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ANAIS

ISSN 2178-2245
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS FRONTEIRIÇOS
CÂMPUS DO PANTANAL

Reitor
Marcelo Augusto Santos Turine

Vice-Reitora
Camila Celeste Brandão Ferreira Ítavo

Diretor do Campus do Pantanal


Aguinaldo Silva

Coordenadora do Programa de Pós-graduação em Estudos Fronteiriços


Beatriz Lima de Paula Silva

Coordenação Geral do VII Seminário Internacional de Estudos


Fronteiriços
Edgar Aparecido da Costa - Universidade Federal do Mato Grosso do Sul
Rebeca Steiman – Universidade Federal do Rio de Janeiro

Comissão Organizadora

Adriana Dorfman – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil


Alberto Hernández - El Colegio de la Frontera Norte, México
Aguinaldo Silva - Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, Brasil
Beatriz Lima de Paula Silva - Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, Brasil
Gustavo de Souza Preussler – Universidade Federal da Grande Dourados, Brasil
Gutemberg de Vilhena Silva – Universidade Federal do Amapá, Brasil
Haroldo Dilla Alfonso – Universidad Arturo Pratt, Chile
Karla Maria Müller - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil
Lucilene Machado Garcia Arf - Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, Brasil
Marcos Leandro Mondardo - Universidade Federal da Grande Dourados, Brasil
Comitê Científico

Nacional
Adriana Dorfman - Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Aguinaldo Silva - Universidade Federal do Mato Grosso do Sul
Alberto Hernández Hernández - El Colegio de la Frontera Norte, México
Alessandra Rufino Santos - Universidade Federal de Roraima
Alexandre Cougo de Cougo - Universidade Federal do Mato Grosso do Sul
Alfredo Ricardo Silva Lopes - Universidade Federal do Mato Grosso do Sul
Aline de Lima Rodrigues - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Campus Litoral Norte
Ana Carolina Pontes Costa - Universidade Federal do Mato Grosso do Sul
Ana Paula Correia de Araujo - Universidade Federal do Mato Grosso do Sul
Antonio Firmino de Oliveira Neto - Universidade Federal do Mato Grosso do Sul
Beatriz Lima de Paula Silva - Universidade Federal do Mato Grosso do Sul
Beatriz Rosália Gomes Xavier Flandoli - Universidade Federal do Mato Grosso do Sul
Camilo Pereira Carneiro Filho - Universidade Federal da Grande Dourados
Carlo Henrique Golin - Universidade Federal do Mato Grosso do Sul
Cláudia Araújo de Lima - Universidade Federal do Mato Grosso do Sul
Divino Marcos de Sena - Universidade Federal do Mato Grosso do Sul
Douglas Josiel Voks - Universidade Federal do Mato Grosso do Sul
Edelir Salomão Garcia - Universidade Federal do Mato Grosso do Sul
Edgar Aparecido da Costa - Universidade Federal do Mato Grosso do Sul
Elisa Pinheiro de Freitas - Universidade Federal do Mato Grosso do Sul
Elisangela Martins da Silva Costa – Instituto Federal do Mato Grosso do Sul
Erik Luca de Mello - Universidade Federal do Mato Grosso do Sul
Fabiano Quadros Rückert - Universidade Federal do Mato Grosso do Sul
Fernando Thiago - Universidade Federal do Mato Grosso do Sul
Gicelma da Fonseca Chacarosqui Torchi - Universidade Federal da Grande Dourados
Gislene Aparecida dos Santos - Universidade de São Paulo
Gleicy Denise Vasques Moreira Santos - Universidade Federal do Mato Grosso do Sul
Gustavo de Souza Preussler - Universidade Federal da Grande Dourados
Gutemberg de Vilhena Silva - Universidade Federal do Amapá
Jones Dari Goettert - Universidade Federal da Grande Dourados
Karla Maria Muller - Unbral Fronteiras/Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Leticia Parente Ribeiro - Universidade Federal do Rio de Janeiro
Liana Amin Lima da Silva - Universidade Federal da Grande Dourados
Lício Caetano do Rego Monteiro - Universidade Federal Fluminense
Lisandra Pereira Lamoso - Universidade Federal da Grande Dourados
Luciana Escalante Pereira - Universidade Federal do Mato Grosso do Sul
Lucilene Machado Garcia Arf - Universidade Federal do Mato Grosso do Sul
Luis Paulo Batista da Silva – Universidade Federal da Bahia
Luiz Fabio Silva Paiva – Universidade Estadual do Ceará
Mara Aline Santos Ribeiro - Universidade Federal do Mato Grosso do Sul
Marcia Regina do Nascimento Sambugari - Universidade Federal do Mato Grosso do Sul
Marco Aurélio Oliveira Machado - Universidade Federal do Mato Grosso do Sul
Marcos Aurélio Matos Lemões - Universidade Federal de Pelotas
Marcos Leandro Mondardo -Universidade Federal da Grande Dourados
Maristela Ferrari - Universidade Estadual do Oeste do Paraná
Milton Augusto Pasquotto Mariani - Universidade Federal do Mato Grosso do Sul
Natalina Sierra Assêncio Costa - Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul
Nathalia Monseff Junqueira - Universidade Federal do Mato Grosso do Sul
Rauer Rodrigues - Universidade Federal do Mato Grosso do Sul
Rebeca Steiman - Grupo Retis/Universidade Federal do Rio de Janeiro
Regina Baruki-Fonseca - Universidade Federal do Mato Grosso do Sul
Rogers Barros de Paula - Universidade Federal do Mato Grosso do Sul
Rosângela Villa da Silva - Universidade Federal do Mato Grosso do Sul
Silvia Beatriz Serra Baruki - Universidade Federal do Mato Grosso do Sul
Tomaz Espósito Neto - Universidade Federal da Grande Dourados
Valéria Peron de Souza Pinto - Universidade Federal do Mato Grosso do Sul
Vanessa Catherina Neumann Figueiredo - Universidade Federal do Mato Grosso do Sul
Vera Lucia Spacil Raddatz - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande
do Sul
Waldson Luciano Correa Diniz - Universidade Federal do Mato Grosso do Sul

Internacional
Bianca de Marchi Moyano - Universidad Mayor de San Andrés, Bolívia
Carlos Piñones Rivera - Universidad Arturo Pratt, Chile
Cristian Ovando Santana - Universidad Arturo Pratt, Chile
Frédéric Lasserre - Université Laval, Canadá
Haroldo Dilla Alfonso - Universidad Arturo Pratt, Chile
Inês Gusman -Universidad de Santiago de Compostela, Espanha
Marcela Tapia Ladino Universidad Arturo Pratt, Chile
Sergio Peña Medina - El Colegio de la Frontera Norte, México
Yenny Vega Cárdenas - Université de Montréal, Canadá

Comissão de divulgação e credenciamento


Bárbara Marcela de Castro Martins (Presidente)
Augusto Azevedo da Silva Santos
Dayane Mayara Chaves Pereira Ferreira
Dayane Romero Martins
Elisângela de Souza Cunha
Erika Luana Lopez Flores
Francisco Rogério Magalhães Messias
Glenda Helenice da Silva Rodrigues
Ianna Louise Araújo Chagas
Jessica Mayara Lima Ramires
Leandro dos Santos Pereira
Marco Antônio Vilalva Rodrigues
Sinara de Oliveira de Arruda
Tayrine Pinho de Lima Fonseca

Comissão de apoio logístico


Elisângela de Souza Cunha (Presidente)
Aguinaldo Silva
Antônio Carlos Oliveira Fonseca Júnior
Bárbara Marcela de Castro Martins
Beatriz Lima de Paula Silva
Emmanuel Alexandre Cavasana Oliveira
Erika Luana Lopez Flores
Glenda Helenice da Silva Rodrigues
Marco Antônio Vilalva Rodrigues
Marcos Antônio Gonçalves Cypriano

Comissão de recepção dos trabalhos


Éder Damião Goes Kukiel
Edgar Aparecido da Costa
Rebeca Steiman

Comitê de articulação das comissões


Elisângela de Souza Cunha
Edgar Aparecido da Costa
Rebeca Steiman

___________________________________________________________________
Anais do VII SEF (Seminário Internacional de Estudos Fronteiriços). Corumbá:
Universidade Federal do Mato Grosso do Sul; Programa de Pós-Graduação Estudos
Fronteiriços, 2019. ISSN 2178-2245 (Anais). 986 p.
___________________________________________________________________

Os textos publicados nesta Revista são de inteira responsabilidade de seus autores.


Endereço: Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – Campus do Pantanal
Mestrado em Estudos Fronteiriços – MEF
Rua Domingos Sahib, 99 – Bairro Cervejaria. CEP 79.300-130. Corumbá-MS
Fones: (67) 3234-6205 – Secretaria de Pós-Graduação
E-mail: ppgef.ufms@gmail.com
Dezembro de 2019
Instituição promotora

Realização

Apoio
VII Seminário Internacional de Estudos Fronteiriços - 2019
Programação

Segunda-feira Terça-feira Quarta-feira


07/10/2019 08/10/2019 09/10/2019
Reunião interna
Credenciamento
9:00h – de pesquisadores
e recepção dos Oficina Atividade de Campo Oficina
12:00h (MEF e
inscritos
convidados)
12:00h –
Almoço
14:00h
14:00h –
Grupos de Trabalho (Eixos Temáticos)
16:00h

16:00h -
Intervalo Cultural / Sessão de Pôsteres
16:30h

Mesa 1 Mesa 3
Fronteiras comparadas: a Desafios para a gestão
experiência latino- pública nas fronteiras Sessão de documentários
americana Over the Wall
Edgar Aparecido da Costa de Luis Mercado
16:30h -
Bianca de Marchi Moyano (UFMS) El Colef
18:30h
(UCB, Bolívia) Maristela Ferrari
Gutemberg Vilhena Silva (Unioeste) Inter-Amazônias – uma
(UNIFAP) Inês Gusman (USC, fronteira Musical
Haroldo Dilla Alfonso Espanha) de Clicia di Micelli
(INTE, Chile) Camilo Pereira Carneiro UNIFAP
Filho (UFGD)
18:30h –
Solenidade de Abertura Intervalo Cultural Intervalo Cultural
19:30h

Mesa 2 Mesa 4 Mesa 5


Mobilidade e migrações IV Colóquio Unbral de Fronteiras em múltiplas
através das fronteiras Estudos Fronteiriços: escalas
Metodologias
Alberto Hernández Cristian Ovando Santana
19:30h – Hernández (El Colef, Adriana Dorfman (Unbral (INTE, Chile)
21:30h México) Fronteiras/UFRGS) Marcos Leandro Mondardo
Alessandra Rufino Santos Karla Muller (Unbral (UFGD)
(UFRR) Fronteiras/UFRGS) Rebeca Steiman (Grupo
Marco Aurélio Machado de Marcos Aurélio Lemões Retis/UFRJ)
Oliveira (UFMS) (UFPEL) Carlos Piñones Rivera
Sergio Peña Medina (El (INTE, Chile)
Colef)
21:30h Lançamento de Livros
Sumário

Apresentação Edgar Aparecido da Costa


16
Rebeca Steiman

Eixo 1 – Aspectos identitários e discursivos nas fronteiras: identidades, gêneros,


diversidades, cultura, arte, literatura, comunicação, saúde, educação, bilinguismo
Título Autores
A invisibilidade na fronteira: uma análise Leonardo Calixto Maruchi;
sobre a “faixa livre” localizada entre Sete 21
Quedas-BR e Pindoty Porã-PY Lidiane Cristina Lopes Garcia de Souza

Compaixão além das fronteiras: narrativas


para a humanização do refúgio de Fernanda Paraguassu 23
indesejáveis
Condutores de carroças em Corumbá, MS
Waldson Luciano Corrêa Diniz 38
- uma abordagem introdutória ao problema
Corpo epistêmico fronteiriço descolonial:
transitando na fronteira da exterioridade Marina Maura de Oliveira Noronha 39
em Mato Grosso do Sul
Do churrasco griego a la Argen(Chi)na: Luiz Felipe Rodrigues;
práticas cotidianas, cartografias 51
transfronteiriças Dalila Tavares Garcia

Fronteira, migração e direitos humanos na Vilmara Crystine Fonseca Gomes;


mídia um estudo sobre a repercussão da 53
imigração venezuelana para o Brasil Camila Maria Risso Sales

Fronteiras do local: por uma leitura de si


Julia Evelyn Muniz Barreto Guzman 71
me permiten hablar na fronteira-sul
Índios guató na fronteira Brasil/Bolívia Danielle Urt Mansur Bumlai 73
Memórias homo-biográficas da
exterioridade: Silviano Santiago e as Pedro Henrique Alves de Medeiros 87
suas/nossas mil rosas roubadas

O entre-lugar como espaço das línguas Mariana Vaca Conde;


89
fronteiriças Lucilene Machado Garcia Arf
Outro calçadão de uma mesma
Copacabana - a celebração da Virgem: um
Gesliane Sara Vieira Chaves 102
diálogo entre a fronteira de Corumbá/BR e
Puerto Quijarro/BO
Possibilidades de atendimento ao
estrangeiro pelos agentes comunitários de Talini Rodrigues;
116
saúde na região fronteiriça de Rafael Oliveira Fonseca
Corumbá/MS – Brasil
Povos indígenas no Brasil: identidade e
Joselaine Dias de Lima 134
cultura entre fronteiras
Avaliação do estado nutricional e do Bruna Fernanda Antonio Clímaco;
consumo alimentar de famílias ribeirinhas 148
residentes na fronteira Brasil/Bolívia Beatriz Lima de Paula Silva

Isabela Faria Berno;


Saúde mental de militares na fronteira
Júlio Ricardo França; 160
Brasil-Bolívia: uma revisão bibliográfica
Vanessa Catherina Neumann Figueiredo
Jornalismo online na fronteira Brasil-
Gesiel Rocha de Araújo 174
Paraguai: periférico e transnacional
A experiência em estágio docência em Janaina Costa Teixeira;
graduação I: a formação do Estado, 176
fronteiras e suas dinâmicas em rede Paola Gomes Pereira

Katicilayne Roberta de Alcântara;


A fronteira que nos separa: os surdos e
Antônio Firmino de Oliveira Neto; 192
suas representações sociais
Izac de Oliveira Belino Bonfim
A implementação do ensino à distância
aos moldes do sistema Colégio Militar do Eduardo Freitas Gorga;
203
Brasil aos residentes na faixa de fronteira Elisa Pinheiro de Freitas
sul-mato-grossense: uma proposta
Bilinguismo na educação de surdos na Lineise Auxiliadora Amarilio dos Santos;
fronteira Brasil-Bolívia: algumas 222
considerações Cláudia Araújo de Lima

Clarice Lispector: por um direito penal Bárbara Artuzo Simabuco;


234
fronterizo Edgar Cézar Nolasco
Eventos rurais: uma análise da prática das Andrea Fernanda Lyvio Vilardo;
instituições públicas de pesquisa 245
agropecuária do Brasil e da Argentina Karla Maria Müller

Jornal impresso na fronteira gaúcha:


Thaís Leobeth e Karla Maria Müller 247
narrativas sobre o rural

Literatura e territorialidade na fronteira Tarissa Marques Rodrigues dos Santos;


249
Brasil/Bolívia: um espaço do ser fronteiriço Lucilene Machado Garcia Arf

Localizando as condições pretéritas e as Tito Carlos Machado Oliveira;


relações correntes na complexa fronteira 251
Brasil-Bolívia Paulo Marcos Esselin

Metodologias para o ensino e Suzana Vinicia Mancilla Barreda;


aprendizagem de línguas nas fronteiras: 253
perspectivas decoloniais Janete Fátima Pará Velasco

At the crossroads of borders and culture:


an analysis of academic production and of Solène Marié 268
networks of concepts and literature
No te pases de la raya: antropofagia
Kathya Milena Morón Tadic 292
cartográfica
O desenvolvimento econômico e social na Wanderson da Silva Batista;
fronteira através de uma escola pública 293
Mara Aline dos Santos Ribeiro
federal: Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia de Mato Grosso do
Sul

O texto literário como constructo de um


Lucilene Machado Garcia Arf 295
espaço transcultural e transnacional
Adriana Dorfman;
Paisagem socioespacial transfronteiriça:
uma proposta de ensino e pesquisa sobre Edgar Garcia Velozo; 297
fronteiras
Luísa Amato Caye
Vithor Amaral Prestes;
Publicações sobre estudos fronteiriços no Débora Pizzio Mendes;
Brasil de 2000 à 2018: um estudo sobre 313
principais periódicos e temáticas Rafael Port da Rocha;
Adriana Dorfman

O corpo sem fronteiras e suas Renata Cardoso Doyle Maia;


315
significações nos ciberespaços Paulo Marcos Esselin
A fronteira no corpo Diego Aparecido Cafola 324
Espaços de fronteira e codificação cultural Luzia Bernardes da Silva;
indígena: a semiotização do código 326
“capitão” Gicelma da Fonseca Chacarosqui Torchi

A desobediência epistêmica em Heloisa


Nathalia Flores Soares;
Buarque de Hollanda e as fronteiras do 345
intelecto Edgar Cézar Nolasco
Ações para saúde e segurança do
Dalton Monteiro de Souza;
trabalho: um estudo no CEREST de 354
Corumbá-MS Fernando Thiago
Eixo 2 – Movimentos de população hoje e no passado: migrações, colonização,
redes, história e memória
Título Autores
A consolidação da fronteira sul-mato- Robson de Araújo Filho;
grossense e as relações com o Paraguai
Camilo Pereira Carneiro Filho; 375
ao longo dos diferentes períodos da
história brasileira Tito Carlos Machado de Oliveira
Francielle Vascotto Folle;
As implicações do reconhecimento da
condição de refugiado para os Nathália Alves de Oliveira; 377
venezuelanos
César Augusto Silva da Silva
Corumbá-MS: o retorno da migração
Alex Dias de Jesus 379
indocumentada de haitianos no Brasil
Gabriela Oshiro Reynaldo;
Dignidade humana sem fronteiras:
Livio Acosta Garcia Gomes; 381
migração e refugiados no Brasil
Lucio Flávio Joichi Sunakozawa

Espacialidades fronteiriças e práticas Marco Aurélio Machado de Oliveira;


solidárias: bolivianas em relações de 398
Milton Augusto Pasquotto Mariani;
vizinhança e de comércio em Corumbá,
MS, Brasil Jéssica Canavarro Oliveira

Notas iniciais sobre o surgimento de


relações transfronteiriças cotidianas entre Aline Kammer;
Pato Bragado e Nueva Esperanza, 417
municípios da zona de fronteira Brasil- Maristela Ferrari
Paraguay

Direito ao desenvolvimento do imigrante Luiz Rosado Costa;


419
no Brasil Tania Regina Silva Garcez
Os reflexos da política externa do governo
Juscelino Kubitschek (1956-1961) nos Thais da Silva Alpires;
330
fluxos migratórios internacionais para Claudia Araujo de Lima
Corumbá/MS
Marco Aurélio Machado de Oliveira;
Presenças de migrantes internacionais na
educação e na assistência social em Renata Miceno Papa de Almeida; 345
fronteira
Mabel Marinho Sahib Aguilar
Luiz Rosado Costa;
Um histórico da política migratória
brasileira a partir de seus marcos legais José Eduardo Melo de Souza; 347
(1808-2019)
Lívia Cristina dos Anjos Barros
Eixo 3 – Territórios e territorialidades nas fronteiras: integração,
desenvolvimento, políticas públicas, urbanização, comércio e desenvolvimento
local
Título Autores
Kamila Madureira da Silva;
As tramas do capitalismo entrelaçando as
Matheus Martins de Araujo Irabi; 349
relações fronteiriças
Alexandre Bergamin Vieira
Brasil e Paraguai: olhares sobre os Midiane Scarabeli Alves Coelho da Silva;
351
sujeitos e situações de fronteira Mirella Lacerda Teixeira de Souza
Cruzar a fronteira internacional Foz do
Iguaçu – Ciudad del Este: adentrando o Matheus Guimarães Lima 363
paraíso do consumo
Fluxos e mobilidades transfronteiriças:
Claudia Vera da Silveira;
uma reflexão a partir dos estudantes
brasileiros de medicina em Pedro Juan Luiz Felipe Rodrigues; 381
Caballero, departamento de Amambay–
Éder Damião Goes Kukiel
Paraguay

Gestão compartilhada de resíduos sólidos Aline Robles Brito;


400
em cidades da fronteira Brasil-Paraguai Fabrício José Missio
Levantamento bibliográfico de estudos Fernando Lara Rocha de Almeida;
sobre direito ambiental comparado de 422
recursos naturais transfronteiriços Luciana Escalante Pereira
Raphaella Elias Pereira;
Ocupações no espaço de fronteira: luta e
Alexandre Bergamin Vieira; 438
resistência
Kamila Madureira da Silva
Inês Gusman;
Os efeitos da cooperação transfronteiriça
nas configurações territoriais estatais: o Juan Manuel Trillo Santamaría; 450
caso do norte de Portugal
Rubén Camilo Lois González
Reconfiguración espacial de la frontera y Sergio Peña Medina;
flujos no documentados entre México y 471
Estados Unidos César M. Fuentes

Três países, várias fronteiras e diferentes


Maria Cristina Lanza de Barros 473
espetáculos
Turismo de compras e paisagem
fronteiriça em Pedro Juan Caballero (PY) Janaína Costa Teixeira 498
e Ponta Porã (BR)
A contribuição jurídica da marinha do
brasil no desenvolvimento econômico, Antônio José de Jesus Júnior;
500
social e proteção ambiental na região dos Lidiane de Brito Curto
municípios de Corumbá e Ladário-MS
Fábio Brito dos Santos;
A territorialidade da rede bancária no
estado de Rondônia: concentração e Décio Keher Marques; 519
dispersão dos agentes financeiros
Edwarda de Paula Soares Ojopi
Ações para saúde e segurança do Dalton Monteiro de Souza;
trabalho: um estudo no Cerest de 521
Corumbá-MS Fernando Thiago

Área de livre comércio no município de Paulo Cesar dos Santos Martins;


Corumbá/MS: potencialidades e impactos 542
socioeconômicos Tomaz Espósito Neto

As experiências de compra de produtos da Leonardo Barbosa Araújo;


agricultura familiar da Base Fluvial de 560
Ladário (BFLA) Edgar Aparecido da Costa

Cooperação internacional e núcleos


urbanos com articulações fronteiriças André Vieira Freitas 578
entre Brasil e Bolívia
Éder Damião Goes Kukiel;
Dinâmicas e espacialidades das feiras
livres nas fronteiras entre Brasil-Bolívia e Érica dos Santos Oliveira; 580
Brasil-Paraguay
Cláudia Veras da Silveira
Edison Di Fabio;
O comércio de hortaliças na fronteira
Alberto Feiden; 582
Brasil-Bolívia
Edgar Aparecido da Costa
Natália Buginga Ramos da Costa
O trabalho do/da assistente social em Sachini; 598
território fronteiriço: possibilidades de ação
Mara Aline dos Santos Ribeiro
Leonardo Barbosa Araújo;
Os bolivianos comerciantes de hortaliças
Elisângela de Souza Cunha; 600
na feira livre de Ladário
Edgar Aparecido da Costa

Políticas públicas na fronteira e o ativismo Alcindo Cardoso do Valle Junior;


601
do Ministério Público Gleicy Denise Vasques Moreira
Regulação e clandestinidade: o comércio
de gasolina no contexto de
Vitorino José Barros da Silva 614
complementaridade econômica da
fronteira Brasil-Bolívia.
Bárbara Regina Gonçalves da Silva
A evasão e o perfil motivacional dos Barros;
estudantes de licenciaturas na fronteira 633
Vanessa Catherina Neumann Figueiredo;
com a Bolívia: campus do Pantanal/UFMS
Luís Fernando Galvão

Caracterização geográfica preliminar da André Zumak Azevedo Nascimento;


652
faixa de fronteira do estado do Amazonas Tatiana Schor e Nicolle Figueira
Eixo 4 – Limites estratégicos: geopolítica, soberania e relações internacionais,
globalização, segurança pública, conflito e violência
Título Autores
Manix Gonçalves dos Santos;
A “grande Corumbá” e os desafios dos
crimes transfronteiriços em face das novas Marcos Sérgio Tiaen; 669
ferramentas virtuais
Luiz Gonzaga da Silva Junior
A questão do gás e suas repercussões na
relação Brasil-Bolívia: uma análise sob a Adriana dos Santos Corrêa;
686
luz da teoria da “interdependência Bruna Letícia Marinho Pereira
complexa”
A segurança na fronteira entre Brasil e
Maurício Kenyatta Barros da Costa 688
Paraguai: é possível cooperar?
Impressões sobre as fronteiras
internacionais de Pedro Juan Caballero Mirella Lacerda Teixeira de Souza;
690
(PY) e Ponta Porã (BR) e de Tijuana (MX) Midiane Scarabeli Alves Coelho da Silva
e San Diego (US)
Comércio ilegal e redes na zona de
fronteira brasileiro-paraguaia: extremo
oeste do Paraná (BRA) limítrofe aos Alan Diogo Schons e Maristela Ferrari 704
departamentos de Canindeyú e Alto
Paraná (PY)

E-spaço e suas fronteiras: o cibernético na Thomás Nery da Silva Teixeira;


718
análise geográfica Adriana Dorfman

Manifestações xenofóbicas nas redes Antônio Rosa da Conceição Junior;


720
sociais na fronteira Brasil-Bolívia Gleicy Denise Vasques Moreira
O estado brasileiro no enfrentamento ao Mateus Moreira de Oliveira;
crime de tráfico internacional de pessoas
Mara Aline dos Santos Ribeiro; 734
na fronteira Brasil/Bolívia: o caso de
Corumbá e Porto Quijarro Caíque Ribeiro Galícia
Panorama das principais iniciativas das
políticas governamentais de fronteiras e Silvana do Valle Leone;
da política nacional de defesa frente aos 736
desafios impostos pela conjuntura Elisa Pinheiro de Freitas
internacional fronteiriça
Polícia e cadeia na fronteira do império
com a Bolívia: Corumbá, anos 1870 e Divino Marcos de Sena 756
1880
Pontos de convergência entre o direito
internacional humanitário e o direito Ádria Saviano Fabricio da Silva;
internacional dos refugiados: a prevenção 776
do deslocamento como mecanismo de César Augusto S. da Silva
sobrevivência
Migrações e globalização: uma análise à
Alex Maciel de Oliveira 778
luz dos humanos dos migrantes
O entorno estratégico brasileiro: análise de
governança ambiental na faixa de fronteira Miguel Dhenin 794
setentrional amapaense (1997-2017)
Camilo Pereira Carneiro Filho;
Segurança e defesa na fronteira Oeste: o
Arco Central e as ameaças nas díades Lisa Belmiro Camara; 805
com Bolívia e Paraguai
Bruna Letícia Marinho Pereira
João Victor Maciel de Almeida Aquino;
Os direitos trabalhistas dos residentes
Fabiano Diniz de Queiroz Pilate; 807
fronteiriços no Brasil
Mozart Victor Ramos da Silveira
Usuário e traficantes de drogas: uma
análise dos processos judiciais por delitos Alexandre dos Santos Cunha;
824
de drogas na zona de fronteira do Brasil Olívia Alves Gomes Pessoa
com o Uruguai
Eixo 5 – A natureza e seus usos: conservação, sustentabilidade, turismo, frentes,
reforma e outras dinâmicas agrárias (assentamentos, agronegócio, agricultura
familiar)
Título Autores
A feira de produtos em transição Mariane Leticia Leite da Cruz Costa;
841
agroecológica do IFMS Corumbá Edgar Aparecido da Costa
Apontamentos sobre as consequências da
mineração em Corumbá-MS: o caso da Sandra Procópio da Silva;
842
comunidade tradicional Antônio Maria Leonardo Calixto Maruchi
Coelho
Aterro sanitário na fronteira Brasil-Bolívia Diego da Silva Ferreira Rosa 858
Evolução do uso e cobertura da terra na Edson Rodrigo dos Santos da Silva; 871
fronteira Corumbá-BR e Puerto Quijarro-
BOL Erivelton Pereira Vick;
Tayrine Pinho de Lima Fonseca
Gestão ambiental das empresas
brasileiras de navegação e dos portos Samuel Ribeiro de Sousa;
887
nacionais que operam na hidrovia do Aguinaldo Silva
Paraguai-Paraná

Pantanal sul-mato-grossense: território e Juliana Cristina Ribeiro da Silva;


889
modo de vida Patrícia Helena Mirandola Garcia
Percepção ambiental da comunidade Jeferson Boldrini da Silva;
acadêmica no campus de Alto Araguaia da 908
Universidade do Estado de Mato Grosso Fernando Thiago
Porto Murtinho (MS): potencialidade do Fernanda Cano de Andrade Marques;
ecoturismo no espaço fronteiriço Brasil- 910
Paraguai Juliana Luquez

Transição agroecológica em um lote de Ianna Louise Araújo Chagas;


assentamento rural na fronteira brasil- 923
Bolívia Edgar Aparecido da Costa

Turismo sexual nas águas do pantanal: o Érica dos Santos Oliveira;


caso da mercantilização sexual em 925
Corumbá – MS Éder Damião Goes Kukiel

A atuação da Conservation International


em áreas protegidas na faixa de fronteira Rhuan Muniz Sartore Fernandes 927
do Brasil
A relevância da faixa de fronteira no
programa áreas protegidas da Amazônia
Cassio do Sul Gonçalves 941
(arpa) e na atuação das três grandes ongs
conservacionistas (WWF, CI e TNC)
Conservação ambiental e geografia Rian de Queiroz Cunha;
política: a atuação do WWF Brasil na faixa 955
de fronteira brasileira Rhuan Muniz Sartore Fernandes

Cleiton Soares Jesus;


A ocorrência de processos erosivos na
Pedro Alcântara de Lima; 971
região Sul de Mato Grosso do Sul
Cleiton Messias Rodrigues Abrão
16

Apresentação

O Seminário Internacional de Estudos Fronteiriços (VII SEF) é um evento


bianual consolidado na agenda acadêmica e um ponto de encontro para
professores, profissionais, estudantes de graduação e pós-graduação que se
interessam por temáticas diversas relacionadas aos estudos fronteiriços. Desde a
primeira edição, o SEF tem recebido pesquisadores de renome nacional e
internacional e gestores com larga experiência em questões fronteiriças, que
contribuem para a ampliação do conhecimento sobre as fronteiras políticas
internacionais a partir de um enfoque interdisciplinar.
A sétima edição do evento ocorreu entre 7 e 9 de outubro de 2019, na
Unidade II do Campus do Pantanal (CPAN) da Universidade Federal de Mato
Grosso do Sul, localizada na cidade de Corumbá. O VII SEF foi organizado pelo
Mestrado em Estudos Fronteiriços da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul
(UFMS) em colaboração com diversas instituições nacionais e internacionais, tais
como o Grupo Retis, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGG/UFRJ); o GREFIT da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS); o Programa de Pós-Graduação em
Geografia e o Programa de Pós-Graduação em Fronteiras e Direitos Humanos da
Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD); o Programa de Pós-Graduação
em Estudos de Fronteira da Universidade Federal do Amapá (UNIFAP); o Colegio da
Frontera Norte (El Colef) do México e o Instituto de Estudios Internacionales (INTE)
da Universidad Arturo Prat do Chile. Contou com apoio fundamental da Capes e das
instituições parceiras, além dos recursos financeiros oriundos das inscrições e do
apoio logístico e administrativo fornecido pela UFMS.
A parceria com instituições nacionais e internacionais vem crescendo desde a
primeira edição, culminando na participação de 310 pesquisadores e estudantes de
quase todos os segmentos da Faixa de Fronteira brasileira e de diversos países
vizinhos nas diversas atividades do evento.
O VII SEF trouxe mesas temáticas sobre temas contemporâneos a fim de
estimular o diálogo entre os especialistas e a audiência. O público presente na
abertura superou 350 pessoas. Dentre os gestores públicos, cabe mencionar a

Corumbá/MS, Brasil. 7 a 9 de outubro de 2019. ISSN . 2178-2245


17

presença do prefeito municipal, do presidente da câmara municipal de Corumbá,


vereadores de Corumbá e Ladário, do Cônsul da Bolívia em Corumbá, do presidente
da Associação Comercial de Corumbá, do presidente da CAINCO da província
Germán Busch, SC/Bolívia e vários secretários municipais.
O evento abrigou, ainda, a discussão dos periódicos e das metodologias
relevantes para o campo no IV Colóquio Unbral de Estudos Fronteiriços. Contou
também com a oficina Metodologias visuais aplicadas à pesquisa geográfica das
fronteiras, dois trabalhos de campo, um lançamento de livros e uma sessão de
documentários sobre a zona de fronteira entre México e Estados Unidos e sobre a
zona de fronteira entre Brasil, Guiana Francesa, Suriname e Guiana.
Nesta edição do evento, pela primeira vez, os alunos de iniciação científica
tiveram a oportunidade de aprimorar sua formação, expondo 26 pôsteres, três dos
quais premiados por receberem nota máxima de avaliadores.
A apresentação dos trabalhos completos por pesquisadores, profissionais e
pós-graduandos permitiu compartilhar pesquisas já avançadas nas discussões dos
grupos de trabalho, organizados em torno de eixos temáticos. Foram submetidos
121 trabalhos completos, dos quais 95 foram aprovados pelo comitê científico e 87
foram apresentados nos grupos de trabalho. Cabe mencionar que esta edição
recebeu mais do que o dobro de trabalhos submetidos nas edições anteriores do
evento. Entre os fatores responsáveis por esse notável incremento, pode-se apontar
a intensa divulgação nas redes sociais, a internacionalização do evento e as
parcerias para sua realização. As temáticas apresentadas mostraram a
multiplicidade de abordagens e temas dos estudos fronteiriços trazidos para o
evento (Figura 1).

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Figura 1 – Nuvem de palavras dos trabalhos enviados ao VII SEF, 2019.

Os trabalhos foram classificados em cinco eixos temáticos:


 Eixo 1 – Aspectos identitários e discursivos nas fronteiras: identidades,
gêneros, diversidades, cultura, arte, literatura, comunicação, saúde,
educação, bilinguismo;
 Eixo 2 – Movimentos de população hoje e no passado: migrações,
colonização, redes, história e memória;
 Eixo 3 – Territórios e territorialidades nas fronteiras: integração,
desenvolvimento, políticas públicas, urbanização, comércio e
desenvolvimento local;
 Eixo 4 – Limites estratégicos: geopolítica, soberania e relações internacionais,
globalização, segurança pública, conflito e violência;
 Eixo 5 – A natureza e seus usos: conservação, sustentabilidade, turismo,
frentes, reforma e outras dinâmicas agrárias (assentamentos, agronegócio,
agricultura familiar).

Os Eixos temáticos 1 e 3 concentraram maior quantidade de trabalhos


submetidos, respectivamente 39,7% e 24,8% (Figura 2).

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Figura 2 - Percentual de trabalhos segundo eixo temático no VII SEF

O panorama dos trabalhos submetidos demonstra a participação massiva de


estudantes de pós-graduação, que representaram cerca de 85% dos autores (Figura
3).

Figura 3 – Nível de formação dos autores de trabalhos no VII SEF

Outro fator relevante a apontar é que quase 75% dos trabalhos não contaram
com nenhum financiamento (Figura 4). A despeito das dificuldades, muitos autores
enviaram trabalhos e a maior parte esteve presente no evento nesta edição. Fontes
de financiamento dedicadas aos estudos fronteiriços devem ser concebidas para
que as pesquisas neste campo avancem.

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Figura 4 – Condição de financiamento dos trabalhos do VII SEF.

Todos os trabalhos submetidos foram avaliados por pelo menos dois


avaliadores do comitê científico. Dentre os aprovados, 40 trabalhos com melhor
pontuação foram convidados para publicação na revista GeoPantanal (UFMS) e na
revista Para Onde? (UFRGS).
Agradecemos a colaboração de todos que fizeram do VII SEF um evento
alegre, diverso e repleto de novas interações e conhecimentos. Até o próximo SEF!

Corumbá, 19 de dezembro de 2019.

Edgar Aparecido da Costa Rebeca Steiman


Mestrado em Estudos Fronteiriços Grupo Retis
Universidade Federal do Mato Grosso do Universidade Federal do Rio de Janeiro
Sul

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A INVISIBILIDADE NA FRONTEIRA: UMA ANÁLISE SOBRE A “FAIXA LIVRE”


LOCALIZADA ENTRE SETE QUEDAS-BR E PINDOTY PORÃ-PY
Invisibility at the Frontier: an Analysis of the "Faixa Livre" Located Between Sete
Quedas-BR and Pindoty Porã-PY
La Invisibilidad en la Frontera: an Análisis Sobre la "Faixa Livre" Ubicada Entre Sete
Quedas-BR y Pindoty Porã-PY

Leonardo Calixto Maruchi


Lidiane Cristina Lopes Garcia de Souza

Resumo: Este artigo é fruto de um trabalho de campo realizado pela turma de


mestrandos e doutorandos do PPGG- Programa de Pós-Graduação em Geografia
da UFGD- Universidade Federal da Grande Dourados, durante a disciplina “Tópicos
especiais em Geografia”, ministrada pelo Prof. Dr. Jones Dari Goettert. Nesta aula
de campo, foram realizadas entrevistas com moradores da chamada “faixa livre”,
que é uma zona neutra na fronteira entre Brasil e Paraguai no sul do estado do Mato
Grosso do Sul. A particularidade desse lugar e das pessoas que ali vivem mostra
como a fronteira é um lugar em que as relações se dão de maneira única, e que
apesar de ser um lugar contraditório e com diversos problemas, também é um lugar
de multiplicidades, saberes e vivências únicas.
Palavras-chave: fronteira, faixa livre, multiplicidade.

Abstract: This article is the result of a field work carried out by the group of masters
and doctoral students of the PPGG - Postgraduate Program in Geography of UFGD -
Federal University of Grande Dourados, during the discipline "Special Topics in
Geography", taught by Prof. Dr. Jones Dari Goettert. In this field lesson, interviews
were conducted with residents of the so-called "faixa livre" which is a neutral zone on
the border between Brazil and Paraguay in the southern state of Mato Grosso do Sul.
The particularity of this place and the people living there shows how the border is a
place where relationships occur in a unique way, and despite being a contradictory
place and with various problems, it is also a place of unique multiplicities,
knowledges and experiences.
Key words: border, faixa livre, multiplicity.

Resúmen: Este artículo es fruto de un trabajo de campo realizado por la clase de


maestrandos y doctorandos del PPGG- Programa de Post Graduación en Geografía
de la UFGD- Universidad Federal de la Grande Dourados, durante la disciplina
"Temas especiales en Geografía", impartida por el Prof. Dr. Jones Dari Goettert. En
esta clase de campo, se realizaron entrevistas con residentes de la llamada "faixa


Graduado em Geografia pela Universidade Federal da Grande Dourados. E-mail:
leomaruchi06@hotmail.com

Graduada em Geografia pela Universidade Federal da Grande Dourados. E-mail:
lidcris_@hotmail.com

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livre", que es una zona neutra en la frontera entre Brasil y Paraguay en el sur del
estado de Mato Grosso do Sul. La particularidad de ese lugar y de las personas que
allí viven muestra como la frontera es un lugar en que las relaciones se dan de
manera única, y que a pesar de ser un lugar contradictorio y con diversos
problemas, también es un lugar de multiplicidades, saberes y vivencias únicas.
Palabras clave: frontera, faixa livre, multiplicidade.

* Trabalho completo selecionado para publicação na Revista Para Onde? (UFRGS),


no número referente ao primeiro semestre de 2020.
https://seer.ufrgs.br/paraonde

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COMPAIXÃO ALÉM DAS FRONTEIRAS: NARRATIVAS PARA A HUMANIZAÇÃO


DO REFÚGIO DE INDESEJÁVEIS
Compassion Beyond Borders: Narratives for the Humanization of the Undesirable
Compasión Más Allá de las Fronteras: Narrativas para la Humanización del Refugio
de Indeseables

Fernanda Paraguassu

Resumo: Este artigo analisa a tendência de humanizar o tema do refúgio na


sociedade atual através da narrativa usada pela mídia convencional, a partir da foto
do menino Aylan Kurdi, que morreu afogado em 2015, ao tentar fugir do conflito na
Síria. Por que essa foto foi escolhida para estampar a capa dos jornais e gerou
comoção mundial, tornando-se emblemática da situação dos refugiados? Serão
contempladas aqui a seleção do sofredor na esfera pública, a elaboração social da
responsabilidade e a construção da solidariedade pelo despertar da compaixão,
considerando os valores culturais e a nova linguagem do social na pós-
modernidade. Na sequência, será abordado o desafio de enfrentar a fadiga da
compaixão num contexto em que a moralidade e a competência dos agentes do
Estado são centrais na política contemporânea. A referência será a argumentação
desenvolvida pelo antropólogo francês Didier Fassin em Humanitarian Reason – a
moral history of the present.
Palavras-chave: humanização, compaixão, refugiados, linguagem, criança.

Abstract: This article analyzes the tendency to humanize the theme of refuge in
today's society through the narrative used by mainstream media from the photo of
the boy Aylan Kurdi, who drowned in 2015 while trying to escape the Syrian conflict.
Why was this photo chosen to print the cover of newspapers and generated
worldwide commotion, becoming emblematic of the plight of refugees? The selection
of the sufferer in the public sphere, the social elaboration of responsibility and the
construction of solidarity for the awakening of compassion, considering the cultural
values and the new language of the social in postmodernity will be contemplated
here. Next, the challenge of addressing the fatigue of compassion will be addressed
in a context in which the morality and competence of the state agents are central to
contemporary politics. The reference will be the argument developed by the French
anthropologist Didier Fassin in Humanitarian Reason – the moral history of the
present.
Key words: humanization, compassion, refugees, language, child.

Resúmen: Este artículo analiza la tendencia a humanizar el tema del refugio en la


sociedad actual a través de la narrativa utilizada por los principales medios de
comunicación con la foto del niño Aylan Kurdi, que se ahogó en 2015 mientras
intentaba escapar del conflicto sirio. ¿Por qué se eligió esta foto para imprimir la
portada de los periódicos y generó conmoción mundial, convirtiéndose en un
emblema de la difícil situación de los refugiados? Aquí se contemplará la selección
de la víctima en la esfera pública, la elaboración social de la responsabilidad y la
construcción de la solidaridad para el despertar de la compasión, considerando los

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valores culturales y el nuevo lenguaje de lo social en la posmodernidad. A


continuación, el desafío de abordar la fatiga de la compasión se abordará en un
contexto en el que la moralidad y la competencia de los agentes estatales son
fundamentales para la política contemporánea. La referencia será el argumento
desarrollado por el antropólogo francés Didier Fassin en Humanitarian Reason: la
historia moral del presente.
Palabras clave: humanización, compasión, refugiados, lenguaje, niño.

Introdução
Em setembro de 2015, a foto de um menino deitado numa praia da Turquia
estampou a capa dos principais jornais de diversos países da Europa e das
Américas, espalhou-se pelas redes sociais e tornou-se emblemática da situação das
crianças refugiadas no mundo contemporâneo. Aylan Kurdi, de três anos de idade,
estava de bruços na areia, perto do mar, com camiseta vermelha, short azul e
sapatos pretos... morto. Tentou fugir do conflito na Síria com a família num bote, que
afundou próximo à península de Bodrum, um balneário com resorts de luxo, a
caminho da ilha de Kós, na Grécia, destino buscado por milhares de refugiados que
tentam chegar à Europa.
Vítima, vergonha, tragédia, catástrofe, horror e crise foram algumas das
palavras que ocuparam as manchetes daquele dia junto com a foto do menino, para
demonstrar a complexidade sobre questões do deslocamento forçado de pessoas
que fogem de perseguições e guerras. Em eventos catastróficos como esse, cujas
imagens são divulgadas pela mídia e se disseminam pelo mundo através da internet,
o humanitarismo tornou-se familiar, como defende o atropólogo francês Didier
Fassin, em Humanitarian Reason – a moral history of the present.
Para Fassin, o sofrimento do refugiado e da vítima do desastre não é
simplesmente o produto do infortúnio, é também a manifestação da injustiça. E a
razão humanitária, ao instituir a equivalência de vidas e a equivalência de
sofrimento, permite-nos continuar acreditando – contrariamente à evidência cotidiana
das realidades que encontramos – nesse conceito de humanidade que pressupõe
que todos os seres humanos são de igual valor, porque pertencem a uma
comunidade moral. Assim, “o governo humanitário tem um poder salutar para nós
porque, salvando vidas, salva algo da nossa ideia de nós mesmos e porque, ao
aliviar o sofrimento, também alivia o fardo dessa ordem mundial desigual” (FASSIN,
2014, p. 252).

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O argumento de Fassin é, portanto, que o humanitarismo se tornou uma


força potente do nosso mundo. É um modo de governar que diz respeito às vítimas
do refúgio e de desastres, mas também da pobreza, da falta de moradia, do
desemprego, de fomes, epidemias e guerras – em suma, toda situação
caracterizada pela precariedade. Envolve organizações não governamentais,
agências internacionais, estados e indivíduos. Mobiliza simpatia e tecnologia,
médicos e logística. Seus locais de ação, no caso de refugiados, são campos de
refugiados, uma administração social onde imigrantes não documentados são
recebidos. Assim, Fassin propõe considerarmos o governo humanitário como a
resposta de nossas sociedades ao que é intolerável em relação ao estado do mundo
contemporâneo, sendo que aquilo que é intolerável não é apenas a presença do
trágico, mas a desigualdade em que está inserido.
Atualmente, 70,8 milhões de pessoas foram levadas a deixar suas casas,
sendo que 25,9 milhões ultrapassaram a fronteira em busca de refúgio em outros
países. Crianças representam a metade desse número (ONU, 2019). Entre 2018,
foram reportadas 111 mil crianças refugiadas separadas e desacompanhadas.
A realidade social pós-moderna ganha um novo vocabulário, legitimado por
políticos e cientistas, consolidado gradualmente e sendo assumido como evidente.
Para representar o mundo, sustenta Fassin, há a substituição de desigualdade por
exclusão, e dominação por infortúnio, o que não traz a ideia de derrubar o poder,
mas implica fazer apenas o necessário e remediar aquilo que acontece. Injustiça é
articulada como sofrimento, quando não se trata mais de mudar as condições
sociais, mas individualizar a questão social. Violência é expressa em termos de
trauma, o que significa tratar o sofrimento do indivíduo, no lugar de apaziguar a
sociedade em conflito. Ainda que o velho vocabulário continue vigente, o novo léxico
dos sentimentos morais mascara o anterior e consolida a nova semântica com
efeitos nas políticas e na sociedade em geral. Mais sensíveis à subjetividade e à
experiência da dor e da aflição, essas palavras dão um novo tom ao discurso
político.
Reforçada pelas palavras de manchetes que tentam definir um sentimento em
relação à tragédia, a imagem chocante do menino viralizou na internet com a
hashtag que dizia algo como “a humanidade se choca contra a costa” e causou
comoção mundial, sendo comparada à icônica foto da menina vietnamita correndo

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nua após o bombardeio em 1972. Mas por que a foto de Aylan Kurdi, que morreu
afogado junto com outras 15 pessoas que viajavam no mesmo bote, chamou tanta
atenção em meio a inúmeras outras imagens de vítimas das tragédias atuais? O
objetivo deste trabalho é propor uma reflexão sobre o motivo que levou a foto de
Aylan ser escolhida para estar na capa dos jornais, no contexto da razão
humanitária. E como interpretar o vínculo entre o acontecimento e a audiência, com
o sentimento de compaixão despertado por essa imagem?
Essas são algumas questões que permeiam o trabalho sobre a tendência de
humanização do tema do refúgio na sociedade atual. A metodologia será a análise
de discurso de manchetes de jornais do Brasil e do exterior publicadas no dia 3 de
setembro de 2015 para identificar a seleção de quem sofre no espaço público, a
elaboração social da responsabilidade e a construção da solidariedade pelo
despertar da compaixão. Será considerado ainda o desafio de enfrentar a fadiga da
compaixão num contexto em que a moralidade e a competência dos agentes do
Estado são centrais na política contemporânea. Como referência, será usada a
argumentação desenvolvida por Fassin.

“A criança de alguém” – a seleção do sofredor


O sofrimento é uma invenção recente. É certo que as pessoas sempre
sofreram, mas esse sofrimento permanecia como um assunto essencialmente
privado, ou então como forma de redenção dentro da experiência religiosa do
cristianismo. Portanto, foi há pouco tempo que entrou na esfera pública e se tornou
uma questão política. Assim como a ideia de que condições sociais, como exclusão,
devem ser fonte de frustração, humilhação, angústia ou tormento tornaram-se
familiar para todos. É um sofrimento que pode ser legitimamente descrito e revelado
em si mesmo. “O social (...) faz as pessoas sofrerem e esse sofrimento deve ser
ouvido” (FASSIN, 2011, p. 41). Além de ouvido, consolidou-se a noção de que deve
ser reduzido ao mínimo, por uma questão de respeito.
A análise de como os sofrimentos são expostos no espaço público é uma
estratégia para conceituar a ética e a política contemporânea (VAZ, 2014). Fassin
conta em seu livro que, em 1999, numa reunião durante o 6 o Festival Internacional
de Correspondentes e Fotógrafos de Guerra de Bayeux, um jornalista francês,
comentando sobre mudanças no mercado de reportagens e imagens que relatam e

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ilustram os eventos mundiais, observou que, no lugar de corpos e sangue, o


sofrimento é hoje necessário, particularmente de mulheres e crianças, porque “move
e mobiliza as pessoas com mais facilidade” (FASSIN, 2011, p. 25). Dessa forma, é
como passar da imagem da crucificação para a da Pietà. E a emoção despertada
passou do terror para a da compaixão. Tanto que, no dia seguinte à foto do corpo do
menino, foi publicada a imagem do pai de Aylan, aos prantos, desesperado,
sofrendo, com a frase em destaque: “Ele escapuliu das minhas mãos”.
Na forma narrativa atual, o sofredor tende a ser despersonalizado. “A criança
de alguém” foi a manchete do jornal inglês The Independent para passar a
mensagem de que alguém está sofrendo pela morte dessa criança. O sofrimento
daquele que sofre vale como exemplar e, portanto, “os acontecimentos de sua vida
só importam na medida em que são representativos de uma condição partilhada por
muitos” (FASSIN, 2011). O sofredor representa outros sofredores, com sofrimentos
semelhantes e que foram causados pela mesma condição. “Uma criança é o mundo
inteiro” foi o título de um artigo assinado pelo jornalista Juan Cruz no espanhol El
País. Dessa maneira, o corpo de Aylan Kurdi representou todas as outras crianças
que perderam a vida em travessias marítimas em busca de refúgio quando Cruz diz
que “a morte de uma criança fugindo da guerra é uma afronta, um grito da vida
contra a morte”. Não se trata da singularidade do sofrimento de um determinado
indivíduo, mas de sua exemplaridade para um grupo ou classe (FASSIN, 2011). Ou
seja, é o sofrimento de um conjunto de indivíduos.
Ganham destaque, portanto, na narrativa dos meios de comunicação, os
sofrimentos que revelam como indivíduos inocentes têm sua vida subitamente
transformada. Nos dias que se seguiram à tragédia, foram publicadas fotos do
menino sorrindo com seu irmão, mostrando uma cena de uma infância comum,
interrompida por uma tragédia que poderia ter sido evitada.
Para alguns historiadores, a infância como categoria social é considerada um
fenômeno da história moderna. O francês Philippe Ariès, em Centuries of Childhood
– A Social History of Family Life, diz que, até o século XV, as crianças eram
consideradas pequenos adultos que dividiam tradições, como jogos e roupas. Sua
tese, apesar de ter sofrido críticas severas, baseou-se em desenhos medievais que
retratavam as crianças dessa maneira. Como categoria moral na política é, no
entanto, ainda mais recente (FASSIN, 2014, p. 179). Surgiu na Europa Ocidental e

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na América do Norte no fim do século XIX, com uma legislação contra maus-tratos
de crianças e com a disseminação gradual da proteção infantil. Após a Segunda
Guerra Mundial, a criação do Unicef em 1946 foi considerada outro avanço, assim
como a Declaração sobre os Direitos da Criança em 1959, e mais tarde e a
Convenção sobre os Direitos da Criança em 1989.
Esse desenvolvimento se assemelhava a uma mobilização crescente de
organizações não-governamentais sobre as questões de abuso infantil a partir dos
anos 1970, do trabalho infantil na década de 1980, e pedofilia e incesto a partir de
1990.

A representação da infância subjacente a essa política destaca a


qualidade moral da inocência e a qualidade social da vulnerabilidade.
O primeiro se refere à pureza original, à qual os adultos devem dar
testemunho; o segundo sugere uma necessidade de proteção, pela
qual os adultos devem ser responsáveis” (FASSIN, 2011, p.179).
Soma-se a isso o fato de que, na mesma época do pós-guerra, foi assinada a
Convenção de Genebra como uma resposta da comunidade internacional à
negligência em relação aos 32 milhões de refugiados e pessoas sem Estado durante
os anos 1930 e 1940, seguindo análise de Hannah Arendt (1951) sobre o declínio do
Estado-nação e o fim dos direitos dos homens. Além do objetivo pragmático de
atender às necessidades de pessoas deslocadas e exilados, havia o interesse de
resolver questões demográficas e econômicas ligadas às perdas com a guerra.
Então a criação de condições para uma nova ordem de mundial com a
Declaração dos Direitos Humanos da ONU trouxe, em 1991, uma retórica oficial de
“solidariedade universal”, mas não excluiu os interesses nacionais. Ainda assim, o
novo status internacional dos refugiados e pessoas sem Estado era claramente um
repúdio à violência à qual foram submetidos e a legitimidade política do asilo ganhou
espaço. Os “indesejáveis” se tornaram heróis para alguns, como símbolo da
resistência à opressão, e vítimas para muitos, que são a representação do
sofrimento dos vulneráveis e oprimidos, como é o caso das crianças.
Na pós-modernidade não se aceita mais o sacrifício do indivíduo em nome
do bem comum. Talvez porque não haja mais hierarquia entre o valor do
sofrimento de um e de outro. Não se sofre mais para alguma coisa precisar
acontecer. Porque, para que o sofrimento tenha servido para alguma coisa, é
preciso que ele passe. Mas o sofrimento, como aquele com a perda de um filho,

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não passa. Ainda assim, o pai do menino se agarrou à esperança de que a morte
de seu filho mudasse o mundo, para, um ano depois, admitir que nada mudou:
“Todo mundo queria fazer alguma coisa. A foto do meu filho morto comoveu o
mundo, mas as pessoas continuam morrendo e ninguém faz nada.”

“A humanidade falhou” – a elaboração de responsabilidade


A manchete do jornal canadense La Presse destacou: “A humanidade falhou”.
Para o argentino Clarin, “A imagem que envergonha o mundo” foi a frase de capa, e
o turco Milliyet deu o mesmo tom: “Fique envergonhado, mundo”. O espanhol El País
foi mais específico: “Uma imagem que estremece a consciência da Europa”. O The
Times detalhou: “Europa dividida: líderes políticos paralisados pela crise sobre cotas
de imigrantes; corpos de bebês levados pelas praias”. A busca imediata por um
responsável pela tragédia de setembro de 2015 ficou evidente na capa dos
principais jornais europeus e das Américas. Somos todos, enquanto humanidade,
culpados? O mundo inteiro? Ou apenas os países e seus governantes?
Questões morais despertam mais perguntas, como uma espécie de mea-
culpa da sociedade, de acordo com Fassin (2011, p. 166), ao analisar a vida de
bebês contaminados pelo vírus do HIV e que se encaixam nesse contexto da
tragédia da foto: “Temos o direito de condenar essas crianças à morte quando
poderíamos salvá-las? E nós temos o direito de privar gerações futuras de potenciais
líderes, artistas, pacificadores? Como nação, seremos julgados pelo que está em
nossos corações e pelo que fazemos uns pelos outros, não pelo que está em nossos
arsenais ou nosso déficit orçamentário”. E mais: “Como não se poderia condenar um
governo que estava colocando em risco os mais vulneráveis de sua população?” A
obviedade moral do argumento de salvar vidas está no cerne do humanitarismo.
A elaboração social da responsabilidade implica “o modo como uma cultura
pensa o poder da ação humana individual e coletiva, isto é, o que ela presume que
os seres humanos podem fazer para evitar eventos trágicos” (VAZ, 2014, p.1).
Afinal, conceber o sofrimento como evitável é uma das condições para que o
sofrimento de estranhos venha a se tornar uma questão política, numa sociedade
que já definiu o bem e o mal na universalização da regra moral.
Ao indicar o que deve ser feito para não sofrer, uma cultura
também estipula quem são aqueles que, por falharem, causam

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sofrimento, para si e para os outros. Mesmo quando se


estabelece uma causalidade puramente natural para um
evento trágico, pode haver responsabilização se for suposto
que o processo natural pode ser controlado, no todo ou em
parte (VAZ, 2014, p.1).
O novo lugar da política é o de explicar porque o indivíduo sofre, mesmo
quando é inocente. E a explicação terá a forma da acusação: o governo ou os
políticos são incompetentes e imorais. Assim, “só cabe dizer que o indivíduo sofre
por culpa de outros que teriam o poder de evitar seu sofrimento” (VAZ, 2014, p. 18).
Fassin usa a palavra “governo” em sentido amplo, como o conjunto de
procedimentos estabelecidos e ações conduzidas para gerenciar, regular e apoiar a
existência de seres humanos: o governo excede a intervenção do Estado e inclui
administrações locais, organismos internacionais e outros agentes. De fato, o
humanitarismo tornou-se uma linguagem que vincula valores e afetos, e serve tanto
para definir como para justificar discursos e práticas do governo dos seres humanos.
A partir dos anos 1990, as políticas de imigração europeias se tornaram
progressivamente restritivas, com novos critérios baseados em argumentos
humanitários. O desafio de governos passou a ser conciliar ajuda humanitária aos
refugiados com a recusa à imigração clandestina. Dessa forma, países que prestam
assistência são os mesmos que recusam a entrada em seu território. Fica evidente
que a oscilação entre humanizar e repreender, com o argumento da segurança, deu
espaço para o surgimento de uma “repressão compassiva”, segundo Fassin. O
contexto após o atentado do 11 de Setembro nos Estados Unidos e o
reconhecimento do Estado como responsável pelo bem-estar social foram alguns
dos fatores que explicam esse movimento.

A linguagem do humanitarismo não seria mais do que uma


cortina de fumaça que joga com o sentimento a fim de impor a
lei do mercado e a brutalidade da realpolitik. (FASSIN, 2011, p.
2)
No caso do menino Aylan Kurdi, as manchetes dos jornais deixam claro que a
culpa é do outro. De quem tem o poder de evitá-lo. E, ao assumirem a posição de
culpados, o passo seguinte será buscar a redenção da culpa.

“Poderia ter sido meu filho” – o despertar da compaixão


Poucos são os sofredores que conseguem ter seu sofrimento exibido no
espaço público (VAZ, 2014, p.1). No caso do menino Aylan, o reconhecimento de um

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sofrimento que poderia ter sido evitado e a crença na inocência do sofredor


justificam a seleção da foto, capaz de gerar um mal-estar no espectador em relação
à injustiça da desigualdade, despertar compaixão e indignação moral que, por sua
vez, leva à ação. “Precisamos fazer mais” foi a manchete do canadense Metro. O
impulso para ajudar foi observado logo nos dias seguintes à tragédia, em que
organizações de assistência a refugiados registraram aumento no volume de
doações. Meses depois, porém, as doações voltaram ao patamar de antes.
Outro motivo considerado na interpretação da compaixão despertada pela
imagem, como avalia o diretor de emergências do Human Rights Watch, Peter
Bouckaert, foi a carga de etnocentrismo na reação das pessoas em relação à foto. A
primeira reação de grande parte do público foi pensar: “Poderia ter sido meu filho”.
Tanto que, explicou, semanas antes, fotos de dezenas de crianças africanas mortas
em praias da Líbia não causaram o mesmo impacto.
Jornais justificaram a opção pela publicação da foto. O diretor de fotografia do
francês Le Monde, Nicolas Jimenez, disse que já tinham escrito sobre o tema, mas
nunca tinham mostrado a situação de maneira tão dura. “Mostrar dessa maneira é
um passo importante”. O vice-presidente da agência de imagens Getty, Hugh
Pinney, afirmou que a imagem do menino foi uma maneira de humanizar a crise, que
vinha sendo ilustrada com botes lotados e pontos de fronteira: “Essa foto é um
marco sobre esse tema, quando as pessoas finalmente se dão conta de que se trata
de pessoas reais e sobre o fato de que pessoas arriscam tudo – até mesmo a vida
dos filhos – para atravessar águas abertas”.
No Brasil, o UOL divulgou um texto em que explica a decisão de publicar a
foto, ainda que a imagem pudesse espantar as pessoas em vez de atraí-las. “O
jornalismo existe para informar. E palavras não descreveriam com a força necessária
a dimensão da tragédia em curso na Europa e no Oriente Médio. Não nos compete
suavizar a realidade, mas sim retratá-la com precisão.” O autor da foto, Nilufer
Demir, da agência de notícias turca Dogan, disse que a imagem estabeleceu uma
nova forma de se conversar sobre a crise migratória. Tanto que, depois dela, vieram
outras fotos de crianças que marcaram a narrativa da guerra, como a imagem do
menino sírio Omran, de 5 anos, todo machucado e empoeirado, aparentemente em
estado de choque, depois de ter sido resgatado dos escombros após bombardeio
em Aleppo, em setembro de 2016.

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Mais recentemente, em junho de 2019, a foto de um pai salvadorenho e sua


filha de apenas um ano e 11 meses dentro da camisa dele – mortos abraçados, de
bruços, na beira do Rio Grande, durante a travessia da fronteira do México com os
Estados Unidos – lembrou a vulnerabilidade expressada na foto de Aylan Kurdi, que
chegou a ser citada de novo em alguns textos. Por outro lado, no G1, a matéria dizia
que a foto com a imagem de Óscar Ramírez e a menina Valeira causou empatia e
indignação em igual medida, mas também críticas. Houve questionamentos sobre
até que ponto seria legítimo publicar esse tipo de foto, pois incentivaria um “fascínio
mórbido e discriminação contra as famílias migrantes”. Outros alegam que é uma
forma de mostrar a tragédia dos que tentam chegar à fronteira. Para a autora da
foto, a mexicana Julia Le Duc, a foto com a notícia que viraliza deveria tornar-se um
alerta “para conscientizar os governos sobre o que está acontecendo com os
migrantes, que estão morrendo na fronteira porque não estão prestando atenção a
eles”.
Na compaixão pós-moderna, a distância entre sofredor e audiência é reduzida
ao máximo. Uma das crenças relacionadas à existência da compaixão é o juízo de
possibilidades similares. Mesmo de longe, por ser um observador, quem
experimenta compaixão também experimenta medo. Como destaca Nietzsche, o
sofrimento do outro produz efeitos no espectador:
O contratempo sofrido por outra pessoa nos ofende, nos faz sentir
nossa impotência e talvez nossa covardia, se não acudirmos em seu
auxílio. ... Ou na dor alheia vemos algum perigo que também nos
ameaça, pois ainda que só seja como sinais da insegurança e da
fragilidade humanas, os infortúnios alheios podem produzir em nós
penosos efeitos. Rejeitamos esse gênero de ameaça e de dor e lhe
respondemos por meio de um ato de compaixão, no qual pode existir
uma sutil defesa de nós mesmos e até algum resquício de vingança.
(Nietzsche, 1978, p.133)
Há quem diga que a compaixão nem sempre pode ser uma virtude, já que
a generosidade poderia ser apenas motivada por um receio de que destino
semelhante pudesse recair sobre nós mesmos. E, dessa maneira, na caridade
estaríamos mais pensando em nós mesmos, na tentativa de nos libertar-nos de
um sentimento de dor.
De qualquer forma, sendo a compaixão legítima ou não, é possível afirmar
que, na sociedade contemporânea, em que a desigualdade atinge níveis sem
precedentes, o humanitarismo provoca a fantasia de uma comunidade moral global

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que ainda pode ser viável e a expectativa de que a solidariedade possa ter poderes
redentores (FASSIN, 2011). E assim, por mais efêmera que seja a consciência para
a solidariedade, o humanitarismo não deixa de ter a capacidade de tornar ilusórias
as contradições do nosso mundo, deixando uma sensação de que as injustiças
podem ser suportáveis.

“Uma crise moral” – a fadiga da compaixão


Todo governo humanitário é constituído de uma tensão entre desigualdade e
solidariedade, entre uma relação de dominação e de assistência. Isso pode explicar
a ambivalência observada das autoridades, dos doadores e dos agentes que
trabalham para o bem dos outros. O desgaste de sentimentos morais que chegam a
se tornar indiferença ou até mesmo agressividade contra os outros tem sido
chamado de fadiga da compaixão.
Uma das críticas feitas à compaixão é o fato de pressupor uma relação de
desigualdade entre quem ajuda e quem é ajudado, que, por sua vez, deve ser
humilde e não expressar demandas por direitos. Na condição de vítima, o assistido
teria que ser silenciado, como se apenas sua vida biológica tivesse algum valor,
enquanto sua biografia seria totalmente descartada. A compaixão exercida no
espaço público é sempre dirigida de cima para baixo, do mais poderoso para o mais
fraco, o mais frágil, o mais vulnerável. Assim, o governo humanitário é, de fato, uma
política de vidas precárias (FASSIN, 2011, p. 4).
Nas últimas décadas do século XX, a razão humanitária passou a ser o centro
de uma economia moral. No início do século XXI, a atenção do governo humanitário
é direcionada especificamente ao sofrimento e ao infortúnio. “Se essa mudança
deriva de sinceridade ou cinismo por parte dos atores envolvidos, se manifesta uma
empatia genuína ou manipula a compaixão, é outra questão”, como destaca Fassin
(2011, p.7). Merece registro que essa maneira de ver e fazer estão evidentes.
Em relação aos refugiados, a liminaridade de sua situação e a ambiguidade
da hospitalidade que recebem mostram que a condição contemporânea do imigrante
forçado está condicionada a um estado permanente de docilidade, gratidão e
submissão. Seria, assim, a postura do refugiado que condicionaria o tratamento
recebido como hospitaleiro ou hostil coercitivo. Seriam “pessoas desafortunadas”
sem voz ou “imigrantes ilegais” que evidenciam uma forma de fadiga da compaixão.

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Surge então a pergunta: que tipo de vida está em jogo na intervenção


humanitária? Se todo sofrimento não é merecido, se as vítimas talvez sejam
culpadas apenas sob o olhar de preconceituosos, se qualquer indivíduo feliz pode
subitamente tornar-se uma vítima, que ilusão nos engana a ponto de não termos o
melhor de todos os governos? Se a validade do discurso de sofrimento, a
supremacia da política da compaixão e a redução das pessoas ao status de vítima
não devem ser tomadas como garantidas, como sugere Fassin, é a razão
humanitária a forma mais eficiente de governar num ambiente em que a falha moral
dos fortes tem impactos na atuação sobre a vida dos fracos? Seria conveniente para
os assistidos? Ou seriam mecanismos obscuros que transformam a piedade e a
compaixão em perigosa tecnologia mascarada pelo humanismo?

Considerações finais
A economia moral que define o escopo da biopolítica contemporânea, quando
esta governa as vidas dos indesejados, oscila entre sentimentos de comiseração e
preocupação com a ordem, entre uma política de piedade e políticas de controle.
A presença dos refugiados é inquietante porque revela a persistência da vida
nas sociedades contemporâneas. Sem direitos humanos, podem apenas clamar por
permanecerem vivos. Assim, o humanitário separado do político leva a uma
reprodução do isolamento, sob o qual se baseia a soberania.
O que falta ao governo humanitário é que, além de considerar a vida como
sagrada e valorizar o sofrimento, deve reconhecer o outro como um rosto. E isso
significa também reconhecer um direito além de qualquer obrigação, inclusive de
sujeição às condições impostas.
Ao escolher a foto do menino como emblemática da situação dos refugiados,
a mídia dá uma ênfase afetiva às crianças como vítimas e arrisca afastá-las da
realidade social em que vivem. A emoção acaba por poupar a urgência por medidas
concretas, já que torna os julgamentos morais menos certos e as soluções menos
homogêneas. A mobilização emocional é frágil e ambígua. A criança que pede
refúgio, sozinha ou acompanhada, acaba correndo o risco de tornar-se um fardo
para a sociedade.
É possível afirmar que a foto de Aylan Kurdi ficou para a história. A imagem é
uma das que parecem surgir do inconsciente coletivo da sociedade contemporânea

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quando se trata do tema dos refugiados. O que podemos fazer com isso é o desafio
que temos pela frente. É tempo de avaliar com mais profundidade as perdas e os
ganhos de se usar o sofrimento para falar de desigualdade, de reificar crianças em
tragédias que também atingem adultos “indesejáveis”.
Ainda assim, fotos como essas continuam sendo um convite para um trabalho
de consciência, que vai além de olhar as vítimas e enxergar apenas as diferenças.

Manchetes de jornais em setembro de 2015:


Buenos Aires Herald (Argentina): “Europe’s shame” (A vergonha da Europa)
Clarin (Argentina): “La imagen que avergüenza al mundo” (A imagem que envergonha o
mundo)
La Nación (Argentina): “La crisis migratória – una tristeza sin fronteras” (A crise migratória –
uma tristeza sem fronteiras)
De Morgen (Bélgica): “Er is een kind verdronken” (Há uma criança que se afogou)
Correio Braziliense (Brasil): “A tragédia que desafia o mundo”
Extra (Brasil): “A civilização morreu na praia?”
O Globo (Brasil): “Símbolo de uma tragédia”
La Presse (Canadá): “L’humanité échouée” (A humanidade falhou)
The Globe and Mail (Canadá): “A moral crisis” (Uma crise moral)
The National Post (Canadá): “What the migrant crisis look like” (Como é a crise dos
migrantes)
Toronto Metro (Canadá): “We must do more” (Precisamos fazer mais)
Toronto Star (Canadá): “It’s time for this to end” (É hora de acabar)
El País (Espanha): “Una imagen que estremece la conciencia de Europa” (Uma imagem que
estremece a consciência da Europa)
Daily News (EUA): “The dead sea” (O mar morto)
The Kansas City Star (EUA): “A heartbreaking tragedy” (Uma tragédia comovente)
The Wall Street Journal (EUA): “Amid Europe’s migrant tide, a small horror in Turkey” (Em
meio à maré de migrantes da Europa, um pequeno horror na Turquia)
The Washington Post (EUA): “The little victim of a growing crisis” (A pequena vítima de uma
crise crescente)
Le Monde (França): “Réfugiés: l’Europe sous le choc après un nouveau drame” (Refugiados:
Europa em choque depois de uma nova tragédia)
Daily Mail (Inglaterra): “Tiny victim of a human catastrophe” (Pequena vítima de uma
catástrofe humana)
Daily Mirror (Inglaterra): “Unbearable – a three-year-old boy washed up on a holiday beach
in Turkey... the heartbreaking human face of a tragedy the world can no longer ignore”
(Insuportável – um menino de três anos apareceu em uma praia de férias na Turquia... o
rosto humano de partir o coração de uma tragédia que o mundo não pode mais ignorar)

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Metro (Inglaterra): Europe could not save him (A Europa não poderia salvá-lo)
The Guardian (Inglaterra): “The schocking, cruel reality of Europe’s refugee crisis” (A
realidade cruel e chocante da crise dos refugiados na Europa)
The Independent (Inglaterra): “Somebody’s child” (A criança de alguém)
The Times (Inglaterra): “Europe divided: Political leaders paralysed by crisis over migrant
quotas; Bodies of infants washed up on beaches” (Europa dividida: líderes políticos
paralisados pela crise sobre cotas de imigrantes; corpos de bebês levados pelas praias)
La Stampa (Itália): “La spiaggia su cui muore l’Europa” (A praia em que a Europa morre)
Expressen (Suécia): “Europa räddade inte Aylan, 3” (A Europa não salvou Aylan, 3)
Gulf News (Emirados Árabes): “Humanity washed ashore” (Humanidade lavada em terra)
Haber Ekspres (Turquia): “Iyi bak avrupa!” (Boa olhada na Europa!)
Milliyet (Turquia): “Utan Dünya!” (Fique envergonhado, mundo)
Trouw (Holanda): “Dit is Aylan Kurdi. Hij is drie jaar geworden” (Este é o Aylan Kurdi. Ele tem
três anos de idade)

Referências:

AGAMBEN, Giorgio. Homo sacer I: O poder soberano e a vida nua. Trad.


Henrique Burigo. Belo Horizonte, Editora UFMG, 2007.

ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo[1950]. Companhia das Letras, 1998.

ARIÈS, Philippe. Centuries of Childhood – A Social History of Family Life


(L’enfant et la vie familiale sous l’ancien régime). Disponível em:
https://monoskop.org/images/d/d0/Ari%C3%A8s_Philippe_Centuries_of_Childhood_
A_Social_History_of_Family_Life_1962.pdf

CAPONI, Sandra. A lógica da compaixão. Trans/Form/Ação. São Paulo, 21/22: 97-


117, 1998/1999.

Corpo de criança refugiada afogada aparece em praia de resort turco. UOL. 2 set.
2015. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-
noticias/2015/09/02/corpo-de-crianca-refugiada-afogada-aparece-em-praia-de-resort-
turco.htm Última consulta em: 1 maio 2019.

CRUZ, Juan. Uma criança é o mundo inteiro. El País. 2 set. 2015. Disponível em:
https://brasil.elpais.com/brasil/2015/09/02/internacional/1441216415_550941.html.
Última consulta em: 27 jun. 2019.

FASSIN, Didier. Compaixão e Repressão: A Economia Moral das Políticas de


Imigração na França. Ponto Urbe [Online], 15 | 2014, 30 dez. 2014. Disponível em:
http://journals.openedition.org/pontourbe/2467 ; DOI : 10.4000/pontourbe.2467.
Última consulta em: 1 maio 2019.

FASSIN, Didier. Humanitarian Reason – A Moral History of the Present. EUA,


University of California Press. 2011. (trechos extraídos com tradução minha)

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KENNICOTT, Philip. Há quem culpe pai e filha por seu afogamento. The
Washington Post, O Estado de S. Paulo. 27 jun. 2019. Disponível em:
https://internacional.estadao.com.br/noticias/geral,artigo-ha-quem-culpe-pai-e-filha-
por-seu-afogamento,70002892466. Último acesso em: 27 jun. 2019.

LAURENT, Olivier. What the Image of Aylan Kurdi Says About the Power of
Photography. Time. 4 set. 2015. Disponível em: http://time.com/4022765/aylan-
kurdi-photo/ Última consulta em: 1/5/2019.

NIETZSCHE. Aurora. México: EMU, 1978.

ONU. Tendências globais 2018. Disponível em:


https://www.acnur.org/portugues/dados-sobre-refugio/. Última consulta em: 24 jun.
2019.

Por que publicamos a imagem do menino sírio afogado?. UOL. 2 set. 2015.
Disponível em: https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-
noticias/2015/09/02/por-que-publicamos-a-imagem-do-menino-sirio-afogado.htm
Última consulta em: 1 maio 2019.

Que a imagem sirva para evitar novas mortes, diz fotógrafa que clicou pai e filha
afogados em fronteira. G1. 27 jul. 2019. Disponível em:
https://g1.globo.com/mundo/noticia/2019/06/27/que-a-imagem-sirva-para-evitar-
novas-mortes-diz-fotografa-que-clicou-pai-e-filha-afogados-em-fronteira.ghtml.
Última consulta em: 27 jul. 2019.

VAZ, Paulo. A compaixão, moderna e atual. Jornalismo, cultura e sociedade:


visões do Brasil Contemporâneo (73-98), Porto Alegre: Sulina, 2014.

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CONDUTORES DE CARROÇAS EM CORUMBÁ, MS - UMA ABORDAGEM


INTRODUTÓRIA AO PROBLEMA
Conductores de carretas en Corumbá, MS – un abordaje introductorio al problema
Wagon conductors in Corumbá-MS – an introductory approach to the problem.

Waldson Luciano Corrêa Diniz1

Resumo: A história das cidades é repleta de atores sociais invisibilizados. Através


da História Oral busca-se problematizar esse espaço geográfico rompendo com a
narrativa histórica vigente e inserindo o trabalhador pobre, muitas vezes negro ou
descendente de indígenas na trama histórica. O estudo dos condutores de carroças
aporta uma série de reflexões ao cotidiano e às formas como se organizaram as
relações entre os diferentes setores produtivos. Colabora, portanto, para esclarecer
o valor desse trabalho aparentemente marginal, bem como explica como pensam a
si mesmos, no seu oficio, tais trabalhadores.
Palavras-chave: Condutores de carroças, História Oral, Trabalho.

Abstract: The history of cities is filled with invisible social actors. Throughout Oral
History it is sought to problematize this geographic space breaking with the current
historical narrative as well as inserting the poor worker, most of times black or an
Indian descendant into the historical plot. The study of the wagon conductors provide
a number of reflections towards day-to-day life and to the ways on how the
relationships are organized between the different sectors of production. Therefore, it
collaborates to elucidate the value of this work, apparently marginal, as well as it
explains how these workers think about themselves and about their occupation.
Key Words: Wagon conductors, Oral History, Work.

Resumen: La historia de las ciudades está repleta de actores sociales


invisibilizados. Mediante la Historia Oral se busca problematizar ese espacio
geográfico que rompe con la narrativa histórica vigente e inserta al trabajador pobre,
muchas veces negro o descendiente de indígenas en la trama histórica. El estudio
de conductores de carretas contribuye con una serie de reflexiones al cotidiano y las
formas como se organizan, las relaciones entre los diferentes sectores productivos.
Colabora, por lo tanto, para aclarar el valor de ese trabajo aparentemente marginal,
bien como para explicar cómo se piensan a sí mismos, en su oficio, tales
trabajadores.
Palabras clave: Conductores de carreta, Historia Oral, Trabajo.

* Trabalho completo selecionado para publicação na Revista Para Onde? (UFRGS),


no número referente ao primeiro semestre de 2020.
https://seer.ufrgs.br/paraonde

1
Docente do Curso de História do Campus do Pantanal da UFMS. E-mail: waldson.diniz@ufms.br.

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CORPO EPISTÊMICO FRONTEIRIÇO DESCOLONIAL: TRANSITANDO NA


FRONTEIRA DA EXTERIORIDADE EM MATO GROSSO DO SUL
Epistemic Body of the Decolonial Boundary: in Transit Through the External Borders
in the Mato Grosso do Sul
Cuerpo Epistémico de la Frontera Decolonial: en Tránsito través de las Fronteras
Externas en Mato Grosso do Sul

Marina Maura de Oliveira Noronha1

Resumo: Esse estudo emerge para discutir o corpo fronteiriço da exterioridade,


diferente do corpo já imposto como nosso dividido entre razão e emoção e que,
insistentemente, quer manter-se no universal. Desse modo, a pesquisa se
estabelece através de uma leitura crítica-biográfica fronteiriça (Nolasco, 2015) do
corpo a partir de uma epistemologia da diferença em MS. Para tal, nos valeremos,
do corpo epistêmico fronteiriço para pensar corpos outros que também ensejamos
discutir, tais como os da exterioridade, os docilizados, os fronteiriços etc.
Considerando essas discussões atravessado por corpos outros para pensar o corpo
como conceitos de uma episteme cultural. Entre os teóricos que embasam a
metodologia adotada, sobressaem-se os críticos, como Walter Mignolo, Ramón
Grosfoguel, Edgar Nolasco, Jacques Derrida, Marcos Antônio Bessa-Oliveira, entre
outros. Com o olhar crítico assentado em nosso (bio)lócus sul-mato-grossense,
esperamos romper fronteiras epistemológicas que ainda estabelecem limites dos
corpos nas práticas epistêmica do estado.
Palavras-chave: Corpo epistêmico; Fronteira; Crítica biográfica fronteiriça

Abstract: This study emerges to discuss the frontier body of exteriority, different from
the body already imposed as ours divided between reason and emotion and which
insistently wants to remain universal. Thus, the research is established through a
critical-biographical border reading (Nolasco, 2015) of the body from an epistemology
of difference in MS. For this, we will use the epistemic frontier body to think of other
bodies that we also want to discuss, such as those from abroad, the docile, the
borders, etc. Considering these discussions traversed by other bodies to think of the
body as concepts of a cultural episteme. Among the theorists that support the
adopted methodology, stand out the critics, such as Walter Mignolo, Ramón
Grosfoguel, Edgar Nolasco, Jacques Derrida, Marcos Antonio Bessa-Oliveira, among
others. With a critical eye on our (bio) locus sul Mato Grosso, we hope to break
through epistemological boundaries that still establish body boundaries in the
epistemic practices of the state.
Key-words: Epistemic body; Border; Border biographical criticism.

Resúmen: Este estudio surge para discutir el cuerpo fronterizo de exterioridad,


diferente del cuerpo ya impuesto como el nuestro dividido entre la razón y la
emoción y que insistentemente quiere seguir siendo universal. Por lo tanto, la

1
Mestranda do Programa de pós-graduação em Mestrado de Estudos de linguagens- Universidade
Federal de Mato Grosso do Sul- Email: marina.m.noronha@gmail.com

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investigación se establece a través de una lectura de borde crítico-biográfico


(Nolasco, 2015) del cuerpo a partir de una epistemología de la diferencia en la EM.
Para esto, usaremos el cuerpo de la frontera epistémica para pensar en otros
cuerpos que también queremos discutir, como los del exterior, la dócil, las fronteras,
etc. Teniendo en cuenta estas discusiones atravesadas por otros cuerpos, hay que
pensar que el cuerpo es un concepto de epistema cultural. Entre los teóricos que
fundamentan la metodología adoptada destacan los críticos, como Walter Mignolo,
Ramón Grosfoguel, Edgar Nolasco, Jacques Derrida, Marcos Antonio Bessa-
Oliveira, entre otros. Con un ojo crítico en nuestro (bio) locus sul mato-grossense,
esperamos romper los límites epistemológicos que aún establecen los límites de los
cuerpos en las prácticas epistémicas del estado.
Palabras clave: Cuerpo epistémico; Frontera; Critica biográfica fronteriza

Introdução
Neste instante, esteja você onde estiver, há uma casa com seu
nome. Você é o único proprietário, mas faz tempo que perdeu
as chaves. Por isso, fica de fora, só vendo a fachada. Não
chega a morar nela. Em casa, teto que abriga suas mais
recônditas e reprimidas lembranças, é o seu corpo
THÈRÉSE. O corpo tem suas razões, p. 11

[...] compete a este tipo de intelectual (crítico) não embarcar


acriticamente nas epistemologias ancoradas numa tradição do
centro. Essa via de mão única que traduz o modo como a
crítica subalterna recebe e hospeda a crítica do centro não
permite que se discuta a relação, por exemplo, entre produção
do saber e o local geoistórico. [...] O problema reside quando
elas (teorias) não são transculturadas, como acontece e vem
acontecendo com a crítica do centro e de fora que aportam
nesse lado da fronteira-sul
NOLASCO. Crítica fora do eixo, p. 38.

Este trabalho, desde o título Corpo epistêmico fronteiriço descolonial:


transitando na fronteira da exterioridade em MS, sinaliza que a discussão está
pautada num recorte epistemológico biográfico-fronteiriço que toma o corpo como
um “corpo epistêmico descolonial” que pode ser posto em diálogo com as práticas
teóricas sul-mato-grossenses. Nesse caso, nossa proposta de discussão vem
ancorada na discussão conceitual que passa pelo conceito de “exterioridade”.
Registra-se que a partir dessa proposta de leitura descolonial, o corpo epistêmico
não vem fixado nos moldes da memória (e da própria razão de corpo) histórica como
assim o defendeu o sistema colonial moderno que regeu toda a discussão. A
proposta, em âmbito geral, partilha da ideia de que é possível compreender e falar
do e a partir do corpo epistêmico para além da ideia moderna que tomou o corpo
como um modelo histórico que podia ser repetido e encenado através dos tempos,
ignorando, por sua vez, que cada corpo histórico traz um bios inscrito e que se

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encena na cultura/local. Logo, o corpo nesta pesquisa vem atravessado por uma
epistemologia outra que privilegia sobremaneira a diferença descolonial dos corpos
na cultura. Desse modo, almejamos, por fim, que o corpo epistêmico perseguido por
nós no decorrer da pesquisa ao final trans-borde para além dos limites, da cultura e
da própria noção de corpo agrilhoado na/pela sociedade.

Uma política do corpo encena na/da fronteira

A diferença colonial do homem que vive na fronteira é que ele


sente a fronteira no próprio corpo. De modo que ela está
incrustada em seu corpo, em sua língua, em seu pensamento,
em seu modo de produzir conhecimento. É a soma de tudo isso
que vai resultar em uma epistemologia específica dos lugares
subalternos. (NOLASCO Perto do coração selbaje da crítica
fronteriza, p. 134)

A justificativa que melhor contempla a relevância deste trabalho pode ser


compreendida a partir de alguns direcionamentos, entre os quais destacamos: 1) O
corpo como condição para pensar as práticas do saberes sul-mato-grossenses, cuja
leitura vem embasada na teoria da Crítica biográfica fronteiriça, visando
compreender, por conseguinte, a importância do corpo epistêmico na produção dos
saberes de Mato Grosso do Sul; 2) a importância para a construção de uma
epistemologia fronteiriça do corpo epistêmico a partir do aporte teórico supracitado;
3) e toda a leitura proposta vem assentada na discussão conceitual que compreende
os conceitos de: fronteira, exterioridade, corpo-politica, memória, arquivo e o lócus
sul-mato-grossense, atravessado ambos pela questão do bios, tanto das práticas,
quanto do próprio pesquisador pensante, com a finalidade maior de contornar com
maior justeza crítica o corpo epistêmico que em cena no discurso epistêmico do MS.

Com base no exposto, acentua-se, por conseguinte, a relevância de tal


estudo, uma vez que tal leitura ainda não foi devidamente realizada no âmbito dos
estudos das práticas epistêmica no lócus fronteiriço de Mato Grosso do Sul. Assim,
além da escolha do objeto que ancora a proposta deste trabalho, ou seja, o “Corpo
epistêmico fronteiriço”, releva-se a importância epistêmica no Ms enquanto uma
produção cultural que põe em discussão a representação da cultura do lugar, com
todas suas nuanças de um lócus fronteiriço.

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A relevância da proposta sobressai quando se pontua que o corpo epistêmico,


com todas suas variações, se inscreve nesta pesquisa como condição necessária
para se pensar as práticas epistêmicas sul-mato-grossense, lembrando, de
antemão, que se tem como base teórica para a discussão proposta, como já
dissemos, as formulações da crítica biográfica fronteiriça, a qual, por sua vez,
partilha da proposição de se levar em consideração na articulação proposta tanto o
bios quanto o lócus de ambos os envolvidos na ação, ou opção descolonial
proposta.

É nessa direção que lembramos como essencial para a discussão proposta a


presença do “lócus de enunciação”, conforme reitera Ramón Grosfoguel: “o
essencial aqui é o lócus da enunciação, ou seja, o lugar geopolítico e corpo-político
do [individuo] que fala” (GROSFOGUEL, 2008, p. 46). Walter Mignolo em Histórias
locais/Projetos globais (2003) partilha e defende a mesma ideia. Nessa mesma
direção, mas com a diferença de pensar do lócus aqui em questão, Edgar Cézar
Nolasco, em seu ensaio Crítica biográfica fronteiriça (2015), sintetiza esclarecendo
acerca da importância do lócus de enunciação:

O lócus geoistórico cultural fronteiriço de onde penso, trabalho e escrevo,


ou seja, a fronteira-Sul que compreende os países Brasil (mais
precisamente o estado de Mato Grosso do Sul), Paraguai e Bolívia, se, por
um lado, marca e situa meu bios no contexto cultural brasileiro, por outro
lado, permite a inserção e a delimitação de meu lócus como condição sine
qua non para as reflexões críticas que proponho a partir desse lugar
fronteiriço. (NOLASCO, 2015, p. 58-59).

Na esteira dessa discussão acerca do nosso objeto, enfatiza-se a importância


para construção de uma epistemologia fronteiriça do corpo epistêmico, exatamente
para melhor contemplar esse lugar do sujeito/objeto atravessado pelo seu biolócus
(bios + lócus), nos deteremos, assim, de modo mais complementar uma leitura
crítica assentada em uma perspectiva crítica biográfica fronteiriça (NOLASCO, 2015)
e, por extensão, os conceitos e as teorizações. Sob esse prisma, e pensando a partir
da exterioridade na produção epistêmica outra do “corpo”, compreende-se fazer “[...]
valer das ideias e narrativas socioculturais como características biogeográficas da[s]
sua[s] constituições [corpo] de quemsoueu” (BESSA-OLIVEIRA, 2018, p. 9).
Portanto, é por meio de reflexões de base epistemológica outra, que é possível que
“o corpo epistêmico fronteiriço”, o qual buscamos, tornar-se (re)existente frente aos
discursos impositivos modernos.

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Dessa forma, entendemos que o objeto desta pesquisa está inserido em um


corpo epistêmico fronteiriço descolonial, cuja produção assenta-se em
argumentações pensadas a partir do próprio lócus como corpos/sujeitos. Tal
discussão se conjuga abrindo caminho para (re)leituras e enfrentamentos políticos,
culturais, sociais, literários e teóricos. Diante disso, buscamos discutir, criticar,
teorizar e refletir sobre “o corpo epistêmico fronteiriço” que se encena no discurso
epistêmico sul-mato-grossense. Tais enfrentamentos são necessários para pensar o
“corpo” como um não-lugar das fronteiras disciplinares comumente conhecidas pela
modernidade e as quais não se sustentam mais. Com isso, entendemos que para
compreendermos melhor “o corpo epistêmico fronteiriço” faz-se necessário que nos
coloquemos nesse espaço “corpo” em estado de fronteira dos saberes e das
culturas. Assentado nessas discussões Bessa-Oliveira corrobora:

Já de uma perspectiva que se quer aqui em evidencia, mais propriamente


dita descolonial e cultural, os “corpos” dos/nos lugares de exterioridades ao
pensamento moderno europeu (séc. XIV/XV) e/ou à globalização
estadunidense (séc. XIX) – ambos hoje compreendidos como propostas e
projetos de universalização e homogeneização de identidades – têm
sempre fronteiras edificadas e emergentes o tempo todo que esbarram seus
processos de circulação/situação. (BESSA- OLIVEIRA, 2018, p. 1).

Nessa direção, ainda sobre a importância do “corpo epistêmico fronteiriço”


que esbarra no projeto da modernidade aqui em voga, nossa teorização vem
sustentando tais discussões para pensarmos em “corpos” outros – enquanto teorias
modernas tentam limitar o corpo aqui analisado, vendo-o apenas como linguagem
descontextualizada das culturas, dos povos, dos sujeitos e das sociedades.
Portanto, entendemos que são corpos que continuam sendo mal-entendidos pelos
discursos do poder, sobretudo naquele suposto lugar produtor do saber. Tomamos,
assim, do corpo epistêmico fronteiriço como uma consciência descolonial do “corpo”,
entendendo que é preciso “aprender a desaprender, a reaprender a cada passo”
(MIGNOLO, 2008, p. 305) com esses corpos outros. Nessa direção, Nolasco sugere
tal reflexão a partir de uma enunciação crítica:

O que deve haver é uma crítica periférica, subalterna por excelência, cujo
pensamento liminar reverta a subalternização dos saberes e a colonialidade
do poder, crítica que proponha um novo modo de pensar no qual as
dicotomias sejam extintas em prol de uma outra episteme que se articule
para além da diferença colonial moderna. (NOLASCO, 2013, p. 87).

