inclusive no meio estudantil, atra-


vés do chamado “Bloco Studentesco”, influenciando também adolescentes
e jovens em idade escolar. A organização tem iniciativas no campo da mobi-
lização juvenil através de okupas, organização de shows e festivais de mú-
sica e de outras iniciativas no campo da cultura, através da formação de
quadros de militantes, destacando-se em manifestações públicas e criando
novos vocábulos para a defesa de antigas ideias (GATINARA et al. 2013).
Com pontos de agenda aparentemente progressistas, a Casa Pound
exerce influência entre italianos desacreditados dos modelos políticos insti-
tucionalizados da disputa entre partidos na esfera eleitoral. Superando mo-
delos de atuação de organizações herdeiras da cultura chauvinista italiana
como a Alleanza Nazionale (NA), ou a Lega Nord, a organização investigada
nesta pesquisa busca resgatar elementos do direito social fascista presentes
em suas propostas.
A referida organização é importante pela sua inserção no cenário
político italiano nas últimas décadas, mas, sobretudo, porque articula novas
táticas, agendas políticas e vocabulários para a proposição de uma inserção
no campo da política e da cultura. Atuando como uma das mais articuladas
organizações não partidárias na Europa, define-se como “fascista do tercei-
ro milênio”, sublinhando uma continuidade ideal com o passado e, ao mes-
mo tempo, sinalizando sua capacidade de interpretar e intervir no pre-sente,
em um universo discursivo e categorial fundamentado na suposta defesa do
território, da identidade e da comunidade (GATINARA et al., 2014).
O estudo de intelectuais e aparelhos privados de hegemonia, na so-
ciedade civil, e as dinâmicas e configurações institucionais da sociedade
política, serão privilegiados como objetivos centrais no campo de análise
crítica proposto, através do mapeamento das atividades da Casa Pound,
buscando a interpretação de táticas e estratégias de atuação.

ESTREMA DESTRA I NUOVO FASCITI: CASA POUND... SOB A PERSPECTIVA DE ANTONIO GRAMSCI | 90
JEFFERSON RODRIGUES BARBOSA

O jornal The Guardian, em edição de 6 de novembro de 2011, na


reportagem “Fascistas da Itália permanecem fiéis a ideologia de Mussolini”,
publicou entrevista com a liderança da organização Simone di Stefano que
ressaltou a identidade entre “a visão de Estado, economia e modelo de sa-
crifício” de Benito Mussolini e a agenda defendida pela Casa Pound. Se-
gundo a então vice-presidente da organização na entrevista referenciada,
setores como transporte, energia, habitação e saúde deveriam ser regulados
por um Estado de direito social; neste sentido, evidencia-se a proposição
contrária à imigração sob o argumento do desemprego e dos baixos salários
gerados pela concorrência de seus antípodas.1
O movimento se tornou partido político em 2009 e orienta tanto sua
agenda política como seu programa com temas como o direito à moradia, o
direito ao trabalho para todos os cidadãos e a repulsa à imigração. Com
atualmente 99 sedes e 11 vereadores nos Poderes municipais, atualizando
e recuperando temas da propaganda política do fascismo, sob nova confi-
guração, a Casa Pound recupera, na interpretação defendida nesta pro-
posta de pesquisa, os temas da política social dos fascistas — fator de in-
fluência sobre uma população carente de políticas públicas no contexto de
desmonte das políticas de bem-estar social. A imagem de um partido com
propostas de defesa da “comunidade nacional” tem surtido efeitos no cres-
cimento de seus militantes (cerca de 20 mil em 2017). É o movimento euro-
peu deste tipo que mais cresce, segundo dados apresentados em publica-
ções recentes.2

———————
1
TOM, Kington. Ital's fascists sta true to Mussolini's ideology. The Guardian, 06/11/2011.
Disponível em: <http://www.theguardian.com/world/2011/nov/06/italy-fascists-true-mussolini-
ideology>. Acesso em: 07/04/2016.
2
VERDÙ, Daniel. Fascismo renovado assume nova força na Itália. El País, 20/09/2017. Dispo-
nível em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2017/09/17/internacional/1505669165_912633.html>.
Acesso em: 22/01/2018.

ESTREMA DESTRA I NUOVO FASCITI: CASA POUND... SOB A PERSPECTIVA DE ANTONIO GRAMSCI | 91
JEFFERSON RODRIGUES BARBOSA

A origem de resgate do fascismo social e da necessidade de reatua-


lizar o programa fascista é apontado em pesquisas sobre o tema:

CasaPound Italia descreve-se como um "movimento fascis-


ta". A sua identidade está enraizada na tradição fascista
italiana, da qual o grupo deriva seu estilo "revolucionário".
Os objetivos e as ações do grupo são abertamente
inspiradas pela ideologia fascista italiana: o CPI reivindica
seu legado na "doutrina social" fascista e interpreta seu au-
toestilo neofascismo com base em uma parte cuidadosa-
mente selecionada da legislação social produzida pelo
regime fascista (GATINARA et al., 2013, p. 236)

O site oficial da Casa Pound Itália, na luta pela retomada de políticas


inspiradas no fascismo social, divulga os temas do que denomina “batalhas
políticas”. O apelo a temas ligados à defesa de políticas sociais tem desta-
que em sua propaganda e agenda:

Batalha contra a imigração, contra a instalação de centros


de acolhimento nos bairros, pela preferência nacional nos
rankings para habitação social. Batalhas para a proprieda-
de da casa ("Mutuo Sociale"), para acesso ao trabalho das
mulheres em condições de maternidade ("Time for Be
Mothers"), contra os abusos das agências de cobrança es-
tatais que intimidam os cidadãos com demandas injustas.31

Gramsci e o fascismo pretérito: fundamentos para pesquisa

As primeiras análises sobre a gênese e o desenvolvimento do fas-


cismo na Itália foram realizadas por Antonio Gramsci. A pesquisa sustenta
que muitos dos critérios analíticos e formulações conceituais de Gramsci
continuam pertinentes para investigações de expressões de extremismo po-
lítico, sobretudo nos aspectos de investigação das condições de gênese e
função social desempenhada por concepções políticas chauvinistas, como
o fascismo clássico e as manifestações contemporâneas, denomina-das de
“novos fascismos” (GARCIA & JIMENEZ, 2001).

———————
3
Disponível em: <http:// casapounditalia.org/p/le-faq-di-cpi.html>. Acesso em: 22/01/2018.

ESTREMA DESTRA I NUOVO FASCITI: CASA POUND... SOB A PERSPECTIVA DE ANTONIO GRAMSCI | 92
JEFFERSON RODRIGUES BARBOSA

Os escritos de Antonio Gramsci sobre o fascismo são o fundamento


teórico que norteia esta investigação fundamentada no campo da Teoria Po-
lítica, através da análise de fontes primarias e secundárias que focalizam o
tema das manifestações de extremismo político na atualidade. As formula-
ções sobre as condições da gênese do fascismo e a construção de propo-
sições sobre estratégias e táticas para a compreensão e oposição ao fenô-
meno do fascismo.
As reflexões e proposições de Gramsci foram-se sofisticando do
contexto inicial de atuação de milícias em áreas rurais e urbanas da Itália até
a articulação e estruturação dos fascio de conbattimento, organizados por
Mussolini, como suporte paramilitar para o combate dos setores organizados
da classe operária. Suas apreensões acerca da transformação do fascismo,
de movimento político a partido de massas, acompanharam a dinâmica da
conquista fascista da sociedade política e da sociedade civil.
A análise de Gramsci como intérprete do fascismo é possível através
do exercício de análise de sua ampla produção, em suas atividades como
jornalista da imprensa operária e em sua produção investigativa durante os
anos de prisão. Gramsci se destacou como ativista e dirigente antifascista e
elaborador de uma interpretação da concepção sobre o fascismo original e
distinta, nas primeiras décadas do século XX, da interpretação defendida
pela Internacional Comunista.
O aprofundamento da compreensão das transformações do fas-
cismo de movimento político para partido político em hegemonia, assim
como as proposições táticas e estratégicas para a contraposição ao fascis-
mo podem ser abordados sob a análise da produção de textos de análise
de conjuntura e de formulações teóricas elaborados pelo autor em questão.
Em sua gênese como movimento, oriundo da insatisfação dos setores da
pequena burguesia urbana e rural, sob as esquadras, foi instrumentalizado
para a controle da sociedade política e da sociedade civil na Itália.

ESTREMA DESTRA I NUOVO FASCITI: CASA POUND... SOB A PERSPECTIVA DE ANTONIO GRAMSCI | 93
JEFFERSON RODRIGUES BARBOSA

Gramsci, nestes escritos, revela a compreensão da dimensão da ne-


cessidade de formulações e proposições direcionadas para a organiza-ção
da ação direta, sugerindo a necessidade de articulação e formação de uma
frente política de intelectuais e organizações políticas voltadas para o obje-
tivo de reconstrução da democracia na Itália, sob a perspectiva de Frente
Única antifascista.
Gramsci compreendeu também que estes processos de configura-
ção de Estados de Exceção, de regimes ditatoriais fundamentados em ideo-
logias nacionalistas exacerbadas, poderiam ocorrer também em outros paí-
ses, compreendendo a dimensão internacional desta nova fase das conflitos
na Europa, através de formas particulares de manifestações de extremismo
político e valores chauvinistas. Assim, muitas de suas reflexões sobre a gê-
nese e características do fascismo italiano são pertinentes para a investiga-
ção das novas formações políticas de organizações tributarias ao fascismo,
como a Casa Pound.
Amadurecendo sua análise sobre o fascismo, após a primeira me-
tade da década de 1920, com a hegemonia do regime, Gramsci observou
gradualmente os resultados da própria modificação do regime autocrático,
que efetivava o domínio sobre a sociedade civil e as instituições do Estado.
Compreendendo a inviabilidade e a impotência da luta parlamentar contra o
regime ditatorial, propôs a estratégia da guerra de movimento defendendo
iniciativas para táticas organizativas de ação direta contra os fascistas. Estes
elementos foram delineados no artigo “La crisis de la pequeña burguesia”,
publicado em julho de 1924, no L’Unità.41

———————
4
GRAMSCI, A. “La crisis de la pequeña burguesía”, L’Unità, 02/07/1924. In: SANTARELLI, E.
Sobre el fascismo, 1979, pp. 151-153.

ESTREMA DESTRA I NUOVO FASCITI: CASA POUND... SOB A PERSPECTIVA DE ANTONIO GRAMSCI | 94
JEFFERSON RODRIGUES BARBOSA

No mesmo sentido, da tática de guerra de movimento de ação direta,


Gramsci defende a organização do aspecto combativo dos antagonistas,
que deveriam ampliar seu apoio entre os setores populares (FROSINI, 2014).
Propõe uma fase preparatória de transição para a luta pelo poder, através
de um trabalho de organização tática, agitação e propaganda orientado pela
perspectiva de uma sublevação popular. Estes elementos foram explicitados
no relatório enviado ao Comitê Central do PCI em agosto de 1924 e foi pu-
blicado no L’Ordino Nuovo em setembro de 1924 e no L’Unitá em agosto do
mesmo ano sob o título “La crisis italiana”.51
Em 1925, contexto em que destacou em seus escritos a necessi-
dade tática de organização e capacitação de células, da aquisição de ar-
mamentos e preparação de homens para a utilização de armamentos,
Gramsci explicita proposição de elementos necessários para uma estratégia
de organização do que ele denominou “insurreição”, a organização de opo-
sição civil organizada contra os fascistas.62
Para Santarelli, Gramsci passou a concentrar-se, a partir da década
de 1920, na dinâmica do fascismo como regime e nas características do
novo bloco histórico de sistema de poder, opondo-se a interpretação das
possibilidades das condições de uma insurgência imediata, em curto prazo,
pois, para ele o fascismo representava “uma tática coordenada de luta”
(SANTARELLI, 1979, pp. 21-22).

———————
5
Ibidem, p. 165.
6
GRAMSCI, A. Después del discurso del 3 de enero. Situación política. Acta de la relación al
Comitê Central del Partido Comunista del 6 de febrero de 1925 (título do editor). In: SANTA-
RELLI, E. Sobre el fascismo, 1979, pp. 178-179.

ESTREMA DESTRA I NUOVO FASCITI: CASA POUND... SOB A PERSPECTIVA DE ANTONIO GRAMSCI | 95
JEFFERSON RODRIGUES BARBOSA

A elevação do nível analítico de Antonio Gramsci sobre a função so-


cial do Estado do fascista, em suas dimensões estruturais e superestruturais,
foi apresentada em sua produção de maturidade, no período carcerário, em
“Americanismo e Fordismo”.71
O entendimento de que a propaganda fascista se apresentava como
tributária de um projeto de modernização, como saída para a reorganização
da economia do Estado italiano, foi apreendido de forma pioneira por
Gramsci, que apontou em 1934 o caráter plutocrático de segmentos apoia-
dores do regime. Estes elementos são apontados nos textos de Gramsci
produzidos no período de seu aprisionamento pelo regime fascista; foram
escritos nos denominados Cadernos do cárcere, o caderno 22, “America-
nismo e Fordismo”.82
Para Gramsci, o regime fascista configurou-se como uma “via” de
desenvolvimento para a modernização capitalista da Itália, através de uma
“revolução passiva”, como já apontado. Para Coutinho (1989), mediante
“restaurações” que acolheram certa parcela das exigências provenientes
dos subalternos, o fascismo aprofundou o desenvolvimento do capitalismo
na Itália; trata-se, portanto, de uma restauração do ordenamento social clas-
sista em detrimento dos trabalhadores, executado, entretanto, acolhen-do-
se como estratégia de obtenção de consenso reivindicações dos próprios
trabalhadores, mas articulando também a pequena burguesia numa articu-
lação de controle conduzida pela burguesia nacionalista e belicista. Se-
gundo Coutinho (ibidem), o caso italiano é marcado por “restaurações com
elementos progressistas”.

———————
7
GRAMSCI, A. Cadernos do cárcere, v. 4. Americanismo e Fordismo. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2001, pp. 276-277.
8
Ibidem, p. 278.

ESTREMA DESTRA I NUOVO FASCITI: CASA POUND... SOB A PERSPECTIVA DE ANTONIO GRAMSCI | 96
JEFFERSON RODRIGUES BARBOSA

O amadurecimento teórico de Gramsci direcionou-se no horizonte


de organização de condições para o confronto com os fascistas numa lógica
de guerra de movimento (FROSINI, 2014), de proposições de ações diretas
contra o adversário, porém, não desvinculada da estratégia da política de
Frente Única. Estas perspectivas foram explicitadas no encontro clandestino
das lideranças comunistas italianas, após o regresso de Gramsci de Moscou
e Viena, denominadas “Teses de Lyon”, nas quais foi defendida a interpre-
tação do fascismo como um instrumento novo de domínio autocrático, de
potencial internacional, realizando a unidade orgânica de todas as forças de
reação chauvinista, controlando o Estado, sob bases autocráticas.
Nesse sentido, as fontes documentais sobre o fascismo sob a pers-
pectiva de um importante intelectual italiano são relevantes para o estudo do
pensamento político contemporâneo e para investigações comparativas so-
bre as condições de gênese e a função social de ideologias segregadoras
e antidemocráticas marcadas por concepções políticas extremadas, como
o fascismo e os denominados “novos fascismos”, a exemplo da organização
italiana contemporânea Casa Pound.
A análise das propostas e formas de organização da Casa Pound,
comparada às características do fascismo clássico, analisadas por Gramsci,
é tema de relevância, principalmente no que concerne ao debate sobre a
extrema direita na atualidade.
A partir da análise da produção bibliográfica e jornalística de Antonio
Gramsci, disponível para a investigação como fontes primarias disponíveis
no acervo da Fondazione Intituto Gramsci, localizada em Roma, os arquivos
do Fundi Antonio Gramsci Periodici possibilitam o acesso a artigos jornalís-
ticos dos autores, ampliando o escopo de análise de fontes documentais
não publicadas e de acesso limitado, em específico, os jornais: Avanti!,
L’Unitá e Il Grido Del Popolo.

ESTREMA DESTRA I NUOVO FASCITI: CASA POUND... SOB A PERSPECTIVA DE ANTONIO GRAMSCI | 97
JEFFERSON RODRIGUES BARBOSA

Enzo Santarelli organizou, em 1974,91uma coletânea sobre escritos


gramscianos que abordaram a temática do fascismo, intitulada “Sobre el fas-
cismo”, publicada em Roma e tendo sua segunda edição no México, em
1979. A obra proporciona aos estudiosos do tema uma importante compila-
ção dos principais textos — de caráter fragmentário — publicados nos jor-
nais que resultam de embates políticos explícitos.
Sistematizados, estes escritos oferecem compreensão mais articula-
da revelando o caráter ativo dos militantes antifascistas nos anos de conso-
lidação do regime. Assim como evidenciam o desenvolvimento da percep-
ção do amadurecimento intelectual de Gramsci e seu entendimento sobre o
caráter internacional das novas formas de ideologias e regimes autocráticos
chauvinistas como reação/restauração do capitalismo, sob a égide do es-
pectro da crise societal que marcou as primeiras décadas do século XX. As
dimensões analíticas dos textos gramscianos sobre o fascismo são divididas
em três momentos de refinamento da compreensão de seus escritos sobre
o fenômeno em questão (SANTARELLI, 1974).
A investigação das fontes secundárias, articulada com a investiga-
ção de fontes primarias disponíveis no acervo da Fondazione Intituto
Gramsci, amplia o acesso e a obtenção de materiais, muitos deles ainda
inéditos em pesquisas nacionais, para um maior aprofundamento nos estu-
dos sobre a contribuição de Gramsci, na análise e crítica ao fascismo. Como
já mencionado, a pesquisa visa articular a análise gramsciana sobre o fas-
cismo e, de forma comparativa, refletir sobre os elementos constitutivos
desta ideologia com as políticas propostas pela organização contemporâ-
nea Casa Pound. Em específico: suas propostas políticas na área social co-
mo organização de caráter chauvinista na atualidade. Para isso, estão sendo

———————
9
SANTARELLI, Enzo. Sobre el fascismo. Roma: Editori Riuniti, 1974.

ESTREMA DESTRA I NUOVO FASCITI: CASA POUND... SOB A PERSPECTIVA DE ANTONIO GRAMSCI | 98
JEFFERSON RODRIGUES BARBOSA

mapeados documentos, discursos e propostas de lideranças da organiza-


ção, através de dados disponibilizados em seu site102e publicações.
O estudo contribuirá para uma análise, nos marcos das teoria polí-
tica contemporânea, sobre as formas de organização propostas pela Casa
Pound, frente às características do fascismo clássico estudado por Gramsci.
Neste sentido, a análise da referida organização contemporânea pode ser
problematizada como objeto de estudo dentro do debate sobre os “novos
fascismos” na contemporaneidade (GARCIA & JIMINEZ, 2001; DI NUNZIO
& TOSCANO, 2011).

Considerações: Gramsci e suas contribuições para a análise e


combate do fascismo pretérito e contemporâneo

No contexto de repercussão midiática e de pesquisas acadêmicas


sobre movimentos e partidos portadores de ideologias chauvinistas na Itália
generalizadamente denominados de extrema direita, recentes investigações
(FASANELA, 2009; DI NUNZIO & TOSCANO, 2011) ressaltam a permanência
de valores xenófobos, fundamentados em nacionalismos radicalizados, ou
de matriz racialista, que continuam presentes como pilares dos valores anti-
democráticos propagados por organizações políticas radicais, num contexto
de crise política e econômica. Estes discursos de extremismo político estão
articulados a um contexto de desemprego e problemas migratórios, adqui-
rindo a propaganda política da Casa Pound receptividade e influência ao
explorar temas como imigração, habitação e desemprego (CAMELLI, 2015).
Destacam-se também o sentimento e os comportamentos defensi-
vos, em linguagens e práticas que se apropriam de significados culturalistas
enviesados, que forjam concepções de uma suposta “defesa da cultura”, da
“identidade étnica” e da “comunidade nacional, ameaçada pelos imigrantes”
(DI NUNZIO & TOSCANO, 2011).

———————
10
Casa Pound Itália. Disponível em: <http://www.casapounditalia.org>. Acesso em: 23/01/2018.

ESTREMA DESTRA I NUOVO FASCITI: CASA POUND... SOB A PERSPECTIVA DE ANTONIO GRAMSCI | 99
JEFFERSON RODRIGUES BARBOSA

Dados e contextos são instrumentalizados pelas retóricas que infla-


mam o apregoado “desastre da política migratória europeia” que precisa ser
reconfigurada, segundo o discurso de políticos e organizações congêneres,
a exemplo, na Itália, das organizações políticas de extrema direita, como o
partido Forza Nuova, ou das organizações radicais em seu discurso nacio-
nalista, como a Liga Norte e Casa Pound. Ou, como no notório caso francês,
do partido fundado por Jean Marie Le Pen, a Frente Nacional francesa (FN).
Manoel Florentim (1994) destaca que os valores racialistas, que ou-
trora sustentavam a corrida colonial e o racismo, no contexto contemporâ-
neo são expressos através de discursos de “defesa das comunidades nacio-
nais”. A noção schimittiana de “inimigo externo” tem também como variantes
outros espectros, como o da ameaça da presença de estrangeiros, que mui-
tas vezes não são estrangeiros, senão filhos e netos de imigrantes, nascidos
muitas vezes em países da Europa e de regiões da América do Norte, tor-
nando-se, entretanto, persona non grata, não considerados parte da comu-
nidade nacional.
Ressaltam lideranças políticas de destaque na atualidade, como a
Casa Pound, que a questão não é de ordem racial, mas de “perda das iden-
tidades culturais”, dos custos dos serviços públicos, para aqueles que não
são originários da comunidade nacional (DI TULLIO, 2006).
Embora se constitua em um dos temas mais importantes da história
contemporânea, com uma extensa e controvertida bibliografia nacional e in-
ternacional, o fascismo, como objeto de estudo acadêmico, recebeu nova
retomada de interesse por parte de historiadores, filósofos e cientistas so-
ciais nas últimas décadas do século XX, contando com novas perspectivas
analíticas.

ESTREMA DESTRA I NUOVO FASCITI: CASA POUND... SOB A PERSPECTIVA DE ANTONIO GRAMSCI | 100
JEFFERSON RODRIGUES BARBOSA

No cenário internacional, com a atuação de movimentos generica-


mente denominados de extremistas de direita e com as vitórias eleitorais ou
votos representativos em proporção numérica de políticos ligados a plata-
formas políticas chauvinistas e xenófobas, há grande repercussão nos meios
midiáticos e isso leva pesquisadores a reverem as análises do conceito de
fascismo, que eram antes relacionadas diretamente com o contexto do pós-
Primeira Guerra Mundial (GATINARA et al. 2014).

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ESTREMA DESTRA I NUOVO FASCITI: CASA POUND... SOB A PERSPECTIVA DE ANTONIO GRAMSCI | 104
O populismo de direita e suas
estratégias de sobrevivência na
Alemanha: o Alternativ für
Deutschland (AfD)
Vinícius Liebel*1

Introdução

Em 17 de janeiro de 2017, o Tribunal Superior Alemão (Bundesver-


fassungsgericht) decidiu pela não proibição do NPD (Nationaldemokratische
Partei Deutschlands), julgando que o partido, declaradamente de ideologia
racista e herdeiro do NSDAP, não constituiria uma ameaça real ao sistema
democrático. A decisão, baseada principalmente na parca representativi-
dade eleitoral do NPD, desconsiderou traços fundamentais que circundam
o partido, como sua ação constante no fomento de ações violentas e discri-
minatórias ou mesmo elementos marcantes de sua ideologia, como a ideia
de que a democracia deve coincidir com a comunidade do povo — Volksge-
meinschaft —, o que excluiria os “racialmente não conformes” do sistema,
uma expressão da unidade entre povo e Estado (Einheit von Volk und Staat).

———————
* Vinícius Liebel é historiador, doutor em Ciência Política pela Freie Universität Berlin (FU-Berlin),
com bolsa integral do Deutscher Akademischer Austauschdienst (DAAD). Professor adjunto de
História Contemporânea da UFRJ. Pesquisador associado ao Núcleo Interdisciplinar de Estudos
Judaicos NIEJ-UFRJ e do Núcleo de Estudos Contemporâneos (NEC-UFF).
VINÍCIUS LIEBEL

A decisão foi criticada por analistas alemães, sobretudo por dar sal-
vo-conduto a discursos de ódio e preconceituosos no campo político ale-
mão. Esse juízo não encontra apenas no NPD seu efeito, mas também em
uma série de movimentos e partidos de caráter populista de direita que têm
subido o tom de suas falas nos últimos anos. Ainda que o cenário não seja
o de domínio da opinião pública por esse tipo de discurso, não há dúvidas
de que ele vem-se tornando cada vez mais comum, naturalizando algumas
posições que possibilitam o crescimento desses movimentos e partidos. De
fato, uma das argumentações mais utilizadas é a de que esse tipo de deci-
são jurídica, somado a uma série de espaços que vêm sendo abertos aos
defensores de discursos tidos como problemáticos à democracia, torna na-
turais e aceitas as práticas e ideias racistas, autoritárias e preconceituosas.
A publicação do livro de Thilo Sarrazin, Deutschland schafft sich ab:
Wie wir unser Land aufs Spiel setzen (2010), pode ser apontada como o
ponto de virada para essa conjuntura no passado mais recente da Alema-
nha. Preocupado com o que chama de “conquista da Alemanha através da
fertilidade”, o autor denuncia um crescimento desproporcional entre as ca-
madas alemã e turca em seu país, o que, aliado a fatores “hereditários e de
herança cultural”, promoveriam uma desgermanização cultural e racial da
Alemanha. O livro é um panfleto pela contenção da imigração em direção à
Alemanha, e um apelo pela assimilação por parte dos imigrantes legalizados
dos valores, língua e legislação alemães. A linguagem implícita promove a
diminuição dos imigrantes, e não são raros os elementos francamente euge-
nistas utilizados no desenvolvimento da argumentação. O lançamento do li-
vro causou grande alvoroço, trazendo, de forma bastante contundente, o
debate sobre a assimilação dos imigrantes na sociedade alemã, em particu-
lar os de origem árabe e turca.

O POPULISMO DE DIREITA E SUAS ESTRATÉGIAS DE SOBREVIVÊNCIA NA ALEMANHA... | 106


VINÍCIUS LIEBEL

Os efeitos práticos foram o de uma bola de neve. A população pas-


sou a falar mais abertamente sobre o tema, e não raras vezes o preconceito
era tomado como uma opinião válida. Pequenos e inexpressivos grupos ex-
tremistas, nacionalistas e etnopluralistas não eram uma novidade na cena
alemã, mas o Sarrazinismo (BUTTERWEGGE, 2013) iniciou um novo proces-
so de naturalização desses discursos, abrindo espaço para movimentos or-
ganizados que contestavam a possibilidade dos imigrantes de manterem
suas heranças culturais e religiosas em solo alemão. O principal deles, o Pe-
gida, nasceu em Dresden, em 2014. Sigla para “Patriotas Europeus Contra
a Islamização do Ocidente” (Patriotische Europäer gegen die Islamisierung
des Abendlandes), o movimento surgiu na internet e deve muito de sua rá-
pida ascensão à rede. Já em dezembro de 2014, o Pegida alcançou seus
maiores resultados, conseguindo angariar mais de 10 mil apoiadores em al-
gumas de suas manifestações na cidade de Dresden, onde em janeiro da-
quele ano reuniu cerca de 25 mil em uma única ocasião, na ressaca dos
ataques à redação do jornal satírico Charlie Hebdo.1 A relação com movi-
mentos e grupos de extrema direita é sempre negada pelos organizadores,
mas a presença de indivíduos ligados a eles nas fileiras do Pegida é fre-
quentemente levantada.2 Além do Pegida, outros grupos da extrema direita
e pautados pela islamofobia e por ideais de pureza racial e/ou cultural sur-
gem e ganham força no país como reflexo do “Movimento Sarrazin”, como
são os casos do Hooligans gegen Salafisten (HoGeSa), o German Defense
League (GDF) e o Identitäre Bewegung (Identitäre).

———————
1
Ver: <http://www.sueddeutsche.de/politik/zulauf-fuer-pegida-protestieren-in-dresden-gegen-
ueberfremdung-1.2301366>.
2
Por exemplo, em HUESMANN (2015). Disponível em: <http://blog.zeit.de/stoerungsmel-
der/2015/01/13/pegida-in-duesseldorf-nazis-hools-und-rechtspopulisten_18174>. E também
em EICHSTÄDT (2015). Disponível em: <https://www.welt.de/politik/deutschland/arti-
cle136047773/Das-Nazi-Vokabular-der-Pegida-Wutbuerger.html>.

O POPULISMO DE DIREITA E SUAS ESTRATÉGIAS DE SOBREVIVÊNCIA NA ALEMANHA... | 107


VINÍCIUS LIEBEL

Entretanto, ainda que esses grupos e movimentos tenham ganhado


projeção e, principalmente, atenção midiática nos últimos anos, suas ideo-
logias e ações flertam demais com o extremismo e o radicalismo para arre-
banhar seguidores de forma massiva. A opinião pública alemã, ainda que
aberta a mostrar, debater e estudar esses fenômenos, não lhes imputa, em
sua maioria ao menos, a importância atribuída a atores relevantes na arena
pública. Além disso, sem um verniz institucional que lhes garanta uma repre-
sentatividade “oficial” e uma presença permanente no campo público, esses
movimentos perdem peso e espaço políticos, sendo percebidos como gru-
pos ativistas extremistas de relevância efêmera.
Diante desse cenário, um vácuo parecia ter surgido no campo polí-
tico alemão. Parcelas significativas da população que simpatizavam ou que
buscavam soluções e amparo diante das ideias propagadas por esses mo-
vimentos perceberam-se sem representação. Uma resposta a seus medos
e anseios não era oferecida pelos partidos de cunho liberal e/ou conserva-
dor, como o FDP (Freie Demokratische Partei), a CDU (Christlich Demokra-
tische Union), e muito menos por partidos programáticos, como o Partido
Verde (Die Grünen). Indivíduos que se sentiam traídos pela política, ame-
drontados pelo crescimento no número de imigrantes, vulneráveis pelas cri-
ses econômicas que atingiram a Zona do Euro, enfim, deslocados e isolados
em uma sociedade em mutação, formavam um grupo à deriva no espectro
político alemão. Mas não só esses indivíduos, os “ameaçados”, compõem
esse grupo disforme de potenciais eleitores populistas (PRIESTER, 2012). A
eles se juntam também indivíduos que podem ser denominados de “incon-
formados”, ou seja, que não se encontram representados na sociedade ou
que não compreendem a incapacidade de outros indivíduos de conquistar,
por méritos próprios, uma melhor posição na sociedade, ou ainda que se
sentem insatisfeitos com a forma de aplicação das verbas provenientes dos

O POPULISMO DE DIREITA E SUAS ESTRATÉGIAS DE SOBREVIVÊNCIA NA ALEMANHA... | 108


VINÍCIUS LIEBEL

impostos, que se posicionam contra qualquer forma de coletivismo, enfim,


indivíduos de diferentes visões, mas que se veem sub-representados no
campo político. Em sua grande maioria, esses indivíduos se reportam a uma
mentalidade (ou estilo de pensamento, em termos mannheimianos) conser-
vadora (MANNHEIM, 1984), o que não implica necessariamente sua partici-
pação na arena pública no campo da extrema direita ou da direita radical,
mas os torna seu alvo mais evidente.
Em 2013, diante desse contexto, é fundada a Alternative für Deu-
tschland (AfD), um partido que se apresentava como uma opção que fugia
à política tradicional da Alemanha e que se propunha conservador, liberal e
nacionalista, colocando-se à direita da CDU e visando aos eleitores que sen-
tiam que o partido da chanceler Angela Merkel havia perdido sua vocação
conservadora, especialmente em alguns temas-chave, como a imigração e
a economia doméstica e europeia.

Fundação, consolidação e guinada à radicalização

Com uma conferência realizada no Hotel Intercontinental em Berlim,


no dia 14 de abril de 2013, nascia o Alternative für Deutschland, um partido
que se apresenta como diferente, fora da estrutura da velha política e de
seus vícios. Em suma, como todo o espectro da Nova Direita, busca uma
imagem de rompimento com a política tradicional.
No momento de sua fundação, entretanto, a AfD parecia seguir um
rumo e um discurso diferentes. Aproveitando-se da onda levantada pela po-
lêmica do livro Deutschland schafft sich ab!, um grupo de pessoas reunidas
em torno de um círculo de professores universitários se propôs a “ouvir” a
voz das ruas e formar um partido que desse representatividade aos que con-
cordavam com Sarrazin em suas colocações. Em uma pesquisa setembro

O POPULISMO DE DIREITA E SUAS ESTRATÉGIAS DE SOBREVIVÊNCIA NA ALEMANHA... | 109


VINÍCIUS LIEBEL

de 2010,3 no auge da polêmica em torno de seu livro, um total de 18% da


população alemã se declarava disposta a seguir um partido fundado por ou
que se pautasse pelas ideias de Sarrazin. No espectro ideológico, isso sig-
nificava um partido que estivesse à direita da CDU e à esquerda do NPD.
Essa situação possibilitou a descrição da AfD tanto em termos de uma CDU
“conservadora de verdade” quanto de um NPD light, um trunfo retórico que
logo traria resultados eleitorais.
A primeira formação da AfD, entretanto, prometia um partido muito
mais próximo da CDU, direcionado antes à discussão dos rumos econômi-
cos da Alemanha do que de sua identidade ou da questão dos imigrantes
no país. Não estava muito longe de Sarrazin, que havia lançado poucos me-
ses antes seu segundo livro de controvérsias, Europa braucht den Euro nicht
(2012), no qual imputava a culpa da crise financeira europeia à busca irre-
fletida pela salvação do Euro. A conferência de fundação da AfD se centrou
precisamente na política macroeconômica da zona do Euro, e elevou o pro-
fessor de Macroeconomia da Universidade de Hamburgo, Bernd Lucke, à
posição de liderança central do partido. Na primeira eleição interna, um
triunvirato se ergue na condução do partido: o próprio Bernd Lucke, Frauke
Petry (acadêmica e empresária) e Konrad Adam (reconhecido jornalista no
país). Já nas eleições nacionais de 2013, a AfD conseguiu um número ex-
pressivo de votos, levando-se em consideração que se tratava de um par-
tido recém-fundado, mas não o suficiente para alcançar uma cadeira no
Bundestag. No ano seguinte, na Eleição Europeia, os resultados foram me-
lhores, e o partido atinge os votos necessários para exercer representação
no Parlamento Europeu.

———————
3
Disponível em: <http://www.faz.net/aktuell/politik/inland/meinungsforschung-umfrage-sieht-
18-prozent-fuer-sarrazin-partei-11040003.html>.

O POPULISMO DE DIREITA E SUAS ESTRATÉGIAS DE SOBREVIVÊNCIA NA ALEMANHA... | 110


VINÍCIUS LIEBEL

O ano de 2015 marca uma virada na direção da AfD, determinada


pela política interna e os resultados das escolhas de sua nova cúpula diri-
gente. Nesse processo, o partido passa de um populismo de direita mode-
rado com foco na economia para um populismo de direita nacionalista radi-
cal, com alguns de seus principais membros desempenhando um papel de
agitação política (FUNKE, 2016, p. 73 et seq.). É importante aqui deixar clara
a definição de Sven Schönfelder, que, ao abordar o populismo de direita e
sua ação na arena pública, argumenta que

“Direita” não significa aqui (no termo Populismo de Direita)


necessariamente “extremista de direita”, no sentido do
termo usado pelo Departamento de Proteção à Constituição
do país e dos estados, o qual evoca ações e esforços que
se voltam contra a livre e democrática ordem fundamental
da República e que se pautam por um pensamento nacio-
nalista, racista e voltado a uma “comunidade do povo”
(volksgemeinschaftlich). Pelo contrário: partidos populistas
de direita, como regra, não são classificados como antide-
mocráticos — i.e. contrários ao sistema — ao menos não do
ponto de vista normativo. Os muitos exemplos de partidos
populistas de direita que tiveram sucesso mostram que esse
grupo não elimina as estruturas democráticas, mas procu-
ram se servir delas para controlá-las de forma quase autori-
tária. (SCHÖNFELD, 2013, pp. 99-100)

Nesse sentido, é possível caracterizar a AfD, em seus primeiros dois


anos, como um partido populista moderado, voltado à legalidade e pautado
por valores democráticos. Entretanto, a eleição interna que deu a Frauke Pe-
try e Jörg Meuthen a liderança do partido e retirou Bernd Lucke de cena,
levando-o a fundar um novo partido dissidente,4 é reflexo de alterações mais

———————
4
Em julho de 2015, Lucke e outros dissidentes fundaram o ALFA (Allianz für Fortschritt und
Aufbruch), que meses mais tarde, por questões legais de nomenclatura, mudou seu nome para
LKR (Liberal-Konservative Reformer).

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VINÍCIUS LIEBEL

profundas na dinâmica partidária, uma dinâmica que tem na “Resolução de


Erfurt” sua base programática. O intento fundamental da resolução foi elimi-
nar os obstáculos que se apresentavam à ascensão de discursos e ações
mais radicais no interior da AfD, retirando os moderados e neoliberais de
suas fileiras e dando voz a atores mais ligados ao (etno)nacionalismo e às
visões völkish. No documento, a Resolução de Erfurt deixa clara a guinada
proposta:

O projeto Alternativ für Deutschland está em perigo. Os ci-


dadãos nos escolheram porque esperam que sejamos dife-
rentes dos partidos estabelecidos: mais democráticos, mais
patriotas, mais corajosos. [...] Um sem número de nossos
membros ainda compreende a AfD, contra toda tendência
de estreitamento, como alternativa fundamental, patriótica e
democrática aos partidos estabelecidos, como um movi-
mento de nosso povo contra os experimentos sociais das
últimas décadas (mainstream de Gênero, Multiculturalismo,
arbitrariedade na Educação, etc.), como movimento de re-
sistência ao esvaziamento da soberania e da identidade da
Alemanha, como um partido que tem a coragem de se po-
sicionar pela verdade e pela livre expressão. (ERFURTER
RESOLUTION, apud FUNKE, 2016, p. 74)

A resolução foi uma iniciativa dos principais conselhos estaduais do


partido, tendo a assinatura maciça de atores de relevância na estrutura par-
tidária e em sua representação público-midiática. Alguns desses líderes
passam a agir de forma mais radical também em suas declarações, demar-
cando posição na arena pública.
Alexander Gauland, de Brandenburg, por exemplo, falou contra o
Islã, contra a memória que se criou do Nazismo e a favor do Pegida e de
uma militarização da Alemanha.5 O político desencadeou também uma bre-
ve controvérsia sobre racismo e a desconfiança dos alemães frente aos imi-

———————
5
Disponível em: <http://www.zeit.de/2016/17/alexander-gauland-afd-cdu-konservatismus>.