Nosso direcionamento embasado na pós-colonialidade, cuja epistemologia


embasa-se na diferença colonial, na exterioridade, assim como a Crítica biográfica

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fronteiriça (NOLASCO, 2015), entre outras vertentes de base descolonial, podem


melhor dar conta de (re)ler “corpos” outros, os quais emergem da cultura, sobretudo
da latino-americana e da brasileira. Assim sendo, a fim de respaldarmos
teoricamente nossa pesquisa, nos valemos, de modo essencial, da Crítica biográfica
fronteiriça para estudar, refletir, teorizar acerca do “corpo” sujeito/objeto aqui já
mencionado.
Nessa esteira defendida por Edgar Nolasco (2013), os corpos/sujeitos fazem
parte de um lócus de enunciação geoistórico e cultural específico. Deste modo, não
podemos mais reforçar o discurso do centro que insiste que esses corpos continuem
sendo “descartes” de um pensamento epistêmico ideológico (histórico e geográfico
privilegiado) que não considera corpos outros como pensantes e capazes de
produzirem conhecimento, saberes e movimentos epistêmicos outros. Atravessado
por essas discussões sobre ser ou não ser, corpo ou sujeito, Nolasco pontua:

Compete à crítica que opta pela opção descolonial exumar essas memórias
e histórias esquecidas e reinseri-las no debate contemporâneo, respeitando
seus lugares e corpos nos quais elas vivem, bem como também não querer
tirá-las de sua condição de exterioridade e querer analisá-las à luz da razão
universal (interioridade do pensamento ocidental). (NOLASCO, 2013, p.
117-118)
Com base nos estudos aqui arrolados acerca da memória subalterna e do
corpo epistêmico, entre outros conceitos descoloniais, queremos nos valer de um
conhecimento outro ligado a “[...] histórias locais e memórias locais subalternas que
caíram no esquecimento por conta ou de memórias estatais ou de memórias
itinerantes vindas dos grandes centros” (NOLASCO, 2013, p. 135). As memórias
subalternas trazem arquivadas em seus “corpos” lembranças, histórias e “marcas”
(DERRIDA) da diferença: estes carregam em seus próprios corpos memórias
detentoras de saberes. Dessa perspectiva, os corpos da diferença colonial vão
contra as memórias cristalizadas advindas dos centros hegemônicos que insistem
em anular corpos para o fortalecimento de um saber universal.

Dessa forma, fica em evidência o quanto a modernidade extinguiu as


memórias subalternas e cujos sujeitos continuam sendo ignorados em seus valores
culturais. Em contrapartida, a proposta crítica aqui encenada faz-se na contramão do
pensamento moderno, pois permite (re)ler “corpos” na sua importância cultural a
partir das sensibilidades biográficas trazidas pela memória desses sujeitos
subalternos e que se formulam distante da visão moderna.

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Por meio desses direcionamentos para pensarmos o corpo epistêmico


fronteiriço descolonial, compreende-se, assim, que “O corpo é lugar de arquivo e
memória” (BESSA-OLIVEIRA, 2018, p. 5). Lembramos aqui que as reflexões acerca
do conceito de arquivo serão tomadas de Mal de Arquivo (2001), de Jacques
Derrida.

Buscamos, assim, fundamentar a importância de se ler o corpo epistêmico


fronteiriço descolonial de Mato Grosso do Sul a partir dos postulados da Crítica
biográfica fronteiriça.

Corpo epistêmico de que lado/ficamos da/na fronteira

Apenas uma epistemologia outra, que aprendeu a escutar o


balbucio das memórias enterradas vivas e das histórias locais,
por se erigir também de uma zona de fronteira, pode abrir o
arquivo das memórias mal contadas pelo outro. Se as
memórias subalternas, por um lado, não sofrem da falta de
arquivo, sofrem, por outro, do mal de arquivo radical.
NOLASCO. Perto do coração selbaje da crítica fronteriza, p.
141-142.

O corpo epistêmico fronteiriço leva a cabo a ideia de experiência vivida pelos


sujeitos a partir do seu bios/lócus sendo o lugar de real situação a que seus corpos
são (ex)postos cotidianamente, neste caso o “corpo-fronteira”, poderíamos dizer
assim para o caso dos corpos-identidades de Mato Grosso do Sul, ocupam ambos
os lados dos discursos que separam e faz-se “[...] a esse entendimento do corpo
[epistêmico fronteiriço] como transeunte entre os lados opostos das fronteiras, mas
que se aproximam e que se tocam sempre” (BESSA-OLIVERIA, 2017, p. 43-86).
Nessa direção, o corpo epistêmico fronteiriço (diríamos indisciplinados) os
“diferentes” - esbarram nos projetos da modernidade, que tenta todo momento
demarcar os corpos que transitam na contramão do modelo e técnicas
historicamente tradicionais e disciplinares.

O corpo epistêmico aqui é visto como condição para pensar as práticas do


saberes sul-mato-grossenses, cuja leitura está embasada na teoria da Crítica
biográfica fronteiriça, que visa compreender a importância do corpo epistêmico na
produção dos saberes de Mato Grosso do Sul. Nessa direção, entende-se o corpo
epistêmico como um espaço/lugar cultural fronteiriço como repertório de saberes
que resulta em variáveis aspectos existenciais, sendo de dimensões culturais,
sociais, étnica, política e outros que podem somar-se em importâncias quando estes

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aprendem a escutar o balbucio dos corpos das diferenças. Poderemos, então,


perguntar: de que lado/ficamos na/da fronteira?

Mas, para tal pergunta, primeiro é importante o entendimento do corpo


epistêmico fronteiriço aqui proposto é preciso (re)visitar as práticas que discutem os
corpos a partir do seu lócus geoistórico – geo-espaço, histórico-tempo – o corpo
epistêmico nas suas variações se inscreve neste trabalho como condição necessária
para pensar as práticas epistêmicas sul-mato-grossenses. Por isso, nos valemos de
uma epistemologia outra que escute os lados da fronteira, para (re)verificar e
(re)significar corpos outros – diferente do corpo já (im)posto a nós, demarcado por
“[...] [histórias] mal contadas pelo outro” (NOLASCO, 2013 p. 141). Diante disso,
penso e sinto que o corpo epistêmico aqui em discurso não se divide entre razão e
emoção é um corpo que pode ao mesmo tempo ser/sentido/entendido como
produtor de conhecimento dentro de suas especificadas em ambos os lados da
fronteira.

Com base nessas reflexões e movimentações do corpo, os corpos aqui si-


movem-se (BESSA-OLIVEIRA, 2017) na/pela fronteira da diferença. Por isso
atentamo-nos, nesse segundo momento, a importância e a necessidade de pensar o
corpo epistêmico fronteiriço transitando nas práticas epistêmicas como produtores
de conhecimento em MS. Nessa condição/situação pensamos em corpos outros,
menos favorecidos e periféricos por excelência, que vivem às margens do poder
hegemônico condenados ao esquecimento e ao fracasso. Deste modo, entende-se
que são corpos que continuam sendo negados, e assim considerados pelos
discursos hegemônicos como corpos não produtores do saberes.

Em contrapartida essas questões dos corpos das diferenças se encaixam na


nossa ideia descolonial, que discute as práticas e o corpo epistêmico fronteiriço
desse prisma, que leva em conta o lócus geoistórico fronteiriço – lugar que emerge
as sensibilidades biográficas dos corpos/sujeitos e no qual, se circunscreve os
corpos neste trabalho, por uma fronteira sul. Por isso, tornam-se importantes nos
valermos de teorizações proposto pela crítica biográfica fronteiriça, que soma
reformulações outras para discutir esses corpos da exterioridade. Nessa visada
crítica a ideia é (re)significar os corpos assim como as práticas de produções do
saberes sul-mato-grossenses a partir do próprio biolócus, em que os sujeitos tomam
para si seus corpos como corpos/lugares produtores de conhecimento, e não corpos

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rechaçados como foram sempre pensados e tratados naquele suposto lugar


produtor do saber por esses corpos não fazerem parte de um padrão de corpo
estabelecido.

Por isso, o corpo epistêmico fronteiriço em questão, ilustrado conceitualmente


pela crítica biográfica fronteiriça e que vem sustentando nossas discussões acerca
desses corpos não reconhecidos, argumentamos pensar a partir do próprio lócus
como corpos/sujeitos que “si-movem-se” (BESSA-OLIVEIRA, 2017) através das
suas especificidades, ou seja, em corpos/lugares que queiram estar e “encenarem”
os seus discursos. Tomamos, por conseguinte, dessa condição dos corpos que se
insinuam nos corpos/lugares que hoje “[...] [devem] suscitar uma desobediência
política e epistêmica” (MIGNOLO, 2008) os corpos outros são embasados, para isso,
no que ainda diz Nolasco, a partir dessa desobediência:

A teimosia crítica do [corpo] fronterizo deve ser aquela de uma


desobediência epistêmica constante. Apenas uma epistemologia salbaje e
fronteriza tem o poder de rechaçar o discurso moderno colonial que
avançou e se perpetuou, por meio da academia sobretudo, nos lugares
subalternos, impondo, por conseguinte, sua lição castradora de Sistema
Colonial Moderno. (NOLASCO, 2013, p.13)
Ainda que o sistema tradicionalista moderno insista em manter os corpos
“obedientes” e silenciados nos seus espaços específicos, como forma de melhor
conduzi-los, a ideia daqueles é manter os corpos reconhecidos como disciplinados.
Assim ficamos entendidos que corpos “educados”, grosso modo, são corpos
imóveis, sem ação e emoção. Corpos que não movem, mas também não comovem
e muito menos si-movem-se (BESSA-OLIVEIRA, 2017), ao contrário do corpo
epistêmico fronteiriço aqui em reflexão: um corpo não disciplinar, (contra)modelo aos
corpos universalistas histórico-moderno que desde o início pensou os corpos
separados entre razão e emoção. E que ainda sim, os corpos das diferenças sofrem
os sintomas dessa se-pa-ra-ção, por isso, não compreendem que no movimentar
dos corpos pensamos e sentimos ao mesmo tempo, por isso sensibilizamos. Assim
Bessa-Oliveira o define:

E são espaços com essa natureza biográfica e geoistórica desconsideradas


por um sistema-mundo que se inscrevem, por conseguinte, sensações,
emoções e experimentos artísticos que os conceitos modernos já não
sustentariam um reconhecimento para além da ideia de corpos (se)parados.
(BESSA-OLIVEIRA, 2017, p. 4386)
Portanto, o corpo que trato neste trabalho não é o mesmo corpo, de razão e
emoção, se-pa-ra-dos, construído pelo pensamento moderno e não é também um

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corpo descartado sem reconhecimento. Pensar no corpo epistêmico fronteiriço por


uma leitura crítica biográfica fronteiriça é exatamente fazer valer uma epistemologia
outra para dar conta de re-formular esses corpos ainda dicotomizados pelo corpo
epistêmico hegemônico ainda (im)posto nós espaços dos saberes. E que,
insistentemente, são corpos diferentes que o pensamento moderno universaliza para
manutenção das suas produções dos saberes, tornando excludentes as práticas
daqueles que não passam pelo mesmo víeis de conhecimento. “[...] porque o
discurso colonial, moderno, não fez outra coisa se não povoar o mundo de
dicotomias” (NOLASCO, 2013, p. 87).

Por isso, a importância para construção de uma epistemologia fronteiriça que


discuti o conceito de corpo epistêmico é exatamente a de (re)discutir e (re)significar
esses corpos negados nas/pelas diferenças coloniais em seus próprios
corpos/lugares dos discursos dos saberes. Logo, o corpo epistêmico fronteiriço é um
corpo pensado fora (da exterioridade) dessa ótica histórico-colonial-moderna para
apreender que outros corpos precisam (re)existir ao/no seu lugar de fala para que
sejam vistos como o corpo negro, corpo indígena, corpo mulher, corpo gênero, o
corpo tatuado, corpo queer e corpos outros que simplesmente desaparecem e que
“[...] tornam-se os sujeitos internos a [eles mesmos] na experiência/vivência do dia a
dia interminável de lutas, perdas e ganhos (NOLASCO, 2013, p. 84).

Pensando nesses corpos outros, bem como as reflexões discutidas que


sustentam os corpos em evidência, como o corpo epistêmico fronteiriço, tomo-o
como (contra)modelo na intenção de (re)discutir os corpos da exterioridade como
forma de produção de conhecimentos no âmbito das tradições. (Re)discutir corpos
outros não é o mesmo que reformular coisas já (im)postas, mas trata-se de ex-por
coisas impostas ao longo de vários séculos na memória da história brasileira.

Deste modo, o corpo epistêmico fronteiriço discutido até aqui se movimenta


“entre” outros corpos/lugares, dando sentidos variáveis a lugares outros que a ele se
atribuem. Neste sentido, é importante o caminho trilhado por esses corpos. O corpo
condicionado dos saberes disciplinares moderno, por exemplo, traz em seu/sua
histórico/memória a rigidez das tradições que ainda são marcados, sincronizados e
sistematizados por uma estrutura homogeneizante. O corpo pensado por uma
epistemologia outra, como o corpo epistêmico fronteiriço, é um “lugar” de
possibilidades outras que sempre podem ser (re)inventadas, sempre aberto para

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novas descobertas e a serem descobertos. Não só as paridades biológicas o


definem, mas fundamentalmente, trazem significados outros que podem nos levar
para o entendimento desse corpo que si-move-se “entre” as diferenças e que
ilustram nossa ideia de corpo epistêmico fronteiriço.

Referências

BERTHERAT, Thérèse. O corpo tem suas razões: antiginástica e consciência de si.


Com colaboração de Carol Bernstein; tradução Estrela dos Santos Abreu. 21ª. Ed.
São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010.

BESSA-OLIVEIRA, Marcos Antônio. “(Trans)bordar fronteiras: estética bugresca


para descolonizar corpos biogeográficos” . In: Memória Abrace XVI – Anais do
Congresso da Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-Graduação em Artes
Cênicas. Anais... Uberlândia (MG) UFU, 2017. Disponível em
www.even3.com.br/anais/IXCongressoABRACE Acessado em: 29 de junho de 2018.
P. 4.493-4.518.

BESSA-OLIVEIRA, Marcos Antônio. “Corpos” da exterioridade nas artes visuais:


processos criativos barrados por/em fronteiras”. In: _____. Disciplina de Artes
Visuais – texto-tema das aulas de Artes Visuais do 1º ano da Graduação do Curso
de Artes Cênicas – UEMS – Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul – UUCG
– Unidade Campo Grande. Campo Grande, MS, 2018, p.1- ∞. (Texto no Prelo)

BESSA-OLIVEIRA, Marcos Antônio. “O corpo que habito: esse não é o corpo da sala
de aula, dos museus, nem o corpo da academia!” In: Acervo do autor. Campo
Grande, MS, 2017, p. 1-15. (Texto no prelo).

GROSFOGUEL, Rámon. “Para descolonizar os estudos de economia política e os


estudos pós-coloniais: Transmodernidade, pensamento de fronteira e colonialidade
global”. Tradução de Inês Martins Ferreira. In: Revista Crítica de Ciências Sociais, 80
/ 2008, p. 41-91. Disponível em: https://journals.openedition.org/rccs/697 - Acesso
em: 18/02/2019.

MIGNOLO, Walter. “Desobediência epistêmica: a opção descolonial e o significado


de identidade em política”. In: Cadernos de Letras da UFF. Dossiê Literatura, língua
e identidade, nº 34, p. 287-324, 2008. Disponível em:
WWW.uff.br/cadernosdeletrasuff/34/traducao.pdf. Acesso em: 29 de junho 2019.

MIGNOLO, Walter. Histórias locais/projetos globais: colonialidade, saberes


subalternos e pensamento liminar. Tradução: Solange Ribeiro de Oliveira. 1. ed.
Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003.

NOLASCO, Edgar César. Perto do coração selbaje da crítica fronteiriza. São Carlos.
SP: Pedro & João Editores, 2013. 170 p.

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NOLASCO, Edgar Cézar. Crítica biográfica fronteiriça (Brasil/Paraguai/Bolívia). In:


CADERNOS DE ESTUDOS CULTURAIS: Brasil/Paraguai/Bolívia. v. 7, n. 14. Campo
Grande: Editora UFMS, 2015, p. 47-63.

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DO CHURRASCO GRIEGO A LA ARGEN(CHI)NA: PRÁTICAS COTIDIANAS,


CARTOGRAFIAS TRANSFRONTEIRIÇAS
From Churrasco Griego to la Argen(chi)na: Daily Practices, Cross-Border
Cartographies
Del Churrasco Griego a la Argen(chi)na: Prácticas Cotidianas, Cartografías
Transfronterizas

Luiz Felipe Rodrigues


Dalila Tavares Garcia

Resumo: A partir de trabalho empírico nas cidades de Puerto Iguazú, Foz do Iguaçu
e Ciudad del Este, buscaremos discutir os trânsitos e contatos entre alteridades na
Tríplice Fronteira entre Argentina, Brasil e Paraguai, com o objetivo de constatar
processos cotidianos de transfronteirização que se expressam em diferentes objetos
e ações. A transfronteirização é aqui entendida enquanto um processo, dialógico e
conflitivo, que denota a presença das diferenças em permanente negociação,
interpretação e ressignificação mútuas que se revelam nas diversas interações que
envolvem linguagens, comidas, comércio, hábitos, entre outras práticas cotidianas
em que se constroem hibridismos. Nisso, temos que considerar o papel do atual
contexto da globalização que difunde uma multiplicidade de elementos e signos, e
de como estes se territorializam na dinâmica fronteiriça local, fazendo da reprodução
da fronteira um processo multiescalar.
Palavras-chave: Fronteira; Cultura; Cartografias; Transfronteirização; Identidade.

Abstract: In order to discuss the transits and contacts between alterities in the Triple
Border between Argentina, Brazil and Paraguay, we will build a reflection based in
empirical research in the cities of Puerto Iguazú, Foz do Iguaçu and Ciudad del Este,
with the objective of verifying daily processes of transfrontierization that express
themselves in different objects and actions. Transfrontierization is understood here
as a dialogic and conflictive process, which denotes the presence of differences in
permanent negotiation, interpretation and mutual resignification that are revealed in
the various interactions involving languages, food, commerce, habits, among other
daily practices in which hybridity is built. In this, we must consider the role of the
current context of globalization that diffuses a multiplicity of elements and signs, and
how they are territorialized in the local border dynamics, making the reproduction of
the border a multiscale process.
Key-words: Border; Culture; Cartographies; Cross-border; Identity.


Graduado em Geografia (Bacharelado) pela Universidade Federal da Integração Latino-Americana
(UNILA), mestre em Geografia pela Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), e doutorando
em Geografia pela Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). E-mail:
luiz.felipe.r@outlook.com

Graduada em Geografia (Bacharelado) pela Universidade Federal da Integração Latino-Americana
(UNILA) e mestranda em Geografia pela Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). E-mail:
dalila.tavares@hotmail.com

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Resumen: A partir de trabajo empírico en las ciudades de Puerto Iguazú, Foz do


Iguaçu y Ciudad del Este, buscaremos discutir los tránsitos y contactos entre
alteridades en la Triple Frontera entre Argentina, Brasil y Paraguay, con el objetivo
de verificar procesos diarios de transfronterización que se expresan en diferentes
obyectos y acciones. La transfronterización es aquí entendida como un proceso,
dialógico y conflictivo, que denota la presencia de las diferencias en permanente
negociación, interpretación y resignificación mutuas que se revelan en las diversas
interacciones que envuelven lenguajes, comidas, comercio, hábitos, entre otras
prácticas cotidianas en que se construyen hibridismos. Así, tenemos que considerar
el papel del actual contexto de la globalización que difunde una multiplicidad de
elementos y signos, y de cómo estos se territorializan en la dinámica fronteriza local,
haciendo de la reproducción de la frontera un proceso multiescalar.
Palabras clave: Frontera; Cultura; Cartografías; Transfronterización; Identidad.

* Trabalho completo selecionado para publicação na Revista GeoPantanal, v. 14, n.


27, 2019.
https://periodicos.ufms.br/index.php/revgeo

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FRONTEIRA, MIGRAÇÃO E DIREITOS HUMANOS NA MÍDIA: UM ESTUDO


SOBRE A REPERCUSSÃO DA IMIGRAÇÃO VENEZUELANA PARA O BRASIL
Frontier, Migration and Human Rights in the Media: a Study on the Impact of
Venezuelan Immigration to Brazil
Fronteras, Migración y Directores Humanos en los Medios de Comunicación: un
Estudio sobre una Repercusión de la Inmigración Venezolana a Brasil

Vilmara Crystine Fonseca Gomes


Camila Maria Risso Sales

Resumo: Este trabalho busca compreender de que forma as matérias jornalísticas


que a mídia nacional e local tem produzido referente à temática dos migrantes
venezuelanos que vem para o Brasil tem repercutido na construção de imagens
estereotipantes a respeito dos migrantes. O estudo observacional mapeou 5 jornais
de diferentes abrangências e os analisou de acordo com guias para comunicadores
que orientam sobre matérias que envolvam a temática migrante. Os resultados
demonstram a necessidade de problematização da forma como os meios de
comunicação e, em especial a imprensa, informa sobre questões relativas à
migração e aos migrantes.
Palavras-chave: Venezuela, Brasil, Migração, Mídia, Direitos Humanos.

Abstract: This paper intends to understand how the journalistic articles that the
national and local media have produced regarding the issue of Venezuelan migrants
coming to Brazil have had repercussions on the construction of stereotypical images
about migrants. The observational study charted 5 journals of different sizes and
analyzed them according to guides for communicators who advise on issues
involving the migrant theme. The results demonstrate the need to discuss how the
media, and especially the press, report on migration and migrant issues.
Key words: Venezuela, Brazil, Migration, Media, Human Rights.

Resúmen: Este trabajo busca compreender de qué forma los artículos periodísticos
que los medios de comunicación nacional y local han producido referente a los
temas de los imigrantes Venezolanos que vienen para Brasil, há repercutido en la
construcción de imágenes esteriotipadas respecto de los imigrantes. El estudio de
observación mapeó 5 periódicos de diferentes alcances y los analisó de acuerdo con
guías para comunicadores que orientan sobre estúdios que envuelven temáticas de
imigrantes. Los resultados demuestran la necesidad de discutir cómo los medios de
comunicación, y especialmente la prensa, informan sobre la migración y los
problemas de los imigrantes.
Palabras clave: Venezuela, Brasil Migración, Medios, Derechos humanos.


Graduada em Direito pelo Centro de Ensino Superior do Amapá. Mestranda do Programa de Pòs-
Graduação em Estudos de Fronteira da Universidade Federal do Amapá. Email:
vilmaragomes.vg@gmail.com

Doutora em Ciência Política. Professora Adjunta da Universidade Federal do Amapá. Email:
camilarisso@yahoo.com.br. Orcid: https://orcid.org/0000-0003-1054-9753

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Introdução
A proposta dessa pesquisa, ainda em fase inicial, é fazer uma análise sobre a
influência da cobertura midiática nacional e local sobre a construção da imagem do
migrante venezuelano no contexto brasileiro, em vista do recente crescimento na
migração destes para o Brasil.
A compreensão dos diferentes atores transformadores da realidade político
territorial dos países e suas regiões é de extrema relevância para o estudo das
relações internacionais que se estabelecem no campo da geopolítica, das
intervenções nacionais, conflitos, arranjos e decisões políticas. Entre estes atores
surge a mídia, em especial a imprensa escrita, nesse caso, com o importante papel
de influenciadora da opinião pública, capaz de trazer visibilidade aos diferentes
sujeitos do processo, contribuir para efetivação e garantia de políticas públicas e
reforço na construção de uma sociedade justa e que valorize os direitos humanos.
A mídia tem relevante papel na sociedade, e até hoje tornou-se capaz de não
apenas influenciar ideias, mas ser instrumento de participação no controle público do
Estado, e mesmo ser parte como autora do processo de desenvolvimento que o
Estado é responsável, pois traz a público conhecimentos necessários para que o
debate político e social no interior da sociedade funcione como veículo de controle
social.
Como objetivo geral desta pesquisa, buscaremos analisar a presença de
algumas construções de sentido referentes a migração de venezuelanos na região
de fronteira entre Venezuela e Roraima, propostas no jornalismo impresso brasileiro,
no ano de 2016.
A presente pesquisa se propõe a refletir sobre a seguinte problemática: como
se caracteriza as matérias jornalísticas que a mídia nacional tem produzido referente
a temática dos imigrantes venezuelanos que vem para o Brasil? Partimos do
pressuposto de que tais matérias refletem o contexto de violação de direitos
humanos que tais migrantes têm enfrentado em sua inserção na sociedade.

Este artigo está dividido em 3 partes além desta introdução e das


considerações finais. Na primeira parte discutiremos conceitos considerados
relevantes para a análise que pretendemos realizar, entre eles, cultura, globalização,
Estado-nação e pertencimento. A segunda parte versa sobre o papel da mídia na
construção de imagens e como isso é relevante do debate público acerca da

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questão migratória. Por fim, fazemos esclarecimentos sobre a metodologia


empregada e breve discussão dos resultados encontrados até aqui.

Cultura, globalização e as relações de pertencimento


Discutir cultura representa entrar no campo de engloba conceitos e debates
sobre identidade, modernidade, nação e relações de pertencimento. Entender
cultura suscita a exploração dos diferentes discussões e teorias e a busca da
compreensão da inserção do indivíduo no seu grupo. Além disso, as diferenças que
precisam ser compreendidas a partir das relações de pertencimento criadas.
Sobre o conceito de cultura:
[...] não vale a pena encarar a cultura como substância, é melhor encará-la
como uma dimensão dos fenómenos, uma dimensão que releva da
diferença situada e concretizada. Salientar este dimensionamento da cultura
em vez da sua substancialidade permite-nos pensar a cultura não tanto
como propriedade de indivíduos e grupos, mas como um instrumento
heurístico ao nosso alcance para falarmos de diferença. (Appadurai, p. 26,
1996)

Appadurai (1996) conclui que cultura como substantivo pode remeter a algo
físico, biologismos, e desta forma remeter a raça, mas o cultural apresentado como
adjetivo, transporta-nos para o reino das diferenças, contrastes e comparações. A
característica principal do termo cultura seria então o conceito de diferença, e este
termo tem como principal virtude, uma heurística útil “capaz de destacar pontos de
semelhança e contraste entre qualquer tipo de categorias: classes, gêneros, papéis,
grupos e nações” (p. 25-27).
A cultura “é uma dimensão penetrante do discurso humano que explora a
diferença para gerar diversas concepções da identidade de grupo”, uma definição
mais perto de etnia (ideia de identidade de grupo generalizada), e não simplesmente
a posse de atributos, mas a consciência deles e a sua naturalização como
essenciais a identidade de grupo. (Appadurai, 1996, p. 27)
As definições apresentadas por Appadurai e outros autores como Stuart Hall
nos mostram diferentes conceitos de cultura. Entre tantos conceitos, o que se
percebe é que há uma diferença significativa entre compreender cultura a partir de
um conjunto especifico de “características convergentes” de um grupo, ou analisá-la
sobre a ótica de um conjunto de diferenças e semelhanças que também podem
representar uma única cultura.

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Isto posto, acredita-se que é relevante analisar sob ótica das características
semelhantes que unem um grupo, pois nos aproximamos de uma política de
identidade construída e incentivada por instituições como o Estado, dentro de um
contexto político-econômico que busca a sua afirmação como nação.
Segundo Stuart Hall (2006) a lealdade e a identificação, que antes eram
dadas as tribos, religiões e regiões, hoje foram transferidas à cultura nacional. As
diferenças regionais e étnicas foram subordinadas às culturas nacionais, compostas
de símbolos e representações, tratando-se de um discurso que modifica tanto as
ações quanto a noção que temos de nós mesmos:
As culturas nacionais ao produzir sentidos sobre a “nação”, sentidos com os
quais podemos nos identificar, constroem identidades. Estes sentidos estão
contidos nas estórias que são contadas sobre a nação, memórias que
conectam seu presente com seu passado, e imagens que dela são
construídas. (Hall, 2006, p.51).
Ser cidadão de uma determinada nação é pertencer a uma cultura específica,
um idioma, uma fronteira geográfica, características que vão compor uma
enunciação em torno de um Estado, uma nação. O Estado-nação europeu, por
exemplo, é um produto cultural, sendo que a unificação em torno de um território,
regras, leis e acessos, costurados por uma única cultura constituem “a base do
sentimento de pertencimento a uma nação”, e as narrativas em torno do estado-
nação proporcionam e exacerbam o sentimento de superioridade e estigmatização
na forma do nacionalismo (Szanforlin, 2011, p.40).
Neste contexto, nasce o culturalismo como uma “política de identidade
mobilizada ao nível do Estado-nação”, usado para designar uma característica dos
movimentos que envolvem “identidades em construção consciente”. No período
moderno foi utilizado por Estados interessados em agrupar suas diversidades
étnicas em grupos fixos e fechados, muitas vezes mobilizados a força ou
conscientemente segundo critérios identitários (Appadurai, 1992, p. 29).
Este Estado se consagra pela capacidade de síntese, de aglutinar diferenças
entre a diversas comunidades encontradas e espalhadas por um território. Surge
então a ideia de nacionalismo como a radicalização desse sentimento de unidade e
que se propõe a fechar os olhos para as diferenças internas e se armar contra as
externas, contra a quebra da harmonia, que precisa sempre ser renovada
(Szanforlin, 2011).
O sentimento de pertencimento a uma nação é o combustível que alimenta o
nacionalismo. O Estado-nação se legitima como a expressão da cultura de um povo,

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e para que esta se torne convincente deve-se reunir e homogeneizar um discurso de


sustentação e harmonização das diferenças em torno de um ideal comum, de um
projeto de sociedade (Szanforlin, 2011).
A nação passar a existir não apenas como uma entidade política, mas “um
sistema de representação cultural”. As pessoas não são apenas cidadãos de uma
nação, mas fazem parte da “ideia” de nação como representação de uma cultura
nacional (Hall, 2006).
Para empreender esta construção de pertencimento em torno do Estado, visto
que todo agrupamento está sujeito as disparidades culturais, é necessário lançar-se
na materialização da comunidade, tendo como motor dessa ideia uma cultura
homogeneizada em torno de “semelhanças construídas e alinhadas pela criação
imaginária a um pertencimento conjunto”. Há um substancial fator imaginativo na
materialização do Estado-nação, e a cultura local é onde se conecta o simbólico e os
sentidos formados em textos e relatos. (Szanforlin, 2011).
A cultura realizaria esta interseção entre a política e a identidade, “construindo
pontes e borrando fronteiras” entre campos distintos e particulares. O Estado-nação
se fundamenta nesta modernidade como principal símbolo de uma unidade
conquistada, de um ideal homogêneo, de uma autoridade paternalista e defensora
de discursos sintetizados em torno de uma história comum. Entretanto, este mesmo
ideal de “nós”, tem sua vulnerabilidade exposta, a partir da ampliação e
complexificação das comunicações de massa e das migrações, e estes últimos
potencializados pelas mudanças proporcionadas pela globalização (Szanforlin,
2011).
A globalização mostra suas duas facetas, pois ao mesmo tempo que integra
mercados, ela representa uma ameaça aos conceitos políticos de Estado-nação,
pois ela quebra os ideais hegemônicos ao mesmo tempo que leva a criação de
novos, incentivando o imaginário na busca por “manter” a segurança perdida.
Partindo destas ideias, segundo Appadurai (2009, p.17) este é o ambiente
propício ao desenvolvimento de pensamentos regionalistas e fundamentalistas
culturais, “parte de um repertório emergente de esforços para produzir níveis antes
não exigidos de certeza sobre identidade social, valores, sobrevivência e dignidade”.
A esse sentido de compreensão da influência da globalização, somam-se
outros fatores capazes de influenciar as migrações, como a dinâmica social e
política de determinados Estados, associados a efetivação de direitos humanos:

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Nos Estados Unidos e nos mais ou menos dez países mais ricos do mundo,
globalização é decerto um jargão positivo para as elites corporativas e seus
aliados políticos. Para migrantes, pessoas de cor e outros marginais (o
chamado sul dentro do norte), porém, é uma fonte de preocupação quanto à
inclusão, empregos e marginalização mais profunda. [...]. Nos demais
países do mundo, os subdesenvolvidos e os verdadeiramente carentes,
existe uma dupla angústia: medo de inclusão, em termos draconianos, e
medo de exclusão, pois esta parece ser a exclusão da própria história.
(Appadurai, 1996, p. 35)
A globalização reconhecidamente tem seus paradoxos em relação aos seus
resultados na sociedade. Em relação à condição dos migrantes é notório que muitos
enfrentam grandes dificuldades em seu processo de saída de seu local de origem, e
inserção no país de destino, todas estas mobilidades de entrada e saída tem
influencias da globalização, tanto através do estímulo da integração global, quanto
na disseminação de informações estereotipantes e algumas vezes até equivocadas
em seus conceitos a respeito dos migrantes que se tornam internacionais.
Sayad afirma que a imigração condena a dupla contradição, trata-se um uma
condição provisória que se gosta de prolongar ou, um estado duradouro com um
intenso sentimento de provisoriedade. Ao mesmo tempo a uma dupla interpretação,
a forma quase definitiva com que se reveste, apenas levando em conta seu caráter
eminentemente provisório, de direito; insiste-se em desmentir o estado oficial do
imigrante como provisória, e este instala-se cada vez mais na sua condição de
imigrante, “tudo acontece como se a imigração precisasse para se perpetuar e
reproduzir, ignorar a si mesma e ser ignorada enquanto provisória, e ao mesmo
tempo, não se confessar enquanto transplante definitivo” (1998, p. 45-46).
São os próprios migrantes que tendo entrado em uma sociedade em que se
sentem hostilizados, precisam convencer a si mesmos que esta condição é
provisória, ela não poderia ser “aquela antinonímia insuportável”, uma situação
provisória, mas que se dá objetivamente de forma definitiva. A própria sociedade de
imigração que estipula um estatuto que o instala com provisório, nega-lhe a uma
presença reconhecida como permanente, ou seja, que exista de outra forma que não
na modalidade do provisório contínuo e de outra forma que não na modalidade de
uma presença apenas tolerada (Sayad, 1998).
Segundo Szanforlin (2011):
Podemos afirmar que, em sua generalidade, as tentativas de compreensão
dos motivos que caracterizam a migração se situam, sobretudo, no âmbito
econômico. Falta de trabalho, ou falta de perspectiva de trabalho e a busca
por aprimoramento das condições materiais, catástrofes naturais, guerras, e
sua conseqüente desestabilização do modo habitual de vida, mudanças
contextuais no modo de produção, como o início da urbanização e do

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crescimento das grandes cidades motivados pela gradual transição entre


economia rural para comercial e industrial, perseguições políticas,
religiosas, disputas por territórios, etc, podem ser apontados, ou
encontrados, em diversos textos que investigam o tema da migração. (p. 61)
Com estas recorrentes ondas de migração, surge a repercussão na mídia
jornalística relacionada a este fenômeno, a livre circulação de migrantes nas regiões
fronteiriças, a clandestinidade, ilegalidade, violências e outras temáticas.
Ocorre que a veiculação de informações através dos meios de comunicação,
no contexto do estudo do discurso, precisa considerar que a mensagem é uma
estrutura complexa de significados, e produzi-la não é uma atividade tão
transparente quanto parece, a recepção também não é tão aberta, e a cadeia de
comunicação não opera de forma unilinear. Os significados podem não ter uma
lógica para decifrá-los ou o próprio sentido ideológico uma grade (para filtrá-los),
mas a compreensão de que o sentido sempre possui várias camadas. (Hall, 2003)
O discurso apresentado pela mídia apresenta um papel relevante no sistema
social de dominação ética que é o racismo. Dependendo do discurso apresentado
este poderá se transformar tanto em uma prática racista discriminatória, quanto em
uma fonte primária e média para aquisição de preconceitos e ideologias racistas.
(Dijk, 2010)
A fala “adquire” então papel central na reprodução do racismo, devido seu
papel intermediário entre as práticas discriminatórias e a cognição social racista é
através da fala que os conteúdos dos modelos mentais preconceituosos podem ser
disseminados na sociedade e adquiridos por novos membros. Devido a esse papel
relevante, é necessário atenção as estruturas e estratégias discursivas que
contribuem para otimizar o processo de reprodução da comunicação (Dijk, 2010).
O imigrante surge neste contexto como uma minoria étnica tipicamente
representada no discurso minado em termos de diferenças, desvios e ameaça a
todas as esferas sociais, como abuso de drogas, crime, violência ou abuso de
assistência social. Tais representações são tratadas como temas centrais de
manchetes, ou em primeiro plano na capa de jornais, fotografias em grandes
estruturas e metáforas de colunas opinativas (Dijk, 2010).
Entre as estruturas semânticas presentes na mídia apresentadas por Van
Dijk, encontramos questões negativas sobre o “outro”, descrevendo-os como
violadores de “nossas” normas e valores, superestruturas com significados negativos
que colocam em posição primeira a irregularidade cometida, por exemplo, nas

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manchetes; estruturas visuais que enfatizam eventos negativos colocando-os em


posição de destaque na página ou no meio, em sua maioria como atores de ações
negativas. Estas são algumas maneiras pelas quais o discurso dominante racista
pode expressar.
Segundo Dijk (2010, p.84):
todas as práticas sociais são fundadas em representações sociais
compartilhadas e, portanto, a maneira como a maioria do grupo trata
membros de grupos minoritários na imigração, admissão, contratação,
demissão, habitação, acesso aos discursos público. as ideologias são
amplamente adquiridas e confirmadas no discurso.
A natureza discursiva da reprodução do racismo, e a fala apresentada como
um dos meios centrais de reprodução ideológica demonstram a importância na
construção semântica e estrutural de artigos e notícias a respeito da migração.
Portando, a construção midiática é especialmente responsável pelas reproduções
discursivas sobre a presença dos migrantes em território nacional.

A imprensa e a construção da imagem do migrante


A UNESCO (2006) afirma que mídia jornalística deve funcionar como
importante aliado no agendamento das questões junto à opinião pública; e um país
como o nosso em que muitas liberdades civis ainda não estão garantidas, a
imprensa pode avançar e influenciar no processo de discussão destes temas junto à
sociedade.
A mídia representa uma forma de poder e na sociedade de massa tem papéis
significativos: influenciar nas agendas públicas e governamentais; intermediar
relações sociais entre grupos distintos; influenciar a opinião de pessoas sobre temas
específicos; participar de contendas políticas em sentido lato (defesa ou veto de uma
causa por exemplo) e estrito (apoio a governos, partidos e candidatos); e atuar como
aparelhos ideológicos” capazes de organizar interesses (FONSECA, 2011).
Entre uma das funções imprescindíveis nas democracias encontra-se o papel
de informar sobre os acontecimentos levando as pessoas a uma gama de dados
que, sem esse serviço, não teriam condição de conhecer outras realidades que as
vivenciadas por pessoas próximas. Os órgãos da mídia fariam também o papel de
fiscalizadores do Estado, exercendo uma forma de “controle social” em relação ao
dinheiro, as ações públicas e outros (FONSECA, 2011).
Van Dijk (apud Cogo, 2011), oferece a compreensão sobre a presença das
migrações no campo midiático, cuja oferta se justifica pela própria intensificação,

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fragmentação e dispersão que assume no contexto da globalização, chama de


“condição natural da experiência humana”.
Cogo (2011) afirma que os transmigrantes repercutem diferentes identidades,
nacionais, raciais e éticas, resistências a situações econômicas e globais, bem como
se ajustam as condições de vida. Sendo assim, a diversidade cultural torna-se o
debate central, e demonstra a coexistência no mesmo espaço social e demográfico
de culturas diversas, resultando em uma complexidade cada vez maior da
multiculturalidade, nesse caso no ocidente.
Um dos exemplos trazidos pela autora diz respeito à perpetuação da
polarização criada no período da conquista e da colonização, e diz respeito à
reprodução da discriminação dos europeus em relação aos latino-americano, e a
relação inversa que tem os latino-americanos de admiração em relação aos
europeus.
Dentro do campo da midiatização das migrações, a partir de uma amostra de
mídias, são perceptíveis as configurações que espelham os fluxos ou as direções
que tomam os movimentos migratórios. Entre eles estão os fluxos migratórios do
Mercosul, reveladores de uma oscilação conjuntural de lógicas e representações de
crise e prosperidade entre as nações e culturas do bloco econômico; as migrações
para o nosso país sob a visão do Brasil como nação hospitaleira e destino
privilegiado de imigrantes no contexto da América do Sul; e também as migrações
de “nações menos desenvolvidas” orientadas aos países pertencentes a
Comunidade Econômica Europeia (COGO, 2011).
Com relação a migração de venezuelanos para o Brasil, acredita-se que a
maioria está motivada pela urgência de sobrevivência mediante a crise econômica e
político-institucional que solapa o país vizinho. Fatores como o desabastecimento de
alimentos, a inflação elevada que reduz o poder de compra do povo, o colapso dos
serviços públicos, contextualizam o recorde histórico de venezuelanos a cruzarem a
fronteira em busca de sobrevivência (AUGUSTO, ISIDORO, 2018).
Entre 2017 e 2018, segundo dados da Casa Civil do governo federal, 127.778
venezuelanos acessaram o país pelo estado de Roraima, e na atualidade esta
migração vem sendo chamada de “migração forçada”, justificada pela debilidade
social, econômica e de segurança que o país vem enfrentando (AUGUSTO,
ISIDORO, 2018).

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Atualmente os grandes meios de comunicação trouxeram notícias a respeito


da presença de venezuelanos no estado de Roraima, com grande concentração na
cidade de Pacaraima, que faz fronteira com a Venezuela. Devido a incidência de
uma crise econômica e política no país em torno do chefe de Estado Nicolás
Maduro, poder judiciário e poder legislativo, um grande contingente de cidadãos
venezuelanos tem migrado para o Brasil.
A abordagem da mídia tem se verificando em diferentes temáticas, desde a
policial, com a presença de venezuelanos em atividades ilícitas na região de
Pacaraima, quanto política, com a exposição constante nos jornais de repercussão
nacional a respeito do contexto político e econômico da Venezuela e suas relações
internacionais com os outros países diante da conjuntura.
As diferentes notícias veiculadas podem ser analisadas sob diferentes
aspectos, entretanto, nesta pesquisa focaremos em analisar as notícias veiculadas a
partir da frequência de determinados termos.

Metodologia, Resultados e discussões


A abordagem desta pesquisa parte da análise dos jornais publicados em
mídia impressa e digital. Serão analisados: em Roraima, a Folha de Boa Vista e o
Portal G1 daquele estado. Nacionalmente recorreremos à Folha de S. Paulo, O
Estado de S. Paulo e O Globo, uma vez que estes são os periódicos de maior
circulação. Cotejar os temas da fronteira e da migração internacional nesses jornais
nos dará a dimensão da relevância nacional da questão.
A fim de se estabelecer um recorte temporal e fatual buscaremos analisar a
cobertura desses órgãos de imprensa sobre os temas em questão no ano de 2016.
O recorte temporal estabelecido para a realização da pesquisa justifica-se em razão
de dar conta de momentos mais iniciais do agravamento da crise venezuelana e o
aumento do fluxo de entrada de cidadãos daquele país no Brasil, principalmente em
Roraima, que segundo dados do Comitê Nacional para refugiados saltou de 1.370
para 3.375 pedidos de refúgio.
Para cumprir os objetivos propostos, tanto os editoriais, colunas e artigos
quanto as reportagens especiais serão objetos de investigação. A metodologia a ser
utilizada é a análise de conteúdo quantitativa, neste primeiro momento. A partir de
uma primeira leitura são selecionados termos que funcionam como unidades de
análise.

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Os dados foram levantados através dos acervos presentes nos sites dos
respectivos jornais, a partir da pesquisa das palavras-chaves “Venezuela”,
“venezuelano” ou “venezuelana”, alterando de acordo com o jornal pesquisado. A
partir da palavra, a pesquisa era refinada pelo período janeiro a dezembro de 2016,
e apenas selecionadas aquelas que tinham as palavras-chaves em seus títulos.
A partir do Guia das Migrações Transnacionais e Diversidade Cultural para
Comunicadores – Migrantes no Brasil, desenvolvido por Denise Cogo e Maria Badet,
e também do Guia para Comunicadores, de autoria do Instituto Migrações e Direitos
Humanos, ACNUR, MIGRAMUNDO e FICAS, termos como migrante, imigrante,
migração ilegal, refugiados, crise migratória, crise de refugiados e estrangeiro foram
tabulados e analisados por meio da frequência absoluta, ou seja, existência/
inexistência.
De acordo com o levantamento realizado foram encontrados no Jornal “O
Estado de S. Paulo”, edição Brasil, acervo digital, no período de janeiro a dezembro
de 2016, 874 ocorrências com o termo “Venezuela”, nos quais 9 reportagens
abordaram a temática dos migrantes nas fronteiras. No acervo digital do jornal
“Folha de S. Paulo” foi operado o mesmo filtro de pesquisa aplicado anteriormente
com o resultado de 1.938 aparições. Dentre estes, 180 foram selecionados para
análise mais detalhada e 4 apresentaram a temática específica relativa à migração
na fronteira, justificado pelo fato das demais notícias, em sua maioria, abordarem a
conjuntura político e econômico da Venezuela.
O Jornal “O Globo”, em seu acervo digital, apresentou 1.053 páginas com o
termo “Venezuela” para o mesmo período, dos quais 4 foram separados para análise
por abordarem a temática de migrantes na fronteira. Os demais dados coletados em
sua maioria abordavam também assuntos mais genéricos sobre a condição político-
econômica daquele país, além de outras informações como esportivas e de
entretenimento.
No jornal “Folha de Boa Vista”, em sua edição “Folha Digital” foram filtrados
95 achados no período estipulado para a pesquisa em que constava o termo
“Venezuela”. De tais edições, haviam algumas repetições na mesma página, essas
descartadas, e das que foram encontradas 61 notícias foram efetivamente
analisadas.
A pesquisa realizada no portal “G1RORAIMA” foi feita através do site de
pesquisa www.google.com, pesquisa avançada, devido o próprio site não fornecer

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arquivos digitais de suas matérias e também ambiente qualificado para uma


pesquisa mais detalhada. Assim, o site do jornal foi inserido no Google e filtrado pelo
período de janeiro a dezembro de 2016 e segundo os termos “venezuela ou
venezuelanas ou venezuelanas”, do quais foram encontradas 31 notícias.
A análise dos dados foi fundamentada nos glossários apresentados no Guia
das Migrações Transnacionais e Diversidade Cultural para Comunicadores –
Migrantes no Brasil. Tais guias apresentam em seu conteúdo um referencial de
termos recomendados aos comunicadores com o objetivo de “contribuir com o
trabalho realizado” na “cobertura das migrações transnacionais no Brasil”, pois “os
meios de comunicação são espaços privilegiados de construção de visibilidade
pública do fenômeno das migrações”, “das demandas e lutas por cidadania e direitos
humanos desses migrantes”.
Entres os termos apresentados serão explorados aqueles que nos
interessam, quais são: migração e variantes como migrante, imigrante, emigrante;
estrangeiro; refugiado e fugitivo como antônimos; crise migratória e crise de
refugiados; imigrante ilegal; imigrante e refugiado como termos diferentes; novos
brasileiros; invasão; e migrantes e refugiados como termos diferentes em suas
interpretações.
Com base nestes termos, segue abaixo quadro em que foi mensurado a
presença relevante destes termos nos jornais que foram levantados. As
porcentagens foram calculadas sob a quantidade de notícias que trouxeram a
temática da migração de venezuelanos para Roraima/Brasil:

Tabela 1 – Total de notícias analisadas por jornal

Jornais Totais
G1 Roraima 31
O Globo 4
Folha de São Paulo 4
ESTADÃO 9
Folha de Boa Vista 61
Fonte: Gomes (2019).

Com base na tabela acima é possível avaliar que os termos mais presentes
nas notícias veiculadas a respeito dos migrantes venezuelanos são “crise”,

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“estrangeiro”, “fuga”, “refugiado”, “ilegal” e “imigrante”. Não obstante a amplitude dos


termos que os guias apresentam, estes termos correspondem aos que aparecem
com mais frequência nas notícias, tanto na descrição dos migrantes como imigrante,
refugiados e/ou estrangeiros, quando na qualificação da sua condição a partir do
termo “crise” que aparece em sua maioria relacionado ao seu contexto econômico.
Gráfico 1 – Taxa de presença de termos específicos nas notícias
90%
80%
70% G1 RORAIMA
60%
ESTADÃO
50%
40% FOLHA SP
30% OGLOBO
20% FOLHA BV
10%
0%
CRISE ESTRANGEIRO FUGA ILEGAL IMIGRANTE REFUGIADO

Fonte: Gomes (2019).

O termo “crise” é empregado nas notícias para descrever a condição que


move o migrante a deslocar-se da Venezuela para o Brasil, sempre motivado pela
“crise econômica” em seu país. O guia produzido pelo IMDH sugere que o termo
crise não seja associado ao migrante, para que este não visto como um problema, o
ideal é que ele seja evitado, pois não “se trata de crise migratória ou de refugiados,
mas, sim, de alguma crise política, econômica ou humanitária no país de origem,
que provoca um deslocamento migratório significativo dos nacionais daquele país”.
(IMDH, ACNUR;2019)
O uso do termo “estrangeiro” como mostrado no gráfico ainda é bem comum
e demonstra porcentagens elevadas entre todos os jornais, entretanto, deve ser
evitado e não mais empregado na descrição do outro, visto ter uma origem
discriminatória. Vale a pena frisar colocação de Cogo e Badet (2013)
Nesse sentido, tanto o substantivo como o adjetivo “estrangeiro” remetem à
construção da “alteridade”. [...] O uso do conceito está estreitamente
conectado com os modos de pertencimento aos quais se opõem a cidadania
e nacionalidade. Segundo o Dicionário de Relações Interculturais, na prática,
a categoria “estrangeiro” tende a ser englobante e sociologicamente
indiferenciada, sendo um princípio de discriminação social de alcance variável
cuja função é separar mais que unir. Ao diferenciar, tende a amalgamar
grupos heterogêneos, uma vez que o termo não considera o país de
nascimento, a trajetória pessoal e social, se migrante econômico ou exilado
político, refugiado ou simples turista. (p.44-45)

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A presença constante também do termo “fuga” que descreve a saída do


migrante de seu país de origem, pode remeter a derivados como fugitivos e outros.
Essa associação errônea em relação aos refugiados, segundo o Guia do IMDH, é
que por serem forçados a fugir de seu país devido ameaças a sua sobrevivência,
teriam cometido também algumas irregularidades e estariam em condição de
fugitivos, portanto, também este termo pode ser evitado, já que é compreensível que
os refugiados são pessoas que não tiveram outra opção e por motivos de
perseguições diversas e violações de direitos humanos tiveram de sair de seus
países. (IMDH, ACNUR;2019)
Ainda que não seja a intenção dos autores, o termo “ilegal” traz uma
conotação carregada de negatividade e depreciativa à notícia em si, bem como afeta
a situação do migrante, pois a palavra por si só dá a ideia de que migrar é uma
atividade ilícita, enquanto que, na verdade, trata-se de um direito de todos de
locomover-se para onde desejar.
O termo “imigrante” não é mais recomendado pelos dois Guias tomados como
base para este trabalho, neste caso, o termo migrante – “entendido como a pessoa
que se transfere se seu lugar habitual de residência para outro lugar, região ou país,
de modo permanente ou transitório” - é o mais aconselhado, pois traduz com
perfeição a dimensão do movimento e transito, temporalidade e motivações que
caracterizam a migração contemporânea (GOGO&BADET,2013, p.43).
É relevante também a compreensão na colocação no termo “refugiado”, pois
segundo Cogo e Badet é necessário que o termo seja explicado ao interlocutor da
mensagem, bem como haja cuidado na exposição destes com imagens, visto que
alguns encontram-se em situação de risco e perseguição. Nas notícias apresentadas
a percepção que se tinha era que todos eram refugiados, pois não havia distinção
entre este e o conceito de migrante, o que atinge a individualidade de cada grupo e
acaba por juntá-los em um só conceito sem considerar suas particularidades.
Por fim, temos que:
Refugiada é a pessoa que foi forçada a deixar seu país de origem e requer
“proteção internacional” devido a fundado temor de perseguição e risco de
violência caso volte para casa. Isso inclui pessoas que são forçadas a fugir
de territórios em guerra. O termo tem suas raízes em instrumentos legais
internacionais, notadamente a Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados,
de 1951, o Protocolo de 1967 e a Convenção de 1969 da Organização da
Unidade Africana (OUA).
Os dados apresentados repercutem um contexto nacional, visto que o
discurso é reflexo de um contexto cultural que controla a reprodução e compreensão

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da fala, os termos empregados acima descrevem o imigrante em boa parte das


notícias como pertencente a um grupo separado e em condição desigual. Não
obstante, é razoável que um determinado discurso pode não ter o mesmo significado
segregador que em outro, mas a intencionalidade é passível de exclusão, visto que
em princípio a presença de um discurso segregador é sempre negado.
Cabe ainda salientar o estudo de Van Dijk (2010), sobre a presença sutil de
termos e estruturas que podem expressar ou indicar discursos racistas, sob o olhar
de quem recebe a mensagem e não da intencionalidade do transmissor da
mensagem. Assim, os títulos das notícias podem sugerir algumas novas
interpretações, e entre os títulos da amostra, os seguintes ganham destaque:
“Colapso venezuelano.” (O Estado de São Paulo, 30/10/2016, p. A24)

“Êxodo de venezuelanos já é tratado em Roraima como crise humanitária.”


(O Estado de São Paulo, 12/10/2016, p. A14)

“Invasão venezuelana gera caos em Roraima.” (Folha de S. Paulo,


20/11/2016, p. A15)

“Venezuelanos inundam cidade de Roraima.” (Folha de S. Paulo,


22/07/2016, p. A10)

“RR decreta emergência na Saúde por causa da imigração de


venezuelanos.” (G1Roraima, 07/12/2016)
As notícias acima mencionadas pertencem a jornais de abrangência nacional
e os termos “colapso”, “êxodo”, “invasão”, “inundam” e “emergência (..) por causa da
imigração de venezuelanos”, abordam a temática do migrante sob a perspectiva de
que estes representam um problema, ainda que não seja a intenção dos autores,
porém o uso destas expressões tem caráter racista, mesmo implícita, há muitas
formas indiretas e sutis subjacentes de representações racistas que influenciam na
construção da imagem do migrante pelos destinatários da mensagem.
Segundo Van Dijk (2010), há uma complexidade discursiva através da qual,
de inúmeras formas, o discurso racista pode se manifestar: o uso de estruturas
semânticas, ou seja, significados e referências nos textos, que aparecem sob a
forma de questões negativas; níveis de descrição, grau de completude; implicações
negativas; orçamentos; denominações (os termos analisados no gráfico); bem como
expressões e estruturas formais como a colocação da notícia através de uma
superestrutura que valoriza o aspecto negativo. Nesse sentido, imagens
depreciativas de destaque na página, estruturas sintáticas das sentenças que
através do uso da voz ativa enfatizam a agência negativa do migrante, o uso de

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movimentos retóricos, como hipérboles, repetições, enumerações, eufemismos que


tem significados negativos, entre outros.
Vejamos abaixo:
“Pacaraima sofre com apagões e assaltos feitos por venezuelanos”. (Folha
de Boa Vista, 10/05/2016, CAPA)

Pacaraima vira “favela venezuelana”. (Folha de Boa Vista, 08/09/2016, p.


06)

“Mais índios venezuelanos chegam para engrossar número de pedintes”.


(Folha de Boa Vista, 26/11/2016, p. 05)
As manchetes acima foram retiradas do noticiário veiculado pelo Jornal “Folha
de Boa Vista”, jornal local, de abrangência estadual. Em comparação com as
notícias veiculadas nacionalmente, este parece utilizar estruturas textuais que
salientam o caráter negativo do processo migratório, através do uso de termos que
enfatizam o migrante como violador de nossas normas e valores.
Van Dijk (2010) afirma que a análise do discurso do racismo não é
necessariamente intencional, pois não é uma categoria do ator, mas do observador
ou receptor. A análise perpassa pelo contexto, em que surgem as ideologias
subjacentes dos oradores, a situação institucional, a ação em que estão envolvidos
e outras propriedades que podem explicar neste estudo a diferença de colocações
entre os jornais nacionais e o jornal local. Este último utiliza termos segregadores
mais explícitos, e até ofensivos, o que reafirma o argumento de Van Dijk, de que “as
pessoas tendem a ter menos autocontrole entre outros membros de seus próprios
grupos”. (p.79, tradução nossa)
Assim, ainda analisando os títulos das notícias veiculadas, temos por último
as seguintes:
“Governo de RR inicia estudo sobre venezuelanos em cidade na fronteira.”
(G1Roraima, 30/08/2016)
“PF deporta 450 venezuelanos sem documentação legal em Roraima.”
(G1Roraima, 09/12/2016)
“Este ano, 388 venezuelanos já pediram refúgio para ficar no estado de
Roraima”. (Folha de Boa Vista, 23/06/2016, p. 12)
Verifica-se a presença de dados estatísticos para aferir a presença dos
migrantes, o que é comum na maioria das notícias analisadas. Ocorre que, o que
aparentemente é informativo, segundo Cogo (2001, p.21) contribui para “a
construção de um enquadramento objetivo e conclusivo da experiência imigratória
(..), para o predomínio de uma perspectiva econômica na compreensão do
fenômeno”.

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Assim, tendo em vista os dados apresentados, e partindo do entendimento


que a mídia tem grande influência na formação ideológica entende-se que há
necessidade de mudança nos conceitos empregados pelos comunicadores. Ainda
que incipiente, no ano de 2016 já havia um panorama da lógica empregada na
construção da imagem do migrante venezuelano que adentrava o país, portanto,
importante a continuação da pesquisa para compreender se estas tendências ainda
permanecem, mas também uma conscientização a respeito da relação da
comunicação e sua influência na repercussão da realidade do migrante.
Considerações finais
A partir do entendimento de que cultura abrange este dinamismo de interação
entre grupos, e que a própria globalização ao mesmo tempo que incentiva esta
interrelação também afasta, compreendemos que existe uma complexidade de
conceitos que não podem ser reduzidos para que haja entendimento dos aspectos
que envolvem cultura e identidade.
É neste contexto que surgem os migrantes como participantes do espaço
intercultural, capazes de mudá-lo, superando a ideia do igual, do correto e do
natural. Trata-se de um estímulo à ideia de igualdade, e do entendimento de que
todos tem direitos de permanência e residência, bem como direitos sociais, como
educação, saúde e trabalho.
As notícias veiculadas, entretanto, abordaram o migrante a partir de seu
contexto político e econômico, como fugitivo muitas vezes; as mulheres surgem nos
textos apenas na condição de “moças que por necessidade de comida prostituiam-
se”; termos como “pedintes”, “indigentes” surgem descrevendo imigrantes em
condições subumanos; em outros textos a migração aparece como “invasão”,
“avalanche”, “onda”, mais especificamente em um texto como “favela venezuelana”
para descrever a presença dos migrantes nas ruas das cidades fronteiriças.
Podemos dizer, assim, que permanece no jornalismo a difusão de imagens
estereotipadas e estereotipantes dos migrantes. O fenômeno aparece
frequentemente vinculado às noções de crise e ilegalidade e ainda, o termo
estrangeiro pode ser visto com frequência, mesmo que os manuais de boas práticas
do jornalismo aplicados à questão da imigração não recomendem o uso de
determinadas palavras e termos pelo menos não sem as devidas explicações e
contextualizações. A falta de detalhamento atinge principalmente os textos que

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relaciona os migrantes à condição de refugiados, é notável o uso desta terminologia


sem o que o contexto adequado seja também apresentado.
Nesse sentido, os resultados desta pesquisa, mesmo que inicial, indicam a
necessidade de problematização da forma como os meios de comunicação e, em
especial a imprensa, informa sobre questões relativas à migração e aos migrantes.

Referências

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peias, trad. Telma Costa com revisão científica de Conceição Moreira, Lisboa: Ed.
1996.

AUGUSTO, Isabel Regina; ISIDORO DE MORAIS, Vângela Maria. Brasil profundo: a


identidade nacional a partir da recepção midiática da interiorização dos imigrantes
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COGO, Denise. O Outro migrante: das estratégias de midiatização das migrações


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Pós-graduação em Cinema e Audiovisual, [S.l.], n. 10, jan. 2011. ISSN 1519-0617.

COGO, Denise. Mídia, imigração e interculturalidade: mapeando as estratégias de


midiatização dos processos migratórios e das falas imigrantes no contexto brasileiro.
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COGO, Denise; BADET, Maria. Guia das migrações transnacionais e diversidade


cultural para comunicadores–Migrantes no Brasil. Bellaterra: UAB/IHU, 2013.

FONSECA, Francisco. Mídia, poder e democracia: teoria e práxis dos meios de


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HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. TupyKurumin, 2006.

Mídia & Direitos Humanos. ANDI-SDH-UNESCO. Org: Vivarta, Veet; Canela,


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SAYAD, Abdelmalek. Imigração ou os Paradoxos da Alteridade, A. Edusp, 1998.

VAN DIJK, Teun. Análisis del discurso del racismo. Crítica y emancipación, v. 3, p.
65-94, 2010.

ZANFORLIN, Sofia. Etnicidade, migração e comunicação: etnopaisagens


transculturais. 2011. Tese de Doutorado. Tesis.

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FRONTEIRAS DO LOCAL: POR UMA LEITURA DE SI ME PERMITEN HABLAR


NA FRONTEIRA-SUL
Local Borders: by a Reading of Si me Permiten Hablar Southern Border
Fronteras Locales: por una Lectura de Si me Permiten Hablar en la Frontera Sur

Julia Evelyn Muniz Barreto Guzman

Resumo: Este trabalho tem como objetivo uma leitura da obra ‘Si me permiten
hablar...’ testimonio de Domitila, una mujer de las minas de Bolivia (1999) transcrito
e organizado pela brasileira Moema Viezzer a partir do conceito de fronteira. Para a
leitura, me utilizo de uma metodologia bibliográfica pautada na Crítica biográfica
fronteiriça, um estudo centrado nos Estudos Pós-coloniais e Crítico-biográficos.
Assim, a partir de minha condição de sujeito que escreve e vive na fronteira
proponho fazer uma leitura outra do testemunho de Domitila Chungara, que
contemple meu bios e lócus permitido por meio da Crítica biográfica fronteiriça.
Ademais, procuro estabelecer interrelações entre o meu bios e o de Domitila, desde
nossos discursos de sujeitos da exterioridade, além de pensar e escrever a partir de
loci subalternos eu na/da fronteira-sul do Brasil e Domitila Chungara de um
acampamento mineiro na Bolívia.
Palavras-Chave: Domitila Chungara, Si me permiten hablar, Fronteira,
Exterioridade.

Abstract: This paper aims at a reading of the work ‘Si me permiten hablar...’
testimonio de Domitila, una mujer de las minas de Bolivia (1999) transcribed and
organized by the Brazilian writter Moema Viezzer from the concept of border. For
reading, I use a bibliographic methodology based on Crítica Biográfica Fronteiriça, a
study centered on Postcolonial Studies and Critical-biographical Studies. Thus, from
my condition as a subject who writes and lives on the border, I propose to take
another reading of Domitila Chungara's testimony, which contemplates my bios and
locus allowed through the border biographical critique. In addition, I seek to establish
interrelationships between my bios and Domitila's, since our speeches on the
condition of subjects of exteriority besides thinking and writing from subaltern loci in/
of southern border of Brazil and Domitila Chungara from a camp miner in Bolivia.
Key Words: Domitila Chungara, Si me permiten hablar, Border, Exteriority.

Resúmen: El objetivo de este trabajo es una lectura de la obra ‘Si me permite


hablar...´ testimonio de Domitila, una mujer de Bolivia (1999) transcrita y organizada
por la brasileña Moema Viezzer desde el concepto de frontera. Para la lectura, utilizo
una metodología bibliográfica basada en la Crítica biográfica fronteiriça, un estudio
centrado en Estudios poscoloniales y Crítico-biográficos. Por lo tanto, desde mi
condición de sujeto que escribe y vive en la frontera, propongo una lectura otra del
testimonio de Domitila Chungara, que contempla mi bios y locus permitidos a través


Mestranda do Programa de Pós-graduação Mestrado em Estudos de Linguagens – UFMS – E-mail:
juhguzman@gmail.com

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de la crítica biográfica fronteriza. Además, busco establecer interrelaciones entre mi


bios y la de Domitila, a partir de nuestros discursos de la exterioridad, así como
pensar y escribir desde lugares subalternos en / desde la frontera Sur de Brasil y
Domitila Chungara desde un campamento minero en Bolivia.
Palabras clave: Domitila Chungara, Si me permiten hablar, Frontera, Exterioridad.

* Trabalho completo selecionado para publicação na Revista GeoPantanal, v. 14, n.


27, 2019.
https://periodicos.ufms.br/index.php/revgeo

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ÍNDIOS GUATÓ NA FRONTEIRA BRASIL / BOLÍVIA


Guató Indians on the Brazil / Bolivia Border
Indios Guató en la Frontera Brasil / Bolivia

Danielle Urt Mansur Bumlai1

Resumo: Este trabalho propõe expor a literatura existente sobre os Índios Guató que
vivem na região da fronteira do Brasil com a Bolívia, delineando um caminho desde
as primeiras descobertas retratadas por Hércules Florence, no século XIX; as
realizadas pelo etnólogo alemão Max Schimidt, no início do século XX; a história de
“extinção” e “redescoberta” do povo guató; seu modo de vida; a linguagem poética
de Manoel de Barros e a cinematográfica por Pizzini (2004) no filme “500 Almas”,
chegando às representações dos dias atuais, buscando trazer uma reflexão sobre a
literatura indígena, como forma de conhecimento, compreensão, valorização,
construção e fortalecimento da cultura e identidade do índio Guató.
Palavras-chave: Guató; Fronteira, Línguas Indígenas; Cultura; Literatura

Abstract: This paper proposes to expose the existing literature on the Guató Indians
living in the border region of Brazil with Bolivia, outlining a path from the first
discoveries portrayed by Hercules Florence in the 19th century; those made by the
German ethnologist Max Schimidt in the early twentieth century; the story of
“extinction” and “rediscovery” of the guató people; your way of life; the poetic
language of Manoel de Barros and the cinematic language by Pizzini (2004) in the
movie “500 Souls”, to the present day representations, seeking to bring a reflection
on indigenous literature, as a form of knowledge, understanding, appreciation,
construction and strengthening of the culture and identity of the Indian Guató.
Key-words: Guató; Border, Indigenous Languages; Culture; Literature

Resúmen: Este trabajo tiene como objetivo exponer la literatura existente sobre los
indios Guató que viven en la región fronteriza de Brasil con Bolivia, delineando un
camino desde los primeros descubrimientos retratados por Hércules Florencia en el
siglo XIX; los realizados por el etnólogo alemán Max Schimidt a principios del siglo
XX; la historia de "extinción" y "redescubrimiento" del pueblo guató; tu forma de vida;
el lenguaje poético y cinematográfico de Manoel de Barros de Pizzini (2004) en la
película "500 almas", hasta a las representaciones de hoy en día, buscando traer
una reflexión sobre la literatura indígena, como una forma de conocimiento,
comprensión, apreciación, construcción y fortalecimiento de la cultura e identidad del
indio Guató.
Palabras clave: Guató; Fronteras, lenguas indígenas; Cultura; Literatura

1
Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Linguística e Língua Portuguesa da Faculdade de
Ciências e Letras – Câmpus de Araraquara - Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita
Filho”/ UNESP. Bolsista CAPES. Graduada em Letras com habilitação em português/inglês pela
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul–Câmpus do Pantanal. Mestre em Estudos Fronteiriços
pelo Programa de Pós-Graduação de Estudos Fronteiriços da Universidade Federal de Mato Grosso
do Sul–Câmpus do Pantanal. Com experiência em Estudos Fronteiriços, ênfase na Educação
Intercultural e fatores culturais-Identitários, nas escolas de fronteira Brasil x Bolívia. Atua em
pesquisas sobre Revitalização Linguística, Documentação e Estudos do Léxico.

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Introdução
A população indígena brasileira de acordo com dados da Secretaria Especial
de Saúde Indígena (SESAI, 2019) é de 818 mil, sendo 732.262 indígenas
distribuídos em 5.614 aldeias, e 274 falantes de línguas diversas, distribuídos em
688 terras indígenas (60,4 % regularizadas), os quais ocupam 12,6% do território
brasileiro.
O estado de Mato Grosso do Sul possui a segunda maior população indígena
do país e crescimento de 42% em 10 anos, ficando apenas atrás do Amazonas, o
qual 183 mil são declaradas indígenas. Esses dados foram atualizados no ano de
2016 e são referentes ao censo demográfico de 2010, realizado pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A Fundação Nacional do Índio (FUNAI)
reconhece que no estado do Mato Grosso do Sul encontram-se sete etnias: guarani,
terena, kadiwéu, guató, ofayé, kinikinawa e atikum.
Este trabalho propõe descrever a literatura existente sobre os índios Guató
que vivem na Aldeia Uberaba, localizada na região do alto pantanal na Ilha Ínsua, no
estado de Mato Grosso do Sul, fronteira do Brasil com a Bolívia e, delinear um
caminho desde as primeiras descobertas retratadas pelo pintor francês Hércules
Florence no século XIX; as realizadas pelo etnólogo alemão Max Schimidt, no início
do século XX; a história de “extinção” e “redescoberta” do povo guató; seu modo de
vida; a linguagem poética de Manoel de Barros e a cinematográfica por Pizzini
(2004) no filme “500 Almas”, chegando às representações dos dias atuais, buscando
trazer uma reflexão sobre a literatura indígena como forma de conhecimento,
compreensão, valorização, construção e fortalecimento da cultura e identidade do
índio Guató.
O povo Guató, em sua maioria, encontra-se no estado de Mato Grosso do Sul
na Terra Indígena Guató, e uma pequena parte em Mato Grosso, na Baía Guató,
terra declarada Indígena. Conforme dados da SIASI/SESAI (2014) os dois estados
possuem o número total de 419 índios. São conhecidos na literatura como índios
canoeiros do Pantanal, pois constroem suas canoas e saem para pescar e caçar,
possuindo tais habilidades desde crianças, tendo como cenário para sua
sobrevivência as águas do Pantanal. Se concentram entre as lagoas Uberaba e
Gaíva, no Pantanal sul-mato-grossense, podendo estar também na Bolívia e em
outras cidades da região. A Aldeia Uberaba, está situada na Ilha Ínsua, banhada

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pelas lagoas Uberaba, Gaíva (ou Gaíba) e Rio Paraguai. A Ilha é conhecida também
por Bela Vista do Norte e, está localizada a aproximadamente 350 km do município
de Corumbá-MS, na região de divisa entre os estados de Mato Grosso e Mato
Grosso do Sul, fronteira com a Bolívia.
No estado do Mato Grosso não existem falantes da língua. Os dois últimos
falantes da língua Guató se encontram na região do Pantanal: Eufrásia Ferreira e
Vicente Manoel. Eufrásia vive no município de Corumbá, em Mato Grosso do Sul, na
fronteira do Brasil com a Bolívia, e Vicente Manoel vive na região da Barra de São
Lourenço, parte baixa da planície pantaneira, aproximadamente 300 km da cidade
de Corumbá2.
As primeiras informações dos índios Guató na literatura foram feitas no século
XIX, por viajantes e cronistas. Foram contatados pela primeira vez por Martinez
Deirada, em 1543, no antigo Mato Grosso e entre Uberaba e Gaíva na cidade de
Corumbá. O primeiro encontro foi registrado por Álvar Nuñes Cabeza de Vaca em
1555, e Díaz Guzman (s/d) os localizou na Baía de Cáceres entre Puerto Suárez, na
Bolívia, e em Corumbá, no Brasil, também no século XVI.
De 1825 a 1829 aconteceu a Expedição Langsdorff, comandada pelo Cônsul
e Barão Russo Georg Heinrich Von Langsdorff, tendo o desenhista e pioneiro da
fotografia franco-brasileiro Hércules Florence como integrante da expedição, o qual
registrou belíssimos e memoráveis desenhos dos Guató no século XIX. A expedição
teve duas partes, na segunda parte, em 1826, passou além de outros lugares pela
cidade de Corumbá-MS e seguiram para Cuiabá-MT, localizando os Guató vivendo
às margens dos rios Paraguai e São Lourenço. Langsdorff registrou em seus diários
todos os acontecimentos ocorridos na expedição, e por anos esses escritos
estiveram desaparecidos, sendo no ano de 1930 encontrados na Rússia. Desse
modo, todos os conhecimentos sobre a Expedição Langsdorff tinham o diário de
Hercules Florence como única publicação.
Florence (1876), em suas anotações diárias, descreveu que havia
aproximadamente trezentos índios Guató na região do Alto Paraguai, porém, sem

2
Corumbá, é a terceira cidade mais populosa do estado de Mato Grosso do Sul, localiza-se na região
Centro-Oeste do Brasil, à margem direita do Rio Paraguai, no Pantanal Sul-Mato-Grossense, sendo a
última cidade brasileira da região, fazendo divisa com a Bolívia. É conhecida por Cidade Branca e
como Capital do Pantanal.

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acesso à lagoa Gaíva não tinha como calcular o número exato e acreditava que
poderiam existir aproximadamente dois mil índios. Descreveu o dia a dia dos Guató,
relatando a colheita de arroz selvagem, as famílias Guató em canoas navegando no
Pantanal, nos seus hábitos alimentares e diários como: caça, pesca, e agricultura
com plantações de milho e algumas raízes.
Castelnau, em 1845, refez os caminhos da Expedição de Langsdorff,
registrando as habilidades dos índios canoeiros e retratando-os em seus desenhos,
revelando suas peculiaridades como o casamento poligâmico entre os índios Guató
naquela época. Descreveu características físicas dos índios revelando que
possuíam aspecto caucasiano e traços exatos, perfeitos. Em 1851, escreveu o
vocabulário de variadas línguas indígenas, incluindo a língua Guató e, registrou
uma lista de 164 palavras.
Apesar, dos primeiros apontamentos da língua guató terem sido realizados
por Castelnau em 1851, foi o alemão e etnólogo Max Schmidt quem desenvolveu as
primeiras pesquisas sobre o povo e a língua guató, as quais tiveram publicações em
espanhol e alemão.
Max Schmidt, no século XIX, cumpriu a maior expedição etnográfica, com a
realização de estudos na região do Pantanal sobre o povo indígena Guató, sua
história, seus costumes e sua língua, em três expedições. A primeira foi em 1901, o
qual fez um mapeamento das famílias e apontou quarenta e seis índios Guató na
Ilha Ínsua. Elaborou um vocabulário da língua com 507 palavras monossilábicas, 39
frases relacionadas à fauna e flora, aos verbos, e outros elementos que faziam parte
da vida cotidiana dos índios Guató, além de apresentar uma descrição sobre
padrões silábicos, como explica Postigo (2004). Em 1910 realizou a segunda
expedição, e em 1928 sua terceira e última expedição, identificando famílias Guató
que moravam às margens do rio Paraguai, e registrando dados que resultaram em
mais uma lista de palavras e frases que se encontram em Schmidt (1942b). Os
registros feitos por Schmidt são considerados e estudados muito até os dias atuais,
a fazer referência à obra Estudos de Etnologia Brasileira, publicada em 1942.
A primeira tradução do livro de Schmidt (1905) foi realizada por Catharina
Baratz Cannabrava (Schmidt 1942a), e Balykova (2018) apresentou uma tradução
do capítulo 9 sobre a língua Guató, apontando a necessidade de uma nova
tradução, pois na tradução anterior de acordo com a autora, constam algumas
inconsistências relacionadas à tradução.

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Rondon (1938) descreveu o encontro com os índios Guató na década de


1930, revelando os acontecimentos no caminho entre Corumbá no Mato Grosso do
Sul e Cáceres no Mato Grosso, e contando com três informantes Guató, o qual
originou uma lista com 80 palavras e 15 frases em Guató.
Oliveira apresentou uma bibliografia comentada, com a coleta e a
sistematização de dados objetivando a construção de um acervo cultural referente
aos Guató. Em sua obra intitulada “Guató: Argonautas do Pantanal”, 1995, aborda a
cultura material, e o modo da organização social dos Guató, a citar outras obras de
Oliveira (1994, 1995, 1996a, 1996b, 1996c, 1997a, 1997b, 1997c).
Os estudos, de modo geral, centravam-se em aspectos históricos, de caráter
etnográfico, retratando a cultura e o modus vivendi do povo, havia pouca
preocupação com a língua, que aos poucos se perdia por influência de contato com
outras línguas, em sua maioria pelo português e pelo espanhol, devido a sua
localização fronteiriça.
Com relação às questões Linguísticas, a língua Guató foi estudada por
Palácio (1984), que divulgou suas pesquisas fazendo referência aos estudos de
Rodrigues (1966), defendeu a tese de doutorado “Guató, a língua dos índios
canoeiros do rio Paraguai”. Entre outros trabalhos da autora, vale destacar Aspects
of the morphology of Guató (1986), Guató: uma língua redescoberta (1987), Sistema
numeral em Guató (1996), Situação dos índios Guató em 1984 (1998) e Alguns
aspectos da língua Guató (2004).
Após os estudos de Palácio (1984), Postigo (2009) iniciou seus estudos sobre
a língua dos índios Guató, os quais foram discutidos em sua em sua dissertação de
mestrado, intitulada “Fonologia da língua guató”, e outras publicações: Os ditongos
em Guató: uma proposta de análise (2008); Aspectos linguísticos e históricos da
língua guató (2007); Padrão silábico e ressilabação em Guató (Macro-Jê) (2008);
Nasalidade e assimilação nasal em Guató (Macro-Jê) (2008); Alguns apontamentos
bibliográficos sobre a língua guató (Macro-Jê|) (2009); Estudos fonológicos da língua
guató (Macro-Jê) (2010); Apontamentos fonológicos sobre as listas de palavras
guató (Macro-Jê) (2011); Segmentos fonológicos e convenções ortográficas da
língua guató (Macro-Jê) (2017).
Destaca-se também o “Pequeno dicionário da língua Guató” que teve
iniciativa dos representantes do povo guató, foi resultado de pesquisa de oito anos
da própria comunidade guató no município de Corumbá/MS, e produzido pelo

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Governo do Estado de Mato Grosso do Sul. Trata-se de 170 entradas, entre


palavras e algumas frases, contêm uma Apresentação e um Breve Perfil dos Guató.
As entradas lexicais estão em ordem alfabética e em versão bilíngue: Guató-
Português e Português-Guató. Foram distribuídos 300 exemplares para a
comunidade guató na tentativa de preservar a cultura e sua língua, a saber, que sua
confecção não teve a participação de especialistas, linguistas ou antropólogos, mas
sim do próprio povo Guató.
Seguindo o panorama linguístico foi localizada a tese de doutorado “Dando a
palavra aos Guatós: alguns aspectos sóciolinguísticos”, de Lima (2002) e a
dissertação de mestrado “Língua, cultura e sociedade Guató: universo léxico-
semântico da fala indígena”, de Costa (2002). Os estudos mais recentes são: Um
relato etnográfico de uma experiência de revitalização e documentação do Guató,
nos estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, por Franchetto e Godoy (2017);
O sistema numeral da língua Guató, por Alves (2017); uma narrativa Guató descrita
por Eufrásia Ferreira, na língua Guató, por Balykova, Godoy e Ferreira (2018); O
Guató como língua tonal: uma análise acústica de pares opositivos por Silva (2018);
Guató: a língua por Max Schmidt e tradução de Balykova (2018); Expressão de
propriedades no Guató e no Wa'ikhana, Balykova(2019).

Expulsão e volta dos índios Guató para suas terras


Conforme Oliveira (1995), entre a década de 40 e 50, os índios Guató foram
obrigados a se retirar de suas terras, pois naquela época os fazendeiros do Pantanal
juntamente com os negociantes de peles de animais não os queriam por perto,
fazendo de tudo para que fossem expulsos de suas próprias terras. De acordo com
dados do Instituto Socioambiental (ISA), os Guató se sentiram perseguidos, e assim
deslocaram-se para outros lugares da região do Pantanal, como o município de
Corumbá, Ladário, Aquidauana, Poconé, Cáceres, Barão de Melgaço, podendo
terem ido para a Bolívia, país que faz fronteira com os estados de Mato Grosso e
Mato Grosso do Sul, permanecendo apenas algumas famílias na ilha Ínsua.
Martinelle (2012) aponta que com toda essa movimentação os Guató foram
tidos como extintos pelo Órgão Indigenista Oficial, perdendo todos os seus direitos,
deixando de “existir”. Contudo, em 1976, a irmã Ada Gambarotto, missionária da
Pastoral Indigenista, juntamente com o apoio de outros órgãos e apoiadores a incluir
a linguísta Adair Palácio, identificaram índios Guató vivendo nos arredores do

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município de Corumbá, iniciando-se dessa forma um processo de identificação,


reconhecimento e fortalecimento identitário, clamando pela ação da FUNAI para que
suas terras pudessem ser reconhecidas como Terras Indígenas Guató.
Dessa forma, o Instituto Socioambiental (ISA) aponta que foram realizadas
três Expedições da Equipe Indigenista de Corumbá, juntamente com a FUNAI a ilha
Ínsua, a primeira e a segunda aconteceram em 1977, com apenas alguns meses de
diferença, e a terceira em 1978, as quais permaneceram por dez dias com os Guató.
Em 1984, a FUNAI mapeou o município de Corumbá e toda região do
Pantanal e foram encontrados 382 Guató vivendo espalhados com suas famílias,
porém, somente depois de muitos acordos, dez anos depois, em 1994, a ilha Ínsua
foi reconhecida como Terra Indígena Guató, de acordo com Martinelli (2012).
Vinte quatro anos após o reconhecimento da Terra Indígena Guató, muitos
deles não voltaram e escolheram viver no município de Corumbá e seus arredores,
os que voltaram para a ilha Ínsua constituem-se em grupos familiares e autônomos,
e cada família desenvolve seu próprio cultivo, uma particularidade que os faz
diferentes da organização de outras Aldeias.
Schmidt (1942) relatou que as famílias viviam isoladas uma das outras e que
as tarefas eram divididas entre os homens, que confeccionavam os elementos,
realizavam a coleta, a caça e a pesca e a preparação de alimentos; e as mulheres
faziam as panelas e outros utensílios de barros, levavam as canoas nos rios e
teciam; as crianças, de acordo com o gênero, ficavam com o pai ou com a mãe.
Abordou sobre a poligamia, explicou o ritual de passagem para a vida adulta,
relatando que a cada onça que o Guató caçava dava direito a ter uma esposa,
quanto mais onças, mais esposas, era uma forma de mostrar quanto o Guató era
corajoso, e dessa forma, provava que podia prover a sobrevivência de sua família.
Os Guató têm a sua ocupação e mobilidade relacionada a três fatores
culturais, conforme explica Oliveira (1995): distribuem-se em famílias autônomas;
possuem grande mobilidade nas águas; e no período de cheia (dezembro à maio) as
famílias ficam em áreas protegidas de inundação, e no da seca (junho à novembro),
as famílias se estabelecem nas margens dos rios. Para se protegerem contra a ação
das águas do Pantanal plantam acuri, espécie de palmácia de grande valor para os
Guató.
De acordo com Martinelli (2012), cada pedaço de terra ocupado pertence a
uma família e é conhecido pelo nome de seu líder, como o exemplo do “Aterro João

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Quirino”, e como completa o autor, caso ocorra a morte do líder quem assume é seu
descendente. Essas habitações foram descritas pelos viajantes e cronistas como
lugares rústicos.
Como apresenta Martinelli (2012), a casa tradicional é feita de madeira
coberta com acuri e entrelaçadas com variados tipos de cipó, e as que serviam
como acolhimentos provisórios são construídos com madeira de menor qualidade, e
algumas casas de pau-a-pique, com madeiras na vertical fixadas ao solo, com
bambu amarrada com cipó e preenchida com barro.
O modo de sobrevivência Guató é a caça, que utiliza espingarda, e a pesca,
com arco e flecha; a coleta de arroz selvagem colhido no período de cheia do
Pantanal; a agricultura, principalmente o acuri que serve para a confecção de
utensílios, como fruto na alimentação e cobertura das casas; e o cultivo do milho,
mandioca, abóbora, banana, algodão, cana-de-açúcar, fumo, entre outros, como cita
Martinelli (2012). O ciclo da lua é estimado, e existem luas favoráveis para cada
afazer, sendo também verificada a ação do vento, essencialmente na época de
caça.
Oliveira (1995) evidencia que a cultura material está fundamentalmente ligada
a sobrevivência dos Guató, como a confecção de arco e flecha, zagaias, remos e
zingas (utilizada em lugares de pouca profundidade), porrete para pesca, objetos
confeccionados em madeira, cerâmica (principalmente panelas pequenas, pratos,
bilhas d’água), couro, trançados (atividade masculina, com palha da palmeira acuri)
e tecelagem. O autor relata que as festas são regadas de vinho de palmeira de
acuri, o qual é denominado chicha, e cururu como dança típica acompanhado de
viola de cocho e do caracaxá.
Conforme relata Oliveira (1995), os mortos eram enterrados em valas
estendidas sobre uma esteira, e o luto era limitado apenas às mulheres, que com a
morte do marido cortavam o cabelo bem curto, e a de um filho o corte era feito pela
metade.
A canoa é o principal meio de transporte dos índios Guató, sendo construída
com madeira apropriada, geralmente cambará, tendo a proa uma forma cônica e a
popa mais larga servindo de assento, sendo utilizados remos grandes com
aproximadamente dois metros e meio, como descrito por Schmidt (1942).

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No período da Piracema (novembro a março) é permitida somente a pesca de


subsistência, assim, como meio de sobrevivência cuidam das roças e realizam a
coleta de mel para a venda.
Nesse mundo revelado pela literatura, Manoel de Barros (1916-2014)
consolida a história dos Guató de forma poética e brilhante, conta que jogava bola
com os meninos Guató na sua infância em Corumbá, e segundo ele “... a língua dos
índios Guatós é murmura: é como se ao dentro de suas palavras corresse um rio
entre pedras...”. No longa metragem “500 Almas” de Joel Pizzini, Manoel de Barros
revela seu encantamento pelo tom da língua e o modo de viverem na beira dos rios,
nas águas do Pantanal e recita “O mundo não foi feito em alfabeto” o qual retrata o
universo como um todo, e fala do convívio com os Guató, no poema "Sombra-Boa"
de "O livro das ignorãças", 1994.
O mundo não foi feito em alfabeto.
Senão que primeiro em água e luz.
Depois árvore.
Depois lagartixas.
Apareceu um homem na beira do rio.
Apareceu uma ave na beira do rio.
Apareceu a concha.
E o mar estava na concha.
A pedra foi descoberta por um índio.
O índio fez fósforo da pedra e inventou o fogo pra gente fazer bóia.
Um menino escuta vão verme de uma planta, que era pardo.
Sonhava-se muito com pererecas e com mulheres.
As moscas davam flor em março.
Depois encontramos com a alma da chuva que vinha do lado da Bolívia – e
demos no pé. (Rogaciano era índio guató e me contou essa cosmologia.)

Sombra-Boa tem hora que entra em pura decomposição lírica: "Aromas de


tomilhos dementam cigarras.” Conversava em Guató, em Português, e em
Pássaro.”
Me disse em língua-pássaro: "Anhumas premunem mulheres grávidas, 3
dias antes do inturgescer".
Sombra-Boa ainda fala de suas descobertas: "Borboletas de franjas
amarelas são fascinadas por dejectos." Foi sempre um ente abençoado a
garças. Nascera engrandecido de nadezas.
Toda essa riqueza do universo Guató foi tema do longa-metragem “500
Almas”, de Joel Pizzini, o qual retrata o processo de reconstrução da memória e da

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identidade dos índios Guató. O documentário traz informações sobre o


(re)surgimento dos Guató, traçando uma linha desde o ínicio do seu descobrimento
por Cabeza de Vaca, no século XIV, como quando foram retratados pelo pintor
francês Hércules Florence, da expedição do embaixador russo, o barão de
Langsdorff, no século XIX, e como foram estudados pela primeira vez a fundo, pelo
etnólogo alemão Max Schimidt, no início do século XX, como apontado na literatura,
até o século XXI, período em que o filme foi produzido.
O documentário teve a participação dos índios Guató; da linguísta Adair
Palácio, que mostra um pouco do trabalho de elicitação de palavras, construindo
admiráveis representações sonoras que complementavam as cenas nas águas do
rio Paraguai; do historiador e arqueólogo Jorge Eremites de Oliveira que discorre
sobre terras, subsistência, cultura material; da irmã Ada Gambarotto, pessoa
importante no processo de etnogênese e luta pela posse da Ilha Ínsua, o que foi
alcançado na década de 1990.
As imagens mostram o relevo do Pantanal, as águas brilhantes e repletas de
vida, os sons que misturam murmúrios de vozes com os sons da natureza e dos
emitidos pelos índios, como o som da onça, sinalizando total interação com a
natureza e o modo de viver do povo Guató, índios pescando com arco e flecha,
rituais festas, construção de canoa, a manifestação cultural por meio da viola de
cocho, a água e sua ligação com a alma, revelando uma construção poética,
representada por símbolos, imagens, fenômenos acústicos.
Ao final do documentário é retratada uma conversa entre quatro falantes
Guató: Júlia, José, Veridiano e Vicente, a última família a usar a língua no seu dia a
dia, já bem idosos na época e hoje três deles já falecidos, restando somente o seu
Vicente, que vive até hoje nas águas do Pantanal, e é um dos últimos falantes da
língua Guató. Pizzini apresenta também as irmãs Josefina e Negrinha, que moravam
no município de Corumbá, hoje já falecidas.
Pizzini (2004) consegue transmitir a luta de um povo por meio do ecoar das
vozes, das pausas, dos silêncios da natureza, das histórias contadas, da vida que
habita nas águas, e revela através do cinema, toda vitalidade do universo Guató, em
um movimento de imagens surreais, onde captura a beleza recolhida entre as águas
do Pantanal.

Considerações finais

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Assim, esse “passeio” pela literatura Guató traz uma aproximação sobre os
modos de expressão indígena, como forma de conhecimento, compreensão e
valorização da cultura do outro, e contribui para criação de uma consciência com
mais e maior responsabilidade, transformando não apenas a si próprio, mas todo o
meio em que se vive. Valorizar uma cultura é preservar a língua e com ela toda
história de vida de um povo.

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MEMÓRIAS HOMO-BIOGRÁFICAS DA EXTERIORIDADE: SILVIANO SANTIAGO


E AS SUAS/NOSSAS MIL ROSAS ROUBADAS
Homo-biográficas Memories of Exteriority: Silviano Santiago and His/Our Mil Rosas
Roubadas
Memorias Homo-biograficas de la Exterioridad: Silviano Santiago y Sus/Nuestras Mil
Rosas Roubadas

Pedro Henrique Alves de Medeiros

Resumo: Este trabalho tem por objetivo (re)ler o romance Mil rosas roubadas (2014)
de Silviano Santiago a partir, essencialmente, do conceito de memória não enquanto
lembrança, mas como esquecimento. Para isso, me utilizo de uma metodologia
eminentemente bibliográfica assentada na Crítica biográfica fronteiriça que, em
linhas gerais, congrega tanto os Estudos Pós-coloniais quanto os Crítico-biográficos.
Proponho, nesse sentido, trabalhar as discussões memorialísticas com base não no
ato de lembrar, mas no de esquecer ao passo que me valho das minhas/nossas Mil
rosas roubadas para ilustrar as reflexões corroboradas. Ademais, procuro
estabelecer interrelações entre o meu bios e o de Silviano na medida em erigimos
nossos discursos atravessados por uma condição homo-biográfica da exterioridade
além de, sobretudo, pensarmos e escre(vi)vermos a partir de loci subalternos e
marginalizados: o Brasil, a fronteira-sul e as Minas Gerais
Palavras-chave: Silviano Santiago; Mil rosas roubadas; Crítica biográfica fronteiriça;
Memória; Exterioridade.

Abstract: This work aims to (re)read Silviano Santiago's novel Mil rosas roubadas
(2014) based, essentially, on the concept of memory not as a remind, but as
forgetfulness. For this, I use an eminently bibliographical methodology based on the
Frontier biographical critique, which, in general terms, brings together both
Postcolonial Studies and Critical-biographical. I propose, in this sense, to work on
memorialist discussions based not on the act of remembering, but on forgetting,
while I use my/our Mil rosas roubadas to illustrate the corroborated reflections.
Moreover, I try to establish interrelations between my bios and that of Silviano insofar
as we erect our discourses crossed by a homo-biográfica condition of the exteriority
beyond, above all, to think and to escre(vi)ver from subaltern and marginalized loci:
Brazil, the southern border and Minas Gerais.
Key-words: Silviano Santiago; Mil rosas roubadas; Frontier biographical critique;
Memory; Exteriority.

Resúmen: El objetivo de este trabajo es (re)leer la novela de Silviano Santiago Mil


rosas roubadas (2014), basada esencialmente en el concepto de la memoria no
como un recuerdo, sino como un olvido. Para ello, utilizo una metodología
eminentemente bibliográfica basada en la Critica biografica fronteriça, que, en
términos generales, reúne a ambos Estudios Postcoloniales y Crítica-biográfica. En
este sentido, propongo trabajar en discusiones conmemorativas basadas no en el


Mestrando em Estudos de Linguagens pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, UFMS,
pedro_alvesdemedeiros@hotmail.com.

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acto de recordar, sino en olvidar, mientras uso mis/ nuestras Mil rosas roubadas para
ilustrar las reflexiones corroboradas. Además, trato de establecer interrelaciones
entre mi bios y el de Silviano en la medida en que erigimos nuestros discursos
atravesados por una condición homo-biográfica de la exterioridad más allá, sobre
todo, de pensar y de escre(vi)ver desde loci subalternos y marginados: Brasil, la
frontera sur y Minas Gerais.
Palabras clave: Silviano Santiago; Mil rosas roubadas; Critica biografica fronteriça.
Memoria; Exterioridad.

* Trabalho completo selecionado para publicação na Revista GeoPantanal, v. 14, n.


27, 2019.
https://periodicos.ufms.br/index.php/revgeo

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O ENTRE-LUGAR COMO ESPAÇO DAS LÍNGUAS FRONTEIRIÇAS


The Between-Place as a space of Border Languages
El Entre-Lugar como Espacio de las Lenguas Fronterizas

Mariana Vaca Conde1


Lucilene Machado Garcia Arf 2

Resumo: Este artigo tem por objetivo propor um estudo sobre as línguas presentes
na região fronteiriça compreendida entre Corumbá - Brasil e Puerto Quijarro -
Bolívia. Tem como ponto de partida o estudo das línguas presentes na região e
como cenário a fronteira, território este que recebe um fluxo intenso de migrações.
Esses movimentos humanos permitem que as línguas que não são originárias do
lugar se instalem no espaço fronteiriço com seus componentes culturais e sociais,
propiciando a interação e encontro de diversas tradições e construção de novas
identidades no entre-lugar, o que permite refletir conceitos, competências, e explicar
o lugar geograficamente fronteiriço com todas suas singularidades. Para a
construção deste estudo investigativo utilizou-se a metodologia de pesquisa
documental de campo e entrevistas a colaboradores locais.
Palavras-chave: fronteira Brasil-Bolívia; entre-lugar; línguas na fronteira; identidade;
imbricamento cultural.

Abstract: This article aims to propose a study on the languages present in the
border region between Corumbá - Brazil and Puerto Quijarro - Bolivia. Have as a
starting point the study of the languages present in the region, and as backdrop the
border as a territory that receives an intense flow of migrations. These human
movements allow the languages that are not Originating from the place to settle in
the border space In the border space with its cultural and social components,
enabling the interaction and encounter of different Traditions and the construction of
new identities in the between-place, that allow to reflect concepts, competences, and
to explain the geographically border place with all its singularities. For the
construction of this investigative study we used the methodology of documentary field
research and interviews with local collaborators.
Key words: Brazil-Bolivia border; between-place; languages at the border; identity;
cultural imbrication.

Resumen: Este artículo tiene como objetivo proponer un estudio sobre las lenguas
presentes en la región fronteriza entre Corumbá - Brasil y Puerto Quijarro - Bolivia.
Tiene como punto de partida el estudio de las lenguas presentes en la región y como

1
Graduada em Letras. Mestranda do programa de Mestrado em Estudos Fronteiriços- CPAN/UFMS.
E-mail: mariana.conde.777@hotmail.com
2
Graduada em Letras. Mestra em Estudos literários - Universidade Federal de Mato Grosso do Sul –
UFMS. Doutora em Teoria Literária pela UNESP/São José do Rio Preto. Professora Adjunta da
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, atuando no Programa de Pós-Graduação Mestrado em
Estudos Fronteiriços - MEF. E-mail: lucilenemachado@terra.com.br

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escenario la frontera, territorio que recibe un intenso flujo de migraciones. Estos


movimientos humanos permiten que las lenguas que no son originarias del lugar se
instalen en el espacio fronterizo con sus componentes culturales y sociales,
permitiendo la interacción y el encuentro de diferentes tradiciones y la construcción
de nuevas identidades en el lugar intermedio, lo que permite reflejar conceptos,
competencias y explicar el lugar geográficamente fronterizo con todas sus
singularidades. Para la construcción de este estudio de investigación, utilizamos la
metodología de investigación documental de campo y entrevistas con colaboradores
locales.
Palabras clave: frontera Brasil-Bolivia; entre-lugar; lenguas en la frontera; identidad,
imbricación cultural.

Introdução
Quando se fala de espaço fronteiriço, deve-se considerar sob que significado
se usa o seu conceito. Por um lado, existe a perspectiva da fronteira como uma
delimitação jurídico-política, que se refere à mesma como um marco territorial
limitado ao Estado-nação. Por outro, pode-se ver o espaço fronteiriço como uma
dimensão cultural que é construída socialmente. Estudar esta zona incute
compreensões diversas, pois, está associada à noção de limite, barreira ou marcos
de divisão, impossibilitando a compreensão de sua abrangência, dinâmica,
significados, porosidade e, ao mesmo tempo, complexidade.
O imbricamento cultural é construído dia a dia nesta fronteira Brasil-Bolívia.
No lado brasileiro estão localizadas as cidades de Corumbá e Ladário, situadas ao
extremo oeste do estado de Mato Grosso do Sul, distanciando-se da capital do
estado pouco mais de quatrocentos quilômetros. No lado boliviano, pouco mais de
cinco quilômetros das cidades brasileiras, estão as cidades de Puerto Quijarro e
Puerto Suárez, situadas na província Germán Busch, no extremo oriente do
Departamento3 de Santa Cruz de la Sierra.
Este contexto sociocultural propicia a interação e encontro de diversas
culturas, bem como a construção de novas identidades nesse entre-lugar, já que se
diferencia do restante do estado e implementa uma fronteira imaginária, também
com o território regional onde Corumbá está inserida. Em se tratando de linguagem,
essa faixa territorial proporciona uma efervescência de trocas que incluem
português, espanhol, línguas indígenas e línguas faladas por imigrantes que

Neste estudo consideramos que o Departamento equivale a estado, embora tenha suas
3

singularidades.

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encontram neste espaço geográfico as condições favoráveis para se fixarem e


usufruírem de suas culturas, sobretudo a linguística.
Este artigo versa investigar as línguas que circulam na fronteira como um
entre-lugar linguístico-cultural em que vive o habitante da fronteira, considerando o
grande fluxo de pessoas que trafegam entre os países diariamente, seja a trabalho,
relações comerciais, estudo, turismo, lazer, entre outros, como afirma Sturza (2006)
“as fronteiras geográficas são preenchidas de conteúdo social”. Para a elaboração
deste estudo foi desenvolvida uma ampla pesquisa bibliográfica e documental
acerca do tema, pesquisa de campo e entrevistas a colaboradores locais.

Fronteira e identidades: a questão do entre-lugar


A fronteira vai além de demarcações territoriais entre países, ao mesmo
tempo em que separa, une pessoas e culturas distintas. Possui vários contrastes,
pois, nela as pessoas se movimentam diariamente, interagindo em torno da
economia, da política, da gastronomia, da religião, da língua, enfim, da cultura.
Albuquerque (2006, p.5) salienta que as fronteiras são fluxos, misturas e
separações, integrações, obstáculos e tumultos, domínios e subordinações porque
“representam espaços de poder, de conflitos variados e de distintas formas de
integração cultural.” Para Ernesto Guhl (1991), a fronteira adquire diferentes olhares,
formas e maneiras, conforme a atitude e instância em que se lança o olhar e por
quem é lançado. Ela é vivenciada e percebida de forma diferente por cada sujeito, a
depender de suas experiências, sempre inigualáveis. O que se supõe que, para
entender uma fronteira é necessário entendê-la não só como um lugar, mas como
um espaço de vivência.
Segundo Pesavento (2001), a fronteira é caracterizada por um “ir-e-vir” que
por meio da interação social possibilita o advento de algo diferente e novo, cheio de
possíveis interpretações e diversos significados, chamado de entre-lugar. A
expressão entre-lugar é um termo formulado por Homi Bhabha que analisa diversos
fatores históricos e referências feitas aos contatos interculturais pós-coloniais e
configura um elemento intersticial onde as diferenças se movimentam, significantes
e significados se encontram, concebendo novos sentidos. Pode ser compreendido
como um pensamento liminar construído nas fronteiras, lugar onde as identidades,

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conhecimentos, práticas e modos de vida se encontram em debate, ou seja, em


construção.
Para Hanciau (2005, p.1), o conceito de entre-lugar possui multiplicidade de
vertentes culturais que circulam na contemporaneidade e ultrapassam fronteiras,
fazendo do mundo uma formação de entre-lugares, surgindo assim, novas práticas
linguísticas, novos discursos, sujeitos diferentes, bem como, novas identidades
formadas por processos culturais que são gerados a partir da interação entre dois
povos. Esse encontro com o “novo” possibilita ao sujeito assumir uma relação de
alteridade, ou seja, a ideia de diferença entre o “eu” e o “outro” no lado oposto à
linha limite, tendo papel primordial em relação à configuração das relações sociais
que ocorrem na fronteira. Um espaço, como aponta Bhabha (1998, p. 264) que se
abre “continuamente e contingentemente”, zona de contato em que se negociam e
se reconfiguram de forma conflituosa as identidades da diferença cultural, as
fronteiras. Como observa Ferraz:

O entre-lugar, (...), é um conceito que aponta para um determinado arranjo


espacial que se caracteriza por ser fronteira, ou seja, ao mesmo tempo em
que separa e limita, permite o contato e aproxima. É local daqueles que
estão de passagem e em movimento buscando os afetos e as razões para
se enraizar e permanecer. É lugar de estranhamento e ao mesmo tempo
potencializador de identidades. É onde se manifesta de forma mais
dinâmica a diversidade de ideias e valores, por isso é propulsor de unidades
de posturas. É o lugar cujo horizonte sempre está mais além e aquém, mas
é também onde o vazio de significados cobra o estabelecimento de sentidos
possíveis. É sombra e luz e algo mais. (FERRAZ, 2010, p.30)
Esse arranjo pode ser presenciado em Corumbá e Puerto Quijarro, visto que
é um lugar de passagem, é grande a quantidade de núcleos itinerantes que habitam
temporariamente as cidades. Por estarem na fronteira, há uma mobilização de
integrantes do exército, marinha e aeronáutica que exercem o papel fiscalizador de
estado, além de outros órgãos da federação como polícia e mesmo os órgãos
judiciais que estão sempre em movimento nessa área. Afora isso, há as imigrações
que fazem desse contexto o início de uma nova possibilidade de vida fixando-se por
tempo indeterminado ou até que conheçam melhor o país e possam fazer uma
escolha mais acertada. Alguns fincam suas raízes e passam contribuir para a
transculturação e miscigenação do lugar, que tem na língua um dos fenômenos mais
visíveis de congregação cultural, já que atribui valor central às propriedades formais
das relações. Ou seja, toda relação está permeada pela língua que circunda a
inesgotável riqueza de múltiplos valores.

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As línguas no entre-lugar
A linguagem é inseparável do homem e o segue em todos os seus atos, por
meio dela, os sujeitos se identificam com seus semelhantes, constroem suas
culturas, tornando-se um refúgio do próprio pensamento. A língua deixa de ser
somente um meio de comunicação e passa a ser um instrumento de construção
cultural e identificação, que engloba princípios, valores, normas, saberes e
conhecimento, sistemas de comunicação, entre outros âmbitos da vida social. o
instrumento pelo qual o homem modela o seu pensamento, seus sentimentos, suas
emoções, seus esforços, além de sua vontade e ações. Pela linguagem, ele
influencia e é influenciado, é marca de sua personalidade, da nação e do lugar onde
reside.
A coexistência de línguas em um mesmo território é uma realidade que faz
parte da maioria das comunidades do mundo. Cada vez mais tem-se estudos
dedicados ao contato entre elas, devido em parte ao aumento das comunicações
entre as pessoas, o que facilita a coexistência de culturas, raças e línguas de
origens diferentes. Tal fato oferece complexas e diversas situações de contato de
uso de uma, duas ou mais línguas, destacando-se mais nas regiões de fronteira.
Para García Marcos (1999) o contato entre línguas não é um fenômeno individual,
senão social, tornando-se um lugar propício para observar as relações entre língua e
sociedade, principalmente quando se trata de grupos étnicos ou sociais que dividem
o mesmo espaço geográfico e político, inter-relacionando-se e, tendo na língua sua
identidade.
A convivência de sociedades e de línguas dão lugar a fenômenos que afetam
a todos os níveis linguísticos, desde os mais superficiais aos mais complexos,
podendo ocorrer o contato linguístico entre línguas de prestígio semelhante, línguas
nativas ou como resultado da migração. Sturza (2016) diz que por meio do contato
das línguas, os sujeitos que habitam as fronteiras se significam na e pela língua,
seja esta diferente ou semelhante. Louis Hjelmslev em Prolegômenos de uma teoria
da linguagem assegura que:
O linguista deve se interessar tanto pelas semelhanças como pelas
diferenças das línguas; esses são dois aspectos complementares do
mesmo fenômeno. A semelhança entre as línguas reside no próprio

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princípio de suas estruturas; a diferença entre elas provém da execução in


concreto desse princípio. (HJELMSLEV, 2006, p. 79)
De acordo com o artigo 13 da Constituição Federal Brasileira (BRASIL, 1988),
no capítulo sobre a nacionalidade, lê-se: "A língua portuguesa é o idioma oficial da
República Federativa do Brasil". Há também a Língua Brasileira de Sinais (Libras)
que é reconhecida como meio legal de comunicação e expressão entre as
comunidades de pessoas surdas. Além do Brasil ter duas línguas oficiais, existem as
línguas minoritárias que são faladas em todo o país. Conforme levantamento do
Censo Demográfico (IBGE, 20104), 274 línguas são faladas por indígenas de 305
etnias diferentes. Pesquisas mostram que há 56 línguas faladas por descendentes
de imigrantes que vivem no Brasil há pelo menos três gerações.
Nesse espaço, sobressaem o português e espanhol a priori como línguas de
contato. No caso do Brasil com a Bolívia, há uma inversão do que seria a língua de
maior prestígio em nível internacional. O espanhol como idioma mundial é uma
língua com muito mais poder e mais bem-conceituada no ranking das mais faladas.
Porém, a política da língua está atrelada à política econômica, o que confere ao
idioma português um melhor lugar na hierarquização da língua, isso é, processos
ideológicos que contribuem para a manutenção desse status quo.
Com um olhar mais atento, observa-se que há uma pluralidade de línguas,
resultado da presença de povos nativos, migrantes e imigrantes que constituem este
espaço sociolinguísticamente complexo e peculiar. No lado brasileiro, a cidade de
Corumbá possui diversas peculiaridades, sendo algumas específicas das regiões de
fronteira, tornando-se um local privilegiado. Após a guerra do Paraguai, tornou-se
importante centro atrativo de estrangeiros que se radicaram no local e contribuíram
para a construção da cidade, cada qual com sua importância cultural,
socioeconômica e política.
De acordo com Costa (2015) esta era (e ainda é) uma região ocupada por
etnias indígenas inseridas no que hoje são territórios do Brasil e da Bolívia e que já
transitavam, há muito tempo, por esta região fronteiriça. Além das duas línguas
nacionais e os idiomas indígenas, estão presentes as línguas dos imigrantes sendo
considerada abundante a mescla linguística, o que resulta do cenário socio-histórico
de formação desta localidade, fruto da migração de distintos povos.

4
Dados retirados do site: https://indigenas.ibge.gov.br/estudos-especiais-3/o-brasil-indigena/lingua-
falada. Acesso em: 12 de jul. de 2019.

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Sendo parte da Bacia Platina, após a Guerra do Paraguai (1864-1870),


Corumbá tornou-se importante centro atrativo de estrangeiros. Para ali se
deslocaram imigrantes de diversas nacionalidades, como: italianos,
portugueses, espanhóis, franceses, sírios, libaneses entre outras.
(OLIVEIRA, 2014, p.96)

Esses imigrantes trouxeram consigo suas próprias culturas, religiões e


línguas, tornando grande a mescla linguística, fruto da migração de povos diversos.
Conforme Censo (IBGE, 2010 5 ), verifica-se a marcante presença de diversas
nacionalidades na cidade de Corumbá. Os dados registrados informam que corumbá
é a terceira cidade do estado com mais estrangeiros, representando 0,70 % da
população da cidade.
Por outro lado, tem-se do lado da Bolívia grande riqueza linguística, um país
multilíngue e multicultural, sua população é composta por povos mestiços, indígenas
e afro-bolivianos que, de acordo com a zona geográfica, deixam transparecer
através das roupas, costumes, tradições, mitos, danças, ritmos, línguas, a cultura
viva do seu povo. No país existem 36 diferentes nações ou povos indígenas
originários e campesinos, reconhecidos pela Constituição Política do Estado
Plurinacional que reconhece o espanhol e os idiomas dos povos indígenas como
oficial, como lê-se:
São idiomas oficiais do Estado o castelhano e todos os idiomas das nações
e povos indígena originário campesinos, que são o aymara, araona, baure,
bésiro, canichana, cavineño, cayubaba, chácobo, chimán, ese ejja, guarani,
guarasu’we, guarayu, itonama, leco, machajuyai kallawaya, machineri,
maropa, mojeño-trinitario, mojeño-ignaciano, moré, mosetén, movima,
pacawara, puquina, quechua, sirionó, tacana, tapiete, toromona, uru-
6
chipaya, weenhayek, yaminawa, yuki, yuracaré e zamuco. (BOLIVIA, 2009)

Ao estudar mais a fundo as línguas nesta região fronteiriça, percebe-se que


no lado boliviano há algumas línguas originárias ou nativas que se destacam. O
linguista boliviano Callisaya Apaza (2012) em sua tese de doutorado, afirma que
essas línguas são faladas por quatro milhões de pessoas, sendo o quechua e o
aimará os idiomas com o maior número de falantes. Ainda, segundo o autor, as

5
Dados retirados do site: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/ms/corumba. Acesso em: 20 de abr. de
2019.
6
No original: “Son idiomas oficiales del Estado el castellano y todos los idiomas de las naciones y
pueblos indígena originario campesinos, que son el aymara, araona, baure, bésiro, canichana,
cavineño, cayubaba, chácobo, chimán, ese ejja, guaraní, guarasu’we, guarayu, itonama, leco,
machajuyai kallawaya, machineri, maropa, mojeño-trinitario, mojeño-ignaciano, moré, mosetén,
movima, pacawara, puquina, quechua, sirionó, tacana, tapiete, toromona, uru-chipaya, weenhayek,
yaminawa, yuki, yuracaré y zamuco. (2009)

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outras línguas minoritárias estão distribuídas, em sua maioria, nas terras baixas da
Bolívia, sendo difícil determinar com precisão o número de pessoas falantes dessas
línguas.
Conforme dados do Censo Nacional de Población y Vivienda (INE, 2012), os
três idiomas mais falados do país são de fato o castelhano, o quechua e o aimará,
que juntos representam quase 94% dos habitantes do país. Os registros dos
entrevistados neste censo, na área rural e urbana concluíram, que o castelhano é
utilizado por 69,4% dos habitantes da Bolívia e o quechua por 17,1%. O aimará
ficou como o terceiro idioma oficial mais utilizado no país com 10,7% de falantes, o
guarani com 0,5% e os resto dos outros idiomas com 0,2 %. Ainda de acordo com o
Censo, os idiomas principais falados pela população de seis anos ou mais, no
Departamento de Santa Cruz de la Sierra, na ordem decrescente são: castelhano,
quechua, aimará, guarani, guarayu, bésiro e zamuco. (INE, 2012).
Ao realizar as leituras do Censo (INE, 2012), observa-se que a migração
interna ao Departamento de Santa Cruz foi de 2,2 % chegando a ser o segundo
departamento que mais recebeu migrantes, ficando atrás apenas de Pando com
14%, ambos localizados em região de fronteira. Duas de cada cem pessoas que
residem atualmente na cidade, nos últimos cinco anos, viviam em outros lugares da
Bolívia. Essas pessoas que migraram internamente, acabaram se dispersando nas
quinze províncias do Departamento. De acordo com o Atlas sociolinguístico de
povos indígenas em América Latina (2009), esse processo migratório interno se deu
principalmente a partir dos anos 90, com um grande fluxo da população andina vindo
em direção às terras tropicais de colonização.
Conforme o Plano Estadual de Desenvolvimento de Santa Cruz de la Sierra
7
(2015) e o Plano Territorial de Desenvolvimento Integral de Santa Cruz de la Sierra
– PTDI (2016) 8 , há cinco povos que estão fixados no Departamento que são:
guarayo, mojeño, chiquitano, ayoreo e guarani. Dentre eles, dois estão localizados
na Província German Bush onde está localizada a cidade de Puerto Quijarro, que
são os chiquitanos e os ayoreos.
Os chiquitanos, povo indígena que habita a região da Gran Chiquitania,
grupo mais numeroso e estendido no território do Departamento, ocupam a maior

7
No original: “Plan Departamental de Desarrollo de Santa Cruz de la Sierra”
8
No original: Plan Territorial de Desarrollo Integral - PTDI

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parte da Província. Antes da chegada dos espanhóis formavam um conjunto de


povos numerosos, dispersos em várias regiões com suas próprias culturas e línguas.
Destacam-se o trabalho artesanal, a dança, a música e a devoção à fé católica. Os
chiquitos conformavam uma família linguística muito ampla de modo que se
diferenciavam entre si, tendo como base os dialetos. Os jesuítas impuseram uma
língua única para poder se comunicar entre os diferentes grupos que se
estabeleceram nas missões, chamada de bésiro-chiquitano.
Os ayoreos são povos nômades, divididos em clãs. Para o antropólogo Milton
Eyzaguirre (2013), os membros destes povos se autodenominam “ayoreode”, que na
sua língua, o zamuco, significa “homem da selva, nós”. De acordo com o explorador
francês D’Orbigny, essa língua tem doçura na sonoridade das palavras, sendo
chamanda de italiano do deserto.
Conforme dados da Confederação Nacional de Nacionalidades Indígenas e
Nativas da Bolívia9 - CNNIOB (2004), há cerca de 3.100 habitantes distribuídos em
pequenas comunidades na província.10 No Plano de Ocupação Territorial do Estado
Autônomo de Santa Cruz de La Sierra (2012) 11 há informações que eles têm
construído bairros nas cidades de Puerto Quijarro, Puerto Suárez, Roboré e San
José. Acredita-se que nos últimos anos, eles migraram para esta região devido à
construção da ferrovia que liga a Bolívia ao Brasil.
Em pesquisa documental realizada na Prefeitura Municipal de Puerto Quijarro
e conversa marcada com o Secretario Administrativo e Financeiro, nos foi informado
que o que era antes chamado de Plano de Desenvolvimento Municipal (PDM) 12 ,
agora chama-se Plano Territorial de Desenvolvimento Integral (PTDI) 13 . Este
documento tem vigência 2016-2020 e, é atualizado a cada cinco anos. Reúne
dados sobre o município nas diversas áreas como: desenvolvimento social e
territorial, educação, economia, saúde, metas, projetos, entre outros. De acordo
com o documento, os idiomas mais falados no município são o castelhano,
português, e em menor proporção o idioma originário ayoreo e bésiro. Uma fração
da população fala o quechua e o aimará devido a migração interna proveniente do

9
No original: Confederación Nacional de Nacionalidades Indígenas y Originarias de Bolivia - CNNIOB.
10
Retirado do Site: https://www.educa.com.bo/etnias/los-ayoreos. Acesso em: 23 de jun. de 2019.
11
No original: Plan de Ocupación Territorial del Departamento Autónomo de Santa Cruz de La Sierra
12
No original: Plan de Desarrollo Municipal – PDM
13
No original: Plan Territorial de Desarrollo Integral -PTDI

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ocidente às zonas fronteiriças. No documento, há uma parte em que fala que o


município foi influenciado pelo português, como consequência do contato na
fronteira.
As línguas de povos indígenas, assim como todas as outras línguas, são ricas
em histórias vivas, em um tempo quase perdido ou esquecido, precisariam ser
transmitidas por todas as gerações, em um processo contínuo de fortalecimento
identitário, dentro e fora do grupo, pois, pensar no desaparecimento de uma língua é
gerar um enorme vazio na história de um povo. Por isso, a revitalização linguística
das línguas, ao mesmo tempo preserva o saber cultural e identitário, bem como, os
direitos humanos, além de garantir outros direitos que se fizerem necessários. Na
província Germán Bush, o bésiro-chiquitano foi incluído no currículo das escolas
como língua originária obrigatória na Educação Básica de Puerto Quijarro, de acordo
com a nova Lei da educação boliviana Avelino Siñani – Elizardo Pérez que define a
educação como intracultural, intercultural e plurilíngue, comunitária, produtiva e
descolonizadora. Com o intuito de aprimorar o ensino de línguas originárias, o
governo boliviano implementou programas de formação complementaria para os
professores de todas as etapas da educação.
Observa-se com esses dados que os movimentos humanos permitem que as
línguas que são faladas na região se instalem no espaço fronteiriço e, com isso,
tragam consigo suas práticas culturais e sociais. Em entrevista marcada realizada na
cidade de Puerto Quijarro, no Mercado Municipal, concedida por uma vendedora de
verduras e frutas, esta nos relatou que veio da cidade de Cochabamba há cinco
anos, estimulada pela informação de que na fronteira haveria melhores condições de
vida e oferta de melhores empregos. A história dela se assemelha a de outros, que
veem a fronteira como um espaço mais lucrativo para o comércio.
Os migrantes que se mudam para as para cidades de Puerto Quijarro e
Puerto Suárez, são oriundos de várias regiões da Bolívia. Em sua maioria, eles vêm
em busca de uma melhor condição de vida, com a perspectiva de conseguirem um
emprego melhor remunerado, destacando-se no âmbito comercial. Alguns deles
moram no lado boliviano e atravessam a fronteira diariamente, seja para estudar
e/ou trabalhar. Com eles, também atravessa a bagagem cultural que aos poucos vai
se mesclando com a local, formando a identidade fronteiriça.

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Considerações finais
Conforme foi visto ao longo deste trabalho, nesta região fronteiriça
compreendida entre Corumbá/BR e Puerto Quijarro/BO constatou-se que há uma
pluralidade de línguas, resultado da presença de povos nativos, migrantes e
imigrantes que constituem este espaço sociolinguísticamente complexo e peculiar.
Os habitantes desta fronteira estampam traços próprios que os caracterizam
nesses espaços compartilhados e de interação, e as mesmas línguas que os
aproximam também os distinguem. Foi constatado que os povos que vieram para
esta região, seja na cidade de Corumbá ou Puerto Quijarro, trouxeram consigo suas
bagagens cultuais que se acabam se mesclando com a local formando a identidade
fronteiriça. Tal deslocamento geográfico contribui de forma acentuada para o cenário
sociolinguísticamente complexo desta fronteira.
Esse contato diário com o “outro” estabelece relações distintas, tendo as
línguas que circulam na região como fortes elementos constituintes, criando as
situações de plurilinguismo nas zonas limítrofes.

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http://repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270606/1/Sturza_ElianaRosa_D.pdf
> Acesso em: 20 de mar. de 2019.

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OUTRO CALÇADÃO DE UMA MESMA COPACABANA - A CELEBRAÇÃO DA


VIRGEM: UM DIÁLOGO ENTRE A FRONTEIRA DE CORUMBÁ/BR E PUERTO
QUIJARRO/BO
Another boardwalk of a same Copacabana - The celebration of the virgin: a dialogue
between the border of Corumbá / BR and Puerto Quijarro / BO
Otro paseo marítimo de un mismo Copacabana - la celebración de la virgen: un
diálogo entre la frontera de Corumbá / BR y Puerto Quijarro / BO

Gesliane Sara Vieira Chaves

Resumo: Este resumo é fruto de um projeto de Doutorado (2019-2023) aprovado no


PPGG/UFGD. Que propõe analisar os territórios da celebração à Virgem de
Copacabana entre a fronteira de Corumbá/BR e Puerto Quijarro/BO, e no que eles
contribuem no entendimento do modo de como as sociedades fronteiriças se
relacionam. O objetivo desta pesquisa é compreender como esses territórios
religiosos colaboram nas relações sociais e culturais compostas de aproximações e
afastamentos entre brasileiros e bolivianos. Para realização deste estudo será
desenvolvida uma pesquisa de cunho qualitativa, compreendida como: descritiva e
explicativa. Para tal, o trabalho de campo contribui, para a observação, descrição e
análise da referida celebração à Virgem, desde as suas preparações, perpassando
os rituais e festejos. A partir, do trabalho de campo, serão colhidas as percepções
dos devotos, através de entrevistas e registros imagéticos. A finalidade desta
comunicação é dialogar o objeto da pesquisa com os campos teóricos e
metodológicos dos estudos culturais.
Palavras-chave: Virgem de Copacabana, Corumbá, Puerto Quijarro.

Abstract: This summary is the result of a Doctoral Project (2019-2023) approved by


the PPGG / UFGD. It proposes to analyze the territories of the celebration of the
Virgin of Copacabana between the Corumbá / BR and Puerto Quijarro / BO borders,
and what they contribute to the understanding of the way in which border societies
relate. The aim of this research is to understand how these religious territories
collaborate in social and cultural relations composed of approximations and
distances between Brazilians and Bolivians. For this study will be developed a
qualitative research, understood as: descriptive and explanatory. To this end, the
fieldwork contributes to the observation, description and analysis of this celebration
to the Virgin, from its preparations, passing through the rituals and celebrations.
From the fieldwork, the perceptions of the devotees will be collected through
interviews and imagery records. The purpose of this communication is to dialogue
the research object with the theoretical and methodological fields of cultural studies.
Key-words: Virgin of Copacabana, Corumbá, Puerto Quijarro.


Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal da Grande
Dourados, geise_sara@hotmail.com.

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Resúmen: Este resúmen es el resultado de un Proyecto de Doctorado (2019-2023)


aprobado por el PPGG / UFGD. Propone analizar los territorios de la celebración de
la Virgen de Copacabana entre las fronteras Corumbá / BR y Puerto Quijarro / BO, y
lo que contribuyen a la comprensión de la forma en que se relacionan las
sociedades fronterizas. El objetivo de esta investigación es comprender cómo estos
territorios religiosos colaboran en las relaciones sociales y culturales compuestas de
aproximaciones y distancias entre brasileños y bolivianos. Para este estudio se
desarrollará una investigación cualitativa, entendida como: descriptiva y explicativa.
Con este fin, el trabajo de campo contribuye a la observación, descripción y análisis
de esta celebración a la Virgen, desde sus preparativos, pasando por los rituales y
celebraciones. A partir del trabajo de campo, las percepciones de los devotos se
recopilarán a través de entrevistas y registros de imágenes. El propósito de esta
comunicación es dialogar el objeto de investigación con los campos teóricos y
metodológicos de los estudios culturales.
Palabras clave: Virgin de Copacabana, Corumbá, Puerto Quijarro.

Introdução
O município de Corumbá fica localizado na porção oeste de Mato Grosso do
Sul. Entre a morraria do Urucum, ao sul; a margem direita do Rio Paraguai, ao norte;
tendo como enclave territorial o município de Ladário e fronteira com a Bolívia.
Corumbá faz fronteira, mais propriamente com Arroyo Concepcón, distrito de Puerto
Quijarro, na província de German Bush, do departamento de Santa Cruz, ou seja,
Corumbá/Puerto Quijarro são cidades-gêmeas.
Oliveira (2008) considera um caso de semi-conurbação devido ao fato dos
municípios não serem ligados de forma contigua. Diferente de Costa, que não
considera a fronteira Corumbá/Puerto Quijarro uma conurbação.
Não se trata de uma conurbação fronteiriça, pois não existe uma
continuidade urbana, ou seja, o formato de um único (aparente) sítio
urbano. [...] Suas interações fronteiriças são intensas, porém nem tanto
quanto cidades conurbadas como Ponta Porã (Brasil)/Pero Juan Caballero
(Paraguai) ou Santana do Livramento (Brasil)/Rivera (Uruguai) [...] (2012, p.
25-26).
Costa (2015) em seu trabalho intitulado “Os bolivianos em Corumbá-MS:
conflitos e relações de poder na fronteira” narra sobre algumas discordâncias e
disputas entre os fronteiriços e o desinteresse do Estado em urbanizar a divisa entre
Corumbá a Puerto Quijarro. Isso ocorre, segundo o autor, porque os terrenos estão
na maioria em áreas militares ou estatais e as últimas construções na linha de
fronteira de Corumbá são o Clube Recreativo de Subtenentes, Sargentos (Cresse),
Receita Federal e a Polícia Federal. O que impossibilitaria o processo de
conurbação entre Corumbá a Puerto Quijarro.

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Para além de áreas de “conflitos e relações de poder”, se as fronteiras podem


ser percebidas como marcos de disparidades culturais entre populações fronteiriças,
podem também ser de trocas materiais e simbólicas (ALBUQUERQUE, 2009).
Pensando a fronteira, podemos caracteriza-la em zona de fronteira e faixa de
fronteira, embora pareçam termos semelhantes, não são iguais. No Brasil, a faixa de
fronteira corresponde a 150 km e na Bolívia a 50 km.
A zona de fronteira é composta por 'faixas territoriais de cada lado do limite
internacional, sendo sua extensão geograficamente limitada a algumas
dezenas de quilômetros a ambos os lados da linde. (grifos do autor) [...] A
faixa de fronteira trata-se de uma extensão maior em relação a anterior
(zona de fronteira), mas seu papel é restrito a cada Estado-Nação, ou seja,
o programa das ações conjuntas se define para ser aplicado às jurisdições
políticas internas de cada país (SILVA, 2008, p. 08-09).
Os diálogos entre os estados territoriais na zona de fronteira se revelam
continuamente por meio da relação social e cultural, aderindo mutuamente
costumes, crenças, valores e vocábulos idiomáticos, específicos e diversos dos
municípios fronteiriços, separadas por um limite estabelecido, que criam um elo de
interação próprio, percebido nesses espaços geográficos. (RETIS, 2005).
Conforme Albuquerque (2010, p. 42) “as fronteiras são fenômenos sociais,
plurais e dinâmicos”. Na mesma linha de pensamento Costa e Dias afirmam que:
Perceber a fronteira como um elo de integração não pressupõe a
inexistência de conflitos, tampouco a uniformização de culturas, mas
reconhecer nessas diferenças as possibilidades de trocas e crescimento faz
da fronteira um lugar especial (2015, p. 228).
Se existem conflitos e disputas nas fronteiras, também existem as
permeabilidades e porosidades. A partir das permeabilidades, os Estados não são
capazes de evitar o fluxo de pessoas, culturas, valores e princípios. Marcos
Mondardo se refere à fronteira na dimensão cultural:
Surgem perspectivas em torno das identidades, das etnias, das
nacionalidades, das territorialidades, em contexto de fronteira. Essas
abordagens visam analisar grupos minoritários, subalternos e de migrantes
que vivem por entre fronteiras sociais e territoriais ou estão situados nos
conflitos (ou questões) chamadas de fronteira (2018, p. 58) (grifos do autor).
Ainda sobre a problemática da fronteira na dimensão cultural, o autor
descreve “[...] espaço mais aberto e poroso para que outros sujeitos ganhem
visibilidade, tornem-se protagonista e construam outra hegemonia, de “baixo para
cima”, pelo caminho da resistência [...]” (Idem).
Sobre a temática Behyaut afirma que:
Por isso, insistimos na ineficácia da noção de fronteira como autêntica
barreira para a integração cultural. O elemento popular é fundamental nessa
integração, quando a mesma se opera em profundidade. Neste sentido,
nem a fronteira servira para ilhar, nem a origem popular será um elemento
de bloqueio (1994, p. 194).

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Desse modo, pensando a integração cultural entre Corumbá e Puerto


Quijarro, para esse projeto propomos analisar a celebração à Virgem de
Copacabana. Santa padroeira da Bolívia, abraçada pelos Corumbaenses, e
festejada tanto em solo brasileiro, quanto em solo boliviano.
Conforme Costa e Dias, “de um modo geral se pode afirmar que o migrante
boliviano convive amigavelmente com a população Corumbaense” (2015, p. 231). É
nesse território fronteiriço que a pesquisa buscara compreender como o papel da
devoção a Nossa Senhora de Copacabana influencia nas aproximações e
afastamentos entre brasileiros e bolivianos.

Justificativa
A história da Virgem de Copacabana1 narra à devoção de um descendente
inca, catequisado pela igreja católica espanhola, Francisco Tito Yupanqui. Os
relatos narram que ele queria que a imagem de Nossa Senhora estivesse no altar da
Capela de Copacabana. A primeira escultura teria ficado feia, mas Yupanqui
estudou as técnicas de arte sacra e escultura e reproduziu uma imagem de Nossa
Senhora da Candelária, que acabou sendo adotada pela sua cidade, com seu
próprio nome: Copacabana.
A fama milagrosa da Virgem de Copacabana se espalhou pela América,
dando nome para um dos bairros e praia mais conhecidos do Brasil e do mundo,
Copacabana:
A primeira versão faz referencia à língua quichua, falada no antigo Império
Inca. [...] significa “lugar luminoso”, “praia azul” ou “mirante do azul”.
Outra hipótese diz que o termo é de origem aimara, língua que era falada na
Bolívia. O significado é “vista do lago”. Na Bolívia, Copacabana é o nome
dado a uma cidade situada às margens do Lago Titicaca, fundada sobre um
antigo local de culto inca. Ha relatos de que nesse local, antes da chegada
dos colonizadores espanhóis, ocorria o culto a uma divindade chamada
Kopakawana. Essa divindade protegeria o casamento e a fertilidade das
mulheres.
No século XVII, comerciantes bolivianos e peruanos de prata [...] trouxeram
uma réplica da imagem de Nossa Senhora de Copacabana para a praia do
Rio de Janeiro. Sobre um rochedo, construíram uma capela em
homenagem à santa. (DIARIO DO RIO DE JANEIRO, 2016).
Tanto no caso brasileiro, como no boliviano, é possível perceber o caráter
simbólico atribuído à celebração da Virgem de Copacabana. Os desfiles, missas e
celebrações iniciam em Corumbá, atravessam a fronteira e continuam em Puerto

1
Texto retirado da História da Virgem de Copacabana. Disponível em:
<https://cruzterrasanta.com.br/historia-de-nossa-senhora-de-copacabana/31/102/#c>. Acesso em 08
out. 2018.

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Quijarro. Essa celebração faz parte de um extenso calendário religioso,


representando importantes manifestações culturais dos dois lados da fronteira.
No lado brasileiro (Corumbá/Ladário) são comemoradas as festas de São
Sebastião (20 de janeiro), Nossa Senhora da Candelária e Nossa Senhora dos
Navegantes (02 de fevereiro), São Jorge (23 abril), Divino Espírito Santo no distrito
Albuquerque (21 de maio), Santo Antônio (13 de junho), São João (24 de junho),
São Pedro e São Paulo (29 de junho), Nossa Senhora do Carmo padroeira do
distrito de Forte Coimbra (16 de julho), Virgem de Copacabana (06 de agosto),
Virgem de Urkupiña (16 de agosto), São Cosme e São Damião (27 de setembro),
Nossa Senhora dos Remédios padroeira de Ladário (14 de outubro), festa de
Iemanjá (31 de dezembro).
No lado boliviano (Puerto Quijarro/Puerto Suarez) são realizadas as festas de
Virgem de Copacabana (originalmente 02 de fevereiro, transferida para 06 de
agosto, data em que também se comemora a Independência da Bolívia), São João
(24 de junho), Nossa Senhora do Carmo na comunidade El Carmen de la Frontera
(16 de julho), Virgem de Urkupiña (16 de agosto), Nossa Senhora de Cotóca (08 de
dezembro), entre outras. Como percebemos ambos os municípios celebram
santos/as do Brasil e bolivianas. No lado brasileiro, comemora-se Virgem de
Copacabana, Nossa Senhora de Cotóca e Virgem de Urkupiña. E no lado boliviano,
no dia 24, a festa de São João em Puerto Quijarro e Puerto Suarez (FIGUEIREDO;
COSTA; PAULA, 2011) e na comunidade El Carmen de la Frontera, Nossa Senhora
do Carmo (SABATEL, 2013).
Esses eventos religiosos envolvem um significativo número de moradores
brasileiros, bolivianos e visitantes. É possível perceber as especificidades das
comemorações religiosas no Brasil e na Bolívia, mas também é possível perceber
seu caráter dialógico. É o que se verifica, por exemplo, nas celebrações da Virgem
de Copacabana, Virgem de Cotóca e na Virgem de Urkupiña que fazem parte do
calendário de eventos de Corumbá2.
Segundo Costa e Dias (2015, p. 233) “existe nas tradições bolivianas uma
mistura entre religião, música e dança. Dentre essas, se destacam as festividades
em homenagem às Virgens de Cotóca, Copacabana e Urkupiña”, desencadeando

2
Em diálogo (01 de outubro de 2018) com servidor da Fundação de Cultura de Corumbá, José
Gilberto Rozisca, o mesmo relata que as celebrações as santas fazem parte do calendário de
eventos, porém não recebem aporte financeiro, como ocorre no São João, por exemplo.

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celebrações e devoções às Virgens bolivianas, por brasileiros e bolivianos de


Corumbá e Puerto Quijarro.
Um exemplo é a presença de uma imagem da Virgem de Cotóca no terreiro
de Candomblé3 de Pai Clemilson, Babalorixá do Instituto Afro-religioso Cultural Axé
Lakum. Pai Clemilson relata que tem filhos de santos bolivianos, devotos da santa,
portanto mantém em seu altar, junto de outras santas católicas4.
Outro exemplo destacado por Costa e Dias são as celebrações à Virgem de
Urkupiña realizadas em Corumbá, por bolivianos e brasileiros, com novenas,
celebrações e desfiles.
Existem muitos locais de festa, sempre nas proximidades de aglomerações
de moradores bolivianos. Numa delas, dentre as mais tradicionais, a festa
se inicia com a celebração de uma missa em uma das igrejas locais e,
posteriormente a imagem da santa é transportada em altar permanente
localizado onde era Feira BRASBOL (2015, p. 233).
Se as celebrações da Virgem de Urkupiña representam importantes
atividades no município de Corumbá e Puerto Quijarro, o mesmo ocorre com a
Virgem de Copacabana, que atravessa as fronteiras, sejam elas materiais e/ou
simbólicas.
Uma característica das festividades em louvor à Virgem de Copacabana é
acontecer nos dois lados da fronteira entre Brasil e Bolívia. Ao lado
brasileiro, são reservadas as partes religiosa (missa) e folclórica (entrada),
com o desfile de devotos em grupos de danças tradicionais pelas ruas da
cidade; e ao lado boliviano, a festa com mais dança, comida e bebida
(PREFEITURA DE CORUMBÁ, 2017).
Conforme Ramalho Junior, sobre as aproximações e afastamentos entre
brasileiros e bolivianos, o mesmo destaca a relevância desta manifestação religiosa
para as aproximações e afinidades entre estes grupos.
No ano de 2011, foi realizado um grande evento em homenagem à Virgem
de Copacabana. Este evento ocorre há vários anos, no entanto, em 2011
ganhou outra dimensão. O evento se estendeu pelas ruas de Corumbá e
caminhou até Puerto Quijarro, contou também com uma missa na Igreja
Matriz de Corumbá, celebrada em espanhol, além do grupo de dança
Caporales, que veio da cidade boliviana de Cochabamba. Através do
comparecimento ao evento foi possível perceber que a religiosidade e as
expressões artístico-culturais apresentavam-se como elementos que
aproximam, causando reações amistosas (2012, p. 52) (grifos do autor).

3
Casa religiosa de matriz afro-brasileira.
4
Entrevista (20 de maio de 2018) concedida pelos/as festeiros/as de São João, pesquisa, em
andamento realizada para o IPHAN, por pesquisadores da UFMS/UFGD.

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Figura 1: Virgem de Copacabana e o menino Jesus.

Fonte: Chaves, 2019.

Conforme a imagem capturada na missa do dia 06 de agosto de 2019, é


possível perceber o caráter dialógico entre as nações. As bandeiras da Bolívia e do
Brasil cobrem o altar reservado às imagens da Virgem de Copacabana e do menino
Jesus. Evidenciando essa integração religiosa entre os países.
A celebração à Virgem de Copacabana tem início na igreja do centro de
Corumbá5. O processo tem início:
Com missa e tradicional procissão, os bolivianos comemoraram nesta
segunda-feira, 06 de agosto, o dia da Virgem de Copacabana, em Corumbá.
Essa parte da festa é realizada em solo brasileiro há 17 anos. A
homenagem à santa, que acontece na mesma data da Independência do
povo boliviano (193 anos em 2018), teve início com uma Missa, celebrada
no Santuário de Nossa Senhora Auxiliadora, pelo padre Jacinto Ortiz,
pároco da Igreja Imaculada Conceição, no Distrito de Albuquerque. Filho de
bolivianos, o padre falou da satisfação e da importância da manutenção
desse vínculo com o povo da fronteira (DIARIO CORUMBÁENSE, 2018).
Conforme o registro acima, a comemoração ocorre em Corumbá (agora em
2019) há 18 anos, ressaltando a relevância da celebração para o povo boliviano,
conforme relata o padre Jacinto Ortiz, filho de bolivianos.

5
Antigamente era realizada na Igreja Nossa Senhora da Candelária e atualmente na igreja Nossa
Senhora Auxiliadora.

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Outra narrativa que evidência a magnitude da integração entre fronteiras e


culturas é da Diretora da ONG Instituto Moinho Cultural Sul-Americano, Marcia
Rolon. Segundo ela:
A festa de Nossa Senhora de Copacabana, em Corumbá, é a maior
manifestação cultura de integração fronteiriça de nossa região. Ela já
mescla entre brasileiros, bolivianos tanto residentes aqui como do outro lado
da fronteira e por isso já demonstra influências que lhe dão um caráter
singular”, analisou a diretora-presidente que é mestre em Estudos
Fronteiriços pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
(AQUIDAUANA NEWS, 2014).

Figura 2: Cortejo à Virgem de Copacabana

Fonte: Chaves, 2019.

A foto acima permite observar as vestimentas, cantos, danças e rituais


religiosos, característicos da sociedade boliviana, devotos e/ou bailarinos desfilando
pelas ruas de Corumbá, proporcionando uma clara demonstração dessa identidade
territorial. Rogério Haesbaert narra que a identidade territorial:
Partimos do pressuposto geral de que toda identidade territorial é uma
identidade social definida fundamentalmente através do território, ou seja,
dentro de uma relação de apropriação que se dá tanto no campo das ideias
quanto no da realidade concreta, o espaço geográfico constituindo assim
parte fundamental dos processos de identificação social (1999, p. 172).

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Desse modo, a pesquisa propõe analisar os palcos e cenários das


celebrações à Virgem de Copacabana, e no que eles contribuem no entendimento
do modo de como as sociedades fronteiriças desses dois países se relacionam.
Para além, como se estabelecem as relações sociais entre o “Eu e o Outro” que,
segundo Mondardo (2018, p. 66) são “um meio de comunicação e construção de
novas identidades/territorialidades” através de aproximações e afastamentos.

Metodologia
A metodologia a ser utilizada, é aqui compreendida como: descritiva e
explicativa que acontecerá num cenário heterogêneo, a zona de fronteira, que
abrange Corumbá e Puerto Quijarro. Milton Santos (2012 p. 18) menciona que
“descrição e explicação são inseparáveis. O que deve estar no alicerce da descrição
é a vontade de explicação, que supõe a existência prévia de um sistema”.
Através dessa abordagem, será buscada a forma como esses grupos
(bolivianos e brasileiros) vivenciam as celebrações religiosas e, de forma especial, a
devoção à Virgem de Copacabana. Para além, de como os atores as vivenciam,
através de um processo performático (LANGDON, 1996). Dessa forma,
compreender a teia de significados nos quais esses grupos se compreendem e
celebram (GEERTZ, 2008).
Para realização deste estudo será desenvolvida uma pesquisa de cunho
qualitativa. Segundo Minayo (1994) a pesquisa qualitativa não se baseia em critérios
numéricos. Para tal, será realizada uma observação de campo, da referida
celebração à Virgem de Copacabana, desde as suas preparações, perpassando
pelas celebrações e pós-celebrações. Nesse período serão colhidas as percepções
dos atores dessa manifestação religiosa, através de entrevistas. Para além serão
analisados registros imagéticos, já existentes, como também os produzidos pela
pesquisa.
Quanto à pesquisa de campo, se recorrerá a “descrição densa”, constituindo-
se junto das vivências da pesquisa, campo e teoria. Assim,
[...] praticar a etnografia é estabelecer relações, selecionar informantes,
transcrever textos, levantar genealogias, mapear campos, manter um diário,
e assim por diante. Mas não são essas coisas, as técnicas e os processos
determinados, que definem o empreendimento.
O que o define é o tipo de esforço intelectual que ele representa: um risco
elaborado para uma "descrição densa", tomando emprestada uma noção de
Gilbert Ryle (GEERTZ, 2008, p. 4).
Ainda sobre “descrição densa”, Maria Geralda Almeida argumenta que:

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[...] a etnogeografia busca penetrar na intimidade de grupos culturais, o


vivido pelos homens, concretizado em crenças, valores e visão de mundo.
Esta cultura vivida é, ademais, o objeto de estudo da etnogeografia (2008,
p. 332).
Ainda sobre isso, o geógrafo Álvaro Luiz Heidrich afirma que:
O sociocultural é captado mediante o envolvimento do pesquisador com o
contexto da pesquisa. É preciso lidar com oralidade e posteriormente
destrinchar os significados e sentidos. É para isso que se recorre aos
levantamentos e pesquisas qualitativas, que permitem manejar informações
textuais (2016, p. 22).
Portanto, entende-se que para a realização da descrição densa, o
pesquisador deve manter relações constantes e intensas com os sujeitos do
trabalho, anotações regulares ao diário de campo, observação aos rituais, falas,
línguas, símbolos, performances (SCHECHNER, 2011), cores, sons e cheiros. Para
que seja realizada á arte da descrição.

Considerações preliminares
A presente pesquisa encontra-se em fase inicial, ocorrendo revisões
bibliográficas sobre os conceitos e temas aqui propostos, que buscam a
compreensão de como os territórios6 da celebração à Virgem de Copacabana,
contribuem nas relações socioculturais, compostas de aproximações e afastamentos
entre brasileiros e bolivianos, na fronteira entre Corumbá-BR e Puerto Quijarro-BO.
Para isso, o “descer a campo” (WINKIN, 1998) no dia da festividade, fora o
caminho para a primeira observação dos ritos de devoção e celebração à Virgem.
Isso ocorreu na primeira semana de agosto de 2019, quando é comemorada a
independência da Bolívia e celebração à Virgem.
O boliviano Limbert Escarela Mendonza assumiu a celebração na semana
anterior a festividade, devido a problemas particulares do possível pasante7 deste
ano.
A ritualística iniciou com uma missa no lado brasileiro, no Santuário Nossa
Senhora Auxiliadora8. A missa foi celebrada no dia 06 de agosto as 14:00 horas,
pelos padres Jacinto Ortiz9 e Marco Aurélio10.

6
Para isso, propomos analisar os territórios de cunho simbólico-culturais (BONNEMAISON, 1999;
HAESBAERT, 2006), os territórios religiosos (ROSENDAHL, 2005) e territórios de trânsito
(MONDARDO, 2018).
7
O passante é o devoto responsável pela organização da celebração.
8
A missa em anos anteriores acontecia na igreja Nossa Senhora da Candelária. Em virtude de uma
reforma, nos últimos dois anos a missa de celebração á Virgem de Copacabana foi transferida para a
referida igreja.
9
Boliviano, Padre na Igreja Imaculada Conceição, do distrito de Albuquerque.
10
Responsável pela Pastoral do Imigrante, na Igreja Nossa Senhora de Fátima.

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Logo após a missa o pasante conduziu o desfile da Virgem, acompanhado de


blocos de dançarinos, banda, antigos pasantes, devotos e simpatizantes. O cortejo
saiu de frente do santuário, percorrendo a Rua Dom Aquino até a Rua Luiz Feitosa
(cerca de 950 metros).
Esse percurso dançante, dura em média 3 horas. Todo o trajeto é feito ao
som da banda e os bailarinos dançando. Muitas pessoas acompanham esse cortejo,
fotografam e observam a homenagem à Virgem. Ao concluírem essa rota (Rua Dom
Aquino até a Rua Luiz Feitosa), ônibus, carros e motos deslocam-se para a fronteira
(Corumbá/Puerto Quijarro), onde os festejos continuam.
Já na fronteira, o pasante junto dos bailarinos, banda, simpatizantes e
devotos atravessam o Posto Fiscal da Receita Federal (por volta das 19:00 horas), e
seguem até a frente do Banco Union S.A.
Na frente do banco, uma tenda com altar é montada para receber a santa,
que permanece no altar, enquanto os blocos de dança chegam. Com a chegada dos
bailarinos, esse desfile prossegue até o Clube 4 de novembro.
No Clube 4 de novembro, o cortejo chega por volta das 21:00 horas. Já no
clube uma equipe prepara a comida, cuida da decoração e os cantores contratados
passam o som e verificam os instrumentos, enquanto aguardam o cortejo chegar ao
clube.
O cortejo ao chegar ao clube segue com o Virgem até um altar, montado
especialmente para a mesma. Os devotos vão até a Virgem pedir graças ou
agradecer as preces realizadas. Ao final do cortejo, os presentes no clube vão
comer/beber, dançar e conversar até o amanhecer.
Essa celebração demonstra as relações espaciais, culturais e sociais entre os
simpatizantes e devotos da Virgem. A festa, que há 18 anos é feita por devotos
bolivianos, valoriza o lado brasileiro, com a missa e parte do cortejo. Demonstrando
a relação de pertencimento dos bolivianos para com o Brasil.

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POSSIBILIDADES DE ATENDIMENTO AO ESTRANGEIRO PELOS AGENTES


COMUNITÁRIOS DE SAÚDE NA REGIÃO FRONTEIRIÇA DE CORUMBÁ/MS -
BRASIL
Possibilities of Care for Foreign Affairs by Community Health Agents in the Border
Region of Corumbá/MS – Brazil
Posibilidades de Atención de Assuntos Extranjeros por Agentes de Salud
Comunitários em la Región Fronteriza de Corumbá/MS – Brasil

Talini Rodrigues
Rafael Oliveira Fonseca

Resumo: O Agente Comunitário de Saúde (ACS) é um profissional do Sistema


Único de Saúde (SUS) responsável pela prevenção de doenças e promoção da
saúde por meio de ação domiciliar e/ou comunitária, individual e/ou coletiva. Numa
região fronteiriça como em Corumbá/MS, os ACSs enfrentam situações envolvendo
elementos de saúde pública relacionados aos estrangeiros. Nesse cenário, visamos
compreender o cenário de ação dos ACSs no SUS em Corumbá/MS e a
complexidade da atuação nesta região. Para tanto, foi realizada uma revisão
bibliográfica através de livros, artigos científicos e documentos oficias estatais.
Verificamos que o serviço de saúde em Corumbá constantemente se depara com a
demanda de estrangeiros e a Lei do Imigrante garante o acesso à saúde destes.
Concluímos que apesar do cenário complexo, os ACSs buscam sempre acolher,
orientar e ajudar os estrangeiros no acesso aos SUS de forma que eles tenham a
garantia à vida e à saúde.
Palavras-chave: Estrangeiro; Agente Comunitário de Saúde; Sistema Único de
Saúde; Corumbá; Fronteira.

Abstract: The Community Health Agent (ACS) is a professional of the Brazilian


Single Health System (SUS) responsible for the prevention of diseases and health
promotion through a home or community and individual or collective action. In a
border region such as Corumbá / MS in Brazil, an ACS face situations involving
elements of public health related to foreigners. In this context, we aim to understand
the scenario of action of the ACSs in Corumbá and the complexity of the action in
this region. Therefore, a literature review was conducted through books, scientific
papers and official documents, It was verified that the health service in Corumbá is
faced with a constantly demand of foreigners and the Immigrant Law ensures access
to the public health service for them. We conclude that despite the complex scenario,


Graduada em Odontologia pela Universidade Federal Fluminense (UFF), mestranda em Estudo
Fronteiriço pela Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (PPGEF/CPAN/UFMS). E-mail:
talinirodrigues@id.uff.br

Graduado, Mestre e Doutor em Geografia pela Universidade de São Paulo (USP). Docente da
Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS) e do Programa de Pós-Graduação em
Estudos Fronteiriços da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (PPGEF/UFMS). E-mail:
rafaelfonseca@uems.br

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the ACS always seek to welcome, guide and help foreigners in accessing SUS in a
way that guarantees life and health.
Key-words: Foreign; Community Health Agent; Single Health System; Corumbá;
Border.

Resúmen: El Agente Comunitario de Salud (ACS) es un profesional del Sistema


Único de Salud (SUS) responsable por la prevención de enfermedades y la
promoción de la salud a través de la acción domiciliar o en la comunidad, así como
también de forma individual o colectiva. En una región fronteriza como Corumbá /
MS - Brasil, los ACS enfrentan situaciones que involucran elementos de salud
pública relacionados con los extranjeros. En esta realidad, nuestro objetivo es
comprender el escenario de las acciones de ACS en Corumbá / MS y la complejidad
de la acción en esta región. Para ello, se realizó una revisión bibliográfica a través
de libros, artículos científicos y documentos públicos oficiales. Verificamos que el
servicio de salud en Corumbá constantemente enfrenta la demanda de extranjeros y
la ley de Inmigrantes garantiza el acceso a la salud de ellos. Llegamos a la
conclusión de que, a pesar del complejo escenario, los ACS siempre buscan dar la
bienvenida, guiar y ayudar a los extranjeros en el acceso al SUS para que tengan la
garantía de vida y salud.
Palabras clave: Extranjero; Agente Comunitario de Salud; Sistema Único de Salud;
Corumbá; Frontera.

Introdução
O Agente Comunitário de Saúde (ACS) é uma profissão instituída em 2002
através de Lei Federal1 , sendo o âmbito de atuação exclusiva do Sistema Único de
Saúde (SUS) , regido pelo Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) e
seguindo as normas e diretrizes da Política Nacional de Atenção Básica (PNAB)
(BRASIL, 2002), logo, pode ser compreendido como um instrumento de política
pública.
O profissional ACS caracteriza-se pela atuação na prevenção de doenças e
promoção da saúde por meio de atividades domiciliares ou comunitárias, individuais
ou coletivas, desenvolvidas conforme as diretrizes da PNAB e do SUS, sob
supervisão do gestor local deste.
Além disso, para exercer a função de ACS, o indivíduo precisa preencher três
requisitos: residir na área da comunidade em que atuar; ter concluído com
aproveitamento curso de qualificação básica para a formação de Agente
Comunitário de Saúde e ter concluído o ensino fundamental (BRASIL, 2002).

1
Profissão criada pela Lei Federal nº 10.507, de 10 de julho de 2002 (BRASIL, 2002), revogada pela
Lei Federal nº 11.350, de 5 de outubro de 2006 (BRASIL, 2006a), em vigor.

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Ademais, são consideradas atividades do ACS: utilizar instrumentos para


diagnóstico demográfico e sociocultural da comunidade de sua atuação; executar
atividades de educação para a saúde individual e coletiva; registrar, para controle
das ações de saúde, nascimentos, óbitos, doenças e outros agravos à saúde;
estimular a participação da comunidade nas políticas públicas como estratégia da
conquista de qualidade de vida; realizar visitas domiciliares periódicas para
monitoramento de situações de risco à família; participar ou promover ações que
fortaleçam os elos entre o setor saúde e outras políticas públicas que promovam a
qualidade de vida; desenvolver outras atividades pertinentes à função do Agente
Comunitário de Saúde (BRASIL,2002).
A atuação do ACS dentro do SUS é definida da seguinte maneira: este
profissional faz parte de uma Equipe de Estratégia de Saúde da Família (ESF), essa
equipe é composta, no mínimo, por médico, preferencialmente da especialidade
medicina de família e comunidade, enfermeiro, preferencialmente especialista em
saúde da família; auxiliar e/ou técnico de enfermagem, além do Agente Comunitário
de Saúde. Podendo fazer parte da equipe ainda o agente de combate às endemias
(ACE) e os profissionais de saúde bucal: cirurgião-dentista, preferencialmente
especialista em saúde da família, e auxiliar ou técnico em saúde bucal. O número de
ACS por equipe deverá ser definido de acordo com base populacional, critérios
demográficos, epidemiológicos e socioeconômicos, de acordo com definição local
(BRASIL,2017b)
A respeito da estrutura onde funciona a assistência ofertada pela equipe da
ESF, a Unidade Básica de Saúde (UBS), que é o contato preferencial dos usuários,
a principal porta de entrada e centro de comunicação com toda a Rede de Atenção à
Saúde, é instalada perto de onde as pessoas moram, trabalham, estudam e vivem e,
com isso, desempenha um papel central na garantia de acesso à população a uma
atenção à saúde de qualidade. Na UBS, é possível receber atendimentos básicos e
gratuitos em Pediatria, Ginecologia, Clínica Geral, Enfermagem e Odontologia. Os
principais serviços oferecidos são consultas médicas, inalações, injeções, curativos,
vacinas, coleta de exames laboratoriais, tratamento odontológico, encaminhamentos
para especialidades e fornecimento de medicação básica (BRASIL, 2019b).
Esse conjunto de atendimento de saúde básica foi concebido para todo o
país, incluindo a sua área fronteiriça, no âmbito das políticas públicas de saúde. O
Brasil faz fronteira com dez países da América do Sul, sua faixa de fronteira

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corresponde a aproximadamente a 27% do território nacional (11 estados e 588


municípios) e reunindo cerca de 10 milhões de habitantes (GADELHA, COSTA,
2007).
É necessário pensar na fronteira como um lugar único que possui identidade
particular, que é definida pelo fato da convivência entre duas ou mais nações que
compartilham sua história, cultura e nacionalismo. Portanto, a fronteira deve ser
interpretada através da compreensão que seus habitantes possuem dela e de como
se relacionam com seus vizinhos, reconhecendo ainda que o outro lado tem outra
lei. Assim, considera-se que a vida em comum com o “outro” seja uma referência
identitária na construção do lugar e do “ser fronteiriço” (NOGUEIRA, 2007).
Desta maneira, em regiões fronteiriças como na área que abrange Corumbá,
no estado de Mato Grosso do Sul, e os municípios bolivianos de Puerto Quijarro e
Puerto Suárez, a globalização atribuiu novos conceitos para fronteiras que englobam
as interações econômicas e a conexão entre os Estados, por conta de
consequências econômicas, sociais e políticas resultantes. Assim, as tradicionais
fronteiras esbateram-se e adquiriram uma multiplicidade de significados que
ultrapassam a definição convencionada pelo plano político (SANTOS,2002).
Neste contexto, o Agente Comunitário de Saúde de certa forma se posiciona
como um relevante instrumento de política pública no âmbito do SUS com a função
e o desafio de adequar seu trabalho dentro da comunidade, inclusive no caso de
uma comunidade transfronteiriça como Corumbá/MS, enfrentando situações
cotidianas que envolvem não apenas elementos de saúde pública, mas também
questões políticas, econômicas e culturais em relação ao estrangeiro.
Assim, o objetivo deste trabalho é compreender as possibilidades de atuação
do Agente Comunitário de Saúde no atendimento ao estrangeiro dentro da região
fronteiriça de Corumbá/MS (Brasil).
Para tanto, como metodologia de pesquisa, foi realizada uma revisão
bibliográfica por meio de livros e artigos científicos, bem como em documentos
oficias estatais.
Logo, o conteúdo a seguir apresenta-se de forma a discutir primeiramente as
políticas públicas e o seu desenvolvimento na área da saúde a partir do SUS. A
seguir, aponta-se a complexidade existente em uma região fronteiriça, para então,
discutir os desafios e possibilidades da atuação dos Agentes Comunitários de Saúde

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na região de Corumbá/MS. Por fim, desenvolve-se algumas considerações finais


sobre a temática.

Resultados e discussões
Antes de discutirmos sobre a atuação do ACS na área de fronteira, faz-se
necessário entender um pouco sobre as políticas públicas e Programas estatais que
regulamentam e influenciam no cotidiano desta profissão.
Para compreender com mais exatidão o que seria uma política pública,
podemos recorrer inicialmente à língua inglesa na definição do termo “política”, pois
o conceito de política pública tradicional foi no passado amplamente debatido na
literatura anglófona (Public Policy). Ao buscarmos a tradução do termo “política” da
língua inglesa para a língua portuguesa, temos, em geral, as seguintes
denominações: 1. Politics. 2. Policy (OXFORD, 2009).
Contudo, na língua inglesa Politics e Policy não são sinônimos. Politics é
definido como ‘’as atividades associadas com a governança de um país ou área,
especialmente o debate entre as partes que têm poder”. Enquanto que Policy é
compreendido como “curso ou princípio de ação adotado ou proposto por uma
organização ou indivíduo. As atividades associadas com a governança de um país
ou área (OXFORD, 2009).
Assim, de acordo com as duas definições do temo “Política”’ existente na
língua inglesa, verifica-se que o conceito da palavra “Policy” é o que se encaixa ao
sentido da palavra “Política” quando nos referimos a Política Pública, logo em inglês
Public Policy.
A origem da área de conhecimento da política pública surgiu como área de
conhecimento e disciplina acadêmicas primeiramente nos Estados Unidos,
rompendo com uma tradição europeia, que focava na análise do Estado e suas
instituições, direcionando, assim, o estudo de políticas públicas para as ações dos
governos (SOUZA,2006).
Logo, a análise de política pública pode ser concebida a partir de:
[...] uma teoria geral da política pública implica a busca de sintetizar
teorias construídas no campo da sociologia, da ciência política e da
economia. As políticas públicas repercutem na economia e nas
sociedades, daí por que qualquer teoria da política pública precisa
também explicar as inter-relações entre Estado, política, economia e
sociedade. Tal é também a razão pela qual pesquisadores de tantas

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disciplinas – economia, ciência política, sociologia, antropologia,


geografia, planejamento, gestão e ciências sociais aplicadas –
partilham um interesse comum na área e têm contribuído para
avanços teóricos e empíricos (SOUZA, 2006).
Ressalta-se que não existe uma única ideia para definir o conceito de política
pública. Segundo a definição clássica, política pública seria a própria ação da
autoridade pública, desta maneira, o Estado é entendido como um organismo
isolado da sociedade por conta do seu monopólio de gestão (MASSARDIER, 2003).
Já Muller (2000) considera que Política Pública é um processo de mediação
social que tem o objetivo de se encarregar dos desajustes relacionais.Enquanto
Souza (2006) estabele a política pública como o campo do conhecimento que busca,
concomitantemente, colocar o governo em ação e/ou avaliar essa ação e, quando
preciso, propor mudanças no rumo ou curso dessas ações .
Salienta-se ainda que política pública é um conceito ligado ao Estado
moderno em que o poder público é entendido como uma instância sob cuja
responsabilidade são tomadas decisões de acordo com os princípios da democracia,
estando, assim, associadas aos processos de decisão vinculados aos governos, ou
seja, são ações regulares, institucionalizadas, visando objetivos e fins determinados
(BURSZTYN; BURSZTYN, 2012)
Porém, segundo Steinberger (2013) a política pública não deve ser uma
prerrogativa exclusiva do Estado, mas de toda a sociedade, cabendo-lhe, portanto, a
tarefa de oficialização bem como de coordenar as ações. Portanto, o planejamento
atual não pode ser mais simplesmente normativo, as políticas públicas devem ter um
planejamento compartilhado entre Estado e sociedade com o objetivo último de
promover transformação social (STEINBERGER, 2006).
Nesse contexto complexo que envolve as políticas públicas e seus
respectivos instrumentos temos o Sistema Único de Saúde (SUS), como o sistema
público de saúde universal do Brasil. O SUS surgiu em um momento de crise do
modelo de saúde vigente na década de 1980 através da 8ª Conferência Nacional de
Saúde em 1986. Esta gerou debates que contribuíram também para a construção da
Constituição Federal de 1988 e um novo conceito de saúde pública em nosso país
(LIMA et al., 2005).

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Este conceito2 passa a considerar a saúde como um direito de todos e dever


do Estado, destacando as ações e os serviços públicos de saúde como uma rede
regionalizada e hierarquizada que constitui um sistema único, organizado de acordo
com as diretrizes da descentralização, do atendimento integral e da participação da
comunidade. Elementos que desde então devem nortear as bases gerais de todas
as políticas públicas voltadas para a saúde no Brasil (BRASIL, 1988).
Posteriormente, em 1990 foi estabelecido por meio de Lei Federal (BRASIL,
1990a) os objetivos, princípios, diretrizes, gestão, funcionamento, financiamento e
planejamento desta política do SUS. No mesmo ano, outra Lei Federal (BRASIL,
1990b) regulamentou elementos sobre a participação da comunidade na gestão do
SUS e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros, além de
outras decisões. Portanto, juntas, essas Leis Federais de 1990 definiriam os
ordenamentos institucionais e assim, moldaram o processo de implantação do SUS.
Dessa maneira, o SUS foi regulamentado em 1990 e, desde então, existe
como um dos maiores e mais complexos sistemas de saúde pública do mundo e
enquanto política pública, abrangendo desde o atendimento básico para avaliação
da pressão arterial através da Atenção Básica, até o transplante de órgãos,
garantindo acesso integral, universal e gratuito para toda a população do país
(BRASIL,2019a).
Referente a Atenção Básica de Saúde (ABS), esta é um conjunto de ações,
de caráter individual ou coletivo, situadas no primeiro nível de atenção dos sistemas
de saúde, voltadas para a promoção da saúde, prevenção de agravos, tratamento e
reabilitação (BRASIL, 1998)..Complementarmente, a ABS é considerada a principal
porta de entrada para os serviços do SUS e tem por finalidade o acolhimento, escuta
e resolutividade da maioria dos problemas de saúde da população (FIGUEIREDO,
2012).
No setor da Atenção Básica de Saúde, houve marcos, durante o passar dos
anos, que foram alterando e regulamentando o SUS além da atividade do ACS,
componente essencial da ABS (BRASIL, 1998).
Primeiramente, deve-se destacar o PACS (Programa de Agentes
Comunitários de Saúde), criado em 1991 pelo Ministério da Saúde. Por meio deste,
deu-se início no Brasil a atuação profissional do Agente Comunitário de Saúde

2
Definido por meios dos artigos nº 196 e nº 198 da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1998).

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(ACS). Este Programa revela o trabalho em saúde com enfoque na família, não mais
no indivíduo isolado, de modo preventivo e assistencialista, a fim de entender melhor
o processo de saúde e doença na comunidade (VIANA, POZ, 2005).
Adiante dentro da Atenção Básica, houve a criação do Programa de Saúde da
Família (PSF) em 1994 que trouxe consigo a proposta de reorganização e
municipalização do SUS. Logo mais, em 1998, o PSF foi extinto e surgiu a
“Estratégia de Saúde da Família” (BRASIL, 1998).
Quanto a PNAB (Política Nacional de Atenção Básica), esta surgiu em 2006
por meio de uma Portaria do Ministério da Saúde (2006b) que estabeleceu a revisão
de diretrizes e normas para a organização da Atenção Básica para o Programa
Saúde da Família (PSF) e para o Programa Agentes Comunitários de Saúde
(PACS). Esta política passou a guiar as ações da atenção básica em saúde
passando por novas publicações com adaptações em 2012 e 2017 (BRASIL, 2006b,
2012, 2017b).
Assim, pode-se dizer que dentre as políticas de saúde existentes no Brasil, a
mais importante e conhecida é o próprio Sistema Único de Saúde (SUS) além da
Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), como já mencionados. Dessa forma, o
Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS), a ESF (Estratégia de Saúde
da Família), dentre outros, se coloca como instrumentos fundamentais para garantir
sua consolidação e cumprimento de seus objetivos.
Nesse contexto, entende-se que Sistema Único de Saúde (SUS), como um
instrumento de política pública deve ser construído através da constante
participação da comunidade junto ao Poder Público adequando funções, metas,
dentre outros elementos necessário ao seu melhor desempenho junto à saúde da
população brasileira. Cenário que se torna mais complexo em uma região
transfronteiriça.
Logo, em relação ao conceito de fronteira, este remete ao latim front, in front,
ou seja, às margens. Foucher (1992) afirma que a origem do nome fronteira deriva
de front, la ligne de front, ou seja, da guerra. Esta última derivação resultado de uma
construção histórica que associa a fronteira a divisão de soberanias, disputa de
poder, defesa do território nacional, limite das leis do Estado (NOGUEIRA,2007).
A criação de uma faixa de fronteira, no Brasil estabelecida atualmente em
150km de largura paralela à linha divisória terrestre do território nacional, foi
motivada por ser esta uma área estratégica para a segurança nacional (BRASIL,

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1979), resultante desta ideia de fronteira como sendo uma peça fundamental para a
defesa, com características de imposição de barreiras às ameaças externas e
estabelecimento de limites nas relações com os países vizinhos (GADELHA,
COSTA, 2007).
Entretanto, atualmente a finalidade do Estado não é mais a conquista de
território, nem a colonização, sendo preconizado a construção de Estados de direito
democrático, social e ambiental no âmbito interno e Estados abertos, amigáveis e
cooperadores no plano externo (CANOTILHO, 2003)
Para mais, com a globalização, a mobilidade do homem se tornou mais
comum. Considerando o fato de ser uma fronteira, esse fluxo é ainda mais intenso
(BRANCO, TORROTENGUY, 2013). Este fato ocorre principalmente em cidades
gêmeas que são definidas (BRASIL, 2014) como:
[...] municípios cortados pela linha de fronteira, seja essa seca ou fluvial,
articulada ou não por obra de infraestrutura, que apresentem grande
potencial de integração econômica e cultural, podendo ou não apresentar
uma conurbação ou semi-conurbação com uma localidade do país vizinho,
assim como manifestações "condensadas" dos problemas característicos da
fronteira, que aí adquirem maior densidade, com efeitos diretos sobre o
desenvolvimento regional e a cidadania (BRASIL, 2014).
Neste contexto, a cidade de Corumbá – Brasil e Puerto Quijarro – Bolívia são
consideradas cidades gêmeas e a dinâmica de relação entre elas faz com que elas
tenham um grande potencial de integração econômica e cultural. Vale ressaltar que
as cidades de Puerto Suárez – Bolívia e Ladário/MS, por conta da proximidade
geográfica também participam de todo esse contexto relacional (Figura 1) (BRASIL,
2014).

Figura 1 - Imagem via satélite da região de fronteira entre as cidades de


Corumbá-MS, Ladário-MS, Puerto Quijarro - Bolívia e Puerto Suárez- Bolívia

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Fonte: Google maps. Adaptado pelos autores.

Um dos maiores elementos incentivadores de fluxos transfronteiriço em


cidades gêmeas são os serviços de consumo coletivo como saúde, educação,
saneamento, etc. Esse fluxo ocorre justamente por conta da diferença de oferta de
serviços com dominância de fluxos dirigidos ao Brasil, sendo que a maior parte deles
se relaciona aos serviços de saúde (BRASIL, 2014).
Por conta de o sistema de saúde pública brasileiro ser universal, esse fluxo é
intensificado e os secretários de saúde relatam que quando existe o atendimento
dessa livre demanda estrangeira, esses dados não são computados na base de
cálculo dos recursos provenientes do SUS. Esta situação, muitas vezes, gera má
vontade e preocupação em atender essa demanda, afinal, o recurso financeiro do
serviço público está associado ao ‘’per capita’’, ou seja, ao número de habitantes
residentes no município, excluindo estrangeiros e brasileiros que moram no outro
país (BRANCO, TORROTENGUY, 2013).
Neste contexto, o Agente Comunitário de Saúde, considerado porta de
entrada do SUS, necessita dar assistência para os estrangeiros. Afinal, este
profissional possui uma dimensão técnica, política e de assistência social no
trabalho, definidas respectivamente pelo monitoramento no saber epidemiológico e
clínico da população; orientação, discussão de problemas e fortalecimento da
cidadania; e as tentativas de resolver questões ligadas à saúde (CHIESA,
FRACOLLI, 2004).
Sobre sua função, o ACS, que compõe a equipe multiprofissional da ESF, se
faz essencial por ser o elo entre a comunidade e equipe de saúde da família, afinal,
é um trabalhador que faz parte da realidade da região adscrita pela ESF e que
orienta a população a cerca de questões da saúde, além de realizar outras
atividades dentro da estratégia (FERRAZ, AERTS, 2005).
Entretanto, seu papel como Agente vai além de elo, este profissional se torna
a voz da comunidade dentro dos serviços de saúde, conceito definido como
empowerment (empoderamento). Afinal, ele escuta a comunidade e transporta os
questionamentos da população para a equipe de saúde. Este processo de trabalho
para dar voz a comunidade passa pelo agir comunicativo, pela criação de novas
formas de assistir à população, como os espaços de fala e escuta, que promovem

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vínculo afetivo com a comunidade (FERREIRA et al, 2009; NASCIMENTO,


CORREA, 2008).
Segundo as ACS’s do município de Pacaraima, durante a visita domiciliar,
que é uma atividade diária, existe a oportunidade de orientar a população com
relação aos serviços oferecidos pelas Unidades Básicas de Saúde, além de se
conhecer um pouco mais daquele núcleo familiar, seus modos, rotinas e quais são
as situações vulneráveis que necessitam de mais atenção (DIAS, 2019).
Ainda, a afetividade em relação aos imigrantes venezuelanos é uma realidade
vivenciada entre as Agentes Comunitários de Saúde de Pacaraima. Os imigrantes
que fogem da crise de seu país chegam ao Brasil em extrema fragilidade. Esta
situação faz criar nestes profissionais a vontade de ajudar, seja através da doação
de alimentos ou roupas, porém, ao mesmo tempo, gera um sentimento de
impotência e sofrimento nos ACS’s por terem consciência de que a ajuda será
momentânea e não solucionará o problema real (DIAS, 2019).
É nítida, portanto, a posição privilegiada deste profissional na dinâmica do
processo de saúde como um forte impulsionador do trabalho em saúde ou como um
criador de barreiras neste processo de promoção da saúde (NUNES et al.,2002).
Adentrando especificamente na região de fronteira, como é o caso da cidade
de Corumbá-MS, existe o atendimento aos estrangeiros, que possuem outra língua,
outra cultura, dentre outras situações como o uso de documento de brasileiros para
cadastro no SUS por parte de estrangeiros, negação da nacionalidade para usufruto
do SUS, sendo necessário, portanto, preparação do ACS para a assistência dessa
demanda (SILVA, 2010).
Segundo Dias (2019, p.50):
A limitação em resolver as situações dos moradores acaba por trazer à tona
sentimento de frustração, tanto para o morador que depositou sua
esperança no ACS como para o próprio profissional, que se sente incapaz e
desmotivado por não conseguir dar a solução tão aguardada por aquele
morador de sua área, principalmente diante da grande demanda que se
estabeleceu com a vinda maciça dos imigrantes venezuelanos. As ACS
relataram que com a chegada dos novos moradores a situação se agravou
ainda mais, já que os serviços de saúde estão sobrecarregados e não
conseguem absorver nem metade das novas necessidades advindas dos
imigrantes. Referiram o colapso dos serviços de saúde tanto de Pacarima
como do estado roraimense todo.
Ademais, estrangeiros expuseram que foram atendidos no SUS, porém
passaram por situações de desrespeito por parte de profissionais de saúde como
fala alterada e agressões físicas (WALDMAN, 2011). Outra circunstância relatada foi

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a dificuldade na compreensão de orientações médicas (FLAMIA, 2018, MARTES,


FALEIROS, 2013)
Essa falta de compreensão em relação a língua portuguesa pode ser uma
barreira no momento de entender sobre a doença, o tratamento, além de interferir na
maneira como o estrangeiro expressa suas emoções com os profissionais de saúde.
Todo esse cenário gera um ambiente de insegurança para este indivíduo
(CHUBACI, MERIGUI, 2002; FLAMIA, 2018)
Embora o Agente Comunitário de Saúde se esforce ainda existe uma barreira
muito grande no entendimento de determinadas situações, nas orientações a serem
prestadas ou nos momentos de sanar dúvidas sobre os cuidados com a saúde
(DIAS, 2019).
Portanto, numa comunidade de fronteira como Corumbá-MS, o serviço de
saúde tem de atuar com a comunidade local, mas constantemente se depara com a
demanda de outro país, os bolivianos, além de haitianos, venezuelanos, dentre
outros, que em diversos contextos usufruem dos serviços de saúde na rede de
atenção básica. O ACS, sendo a porta de entrada da ABS, tem de intermediar essas
situações e trabalhar junto a equipe de saúde para oferecer o melhor atendimento a
este indivíduo que procura o SUS.
Na fronteira de Corumbá, o serviço de saúde pública conta com 179 Agentes
Comunitários de Saúde distribuídos em 27 Estratégias de Saúde da Família (ESF),
conforme exposto na Tabela 1.
Historicamente, a Lei Federal nº 6815 (BRASIL, 1980) não previa o acesso do
estrangeiro aos serviços de saúde. Portanto, neste período, não existia um marco
regulatório único para tratar do direito do estrangeiro ao SUS, com exceção de
alguns acordos locais definidos por alguns países dependendo da relação existente
entre eles, o que fazia com que alguns municípios atendessem essa demanda e
outros simplesmente se recusassem a ofertar atendimento. Quem decidia a conduta
a ser adotada era o gestor local, tendo poder discricionário, que se entende por:
diante do caso, ele tem a possibilidade de decidir segundo critérios de oportunidade
e conveniência as opções, todas válidas para o direito. Assim, o gestor local tinha a
opção de decisão, afinal não havia jurisprudência do direito do estrangeiro ao SUS,
nem recursos em nível estadual ou federal para que o município atenda essa
demanda (BRANCO, TORROTENGUY, 2013).

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Entretanto, atualmente, o artigo nº 4 da Lei da Imigração (BRASIL, 2017a),


assegura ao migrante acesso a serviços públicos de saúde e de assistência social e
à previdência social, nos termos da lei, sem discriminação em razão da
nacionalidade e da condição migratória. Assim, o estrangeiro que buscar
atendimento na rede pública de saúde será atendido, em caráter de primeira
consulta, a fim de receber a assistência em saúde.
Tabela 1- Distribuição dos Agentes Comunitários de Saúde nas Estratégias de
Saúde da Família

Quantidade de ACS que


Estratégia de Saúde da Família (ESF)
integram a Equipe
ESF ANGÉLICA ANACHE 7
ESF BEIRA RIO 10
ESF BRENO DE MEDEIROS 1 6
ESF BRENO DE MEDEIROS 2 7
ESF DR. WALTER VICTÓRIO 7
ESF ÊNIO CUNHA 1 7
ESF ÊNIO CUNHA 2 7
ESF FERNANDO MOUTINHO 6
ESF GASTÃO DE OLIVEIRA 1 7
ESF GASTÃO DE OLIVEIRA 2 5
ESF HUMBERTO PEREIRA 7
ESF JARDIM DOS ESTADOS 6
ESF JOÃO FERNANDES 7
ESF LÚCIA MARIA 1 7
ESF LÚCIA MARIA 2 7
ESF LUIS FRAGELLI 7
ESF MATO GRANDE 1 7
ESF MATO GRANDE 2 /ALBUQUERQUE 4
ESF NOVA CORUMBÁ 6
ESF PADRE ERNESTO SASSIDA 7
ESF PEDRO PAULO 1 5
ESF PEDRO PAULO 2 7
ESF POPULAR VELHA 7
ESF RANULFO DE JESUS 7
ESF SÃO BARTOLOMEU 7
ESF TAMARINEIRO 0
ESF TAQUARAL 12
TOTAL 179

Fonte: Secretaria Municipal de Saúde – Gerência Geral de Operações da saúde da cidade


de Corumbá-MS. Adaptado pelos autores.

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Caso o paciente estrangeiro necessite de um acompanhamento mais


específico no SUS após seu primeiro atendimento em solo brasileiro, este processo
torna-se inviável sem a sua regularização junto a Polícia Federal no nosso país.
Afinal, para receber a assistência em saúde continuada ofertada pelo SUS é
necessário que o estrangeiro possua o cartão do SUS e não é possível fazer esse
cartão sem alguns dados que só podem ser obtidos após sua regularização no Brasil
como o RNM (Registro Nacional Migratório)3 (GADELHA, COSTA, 2007).
Por fim, para um estrangeiro fazer seu cartão do SUS é necessário além do
RNM, comprovante de residência e CPF. Assim, é possível garantir o atendimento
integral fornecido pelo SUS a este indivíduo 4.

Considerações finais
Com base na discussão desenvolvida neste trabalho, verifica-se que no
Brasil, em relação ao atendimento à saúde, os estrangeiros devem ser tratados com
a mesma atenção dada aos cidadãos nativos, afinal, o Estado deve garantir a essas
pessoas o direito à vida e à saúde, como no caso de regiões de fronteira como
Corumbá/MS em que há um consequente fluxo internacional e, consequentemente,
a busca por serviços públicos de saúde por não-brasileiros.
Porém, verifica-se que apesar da legislação vigente, ainda existem problemas
ligados ao atendimento ao estrangeiro na área da saúde pública, no âmbito do SUS,
relacionados, por exemplo, a não regularização desses indivíduos perante a Polícia
Federal, acarretando, por vezes, no impedimento da emissão do Cartão do SUS,
que dá direito ao atendimento desde a Atenção Básica até procedimentos de alta
complexidade. Além de situações mais complexas que envolvem desde a
falsificação ideológica (uso de documento de brasileiros por eles para cadastrar no
SUS), desrespeito por parte de profissionais da saúde ao estrangeiro e dificuldades
na comunicação por conta das diferenças nos idiomas.
Apesar de todas as situações relatas, o fato é que o estrangeiro regularizado
na Polícia Federal, e que, portanto, possuidor de um RNM (Registro Nacional
Migratório), junto a outros documentos como comprovante de residência e CPF, é
capaz de conseguir realizar o seu cadastro no sistema público de saúde brasileiro e

3
Informação fornecida pelo Setor de Imigração da Polícia Federal de Corumbá/MS e pelo Setor de
cadastramento do Cartão SUS da Prefeitura de Ladário/MS.
4
Idem 3

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obter o Cartão do SUS. Dessa maneira, este estrangeiro tem garantia ao todos os
serviços de saúde ofertados pelo sistema, tendo direito, assim, a um atendimento
em nível integral.
Neste contexto, a atuação do Agente Comunitário de Saúde se torna mais
complexa, mas ainda mais vital, pois é fundamental no auxílio ao atendimento em
saúde dos estrangeiros desde o acolhimento deste indivíduo, orientando o mesmo
sobre questões legais (como fazer sua regularização na Polícia Federal para obter o
cartão do SUS) e realizando a entrada e assistência em saúde em um primeiro
momento do estrangeiro na Unidade Básica de Saúde (BRASIL, 2017b). É uma
orientação que extrapola por vezes aspectos de saúde abordando elementos
relacionados a legalidade do processo de migração.
Dessa forma, o Agente Comunitário de Saúde deve orientar o estrangeiro
nestes processos e em quaisquer outros como de caráter político, econômico,
cultural, etc. Sua função junto ao estrangeiro é dar a assistência em saúde
necessária para a garantia do direito à saúde deste indivíduo e toda sua família em
solo brasileiro.
Por isso, concluímos que apesar do cenário complexo, os ACSs buscam
sempre acolher, orientar e ajudar os estrangeiros no acesso aos SUS de forma que
eles tenham a garantia à vida e à saúde. Tendo um papel fundamental, fazendo
muitas vezes a primeira interligação entre o paciente estrangeiro e a respectiva
equipe de saúde responsável.

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POVOS INDÍGENAS NO BRASIL: IDENTIDADE E CULTURA ENTRE


FRONTEIRAS
Indigenous People in Brazil: Identity and Culture Between Borders
Pueblos Indígenas en Brasil: Identidad y Cultura Entre Fronteras

Joselaine Dias de Lima Silva

Resumo: A pesquisa apresenta a questão relacionada a identidade indígena, com o


foco na dimensão essencialmente política de um reconhecimento étnico na qual
aborda as fronteiras a serem transpostas no atual contexto relativas aos aspectos
culturais. A proposta é promover uma reflexão referente as lutas dos povos Guarani
e Kaiowá no Mato Grosso do Sul em defesa de suas terras e apontar a necessidade
de considerar que os povos indígenas tenham autonomia em sua organização social
e cultural. No primeiro momento buscaremos considerar o conceito de fronteira e
cultura, na sequência, a identidade étnica no contexto do direito.
Palavras-chave: Indígenas; Identidade; Fronteiras culturais; Direito.

Abstract: The research presents the issue related to indigenous identity, focusing on
the essentially political dimension of an ethnic recognition in which it addresses the
boundaries to be crossed in the current context, related to cultural aspects. The
proposal is to promote a reflection regarding the struggles of the Guarani and Kaiowá
people in Mato Grosso do Sul in defense of their lands, and to point out the need to
consider that indigenous people have autonomy in their social and cultural
organization. In the first moment we will try to consider the concept of frontier and
culture, then, the ethnic identity in the context of the law.
Keywords: Indigenous; Identity; Cultural borders; Right.

Resumen: La investigación presenta el tema relacionado con la identidad indígena,


enfocándose en la dimensión esencialmente política de un reconocimiento étnico en
el cual aborda los límites a ser cruzados en el contexto actual, relacionados con
aspectos culturales. La propuesta es promover una reflexión sobre las luchas de los
pueblos Guaraní y Kaiowá en Mato Grosso do Sul en defensa de sus tierras y
señalar la necesidad de considerar que los pueblos indígenas tienen autonomía en
su organización social y cultural. En el primer momento trataremos de considerar el
concepto de frontera y cultura, luego, la identidad étnica en el contexto del derecho.
Palabras clave: Indígena; Identidad; Fronteras culturales; Derecho.