O POPULISMO DE DIREITA E SUAS ESTRATÉGIAS DE SOBREVIVÊNCIA NA ALEMANHA... | 112


VINÍCIUS LIEBEL

grantes, citando como exemplo o jogador da seleção nacional Jérôme Boa-


teng, que tem pai ganês. Para Gauland, “as pessoas o acham um bom joga-
dor de futebol. Mas não querem ter um Boateng como vizinho”.6
Outro membro do AfD que passou a frequentar as manchetes dos
jornais com suas ações e declarações foi o líder do partido em Sachsen-
Anhalt, André Poggenburg. Ao utilizar abertamente vocabulário e retórica
que remetem ao período nazista,7 Poggenburg se situa em um campo mi-
nado da arena pública alemã, deliberadamente se projetando como repre-
sentante de uma parcela da população que flutua entre o revisionismo his-
tórico, o negacionismo e a apologia do Nacional-socialismo. Da mesma
forma — e até mais contundente —, o político da Turíngia, Björn Höcke, uti-
liza slogans que remetem ao Terceiro Reich (uma Alemanha de mil anos) e
critica os memoriais em homenagem às vítimas do Holocausto, alegando
que “Nós alemães, o nosso povo é o único povo do mundo que erigiu um
memorial da vergonha no coração de sua capital”. 8
As mudanças discursivas pareciam ter surtido um efeito positivo, ao
menos em termos eleitorais. O maior sucesso da AfD 9 nesse campo ocorre
já em março de 2016, nas eleições regionais de Sachsen-Anhalt, onde atinge

———————
6
Disponível em:<http://www.zeit.de/politik/deutschland/2016-05/alexander-gauland-afd-vorab-
meldung>.
7
Por exemplo, ao classificar os militantes esquerdistas radicais como “excrecências no corpo
da nação”, uma retórica de metáforas médico-biológicas que é intimamente ligada ao discurso
nazista. Disponível em: <http://www.faz.net/aktuell/politik/inland/sachsen-anhalt-afd-landes-
chef-poggenburg-nutzt-ns-vokabular-14835065.html>.
8
Disponível em: <http://www.stern.de/politik/deutschland/bjoern-hoecke--seine-fuenf-provozie-
rendsten-auftritte-7325160.html>.
9
Até abril de 2017. Este texto foi redigido antes das eleições nacionais de 2017, não contando,
portanto, com o desempenho da AfD neste pleito. Pesquisas de março de 2017, entretanto,
davam conta de que a AfD, que já havia chegado a ocupar a segunda colocação nas
pesquisas, encontrava-se com cerca de 7% das intenções de voto, atrás de CDU, SPD,
Esquerda e Verdes. Disponível em: <http://www.zeit.de/politik/deutschland/2017-03/afd-
wahlumfrage-niedrigster-stand-fluechtlingskrise-frauke-petry>.

O POPULISMO DE DIREITA E SUAS ESTRATÉGIAS DE SOBREVIVÊNCIA NA ALEMANHA... | 113


VINÍCIUS LIEBEL

24% dos votos. Uma pesquisa com os eleitores da Alternative (apud FUNKE,
2016, pp. 80-81) mostrou que as motivações para esses eleitores que esco-
lheram a AfD variaram de desapontamento com os partidos tradicionais
(64%), sentimento de exclusão do crescimento econômico (73%) e a perce-
pção de perda individual no desenvolvimento social (47%). Em síntese, o
que moveu o sucesso do partido foram o ressentimento e a frustração de
parcela do eleitorado. O discurso mais incisivo, a ligação com movimentos
de massa de direita e a tática da agitação alteraram o caráter do partido,
que passou a investir na retórica vazia e nas manchetes sensacionalistas em
detrimento de um programa partidário. O que transparece dessa ala do AfD
que ascende e se torna hegemônica em 2015 (e que, é necessário frisar, já
existia antes, mas era eclipsada por discussões econômicas e políticas) é
que as estratégias expressivas que são por ela empregada promovem um
enquadramento discursivo e metafórico que visa, a um só tempo, a propaga-
ção de um discurso de ódio camuflado de um verniz político respeitável, a
diminuição da vigilância contra esse discurso através do meio (partido polí-
tico) pelo qual é propagado, e a transformação desses pontos controversos
em temas de debate aceitáveis na arena pública.

Estratégias discursivas e visuais

O grande ponto de sustentação dessa estratégia não se encontra


em uma ideologia formulada ou em uma ação pragmática, mas em uma aglu-
tinação de temas não relacionados que se vinculam mais no âmbito subjetivo
do que no racional. Trata-se de grandes temas que formam uma rede de
preocupações do “homem comum” alemão, moldados por uma retórica po-
pulista e emocional que apresenta, em geral, soluções de cunho autoritário
ou mesmo violento.

O POPULISMO DE DIREITA E SUAS ESTRATÉGIAS DE SOBREVIVÊNCIA NA ALEMANHA... | 114


VINÍCIUS LIEBEL

O primeiro e maior aglutinador desses temas é a islamofobia, ponto


central de toda a retórica da AfD pós-Erfurt. Seguindo a tendência demar-
cada pela Nova Direita francesa, esse ponto é fundamentado em um dis-
curso pela manutenção de uma hegemonia cultural no país, pela salvação
de uma cultura que deveria ser defendida a todo custo e que proclamaria
uma suposta pureza do povo, com base na tradição, na história e na memó-
ria. Esses pontos, entretanto, na composição da teia discursiva que se tece,
estão intimamente ligados à “raça” e à nacionalidade dos indivíduos, funda-
mentando uma retórica sutilmente manipulada para promover valores essen-
cialmente racistas e antimigratórios, transformando-os em discursos politi-
camente aceitos. Na prática, os objetivos se expressam no domínio inten-
tado de campos metapolíticos, na promoção do discurso de defesa cultural
e arregimentação de simpatizantes em diferentes campos da sociedade, na
formatação de uma mentalidade dominante que, se não aceita completa-
mente esse discurso, ao menos o compreende como não racista e apoia seu
direito de expressão. Em suma, incutem-se elementos culturais à essência
dos indivíduos para, em seguida, negar a mesma essência em indivíduos
externos a essa “comunidade do povo”. Esse processo pode ser caracteri-
zado como
[...] a troca do conceito de raça, o qual era característico da
velha Direita, por aquele de Kultur (cultura). A Substanciali-
zação da cultura (história, língua...) é uma característica es-
sencial das novas Direitas. No conceito de cultura etnocen-
tricamente definido sobrevive o paradigma da velha Direita.
Cultura passa a ser entendida como uma definição autoritá-
ria de esboços de sentido totalizantes que representam o
destino coletivo de um povo. (RENSMAN et al., 2011, p. 175)

Estruturas discursivas como aquela apresentada por Sarrazin e sua


defesa da Alemanha contra a islamização se mostram, dessa forma, uma
ponta de lança na conquista desses espaços metapolíticos. Ganham repre-
sentatividade no campo público e espaço nos grandes veículos de comuni-
cação, disseminando valores e narrativas. Nesse processo, a mídia tem um

O POPULISMO DE DIREITA E SUAS ESTRATÉGIAS DE SOBREVIVÊNCIA NA ALEMANHA... | 115


VINÍCIUS LIEBEL

papel ativo e fundamental para o sucesso dessa estratégia. Isso porque os


meios de comunicação de massas, como salienta Thomas Meyer (2003, pp.
263-264), impõem dois sistemas reguladores ao campo do político. Em pri-
meiro lugar, o sistema regulador da lógica seletiva, que determina o que tem
importância suficiente para ser selecionado e mostrado ao público. Essa ló-
gica, ainda que seja pretensamente pautada pela relevância da manchete,
frequentemente é guiada por fatores econômico e/ou de audiência. O se-
gundo sistema é o da regulação da apresentação das notícias, que rege a
forma como a notícia será passada ao público receptor. Essa lógica é deter-
minada pela clareza e eficácia na transmissão, mas também pela atrativi-
dade e pela criação de um moto-contínuo, que se direciona à procura eterna
por mais informações sobre o tópico e que, de certa forma, cria uma fideli-
zação do leitor/espectador. É aqui que a utilização de imagens e linguagem
sensacionalistas, por exemplo, garantem a continuidade da audiência e o
seu retorno em busca de mais informações que alimentem a paranoia, o ódio
e/ou a ansiedade que determinadas notícias criam. É também o fator que
estimula a simpatia e o interesse em determinado tópico, personagem ou
ideia. O olhar que o meio impõe tem, é claro, influência sobre a recepção.
Isso é demonstrado por Fabian Virchow (2013) através de uma aná-
lise do caso da cobertura sobre a publicação do primeiro livro de Sarrazin
pelo jornal Bild, de Berlim:

Com a popularização do panfleto político propagandístico


de um Thilo Sarrazin, contendo uma quantidade de afirma-
ções seletivas sobre o mundo e coligando definições bioló-
gicas com expressões racistas-culturais e uma visão elitista
sobre as ‘classes baixas’, o jornal Bild colaborou particular-
mente para a disseminação massiva de modelos interpreta-
tivos social-racistas. O sucesso do livro (Deutschland
schafft sich ab) não pode ser explicado sem a representa-
ção de Sarrazin como um ‘destruidor de tabus’ nas páginas
do diário, e remete a estruturas de preconceito e disposi-
ções discriminatórias largamente difundidas na sociedade.
(VIRCHOW, 2013, p. 233)

O POPULISMO DE DIREITA E SUAS ESTRATÉGIAS DE SOBREVIVÊNCIA NA ALEMANHA... | 116


VINÍCIUS LIEBEL

A imprensa, dessa forma, tem a capacidade de expor um tema e


torná-lo social e politicamente aceito, em particular com a reverberação de
estruturas imaginárias e culturais anteriormente silenciadas ou adormecidas.
Outros elementos da sociedade podem ainda ajudar a promover essa ocu-
pação dos espaços meta-políticos, como produtos ou agentes culturais. No
caso da Alemanha, por exemplo, figuras como o cantor Xavier Naidoo ou a
ex-jornalista Eva Herman ajudam a difundir ideias e imagens “racistas, ho-
mofóbicas, antifeministas e conspiracionistas”, transformando essa retórica
em um artigo socialmente aceitável e tornando-os multiplicadores do dis-
curso da nova direita (BRUNS et al., 2015, p. 32).
A utilização do poder disseminador das mídias se dá, assim, através
da intercalação de declarações polêmicas e problemas percebidos como
reais, próximos e urgentes pelos indivíduos que são alvo dos políticos popu-
listas, ou seja, aqueles que se percebem como excluídos ou desassistidos
pelo Estado e que não se veem representados pelos partidos políticos tradi-
cionais, os “excluídos” e os “inconformados”. Com essa intercalação, tem-
se uma exposição constante da marca do partido e de seus afiliados conju-
gada a um apelo a seus possíveis eleitores.
Se a islamofobia ocupa, portanto, um lugar central na estrutura dis-
cursiva da AfD e de outros grupos de extrema direita, ela se apresenta ao
público tanto na forma de argumentações simplistas e alarmistas, apon-
tando, por exemplo, o crescimento do número de muçulmanos e de imigran-
tes em comparação com os de alemães nativos,10 quanto na forma de pala-
vras de ordem e expressões radicais e autoritárias, como no caso da con-
trovérsia em torno de Beatrix von Storch e Frauke Petry no auge da crise dos
refugiados. Na ocasião, Frauke Petry defendeu o uso de armas de fogo pelo

———————
10
Por exemplo, em: <https://www.welt.de/newsticker/dpa_nt/infoline_nt/brennpunkte_nt/arti-
cle156393161/Muslimische-Einwanderung-bedroht-Europa.html>.

O POPULISMO DE DIREITA E SUAS ESTRATÉGIAS DE SOBREVIVÊNCIA NA ALEMANHA... | 117


VINÍCIUS LIEBEL

controle de fronteiras, e sua colega, membra do Parlamento Europeu, teria


concordado com o uso das armas inclusive contra mulheres e crianças. Di-
ante da imensa repercussão negativa, Storch se viu obrigada a se retratar,
colocando a culpa em um “problema técnico” com sua internet.11 Mesmo
com a retratação, não há dúvidas de que as falas, ainda que demonstrem
um descaso com os direitos humanos, reverbera entre uma camada especí-
fica da população, preocupada e alarmada com a situação e com os notici-
ários. Mensagens simples, simplistas e diretas, buscando soluções rápidas,
mesmo que praticamente impossíveis de serem implementadas, são parte
da estratégia de retórica populista da AfD.
Visualmente, nos materiais de campanha e de propaganda do par-
tido, o elemento islâmico é frequentemente representado como suspeito e
potencialmente perigoso, e a burca é elemento de destaque nessa icono-
grafia, como o material abaixo mostra:

Figura 1. AfD. Der Islam Gehört nicht zu Deutschland. Panfleto, 2016.

———————
11
Disponível em: <http://www.spiegel.de/politik/deutschland/afd-beatrix-von-storch-wird-im-
netz-verspottet-a-1076209.html>.

O POPULISMO DE DIREITA E SUAS ESTRATÉGIAS DE SOBREVIVÊNCIA NA ALEMANHA... | 118


VINÍCIUS LIEBEL

A imagem conjugada apresenta, sob o fundo azul típico da AfD e


com seu logo da seta indicando a direita na parte inferior, duas fotografias
que retratam muçulmanos. A da esquerda, em formato de cabeçalho, mostra
um homem de barbas longas e óculos escuros com um sorriso nos lábios e
vestindo uma taqiyah (ou kufi). À sua frente, uma mulher completamente co-
berta por uma burca e com apenas seus olhos aparentes. A composição
performativa das expressões do homem indica uma tendência interpretativa
ligada ao preconceito com os imigrantes e grupos “alheios” à sociedade
“tradicional”, uma estrutura imaginária que remete à iconografia antissemita
da primeira metade do século XX. O sorriso lascivo, os óculos escuros que
esconderiam as falhas de caráter, a barba mal aparada que denota desleixo:
tudo isso faz referência a um suposto elemento nocivo no interior da socie-
dade, um corpo estranho a ela. No caso da mulher, os olhos, a única parte
evidente, mostram um olhar duro e firme, que pode também ser interpretado
como raivoso. A imagem da direita, apesar de não mostrar as feições do
muçulmano retratado, apresenta-o em uma mesquita, isolado e em oração.
A ideia que se passa é de uma sociedade dentro da sociedade, um Estado
(islâmico) isolado e encalacrado no Estado alemão.
Na iconografia racista, detalhes como esses apresentam sentidos
bastante diretos, que respondem ao preconceito e ao medo de forma
eficaz.12 Assim, o possível eleitores da AfD podem ser atingidos por essas
imagens em seu racismo (pessoal ou estrutural), seu preconceito, seu medo

———————
12
O medo e o preconceito com os quais essas imagens dialogam têm sido produzidos e
difundidos pela imprensa por anos, de forma sistemática, ao reportarem “o perigo islâmico”, o
terrorismo e o “choque de civilizações”. Monika Schwarz-Friesel (2014), em artigo que analisa
mais de 100.000 reportagens da imprensa alemã sobre o fenômeno do Terrorismo entre os anos
de 1993 e 2011, aponta a composição imaginária que é utilizada em sua descrição, de carga
fortemente emocional, que vão desde a alegoria da Hidra até a metáfora do câncer. Esse
substrato de medo e de insegurança é que sustenta parte da retórica da AfD e de outros grupos
de extrema direita na temática da islamofobia.

O POPULISMO DE DIREITA E SUAS ESTRATÉGIAS DE SOBREVIVÊNCIA NA ALEMANHA... | 119


VINÍCIUS LIEBEL

ou seu desconhecimento. E se acaso as imagens não forem suficientes para


transmitir a mensagem, o slogan que as acompanha é claro e direto: o Islã
não pertence à Alemanha (Islam gehört nicht zu Deutschland).
Se a iconografia racista voltada aos muçulmanos tem uma grande
correspondência com aquela empregada por grupos e partidos antissemitas
na primeira metade do século passado, é natural que o antissemitismo tam-
bém seja um elemento presente na base da AfD. Isso é denunciado com
certa regularidade por analistas e pesquisadores da extrema direita, mas
frequentemente negado, como era de se esperar, por membros da cúpula
do partido. A ginástica retórica para desviar as atenções sobre essas acu-
sações são várias, desde a negativa pura e simples até a ideia de que a AfD
é na verdade “uma das poucas garantidoras da vida judaica, em um tempo
de imigração ilegal antissemita para a Alemanha”. Aqui, Frauke Petry (2017)
efetua uma relação direta entre o imigrante (normalmente de origem árabe
ou turca) com o antissemitismo.13 Em sua islamofobia (também nunca admi-
tida abertamente), o partido estaria defendendo a vida dos judeus na Ale-
manha, tentando evitar que elementos potencialmente nocivos e perigosos
aos judeus entrassem no país. Em uma argumentação ilógica, a defesa do
fim da imigração de árabes muçulmanos se transforma em atestado de de-
fesa dos judeus, isentando o partido de acusações de antissemitismo, como
se a islamofobia excluísse automaticamente o antissemitismo.
Exemplos de expressões de partidários e de estratégias discursivas
e visuais atestam que o antissemitismo também se faz presente na base do
partido. Um exemplo claro é a propaganda contra o social-democrata Martin
Schulz, quando de seu anúncio de candidatura à chancelaria, em 2017:

———————
13
Disponível em: <https://www.welt.de/politik/deutschland/article163446354/AfD-ist-einer-der-
wenigen-Garanten-juedischen-Lebens.html>.

O POPULISMO DE DIREITA E SUAS ESTRATÉGIAS DE SOBREVIVÊNCIA NA ALEMANHA... | 120


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Figura 2. AfD. Fakenews auf zwei Beinen. Panfleto, 2017.

No panfleto, lê-se: “Hype encenada, conteúdo encenado, candidato


encenado”. E em destaque: “Fakenews sobre duas pernas”. No balão de
diálogos, o social-democrata fala: “Ligue já! Ligue Martin!”, o que produz a
sentido de um anúncio comercial. O fundo, como na imagem anterior, é pre-
enchido com o azul do partido, com o logo localizado na parte inferior à di-
reita. O que faz desse panfleto uma peça antissemita, entretanto, não são os
elementos textuais ou sua configuração de anúncio comercial, mas sim tudo
isso conjugado à adulteração da imagem do socialdemocrata produzida,
como a comparação da imagem original com a utilizada deixa claro:

O POPULISMO DE DIREITA E SUAS ESTRATÉGIAS DE SOBREVIVÊNCIA NA ALEMANHA... | 121


VINÍCIUS LIEBEL

Figura 3. Imagem original.

A imagem original foi retirada da página da Wikipedia referente ao


candidato do SPD, e a adulteração foi amplamente denunciada na internet.14
No processo de mascaramento, alguns elementos são particularmente per-
tinentes, como a diminuição drástica da boca e dos dentes (produzindo o
que é conhecido como “dentes de lebre”), uma leve diminuição da testa e
do queixo e, em especial, o afunilamento do nariz, criando o efeito de um
nariz adunco ou em “forma de gancho”. Todos esses pontos são listados na
produção de representações francamente antissemitas, muito difundidas no
período nazista e em sua imprensa (LIEBEL, 2011; 2014). Esses elementos,
em particular o nariz semita, tornam-se um signo que reúne em si, nas repre-
sentações racistas, valores e características pejorativas, conduzindo o sen-
tido da imagem para aqueles que compartilham aquela visão. O antissemi-
tismo fica evidente na manipulação da fotografia para que ela se confor-
masse ao reconhecimento desses sinais e a essa visão de mundo, compar-
tilhada por parte dos eleitores da AfD.

———————
14
A imagem está disponível em: <http://uebermedien.de/14394/die-afd-hat-ein-naeschen-fuer-
antisemitismus>.

O POPULISMO DE DIREITA E SUAS ESTRATÉGIAS DE SOBREVIVÊNCIA NA ALEMANHA... | 122


VINÍCIUS LIEBEL

Outro ponto constantemente levantado pelos políticos da AfD e que


lhes garante um espaço midiático desproporcional em relação ao tamanho
e representatividade do partido é a questão da memória do Holocausto, por
exemplo, da Shoah. Dois episódios se tornaram emblemáticos: o discurso
do líder do partido na Turíngia, Björn Höcke, em Dresden no início de 2017,
e o episódio que ficou conhecido como “as teses de Gedeon”, envolvendo
Wolfgang Gedeon, do estado de Baden-Württenberg. No primeiro caso,
Björn Höcke discursou15 sobre a política da memória da Segunda Guerra
Mundial e do Holocausto para um público de cerca de 500 pessoas no dia
17 de janeiro, na cidade de Dresden. Na ocasião, reclamou que os alemães
ainda não tiveram a chance de chorar e de honrar seus mortos por conta de
uma política da memória culpabilizadora, e defendeu uma guinada de 180
graus nesse tema. Uma frase, entretanto, ganhou as manchetes do país in-
teiro nos dias seguintes: “Nós alemães— e eu falo aqui não de vocês, patri-
otas, que se reúnem aqui hoje – nós alemães, quer dizer, nosso povo é o
único povo do mundo que planta um memorial da vergonha (o Denkmal für
die ermordeten Juden Europas, em Berlim) no coração de sua capital”.
Questões como a responsabilidade pelo passado, a memória dos genocí-
dios e a lembrança da violência política e do terror do totalitarismo são rela-
tivizadas em nome de uma memória patriótica e nacionalista. Poucos expe-
dientes se mostram mais populistas do que a desculpabilização por crimes
de guerra e a injeção de orgulho patriótico vazio em um grupo carente de
motivações e que se vê desamparado pelas políticas oficiais.
O segundo caso em evidência é a controvérsia em torno das obras
O Comunismo Verde e a Ditadura das Minorias (Der grüne Kommunismus

———————
15
Ver: <http://www.tagesspiegel.de/politik/hoecke-rede-im-wortlaut-gemuetszustand-eines-
total-besiegten-volkes/19273518.html>.

O POPULISMO DE DIREITA E SUAS ESTRATÉGIAS DE SOBREVIVÊNCIA NA ALEMANHA... | 123


VINÍCIUS LIEBEL

und die Diktatur der Mindheiten) e A Cultura Europeia-cristã: o Desafio da


Europa através do Secularismo, Sionismo e Islã (Christlich-europäische Leit-
kultur. Die Herausforderung Europas durch Säkularismus, Zionismus und Is-
lam), de autoria de Wolfgang Gedeon. Nos livros, Gedeon argumenta pela
defesa dos valores cristãos tradicionais do Ocidente, apontando como prin-
cipais inimigos as minorias, em particular os judeus e os muçulmanos. Cen-
tral em sua abordagem é a imagem do Judaísmo como inimigo interno (com
elementos de retórica nazista, desde a imagem do Estado dentro do Estado
até a ideia do Judaísmo internacional como uma estrutura organizada para
sugar e destruir o Ocidente) e o Islamismo como inimigo externo, que infiltra
seus agentes através da imigração massiva na Europa. Na análise de Mar-
cus Funck:

O Estado secular, a sociedade aberta, desprezados pelos


“irmãos gêmeos” Islamismo e Sionismo, assumem, de
acordo com Gedeon, o papel de “idiotas úteis”, enfraqueci-
dos pelo feminismo, pela sexualização, pelo “culto gay”,
bem como pelo multiculturalismo e pelo lobby da imigração.
Culpados por isso seriam as “ideias de 1789” bem como o
Sionismo global defendido pelos Estados Unidos, o qual, a
serviço do Sionismo israelense, impõe à Alemanha a “reli-
gião civil” da memória do Holocausto. (FUNCK, 2016)16

Apesar do absurdo que essa imagem evoca, a fantasia de Gedeon


tem um ponto argumentativo que fortalece suas posições na mente da gran-
de maioria dos conservadores: a ideia de que a sociedade se enfraquece
com a defesa e o fortalecimento político das “minorias”. Aqui a fantasia cons-
piracionista ganha asas e a retórica dos privilegiados ameaçados mostra
sua aderência: o grande perseguido dessa realidade é o homem branco he-
terossexual de classe média, justamente o centro-motor dessa visão de

———————
16
Disponível em: <http://www.zeit.de/2016/34/wolfgang-gedeon-antisemitismus-afd>.

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VINÍCIUS LIEBEL

mundo. Um ataque ao núcleo dessa estrutura imaginária é um ataque ao


mundo como conhecemos, uma ameaça à sociedade cristã europeia, à tra-
dição e à família. Para aquele social e politicamente desamparado, a ruína
de seu mundo está inteiramente ligada à ascensão de movimentos, atores e
entidades relacionados à defesa desses grupos. Na idealização do passa-
do, injustiças e violências históricas são eclipsadas em favor de um mito: o
da idade de ouro centrada no homem virtuoso e sua família tradicional cristã.
Dessa forma, direitos humanos, feminismo, movimento LGBT e simi-
lares se tornam inimigos a serem combatidos. Não há espaço para diálogo
quando esses grupos estão, na percepção do desamparado, oprimindo e
tomando espaços que seriam dele por direito. As “armas dos inimigos”,
desde políticas afirmativas e/ou inclusivas até o uso de linguagem politica-
mente correta, são denunciadas como ativos opressivos contra o indivíduo
“médio”. Essa situação, que beira à paranoia, revela um elemento consti-
tuinte frequentemente esquecido do populismo: a ânsia pela solidariedade
do grupo. Indivíduos atomizados convertidos em massa estão naturalmente
à deriva, em busca não necessariamente de uma identidade unificada ou de
uma ideologia que os una, mas sempre de suporte e de compreensão do
próximo. O medo e a opressão que são percebidos respondem às palavras
de ordem e às denúncias feitas em meio a um ambiente populista, e é esse
sentimento de conforto, muito mais do que ideias ou ações, que prende par-
cela dos eleitores a esse discurso.17 Floresce, assim, a solidariedade entre
os que pensam da mesma forma e que entendem o mesmo sofrimento, a

———————
17
Jan-Werner Müller (2016, p. 20) defende que a análise do populismo não deve se centrar nos
sentimentos e nas subjetividades, sob o risco de cairmos em um psicologismo raso. Entretanto,
abandonar completamente esse ponto nos parece também um caminho para o reducionismo,
em particular na análise de um fenômeno que, como demonstramos aqui, faz constante
referência e se utiliza de uma retórica bastante violenta e emotiva. O Populismo não é um
fenômeno estritamente emocional, mas também não deixa de sê-lo.

O POPULISMO DE DIREITA E SUAS ESTRATÉGIAS DE SOBREVIVÊNCIA NA ALEMANHA... | 125


VINÍCIUS LIEBEL

mesma angústia. Mesmo pertencendo a classes sociais diferentes, a gera-


ções distintas, com trajetórias de vida próprias, compondo um grupo alta-
mente heterogêneo, enfim, um dos princípios do populismo é a solidarie-
dade entre os que se sentem excluídos, desamparados, inconformados e
prejudicados. É muito pouco para se constituir em um traço identitário —
que, no caso, seria o de “eleitores da AfD” —, mas é o suficiente para criar
um elo de empatia e gerar a solidariedade.
Mas ainda no campo das sensibilidades, o princípio da solidarie-
dade anda também lado a lado com o inconformismo e com ódio à socie-
dade que exclui ou prejudica o indivíduo desse grupo. Esse ódio, no caso
dos eleitores da AfD, costuma se voltar ao imigrante muçulmano, ao judeu
ou ainda a outras minorias percebidas como inimigas e protegidas (ou privi-
legiadas, a seus olhos) por leis, incentivos ou pela “ditadura do politicamente
correto”. Nas fileiras da AfD, que tem um programa voltado à defesa da fa-
mília tradicional,18 o embate contra as feministas e o protagonismo que as
mulheres vêm conquistando na sociedade é bastante habitual.
As ações contra o feminismo, em particular, têm suas origens mais
frequentes na ala jovem do partido, a AfD-Jugend. Duas ações particular-
mente eficazes entre os conservadores — mas que, mais uma vez, coloca-
ram o partido em meio a controvérsias na mídia, garantindo espaço na arena
pública — utilizaram a internet e as redes sociais para divulgar a visão dos
militantes sobre o tema. A primeira, de alcance pontual, foi a divulgação em
sua página no Facebook de uma fotomontagem com cinco mulheres na
praia, com a legenda: “Igualdade de Direitos em vez de Uniformidade” (Glei-
chberechtigung statt Gleichmacherei).

———————
18
O programa está disponível em: <http://www.berliner-zeitung.de/familie/zurueck-in-die-50er-
diese-familienpolitik-meint-die-afd-wirklich-ernst-23724138>.

O POPULISMO DE DIREITA E SUAS ESTRATÉGIAS DE SOBREVIVÊNCIA NA ALEMANHA... | 126


VINÍCIUS LIEBEL

Figura 4. Jungle Alternative. Gleichberechtigung statt Gleichmacherei. Panfleto, abril de 2014.

Claramente voltado ao público masculino que se sente oprimido pela


ação feminista, a imagem defende a ideia de que a igualdade de direitos
entre os sexos já está plenamente estabelecida na Alemanha, e que as de-
sigualdades que ainda existem seriam frutos das diferenças inatas aos gê-
neros — daí a luta contra a uniformidade que as feministas tentariam impor.
Isso é ainda reforçado pela diversidade dos biótipos das mulheres apresen-
tadas na fotografia e a legenda: “A favor da diversidade na Europa!”. A frase,
entretanto, contém um trocadilho na palavra “pro” (a favor). Ao colocar um
parêntesis ao redor do “r”, a propaganda forma a palavra “Po”, ou seja,
“bunda” em alemão. O resultado é a mensagem “Diversidade de bundas na

O POPULISMO DE DIREITA E SUAS ESTRATÉGIAS DE SOBREVIVÊNCIA NA ALEMANHA... | 127


VINÍCIUS LIEBEL

Europa!”. Para além da imagem, também a legenda aponta para a misoginia


da mensagem. O antifeminismo, de forma estratégica, é uma bandeira em-
punhada prioritariamente pela ala jovem do partido, e a luta contra a teoria
e a diversidade de gêneros (chamada de Genderwahn pelos militantes, ou
de loucura de gênero) representa, para eles, uma luta contra uma ideologia
latentemente totalitária.
A campanha, obviamente, gerou comentários e muita oposição. 19
Para além da discussão em torno do feminismo e do conservadorismo na
Alemanha, a utilização de imagens de modelos em biquínis gerou um debate
intenso sobre a objetificação da mulher e sobre o uso de imagens “de mau
gosto” na arena de discussões políticas. A resposta da AfD, mais uma vez,
veio em tons machistas, em uma invocação da luta contra o discurso domi-
nante do politicamente correto:

Figura 5. Jungle Alternative. Gegen Political Correctness. Panfleto, abril de 2014.

———————
19
Ver, por exemplo: <http://www.taz.de/!5043854>.

O POPULISMO DE DIREITA E SUAS ESTRATÉGIAS DE SOBREVIVÊNCIA NA ALEMANHA... | 128


VINÍCIUS LIEBEL

Essa ação pontual da Junge Alternative faz parte de uma campanha


maior e permanente intitulada “Entendimento em vez de Ideologia” (Verstand
statt Ideologie), na qual, por óbvio, a razão se encontra na argumentação da
JA e a ideologia é o Feminismo e a Teoria de Gênero. No âmbito dessa cam-
panha, uma ação constante é a divulgação de variantes para a frase “não
sou feminista porque...” (Ich bin kein Feminist, weil...). Voltada à interação
com o público em suas redes sociais, a campanha registrou algumas mani-
festações, como “Não sou feminista porque a família é mais importante que
a carreira, e eu quero acabar com a loucura de gênero”, ou “Não sou femi-
nista porque uma mãe vale tanto quanto uma executiva”.20
A lógica dominante nas frases dessa campanha é sempre a mesma:
priorizar a atuação das mulheres no espaço privado do lar, legando aos ho-
mens a primazia no espaço público. Hierarquizar o masculino frente ao fe-
minino. Combater qualquer forma de diversidade sexual e de papeis sociais
que contradigam aquele da família tradicional e da dominação masculina. O
combate aberto e direcionado prioritariamente ao feminismo e à teoria queer
torna-se a bandeira dos jovens militantes da AfD, o que daria um verniz de
credibilidade a esse combate, uma vez que não seria levado à cabo pelos
“aposentados e velhos conservadores” do núcleo duro do partido. Forma-se
um campo de batalha discursivo cerrado em uma mesma geração, sem a
possibilidade do escapismo de uma “guerra de gerações”. São jovens com-
batendo jovens e, na medida do possível, são mulheres combatendo mulhe-
res. A estratégia da AfD, dessa forma, baseia-se em uma equivalência de
atores, em um equilíbrio de campos. A questão geracional, que pesa bas-
tante em outros fenômenos populistas e da Nova Direita pelo mundo, é, as-
sim, diluída no expediente discursivo e visual da AfD.

———————
20
Ver, por exemplo: <http://www.tagesspiegel.de/politik/afd-jugend-gegen-feminismus-fuer-
hausfrauen-und-gegen-vorstandschefinnen/9634926.html>.

O POPULISMO DE DIREITA E SUAS ESTRATÉGIAS DE SOBREVIVÊNCIA NA ALEMANHA... | 129


VINÍCIUS LIEBEL

Conclusão

O que apresentamos acima demonstra que a AfD se transformou,


particularmente após a Resolução de Erfurt, em um braço partidário de um
movimento populista maior, composto de diferentes grupos e de diferentes
olhares, com variadas escolhas de ação e de representação. Entretanto,
pensar esse populismo em um quadro maior implica também pensar em seu
princípio de ação e de mobilização. Isso porque o populismo, apesar de
apresentar uma ideologia-base, frequentemente prescinde dessa para se
voltar à retórica aglutinadora e propulsora. Por não ser primariamente vol-
tado à ação conjunta e intersubjetiva nem às ideias e ideologias, e sendo ori-
entado por uma gama de imagens, palavras de ordem e sentimentos, o po-
pulismo é constantemente identificado como a não política.
O populismo, dado seu caráter multifacetário e híbrido, aceitando di-
ferentes matizes de todos os espectros da política, configura-se, ao final,
não em uma ideologia, mas em uma retórica que serve a um fundo ideoló-
gico. Esse fundo ideológico, normalmente fragmentado e disforme, se con-
figura, normalmente, em momentos de crise ou de grandes alterações estru-
turais na economia e na sociedade. Entretanto, configurar o populismo en-
quanto retórica acarreta também em esvaziar o seu sentido político, rele-
gando-o a um campo estético. Nesse sentido, o populismo pode ser carac-
terizado como não-política, como um “vazio ideológico” que foi muitas vezes
levantado por pesquisadores como sua característica central.
A estética e a performatividade, entretanto, estão também no cerne
da caracterização desse grupo que se autodenomina populista ou que se
reconhece ou ainda que com ele simpatiza. Mais ainda, a retórica, as repre-
sentações, a performatividade, enfim, a exterioridade populista segue uma
linha própria, ligada, inevitavelmente, a uma linha ideológica subterrânea.
Sua percepção como vazio ideológico, assim, resulta em sua lógica própria,
na forma de apresentar essa ideologia, estando, portanto, a ela intrinseca-
mente vinculado. Ernesto Laclau deixa isso claro quando afirma que:

O POPULISMO DE DIREITA E SUAS ESTRATÉGIAS DE SOBREVIVÊNCIA NA ALEMANHA... | 130


VINÍCIUS LIEBEL

[...] se através de operações retóricas eles conseguiram


constituir identidades populares amplas que interseccio-
nam vários setores da população, eles, na verdade, consti-
tuíram sujeitos populistas, e não há qualquer ponto em des-
cartar isso como mera retórica. Longe de ser um parasita da
ideologia, a retórica seria na realidade a anatomia do mundo
ideológico. (LACLAU, 2005, p. 12-3)

Essa ideologia que permeia o fenômeno do populismo — de direita


e de esquerda —, como argumenta Jan-Werner Müller, é a do choque mani-
queísta, do “nós contra os outros”, e, nesse espectro, o “nós” se torna “o po-
vo”, o “verdadeiro povo”, e apenas esse grupo teria a legitimidade de o re-
presentar (MÜLLER, 2016, pp. 18-19). Nós, o povo, contra o establishment;
nós, o povo, contra os estrangeiros; nós, o povo, contra as minorias privile-
giadas. O princípio de ação e de pensamento do populismo se apresenta
de forma peremptória, mesmo autoritária, o que faz com que “populistas te-
nham ao menos uma tendência antidemocrática” (MÜLLER, 2016, p. 19).
Percebe-se que a guinada da AfD pós-Erfurt a um populismo mais
radical responde a um chamado muito mais profundo de parte da sociedade
alemã, vinculada a uma cultura subterrânea que possibilita a constituição de
sujeitos populistas de direita. As estratégias de sobrevivência e de visuali-
dade na arena pública aqui exemplificadas correspondem a esse esforço
de buscar, em primeiro lugar, falar a esses sujeitos e, em segundo lugar, tor-
nar sua exposição política e socialmente mais aceitáveis.
Na Alemanha esse processo é particularmente difícil pelo peso que
a memória do Nazismo e do Holocausto impõe sobre a sociedade, cobrando
— corretamente — uma responsabilidade histórica constante. Mas é nessa
cobrança, que tem na tolerância e no respeito à diversidade sua pedra fun-
damental, que as frustrações de parte dos alemães se concentram ao assis-
tirem às modificações políticas e sociais pelas quais o país vem passando.
Daí o tripé do conservadorismo, chauvinismo e tradicionalismo se tornar a
base do movimento populista. Daí o perigo histórico que um eventual suces-
so da AfD representaria.