Graduada em Letras pela Faculdade Integrada de Naviraí - FINAV. Mestra em Integração
Contemporânea da América Latina, pela Universidade Federal da Integração Latino-Americana -
UNILA. Doutoranda em História na Universidade Federal da Grande Dourados - UFGD. E-mail
Joselainesilva_9@hotmail.com

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Introdução
O presente artigo ampara-se em contribuições bibliográficas, trazendo
elementos que contribuem com o tema: Povos indígena no Brasil: Identidade e
culturas entre fronteiras. Nesse intuito, parto do ponto das caravelas, no qual iniciou-
se um processo de grandes transformações na vida dos ameríndios. O homem
denominado como “bom selvagem” conhecido como nativo cujos primeiros contatos
pressupunham uma aproximação pacífica na forma de troca de presentes e
alimentos. Foram acusados de não serem civilizados e não terem alma, iniciando a
exploração e catequização obrigatória nas tribos, onde seguiu um extenso período
de conflitos, lutas e resistências. Por muitos anos, o olhar das ciências sociais e
humanas sobre a questão indígena, percorreu a discussão em torno das
possibilidades de assimilação cultural, dos conflitos territoriais e principalmente da
posse da terra. Em conjunto com essas questões, surgem discussões referentes aos
processos culturais, a língua, as relações produzidas em regiões próximas ou
vizinhas. O contato do homem indígena com o homem branco.
Inicialmente refletimos as palavras do autor Guarani-Kaiowá Tonico Benites
(2012), esclarecendo que os nativos são celebrados desde o período imperial como
modelos éticos e estéticos acompanhando o processo de construção da identidade
nacional. Na República, políticas paternalistas e tutelares com serviços estatais
específicas criados para exercer a tutela. Estas situações deram origem aos
processos reivindicatórios dos territórios ancestrais dos povos Guarani e Kaiowá no
Mato Grosso do Sul cujos inúmeros conflitos fundiários têm envolvido suas vidas em
um processo de disputa por recursos naturais.
Em relação ao assunto, é necessário ressaltar o tempo histórico no qual o
artigo está sendo produzido, meio aos turbulentos ataques aos direitos indígenas.
Recentemente vivenciamos grandes ataques em relação aos direitos conquistados
através da Constituição Federal de 1988. Tomamos portanto a história presente em
nosso dia-a-dia, nos alertando para a condição de sujeitos históricos no qual o ponto
referente as fronteiras culturais, possui significado amplo e relaciona-se à
compreensão do conceito de fronteira e cultura.
Nessa perspectiva buscamos considerar o conceito de fronteira e de cultura
no qual antropólogos e historiadores manifestam interesse por essa área do
conhecimento. A expressão cultura, possui um extenso percurso nas ciências
humanas, sociais e jurídicas. Desse modo, adotamos por cultura na interpretação de

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Santos (2006) todos os aspectos de uma realidade social, pois diz respeito a tudo
aquilo que caracteriza a existência social de um povo de uma nação ou de grupos
no interior de uma sociedade. Compreendemos que a cultura diz respeito à
humanidade como um todo e ao mesmo tempo a cada um dos povos. “Cada
realidade cultural tem sua lógica interna, a qual devemos procurar conhecer para
que faça sentido as suas práticas, costumes, concepções e as transformações pelas
quais estas passam.” (SANTOS, 2006, p.8).
Cabe ressaltar, em relação à cultura Guarani, que faz parte da mesma os
valores, costumes, crenças e práticas que compõem o modo de vida da
comunidade. A educação Guarani é o ñande reko1 produzido dentro da tekoha2 que
mantém a tradição cultural através da oralidade e da memória viva dos Guarani.
Averiguamos o termo fronteira, abordada com Pesavento (2002) na qual a
autora conclui que fronteiras antes de serem marcos físicos ou naturais, são
sobretudo simbólicas. “São marcos, que guiam a percepção da realidade.
Capacidade mágica de representar o mundo por um mundo paralelo de sinais por
meio do qual os homens percebem e qualificam a si próprios, ao corpo social, ao
espaço e ao próprio tempo”. (PESAVENTO, 2002, p. 35).
A partir dessas considerações, a expressão fronteiras culturais pode ser
entendida como uma realidade transcendente, acima da geopolítica e que contempla
o caráter plural do termo cultura. Logo, a fronteira cultural afirma na verdade um ato
de conhecimento, como todo poder simbólico. Nesse contexto, diversos fatores tem
demarcado as fronteiras, possibilitando repensar na revisão dos valores que movem
a sociedade como um todo e a inserção do indígena, já que a fronteira é uma zona
de articulação entre diferentes culturas, etnias, povos e modos de vida que deseja e
enseja o contato. A sua riqueza consiste em possibilitar os processos de
intercâmbios entre os homens e o meio em que vivem.
Nessa perspectiva, o trabalho propõe uma discussão sobre o exercício
jurídico das políticas direcionadas para a auto identificação da identidade dos povos
indígenas no Brasil, partindo da realidade de que, no referido país, a autonomia

1
Ñande reko diz respeito ao modo de ser, o modo de viver dos Guarani, que está relacionado ao
comportamento, a língua, a religião e a organização social. (SILVA, 2016)
2
O tekoha é entendido pelos Guarani como aldeia, lugar onde realizam seu modo de ser “teko”: a
cosmovisão, a cultura, os costumes e “há”: espaço onde se realiza o teko. “Seu território, o solo que
se pisa, é o tekoha, o lugar físico, o espaço geográfico onde os Guarani são o que são, onde se
movem e onde existem” (SILVA, 2016,p.12, apud AZEVEDO, et al. 2008, p.7)

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desses grupos étnicos não estão sendo cumpridas, de modo que infringe o que
determina a Constituição Federal de 1988 e a Convenção nº164, da Organização
Internacional do Trabalho (OIT), política essa de âmbito internacional.
Observando de que modo o Estado reconhece a democracia representativa
e participativa do povo, a proposta é promover uma reflexão e apontar a
necessidade de considerar que os povos indígenas no Brasil tenham autonomia
para a organização das suas comunidades, a resolução de conflitos de acordo com
seus valores culturais. O reconhecimento do direito à sua identidade, visa o
cumprimento das leis, de modo que não permaneçam apenas em normas estatais e
em um poder centralizado. A pesquisa está organizada em três tópicos do qual
procede a presente introdução abordando o assunto referente as fronteiras culturais;
o segundo uma análise sobre o conceito de identidade étnica; e no terceiro a
reflexão sobre o reconhecimento ao Direito étnico, territórios e leis estatais.

Conceito de Identidade étnica


A identidade é construída ao longo do tempo, por meio dos elementos de
contato que cada ser humano traz consigo, seja pelas formas de comunicação ou
convívio mútuo com a comunidade. A noção de identidade contém duas dimensões:
a pessoal (individual) e a social (coletiva). Ao mesmo tempo em que é particular de
cada pessoa, se forma com o meio em que o indivíduo se encontra inserido na
sociedade, e está ligada a existência numa sucessão de episódios. A identidade
pessoal e social estão interconectadas. No mundo da contemporaneidade, a
modernização vai construindo novos sujeitos sociais, mudando a forma de vida e
práticas cotidianas. Estabelecendo novas condutas sociais, políticas e organizações
de vida.
Nas discussões sobre Identidade e Diferença, Silva (2008) traz as
contribuições de Jonathan Rutherford, especialista em estudos culturais que afirma
que a identidade marca o encontro de nosso passado com as relações sociais,
culturais e econômicas nas quais vivemos agora, pois ela é a intersecção de nossas
vidas cotidianas com as relações econômicas e políticas de subordinação e
dominação, porque “ter uma identidade é ter uma memória própria. Por isso a
recuperação da própria história é um direito fundamental das sociedades”. (CUNHA,
1992, p. 20).

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Quanto à etnia, Stuart Hall define-a "pelas características culturais — língua,


religião, costumes, tradição, sentimento de 'lugar' - que são partilhadas por um
povo". ( HALL,1997. p. 67). Alerta porém, que a identidade étnica é um processo de
identificação e vai se reconstruindo e reconfigurando ao longo do processo histórico.
Ao nos referimos a “identidade” ou identidades” atentamos ao fato, que trata-se de
um tema que envolve comportamentos, sentimentos, o modo de ser e de viver de
cada um. Todos esses processos são carregados de uma história de vida, dentro de
um determinado contexto social, com laços familiares e afetivos específicos,
recheada de crenças e valores peculiares.
Ao abordar a questão da identidade étnica se faz necessário compreender
seu conceito discutida por Fredrik Barth (1969) nas palavras de Roberto Cardoso de
Oliveira (1976), o qual o grupo étnico é um tipo de organização, ou seja, uma
unidade portadora de cultura, ligada aos meios biológicos, valores culturais e ao
campo de comunicação e interação. A identidade étnica é irredutível às formas
culturais e sociais altamente variáveis ou como diferentes formas de organização,
sendo que o aspecto crítico da definição passa a ser aquele que se relaciona
diretamente com a identificação étnica, a saber, a característica de auto atribuição
por outros. Na medida em que os agentes se valem da identidade étnica para
classificar a si próprios e os outros para propósitos de interação.
Na disputa pela identidade está envolvida uma disputa mais ampla por outros
recursos simbólicos e materiais da sociedade. Para Barth (1969), a cultura, a língua
e os aspectos físicos de um povo são dinâmicos, mas as formas de identificar-se são
construídas de acordo com a interação com os outros, e é a partir dela que se
organizam como grupo étnico, uma vez que a determinação de um grupo étnico é a
identificação por parte de seus membros e por outros, como constituinte de uma
categoria diferenciada na relação com outras do mesmo tipo.
As fronteiras sobre as quais devemos concentrar nossa atenção são
evidentemente fronteiras sociais, ainda que possam ter contrapartida
territorial. Se um grupo mantém sua identidade quando seus membros
interagem com outros, disso decorre a existência de critérios para
determinação do pertencirnenro, assim como as maneiras de assinalar este
pertencimento ou exclusão. Os grupos étnicos não são apenas ou
necessariamente baseados na ocupação de territórios exclusivos; e as
diferentes maneiras através das quais eles são mantidos, não só as formas
de recrutamento definitivo como também os modos de expressão e
validação contínuas devem ser analisadas. Além disso, a fronteira étnica
canaliza a vida social. Ela implica uma organização, na maior parte das
vezes bastante complexa, do comportamento e das relações sociais.
(BARTH, 2000, p. 34)

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Com isso, podemos dizer que a identidade étnica se estabelece pelo


conjunto agregado de ações, como em redes ativas e ocupam diferentes nichos
econômicos e políticos, e o contato de grupos étnicos minoritários com uma
sociedade hegemônica, geralmente é competitivo pela terra, trabalho, dentre
outros. Sobre o assunto, Chamorro & Combès (2015, p. 52) constata que “a
etnicidade é o receptáculo de todos os elementos que sintetizam a identidade étnica
e, portanto, é constantemente comunicada pelos membros de uma mesma
sociedade, a fim de dotar seu universo de sentido.”
A reflexão de identidades étnicas e seu processo de reconhecimento se
manifesta especialmente em situações de interculturalidade nas quais ocorre o
encontro de atores sociais que defendem interesses opostos. O processo de
reconhecimento étnico envolve, sobretudo, a autoidentificação de grupos étnicos
politicamente organizados, uma vez que, ao afirmar uma identidade se produz
automaticamente a diferença, seja em relação a nacionalidade, a étnica ou ao
gênero.
Em Silva (2014), nos seus estudos sobre Identidade e diferença, podemos
constatar que ao criar a identidade, cria-se também a diferença, já que, o individuo
ao afirmar aquilo que é, entra em oposição com aquilo que não é. Tomamos por
exemplo a questão de afirmar que o individuo é brasileiro, automaticamente esta
dizendo que não é argentino, chines ou outros. Porém, a relação da diferença só faz
sentido, quando compreendida com relação de afirmação à identidade. Na verdade,
a firmação da identidade e anunciação da diferença possuem uma estreita ligação
de poder.
Um indivíduo ou grupo indígena afirma a sua etnia contrastando-se com
uma etnia de referência, tenha ela um caráter tribal, ou nacional. O
certo é que um membro de um grupo indígena não tem sua
pertinência tribal a não ser quando posto em confronto com
membros de outra etnia. Em isolamento, o grupo tribal não tem
necessidade de qualquer designação específica (CARDOSO DE
OLIVEIRA, 1976, p.36).

Ao afirmar uma identidade, significa demarcar fronteiras, ao mesmo tempo


em que afirmam e reafirmam relações de poder. Com isso, levando em consideração
a situação social e política, dos grupos envolvidos e seus interesse, tendo em vista
as relações de índios e não índios no contexto da interculturalidade, passamos a
perceber de que forma o Estado-nação pode contribuir na emergência dos grupos

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étnicos, e o processo de interação cultural, que no caso dos indígenas culminou com
a garantia de direitos a partir da década de 80.

Direito, Território e Identidade


No Brasil, o direito à identidade desses grupos étnicos abarca principalmente
a necessidade da legislação proteger as terras que lhes pertencem, uma vez que a
preservação dos seus espaços territoriais é importante no aspecto cultural. Nesses
locais é que se torna possível reviver e rememorar toda cultura, nele a identidade é
representada, significada e reproduzida. A questão da territorialidade assume
grande proporção, na medida em que o território tradicionalmente habitado é
fundamental para uma vida que agrega valores com o seu modo de ser e de viver.
Na busca de resguardar os direitos desses grupos, o que acaba sendo mais sensível
nessa relação política do Estado e a emergência de identidades étnicas é o território
que se reivindica em consequência do reconhecimento étnico.
Para Siqueira & Machado (2009) os direitos dos povos indígenas são
fundamentados atualmente em três pilares básicos que é a Fundação Nacional do
Índio (FUNAI) como órgão executor da política indigenista brasileira, o Estatuto do
Índio e a Constituição Federal de 1988. Porém, somente a partir da promulgação da
Constituição da República de 1988 é que o indígena passou a ter seus direitos
culturais pelo menos escritos respeitado no Brasil. Antes da Carta Magna o objetivo
era localizá-lo e inseri-lo à sociedade, onde no entendimento da época, este deixaria
de ser índio, silvícola e menos desenvolvido. Esta realidade é deparada no artigo 1º
da lei nº 6.001, de 19 de dezembro de 1973 que dispõe a respeito do Estatuto do
Índio3.
Na atualidade o Direito no Brasil mais especificamente a Constituição, garante
aos povos indígenas condições de sobrevivência física, cultural e de organização
social, onde podem manter seus costumes e tradições com base em suas
especificidades étnicas, mas também terem o direito de ter acesso a outros meios
de informações, culturas e recursos. Apenas com a Constituição de 1988, e o

3
Esta Lei regula a situação jurídica dos índios ou silvícolas e das comunidades indígenas, com o
propósito de preservar a sua cultura e integrá-los, progressiva e harmoniosamente, à comunhão
nacional.

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reconhecimento de direitos territoriais e culturais aos povos indígenas, ao menos no


plano formal, permitiu rever o horizonte integracionista e assimilacionista.
Outro elemento fundamental, é a conquista de direitos no plano internacional,
com destaque a Convenção nº 169 da OIT, a qual deu novo fôlego a
organização das minorias étnicas. Com o Decreto Legislativo nº 143 a partir de 2003
o Brasil passou a fazer parte dos países que aderiram à Resolução 169 da OIT, com
isso os indígenas deveriam ter sua autonomia governamental, podendo vetar
quaisquer interferências externas prejudiciais à manutenção, preservação e
permanência em seus espaços. O território, a cultura e a identidade indígena
somente poderiam ser adentrados e/ou explorados com autorização destes.
Os povos indígenas, dentro de sua territorialidade expressam-se como
“nação” com direitos e deveres próprios. A autodeterminação dos mesmos foi
aprovada em 1989, durante a 76ª Conferência da Convenção 169 da Organização
Internacional do Trabalho (OIT), ficando exposto que, sempre deverão ser
consultados antes da adoção de medidas legislativas ou administrativas de qualquer
natureza, incluindo obras de infraestrutura, mineração ou uso de recursos hídricos.
Também foi determinado nesta Convenção o direito a reparação pelo furto de suas
propriedades no âmbito cultural, intelectual, religioso ou espiritual, a não violação à
suas normas tradicionais e o direito de manterem suas culturas. “A Convenção foi o
primeiro documento internacional a adotar o termo ‘povos’ para referir-se às
populações indígenas e ‘tribais’ como sujeitos de direito. Tal noção é usada para
caracterizar coletivos com identidade e organização política e social próprias, e
formas especificas de relacionamento com o território.” (SILVA & COSTA, 2018,
p.109).
Quanto a Constituição Federal de 1988, além do reconhecimento dos diretos
territoriais, ocasionou importantes inovações aos direitos indígenas, quando pela
primeira vez, apontou o direito à diferença. Em seu Capítulo VIII – “Dos Índios”, no
artigo 231, determina que as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios
destinam-se à sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das
riquezas do solo, dos rios e dos lagos nela existentes, reconhecendo a estes, o
direito a uma organização social própria, com a manutenção de seus costumes e
tradições, permitindo a gestão das terras que tradicionalmente ocupam.
Os artigos 231 e 232 da Constituição representam a maior força jurídica
dentro do direito indígena no Brasil, e essa condição permite que haja o respeito à

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identidade de tais povos, mas na prática, é apresentada outra realidade, uma vez
que há um ataque a esses direitos em todo o território brasileiro.
[...] a questão indígena tem sido omitida, mascarada, como uma clara opção
do Estado, e vem se repetindo desde a época da colonização. E o Poder
Judiciário, que seria o responsável pela aplicação e fiscalização desses
direitos tem grande parcela de culpa na situação, seja pela dificuldade de se
chegar até ele, seja pelas deficiências do próprio corpo que se encontra
despreparado e desconhecedor das questões indígenas, seja pela falta de
vias processuais adequadas (SIQUEIRA & MACHADO, 2009 p. 27).
Exemplo desse descaso e agressão, na tentativa de destruir a construção
identitária desses povos é o que acontece com os índios no Mato Grosso do Sul,
como relata o Relatório dos Direitos Humanos a terra, Território e Alimentação “a
difícil situação dos indígenas no Mato Grosso do Sul se insere num cenário nacional
de expropriação territorial. Inclusive é um processo que percorre toda a América
Latina, numa disputa por recursos naturais” (Relatório, 2014, p. 11).
Observar os conflitos entre Estado e indígenas é constatar a multiplicidade
das relações de poder que advém do reconhecimento da realidade complexa, e de
que esta realidade é produto de um mundo em que “o fim do colonialismo não
acarretou o fim da colonialidade enquanto relação social, enquanto mentalidade e
forma de sociabilidade autoritária e discriminatória” (SANTOS, 2001, p. 8). Diante
desse entendimento, compreendemos que não se trata apenas de lutar por
efetividade de direitos, uma vez que é muito mais que incorporar a dimensão cultural
ao Estado há a necessidade de revê-lo. Assim, no discurso eurocêntrico não se
reconhece que a diferença cultural indígena pressupõe formas diferenciadas de crer,
de produzir e transmitir o saber que é comum ao seu povo.
Atualmente o Estado do Mato Grosso do Sul, possui a segunda maior
população indígena do país. Nesse mesmo Estado tem ocorrido constantes conflitos
territoriais em relação da posse das terras indígenas. Segundo Cavalcante (2014), a
situação atualmente vivenciada pelos Guarani e Kaiowá no Mato Grosso do Sul em
relação aos seus direitos territoriais, são verdadeiramente preocupantes pois vivem
sob ameaças.
A respeito do assunto, Silva (2016) esclarece que mesmo os Guarani
estando na região desde os primeiros contatos com os colonizadores, ainda na
época das encomendas espanholas e reduções jesuítas, atualmente ocorre
situações de violência, por conta das reivindicações e retomadas de terras
ancestrais.

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No entanto, as sociedades indígenas “vêm mostrando que sua resistência


não está centrada na possibilidade de elas absorverem ou não elementos da cultura
dominante, mas sim na forma como esses elementos podem ser rearticulados
positivamente por elas”. (CHAMORRO, 2008, p. 54). Apesar dos inúmeros
problemas os Guarani e Kaiowá, compreendem e aceitam a existência desta outra
sociedade, que margeia a sua, percebem-se como parte dela, mas precisam
demarcar as diferenças entre elas. Por isso, vêm organizando uma resistência para
manter vivo seu modo de viver, engajando-se em movimentos e ações para
recuperação de sua autonomia e autodeterminação.
Neste contexto, para assegurar o cumprimento das cláusulas constitucionais
e fazer valer o direito indígena e o reconhecimento de sua identidade étnica,
consiste em um desafio que está posto a todos nós, principalmente respeitar a
Constituição Federativa do Brasil, assegurando os direitos plenamente consagrados
nos trechos da Lei. Os indígenas, as universidades, entidades de apoio, Ministério
Público e toda sociedade brasileira devem ser responsáveis pela promoção da
diversidade cultural indígena. (SILVA & COSTA, 2018). A identidade indígena está
vinculada à permanência territorial, preservação e reprodução de sua cultura, uma
vez que, para estes, terra, território, povos e cultura se entrelaçam e se tornam
singulares, tais povos poderiam usufruir de forma exclusiva da sua terra e riquezas,
preservando suas tradições.

Considerações finais
No Brasil, o indígena passou a ser reconhecido como uma categoria
etnicamente diferenciada sendo um desafio ao Estado garantir o direito desses
povos. Atualmente a emergência étnica tem uma relação direta com a política
estatal. Além de reconhecer aos índios o direito à diferença, o que rompeu – na
letra da lei – com a tradição assimilacionista do indigenismo brasileiro, o texto da
Constituição Federal de 1988, trouxe mudanças importantes no que diz respeito aos
direitos territoriais indígenas. A principal delas foi o reconhecimento da
“originalidade” do direito dos índios às terras de ocupação tradicional, o que ampliou
a compreensão do que vinha a ser terra indígena.
A cultura da população indígena está vinculada a vida com a comunidade e
com a terra, mas não como posse individual e sim meio de sobrevivência coletiva.
Entendem que a terra não os pertence, e sim eles são os que pertencem a terra. A

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falta de compreensão, desse universo, fez com que desde o período da colonização
esses grupos sofressem com o desrespeito, humilhações e desvalorização de sua
cultura. No entanto, muitos mantiveram-se perseverantes nas lutas pelo direito à
língua, à terra, à autodeterminação e à preservação de sua identidade. Esse direito
refere-se além do territorial e cultural, a outros conexos, como o direito à vida,
liberdade, religião, saúde, família, educação e moradia.
Examinando a legislação a respeito do assunto, verifica-se que nas últimas
décadas ocorreram avanços consideráveis tanto a nível nacional quanto
internacional nas leis direcionadas aos povos indígenas, e apresentam-se como um
avanço no campo teórico, mas na prática, tais leis nem sempre são efetivadas. Fica
evidente que o aparato jurídico precisa ser cumprido plenamente, já que não é
apenas uma questão de obter direitos, mas uma melhor interpretação e aplicação
dos mesmos, visto que, a questão indígena ainda é desvalorizada e desrespeitada.
Nesse cenário, é preciso compreender o modo como a questão indígena vem
sendo abordada nos processos políticos recentes e assim, romper com as
fronteiras do Estado-Nação, entendendo que os Guarani- Kaiowá em sua
organização propõe um modo de vida e política própria.
Juntamente com as leis e o direito à terra, está a questão primordial que é
compreendermos como os povos originários tem sido representados e permanecem
no imaginário da sociedade nacional, bem como nos espaços educacionais. É
fundamental que seja superada a perspectiva eurocêntrica e seja contata a história
indígena do tempo presente, bem como seus conhecimentos e saberes.
De forma alguma o assunto se esgota aqui, mas permite abrir novas
possibilidades de análises, relacionadas ao tema, envolvendo a questão da
autogestão, que implicaria uma reavaliação do reconhecimento da identidade dos
indígenas. No âmbito geral da sociedade brasileira, salta aos olhos a questão do
reconhecimento dos direitos atribuídos a grupos etnicamente diferenciados,
inseridos em um contexto social pluriétnicos.

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AVALIAÇÃO DO ESTADO NUTRICIONAL E DO CONSUMO ALIMENTAR DE


FAMÍLIAS RIBEIRINHAS RESIDENTES NA FRONTEIRA BRASIL/BOLÍVIA
Assessment of the Nutritional State and Food Consumption of River Families
Resident on The Brazil/Bolivia Border
Evaluación del Estado Nutricional y Consumo de Alimentos de las Familias
Ribereñas que Viven en la Frontera entre Brasil y Bolivia

Bruna Fernanda Antonio Clímaco


Beatriz Lima de Paula Silva

Resumo: O objetivo é identificar o estado nutricional e o consumo alimentar de


famílias ribeirinhas residentes no Pantanal Sul-Mato-Grossense. Método: Estudo
piloto descritivo, realizado com 26 ribeirinhos, residentes em uma comunidade
tradicional, na faixa de fronteira Brasil/Bolívia. Foram coletados dados
socioeconômicos, de antropometria e do consumo alimentar. A análise qualitativa da
alimentação foi classificada segundo o Guia Alimentar da População Brasileira; e o
estado nutricional pelos critérios adotados pela World Health Organization .
Realizou-se análise estatística descritiva e os dados foram apresentados em Média,
Desvio Padrão e Frequência absoluta e relativa. Resultados: em relação ao estado
nutricional, 61,5% estão com peso adequado, 30,8% acima do peso e 7,7% com
baixo peso. A frequência alimentar semanal de hortifrutis se encontra insuficiente e
com pouca variedade. Conclusão: São necessárias estratégias de educação
alimentar e nutricional sustentável, que possibilitem os ribeirinhos do Pantanal a
construírem hábitos alimentares mais saudáveis dentro do seu contexto ambiental e
socioeconômico.
Palavras – Chaves: Fronteira; Pantanal; Ribeirinhos; Frequência alimentar; Estado
nutricional.

Abstract: Objective: To identify the nutritional status and food consumption of


riverside families living in the Pantanal Sul-Mato-Grossense. Method: A descriptive
pilot study was conducted with 26 riverside dwellers living in a traditional community
in the Brazil/Bolivia border region. Socio-economic, anthropometric and food
consumption data were collected. The qualitative analysis of food was classified
according to the Brazilian Population Food Guide; and the nutritional status
according to the criteria adopted by the World Health Organization. Descriptive
statistical analysis was performed and the data were presented as mean, standard
deviation, and absolute and relative frequency. Results: Regarding nutritional status,
61.5% were of adequate weight, 30.8% overweight and 7.7% underweight. The
weekly feeding frequency of hortifrutis is insufficient and with little variety.
Conclusion: Sustainable food and nutrition education strategies are needed to


Nutricionista. Mestranda em Estudos Fronteiriços - UFMS/Campus Pantanal. E-mail:
bfa.climaco@gmail.com

Engenharia Cartográfica. Doutora em Geociências e Meio Ambiente - UFMS/Campus do Pantanal.
E-mail: beatrizlpaula@gmail.com

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enable riverside dwellers in the Pantanal to build healthier eating habits within their
environmental and socioeconomic context.
Keywords: Border; Pantanal; Riverine; Food frequency; Nutritional status.

Resumen; Objetivo: Identificar el estado nutricional y el consumo de alimentos de


las familias ribereñas que viven en el Pantanal Sul-Mato-Grossense. Método: Se
realizó un estudio piloto descriptivo con 26 ribereños que viven en una comunidad
tradicional de la región fronteriza entre Brasil y Bolivia. Se recopilaron datos
socioeconómicos, antropométricos y de consumo de alimentos. El análisis cualitativo
de los alimentos fue clasificado de acuerdo con la Guía de Alimentos de la Población
Brasileña; y el estado nutricional de acuerdo con la Organización Mundial de la
Salud. Se realizó un análisis estadístico descriptivo y los datos se presentaron como
media, desviación estándar y frecuencia absoluta y relativa. Resultados: En cuanto
al estado nutricional, el 61,5% tenía un peso adecuado, el 30,8% un sobrepeso y el
7,7% un peso inferior al normal. La frecuencia de alimentación semanal de la
hortifrutis es insuficiente y con poca variedad. Conclusión: Se necesitan estrategias
sostenibles de educación alimentaria y nutricional para que los habitantes de las
riberas del Pantanal puedan desarrollar hábitos alimenticios más saludables dentro
de su contexto ambiental y socioeconómico.
Palabras clave: Frontera; Pantanal; Ribereños; Frecuencia de comida; Estado
nutricional.

Introdução
O rio Paraguai tem nascente em território brasileiro com uma região
hidrográfica que abrange uma área de drenagem de 1.095.000km², sendo 33% em
território no Brasil e o restante na Bolívia, Paraguai e Argentina; e apresenta-se
como uma bacia transfronteiriça. A Região Hidrográfica do Paraguai corresponde no
lado brasileiro, a uma área de 362.259 km², sendo 52% no Mato Grosso e 48% no
Mato Grosso do Sul. Cerca de 1,9 milhão de pessoas vivem na região, sendo 15,3%
em áreas não urbanas (CALHEIROS; OLIVEIRA, 2010).
De acordo com Almeida e Silva (2011) os ribeirinhos apresentam total
dependência e identificação com o rio, pois é por meio dele que se garante a
provisão humana, desde a lavagem da roupa e utensílios, higiene pessoal à
sobrevivência e atividade econômica: à coleta de isca e pesca. Os autores ainda
relatam que a fachada das casas é construída de frente para o rio porque é nele
onde se desenrola a vida pública e se estabelecem as relações sociais.
Estudos que avaliaram o cotidiano e modo de vida de famílias ribeirinhas do
Pantanal Sul-Mato-Grossense revelaram uma vida ‘’sofrida’’, cheia de
vulnerabilidades: precárias condições de moradia, de trabalho, baixa escolaridade,
renda familiar insuficiente, indisponibilidade de serviços públicos básicos na região,

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sendo destaque a falta de atendimentos a saúde (ALMEIDA; SILVA, 2011;


AMANCIO et al., 2010; SIQUEIRA, 2015).
O hábito alimentar de um indivíduo é o principal determinante para a
manutenção de saúde. Atualmente os principais problemas de saúde estão
relacionados e são desencadeados por práticas alimentares inadequadas. A
carência acarretando deficiência de vitaminas e minerais e o excesso ao
desenvolvimento de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), tais como, o
sobrepeso, obesidade, hipertensão arterial, colesterol alto, câncer (MOLINARI,
2017). E, cerca de 70% das causas de morte no Brasil são desencadeadas por
essas doenças, que atingem, principalmente, a população mais carente, devido a
sua maior exposição aos fatores de risco e ao menor acesso aos serviços de saúde
(MARIOSA et al., 2018; MOLINARI, 2017).
De acordo com a World Health Organization (WHO, 2003), os oito principais
fatores de risco para as DCNT são: tabagismo, alcoolismo, baixo consumo de frutas
e vegetais, sobrepeso e obesidade, hipertensão arterial sistêmica,
hipercolesterolemia, sedentarismo e diabetes mellitus. Além desses fatores, o nível
de escolaridade, o local e a situação da moradia também são fortes influências
sobre a prevalência das DCNT na população (BARROS et al., 2006).
Por serem enfermidades em geral de longa duração, estão entre as doenças
que mais demandam ações, procedimentos e serviços de saúde. Dessa forma
pesquisas de natureza populacional, são fundamentais, pois possibilitam o
monitoramento de ocorrências, para futuras elaborações de programas de
prevenção e promoção da saúde (BRASIL, 2005).
Sendo assim, o presente estudo teve como objetivo identificar o estado
nutricional e o consumo alimentar de famílias ribeirinhas, residentes no Pantanal
Sul-Mato-Grossense.

Metodologia
Trata-se de um estudo piloto descritivo, realizado com ribeirinhos de ambos
os sexos, com idade igual ou superior a 5 anos de idade, residentes em uma
comunidade tradicional localizada no Pantanal Sul-Mato-Grossense, na faixa de
fronteira, entre Brasil e Bolívia. Foram convidados a participar pelo menos um
integrante adulto de cada família. Os indivíduos com idade inferior a 5 anos de

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idade, gestantes e aqueles que apresentaram impossibilidades para realizar a


avaliação antropométrica (ex: amputados) não foram incluídos no estudo.
A coleta de dados ocorreu na própria comunidade durante o mês de fevereiro
de 2019. As entrevistas foram definidas a partir da disponibilidade de tempo do
participante, e tiveram duração média de 25 minutos por pessoa. Aplicou-se um
questionário semiestruturado a fim de coletar informações sobre: identificação
pessoal, sexo, estado civil, número de pessoas que moram no domicílio, valor
mensal gasto com alimentação, disponibilidade de alimento na propriedade, estado
de saúde e histórico familiar de doenças crônicas não transmissíveis.
O perfil do consumo alimentar das famílias foi verificado a partir da aplicação
do Marcador de Consumo Alimentar do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional
(SISVAN), no qual identificou a frequência alimentar de diferentes alimentos nos
últimos sete dias, sendo aplicado apenas nos indivíduos maiores de 18 anos de
idade. A frequência alimentar foi classificada de acordo com as recomendações do
novo Guia Alimentar para a população brasileira (Quadro 01). Sendo considerado
“satisfatório” ou “insuficiente” se a frequência de consumo dos alimentos in natura ou
minimamente processados se apresentou superior ou inferior, respectivamente, a
cinco dos sete dias da semana e “excessivo” se a frequência dos alimentos
processados e ultraprocessados for maior que cinco dias na semana.

Quadro 01 – Classificação dos alimentos e recomendações do Guia Alimentar


para a população brasileira versão 2014.
Classificação por Grau de Processamento Recomendações
Alimentos In natura ou minimamente Devem ser a base da alimentação
processados
Ex: Legumes; verduras; frutas; sucos de frutas e sucos pasteurizados sem adição de outras
substâncias; raízes, tubérculos e cereais; leguminosas; oleaginosas sem sal ou açúcar; especiarias e
ervas frescas ou secas; carnes e pescados; leite; iogurte natural; ovos e água potável.

Alimentos Processados Devem ter um consumo Limitado


Ex: Alimentos preservados em salmoura ou em solução de sal e vinagre; extratos de tomate; frutas
em calda e cristalizadas; carne seca e toucinho; sardinha e atum enlatados; queijos;

Alimentos Ultraprocessados Devem ser Evitados


Ex: Biscoitos, sorvetes, balas e guloseimas em geral; sopas, macarrão e temperos ‘instantâneos’;
salgadinhos “de pacote”; refrescos e refrigerantes; iogurtes e bebidas lácteos adoçados; produtos
congelados e prontos para aquecimento; pizzas, hambúrgueres salsichas e embutidos; pães feitos
com gordura vegetal hidrogenada e outros aditivos.
Fonte: BRASIL, 2014.

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Para identificação do estado nutricional, o peso corporal (kg) foi aferido em


balança eletrônica digital de plataforma, portátil, calibrada, com capacidade máxima
de 200 kg. O participante foi orientado a se posicionar em pé, no centro da balança e
descalço. Para a verificação da estatura (m) foi utilizado um estadiômetro portátil
com amplitude de uso de 100 cm até 210 cm. No momento da aferição os
participantes encontravam-se descalços, em posição ereta, com os braços
estendidos ao longo do corpo; os calcanhares e ombros em contato com o aparelho;
e a cabeça, de acordo com Plano de Frankfurt, posicionada de modo a exibir o maior
eixo que se possa traçar do crânio. A medida da circunferência da cintura (CC),
traçada apenas na população adulta, foi determinada com o auxílio de uma fita
métrica flexível, na região abdominal mais estreita entre o tórax e o quadril no ponto
médio entre a última costela e a crista ilíaca, sendo a leitura realizada no momento
da expiração. A medida da CC foi utilizada como preditor de risco aumentado para o
desenvolvimento de doenças metabólicas, pela classificação da obesidade
abdominal. Os pontos de corte para CC elevada, em adultos, foi de ≥ 94 cm para
homens e ≥ 80 cm para mulheres (WHO, 2000).
A partir das medidas de peso corporal e estatura determinou-se o Índice de
Massa Corporal (IMC), que corresponde ao peso atual (kg) dividido pela estatura²
(m). Os adultos e os idosos foram classificados de acordo com as recomendações
da World Health Organization (WHO, 1995) e da Organización Panamericana de la
Salud (OPAS, 2002) (Quadro 02). As crianças e os adolescentes foram classificados
de acordo com os índices de Estatura para Idade (E/I) e IMC para idade (IMC/I)
conforme os pontos de corte da World Health Organization (WHO, 2006) (Quadro
03).

Quadro 02. Classificação do estado nutricional de adultos e idosos segundo o


Índice de Massa Corporal.
ADULTOS IDOSOS
2
IMC (kg/m ) Classificação IMC (kg/m²) Classificação
< 16,0 Magreza grau III <23 Baixo Peso
16,0 – 16,9 Magreza grau II 23-27,9 Normal
17,0 – 18,4 Magreza grau I 28 – 29,9 Sobrepeso
18,5 – 24,9 Eutrofia ≥ 30 Obesidade
25,0 – 29,9 Sobrepeso
30,0 – 34,9 Obesidade grau I

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35,0 – 39,9 Obesidade grau II


≥ 40,0 Obesidade grau III

Fonte: World Health Organization (WHO, 1995); Organización Panamericana de la Salud (OPAS,
2002).

Quadro 03. Pontos de corte para classificação de estado nutricional de crianças e


adolescentes.
Ponto de Corte Índices antropométricos
Escore – Z IMC para Idade (IMC/I) Estatura para idade (E/I)
< -3 Muito baixo IMC para a idade Muito baixa estatura para idade
≥ -3 < 2 Baixo IMC para a idade Baixa estatura para idade
≥-2e≤+1 Vigilância para baixo IMC para a
idade
>+1e≤+2 IMC adequado para idade Estatura adequada para a idade
>+1e≤+2 Vigilância para IMC elevado para a
idade
>+ 3 Excesso de peso
Fonte: World Health Organization (WHO, 2006).

Todos os dados foram digitados em planilha eletrônica do software Excel do


Oficce Microsoft 2010 para a realização da análise estatística descritiva. Os dados
foram apresentados em Média, Desvio Padrão e Frequência absoluta e relativa.

Resultados
Participaram do estudo 26 ribeirinhos, integrantes de nove famílias, sendo 10
(38,5%) do sexo feminino e 16 (61,5%) do sexo masculino. E, desse total, 13
(50,0%) eram crianças e adolescentes; 12 (46,2 %) adultos; e um (3,8%) idoso
(Tabela 01). A idade mínima e máxima entre os participantes foi de 6,5 e 66,4 anos
de idade, respectivamente, com uma média de 24 ± 14,8 anos. O número médio de
pessoas que moram na casa da família foi de 5,6 ± 2,2 integrantes, sendo composta
por pai, mãe, filhos (as), esposo (a) e irmãos. Foi verificado que 7 (63,6%)
participantes possuíam filhos, com média de 4,6 ± 3,9 filhos por família.
A aquisição de alimentos da zona urbana é realizada pela maioria das
famílias num intervalo de 60 dias, o menor e maior valor gasto com a compra dos
gêneros alimentícios nesse período foi de R$ 350,00 e R$ 1000,00 reais,
respectivamente.

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Tabela 01. Número total dos ribeirinhos participantes por sexo e fase de vida.
Corumbá, 2019.
Sexo T F M
n (%) n (%) n (%)
Total 26 (100) 10 (38,5) 16 (61,5)
Crianças e Adolescentes 13 (50) 5 (38,5) 8 (61,5)
Adultos 12 (46,2) 5 (41,7) 7 (58,3)
Idosos 1 (3,8) 0 1 (100)
T= total de participantes; F= Sexo Feminino; M=Sexo Masculino.

Em relação a disponibilidade de alimentos na própria comunidade, todos os


participantes relataram produzir alimentos na sua propriedade para consumo
próprio. Os principais alimentos cultivados foram: mandioca, abóbora, cebolinha,
pimentão, tomate, milho, banana da terra, banana 3 quinas, mamão, goiaba,
melancia e manga.
Quando questionados sobre o estado de saúde individual, foi identificado
entre os adultos e idosos, que 5 (38,5%) apresentavam doenças diagnosticadas pelo
médico, dentre elas: hipertensão arterial sistêmica (HAS), colesterol alto e rinite. Em
relação ao histórico familiar de doenças crônicas não transmissíveis, 11 (84,6%)
confirmaram que o pai, a mãe e/ou avós apresentavam alguma dessas doenças:
HAS, colesterol alto, diabetes mellitus (DM) e doença arterial coronariana (DAC).
Pela classificação do IMC pode-se constatar que a maioria dos ribeirinhos, 16
(61,5%), encontravam-se eutróficos; 8 (30,8%) acima do peso; e 2 (7,7%)
apresentaram baixo peso. Foi verificado entre os adultos maior prevalência de
excesso de peso entre as mulheres, com uma média de IMC de 36,3 ± 9,7 kg/m².
Assim como o risco para desenvolvimento de doenças metabólicas pela CC elevada,
identificado apenas nas ribeirinhas do sexo feminino, com uma média de 109 ± 24
cm. Dois adultos se negaram a realizar a avaliação da CC, sendo um do sexo
masculino e outro feminino. O baixo peso foi identificado em dois participantes,
sendo um adulto e outro adolescente, integrantes da mesma família (Tabela 2).

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Tabela 02. Estado nutricional de ribeirinhos adultos e idosos de uma


comunidade no Pantanal Sul-Mato-Grossense de acordo com a classificação
do índice de massa corporal e risco metabólico por sexo. Corumbá, 2019.
Estado Nutricional T F M
n (%) ME ± DP n (%) ME ± DP n (%) ME ± DP
IMC (kg/m²)
Baixo Peso 1 (7,7) 16,3 0 0 1 (12,5) 16,3
Eutrofia 6 (46,2) 23,5 ± 1,2 1 (20) 21,14 5 (62,5) 23,9 ± 0,6
Acima Peso 6 (46,2) 33,4 ± 8,7 4 (80) 36,3 ± 9,7 2 (40) 27,6

Risco Metabólico
pela CC (cm)
Sem Risco 8 (72,7) 78,1 ± 9,1 1 (25) 70 7 (100) 79,2 ± 9,2
Com Risco 3 (27,3) 109 ± 24,5 3 (75) 109 ± 24,5 0 0
T = total de participantes; ME = média; DP = desvio padrão; F = Sexo Feminino; M = Sexo Masculino.

Entre as 13 crianças e adolescentes avaliados, 10 (76,9%) estavam


eutróficas, 2 (15,4%) apresentaram vigilância para IMC elevado para a idade e 1
(7,7%) apresentou baixo IMC para a idade. Foi identificado que a criança e o
adolescente que apresentaram peso elevado são integrantes da mesma família, que
apresentou excesso de peso e risco para desenvolvimento de doenças metabólicas
entre os adultos. Em relação à estatura para idade foi verificado que 12 (92,3%)
crianças e adolescentes estão adequados, no entanto um adolescente apresentou
baixa estatura para a idade (Tabela 03).

Tabela 03. Estado nutricional de crianças e adolescentes ribeirinhos de uma


comunidade no Pantanal Sul-Mato-Grossense de acordo com a classificação
do índice de massa corporal para idade e estatura por idade por sexo.
Corumbá, 2019.
Estado T ME ± DP F ME ± DP M ME ± DP
Nutricional N (%) N (%) N (%)
IMC (kg/m²)
Baixo Peso 1 (7,7) 17,9 0 0 1 (12,5) 17,9
Adequado 10 (76,9) 19,9 ± 2,7 4 (80) 21,1 ± 3,4 6 (75) 19 ± 2,1

Elevado 2 (15,4) 20,5 ± 3,1 1 (20 22,6 1 (12,5) 18,3

E/I(cm)
Baixa 1 (7,7) 154 0 0 1 (12,5) 154
Adequada 12 (92,3) 153,6 ± 15,7 5 (100) 153 ± 18,3 7 (87,5) 155 ± 14,9

T = total de participantes; ME = média; DP = desvio padrão; F = Sexo Feminino; M = Sexo Masculino;


E/I= estatura para idade.

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De acordo com a aplicação do marcador de consumo alimentar foi identificado


que a frequência alimentar semanal de famílias ribeirinhas se encontra insuficiente e
com pouca variedade dos grupos de alimentos protetores à saúde (Tabela 04).

Tabela 04- Frequência alimentar semanal de famílias ribeirinhas residentes em


uma comunidade no Pantanal Sul-Mato-Grossense. Corumbá, 2019.
Consumo alimentar nos Não 1 2 3 4 5 6 7
últimos 7 dias comeu dia dias dias dias dias dias dias
GRUPO DE ALIMENTOS n (%) n (%) n (%) n (%) n (%) n (%) n (%) n (%)

1. Vegetal cru (alface, 12(92,3) 1(7,7) 0 0 0 0 0 0


tomate, cenoura,
repolho...).

2. Legumes e verduras 3(23,1) 3(23,1) 5(38,5) 2(15,4) 0 0 0 0


cozidas
(couve, abóbora,
chuchu...)

3. Frutas frescas 5(38,5) 0 2(15,4) 4(30,8) 0 0 0 2(15,4)

4. Feijão 1(7,7) 0 2(15,4) 2(15,4) 2(15,4) 1(7,7) 0 5(38,5)

5. Leite ou iogurte 7(53,8) 1(7,7) 2(15,4) 2(15,4) 0 0 0 1(7,7)


natural

6. Batata frita, batata de 9(69,2) 1(7,7) 1(7,7) 1(7,7) 0 0 0 1(7,7)


pacote e salgados fritos.

7. Hambúrguer e 9(69,2) 4(30,8) 0 0 0 0 0 0


embutidos (salsicha,
mortadela, salame,
presunto, linguiça...).

8. Bolachas/biscoitos 7(53,8) 1(7,7) 2(15,4) 2(15,4) 0 0 0 1(7,7)


salgados ou salgadinhos
de pacote.

9. Bolachas/biscoitos 7(53,8) 1(7,7) 2(15,4) 2(15,4) 1(7,7) 0 0 0


doces ou recheados,
doces balas e chocolate.

10. Refrigerantes 5(38,5) 5(38,5) 1(7,7) 0 0 0 0 2(15,4)

TOTAL: 13 ribeirinhos
n= número de participantes.

Entre os alimentos protetores, in natura e minimamente processados, que


contemplam os grupos alimentícios 1, 2 e 3 e devem ser à base da nossa
alimentação, 12 (92,3%) integrantes responderam que as famílias não consumiram

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nenhum dia da semana os alimentos do grupo 1; e um participante relatou o


consumo desses alimentos em apenas um dia da semana.
Em relação ao grupo 2, 5 (38,5%) participantes relataram o consumo de dois
dias na semana; no entanto ao identificar qual o legume ou verdura cozida se
referiam foram verificado o consumo apenas da abóbora e mandioca. Essa última
não podendo ser considerada nesse grupo pelo seu valor nutricional.
Apenas dois participantes relataram o consumo diário de frutas do grupo 3; 4
(30,8%) consumiram três dias na última semana; e 5 (38,5%) não comeram nenhum
dia. Entre as frutas relatadas destacaram-se a goiaba, manga, laranja e melancia.
Um indicador positivo foi o consumo de feijão, do grupo 4: 5 (38,5%) dos
participantes relataram ter consumido todos os dias da semana a leguminosa. Já os
alimentos lácteos do grupo 5, 7 (53,8%) não consumiram nenhum dia da semana;
Apenas um participante relatou consumo todos os dias.
Entre os alimentos processados e ultraprocessados, grupos 6, 7, 8, 9 e 10
verificou-se que, 9 (69,2%) participantes não consumiram nenhum dia da semana,
os alimentos dos grupos 6 e 7; e 7 (53,8%) os grupos de alimentos 8 e 9. Sendo
relatado pelos ribeirinhos ser muito difícil o acesso a esses alimentos.
Já em relação ao grupo 10, a maioria relatou o consumo de refrigerantes pelo
menos uma vez na semana; e dois participantes consumiram todos os dias da
semana.

Discussão
São poucos os estudos referentes ao estado nutricional e consumo alimentar
de famílias ribeirinhas especialmente do Pantanal Sul-Mato-Grossense. O presente
trabalho permitiu identificar maior prevalência de excesso de peso e risco de
doenças metabólicas pela CC entre as mulheres, resultado semelhante ao estudo
realizado com outras populações ribeirinhas no Brasil (BEZERRA et al., 2018). No
estudo de Mariosa et al. (2018) também foi verificado que os ribeirinhos do sexo
feminino, com idade acima de 40 anos, apresentaram maior risco para o
desenvolvimento de Hipertensão Arterial Sistêmica.
Em relação ao consumo alimentar, apesar de todos os ribeirinhos adultos
terem relatado o cultivo e disponibilidade de alguns legumes, vegetais e frutas na
propriedade, a frequência de consumo desses alimentos foi inferior a 3 vezes na
semana. O estudo de Costa et al. (2016) realizado em outra comunidade ribeirinha

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do Pantanal Sul-Mato-Grossense, localizada no Passo do Lontra, também identificou


o baixo consumo dos hortifrutis entre os participantes, sendo relatado pelos mesmos
que as condições ambientais, financeiras e o difícil acesso são os principais fatores
que justificam esse resultado. De acordo com a Organização Mundial de Saúde a
ingestão diária de frutas e hortaliças deve ser de pelo menos 400 gramas, o que
equivale, aproximadamente, ao consumo de cinco ou mais porções diárias de
frutas e hortaliças. Esse consumo deveria ocorrer em cinco ou mais dias da
semana (WHO, 2003).
Em contrapartida como marcador de alimentação não saudável entre os
ribeirinhos, o consumo do ultraprocessado “refrigerante” se apresentou excessivo,
principalmente nos indivíduos que apresentaram alteração no peso. No estudo de
Botelho et al. (2015) o consumo do refrigerante também foi identificado entre os
ribeirinhos de Coari/AM, durante o período da seca. De acordo com Bezerra et al.
(2018), o excesso de peso em famílias em insegurança alimentar é justificado pela
compra de alimentos mais baratos, industrializados, processados, ultraprocessados
e pobres nutricionalmente.
A comunidade ribeirinha pode ser considerada uma população em risco
nutricional, tanto pela falta de uma alimentação completa e variada, pelas baixas
condições socioeconômicas e sazonalidade dos alimentos na região quanto pela sua
localização distante da zona urbana.

Conclusão
A maioria dos ribeirinhos avaliados, residentes no Pantanal-Sul-
Matogrossense, apresentou o estado nutricional adequado, no entanto foi prevalente
o excesso de peso e risco metabólico entre as mulheres. Assim como o histórico
familiar de doenças crônicas não transmissíveis na comunidade. Um alerta, pois o
peso acima do recomendado também foi identificado entre as crianças e
adolescentes integrantes das famílias diagnosticadas. Em contra partida também
foram identificados ribeirinhos com baixo peso, integrantes de uma mesma família.
Foi verificado que o consumo semanal de legumes e vegetais foi muito pouco
e insuficiente. As frutas frescas consumidas na semana são frutas da época, e se
depende não apenas da sazonalidade desses alimentos, mas das condições
climáticas no pantanal para usufruí-las.

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Todavia também foi identificado o consumo excessivo de alimentos


industrializados, com alto valor calórico, que deveriam ser evitados principalmente
entre os indivíduos com sobrepeso e obesidade, tal como, refrigerante.
Os expostos indicam a necessidade de estratégias de educação alimentar e
nutricional sustentável, e também de controle do peso corporal que possibilitem as
famílias ribeirinhas do Pantanal a construírem hábitos alimentares mais saudáveis
dentro do seu contexto ambiental, cultural e socioeconômico, levando promoção da
saúde e melhorando a qualidade de vida na comunidade.

Referências

ALMEIDA, M. A.; DA SILVA, C. J. As comunidades tradicionais pantaneiras Barra de


São Lourenço e Amolar, Pantanal, Brasil. História e Biodiversidade. v. 1, n 1. 2011.

AMÂNCIO, C. O. G.; COSTA, K. P. C.; ARRUDA, P.; ZERLOTTIS, P. Zoneamento


Socioeconômico da população ribeirinha do Pantanal: Comunidade do Castelo,
Corumbá/MS, 2010.

BARROS, M. B. A.; CÉSAR, C. L. G.; CARANDINA, L.; TORRE, G. D.


Desigualdades sociais na prevalência de doenças crônicas no Brasil, PNAD – 2003.
Ciência & Saúde Coletiva, v. 11 n. 4, p. 911-926, 2006.

BEZERRA, D. P.; SILVA, D. G. K. C.; SILVA, J. P. C. Perfil nutricional e consumo


alimentar de pescadores. J Health Sci Inst, Santa Cruz – RN, v. 36, n. 1, p. 129 –
135, 2018.

BOTELHO, W. C. G.; FALCÃO, C. M.; CUSTÓDIO, T. V. O.; GRIJÓ, E. L. Avaliação


do hábito alimentar nos diferentes regimes de chuvas (vazante e cheia) das famílias
residentes na comunidade São José do Saúba no Município de Coari- AM. Saber
Científico, Porto Velho, v.4, n.1, p. 34 – 39, jan/jun, 2015.

BRASIL. Ministério da Saúde. A vigilância, o controle e a prevenção das doenças


crônicas não transmissíveis: DCNT no contexto do Sistema Único de Saúde
brasileiro / Brasil. Ministério da Saúde – Brasília: Organização Pan-Americana da
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SAÚDE MENTAL DE MILITARES NA FRONTEIRA BRASIL-BOLÍVIA: UMA


REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
Military Mental Health on the Brazilian-Bolivian Border: a Bibliographic Review
Salud Mental de Militares en la frontera Brasil-Bolivia: una Revisión Bibliográfica

Isabela Faria Berno


Júlio Ricardo França
Vanessa Catherina Neumann Figueiredo

Resumo: Os militares que trabalham na região fronteiriça Brasil-Bolívia vivenciam


pressão constante de treinamento, tensão e sobrecarga ao atuarem em diferentes
operações de Segurança Nacional, além das peculiaridades institucionais das
organizações militares. Este artigo objetiva identificar a produção científica sobre
saúde mental de militares na fronteira Brasil-Bolívia. Por meio de uma revisão
integrativa na literatura utilizando os descritores: “saúde mental” e “militares” na base
de dados SciELO, sem corte temporal. Sete pesquisas encontradas foram
categorizadas de acordo com os coletivos de trabalho. Os estudos indicaram a
ocorrência de transtorno mental comum, transtorno mental e comportamental,
doenças como etilismo, tabagismo e presenteísmo. Salienta-se que a escassez de
estudos sobre as vivências subjetivas no trabalho das forças armadas que atuam
nas fronteiras do país demonstra a urgência da realização de mais pesquisas que
possam contribuir para o desenvolvimento de uma assistência psicológica e
manutenção da qualidade de vida desses profissionais.
Palavras-chave: militares, saúde mental, fronteira, forças armadas, psicodinâmica
do trabalho.

Abstract: Military personnel working in the Brazilian-Bolivian border region


experience constant pressure from training, stress and overload in different National
Security operations, beyond the institutional peculiarities of military organizations.
This article aims to identify the scientific production on mental health of military
personnel on the Brazil-Bolivia border. Through an integrative review in the literature
using the descriptors: “mental health” and “military”; in the SciELO database, without
time cut. Seven researches found were categorized according to the collective work.
The studies indicated the occurrence of common mental disorder, mental and
behavioural disorder, illnesses such as alcoholism, smoking, and present-day
smoking. It should be stressed that the lack of studies on subjective experiences in
the work of the armed forces operating on the country’s borders demonstrates the


Graduada em Psicologia. Universidade Federal do Mato Grosso do Sul. E-mail:
isabelafberno@gmail.com

Graduado em Enfermagem, mestre em Estudos Fronteiriços. Marinha do Brasil. E-mail:
enf.infecto.j@gmail.com

Graduada em Psicologia, mestre em Sociologia, doutora em Saúde Coletiva. Universidade Federal
do Mato Grosso do Sul. E-mail: vanessa.figueiredo@ufms.br

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urgency of carrying out more research that can contribute to the development of and
maintenance of the quality of life of these professionals.
Key- words: military personnel, mental health, border, armed forces,
psychodynamics of work.

Resúmen: Los militares que trabajan en la región fronteriza Brasil-Bolivia


experimentan presión constante de entrenamiento, tensión y sobrecarga al actuar en
diferentes operaciones de Seguridad Nacional, además de las peculiaridades
institucionales de las organizaciones militares. Este artículo tiene como objetivo
identificar la producción científica sobre salud mental militar en la frontera Brasil-
Bolivia. A través de uma revisión integradora utilizando los descriptores: “salud
mental” y “militar” en la base de datos SciELO, sin corte temporal. Categorizaron
siete investigaciones según los grupos de trabajo. Los estudios indicaron la
ocurrencia de trastornos mental común, trastornos mental y conductual,
enfermedades como alcoholismo, tabaquismo y presentismo. Se destaca que la
escasez de estudios sobre las vivencias subjetivas del trabajo de las fuerzas
armadas que operan en las fronteras del país demuestra la urgencia de realizar más
investigaciones que puedan contribuir al desarrollo de una asistencia psicológica y
mantenimiento de la calidad de vida de estos profesionales.
Palabras clave: personal militar, salud mental, frontera, fuerzas armadas,
psicodinámica del trabajo.

Introdução
O atual cenário político nas américas coloca em primeiro plano a questão da
Segurança Nacional nas fronteiras territoriais, evidenciando tanto no Brasil quanto
nos Estados Unidos a adoção de políticas externas calcadas na ideologia
armamentista, pronta a acionar as forças armadas no caso de conflitos em suas
fronteiras com a Venezuela e com o México, respectivamente. Atualmente, o Brasil
possui um contingente operacional de segurança na faixa de fronteira de 87
organizações militares (OMS) do exército, 14 OMS da marinha e 38 OMS da
aeronáutica (NUNES, 2018; BRASIL, 2012 ) para cobrir um território de
aproximadamente 17.000 km.
No que tange à fronteira Brasil-Bolívia, a sua extensão de 3.423 km envolve
quatro estados, estando delimitado o Mato Grosso do Sul pelos municípios
brasileiros de Corumbá e Ladário, localizados no Pantanal Sul, e a Bolívia pelas
cidades de Puerto Quijarro e Puerto Suarez (FIGUEIREDO; COSTA; PAULA; 2011).
Por sua vez, as forças armadas que atuam na região são referentes ao Comando do
6º Distrito Naval (Marinha do Brasil) de Ladário, ao Comando da 18º Brigada de
Infantaria de Fronteira e ao 17º Batalhão de Fronteira (Exército Brasileiro) de

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Corumbá, sendo que até julho de 2019 duas operações tinham sido noticiadas e
executadas na região.
Em fevereiro, sob a coordenação do 6° Distrito Naval e com o apoio de vários
órgãos da região, a Marinha do Brasil (MB) e o Exército Brasileiro (EB) iniciaram a
Operação Ágata VIII na fronteira de Corumbá com a Bolívia, com o intuito de
aumentar e intensificar as fiscalizações de combate e repressão aos delitos
transfronteiriços, como o tráfico de pessoas, drogas, armas e munições, evasão de
divisas, além dos crimes ambientais. (CABRAL, 2019). Já em maio de 2019 foi
noticiado o alcance da operação Ágatha Pantanal VIII, por meio da qual foram
realizadas 1.270 vistorias em veículos terrestres e embarcações fluviais em
Corumbá, Bodoquena, Ladário e Porto Murtinho, cidades do estado de Mato Grosso
do Sul, abrangendo aproximadamente 750 km de linha de fronteira. A operação
contou com a participação de cerca de dois mil militares da MB, do EB e de agentes
dos Órgãos de Segurança Pública e Fiscalização (CABRAL, 2019).
Conforme Gonzaga (2019), entre 12 e 22 de março de 2019 ocorreu em
Cáceres (MT) a operação Celeiro IV. Bem diferente do que a MB e o Corpo de
Fuzileiros Navais (CFN) estavam habituados a realizar, o treinamento efetuado em
uma área ribeirinha simulava uma operação de infiltração, utilizando aviões de
ataque e helicópteros da MB que apoiavam as tropas do CFN, embora a missão da
tropa nesses locais fosse a de proteger as instalações fluviais da Marinha, por meio
de pequenas unidades de fuzileiros em alguns rios de fronteira. Apesar do Brasil não
possuir nenhum tipo de problema com os países fronteiriços demarcados por
grandes rios ou mesmo pelo Pantanal (Argentina, Paraguai e Bolívia), para Gonzaga
(2019) o treinamento realizado provavelmente teria como alvo a Venezuela, cuja
fronteira é banhada por vários rios. Ainda, sobre tal acontecimento, a MB emitiu um
comunicado pronunciando que o referido treinamento estaria visando a operações
de infiltração e resgate de tropas, assim como atuação em casos de evacuação aero
médicas. O portal defesanet (2019) também notificou a operação Celeiro IV,
afirmando que na data de 22 de março de 2019 um ataque noturno realizado a alvos
terrestres teria ocorrido em pleno Pantanal Sul, próximo da fronteira do Brasil com a
Bolívia.
As atividades de Segurança Nacional nas fronteiras brasileiras são fonte de
pressão por treinamento, gerando tensão e apreensão diante dos riscos pessoais,
fatores estressores e sobrecarga vivenciada na efetivação das atividades

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ocupacionais. Estudos realizados em militares das forças armadas constataram a


associação entre o estresse no trabalho e a ocorrência de transtornos mentais
comuns (MARTINS; LOPES, 2012), assim como o consumo abusivo de álcool, tendo
como fatores significativos as condições de trabalho inapropriadas, o confinamento
por vários dias nos navios, locais apertados e abafados, submetidos a ruídos e
vibrações e a organização do trabalho insatisfatória (divisão do trabalho, tempo,
ritmo, duração da jornada e estrutura hierárquica), com submissão às normatizações
ditadas para o trabalho naval (prontidão para cumprir missões em dias e horários
variados, nos feriados e nos finais de semana, afastamento do meio social e familiar,
e movimentações para diferentes organizações navais no território nacional)
(HALPERN; LEITE, 2014).
Os trabalhadores das forças armadas, os militares da polícia militar, do corpo
de bombeiro e da polícia civil são regidos pelo cumprimento da disciplina e respeito
à hierarquia, devendo se submeter a ordens mesmo que sejam contraditórias ou em
desacordo com seus pensamentos e ideais. A obediência e a submissão ao poder
hierarquicamente estabelecido devem ocorrer em todas as circunstâncias de vida
dos militares da ativa, da reserva remunerada ou dos reformados, implicando em
sobrecarga física, cognitiva e emocional, dada a exigência da disponibilidade e
dedicação à instituição, à priorização do trabalho em detrimento das relações
familiares, aos riscos físicos e psicológicos e ao acúmulo de funções.
A organização prescrita do trabalho militar, caracterizada pela rigidez, divisão
do trabalho, conteúdo da tarefa, comando, relações de poder e responsabilidade,
não permite com que os ideais pessoais sejam postos em prática (DEJOURS, 2015),
constituindo um espaço favorável à servidão e ao adoecimento, dada a necessidade
subjetiva de aceitação e objetiva de um salário. A impossibilidade e os limites em
expressar e colocar em prática projetos e ideias individuais que nem sempre
caminham na mesma direção do preestabelecido pela instituição impede a livre
expressão da subjetividade e a ressignificação do sofrimento ocasionado pelas
pressões e desafios, limitando o uso da criatividade e o desenvolvimento.
De acordo com a Psicodinâmica do Trabalho (PDT), o trabalhador sempre irá
sofrer em decorrência de seu trabalho, porém, o sofrimento pode ser ressignificado e
transformado a partir do uso da inteligência prática (sofrimento criador), pois
fundamentado no uso da inventividade e da criatividade é possível o
desenvolvimento a partir do sofrimento, tornando-se importante para a construção

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da identidade do sujeito ao ser reconhecido na sua contribuição pelo coletivo


profissional. (DEJOURS, 1996). Todavia, o contrário também pode acontecer e o
trabalho acaba funcionando como mediador da fragilização da saúde, quando não
há mais espaço para liberdade e transformação (sofrimento patogênico),
aumentando com isso o risco de desestabilização psicossomática e uso de
estratégias coletivas defensivas (DEJOURS, 1996).
O sofrimento patogênico compactua com o silêncio e a retirada do
investimento subjetivo, tornando o trabalho robotizado, o que ao longo do tempo
instala e dessensibiliza para as patologias sociais compartilhadas e para os
adoecimentos.
[...] Nossa proposição é que esses sintomas estão na base da maior parte
das patologias do trabalho. O imperativo “a sua satisfação no trabalho será
plena e absoluta se atender à demanda a qualquer custo” subjaz a essas
patologias. A instauração dessas patologias vai, aos poucos,
enlouquecendo o sujeito que cala, sujeito sem fala, distante do trabalhar e
de uma existência ético-política. (MENDES, 2018, p.56)
Para Mendes (2018), a forma como a organização do trabalho se estrutura e
seu discurso capitalista colonial produz sintomas sociais como aceleração, virilidade,
servidão e a patologia da indiferença, criando efeitos colaterais como a
intensificação de formas neuróticas de funcionamento para se conseguir trabalhar de
acordo com a demanda solicitada.
A saúde mental para a PDT coloca-se entre a patologia e a normalidade, e
resulta dos modos como os sujeitos-trabalhadores reagem e agem frente ao
sofrimento originado nos constrangimentos impostos pela organização do trabalho.
O sofrimento é, paradoxalmente, o modo como o trabalhador consegue evitar a
patologia e ao mesmo tempo o modo como chega a ela.
O objetivo deste trabalho é identificar a produção científica sobre saúde
mental de militares na fronteira Brasil-Bolívia, por meio de uma revisão integrativa da
literatura sem corte temporal.

Metodologia
Foi realizada uma revisão integrativa da literatura sem corte temporal, o que
permitiu verificar o volume de produção e reconhecer os pesquisadores em
determinado assunto. Este método de pesquisa proporciona o aprimoramento e
atualização profissional.

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A coleta de dados foi realizada na base de dados Scientific Electronic Library


Online (SciELO) e buscou responder a seguinte questão norteadora: informações
referentes ao estado de saúde mental da classe de trabalhadores dos servidores
militares que atuam nas fronteiras brasileiras. Utilizando-se os seguintes descritores:
“militares”, “saúde mental” e “fronteira”. Porém, como não se constatou nenhum
artigo com todos os descritores estabelecidos, optou-se pela análise da questão
norteadora que buscou artigos sobre saúde mental da classe de trabalhadores dos
servidores militares, a partir dos descritores: “militares” e “saúde mental”.

Figura 1. Diagrama de fluxo dos artigos encontrados na base Scielo.


• Para a coleta dos artigos, utilizou-se inicialmente o descritor
"militares" sendo encontrados 44 artigos.

• Ao inserir os descritores "militares" e "saúde mental" foram


localizados 09 artigos. Tendo sido 02 artigos excluídos por não
tratarem coletivos de trabalho específicos de militares.

• Ao incluir o descritor “fronteira" na busca não foi encontrado


nenhum artigo.

Fonte: Diagrama produzido pelos autores para descrever a coleta dos artigos na base de dados.

Para realizar a etapa de análise e resultados obtidos, os artigos foram lidos na


íntegra e analisados para posteriormente serem agrupados de acordo com o grupo
de trabalhadores.

Resultados e Discussão

Os artigos foram analisados e agrupados de acordo com o grupo de coletivo


de trabalho, conforme ilustra a tabela 1.

Tabela 1: Publicações resultante da pesquisa bibliográfica com os descritores


“militares” e “saúde mental” na base de dados Scielo sem corte temporal.
Coletivo Periódico
Títulos Autores Objetivos Método de (vol., nº,
Trabalho pág., ano)

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Estudar a
prevalência de
Prevalência de Transtorno Mental e
transtorno mental Comportamental em Psicologia:
LIMA, F. P; Estudo
e comportamental Policiais Militares em Ciência e
BLANCK, V. epidemiológico
em policias Licença para Polícia Profissão,
L. G; descritivo de
militares/SC, em Tratamento de Militar Brasília, v.35,
MENEGON, corte
licença para Saúde (LTS), da n.3, p.824-
F. A. transversal.
tratamento de região metropolitana 840, 2015.
saúde de Florianópolis/SC,
casos notificados
pela Junta Médica.
Investigar os dados
sobre as relações
entre a organização
do trabalho da Estudo de
Soc. São
O processo de Polícia Militar e a caráter
SILVA, M. B. Paulo, São
trabalho do militar Saúde Mental de qualitativo do Polícia
da; VIEIRA, Paulo, v.17, n.
estadual e as seus profissionais tipo Militar
S. B. 4, p.161-170,
saúde mental quando no exercício exploratório-
2008.
de sua atividade fim descritivo
(policiamento
ostensivo) na cidade
de João Pessoa-PB
Uso de tabaco e
álcool, Analisar as
comportamento frequências de uso
sexual e de tabaco e álcool,
transtornos comportamento São Paulo
PEREZ, A. Estudantes
mentais comuns sexual e transtornos Estudo Med J, São
de M.; militares da
entre estudantes mentais comuns observacional, Paulo, v.133,
BENSEÑOR, Academia
militares na entre estudantes transversal n.3, p.235-
I.M. de Polícia
Academia de militares de acordo 244, 2015.
Polícia, São com gênero, ano,
Paulo, Brasil. Um grau e a duração da
estudo vida militar.
transversal
Fatores Identificar a
AZEVEDO, Rev. bras.
associados ao prevalência do uso
D. S. da S. Pesquisa Epidemiol,
uso de de ansiolíticos e
de; LIMA, E. transversal de Bombeiros Rio
medicamentos conhecer os fatores
de P.; base militares Grande, v.22,
ansiolíticos entre associados ao
ASSUNÇÃO, censitária E190021, jul.
bombeiros consumo em
A. da A. 2019.
militares bombeiros militares.
Estimar a
Prevalência de Jovens
prevalência de
transtornos brasileiros
transtornos mentais Ciência &
mentais comuns recém-
comuns (TMC) e Saúde
em jovens MARTINS, Estudo de incorporado
identificar os fatores Coletiva, Rio
brasileiros recém- L.C.X.; desenho s ao
a estes associados de Janeiro,
incorporados ao KUHN, L. seccional serviço
em jovens brasileiros v.18, n.6, p.
Serviço Militar militar
recém-incorporados 1809-1816,
Obrigatório e obrigatório:
ao serviço militar 2013.
fatores os recrutas.
obrigatório: os
associados
recrutas.

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Investigar o papel
das crenças de auto-
Auto-eficácia
eficácia como Cad. Saúde
como mediadora Cadetes
mediadora da Pública, Rio
da relação entre o SOUZA, L. militares da
relação entre o bem- Pesquisa de Janeiro, v.
bem-estar A. S. de. et polícia e
estar subjetivo e quantitativa 30 n.11, p.
subjetivo e saúde al. dos
saúde geral de 2309-2319,
geral de cadetes bombeiros.
cadetes militares 2014.
militares
(polícia e
bombeiros).
Fatores Analisa quanti-
Estudar a qualidade Cad. Saúde
associados ao tativamente de
de vida e as Pública, Rio
sofrimento parte dos
SOUZA, E. condições de saúde Polícia de Janeiro,
psíquico de dados de uma
R. de, et al. e de trabalho dos militar v.28, n.7,
policiais militares pesquisa de
policiais militares do p.1297-1311,
da cidade do Rio corte
Rio de Janeiro 2012.
de Janeiro, Brasil. transversal
Fonte: Produzido pelos autores a partir dos dados coletados dos artigos selecionados na busca
eletrônica.

Como a tabela 1 ilustra, cada artigo corresponde a variados autores, das


regiões sul, sudeste e nordeste brasileiro, a maioria dos artigos refere-se ao coletivo
de trabalho da polícia militar, um concerne exclusivamente aos bombeiros militares e
outro engloba cadetes (militares em formação para se tornarem oficiais) da polícia e
dos bombeiros. Pode-se notar também que apenas um artigo pesquisado diz
respeito ao coletivo de trabalho das forças armadas, o que trata sobre os recrutas.
Visualiza-se que os artigos em sua maioria são recentes e se concentram nos anos
de 2012 a 2015.
Sobre a relação entre saúde mental e trabalho, o artigo sobre os policiais
militares licenciados da região metropolitana de Florianópolis-SC constata o
sofrimento psíquico, sendo verificado o diagnóstico de Transtornos Neuróticos
relacionados ao estresse e somatoformes, seguidos por Transtornos do Humor e
episódios depressivos. Segundo Lima, Blank e Menegon (2015, p.833), “O
sofrimento psíquico está diretamente relacionado à saúde mental destes
profissionais, às condições de trabalho relacionadas ao constante estado de alerta e
a disponibilidade às situações de riscos que a profissão exige”. Outra constatação
do estudo foi a correlação entre o número de licenças e a hierarquia, observando
que quem mais se afasta devido ao adoecimento psíquico são a classe de praças.
Já o segundo artigo busca relacionar a organização da polícia militar de João
Pessoa-PB com a saúde mental dos profissionais policiais. O fato de a polícia militar
se basear na hierarquia e na disciplina colabora na resistência à mudança e faz com
que a instituição esteja preparada para a guerra. Segundo Silva e Vieira (2008),
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essa forma de estruturação do trabalho aliada às particularidades da função de


policial – exposição constante ao risco de morte – e à organização do trabalho –
precarização, sobrecarga, falta de capacitação e desproporção salarial – fazem com
que os policiais sejam uma categoria vulnerável a terem sua saúde mental
comprometida.
Perez e Benseñor (2015) analisaram o uso de tabaco e álcool, o
comportamento sexual e a ocorrência de Transtornos Mentais Comuns (TMC) na
população de estudantes da polícia militar de São Paulo, constatando a importância
da cultura militar no aumento do tabagismo e encorajamento do uso de álcool,
alertando também para a necessidade de prevenção para Doenças Sexualmente
Transmissíveis e TMC ao longo do curso. A constatação de que a cultura militar
aumenta o tabagismo e encoraja o uso do álcool pode ser interpretada para a PDT
como uma estratégia defensiva utilizada por esses profissionais para lidar com o
estresse laboral que a profissão exige, e até mesmo para corresponder à imagem
criada pelas crenças sociais, de que esses profissionais são heroicos, bravos e
corajosos.
Azevedo, Lima e Assunção (2019) verificaram a alta prevalência de uso de
ansiolíticos em bombeiros militares da cidade de Belo Horizonte -MG, sugerindo ser
tal uso devido ao fenômeno do presenteísmo, estratégia usada para comparecer ao
serviço apesar de algum problema físico ou psicológico. O uso de ansiolíticos pode
ser pensado como uma estratégia de defesa para se manter no trabalho, apesar do
sofrimento psíquico. Esse mecanismo defensivo, assim como o uso do álcool e
tabaco também pode ser analisado como uso da virilidade. Ele exprime uma das
formas encontradas por esse coletivo de trabalho para conseguir demonstrar que
“dão conta”, “aguentam”, e assim, mostrar-se forte e viril diante das intempéries do
trabalho.
A ocorrência de TMC nos jovens ingressantes no serviço obrigatório foi o
quinto estudo pesquisado. Os transtornos mentais comuns são diagnosticados
quando o indivíduo não preenche os critérios formais para diagnósticos de
depressão e/ou ansiedade, apresentando sintomas que trazem uma incapacidade
funcional comparável ou pior do que quadros crônicos, sendo uma das principais
causas de incapacidade (MARTINS; KUHN, 2013). O resultado encontrado pelos
autores mostrou uma prevalência de TMC de 43,6%, indicando razões de
prevalência de 4 a 5 vezes maiores entre os ingressantes que apresentavam

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distúrbios do sono – dificuldade para adormecer e acordar durante a noite e ter


dificuldade de voltar a dormir -, a prevalência de TMC também se apresentou bem
maior nos recrutas do que em jovens da população em geral. “Estes achados
parecem indicar que as situações vivenciadas pelos recém-ingressos podem estar
casualmente associadas à ocorrência de TMC”. (MARTINS; KUHN, 2013, p.1814)
O sexto artigo encontrado aborda a auto eficácia, uma crença que o indivíduo
tem em sua capacidade cognitiva, motivacional e afetiva de reunir recursos
comportamentais necessários para atingir um determinado objetivo ou para executar
uma tarefa. Souza et al (2014) afirmam que certas atividades de trabalho, devido às
suas características, expõem os indivíduos às várias contingências que podem levar
a um maior sofrimento físico e mental em comparação com outras profissões, sendo
este o caso dos policiais e bombeiros militares, que são colocados em risco de
violência e morte, além de lidarem com más condições de trabalho. Esses fatores
podem causar doenças específicas da ocupação, bem como determinar o estado de
saúde geral dos trabalhadores. Nesse contexto, a pesquisa buscou investigar o
papel das crenças de auto eficácia como mediadora entre o bem-estar subjetivo e a
saúde em geral dos cadetes militares da polícia e dos bombeiros. Os resultados
corroboraram com a hipótese inicial sobre a importância da auto eficácia no poder
preditivo de bem-estar sobre esse grupo.
O último artigo encontrado na revisão retoma uma pesquisa anterior realizada
pelos autores entre 2005 e 2007 com policiais militares do Rio de Janeiro, e analisa
dados socioeconômicos, sobre a saúde mental e trabalho, incluindo o sofrimento
psíquico, a qualidade de vida (moradia, capacidade de reagir a situações difíceis e
satisfação com a vida como um todo, apoio emocional, apoio de informação,
interação positiva, apoio material e apoio afetivo), as condições de saúde (atividade
física regular, colesterol, lesões permanentes causadas pelo trabalho, problema no
aparelho respiratório, problemas no coração e aparelho circulatório, problemas
digestivos, problema nos músculos, ossos e pele, problemas glandulares, problemas
no sistema nervoso, problemas no aparelho urinário, problemas de visão, audição e
fala, doenças transmissíveis e consumo de substâncias) e as condições laborais
(tempo de serviço, situação de vida após entrar na polícia, ser treinado para o
trabalho que executa, trabalhar além do horário, exercer outra atividade fora da
polícia, exercer atividade policial onde mora, relacionamento com as outras pessoas
do trabalho, percepção de risco, estresse no trabalho e vitimização). De acordo com

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Souza et al. (2012), o estudo constatou que fatores como capacidade de reagir a
situações difíceis, grau de satisfação com a vida, comprometimento da saúde física
e mental, carga excessiva de trabalho, exposição constante ao estresse e a
vitimização propiciam o desenvolvimento de sofrimento psíquico nos policiais
militares do Rio de Janeiro.
Considerando a teoria da PDT, observa-se que os resultados encontrados
pelas pesquisas acima mencionadas corroboram com a afirmativa de Dejours (2015)
de que a primeira vítima do sistema não é o aparelho psíquico; mas, sim, o corpo
dócil e disciplinado, entregue às dificuldades inerentes à atividade laborativa, visto
que quatro estudos constataram ocorrência do uso de tabagismo, etilismo e
ansiolíticos como forma de ´anestesiar´ e ´não pensar´ no cotidiano laboral. Pensar e
discorrer sobre esse silenciar do trabalhador é importante, porque ele representa
estratégias e mecanismos de defesa utilizadas, como a virilidade, pelos
trabalhadores para conseguir continuar seu ofício. Porém, a instalação dessas
estratégias coletivas pode decorrer em doenças, na propulsão de patologias sociais
(sobrecarga, servidão voluntária e assédio moral) e na anestesia do sofrimento ético,
o que acaba por comprometer ainda mais a saúde mental.
A maior parte das pesquisas ponderou sobre transtorno mental e
comportamental e transtorno mental comum e não buscou discorrer sobre a
subjetividade afetada, atendo-se à definição psicopatológica, somente mencionando
a relação dos coletivos ocupacionais com quadros subclínicos de ansiedade,
depressão e estresse. Porém, o uso de ansiolíticos, de tabaco e álcool não pode ser
dissociado da vivência em uma cultura organizacional que propaga a negação do
adoecimento e o presenteísmo a qualquer preço, observáveis no uso sem prescrição
de receitas de ansiolíticos ou na cultura de encorajamento do uso de álcool.

Considerações finais
Como demonstrado pelo resultado da pesquisa, a organização do trabalho
dos militares propicia o desenvolvimento de patologias como: transtornos neuróticos
relacionados ao estresse e somatoformes, psicossomáticos, do humor, depressivos,
de ansiedade, mentais e comportamentais relacionados ao uso de álcool,
relacionados ao tabaco e relacionados a sedativos, hipnóticos ou ansiolíticos.
De acordo com a PDT, o trabalho sempre é permeado pelo sofrimento, já que
nenhuma previsão contempla o real (LANCMAN; SZNELWAR, 2011), entretanto, a

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ocorrência do conflito entre a organização do trabalho e a subjetividade do servidor


militar não precisa necessariamente suceder em adoecimento, uma vez que o
sujeito é ativo na relação com as adversidades, pode mobilizar sua subjetividade e
ressignificar o sofrimento advindo do trabalho, dando um novo sentido e lugar para
ele em sua vida.
Para isso, é importante compreender a relação estabelecida entre as defesas
e estratégias coletivas utilizadas pelos militares frente a organização do trabalho das
forças armadas. No caso dos trabalhadores localizados na fronteira Brasil-Bolívia,
resta entender como acontece a especificidade da correspondência entre o estado
de prontidão, obediência ao quadro hierárquico, respeito à disciplina e a postura de
subserviência que coloca esse trabalhador disponível 24 horas para as pressões e
atividades prescritas pela organização do trabalho em função do risco de vida
presente nas operações de Segurança Nacional.
Levando em conta que os estudos no país com essa população específica,
militares que trabalham na fronteira do país, são escassos, e que a própria servidão
à hierarquia e à disciplina são fatores que podem comprometer o levantamento dos
dados, já que ser combativo e não aparentar fragilidade é uma das exigências
psicológicas para fazer parte das forças armadas, o resgate de informações
referentes ao estado de saúde mental da classe de trabalhadores dos servidores
militares que atuam na região da fronteira Brasil-Bolívia pode contribuir para a
elaboração-desenvolvimento de uma assistência psicológica e para a manutenção
da qualidade de vida.

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JORNALISMO ONLINE NA FRONTEIRA BRASIL-PARAGUAI: PERIFÉRICO E


TRANSNACIONAL
Online Journalism on the Brazil-Paraguay Border: Peripheral and Transnational
Periodismo Online en la Frontera Brasil-Paraguay: Periférico y Transnacional

Gesiel Rocha de Araújo

Resumo: A fronteira do Brasil com o Paraguai (Ponta Porã e Pedro Juan Caballero)
abriga sites de notícias que expressam as marcas fronteiriças mais viscerais: tensão,
conflito, contradição, improviso, amadorismo e narrativa do grotesco, mas também
cooperação, mescla social e cultural, intercâmbio informacional e esforço para
informar a qualquer custo. Dessa leitura inicial parte este trabalho, resultado de uma
pesquisa de campo em âmbito de mestrado que buscou compreender alguns
aspectos operacionais e editoriais desses veículos, tais como estrutura, modelos
empresariais e métodos de trabalho no contexto local e transnacional.
Palavras-chave: Jornalismo online, sites de notícias, imprensa fronteiriça, fronteiras
transnacionais, Brasil-Paraguai.

Abstract: The Brazil-Paraguay border (Ponta Porã and Pedro Juan Caballero) hosts
news sites which express the most visceral borderer marks: tension, conflict,
contradiction, improvisation, amateurism and grotesque narrative, but also
cooperation, social and cultural mixture, informational exchange and effort to inform
at any cost. This paper arises from such initial view, as a result of field research for a
master degree that sought to understand some operational and editorial aspects of
that border media, such as structure, business models and working methods in the
local and transnational context.
Key-words: Online journalism, news sites, border press, transnational borders,
Brazil-Paraguay.

Resumen: La frontera de Brasil con Paraguay (Ponta Porã y Pedro Juan Caballero)
alberga sitios de noticias que expresan las marcas de frontera más viscerales:
tensión, conflicto, contradicción, improvisación, amateurismo y narrativa de lo
grotesca, pero también la cooperación, la mezcla social y cultural, el intercambio de
información y el esfuerzo para informar a cualquier costo. Desde esta lectura inicial,
este trabajo es el resultado de una investigación de campo de maestría que intentó
comprender algunos aspectos operacionales y editoriales de estos medios
fronterizos, como la estructura, los modelos de negocios y los métodos de trabajo en
el contexto local y transnacional.
Palabras clave: Periodismo online, sitios de noticias, prensa fronteriza, fronteras
transnacionales, Brasil-Paraguay.


Doutorando do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (PPGCOM-UFRGS); integrante da Pesquisa Unbral Fronteiras, do Grupo de Pesquisa
Espaço, Fronteira, Informação e Tecnologia (GREFIT) e do Projeto de Extensão “Em dia com a
Pesquisa” (UFRGS); jornalista e mestre em Comunicação pela Universidade Federal de Mato Grosso
do Sul (UFMS). E-mail: gesiel.pro@gmail.com.

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* Trabalho completo selecionado para publicação na Revista GeoPantanal, v. 14, n.


27, 2019.
https://periodicos.ufms.br/index.php/revgeo

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A EXPERIÊNCIA EM ESTÁGIO DOCÊNCIA EM GRADUAÇÃO I: A FORMAÇÃO


DO ESTADO, FRONTEIRAS E SUAS DINÂMICAS EM REDE

The Experience of the Undergraduate Teaching Internship I State Formation,


Borders and their Network Dynamics

La experiencia de la pasantía de enseñanza de pregrado I Formación estatal,


fronteras y su dinámica de red

Janaina Costa Teixeira

Paola Gomes Pereira 

Resumo: Esse artigo versa sobre a experiência do Estágio docência em graduação I


em que foram ministradas aulas da disciplina de Geografia Política para a turma de
1º semestre do curso de Relações Internacionais. No plano de estudos que
preparamos estavam previstos exercícios, debates sobre os temas propostos e
exposição de aspectos relevantes para o aprofundamento dos conceitos
fundamentais que dão o suporte teórico para a geopolítica e para a Geografia. Ao
longo de dois meses de elaboração de planos e aulas expositivas podemos fazer
algumas observações importantes para os estudos geográficos em relação ao
ensino e suas consequências na formação do pensamento crítico. Confeccionamos
práticas que nos auxiliaram a identificar padrões de entendimento e interação com
determinados tipos de informação, conjunto de argumentos e metodologias de
fixação de conhecimento. Por meio de conceitos como: Território, Estado, Fronteiras
e redes percebemos que a necessidade de produzir aprendizados a partir destas
categorias de análise nos propõem novos desafios; pois, a medida em que, os
espaços sociais tornam-se mais interligado por redes digitais e virtuais de
comunicação em distintas formas de poder. Por esse motivo, cabe a nós professores
fazermos a sistematização dessas interações: ora locais, ora extra locais, mas
sempre com um caráter dinâmico, no que tange às escalas territoriais e de suas
representações.
Palavras-chave: Ensino, Estágio docência, Conceitos fundantes em geografia.

Abstract: This article deals with the experience of the undergraduate teaching
internship I in which classes of Political Geography were taught for the first semester
of the International Relations course. The study plan we prepared included exercises,
debates on the proposed themes and exposure of relevant aspects for the deepening
of the fundamental concepts that provide the theoretical support for geopolitics and


Graduado bacharel e licenciada em Geografia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS). Mestre e doutoranda em análise territorial pela mesma universidade. E-mail:
janart@terra.com.br

Graduada licenciada e bacharel em Geografia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS). Mestre e doutoranda em ensino de Geografia pela mesma universidade. Mestre em
Educação ao ar livre pelas Universidades de Marburg (Alemanha), de Cumbria (Reino Unido). Mestre
pela Escola Norueguesa de Esportes (Noruega). E-mail: geografia.paola@gmail.com

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geography. Throughout two months of elaboration of plans and lectures we can


make some important observations for geographical studies in relation to teaching
and its consequences for the formation of critical thinking. We make practices that
help us identify patterns of understanding and interaction with certain types of
information, set of arguments and methodologies of knowledge fixation. Through
concepts such as: Territory, State, Borders and networks we realize that the need to
produce learning from these categories of analysis presents us with new challenges;
therefore, as social spaces become more interconnected by digital and virtual
communication networks in different forms of power. For this reason, it is up to us
teachers to systematize these interactions: sometimes local, sometimes extra local,
but always with a dynamic character, regarding the territorial scales and their
representations.
Key-words: Teaching, Internship, Fundamental concepts in geography.

Resúmen: Este artículo aborda la experiencia de la pasantía docente de pregrado I


en la que se impartieron clases de Geografía Política para la clase del primer
semestre del curso de Relaciones Internacionales. El plan de estudio que
preparamos incluyó ejercicios, debates sobre los temas propuestos y exposición de
aspectos relevantes para la profundización de los conceptos fundamentales que
brindan el soporte teórico para la geopolítica y la geografía. A lo largo de dos meses
de elaboración de planes y conferencias, podemos hacer algunas observaciones
importantes para los estudios geográficos en relación con la enseñanza y sus
consecuencias para la formación del pensamiento crítico. Realizamos prácticas que
nos ayudan a identificar patrones de comprensión e interacción con ciertos tipos de
información, conjunto de argumentos y metodologías de fijación del conocimiento. A
través de conceptos tales como: Territorio, Estado, Fronteras y redes, nos damos
cuenta de que la necesidad de producir aprendizaje a partir de estas categorías de
análisis nos presenta nuevos desafíos; por lo tanto, a medida que los espacios
sociales se vuelven más interconectados por redes de comunicación digital y virtual
en diferentes formas de poder. Por esta razón, depende de nosotros los profesores
sistematizar estas interacciones: a veces locales, a veces extra locales, pero
siempre con un carácter dinámico, con respecto a las escalas territoriales y sus
representaciones.
Palabras clave: Enseñanza, prácticas, conceptos fundamentales en geografía.

Introdução
A disciplina do Estágio docência em graduação I, realizado na Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), no curso de pós-graduação em Geografia.
Por meio da disciplina de Geografia Política no primeiro semestre de 2019. Esse
destina-se ao desenvolvimento do pós-graduando nas práticas pedagógicas no
escopo do ensino no âmbito das geociências, análise territorial e socioeconômicas
relacionadas às ciências da Terra.

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Durante as quatro aulas ministradas são apresentados os conceitos


norteadores que dão significado aos temas tratados e auxiliam nos
encaminhamentos de análise e de qualificação por meio da avaliação dos
conhecimentos adquiridos. Nesse sentido, destaca-se a importância de ensinar
geopolítica com base em seus conceitos essenciais tais como: fronteira, Estado;
assim como a ideia de sistemas em rede, que influencia nas relações sociopolíticas
e econômicas em escalas micro e macro.
Procuramos, ao articular esses conceitos com os alunos, uma melhor
explanação das distintas realidades, as quais compõem o cenário geopolítico, a fim
de instrumentalizá-los. Com o intuito de que se tornem críticos sobre os distintos
processos de regionalização estruturados sobre um sistema de relações
sociopolíticas e culturais que geram estranhamentos geopolíticos.
No entanto, essa conjuntura de multiterritorialidades também permite as
trocas e oportunidades de outras formas de conviver em sociedade. Visando ao
fortalecermos os nossos argumentos buscamos referencial teórico que contribui para
o entendimento da proposta de ensino.
Apresentamos textos de Lia Osório Machado (1998), (2000), que trata tanto
dos conceitos de fronteiras quanto dos sistemas em rede de interconexões. Também
com uma profunda investigação sobre a sociedade da informação intercruzada pelos
avanços tecnológicos, Manuel Castells (1998) contribui para suscitar debates nas
aulas. A obra de Iná de Castro (2005) nos ajuda, na medida em que, a sua escrita
sobre a formação dos Estados nacionais, enquanto espaço de disputa de poder, no
contexto de sua evolução e importância na consolidação das sociedades modernas,
é essencial.
As autoras franco-belgas, Fabienne Leloup e Sylvie Considère (2017)
apresentam em seus trabalhos uma percepção mais contemporânea sobre as
representações fronteiriças. E acerca das novas multiterritorialidades propostas no
conceito de Borderscapes e de landescapes das autoras. Assim podemos contribuir
com as práticas de ensino na Geografia Política, pois, compartilhamos saberes e, ao
mesmo tempo, sermos influenciados por esses aprendizados.