O POPULISMO DE DIREITA E SUAS ESTRATÉGIAS DE SOBREVIVÊNCIA NA ALEMANHA... | 131


VINÍCIUS LIEBEL

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O POPULISMO DE DIREITA E SUAS ESTRATÉGIAS DE SOBREVIVÊNCIA NA ALEMANHA... | 133


Pode a Frente Nacional ao
poder chegar? O terceiro excluído
da vida política*1
Jean-Yves Camus**2

Fundado em 1972 e confinado até meados dos anos 1980 no estreito


espaço que possuía a extrema direita francesa desde 1945, a Frente Nacio-
nal (FN) é, após as eleições presidenciais de 23 de abril e 7 de maio de
2017, seguidas pelas eleições legislativas do mês de junho subsequente, a
segunda ou terceira força política do país, de acordo com a referida conta-
gem. Sua presidente, Marine Le Pen, qualificou-se para o segundo turno da
Presidência, como Jean-Marie Le Pen em 2002, porém, com uma pontuação
muito superior: 21,3% dos votos no primeiro turno e 33,9% no segundo,
respectivamente 7.678.491 e 10.638.475 de votos.

———————
* Termo usado por Piero Ignazi, para descrever o lugar do Movimento Social Italiano (MSI) : Il
1

polo escluso: profilo del Movimento Sociale Italiano, Il Mulino, 1989.


** Jean-Yves Camus é diretor do Observatoire des Radicalités Politiques (Observatório das Ra-
dicalidades Políticas) da Fundação Jean-Jaurès, em Paris — ORAP.
JEAN-YVES CAMUS

Por mais impressionante que seja esse resultado, que leva o partido
a níveis sem precedentes para qualquer tipo de eleição, 1 trata-se de um
resultado ambíguo. De fato, Marine Le Pen foi bastante derrotada no segun-
do turno por Emmanuel Macron (66% dos votos). Não chegou a 40% julga-
dos alcançáveis segundo uma pesquisa da IPSOS cinco dias antes do
escrutínio,2 padecendo seu fraco desempenho durante o debate televisio-
nado em 3 de maio entre os dois candidatos, durante o qual mostrou uma
carência frente às problemáticas econômicas e uma ausência clara de es-
tatura presidencial. Ela nem confirmou no primeiro turno o nível das inten-
ções de voto que previam as pesquisas até o primeiro debate televisionado
em 4 de abril entre os onze candidatos e até o qual lhe foi creditado entre
24% e 25,5%.
Suas hesitações entre a saída da União Europeia e do Euro, por um
lado, que é a doutrina tradicional da FN, e a transformação da moeda única
em moeda comum, por outro lado, obscureceram sua imagem de “separa-
tista integral” sem tranquilizar os eleitores da direita tradicional, que, deso-
rientados com a derrota de François Fillon, poderiam ter aceitado sua candi-
datura, pelo menos no segundo turno.
Finalmente, o pacto entre Nicolas Dupont-Aignan e Marine Le Pen,
concluído em 28 de abril e pelo qual o presidente do Debout la France (DLF,
“França de pé”, em tradução livre) concordou em se tornar o primeiro-
ministro da líder frontista, se fosse eleita, não permaneceu: em 15 de maio,
o líder do DLF anunciou que seu movimento se canditava em toda parte nas
eleições legislativas, incluindo candidatos da FN que estavam em disputa.

———————
1
Nas eleições presidenciais de 2012, Marine Le Pen tinha conseguido 6,421 milhões de votos.
2
Esta pesquisa IPSOS-Steria para Radio France, do dia 2 de maio de 2017, lhe atribuia entre
37% e 43% dos votos.

PODE A FRENTE NACIONAL AO PODER CHEGAR? O TERCEIRO EXCLUÍDO DA VIDA POLÍTICA | 135
JEAN-YVES CAMUS

A FN permanece, portanto, em julho de 2017, um partido sem perspectiva


de integrar uma coalizão de governo ao lado de partidos tradicionais con-
servadores, começando pelos Republicanos (LR). Estes, que limitaram a im-
portância de fracasso no primeiro turno das eleições presidenciais (20,01%),
ultrapassaram no primeiro turno das eleições legislativas a FN em percen-
tual (15,77% contra 13,20%) e especialmente em número de cadeiras (112
contra 8).
Os candidatos mais direitistas de LR, incluindo os poucos que decla-
raram aceitar negociações com uma parte da FN, foram derrotados: assim
Thierry Mariani ou Nicolas Dhuicq, derrotado na única triangular deste escru-
tínio, tendo a FN mantido o seu candidato na disputa apesar de suas decla-
rações. Além disso, mesmo que uma provável fragmentação de LR comece
antes de seu congresso programado para dezembro de 2017, é muito
improvável que haja uma maioria a favor de uma “união das direitas”,
incluindo a FN.
Sem dúvida, o ex-ministro Laurent Wauquiez, atual presidente da
região Rhône-Alpes, favorito para assumir a direção de LR, é o porta-ban-
deira de uma direita resolutamente conservadora, que aceitou, durante a
campanha presidencial, dar visibilidade e peso aos católicos tradicionalistas
do movimento Sens Commun. Sem dúvida ainda, Wauquiez é a favor de uma
linha intransigente sobre a imigração, enfatizando a questão da identidade
tanto quanto — senão mais que — a questão econômica e social. Sem dú-
vida, por fim, Marion Maréchal Le Pen disse na revista semanal Valeurs
actuelles de 17 de maio de 2017 que “O que está certo é que no cenário po-
lítico atual à direita, ele (Laurent Wauquiez) está entre aqueles cujas declara-
ções sugerem que nós teríamos coisas para conversar e fazer juntos”. No
entanto, o interessado respondeu imediatamente: “Minha posição nunca mu-
dou: nenhuma aliança com a esquerda e a FN. Uma bússola: os valores da

PODE A FRENTE NACIONAL AO PODER CHEGAR? O TERCEIRO EXCLUÍDO DA VIDA POLÍTICA | 136
JEAN-YVES CAMUS

direita e do centro”.3 Dessa forma, o espaço de recomposição da direita pa-


rece fechado à FN, que é, ao mesmo tempo, poderosa em número de votos
e paralisada pela ausência de aliados, por sua incapacidade de formar um
grupo parlamentar (mínimo de 15 deputados) e pela falta de proporcionali-
dade nas eleições legislativas. Este último ponto poderia mudar: O presi-
dente Macron anunciou frente às duas Câmaras reunidas no Congresso, em
3 de julho de 2017, sua intenção de “introduzir uma dose de proporcionali-
dade”, como parte da reforma institucional, a qual pretende fazer o mais
tardar em 2018.

Uma força política populista e contestatária, mas não só

Não obstante, confirma-se um fato: por não ter conseguido romper


a bipolarização da vida política francesa, o que acaba de ser alcançado por
Emmanuel Macron e seu movimento La Republique en Marche, e por ser,
como afirmou após as eleições europeias de 2014, “o primeiro partido na
França”, a FN atrai um grande número de eleitores que encontram nele a
encarnação de sua rejeição do “sistema” e das “elites”. A FN, que nunca
participou de nenhum governo de coalizão, seja em nível nacional ou regio-
nal, representa nos eleitores a contestação geral dos partidos que partilham
o poder desde 1981, o Partido Socialista e os Republicanos. Ele veste desde
a década de 1990 a famosa “função tribunícia” que Georges Lavau atribuiu
ao Partido Comunista (LAVAU, 1968, pp. 445-466). A única novidade é que
agora compartilha essa função com a esquerda radical re-presentada pela
France Insoumise, o movimento de Jean-Luc Mélenchon, cujo sucesso
eleitoral (19,58% na eleição presidencial, e depois 11,03% e 17 cadeiras nas
legilativas) atingiu um nível recorde que testemunha a emer-gência de outra

———————
3
Tweet de L. Wauquiez em 17 de maio de 2017.

PODE A FRENTE NACIONAL AO PODER CHEGAR? O TERCEIRO EXCLUÍDO DA VIDA POLÍTICA | 137
JEAN-YVES CAMUS

forma poderosa de contestação do liberalismo e do “sistema”, mas com


base em valores intrinsecamente diferentes dos temas frontistas.4 Portanto,
é necessário determinar exatamente quais são os deter-minantes do voto
frontista em 2017 e qual é a sociologia dos eleitores de Marine Le Pen.
Sociologicamente,5 Marine Le Pen vence entre a classe trabalhadora
e a classe média baixa, obtendo 32% dos votos dos assalariados e 37% dos
operários. Também atrai fortemente os desempregados (26%) e os funcioná-
rios públicos (27%). Contudo, o nível de escolaridade é determinante no voto
para a Frente Nacional: aqueles menos graduados (ensino médio incom-
pleto) escolheram Marine Le Pen (30%), enquanto os mais diplomados (com
ao menos 3 anos de ensino superior) preferiram Macron (30%), Fillon (24%)
e Mélanchon (20%).
Por idade, Marine Le Pen lidera com 29% nos leitores de 35 a 49
anos e obtém 27% na faixa dos 50-59 anos de idade. Não é ela que con-
quistou a juventude já que 21% do eleitorado de 18 a 24 anos vota nela, re-
sultado de fato maior que para Macron (18%) porém menor que para
Mélenchon (30%). No eleitorado de 25 a 34 anos, com 24% dos votos, ela
somente empata com Mélenchon, perdendo por Macron (28%). Dessa for-
ma, a FN não é o partido preferido dos jovens, em primeiro lugar porque 34%
dos jovens de 18 a 24 anos se abstiveram; em segundo lugar, porque o voto

———————
4
De acordo com uma pesquisa da Ipsos-Steria, realizada entre 4 de maio e 6 de maio, apenas
7% dos eleitores de Mélenchon optaram para sobre Marine Le Pen. 24% se abstiveram no
segundo turno. Outra pesquisa realizada pela Harris Interactive em 6 de abril de 2017 mostra
que aqueles que pretendiam votar em Mélenchon foram motivados principalmente pela luta
contra as desigualdades (66%), o emprego (48%) e o meio ambiente (41%), ao passo que os
de Le Pen davam mais importância à imigração (80%), à luta contra o terrorismo (64%) e à
segurança das pessoas e dos bens (44%).
5
Os dados seguintes foram retirados da pesquisa IPSOS-Sopra Steria para a France Télévisi-
ons, Radio France LCP-Public Sénat, RFI-France 24, Le Point et Le Monde, publicada em 24 de
abril.

PODE A FRENTE NACIONAL AO PODER CHEGAR? O TERCEIRO EXCLUÍDO DA VIDA POLÍTICA | 138
JEAN-YVES CAMUS

frontista deve ser cruzado com duas variáveis: o fato de votar e o baixo nível
de escolaridade.
Por último, o eleitorado de maior idade, aquele com a maior taxa de
participação, é um limite importante para a FN, segundo o qual a candidata
obteve 19% dos votos nos eleitores de 60 a 69 anos, bem atrás de Fillon
(27%) e Macron (26%). Esta rejeição da FN ainda aumenta no caso dos
eleitores de mais de 70 anos, dos quais 49% votaram em Fillon, 27% em
Macron e apenas 10% na presidente da FN.
Finalmente, é necessário localizar geograficamente as áreas onde
domina o voto frontista. Fica claro que moradores de grandes cidades votam
muito pouco em favor da FN (menos de 5% em Paris, 7,39% em Bordeaux,
8,86% em Lyon), exceto em Marselha (23,66%). A regra de que “quanto mais
se afasta das grandes cidades, mais o voto fronstista aumenta” continua vá-
lida, e certos territórios rurais ou suburbanos colocam Marine Le Pen no topo
dos votos no segundo turno (assim foi no Aisne com 52,91%), ou muito per-
to da maioria (Haute-Marne: 49,52%, Córsega do Sul: 49,41%, Ardenas:
49,27%, Meuse: 48,38%, Haute-Saône: 48,29%). Comparando com 2012, Le
Pen vê sua pontuação crescer em quase toda parte; porém, mais do que a
média no norte (+ 9% no Pas de Calais), no nordeste da França e no Var.
Esta observação parece confirmar a ideia de uma presença local que está
se expandindo em áreas onde a FN tem responsabilidades municipais des-
de 2014 e onde há um trabalho de campo de longa data por líderes locais
bem estabelecidos, oriundos da região ou pelo menos “conquistando-a" com
constância. Isto foi confirmado nas eleições legislativas em que a FN obteve
5 cadeiras em 8, nos dois departamentos do Nord e do Pas de Calais,
incluindo o de Marine Le Pen, eleita com 58,6%, enquanto o partido venceu
2 cadeiras no Hérault e no Gard onde a FN gerencia as cidades de Beziers
e Beaucaire, a última cadeira pertencendo por pouco a Louis Aliot, vice-

PODE A FRENTE NACIONAL AO PODER CHEGAR? O TERCEIRO EXCLUÍDO DA VIDA POLÍTICA | 139
JEAN-YVES CAMUS

presidente da Frente Nacional e companheiro de Marine Le Pen, eleito em


Perpignan, onde está muito presente, com 50,56%.
Essa função de reprensentar o “povo”, que aparece claramente na
porcentagem (em torno de 40%) dos eleitores frontistas que expressam sua
rejeição geral do sistema político (o que também é evidenciado pelo aumen-
to estrutural da abstenção, que atingiu 25,3% no segundo turno das eleições
presidenciais e 56,83% no segundo turno das eleições legislativas).6 No em-
tanto, não deve levar a considerar o voto frontista como puramente contesta-
tário. Também se tornou um voto de adesão. Por um lado, é um eleitorado
que se estrutura cedo: em 11 de abril de 2017, 84% dos eleitores de Le Pen
consideram-se certos de sua escolha. Por outro lado, é um voto unânime pa-
ra a candidata Le Pen (96% dos eleitores declarados), pela vontade de real-
mente ver-la chegar à presidência (62%, ou seja apenas 4% menos do que
os eleitores declarados de Macron) e a sensação (66%) de uma proximidade
entre a candidata e as aspirações do seu eleitorado.
No que diz respeito aos valores, a rejeição à imigração, fundamental
para 62% dos eleitores de Le Pen em 2012, aumenta para 80% e forma, co-
mo vimos acima, com a questão do terrorismo e da segurança, o tríptico ven-
cedor dos temas frontistas, muito à frente da melhoria do poder aquisitivo
(43% em 2012, 29% em 2017) e até do emprego (34%). A questão da iden-
tidade continua a ser o ponto central da ideologia frontista ainda mais com
os ataques de 2015 e do 14 de julho de 2016, bem como o número de ata-
ques terroristas evitados na França em 2017. Destaca-se, ainda, que o que
mais distingue a FN dos outros partidos de direita, é a sua proposta de in-
troduzir um regime jurídico que reservasse benefícios sociais apenas para
os cidadões nacionais e que desse aos mesmos uma prioridade no emprego
e na moradia (é a preferência nacional).

———————
6
Ou seja, o mais alto nível registrado desde o início da Quinta República, em 1958.

PODE A FRENTE NACIONAL AO PODER CHEGAR? O TERCEIRO EXCLUÍDO DA VIDA POLÍTICA | 140
JEAN-YVES CAMUS

Perspectivas de crescimento, mas improvável acesso ao poder

O objetivo da FN é chegar ao poder, se possível sozinha, com uma


vitória nas eleições presidenciais (as próximas acontecerão em 2022), que,
para permitir que o partido governe, deveriam ser seguidas pela obtenção
de uma maioria parlamentar. Este objetivo parece inalcançável, especial-
mente porque a pontuação esmagadora de Emmanuel Macron demonstra a
persistência de um cordão sanitário ao redor da FN: se 31% dos eleitores de
François Fillon consideravam votar em Le Pen antes do debate televisivo en-
tre os dois turnos, apenas 17% o fizeram no dia da votação e apenas 41%
dos eleitores de Dupont-Aignan pensavam votar na FN, apesar do acordo
entre os dois líderes.7 O fator decisivo desse fracasso em atrair a maioria dos
eleitores da direita tradicional contra a esquerda parece ter duas causas.
Por um lado, a existência de uma “onda Macron”, fenômeno que ainda preci-
sa ser explicado, mas que parece ter consquistado os eleitores com a pro-
messa de renovação total dos atores e métodos do poder, com a vontade
de quebrar a separação entre direita e esquerda, que só a FN tinha até então
como objetivo através da estratégia chamada “Nem direita, nem esquerda”,
dirigida por Marine Le Pen e Florian Philippot. Por outro lado, a FN sofre de
uma falta de credibilidade ligada à falta de experiência governamental, agra-
vada pelo desastroso debate televisivo já citado. Marine Le Pen, que admitiu
ter falhado nesse exercício, parece ter entendido que essa falta de credibili-
dade tem causas que vão muito além. Por conseguinte, lançou, após as le-
gislativas, uma reconsideração completa do movimento, uma "refundação",
cuja mudança de nome do partido poderia ser uma conseqüência. Foi pedi-
do aos membros que eles comunicassem para a direção do partido suas

———————
7
Pesquisa BVA, de 7 de maio de 2017.

PODE A FRENTE NACIONAL AO PODER CHEGAR? O TERCEIRO EXCLUÍDO DA VIDA POLÍTICA | 141
JEAN-YVES CAMUS

queixas e críticas sobre a linha do partido. Um seminário executivo da FN


está programado para os 21 e os 22 de julho de 2017 para definir o esboço
do que será discutido no congresso a ser realizado em janeiro ou fevereiro
de 2018.
A preparação deste é feita em uma atmosfera de crise. O primeiro
passo foi a decisão, tomada em 9 de maio por Marion Maréchal-Le Pen, de-
putada do Vaucluse, de não se candidatar e afastar-se da política para ir tra-
balhar no setor privado, sem renunciar a uma volta, porém desta vez assu-
mindo a liderança de um partido refundado em bases ideológicas diferentes.
O segundo passo foi a fundação, em 15 de maio, por Florian Philippot, de
uma associação chamada Les Patriotes, que foi interpretada como um sinal
de que ele poderia deixar a FN se Marine Le Pen desaprovasse suas opções
ideológicas. Os termos do debate são simples. Por um lado, Philippot conti-
nua na linha "nem direita, nem esquerda" e reivindica uma soberania integral
que defenda a saída da União Europeia e do Euro, como pré-requisitos para
qualquer recuperação pela França de sua soberania jurídica, econômica e
sobre as questões de imigração. Por outro lado, Marion Maréchal argumenta
que as questões de identidade nacional e imigração se tornam o coração do
projeto frontista, a saída do Euro, segundo ela, é um assunto secundário. Ela
avalia que é na questão identitária que pontes podem ser construídas com
parte das direitas alheias. Marine Le Pen disse no início de julho, que ela
entendia a “ansiedade” que representa a saída do Euro para os eleitores.
Por outro lado, Sophie Montel, muito próxima de Philippot, estimou em 22 de
junho que era o programa frontista sobre a imigração que era “provocador
de ansiedade”, porque foi interpretado como significando a expulsão ime-
diata de todos os estrangeiros. No momento, a Marine Le Pen permanece
sem posição definitiva entre esses dois tópicos essenciais. Além disso, mes-
mo que ainda pareça possível que a FN tenha uma margem de progressão

PODE A FRENTE NACIONAL AO PODER CHEGAR? O TERCEIRO EXCLUÍDO DA VIDA POLÍTICA | 142
JEAN-YVES CAMUS

eleitoral quando seu posicionamento será esclarecido (será que isso


acontecerá?), o partido permanece em uma fase de turbulência interna que
o enfraquece. Talvez seja um partido destinado a representar de maneira
constante uma força entre 15% e 20% do eleitorado, mas que permanecerá
para sempre na oposição.

Populismos e nacionalismos em ascensão no mundo: coincidência


ou patologia global?

A eleição de Donald Trump para a Presidência dos Estados Unidos


reacendeu, a partir de 8 de novembro, o medo de uma contaminação do
fenômeno populista, em sua forma direitista e identitária, em nível do mundo
ocidental todo. Em particular, foi dito que o sucesso do candidato republica-
no, vencedor contra seu adversário, mas também contra o aparato de seu
próprio partido, deveria ser interpretado como sendo de natureza, se não
idêntica, pelo menos próxima ao voto do povo britânico em favor do Brexit e
na sucessão lógica dos êxitos eleitorais conquistados desde a década de
1980, na Europa, pelos partidos nacional-populistas. Isto já se trata de uma
afirmação que deve ser atenuada. Na verdade, o fenômeno Trump marca o
apogeu de um movimento ideológico peculiar à direita americana, iniciado
logo na campanha de 1964 de Barry Goldwater, e que viu o Compassionate
Conservatism, representado na época pelo George W. Bush e as elites so-
ciais republicanas, ser derrotado por uma forma de populismo nativista,8 an-
ti-intervencionista e fundamentalmente antiliberal.9

———————
8
O Compassionate Conservatism, caracterizado em parte pela fé religiosa cristã de seus segui-
dores, admite tanto a necessidade de uma política fiscal e orçamentária classicamente conser-
vadora quanto a de um dever de ajudar os mais pobres. Seu declínio a partir do surgimento do
Tea Party pode vir precisamente porque constituía um tipo de condescendência de caridade,
enquanto a classe trabalhadora e a média já rejeitavam o livre comércio e da globalização.
9
Sobre esta evolução do Partido Republicano, cf. Dionne Jr. (2016).

PODE A FRENTE NACIONAL AO PODER CHEGAR? O TERCEIRO EXCLUÍDO DA VIDA POLÍTICA | 143
JEAN-YVES CAMUS

Frente ao trabalho imenso de elaborar o quadro dos populismos e


nacionalismos no mundo em tão poucas páginas, a modéstia nos obriga a
nos referirmos a obras clássicas sobre o assunto 10 e a nos concentrarmos
na Europa no sentido geográfico do termo, a Rússia constituindo um espaço
ideológico distinto. A progressão das direitas radicais é real em nosso conti-
nente, mais marginal no resto do espaço ocidental se excluirmos o retorno,
em 2016, ao Parlamento australiano do partido One Nation liderado por
Pauline Hanson. O partido sul-africano Freedom Front (4 deputados), que re-
presenta os interesses da minoria afrikaner, aceita de fato o Estado multir-
racial e New Zealand First (12 eleitos), conhecido por sua forte oposição à
imigração e por seu conservadorismo de valores, é um populismo bastante
clássico que nada tem a ver com a extrema direita. Quanto à tradição perene
da direita católica em Quebec, impregnada pela Action Française, esta de-
clinou com a “Revolução Silenciosa” dos anos 60-70.
Populismo e nacionalismo são, de qualquer forma, termos que preci-
sam ser usados com muito cuidado. O primeiro é muito mais um estilo do
que uma ideologia. É a crença em uma oposição irredutível entre “o povo”,
considerado como uma entidade orgânica dotada da presciência natural do
bem comum e das elites naturalmente desonestas, monopolizadoras e des-
conectadas do fato nacional. Os populistas, portanto, defendem a democra-
cia direta em vez da democracia representativa, pelo uso de referendos em
todos os níveis (local e nacional) para contornar as organizações interme-
diárias, para estabelecer um vínculo direto entre um líder absolutista e o
povo. Podem ser de direita ou de esquerda (“Syriza” na Grécia, “Podemos”

———————
10
Particularmente, o livro de Guy Hermet, Les populismes dans le monde (2001), ou de Juan J.
Linz, Régimes totalitaires et autoritaires (2000).

PODE A FRENTE NACIONAL AO PODER CHEGAR? O TERCEIRO EXCLUÍDO DA VIDA POLÍTICA | 144
JEAN-YVES CAMUS

na Espanha) ou de tipo agrário, isto é mobilizar a ira do campesinato contra


a modernização e industrialização.11
Alguns são objetos políticos híbridos, como o Movimento Cinco Es-
trelas na Itália e, assim que deixamos o mundo ocidental, o populismo apare-
ce como um modo de governo que quase necessariamente acompanha o
surgimento da nação (mundo árabe, África) como sua declaração contra o
unilateralismo americano (América Central e América Latina, Filipinas desde
a eleição em 2016 de Rodrigo Duterte), do século XIX até os dias atuais. O
vínculo direto que o “pai da independência”, o caudilho ou mesmo o líder
eloquente construido com o povo contra a oligarquia e o "imperialismo", são
mais freqüentemente relacionados ao nacionalismo. Mas este termo deve
ser definido com um pouco de precisão, para ser algo diferente de um qua-
lificador pejorativo. Se o patriotismo é o apego natural de um cidadão à na-
ção a que ele pertence, o nacionalismo é a exaltação quase mística deste
sentimento, com uma dimensão de superioridade em relação a tudo o que é
"distinto", podendo chegar, no estágio final desse então nacionalismo xeno-
fobista, à exclusão política de tudo o que é estrangeiro. É este último ponto
que torna muito importante a equivalência de populismos esquerdistas como
“Syriza” e “Podemos”, para não mencionar o Partido da Esquerda Francesa,
e os populismos de extrema direita nos mesmos países: a diferença está na
“preferência nacional” tanto quanto no anticapitalismo.12

———————
11
Como Les chemises vertes do deputado nacionalista Henri Dorgères, na França dos anos
1930.
12
Paradoxalmente, há pelo menos um caso extremo proclamando-se social-democrata, o parti-
do Smer, do primeiro-ministro eslovaco Robert Fico, cujas declarações e práticas, tanto xenófo-
bas como nacionalistas e jogando sobre a oposição entre o povo e as elites, são claramente
nacional-populistas.

PODE A FRENTE NACIONAL AO PODER CHEGAR? O TERCEIRO EXCLUÍDO DA VIDA POLÍTICA | 145
JEAN-YVES CAMUS

Focalizando-se nos populismos europeus da direita extrema ou ra-


dical, os únicos que trataremos aqui, traços comuns são óbvios: por exem-
plo, a oposição a qualquer forma de soberania supranacional, o nacionalis-
mo e a vontade de limitar ou proibir a imigração não europeia, a atração
exercida sobre a classe trabalhadora e a classe média inferior por um pro-
grama de proteção social melhorada que beneficie unicamente os cidadãos
nacionais.13 A ideologia sozinha não provocou o avanço eleitoral destes par-
tidos: esse avanço depende muito do sistema de votação em vigor e mate-
maticamente, o sistema proporcional lhes dá uma posição de árbitro do jogo
governamental e/ou parlamentar que o sistema britânico “first-past-the post”
limita, bem como os limiares da representação parlamentar. Por fim, tão im-
portante quanto os resultados eleitorais dos populistas do tipo identitário-
nacionalista, é o impacto destes sobre o conteúdo ideológico das direitas
conservadoras e liberais, perpetuamente divididas entre a oposição frontal
aos populismos e a acomodação com eles; entre o ostracismo e a coalizão,
entre os exageros e as distinções. Uma vez que essas precauções tenham
sido tomadas, que panorama pode ser feito da família nacional-populista na
Europa?
Um marco geral para avaliar o impacto dessa família é a eleição do
Parlamento Europeu em maio de 2014. Depois, várias eleições legislativas
nacionais refinaram os contornos. Nas eleições europeias, o eleitorado das
formações nacionais-populistas, incluindo a Frente Nacional, votou mais que
aquele das formações sociais-democratas, liberais ou conservadoras, espe-
cialmente por causa da questão específica, a Europa que concentra nela o

———————
13
Os números mais recentes disponíveis atribuem 58% dos votos para Trump entre os
trabalhadores brancos, enquanto o voto frontista teria atingido 43% entre os trabalhadores
franceses em 2015 e 71% entre os trabalhadores austríacos para o candidato FPÖ, na eleição
presidencial de maio de 2016.

PODE A FRENTE NACIONAL AO PODER CHEGAR? O TERCEIRO EXCLUÍDO DA VIDA POLÍTICA | 146
JEAN-YVES CAMUS

ressentimento dos partidos em questão. Resultou em uma assembleia em


que os principais partidos retêm uma grande maioria, já que das 751 ca-
deiras, os grupos PSE; ALDE e PPE têm 479 representantes eleitos, mas on-
de a Frente Nacional conseguiu formar um grupo parlamentar de 39 mem-
bros, do qual é a espinha dorsal, apoiado pelo Partido para a Liberdade
(PVV) do Holandês Geert Wilders; a Liga do Norte da Itália, o FPÖ austríaco
liderado por Heinz-Christian Strache; os separatistas flamengos de Vlaams
Belang; dois membros eleitos poloneses do Congresso da Nova Direita
(KNP), uma formação socialmente ultraconservadora, mas economicamente
libertária14 e de um nacionalista romeno.
O desenvolvimento mais importan-te dentro deste grupo, “Europa
das Nações e da Liberdade” (ENL), é a adesão em abril de 2016 do alemão
Markus Pretzell, líder da Alternative für Deutschland, o partido eurocético e
nacional-conservador alemão que, sob a liderança de Frauke Petry, se radi-
calizou em termos de imigração, identidade e oposição ao islamismo, graças
à crise dos refugiados. O sucesso da AfD nas eleições regionais de 4 Länder
em 2016 e a perspectiva de sua entrada no Bundestag nas eleições parla-
mentares de 2017, aumentam a influência da rede europeia que Marine Le
Pen lidera, assim como seja qual for o resultado da eleição presidencial aus-
tríaca de 4 de dezembro de 2016, a consagração do FPÖ como segunda
força política do país.
As eleições legislativas holandesas, planejadas para 15 de março
de 2017, serão um importante indicador da força dessa família política: em
novembro de 2016, a maioria das pesquisas deu ao PVV cerca de 28-29%

———————
14
A referência à escola de Rothbard, Murray e Nozick, e além deles a Frédéric Bastiat, é
frequente nos partidos populistas de direita, mas também liberais, da Europa do Leste (o KNP
Polaco mas também seu concorrente a lista KORWIN, o Partido dos Cidadãos Livres na
República Tcheca, o Partido da Reforma da Estônia). Não é um indicador de extremismo polí-
tico.

PODE A FRENTE NACIONAL AO PODER CHEGAR? O TERCEIRO EXCLUÍDO DA VIDA POLÍTICA | 147
JEAN-YVES CAMUS

dos votos (contra 15% em 2012), ou seja, compartilhando o primeiro lugar


com os liberais. Sendo assim, os membros do grupo ENL são apenas o nú-
cleo duro da família nacional-populista. A este respeito, é necessário alertar
contra o estabelecimento de uma equivalência dos rótulos “popu-listas”, “so-
beranistas”, “eurocépticos”, até “neofascistas” e “neonazistas”, que carac-
terizam uma “extrema direita” muito ampla: a acusação desqualifi-cante que,
desde 1945, atribui a tudo o que evoca movimentos assimilados ao fascismo
ou ao nazismo, torna necessária uma grande cautela semântica.
Assim, o conservadorismo social, a oposição resoluta à União Euro-
peia, uma forma de patriotismo frenético e exclusivo aproximando-se da xe-
nofobia, caracteriza, por exemplo, os populismos de direita escandinavos
(Partido do Povo Dinamarquês, Partido do Progresso Norueguês, Verdadei-
ros Finlandeses) e UKIP. O pensamento ideológico da União Democrática
do Centro na Suíça é quase idêntico. No entanto, esses partidos não vêm da
matriz da extrema direita histórica e as conseqüências desse fato são essen-
ciais: a questão da "desdiabolização" não lhes diz respeito, sua imagem não
é maculada por uma ligação com a extrema direita histórica, os outros
partidos de direita podem considerá-los mais facilmente como parceiros da
coalizão, o que, de fato, são na Suíça (desde 1971), na Noruega (desde
2013) e na Finlândia (desde 2015 15 ), enquanto na Dinamarca, o Dansk
Folkeparti, sem entrar no governo, apoiou de 2001 à 2011 a maioria do
centro-direita no parlamento. Essas experiências de governo são ricas em
lições. A primeira é que nenhuma delas levou ao estabelecimento de um
regime autoritário ou mesmo a uma grande reviravolta no sistema de
liberdades públicas, mesmo quando a direita conservadora confiou a essas

———————
15
O partido agrário SMP, de onde vêm “Os Verdadeiros Finlandeses”, tinha chegado ao go-
verno pela primeira vez em 1983.

PODE A FRENTE NACIONAL AO PODER CHEGAR? O TERCEIRO EXCLUÍDO DA VIDA POLÍTICA | 148
JEAN-YVES CAMUS

formações responsabiliades regalianas como este foi o caso na Áustria (em


2000-2006), na Itália (com a participação da Aliança Nacional e da Liga
Norte nos governos Berlusconi a partir de 1994) e ainda como este é hoje
(Timo Soini é Ministro das Relações Exteriores da Finlândia, Anders
Anunsen, Ministro da Justiça da Noruega e Guy Parmelin, Ministro da Justiça
da Suíça). O impacto dos partidos nacional-populistas está em primeiro
lugar na orientação do debate público, como em 2009, quando o povo suíço
votou com 59% na iniciativa popular introduzida pelo SVP que visava proibir
os minaretes.
Essas experiências podem levar, através da negociação política, à
adoção de uma medida particularmente dura e controversa no campo da
imigração, dessa forma foi quando, em janeiro de 2016, a Dinamarca decidiu
confiscar os valores detidos pelos requerentes de asilo entrando no país.
Além disso, essas experiências contribuem de maneira geral para uma pola-
rização mais intensa da sociedade sobre as questões da identidade e do
multiculturalismo, fenômeno ainda reforçado pela crise dos migrantes e
pelos atentados terroristas cometidos pelo islamismo radical. A inclusão nas
coalizões é, às vezes, também para o populismo nacional, um teste com efei-
tos negativos. Primeiro, porque as restrições políticas e legais dos tratados
internacionais limitam por natureza sua capacidade de cumprir suas pro-
messas eleitorais, especialmente porque eles nunca estão no poder so-
zinhos. Assim, o Partido dos Verdadeiros Finlandeses, que conquistaram
17,7% dos votos nas eleições de 2015, recuaram nas pesquisas do verão
de 2016 para o nível mais baixo desde 2010, com 7,6%, como resultado do
aceite do plano de resgate da Grécia, da política de austeridade social
instaurada pelo governo e de um sentimento de que Timo Soini, que esteve
à frente do partido por 20 anos, tinha-se tornado um privilegiado, o que não
combina com função antissistema.

PODE A FRENTE NACIONAL AO PODER CHEGAR? O TERCEIRO EXCLUÍDO DA VIDA POLÍTICA | 149
JEAN-YVES CAMUS

Além disso, as mudanças socioeconômicas que os nacional-popu-


listas conseguiram implementar nunca estão de acordo com as expectati-
vas, especialmente daqueles conhecidos como os "perdedores da globali-
zação": por um lado, porque permanecem em primeiro lugar, cidadãos de
um Estado que faz cortes drásticos em seu orçamento, inclusive no campo
dos benefícios sociais, exceto pelas funções de soberania; por outro lado,
porque sua oposição à globalização do comércio se depara com a realidade
da crescente interdependência das economias. Mas enquanto todos argu-
mentam que o protecionismo fronteiriço deve ser introduzido, deixando, con-
tudo, que as regras do mercado sejam aplicadas internamente, nenhum de-
les conseguiu explicar como sair da globalização.
No outro extremo do conjunto das direitas extremas, existem os par-
tidos neofascistas. Desde setembro de 2014, esse movimento foi estruturado
dentro da Aliança pela Paz e Liberdade (APF), liderada pelo empresário ita-
liano Roberto Fiore, que lidera o partido fundamentalista fascista/católico
Forza Nuova. Um dos fatos surpreendentes dos últimos anos é que essas
formações ganharam presença em alguns parlamentos nacionais. A exem-
plo da Hungria, onde o partido Jobbik alcançou em 2014, mais de 20% dos
votos, podendo, assim, derrotar a reforma constitucional proposta por Viktor
Orban após o referendo sobre os migrantes, de 2 de outubro de 2016. Ou
ainda como na Grécia, onde o governo, para conter a ascensão da Aurora
Dourada (7% dos votos e 18 eleitos), teve que acusar 69 executivos do par-
tido por pertencer a uma organização criminosa.
Além do Partido Nacional Democrático da Alemanha (NPD), cujo
único deputado europeu foi eleito com 1% dos votos, por efeito do voto pro-
porcional, podemos ainda apontar nesta categoria de movimentos aberta-
mente racistas, antissemitas e antiddemocráticos, os cipriotas do ELAM
(Frente Popular Nacional) que entraram no Parlamento em maio de 2016

PODE A FRENTE NACIONAL AO PODER CHEGAR? O TERCEIRO EXCLUÍDO DA VIDA POLÍTICA | 150
JEAN-YVES CAMUS

(3,71%), assim como o partido popular Nossa Eslováquia (LSNS), cujo líder,
Marian Kotleb, é governador da região Banka Bystrica desde 2013 e que,
desde março de 2016, tem 14 cadeiras com 8% dos votos, mesmo que es-
teja em concorrência com o partido nacional eslovaco (8,6% e 15 eleitos),
uma formação nacional-populista mais antiga e mais clássica. É muito cedo
para avaliar o vigor do fenômeno, mas não deixa de ser notável que, mesmo
se considerarmos que esses partidos cativam um voto de protesto e não de
adesão, formas bastante explícitas do fascismo reaparecem após o sumiço
considerado definitivo desde 1945.
Há consonâncias mínimas entre esses movimentos muito distintos:
nacionalismo em oposição à União Europeia; a recusa da OTAN e do
alinhamento da Europa com os Estados Unidos, bem como o desejo explícito
de construir um mundo multipolar no qual a Rússia seria um parceiro es-
tratégico e um modelo de valores sociais; o etnocentrismo, que não preza
mais a hierarquia das raças, mas que prestigia intensamente as diferenças
culturais; a necessidade de cada povo alcançar seu desenvolvimento em
seu próprio território; e, finalmente, uma capacidade muito real de aproveitar
a profunda crise de representação política que se apoderou da Europa
desde o desaparecimento das grandes ideologias mobilizadoras e do su-
posto esgotamento da história. Não obstante, há dúvidas de que os partidos
nacional-populistas serão os únicos a se valerem desse pensamento ideo-
lógico no futuro.
A hipótese é até plausível de que a democracia iliberal teorizada por
Fareed Zakaria (1997) domine o lado liberal-conservador da grande família
das direitas, do qual se distingue em particular pela oposição à primazia dos
direitos individuais, pela concepção organicista da sociedade e pela refuta-
ção ao princípio da separação de poderes. Temos que raciocinar como se
a fronteira entre a direita dominante e a extrema direita já tivesse se tornado

PODE A FRENTE NACIONAL AO PODER CHEGAR? O TERCEIRO EXCLUÍDO DA VIDA POLÍTICA | 151
JEAN-YVES CAMUS

tão confusa que o modelo do FIDESZ húngaro ou o partido polonês nacional-


conservador Lei e Justiça pudessem inspirar as chamadas direitas “de go-
verno” da Europa Ocidental. Jaroslaw Kaczynski assumiu o slogan “crie Bu-
dapeste em Varsóvia” na campanha eleitoral de 2015, inspirando-se assim
na ideologia de Viktor Orbán. Em virtude da crise de refugiados, mas tam-
bém duma evolução a longo prazo na qual os países da Europa Central vem
reavaliando o custo/benefício da entrada na União Europeia, o conservado-
rismo nacional está aumentando no Grupo Visegrad (fundado em 2011).
Portanto, este desenvolvimento diz respeito, para além da Polônia e
da Hungria, à Eslováquia (com o Smer, o Partido Nacional Eslovaco-SNS, os
neofascistas do LSNS e os conservadores contestatários do OLANO-NOVA)
e, em menor escala, à República Checa, onde os conservadores eurocéticos
do ODS16 e o partido Liberdade e Democracia Direta de Tomio Okamura, ao
mesmo tempo populistas, eurocépticos e xenófobos, ganham juntos cerca
de 15% dos votos. Em termos geopolíticos, vemos assim, nas margens orien-
tais da União Europeia, uma espécie de bastião nacionalista e eurofóbica
que perturba os equilíbrios políticos europeus.