Objetivos
Apresentar a experiência do Estágio Docência em graduação I, destacando a
importância do ensino do pensamento em Geografia Política e Geopolítica, visando:

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A compreensão dos principais conceitos e teorias para os estudos dos


problemas contemporâneos relativos às questões do território em seus contextos
nacionais e internacionais; planejar e aplicar aula de geopolítica no estágio docente;
definir referencial teórico de suporte; aplicar as práticas planejadas; avaliar como os
alunos aprenderam.

Metodologia
A metodologia deste trabalho visa a apresentação dos passos que deram
origem a esse artigo. O propósito de difundir o conhecimento dos conceitos
fundantes do pensamento geográfico e produzir uma discussão para além da sala
de aula. Compartilhar a metodologia aplicada e fazer reverberar impressões desse
campo de pesquisa, pouco difundido, que é a escrita acadêmica e científica, a partir
das trocas e experiências adquiridas nas práticas de aula.
Para compor esse artigo, partimos do plano de aulas que foi ministrada no
Estágio Docência em Graduação I, das aulas aplicadas nos dias 14/05, 21/05, 11/06
e 18/06 de 2019. E dos resultados obtidos a partir das aulas expositivas, dos
debates e respostas aos questionários e avaliação final.
O levantamento bibliográfico e a escolha das obras contaram com o auxílio da
titular desta disciplina professora Drª. Adriana Dorfman, que colaborou para a
elaboração do plano técnico e no refinamento dos textos selecionados. Partimos do
propósito de que trabalharíamos com alguns textos clássicos de base conceitual e
estrutural. Mas também, quisemos apresentar um olhar mais contemporâneo às
temáticas a macroestrutura do Estado-nação com foco nas relações internacionais.
Destacando as dinâmicas em redes tendo como exemplo: as diferentes
formas e usos de novas tecnologias, comunicação e a emergência de um
capitalismo informacional globalizado. Os textos forneceram embasamento teórico e
suporte na elaboração dos exercícios de debates. Além de operar como facilitadores
na escrita dos apontamentos pelos alunos.
Segmentadas em momentos de explanação e discussão sobre os principais
conhecimentos compartilhados, as aulas são uma proposta de construção coletiva,
por meio das análises sobre os conceitos de Estado e Fronteira, sua relevância para
as práticas políticas locais e globais na atualidade. Assim como, nas perspectivas
para o desenvolvimento da fronteira com o apoio do Estado no papel de um
interlocutor nas relações internacionais.

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Entre uma das práticas aplicadas está a discussão das múltiplas faces da
fronteira, na visão de diferentes autores. A fim de propiciar aos alunos elementos
teóricos para a análise de questões socioespaciais relacionadas a essas
perspectivas epistemológicas.
Essas aulas culminaram com uma atividade prática, elaborada a partir do
trabalho de Sylvie Considère e de Fabienne Leloup com título Comment interroger la
frontière par les répresentations sociales (2017), com o tema das paisagens
fronteiriças na contemporaneidade utiliza imagens de fronteiras.
Nesse os alunos responderam sobre as suas impressões sobre os aspectos
estruturais, geopolíticos, sociais da fronteira. Desta forma, foi possível detectar como
esses percebem a fronteira, assim como seu nível de aproximação, interesse e
conhecimento sobre o tema, no caso questionamos sobre a fronteira Brasil /
Paraguai; traremos de forma mais detalhada nos resultados obtidos deste artigo. O
intuito era propiciar aos alunos um entendimento mais abrangente o papel do Estado
e do quanto esse influenciou na formação de limites territoriais, que por vezes são
confundidos com a ideia de fronteira.
No entanto, entendemos que a paisagem de fronteira está mais associada a
espaços de trocas, de vivências, de experiências e de alteridade. Como forma de
avaliação foram aplicados questionários sobre a temática da fronteira, registros em
apontamentos referente à formação dos Estados modernos e debates em aula sobre
as dinâmicas das redes e dos processos estruturantes da geopolítica no contexto
das relações internacionais.
Ao final do semestre foi aplicada uma avaliação individual, na qual os alunos
responderam a prova dissertativa sobre os temas trabalhados em aula.
Com sete questionários sobre fronteiras da turma de 1º semestre do curso de
Relações Internacionais, aplicamos o mesmo exercício em 14 alunos do 8º semestre
de Geografia, para verificar se haveria alguma discrepância em suas respostas.
Dadas as características das turmas de cursos e períodos distintos as respostas dos
alunos de Geografia tenderiam a ser mais coesas e concisas, ainda que às duas
turmas foi apresentado o mesmo referencial teórico.
Nesse sentido, entende-se que os alunos das duas turmas, ainda que em
momentos distintos, tiveram a oportunidade de ter contato com uma discussão
teórica e conceitual sobre o tema proposto na atividade.

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Em relação ao referencial teórico apresentamos os textos de DORFMAN


(2013) A Condição Fronteiriça diante da securitização das fronteiras do Brasil. E
ainda, com MACHADO (1998) em seu texto sobre Limites, Fronteiras, Redes. As
duas turmas tiveram contato com essas autoras durante a sua formação acadêmica.

Materiais e Métodos.
Considerando o contexto das práticas apresentadas e o referencial teórico
construído com os alunos, foram aplicadas atividades que permitiram identificar as
construções realizadas pelos discentes na disciplina e possíveis representações
sociais desses sujeitos. As atividades propostas foram fundamentadas nas
metodologias desenvolvidas por Considère e Leloup (2017), como já indicado
anteriormente.
Dialogamos também com o conceito de representações sociais pensado por
Guareschi (2005), que nos traz que as representações sociais buscam superar
dicotomias entre o individual e o coletivo, entre o objetivo e o subjetivo, dessa forma,
temos presente a ideia de que esse conceito estabelece uma linha muito tênue entre
construções individuais e coletivas. Nos parece necessário destacar que os
exercícios a seguir são bastante diretos e que não permitem uma clareza no que
define as representações sociais dos grupos presentes.
No entanto, pensamos que é um aprendizado inicial para identificar
indicativos dessas representações e que em outros momentos nos permitirá
estabelecer distintas metodologias para trabalhar com os grupos. E também pensar
novas práticas docentes para a temática. A seguir apresentamos alguns aspectos
relevantes dos conteúdos das atividades realizadas.
Após as aulas expositiva-dialogadas foram entregues atividades que os
alunos deveriam preencherem, os enunciados orientavam os alunos que estes
escolhessem, entre as imagens na sequência (Figura 1), aquela que no
entendimento deles melhor caracterizaria a ideia de fronteira justificando sua
escolha. Por meio da seguinte pergunta: “4. Questões: Escolha a (s) foto (s) que
você acha que representam a fronteira e explique o porquê 1.”.

1
Sylvie Considère (University of Artois) and Fabienne Leloup (UCLouvain). How teaching the border studies at
the University? Some experiences at the Franco-Belgian border (2017).[Tradução nossa].

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Figura 1. Imagens de Fronteiras.

Fonte: CONSIDÈRE, Sylvie; LELOUP, Fabienne. Comment interroger la frontière par les
répresentations sociales (2017).

Ao analisarmos as respostas dos alunos, percebemos uma prevalência


destacada da fotografia que apresenta uma cerca feita de arame farpado para
representar a fronteira, considerando nossa leitura e do referencial que nos levou as
reflexões construídas até então, nos parece indicar que na visão dos alunos a
fronteira é algo belicoso, perigoso e com presença de rivalidades, aspecto que
converge para a ideia de fronteira construída por diversos meios de comunicação.
Todavia, outro questionamento pediu-se que os alunos respondessem dentre
uma escala de “Discordo totalmente” e “Concordo totalmente” sobre as suas
percepções sobre políticas aplicadas às fronteiras e de como os alunos se
posicionam em relação às proposições, através da seguinte pergunta: “3. Qual o seu
nível de concordância com as seguintes frases”. Conforme tabela na sequência:
Fizemos a contagem bruta das respostas, da tabela, em uma avaliação ampla
ambas as turmas procuram responder de forma ponderada. Ao concordar
parcialmente ou discordar parcialmente das proposições. Percebe-se um
posicionamento inclinado à neutralidade por parte dos alunos do 8º semestre de
Geografia.
Ao passo que os alunos de Relações Internacionais tendem a discordar
totalmente em mais momentos; como quando são questionados se a fronteira
garante segurança e poder, se a fronteira se conecta para construir novos territórios.

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Figura 2. Tabela com questionário.

Fonte: CONSIDÈRE, Sylvie; LELOUP, Fabienne. Comment interroger la frontière par les
répresentations sociales (2017).

Contudo; em uma das perguntas ambas as turmas discordam totalmente de


que as fronteiras teriam o papel de proteger os fracos dos fortes, sendo que na
turma de Relações Internacionais o número de alunos que discordam parcialmente
ainda é um pouco maior. Esse entendimento reforça a ideia de que as fronteiras se
prestam muito mais a segregar e dificultar acessos e fluxos de pessoas do que
efetivamente aparato de segurança e proteção.
Observando as respostas percebe-se que o consenso de uma territorialidade
fronteiriça é algo mais presente no entendimento dos alunos da Geografia do que
nas respostas dos alunos de Relações Internacionais.
Ao analisarmos as respostas referente a pergunta: “ O apagar das fronteiras
garante que uma área pode se desenvolver”, de acordo com boa parte das
respostas dos alunos de Geografia, os quais discordam totalmente, indica que isso
não necessariamente pode se concretizar.
Porém, para os alunos de Relações Internacionais essa é uma hipótese
plausível, visto que suas respostas se concentram entre “discordo parcialmente” e
“concordo parcialmente”. Analisar essas respostas e ver que são poucas aquelas
que destoam da maioria demonstra que os alunos são muito atravessados por
contextos sociais, pelas redes sociais de comunicação. E consequentemente,
acabam reproduzindo o que denominamos de geografias imaginárias, que são
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aquelas formadas a partir das informações que nos chegam por meio de terceiros e
de conceitos prontos.
Entendemos que, este está carregado de um sistema de representações
sociais. As atividades descritas foram aplicadas com duas turmas diferentes, uma do
1º semestre do curso de Relações Internacionais e uma do 8º semestre de
Geografia. Ao analisar o conteúdo produzido pelos alunos, podemos observar
alguns aspectos relevantes. Na pergunta “Qual a sua própria definição de Fronteira?
” As respostas foram contabilizadas através da ferramenta de WordCloud, do
website Mentimenter (Figuras 3 e 4).
Identificamos diferentes graus de compreensão de conceitos estruturantes da
Geografia (e também da Geopolítica). Nos alunos de 8º semestre do curso de
Geografia percebemos que conceitos como Região, Território e Estado foram muito
mais prevalentes nas respostas dos alunos.
Já para a turma do 1º semestre de Relações Internacionais, notamos que os
conceitos geográficos são empregados, seguidamente, como sinônimos e não com
o significado que realmente se aplica. De modo que, num contexto Geopolítico, os
alunos querem expressar a ideia de uma área, mas usam termos como território,
região, lugar, país como se não tivessem semânticas diferentes.

Figura 3 - Word Cloud da turma de 8o semestre do curso de Geografia.

Fonte: WordCloud, do website Mentimenter. Elaboração: Janaina Teixeira & Paola Pereira, 2019.

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Figura 4 - Word Cloud da turma de 1º semestre do curso de Relações


Internacionais.

Fonte: WordCloud, do website Mentimenter. Elaboração: Janaina Teixeira & Paola Pereira, 2019.

Ao observarmos as respostas dos alunos do curso de Geografia, notamos a


presença de noções mais bem elaboradas dos termos utilizados, o que indica uma
leitura mais aprofundada dos temas. Pois, utilizam as palavras num sentido mais
propositivo e contextualizo. Com frequência surgem as noções de política,
administração e legislação internacionais. Outro aspecto foi a presença destacada
do uso da palavra cultura, que agrega a ideia de fronteira uma rede de novos
significados e representações.
A etapa seguinte desta atividade consistia em perguntar aos alunos, palavras
que eles relacionavam ao Paraguai (uma vez que, durante a disciplina uma série de
exemplos relacionados ao país foram apresentados aos alunos).
Nas Figuras 5 e 6 podemos visualizar as palavras que apareceram com maior
prevalência nas turmas que responderam ao questionamento. Mais uma vez, os
resultados apresentam alunos do curso de Geografia (8º semestre) e do curso de
Relações Internacionais (1º semestre). É importante destacar que o tamanho das
palavras tem relação apenas com a prevalência das mesmas no próprio grupo, não
sendo possível estabelecer uma relação de tamanho entre as palavras das duas
Figuras.

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Figura 5 - Word Cloud da turma de 8º semestre do curso de Geografia.

Fonte: WordCloud, do website Mentimenter. Elaboração: Janaina Teixeira & Paola Pereira, 2019.

Ao analisarmos as figuras 5 e 6 percebemos que algumas palavras são


igualmente frequentes nos dois grupos tais como: fronteira, pirataria, guerra.
Contudo; são citações que representam resquícios de memórias que se
perpetuaram no tempo e constituem imaginário da fronteira, como a região marcada
pelos conflitos e pela violência.
Mas notamos também, que emerge um outro aspecto da fronteira Brasil e
Paraguai, que vem ganhando terreno na construção psíquica dos alunos. Na turma
de Relações Internacionais é possível identificar de forma recorrente as palavras
comércio, espanhol e produtos falsificados caracterizando uma paisagem cujos
mecanismos de trocas e interações estão fortemente vinculados ao comércio ao
idioma e aos produtos que circulam entre esses espaços. Isto é, observamos um
enfraquecimento das ideias de uma paisagem de medo, que é moderadamente
substituída por uma região em que as mercadorias circulam e que o espanhol
perpassa as relações com naturalidade. Assim, percebemos que existe uma ótica
que acompanha os movimentos de transformação da paisagem e que está a todo o
momento tentando reinterpretar essa paisagem que se modificou.

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Figura 6 - Word Cloud da turma de 1º semestre do curso de Relações

Internacionais.
Fonte: WordCloud, do website Mentimenter. Elaboração: Janaina Teixeira & Paola Pereira, 2019.

Ao passo que, os alunos do 8º semestre de Geografia ainda representam o


Paraguai como o lugar do contrabando, do comércio de eletrônicos e do tráfico.
Essas são respostas formadas com base em uma visão generalista do senso
comum. Partindo-se das respostas mais citadas nesse universo de investigação em
sala de aula. Uma vez que, no imaginário dos alunos esse cenário é algo concreto
que desperta sentimentos de distanciamento nas diferentes escalas de julgamento.
Os alunos do curso de Geografia associam muito a ideia de comércio ao
contrabando e consequentemente ao tráfico, consideravelmente citado no exercício.
O que paralelamente reforça a impressão de se estar vivendo em um território em
constante estado de guerra. Reforçamos que essa é uma análise sobre as escolhas
dos alunos, que nos leva a pensar que a fronteira Brasil e Paraguai oscila entre a
região dos fluxos comerciais, do turismo de compras e dos Free Shops, até aquele
ideário, quase mítico de “terra de ninguém” onde tudo é permitido e não há
regramento social ou jurídico.
Portanto, esse exercício nos propícia fazer uma leitura das possíveis
representações humanas sobre a fronteira a partir de suas formas de ser enxergada

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por meio de vieses muito distintos, com uma série de anteparos culturais, que
alteram seus contornos e remetem ao imaginário para suprir as lacunas dos
elementos, que nos escapam devido a essas barreiras/ resistências entrepostas por
nós mesmos.
Como forma de receber um feed back sobre as aulas elaboramos uma
pequena enquete com o formato de pesquisa de opinião para identificarmos o nível
de aprendizado e relevância do conteúdo abordado nas aulas e o grau de relevância
para seu aprendizado. Por meio da seguinte enquete:

Figura 7. Pesquisa de opinião enviada por mensagem eletrônica pela


Plataforma Moodle UFRGS.

Elaboração: Janaína Teixeira e Paola Pereira, 2019.

O propósito desta pergunta é identificar se os objetivos do plano de aula


foram alcançados. Com foco no entendimento do conteúdo e dos objetivos
destacados nesse artigo, buscamos quantificar nos alunos suas impressões, nessa
escala investigativa do quanto essas aulas foram válidas. Destinamos espaço para
as respostas com justificativas, no sentido de identificarmos os aspectos mais
destacados nas respostas dos alunos. Das respostas a que mais se destacou foi a
letra ‘B’ o que ressalta a importância das aulas de Geografia Política para os alunos

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na graduação com um conteúdo que desperta o interesse, é de suma relevância


para os alunos e que contribui para o aprofundamento do seu aprendizado.
Foi muito gratificante contabilizar respostas contendo avaliações positivas em
relação à metodologia aplicada a partir do plano de estudos. Perceber que alunos do
curso de Relações internacionais foram receptivos à proposta destas professoras –
pesquisadoras ao participarem da enquete de forma espontânea após o final do
semestre de 2019/1.

Considerações Finais
Entendemos que as aulas presenciais contribuem para o debate e às trocas
de ideias sobre os temas fronteira, transfronteiridades, formação dos Estados
Nacionais e o sistema de redes no contexto do ensino da geopolítica mundial.
Ambas as turmas apresentam conhecimento oriundo das mídias de comunicação,
mas, principalmente, das redes sociais.
Os exercícios são importantes, pois trazem informações acerca dos seus
entendimentos sobre os distintos e complexos processos que envolvem o conceito
de fronteira, que está fortemente associado à ideia de Estado e território com o
pressuposto de posse e, sobretudo; como exercício de controle e domínio. Nesse
sentido, foram constantes as citações tais como: limite, delimitar, separar territórios,
áreas, países vizinhos.
A experiência de aplicar essa atividade a dois grupos com graus de
conhecimento distintos, ressalta a necessidade de trabalhar esses conceitos em
seus diversos aspectos. E em toda a construção teórica desses alunos, no sentido
de capacitá-los para argumentar e interpretar essa temática com maior apropriação
intelectual.
Percebemos, que além da bibliografia apresentada, são necessários mais
exercícios variados para que os alunos possam fazer definições conceituais mais
consistentes e mais bem embasadas a partir do seu conhecimento adquirido
associado a suas representações geoespaciais próprias.
Nos perguntamos de que forma os alunos poderiam apresentar noções mais
claras dos conceitos trabalhos? Como trabalhar para que as representações sociais
das regiões de fronteira sejam repensadas e retrabalhadas. Entendemos que o
conceito de representações sociais é algo muito profundo na compreensão dos

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grupos, mas acreditamos ser possível e relevante a busca pela transformação


dessas representações.

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Link da reportagem / vídeo. Disponível em:


https://gauchazh.clicrbs.com.br/economia/campo-e-lavoura/noticia/2019/04/a-
receitaque-transformou-o-paraguai-no-principal-destino-de-investidores-na-america-
do-sulcjud2gzr701cq01rtuqtkfoxh.html. [12/04/2019 - 05h00min Atualizada em
12/04/2019 - 12h13min]. Acesso em 20 de maio de 2019.

SOUZA, J. A. C. No soy de aqui, ni de allí. Yo soy! Identidade territorial na


fronteira entre Pedro Juan Caballero - Paraguai e Ponta Porã - Brasil. 2018. 120
f. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Universidade Federal da Grande
Dourados UFGD, Dourados-MS, 2018.

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A FRONTEIRA QUE NOS SEPARA: OS SURDOS E SUAS REPRESENTAÇÕES


SOCIAIS
The Border Which Separates us: Deaf People and their Social Representations
La Frontera Que nos Separa: los Sordos y sus Representaciones Sociales

Katicilayne Roberta de Alcântara


Antônio Firmino de Oliveira Neto
Izac de Oliveira Belino Bonfim

Resumo: Este artigo busca analisar como ocorrem as representações sociais dos
surdos, desde a sua visibilidade até o reconhecimento da Libras, a construção de
sua identidade e cultura. A discussão se faz em torno de uma fronteira, que não se
limita ao físico, territorial, mas principalmente por ser simbólica, estereotipada pelos
ouvintes. Apontaremos ainda, como é importante o sujeito se reconhecer como
agente de suas representações sociais e participante dos segmentos sociais em que
está envolvido. A metodologia constitui-se de uma revisão da bibliografia acerca do
tema discutido, que corrobora as construções teóricas presentes neste artigo, com a
finalidade de apresentar como os surdos resistem ao longo dos anos, conquistam
seus espaços e adquirem o direito à comunicação através de sua língua.
Palavras-chave: Fronteira; Surdos; Representações sociais; Libras; Visibilidade.

Abstract: This article seeks to analyze how social representations by deaf people
occur, from their visibility to the acknowledgement of Libras, the construction of their
identity and culture. The discussion is developed on a border, which is not limited to
physical or territorial aspects, but mainly to be symbolic, stereotyped by listeners. It
will be also pointed out how important it is for the subject to recognize him/herself as
an agent of his/her social representations and a participant of the social segments in
which he/she is involved. The methodology is constituted of a bibliographical review
on the topic discussed, which corroborates the theoretical constructs in this article, in
order to present how deaf people resist over the years, conquer their spaces and
acquire the right to communication through their language.
Key-words: Border; Deaf people; Social representations; Libras; Visibility.

Resúmen: Este artículo busca analizar cómo ocurren las representaciones sociales
de los sordos, desde su visibilidad hasta el reconocimiento de la Libras, la
construcción de su identidad y cultura. La discusión se hace alrededor de una


Graduada em Letras/Libras – UFGD; Mestranda em Estudos Culturais pela Universidade Federal de
Mato Grosso do Sul (Campus de Aquidauana/UFMS). E-mail: katyroberta@gmail.com

Professor do Campus de Aquidauana da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - UFMS e
docente permanente dos programas de pós-graduação em Estudos Fronteiriços (Campus do
Pantanal/UFMS) e Estudos Culturais (Campus de Aquidauana/UFMS). E-mail:
firmino.oliveiraneto@gmail.com
***Graduado em Turismo – Faculdades Integradas Curitiba (2002); Mestrado e Doutorado em
Geografia pela UFPR. Docente da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (CPAQ/UFMS). E-
mail: izac.bonfim@ufms.br

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frontera, que no se limita al físico, territorial, sino principalmente simbólicas,


estereotipadas por los humanos. Asimismo, señalaremos cuán importante es que el
sujeto se reconozca como agente de sus representaciones sociales y participante de
los segmentos sociales en los que está involucrado. La metodología se constituye
con una revisión de la bibliografía sobre el tema discutido, que corrobora con las
construcciones teóricas presentes en este artículo, con el fin de presentar cómo los
sordos resisten a lo largo de los años, conquistan sus espacios y adquieren el
derecho a la comunicación a través de su lengua.
Palabras clave: Frontera; sordos; Representaciones sociales; Libras; Visibilidad.

Introdução
Como objetivo principal deste artigo, analisam-se as questões relacionadas às
representações dos surdos, tendo como ponto de partida a relação entre as
fronteiras e seus diferentes sentidos. No caso dos surdos, será destacada como
fronteira a língua de sinais, que por vezes é incompreendida no processo de relação
entre surdos e ouvintes. A língua de sinais é reconhecida e compreendida como
língua natural utilizada pelas comunidades surdas por todo o planeta (QUADROS;
KARNOPP, 2004).

Em seguida, tratar-se-á das fronteiras que se encontram até a visibilidade dos


sujeitos surdos, objetivando a análise do processo de reconhecimento da Língua
Brasileira de Sinais (LIBRAS). Por meio da Lei 10.436, de 24 de abril de 2002 e da
regulamentação do Decreto 5.626, de 22 de dezembro de 2005, assegurou-se o uso
e a difusão da língua de sinais na construção da identidade e cultura dos sujeitos
surdos, permeando ações e envolvendo o modo de comunicação,
predominantemente visual.

É importante o reconhecimento dos sujeitos enquanto agentes de suas


representações sociais, considerando os elementos que compõem a cultura, como
língua, valores, crenças, símbolos, modos de agir e pensar de um sistema social,
que transformem esses sujeitos. Desse modo, os discursos se apresentam e são
reconhecidos no meio social em que as pessoas vivem; e no caso dos surdos,
promovem a Libras e suas questões de acessibilidade nas diversas esferas sociais.

A abordagem metodológica deteve-se nos seguintes procedimentos e


técnicas: revisão bibliográfica primária e secundária e, posteriormente, técnicas de
observação qualitativa não estruturada. A opção deu-se pelo fato da compreensão

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da facilidade da interpretação da Libras em um grupo de sujeitos surdos da cidade


de Campo Grande, no Estado de Mato Grosso do Sul.

De acordo com Bechker (1972), a observação seria uma solução para o


estudo de fenômenos complexos e institucionalizados, quando se pretende realizar
análises descritivas e exploratórias ou quando se tem o objetivo de inferir sobre um
fenômeno que se remeta à certas regularidades, passíveis de generalizações. A
observação participante é interpretada e utilizada por pesquisadores de várias
maneiras, principalmente nas Ciências Sociais e áreas correlatas, quando se busca
desvelar as representações sociais de um grupo específico como os surdos. Assim,
procurou-se dialogar o cotidiano desses sujeitos com as referências bibliográficas
pertinentes na busca por entender o seu senso comum, o seu universo e as suas
representações sociais.

A fronteira e os sujeitos
Falar de fronteira perpassa a discussão entre limites, demarcações e
diferenças. Para Souza (2014, p. 476), ao discutir este conceito é necessário ir além
do dicionário e pressupor um espaço cultural e social, de sujeitos que se constroem
em suas relações. Por séculos, e mesmo atualmente, as discussões sobre este mote
vêm se aprimorando no sentido de esclarecer sobre o espaço da fronteira como
meio de diferenciação territorial e temporal; mas além disso, a fronteira ser
entendida em diversos sentidos.

O Estado cria estratégias para a manutenção da soberania territorial das


fronteiras e, por vezes, cria opressão sobre o lugar. Como destaca Pesavento (2002,
p. 36)

[...] as fronteiras a partir de uma concepção que se ancora na territorialidade


e se desdobra no político. Neste sentido, a fronteira é, sobretudo,
encerramento de um espaço, delimitação de território, fixação de uma
superfície. [...] Com isso podemos ver que, mesmo nesta dimensão de
abordagem fixada pela territorialidade e pela geopolítica, o conceito de
fronteira já avança para os domínios daquela construção simbólica de
pertencimento a que chamamos identidade e que corresponde a um marco
de referência imaginária que se define pela diferença.
Isso se perpetua com negatividade nas pessoas, que passam a entendê-lo
como um lugar de conflito, de violência, do ilícito, do descontrole, ou ainda, de
sofrimento em seu entorno, servindo como espaço de separação entre dois povos.

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O homem, no caminho da sua evolução e desenvolvimento, foi além dos


territórios, tornando-se independente dos limites físicos que o prendiam, tornando-se
independente. Segundo esclarece Pesavento (2002, p. 36) “a fronteira é um limite
sem limites que aponta para um além”.

Nesse sentido, a fronteira possibilitou o contato com o outro, como


representação de uma realidade de produção de sentidos culturais, onde seus
limites se direcionam para a construção de identidades. Trazendo para a discussão,
buscando, neste artigo, compreender os sujeitos surdos, será utilizada a ideia de
Lopes (2017, p. 223), que afirma:

[...] estar no front é uma alternativa, uma escolha, mas também uma falta de
opção, uma violência. Se por um lado, revela uma potência, uma condição
de possibilidade, uma vida nova, um devir criança, um devir animal e um
devir louco, por outro, evidencia a maneira colonial de tratar essa população
em muitos gradientes de normatividade que transforma a condição de
diferença numa profunda desigualdade.
O embate entre os sujeitos surdos e ouvintes se estabelece a partir de
relações sociais, começando pelo respeito da língua daqueles. Gesser (2009)
destaca que na década de 1960 foi conferido à língua de sinais o status linguístico e
ainda hoje, continuamos a afirmar e reafirmar essa legitimidade, principalmente no
Brasil, que teve a Libras reconhecida no ano de 2002.

O fato de afirmar e reafirmar a língua dos surdos vai além disso, uma vez que
na sociedade contemporânea as fronteiras que separam as pessoas, atravessam o
sujeito produtor de seus discursos, que realizam suas experiências por meio de
contatos com seus pares. De acordo com o ponto de vista de Brah (2006, p. 360), a
“experiência é um processo de significação que é a condição mesma para a
constituição daquilo a que chamamos de realidade”.

Da invisibilidade para a visibilidade dos surdos


Pensar em sujeitos ignorados, subalternizados, excluídos e marginalizados,
significa atentar-se para o fato de eles estarem buscando formas que “garanta voz a
sujeitos que anteriormente não tiveram direito a voz” (PRYSTHON, 2001, p. 33).
Significa também, contribuir para a visibilidade no tocante as suas experiências, de
maneira que contribua para a formação social, civil e política enquanto sujeito,
abrindo espaço para novas formas de conhecer o outro e de ser reconhecido.

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Os surdos e a língua de sinais, por longos anos, sofreram discriminações,


preconceitos, no que se refere à escolarização, vida social, vida religiosa e saúde.
Conforme Strobel (2016, p. 120) nos espaços em que se encontram surdos e
ouvintes houve, ao longo da história, a ocorrência de situações que dizem respeito à
dominação dos sujeitos surdos.

Uma das situações mais traumáticas que podemos elencar sobre esse grupo
é o processo de normalização com a “cura” da surdez. Como comenta Gesser
(2012, p. 84) “[...] os surdos eram todos vistos como débeis mentais, criminosos,
loucos, [...] os sinais eram tidos como formas obscenas e pecaminosas.” Diante
dessa ideologia e reforçando a relação de poder e exclusão social, onde a grande
maioria dos ouvintes não conhece a língua de sinais. Por isso, a Libras foi
considerada por tantos anos como mímica, gestos, entre outras formas
preconceituosas no uso da comunicação.

O texto de Hartog (2004), que explica a relação entre os gregos e os bárbaros


na Grécia antiga, permite uma analogia sobre essa relação conflituosa entre surdos
e ouvintes:

Entre os gregos e os outros, a nova fronteira é, desde então, antes de tudo


política – ensinam as Histórias. [...] Desde então estrangeiros à cidade,
excluídos desse espaço comum, “fora da cidade” (ápolis), em sentido
próprio, o tirano e o rei são, de uma certa maneira, bárbaros, ou se põem do
lado do bárbaro. O que será retomado por Aristóteles, no começo de sua
política: se o homem é um animal político, quem é por natureza ápolis é ou
menos ou mais que homem; [...] fornecem com o par grego/bárbaro, uma
visão política da alteridade. (HARTOG, 2004, p. 101 - 102)
Apenas no ano de 2002, após décadas de lutas e pesquisas que
contemplaram os surdos, sua educação e o seu reconhecimento linguístico, como
pertencentes às minorias linguísticas, é que houve o reconhecimento oficial da
Língua Brasileira de Sinais/Libras como primeira língua das pessoas surdas do
Brasil (Lei 10.436 de 24 de abril de 2002). A partir daí, enfatizou-se o uso
comunicativo da Libras nas comunidades surdas pelo Brasil. Em dezembro de 2005,
foi criado o Decreto 5.626, que assegura a presença de tradutores/intérpretes nas
instituições privadas e públicas, principalmente nos sistemas de ensino federal,
estadual e municipal e em diversos espaços e serviços sociais, para o uso e difusão
da Libras.

Essas ações trouxeram ganhos para a comunidade surda, ao valorizar a


Libras como um sistema social, pois estabeleceu-se um vínculo que “valoriza a

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diferença, estabelece uma espécie de valor positivo para sociedades culturalmente


mais heterogêneas”. (PRYSTHON, 2001, p. 43). Com esse marco para a
comunidade surda brasileira, as línguas de sinais passaram a ser “consideradas
línguas naturais e, consequentemente, compartilham uma série de características
que lhes atribui caráter específico e as distingue dos demais sistemas de
comunicação [..], portanto, [...] não como um problema do surdo ou uma patologia da
linguagem” (QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 30). Assim, a defesa da língua de
sinais assegura aos seus usuários o direito a um mundo coletivo e social,
entrelaçando as identidades e o seu pertencimento nas mais variadas culturas.

O conceito corriqueiramente utilizado para cultura é o de práticas simbólicas


de um determinado grupo, como literatura, música, língua, dança, religião, teatro e
vestuários, dentre outros. Segundo Geertz (2012), “cultura seria uma teia de
significações compartilhada por um grupo de humanos”. Entende-se assim, cultura
como os discursos proferidos a partir dos grupos em contato com a sociedade e seu
conhecimento.

Para Geertz (2012, p. 4) a cultura ainda pode ser uma vertente para a criação
de novas ideias, atos, emoções e valores, a partir das ações do grupo que a cerca.
Dessa forma, é possível compreender a existência de uma cultura surda, onde são
compartilhadas língua, experiência visual, tradução cultural, entre outros meios que
fundamentam as relações entre os sujeitos surdos.

Para entendermos melhor a cultura surda, Strobel (2016, p.29), esclarece que
ela também pode ser compreendida como “o jeito de o sujeito surdo entender o
mundo e de modificá-lo a fim de torná-lo acessível e habitável, ajustando as suas
percepções visuais”. É importante destacar que a cultura surda se entrelaça aos que
compartilham de um interesse comum, seja por normas, comportamentos e valores.

Então, concluímos a partir de Strobel (2016) que a cultura surda é


demonstrada nas ações que envolvem o seu modo de comunicar
predominantemente visual, e por meio da língua de sinais. Ela também reconhece a
luta do grupo e suas produções, como a literatura, poesia visual, teatro, uso das
tecnologias, vida social e esportiva.

Com isso, a busca por espaços e por representatividade se faz mais forte,
como cita Hartog (2004, p.23), “a fronteira se encontra no próprio movimento de

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fechamento e abertura, espaço entre dois, em que os viajantes-tradutores podem


agir, para o melhor ou o pior”. A analogia ao raciocínio do autor, demonstra que os
surdos podem ocupar o seu espaço, mesmo que não seja entendido dentro do
sistema normativo, hegemônico, considerado como padrão pela sociedade. Assim,
em consonância a essa reflexão, Pesavento (2002, p.37) afirma:

Se a fronteira cultural é trânsito e passagem, que ultrapassa os próprios


limites que fixa, ela proporciona o surgimento de algo novo e diferente,
possibilitado pela situação exemplar do contato, da mistura, da troca, do
hibridismo, da mestiçagem cultural e étnica. [...] a fronteira como conceito
possibilitador para se encontrar novos sujeitos, novas construções, novas
percepções do mundo.
Dessa forma, nota-se o rompimento de uma fronteira que se confronta na
alteridade, na relação entre os outros em relação a “nós” e vice-versa, na promoção
do grupo social e de suas interações, trocas, ações, entre outros.

A construção das representações por intermédio da Libras


A partir das perspectivas pós-coloniais e dos discursos dos grupos
minoritários presentes na sociedade, é possível perceber a voz dos sujeitos que
deles fazem parte. Por isso, a construção de representações dos sujeitos surdos se
faz a partir do momento em que eles se tornam agentes de suas representações por
meio da Libras, de suas produções, de suas experiências, e também, na sua
formação enquanto sujeito, reformulando a questão de agentes participantes, que
segundo Brah (2006) pode ser entendido como:

O “eu” e o “nós” que agem não desaparecem, mas o que desaparece é a


noção de que essas categorias são entidades unificadas, fixas, e já
existentes, e não modalidades de múltipla localidade, continuamente
marcadas por práticas culturais e políticas cotidianas. (BRAH, 2006, p. 361).
Essa modificação de estado dos sujeitos com relação à agência no sentido,
conforme argumentado por Brah, começa a partir do momento em que eles mudam
seus próprios pensamentos e de seus pares. Spivak (2010, p.41) cita que “a
transformação da consciência” começa a partir do momento em que esses sujeitos
discutem temas relacionados às suas experiências e buscam estratégias para
construir narrativas coletivas, manifestando-se de forma cultural, por exemplo.
Abaixo, pode-se complementar esta ideia associada à fala de Jodelet (1989, p. 34):

Partilhar uma ideia ou uma linguagem é também afirmar um vínculo social e


uma identidade. A partilha serve à afirmação simbólica de uma unidade e de
uma pertença. A adesão coletiva contribui para o estabelecimento e o
reforço do vínculo social. (apud FEIX, 2017, p. 5)

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199

A identidade não é algo pronto, mas é um processo em constante


transformação, que se constrói pela diferença, influenciada pela subjetividade, no
modo em que o sujeito atua no mundo. Um conceito relacionado intrinsicamente ao
de identidade é o da representação, uma visão consciente, presente na mente das
pessoas ou de um grupo.

Nessa ótica, as representações sociais são explicadas por Moscovici (2010)


como sendo um conector à facilitação comunicacional entre os sujeitos de um
mesmo grupo que partilham desse universo social, gerando, a partir de então, uma
unidade nos seus discursos, como um saber sobre fatos sociais. Por isso, deve-se
levar em consideração os elementos que compõem a cultura como linguagem,
valores, crenças, símbolos, modos de agir e pensar de um sistema social que
compõe e transforma esses sujeitos.

Ainda podemos perceber que Moscovici (1978) menciona que as


representações sociais são entidades que circulam, cruzam-se e cristalizam-se, por
intermédio de uma fala, da linguagem, um encontro no universo cotidiano dos
sujeitos, constituindo assim, uma modalidade de conhecimento comum que tem por
função a elaboração de propagar um determinado tipo de pensamento,
comportamento e comunicação entre pessoas.

O mesmo autor (1978) esclarece que existem no mundo dois universos, o


consensual e o reificado. No universo consensual, a sociedade é uma criação
visível, contínua, com sentido e finalidade. Já no universo reificado, a sociedade é
vista como um sistema engessado, desprovido de identidade e os sujeitos não são
vistos como um grupo, mas isoladamente. As representações sociais são parte da
realidade de um determinado grupo social, ou seja, de uma coletividade de pessoas
que interagem e têm determinados comportamentos.

Como já citado anteriormente, os sujeitos surdos necessitam se expressar por


meio de sua língua e seus direitos precisam ser respeitados, como para tantas
outras minorias existentes na sociedade. Segundo Brah (2006, p. 337), “é importante
que o Estado seja sensível à pluralidade de necessidades entre seus cidadãos. Mas
precisamos estar atentos à maneira como as ’necessidades’ são construídas e
representadas em vários discursos”. Isso demonstra para o cuidado na visão em
atendê-los de maneira heterogênea.

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200

O sistema capitalista estimula a produção de mercado, reforça o consumo e


determina o modo de vida dos indivíduos. Em consonância, as transformações
tecnológicas midiáticas promovem um efeito multiplicador cada vez mais acelerado,
no que diz respeito as mediações entre as pessoas. “A esfera midiática introduziu
inúmeras modificações na apresentação dos problemas que magnetizam a
sociedade [...] alterou-se a relação entre os fatos que afetam a todos os cidadãos
[...]” (SARLO, 2016, p. 123).

Deste modo, para Sarlo (2016) a relação de ideologias transmitidas por essas
tecnologias e meios de comunicação em massa atribuem representações e sentidos
para suas significações, reforçando aspectos culturias que se encontram com os
pensamentos e as ações dos sujeitos.

A comunicação, aliada às representações sociais, conecta os significados


entre os sujeitos, principalmente no caso dos sujeitos surdos, que necessitam ser
vistos, com o desenvolvimento de resistências para a comunicação e a
acessibilidade com artefatos1 materiais da vida cotidiana, conforme comenta Sarlo
(2016):

[...] a democracia de opinião é invocada pelos meios audiovisuais que


precisam dela como sustento, ao mesmo tempo que reproduzem suas
condições de emergência, e ela é convocada como antídoto das falhas da
democracia representativa e como socorro da opinião pública (SARLO,
2016, p.124).
A linguagem transmitida nos meios audiovisuais apresenta formas rápidas e
icônicas da comunicação, servindo como instrumentos de trocas culturais, ampliação
do léxico tanto em língua portuguesa como em Libras e acesso às informações e
comunicações que auxiliam na construção dos sujeitos. Assim, Sarlo (2016) nos
ajuda a compreender que os meios, pelos quais os sujeitos se comunicam, são os
espaços provilegiados cercados pela democracia de opinião. Um exemplo muito
utilizado pelos surdos, são as redes sociais como Facebook, Youtube, WhatsApp,
chats da internet, ICOM.

Além dos artefatos utilizados para a comunicação dos surdos, nos indagamos
como eles tem acesso nos espaços sociais comuns, como em congressos,
faculdades, shows, teatros, bares, igrejas, cinemas, julgamentos, entre outros.
Alguns desses casos contam com a presença de tradutores intérpretes de Libras.
1
Artefatos não se refere apenas a materialismos culturais, mas se refere àquilo que na cultura constitui
produções do sujeito que tem seu próprio modo de ser, ver, entender e transformar o mundo (Strobel, 2016).

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201

Porém, quando não há essa disponibilidade de profissionais que atendam os direitos


dos surdos, percebemos uma lacuna que não é preenchida, assim como finaliza
Almeida (2006) que a influência do hegemonismo ouvinte deixa os surdos sem
condições de serem informados, instruídos e de se divertirem.

Considerações finais
O homem é um ser de relações intersubjetivas, sociais e históricas, sendo
construído e extremamente influenciado pela sua trajetória histórico-cultural, mas
não incapaz de desenvolver seus próprios discursos. A partir das discussões
apresentadas, é possível perceber que, ao longo dos anos, os sujeitos surdos,
diante da subalternização imposta pelos ouvintes, criaram maneiras de poderem ser
vistos e ouvidos pela sociedade nas diferentes partes do mundo.

Os avanços tecnológicos lhes proporcionaram a difusão e o uso da Libras no


Brasil, logo oportunizando uma aproximação maior com seus pares, ampliando o
acesso às informações que, de modo mais rápido, criou uma maior autonomia e
participação social.

No entanto, o reconhecimento das necessidades comunicacionais dos surdos


ainda é algo que apresenta barreiras, uma vez que, por trás de todos os contextos
envolventes ainda existem interesses sociais e econômicos que freiam as políticas
públicas no atendimento dos direitos e das necessidades do acesso à cultura para
os surdos.

Referências

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diferenças. In: Comunicação & Informação, v. 9, n.1, p. 53-61, 2006.

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202

________. Decreto 5.626 de 22 de dezembro de 2005. Regulamenta a Lei 10.436 de


24/04/2001 e o artigo 18 da Lei no 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Diário
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203

A IMPLEMENTAÇÃO DO ENSINO À DISTÂNCIA AOS MOLDES DO SISTEMA


COLÉGIO MILITAR DO BRASIL AOS RESIDENTES NA FAIXA DE FRONTEIRA
SUL-MATO-GROSSENSE: UMA PROPOSTA
The Implementation Of Distance Education By Brazilian Military College Systems For
Residents In The South Mato-Grossense Border Band: A Proposal
La Implementación De La Educación A Distancia Por Los Sistemas De Los Colegios
Militares Brasileños Para Los Residentes En La Banda Fronteriza Mato-Grossense
Del Sur: Una Propuesta

Eduardo Freitas Gorga


Elisa Pinheiro de Freitas

Resumo: O presente artigo tem por finalidade, com foco no ensino médio, na faixa
de fronteira do estado de Mato Grosso do Sul (MS), apresentar uma proposta de
implementação do Ensino à Distância (EAD), aos moldes do Sistema Colégio Militar
do Brasil (SCMB), aos civis da área em questão. Nessas condições, o referencial no
MS é o Colégio Militar de Campo Grande (CMCG), pois dentre as escolas 100
primeiras colocadas do MS, apenas 32 públicas foram destacadas pela média dos
seus alunos no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), ficando o CMCG em
primeiro lugar. Tal fato atesta que o foco dos investimentos educacionais deve ser
voltado para o interior (com destaque para os municípios fronteiriços), de forma que
prosperem aos moldes da capital. Com isso, o resultado esperado, através do EAD,
busca aproximar a qualidade do ensino da faixa de fronteira ao da capital, Campo
Grande.
Palavras-chave: Ensino Público, Educação à Distância, Sistema Colégio Militar do
Brasil, Fronteira sul-mato-grossense.

Abstract: This article aims, focusing on high school, in the border strip of the state of
Mato Grosso do Sul (MS), to present a proposal for the implementation of distance
learning (EAD), in line with the Brazilian Military College System (SCMB) for civilians
in the area concerned. In these conditions, reference in MS is the Campo Grande
Military College (CMCG), because among the first 100 schools of the MS, only 32
public were highlighted by the average of their students in the National High School
Exam (ENEM), leaving the CMCG in first place. This fact testifies that the focus of
educational investments should be directed towards the interior (with emphasis on
the border municipalities), so that they thrive in the way of the capital. With this, the
expected result, through Distance Learnig (EAD), seeks to approximate the quality of
teaching in the border area to that of the capital, Campo Grande.


Especialista em Ciências Militares e mestrando do Programa de Pós-Graduação em Estudos
Fronteiriços (PPGEF) da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) – Campus do
Pantanal (CPAN). E-mail: efg983@gmail.com.

Docente e pesquisadora do Curso de Geografia e do Programa de Pós-Graduação em Estudos
Fronteiriços (PPGEF) da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) – Campus do
Pantanal (CPAN). E-mail: elisa.freitas@ufms.br.

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Key-words: Public Education, Distance Education, Military College System of Brazil,


Mato Grosso do Sul border.

Resúmen: Este artículo tiene como objetivo, centrándose en la escuela secundaria,


en la franja fronteriza del estado de Mato Grosso do Sul (MS), presentar una
propuesta para la implementación del aprendizaje a distancia (EAD), en la línea del
Sistema de Colegio Militar Brasileño (SCMB) a civiles en la zona en cuestión. Bajo
estas condiciones, el referente en el MS es el Colegio Militar de Campo Grande
(CMCG), porque entre las 100 mejores escuelas ubicadas en la MS, solo 32
escuelas públicas fueron destacadas por el promedio de sus estudiantes en el
Examen Nacional de Escuelas Secundarias (ENEM), siendo el CMCG en primer
lugar. Este hecho atestigua que el foco de las inversiones educativas debe
orientarse hacia el interior (especialmente los municipios fronterizos), para que
prosperen en la línea de la capital. Con esto, el resultado esperado, a través del
aprendizaje a distancia, busca aproximar la calidad de la educación de la franja
fronteriza a la capital, Campo Grande.
Palabras clave: Educación pública, Educación a distancia, Sistema de Colegio
Militar de Brasil, Frontera del estado de Mato Grosso do Sul.

Introdução
Quando falamos no estado do MS, de imediato pensamos em exuberantes
paisagens pantaneiras, ecoturismo e lazer. Contudo, não só em dicionários da
língua portuguesa que a palavra “educação” vem antes de “lazer”, mas também em
nossa Constituição Cidadã, de 1988:
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho,
a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a
proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na
forma desta Constituição. (BRASIL, 1988)

O Brasil, em sua faixa de fronteira Oeste, sempre foi abundante em fauna,


flora e riquezas minerais, despertando o interesse turístico, de nacionais e
estrangeiros que trafegam nesta majestosa região, em busca de lazer. O Pantanal
vem sendo o principal destino de visitantes europeus: “Mato Grosso do Sul é
destaque na Feira Internacional de Turismo de Berlim, maior feira de turismo do
mundo, como referência no ecoturismo e aventura.” (ASA, 2013)
Costumeiramente, relacionamos “fronteira” com o alcance do poderio de uma
Nação, seja este militar ou referente ao seu limite territorial. Segundo OLIVEIRA
(2005), “a fronteira vai muito mais além do fato geográfico que ela realmente é, pois
ela não é só isso. Para compreendê-la, é preciso retornar à expressão “regere fines”
que significa traçar em linha reta as fronteiras, os limites.”
Dessa maneira, a imensidão do espaço geográfico da nossa fronteira Oeste e

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os seus limites territoriais, não definem o potencial brasileiro como Nação. Os seus
recursos naturais e a infraestrutura turística não se bastam para o atual
desenvolvimento imposto à Região. Em termos de investimento, a cidade de Bonito
e seu turismo sustentável são priorizados em políticas governamentais, deixando em
segundo plano outras áreas, conforme segue: “A cidade recebe há 11 anos,
consecutivos, prêmios como melhor destino sustentável do Brasil.” (ASA, 2013)
Por outro lado, o planejamento estadual deve priorizar a temática
educacional, segundo um ex-governador do MS destaca:

“O ex-governador Pedro Pedrossian afirmou hoje (8), durante sessão


especial em comemoração aos 20 anos da UEMS (Universidade Estadual
Mato Grosso do Sul), que a educação ainda precisa ser prioridade no
Estado, para que haja crescimento e desenvolvimento local.” (ROCHA,
2014)
Em estudo atinente ao desenvolvimento econômico regional, na Zona de
Fronteira, verifica-se o número de estabelecimentos de ensino (nos diversos níveis)
como parte da composição das variáveis do potencial econômico regional.
O peso para o desenvolvimento local e sub-regional da infraestrutura
técnico-tecnológica foi descrito a partir das seguintes variáveis: (a) número
de estabelecimentos de ensino médio; (b) número de estabelecimentos de
ensino superior (público e privado); (c) estabelecimentos de educação
profissional (do tipo CEFET e outros); (d) estabelecimentos de ensino
técnico básico; (e) unidades de treinamento de mão de obra em área
urbana; (f) unidades de treinamento de mão de obra rural. (OLIVEIRA,
2005, pág. 102)

Assim, com pessoal qualificado por meio dos ensinos técnico-profissional e


superior, não resta dúvida que a região Centro-Oeste prosperará exponencialmente
no campo do desenvolvimento econômico regional e em âmbito nacional. Dessa
forma, o EAD cresce amplamente no país, tornando-se uma potencial ferramenta
alternativa de complementação do ensino.
“No Brasil, a desigualdade está ligada à infraestrutura das escolas”, afirma
Daniel Cara, coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à
Educação. “Redes maiores, com estruturas adequadas, laboratórios e
bibliotecas e professores com melhor formação, são mais eficientes”, diz.
(ÉPOCA, 2015)

Nesse sentido, para a busca da excelência de ensino público na fronteira


Oeste, com vistas a redução da desigualdade supracitada, este artigo apresentará o
SCMB. Tal consagrado sistema é referência nacional em EAD para ensino
fundamental e médio, conforme exposto:
O Curso Regular de Educação a Distância - CREAD, do Colégio Militar de
Manaus, recebeu o Prêmio Destaque Nacional do Institute for Learning &
amp - Performance Brasil, em reconhecimento ao trabalho que vem sendo

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realizado, no Brasil e no exterior, nesta área da educação. A cerimônia foi


realizada pela Empresa MicroPower, no dia 28 de agosto de 2017, em São
Paulo – SP […] (BRASIL, 2017)

Atualmente, o Colégio Militar de Manaus (CMM) franqueia educação a


distância aos “jovens, com idade entre 10 e 17 anos, que estejam cursando do 6º ao
9º Ano (Ensino Fundamental II) e de 1º ao 3º Ano do Ensino Médio regulares, cujos
responsáveis sirvam no exterior e em áreas pioneiras da Amazônia e Centro-Oeste”.
(DEFESA, 2017, pág. 8)
Colocar o Brasil numa posição de destaque, no que se refere à qualidade
em educação, requer dedicação à pesquisa. O SCMB, embora apresente
um modelo de gestão tradicional, revela-se como uma organização que se
mantém atualizada, o que interfere positivamente no índice de
desenvolvimento da educação básica no país. A proposta pedagógica do
SCMB segue o que dita a instituição mantenedora, o Exército Brasileiro.
(SOUZA, 2013, pág. 1)
Diante do quadro apresentado, o estudo em questão analisará a lacuna
existente no sistema educacional fronteiriço, propondo que o ensino a distância
chegue aos civis, para que o processo de ensino-aprendizagem seja o vetor chave
do desenvolvimento regional.

Fundamentos do EAD
O EAD vem sendo praticada há anos ao redor do mundo. Diversas gerações
e teorias trazem definições abrangentes sobre esta forma de ensino. Nesse sentido,
o EAD pode ser híbrida, empregando paralelamente ensino presencial e atividades à
distância. Em termos práticos, o EAD busca a autonomia do aluno em escolher os
seus horários e locais de estudo, adequando sua rotina e sua disponibilidade de
tempo ao conteúdo a ser estudado. Então, segundo Gazetta (2015, pág. 09),
Educação a Distância pode ser definida da seguinte forma:
O EaD tem sido definida como instrução através de mídias impressas e
meios de comunicação. Os termos amplos incluem aprendizagem a
distância, aprendizagem aberta, aprendizagem em rede, aprendizagem
flexível, aprendizagem distribuída e aprendizagem conectada. Tem como
característica a apresentação de estratégias híbridas, podendo combinar
atividades à distância e presenciais. A partir de Keegan (1986), González
(2005, pág. 33) costuma identificar o EaD a partir de três elementos: 1.
Professor e aluno estão separados no espaço e/ou tempo; 2. O controle do
aprendizado é realizado mais intensamente pelo aluno do que pelo instrutor
(professor/tutor) distante no espaço; 3. A comunicação entre alunos e
professores é mediada por documentos impressos ou alguma forma de
tecnologia.

No passado, a primeira geração de EAD foi caracterizada pelo emprego de

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correspondências para a comunicação entre aluno e professores, sendo conhecida


como geração textual, segundo Gazetta (2015, pág. 15):
Há muitos anos são desenvolvidos cursos por correspondência, televisão e
rádio; por exemplo, em 1800, a Universidade de Chicago lançou o primeiro
e maior programa de correspondência dos Estados Unidos, no qual
professores e alunos estavam em espaços geograficamente diferenciados.

Uma segunda fase do EAD, conhecida como geração analógica, destacou-se


pelo uso de televisão e rádio. E, por fim, a terceira e atual geração, digital e
integrada com recursos de telecomunicações, que emprega meios diversos de
informática, desde desktops, passando por notebooks e tablets, até smartphones e
smart tvs de última geração.

Segundo bem salienta Gazetta (2015, pág. 17): “a geração atual tem como
jargão anytime, anyhere, ou seja: a qualquer tempo, em qualquer lugar”. Como
resultado, cresce de relevância a interação entre os atores do EAD: o aluno, o
professor e o tutor.
1
No Brasil, o EAD surgiu com cursos de qualificação profissional. O registro
mais remoto data de 1904, com um anúncio nos classificados do Jornal do
Brasil de um curso de datilografia (para usar máquinas de escrever) por
correspondência. Na década de 1920, o Brasil já contava com os primeiros
cursos transmitidos pelas ondas do rádio, a novidade tecnológica da época.
Os estudantes utilizavam material impresso para aprender Português,
Francês e temas relacionados à radiodifusão. Nas décadas de 1940 e 1950
começaram os cursos mais formais, sobre temas profissionalizantes,
liderados pelo Instituto Monitor, depois pelo Instituto Universal Brasileiro e
pela Universidade do Ar, patrocinada pelo SENAC e pelo SESC. Até hoje
algumas dessas instituições permanecem ligadas à formação profissional
através de cursos a distância.

Por isso, hoje em dia, em EAD, a atribuição de responsabilidade pela


aprendizagem ao aluno constitui uma característica desejável pelos estudantes que
buscam essa modalidade. Em consequência, tal premissa permite a flexibilidade
necessária para que o discente possa organizar o seu tempo e a forma como
conduzirá o estudo, concorrendo para uma maior autonomia para aperfeiçoar o seu
aprendizado.
Por sua vez, o tutor tem grande parcela de comprometimento na dinâmica de
ensino. Dessa forma, ele deve direcionar o aluno quanto aos objetivos propostos e a
maneira como esses deverão ser atingidos, gerando o vínculo fundamental para
estimular o seu aluno no processo de ensino-aprendizagem.

1. Disponível em: <https://www.ead.com.br/ead/como-surgiu-ensino-a-distancia.html >. Acesso em 02


de julho de 2019.

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Em virtude disso, para o tutor, a excelência do processo em questão é


baseada no planejamento das atividades, nos prazos para a realização das mesmas
e nos materiais de apoio que serão disponibilizados. Já para o aluno, a
responsabilidade de aprender a aprender, a autonomia de escolha de como se dará
o seu aprendizado e a busca pela interação com o tutor e outros colegas constituem
peças fundamentais para o bom andamento do programa de EAD.
Diante desse quadro, Valente (2003) entende que o aluno ativo e autônomo, é
o responsável por sua aprendizagem. Em decorrência, é importante ressaltar que a
aprendizagem é assimilada através dos estímulos, como, por exemplo, a visão, a
audição e o tato, provocando que o professor saiba implementar os módulos de
estudos para que atinjam um maior número de estímulos.
Nessas condições, no EAD, a autonomia do aluno permite que este assuma
um protagonismo no processo ensino-aprendizagem, uma vez que o mesmo tem a
responsabilidade pela sua aprendizagem, corroborando com a sua capacidade de
organizar e gerir seu tempo para atingir, com a mediação do Tutor, os objetivos de
um determinado conteúdo.
Em fim, de acordo Bissoto (2012), a Educação, quando se utiliza da
tecnologia, não é somente uma experiência de “como fazer”, mas uma experiência
do “saber por qual motivo fazer”. Esta última é mais significativa, pois se relaciona
fundamentalmente ao ato humano de criar novos conhecimentos. Assim, cabe ao
tutor, por meio de sua ação mediadora e em contato direto com os alunos, indicar as
matérias que contribuam para a compreensão do conteúdo, acarretando na
interação entre os alunos, tirando possíveis dúvidas e motivando a todos na busca
da aprendizagem colaborativa do grupo.

A Implementação do EAD, aos moldes do SCMB, aos residentes da faixa de


fronteira sul-mato-grossense: Uma proposta
A criança, desde cedo, deve ser adequadamente preparada para os desafios
da vida adulta. Dessa maneira, a preocupação dos pais com um ensino de qualidade
requer atenção redobrada, objetivando que o cidadão possa concorrer em condições
de igualdade com os demais, no futuro mercado de trabalho.
Nessa voga, um dado ilustrativo e alarmante caracteriza as limitações do
ensino fundamental, conforme segue: “Mais de 65% dos alunos brasileiros no 5º ano

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da escola pública não sabem reconhecer um quadrado, um triângulo ou um círculo.


[...]” (ÉPOCA, 2015) Diante desse quadro, nos ensino fundamental II e médio,
apresenta-se como alternativa viável o SCMB.
O SCMB é composto por 13 (treze) colégios, assim distribuídos: Porto Alegre,
Santa Maria, Curitiba, Rio de Janeiro, Campo Grande, Juiz de Fora, Brasília, Belo
Horizonte, Salvador, Recife, Fortaleza, Belém e Manaus. Tais estabelecimentos de
ensino, em suas regiões de abrangência, são referência no setor educacional,
atendendo aos dependentes de militares e aos civis selecionados por concurso
público.
2
A educação assistencial remete à gênese e à justificativa do próprio SCMB:
a busca do equacionamento das vicissitudes inerentes à profissão militar, das
dificuldades impostas à família castrense que impactam o moral da tropa.

É neste cenário que se inserem os Colégios Militares, educandários


fortemente ancorados nos valores éticos e morais, nos costumes e nas
tradições cultuados pelo Exército Brasileiro. É deste somatório que emerge
a identidade do Sistema, o diferencial capaz de gerar vínculo, apego e
sentimento de pertença aos Colégios. Como estabelecimentos de ensino
filiados aos códigos do Exército, os Colégios Militares sustentam-se sobre
os mesmos pilares: a hierarquia e a disciplina. Esta peculiaridade, que os
distinguem no todo maior da educação nacional, reforça a imagem que os
Colégios Militares vieram lapidando ao longo de mais de cento e vinte anos:
sua marca particular.

Em termos de Educação a Distância, o Colégio Militar de Manaus (CMM) foi o


pioneiro.
3
O ano de 2002 marcou o início das atividades do Projeto de Educação a
Distância do Colégio Militar de Manaus (EAD/CMM) quando beneficiou 59
alunos em todos os Estados atendidos pelo Comando Militar da Amazônia.
Com a evolução do Projeto EAD, a Seção de Educação a Distância
(SEAD/CMM) expandiu seus limites de atuação para além da jurisdição do
CMA, passando a atender parte do estado do Mato Grosso do Sul (região
de fronteira), sob jurisdição do CMO, e o exterior, o que representou um
salto quantitativo na ordem de quase dez vezes o número de alunos
atendidos, chegando ao ápice de 553 alunos em 2016. Em 2017, 445
alunos foram atendidos pela SEAD/CMM.

De maneira inovadora, soube estabelecer um padrão de excelência em que o


sucesso foi o fruto do comprometimento das Organizações Militares apoiadoras, da
ação dos orientadores e da efetiva participação dos pais dos alunos.

2. Disponível em: <http://www.ead.cmm.eb.mil.br/his.html>. Acesso em 16 de junho de 2019.


3. Disponível em: <http://www.ead.cmm.eb.mil.br/his.html>. Acesso em 09 de julho de 2019.

Corumbá/MS, Brasil. 7 a 9 de outubro de 2019. ISSN. 2178-2245


210

4
Público-Alvo: Filhos e dependentes de militares das Forças Armadas
Brasileiras, com idade entre 10 e 17 anos, que estejam cursando, em
caráter regular, do 6º Ano do Ensino Fundamental ao 3º Ano do Ensino
Médio, cujos responsáveis estejam servindo em áreas pioneiras da
Amazônia ou no Exterior.
Assim sendo, como fator motivador aos pais e alunos que ingressam no
SCMB, as médias dos Colégios Militares, anualmente, são as mais destacadas no
ensino público federal, no ENEM.
Em 2012:
5
Em 2012, 11.239 escolas e 683.389 estudantes participaram do exame,
com destaque para 06 (seis) colégios militares que apresentaram média
geral nas provas objetivas (nas áreas das linguagens, na Matemática, nas
ciências da natureza e nas humanas) dentre as 20 melhores escolas
públicas do país.
6
No dia 26 de novembro, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira (INEP) divulgou o ranking de classificação das
escolas no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) 2012 e, mais uma
vez, o Colégio Militar de Santa Maria (CMSM) foi destaque. O Colégio
passou da 18ª posição para a 8ª, envolvendo as escolas públicas no Rio
Grande do Sul. Esse resultado é muito comemorado, pois representa um
salto de 20 pontos que alavancou o Colégio da 5ª para a 3ª posição no
âmbito das escolas públicas, em comparação com o resultado alcançado
em 2011.

Em 2013:
Em 2013, 14.715 escolas participaram do exame. Dentro do SCMB, dois
Colégios Militares constam da lista das cem melhores do país, entre escolas
da rede pública e privada: Juiz de Fora e Belo Horizonte. No âmbito das
escolas públicas, os Colégios Militares de Juiz de Fora, Belo Horizonte,
Porto Alegre e Salvador apresentaram média geral entre as 20 melhores do
país. Os Colégios Militares de Curitiba, Campo Grande, Fortaleza, Brasília e
Manaus obtiveram o 1º lugar dentre as escolas públicas de seus estados.

Reiterando que a educação é um direito garantido pela Constituição Federal


de 1988, torna-se senso comum que elevar a qualidade do ensino público no Brasil
é uma necessidade imperativa frente aos desafios do desenvolvimento do sistema
educacional.

4. Disponível em: <http://www.ead.cmm.eb.mil.br/his.html>. Acesso em 07 de julho de 2019.


5. Disponível em: <http://www.eb.mil.br/noticias/-/asset_publisher/jWOqZAEImyZg/ content/sistema-
colegio-militar-do-brasil-scmb-se-destaca-no-enem2012/16541?inh eritRedirect=false>. Acesso em 09
de julho de 2019.
6. Disponível em: <http://www.eb.mil.br/exercito-brasileiro?p_p_id=101&p_p_lifecycle=0&p_p
_state=maximized&p_p_mode=view&_101_struts_action=%2Fasset_publisher%2Fview_content&_10
1_returnToFullPageURL=%2F&_101_assetEntryId=3906900&_101_type=content&_101_groupId=114
25&_101_urlTitle=colegio-militar-de-santa-maria-terceiro-lugar-no-ranking-doenem&_101_redirect=ht
tp%3A%2F%2Fwww.eb.mil.br%2Fexercito-brasileiro%3Fp_p_id%3D3%26p_p_lifecycle%3D0%26
p_p_state%3Dmaximized%26p_p_mode%3Dview%26_3_redirect%3D%252F%26_3_cur%3D%26_3
_keywords%3DENEM%26_3_advancedSearch%3Dfalse%26_3_groupId%3D0%26_3_delta%3D20%
26_3_resetCur%3Dfalse%26_3_andOperator%3Dtrue%26_3_struts_action%3D%252Fsearch%252F
search&inheritRedirect=true#.W 1TbJzpKj cc>. Acesso em 11 de julho de 2019.

Corumbá/MS, Brasil. 7 a 9 de outubro de 2019. ISSN. 2178-2245


211

A qualidade do sistema de ensino público, com foco no ensino médio, na faixa


de fronteira do Mato Grosso do Sul e a carência educacional nos municípios
da faixa de fronteira do MS
O Estado do Mato Grosso do Sul está localizado na porção Centro-Oeste do
Brasil. Possui ao norte limite com o estado do Mato Grosso, a nordeste com Goiás e
Minas Gerais, a sudeste com São Paulo e ao sul com o Paraná. Em seu setor leste,
encontra-se sua faixa de fronteira que é composta por 44 municípios7, tendo como
vizinho o Paraguai e a Bolívia.
A qualidade do sistema de ensino público encontra sua primeira barreira na
quantidade elevada de Escolas existentes na região. Segundo o site da
transparência pública do MS, em 2016, existiam 1.745 estabelecimentos de ensino
no estado. Destes, 1.304 eram públicos, ou seja, administrados pelo governo
federal, estadual ou municipal, quer sejam na área urbana ou rural, segundo dados
extraídos do supracitado sítio eletrônico (Tabela 1), conforme segue:

Tabela 1 – Estabelecimentos de ensino no MS


TOTAL GERAL FEDERAL ESTADUAL MUNICIPAL PRIVADA
Total Urbana Rural Total Urbana Rural Total Urbana Rural Total Urbana Rural Total Urbana Rural

1.745 1.497 248 11 9 2 368 315 53 925 737 188 441 436 5
Fonte: Disponível em: <http://www.sed.ms.gov.br/numero-de-escolas-de-mato-grosso-do-sul/>. Acesso
em 12 de julho de 2019

Na grande região fronteiriça, o governo não consegue dar assistência integral


aos seus jovens. Tal carência de ensino público, dentre outros fatores, pode ser
atestada pelo resultado do ENEM8.
O exame foi criado pelo INEP, em 1998, com o objetivo de avaliar o
desempenho do estudante ao fim da escolaridade básica. Os alunos
concludentes do Ensino Médio foram submetidos a provas objetivas, por
áreas do conhecimento, além de uma redação.

7. Disponível em: <http://www.sudeco.gov.br/municipios-faixa-de-fronteira>. Acesso em 17 de junho


de 2019.
8. Disponível em: <http://www.eb.mil.br/noticias/-/asset_publisher/jWOqZAEImyZg/ content/sistema-
colegio-militar-do-brasil-scmb-se-destaca-no-enem-2012/16541?inheritRedirect=false>. Acesso em 08
de julho de 2019.

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212

O artigo em questão contemplou a coleta de dados, via rede mundial de


computadores, das seguintes Escolas Estaduais do MS (Tabela 2):

Tabela 2 – Pontuação das Escolas do MS

Classificação Cidade Escola Pontuação


(ENEM)
26º Amambai EE Dom Aquino Correa 571,68
55º Dourados EE Presidente Vargas 534,18
70º Rio Brilhante EE Fernando Correia da Costa 515,15
76º Três Lagoas EE Fernando Correia 510,94
77º Coxim EE Viriato Bandeira 510,67
78º Naviraí EE Eurico Gaspar Dutra 510,12
80º Fátima do Sul EE Senador Filinto Muller 509,26
82º Amambai EE Dr. Fernando Correia da Costa 508,90
86º Dourados EE Antônia da Silveira Capilé 506,25
93º Dourados EE Prof. Alicio Araújo 503,75
95º Dourados EE Ramona da Silva Pedroso 503,49
96º Glória de Dourados EE Profª. Eufrosina Pinto 502,53
97º Aquidauana EE Cândido Mariano 501,86
99º Guia Lopes da EE Salomé de Melo Rocha 501,57
Laguna
100º Amambai EE Vespasiano Martins 500,89
Fonte: Disponível em: <http://g1.globo.com/mato-grosso-do-sul/noticia/2016/10/veja-100 -escolas-de-
ms-com-maiores-medias-no-enem-2015.html>. Acesso em 04 de julho de 2019.

Dentre as 100 escolas, do MS, primeiras colocadas no Exame, 84 foram do


ensino privado e, além das 15 escolas públicas supracitadas, o CMCG classificou-se
em 7º lugar com 638,41 pontos. Portanto, entende-se que para alavancar o
desenvolvimento do estado, partindo do interior, deve-se propiciar uma melhor
qualidade de ensino público aos jovens.
Paralelamente aos resultados em tela, o governo estadual lançou o Plano
estadual de Educação (PEE-MS/ 2014 - 2024)9: “... de forma a estabelecer um
planejamento sistematizado para a próxima década, ...”, segundo as palavras do

9. Disponível em: <http://www.sed.ms.gov.br/wp-content/uploads/sites/67/2015/05/pee-ms-201 4.pdf>.


Acesso em 14 de julho de 2019.

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213

Governador André Puccinelli e coerente com o Plano Nacional de Educação (PNE) –


Lei n. 13.005, de 25 de junho de 2014.
10
Art. 2º São diretrizes do PNE que orientam as metas e estratégias do
PEE-MS: I - a erradicação do analfabetismo; II - a universalização do
atendimento escolar; III - a superação das desigualdades educacionais, com
ênfase na promoção da cidadania e na erradicação de todas as formas de
discriminação; IV - a melhoria da qualidade da educação; V - a formação
para o trabalho e para a cidadania, com ênfase nos valores morais e éticos
em que se fundamenta a sociedade; VI - a promoção do princípio da gestão
democrática da educação pública; VII - a promoção humanística, científica,
cultural e tecnológica do País; VIII - o estabelecimento de meta de aplicação
de recursos públicos em educação como proporção do Produto Interno
Bruto (PIB), que assegure atendimento às necessidades de expansão, com
padrão de qualidade e equidade; IX - a valorização dos profissionais da
educação; X - a promoção dos princípios do respeito aos direitos humanos,
à diversidade e à sustentabilidade socioambiental.

Dentre as estratégias do PEE-MS para o aproveitamento eficaz do EAD em


âmbito estadual, destaca-se:
11
8.1 garantir aos estudantes em situação de distorção idade-série,
programas com metodologia específica, acompanhamento pedagógico
individualizado, recuperação e progressão parcial, visando à continuidade
da escolarização, de forma a concluir seus estudos, utilizando-se também
da educação à distância, a partir do segundo ano de vigência deste PEE;

9.4. assegurar a oferta gratuita da Educação de Jovens e Adultos (EJA) a


todos que não tiveram acesso à educação básica na idade própria,
utilizando-se, também, da educação a distância, na vigência do PEE-MS;

9.10. assegurar a oferta da EJA, nas etapas do ensino fundamental e do


ensino médio, às pessoas privadas de liberdade nos estabelecimentos
penais, garantindo formação específica dos(as) professores(as) e a
utilização inclusive da educação a distância, até 2019;

9.12. desenvolver e apoiar, técnica e financeiramente, projetos inovadores


de EJA, com a utilização da educação a distância, que atendam às
necessidades específicas desses(as) estudantes, em parceria com
instituições da sociedade civil organizada, na vigência do PEE-MS;

9.13. promover a articulação com empresas públicas e privadas para oferta


das ações de alfabetização e programas permanentes de EJA nessas
empresas, com o apoio das tecnologias de informação e comunicação e da
educação a distância e a flexibilidade na oferta de acordo com o ritmo do(a)
estudante, no prazo de dois anos de vigência deste PEE;

9.20. utilizar os recursos e metodologias da educação a distância,


atendendo os padrões de qualidade e a legislação vigente, na oferta de
cursos de EJA, a partir da vigência deste PEE-MS;

10. Disponível em: <http://www.sed.ms.gov.br/wp-content/uploads/sites/67/2015/05/pee-ms-20


14.pdf>. Acesso em 13 de julho de 2019.
11. Disponível em: <http://www.sed.ms.gov.br/wp-content/uploads/sites/67/2015/05/pee-ms-20
14.pdf>. Acesso em 15 de julho de 2019.

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214

10.2. fomentar, a partir do primeiro ano de vigência do PEE-MS, integração


da educação de jovens e adultos com a educação profissional, em cursos
planejados, inclusive na modalidade educação a distância, de acordo com
as características do público da educação de jovens e adultos e
considerando as especificidades das populações itinerantes e do campo,
povos das águas e das comunidades indígenas e quilombolas;

11.3. oferecer cursos de educação profissional técnica de nível médio, na


modalidade educação a distância, com a finalidade de ampliar a oferta e
democratizar o acesso à educação profissional pública e gratuita, com
padrão de qualidade, a partir do primeiro ano de vigência deste PEE; e

11.6. oferecer cursos de ensino médio gratuito integrado à educação


profissional para as populações do campo, comunidades indígenas e
quilombolas, povos das águas e para a educação especial, por meio de
projetos específicos, incluindo a educação a distância, com vistas a atender
os interesses e as necessidades dessas populações, a partir do primeiro
ano de vigência deste PEE.

Além dos incentivos estaduais elencados nas estratégias supracitadas, para


investimento em EAD, decorre que no Brasil a Organização das Nações Unidas para
a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) apontou, em 2015, a má qualidade
como principal problema da educação12, corroborando com a precariedade da
situação do interior do MS.

Apontado diversas vezes como exemplo positivo, o Brasil conseguiu atingir


as metas de "educação primária universal" e "habilidade de jovens e
adultos", mas ainda precisa avançar para melhorar a qualidade do ensino e
diminuir os índices de analfabetismo. Treze milhões de brasileiros não
sabem ler nem escrever, o que faz do Brasil o oitavo país com maior
número de analfabetos. "O grande nó crítico do país é a qualidade da
educação, especialmente em relação ao aprendizado. O aluno está na sala
de aula, mas não aprende. É uma exclusão intraescolar: 22% dos alunos
saem da escola sem capacidades elementares de leitura e 39% não têm
conhecimentos básicos de matemática. De qualquer maneira, não podemos
negar os grandes avanços que o Brasil apresentou", afirma Maria Rebeca
Otero, coordenadora de educação da UNESCO no Brasil.

Diante do exposto, será apresentada uma proposta de implementação da


Educação a Distância na rede pública, da faixa de fronteira sul-mato-grossense, aos
moldes do SCMB, contribuindo para a busca pela excelência do processo de ensino-
aprendizagem, na região em tela.

12. Disponível em: <https://www.terra.com.br/noticias/educacao/unesco-aponta-ma-qualidade-como-


principal-problema-da-educacao-no-brasil,6a8520cd9b3d3410VgnCLD2000000dc6eb0aRCRD.html>.
Acesso em 11 de julho de 2019.

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215

Uma proposta de implementação de EAD, aos moldes do SCMB, aos civis da


faixa de fronteira do Mato Grosso do Sul
O Colégio Militar de Manaus (CMM) abrange um efetivo de mais de 500
alunos, conforme o sítio eletrônico do estabelecimento de ensino, em 08 (oito)
estados do território brasileiro.13Ainda, no exterior, recebe filhos de militares que
servem nas diferentes missões do Exército Brasileiro.
Com o modelo em questão, do SCMB, especificamente do CMM, será
apresentada a proposta de EAD, para o ensino público e para o emprego em nível
estadual, aos civis residentes na faixa de fronteira do MS, com foco no ensino
médio.
No CMM, o material didático é fornecido aos alunos impresso, remetido pelos
Correios, e em mídia, com um chip tipo cartão SD/MMC/MS para inserção em
Desktops e Notebooks. Ainda, no Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA), no site
do Colégio, por meios de vídeos e outros materiais digitais, além da interação com
os tutores e professores via fórum de dúvidas, Skype e por e-mail. Simultaneamente,
o contato telefônico abrange mais uma possibilidade de contato.
Conforme destacado anteriormente, o trinômio interativo aluno-professor-tutor
é de grande importância e salientado junto aos Fóruns14, conforme destacado na
sequência, e desta maneira procura-se obter o máximo rendimento escolar. Além
disso, o constante contato entre pedagogos e pais beneficia a transparência no
andamento dos objetivos escolares, por parte dos filhos e dependentes.
Fórum - essa é uma atividade muito importante, que tem por objetivo a
apresentação e socialização dos discentes do curso. Faça sua
apresentação pessoal e conheça os demais alunos, inclusive os
tutores/professores, pois eles irão auxiliá-lo nas suas dúvidas, no decorrer
do ano letivo de 2018. Também pode ler as mensagens dos outros alunos,
e se quiser faça um comentário. Ao final de cada mensagem, aparecem 4
links, cada um deles irá levá-lo(a) para uma condição diferente. Não se
preocupe, clique sem medo, pois não irá apagar nada.

A carga horária semanal do Ensino Médio é de 26 horas e abrange as


seguintes matérias:
a. Língua Portuguesa: 5 horas (1º ao 3º ano); b. Literatura: 2 horas (1º ao 3º
ano); c. Matemática: 5 horas (1º ao 3º ano); d. História: 2 horas (1º ao 3º
ano); e. Geografia: 2 horas (1º ao 3º ano); f. Biologia: 4 horas (1º ao 3º ano);

13. Disponível em: <http://www.ava.cmm.eb.mil.br/eadcmm/pluginfile.php/2447/mod_resource


/content/1/Palestra%20EAD.pdf>. Acesso em 07 de julho de 2019.
14. Disponível em: <http://www.ava.cmm.eb.mil.br/eadcmm/pluginfile.php/2425/mod_resource
/content/3/Orientacao%20e%20Instrucoes%20para%20inserir%20FOTO%20e%20participar%20de%
20FORUM.pdf>. Acesso em 07 de julho de 2019.

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g. Física: 3 horas (1º ao 3º ano); h. Química: 3 horas (1º ao 3º ano); i.


Inglês: 2 horas (1º ao 3º ano); j. Filosofia: 1 hora (1º ao 3º ano); e l.
Sociologia: 1 hora (1º ao 3º ano).

Visando comprovar o nível de aprendizagem do aluno, as avaliações são:


AVALIAÇÃO PARCIAL (AP): Avaliação online elaborada com conteúdos
específicos e serve como preparo para a Avaliação de Estudo. AVALIAÇÃO
DE ESTUDO (AE): Avaliação escrita, realizada ao final do trimestre letivo,
elaborada com conteúdos específicos e que exigem maior preparo para
realização, pois considera todo o conteúdo estudado no período.
RECUPERAÇÃO DA APRENDIZAGEM (RA): Avaliação online, paralela e
contínua, realizada após a consolidação das AP, com a finalidade de
recuperar a aprendizagem daqueles que, eventualmente, não tenham
atingido a necessária para aprovação.

A aprovação é considerada caso o aluno atinja média de nota final ou nota


final recuperada igual ou superior a 5,0 (cinco) (Quadro 1).

Quadro 1 – Cálculo de Notas

Fonte: Defesa (2017, p. 46).

No processo de ensino em questão é de suma importância destacar o papel


do Ambiente Virtual de Aprendizagem que engloba não só o material didático, como
a possibilidade de interação entre os diversos atores do curso, a realização das
avaliações online supracitadas e a respectiva sala de aula virtual.
De fato, hoje em dia, o grande desafio do estudante a distância é dinamizar e
organizar o seu tempo. Nesse aspecto, avulta de relevância a tal autonomia do
aluno em EAD, abordada no capítulo anterior deste artigo:
15
O primeiro grande passo para quem quer melhorar seus estudos é
reorganizar o seu tempo. Tempo para brincar, para se reunir com os
colegas e amigos, para usar a internet e tantas outras coisas. Tudo isso

15. Disponível em: <http://www.ava.cmm.eb.mil.br/eadcmm/pluginfile.php/2446/mod_resource/con


tent/1/Guia%20de%20Estudos%20do%20Aluno%20-%202018.pdf>. Acesso em 09 de julho de 2019.

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sem se esquecer do mais importante: aproveitar cada instante com sua


família e para estudar. A maneira mais prática de “descobrir” tempo para
estudar consiste em fazer uma tabela com os dias, horas e as atividades
que você possui. A partir daí, você reserva os seus horários, priorizando os
seus estudos.

Além disso, o ensino nacional assumiu um caráter assistencial e vem


combatendo o fracasso escolar, sendo inclusivo e utilizando a ferramenta de ensino
por competências, especialmente no SCMB. Isso resulta, no CMM, em orientações
específicas por disciplina e área do conhecimento, conforme discriminado nas
Normas de Funcionamento do Curso Regular de Educação a Distância do Colégio
Militar de Manaus16:
9.1. CIÊNCIAS FÍSICAS E BIOLÓGICAS, BIOLOGIA, QUÍMICA E FÍSICA:
1) Deverá ser buscada a contextualização dos conteúdos aprendidos por
meio de práticas laboratoriais (laboratório virtual), palestras e visitas. 2)
Dever-se-á possibilitar ao aluno maior compreensão dos fenômenos
naturais, com vídeo aulas teóricas, fixação dos conteúdos com exercícios
ou outros recursos disponíveis e práticas relacionadas ao conteúdo do ano;
e 3) Deve-se buscar um melhor aprendizado enfatizando conhecimentos
que ampliem o horizonte na inter-relação desta ciência com outras e sua
aplicabilidade no cotidiano;
9.2. GEOGRAFIA E HISTÓRIA: 1) O estudo da história do Brasil deve ser
aproveitado para a compreensão das diferenças regionais, reforçar o
orgulho por nosso passado, valorizar os nossos heróis e os nossos feitos,
avaliar o nosso imenso potencial de recursos naturais, razão da confiança
no futuro, valorizar a democracia em contraposição a qualquer regime
totalitário, compreender as contribuições das diferentes culturas e etnias
para a formação do nosso povo. 2) Todas as oportunidades devem ser
aproveitadas para destacar os vultos e os feitos do Exército Brasileiro,
assim como para ressaltar a participação da Força na História do Brasil,
remota e recente, enaltecendo a contribuição da Instituição à consolidação,
preservação e manutenção da integridade do nosso território e da
integração nacional, e mostrar a permanente identificação com os legítimos
anseios do povo brasileiro. 3) Além disso, procura a utilização de
modelismo; a realização de pesquisas na rede mundial de computadores; o
aproveitamento de meios audiovisuais; um programa de visitas a sítios
históricos, museus, monumentos, bibliotecas e exposições e apresentações
culturais que possam fazer encenações e simulações de fatos históricos.
Todas essas atividades podem servir de instrumentos para avaliações. 4)
Os alunos devem ser estimulados a utilizar os atlas geográficos e históricos,
para permitir compreender o significado de certos termos empregados e
saber buscar as informações nos documentos. 34 5) Deverá haver o
cuidado com temas polêmicos, caso a abordagem não seja feita de acordo
com as diretrizes da DEPA, o que poderá causar algum constrangimento ao
entrar em proselitismo político e ideologias partidárias.
9.3. LÍNGUA ESTRANGEIRA MODERNA (Inglês): 1) As avaliações serão
confeccionadas integralmente na língua estrangeira, sendo vetado o uso de
questões ou respostas em língua portuguesa. 2) No que tange às
Avaliações de Estudo (AE), o modelo de avaliação Escolar deverá ser mais
flexíveis quanto à formatação das provas, de forma a aproximá-las do tipo

16. Disponível em: <http://www.ava.cmm.eb.mil.br/eadcmm/pluginfile.php/179/mod_resource/con


tent/6/Normas%20para%20Funcionamento%20do%20CREAD%20-%202018.pdf>.Acesso em 10 de
julho de 2019.

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de trabalho desenvolvido no material didático.


9.4. LÍNGUA PORTUGUESA E REDAÇÃO: a. Máxima prioridade deve ser
dada ao desenvolvimento da capacidade de leitura e de produção textual,
bem como da expressão oral. b. Tanto a escrita quanto a reescrita devem
ser valorizadas. A reescrita não pode se transformar em um texto do
professor. O aluno deve ser conduzido a reescrever a redação, e não
meramente a transcrever as correções apontadas. Por isso, é importante
que, logo no início do ano letivo, os alunos tomem conhecimento dos
parâmetros de correção e comecem a aprender o que é coesão, coerência
e gramaticalidade, bem como o que é fuga ao tema, má apresentação e
ausência de texto. c. aproveitar todas as atividades curriculares e
extracurriculares (feiras de ciências, olimpíadas, visitas a sítios históricos,
PCI, formaturas, solenidades, datas festivas, dentre outras) para estimular
os alunos à leitura e à produção de textos sobre esses eventos, propondo
os temas com antecedência para facilitar a pesquisa, caso ocorram e,
sendo sempre de forma voluntária, informando ao SEAD/CMM.
9.5. MATEMÁTICA: 1) A utilização de meios auxiliares deve ser estimulada
para despertar no aluno o gosto pela disciplina, enfatizando, assim, o ensino
contextualizado, o qual visa atenuar a dificuldade do aprendizado dos
alunos com menor habilidade com números e /ou com dificuldades na visão
espacial e que apresentem menor grau de abstração. 2) A utilização de um
laboratório virtual de matemática será buscada para dinamizar as aulas e
facilitar o processo de ensino-aprendizagem da disciplina. 35
9.6. SOCIOLOGIA/FILOSOFIA: 1) Especial atenção deverá ser dada ao
ensino dos temas relacionados às disciplinas Filosofia e Sociologia, pois,
caso a abordagem não seja feita de acordo com as diretrizes da DEPA,
poderá causar algum constrangimento ao entrar em proselitismo político e
ideologias partidárias. Contudo, nas disciplinas que trabalham as Ciências
Humanas, isto é comum, pois tratam de assuntos caros à própria existência
humana. Assim, é fundamental que o tutor discuta o texto em seu devido
contexto, problematizando a escrita didática de acordo com o sentido de
verdade proposto pelo texto, tendo o cuidado para não serem levantados
temas polêmicos. 2) Estas disciplinas devem proporcionar aos alunos uma
formação conceitual que potencialize suas capacidades cognitivas,
permitindo-lhes avaliar e julgar a realidade na qual estão inseridos, bem
como incentivar o desenvolvimento das suas competências e habilidades. 3)
Os tutores de filosofia e sociologia deverão, visando a enriquecer o
aprendizado, indicar filmes que estejam relacionados aos temas a serem
estudados.

Desta maneira, para que a dinâmica de ensino exposta seja fator de sucesso
no ensino público, é necessário o comprometimento do Diretor de ensino da Escola,
devendo: “Acompanhar o desenvolvimento do curso e o desempenho do aluno por
meio de informações prestadas pelo Coordenador e orientador designado”; do
Coordenador Pedagógico, “Recebendo as publicações, provas e outros documentos,
acusando o recebimento e distribuindo ao orientador.”; do Orientador, como: “O
responsável, perante a escola, pela condução das atividades administrativas e
pedagógicas”; do Tutor, que é “O professor que atua na tutoria de educação a
distância”; e do Pai responsável, através do incentivo e estímulo ao jovem nas
ocasiões em que a sua autonomia requerer maior dedicação e organização para
atingir os objetivos impostos pelos professores.

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Nesse diapasão, com os relevantes e já consagrados modelos apresentados


em funcionamento no âmbito federal, com o SCMB, bastaria o Governo Estadual
adquirir o know how necessário para implementar um projeto piloto nos munícipios
menos assistidos da fronteira sul-mato-grossense. Tal projeto, no mesmo sentido do
PEE-MS, poderia visar o EJA mencionado nas Estratégias para até 2019, do mesmo
documento. Ademais, não obstante o EAD, poderiam ser aulas de caráter híbrido,
combinando ensino presencial e a distância, como já consagrado em
estabelecimentos de ensino particulares, em que um professor ministra aula por
videoconferência para estudantes, do ensino semipresencial, espalhados em
diversos polos distantes geograficamente. Paralelamente, com fulcro de redução de
custos, as questões atinentes à distribuição do material didático poderiam ser
facilmente sanadas por meio da ferramenta Google Docs, em que bastaria que o
estudante tivesse um endereço de e-mail do Gmail para acesso as pastas de
conteúdos preparadas pelos Tutores, conforme as matérias do respectivo ano letivo.
Com isso, foi proposta uma eficaz solução ao ensino público do MS, de
renomada qualidade, através de um modelo consagrado pelo CMM, cuja extensão
permitirá atender estudantes do ensino médio, da faixa de fronteira sul-mato-
grossense, cujo sucesso dependerá do comprometimento coletivo com os alunos.

Considerações Finais
De forma efetiva, foi evidenciada a gradual diferença de rendimento escolar,
conforme o ENEM, do SCMB e das Escolas do MS. Foi destacado que o CMCG
figurou como a 5ª melhor Escola Pública, no resultado por escolas de “grande porte”
e “muito alto” nível socioeconômico, do ENEM 201517. Destas, 14 estão na faixa de
fronteira18, de acordo com o Programa de Promoção do Desenvolvimento da Faixa
de Fronteira, e serviram para compor este estudo.
Verificou-se que o EAD no Brasil surgiu no início do século XX e, atualmente,
encontra-se em plena difusão. Nesse sentido, o trinômio aluno-professor-tutor impõe
uma mútua relação para maior aproveitamento e rendimento escolar, com desta
para a aprendizagem colaborativa. Tal fato, na atual era digital, em que combinamos

17. Disponível em: <http://download.inep.gov.br/educacao_basica/enem/enem_por_escola/2015


/apresentacao_enem_por_escola_2015.pdf>. Acesso em 02 de julho de 2019.
18. Disponível em: <http://www.mi.gov.br/c/document_library/get_file?uuid=e5ba704f-5000-43df-bc8e-
01df0055e632&groupId=10157>. Acesso em 03 de julho de 2019.

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informática com meios de comunicações, além de aulas presenciais e a distância,


cresce de importância para que a interação construtiva ocorra no ambiente virtual.
Observou-se que os Colégios Militares, anualmente, obtêm posições
destacadas junto ao ENEM, em comparação com escolas públicas e privadas, tanto
em âmbito regional quanto nacional. Além disso, o pioneirismo do Colégio Militar de
Manaus no EAD, dando assistência aos dependentes de militares residentes nas
faixas de fronteira, consolida a proposta apresentada neste artigo, desde que exista
o comprometimento das Escolas, dos pais dos alunos e de seus orientadores
(tutores).
Não obstante, ainda no que concerne a questão do crescimento educacional
no país, por região, o Centro-Oeste, historicamente, ocupa posição intermediária
entre os estados do eixo Sul-Sudeste e do Norte-Nordeste. Diante do exposto, foi
demonstrado com o PNE e o PEE-MS que, para a política de ensino atual, a
Educação a Distância, em âmbito nacional e, consequentemente, regional, possui
elevado prestígio e priorização, em termo de planos e estratégias até 2024.
Em síntese, este artigo apresentou um EAD, em nível médio e de alta
qualidade, visando alavancar o MS como referencial no ensino público brasileiro.
Paralelamente, o artigo concluiu sobre a qualidade do sistema de ensino público do
MS, com foco no ensino médio, na faixa de fronteira. Ainda, apresentou uma
proposta de implementação de EAD, conforme o SCMB, aos civis, abrindo as portas
para um ensino de qualidade na Região.
Por fim, por meio deste artigo e da proposta apresentada, ficou comprovado o
possível benefício que a adoção do EAD, aos moldes do SCMB trará para a Região
fronteiriça do MS, no aspecto do crescimento educacional, culminando em médio
prazo com o desenvolvimento regional, contrastando positivamente em relação aos
demais estados brasileiros.

Referências

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Disponível em: <https://sirireporter.wordpress.com/2013/03/07/turismo-sul-mato-
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Disponível em: <http://epoca.globo.com/ideias/noticia/2015/01/bo-ensino-publico-no-
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Disponível em: <http://www.anpae.org.br/IBERO_AMERICANO_IV/GT1/GT1_
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junho de 2019.

VALENTE, J. Armando. Aprendizagem continuada ao longo da vida: o exemplo


da terceira idade. São Paulo: Cortez, 2001.

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BILINGUISMO NA EDUCAÇÃO DE SURDOS NA FRONTEIRA BRASIL-BOLÍVIA:


ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Bilisguism in Deaf Education on the Brazil-Bolivia Border: Some Consideration
Bilingüismo en Sordos Educación sobre la Frontera Brasil-Bolivia: Algunas
Consideraciones

Lineise Auxiliadora Amarílio dos Santos


Cláudia Araújo de Lima

Resumo: Este artigo aborda o bilinguismo na educação de surdos na fronteira


Brasil–Bolívia. Apesar dos avanços históricos na educação de surdos no que diz
respeito ao reconhecimento e valorização da língua de sinais e da adoção da política
linguística bilíngue observamos aspectos ainda não efetivados na educação
bilíngue. Este estudo pretende analisar o contexto formal de aquisição da Língua de
Sinais e da Língua Portuguesa como segunda Língua nas escolas de Corumbá. É
um estudo bibliográfico e documental onde discutiremos as categorias Bilinguismo,
Fronteira, Surdez e Língua de Sinais – AEE.
Palavras-chave: Bilinguismo –Fronteira – Língua de Sinais – Surdez – Atendimento
Especializado.

Abstract: This article approaches bilingualism in the education of the deaf in Brazil -
Bolivia border. Despite the historical advances in the education of deaf people
regarding the recognition and valorization of sign language and the adoption of
bilingual linguistic politics, we have observed aspects not yet effective in bilingual
education. This study intends to analyze the formal context of acquisition of the Sign
Language and Portuguese Language as the second Language in the schools of
Corumbá. It is a bibliographic and documentary study where we will discuss the
categories Bilingualism, Border, Deafness and Sign Language.
Keywords: Bilingualism - Frontier - Sign Language – Deafness.

Resúmen: Este artículo aborda el bilingüismo en la educación de sordos en la


frontera entre Brasil y Bolivia. A pesar de los avances históricos en la educación de
las personas sordas con respecto al reconocimiento y la valorización del lenguaje de
señas y la adopción de políticas lingüísticas bilingües, hemos observado aspectos
que aún no son efectivos en la educación bilingüe. Este estudio pretende analizar el
contexto formal de adquisición de la lengua de signos y la lengua portuguesa como
segunda lengua en las escuelas de Corumbá. Es un estudio bibliográfico y


Graduada em Pedagogia, especialista em Tradução Interpretação e Docência em Libras. Professora
Formadora da Coordenadoria Regional de Ensino de Corumbá e Ladário. E-mail:
lineiseamarilio@yahoo.com.br

Graduada em Pedagogia, especialista em Processos Educacionais na Saúde com ênfase em
Tecnologias. Mestre e Doutora em Saúde Pública. Professora da Universidade Federal de Mato
Grosso do Sul –Campus do Pantanal no Programa de Pós-Graduação em Educação – Área de
Concentração: Educação Social. Coordenadora e Pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas
Interdisciplinares em Políticas Públicas, Direitos Humanos, Gênero, Vulnerabilidades e Violências –
NEPI/ Pantanal. E-mail: claudia.araujolima@gmail.com

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documental en el que discutiremos las categorías Bilingüismo, Frontera, Sordera y


Lenguaje de Señas.
Palabras-Clave: Bilingüismo - Frontera - Lenguaje de Señas – Sordera.

Introdução
Historicamente o bilinguismo na educação de surdos surgiu em oposição às
filosofias Oralista e de Comunicação Total nas décadas de 1960 e 1970, onde a
primeira tentava impor a comunicação oral às pessoas surdas e a segunda era uma
mistura de ambas, ou seja, da fala e dos sinais. Estas filosofias representaram o
pensamento da maioria ouvinte, e a concepção clínico-terapêutica da surdez que
efetivamente, não atenderam às especificidades das pessoas surdas ocasionando-
lhes inúmeros atrasos no seu desenvolvimento.
A adoção do bilinguismo na década de 1980 no Brasil, foi decorrente da
organização e luta da comunidade surda que não aceitou que a educação de surdos
fosse parte da política da Educação Inclusiva, passando a exigir o reconhecimento
da língua de sinais, a valorização da cultura e identidade surda.
Pesquisas linguísticas como a de Ferreira-Brito (1993), contribuíram
significativamente para a valorização da língua de sinais para a comunicação entre
pessoas surdas e ouvintes assim como para a valorização da cultura e da identidade
surda.
A Lei 10436/2002, conhecida popularmente como Lei de Libras, oficializou a
língua de sinais no Brasil e o Decreto Nº 5626/2005, regulamentou esta lei e apontou
caminhos para a efetivação da política bilíngue, na medida em que definiu
atribuições às instituições de ensino pertencentes às três esferas governamentais,
no que diz respeito à formação de professores bilíngues; profissionais
especializados entre os quais tradutores intérpretes de libras e instrutores surdos;
Atendimento Especializado aos estudantes surdos com a oferta da Língua de Sinais
como língua de instrução, e da Língua Portuguesa escrita na modalidade de
segunda língua nas instituições de ensino desde os níveis mais elementares.
O Relatório sobre a Política Linguística de Educação Bilíngue – Língua
Brasileira de Sinais e Língua Portuguesa (BRASIL, 2014) também corroborou na
definição dessa política linguística reiterando as estratégias e ações necessárias
para a sua efetivação no que diz respeito à valorização da língua da identidade

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surda e da cultura, difusão da língua de sinais na sociedade, formação de


profissionais especializados para atuar nesse contexto.
É inegável que houve avanços históricos no que diz respeito à política
educacional das pessoas surdas, apesar dos retrocessos quanto ao reconhecimento
da língua de sinais, da cultura e identidade das pessoas surdas, a exemplo do
Congresso de Milão, na Itália, que em 1880, proibiu o uso da língua de sinais por
praticamente um século no mundo todo.
No Brasil, apesar desse aparato legal e decorrido quase duas décadas da Lei
Nº 10436/02 e do Decreto Nº 5626/05, observamos aspectos ainda não efetivados,
apesar da mobilização nacional para implantar esses instrumentos indispensáveis à
efetivação da política bilingue. Podemos citar alguns deles entre os quais: inclusão
da disciplina de Libras no currículo dos cursos de formações professores nos cursos
de Licenciatura e Fonoaudiologia nas Instituições Federais de Ensino; exames de
Certificação Nacional de Proficiência em Libras (PROLIBRAS); criação dos Centros
de Capacitação de Profissionais da Educação e de Atendimento às Pessoas com
Surdez (CAS) que corroboraram para a efetivação da política de formação, assim
como as Associações representativas da comunidade surda entre outros. Em Mato
Grosso do Sul isso ficou evidenciado na medida em que acompanhei de perto o
percurso da educação de surdos, por estar atuando nesse contexto e participar da
comunidade surda de fronteira.
O objetivo deste trabalho é analisar o contexto formal de aquisição da Língua
de Sinais e da Língua Portuguesa como segunda Língua nas escolas de Corumbá.

Metodologia
Esta pesquisa utilizou ferramentas pesquisa documental e bibliográfica.
Conforme Reis (2016, p.60) a análise documental representa uma fonte natural de
informação, que pode ser revisado pelo pesquisador dando mais estabilidade aos
estudos. É uma pesquisa qualitativa e exploratória, onde além da pesquisa
documental foi feita uma análise bibliográfica de artigos e dissertações que abordam
a temática sobre o bilinguismo na base de dados Scielo e Redalyc.

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Bilinguismo na educação de surdos na fronteira Brasil-Bolívia


Inicialmente é necessário considerar que o bilinguismo na Bolívia iniciou no
ano de 2010 a partir do reconhecimento da LSB – Lengua de Señas Boliviana pelo
Decreto Supremo nº 0328, pelo presidente Evo Morales Ayma, sendo implantada a
educação bilíngue- bicultural dos surdos. Bolívia (2010)
Conforme o Decreto Nº 0328 no artigo 3:
“Se reconoce la Lengua de Señas Boliviana como médio de comunicación
de las personas sordas, que les permite participar activamente em los
diferentes niveles de la sociedade, dentro del marco legal y el derecho a la
inclusión en su conjunto y aceder a información.”

A partir dessa lei um breve percurso histórico pela educação de surdos da


Bolívia evidencia avanços semelhantes aos do Brasil, como surgimento Centro de
Investigação de Lengua de Señas Boliviana. Anteriormente, a partir do ano de 1932
foi criado o primeiro Centro para Sordos assim como associações de intérpretes de
Lengua de Señas, em cidades como Cochabamba, Sucre, Santa Cruz e La Paz
entre outras.
O Decreto Supremo nº 0328 também define a educação bilingue–bicultural e
estratégias necessárias para a implantação da educação de surdos:
“Crear condiciones lingüísticas y educativas en la escuela,
involucrando en el proceso desde el portero hasta el director.•
Promover el uso de la LSB en todos los estamentos de la comunidad
educativa.• Involucrar a los familiares en todo el proceso educativo.•
Definir y dar significado al papel de la LSB.• Apoyar el
empoderamiento de los Sordos.• Crear recursos didácticos visuales.•
Involucrar a los Sordos en todo el proceso educativo (co-
responsabilidad).• Preparar a los docentes en educación bilingüe,
teórica y prácticamente.• La educación bilingüe - bicultural debe estar
inscrita en el Plan Educativo Institucion”. BOLÍVIA (2010).

Esses instrumentos necessários à construção da educação bilíngue-bicultural,


também estão presentes na proposta bilíngue para a educação de surdos do Brasil.
Dito isto, podemos considerar que a proposta de Educação Bilingue é um
caminho a ser construído pelos países vizinhos Brasil-Bolívia.
QUADROS (2006 p. 13) afirma que o contexto bilingue da criança surda é
marcado pela coexistência da língua brasileira de sinais e da língua portuguesa.
Na fronteira Brasil-Bolívia pode-se considerar que a identidade e cultura surda
foram construídas historicamente na convivência entre os usuários da língua de
sinais nos contextos escolar e social, conforme ainda salienta Stroebel (2008, p.19):
“que um ser humano, em contato com o seu espaço cultural, reage cresce e

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desenvolve, a sua identidade, isto significa que os cultivos que fazemos são
coletivos e não isolados”.
Para o espaço da fronteira Brasil-Bolívia que nesse ponto, direciono o olhar,
considerando que as relações aqui existentes, são de proximidade em diversos
espaços, o que caracteriza a própria ambiguidade que o conceito de fronteira traz
em si. Apesar da divisão territorial entre os países é observado que existe uma
aproximação entre os integrantes da comunidade surda. A fronteira, portanto, é
contraditória na medida em que aproxima e separa.
A afirmação de Costa & Oliveira (2012), onde a fronteira é de fato, vivida por
seus habitantes como um espaço contínuo de tráfego de pessoas, mercadorias,
conhecimentos e tradições, ou seja, são coletividades que se vinculam através da
linha divisória entre os países, contextualiza esse aspecto.
Isso se evidencia nos indivíduos pertencentes à comunidade surda da região
de fronteira que constantemente adentram o território brasileiro e boliviano, de
acordo com a necessidade e interesses comuns: frequentar escolas, trabalho, lazer,
convivência com os seus pares.
Na fronteira Brasil-Bolívia, faz parte do cotidiano do aluno boliviano estudar
em escolas brasileiras principalmente pela existência do Acordo Bilateral entre o
Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da Republica da Bolívia,
aprovada internamente pelo Decreto Legislativo n. 64, de 18 de abril de 2006, e
promulgado pelo Decreto n.64, de 18 de abril de 2006, e promulgado pelo Decreto n.
6737, de 12 de janeiro de 2009, estabeleceu as normas para:
“permissão de residência, estudo e trabalho a nacionais fronteiriços
brasileiros e bolivianos” e que permite em seu art. 1º, “o ingresso,
residência, estudo, trabalho, previdência social e concessão de documento
especial de fronteiriço a estrangeiros residentes em localidades fronteiriças”.
O documento necessário para o ingresso e permanência legal de bolivianos
no Brasil é conhecido como “documento especial fronteiriço”, que propicia a
figura legal do “cidadão fronteiriço” e possibilita que ele estude e/ ou
trabalhe na cidade de Corumbá, no Brasil.

Os estudantes surdos residentes em Puerto Quijarro, a aproximadamente


cinco quilômetros de Corumbá, aprendem a Libras em escolas de Corumbá e no
convívio comunidade surda local.
HANNERZ (1997), nos traz os conceitos de Fronteiras e Limites como um
espaço de contatos e interações, ao invés de marcar culturas isoladas, assim como
o conceito de Híbridos que nos possibilita enxergar a realidade fronteiriça como uma
fenômeno original de transculturação, “tornando mais complexa a tendência

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essencialista de ver a cultura apenas como marcador de grupos, separando-os de


forma absoluta.”
Partindo dessa afirmação, podemos considerar que essa proximidade
linguística e cultural entre os surdos brasileiros e bolivianos não é dissipada pela
divisão territorial, pois essa proximidade emerge cotidianamente na estreita relação
nos contextos escolar e social. Os usuários da língua de sinais poderão apresentar
diversas identidades em diversos momentos da sua vida estando às mesmas
ligadas ao processo de aquisição da língua de sinais, a proximidade com a
comunidade surda e ouvinte assim como diversos outros fatores.
Como o bilinguismo se evidencia no espaço formal de aquisição das duas
línguas: a Língua de Sinais e a Língua Portuguesa como segunda Língua?
O Decreto Nº 5626/2005, no art.22 do capítulo VI, já discorre sobre as
escolas e classes bilíngues. Posteriormente, o espaço bilíngue está definido no
documento do MEC (2007), que orienta o atendimento especializado (AEE), na
perspectiva da Educação Inclusiva para a pessoa surda. Esse atendimento deve
acontecer nas Salas de Recursos Multifuncionais. O AEE deve prever três diferentes
momentos de aprendizado nesse contexto: O ensino em Libras, o ensino da Libras e
o ensino da Língua Portuguesa escrita para os estudantes surdos. Segundo este
documento os atendimentos devem ocorrer em sala de ensino comum, no
contraturno, assegurando aquisição de todos os conhecimentos dos diferentes
conteúdos curriculares, o conhecimento dos diversos conteúdos curriculares e as
especificidades da língua de sinais.
O ensino em Libras e o ensino da Libras, previsto no documento sobre o
AEE, enfatizam a prioridade para o professor/instrutor surdo. Além desses tempos
de aprendizagem, orienta-se que a organização didática deve privilegiar os recursos
visuais, pois estes favorecem a abstração dos estudantes surdos, o planejamento
em conjunto por todos os profissionais que trabalham com os surdos, assim como
propostas pedagógicas que atendam as diferenças.
A aquisição da Língua Portuguesa na modalidade escrita pelo estudante
surdo prevista na educação bilingue, apresenta um grau de dificuldade semelhante
ao de uma língua estrangeira. Essa dificuldade justifica-se por ser ela de uma
modalidade diferente da língua gestual-visual. Todavia o estudante surdo tem
condições de desenvolver-se e produzir um texto com coerência desde que tenha
pleno conhecimento da língua de sinais. Para que isso ocorra, o processo de

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aquisição da primeira língua, a Língua de Sinais, deve iniciar desde a primeira


infância.
O percurso histórico educacional dos surdos na fronteira Brasil-Bolívia
evidencia que a maioria deles ingressou tardiamente na escola. Atualmente já
encontramos estudantes surdos inseridos na Educação Infantil, o que há bem pouco
tempo atrás não ocorria.
Observa-se aí a importância das crianças surdas terem contato com uma
língua em que possa se expressar, sendo a língua de sinais o instrumento para o
seu desenvolvimento emocional, psicológico e social. Conforme Santana (2015), “ a
língua de sinais, por sua modalidade gestual-visual, é a língua propícia para o surdo
estabelecer relações sociais, manifestar-se culturalmente e construir sua própria
identidade”.
É necessário enfatizar que a grande maioria das crianças surdas nasce numa
família de ouvintes. A recomendação é que a criança surda esteja inserida em um
ambiente linguístico que favoreça a aquisição da Língua de Sinais
Segundo (BOTELHO, 2005 p.111) “[...] a educação bilingue para surdos
propõe a instrução e o uso em separado da língua de sinais e do idioma de seu país,
de modo a evitar deformações de uso simultâneo.
De acordo com Lodi (2013),
“Trabalhar com a abordagem bilíngue para surdos pressupõe o
conhecimento aprofundado das duas línguas envolvidas no
processo; porém, é importante não o reduzir apenas às questões
gramaticais e estruturais dessas línguas. Devemos dar a elas a
importância que cada uma tem na construção de conceitos e
formação social da mente.[...] O bilinguismo é muito mais do que a
exposição a duas línguas: é parte de um projeto maior de
empoderamento do surdo e propicia que o papel da escola seja
cumprido na construção de conhecimento e na constituição
autônoma dos estudantes.”

Portanto é fundamental que haja profissionais bilíngues atuando nesse


contexto e de preferência profissionais surdos, para que identidade cultural surda
seja referência aos estudantes e não apenas o aspecto gramatical da língua de
sinais.
Fernandes (2006) apud Santana (2015) esclarece que a educação
bilíngue impõe a necessidade de um novo olhar sobre o surdo, assim como a
transformação “da situação monolíngue da escola, fundada na língua portuguesa”,
representando ainda um projeto utópico para a maioria das escolas.

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O município de Corumbá em Mato Grosso do Sul, conta com esses


espaços de aprendizado a partir do ano de 2005 a 2010, onde foram instalados nas
escolas públicas estaduais e municipais. Segundo o Plano Municipal de Educação
de Corumbá (2015-2025), as SRM foram implantadas para apoiar a oferta do AEE
mediante parceria entre a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização,
Diversidade e Inclusão (SECADI) e os municípios mediante envio de recursos
pedagógicos e acessibilidade a equipamentos tecnológicos para equipar a SEM.
De acordo com o Plano Municipal de Educação de Corumbá/MS (2015 a
2025) existem dezesseis distribuídas nas Redes Estadual e Municipal de Ensino,
sendo sete salas na Rede Estadual e nove na Rede Municipal. Nesse espaço os
estudantes surdos devem adquirir a Língua de Sinais (L1) e a Língua Portuguesa
(L2). No ano de 2018, foi verificado que a Rede Estadual de Corumbá dispõe de
duas Salas de Recursos Multifuncionais (SRM). A Rede Municipal de Ensino dispõe
de sete salas.
Os estudantes surdos brasileiros e bolivianos residentes nas cidades de
Corumbá, no lado brasileiro e Puerto Quijarro, do lado boliviano, que estudam nas
escolas do lado brasileiro e que frequentam o AEE, aprendem a Língua de Sinais
(Libras) e a Língua Portuguesa escrita, prevista na proposta educacional bilíngue.
As escolas públicas da região atendem a uma população culturalmente
diversa e respeitando os princípios da inclusão, deverá ofertar uma educação de
qualidade a todos os estudantes indistintamente.
Como a escola deve trabalhar esse estudante de forma que ele construa a sua
identidade surda? A identidade surda fronteiriça marcada pelo estreitamento de
laços culturais e identitários, que ultrapassa no espaço fronteiriço, as linhas
delimitadas pela divisão territorial dos dois países.
Carvalho, 2008 apud Sá (2011), considera que o princípio inclusivo ressalta o
respeito à singularidade e à diversidade de cada sujeito na sociedade, bem como a
qualidade da educação oferecida a todos, pois, como constatamos nas estatísticas,
muitos são os excluídos, além dos portadores de deficiência.
Nesse contexto, a escola deve valorizar a diversidade sob uma ótica
multicultural. De acordo com Fernandes (2008)
O multiculturalismo dentro da educação vem como decorrência de se ter
alunos pertencentes a diferentes universos na sala de aula, do ponto de
vista cultural, social, linguístico e religioso e de se ter o desafio de
transformar o espaço escolar em um espaço democrático, que possa

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oferecer igualdade de oportunidades, dando por isso mesmo condições de


atendimento educacional diferente a alunos diversos. (p.93)

Kelman apud Fernandes (2008) considera que o Multiculturalismo pode ser


definido de várias formas:
Trata-se de estabelecer níveis de responsabilidade e garantia de igualdade
de direitos humanos às pessoas com diferentes origens, crenças, etnias,
gêneros; uma convivência pacífica entre os membros pertencentes aos
grupos minoritários e os grupos majoritários de uma comunidade social,
sem qualquer discriminação. (p.91)

Convém pontuar que a língua de sinais americana (ASL) influenciou a Lengua de


Señas Boliviana (LSB) bem como a língua de sinais francesa influenciou a língua de
sinais brasileira (LIBRAS). As línguas de sinais não são universais. Apesar de
pertencerem à modalidade gestual visual, cada país tem a sua Língua de Sinais,
podendo esta sofrer variações de região para região.
Entre as línguas de sinais ocorre similaridade no léxico, quando falamos de
um único país. Essa similaridade acontece em determinadas regiões, como se
observa no Brasil por exemplo. Entretanto de país para país a estrutura lexical
apresenta diferenças.
A Lengua de Señas Boliviana (LSB), a princípio é a primeira língua para os
surdos. Todavia na fronteira Brasil-Bolívia a Libras, torna-se a língua de instrução de
surdos residentes na cidade Puerto Quijarro.

Considerações finais
Podemos considerar que as escolas do lado brasileiro da fronteira Brasil-
Bolívia acolhem estudantes surdos e ouvintes brasileiros e bolivianos. A relação
histórica de proximidade entre estes países também assegurada legalmente e está
evidenciada nos diversos contextos sociais do espaço da fronteira.
Inserido no contexto educacional, o estudante surdo residente em Puerto
Quijarro, que frequenta o AEE, adquire a Língua Brasileira de Sinais e a Língua
Portuguesa escrita na modalidade segunda língua, apesar da Lengua de Señas
Boliviana (LSB) ser instituída no país vizinho.
Apesar dos avanços históricos na educação de surdos e da legalização da
proposta bilingue no Brasil há quase quatro décadas, ainda encontramos aspectos
não efetivados.
Na fronteira Brasil-Bolívia ainda não observamos a atuação efetiva do
professor surdo no serviço especializado - AEE, mesmo que legalmente este

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profissional tenha prioridade no ensino para os estudantes surdos, pelos aspectos já


abordados neste estudo. Apenas no ano de 2016 contamos com uma professora
surda atuando neste serviço em uma escola no município de Corumbá.
Atualmente os profissionais que atuam no AEE são profissionais Tradutores
Intérprete de Libras (TILS) com formação - cursos, Especialização em Libras e que
passam por avaliação de aptidão em LIBRAS no CAS/MS para atuar como professor
do AEE. Foi verificado que no ano de 2019 apenas a Rede Municipal de Ensino
atende o estudante surdo no AEE.
Na fronteira Brasil-Bolívia a Libras é utilizada pelo povo surdo e pela
comunidade surda nos diversos espaços sociais sendo que a Lengua de Señas é
conhecida por uma minoria de surdos adultos que mantém contato com surdos de
outras regiões da Bolívia e tem algum conhecimento desta língua, todavia a Libras é
a língua em uso nesta fronteira.
A Língua de Sinais Brasileira (Libras) torna-se a língua de instrução e o
instrumento de aquisição da Língua Portuguesa, ambas consideradas a princípio,
línguas estrangeiras para o surdo residente na Bolívia.
Conforme Dorziat (2015), não há estrangeirismo que faça estranha a sua
própria família [...] a pátria brasileira dos surdos não possui as mesmas fronteiras
dos ouvintes, porque sua fronteira é imaterial e existe onde estiver viva a Língua de
Sinais, onde houver surdos interagindo de forma natural.

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CLARICE LISPECTOR: POR UM DIREITO PENAL FRONTERIZO


Clarice Lispector: por um derecho penal fronterizo
Clarice Lispector: for a fronterizo penal right

Bárbara Artuzo Simabuco


Edgar Cézar Nolasco

Resumo: Com base em uma epistemologia biográfico-fronteiriça, objetivamos


demonstrar relevância de Clarice Lispector enquanto intelectual cujo direito faz parte
do bios, tendo em vista a politicidade de sua obra, seu olhar sensível ante as
questões humanas e a discordância em relação ao sistema penal brasileiro. Para
ilustrar a discussão, utilizamos como base o ensaio “Observações sobre o direito de
punir” (1941), no qual Lispector tece comentários sobre o Estado e o direito/poder de
punir, demonstrando seu olhar desobediente e fronterizo. A metodologia utilizada é
essencialmente bibliográfica.
Palavras-chave: Clarice Lispector, Crítica biográfica fronteiriça, desobediência
epistêmica, direito.

Abstract: Based on a biográfico-fronteiriça epistemology, this essay aim to


demonstrate the relevance of Clarice Lispector as an intellectual whose right is part
of her bios, in view of the politicity of his work, his sensitive view of human issues and
disagreement about Brazilian penal system. To illustrate the discussion, we use the
essay “Observações sobre o direito de punir” (1941), in which Lispector comments
on the State and the right/power to punish, demonstrating his disobedient and
fronterizo way to see that questions. The methodology used is essentially
bibliographic and some of the theoreticians and biographers.
Key-words: Clarice Lispector, Crítica biográfica fronteiriça, epistemic disobedience,
right.

Resúmen: Utilizando nos de una epistemología biográfico-fronteiriça, nuestro


objetivo es demostrar la relevancia de Clarice Lispector como intelectual cuyo
derecho es parte de su bios, en vista de la politicidade de su trabajo, su visión
sensible de los problemas humanos y su desacuerdo sobre lo sistema penal
brasileño. Para ilustrar la discusión, usamos el ensayo "Observações sobre o direito
de punir" (1941), en el que Lispector comenta sobre el Estado y el derecho/poder


Graduanda do sexto semestre do Curso de Letras na Universidade Federal do Mato Grosso do Sul
(UFMS), graduada em Direito pelo Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio (CEUNSP). E-
mail: basacademica@gmail.com

Graduado em Letras pela Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, mestre em Teoria da
Literatura pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), doutor em Literatura Comparada pela
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), professor dos cursos de Graduação e Pós-
Graduação nível Mestrado da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). E-mail:
ecnolasco@uol.com.br

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235

para castigar, demostrando su aspecto desobediente y fronterizo. La metodología


utilizada es esencialmente bibliográfica.
Palabras clave: Clarice Lispector, Crítica biográfica fronteiriça, desobediencia
epistémica, derecho.

Introdução
A proposta do presente trabalho é demonstrar a relevância de Clarice
Lispector enquanto intelectual cujo direito faz parte do bios, uma vez que a escritora
ingressou no Curso de Direito da Universidade do Brasil (atual Universidade Federal
do Rio de Janeiro) em 1939. Durante a graduação, demonstrou interesse especial
pelo direito penal (GOTLIB, 1995), tendo publicado, nesse período, o ensaio
“Observações sobre o direito de punir” (1941).

No referido texto, utilizado como base para discussão, Lispector tece


comentários sobre o Estado e o direito/poder de punir, demonstrando seu olhar
desobediente (MIGNOLO, 2015) e fronterizo (NOLASCO, 2013). O estudo leva,
igualmente, em consideração, a politicidade da obra clariciana, seu olhar sensível
ante as questões humanas e a discordância em relação ao sistema penal brasileiro.
Ao mencionar um olhar desobediente, remetemos a desobediência epistêmica e a
opção descolonial de Walter Mignolo:

[...] a opção descolonial significa, entre outras coisas, aprender a


desaprender (como tem sido claramente articulado no projeto de
aprendizagem Amawtay Wasi, voltarei a isso), já que nossos (um vasto
número de pessoas ao redor do planeta) cérebros tinham sido programados
pela razão imperial/ colonial. (MIGNOLO, 2008, p. 290)
Efetuar uma opção descolonial é ir contra a diferença colonial, “[...] o local ao
mesmo tempo físico e imaginário onde atua a colonialidade do poder” (MIGNOLO,
2003, p. 10). Ainda de acordo com o autor, a diferença colonial é a responsável por
hierarquizar seres humanos, nesse aspecto, Lispector posiciona-se na contramão do
projeto hegemônico moderno, conforme exploraremos adiante.

A metodologia utilizada é essencialmente bibliográfica, nesse sentido,


iniciaremos com a contextualização da experiência de Lispector enquanto estudante
de direito, em seguida relacionaremos a escritora com o direito penal
contemporâneo, considerando nosso lócus e nosso bios. Tal aproximação é possível
por meio da crítica biográfica, teorização que permite a inserção do crítico ao efetuar
a leitura pretendida.

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Em outras palavras, A relação entre obra e autor é contemplada pela crítica


biográfica tornando a invenção de biografias literárias possível, devido à natureza
criativa presente nos procedimentos analíticos. A literatura deixa de ser o único
corpus de análise, assim as relações culturais possíveis são ampliadas,
possibilitando, inclusive, a inscrição do sujeito teórico “[...] como ator e personagem
de uma narrativa em construção”. (SOUZA, 2002, p. 111)

Por meio dela, produções não consideradas como literatura, como a cultura
de massa e as biografias, são trazidas para a discussão, uma vez que a pós
modernidade é marcada pela “[...] democratização dos discursos e a quebra dos
limites entre a chamada alta literatura e a cultura de massa”. (SOUZA, 2002, p. 112),
deixando os valores fechados adotados pela crítica literária tradicional.

Por fim, alguns dos teóricos e biógrafos que dialogam com a epistemologia
adotada são: Walter Mignolo (2013; 2015), Edgar Cézar Nolasco (2013), Eneida
Maria de Souza (2002), Silviano Santiago (2014) e Nádia Batella Gotlib (1995).
Dentre as obras norteadoras da pesquisa estão: CADERNOS DE ESTUDOS
CULTURAIS, Crítica cult (2002), Habitar la frontera (2015) e Clarice: uma vida que
se conta (1995)

A estudante de direito desobediente

[...] O que escrevo é mais do que invenção, é minha obrigação


[...] Porque há o direito ao grito. Então eu grito. Grito puro e
sem pedir esmola.
LISPECTOR, 1999, p. 13
Em Habitar la frontera (2015), Walter Mignolo aponta que a diferença colonial
“[...] atua convertendo as diferenças em valores e estabelecendo uma hierarquia de
seres humanos, ontologicamente e epistemologicamente”.1 (MIGNOLO, 2015, p. 41).
Dentre os marginalizados pela hierarquia ditada projeto moderno há aqueles tão
invisíveis quanto Macabéa, a personagem principal de A hora da estrela, no qual o
direito ao grito é reivindicado, quais sejam, os apenados, popularmente conhecidos
pela alcunha de “marginais”.

1
[…] La diferencia colonial actúa convirtiendo las diferencias en valores y estableciendo una jerarquía
de seres humanos, ontológicamente y epistémicamente. (Tradução nossa)

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De acordo com Nádia Batella Gotlib (1995, p. 146-149) Lispector ingressou no


curso de direito da Faculdade de Direito da Universidade do Brasil em 1939 nutrindo
o sonho de reformar as penitenciárias. Dentre as disciplinas, Clarice nutria especial
interesse pelo direito penal, talvez porque este remete a situações humanas que
envolvem o crime.

Durante o terceiro ano da graduação, Lispector percebe que não se daria bem
com papeis, todavia, conclui o curso, e alguns anos mais tarde (na década de 50)
cola grau, pois uma de suas amigas a acusou de ser uma pessoa que inicia várias
coisas, mas não termina nenhuma. Embora tenha dito em entrevista que a faculdade
não a ajudara sequer a resolver questões de direitos autorais este período faz parte
de seu bios e de sua formação enquanto intelectual

Reconhecida pela crítica de sua época devido ao uso da linguagem de forma


criativa e, por vezes, hermética (BAILEY, 2007), Lispector renuncia aos jargões do
meio jurídico em seu texto “Observações sobre o direito de punir”, publicado em
1941, durante a graduação. No texto, Lispector deixa clara a insatisfação com o
sistema penal, comparando a pena a um medicamente paliativo, incapaz de
reintegrar o detento a sociedade (LISPECTR, 2005).

Distante de ser alienada e apolítica, no tocante aos problemas vivenciados


pelo Brasil, sendo, em verdade, consciente a ponto de confidenciar a amiga Olga
Borelli que não havia o que dizer, mas apenas fazer em relação as questões sociais
do país (SANTIAGO, 2014), Lispector pensava de forma desobediente, uma vez que
discordava das normas impostas pelo Estado em um momento no qual as mulheres
dedicavam-se quase exclusivamente às prendas do lar, sendo a formação
universitária, em especial em direito, direcionada a homens, brancos e abastados.
(MONTEIRO; MANZO, 2005)

Com o intuito de demonstrarmos a relevância da experiência de Lispector


enquanto estudante de direito, utilizamos uma epistemologia de caráter biográfico-
fronteiriço (NOLASCO, 2013) ao tratar do referido período. É importante destacar
que a fronteira da qual falamos não é apenas física, mas também epistemológica.
Assim, longe de instituir binarismos e ante a necessidade do Brasil deixar de adotar
teorias vindas de fora como o único meio para ler suas produções e, por analogia
(SOUZA, 2012) seu direito penal, a crítica biográfica fronteiriça nos permite criar
teorizações de caráter fronterizo.
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De acordo com Nolasco (2018), em seu “Descolonizando a pesquisa


acadêmica: uma teorização sem disciplinas”, pesquisas com bases periféricas,
subalternas ou fronteiriças necessitam, além da inserção do bios e do lócus, ser
pensadas a partir da exterioridade, ou seja, fora do pensamento moderno. Isso não
significa excluir o pensamento outro, mas efetuar uma opção de na qual pensamos
melhor a partir de onde estamos alocados:

[...] Minha opção pela vida inclui como condição pensar melhor o outro, a
vida desse outro, passando, como condição necessária, por nós mesmos,
os pesquisadores envolvidos na ação. Desse modo vamos desbaratando
um cientificismo estéril que ainda grassa nos modelos de pesquisa
acadêmica, e fazendo se levantar, por conseguinte, uma pesquisa que, nas
palavras de Mignolo, não ignora mas preza a vida. (NOLASCO, 2018, p.
16).
Optamos por utilizar, como base para a discussão proposta, o ensaio
“Observações sobre o direito de punir”, pois nele Clarice tece argumentos com o
intuito de justificar a inexistência de um direito de punir, efetuando uma breve
recapitulação do que fora a origem desse direito e, em seguida, tecendo uma crítica
em relação à suposta imparcialidade dos aplicadores e executores da punição
advinda do Estado, em outras palavras, a escritora discorda com as regras que nos
foram impostas.

A proposta da jovem não é a ausência de Estado e a instauração da anarquia,


mas nos fazer sentir a “dor de dentes [...] [que] deu uma fisgada profunda em nossa
boca” (LISPECTOR, 1999, p. 11) sentida de forma mais cruel por aqueles
“marginais” em situação oposta aos que produzem e executam as leis no país com
uma das maiores populações carcerária do mundo (ESTADÃO, 2019).

Por um direito penal fronterizo

[...] A américa Latina institui seu lugar no mapa da civilização


ocidental graças ao movimento de desvio da norma, ativo e
destruidor, que transfigura os elementos feitos e imutáveis que
os europeus exportam para o Novo Mundo. [...] Sua geografia
deve ser uma geografia de assimilação e de agressividade, de
aprendizagem e de reação, de falsa obediência.
SANTIAGO, 2019, p. 17-18.
Clarice Lispector considerava-se um ser livre e sensível (GOTLIB, 1995, p.
148), a liberdade de espírito e sua sensibilidade fazem da escritora um ser estranho
e discordante alocado na América Latina, capaz de pensar o direito, em especial o
penal, de forma fronteiriza e desobediente, sem endossar o distanciamento do
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direito das questões humanas, por vezes, tomadas como subjetivas em um mundo
dominado pelo projeto moderno.

Nesse sentido, em “Notas sobre a crítica biográfica” (2002), Eneida Maria de


Souza pontua a possibilidade de “[...] interpretação da literatura além de seus limites
intrínsecos e exclusivos por meio da construção de pontes metafóricas entre o fato e
a ficção” (SOUZA, 2002, p. 112) proporcionada pela crítica biográfica, elementos
necessários para melhor compreender a estudante de direito.

O vislumbre das questões sociais também constitui parte do bios da escritora,


deixando marcas no decorrer de sua trajetória intelectual, tomemos como exemplo a
leitura efetuada por Joice Alves, destacando que o livro A descoberta do mundo
possui diversas crônicas nas quais o problema da fome é tratado “[...] seja a fome de
comida ou a fome de respostas para as perguntas da cronista” (ALVES, 2008, p.
94).

De acordo com a pesquisadora, Clarice não tratou a população


desprivilegiada como invisíveis ao abordar a doença social em seus escritos, em
verdade, ao direcionar seu olhar na contramão da cultura da invisibilidade existente
em sua época, Lispector abre espaço para que os gritos subalternos sejam ouvidos.

[...] Um povo faminto não tem forças para reivindicar direitos morais e
intelectuais. [...] A subalternização de saberes impulsionada pelo projeto
cultural moderno limitou a capacidade das pessoas no que se refere à
compreensão de que o pouco que se tinha não era suficiente. Por isso, a
cronista engajada provoca a consciência do leitor de modo tímido, mas
ousado, no sentido de fazê-lo reconhecer-se como parte deste constructo.
[...] O que vincula humaniza, e o que humaniza sugere a ruptura com a
subalternização de conhecimento e reconhece a diferença [...]. (ALVES,
2002, p. 96-97)
A fim de contemplar o olhar humanizador da intelectual, a crítica biográfica
possibilita, igualmente, “[...] a reconstituição de ambientes literários e da vida
intelectual do escritor, sua linhagem e a sua inserção na poética e no pensamento
cultural da época”. (SOUZA, 2002, p. 112), nesse sentido, o período vivenciado na
faculdade, que passou quase despercebida pela academia e pela crítica, é aqui
resgatado e entrelaçado ao bios clariciano. Assim, a estudante inicia seu primeiro
texto jurídico defendendo:

[...] Não há direito de punir. Há apenas poder de punir. O homem é punido


por seu crime porque o Estado é mais forte que ele, a guerra, grande crime,
não é punida porque se acima dum homem há os homens acima dos
homens nada mais há. (LISPECTOR, 2005, p. 45)

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Lispector, cuja família fugiu da Ucrânia para o Brasil durante a Primeira


Guerra Mundial e a Revolução Russa (GOTLIB, 1995), relaciona a inexistência de
um direito de punir à guerra, pois a Organização das Nações Unidas (ONU), fora
constituída apenas em 1945 pelos países hegemônicos com a finalidade de
fomentar a paz entre os Estados-nação. Todavia, a criação da ONU não solucionou
o problema, pois os países ricos continuam promovendo a guerra na
contemporaneidade.

Além disso, a estudante destaca a subjetividade da definição de crime “[...]


porque a própria representação de crime na mente humana é o que há de mais
instável e relativo” (LISPECTOR, 2015, p. 45). O conceito de crime varia de acordo
com a cultura e a época vivida, no Brasil, um dos exemplos mais clássicos é o crime
de adultério, revogado pela lei 11.106/2005. Tal crime, de origem bíblica, destoa da
constituição de 1988 a qual declara a laicidade do Estado.

Lispector prossegue efetuando hipóteses quanto ao surgimento e evolução do


direito de punir. No início, o próprio ofendido exercia a punição (lei de talião), porém,
em determinado momento, os mais fracos uniram-se instituindo os direitos como
meio de defesa. Assim, inicia-se um acordo no qual as leis seriam cumpridas, os
interesses considerados como proibidos pela sociedade não seriam desobedecidos
e, caso fossem, haveria a punição advinda da coletividade, restando ao “marginal”
defender-se de toda a sociedade:

[...] uma vez que todos estavam em condições mais ou menos iguais, difícil
seria a defesa, para manter a inviolabilidade das leis fizeram titular do direito
toda a coletividade, adversário forte; [...] Atualmente, em verdade, não é de
punir que se tem direito, mas de se defender, de impedir, de lutar.
(LISPECTOR, 2005, p. 47)
O problema no quadro apresentado reside no seguinte fato: em um país como
o nosso, no qual a cultura do nepotismo, da concentração do poder aquisitivo nas
mãos de poucos e com os legisladores e aplicadores da lei em situação econômico
social inversa à população carcerária, como pode o apenado defender-se?

Ante a um sistema penal com bases assentadas na diferença colonial


(MIGNOLO, 2015), cujo próprio sentido de “humano” não se enquadra em nossa
população, uma vez que esta nomenclatura tem como base um padrão falocêntrico
e europeu (MIGNOLO, 2011) excluindo os índios e os negros (MIGNOLO, 2015, p.

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241

69), Clarice Lispector (re)pensa a legitimidade do Estado, desobedecendo o projeto


moderno. De acordo com Mignolo:

[...] uma desobediência epistêmica e política consiste em apropriar-se da


modernidade europeia no tempo em que se vive na casa da colonialidade.
Dessa experiência. A experiência de habitar a exterioridade, ou seja, a casa
da colonialidade, surge a epistemologia e o pensamento fronteiriço.
2
(MIGNOLO, 2015, p. 65)
A estudante de Direito, que publicaria Perto do coração selvagem (1943)
pouco tempo depois, nos direciona à necessidade de um direito penal fronterizo, que
atenda às especificidades do Brasil, cuja massa carcerária é composta
predominantemente por pessoas negras, de baixa renda e escolaridade precária.
Nesse sentido, Nolasco (2013) ensina:

[...] Por priorizar, diferentemente da razão moderna, as sensibilidades


biográficas e a localização, a teorização pós-ocidental/colonial, ou melhor, a
razão subalterna “revela uma mudança de terreno em relação à própria
fundação da razão moderna como prática cognitiva, política e teórica.”
Advinda da prática da razão pós-subalterna, a epistemologia fronteriza
subverte a razão moderna. (NOLASCO, 2013, p. 13)
Lispector subverte a razão moderna ao comparar a instituição da pena a um
remédio paliativo, uma vez que esta não impede a reincidência e o cometimento do
mesmo crime por outras pessoas (LISPECTOR, 2005, p. 48-49). Taxada como
sentimental por um de seus colegas, Lispector esclarece “[...] que o direito penal
move com coisas humanas por excelência. Só se pode estudá-lo, pois,
humanamente”. (LISPECTOR, 2005, p. 48-49).

Ao relacionar o direito penal às causas humanas Lispector reinventa e traz o


conceito de “humano” para onde estamos alocados, nas margens dos centros
hegemônicos do poder e do conhecimento, incluindo àqueles que são destituídos de
seu nome, assim como Clarice fora destituída do seu (Haia), carregando, na vida e
na alma, a alcunha de “marginais”, mas que na verdade são pais, filhos, tios e
sobrinhos, amados e queridos por suas famílias e amigos, assim como amamos e
somos amados pelos nossos.

Considerações finais

2
[…] una desobediencia epistémica y política que consiste en apropiarse de la modernidad europea al
tiempo que se habita en la casa de la colonialidad. De esa experiencia, la experiencia de habitar la
exterioridad o sea la casa de la colonialidad, surge la epistemología y el pensamiento de fronteras.
(Tradução nossa)

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242

[...]
- Desculpe mas acho que não sou muito gente.
- Mas todo mundo é gente, Meu Deus!
- É que não me habituei.
LISPECTOR, 1999, p. 48.
Com base no exposto verifica-se a pertinência e a contemporaneidade da
experiência de Clarice Lispector enquanto estudante de direito tendo em vista sua
capacidade de manter “[...] fixo o olhar no seu tempo, para nele perceber não as
luzes, mas o escuro.” (AGAMBEM, 2009, p. 63). A estudante percebeu o que poucos
conseguiram, qual seja, a ineficácia da pena. Ela o faz não de forma a tornar os
crimes ainda mais indefensáveis pelos apenados, mas no sentido de elaborar uma
pena capaz de reintegrar o detento à convivência cotidiana.

Assim como Macabéa não se habituou a ser gente, como muitos daqueles
que carregam a alcunha de marginais, desacostumados ao convívio fora dos muros
das prisões (alguns detentos passam décadas vivendo nos presídios), também não
se habituaram. Estes reincidem, uma vez que se sentem incapazes de viver junto à
sociedade e ao Estado que lhe impuseram a pena. Algumas vezes, ocorre a
sensação de incapacidade de realocar-se profissionalmente, temendo um novo
julgamento, desta vez por meio dos antecedentes criminais solicitados pelos
empregadores.

Desobedecendo a visão eurocêntrica adotada pelo direito penal brasileiro,


Lispector questiona o sistema prisional desde o que seria considerado o início da
instituição da pena, pontuando uma suposta subjetividade em sua aplicação bem
como a situação econômico-social dos legisladores e aplicadores do direito/poder de
punir cujo Estado detém a legitimidade inversa àqueles que recebem a punição.

Diante da diferença colonial, instituidora de hierarquias entre seres humanos,


devolver a “humanidade” aos “marginais” situados às margens das margens dos
centros hegemônicos do poder, devolvendo-lhes os direitos mais básicos é a forma
encontrada pela estudante de direito para desobedecer epistemicamente o direito
penal canônico e reivindicar o direito ao grito e a um direito penal fronteirizo, cujos
seres humanos sejam também latinos, negros, indígenas, múltiplos e,
principalmente, detentores de seu nome.

Corumbá/MS, Brasil. 7 a 9 de outubro de 2019. ISSN . 2178-2245


243

Referências

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Corumbá/MS, Brasil. 7 a 9 de outubro de 2019. ISSN . 2178-2245


245

EVENTOS RURAIS: UMA ANÁLISE DA PRÁTICA DAS INSTITUIÇÕES


PÚBLICAS DE PESQUISA AGROPECUÁRIA DO BRASIL E DA ARGENTINA
Rural Events: An Analysis of the Public Agricultural Research Institutions Practice in
Brazil and Argentina
Eventos Rurales: Una Análisis de la Práctica de Instituciones Públicas de
Investigación Agrícola en Brasil y Argentina

Andrea Fernanda Lyvio Vilardo


Karla Maria Müller

Resumo: O cone sul da América Latina é uma região estratégica para a


agropecuária, um dos pilares da economia brasileira e dos países vizinhos, que
podem enfrentar os mesmos desafios de produção. Dessa forma, a necessidade de
gerar informação e tecnologias para o setor é sempre urgente. As instituições
públicas de pesquisa agropecuária têm essa função e desempenham um papel
fundamental na transferência de tecnologias, utilizando a promoção de eventos
como uma das estratégias para isso. Este trabalho é resultado de um breve
levantamento dos eventos realizados pela Empresa Brasileira da Pesquisa
Agropecuária (Embrapa), do Brasil, e pelo Instituto Nacional de Tecnologia
Agropecuária (INTA), da Argentina, buscando uma aproximação inicial para
entender como tais organizações se relacionam com os sujeitos do setor. O número
expressivo de eventos promovidos por ambas as instituições evidencia o caráter
estratégico conferido a esse recurso pelo setor agropecuário.
Palavras-chave: agropecuária, Cone Sul, instituições de pesquisa, transferência de
tecnologia, eventos rurais.

Abstract: The Southern Cone region of Latin America is strategic for agriculture, one
of the pillars of Brazilian and neighboring countries economy, which can face the
same production challenges. Thus, the need to generate information and
technologies for the farming sector is always urgent. Public institutions for agricultural
research have such duty and play a key role in technology transferring, using the
promotion of events as one of the strategies to do so. This paper is the result of a
brief survey about events held by the Brazilian Agricultural Research Agency


Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (PPGCOM/UFRGS); Relações Públicas, especialista em Gestão estratégica da
Comunicação Organizacional e em Administração de Marketing pela Universidade Estadual de
Londrina. Membro do Programa de Extensão “Em dia com a pesquisa” (UFRGS). Analista de
Comunicação da Embrapa Soja. E-mail: deavilardo@gmail.com.

Doutora em Ciências da Comunicação; Mestre em Comunicação; Relações Públicas, Jornalista e
Publicitária. Professora pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGCOM/UFRGS); Coordenadora da pesquisa “Mídia e
Fronteiras: cartografia dos estudos no Brasil”; Vice-coordenadora da Pesquisa “Unbral Fronteiras -
Portal de Acesso Aberto das Universidades Brasileiras sobre Limites e Fronteiras”; Membro dos
Grupos de Pesquisa no CNPq “Espaço, fronteira, informação e tecnologia”, “Comunicação e práticas
culturais”, e “História da Comunicação”; Coordenadora do Programa de Extensão Em dia com a
pesquisa (PPGCOM/UFRGS); Assessora Ad Hoc do CNPq e da CAPES. E-mail: kmmuller@ufrgs.br.

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246

(Embrapa), from Brazil, and by the National Institute of Agricultural Technology


(INTA), from Argentina, aiming an initial approach to understand how those
organizations relate to the subjects of the sector. The significant number of events
promoted by both institutions shows a strategic feature given by the agricultural
sector to such resource.
Key words: agriculture, Southern Cone region, research institutions, technology
transferring, rural events.

Resumen: El cono sur de América Latina es una región estratégica para la


agricultura, uno de los pilares de la economía brasileña y los países vecinos, que
pueden enfrentar los mismos desafíos de producción. Por lo tanto, la necesidad de
generar información y tecnologías para el sector siempre es urgente. Las
instituciones públicas de investigación agrícola tienen esta función y cumplen un
papel clave en la transferencia de tecnología, utilizando la promoción de eventos
como una de las estrategias para esto. Este trabajo es resultado de una breve
encuesta de eventos realizada por la Corporación Brasileña de Investigación
Agrícola (Embrapa), de Brasil, y el Instituto Nacional Argentino de Tecnología
Agropecuaria (INTA), de Argentina, buscando un primer enfoque para comprender
cómo se relacionan estas organizaciones con los sujetos del sector. El expresivo
número de eventos promovidos por ambas instituciones muestra el carácter
estratégico que el sector agrícola otorga a este recurso.
Palabras clave: agricultura, Cono Sur, instituciones de investigación, transferencia
de tecnología, eventos rurales.

* Trabalho completo selecionado para publicação na Revista GeoPantanal, v. 14, n.


27, 2019.
https://periodicos.ufms.br/index.php/revgeo

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JORNAL IMPRESSO NA FRONTEIRA GAÚCHA: NARRATIVAS SOBRE O


RURAL
Newspaper at the Gaucho Border: Narratives About the Rural
Periódico Impreso en la Frontera Gaucha: Narrativas Sobre lo Rural

Thaís Leobeth
Karla Maria Müller

Resumo: Realidade social peculiar, as regiões de fronteira internacional constituem


instigante ambiente de pesquisa. Nesse sentido, provocaram a investigação sobre a
abordagem atribuída a notícias dedicadas à temática rural. A pesquisa1 teve como
objetos empíricos os jornais A Plateia (Sant’Ana do Livramento, fronteira com o
Uruguai) e Cidade (Uruguaiana, fronteira com a Argentina). Em termos
metodológicos, trata-se de Estudo de Caso, para o qual foram acionadas Pesquisa
Bibliográfica e Exploratória, e Análise de Conteúdo. A noção de rural identificada
como abordagem mostrou fatores econômicos e culturais, a construção histórica
local e regional, problemáticas comuns e interações que se sobrepõem à existência
do limite estatal em diferentes níveis.
Palavras-chave: Jornal impresso, Narrativa jornalística, Mídia local, Fronteira
internacional, Rural.

Abstract: A peculiar social reality, the international frontier regions constitute an


exciting research environment. In this sense, they provoked research into the
approach attributed to news devoted to the rural theme. The research had as
empirical objects the newspapers A Plateia (Sant'Ana do Livramento, border with
Uruguay) and Cidade (Uruguaiana, border with Argentina). In methodological terms,
it is a Case Study, for which Bibliographic and Exploratory Research, and Content
Analysis were triggered. The notion of rural identified as an approach showed
economic and cultural factors, local and regional historical construction, common
problems and interactions that overlap with the existence of the state boundary at
different levels.
Key-words: Newspaper, Journalistic narrative, Local media, International border,
Rural.

Resúmen: Una realidad social peculiar, las regiones fronterizas internacionales


constituyen un entorno de investigación emocionante. En este sentido, provocaron


Graduada em Jornalismo, mestra em Comunicação e Informação, doutoranda em Comunicação e
Informação. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Bolsista Capes. E-mail:
thaisleobeth@gmail.com

Graduada em Relações Públicas, Jornalismo e Publicidade e Propaganda, mestra em
Comunicação, doutora em Ciências da Comunicação. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E-
mail: kmmuller@ufrgs.br
1
A pesquisa completa pode ser conferida na dissertação intitulada “O rural na mídia impressa local
fronteiriça: diferentes formas de abordagem”, de Thaís Leobeth (2018), produzida no Programa de
Pós-Graduação em Comunicação e Informação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Disponível em: https://lume.ufrgs.br/handle/10183/173162.

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investigaciones sobre el enfoque atribuido a las noticias dedicadas al tema rural. La


investigación tuvo como objetos empíricos los periódicos A Plateia (Sant'Ana do
Livramento, frontera con Uruguay) y Cidade (Uruguaiana, frontera con Argentina).
En términos metodológicos, es un Estudio de Caso, para el cual se activaron
Investigación Bibliográfica y Exploratoria, y Análisis de Contenido. La noción de rural
identificada como enfoque mostró factores económicos y culturales, construcción
histórica local y regional, problemas e interacciones comunes que se superponen
con la existencia de la frontera estatal en diferentes niveles.
Palabras clave: Periódico impreso, Narrativa periodística, Medios locales, Frontera
internacional, Rural.

* Trabalho completo selecionado para publicação na Revista GeoPantanal, v. 14, n.


27, 2019.
https://periodicos.ufms.br/index.php/revgeo

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LITERATURA E TERRITORIALIDADE NA FRONTEIRA BRASIL/BOLIVIA: UM


ESPAÇO DO SER FRONTERIÇO
Literature and Territoriality in the Brazil/Bolivia Border: a Space of Frontier Being
Literatura y Territorialidade en la Frontera Brazil/Bolívia: un Espacio del ser
Fronterizo

Tarissa Marques Rodrigues dos Santos


Lucilene Machado Garcia Arf

Resumo: Este artigo propõe a reflexão da literatura como um meio de aproximação


de culturas que circulam no território fronteiriço Brasil-Bolívia, de como é vista a
fronteira e como sentir-se parte dela. O uso da literatura serve tanto para ensinar a
ler e a escrever quanto para formar culturalmente um indivíduo. Para dar
sustentação teórica a este estudo, escolheu-se alguns conceitos essenciais acerca
de território, territorialidade e fronteira a partir de autores como Raffesttin (1993),
Saquet (2007) Nogueira (2007), Guhl (1991) e Hissa (2002), com o fim de colocar
em debate a importância da literatura como construção de identidades de um povo e
sensibilizar a comunidade com relação ao papel social de cada um na
espacialização fronteiriça.
Palavras-chave: literatura, fronteira, identidade, território, espacialização.

Abstract: This article proposes to reflect the literature as a means of approaching


cultures that circulate in the border territory of Brazil-Bolivia, how the frontier is seen
and how to feel part of it. The use of literature serves both to teach reading and
writing and to form a culturally individual. To give theoretical support to this study, we
chose some essential concepts about territory, territoriality and border from authors
such as Raffesttin (1993), Saquet (2007) Nogueira (2007) e Guhl (1991). In order to
put into debate the importance of literature as the construction of identities of a
people and sensitizing the community in relation to the social role of each in the
border spatialization.
Key words: literature, border, identity, territory, spatialization.

Resúmen: Este artículo propone reflejar la literatura como un medio para acercarse
a las culturas que circulan en el territorio fronterizo de Brasil-Bolivia, cómo se ve la
frontera y cómo sentirse parte de ella. El uso de la literatura sirve tanto para enseñar
a leer y escribir como para formar un individuo cultural. Para dar apoyo teórico a este
estudio, elegimos algunos conceptos esenciales sobre territorio, territorialidad y
frontera de autores como Raffesttin (1993), Saquet (2007) Nogueira (2007) e Guhl


Graduada em Pedagogia, Mestranda do Mestrado em Estudos Fronteiriços-MEF da Universidade
Federal de Mato Grosso do Sul. E-mail: tarissa_jr_rodrigues@hotmail.com.

Graduada em Letras, Mestra em Letras, Doutora em Teoria Literária pela UNESP/São José do Rio
Preto. Professora da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, atuando no Programa de Pós-
Graduação Mestrado em Estudos Fronteiriços-MEF. E-mail: lucilenemachado@terra.com.br.

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(1991). Con el fin de poner en debate la importancia de la literatura como la


construcción de identidades de un pueblo y sensibilizar a la comunidad en relación
con el papel social de cada uno en la espacialización fronteriza.
Palabras clave: literatura, frontera, identidad, territorio, espacialización.

* Trabalho completo selecionado para publicação na Revista Para Onde? (UFRGS),


no número referente ao primeiro semestre de 2020.
https://seer.ufrgs.br/paraonde

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LOCALIZANDO AS CONDIÇÕES PRETÉRITAS E AS RELAÇÕES CORRENTES


NA COMPLEXA FRONTEIRA BRASIL-BOLÍVIA
Locating Preterit Conditions and Current Relations of the Complex Brazil-Bolivia
Border
Localización de Condiciones Preteritas y Relaciones Actuales de la Frontera
Compleja Brasil-Bolivia

Tito Carlos Machado Oliveira*


Paulo Marcos Esselin

Resumo: A fronteira Brasil-Bolívia, na parte mais ao sul, teve papel importante no


abastecimento do oeste brasileiro através dos rios da Bacia do Prata no início do
sec. XX, nos anos cinquenta ensaiou um processo de industrialização, até́ se
transformar em uma rica fronteira vibrante no final do século. Repleta de
ambiguidades, porosidades e deslizamentos a fronteira conurbada de Corumbá́ -
Ladário-Puerto Quijarro-Puerto Suárez tem demonstrado um rico processo de
integração socioeconômica e uma complexa rede de relações sociais e
institucionais. Este texto tem a intenção de localizar as condições pretéritas da
fronteira Brasil-Bolívia e contextualizar as relações cotidianas daquela conurbação
fronteiriça, sob a tutela metodológica da historiografia e da categoria território da
ciência geográfica. É parta do projeto de pesquisa “Polos geográficos de ligação”
com financiamento da Fundect e do CNPq até́ 2016.
Palavras-chaves: Fronteira Brasil-Bolívia, Conurbação fronteiriça, Integração.

Abstract: The Brazil-Bolivia border, in the southernmost, played an important role in


western Brazil supply through La Plata River Basin in the early 20 th century,
attempted an industrialization process in the fifties to become a rich vibrant border at
the end of century. Full of ambiguities, porosities and slipping the frontier conurbation
of Corumbá/Ladário-Puerto Quijarro/Puerto Suárez exhibited a valued process of
socioeconomic integration and a complex network of social and institutional relations.
This text intends to find preterit conditions of Brazil-Bolivia border and contextualize
daily relations that frontier conurbation, under methodological regard of the
historiography and territory class of geography science. It is part of the project
“Connections geographical poles” with funding from Fundect and CNPq to 2016.
Keywords: Brazil-Bolivia border, Frontier conurbation, Integration.

Resúmen: La frontera entre Brasil y Bolivia, en el extremo sur, jugó un papel


importante en el suministro del oeste de Brasil a través de la cuenca del río La Plata
a principios del siglo XX, intentó un proceso de industrialización en los años
cincuenta para convertirse en una frontera rica y vibrante a fines de siglo. Lleno de
ambigüedades, porosidades y deslizamientos de la conurbación fronteriza de
Corumbá/Ladário-Puerto Quijarro/Puerto Suárez exhibió un valioso proceso de
integración socioeconómica y una compleja red de relaciones sociales e
institucionales. Este texto tiene la intención de encontrar condiciones pretéritas de la

*
Professor da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul. E-mail: tito.machado@ufms.br

Professor da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul. E-mail: paulo.esselin@gmail.com

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frontera entre Brasil y Bolivia y contextualizar las relaciones cotidianas que afectan la
conurbación fronteriza, bajo la consideración metodológica de la clase de
historiografía y territorio de la ciencia de la geografía. Forma parte del proyecto
"Polos geográficos de conexiones" con financiación de Fundect y CNPq para 2016.
Palabras clave: Brazil-Bolivia border, Frontier conurbation, Integration.

* Trabalho completo selecionado para publicação em Revista não parceira do


evento.

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METODOLOGIAS PARA O ENSINO E APRENDIZAGEM DE LÍNGUAS NAS


FRONTEIRAS: PERSPECTIVAS DECOLONIAIS
Methodologies for Language Teaching and Learning at Borders:
Decolonial Perspectives
Metodologías para la Enseñanza y Aprendizaje de Lenguas en las Fronteras:
Perspectivas Decoloniales

Janete Fátima Pará Velasco


Suzana Vinicia Mancilla Barreda

Resumo: Este trabalho apresenta as discussões iniciais que abordam a aplicação


de metodologias de ensino e aprendizagem de línguas em contexto escolar de
fronteira. As práticas docentes observadas durante a realização dos estágios do
curso de Letras da UFMS/Campus do Pantanal em escolas públicas de Corumbá-
MS evidenciam a recorrência de concepções tanto da situação e uso das línguas
em circulação nesse âmbito, quanto do processo de ensino e aprendizagem
destas, pautados em paradigmas considerados “tradicionais”. A proposta é
desenvolver estudos que tenham em vista uma reconceituação das metodologias
em uso pelos docentes na área de línguas, com o uso da Pesquisa-Ação e
considerando a perspectiva decolonial a partir das reflexões do colonialismo interno
(CUSICANQUI, 2010).
Palavras-chave: Fronteira, Metodologias de ensino e aprendizagem de línguas,
Decolonialidade.

Abstract: This paper presents the initial discussions that approach the application of
language teaching and learning methodologies in a border school context. The
teaching practices observed in the Spanish language internship, carried out by
students of the course of Letters of UFMS / Campus do Pantanal in municipal
schools of Corumbá-MS show the recurrence of conceptions of both the situation and
use of languages in circulation in this area, as well as the process teaching and
learning, based on paradigms considered “traditional”. The proposal is to develop
studies that propose a reconceptualization of the methodologies in use by language
teachers, considering the decolonial perspective from the reflections of internal
colonialism (CUSICANQUI, 2010). The applied methodology is from Action Research
(THIOLLENT, 2009).
Key-words: Border, Methodologies for language teaching and learning, Decoloniality


Graduada em Letras português-espanhol. Professora concursada da SEMED – Corumbá/MS. E-
mail: janeteisis@hotmail.com

Graduada em Letras, mestre em Educação, doutora em Educação. Professora adjunta do curso de
Letras português-espanhol CPAN/UFMS. E-mail: suzanamancilla@yahoo.es

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Resumen: este trabajo presenta las discusiones iniciales que abordan la aplicación
de metodologías de enseñanza y aprendizaje de lenguas en contexto escolar de
frontera. Las prácticas docentes que se observaron durante la realización de las
pasantías del curso de Letras de la UFMS/Campus del Pantanal en escuelas
públicas de Corumbá-MS evidencian la recurrencia de concepciones tanto de la
situación y uso de las lenguas en circulación en ese ámbito, como del proceso de
enseñanza y aprendizaje de estas, pautados en paradigmas considerados
“tradicionales”. La propuesta es desarrollar estudios que tengan en vista una
reconceptualización de las metodologías en uso por los docentes en el área de
lenguas, mediante el uso de la Investigación-Acción y considerando la perspectiva
decolonial a partir de las reflexiones del colonialismo interno (CUSICANQUI, 2010).
Palabras clave: Frontera, Metodologías de enseñanza y aprendizaje de lenguas.
Decolonialidad.

Introdução
Localizado no município de Corumbá – estado de Mato Grosso do Sul – o
Campus do Pantanal (CPAN) da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
(UFMS) inaugurou em 2007 o curso de Letras com habilitação em português e
espanhol. A formação de professores nessa língua estrangeira (ou segunda língua)
nesse centro previa atender as disposições da Lei Federal 11.161/2005 que tratava
da oferta do ensino de espanhol na educação básica e a formação de corpo
docente para atender tal medida.
A condição fronteiriça de Corumbá já havia promovido o Decreto da Lei
Municipal nº 1.322 de 1993 que orientava o ensino de espanhol no sistema
educativo de Corumbá, disposição que não teve uma implementação efetiva,
porquanto, tendo sido realizadas consultas aos pais no momento da matrícula dos
seus filhos, estes se mostraram contrários à aprendizagem de espanhol como
língua estrangeira, preferindo manter a língua inglesa1.
No período em que a primeira turma dos discentes de Letras precisou
cumprir o estágio obrigatório supervisionado em língua espanhola, três escolas
estaduais ofertavam o espanhol como língua estrangeira moderna (LEM). Os
alunos que não conseguiram realizar o estágio nessas escolas, cumpriram essa
disciplina obrigatória na forma de projetos, oferecidos no contraturno das aulas
regulares, com a participação voluntária dos alunos.

1
Esta informação, obtida em conversa informal, foi contestada por alguns pais que manifestaram não
ter sido consultados quanto à possibilidade dos seus filhos estudarem espanhol. Não encontramos
registros que formalizem essa situação relatada por informantes voluntariamente.

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Devido à ambiguidade apresentada na redação da Lei 11.161/2005 e sua


difícil implantação na escola regular (RODRIGUES, 2010), o ensino do espanhol
passou por uma tímida expansão em nível nacional. Em Corumbá o campo da
prática foi direcionado às escolas municipais, com o ensino do espanhol nos anos
iniciais da educação básica. Entretanto, conforme a matriz curricular de Letras, os
formandos nesse curso teriam habilitação para os últimos anos do ensino
fundamental e médio. Assim, esse recente campo de atuação trouxe desafios que
repercutiram na inclusão – em 2015 – da disciplina Prática de ensino de
espanhol para anos iniciais na graduação em Letras.
Atualmente os estágios de língua espanhola ocorrem nos anos iniciais das
escolas municipais de Corumbá e, com muita dificuldade no ensino médio, visto
que com a promulgação da Lei Federal13.415/17, a língua inglesa vem sendo
priorizada como LEM na educação básica, o que implica no reduzido número de
escolas públicas que ofertam o espanhol nesse nível.
Durante algumas experiências práticas foram evidenciadas atitudes
linguísticas de alunos frequentes às escolas em que os estágios se realizavam
para as quais os estagiários não se sentiram preparados. As escolas em que os
alunos de origem boliviana são quantitativamente expressivos marcam um cenário
sociolinguístico complexo e diverso que exige práticas docentes específicas nas
aulas de língua espanhola. Paralelamente, os professores de espanhol dessas
escolas sentiram-se instigados ao perceber que seus alunos de origem boliviana
apresentavam muita dificuldade na aprendizagem do português, situação revelada
nas aulas de espanhol.
Esses antecedentes, entre outros, promoveram a concepção desta pesquisa
que tem por objetivo abordar o tema da Metodologia de ensino e aprendizagem de
línguas, em especial do espanhol como língua estrangeira 2, em duas escolas
municipais de Corumbá, uma urbana (CAIC) e outra rural (EUTRÓPIA). Ambos os
professores de espanhol destas, ao exercer sua docência, sentiram-se desafiados
por uma série de questionamentos sobre sua prática docente – assentada em

2
Seguimos a denominação de “espanhol língua estrangeira” (ELE), conforme é designada nas
instituições escolares, entretanto, consideramos o status linguístico do espanhol em Corumbá, está
na ordem de uma segunda língua ou L2, vista a presença de falantes de espanhol, em sua grande
maioria bolivianos, que transitam especialmente na área urbana do município, uma vez que não é
raro escutar essa língua em diversos lugares públicos.

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paradigmas “tradicionais” – interpelada perante a composição pluricultural e


plurilinguística presente nessas escolas.
A pesquisa se inicia com um levantamento bibliográfico dos métodos de
ensino de línguas que neste trabalho denominamos “tradicionais” (ALMEIDA
FILHO, 1993, 2005; LEFFA, 1988), bem como novas propostas emergentes do
multiletramento (ROJO, 2012) e do letramento crítico (SOARES, 2013).
Propõe-se aplicar a metodologia da Pesquisa-ação, porquanto vincula
atividades coletivas orientadas a alcançar a resolução de questões que tenham em
vista uma transformação (THIOLLENT, 2009). Na concepção de David Tripp
(2005), a pesquisa-ação repercute em uma prática aperfeiçoada pela variabilidade
entre a ação e a investigação: “Planeja-se, implementa-se, descreve-se e avalia-se
uma mudança para a melhora de sua prática, aprendendo mais no correr do
processo, tanto a respeito da prática quanto da própria investigação.” (TRIPP,
2005, p. 446).

O contexto e as práticas docentes


Conforme mencionado na introdução, este estudo tem como lugar de
pesquisa a escola CAIC, em etapa posterior serão desenvolvida a investigação na
Escola Eutrópia Gomes Pedroso, localizada muito próxima à linha de fronteira
internacional.
O expressivo quantitativo de alunos de origem boliviana motivou a escolha
dessas duas unidades educativas, fator que determinou a pergunta principal deste
estudo: as questões metodológicas no ensino de línguas nesse ambiente
plurilinguístico e pluricultural apontam à necessidade de aplicar estratégias próprias
para o ensino de espanhol como LEM?
Em busca de responder essa questão, inicia-se a descrição do espaço da
pesquisa com o Centro de Atendimento Integral à Criança CAIC – Pe. Ernesto
Sassida e CEMEI – Catarina Anastácio da Cruz, localizados na rodovia Ramon
Gomez no bairro Dom Bosco, essas instituições atendem crianças, jovens e adultos
oriundos dos bairros mais próximos, são eles: Cervejaria, Dom Bosco, Aeroporto e
Generoso, além dos alunos procedentes das cidades de Puerto Suarez3 – Bolívia

3
Embora o PPP assinale Puerto Suárez, como a localidade da qual são oriundos os alunos, na
prática constata-se que estes são, na sua maioria, procedentes de Puerto Quijarro, município
localizado na linha de fronteira do lado boliviano.

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257

que, na maioria das vezes provêm de famílias de baixa renda. (PROJETO


POLÍTICO PEDAGÓGICO CAIC, 2018-2020)
Dentre esse grupo de alunos de origem boliviana, encontram-se aqueles
fluentes no uso da língua espanhola que ingressam à escola para ser alfabetizados
em português, entretanto, muitas das vezes não a utilizam como meio de
comunicação. Com o intuito de traçar um perfil aproximado desse público, foi
indagada sua procedência, encontrando-se as seguintes situações:
 Alunos que nasceram e moram na Bolívia e estão matriculados legalmente na
escola com a apresentação de uma autorização permiso emitida pela Polícia
Federal4.
 Alunos nascidos em Corumbá que moram na cidade de Puerto Quijarro
(Arroyo Concepción)/ Puerto Suárez, Bolívia.
 Alunos que são brasileiros tendo a mãe e/ou o pai de origem boliviana além
de outros parentes.
As situações são diversas e por vezes, as informações obtidas tendem a
retratar situações fictícias, concebidas para mostrar uma realidade familiar
imaginária que se pretende manter para dar segurança aos mais jovens. Nessa
mesma linha, a autoidentificação tem se mostrado bastante instável, pois pode
mudar conforme a circunstância. Para exemplificar uma situação semelhante, é
transcrito o diálogo a seguir:
1
El diálogo se da en la “feirinha” en Arroyo Concepción con uno de los jovencitos
que cuidan los autos, muchos de ellos bilingües, uno de ellos se me acercó y me
preguntó:
- Dona, você é boliviana?
- Sí, soy ¿y vos?
- Soy los dos...
- ¿Cómo es eso?
- Cuando estoy “aquí” soy boliviano, cuando estoy “allá” soy brasilero…
- Sí, eres los dos…
Observa-se que diante de uma situação complexa, emergem as identidades
adquiridas ou assimiladas consciente ou inconscientemente. Bauman (2004) se
refere à identidade líquida e a possibilidade de assumir uma identidade que
responda a um dado contexto, de tempo e lugar. Isto suscita uma indagação: os
alunos a priori denominados neste trabalho de “alunos de origem boliviana” não
podem se considerar ao mesmo tempo bolivianos e brasileiros – com diferentes
níveis de autoidentificação?

4
Informação obtida na secretaria da escola.

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258

Por outro lado, coloca-se em questão, a quem interessa o reconhecimento e


delimitação de suas identidades nacionais e com qual propósito? É conjecturada a
hipótese de que a importância dessa definição e reconhecimento identitário muitas
vezes é dos procedimentos legais que necessitam identificar os alunos pertencentes
a uma nacionalidade e nos estudos ao pesquisador que não consegue submergir na
abstração de duas ou mais identidades nacionais que expressam uma gama de
sentidos que expõem diferentes nuances de habitar a fronteira.
As reflexões originadas no fato da(s) identidade(s) é um tema que será
desenvolvido nesta pesquisa quando associado à(s) língua(s) em uso no contexto
escolar em estudo.
No que tange ao ensino das LEM, no CAIC a língua espanhola passou ser
ofertada a partir do ano 2000 desde a pré-escola até o 5º ano do ensino
fundamental, com uma carga horária de 2 aulas na pré-escola e 1 aula do 1º ao 5º.
Nos demais anos do ensino fundamental a LEM é o inglês.
Considerando a proficiência em espanhol de um número significativo de
alunos no CAIC e o ensino de língua espanhola como língua estrangeira (ou
segunda língua) nesse ambiente escolar, é essencial considerar a mediação
intercultural nesse processo de aprendizagem que inclua também pressupostos do
português como língua estrangeira ou segunda língua essa é a hipótese que orienta
este trabalho.

Diversidade linguístico-cultural no ambiente escolar do CAIC


Devido as diferenças das características étnicas e culturais, a comunidade
escolar está centrada na pluralidade cultural, isto é, a diversidade de etnias, crenças,
costumes e valores a serem trabalhados com todos os educandos, conforme
identificado no último Projeto Político Pedagógico da escola:
A escola desenvolve em seus projetos pedagógicos a diversidade de valores e
crenças oriundas de suas raízes, pela localidade do município por se tratar de
cidade fronteiriça. As crianças, jovens e adultos são participativos, receptivos,
altivos, gostam de estar próximo às pessoas e são capazes de interagir e aprender
com eles de forma que possam compreender e influenciar seu ambiente. (PPP,
2018-2020).
Partindo da diversidade cultural presente no CAIC, na qual a cultura boliviana
se destaca, as aulas de língua espanhola são planejadas de modo que além de
ensinar a própria língua, permitam também ser trabalhados conteúdos relacionados
à cultura dos países que têm como idioma oficial o espanhol. Com esse

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procedimento pretende-se tornar evidente o preconceito que muitos estudantes


carregam consigo devido à falta de valorização da relação com os bolivianos.
Alguns professores da escola identificam no cotidiano escolar essas atitudes
perante a comunidade boliviana, entretanto é necessário registrar que também é
perceptível uma atitude de desvalorização dos próprios bolivianos ou descendentes
de bolivianos com relação a sua origem, segundo expressa uma das professoras
responsáveis pelo ensino de espanhol no CAIC:
Já ouvi de alunos brasileiros dizerem que não apreciam o idioma por acreditarem
que “espanhol é língua de boliviano”, e esse preconceito quanto aos bolivianos, o
que é evidente, leva alguns alunos a não terem nenhum interesse pelo ensino do
espanhol como língua estrangeira. Com isso, muitos alunos que são falantes de
espanhol se calam para que não sejam alvos de chacotas ou apelidos
constrangedores, atitudes comuns, não só na escola.
Esse cotidiano de embates repercute no posicionamento identitário dos
alunos, fomentando uma hierarquização construída com base no preconceito,
conforme aponta Rivera Cusicanqui (2010), a diversidade cultural na perspectiva do
multiculturalismo pode se tornar um mecanismo de encobrimento de identidades,
uma vez que a inclusão que o sistema educativo preconiza é uma inclusão
condicionada a certas normas previamente estabelecidas, uma delas é o uso das
línguas em um ambiente escolar plurilinguístico, quando uma delas é privilegiada,
promovem-se cidadanias recortadas e identidades subalternizadas. Nesse sentido,
ainda não foram formuladas políticas linguísticas para esse tipo de espaços
escolares, em que se possa usufruir da pluralidade presente e se formem alunos
não somente usuários de mais de uma língua, mas principalmente alunos
culturalmente competentes.
Diante desse cenário, algumas iniciativas pontuais são formuladas e
realizadas tendo em vista o público que compõe o CAIC. Uma das professoras de
espanhol depõe a esse respeito:
No início do meu trabalho na escola, ensinava aos alunos apenas o conteúdo que
era sugerido pelo Sistema da Rede Municipal de ensino de Corumbá. Porém, foi
necessário desenvolver projetos pedagógicos com o objetivo de as crianças
entenderem sobre a importância de aprender um segundo idioma e a respeitar os
costumes de outros países. Afinal, vivem em uma sociedade onde há um encontro
com outros costumes, principalmente a boliviana.
A seguir mencionamos algumas reflexões recolhidas da realização desses
projetos desenvolvidos por uma das professoras de espanhol do CAIC. Essas
experiências estão descritas em detalhe na forma de relato de experiência 5.

5
No prelo.

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No segundo semestre de 2018, por motivo da celebração da Independência


da Bolívia, foi realizado o Projeto As raízes bolivianas do CAIC. Na ocasião alunos
do 1º ao 4º ano foram indagados sobre a comemoração do dia 6 de agosto, dos 15
alunos presentes, cinco souberam responder e o fizeram em espanhol.
No 4º ano o conteúdo trabalhado foi de receitas típicas da Bolívia. Em roda de
conversa, os alunos foram convidados a responder se conheciam alguma comida
típica boliviana. De 20 alunos presentes, dois alunos brasileiros começaram a
descrever como eram os pratos, pois não sabiam os nomes. Três alunos de origem
boliviana, com muita timidez, participaram dizendo os nomes dos pratos.
Observou-se que entre os alunos do 1º ano a participação foi mais
espontânea, enquanto que entre os alunos do 4º ano foi percebido um
comportamento mais reservado, aparentando uma forma de proteção a julgamentos
e eventuais situações constrangedoras.
Em 2019 por ocasião da organização de uma representação teatral do Chavo
del ocho6, a professora em busca de alunos que soubessem espanhol e que
pudessem ajudar seus colegas na pronúncia das falas dos personagens indagou
com os alunos do 4º ano duas questões, como relata a seguir:
1 – Quem é boliviano aqui?
De 20 alunos, 5 levantaram as mãos.
2 – Quem sabe falar em espanhol?
10 alunos levantaram a mão.
Percebe-se uma mudança positiva na atitude dos alunos bolivianos quanto à
identificação e quanto ao uso da língua espanhola, visto que em ocasiões anteriores
prevalecia o silêncio. Tais respostas são um indicativo de que a nacionalidade é um
item que mobiliza menos os alunos, se comparada à reação que os alunos tiveram
no tocante ao conhecimento da língua espanhola. Tais indícios promovem a reflexão
sobre as abordagens metodológicas junto aos “alunos bolivianos”, isto se
consideramos apenas a identificação com o espanhol (ou boliviano, como é
denominado em muitas situações na escola) como língua de comunicação entre
esses alunos.
É necessário considerar que outras línguas são de uso e circulação entre
alguns “alunos bolivianos”, a exemplo do quéchua e do aimará, línguas identificadas
nas observações extra-sala. Essa questão de fundo, neste trabalho denominada
“substrato cultural”, aponta que a complexidade linguística é apenas o reflexo

6
Traduzido na televisão brasileira por Chaves.

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261

daquele, isto é, para adentrar nos estudos culturais, linguísticos, identitários, torna-
se necessário pensar em perspectivas decoloniais que envolvam a intraculturalidade
e a interculturalidade como práticas (RIVERA CUSICANQUI, 2010, p. 62):
No puede haber un discurso de la descolonización, una teoría de la
descolonización, sin una práctica descolonizadora. El discurso del
multiculturalismo y el discurso de la hibridez son lecturas esencialistas e
historicistas de la cuestión indígena, que no tocan los temas de fondo de la
descolonización; antes bien, encubren y renuevan prácticas efectivas de
colonización y subalternización.
A perspectiva decolonial que se propõe neste trabalho implica em pensar em
práticas didáticas que impulsionem mudanças entre os atores sociais na escola e
entre os professores em formação, que ampliem as formas de conceber e
experimentar o contexto que os acolhe.
Vivenciar um contexto plurilíngue pode induzir a pensar em um ordenamento
linguístico, recurso existente ao longo do tempo que outorga e retira importância às
línguas em uso em determinado cenário. É plausível associar políticas linguísticas à
formação de professores de línguas e ao uso de metodologias aplicadas ao ensino
destas? No próximo item busca-se refletir sobre esses três aspectos.

Políticas linguísticas, formação de professores e metodologias aplicadas ao


ensino de línguas
Tomando como base o ensino e aprendizagem de espanhol, parte-se do
estudo de três âmbitos que segundo Fernandez (2018, p. 9) estão reunidos no
campo das políticas públicas:
La enseñanza y aprendizaje de español en la educación regular en Brasil ha
estado, a lo largo del tiempo, marcada por las determinaciones impuestas
por las políticas públicas vigentes en cada momento, sean las políticas
lingüísticas, las de formación docente o de enseñanza de idiomas.
Neste trabalho é dada especial atenção ao ensino e aprendizagem de
idiomas e às metodologias aplicadas para essa finalidade, a busca por desenvolver
um estudo nesse campo provém da prática de professores de espanhol que atuam
no ensino fundamental em escolas de Corumbá os quais são egressos do Curso de
Letras do Cpan/UFMS. As metodologias estarão, portanto, inseridas no item ensino
de idiomas.
No que tange às Políticas linguísticas, estas são abordadas na perspectiva
do ordenamento que o estado organiza no currículo escolar. O conceito de Política
linguística é complexo, visto que pode ter pelo menos duas interpretações,
conforme Lagares (2013, p. 181) expõe:

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language policy, faz referência às atitudes e aos planos de ação relativos à


língua, compreendendo, por tanto, os acontecimentos prévios à decisão
política. A segunda Language politics, se refere à própria decisão política,
que implica já um determinado “ato de poder”.
Rajagopalan (2013, p. 20) avalia que a confusão sobre o conceito de
política linguística está no fato de que “linguística” ocupa a função de adjetivo,
portanto significa: “relativa à língua” isto é, “política relativa à(s) língua(s)”,
entretanto o autor afirma que política linguística pertence ao ramo da política e que
o cenário ideal para seu estudo é a ciência política. O estudioso justifica esse
pressuposto da seguinte forma:
A melhor prova disso é que quando traduzido para uma língua não
românica como o inglês a palavra linguístic dá lugar para language e o
resultado é “language polítics” ou “politics of language” (e não “linguistic
politics”). De forma análoga, ‘planejamento linguístico’ se traduz
geralmente como ‘language planning’.
Uma questão notória é o caráter prescritivo que o planejamento linguístico
expressa, visto que está associado à ingerência do estado nas determinações que
mudam o caminho de uma ou mais línguas em determinados contextos, situação
que leva alguns linguistas a apoiar esses estudos na perspectiva descritiva e não
prescritiva. Para o sociólogo Calvet (2007, p. 61) a política linguística e o
planejamento linguístico na prática podem ser entendidos a partir de mudanças
propostas considerando duas situações linguísticas:
[...] a situação linguística inicial (S1) que depois de analisada é
considerada como não satisfatória, e a situação que se deseja alcançar
(S2). A definição das diferenças entre S1 e S2 constitui o campo da
intervenção da política linguística, e o problema de como passar de S1
para S2 é o domínio do planejamento linguístico. (Destaques do autor)
Destaca o autor que embora pareça uma fórmula simples, há diferenças que
constituem as situações linguísticas e a preocupação sobre a capacidade do
estado como interventor das políticas linguísticas e os efeitos dessas atitudes.
No tocante ao ensino de LEM, constatamos que a intervenção do estado se
dá no ambiente escolarizado. Após a publicação da lei 11.161/05 o moroso
processo de inclusão na grade escolar do espanhol como LEM é interrompido pela
reforma da educação básica, publicada em 2017, que implanta novamente o inglês
como língua única. A continuação apresenta-se um comparativo entre a LDB
9394/96 e a Lei 13.415/07, no ensino e aprendizagem das LEM nesse ambiente da
educação básica:

Quadro 1 – Comparativo entre a LDB 9394/96 e a Lei 13.415/07.

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263

LDB 9394/96 Lei n° 13.415/20177


Art. 26 - § 5 trata das línguas
estrangeiras
Na parte diversificada do currículo será No currículo do ensino
incluído, obrigatoriamente, a partir da fundamental, a partir
quinta série, o ensino de pelo menos do sexto ano será
uma língua estrangeira moderna, cuja ofertada a língua
escolha ficará a cargo da comunidade inglesa.
escolar, dentro das possibilidades da
instituição.
Fonte: Elaboração das autoras.

Esse gesto político que institui a Lei 13.415/2017 é precedido pela


derogação da Lei 11.161/2005 com implicações no currículo escolar e
consequentemente na formação inicial dos professores de espanhol, incluindo a
restrição de vagas para os docentes dessa área.
O campo diretamente afetado na formação inicial no curso de Letras do
CPAN/UFMS é o das práticas na escola, ou seja no estágio obrigatório que,
conforme o Regulamento, é preferentemente realizado nas escolas públicas de
Corumbá e Ladário. As metodologias aplicadas ao ensino de língua espanhola,
objeto de interesse neste estudo, são abordadas nas seguintes disciplinas
semestrais: Fundamentos de ensino de espanhol, Prática de ensino de língua
espanhola e Prática de ensino de língua espanhola para anos iniciais. A aplicação
prática é desenvolvida nos três estágios realizados nas etapas do ensino
fundamental I (anos iniciais), ensino médio (primeiro e segundo ano) e no terceiro
ano do ensino médio. Foi retirado o segundo ciclo do ensino fundamental, pois
nesse período não há escolas públicas que ofereçam o espanhol.
O curso de Letras com habilitação em português e espanhol é relativamente
novo no Campus do Pantanal, tendo sido inaugurado em 2007, em 2010 teve a
primeira turma de professores egressos com dupla habilitação. O campo de prática
para o desenvolvimento do estágio naquela época estava restrito a algumas
escolas de administração do estado, com aulas destinadas ao ensino médio.
Conforme a matriz curricular vigente à época, a formação dos licenciados estava
direcionada ao exercício do ensino do espanhol no fundamental II (quinto ao oitavo
ano) e do ensino médio.
Com a abertura de concursos para docentes de espanhol em 20128 no
município de Corumbá, estes foram encaminhados para o exercício profissional

7
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2017/Lei/L13415.htm

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nos anos iniciais do ensino fundamental. Esse novo campo de trabalho exigiu uma
reorganização nas disciplinas do Curso de Letras a serem ofertadas para atender a
demanda local. Assim, a identidade do Curso que estava em processo inicial de
construção, passou por uma reconfiguração ao incluir a disciplina de Prática de
ensino de espanhol para anos iniciais, objetivando formar docentes sensíveis à
docência com esse público infantil.
A medida que os discentes desenvolviam o estágio de Língua Espanhola I,
em algumas escolas emergiram questões relacionadas ao contexto escolar,
constatou-se um número significativo de alunos de origem boliviana – falantes de
espanhol e em alguns casos de outras línguas nativas como o quéchua, aimará e
guarani, entre outras – que frequentavam as escolas de Corumbá9, tal situação
plurilinguística y pluricultural também foi relatada pelos docentes de espanhol.
Essa nova conjuntura conduz a um reposicionamento das práticas
tradicionais, em que se requer repensa-las na perspectiva das práticas didático-
pedagógicas decoloniais, isto é, fora dos padrões tradicionais já pré-estabelecidos
e que não respondem às peculiaridades dos contextos socioculturais complexos.
Na perspectiva da aprendizagem de línguas, Almeida Filho (1993, p. 13)
define cultura de aprender como:
[...] maneiras de estudar e de se preparar para o uso da língua-alvo
consideradas como ‘normais’ pelo aluno, e típicas da sua região, etnia,
classe social e grupo familiar, restrito em alguns casos, transmitidas como
tradição, através do tempo, uma forma naturalizada, subconsciente e
implícita. (Com destaque no original)
No cenário em que se encontra o CAIC, é relevante considerar que a LEM
alvo é constituída essencialmente pelas variedades do espanhol boliviano, entre as
quais se destacam o espanhol dos vales e o espanhol andino e o espanhol camba,
esse último com significativos acréscimos das migrações internas em direção
especialmente a Santa Cruz de la Sierra e às fronteiras bolivianas com o Brasil 10.

8
Com a publicação da Lei Nº 2282 de 20 de dezembro de 2012 foi instituido o Plano Municipal de
políticas para a promoção da igualdade racial em Corumbá, em cujo artigo 20 efetiva-se a adoção do
espanhol como segundo idioma nessa fronteira com a Bolívia e o Paraguai. Disponível em:
https://leismunicipais.com.br/a/ms/c/corumba/lei-ordinaria/2012/228/2282/lei-ordinaria-n-2282-2012-
institui-o-plano-municipal-de-politicas-de-promocao-da-igualdade-racial. Acesso em: 8 jun. 2019.
9
Mais detalhes em: https://www.campograndenews.com.br/cidades/interior/para-dar-escola-a-659-
bolivianos-corumba-gasta-rs-1-4-milhao-por-ano. Acesso em: 9 jun. 2019.
10
Segundo os dados da migração interna no último Censo boliviano de 2012, Santa Cruz de la Sierra
é o município receptor com maior saldo positivo. Puerto Quijarro recebe em números absolutos, 6.428
migrantes, dos quais 3.977 são procedentes do mesmo departamento, enquanto 2.451 procedem de
outros departamentos. Esses números são indícios de que a diversidade social presente na fronteira
conta com um quantitativo considerável de migrantes procedentes de outros lugares, com outras

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Na formação inicial em Letras com habilitação em português e espanhol,


essa realidade sociolinguística regional tem sido incorporada paulatinamente às
disciplinas de língua espanhola, e àquelas que abrangem a prática de ensino de
espanhol. Entretanto tais acréscimos são ainda muito tímidos no que tange à
formação desses docentes, seria necessário que o Projeto do curso legitimasse
esses procedimentos, trazendo uma discussão curricular a mais áreas de
conhecimento, não cabendo apenas à língua espanhola a sensibilização desses
discentes que estão em processo de formação profissional e futuramente ocuparão
as salas de aula.
A experiência dos estágios nessas escolas também tem evidenciado que os
pedagogos responsáveis pelo ensino nos anos iniciais deveriam ter uma formação
que considere o contexto sociocultural e sociolinguístico com a diversidade em
destaque neste trabalho. Assim, o que muitas vezes se considera um entrave,
poderia ser aproveitado como um enriquecimento no repertório linguístico e cultural
dos alunos, professores e todos os envolvidos nesse processo de formação.
No início desta pesquisa, foi enfocado primordialmente o uso de
metodologias de ensino de línguas estrangeiras ou segundas que procurassem
quebrar os padrões naturalizados e muitas vezes descontextualizados. Na prática
constatamos que esse é apenas um item de uma questão maior. Seguindo essa
linha, Fernández (2018, p. 11) amplia a extensão das atitudes didático-pedagógicas
dos docentes às políticas de ensino de idiomas:
El problema estriba en que, en la práctica, esos tres ámbitos – políticas
lingüísticas, políticas de formación de docentes y políticas de enseñanza de
idiomas – poco dialogan, de tal forma que cada una de esas políticas sigue
por caminos a veces independientes o, incluso, antagónicos. Una de las
consecuencias de esa falta de conexión entre las diferentes políticas es una
enseñanza que no siempre atiende a las expectativas y necesidades del
alumnado, incluso porque muchas veces los objetivos que se pretenden
alcanzar no están claramente definidos.
O exercício de reflexionar sobre a metodologia de ensino de línguas nas
escolas neste contexto de fronteira possibilita revisar, além dos processos
inerentes ao ensino e aprendizagem, os conceitos de construção identitária dos
alunos, enquanto aprendizes e dos professores enquanto formadores.