Referências

HERMET, G. Les populismes dans le monde. Paris: Fayard Ed., 2001.

LAVAU, G. À la recherche d’un cadre théorique pour l’étude du PCF. Revue Française
de Science Politique, 18-3, 1968, pp. 445-466.

LINZ, Juan J. Régimes totalitaires et autoritaires. Paris: Armand Collin, 2000.

ZAKARIA, F. The rise of illiberal democracy. Foreign Affairs, v. 6, n. 6, nov.-dez. 1997.

———————
16
Cujo antigo presidente, Vaclav Klaus, foi o fundador.

PODE A FRENTE NACIONAL AO PODER CHEGAR? O TERCEIRO EXCLUÍDO DA VIDA POLÍTICA | 152
Ausência de consenso: os
partidos de extrema direita
como família partidária*
João Carvalho**1

O principal objetivo desta investigação consiste em explorar a


definição e a conceptualização dos partidos de extrema direita (PED) como
uma família partidária distinta das suas congéneres. Portanto, a questão de
investigação explorada neste estudo consiste em identificar qual é a propos-
ta mais objetiva para definir, categorizar e distinguir os PED doutras famílias
partidárias. Neste intuito, este estudo apresenta uma revisão da literatura
desenvolvida sobre as tipologias disponíveis na literatura para caracterizar
a diversidade de partidos que podem ser incluídos nesta família partidária
singular. Após um longo período de marginalização política no período após
a Segunda guerra mundial, os PED ressurgiram nos sistemas políticos dos
Estados europeus durante a década de 1970.

———————
* Optou-se pela manutenção do português de Portugal como ortografia oficial do texto.
** João Carvalho é professor do Departamento de Ciência Política e Políticas Públicas do Insti-
tuto Universitário de Lisboa (ISCTE/IUL).
JOÃO CARVALHO

Este crescimento eleitoral despertou um forte interesse por parte dos


cientistas políticos, e os PED são atualmente a família partidária mais referen-
ciada nas investigações na disciplina da ciência política (MUDDE, 2016). No
entanto, a expansão dos estudos sobre os PED foi acompanhada pela au-
sência de um consenso entre os investigadores sobre a denominação mais
adequada para definir esta família partidária. As divergências incidem ainda
sobre as características que permitem a identificação destes partidos como
uma família partidária distinta das restantes.
Como veremos adiante, a elaboração de uma definição de PED é
inerentemente problemática uma vez que estes partidos adotaram diversas
denominações e diferentes modelos de organização interna. As divergên-
cias entre cientistas políticos refletem-se na diversidade de designações de
PED existentes na literatura, incluindo denominações como: a nova direita,
direita radical, direita populista, direita populista radical, e PED. Neste con-
texto, a primeira parte deste texto explora os motivos pelos quais a termino-
logia de extrema direita consiste na designação mais adequada para referir
esta família partidária relativamente a outras propostas. A designação de ex-
trema direita sugere uma ligeira mas importante continuidade com o passa-
do, ao invés de uma descontinuidade radical, uma vez que os PED con-
tinuam a representar um desafio radical para o princípio da igualdade
humana (DOWNS, 2001).
A segunda parte deste estudo explora os métodos disponíveis para
agregar os PED numa família partidária distinta das restantes. A investigação
explora, assim, duas propostas distintas concebidas por para proceder à
identificação das características que distinguem os PED dos restantes parti-
dos (IGNAZI, 2006; MUDDE, 2007). Como proposto por Ignazi, esta inves-
tigação sugere que a análise espacial do posicionamento dos PED na escala
esquerda-direita consiste no primeiro passo para proceder à sua identifi-

AUSÊNCIA DE CONSENSO: OS PARTIDOS DE EXTREMA DIREITA COMO FAMÍLIA PARTIDÁRIA | 154


JOÃO CARVALHO

cação. Numa segunda fase, o investigador deve proceder à examinação das


características ideológicas consideradas como antissistema através da aná-
lise com base em critérios ideológicos. Porém, estes dois critérios são ainda
insuficientes para proceder a uma análise exaustiva das diferentes articu-
lações ideológicas dos PED dada a diversidade de membros desta família
partidária. Desta forma, a terceira e última parte deste estudo explora as
diferentes tipologias disponíveis na literatura para categorizar os PED e exa-
mina-as em função das condições de exaustividade e exclusividade mútua
que devem sustentar essas propostas.

Diferentes terminologias para designar partidos de extrema direita

Apesar do crescimento eleitoral dos PED nas últimas décadas nos


sistemas políticos europeus e do aumento exponencial de estudos acadé-
micos sobre esta família partidária, as divergências entre cientistas políticos
sobre a terminologia adequada para definir estes partidos permanecem in-
tensas (Carter, 2005). Esta secção explora a denominação mais adequada
para referir os PED através da análise de algumas das propostas disponíveis
na literatura. Alguns autores preferem rotular estes partidos simplesmente
como partidos racistas ou “grupos anti-imigrantes” (HUSBANDS, 1981;
MESSINA, 2007). Porém, estas denominações retratam estes partidos como
partidos de “questão-única” (os que apenas politizam uma única clivagem
política) incentivando uma análise reducionista e imprecisa destas organiza-
ções políticas (KITSCHELT, 1995). Outra proposta refere-se a partidos da
“nova direita”, um conceito inicialmente introduzido para descrever movi-
mentos culturais (FRASER, 2000). O mais proeminente destes grupos,
conhecido como Nouvelle Droite (Nova Direita), foi formada em França na
década de 1980 (TAGUIEFF & TRIBALAT, 1998). Portanto, esta terminologia

AUSÊNCIA DE CONSENSO: OS PARTIDOS DE EXTREMA DIREITA COMO FAMÍLIA PARTIDÁRIA | 155


JOÃO CARVALHO

deve ser descartada devido à sua ambiguidade derivada da sua aplicação


inicial a movimentos culturais em vez do seu âmbito ser restrito a partidos
políticos, (IGNAZI, 2002; 2006).
Uma designação recorrentemente utilizada para descrever os
partidos extremistas de direita consiste em “direita radical” (BETZ, 1994;
KITSCHELT, 1995; MINKENBERG, 2002; SCHAIN et al., 2002). Este termo foi
introduzido por Daniel Bell no início da década de 1960 para classificar a as-
censão dos neoconservadores nos EUA e no Reino Unido (EATWELL, 2000).
Consequentemente, esta designação também detém um caracter ambíguo
por ter sido inicialmente aplicada a movimentos sociais conservadores
americanos como o Macarthismo em vez de se restringir a partidos políticos
(HAINSWORTH, 2008). A expressão “direita radical” também tem sido am-
plamente empregue na Alemanha pelo Gabinete Federal para a Proteção da
Constituição (Bundesamt für Verfassungsschutz), que estabeleceu uma dis-
tinção formal entre a direita radical e os PED desde 1974 (EATWELL, 2000).
Os primeiros partidos exibem uma crítica extremista da ordem constitucional
mas são desprovidos de características ideológicas antidemocráticas. Por
sua vez, os PED adotam uma ideologia antidemocrática, antiliberal e anti-
constitucional (IGNAZI, 2006). Desde então, os PED distinguem-se pela pos-
se de características antissistema que não são observadas em partidos
radicais, sendo este um motivo adicional para não aplicar a designação “ra-
dical” aos PED.
Uma outra designação frequentemente utilizada nos media e em in-
vestigações científicas consiste em partidos “populistas” (HEINISCH, 2003).
Segundo Betz, estes partidos são:

[...] populistas no seu uso inescrupuloso e na instrumen-


talização de sentimentos públicos difusos de ansiedade e
desencanto e no seu apelo ao homem comum e ao seu bom
senso alegadamente superior. (BETZ, 1994, p. 4)

AUSÊNCIA DE CONSENSO: OS PARTIDOS DE EXTREMA DIREITA COMO FAMÍLIA PARTIDÁRIA | 156


JOÃO CARVALHO

Recentemente, Mudde adotou o termo “direita populista radical”, ar-


gumentando que populismo se refere a uma ideologia baseada na simples
dicotomia “o povo puro” vs. “a elite corrupta” (MUDDE, 2007, p. 23). No en-
tanto, o conceito de populismo está associado a um estilo de política espe-
cífico caraterizado por liderança carismática e retórica com contornos antis-
sistema, em vez de se referir a uma ideologia política distinta (EATWELL,
2000). Este estilo de postura política pode ser identificado em partidos de
centro-direita como a Forza Italia de Sílvio Berlusconi em Itália, em figuras
políticas como o ex-presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, tendo tam-
bém sido aplicado a partidos de esquerda, em vez de ser uma propriedade
exclusiva dos partidos direitistas (TARCHI, 2003; ZIZEK, 2006). Portanto, po-
pulismo não se refere a características exclusivamente observadas nos PED,
ao passo que o potencial enfoque no estilo dos líderes partidários, na sua
organização interna ou em estratégias eleitorais inibe a identificação das
idiossincrasias ideológicas desta família partidária (EATWELL, 2000;
HUSBANDS, 2002).
Após este breve resumo das lacunas detetadas noutras designa-
ções alternativas para os partidos direitistas, este estudo realça que a utiliza-
ção do termo extrema direita possui diversas vantagens, sendo recorrente-
mente aplicado em investigações de ciência política (ver, por exemplo,
IGNAZI; 2002; HAINSWORTH, 2008; PERRINEAU, 2009; CARVALHO, 2014,
2016). Este termo pressupõe ligeira continuidade como o desafio represen-
tado por estes partidos no passado ao princípio fundamental da igualdade
humana, em vez de uma descontinuidade radical com o passado (DOWNS,
2001). No entanto, reduzir os PED na atualidade a meras forças fascistas
não reconstituídas do período entre as duas guerras mundiais constituiria
reducionismo analítico drástico e desaconselhável (HAINSWORTH, 2008). A
referência ao posicionamento no polo direito no espectro político-ideológico

AUSÊNCIA DE CONSENSO: OS PARTIDOS DE EXTREMA DIREITA COMO FAMÍLIA PARTIDÁRIA | 157


JOÃO CARVALHO

não é interpretada como sendo definida pela dimensão socioeconómica —


mercado vs. Estado —, mas em função da dimensão da igualdade-desigual-
dade (MUDDE, 2007). Tal como Bobbio (1996) sugere, os partidos de es-
querda procuram superar a desigualdade social através da ação política,
enquanto os partidos de direita defendem as disparidades sociais como
sendo um fenómeno natural e desejável.
Portanto, a referência ao extremismo dos PED reflete o seu posicio-
namento no polo da direita no espectro político-ideológico bem como a opo-
sição destes partidos a valores democráticos e pluralistas. Os PED podem
ser, de uma forma geral, identificados pelo seu posicionamento no espectro
político simultaneamente à direita dos partidos moderados e mais próximo
do limite à direita (IGNAZI, 2002; 2006). Em paralelo, a conceção de extre-
mismo está relacionada com as características “antissistema” observadas
nas ideologias destes partidos (CARTER, 2005). Como veremos adiante, es-
ta conceção deriva da proposta de Sartori (1976), que assim classifica os
partidos que desafiam os princípios fundamentais da democracia liberal. Em
suma, o termo ‘extrema direita’ é considerado mais consistente que outras
denominações para PED e indica a que categorização desta família par-
tidária de acordo com critérios ideológicos, tal como é explorado na secção
seguinte.

Critérios para identificar partidos de extrema direita

Antes de enquadrar os PED como uma família partidária distinta, o


conceito de família partidária deve ser desenvolvido em vez de ser utilizado
como uma “categoria autoevidente”, uma vez que a sua definição é comple-
xa (MAIR & MUDDE, 1998). Os três principais obstáculos relacionados com
a classificação de partidos políticos em famílias partidas distintas derivam

AUSÊNCIA DE CONSENSO: OS PARTIDOS DE EXTREMA DIREITA COMO FAMÍLIA PARTIDÁRIA | 158


JOÃO CARVALHO

da dificuldades observadas em: 1) selecionar os critérios empregues na


construção da tipologia; 2) definir categorias parcimoniosas (EATWELL,
1998); e 3) englobar a ação dos atores políticos e as subsequentes variações
dentro de famílias partidárias individuais. Em paralelo, a tipologia das famí-
lias partidárias também deve ser suficientemente flexível para permitir que a
classificação dos partidos possa alternar entre as categorias propostas, em
vez de se realizar uma compartimentação estática (MUDDE, 2007). Tal co-
mo é proposto por Mair e Mudde (1998), este estudo sugere a análise com
base em critérios ideológicos consiste no melhor método para delinear a
família de PED.
Em vez de focarem nas ações políticas dos partidos, os cientistas
políticos devem definir critérios ideológicos para classificar as identidades
dos partidos selecionados e para delimitar as fronteiras entre as diferentes
famílias partidárias. Através deste método, os cientistas políticos devem con-
ceder primazia à ideologia e, em menor medida, à origem dos partidos, em
detrimento doutros fatores contingentes. A centralidade da ideologia na es-
fera política é inegável na medida em que a natureza social é privada de um
significado inerente (ZIZEK, 1989; WARE, 1996). No entanto, a ideologia
partidária deve ser interpretada de uma perspetiva competitiva, em vez de
partir de uma abordagem institucional. Portanto, os partidos políticos são or-
ganizações que detêm flexibilidade suficiente para adaptar suas propostas
ideológicas conforme as mudanças observadas no eleitorado, em lugar de
estas serem determinadas por seu percurso institucional (DOWNS, 1956).
Este método permite a reclassificação dos partidos que alterem a sua base
ideológica, conforme observado com o New Labour do Reino Unido ou a
Alleanza Nationale na Itália (MUDDE, 2007). Depois desta introdução ao con-
ceito geral de famílias partidárias, será agora analisada o método mais obje-
tivo para proceder à definição da família de PED como categoria distinta.

AUSÊNCIA DE CONSENSO: OS PARTIDOS DE EXTREMA DIREITA COMO FAMÍLIA PARTIDÁRIA | 159


JOÃO CARVALHO

O debate em torno da designação mais apropriada para denominar


os partidos extremistas de direita é acompanhado por intensos desacordos
sobre as principais características desta família partidária. A diversidade de
propostas reflete pelo menos três problemas: a existência de diferentes fór-
mulas ideológicas entre estes partidos apesar do consenso sobre a exis-
tência de uma doutrina ideológica comum a esses mesmos, a observação
de intensa variação nos níveis de extremismo dos partidos selecionados, e
as dificuldades em traçar uma divisão clara entre partidos de centro-direita
e os PED. Para ultrapassar estas dificuldades, Mudde (2007) propôs um
mínimo denominador comum para fundamentar a sua designação de “par-
tidos populistas radicais de direita” salientando que o “nacionalismo nati-
vista” consiste na característica fundamental das ideologias destes partidos.
Considerado uma combinação de nacionalismo e xenofobia, o conceito de
“nacionalismo nativista” é concebido como:

[...] uma ideologia que defende que estados devem ser ha-
bitados por membros do grupo nativo (a nação) e que
elementos não-nativos (pessoas e ideias) constituem, fun-
damentalmente, uma ameaça à homogeneidade do Estado-
nação. (MUDDE, 2007, p. 19)

No entanto, uma das potenciais lacunas desta definição consiste na


dificuldade em interpretar o “nacionalismo nativista” como sendo radical-
mente distinto de conceções gerais de xenofobia. Além disso, o suposto
nativismo deve incluir “argumentos racistas e não racistas (incluindo ou
excluindo com base em cultura e religião)”, indicando uma conceção restrita
de racismo. Por outro lado, esta proposta tem as vantagens de não reduzir
os partidos selecionados a meros partidos anti-imigração e de permitir que
o conceito seja aplicado ao contexto da Europa Ocidental e de Leste
(MUDDE, 2007, p. 19).

AUSÊNCIA DE CONSENSO: OS PARTIDOS DE EXTREMA DIREITA COMO FAMÍLIA PARTIDÁRIA | 160


JOÃO CARVALHO

Após a apresentação da definição restrita de partidos populistas ra-


dicais de direita, uma definição mais abrangente desta família partidária foi
então proposta com base em três traços ideológicos: “populismo, naciona-
lismo nativista e autoritarismo” (ibidem, p. 23). Autoritarismo é interpretado
como a crença numa sociedade estritamente ordenada e na completa sub-
missão à autoridade (MUDDE, 2007). Apesar do consenso observado rela-
tivamente à primazia da xenofobia ao invés do nativismo, o populismo e o
autoritarismo não devem ser considerados critérios ideológicos suficiente-
mente objetivos para a construção de uma família partidária distinta.
Conforme observa Kitschelt (2007), alguns PED aceitam um certo grau de
pluralismo de regras, enquanto outros procuram reduzir a autoridade do Es-
tado central. Por fim, a utilização de uma definição restrita e outra alargada
para delimitar uma família partidária composta por partidos extremistas de
direita terá menor utilidade que uma definição singular, mais abrangente e
inclusiva dos diversos membros dessa categoria.
Uma proposta alternativa para definir a família de PED sugere a utili-
zação de critérios espaciais e ideológicos (IGNAZI, 2002; 2006). O primeiro
parâmetro reflete a validade do espectro político esquerda-direita, que teve
origem na Revolução Francesa e fundamentou as principais clivagens
observadas nos sistemas partidários da Europeu Ocidental (ibidem). Este
espectro político ordena os partidos políticos num espaço horizontal unidi-
mensional e avalia a distância ideológica entre partidos em um sistema par-
tidário particular (DOWNS, 1956; SARTORI, 1976). Consequentemente, os
PED localizam-se à direita dos partidos conservadores e moderados, indi-
cando a distância ideológica entre eles (CAPOCCIA, 2002). Porém, esta pro-
posta assume que os PED não ocupam uma posição idêntica e estática no
espectro político de diferentes sistemas partidários, uma vez que a sua loca-
lização depende da sua interação com os restantes competidores políticos

AUSÊNCIA DE CONSENSO: OS PARTIDOS DE EXTREMA DIREITA COMO FAMÍLIA PARTIDÁRIA | 161


JOÃO CARVALHO

(CARTER, 2005). A utilização deste critério espacial apenas permite uma


seleção geral de PED, sendo a sua objetividade bastante reduzida. Portanto,
deve ser complementada com uma análise aprofundada da identidade do
partido segundo critérios ideológicos (KITSCHELT, 2007).
Um método preliminar para examinar as ideologias de PED consiste
em explorar se o partido realiza referências em público a um legado fascista
e, na sequência disso, a sua oposição a valores democráticos. Porém, esta
definição restringiria excessivamente a composição da família de PED aos
partidos neofascistas, uma vez que cada vez menos partidos questionam
abertamente a legitimidade da democracia ou procuram associar-se ao fas-
cismo (HAINSWORTH, 1992; BETZ, 1994). Portanto, os critérios ideológicos
devem ser refinados para permitir uma classificação mais abrangente dos
PED. Na realidade, existe um amplo consenso de que os PED são ideologi-
camente distintos dos restantes adversários políticos (KITSCHELT, 1995;
HUSBANDS, 2002). Uma revisão da literatura identificou a existência de cin-
co características ideológicas que são recorrentemente mencionadas em in-
vestigações sobre esta família partidária: nacionalismo, racismo, xenofobia,
antidemocracia, e um Estado forte (MUDDE, 2000). Curiosamente, a antide-
mocracia é uma conceção mais ampla que os outros quatro traços ideoló-
gicos, mas é, simultaneamente, considerada uma condição necessária dos
PED (EATWELL, 2004). Portanto, a aplicação da categoria de extrema direita
exige a avaliação das propriedades antissistema dos partidos selecionados
(IGNAZI, 2002, 2006; CARTER, 2005).
O conceito de partidos “antissistema” restringe-se aos partidos polí-
ticos que exibem uma “oposição de princípio” ou uma oposição radical aos
principais axiomas do regime democrático, além de terem o objetivo de
transformar radicalmente o sistema de governo (SARTORI, 1976, p.118). A
conceção restrita de partido antissistema implica, assim, que:

AUSÊNCIA DE CONSENSO: OS PARTIDOS DE EXTREMA DIREITA COMO FAMÍLIA PARTIDÁRIA | 162


JOÃO CARVALHO

[...] para isolar o cerne do conceito, nota-se que uma oposi-


ção antissistema obedece a uma ideologia que não partilha
dos valores da ordem política dentro da qual opera. De
acordo com a definição restrita, os partidos antissistema re-
presentam uma ideologia estranha ao meio, cuja existência
num sistema partidário particular indica um regime confron-
tado com distância ideológica máxima. (SARTORI, 1976,
p. 118)

Esta definição salienta a distância ideológica entre partidos bem co-


mo o efeito de deslegitimação da democracia das suas atividades partidá-
rias nos diferentes contextos políticos. Os partidos antissistema não necessi-
tam de se opor a todos os princípios fundamentais do sistema democrático
para obterem esta classificação, sendo que oposição a apenas um desses
é considerada suficiente (CAPOCCIA, 2002, p. 20).
Características ideológicas antissistema também podem ser identi-
ficadas nas famílias de partidos de extrema esquerda, mas este grupo de
partidos distingue-se dos PED em função da sua concordância com o prin-
cípio da igualdade humana (BOBBIO, 1996). Enquanto os partidos de
extrema esquerda baseiam-se em princípios igualitários radicais, os PED
são profundamente anti-igualitários e enfatizam a necessidade de promover
desigualdade social e política ao nível institucional. A negação do princípio
da igualdade humana por parte dos PED deve ser considerada uma proprie-
dade antissistema, na medida em que este princípio é considerado um
princípio fundamental da democracia liberal (JOPPKE, 1998; CAPOCCIA,
2002). Tal como Carter (2005, p. 17) sugere, elementos anticonstitucionais
do extremismo de direita referem-se “a uma rejeição dos valores fundamen-
tais, procedimentos e instituições do Estado democrático de direito”, bem
como a “rejeição do princípio fundamental da igualdade humana”.
Em suma, os PED podem ser classificados, de uma forma geral, pelo
seu posicionamento no espectro político, e de forma objetiva com base em

AUSÊNCIA DE CONSENSO: OS PARTIDOS DE EXTREMA DIREITA COMO FAMÍLIA PARTIDÁRIA | 163


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critérios ideológicos, através da avaliação das propriedades antissistema


das ideologias destes partidos (IGNAZI, 2002; 2003). Estas propriedades
antissistema podem ser uma ligação declarada a um legado fascista ou a
defesa de valores anticonstitucionais ou antidemocráticos, tais como a nega-
ção do princípio da igualdade humana (KITSCHELT, 2007). Assim, as fron-
teiras da família de PED podem ser determinadas com precisão pelo critério
ideológico, visto que os partidos de centro-direita não incorporam caracte-
rísticas “antissistema” nas suas ideologias. A distinção entre famílias partidá-
rias de extrema esquerda e direita pode também ser feita com base na cli-
vagem igualitária. A próxima seção examina diferentes tipologias de PED.

Tipologia da família de partidos de extrema direita

Conforme visto anteriormente, a definição proposta por Ignazi (2003)


com base em critérios espaciais e ideológicos permite uma delimitação
objetiva das fronteiras da família dos PED relativamente às restantes cate-
gorias de famílias de partidos políticos. Porém, esta proposta não é exaustiva
o suficiente para explorar a diversidade de PED que podem ser incluídos nu-
ma categoria singular (EATWELL, 2004). A questão agora consiste em saber
se a intensa variedade de PED pode ser eblobada numa tipologia singular
(MUDDE, 2007). O ressurgimento dos PED nos sistemas políticos Europeus
foi acompanhado pela proposta de diversas tipologias para classificar os
membros desta família partidária. Contudo, diversas dessas propostas não
satisfazem as condições de exaustividade e exclusividade mútua indispen-
sáveis para a formulação de tipologias objetivas (CARTER, 2005). Estes dois
requisitos são preenchidos pela proposta formulada por Ignazi (2002, 2006),
que sugere a divisão da família de PED em duas grandes categorias: PED
tradicionais e PED pós-industriais.

AUSÊNCIA DE CONSENSO: OS PARTIDOS DE EXTREMA DIREITA COMO FAMÍLIA PARTIDÁRIA | 164


JOÃO CARVALHO

O primeiro tipo de partidos exibem abertamente uma ligação a le-


gados fascistas ou nazis, como o Partido Nacional Renovador em Portugal
na década de 2000, o British National Party no Reino Unido durante a década
de 1990 ou o antigo Movimento Sociale Italiano em Itália durante a década
de 1980 (IGNAZI, 2002; 2003, p. 33). Por sua vez, os PED pós-industriais são
interpretados como um subproduto das novas clivagens políticas inerentes
à sociedade pós-industrial e defendem uma “mistura, muitas vezes deslum-
brante e falaciosa, da livre iniciativa e da proteção social (exclusiva para
nativos), de propostas modernizadoras e reminiscências tradicionais”, como
a Front National na França (INGLEHART, 1977; IGNAZI, 2002; 2003, p. 34).
Os PED pós-industriais disfrutam de uma taxa de sucesso eleitoral incom-
paravelmente mais elevada que os PED tradicionais, os quais desapare-
ceram quase totalmente dos sistemas partidários europeus (IGNAZI, 2002;
2003). Apesar da sua objetividade, esta tipologia permite ainda elevados
índices de variação nas duas categorias propostas, enquanto sua aplicação
parece ser pouco atraente dada a ausência de PED tradicionais nos
sistemas partidários da Europa Ocidental.
Uma tipologia recentemente aplicada a estudos de imigração desig-
na os PED como partidos anti-imigração agregando partidos políticos e gru-
pos sociais (MESSINA, 2007). Segundo esta propota, todos os grupos anti-
imigração criados desde meados da década de 1970 partilham três carac-
terísticas: hostilidade pública contra os imigrantes; completa oposição a no-
vos fluxos de imigração; e uma grande parte, senão todo o seu sucesso polí-
tico, deriva da exploração das tensões sociais derivadas de imigração. Ins-
pirado pela investigação de Kitschelt (1995), Messina (2007, p. 64-73) iden-
tifica cinco tipos de grupos anti-imigração:

AUSÊNCIA DE CONSENSO: OS PARTIDOS DE EXTREMA DIREITA COMO FAMÍLIA PARTIDÁRIA | 165


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1. Grupos anti-imigração puros, que carecem de organização for-


mal, uma vez que se organizam unicamente com base no seu antagonismo
à imigração;

2. Partidos neofascistas/neonazis, que são inspirados pela ideologia


fascista e possuem uma estrutura partidária bem-organizada;

3. Partidos de direita oportunistas, cuja postura anti-imigração de-


pende da estratégia eleitoral adotada. A sua oposição à imigração varia de
acordo com a estrutura de oportunidades políticas ao nível doméstico em
vez de ser guiada por xenofobia. O seu posicionamento no espectro político
oscila entre a extrema direita e o centro-direita;

4. Novos partidos de direita radical, considerados singulares pelo


modo como combinam um “compromisso com o neoliberalismo e a liberda-
de económica individual com uma hostilidade a imigrantes, imigração, mate-
rialismo e democracia contemporânea”;

5. Partidos de direita etnonacionalistas, cujas atitudes em relação à


imigração dependem do contexto político. Partidos etnonacionalistas são
oportunistas, de questão-única, formados com base numa clivagem
territorial/étnica.

No entanto, esta tipologia padece de diversas lacunas. Primeiro, es-


ta proposta não satisfaz a condição de exclusividade mútua, existindo uma
sobreposição óbvia entre as categorias de partidos de direita oportunistas e
partidos etnonacionalistas. Outra das lacunas identificadas consiste na ava-
liação das ações dos partidos em vez de se focar nos traços ideológicos dos
partidos (MAIR e MUDDE, 1998; Ignazi, 2006). Terceiro, o enfoque na ques-
tão da imigração significa que esta tipologia é orientada por uma política
pública, tornando a caracterização de PED fortemente contingente. Quarto,

AUSÊNCIA DE CONSENSO: OS PARTIDOS DE EXTREMA DIREITA COMO FAMÍLIA PARTIDÁRIA | 166


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a denominação de partidos “anti-imigração” sugere erroneamente que estas


organizações políticas são exclusivamente dedicadas a uma única clivagem
política (single-issue parties) (KITSCHELT, 1995). Por estas razões, esta tipo-
logia apresenta um elevado nível de fragilidade.
Uma tipologia alternativa proposta por Elizabeth Carter (2005, p. 28)
distingue os PED com base em três critérios objetivos: “1) importância atri-
buída pelos partidos à questão da imigração; 2) a natureza das atitudes ra-
cistas do partido; 3) atitudes do partido em relação à democracia, parla-
mentarismo e pluralismo”. O primeiro critério refere-se à importância da xe-
nofobia e da preocupação do partido com a “homogeneização” da socie-
dade, permitindo a classificação dos PED em função da saliência que atri-
buem à imigração nas suas estratégias politicas. Doravante, tais partidos di-
reitistas podem ser divididos entre partidos “radicalmente xenófobos” e
aqueles que não atribuem qualquer importância a esta questão (CARTER,
2005, p. 29). O segundo critério proposto por Carter (2005, p. 35) identifica
os PED conforme a sua adoção de racismo tradicional, racismo cultural ou a
ausência total de qualquer ideologia racista. Partidos com ideologia racista
defendem conceções biológicas e eugénicas de raça que são caracterís-
ticas do nazismo, enquanto os racistas culturais adotam a versão “etno-
pluralista” da Nouvelle Droite francesa da década de 1970 (TAGUIEFF &
TRIBALAT, 1998).
A principal inovação ideológica da Nouvelle Droite consistiu no
abandono do racismo biológico a favor de uma conceção de “etnoplura-
lismo”, que enfatiza a necessidade de preservar o caráter único e a pureza
das identidades culturais dos diferentes grupos étnicos. Esta vertente ideoló-
gica pressupõe a existência de diferenças culturais irreconciliáveis que po-
deriam ser dissolvidas através da miscigenação de diferentes grupos étni-
cos (RYDGREN, 2005). A tese “etnopluralismo” está subjacente à corrente

AUSÊNCIA DE CONSENSO: OS PARTIDOS DE EXTREMA DIREITA COMO FAMÍLIA PARTIDÁRIA | 167


JOÃO CARVALHO

de islamofobia observada na Europa e à teoria do “choque de civilizações”


que interpreta os conflitos modernos como consequência das diferenças
culturais incomensuráveis entre nações de civilizações irreconciliáveis, parti-
cularmente entre a civilização “Ocidental” e a “Islâmica” (HUNTINGTON,
1996). Um tipo de xenofobia pouco explorado por Carter (2005) refere-se à
xenofobia no acesso aos direitos sociais ou ao estado social (welfare
chauvinism) decorrente da interpretação da nação como uma comunidade
definida etnicamente (etnocentrismo). Esta derivação de ideologia de PED
apresenta o estado social como provedor de proteção somente àqueles que
pertencem à comunidade nacional, enquanto os migrantes são represen-
tados como parasitas ilegítimos dos recursos sociais, tal como a Front
National preconiza com as suas propostas de “preférence nationale”
(KITSCHELT, 1995, p. 23).
Finalmente, os PED podem ser identificados com base nas suas ati-
tudes relativamente à democracia, parlamentarismo e pluralismo (CARTER,
2005). Este critério avalia se os PED rejeitam a democracia ou, pelo menos,
reivindicam a sua reforma institucional através da expansão ou restrição de
liberdades. Um primeiro grupo de PED rejeita os valores fundamentais que
sustentam os sistemas democráticos liberais e defendem a sua substituição
por regimes autoritários. Um segundo grupo exibe propriedades antissis-
tema, mas propõem reformas particulares para promover um enfraqueci-
mento da democracia, uma redução dos poderes parlamentares e menor
pluralismo. Um terceiro grupo de partidos também propõe reformas consi-
deráveis dos sistemas políticos em benefício da expansão radical da liber-
dade e direitos individuais (CARTER, 2005, p. 41). Restam dúvidas sobre a
integração deste último grupo na família dos PED (KITSCHELT, 2007),
apesar de ser um critério útil para distinguir movimentos anarquistas de
extrema direita inspirados pelo trabalho de Robert Nozick (1975).

AUSÊNCIA DE CONSENSO: OS PARTIDOS DE EXTREMA DIREITA COMO FAMÍLIA PARTIDÁRIA | 168


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Através da articulação dos últimos três critérios, cinco principais


categorias de PED foram identificadas:

1. Partidos neonazis — considerados radicalmente xenófobos, mar-


cados pela adoção de racismo tradicional e oposição a sistemas democrá-
ticos liberais;

2. Partidos neofascistas — rejeitam os sistemas democráticos libe-


rais, sem adotarem uma ideologia xenófoba;

3. Partidos xenófobos autoritários — exibem elevada xenofobia e são


defensores de racismo cultural e de reformas constitucionais significativas
que promovam um Estado mais autoritário;

4. Partidos xenófobos neoliberais — exibem elevada xenofobia e


promovem a vertente de racismo cultural, mas são proponentes de reformas
neoliberais do Estado e de índices mais reduzidos de intervenção estatal;

5. Partidos populistas neoliberais — que não exibem quaisquer ati-


tudes xenófobas ou racistas, mas cujos projetos de reforma do regime exis-
tente, a favor de uma versão minimal do Estado, contêm propriedades anti-
democráticas (CARTER, 2005, p. 51).

Esta tipologia de PED oferece diversas vantagens em comparação


com as outras propostas revistas neste estudo: providencia uma definição
única e flexível de PED, preenche as condições de exaustividade e exclu-
sividade mútua, e delineia categorias precisas para classificar os diversos
membros desta família partidária (KITSCHELT, 2007). Esta proposta também
se foca nas identidades partidárias, em vez de se focar nas suas ações ou
estratégias eleitorais, à luz de três critérios qualitativos (saliência da xeno-
fobia, natureza de crenças racistas e atitudes em relação a democracia, par-
lamentarismo e pluralismo). Esta tipologia é, também, suficientemente flexí-

AUSÊNCIA DE CONSENSO: OS PARTIDOS DE EXTREMA DIREITA COMO FAMÍLIA PARTIDÁRIA | 169


JOÃO CARVALHO

vel para permitir variações no posicionamento de um PED dentro das cate-


gorias propostas ou para excluir um membro desta família partidária devido
a alterações ao seu caráter ideológico. Este seria o caso da Front National
Francesa, que durante a década de 1980 adotou uma fórmula ideológica
que combinava a defesa de políticas neoliberais com intensa xenofobia cul-
tural. Ao longo da década de 1990 e atualmente sob a liderança de Marine
Le Pen, a Front National passou a preconizar políticas protecionistas e
criticar o neoliberalismo em combinação com uma intensa Islamofobia
(CARVALHO, 2014).

Conclusões

Como vimos anteriormente, a expressão “extrema direita” apresenta-


se como a denominação mais apropriada para os partidos direitistas porque
indica os critérios selecionados para delimitar as fronteiras desta família par-
tidária. Em paralelo, esta terminologia sugere uma continuidade com o pas-
sado ao invés de uma quebra radical. Os PED continuam a representar um
desafio aos fundamentos da democracia liberal na atualidade tal como o fi-
zeram no passado, apesar de não serem um mero reflexo das relíquias fas-
cistas do período entre guerras mundiais.
A segunda parte do capítulo explorou os métodos disponíveis para
a construção de famílias partidárias e concluiu que o critério ideológico
constitui a abordagem mais consistente. Desta forma, Mudde (2007) propôs
uma conceção restrita e outra alargada para identificar partidos de direita
populista radical, em que a conceção de “nacionalismo nativista” era consi-
derada a propriedade ideológica fundamental. Apesar do mérito desta pro-
posta, há motivos para questionar a conceção restrita de racismo, bem como
a definição de populismo como uma ideologia, em vez de um estilo político.

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Em alternativa, a proposta de Ignazi (2002, 2006) apresentou maio-


res níveis de objetividade porque identifica os PED através de critérios espa-
ciais relacionados com o posicionamento no espectro político esquerda-di-
reita e ideológicos derivados da observação de características antissiste-
mas. Estas propriedades antissistema podem ser uma associação decla-
rada ao fascismo ou a negação de um princípio fundamental das democra-
cias liberais, tal como a igualdade humana.
Ao longo da terceira parte desta investigação foram exploradas
diferentes tipologias de PED. Enquanto a desagregação dos PED entre par-
tidos tradicionais e pós-industriais permitia uma excessiva pluralidade de
partidos dentro dessas duas categorias, a tipologia de partidos “anti-imi-
gração” encontrada em estudos de imigração apresentava demasiadas la-
cunas que limitam a sua objetividade.
Por fim, a tipologia com maiores níveis de exaustividade e objetivi-
dade identifica os PED com base em três critérios ideológicos: saliência da
xenofobia; natureza das crenças racistas; e atitudes em relação a democra-
cia, parlamentarismo e pluralismo. Da articulação destes três princípios, cin-
co subcategorias principais de PED emergiram: partidos neonazis; partidos
de neofascistas; partidos xenófobos autoritários radicais; partidos xenófobos
neoliberais radicais; e partidos populistas neoliberais.

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