Seguimentos

variedades de espanhol na conformação do espanhol falado nesse espaço fronteiriço. Disponível em:
http://www.udape.gob.bo/portales_html/docsociales/migra.pdf. Acesso em 18 jun. 2019.

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Esta primeira etapa em que se encontra este trabalho evidencia que a


complexidade sociocultural nas escolas alvo é um indicativo de que no contexto
fronteiriço corumbaense é necessário discutir e procurar novos rumos para o
ensino de línguas de um modo geral e para o ensino de espanhol de um modo
particular, visto o lugar de língua segunda que ocupa. Pensar a metodologia de
ensino de línguas na escola regular obriga a ampliar essas questões ao âmbito de
formação inicial dos docentes da área, bem como a determinações que passam
pelo ordenamento linguístico dos órgãos gestores no município.
Seguir uma perspectiva decolonial implica em repensar os conceitos e ter
um reposicionamento das práticas instituídas, muitas das quais estão
descontextualizadas e não respondem às demandas que se evidenciam no
contexto escolar os quais extrapolam à vida social.
Os resultados deste estudo pretendem evidenciar com mais detalhe as
peculiaridades do ensino de línguas nas escolas localizadas na fronteira, bem
como contribuir com a formação inicial dos docentes do curso de Letras do
Cpan/UFMS.

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268

AT THE CROSSROADS OF BORDERS AND CULTURE: AN ANALYSIS OF


ACADEMIC PRODUCTION AND OF NETWORKS OF CONCEPTS AND
LITERATURE
Na Encruzilhada entre Fronteiras e Cultura: uma Análise da Produção Acadêmica e
das Redes de Conceitos e Literatura
En la Encrucijada entre Fronteras y Cultura: un Análisis de la Producción Académica
y de las Redes de Conceptos y Literatura

Solène Marié*

Resumo: A literatura de Estudos Fronteiriços aponta que, apesar de ser um objeto


de pesquisa multidisciplinar, fronteiras são estudadas dentro de várias disciplinas;
usando diferentes conceitos e metodologias; e chegando a conclusões variadas
sobre os determinantes dos processos fronteiriços. Além disto, a literatura se baseia
em estudos de caso individuais, com um desequilíbrio entre a produção sobre casos
no Norte e no Sul. Com base nessa observação e focando especificamente na
produção acadêmica na encruzilhada entre os temas de fronteiras e cultura, o nosso
objetivo é responder às seguintes perguntas: Como se caracteriza essa produção
em cada língua? Existem diferenças reais de volume, abordagem e objeto? Existe
uma ligação entre certos conceitos e disciplinas ou agendas de pesquisa? Para
responder às perguntas, essa bibliografia foi extraída da base de dados do Web of
Science. Ela foi analisada e apresentada em gráficos de redes sociais a partir da
ferramenta VOSviewer.
Palavras-chave: Fronteiras, cultura, análise bibliométrica, redes, conceitos

Abstract: Border studies literature points out that, despite their multidisciplinarity as
research objects, borders are studied within distinct disciplines; using a range of
concepts and methodologies; and reaching various conclusions as to the
determinants of border processes. Furthermore, literature is based on individual case
studies and the production on Northern borders is greater than that on Southern
borders. Based on this and focusing specifically on academic production at the
crossroads of the themes of borders and culture, our aim is to answer the following
questions: What are the main features of this production in each language? Are there
actual differences in volume, approaches and objects? Is there a relation between
certain concepts and disciplines or research agendas? In order to answer these
questions, this bibliography was extracted from the Web of Science database. It was
analysed and presented as network data maps produced with VOSviewer.
Keywords: Borders, culture, bibliometric analysis, networks, concepts

Resúmen: La literatura de Estudios Fronterizos señala que, a pesar de ser un objeto


de investigación multidisciplinar, las fronteras son estudiadas dentro de varias
disciplinas; utilizando diferentes conceptos y metodologías; y llegan a conclusiones
diversas sobre los determinantes de los procesos fronterizos. Además, la literatura
se basa en estudios de casos individuales, con un desequilibrio entre la producción

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sobre casos en el Norte y en el Sur. Siguiendo esta observación y con un foco


específicamente en la producción académica en la encrucijada entre temas
fronterizos y culturales, nuestro objetivo es responder las preguntas siguientes:
¿Cómo se caracteriza esta producción en cada idioma? ¿Existen diferencias reales
en volumen, enfoque y objeto? ¿Existe una relación entre ciertos conceptos y
disciplinas o agendas de investigación? Para responder a estas preguntas, esta
bibliografía se extrajó de la base de datos de la Web of Science. Fue analizada y
presentada en gráficos de redes sociales utilizando la herramienta VOSviewer.
Palabras clave: Fronteras, cultura, análisis bibliométrico, redes, conceptos

Introduction
One of the difficulties which border scholars face is the diversity of possible
approaches to their object of study and the profoundly interdisciplinary nature of
border scholarship: it spans geography, history, economy, anthropology, ethnology,
political science, law, psychology, sociology and other social sciences (NEWMAN;
PAASI, 1998).
As pointed out by Pesavento (own translation, p. 36):
There is, without a doubt, a tendency towards thinking about borders based
on a conception which is built on territoriality and unfolds in politics. In this
understanding, a border is, above all, the closure of a space, the delimitation
of a territory, the establishment of a surface area. Essentially, a border is a
mark which sets a limit and separates and points to socialised meanings of
recognition. Based on this, we can see that even in the sense of an
approach based on territoriality and geopolitics, the concept of border
already moves over to the realms of the symbolic construction of belonging
which we call identity and which corresponds to an imaginary framework
i
which is defined by difference.
We can therefore see how various outlooks are cast on borders and how they
are intrinsically multi-faceted research objects.
Beyond the diversity of disciplines within which borders are studied
(NEWMAN; PAASI, 1998; STAUDT, 2017; KOLOSSOV; SCOTT, 2013); scholars
use different definitions, perspectives and methodologies (PAASI, 2011); and reach
different conclusions as to the determinants of border processes (BRUNET-JAILLY,
2005) and cross-border integration. Culturally embedded explanations by
geographers and historians emphasise the role of local communities; political
scientists insist on the role of institutions; and rationalist explanations developed by
economists identify economic processes as fundamental, linked to the structural role
of the border as a divider between two markets. Yet other explanations emphasise

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the role of language and ethnicity, the role of local actors, of central governments and
of religion (BRUNET-JAILLY, 2010).
Some theorists attempt to create models (for example: BRUNET-JAILLY,
2004; BRUNET-JAILLY, 2005), others border theories (for example: NEWMAN,
2003), whilst others argue that theorisation is impossible (for example: AGNEW,
2006 apud PAASI, 2013) or that it should not focus on borders but rather on
boundary producing practices (for example: Ó TUATHAIL; DARBY, 1998; PAASI,
2011).
As pointed out by Paasi (2013), scholars seem to be “travelling forward in
different trains”. According to a study conducted by Pisani, Reyes and García Jr, of
all articles published in the Journal of Borderlands Studiesii between its creation in
1986 and 2008, 13% of all published articles and 44.9% of all multi-authored works
derived from multidisciplinary research teamsiii. This percent is relatively low given
that this journal explicitly states its multidisciplinary orientation since its creation.
Beyond the limits linked to discipline-specific explanations and to divergences
in approaches, border literature is often the result of single-case empirical studies
conducted in research centres situated in the North. Pisani, Reyes and Garcia’s
study shows that 72.7% of the articles included in the study had been written by
researchers based in North America (USA and Canada) and 18.5% in Europe iv. This
leaves 8.4% of the publications for other parts of the world v. Scholarship from Latin-
America originates exclusively from Mexico, with 4.7% and Venezuela, with 0.4%
(PISANI; REYES; GARCÍA JR, 2009).
As the study of borders relies on case studies and “many topics do not lend
themselves to random samples (i.e., informality), the lack of generalizable research is
a weakness” (PISANI; REYES; GARCÍA JR, 2009, p. 12). Amongst the publications
included in the aforementioned study, approximately half can be categorized as
applied research whilst one quarter is conceptual/theorizing and the rest presents a
mix of both (PISANI; REYES; GARCÍA JR, 2009). This shows the preponderance of
an applied approach within the field.
More specifically, “research in border studies has relied mainly on
generalisations from cases in the US-Mexico borderlands” (STAUDT, 2017, p. XXV).
As it is the border which has traditionally been the most studied and therefore has
many university departments specialised in the theme, publications on borders
originate mainly from that region – the first nine universities which contributed the

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most to the Journal of Borderlands Studies in 2008 were from that region-vi
(BRUNET-JAILLY, 2010). Consequently, border models and general border
scholarship tend to be greatly influenced by the specific configuration of that border.
This has various consequences (STAUDT, 2017). Firstly, these studies lack
generalisability. Secondly, research tends to assume that the State is strong. Thirdly,
it tends to assume that borders will develop towards integration. Fourthly, the lack of
studies conducted in other border regions leads to a lack of views from Southern
borders and a lack of cross-regional analysis. As pointed out by Staudt (2017, p. 9).,
“It is […] extremely important that we become aware of borders in other world
regions, comparing their similarities and differences”.
This statement, coming from English-language scholar and book, points
towards an apparent lack of studies coming from academic centers others than North
America and Europe and a possible lack of dialogue between scholars. Thinking
about this issue from a South American viewpoint, it appears that even compared to
other regions in the South, the literature on Southern American borders is scarce.
Works in English language focusing on rarely studied or Southern borders include
few examples from this region (STAUDT, 2017; ALPER; BRUNET‐JAILLY, 2008).
Summing up, there have been few theoretical propositions to date which
would bring together discipline-specific knowledge and explanations as well as think
about how concepts could travel from one field of study to another.
Rather than exploring the field of border studies as a whole, we will
concentrate our analysis on academic production on a specific subject: the
crossroads of borders and culture. This will enable us to explore its caracteristics in
more depth and detail.
Based on these observations, our aim in this article is to tackle the following
questions: What characterizes the production on this subjectvii in each language? Are
there real, demonstrated differences in volume and approaches/objects? Are some
concepts used more in one language or another? What questions does this pose in
terms of translation? Furthermore, what is the significance of the subject in
International Relations compared to other disciplines? What are the hubs for this
research object?

Methodology

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In order to offer a contribution towards the construction of an answer, a


bibliometric analysis was conducted based on the academic production which is at
the crossroads of the two themes of our research: culture and borders.
In order to conduct such an analysis, the bibliographic production on the
subject was extracted from the Web of Science database and analysed the following
way: with the Web of Science’s analysis tool and through the production of network
data maps with VOSviewerviii.
The purpose of the production of network maps (sometimes referred to as
graphs in the literature)ix using such software is to calculate and present visually
three elements. First, they present items (sometimes called nodes) which are the
objects under study. Second, they exhibit the links between these items (sometimes
referred to as edges). Thirdly, they represent visually the strength of those links
based on a chosen criterion (bibliographic coupling, co-authorship or co-occurrence).
Finally, it is possible to group items within clusters (sometimes called communities)
which are calculated on the basis of a computer algorithm. A colour is assigned to
each cluster in order to present visually the grouping of the items on the map (VAN
ECK; WALTMAN, 2019).
The following results are based on a Web of Science advanced search
conductedx with the query “TS=cultur* AND border”. The aim was to select all articles
mentioning the words border, borders, borderlands, borderlanders, culture, cultures
and cultural, specifying that the search should cover published articles, proceedings
papers and book chapters in all languages, since 1945 and that it should include all
the citation indexes included in the Web of Science’s core collectionxi.
Based on the result of this search, it was possible to produce a number of
graphs and tables which enable us to analyse the bibliographic production which
corresponds to the specified criteria.
Following the presentation of the methodology, it is important to acknowledge
that, though this strategy constituted the strongest option for bibliometric analysis, it
is not flawless. Firstly, using an English-language database implies some bias
towards English-language academic production, even though all languages were
included in the language field when conducting the research. Furthermore, though
the Web of Science includes various citation indexes (as per detail included in
previous footnote), it is important to acknowledge that some journals are not
catalogued in these databases and thus do not enter this data.

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Another search was conducted in order to better put into perspective


academic production in Portuguese in relation to production in English without the
risk that a search with the word “border”, though in theory open to all languages,
might not include all the production. It was based on the search query “TS=(cultur*
AND fronteir*)”, the aim being to include all articles mentioning the words “cultura”,
“culturas”, “cultural”, “fonteira”, “fronteiras”, “fronteiriço/a/s”xii. Whilst the first query
had generated 5,689 results (after refining the results to the humanities, social
sciences and applied social sciences in a broad sense), the second one, with the
same criteria, generated only 5 resultsxiii. Furthermore, when a graph was produced
based on these results (see figure 1), the keywords were divided into five different
and distant clusters, showing weak links between publications. Thus, we concluded
that these results were not interpretable and based all the subsequent study on the
results of the English-language query.

Figure 1 - Co-occurrence network of terms: cultur* AND fronteir*

Source: Produced by the author with VOSviewer

Borders and culture: bibliographic production


Based on the results of our query, a number of figures, tables and graphs were
produced. The following two figures represent visually the countries/regions and the
languages in which the articles corresponding to the criteria were produced; and two
tables give the full details of the results.

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Figure 2 - Tree map of main countries/regions.

Source: Produced by the author with Web of Science tool

Figure 3 - Tree map of main languages

Source: Produced by the author with VOSviewer

Table 1 - Countries, based on (co-)author institutions of affiliation


Countries/Regions [1] Number of records [2] Percentage of total records (4361)
USA 951 21.8
United Kingdom [3] 357 8.2
Russia 276 6.3
Germany 204 4.7
Canada 202 4.6
People's Republic of China 151 3.5
Spain 150 3.4
Australia 149 3.4
Italy 128 2.9
Romania 108 2.5
France 100 2.3
Turkey 98 2.2
Brazil 96 2.2
Netherlands 79 1.8
Poland 74 1.7
Czech Republic 71 1.6
Mexico 69 1.6
Finland 67 1.5
Slovenia 67 1.5
South Africa 66 1.5
Sweden 51 1.2

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Israel 48 1.1
Belgium 45 1.0
Argentina 44 1.0
Austria 42 1.0
Chile 42 1.0
Norway 39 0.9
Switzerland 34 0.8
Denmark 33 0.8
Portugal 33 0.8
South Korea 33 0.8
Colombia 30 0.7
Hungary 30 0.7
Croatia 29 0.7
Estonia 28 0.6
India 27 0.6
New Zealand 26 0.6
Ukraine 26 0.6
Taiwan 24 0.6
Lithuania 23 0.5
Ireland 22 0.5
Singapore 22 0.5
Bulgaria 21 0.5
Slovakia 20 0.5
Thailand 19 0.4
Greece 17 0.4
Iran 17 0.4
Japan 17 0.4
Malaysia 15 0.3

[1] 61 Countries/Regions value(s) outside display options.


[2] 230 records (5.3%) do not contain data in the field being analysed.
[3] Combined results of England and Scotland
Source: Produced by the author with data collected on Web of Science

Firstly, these results confirm the preponderance of the USA as the first
producer of research on the subject, with nearly 22% of academic production. All the
other countries have a production which is below 10%, amongst others 8.2% for the
United Kingdom, 6.3% for Russia, 4.7% for Germany, 4.6% for Canada, 3.5% for
China.

Table 2 - Language of the publications


Languages Number of records Percentage of total records (4361)
English 3233 74.1
Spanish 267 6.1
Russian 229 5.3
German 129 3.0
French 96 2.2
Portuguese 88 2.0
Italian 44 1.0
Slovenian 44 1.0
Turkish 38 0.9
Czech 29 0.7
Croatian 28 0.6

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Polish 22 0.5
Romanian 21 0.5
Slovak 18 0.4
Chinese 15 0.3
Lithuanian 12 0.3
Estonian 8 0.2
Dutch 7 0.2
Swedish 7 0.2
Ukrainian 6 0.1
Hungarian 5 0.1
Serbian 4 0.1
Bulgarian 3 0.1
Malay 3 0.1
Catalan 2 0.0
Norwegian 2 0.0
Afrikaans 1 0.0
Arabic 1 0.0
Source: Produced by the author with data collected on Web of Science

The division of languages demonstrates an even more polarized scenario:


74.1% of the publications are in English. This figure exceeds the simple sum of the
production from English-speaking countries and we can see that while publications
from Russia, France and Brazil represent 6.3%, 2.3% and 2.2%, respectively,
publications in Russian, French and Portuguese represent 5.3%, 2.2% and 2%. This
shows that part of the production from these countries is published in other
languages, most probably in English. These results are in line with publishing trends
in terms of language, but are significant when analyzing questions related to the use
of concepts.

Figure 4 - Number of publications per year (1994 to 2018)

Source: Produced by the author with VOSviewer

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This third figure details the number of publications at the crossroads of the
subject of culture and of borders, between 1994 and 2018. It demonstrates a relative
stability in amount of publications between 1994 and 2004, with only slight increases
and decreases. Between 2005 and 2014, there was a steady increase in publications
year after year, followed by a strong increase of 64% between 2014 and 2015. Since
then, the level of publications demonstrates only slight variations. It appears that the
subject gained significant interest in 2015 and is relatively new as a field of research:
before that year, the number of publications per year had never exceeded 600.

Figure 5 - Research areas

Source: Produced by the author with VOSviewer

Table 3 - Research area of the publications


Research Areas Number of records [1] Percentage of total records (4361)
History 464 10.6
Education - Educational research 449 10.3
Arts - Humanities other topics 446 10.2
Literature 373 8.6
Social Sciences other topics 355 8.1
Government Law 325 7.5
Geography 324 7.4
Anthropology 279 6.4
Sociology 258 5.9
Linguistics 245 5.6
Area Studies 229 5.3
Cultural Studies 180 4.1
Communication 151 3.5
Psychology 150 3.4
Archaeology 133 3.1
Ethnic Studies 109 2.5
International Relations 103 2.4
Religion 93 2.1
Demography 86 2.0

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Asian Studies 83 1.9


Philosophy 81 1.9
Art 70 1.6
Music 64 1.5
Architecture 63 1.4
Women's Studies 58 1.3
Theatre 51 1.2
Film - Radio - Television 49 1.1
Public Administration 43 1.0
Urban Studies 39 0.9
History - Philosophy of Science 33 0.8
Social Work 31 0.7
Development Studies 20 0.5
Classics 4 0.1
Dance 4 0.1
Geology 1 0.0

[1] 7 records (0.161%) do not contain data in the field being analysed.
Source: Produced by the author with data collected on Web of Science

Firstly, we can observe that this subject is covered by researchers of many


fields, as the records presented in the table above show 35 different research areas,
with a maximum of 10% of publications for the main fields. Three fields present this
share of publications of approximately 10%: History; Education-Educational
Research; Arts – Humanities other topics. Surprisingly, we can see that Cultural
Studies arrive in 12th position with 4.1% of records despite one of the query keywords
being “cultur*”. Also, International Relations are in 17th position with 2.4% of records,
after areas such as Government Law (7.5%), Geography (7.4%), Anthropology
(6.4%) and Sociology (5.9%). This positioning is counter-intuitive but can be
explained by questions of disciplinary agendas built around a number of issues and
which affect research on the long term.

Figure 6 - Main event titles

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Source: Produced by the author with VOSviewer


This figure mainly points towards two observations. Firstly, we note the
preponderance of multidisciplinary events and events linked to Educational Research
(in line with the findings related to areas of research). Secondly, we note that
amongst the events which indicate the number of the edition, only 5 of the 25 events
have an edition number of 10 or above, whilst the other 16 have a number inferior to
10. This suggests that this type of work is presented at relatively young congresses,
seminars and other events.

Figure 7 - Main organisations

Source: Produced by the author with Web of Science tool

This graph represents the main organisations to which the authors of the
production corresponding to our criteria are attached. Though the data is not usable
for detailed analysis as all the organisations are not isolated based on the same
criteria (some are universities, some are groups, some are national research

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systems), the above graph does in any case corroborate the fact that universities
from border cities, regions and states are significantly represented. 10 of the
organisations included in the graph correspond to this criteria: University of California
System; University of Texas System; California State University System; University of
Toronto, University of British Columbia; Pennsylvia Commonwealth System of Higher
Education; State University of New York System; University of Texas El Paso;
University of Primorska, University of Tartu; University of Texas Austin; University of
Wisconsin System.

Borders and culture: co-occurrence networks of terms


Based on the previously described bibliographic data extracted from the Web
of Science, a co-occurrence network of terms was created using VOSviewer. Co-
occurrences are the simultaneous use of two keywords in one single publication,
based on the title, abstract and keyword list (VAN ECK; WALTMAN, 2014).
The following map is a two-dimensional network which, according to the
graph-based approach, puts an emphasis on the visual representation of: the
strength of the links between the items; and the most important items (those which
have most links). The distance between two items does not necessarily represent
their relatedness. However, items are grouped by clusters which are represented by
colours (VAN ECK; WALTMAN, 2014; 2019).

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Figure 8: Co-occurrence network of terms: cultur* AND border

Source: Produced by the author with VOSviewer

One first comment which can be made upon visualising this network generally
is that within the three most visible labels on the map, only one of the two keywords
included in our original bibliographic search is present: it is the keyword “culture”. The
keyword “border” does not seem to display as many links. Along with the keyword
“culture”, the other two most visible keywords are “migration” and “identity”. The
importance of this second keyword may demonstrate a strong relatedness between
research on culture and on identity within this bibliography, possibly due to the use of
an anthropological conception of culture.
Thereafter, we conducted visualisations of isolated keywords linked to three
groups of keywords: those linked to culture, those linked to borders and those linked
to cooperation.

Figure 9 - Visualisation of the network for the term “border”

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Source: Produced by the author with VOSviewer

Figure 10 - Visualisation of the network for the term “frontier”

Source: Produced by the author with VOSviewer

Figure 11 - Visualisation of the network for the term “borderland”

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Source: Produced by the author with VOSviewer

Figure 12 - Visualisation of the network for the term “boundary”

Source: Produced by the author with VOSviewer

A number of observations can be made based on the juxtaposition of these


four graphs. Firstly, the keyword “borderland” is the only one which displays no links
with the keyword “border”. This, along with the link it displays with the keyword
“regions” may suggest that the type of research which employs this concept is more
focused on spatial aspects than on political ones. This is corroborated by the links
displayed with the keywords “identity” and “memories”. The visualisation of the

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keyword “frontier” also displays links with the keyword “identity” whilst the keyword
“boundary” displays links with the keyword “culture”. The keyword “border” displays
links with both “culture” and “identity”. In terms of disciplinary uses, the keyword
“boundary” displays links with the keywords “political geography” and
“transnationalism”, which seems to suggest a use in the field of political geography.
The term borderland displays an apparent link to economics. The keyword border,
though it is potentially linked to various fields of research, displays explicit links only
with the discipline of geography, present as a keyword, as well the keyword
“cartography”.

Figure 13 - Visualisation of the network for the term “cooperation”

Source: Produced by the author with VOSviewer

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Figure 14 - Visualisation of the network for the term “institutions”

Source: Produced by the author with VOSviewer

Figure 15 - Visualisation of the network for the term “cross-border”

Source: Produced by the author with VOSviewer

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Figure 16 - Visualisation of the network for the term “cross-border


cooperation”

Source: Produced by the author with VOSviewer

The juxtaposition of these four graphs enables us to make the following


observations. Firstly, this category of keywords is the one which displays the
strongest links with issues linked to the European Union: “Cross-border cooperation”
displays links to the keyword “European Union”; “cooperation” to the keyword
“Europe”; and “Cross-border cooperation” and “cross-border” to the keyword
“territorial cohesion”. We can also note a strong presence of the regional aspect, with
both “Cross-border cooperation” and “cooperation” displaying links to the keyword
“region”. Finally, the keyword “cooperation” displays links to the keywords “lines” and
“frontiers” whilst the keyword “Cross-border cooperation” appears linked to those of
“border” and “borderlands”.

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Figure 17 - Visualisation of the network for the term “culture”

Source: Produced by the author with VOSviewer

Figure 18 - Visualisation of the network for the term “cultural integration”

Source: Produced by the author with VOSviewer

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Figure 19 - Visualisation of the network for the term “cultural borders”

Source: Produced by the author with VOSviewer

Figure 20 - Visualisation of the network for the term “cultural identity”

Source: Produced by the author with VOSviewer

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Figure 21 - Visualisation of the network for the term “identity”

Source: Produced by the author with VOSviewer

Figure 22 - Visualisation of the network for the term “cultural diversity”

Source: Produced by the author with VOSviewer

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The juxtaposition of the visualisation of the networks of these 6 concepts


related to culture enable us to make the following comments. The keyword
“interculturality” display a link to the keyword “cultural diversity” and so does the
keyword “cultural borders” along with “ethnicity”. This suggests a possible link to an
anthropological approach. Whilst the keywords “cross-border”, “cooperation” and
“cross-border cooperation” from the previous group of visualisations displayed
apparent links to the European Union, the keyword “cultural integration” displays a
link with “United States”. “Cultural identity”, whilst displaying links to local issues
through the keyword “territory” also appears connected to “political geography” and
notions such as “globalisation”, “multi-culturalism” and “intellectual property” which
relate to global issues. Finally, whilst the keyword “culture” appears linked mostly to
words which relate to governance, such as “state”, “institutions”, “cross-border
cooperation” and “territory”, the keyword identity appears linked keywords relating to
space, such as “borderland”, “third space”, “cultural tourism” and to a number of
keywords relating to notions of “community”, “memory” and “narrative”.

Concluding remarks
The main strength of bibliometric network visualisations is that they provide a
relatively easy way of processing large amounts of bibliographic data and of
presenting it visually. Its main purpose is thereafter to provide a clear visual
representation which highlights the core characteristics of the data. However, this
type of process relies on simplification and thus on loss of context and depth of
analysis. It therefore has to be used with the conscience of the strengths and
weaknesses of the tool and in combination with interpretation and judgement (VAN
ECK; WALTMAN, 2014). In this study, the aim was to verify a number of statements
made in existing literature and to gain clarity regarding the structuring of a field of
research through the medium of visual representation. Bibliometric network analysis
was combined with a previous brief exposition of literature and of pure exported
bibliometric data in order to attempt to draw a panorama of academic production at
the crossroads of the study of borders and culture.

References

AGNEW, J.; MITCHELL, K.; O’TUATHAIL, G. A Companion to Political

Corumbá/MS, Brasil. 7 a 9 de outubro de 2019. ISSN . 2178-2245


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Studies. Farnham: Ashgate, 2011.

Corumbá/MS, Brasil. 7 a 9 de outubro de 2019. ISSN . 2178-2245


292

* Graduada em Gestão Cultural, mestre em Gestão Cultural e Produção para as Artes Cênicas,
doutoranda em Relações Internacionais na Universidade de Brasília. E-mail:
solene.marie@gmail.com
i
“Há, sem dúvida, uma tendência para pensar as fronteiras a partir de uma concepção que se ancora
na territorialidade e se desdobra no político. Neste sentido, a fronteira é, sobretudo, encerramento de
um espaço, delimitação de um território, fixação de uma superfície. Em suma, a fronteira é um marco
que limita e separa e que aponta sentidos socializados de reconhecimento. Com isso podemos ver
que, mesmo nesta dimensão de abordagem fixada pela territorialidade e pela geopolítica, o conceito
de fronteira já avança para os domínios daquela construção simbólica de pertencimento a que
chamamos identidade e que corresponde a um marco de referência imaginária que se define pela
diferença.”
ii
The journal of Borderlands Studies, linked to the Association of Borderlands Studies, is not the only
journal with publications on border-related issues. But this study is mentioned here as the journal is a
leader in the field which, as well as focusing specifically on border issues, has existed for long enough
to provide for a structured analysis. Furthermore, this existing study constitutes a source of structured
and substantive bibliometric data which is relevant to our aim in this paper.
iii
This second figure is calculated excluding the undefined group.
iv
The figures included in this paragraph are adjusted appearances: “adjusted for the number of co-
authors, assigning full credit for single-authorship (1) and partial credit for co-authorship (0.5≤ x) […]
Author appearances [were adjusted] to reflect the number of contributing authors, where 2 authors =
0.5, three co-authors = 0.33, four co-authors = 0.25, and five co-authors = 0.2." (PISANI; REYES;
GARCÍA JR, 2009, p. 5)
v
0.4% of publications have an “unspecified” geographic origin.
vi
1- University of Texas – El Paso; 2- University of Arizona; 3- New Mexico State University; 4- San
Diego State University; 5- University of Texas – Pan American; 6- University of San Diego; 7- Texas
A&M International University; 8- University of North Texas; 9- El Colegio de la Frontera Norte –
Tijuana.
vii
Henceforth referring to the production which is at the crossroads of the subject of borders and of the
subject of culture
viii
Bibliometric network analysis software created by the Centre for Science and Technology Studies
(CWTS) of Leiden University
ix
The terms used in this article, for purposes of coherence, follow those used by the creators of the
VOSviewer software (VAN ECK; WALTMAN, 2019)
x
On the 24.07.2019
xi
Science Citation Index Expanded (SCI-EXPANDED. 1945 to present); Social Sciences Citation
Index (SSCI. 1956 to present); Arts & Humanities Citation Index (A&HCI. 1975 to present);
Conference Proceedings Citation Index- Science (CPCI-S. 1990 to present); Conference Proceedings
Citation Index- Social Science & Humanities (CPCI-SSH. 1990 to present); Emerging Sources Citation
Index (ESCI. 2015 to present)
xii
culture, cultures and cultural, border, borders, borderlanders
xiii
Query conducted on the 28.07.2019

Corumbá/MS, Brasil. 7 a 9 de outubro de 2019. ISSN . 2178-2245


292

NO TE PASES DE LA RAYA: ANTROPOFAGIA CARTOGRÁFICA


Não Perca a Listra: Antropofagia Cartográfica
Do Not Cross the Line: Cartographic Anthropophagy

Kathya Milena Morón Tadic1

Resúmen: Desde la indagación sobre los procesos de contramapeo en los


proyectos Chodoy Lof Mapu y el Mapa Waorani, se levanta un análisis en relación a
la apropiación de técnicas y modos de representación cartográficos. A partir de lo
anterior se propone la idea de antropofagia cartográfica: operación que produce
evidencias visuales de otras comprensiones y lógicas territoriales, las cuales se
inscriben bajo códigos oficiales en búsqueda de consolidar la reivindicación de sus
territorios.
Palabras clave: Cartografía, Dispositivo, Antropofagia.

Resumo A partir da investigação sobre os processos de contra-mapeamento nos


projetos Chodoy Lof Mapu e no Mapa Waorani, é feita uma análise em relação à
apropriação de técnicas cartográficas e modos de representação. Com base no
exposto, propõe-se a ideia da antropofagia cartográfica: uma operação que produz
evidências visuais de outros entendimentos e lógicas territoriais, que são registradas
sob códigos oficiais para consolidar a reivindicação de seus territórios.
Palavras-chave: Cartografia, Dispositivo, Antropofagia.

Abstract: From the inquiry on the counter-mapping processes in the Chodoy Lof
Mapu and the Waorani Map projects, an analysis is carried out in relation to the
appropriation of cartographic techniques and modes of representation. Based on the
above, the idea of cartographic anthropophagy is proposed: an operation that
produces visual evidence of other territorial understandings and logics, which are
registered under official codes in order to consolidate the claim of their territories.
Key-words: Cartography, Dispositive, Anthropophagy.

* Trabalho completo selecionado para publicação na Revista GeoPantanal, v. 14, n.


27, 2019.
https://periodicos.ufms.br/index.php/revgeo

1
Diseñadora Gráfica, Universidad de Chile; cursando Magister en Arte, Pensamiento y Cultura
Latinoamericanos, Universidad de Santiago de Chile. E-mail: katsmoron@gmail.com

Corumbá/MS, Brasil. 7 a 9 de outubro de 2019. ISSN . 2178-2245


293

O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL NA FRONTEIRA ATRAVÉS DE


UMA ESCOLA PÚBLICA FEDERAL: INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO,
CIÊNCIA E TECNOLOGIA DE MATO GROSSO DO SUL
Economic and Social Development at the Frontier Through a Federal Public School:
Mato Grosso do Sul Federal Institute of Education, Science and Technology
Economic and Social Development at the Frontier Through a Federal Public School:
Mato Grosso do Sul Federal Institute of Education, Science and Technology

Wanderson da Silva Batista


Mara Aline dos Santos Ribeiro

Resumo: Neste artigo analisa-se a relação entre desenvolvimento econômico e


social com educação gratuita, no âmbito da atuação do Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia do Mato Grosso do Sul, dos Campi de fronteira –
Corumbá e Ponta Porã. Buscou-se identificar as contribuições dessas duas
unidades, “escolas técnicas”, em prol do desenvolvimento local e regional,
especificamente as fronteiriças pertencentes as regiões noroeste e sudoeste do
Estado de Mato Grosso do Sul. O IFMS única instituição pública federal com
característica de oferta de ensino médio integrado ao profissionalizante com Campis
sediados nesses municípios. Constitui em seu eixo estruturante a oferta de formação
capacitação com vistas ao arranjo produtivo local. Constituiu nosso estudo o
percurso pela trajetória Institucional desses dois Campi a fim de analisar a execução
de atividades educacionais oferecidas aos estudantes residentes na conurbação
formada pelas cidades de Corumbá-Ladário-Puerto Quijarro e Ponta Porã – Pedro
Juan. Nossas análises apontam que a trajetória perpassa pelo alinhamento de
instrumentos institucionais como o Plano de Desenvolvimento Institucional – PDI, à
implementação de cursos voltados às necessidades da população fronteiriça.
Competência atribuída ao Instituto Federal por ser a única instituição pública federal
de Ensino Profissional e Tecnológico, cuja missão é atender as demandas locais
com flexibilização de seu plano de atuação (PDI) atualizado a cada cinco anos.
Constituindo-se com uma proposta de organização educacional diferenciada, em
consonância com os anseios das comunidades locais, fronteiriças e contribuindo
sobremaneira para o desenvolvimento econômico e social.
Palavras – chave: desenvolvimento local, educação profissional, fronteira.

Abstract: This paper analyzes the relationship between economic and social
development and free education, within the scope of the Federal Institute of
Education, Science and Technology of Mato Grosso do Sul, the frontier campuses -
Corumbá and Ponta Porã. We sought to identify the contributions of these two units,
“technical schools”, in favor of local and regional development, specifically the
borders belonging to the northwest and southwest of the state of Mato Grosso do


Graduado em Matemática - UFMS, mestre em Estudos Fronteiriços – UFMS. Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia de Mato Grosso do Sul. E-mail: wanderson.batista@ifms.edu.br

Graduada em Geografia - UFMS, mestre em Educação - UFMS, doutora em Geografia –
UNICAMP. Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. E-mail: mara_aline@yahoo.com.br

Corumbá/MS, Brasil. 7 a 9 de outubro de 2019. ISSN . 2178-2245


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Sul. The IFMS is the only federal public institution with supply characteristics. high
school integrated to the professional with Campis based in these municipalities. Its
structuring axis is the provision of training for the local productive arrangement. Our
study was the course through the Institutional trajectory of these two Campuses in
order to analyze the execution of educational activities offered to students residing in
the conurbation formed by the cities of Corumbá-Ladário-Puerto Quijarro and Ponta
Porã-Pedro Juan. Our analyzes indicate that the trajectory goes through the
alignment of institutional instruments such as the Institutional Development Plan -
PDI, to the implementation of courses aimed at the needs of the border population.
Competence attributed to the Federal Institute for being the only federal public
institution of Vocational and Technological Education, whose mission is to meet local
demands with flexibility of its action plan (PDI) updated every five years. Constituting
itself with a proposal of differentiated educational organization, in line with the
aspirations of the local communities, bordering and contributing greatly to the
economic and social development.
Key words: local development, professional education, frontier.

Resumen: Este documento analiza la relación entre el desarrollo económico y social


y la educación gratuita, en el ámbito del Instituto Federal de Educación, Ciencia y
Tecnología de Mato Grosso do Sul, los campus fronterizos: Corumbá y Ponta Porã.
Tratamos de identificar las contribuciones de estas dos unidades, "escuelas
técnicas", a favor del desarrollo local y regional, específicamente las fronteras que
pertenecen al noroeste y suroeste del estado de Mato Grosso do Sul. escuela
secundaria integrada al profesional con Campis con sede en estos municipios. Su
eje estructurante es la provisión de capacitación para el arreglo productivo local.
Nuestro estudio fue el curso a través de la trayectoria institucional de estos dos
campus con el fin de analizar la ejecución de las actividades educativas ofrecidas a
los estudiantes que residen en la conurbación formada por las ciudades de
Corumbá-Ladário-Puerto Quijarro y Ponta Porã-Pedro Juan. Nuestros análisis
indican que la trayectoria pasa por la alineación de instrumentos institucionales
como el Plan de Desarrollo Institucional - PDI, a la implementación de cursos
dirigidos a las necesidades de la población fronteriza. Competencia atribuida al
Instituto Federal por ser la única institución pública federal de educación vocacional
y tecnológica, cuya misión es satisfacer las demandas locales con flexibilidad de su
plan de acción (PDI) actualizado cada cinco años. Constituyéndose con una
propuesta de organización educativa diferenciada, en línea con las aspiraciones de
las comunidades locales, limitando y contribuyendo en gran medida al desarrollo
económico y social.
Palabras clave: desarrollo local, educación profesional, frontera.

* Trabalho completo selecionado para publicação na Revista GeoPantanal, v. 14, n.


27, 2019.
https://periodicos.ufms.br/index.php/revgeo

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O TEXTO LITERÁRIO COMO CONSTRUCTO DE UM ESPAÇO


TRANSCULTURAL E TRANSNACIONAL
El texto literario como construcción de un espacio transcultural y transnacional
The literary text like a construct of a transcultural and transnational

Lucilene Machado Garcia Arf*

Resumo: A leitura do texto literário aponta para a necessidade de um olhar


crítico e profundo sobre as fronteiras, uma vez que a mobilidade cultural
revela a construção de um espaço transcultural e transnacional diferenciado.
Com este estudo, buscamos um olhar mais atento à produção literocultural da
fronteira oeste de Mato Grosso do Sul, enfatizando a necessidade de abarcar
os conceitos de transculturalidade e transnacionalidade para compreender a
narratividade da existência humana, bem como vislumbrar novas perspectivas
interpretativas. Utilizamos como objeto de investigação as obras Mulas, de
Luiz Taques e Sempreviva de Antonio Callado e para referenciar esse
trabalho, buscamos o pensamento de Homi Bhabha como o principal aporte
teórico para reflexões a respeito dos princípios da formação identitária,
comportamentos, impasses e avanços na fronteira. Usamos ainda Ítalo
Calvino, entre outros, para falar de literatura e sociedade e a necessidade
desta no constructo da memória.
Palavras-chave: literatura, fronteira, transculturalidade, transnacionalidade,
espaço.

Resumen: La lectura del texto literario señala la necesidad de una mirada


crítica y profundizada sobre las fronteras, ya que la movilidad cultural revela la
construcción de un espacio trancultural y transnacional diferenciados. Con
este estudio, intentamos un examen más atento a la producción litero cultural
de la frontera oeste de Mato Grosso do Sul, dando énfasis a la necesidad de
abarcar los conceptos de tranculruralidad y transnacionalidad para
comprender la narratividad de la existencia humana, como también vislumbrar
nuevas perspectivas interpretativas. Utilizamos como objeto de investigación
las obras Mulas de Luiz Taques y Sempreviva de Antonio Callado y para
referenciar nuestra investigación, empleamos el pensamiento de Homi
Bhabha como el principal aporte teórico para reflexiones a respecto de los
principios de formación identitaria, comportamientos, impases y avances en la
frontera. Usamos todavía Italo Calvino, entre otros, para discutir literatura y
sociedad y la necesidad de ésta en el construcción de la memoria.
Palabras clave: literatura, frontera, transculturalidad, transnacionalidad,
espacio.

Abstract: The reading of a literary text appoints to a needing of a deep and


critic look about the frontier, once that a cultural movability reveals the
construction of a transcultural and transnational space different. In this study,
we search more carefully look to a production cultural-literature of the frontier

*
Professora Adjunta curso de Letras/CPAN e no Programa de Mestrado Estudos Fronteiriço.
Mestra em Estudos Literários/UFMS e doutora em Teoria da Literatura/UNESP.

Corumbá/MS, Brasil. 7 a 9 de outubro de 2019. ISSN . 2178-2245.


296

in west on Mato Grosso do Sul, emphasizing the needing to look on the


concept of the transculturation and transnationality to comprehend the
narrativity of the human existence, and catch a glimpse of new perspectives
interpretative. We used like objective of investigation the books Mula from Luiz
Taques and Sempreviva from Antonio Callado and to refer this article, we
researched the thought from Homi Bhabha like a principal teoric contribution to
reflections about principles of identifying formation, behaviors, impasses and
advances in frontier. We also used Ítalo Calvino, and others, to talk about
literature and society and the needing of that in construct of the memory.

Key words: literature, frontier, transculturation, transnationality, space.

* Trabalho completo selecionado para publicação na Revista Para Onde?


(UFRGS), no número referente ao primeiro semestre de 2020.
https://seer.ufrgs.br/paraonde

Corumbá/MS, Brasil. 7 a 9 de outubro de 2019. ISSN . 2178-2245.


297

PAISAGEM SÓCIO-ESPACIAL TRANSFRONTEIRIÇA: UMA PROPOSTA


DE ENSINO E PESQUISA SOBRE FRONTEIRAS
Cross-Border Socio-Spatial Landscape: A Border Teaching and Research Proposal
Paisaje Transfronterizo Socio-Espacial: Una Propuesta de Enseñanza e
Investigación Fronteriza

Adriana Dorfman
Edgar Garcia Velozo
Luísa Amato Caye

Resumo: O presente texto apresenta uma prática voltada à propiciar aos alunos de
graduação experiências de pesquisa e aprendizagem sobre processos fronteiriços.
Duas disciplinas, ministradas simultaneamente na Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (Brasil) e na State University of Arizona (Estados Unidos) trabalharam
na construção de análise comparativa de paisagens transfronteiriças em Aceguá,
BR/ Acegua, UY e Nogales, MX/ Nogales, US. Combinando uma matriz de
observação transfronteiriça sistemática, teorias geográficas sobre a paisagem e
sobre o espaço, diretrizes foram estabelecidas para descrever a paisagem sócio-
espacial transfronteiriça em seus domínios, como forma, função, estrutura e
dinâmica. Com tais dados, os estudantes construíram relatórios integrando fotos,
entrevistas e a descrição de cada domínio, aliados a percepções sobre a interação
transfronteiriça. O relatório final da turma contribuiu para a produção do presente
trabalho. A avaliação desta experiência foi muito positiva, na medida em que
proporcionou o amadurecimento da metodologia e a iniciação de pesquisadores
através de uma experiência de comparações cruzadas.
Palavras-chave: Cidades-gêmeas. Educação. Fronteira. Paisagem Transfronteiriça.
Metodologia.

Abstract:This paper presents an experiment aimed at providing undergraduate


students with research and learning experiences on border processes. Two
seminars, taught simultaneously at the Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(Brazil) and the State University of Arizona (United States), worked on the
comparative analysis of cross-border landscapes in Aceguá, BR / Acegua, UY and
Nogales, MX / Nogales, US. Combining a systematic cross-border observation
matrix, geographical theories on landscape and space, guidelines have been
established to describe the cross-border socio-spatial landscape in its domains such
as form, function, structure and dynamics. With this data, students wrote reports
integrating photos, interviews and the description of each domain, coupled with
insights into the cross-border interaction. The final report of the class contributed to
the production of this work. The evaluation of this experiment was very positive, as it


Doutora em Geografia e Professora associada do Departamento de Geografia da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, Professora permanente do Programa de Pós-Graduação em
Geografia/UFRGS. E-mail: adriana.dorfman@ufrgs.br

Acadêmico de Geografia, UFRGS, edgar.velozo@ufrgs.br

Acadêmica de Geografia, UFRGS, luisa.caye@ufrgs.br

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298

provided the enhancement of the methodology and the initiation of researchers


through a comparative experiment.
Key words: Twin cities. Education. Borders. Cross-border Landscape. Methodology.

Resumen: Este artículo presenta una práctica destinada a proporcionar a los


estudiantes universitarios experiencias de investigación y aprendizaje sobre
procesos fronterizos. Dos asignaturas, impartidas simultáneamente en la
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Brasil) y en Arizona State University
(Estados Unidos), trabajaron en el análisis comparativo de paisajes transfronterizos
en Aceguá, BR / Acegua, UY y Nogales, MX / Nogales, Estados Unidos.
Combinando una matriz sistemática de observación transfronteriza, teorías
geográficas sobre el paisaje y el espacio, se han establecido pautas para describir el
paisaje socio-espacial transfronterizo en sus dominios, como la forma, la función, la
estructura y la dinámica. Con estos datos, los estudiantes escribieron informes
integrando fotos, entrevistas y la descripción de cada dominio, junto con información
sobre la interacción transfronteriza. El informe final de la clase contribuyó a la
producción de este trabajo. La evaluación de este experimento fue muy positiva, ya
que proporcionó la mejora de la metodología y el inicio de los investigadores a través
de un experimento comparativo.
Palabras clave: Ciudades gemelas. Educación. Fronteras. Paisaje Transfronterizo.
Metodología.

Apresentação
A proposta deste estudo transfronteiriço comparativo foi idealizada pelos
Professores Adriana Dorfman (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRGS)
e Francisco Lara-Valencia (Arizona State University, ASU), com o intuito de
apresentar aos estudantes da graduação formas de pesquisar a fronteira e de
aproximarem-se de suas complexidades, através da análise da paisagem
transfronteiriça.
Para realizar este estudo se fez necessário estabelecer uma metodologia
compreensiva que partiu de uma exposição sobre Estudos Fronteiriços para os
alunos, apresentando exemplos próximos aos estudantes da UFRGS e da ASU,
nesse caso, as cidades-gêmeas de Aceguá, BR/ Aceguá, UY e Nogales, MX/
Nogales, US. Com base nisso, se deu início à construção da análise comparativa
entre esses dois ambientes fronteiriços e se fez uso de dois recursos procedimentais
para realizar observações em campo, sendo eles a Matriz de Observação
Sistemática estruturada pelo Prof. Francisco Lara (2018) e o Manual de Leitura de
Paisagem elaborado pelos Professores Roberto Verdum e Luiz Fernando Mazzini
Fontoura (2009).

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A análise das cidades-gêmeas é frequentemente identificada com estudos de


caso, e aos seus alcances e limites. Além de relatar uma prática didática factível
para aqueles dedicados aos Estudos Fronteiriços, a intenção deste artigo é
apresentar uma metodologia que permita superar o estigma de irrelevância por
vezes atribuído à pesquisa de cidades da fronteira, ao facilitar a comparação e
organização de casos, não mais isolados.

Domínios da paisagem sócio-espacial transfronteiriça


A Matriz de Observação Sistemática proposta por Lara-Valencia parte de um
diagrama com dois círculos concêntricos de 0,5km e 1km cada, que é sobreposto
em imagens aéreas ou mapas da área de estudo, sendo o ponto irradiador a linha
de fronteira e o principal acesso para cruzá-la, de forma que os círculos sejam
divididos em sua metade - uma metade para cada lado do limite (figuras 1 e 2).

Figura 1: Matriz de observação sistemática para Aceguá, BR/ Acegua, UY. Elaboração de Dorfman,
Caye e Velozo sobre proposta de Lara-Valencia, 2018.

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300

Figura 2: Matriz de observação sistemática de Nogales, MX/ Nogales, US. Elaboração de Dorfman,
Caye e Velozo sobre proposta de Lara-Valencia, 2018.

A publicação de Verdum e Fontoura traz um roteiro metodológico para realizar


a leitura da paisagem, considerando temas relevantes à realidade local e regional
(VERDUM; FONTOURA, 2009). Aproximamos a matriz de observação sistemática
ao roteiro de leitura da paisagem, em conjunto com o método de Milton Santos na
obra Espaço e Método (1985), que propõe a análise espacial da forma, função,
estrutura e processo, e formulamos um esquema de análise da paisagem
transfronteiriça para ser empregado nos trabalhos de campo e na elaboração dos
relatórios descritivos. Desta forma, estabelecemos critérios que permitiam a
aproximação das análises feitas para cada par de cidades.
Para o trabalho de campo, e sintetizando a proposta, definiu-se espaço de
fronteira como o território próximo à fronteira internacional, onde processos
econômicos, a vida social e a natureza são influenciados direta e significativamente
pela presença da fronteira. O processo de integração transfronteiriça foi conceituado
como envolvendo diferentes níveis e graus de vínculos e convergências entre
economias e sociedades fronteiriças vizinhas. A integração requer a interação e
combinação de duas sociedades, o que pode ocorrer simultaneamente em
diferentes domínios e frequentemente se move em direções opostas.
Os domínios da paisagem socioespacial transfronteiriça se manifestam em
pelo menos quatro domínios que se sobrepõem: forma, função, estrutura e dinâmica
(processo), e que estão resumidos no seguinte quadro.

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Quadro 1: Resumo dos domínios da paisagem sócio-espacial transfronteiriça

DOMÍNIO DEFINIÇÃO EXEMPLOS

Forma Aspecto visível de uma paisagem com Ocupação das terras,


elementos do ambiente natural e morfologia, presença de
construído e facilmente reconhecíveis água, cobertura vegetal,
em campo, que expressam as condições de arruamento,
oportunidades e os fluxos de interação etc. Postos de controle,
através das fronteiras. pontes, túneis, ruas,
sinalizações, canais,
canos, estruturas de
transporte, muros, etc.

Função Apropriação do espaço e uso social. Turismo, compras,


Atividades ligadas a economias e viajantes, migrações,
sociedades que representam a terceirização de empresas,
interação, as complementaridades, comércio e outros fluxos
interdependências ou a separação entre humanos e econômicos
ambos lados da fronteira. continuados e
intermitentes.

Estrutura Se refere ao alcance dos mecanismos Intervenções estatais


formais e informais e às realizadas e propostas.
normas/legislações criadas para Cooperação, coordenação,
regular as interações sociais e acordos, redes, planos,
econômicas na área. Revela a natureza coalizões, conselhos, etc.
social e econômica dos espaços
construídos e interfere nas dinâmicas
das paisagens.

Processo/ Práticas contínuas que geram Dinâmicas derivadas das


Dinâmica semelhanças e diferenças entre as interações sociais e
(inclusive unidades de paisagem ao longo do econômicas. Dinâmicas
cultural e tempo, em sua continuidade e em culturais e simbólicas
simbólica) mudanças. Implica a produção de como Língua, artes,
expressões culturais e de ideias de identidade, alteridade, etc.
pertencimento e conexão afetiva que os
residentes de um lado da fronteira têm
para os residentes do outro lado
Fonte: Elaborado por Dorfman a partir de Lara-Valencia (2018), Verdum; Fontoura (2009) e Santos
(1985).

Compartilhando experiências de ensino e pesquisa sobre fronteiras


Através do referencial citado acima, e com a orientação da Prof. Adriana
Dorfman e do prof. Francisco Lara-Valencia, as turmas realizaram uma exploração
virtual das duas áreas de estudo lançando mão do software Google Earth Pro,

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302

permitindo realizar comparações entre ambos pares de cidades com base na visita
virtual. No início de novembro de 2018, os professores deram aulas via Skype,
trocando as turmas. Apesar das questões de fuso horário, a apresentação das
cidades-gêmeas próximas dos professores para alunos distantes provocou enorme
interesse nos alunos e facilitou a exploração de semelhanças e diferenças entre
Ambas Aceguás e Ambos Nogales.
Com base na matriz de observação sistemática dos domínios da paisagem
sócio-espacial transfronteiriça, foram organizadas as atividades e responsabilidades
da turma de Geografias Descoloniais para o trabalho de campo a ser realizado em
Ambas Aceguás. Tal procedimento foi também realizado pelo Professor Francisco
Lara-Valencia nos Estados Unidos, com a turma da disciplina Borders in Motion, pois
ambas disciplinas previam trabalho de campo em seus planos de ensino.
O uso do trabalho de campo como metodologia de ensino aplica-se
contemporaneamente a algumas áreas da ciência, tais como a Antropologia e a
Geografia, que buscam a observação e a análise de objetos situados
geograficamente fora do espaço das bibliotecas e salas de aula. Os estudos
antropológicos, assim como os estudos geográficos do século XIX, baseavam-se na
leitura de relatos de viajantes, missionários, navegadores ou de expedições
científicas. Sendo assim, seus conhecimentos restringiam-se à visão de terceiros
sobre o espaço analisado. Os antropólogos, conhecidos como antropólogos de
gabinete, produziam seus estudos sem contato direto com o objeto de pesquisa
(LIFSCHITZ; NEVES,2011).
O trabalho de campo passa a se tornar uma prática para esses pesquisadores
no final do século XIX, a partir do momento em que se percebe que o próprio
pesquisador deve atuar ativamente na pesquisa através da observação direta. Essa
prática constitui o método etnográfico, para antropólogos, e é base da identidade
também de geógrafos, pois assume-se que o conhecimento geográfico se diferencia
dos demais pela multidisciplinaridade que o mesmo exige com leitura do espaço,
que tem como método de investigação o trabalho de campo. Nas palavras de Pierre
George:
A coleta de dados atrai o geógrafo para o campo – e para os quadros
metodológicos das ciências de análise que dizem respeito ao meio natural e
aos fatos humanos. Vê-se ela compelida a assumir as funções do geólogo,
do petrógrafo, do pedólogo, botânico, do climatólogo, do hidrólogo, assim
como as do demógrafo, do etnólogo, do sociólogo, do agrônomo, do

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303

economista, do urbanista... e isto, toda vez que aborda o todo geográfico


(1978, p. 9).
A inclusão de trabalhos de campo nas disciplinas de ensino superior
acompanha a difusão da informação e a facilitação do deslocamento de pessoas e
reflete o entendimento de que práticas de leitura do espaço integram não apenas as
atividades de pesquisa, mas também o ensino-aprendizagem. Assim, o trabalho de
campo integra o processo pedagógico e de pesquisa, atingindo seus objetivos de
observação, coleta e análise de dados referentes ao tema adotado como objeto de
pesquisa, portanto, exige uma fundamentação teórica prévia para que o conjunto
das informações coletadas e observadas possam ser posteriormente estudadas e
interpretadas. Dessa forma, o trabalho de campo permite propor ao aluno que se
afaste do seu espaço-tempo usual, instigando-o à observação e análise de
fenômenos geográficos e sociais. Considera-se que esse método é responsável pela
união da teoria e prática, e que através dele o aluno e o pesquisador, com uma
fundamentação prévia, irão aprofundar seus conhecimentos. É importante ressaltar
que, embora um trabalho pré-campo seja usualmente precedido da análise de
fotografias e fotos aéreas, mapas, elaboração de questionários, fichas de
observação, entre outros preparativos, somente com presença do pesquisador no
local de observação é que se saberá o que se irá encontrar. Portanto, a pesquisa em
campo é o processo que procura o contraponto entre as hipótese e conhecimentos
prévios do observador e a realidade do espaço.

Pesquisando em Ambas Aceguás


Nos dias 10 e 11 de novembro de 2018 foi realizado um trabalho de campo,
saindo de Porto Alegre em direção à Bagé e Acegua, BR/ Acegua, UY (figura 3).

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Figura 3: Mapa de localização das cidades de Aceguá, BR/ Acegua, UY.

Cartografia de Luísa Amato Caye (2019).

A saída de Porto Alegre para Aceguá, BR/ Acegua, UY aconteceu no dia 10


de novembro de 2018, logo no início da manhã, com chegada e início do trabalho de
campo na área fronteiriça no começo da tarde. A observação em campo foi realizada
em uma tarde, tendo em vista o pouco tempo disponível para a realização do
trabalho do campo, condicionado pelos recursos e cronograma da faculdade e dos
alunos, sem a perda de dias letivos ou de trabalho, e pela distância de Porto Alegre
a Aceguá (432 km).
A partir do observado em campo e seguindo as diretrizes para a realização
deste experimento, foram elaborados cinco relatórios de análise da paisagem
transfronteiriça em Ambas Aceguás pelos alunos da disciplina de Geografias
Descoloniais. Cada grupo ficou responsável por fazer suas observações em dois
quadrantes (dentro de um total de oito) referentes à Matriz de Observação
Sistemática (LARA-VALENCIA, 2018), sendo um destes quadrantes no lado

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brasileiro e o outro no lado uruguaio do limite internacional. O mesmo procedimento


foi realizado pelos estudantes de Borders in Motion em Ambos Nogales.
Infelizmente, as atividades compartilhadas entre brasileiros e norte-americanos
foram abandonadas nesse ponto e os relatórios não foram comparados.
Dentre os aspectos observados e descritos em cada quadrante,
principalmente em relação aos domínios sócio-espaciais de integração
transfronteiriça apresentados anteriormente (forma, função, estrutura e dinâmica),
diversos elementos relevantes foram destacados pelos alunos em seus relatórios.
Em primeiro lugar, foram observados os aspectos visíveis da fronteira,
caracterizados por fluxos - ou seja, interação e integração geraram muitos registros
nos relatórios. A fronteira internacional acompanha uma estrada de terra que
permite o fluxo livre entre as cidades (ainda mais quando comparada com os muros
e barreiras presentes em Ambos Nogales). No entanto, há uma aduana em uma
estrada perpendicular à linha de fronteira que fiscaliza a entrada de alguns veículos
com mercadorias. A população ocupa ambos os lados da estrada e não há uma
estrutura física que impeça a passagem de pedestres, como uma grade ou um muro.
Ao longo desta via, muitas casas comerciais se alinham, mas nos quadrantes
visitados há predominância das áreas residenciais. A livre passagem pode ser
simbolizada por um parque infantil, onde o balanço oscila entre Brasil e Uruguai
(figura 4).

Figura 4: Balançando sobre a linha de fronteira em Ambas Aceguás.

Foto de Adriana Dorfman (2018).

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No que se refere às funções, as atividades e interações entre as cidades e as


funcionalidades específicas da fronteira foram analisadas, como a presença dos
freeshops do lado uruguaio, exclusivamente voltados para o turismo de compras de
brasileiros (figura 5). Além disso, muitas pessoas, de qualquer nacionalidade,
atravessam a fronteira para adquirir produtos em lojas, mercados e armazéns, pois a
flutuação do câmbio monetário faz com que ora seja mais barato comprar no Brasil,
ora no Uruguai. Outras interações que ocorrem na fronteira Aceguá-Aceguá estão
ligadas à migração pendular realizada por trabalhadores, estudantes e pessoas que
necessitam atendimento médico e usufruem dos recursos oferecidos pelo país
vizinho.

Figura 5: Vista de um marco de fronteira e de freeshops em Acegua, UY.

Foto de Adriana Dorfman (2018).

Em relação à estrutura, e ao que concerne o alcance dos mecanismos


formais e informais, bem como às legislações e regulação das interações sociais e

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econômicas, existem algumas iniciativas de integração e aperfeiçoamento dos


serviços públicos compartilhados. Por exemplo, a integração que se dá através da
educação, com crianças uruguaias que fazem o ensino fundamental em escolas
brasileiras, e da saúde, visto que Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro pode ser
acessado pelos residentes do país vizinho. Há diversas placas que explicitam os
projetos de políticas públicas que impulsionam a integração entre as duas cidades -
alguns desses com forte investimento do fundo para a convergência estrutural do
Mercado Comum do Sul (FOCEM) (figura 6).

Figura 6: Placa indicando a origem integracionista dos fundos para a qualificação do


saneamento básico em Aceguá, BR/ Acegua, UY.

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Foto de Edgar Velozo (2018).

Ainda no domínio estrutural, é importante notar que Aceguá, BR é um


município, e que nos encontrávamos na cidade-sede do mesmo. Enquanto isso,
Aceguá, UY é uma vila, dependente do departamento de Cerro Largo. Isso se
expressa espacialmente em menores investimentos e menos equipamentos de
serviços à população.
A detecção de dinâmicas depende da interação com a população.
Conversando com os moradores sobre suas vivências na área de fronteira, foram
observadas dinâmicas derivadas das interações sociais e econômicas que implicam

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a produção de expressões culturais e de ideias de pertencimento e conexão afetiva


que os residentes de um lado da fronteira têm para os residentes do outro lado.
Se percebe uma forte integração cultural e econômica nesse espaço, uma vez
que as crianças desde pequenas são educadas de forma multicultural em um
ambiente incomum para pessoas que moram em cidades longe da fronteira. Jovens
e adultos fazem o mesmo trajeto diariamente para estudar, trabalhar ou fazer
compras e essa convivência fortalece os laços entre a população das duas cidades.
No relatório escrito pelos colegas João Meinke, Leonardo Fachel, Marina Feldens e
Nahiene Ramos é citado o PEIF (Programa Escolas Interculturais de Fronteiras) e
comentam que este programa "realiza diversos trabalhos de integração educacional
na fronteira junto com a UNIPAMPA (Universidade Federal do Pampa) e IFSUL
(Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia), solidificando o acesso
ao ensino médio e superior".
Outro exemplo de processos integrados foi conhecido em uma conversa com
um ex-membro da polícia do Uruguai, em que o homem afirmou que há uma
cooperação feita entre os departamentos de polícia dos dois países, em que os
agentes combinam e autorizam a entrada dos mesmos no outro país para a procura
de fugitivos.
O quadro 2 seguir sintetiza as observações registradas nos cinco relatórios
produzidos após a excursão, tomando como base a matriz de observação
sistemática dos domínios da paisagem sócio-espacial transfronteiriça.

Quadro 2: Domínios da paisagem sócio-espacial transfronteiriça em Ambos Aceguás.

FORMA + Área predominantemente residencial organizada pela estrada (Rodovia


Transbrasiliana), limite territorial entre Brasil e Uruguai.
+ Fronteira sem barreiras à passagem da população, fluxo livre entre as
cidades, que parece totalmente geminada.
+ Presença de Aduana em uma estrada perpendicular à linha de fronteira
que fiscaliza a entrada de alguns veículos com mercadorias.

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FUNÇÃO + Comércio integrado pela flutuação das moedas locais.


+ Migração pendular de trabalhadores, estudantes e usuários de serviço
ou recurso no país vizinho, como atendimento médico.
+ Freeshops localizados no lado uruguaio geram turismo de compras de
brasileiros. Uruguaios não podem comprar nesses estabelecimentos.

ESTRUTURA + Iniciativas de melhorar e integrar os serviços públicos sinalizadas por


placas institucionais com menção a agências de convergência estrutural e
integração regional.
+Asfalto apenas na área de circulação junto aos freeshops
+ Acegua, UY tem status administrativo inferior à Aceguá, BR e tem
aspecto mais rural, enquanto Aceguá/BR tem aspecto mais urbano.

DINÂMICA + Espaço multicultural e de forte integração econômica.


+ Integração promovida pela circulação da população em busca de
serviços e no exercício de suas funções (policiamento, comercialização)
+ União facilmente perceptível entre a população de Aceguá, BR e
Aceguá, UY.
Fonte: Relatórios de campo da turma de Geografias Descoloniais, UFRGS, 2018.

Apesar dos empecilhos encontrados para a realização do campo, como o


tempo curto e a tarde quente, foram obtidos ótimos resultados a partir da
observação feita pelos alunos, que tiveram a experiência de analisar a atividade em
uma cidade-gêmea na fronteira do Rio Grande do Sul. Há grande entusiasmo em
visitar a fronteira, e vários discentes relataram ter sido este seu primeiro contato com
essa espécie de espaço (figura 7).

Figura 7: Alunos, professores e moradores no marco de fronteira em Ambas


Aceguás.

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311

Foto de Luiz Fernando Mazzini Fontoura (2018).

Considerações Finais
As atividades anteriores, durante e posteriores ao trabalho de campo foram
marcadas por diversas discussões, a fim de encontrar os melhores caminhos para o
desenvolvimento do trabalho. Todos esses momentos tiveram um importante papel
no processo de organizar e construir um projeto de pesquisa em cidades-gêmeas
como estratégia de ensino, com a finalidade de aproximar a realidade fronteiriça dos
estudantes, assim enriquecendo o processo de aprendizagem.
A estratégia utilizada pareceu eficaz, na medida que os alunos foram capazes
de escrever e construir relatórios que, além das descrições objetivas dos locais
visitados, contavam com diversas percepções sobre a paisagem transfronteiriça,
contribuindo para o debate e análise de ambientes fronteiriços.
A elaboração dos relatórios motivou a continuidade das pesquisas, lançando-
se mão de bibliografia e de material documental. Assim, verificou-se que a cidade de
Aceguá (BR) apresenta, de acordo com o censo de 2010 do IBGE, 4.394 habitantes,
sendo em sua maioria moradores da parte rural, enquanto Aceguá (UY) possui
menos de 2.000 habitantes. Ambas são cidades pequenas localizadas distantes dos

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grandes centro urbanos, assim como de suas respectivas capitais, Porto Alegre e
Montevidéu. Localizam-se dentro do território definido como faixa de fronteira e por
se situar em áreas periféricas dos Estados nacionais, fogem do destino das
tradicionais políticas de desenvolvimento destinadas ao centros urbanos centrais.
Considerou-se que a geminação entre Ambas Aceguás promove fluxos
intensos de pessoas e mercadorias. As pessoas atravessam de um lado para o
outro diariamente e também podem utilizar dos serviços públicos dos dois Estados,
como é o caso das escolas em que há tanto crianças brasileiras quanto uruguaias. A
partir da experiência em campo pode-se constatar que as dinâmicas diárias da
população exigem acordos de cooperação entre as entidades locais. A integração ao
nível local cabe aos atores efetivamente participantes nas políticas diárias de
desenvolvimento regional, como prefeituras, associações, departamentos de polícia,
etc.
No Brasil, principalmente na parte sul, a região fronteiriça apresenta um alto
grau de integração entre as populações vizinhas. A integração apresenta-se de
forma orgânica, através da convivência diária entre uruguaios e brasileiros, que a
partir do compartilhamento de aspectos culturais, políticos e econômicos,
desenvolvem identidades culturais próprias, diferentes daquelas identificadas dentro
de áreas mais centrais nos Estados.
O roteiro de análise desenvolvido pelos professores Roberto Verdum e Luiz
Fernando Mazzini Fontoura fornece suporte para a leitura de paisagem, que ao ser
agregado aos esquemas de análise transfronteiriça do prof. Francisco Lara-
Valencia, gera um protocolo de análise de paisagem transfronteiriça, neste caso
com foco em Aceguá-Aceguá, que integrou os quatro aspectos para análise da
paisagem: forma, função estrutura e dinâmica. A leitura do clássico de Milton Santos
permitiu aprofundar a compreensão dos processos e de sua dialética. Dessa forma,
aspectos específicos para essa escala de análise foram observados e analisados,
podendo tipificar e especificar os processos e dinâmicas em ação nessa região de
fronteira.
As experiências vividas em Ambas Aceguás e as conclusões a que se chega
após sua discussão pode ser entendida como um estudo de caso, mas seu sentido
foi aprofundado a partir da comparação com Ambos Nogales. Assim, foi possível
constatar as diferentes visibilidades dos atores que animam essa paisagem,
tomando em consideração suas materializações na área urbana de Ambas Aceguás.

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Os Estados são bastante visíveis, em estruturas como marcos, bandeiras e


aduanas, por exemplo, ainda que não exerçam controle rígido (sempre tomando
como parâmetro a fronteira fechada de Ambos Nogales). Os atores econômicos
expressos na materialidade dos free-shops têm grande visibilidade, com destacadas
construções, dispostas ao longo do único trecho asfaltado dentro da cidade. Os
atores da sociedade local materializam-se nos pequenos comércios e nas
construções residenciais, prédios e casas em geral pequenos e simples. As pessoas
circulam livremente, balançam seus corpos sobre a linha de fronteira, contestando e
reafirmando a separação dos territórios estatais. Em sua medida, a escala de ação
de cada um desses atores constitui a paisagem sócio-espacial transfronteiriça de
Ambas Aceguás.

Referências bibliográficas

GEORGE, Pierre. Os métodos da Geografia. Tradução de Heloysa de Lima Dantas.


São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1978.

LARA-VALENCIA, Francisco. Socio-spatial Domains of Cross-border Integration:


Systematic Observation Matrix. Mimeo, 2018, 5 p.

LIFSCHITZ, Javier Alejandro; NEVES, Sandro Campos. Estudos Antropológicos. Rio


de Janeiro: Fundação Cecierj, 2011.

SANTOS, Milton. Espaço e método. São Paulo: Nobel, 1985. 88p.

VERDUM, Roberto; FONTOURA, Luiz Fernando Mazzini. Temáticas rurais: do local


ao regional. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2009. 48 p.

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PUBLICAÇÕES SOBRE ESTUDOS FRONTEIRIÇOS NO BRASIL DE 2000 À


2018: UM ESTUDO SOBRE PRINCIPAIS PERIÓDICOS E TEMÁTICAS
Publication on Non-Brazil Fronteiriços Studies of 2000 à 2018: un Study on Periodic
and Thematic Principles
Publicaciones sobre Estudios Fronterizos en Brasil 2000 a 2018: un Estudio Sobre
Principales Temáticas y Periódicos

Vithor Amaral Prestes


Débora Mendes Pizzio
Rafael Port da Rocha

Resumo: O artigo em questão está relacionado ao projeto Unbral Fronteiras e


possui natureza quantitativa. O objetivo central é caracterizar a publicação sobre
Estudos Fronteiriços em periódicos, dando destaque para a diversidade de temas
abordados. Para isso, extraíram-se, na forma de tabelas, dados bibliográficos de
publicações da base de dados do Unbral Fronteiras, que possibilitaram a análise dos
periódicos publicados e das palavras-chave pertencentes a temática Fronteira. Os
artigos analisados pertencem à cinco periódicos: Revista Geopantanal, Geographia
(UFF), Confins (Paris), Tempo da Ciência e Boletim Gaúcho de Geografia.
Observou-se que alguns assuntos que apresentam maior frequência estão
presentes em todas as revistas examinadas, como é o caso das palavras-chave
“Brasil”, “Território” e “Identidade”, enquanto outros concentram-se em um periódico
específico. Com os dados extraídos, verificou-se a interdisciplinaridade do tema
Fronteira, o êxito dos dossiers na pesquisa acadêmica e a evolução cronológica dos
assuntos mais frequentes.
Palavras-chave: Estudos Fronteiriços; território; cultura; educação; identidade;
Amazônia; bibliometria.

Abstract: This article is related to the Unbral Fronteiras Project and has a
quantitative approach. The main objective is to characterize the journals publication
on Border Studies, highlighting the diversity of themes. Extractions of bibliographic
data in Unbral Fronteiras Portal allowed the analysis of the journals and keywords
belonging to the Border thematic. The articles belong to five journals: Revista
Geopantanal, Geographia (UFF), Confins (Paris), Tempo da Ciência and Boletim
Gaúcho de Geografia. It was observed that some subjects are present in all journals
examined, such as the keywords "Brasil", "Território" (territory) and "Identidade"
(identity), while others appear on a specific journal. Interdisciplinarity in Border


Graduando em Geografia - Bacharelado (UFRGS), atualmente é bolsista de iniciação científica no
projeto Unbral Fronteiras - Portal de Acesso Aberto das Universidades Brasileiras sobre Fronteiras e
Limites.

Graduanda em Geografia - Bacharelado (UFRGS), atualmente é bolsista de iniciação científica no
projeto Unbral Fronteiras - Portal de Acesso Aberto das Universidades Brasileiras sobre Fronteiras e
Limites.

Doutor em Ciências da Computação (UFRGS). Atualmente é professor associado do
Departamento de Ciência da Informação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

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Studies was evident, as well as the importance of dossiers in academic research and
the chronological evolution of the most frequent subjects.
Keywords: Border Studies; territory; culture; education; identity; Amazon;
bibliometric analysis.

Resumen: El artículo en cuestión está relacionado con el proyecto Unbral Fronteiras


y tiene una naturaleza cuantitativa. El objetivo principal es caracterizar la publicación
sobre Estudios Fronterizos en revistas, destacando la diversidad de temas. Para
esto, examinamos datos bibliográficos de publicaciones de la base de datos de
Unbral Fronteiras, que permitieron el análisis de revistas publicadas y palabras clave
pertenecientes a los Estudios Fronterizos. Los artículos analizados pertenecen a
cinco revistas: Revista Geopantanal, Geographia (UFF), Confins (Paris), Tempo da
Ciência y Boletim Gaúcho de Geografia. Se observó que algunos temas que son
más frecuentes están presentes en todas las revistas examinadas, como las
palabras clave "Brasil", "Território" (territorio) e "Identidade" (identidad), mientras que
otros ocurren en una revista específica. Con los datos extraídos ya organizados, fue
posible verificar la interdisciplinariedad del tema Frontera, el éxito de los dossiers en
la investigación académica y la evolución cronológica de los temas más frecuentes.
Palabras clave: Estudios Fronterizos; territorio; cultura educación; identidad;
Amazonia; bibliometría.

* Trabalho completo selecionado para publicação na Revista GeoPantanal, v. 14, n.


27, 2019.
https://periodicos.ufms.br/index.php/revgeo

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O CORPO SEM FRONTEIRAS E SUAS SIGNIFICAÇÕES NOS CIBERESPAÇOS


The body without borders and the meanings in a cyberspace
El cuerpo sin fronteras y sus significados en el ciberespacio

Renata Cardoso Doyle Maia


Paulo Marcos Esselin

Resumo: Este artigo tem como objetivo analisar a construção de novas identidades
e práticas de sociabilidade nos ciberespaços, em especial acerca da necessidade de
o corpo físico estar presente (ou não) para interagir com as outras pessoas. Para a
execução do estudo adotou-se a pesquisa exploratória com resenhas de literatura
sobre o tema, encontradas na Biblioteca da Municipal de Corumbá/MS e nas
dissertações do Programa de Pós-Graduação em Estudos Fronteiriços, área de
concentração ocupação e identidade fronteiriça, do Campus Pantanal da
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Foi possível concluir que, apesar das
interações ocorrerem em ambiente virtual, o corpo ainda está sempre nos processos
comunicacionais e continua sendo um elemento fundamental na sociabilidade
humana, pois é ele quem expressa desejo, emoções, afetações e sentimentos.
Palavras-chave: corpo, ciberespaço, sociabilidade, comunicação virtual, internet.

Abstract: This paper aims aims to analyze the construction of new identities and
sociability practices in cyberspace, especially about if is necessary the physical body
to be present (or not) to interact with other people. For the execution of the study it
was adopted the exploratory research with reviews of literature on the subject, found
in the Municipal Library of Corumbá / MS and in the dissertations of the Postgraduate
Program in Border Studies, area of concentration occupation and border identity, of
the Pantanal Campus of the Federal University of Mato Grosso do Sul. It was
concluded that, although interactions occur in a virtual environment, the body is still
always in the communicational processes and remains a fundamental element in
human sociability, because it expresses desire, emotions, affectations and feelings.
Key-words: body, cyberspace, sociability, virtual communication, internet.

Resúmen: Este trabajo tiene como objetivo analizar la construcción de nuevas


identidades y prácticas de sociabilidad en el ciberespacio, especialmente sobre la
necesidad de que el cuerpo físico esté presente (o no) para interactuar con otras
personas. Para la ejecución del estudio se adoptó la investigación exploratoria con
revisiones de literatura sobre el tema, encontrada en la Biblioteca Municipal de


Graduada em Direito pela Universidade de Vila Velha/ES, especialista em Direito Processual e
Material do Trabalho e mestranda no Mestrado de Estudos Fronteiriços pela Universidade Federal de
Mato Grosso do Sul – Campus Pantanal. Email: renatadoyle@hotmail.com

Graduado em Licenciatura Plena em História pela Universidade Católica Dom Bosco, mestrado em
História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, doutorado em História pela
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e Pós Doutorado pela Universidade de São
Paulo (2009). Email: paulo.esselin@gmail.com

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Corumbá / MS y en las disertaciones del Programa de Postgrado en Estudios


Fronterizos, área de concentración, ocupación e identidad fronteriza, del Campus
Pantanal de la Universidad Federal de Mato Grosso do Sul. Se concluyó que,
aunque las interacciones ocurren en un entorno virtual, el cuerpo todavía está
siempre en los procesos de comunicación y sigue siendo un elemento fundamental
en la sociabilidad humana, porque expresa el deseo, las emociones. , afectaciones y
sentimientos.
Palabras clave: cuerpo, ciberespacio, sociabilidad, comunicación virtual, internet.

Introdução
O objetivo deste trabalho é analisar a construção de novas identidades e de
novas práticas de sociabilidade nos ciberespaços e a necessidade da materialização
do corpo no ciberespaço, para não ser mais uma fronteira identitária.
Para nos aproximar desse debate, vamos analisar a mudança do ser humano
com relação às novas formações sobrevinda desse processo e a resignificação da
identidade do corpo como reconhecimento da condição humana, situando-o (ou não)
no universo virtual.
A metodologia utilizada consiste em um debate acadêmico, com resenha de
literatura sobre o tema, que busca apresentar resposta ao questionamento acerca
da necessidade de representação do corpo nos processos comunicacionais e de
interações de qualquer natureza.
Vivemos tempos de mudança. Nossa relação com o mundo mudou. Antes, ela
era local-local. Agora é local-global. Aliás, um dos atrativos da internet é justamente
isso: permitir que as interações se desenvolvam sem o corpo físico e sem encontrar
empecilhos e fronteiras geográficas. As pessoas podem estar em toda parte sem
sair do lugar. Há facilidade em interagir com outras pessoas sem sair de casa e sem
barreiras geográficas e sociais (WERTEIM, 1999).
Dentre outros conhecimentos epistemológicos, o surgimento dessas
tecnologias – em especial a internet que possibilitou a comunicação à distância-,
provoca uma telepresença que tenta nos fazer perder definitivamente o próprio
corpo em proveito do amor desmesurado pelo corpo virtual, pela imaterialidade.
Desta forma, quando se trata de utilização dos novos espaços virtuais de
interconexões sociais, vemos que os chamados ciberespaços estão nos processos
comunicacionais e nas interações mais frequentes.
Compreendemos espaços virtuais como aquele que possui a finalidade de
comunicação, incluindo tanto os sujeitos, quanto as instituições que participam da

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interconectividade, tornando-se as fontes de informação mais acessíveis


(GONÇALVES, 1994, 50).
Eles podem ocorrer na relação do homem com outras tecnologias como
telefones celulares, pagers, comunicação entre radioamadores e por serviços do tipo
“tele amigos” (chats), por exemplo. (LEMOS, 2002).
Para Luiza Cruz (2001, p. 45) “devido a sua popularização, esses espaços
são considerados de acesso sem fronteiras físicas, livre e descentrados, e possui
todos os tipos linguagem: texto, voz, imagens vídeos, etc.”.
Por isso dizer que a sociabilidade tomou outro rumo: não é mais preciso estar
face a face para interagir com outras pessoas. A internet surge, então, como
importante meio de intensificação deste processo em que não existem fronteiras
físicas, pois as interações que emergem no ambiente virtual, tornam-se cada vez
mais presentes no cotidiano da sociedade (CRUZ, 2001, p. 52).
Vários autores oriundos das ciências humanas, dentre eles Le Betron,
Espinosa e Merlau Ponty, nas últimas décadas vêm tomando o corpo como objeto
de análise e discussão, ampliando as possibilidades de investigação do fenômeno
do corpo sem fronteira e suas (re)significações nos espaços, em especial, os
virtuais.
Assim quando se trata dos ciberespaços, a representação do corpo e suas
significações se alteraram.
À vista disso, neste artigo passamos a questionar se a rápida e intensa
diversificação dos meios de comunicação nos ciberespaços – que se multiplicam
velozmente, por todo o mundo e transmitem valores, costumes, padrões, enfim,
formas simbólicas num processo chamado globalização –, pode modificar a
construção de identidade corporal, e a reivindicação (ou não) de sua materialidade.

O adeus ao corpo no ciberespaço.


Cuidar da mente e do corpo nem sempre é uma tarefa fácil. Pode ser que
estejamos em dia com um deles, mas que o outro precise de mais atenção.
Costumamos enxergá-los como entidades diferentes e que precisa de cuidados
específicos. Mas às vezes esquecemos que um interage com o outro, e muito mais
do que podemos imaginar (BAUMAN, 2005).
No século XVIII ficamos marcados por essa concepção advinda dos estudos
de Descartes, que afirma que somos constituídos por uma “coisa extensa” (res
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extensa - em latim), o corpo, e uma “coisa pensante” (res cogitans), o espírito. Essa
visão dualista tradicional, que afirma que o espírito comanda o corpo e lhe dá vida,
tem sido reformulada através das novas possibilidades de comunicação e interação
social no mundo (BRETON, 2003, p. 42).
Dentre elas, podemos destacar os ciberespaços, onde há ausência de
expressões corporais e representação de novas identidades, considerados, até
então, de suma importância no processo de comunicação e sociabilidade entre os
indivíduos.
A respeito do tema, o filósofo francês Merlau- Ponty chama a atenção quando
traz como ponto de partida o "corpo próprio", reconhecendo não apenas uma coisa,
um objeto potencial de estudo para a ciência, mas também uma condição
permanente da experiência, que é constituinte da abertura perceptiva para o mundo
e seu investimento. Ele então enfatiza que há uma consciência e um corpo, e que a
análise dessa percepção deve ser levada em conta (MELEAU-PONTY, 1994, p.
100).
Sobre corporeidade, Ponty salienta:
[...] o corpo do ser humano não é um simples corpo, mas sim um corpo
humano o qual só pode ser compreendido a partir de sua integração na
estrutura global, no mundo. [...] O mundo não é aquilo que eu penso, mas
aquilo que eu vivo; que estou aberto ao mundo, comunico-me
indubitavelmente com ele, mas não o possui, ele é inesgotável (MERLEAU-
PONTY, 1994, p. 92).

Regis de Morais afirma que:


Uma coisa é falar de um corpo que se esquadrinha em atividades laborais,
ou analisar o delineamento de suas estruturas anatômicas ou mesmo de
suas funções fisiológicas – aqui, o distanciamento do corpo e uma certa
objetividade são possíveis. Outra coisa é voltarmo-nos para o conhecimento
do corpo que somos e vivenciamos, no horizonte de nossa existencialidade.
(MORAIS, 2005, p.62)
Nesse caso, temos que a consciência que Meleau- Ponty e Regis de Morais
se referem também é identificada nos espaços virtuais, através da cibermemória.
Essa memória é composta pelo conhecimento acumulado pelo conjunto de todas as
experiências vividas e em movimento do corpo físico, e potencializado por essa
fonte inesgotável e sempre crescente de informações, que é a internet.
A discussão surge quando Le Breton reconhece que “o corpo está fadado a
desparecer em breve. Ele se transforma em membro excedente, em obstáculo de
uma emergência de humanidade finalmente liberta de todas as suas condições
limítrofes, dentre elas, fardo do corpo” (2003, p. 84).

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Prossegue dizendo que:


no espaço cibernético, o modo de existência completo do corpo, portador de
linguagens, culturas e utopias, perde sua importância, deixando assim, de
impor suas limitações. Livre dos entraves do corpo, o sujeito torna-se pura
multiplicidade de ‘eu’, uma vez que a rede favorece uma pluralidade de si, a
identidade degenera em manuseio, é uma sucessão de ‘eu’” provisórios,
sujeitos a uma autorização para experimentação de possíveis (LE BRETON,
2003, p. 86)
O estudioso Augé também coaduna com esse pensamento e declara que:
o tempo está sendo acelerado, os espaços encurtados, o tempo-espaço
está moldando e explicando as dimensões tradicionais em estudos
organizacionais, assim corpo por elas é explicado e moldado. O espaço
atual é um espaço global interconectado na instantaneidade e
imaterialidade das redes virtuais, por onde se movimentam diferentes
formas de fluxo” (AUGÉ, 1994, p. 77).
Nesse caso, há ideia de “adeus ao corpo”, ou melhor, à representação do
corpo com seus limites e suas significações. Em outras palavras, conectados aos
ciberespaços, os corpos podem se dissolver, suspensos ao universo do computador
e o corpo eletrônico não tem fronteiras, e se torna perfeito, imune a doenças, morte
e deficiência física (LE BRETON, 2003, p 86).
Todavia, a natureza imaterial do espaço virtual e por consequência da
presença virtual, não faz dessa interação algo sem valor de sentido. Embora
destituído de fisicalidade, o ciberespaço é um lugar real (WERTHEIM, 1999).
Ou seja, o corpo físico não está dentro do ciberespaço, mas se apresenta
defronte do aparato tecnológico como o computador e todos os seus derivados que
ligam os homens no ciberespaço.
Mas, ainda sim, o questionamento permanece: como seria a relação
identitária do corpo nos ciberespaços?
De acordo com André Lemos (2002, p. 78), não se pode pensar em
ciberespaço sem pensar no corpo identitário. Para ele, existe uma intrínseca relação
entre memória e a construção da identidade. E isso não aconteceria de forma
diferente nos ciberespaços.
O estudioso ressalta que:
Em que pese a ideia de ausência de corpo para que a interação social
aconteça, os indivíduos que ali permeiam se apropriam do passado pela via
do presente para construir seus discursos míticos e permanentes de origem
e identidade (LEMOS, 2002, p. 78).
Assim, temos que o corpo é condição essencial para construção de qualquer
tipo de comunicação e interações mais frequentes, sendo, ao mesmo tempo, o polo
emissor de ideias, desejos, falas e sentimentos, e receptor do que foi projetado por
outro corpo.

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E a comunicação on-line promove um espaço para as pessoas se


expressarem sem restrições, emitirem as suas opiniões. A partir daí, o homem
experimenta e conhece outras formas de ser, sentir, desejar e logo, realiza novas
formas de existência e de representação.
Então, sem corpo, não há consciência e, sem esta, não há criação. Dessa
maneira, entendemos que corpo e memória continuam interligados na construção,
manutenção e na relação com os demais usuários, a diferença é o lugar que o
homem ocupa com seu corpo.
Espinosa (2007, p.63) observa que o corpo é uma unidade complexa e que
faz parte do reconhecimento da existência humana. Não possui fronteiras entre ver,
perceber, conceber e pensar, pois são termos inseparáveis, interdependentes e que
tem sua própria carência, a sua própria falta:
O fato é que ninguém determinou, até agora, o que pode um corpo, isto é, a
experiência a ninguém ensinou, até agora, o que corpo- exclusivamente
pelas leis da natureza enquanto considerada apenas corporalmente, sem
que seja determinado plenamente- pode e o que não pode fazer. Pois,
ninguém conseguiu até agora, conhecer tão precisamente a estrutura do
corpo que fosse capaz de explicar todas as suas funções sem falar que se
observam, nos animais, muitas coisas que superam em muito a sagacidade
humana, e que os sonâmbulos fazem muitas coisas, nos sonhos que não
ousariam fazer acordados. Isso basta para mostrar que o corpo, por si só,
em virtude exclusivamente das leis da natureza, é capaz de muitas coisas
que surpreendem a própria mente. (ESPINOSA, 2007, p. 45)
Assim, o corpo não é mais uma simples estrutura física, mas uma forma na
qual só pode ser compreendida a partir de sua integração no mundo. E as novas
tecnologias de comunicação fazem parte dessa experiência do corpo, que se torna
imagem, capaz de atravessar fronteiras geográficas culturais, profissionais, etc..
representando suas memórias através dos corpos virtuais.
Aliás, uma das vantagens da rede é a criação de novas identidades e laços
sociais com pessoas até então desconhecidas na qual os aspectos sociais têm
menor influência.
E é por essa capacidade de transcendência de fronteiras do cenário virtual
que a existência do corpo físico está sendo reconstruído. Nessa nova plataforma da
realidade, o homem tem uma ampla possibilidade de relações sociais que não se
restringem mais aos limites de seu contexto físico. Assim afirmou Moreira:
A ideia de que a corporeidade é o esplendor que reside nela, formada em
complexas relações consigo mesma, com os outros e com o mundo,
relações essas, dentre oras, de prazer/desprazer, alegria/dor,
medo/confiança, todas elas vividas de corpo inteiro (MOREIRA, 2006, p.
55).

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Portanto, pode-se dizer que mesmo no ambiente virtual, este corpo continua
sendo representado nos processos comunicacionais e identitários e deve ser
pensado como elemento fundamental nas interações de qualquer natureza
(MOREIRA, 2006, p. 58).
Virtual é o espaço, mas não necessariamente a sociabilidade criada nos
ciberespaços.
Por mais que os ciberespaços tenham se tornado, subitamente famoso pela
capacidade de resignificar a identidade e dar privacidade aos internautas se assim
desejarem (possibilidade o anonimato como implicações da ausência do corpo), bem
como não possuir fronteiras físicas e geográficas, ele continua baseando-se na
presença física, expressões de emoções e sentimentos por quem está do outro lado
da tela (CRUZ, 2001, p.51).
Assim, em que pese a reformulação desses novos meios de comunicação e
sociabilidade seja um caminho sem volta, e em franca evolução, temos que o corpo
virtual não se opõe ao real e pouco tem a ver com o falso, o ilusório ou o imaginário,
e sim favorecer a experimentação do anonimato ou outras identidades.

Conclusão
Em meio aos mistérios e estudos que circundam a conduta e identidade do
corpo, somos chamados, todos os dias, às alegrias ou as enfermidades da
corporeidade, e por mais que entendamos, não somos capazes de identificar quais
são as forças que geram e sustentam as energias básicas da manutenção da vida.
Além disso, o homem é portador de uma memória, espécie de consciência
congelada, provinda com ele de outro lugar. Hoje, esse lugar novo o obriga a um
novo aprendizado e uma nova formulação de integração, identidade e sociabilidade.
Assim, mesmo estando em um ambiente desmaterializado, sem fronteiras e
desprovido de corpo físico, como os ciberespaços, o corpo está sempre presente no
processo comunicacional e está do outro lado da tela interagindo, sentindo,
afetando-se e emocionando-se.
Diante das reflexões realizadas, podemos considerar que a partir do
ciberespaço, o corpo humano de superação de sua própria história teve
significativas modificações de identidade, que ocorreram na forma de o homem se
colocar e agir no mundo, não se reduzindo mais ao ambiente ao vivo.

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O homem superou a maneira com que lidava com a materialidade, o tempo, o


corpo e com o outro, ou seja, em todo contexto existencial.
O espaço virtual possibilita experiências reais e por conta disso, que as
pessoas sentem necessidade de buscar alternativas de representar expressões
corporais que fortifiquem as emoções do corpo real, que está, naquele momento,
impossibilitado de demonstrar.
A globalização e suas novas tecnologias faz redescobrir a corporeidade. O
mundo da fluidez, a vertigem da velocidade, a frequência dos descolamentos e a
banalidade do movimento e das alusões a lugares e coisas e lugares distantes,
revelam, por contraste, no ser humano, o corpo como uma certeza materialmente
sensível, diante de um universo de sociabilidade e integração.
Portanto, a ideia de natureza como vida se opõe a qualquer movimento
tecnológico, porque o corpo humano só é corpo na medida em que traz em si
mesmo o inacabado, isto é, promessa permanente de autocriação, e isso são o que
faz dele um enigma que a tecnociência pretende negar.
O corpo não é mais a encarnação irredutível de si mesmo, mas sim uma
construção pessoal, um objeto transitório e manipulável, suscetível de muitas
metamorfoses de acordo com os desejos do indivíduo.
O recente e rápido desenvolvimento dos meios de comunicação não deve ser
tomado como causa única de um novo estilo de vida mundial e de um estilo de vida
mais globalizado.
É a partir daí, que podemos afirmar que, apesar das interações ocorridas em
ambiente virtual possuírem caráter imaterial, o corpo está sempre presente nos
processos comunicacionais.
Diante disso, de uma forma ou de outra, mesmo sendo representado como no
caso do ambiente virtual, ou na sua presença de fato, o corpo é elemento
fundamental nas interações de qualquer natureza, uma vez que as expressões
provenientes do mesmo são fundamentais para expressar emoções, afetações e
sentimentos, aspectos esses essenciais na sociabilidade humana.

Referências

AUGÉ, M. Não há lugares – Introdução a uma antropologia de


supermodernidade. São Paulo: Papirus, 1994.

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BAUMAN, Z. Identidade: entrevista a Benedetto Vecchi. Rio de Janeiro: Jorge


Zahar Editor, 2005.

CRUZ, Luiza. A questão do anonimato no ciberespaço: o alter nem tão anônimo


assim. Revista Logos. n. 14. jul/dez 2001.

ESPINOSA, B., Ética, trad. Tomaz Tadeu. Belo Horizonte: Autêntica, 2007.

FELINTO, Erick; ANDRADE, Vinícius. A vida dos objetos: um diálogo com o


pensamento da materialidade da comunicação. Revista Contemporânea. vol. 3,
n.1, p 75-94. Jan/Jun 2005

GONÇALVES, M. A. S. Sentir, pensar e agir. Campinas: Papirus, 1994.

KOSOVSKI, Éster (Orgs.). Que corpo é esse?: Novas perspectivas. Rio de


Janeiro: Mauad, 1999.

LE BRETON, David, Adeus ao corpo. Antropologia e sociedade. São Paulo:


Papirus, 2003.

______. A sociologia do corpo. 4ª. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2010.

LEMOS, André. Cibercultura. Porto Alegre: Sulina, 2002.

MCDOUGALL, Joyce et al. Corpo e História. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2001.

MERLEAU-PONTY, M, Fenomenologia da percepção. São Paulo: Martins Fontes,


1994.

MISKOLCI, Richard, Desejos digitais: uma análise sociológica de busca por


parceiros on-line, 1ª ed., Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2017.

REGIS DE MORAES, J.F, Consciência corporal e dimensionamento do futuro. In:


MOREIRA, W.W (org). Educação física & esportes: Perspectivas para o século
XXI 12ª ed. Campinas: Papirus, 2005.

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A FRONTEIRA NO CORPO
The Border in the Body
La Frontera en el Cuerpo
Diego Aparecido Cafola

Resumo: Em uma sociedade construída pelo binarismo de gênero (homem/mulher)


os elementos que identificam um e outro são díspares. A travesti não está dentro
dessa norma binária, pois seu corpo possui ao mesmo tempo características
relacionadas ao masculino e ao feminino. Não se enquadrando na norma, a travesti
está no entre-lugar desse binarismo. Nosso objetivo é refletir quais são os
tensionamentos que são explicitados nos discursos da “bixa travesty”, Linn da
Quebrada. Nesse sentido, as reflexões sobre fronteira participam também das
nossas reflexões sobre o corpo para entender o lugar desse corpo não-hegemônico.
Para isso realizamos pesquisa bibliográfica nas plataformas Capes, Scielo e no
Instituto de Estudos de Gênero (IEG, UFSC). Bem como, levantamento documental
em jornais, revistas e youtube, após o lançamento de seu álbum Pajubá em 2017,
momento que ela ganha visibilidade.
Palavras-chave: Gênero, entre-lugar, travesti.

Abstract: In a society built by gender binary (male / female) the elements that
identify each other are disparate. The transvestite is not within this binary norm, as
her body has both male and female characteristics. Not conforming to the norm, the
transvestite is in the place of this binary. Our goal is to reflect what are the tensions
that are made explicit in the discourses of the "bixa travesty", Linn da Quebrada. In
this sense, the reflections on frontier also participate in our reflections on the body to
understand the place of this non-hegemonic body. For this we conducted
bibliographic research in the platforms CAPES, Scielo and the Instituto de Estudos
de Gênero (IEG, UFSC). As well as documentary survey in newspapers, magazines
and youtube, after the release of her album Pajubá in 2017, when she gains visibility.
Key words: Gender, place, travesty.

Resumen: En una sociedad construida por género binario (masculino / femenino),


los elementos que se identifican entre sí son dispares. La travesti no está dentro de
esta norma binaria, ya que su cuerpo tiene características masculinas y femeninas.
No conforme a la norma, el travesti está en el entre lugar de este binario. Nuestro
objetivo es reflejar cuáles son las tensiones que se hacen explícitas en los discursos
de la "parodia de la bixa", Linn da Quebrada. En este sentido, las reflexiones sobre
la frontera también participan en nuestras reflexiones sobre el cuerpo para
comprender el lugar de este cuerpo no hegemónico. Para ello realizamos
investigaciones bibliográficas en las plataformas Capes, Scielo y el Instituto de


Discente do Curso de Letras/Inglês pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campus
Aquidauana (UFMS/CPAQ). Bolsista no Programa de pós-graduação em Estudos Culturais (PPGCult)
pela mesma instituição. Orientado pelo professor Dr. Miguel Rodrigues de Sousa Neto. O presente
trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior –
Brasil (CAPES).

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Estudios de Género (IEG, UFSC). Además de una encuesta documental en


periódicos, revistas y youtube, después del lanzamiento de su álbum Pajubá en
2017, cuando gana visibilidad.
Palabras clave: Género, entre lugar, travesti.

* Trabalho completo selecionado para publicação na Revista GeoPantanal, v. 14, n.


27, 2019.
https://periodicos.ufms.br/index.php/revgeo

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ESPAÇOS DE FRONTEIRA E CODIFICAÇÃO CULTURAL INDÍGENA: A


SEMIOTIZAÇÃO DO CÓDIGO “CAPITÃO”
Espacios Fronterizos y Codificación Indígena: la Optimización del Código "Capitán"
Border Spaces and Indigenous Coding: the “Captain” Code Optimization

Luzia Bernardes da Silva


Gicelma da Fonseca Chacarosqui Torchi

Resumo: Nosso trabalho fez uma leitura da figura do “Capitão” enquanto código
cultural nas aldeias Jaguapiru e Bororó localizadas em Dourados- Mato Grosso do
Sul. Traçamos um breve panorama histórico sobre o locus em estudo: a investigação
da liderança indígena designada de “Capitão” como um processo de transformação
de não-cultura para cultura, sob a ótica da Semiótica da Cultura (referencial teórico
construído por estudiosos da antiga União Soviética, denominados de Escola de
Tártu-Moscou/ETM), nas comunidades indígenas Jaguapiru e Bororó e apontamos
como a constituição da cultura é um processo sistêmico, transformação do não texto
em informação codificada.
Palavras-chaves: fronteira; cultura; semiótica; indígena.

Resumen: Nuestro trabajo hace una lectura de la figura del "Capitán" como un
código cultural en las aldeas de Jaguapiru y Bororó umbicados en Dourados - Mato
Grosso do Sul. Hacemos una breve síntesen histórica del lugar en estudio. La
investigación del líder indígena denominado "Capitán" como un proceso de
transformación de la no cultura a la cultura, desde la perspectiva de la Semiótica de
la Cultura - marco teórico construido por estudiosos de la antigua Unión Soviética
(Escuela Tartu-Moscú/ETM), en las comunidades indígenas de Jaguapiru y Bororó y
señalar cómo la constitución de la cultura es un proceso sistémico, transformación
no textual en información codificada.
Palabras-claves: frontera; cultura semiótica; indígena

Abstract: This study gives an interpretation of figure of the “Captain” as a cultural


code in the Jaguapiru and Bororó villages located in Dourados- Mato Grosso do Sul.
We provide a brief historical overview of the locus under study. The investigation of
indigenous leadership called “Captain” as a process of transformation from non-
culture to culture. The study conducted under the perspective of the Semiotics of
Culture (theoretical framework built by scholars of the former Soviet Union, called the
Tartu-Moscow School / ETM), in the Jaguapiru and Bororó indigenous communities


Possui graduação em Direito, Especialização Latu Sensu em Direito, Graduação em Letras,
Mestrado em Linguística e Mestranda em Fronteiras e Direitos Humanos da Faculdade de Direito e
Relações Internacionais-UFGD. lubersil@hotmail.com

Possui graduação em Licenciatura em Letras Português Literatura Brasileira, mestrado em Estudos
Literários, doutorado em Comunicação e Semiótica. Atualmente é professora - dedicação exclusiva
da Universidade Federal da Grande Dourados. gicelmatorchi@ufgd.edu.br

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and demonstrated how the constitution of culture is a systemic process,


transformation of non-text into coded information.
Keywords: border; culture; semiotics; indigenous.

Considerações Iniciais
A fronteira se caracteriza por ser uma zona heterogênea, peculiar, ímpar e
única (PEREIRA, 2014), onde podemos encontrar duas ou mais línguas convivendo
em um mesmo espaço. De acordo com Sturza:
[...] a fronteira assume sentidos contraditórios, que se definem não só pelos
limites geográficos como também pelo conteúdo social. [...] na base de todo
conceito de fronteira, está a sua natureza constituída, antes de tudo, pela
latência de contato – contato de territórios, contato de pessoas, contato de
línguas. (2006, p.19)
Silva também traz uma concepção de fronteira dizendo que:
Uma fronteira representa muito mais do que uma mera divisão e unificação
dos pontos diversos. Vai além do limite geográfico. É um campo de
diversidades. É o encontro com o “diferente” físico e social. E é nesse
espaço que as relações se formam e se deformam. Completam-se e dão
forma à diversidade, à cultura. Por meio de amizades e companheirismo
formam-se famílias, amigos e irmãos. (2011, p. 63)
Na linha desse pensamento acrescenta Luce:
Singular forma de expressão das relações de poder que se estabeleceram
em determinado território. A fronteira divide ou une-os povos, as nações e
as culturas. Fronteira, melhor, fronteiras: os rios, as montanhas, os muros; e
as pontes, os túneis e as estradas. A fronteira codificada: o ponto de
contato, a linha demarcatória, o espaço comum. Nas fronteiras, as línguas e
as linguagens, que nos distanciam e aproximam, nos constituem
simbolicamente em peculiar identidade (LUCE, 2014, p. 02)
Para Bhabha (1998, p. 19) “uma fronteira não é o ponto onde algo termina,
mas, como os gregos reconheceram, a fronteira é o ponto a partir do qual algo
começa a se fazer presente”. Lótman (1996) apresenta a fronteira como uma zona
irregular, complexa e mestiça, um espaço de trânsito e fluidez. É o espaço das
diferenças, do entrelugar, onde tudo se mistura e se mescla. Para Lótman, ainda, a
fronteira é como uma semiosfera, um espaço importante e necessário para que a
linguagem e a cultura possam existir, evoluir e funcionar. Neste sentido Machado
completa dizendo que:
Nesse espaço, natureza e cultura vivem uma relação de
complementariedade, alterando completamente o conceito de fronteira. Em
vez de linha demarcatória e divisória, fronteira designa aquele segmento de
espaço onde os limites se confundem, adquirindo a função de filtro (2003, p.
163-164)

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Como podemos perceber não há como pensar na fronteira apenas como uma
linha ou faixa demarcatória que indica onde um país com sua língua, cultura e
tradições termina e outro começa. Fronteira é muito mais que isto, é o entrelaçar de
línguas e culturas, mesclando o que está posto, transformando em mestiço algo que
“aparentemente” era puro ao mesmo tempo em que preserva os traços de cada
língua e de cada cultura. O conceito de Fronteira está ligado ao espaço da
semiosfera, “[...] o espaço semiótico necessário para a existência e funcionamento
da linguagem e da cultura com sua diversidade de códigos. [...] A semiosfera diz
respeito à diversidade, condição para o desenvolvimento da cultura” (MACHADO,
2003, p. 164)
Semiosfera é onde as semioses entre línguas e culturas coexistem e
coevoluem filtrando e adaptando essas relações. Na visão de Chacarosqui-Torchi
semiosfera:
(...) é um espaço semiótico, dentro do qual se realizam os processos
comunicativos e a produção de novas informações. É impossível haver
semiose fora da semiosfera. O conceito de semiosfera corresponde,
portanto, a conexão de sistemas e geração de novos textos. Trata-se de um
espaço que possibilita a realização dos processos comunicativos e a
produção de novas informações, funcionando como um conjunto de
diferentes textos e linguagens (Chacarosqui-Torchi, 2008, p. 7).

Diante deste cenário único, mestiço, intercultural é que tomamos como base
teórica para esta pesquisa a semiótica da cultura por acreditar que é a teoria que
melhor explica essas relações fronteiriças onde ela procura “entender a
comunicação como sistema semiótico e a cultura como um conjunto unificado de
sistemas, ou melhor, como um grande texto” (MACHADO, 2003, p. 164 – 165).
Os estudos voltados para a cultura enquanto sistemas de signos nasceram
dentro do Departamento da Universidade de Tártu, Estônia nos anos 60 dando
origem a Escola Tártu-Moscou tendo como grande nome Yuri Lótman. A semiótica
da cultura surgiu da necessidade em tentar compreender os problemas da
linguagem “não como uma teoria geral dos signos e das significações, mas como
uma teoria de caráter aplicado voltada para o estudo das mediações ocorridas entre
fenômenos diversificados” (MACHADO, p. 25). Um exemplo disso seria estudar o
cinema enquanto linguagem.
Desta forma a Escola de Tartu-Moscou se constituiu como um espaço de
discussões entre pesquisadores que procuravam compreender o papel da cultura na
linguagem, ou seja, a linguagem nas suas várias manifestações culturais. Na

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concepção da Escola de Tartu-Moscou, “cultura é um conjunto de informações não


hereditárias que são armazenadas e transmitidas por grupos em domínios
diferenciados de manifestação da vida” (MACHADO, 2003, p. 157). É constituída de
um conjunto de informações que cada grupo social acumula durante sua convivência
com o meio e no processo de filtrar e adaptar transmite a outros através das
manifestações culturais.
No cenário de nossas fronteiras brasileiras vemos claramente as línguas
portuguesa, espanhola e o guarani convivendo dentro da semiosfera fronteiriça,
cada qual espelhando culturas, costumes, crenças e nenhuma é anulada pela outra,
pelo contrário, aprendem a conviver juntas, filtrando e adaptando suas formas.
Segundo Machado “as culturas não se anulam, mas propiciam outras injunções”
(2003, p. 32) e para Bakthin “a cultura alheia só se revela em sua completude e em
sua profundidade aos olhos da outra cultura (e não se entrega em sua plenitude,
pois virão outras culturas que verão e compreenderão ainda mais)” (1997, p. 368).
As culturas presentes na semiosfera fronteiriça dialogam uma com a outra e
esse diálogo acontece a partir do que cada uma tem de diferente e comum em
relação a outra, ou seja “quando dois indivíduos (ou sistemas) se encontram,
compartilham experiências por meio de um processo de experimentação do outro:
um ‘enxerga’ o outro a partir da própria experiência, da própria noção que tem de si”
(VELHO, 2009, p. 253).
Desta forma Bakthin afirma que:
Um sentido revela-se em sua profundidade ao encontrar e tocar outro
sentido alheio; estabelece-se entre eles como um diálogo que supera o
caráter fechado e unívoco. Formulamos a uma cultura alheia novas
perguntas que ela mesma não se formulava. Buscamos nela uma resposta
a perguntas nossas, e a cultura alheia nos responde, revelando-se nos seus
aspectos novos, suas profundidades novas de sentido. [...] O encontro
dialógico de duas culturas não lhes acarreta a fusão, a confusão; cada uma
delas conserva sua própria unidade e sua totalidade aberta, mas se
enriquecem mutuamente (1997, p. 368).
A fronteira é assim, mesclada de línguas, culturas, cores e sabores que se
revelam e se entrelaçam dentro da semiosfera fronteiriça. É o lugar do diferente, do
singular, do estranho, do novo, onde tudo termina, um lugar de riqueza cultural
infinita.
Ë nesse espaço, fluído, liquido, inconstante, mestiço, o espaço do centro sul
do Mato Grosso do Sul, lugar em que as culturas então em constante ebulição e
contato que estabelecemos nosso objeto de pesquisa desse paper.

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Apontamentos iniciais sobre o locus

Ainda
há índios.
(Gilberto Mendonça Teles)

A epígrafe que abre esse texto é um poema de Gilberto Mendonça Teles


Etnologia publicado em Saciologia Goiana e Nominais que enfoca a etnia ancestral
brasileira, mostrando que há um clamor trágico e solitário exaurido pelo tempo que
ressoa como gemido de resistência a expressar o padecimento de um povo. Até
agora, até agora, “Ainda / há índios”. Eram oito milhões os habitantes nativos do
Brasil, compunham um conjunto de nações crenças, línguas, e costumes sistêmicos,
heterogêneos entre si, como seriam diferentes sem o invasor português (dentre
outros invasores) e o escravo africano. Não esquecendo do que nos interliga e
interligava era a humanidade dos seres. Nós os não índios, lhe tomamos a terra e os
aldeamos (amarga determinação), com a desculpa de que descobrimos o Brasil.
Em 1991 havia 24 mil indígenas brasileiros, grande parte na condição de
párias, comendo lixos nas ribaldas das cidades, mortificados pelas indigências.
Houve quem declarasse que não haveria mais índios no Brasil do século XXI. Muitos
exemplos contradizem as previsões e aqui estamos nós repetindo o poema Etnologia de
Gilberto Mendonça Teles e bradando: Ainda / há índios. E não apenas indícios, há
sobreviventes em condições sub-humanas, peregrinos de enredos sublimes (BRASIL,
2012).
“Ainda / há índios” e estes se multiplicam como uma força divina da
existência? Não estes se multiplicam pela força da luta de uma interculturalidade
crítica. Se em 1991 havia 24 mil, agora são 701 mil os indígenas brasileiros “gente

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boa e de bela simplicidade” / “a arrandar o leito das pedras”, como diz Gilberto
Mendonça Teles, na Liturgia mítica de retorno à sua terra prometida, ao seu tekohá1
Ainda há índios que movimentam num gesto de epifania os enredos sublimes
do bem. Isto se entende pela leitura dos signos de um vigor secreto - talvez a fé –
que é um dos motores do estar vivo. Talvez as colorações étnicas do Brasil, pois
somam 896,9 mil pessoas, de 305 etnias, que falam 274 línguas indígenas,
segundo dados do Censo 2010. Os não índios cresceram 19, 7 % e os indígenas
elevaram-se em 139% (BRASIL, 2012). Pois como pode seres que fazem parte de
uma semiosfera distinta conseguirem sobreviver a tantas traduções? Eis o manifesto
do rito mágico da natureza humana e da vida, a expandir-se na aura invisível de
uma busca pelo tempo perdido, de um longo caminho, o caminho do tekohá. Um
tekohá, transformado, revelado, mestiço. Tão humano quanto divino, mas
impenetrável se usarmos apenas a lente iluminada da racionalidade não índia.
Ainda há índios que a todo dia bradam pelas ruas de Dourados - Mato
Grosso do Sul: tem pão velho? Tem alguma coisa para dar? Ainda há índios, estima-
se em torno de 13 mil, na Reserva indígena de Dourados, nas Aldeias Jaguapiru, e
Bororó, que constitui uma organização social indígena colocada às margens da
sociedade. Ainda há índios, aldeados, favelados, ou disposto em guetos? Ao discutir
as guetificações, Wacquant (2008) afirma que que o gueto é artefato orgânico da
estrutura de arrumação do lixo em que os pobres não são mais úteis como ‘exército
de reserva de produção’ e se tornam, desta forma, consumidores incapazes, ou seja
inúteis. Solidifica-se um depreciamento dessas localidades, desses guetos, ou
dessas aldeias, somada à degradação de classe e da etnicidade que maculam seus
habitantes, com consequências próprias, diversas dos traços tribais, orais ou
corporais que colaboram veementemente para espiral da desagregação social,
cultural e do desprestígio simbólico.

O processo de aldeamento
Cada tribo que nós aldeamos é uma tribo
que degradamos, é a que por fim
destruímos. Se a natureza moral de um
povo fosse como uma tira de papel, onde se
escreve quanto nos vem à cabeça, então
seria tão fácil mudar-lhes os costumes,

1
Para eles, o Tekohá tem características físicas geográficas específicas. Não é qualquer terra. Ele se apresenta nitidamente
no espaço físico, é limitado por colinas, matas e campos. É algo divino, oferecido pelo Deus criador somente para eles
(LIMBERTI, 2009, p. 23).

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como é fácil escrever (MAGALHÃES, 1876


apud BRAND, 2004).
Por volta dos anos de 1915 a 1928 houve demarcação de oito áreas de terras
destinadas ao usufruto dos Kaiowá/Guarani efetuadas pelo Governo Federal. Essas
reservas indígenas possuíam aproximadamente 18.124ha e nelas foram alocados
diversos núcleos populacionais indígenas localizados ao sul do Estado do Mato
Grosso. Na atualidade esta região pertence ao Estado de Mato Grosso do Sul2. As
demarcações ocorreram sob a orientação do Serviço de Proteção ao Índio (SPI) 3
resultantes de estratégias governamentais para a colonização deste território.
Antônio Brand (2004) salienta que os aldeamentos não consideraram a
cultura indígena no tocante à organização social e a forma de relacionamento
mantido pelo índio com os recursos naturais. Nos anos de 1980 a posse de terras
pelos indígenas cresceu de forma significativa, porém o número populacional se
elevou contabilizando o número de 32.000 pessoas, sendo em maior número os
pertencentes à etnia Kaiowá/Guarani.
O aldeamento tem seu fator embrionário nos anos de 1882 quando o Governo
Federal firmou contrato de concessão das terras, tradicionalmente ocupadas por
indígenas, com a Companhia Matte Laranjeira após a Guerra Brasil/Paraguai. Essa
empresa foi a responsável pelo início do ciclo de exploração da erva mate no
território dos Kaiowás/Guaraní e promoveu o deslocamento de famílias e núcleos
populacionais para colheitas de ervais localizadas em locais distantes. Já no final do
século XIX e início do século XX surgem as primeiras fazendas de gado nas regiões
de Amambai, Ponta Porã e Bela Vista. Em continuidade ao processo de colonização,
o Governo de Getúlio Vargas em 1943 criou a Colônia Agrícola Nacional de
Dourados (CAND). Isto se deu para possibilitar o acesso às terras por colonos
migrantes de diversos estados da federação. Houve descontentamento por parte
dos novos moradores sobre a presença indígenas nessas áreas, a solução
encontrada foi impor ao índio a migração para outros espaços. Segundo Limberti:
Em 1925, foi fundado o Posto Indígena de Dourados, com a doação
feita por meio do Decreto 401, de 03/09/1915, de um lote de terras
de 3.600 ha. As terras da atual área tiveram seu título definitivo de
propriedade expedido em 26/10/1985 e foram legalizados em
14/12/1985, com 3.539 ha. Da doação original, 61 ha foram perdidos
para proprietários circunvizinhos (LIMBERTI, 2009 p. 24).

2
Oficializada em 11 de outubro de 1977 pela Lei Complementar nº 31, sancionada pelo então presidente da República Ernesto
Geisel, a divisão de Mato Grosso e criação de Mato Grosso do Sul (GALVÃO, 2018).
3
O Serviço de Proteção aos Índios e Localização dos Trabalhadores Nacionais (SPILTN, a partir de 1918 apenas SPI) foi
criado, a 20 de junho de 1910, pelo Decreto nº 8.072, tendo por objetivo prestar assistência a todos os índios do território
nacional (BRAND, 2004).

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Assim, o Serviço de Proteção ao Índio (SPI) em 1915 instituiu a primeira


reserva indígena em Dourados. Brand (2004) advoga que nas reservas demarcadas
até 1928 se verificava as maiores complicações, vez que os jovens e adultos
procuram sustento fora das aldeias, empregando-se nas usinas de álcool em
situações degradantes de trabalho, ou ainda, como boias-frias em lavouras. A
situação alimentar desse povoado é precária, sendo latente a condição de
desnutridos. Quanto às famílias, estas são desintegradas quando o genitor se
desloca, por longos períodos, para trabalhar em lavouras distantes da região. Há
nas proximidades de Dourados duas aldeias denominadas de Bororó e Jaguapiru,
localizadas na rodovia que liga Dourados a Itaporã. Nesse espaço convivem três
etnias Guarani (Ñandeva), Caiuá (Kaiowá) e Aruak (Terenas), sendo, que lá vivem,
aproximadamente 13 mil índios.
Desta maneira, contata-se que a transferência de inúmeras famílias extensas
para as aldeias no período entre 1915 a 1928 significou grandes transformações na
relação dos Kaiowás/Guarani com o território, por serem forçados a disputar uma
pequena fração de terras dentro das reservas. Outro fator que abalou as estruturas
deste grupo social, foi a mudança da economia tradicional (caça, pesca e plantio de
subsistência) para o trabalho assalariado. Isso ocorreu devido à superpopulação e a
redução de seu território, que ocasionou o esgotamento dos recursos naturais que
lhes proporcionavam qualidade de vida. Os malefícios causados pelas perdas das
terras e o deslocamento causaram mudanças profundas nas famílias
Kaiowá/Guarani.
A família extensa é a principal célula de organização sociopolítica entre os
Guaranis/Kaiowá. Cavalcante (2015) menciona que pesquisas realizadas em
antropologia traz pontuações acerca desse tipo de família. A antiga forma de
liderança tinha como destaque o chefe de parentela o hi ú ou tamõi (avô) tendo
também a função de rezador. Essa configuração tem em parte sido preservada. É
possível reunir diversas famílias em um mesmo tekohá que nas palavras de
Cavalcante (2015) configura:
Uma categoria muito utilizada pelos Guarani e Kaiowá para se
referirem a uma porção específica de seu território de ocupação
tradicional, a rigor um aspecto ideal para a territorialização da
unidade social que alguns antropólogos também classificam como
tekoha. Há um longo debate em torno dos significados e das
aplicações do conceito (2015, p.185).

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Essas unidades sociológicas são organizadas às voltas de um líder político


e/ou religioso que possui a envergadura de agrupar em sua volta uma quantidade
significativa de núcleos de parentelas. Cavalcante (2015) com aporte em Becker
(1992) nos informa que as fontes jesuítas da Província do Paraguai do século XVII
demonstram que os papeis exercidos pelos líderes guaranis eram civis (caciques)
e/ou religiosas (pajés). Corriqueiramente os caciques mantinham conduta de aliança
com os colonizadores como também de recusa e guerra a depender da situação
vivenciada por eles. Entretanto os pajés se posicionavam de forma arredia aos
colonizadores e devido a isso foram denominados de guardiões da tradição
indígena. Essa característica é mantida hodiermanente na figura dos rezadores.
Essas lideranças atingiam prestígios devido aos laços de parentesco que iam
estabelecendo, acrescentado pelos laços de afinidade política e sua capacidade de
reunir pessoas através de cumprimento função de aconselhador, mediador e
distribuidor de dons. Desse fato decorre a poligamia das lideranças passadas.
Dentre as qualidades exigidas da liderança citamos a possibilidade de promover
muitas festas, por isso eram poligâmicos pois a multiplicidades de mulheres
propiciava a farta oferta de chicha (bebida fermentada a base de milho produzida
pelas mulheres). A poligamia propiciava as alianças porque formavam vínculos
políticos através do casamento.
O código “cacique” designa, para os Kaiowá e Guarani na atualidade, a figura
de um líder de parentela e prestigiado rezador (pajé ou xamã) que fica a cargo de
um idoso. Seu prestígio se dá pela habilidade de intermediação entre o mundo
humano e os das divindades. Tem também forte influência política na organização
interna e raramente extrapola esses limites. A união desses grupos não é de forma
permanente, nem o era no passado, há a probabilidade do surgimento de novas
lideranças. Por conseguinte, essas alianças de cunho político podem ser perdidas
ou enfraquecidas acarretando o aparecimento de novos tekohá ou mudança para
uma parentela com um tekohá formado.
Essa maneira de organização cultural dos povos indígenas não desapareceu
com seu aldeamento compulsório. No entanto, como os espaços territoriais são
restritos surgiram conflitos. Houve um agravamento nas tensões quando o Serviço
de Proteção ao Índio instituiu a figura do ‘Capitão’ logo após as primeiras
demarcações de terras indígenas. Essa liderança, nas palavras de Cavalcanti

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(2015), é a única reconhecida por essa instituição. Tem como função articular,
coordenar e controlar a população de cada aldeia. Era escolhido pelos agentes
estatais (SPI e a sucessora FUNAI) e investidos de autoridade em ato com a
presença dos moradores da respectiva aldeia que iria liderar. Possui, também, poder
coercitivo que era exercido pelas polícias indígena (BRAND, 2004).
Desta forma a palavra e a figura do “Capitão” (legi-signo que deriva do latim,
passando ao baixo latim de caput a capitanis, ou o chefe ou o que comanda), não
existiam para os indígenas enquanto informação processada. A partir do momento
em que criaram a figura do “Capitão”, culturalizaram enquanto informação
sistematizada e com isso instituíram, também, a transformação do locus enunciativo,
num processo de filtragem, ou seja, houve uma modelização, uma gramaticalidade
como fenômeno organizador da linguagem e da cultura. Desta forma, houve a
semioticização, transformação do não texto em informação codificada. Ou seja, o
código “capitão”, que os indígenas não conheciam, passou a ser conhecido e a fazer
parte do seu mundo cotidiano, apesar da resistência inicial. Iremos passo a passo
descrever esse processo.
Feitas essas considerações acerca do locus passaremos às análises da
liderança imposta pela SPI, com amparo no arcabouço teórico da semiótica da
cultura.

Liderança indígena e processo de culturalização


Quando o português chegou
Debaixo duma bruta chuva
vestiu o índio
Que pena!
Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido
O português.
(Oswald de Andrade)
Iniciamos esse tópico com o poema “Erro de Português”, de Oswald de
Andrade, que remete a chegada dos colonizadores portugueses às terras brasileiras.
“Erro de Português” pode ser uma analogia ao processo de colonização, não apenas
a oposição entre ‘vestir’ e ‘despir’, que por sua vez sugere a relação de poder entre
o povo dominante e o povo dominado. Nele, percebemos nitidamente uma visão
positiva à cultura indígena ou, mais do que isso, há uma perspectiva diferente da
portuguesa, do colonizador. O título em si, faz uma alusão irônica à nossa

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colonização e o fato do poema possuir um código coloquial a palavra “duma”,


segundo o sistema modelizante primário de nosso país, a língua portuguesa.
As condições externas, tratadas pelo poema, alheias à nossa vontade,
influenciam não só em relação ao acontecimento colonial brasileiro em que a cultura
do branco, do não-índio, se sobrepôs à cultura do indígena, devido às circunstâncias
daquele momento histórico, mas o que acontece, até hoje, conosco, nas relações
com os indígenas brasileiros, especificamente o tema de nosso ensaio e a instituição
da figura do “capitão” (nos aldeamentos), líder indígena imposto pelo não-índio.
Essa concepção teórica é ampla e existe abrange debates sobre aspectos sociais,
filosóficos, antropológicos, tecnológicos que, de certa maneira, possui influência na
produção sígnica de uma cultura em particular e são eficazes nos processos de
significação e de comunicação de um dado grupo social. Não é nossa pretensão
esgotar tal discussão, que se apresenta complexa, tentaremos mostrar uma visão
sistêmica na linha semiótica.
Afinal o que é cultura? Para os Semioticistas Russos Cultura é “informação
codificada” e seu trabalho fundamental consiste em organizar de forma estrutural o
mundo que rodeia o homem. As informações da natureza e dos fenômenos
históricos e ambientais vão determinando consciência no grupo social e se
transformam a “não-cultura”, informação não processada, em “cultura”, ou seja,
dados em sistema com organização (CHACAROSQUI-TORCHI, 2019).
Os estudiosos da Semiótica da Cultura, tomam a cultura como linguagem,
formas de expressão que extrapolam a esfera social e estão localizados na cultura,
envolvendo todos os aspectos da vida. Esses fenômenos acomodam a cultura, ao
constarem essa característica os russos iniciaram suas pesquisas com intuito de
entender como se manifestam e a maneira como produzem significado
cotidianamente. A semiótica da cultura surge da necessidade de entender os
problemas da linguagem. Ela emerge como uma teoria de caráter aplicado.
Em continuidade, o grupo de pesquisadores russos integrantes da Escola de
Tártu-Moscou sistematizaram uma metodologia que visava delinear o mundo das
representações extrapolando o universo da língua. Para os estudiosos a cultura se
efetiva em sistemas signos de diversas naturezas. A concepção de que a cultura é a
combinação de diversos sistemas de signos, sendo cada qual com sua codificação é
o ponto principal da semiótica da cultura que posicionou como uma semiótica

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sistêmica. Essa concepção é melhor compreendida se retomarmos o conceito de


cultura para ETM. Para essa escola cultura é “sistema semiótico constituído pela
dinâmica transformadora dos textos enquanto estruturas. Na estrutura de todo texto
se manifesta a orientação para um certo tipo de memória, não aquela individual, mas
memória coletiva” (MACHADO, 2003, p. 157).
Cultura pode ser concebida ainda como “memória coletiva não hereditária”,
pois a semiótica a toma como um “conjunto de informações não hereditárias que são
armazenadas e transmitidas por grupos em domínio diferenciados da vida”
(MACHADO, 2003, p. 157). A natureza e os fenômenos históricos fornecem
subsídios para que um determinado grupo social transforme a não-cultura em cultura
e assim passará a compor a memória coletiva. Assim, cultura é tomada como um
processamento de informações e, por conseguinte, organização em determinado
sistemas de signos ou códigos culturais. A semiótica da cultura labora com um
intervalo qual seja: a transformação da não cultura em cultura e investiga a dinâmica
transformadora.
A partir do momento que são transformadas em informação as
representações simbólicas são culturalizadas, ou seja, sistematizadas, codificadas.
Cada grupo indígena de diferentes regiões do continente possuíam uma
denominação, uma codificação própria de sua língua natural para designar suas
lideranças. Mburovixá é a denominação que os povos guaranis deram para seus
líderes. Por sua vez a figura do Pajé, código da família linguística tupi-guarani,
designa o especialista ritual que, nas comunidades indígenas brasileiras, tem a
atribuição ou o suposto poder de comunicar-se com as diversas potências e seres
não humanos. Outras terminologias se aplicam: caraíbas, paié, pagi, pay, payni:
Várias são as denominações dadas a quem exercia as funções de
intermediar o homem com as forças consideradas sobrenaturais:
feiticeiro ou mago para os jesuítas, pajé para os índios.
Modernamente o termo siberiano xamã os substituiu. Qualquer que
seja o termo que usemos para o intermediador, ele era um pensador
da cultura e, ao tempo da missão, o mais ferrenho defensor dessa
cultura indígena. Podia ser cacique ou não [...]. Para os índios o pajé
poderia ter autoridade superior à do cacique (BECKER, 1992, p.45).
Por sua vez, a figura do Cacique, este termo é proveniente do idioma taino da
ilha de Hispaniola e chegou às outras línguas através do castelhano cacique
(BOTELHO, 2006). Para Cavalcante “dificilmente um cacique teria grande prestígio
se também não fosse) um importante líder religioso; entretanto, nem todo líder
religioso era um grande líder civil, ou seja, um organizador da vida cotidiana” (2015,

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p. 185). Isto porque o tekoha, unidade sociológica que pode reunir várias famílias
extensas, articula-se em torno da figura de um prestigiado líder político e/ou religioso
que por sua vez tem a capacidade de aglomerar em torno de si um significativo
número de núcleos residenciais de parentelas (PEREIRA, 2004).
Desta forma evidenciamos que a figura do “capitão”, inclusive codificado em
língua portuguesa, "capitão" vem do latim "caput" (cabeça) e foi usado desde a
Idade Média como a designação geral de chefe, sobretudo no âmbito militar. Não
fazia parte do grupo social dos indígenas que tinham nas figuras do Cacique e do
pajé a representação simbólica de lideranças. Tendo em mente que “não existe
nada morto de uma maneira absoluta: cada sentido terá sua festa de ressurreição”
(BAKHTIN, 1982 apud MACHADO, 2003, p. 161), pois uma cultura, assim como
suas manifestações não se encerram numa época precisa muito menos na
contemporaneidade que a potencializou temos que as lideranças indígenas apesar
de passarem por transformações culturais não abandonaram completamente suas
raízes ancestrais, tais como suas línguas naturais, ou seja, sistemas modelizantes
primários (as línguas indígenas vivas), que como exemplo de resistência
comprovam essa afirmação.
Em princípio o “capitão era designado ou pelo SPI ou depois pela FUNAI.
Consta que na atualidade a FUNAI4 não é mais a encarregada de nomear capitão
para aldeia. Essa proibição adveio através da portaria 491 deste órgão (BRASIL,
2008). Essa mudança decorreu das fortes resistências dos povos indígenas que não
reconheciam essa forma de comando por ser imposto e se chocar com a antiga
forma de liderança indígena. No entanto, eles não aboliram a figura do “capitão” e
sim resignificaram, pois hoje a escolha do capitão se dá através de eleições. Quando
um capitão é eleito este se dirige à FUNAI e a outros órgãos públicos em com intuito
de obter o reconhecimento por partes destas entidades (CAVALCANTE, 2015).
A comunidade, apesar de superada a nomeação compulsória dessa
liderança, a incorporou e a transformou, pois, o líder surge após um procedimento
eletivo comum nos processos de escolhas de representantes da cultura não-
indígena. Se cultura é memória do patrimônio vivencial da coletividade é um também

4
A Fundação Nacional do Índio – FUNAI é o órgão indigenista oficial do Estado brasileiro. Criada por meio da
Lei nº 5.371, de 5 de dezembro de 1967, vinculada ao Ministério da Justiça, é a coordenadora e principal
executora da política indigenista do Governo Federal. Sua missão institucional é proteger e promover os direitos
dos povos indígenas no Brasil (BRASIL, 1967).

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sistema modelizante5 que infere no comportamento. Assim como a língua é sistema


modelizante primário. Todos os demais sistemas são sistemas modelizantes
secundários. Esse fenômeno fica evidente quando a comunidade adota como
liderança o “capitão” aos seus moldes trazendo-o para sua organização
sociocultural.
O indígena fica no limiar fronteiriço entre sua cultura e a cultura do não-
indígena por não abandonar conceitos de liderança que lhe fora imposto, mas ao
mesmo tempo se reafirma como comunidade ao tomar frente da nomeação destes
líderes. Esse limiar é claramente vislumbrado no relato de Cavalcante (2015) de um
episódio que ocorre numa aldeia de Ponta Porã também da etnia Guarani/Kaiowá:
Ainda hoje solicitam a chamada portaria de capitão. Geralmente são
esclarecidos tal como manda a Portaria nº 491, mas nem sempre se
dão por satisfeitos. Certa vez, numa terra indígena assistida pela
Coordenação Regional de Ponta Porã, um destes capitães
reproduziu a cópia do protocolo que fez junto à Funai da ata que o
elegeu e distribuiu por toda a terra indígena afirmando ser a sua
portaria de capitão, o que gerou grande transtorno interno, bem como
para a coordenação regional da Funai, que foi vista como
politicamente parcial por uma parte daquela população. (2015, p.
192).
Sendo o conjunto cultural um entrelaçamento de códigos que, por sua vez, dá
origem ao tecido cultural, enxergamos a cultura indígena das aldeias Bororó e
Jaguapiru como uma comunidade que passa por transformações culturais
expressivas, devido ao contato diário com a cultura não-índia. Se por um lado a
escolha do capitão é de forma eletiva amplamente aceita por eles, porém, possui
natureza precária por ser o oposto do modelo de escolha de liderança pelos
Guarani/Kaiowá. Os capitães, com intuito de separar as tensões, comportam-se de
forma eficiente naquilo que os órgãos oficiais esperavam e agem com perspicácia
nas regras internas de distribuição dos dons, com o devido atendimento das
diferentes parentelas.
Vemos, portanto, nessas características uma modelização (ou aculturação)
em que os indígenas se apropriam dos conceitos outrora estranhos e os
transformam em texto cultural. O “labor” principal da cultura (LOTMAN &
USPIÊNSKI, 1981 apud MACHADO, 2003, p. 158) está em “organizar
estruturalmente o mundo que nos rodeia ela se apresenta como um gerador de
estruturalidade criando em nossa volta do homem uma semiosfera, “Espaço de

5
Modelizar traduz, portanto, um esforço de compreensão da signicidade dos objetos culturais. Modelizar é
semioticizar (MACHADO, 2003, p. 163).

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produção da semiose da cultura” (MACHADO, 2003, p. 163) que possibilita a vida


dos códigos ou signos. Os códigos sendo um sistema modelizante e modeladores
possuem a função de culturalizar o mundo, ou seja, dar-lhe uma estrutura de cultura.
Para Chacarosqui-Torchi (2014), o conceito da semiosfera, núcleo duro da
Semiótica da Cultura (que estuda os sistemas culturais) está intimamente ligado ao
conceito de “sistemas modelizantes de signos que são focalizados através das
relações dinâmicas entre códigos culturais responsáveis pela geração das
linguagens da cultura” (MACHADO, 2007 p. 15). E não menos importante, temos o
conceito de modelização que está relacionado ao processo de semiose, no qual uma
linguagem ressignifica um modelo. Ou seja, na semiosfera de significação indígena
houve um processo de tradução, o código “capitão” passou pelo processo de
fronteira semiótica e aquilo que era extrasistêmico, foi filtrado, modelizado,
ressignificado, semiotizado. Desta forma, mesmo que a revelia, o código “capitão”
passou a representar a liderança da aldeia dentro da semiosfera indígena sul-mato-
grossense.
A semiose cultural na semiosfera fronteiriça
Lótman (1996) criou o termo semiosfera, por analogia ao termo biosfera, para
designar o funcionamento dos sistemas de significações de diversos tipos e níveis
de organização. Trata-se de um espaço semiótico, dentro do qual se realizam os
processos comunicativos e a produção de novas informações. É impossível haver
semiose fora da semiosfera. O conceito de semiosfera corresponde, portanto, a
conexão de sistemas e geração de novos textos. Trata-se de um espaço que
possibilita a realização dos processos comunicativos e a produção de novas
informações, funcionando como um conjunto de diferentes textos e linguagens.
Podemos afirmar então que estudar a semiosfera é investigar o fenômeno da
semiose cultural, ou seja:
[...] assim como biosfera designa a esfera de vida do planeta [...] a
semiosfera designa o espaço cultural habitado pelos signos. Fora
dele, no entender de Lótman, nem os processos de comunicação,
nem o desenvolvimento de códigos e de linguagens em diferentes
domínios da cultura seriam possíveis. Nesse sentido, semiosfera é o
conceito que se constituiu para nomear e definir a dinâmica dos
encontros entre diferentes culturas [...] (MACHADO, 2007, p. 16).
Além de propor a percepção das relações entre sistemas sígnicos, a
semiosfera norteia a reflexão a respeito da imprevisibilidade das conexões entre os
diversos sistemas de signos compartilhados ou em permanente interação que

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podem se aproximar ou se distanciar em um dado espaço cultural. No caso aqui da


semiosfera sul-mato-grossense e a semiosfera indígena dentro dessa semiosfera, ou
como semiosfera interna em processo de diálogo. “A ideia de que os encontros
culturais são dialógicos e geradores de renovação dos sistemas de signos foi a
principal responsável pelo questionamento que levou Iúri Lótman a investigar as
relações entre sistemas de signos no espaço da semiosfera (...)”. E esse dialogismo
nem sempre é pacífico, pode ser também conflituoso. No diálogo conflituoso entre as
culturas indígenas e não indígenas podemos analisar a entrada do código “capitão”
na semiosfera cultural das aldeias sul-mato-grossenses, ou seja, num processo de
dinamismo e é esse movimento constante e acelerado que:
[...] está na base dos sistemas culturais sul-mato-grossenses e que
pode ser compreendido como manifestação da linguagem deste
estado pois se constitui como sistemas de signos que, mesmo
marcados pela diversidade, apresentam-se inter-relacionados num
mesmo espaço cultural, estabelecem entre si diferentes diálogos, e o
que seria visto como choque cultural e transforma-se em um
encontro gerador de novos signos (CHACAROSQUI-TORCHI, 2014,
p. 59).
A semiosfera é, portanto, “o espaço que possibilita a realização de processos
comunicativos e a produção de novas informações, funcionando como um conjunto
de diferentes textos e linguagens” (PÍCOLO, 2010, p. 6). O modelo de lideranças
Guarani-Kaiowá hoje se configura de forma complexa, pois é composto de memórias
das antigas formas de lideranças (caciques e rezadores) e os hi’u ou tamõi que
permanecem exercendo papel principal de lideranças tradicionais e os capitães.
Essas lideranças não convivem de forma pacífica havendo disputas pelo poder
político. Assim, verifica-se que cada forma de cultura é correspondente ao seu
‘caos’ não sendo primária, uniforme e sempre igual a si mesmo. Entretanto,
representa uma criação humana tão ativa quanto a esfera da organização cultural.
Cada tipo de cultura historicamente dada tem a sua própria, e somente a ela
peculiar, tipo de não-cultura.
A semiosfera sul-mato-grossense limitar-se com cinco estados brasileiros:
Mato Grosso (norte), Goiás e Minas (nordeste), São Paulo (leste) e Paraná
(sudoeste), além de ser limítrofe com os países sul-americanos do Paraguai (sul e
sudoeste) e Bolívia (oeste). Desta forma a fronteira é o substrato que compõem a
identidade do Mato Grosso do Sul. Para entender os referencias das fronteiras
culturais e as representações simbólicas do Mato Grosso do Sul, há necessidade de
entendimento dos mecanismos geradores de sentidos e os modelos codificadores

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dentro da semiosfera de representatividade, relevante na constituição da cultura


mestiça, da semiosfera fronteiriça sul-mato-grossense.

Considerações em processo
O lugar de qual partimos e mencionamos na epígrafe, nas palavras de Torchi
(2014) é um lugar de trânsito, lugar onde assim como se cruza a rua, se cruza a
linguagem e as culturas, são sujeitos embrenhados por essa mobilidade cultural, são
frutos de uma “cultura mosaica”. Logo, suas configurações encontram em constante
construções e reconfigurações.
É imprescindível mencionar a importância dos povos indígenas à cultura
brasileira, e especial à sul-mato-grossense. Disto emergiu a necessidade de
compreendermos os processos de transformação (de codificação) pelos quais
passam esses povos. Além disso, é salutar mencionar que é singular da cultura
Guarani/Kaiowá o surgimento de novas lideranças, assim como o é nas maiorias das
culturas existentes, configurando uma cultura dinâmica. Possuem a capacidade de
se transformar e se recriar fabricando novos conceitos formando novas memórias
coletivas. Sendo então portadoras de ‘inteligência coletiva’ que vai se moldando ao
ir e vir das dificuldades que lhes são impostas.
A codificação como mecanismo de geração de significado está imersa no
espaço cultural definido como semiosfera e suas semiosferas interiores (ou
subsemiosferas), específicas e particulares, como comunicação da cultura se
manifesta nas mais diversas representações dos grupos sociais, aqui no caso, nos
grupos sociais mestiços da cultura sul-mato-grossense analisamos o caso do código
“capitão” que inserido nesse espaço fronteiriço e cultural, na semiosfera sul-mato-
grossense que culturalizado, semiotizado, codificado na semiosfera e/ou sub-
semiosferas das aldeias indígenas a figura do “capitão” se abriu a nossa leitura
como uma das possibilidades de análise, em processo de travessia, colhida no fulgor
de uma visão inicial de leitura na linha da Semiótica da Cultura, que permanece
disponível e atenta ao outro, através de lógicas singulares, de realização e variação,
flutuantes e mestiças, que se inscrevem nos modos de organização do pensamento
e da leitura.

REFERÊNCIAS

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A DESOBEDIÊNCIA EPISTÊMICA EM HELOISA BUARQUE DE HOLLANDA E AS


FRONTEIRAS DO INTELECTO
Desobediencia Epistemica en Heloisa Buarque de Hollanda y las Fronteras del
Intelecto
Epistemic Disobedience in Heloisa Buarque de Hollanda and the Borders of the
Intellect

Nathalia Flores Soares1


Edgar Cézar Nolasco2

Resumo: Esta pesquisa propõe uma leitura crítico-biográfica fronteiriça da


autobiografia Escolhas (2009) da intelectual Heloisa Buarque de Hollanda visando
abordar questões pertinentes ao seu projeto intelectual que se dedica a refletir e
articular ideias a partir/sobre marginalidades. Nesse sentido, utilizaremos uma
metodologia eminentemente bibliográfica assentada na Crítica biográfica fronteiriça
engendrada, dentre outros, por críticos como Walter Mignolo e Edgar Cézar
Nolasco, com exterioridade e desobediência epistêmica, Eneida Maria de Souza e
Jacques Derrida com amizade, memória e arquivo e Edward W. Said com o conceito
de intelectual. Portanto, na esteira do recorte teórico, pretendemos delinear um
ensaio biográfico da intelectual a partir de seu projeto intelectual marginal.
Palavras-Chave: Fronteira, critica biográfica fronteiriça, cultura.

Resumen: Esta investigación propone una lectura biográfica crítica de la


autobiografía Escolhas (2009) de la intelectual Heloisa Buarque de Hollanda con el
objetivo de abordar temas relevantes para su proyecto intelectual que se dedica a
reflexionar y articular ideas de / sobre las marginalidades. En este sentido,
utilizaremos una metodología eminentemente bibliográfica basada en la crítica del
límite biográfico engendrada, entre otros, por críticos como Walter Mignolo y Edgar
Cézar Nolasco, con exterioridad y desobediencia epistémica, Eneida Maria de Souza
y Jacques Derrida con amistad, memoria y archivo y Edward W Dicho con el
concepto de intelectual. Por lo tanto, a raíz del marco teórico, pretendemos delinear
un ensayo biográfico del intelectual a partir de su proyecto intelectual marginal.
Palabras-Clave: frontera, critica biográfica fronteriza, cultura.

Abstract: This research proposes a border-critical biographical reading of the


autobiography Escolhas (2009) by intellectual Heloisa Buarque de Hollanda aiming
to address issues relevant to her intellectual project that is dedicated to reflecting and

1
Graduanda em Letras Português/Espanhol 8º semestre pela UFMS. Participante do Grupo de
Pesquisa Núcleo de Estudos Culturais Comparados – NECC – CNPq/UFMS. E-mail:
nathalia.f.soares@hotmail.com
2
Doutor em Literatura Comparada pela Universidade Federal de Minas Gerais (2003), professor da
UFMS,e Coordenador do Grupo de Pesquisa Núcleo de Estudos Culturais Comparados – NECC –
CNPq/UFMS e Pesquisador-visitante e Associado do PACC-UFRJ.E-mail: ecnolasco@uol.com.br

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articulating ideas from / about marginalities. In this sense, we will use an eminently
bibliographical methodology based on the biographical border criticism engendered,
among others, by critics such as Walter Mignolo and Edgar Cézar Nolasco, with
exteriority and epistemic disobedience, Eneida Maria de Souza and Jacques Derrida
with friendship, memory and archive and Edward W Said with the concept of
intellectual. Therefore, in the wake of the theoretical framework, we intend to
delineate a biographical essay of the intellectual from its marginal intellectual Project.
Key words: Border, Border biographical criticism, culture.

Introdução
estou atrás
do despojamento mais inteiro
da simplicidade mais erma
da palavra mais recém-nascida
do inteiro mais despojado
do ermo mais simples
do nascimento a mais da palavra
CESAR. Estou atrás, p. 69.

Este trabalho, assim como o eu-lírico do poema da tradutora e poeta


marginal, Ana Cristina Cesar, está à procura. É como uma viagem, que vai
desvendando percursos, encontrando marcas e adentrando espaços, até onde a
palavra, em suas múltiplas possibilidades, nos permite. Em movimento constante vai
pedindo passagem, deslocando referências e trazendo-as para o diálogo mais
próximo com outros textos. Abre novas frentes e focaliza cada vez mais seu objeto.

Resultados e discussão

Ana Cristina dá o impulso desta procura, pois nos aproxima do fio biográfico
de uma das mais importantes intelectuais brasileiras e permite chegar às dobras e
desdobras dos seus caminhos e referências, compreender seus interesses, suas
escolhas, tramar uma identidade, mesmo que ela se desvencilhe e fuja em seguida.
No interior desse panorama, relacionam os vários lugares pelos quais essa viajante
passou e vem passando até hoje, as paixões, as amizades, o posicionamento
ideológico, que a fazem mulher, mãe, professora, intelectual e muito mais.

Heloisa Buarque de Hollanda, sempre de olhos abertos e caminhos por traçar,


persegue os sinais que possam leva-la a novos lugares de reflexão, de engajamento

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político e de agitação cultural. Ela nos ajuda a compreender melhor o Brasil, a


repensar nossa cultura, a demarcar o papel do intelectual e dialogar com corpos que
emergem da exterioridade.

A trilha deixada por Heloisa se bifurca em contextos e situações distintas.


Como ela mesma diz, são ensaios de movimento que produzem sentido
(HOLLANDA, 2003), uma carreira acidental, inteira construída passo a passo, na
iminência constante da seleção, de olho aberto no presente, projetando no futuro
imagens possíveis de si e do outro.

Seus relatos autobiográficos tratam de ficcionalizar a vida para atingir uma


compreensão mais clara da realidade vivida. Desde a tese de doutorado intitulada
Impressões de viagem (1970), até a autobiografia Escolhas (2003), Heloisa imprime
a marca das próprias experiências. Das experiências vividas em meio à
efervescência da cultura e da política nos anos 60 e 70, passando pelos anos 80 e
90 com suas viagens ao exterior, as novas escolhas ideológicas, a descoberta da
periferia brasileira, até os dias atuais, nos quais se debruça sobre as novas
tecnologias da informação e comunicação.

A intelectual se inscreve, assumindo um lugar sempre em construção que


estabelece confrontações e se desafia ao novo. Joga discursivamente, demarcando
a polifonia e a pluralidade do locus enunciativo do qual faz parte e o perceber certa
coerência em algumas de suas eleições, indaga seu leitor questionando a
veracidade desse percurso. Assim, a autora afirma definitivamente a característica
ficcional da escrita autobiográfica,

Nesse momento cabe capturar, também, as reflexões de um dos seus mais


importantes interlocutores e que teve fundamental importância no início das suas
perquirições como intelectual. O ensaísta alemão Walter Benjamin é lembrado como
um grande observador de sua época e exerce influência direta nos primeiros anos
de produção acadêmica de Heloisa. A ligação demostra a predileção da ensaísta
pela liberdade e autonomia do pensar, marcas fortes da arquitetura intelectual de
Benjamin.

O ensaísta tinha como ambição elaborar uma escrita puramente citacional.


Uma obra feita de citações, que circulasse entre as várias esferas do saber e

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revelasse poeticamente seus pensamentos, como quem captura no cotidiano a


chave mestra de todos os fenômenos que se apresentam a observação.

Assim como Benjamim, Heloisa reage aos ditames sociais, universitários,


ideológicos e demarcar a cada movimento suas escolhas, sua liberdade. Além do
pensador alemão, outros interlocutores somam a essa jornada e ajudam a tecer a
trama de uma vida dedicada a percepção, a observação e a atuação nos vários
lugares sociais.

Em sua autobiografia, Heloisa sublinha definitivamente essas escolhas.


chega à conclusão arbitrária, de que, mesmo sendo a autobiografia um processo de
diferenciação entre o eu e o outro, as autobiografias femininas trazem um vínculo,
“uma identidade compartilhada com outras mulheres” (HOLLANDA, 2009, p.19)
Heloisa assume novamente a alteridade como parte integrante da sua identidade
feminina.

Desse modo, esta pesquisa propõe o estudo da autobiografia Escolhas


(2009) da escritora, pesquisadora, professora e intelectual Heloisa Buarque de
Hollanda à luz das reflexões, conceitos e teorizações engendradas pela Crítica
biográfica fronteiriça (NOLASCO, 2015). Dentre esses conceitos, podemos citar:
exterioridade, desobediência epistêmica, pensamento descolonial, arquivo, memória,
amizade e intelectual das margens. Ademais, buscaremos, a partir da nossa visada
fronteiriça e (bio)local, teorizar sobre o texto feminino autobiográfico e como esse
contribui para o projeto intelectual feminista da autora.

Falar em Heloísa Buarque de Hollanda é falar em cultura, em literatura


marginal, essa pesquisa trata de reiterar a intelectual nas várias esferas da
sociedade, bem como, na academia, lugar onde é pouco falada e estudada. Propõe-
se aqui uma teorização de seu projeto enquanto intelectual desobediente articulada
pelo biolócus de onde pensamos e alicerçado pela epistemologia Crítica biográfica
fronteiriça que nos atravessa enquanto pesquisadores sul-fronteiriços.

Na esteira destas preposições, no que convém à escolha da autobiografia


como norteadora de nossa teorização, por meio do nosso olhar atravessado pela
posição de crítico biográfico fronteiriço e pesquisador do projeto intelectual de
Heloisa Buarque de Hollanda, entendemos que a autobiografia representa
justamente a condição da intelectual, escritora e professora enquanto desobediente

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epistêmica (MIGNOLO, 2008) por ir contra os modelos propostos pela universidade


ainda alocados em uma perspectiva moderna que acaba por excluir o sujeito negro,
periférico, as mulheres. Heloísa Buarque de Hollanda evoca para dentro do
ambiente acadêmico todos esses sujeitos cujas identidades foram rechaçadas pelo
projeto-mundo colonial moderno, mais uma vez faz uma escolha, dessa vez,
descolonial (MIGNOLO, 2008)

Em linhas gerais, Heloisa Buarque de Hollanda por meio da escrita da


memória retoma acontecimentos de ordem pessoal que foram significativos para sua
construção como intelectual, tais como: amizades, paixões, os acontecimentos da
vida, todos esses fatores influem no exercício teórico e autobiográfico da autora,
bem como em nosso papel enquanto críticos biográficos fronteiriços. Conclui-se, a
partir das montagens e desmontagens desse perfil, o interesse latente de atuação e
interferência social, tendo em vista a tarefa ética conferida ao intelectual de
desestabilizar os dispositivos de dominação estatal, bem como conceitos
hegemônicos e excludentes de cultura, como pondera Edward Said no livro
Representações do intelectual (2005)

Por isso, a meu ver, o principal dever do intelectual é a busca de uma


relativa independência em face de tais pressões. Dai minhas
caracterizações do intelectual como um exilado e marginal, como amador e
autor de uma linguagem que tenta falar a verdade ao poder. (SAID, 2005,
p.15)
Tendo em vista todo o papel que Heloisa Buarque desempenha na academia
e o fato de seu projeto intelectual ser voltado para a cultura em processo na
atualidade, escreve dos grandes eixos, porém dialoga com o individuo periférico,
com o feminismo, questões essas que não se adequam a narrativa hegemônica
moderna vigente até os dias atuais. Portanto, objetivamos (re)ler a obra e pensá-la a
partir do crivo crítico-biográfico fronteiriço.

A leitura a qual ensejamos aqui se baseia em uma posição teórica que vai em
busca de (re)fazer os caminhos enunciativos do texto autobiográfico da autora
supracitada, em diálogo com nosso arquivo pessoal que emerge da exterioridade
mais precisamente alocada na fronteira-sul.

Tal leitura crítica estará assentada em uma perspectiva crítica biográfica


fronteiriça. Sob esse prisma, faz-se necessário compreender que, em sua essência,
a Crítica biográfica fronteiriça (NOLASCO, 2015) se dá, dentre outras, por uma

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visada comparatista aquilatada na desobediência, em uma semelhança na


diferença.

Para um discurso crítico que se situa nas fronteiras dos saberes críticos
conceitos dos centros como os que postulo aqui, saber que tal articulação
periférica deve passar por fora de qualquer dualidade crítica redutora é tão
importante quanto reconhecer que o surgimento e a articulação de uma
crítica pós-colonial na fronteira passa pelas “sensibilisades locales”
(MIGNOLO) ou sensibilidades biográficas de todos os envolvidos na ação.
Foi por priorizar isso que procurei agregar, ao recorte epistemológico pós-
colonial, uma abordagem crítica biográfica brasilera (Souza), bem como não
descartar a importância de uma delimitação territorial: a fronteira-Sul, de
onde erijo meu discurso, tem de fazer toda a diferença na articulação
epistemológica defendida. (NOLASCO, 2013, p. 15-16).
As áreas do conhecimento intelectual que emergem das margens e fronteiras
do país ainda sofrem um preconceito por parte da visada clássica proporcionada
pelo projeto moderno, ao estudarmos uma autora como Heloísa Buarque de
Hollanda aquilatados em uma opção descolonial a qual contempla as diferenças e
diversalidades culturais, revelamos nossas sensibilidades locais, o nosso eu que
habita a fronteira, exposto por Eneida Maria de Souza (2000):

Ressalte-se, ainda, a condição fronteiriça de todo intelectual – embora em


alguns esse traço seja mais forte – o que confirma a indeterminação dos
saberes atuais, considerando-se que fazer crítica, hoje, implica permutar,
transitar ou viajar por espações incertos e, muitas vezes, efêmeros.
(SOUZA, 2000, p.7)
Procuramos articular a partir do projeto intelectual de Heloisa Buarque de
Hollanda uma discussão crítica acerca das novas tendências da cultura que se
desenvolvem por meio de práticas e estratégias outras, diferentes das consideradas
hegemônicas e excludentes, mostrando seu real sentido, interacional, criativo, uma
maneira de barrar as desigualdades e levar em conta o que é produzido nas
margens, fronteiras e espaços efêmeros desse conhecimento. Hugo Achugar em
sua obra Planetas Sem Boca (2006) propõe-nos a seguinte indagação acerca das
viagens feitas em busca dos intelectos alocados em espaços dito efêmeros:

Transitar espaços incertos, essa é a sina. Incertos, efêmeros. Acrescento,


hipotéticos, se fossem hipotéticas, mais do que uma sina, essas viagens
intelectuais que estamos empreendendo. Digo “estamos” e já cai sobre
mim, o aço do fio da navalha. Como empregar o plural? Quem é o sujeito
desse plural que tenta a reflexão? Os intelectuais? Os latino-americanos?
Nós? Quem? (ACHUGAR, 2006, p.9)
Tendo em vista esse perfil intelectual, marginal e desobediente epistêmica,
apenas uma epistemologia da diferença assentada na exterioridade (MIGNOLO,
2003) pode dar conta de (re)lê-lo, nesse sentido utilizaremos como aporte a Crítica
biográfica fronteiriça (NOLASCO, 2015)

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A denominação CRÍTICA BIOGRÁFICA FRONTEIRIÇA merece uma nota


explicativa. Em meu livro Perto do coração selbaje da crítica fronteriza
(2013), como mostra o título, já me detinha acerca de uma crítica fronteiriça.
Todavia, ali eu ainda me valia mais da rubrica pós-colonial ou pós-ocidental
como forma de atender melhor aos postulados teóricos empregados. Não
abri mão de tais teorias, muito pelo contrário. Mas entendo, agora, que elas
se voltavam muito mais para uma América Latina como um todo e que, ao
seu modo, continua a excluir o Brasil ou, quando não, este vinha meio a
reboque. Na tentativa de resolver em parte isso que me incomodava, fechei
um pouco mais o recorte epistemológico e, em contrapartida, como ganho
teórico na discussão que proponho agora, aproximei-me mais do meu bios e
do meu lócus, posto que a fronteira-sul daqui de onde penso é tão real
quanto epistemológica. (NOLASCO, 2015, p. 47)
Em síntese, tendo em vista a teorização proposta por Nolasco, entende-se a
crítica biográfica fronteiriça como uma teorização alocada na exterioridade, a qual,
visa questões como: a diferença, a cultura e a diversalidade (MIGNOLO, 2003) que,
por sua vez, não hierarquiza os saberes – a diversidade propõe valor ao
conhecimento, rechaçando-o. Nosso discurso crítico é construído a partir de um
lócus epistemológico fronteiriço (fronteira-sul).

Desse modo, a teorização fronteiriça surge a partir de (MIGNOLO, 2003) um


(bio)lócus – bios + lócus (NOLASCO, 2015) – e das sensibilidades locais do
pesquisador. No nosso caso, a partir da América Latina, Brasil, fronteira-sul, lugar
que fica fora do grande eixo rio-são Paulo. Como posto por Nolasco:

O que está envolto à discussão não é uma visada dualista acerca da


existência ou não de dentro e fora, de centro e periferia, posto que haja um
consenso de que há toda uma exterioridade que simplesmente não foi
contemplada pelo projeto moderno do sistema colonial. (NOLASCO, 2015,
p.57.)
Procuramos expor aqui os novos termos da cultura, seu significado mais
amplo, novas teorizações e tendências a cultura se desenvolvendo por meio de
práticas e estratégias outras, diferentes das consideradas hegemônicas, estetizantes
e excludentes, ressaltando nossa transitoriedade por estes espaços do
conhecimento inexplorados até então, as Escolhas de Heloísa Buarque de
Hollanda, também são as nossas, nosso exercício enquanto crítico é atravessado
por nosso aliado hospitaleiro, pelas relações de transferência que mantemos entre
si, pretende-se revisitar o conhecimento que emana das margens, através da
fronteira que habitamos e erigimos nosso discurso.

Nesse sentido, como explicitado por Edgar Cézar Nolasco, no ensaio


“Políticas da crítica biográfica” (2014), na esteira das proposições de Jacques

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Derrida, evidencia duas reflexões que concernem ao exercício crítico-biográfico e à


inter-relação entre vidas correspondente ao campo do bios:

Do campo das razões de princípio, podemos elencar a literatura, o ensaio, a


crítica, o valor, a lei, o direito, o documento, a obra, o arquivo, a biografia
etc; já do campo das razões do coração, destacamos a escolha pessoal, as
imagens, as amizades pessoais, a escolha, a dívida, a transferência, a
herança, a recepção, a vida, as paixões, o arquivo, a morte, a experiência,
as leituras, a biblioteca, as viagens, os familiares, as fotografias, os
depoimentos etc. (NOLASCO, 2014, p. 36)

Considerações finais

Assumindo nosso papel enquanto críticos biográficos fronteiriços, as razões


expostas acima estão sempre imbricadas em nossa construção enquanto quem se
dispõe a escrever sobre a vida do outro, ao ler criticamente a obra autobiográfica de
Heloísa Buarque de Hollanda, tecemos nossa própria autobiografia enquanto críticos
nos propomos a estar nesse lugar de desconforto, do desejo, do bios, do político.
Trazendo a memória questões da ordem de arquivo e herança (DERRIDA, 2001) de
maneira a consolidar a produção do pensamento constante na produção de uma
narrativa crítico-cultural pensada, refletida e alocada na fronteira-sul de um país
subalterno e marginal acerca de uma intelectual que existe a partir do nosso
discurso e ocupa o lugar de amiga crítica/política em nosso bios.

Referências:
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AÇÕES PARA SAÚDE E SEGURANÇA DO TRABALHO: UM ESTUDO NO


CEREST DE CORUMBÁ-MS
Health and Safety Actions of Work: a Study in the Cerest of Corumbá, Mato Grosso
do Sul, Brazil
Acciones de Seguridad y Salud en el Trabajo: un Estudio en el Cerest de Corumbá, Mato
Grosso do Sul, Brasil

Dalton Monteiro de Souza 


Fernando Thiago

Resumo: Esta pesquisa teve como objetivo levantar e discutir as ações educativas
para saúde e segurança do trabalho, realizadas pelo Cerest (Centro de Referência
em Saúde do Trabalhador) de Corumbá-MS. O Cerest tem a finalidade de promover
ações que tragam melhoria das condições do trabalho e qualidade de vida dos
trabalhadores, tais ações ocorrem por meio da promoção, prevenção e vigilância dos
ambientes de trabalho. Foi realizada uma pesquisa qualitativa, descritiva, utilizando
a técnica de análise documental. A amostra consistiu dos arquivos e relatórios
elaborados pelo Cerest. Quanto aos resultados das ações, todos os relatórios
apontam a importância das ações educativas para a emancipação dos trabalhadores
frente aos problemas com segurança e saúde no trabalho. Mostra também que há
retorno por parte dos trabalhadores em melhorias implantadas nos ambientes de
trabalho após as inspeções, fiscalizações e/ou palestras.
Palavras Chave: Segurança do trabalho; Saúde no Trabalho; Educação para saúde
e segurança no trabalho.

Abstract: This research aimed to raise and discuss the educational actions for
health and safety at work, carried out by Cerest (Center of Reference in Worker's
Health) of Corumbá/MS/Brazil. The Cerest have the purpose of promoting actions
that bring improvement of working conditions and quality of life of workers, such
actions occur through the promotion, prevention and surveillance of work
environments. A qualitative, descriptive research was carried out using the
documentary analysis technique. The sample consisted of files and reports prepared
by Cerest. As for the results of the actions, all the reports point out the importance of
educational actions for the emancipation of workers in the face of problems with
safety and health at work. It also shows that there is a return on the part of the
workers in improvements implemented in the work environments after the inspections
and/or lectures.
Keywords: Workplace safety; Occupational Health; Education for health and safety
at work.

Resumen: Esta investigación tenía como objetivo plantear y discutir las acciones
educativas para la salud y seguridad del trabajo, realizadas por Cerest (Centro de
Referencia en la Salud del Trabajador) de Corumbá/MS/Brasil. Cerest tiene el


Graduado em Administração pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e Técnico em
Segurança do Trabalho do Centro de Referência em Saúde do Trabalhador. E-mail:
dalton.seg_trab@hotmail.com

Professor Adjunto da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. E-mail: fernando.t@ufms.br

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propósito de promover acciones que mejoren las condiciones de trabajo y la calidad


de vida de los trabajadores, acciones que se realizan por médio de la promoción,
prevención y vigilancia de los entornos laborales. Se realizó una investigación
cualitativa y descriptiva utilizando la técnica de análisis documental. La muestra
consistió en archivos e informes preparados por Cerest. En cuanto a los resultados:
todos los informes señalan la importancia de las acciones educativas para la
emancipación de los trabajadores frente a los problemas de seguridad y salud en el
trabajo. También muestra que hay un retorno por parte de los trabajadores en las
mejoras implementadas en los entornos de trabajo después de las inspecciones y/o
conferencias.
Palabras clave: Seguridad laboral; Salud ocupacional; Educación para la salud y
seguridad en el trabajo.

Introdução
O Centro de Referência em Saúde do Trabalhador – Cerest, vem realizando
atividades de prevenção e fiscalização em empresas e demais organizações, com
vistas a promoção da saúde dos trabalhadores. Estas atividades são realizadas por
meio das denominadas “buscas ativas”, que são ações de investigação junto aos
trabalhadores acidentados e/ou doentes em função do trabalho. Observa-se que os
acidentes ocorrem com muita frequência no município de Corumbá-MS e região.
Diante das notificações verificadas no Cerest e os relatos dos trabalhadores
contadas nas fichas de notificações, percebe-se que a grande maioria desses casos
poderiam ter sido evitadas se houvesse sensibilização tanto dos empregadores
quanto dos empregados.
Segundo Sampaio (1998), a utilização de ações de prevenções dos riscos e a
disponibilização de informações e treinamentos das pessoas são relacionados a
redução significativa dos acidentes. Para Melo (2001), é necessário que se integre
os projetos de segurança no trabalho aos projetos operacionais das organizações.
A Administração é uma aliada indispensável na Segurança do Trabalho, pois,
propicia a gestão dos funcionários principalmente quanto ao treinamento, ferramenta
fundamental dentro das organizações que tem por objetivo esclarecer, e capacitar os
colaboradores.
Informar os trabalhadores sobre os riscos a que eles estão expostos em seus
respectivos ambientes de trabalho, as consequências de tais riscos para a sua
saúde e integridade física, bem como para sociedade e as maneiras de se prevenir
de tais riscos é uma ação preventiva que a legislação trabalhista pertinente exige
que sejam desenvolvidas pelas organizações/empresas.

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É de fundamental importância que a equipe do Cerest esteja atenta quanto à


ocorrência de trabalho escravo na região, especialmente por Corumbá situar-se em
região de fronteira. Esta situação pode incorrer no ingresso de pessoas oriundas de
outros países, fato este recorrente, podendo despertar o interesse de empregadores
oportunistas por mão de obra barata.
Além disso, pode-se inferir até mesmo que estrangeiros se submetam a
condições trabalhistas análogas à escravidão, como por exemplo trabalhar em troca
de comida e local para dormir, muitas vezes sem as mínimas condições de higiene e
conforto.
Existem ocorrências de fiscalização por parte do Cerest em que trabalhadores
bolivianos estiveram trabalhando sem qualquer atribuição regulamentada pela
legislação trabalhista brasileira, tais como: EPI’s sem condições de uso, falta de
EPI’s adequados para vazamento de produto químico (amônia), condições
desfavoráveis para alimentação e permanência dos trabalhadores e ausência de
registro como contrato de trabalho ou carteira assinada, etc.
De acordo com Patarra et al. (2013), estes trabalhadores são cobertos pela
denominada Lei dos Estrangeiros (Lei Federal 6.915/1980). Observa-se que esta
serviu apenas para uma parte mínima dos trabalhadores, possui contradições em
relação aos direitos humanos e do trabalho, considerando acordos junto à
Organização Internacional do Trabalho, o qual estabelece que os estrangeiros
devem ser tratados de forma igualitária (PATARRA et al., 2013; AMARAL, 2017).
Outro aspecto importante são os gastos públicos relacionados aos acidentes e
doenças. Como exemplo, a Lesão por Esforço Repetitivo - LER/DORT, na gerência
do INSS de Campo Grande/MS, administradora das agências dos municípios da
região leste, norte e oeste de Mato Grosso do Sul, foram registrados 1.354 casos
desde janeiro de 2017 a janeiro de 2019.
Em média cada paciente teve o benefício concedido no valor de R$ 1.283,93
reais por um período de três meses (média do período de afastamento), totalizando
mais de cinco milhões de reais.
Considerando que as atividades de educação são relevantes na prevenção
dos acidentes de trabalho, esta pesquisa tem como objetivo analisar as ações
educativas realizadas pelo Cerest nas empresas dos municípios de Corumbá e
Ladário com o intuito de levar conhecimento às organizações, sejam estas de
grande ou pequeno porte.

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As atividades analisadas foram realizadas em organizações de pequeno e


grande porte, contribuindo com a promoção da saúde dos trabalhadores e a
prevenção de acidentes e doenças ocupacionais, sejam físicas e/ou psíquicas.
O Brasil está ocupando atualmente o quarto lugar no ranking mundial em
acidentes de trabalho, ficando atrás somente da China, Estados Unidos e Rússia
(DUTRA et al., 2014). É uma estatística muito preocupante, pois, compromete toda a
cadeia econômica do país com o número altamente elevado de pessoas inválidas
seja temporária ou de forma permanente, ainda mais em plena idade produtiva.
Para que se possa transmitir conhecimento é preciso ser instruído e isso
acontece quase que o ano todo, o Cerest regional recebe capacitação do Cerest
estadual o que fortalece o conhecimento dos profissionais do órgão, garantindo uma
prestação de serviço de qualidade com o máximo de informação à população que
busca auxílio do Cerest.
Sendo possível mensurar o nível de compreensão em Saúde e Segurança do
Trabalho tanto por parte dos gestores da empresa, como dos demais funcionários
independentemente do nível organizacional a que estes pertençam. Expondo de
forma metódica as vantagens que todos recebem ao praticar seus trabalhos de
forma segura e saudável garantindo bem-estar dentro e fora da organização.

Fundamentação Teórica
A segurança no trabalho é uma área que proporciona benefícios em todos os
setores da sociedade, pois, trabalha com prevenção e isso evita tanto prejuízos
particulares (acidentes e doenças ou óbito), quanto prejuízos coletivos, o aumento
de dependentes do INSS, hospitais superlotados, deficiência de mão de obra,
indenizações trabalhistas, acidentes ambientais e outros.
A educação no trabalho é poderosa ferramenta que, se bem empregada,
insere na organização todo o conhecimento necessário para que os funcionários,
independente do cargo que ocupem: diretor-presidente ou auxiliar de serviços
gerais, tenham condições de identificar os riscos presentes nas atividades laborais e
a forma de neutralizar/eliminar tais riscos no âmbito de sua atribuição.
Para isso a Educação no trabalho precisa estar abastecida de uma rotina de
treinamentos, palestras, capacitações e cursos que enriqueçam o capital intelectual
da empresa e se possível até implantar uma cultura organizacional com ênfase em
SSMAQ (Saúde, Segurança, Meio Ambiente e Qualidade).

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Saúde e Segurança do trabalho


Em termos legais, o parágrafo 3° do art. 6° da CF define a saúde do
trabalhador como:
Um conjunto de atividades que se destina, através das ações de vigilância
epidemiológica e vigilância sanitária, a promoção e proteção da saúde dos
trabalhadores, assim como visa a recuperação e reabilitação dos
trabalhadores submetidos aos riscos e agravos advindos das condições de
trabalho (BRASIL, 1988, p. 242).
Em termos acadêmicos, Oliveira (2003) define Segurança do Trabalho:
A Segurança do Trabalho corresponde ao conjunto de ciências e
tecnologias que tem por objetivo proteger o trabalhador em seu ambiente de
trabalho, buscando minimizar e/ou evitar acidentes de trabalho e doenças
ocupacionais. Assim, dentre as principais atividades da segurança do
trabalho, podemos citar: prevenção de acidentes, promoção da saúde e
prevenção de incêndios (OLIVEIRA, 2003, p. 6).
De acordo com Oliveira (2003), diversos são os fatores que estão
relacionados com a Saúde e Segurança do Trabalhador - SST, os mais citados são
Cultura, Gestão, Clima Organizacional. Todos com a devida importância e momento
exato de ser trabalhado para que a parte interessada obtenha êxito nas ações. A
cultura seja talvez a barreira mais difícil de ser tratada quando se procura implantar
em uma empresa/organização algum programa de SST.
Um sistema novo sempre sofre rejeições por mais esclarecedor que este seja,
pois vai ter que romper costumes de décadas, passadas de geração, e o que é pior,
empresários, sejam micro, pequeno, médio ou grande sem nenhuma noção ou
sequer interesse em busca de uma melhoria das condições de trabalho, a maioria
das vezes com o argumento errôneo de que SST é um gasto, sendo que a razão
esclarece ser um investimento.
Porém, o fato de a cultura nesse caso ser um empecilho, nenhum esforço em
tentar fazer a transformação é inválido, as ferramentas de gestão sejam de órgãos
governamentais, ONG’s e outros, tem o poder de modificar a visão seja do
empregador e/ou do empregado ainda que essa mudança de atitude demande
algum tempo.
Saviani (1983, apud KIEFER; BORGES, 2001, p.19) afirma que a importância
política da educação reside na sua função de socialização do conhecimento. É de
suma importância evidenciar durante os treinamentos e palestras que o Cerest
oferece às organizações que a adoção das medidas de segurança no trabalho além
de ser lei, somente benefícios traz aos trabalhadores, as empresas e a sociedade, e

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que o contrário, o descaso em relação à segurança causa danos aos funcionários,


sequelas como mutilações, doenças e até mesmo óbito aos trabalhadores.
Para as organizações quando da ocorrência de acidentes/doenças só restam
prejuízos em função de danos aos maquinários, interrupção da produção,
indenizações trabalhistas, danos ambientais, além de multas e ações judiciais.
É nesta linha de raciocínio que os gestores devem trabalhar para que a
empresa/organização consiga ter um clima organizacional favorável quanto às
questões de segurança e satisfação com a estrutura de trabalho e as relações
pessoais, pois, uma vez alcançado um patamar de cultura preventiva, novos
colaboradores que venham a integrar o quadro da empresa, serão iniciados nos
valores adotados pela mesma, e quem vai transmitir na prática esses valores aos
novatos são os colaboradores mais antigos, que foram trabalhados a seguir os
procedimentos e as normas da empresa, isso demonstra eficiência da gestão
(OLIVEIRA, 2003).
A questão de doenças ocupacionais/acidentes sempre acompanhou a
humanidade na sua evolução e consequentemente as profissões criadas
apresentaram novas doenças e novos acidentes que culminam até os dias atuais em
prejuízos incalculáveis para as empresas, em alguns casos irreversíveis para os
trabalhadores. A soma desses fatores, se transformam em estatísticas em
patamares epidemiológicos para a sociedade em alguns países. Desenvolver
mecanismos que possam mensurar a eficiência das ações em segurança e saúde
dos trabalhadores das organizações é uma forma de auxiliar as políticas públicas.
Neste ponto, Xavier (2011, p. 52) apresenta:
E ainda, do consenso ou não da manutenção da estratégia do Balanço da
Segurança e Saúde do Trabalhador, apresentar as alternativas de
construção da proposta inicial da PNSST, qual seja: “instituir a
obrigatoriedade de publicação de balanço de SST - Segurança e Saúde do
Trabalhador para as empresas, a exemplo do que já ocorre com os dados
contábeis (BRASIL, 2005, apud XAVIER, 2011).
A citação acima tem uma proposta que surtiria resultados significativos para
os órgãos que trabalham com ações educativas e/ou fiscalizadoras, pois, se
houvesse uma obrigatoriedade legal por parte das empresas em apresentar
resultados para o governo tal qual legislação de tributos, a procura por ações
preventivas em saúde segurança seriam constantes.

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Dessa forma todos ganhariam, uma vez que as ações educativas deixariam
de ser corretivas, pois as empresas só fazem ações após as ocorrências de
acidentes, e passariam ser em sua grande maioria de caráter preventivo.
Após verificado os fundamentos teóricos sobre Segurança e Saúde do
Trabalho utilizados nesta pesquisa, a próxima seção versará sobre o tema Educação
no Trabalho, proporcionando vislumbrar o principal tema objeto desta pesquisa.

Educação no trabalho
O trabalho “é a condição indispensável da existência do homem, uma
necessidade eterna, o mediador da circulação material entre o homem e a natureza”
(MARX apud RIBEIRO, 2009, p. 50).
O trabalho pode ser emancipador, mas pode também ser um instrumento que
submete e até mesmo escraviza o ser humano. O trabalho pode ser responsável por
gerar prazer para alguns, mas também pode ser responsável por gerar pesadelo e
sofrimento para outros. E tudo isso independentemente da qualidade do trabalho ou
mesmo do seu valor social.
De maneira geral, entendemos a educação como uma ação humana
intencional com o objetivo de transmitir um conjunto específico de conhecimentos a
indivíduos que supostamente não os têm (RIBEIRO, 2009, p. 49).
De acordo com Paulo Freire “a educação tem caráter permanente. Não há
seres educados e não educados, estamos todos nos educando. Existem graus de
educação, mas estes não são absolutos” (OLIVEIRA, 2009).
Ademais, o entendimento dos modos de vida dos vários e diferentes grupos
sociais como fatores associados à qualidade de vida, especialmente no
âmbito de específicas áreas geográficas, demandam uma maior integração
e rearticulação entre a educação e saúde e as estratégias da promoção da
saúde com esforços multidisciplinares e multissetoriais (PEREIRA apud
FAGUNDES; OLIVEIRA, 2001, p. 122).
Assim, Educação em Saúde do Trabalhador é entendida como a construção
partilhada de saberes e práticas, pela comunicação/interação entre usuários e
servidores acerca do processo saúde/doença do trabalhador, objetivando “preparar
pessoas, em diferentes contextos socioculturais, para serem capazes de maneira
consciente de decidir as suas ações, em direção a uma melhor saúde pessoal,
familiar e coletiva” (PEREIRA, 1995 apud FAGUNDES; OLIVEIRA, 2001, p. 125).
A modalidade de ensino que mais surte efeito quando se trata de ações
educativas em empresas é a modalidade não formal, pois, ela se dirige a um público

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específico com conhecimento de mundo e leva a esse público um conhecimento que


vai ao encontro de seus anseios naquele momento. Essa prática de ensino
agregada a interação do ouvinte com o instrutor torna-se fator fundamental para que
se obtenha dentro da temática em questão o ponto de vista dos trabalhadores.
Sempre deixamos claro aos trabalhadores que não detínhamos o
conhecimento de sua realidade de trabalho e, podemos dizer, sem medo de
errar, que aprendemos muito com aqueles trabalhadores. Não apenas sobre
a realidade de seu trabalho e de suas vidas, como também pudemos
repensar nossas vidas (MOULIN et al, 2001, p. 226).
No caso de ações em saúde e segurança do trabalho, permitindo a equipe
que desenvolve tais ações tenha olhar da parte que recebe informação e com isso
obtendo informações extremamente necessárias para as possíveis
correções/adequações nos ambientes laborais.
Esta prática a equipe do Cerest adota durante as inspeções/fiscalizações uma
vez que a abordagem analisa os aspectos de segurança das empresas e também
escuta os colaboradores das organizações buscando desta forma o maior número
de informações a respeito dos processos de trabalho e outras situações ou
condições que venham a ser relatadas conforme o caso, para possíveis
intervenções do tipo não formal.
Para fins de entendimento e marco conceitual, define-se educação não formal
como sendo atividades educativas não programadas e com objetivos claros
(PESENTE; CUNHA, 2011, p.12).
No estudo realizado por Fagundes (2000, p.129), o qual coletou dados em
empresas de diversos setores, apresentou as insatisfações de funcionários em que
não se tem nenhum trabalho em benefício dos colaboradores, apresentando
condições de trabalho que adoecem tanto física como psicologicamente. Para
exemplificar, destacou-se os depoimentos de cunho pejorativo frente as condições
de trabalho prejudiciais à saúde do trabalhador:
Me pisaram, era tímida, só queria trabalhar; dei tudo de mim, cheguei a
desmaiar de fome para não abandonar o posto.
Já fui para os empresários uma secretária insubstituível, hoje sou
imprestável.
Fui tudo enquanto tinha tudo para dar: Meus vinte anos de trabalho, minha
vida, estão em uma caixa de papelão, enviada pela empresa com todos os
pertences que ficavam na minha escrivaninha.
[...] estou perdendo o marido; é tanta dor que não consigo ter prazer [...]
como enfrentar esta situação? Como ser mulher nesta situação?
(FAGUNDES, 2000, p.130)

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Observa-se nos relatos o quanto as condições de trabalho influenciam na


saúde do trabalhador, com impactos negativos inclusive em suas vidas sociais e
familiares.
Ainda neste mesmo trabalho, Fagundes (2000, p. 131) apresenta alguns
relatos sobre os resultados das condições de trabalhos após a intervenção educativa
para promoção da saúde do trabalhador.
A diferença básica, entre este trabalho (tarefas do grupo) e os outro; é a
realização, a criação, a liberdade, o respeito às diferenças.
Não via porta, a gaiola era minha dor, o grupo conseguiu me libertar da
L.E.R.
Vamos discutir formas saudáveis de trabalhar? O que podemos fazer de
forma diferente?
O que se observa é que ações como a descrita acima favorecem e muito a
repercussão dos trabalhos inerentes a saúde segurança do trabalho, muito mais
amplo fica a abrangência de tais ações quando se tem maior participação do poder
do Estado.
Uma solução para minimizar o alto índice de trabalhadores vítimas de
acidentes e doenças no trabalho seria maior exigência por parte do poder público
para que as empresas investissem e comprovassem os investimentos em ações de
prevenção com calendário estipulado pelo governo federal.
A Saúde e Segurança do Trabalho assim como as demais ciências somente
conseguem atingir seus objetivos com o auxílio da educação, essa poderosa
ferramenta que tem o poder de transformação e que se bem alinhada com a gestão
aplicada nas organizações principalmente com enfoque humanístico valorizando o
maior capital da empresa que são os colaboradores os resultados alcançam
patamares de benefícios em diversos setores da sociedade. Essas conquistas
denotam progresso, avanço de cultura de uma sociedade.
Por fim, conforme discutido por Souza (2001, p. 263):
O espaço criado na empresa para o treinamento e/ou desenvolvimento do
trabalhador deve ser um espaço de busca, descobertas, trocas, diálogos,
convivências e de abertura para a imaginação criadora, como também de
sensibilidade, respeito e compreensão para com a linguagem, experiência e
o conhecimento dos trabalhadores.
Toda a ação educativa que se refere à condição do trabalho deve ser
fundamentada em troca de experiências, os instrutores devem ouvir os
trabalhadores, questionar o que, para eles, pode trazer melhoria em suas atividades,
de saber se colocar no lugar destes, pois essa troca de experiências proporciona
aprendizagem para ambos, e é de bom senso salientar que só os agentes de

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divulgação transmitindo conhecimento não há garantia de que aquela informação


atenda as demandas reais daquele público-alvo.

Metodologia
A pesquisa utilizada foi do tipo qualitativa e descritiva a qual abordou um
estudo de atividades realizadas no Cerest, a respeito das ações educativas bem
como seus resultados.
A pesquisa qualitativa permite analisar dados com maior profundidade, sem
utilizar-se de tratamentos estatísticos, apoiando-se em documentos, como atas,
relatórios, documentos etc. (CRESWELL, 2010).
A pesquisa documental corrobora com o método utilizado neste trabalho, para
tal foram utilizados relatórios elaborados a partir de fiscalizações realizadas pelo
órgão que contém dados que são mantidos em sigilo e só foram liberados para
pesquisa pela coordenação do Cerest desde que não fosse revelado nenhum nome
nem de pessoas nem de empresas.
Em relação à utilização da pesquisa descritiva,
As pesquisas descritivas são, juntamente com as exploratórias, as
que habitualmente realizam os pesquisadores sociais preocupados
com a atuação prática. São também as mais solicitadas por
organizações como instituições educacionais, empresas comerciais,
partidos políticos etc. (GIL, 2008, p. 28).
Justamente a descrição que busca os resultados da sinergia entre teoria e
práticas educativas em saúde e segurança que o Cerest promove a comunidade
trabalhadora e as empresas, possibilitando associar o conhecimento a realidade do
trabalho e suas vantagens.
Com bases em artigos e livros citados na fundamentação teórica, que
demonstram a eficiência da educação como princípio emancipador na transmissão
de conhecimentos, em questão de saúde e segurança do trabalho.
A pesquisa documental foram relatórios elaborados pelo Cerest que
continham casos de agravos acidentes e ou doenças que vieram acometer os
trabalhadores. E para a melhora desse quadro apenas as ações educativas que
surtem e efeitos.
De acordo com Gil (1999) a pesquisa documental permite investigar
informações escritas sem tratamentos analíticos. Para tanto, a amostra de dados
coletados foi referente aos documentos e relatórios de atividades do Cerest no ano
2019, em especial o relatório quadrimestral de atividades.

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A análise de conteúdo desenvolveu-se em três fases: (a) pré-análise; (b)


exploração do material; e (c) tratamento dos dados, inferência e interpretação
(BARDIN,1977, p. 95).

Resultados

Contextualização da organização
O Centro de Referência Regional em Saúde do Trabalhador que tem por
finalidade congregar/unificar os esforços dos principais executores com interface na
saúde do trabalhador, tendo como objetivo atuar prevenindo, controlando e
enfrentando, de forma estratégica, integrada e eficiente os problemas de saúde
coletiva como as mortes, acidentes e doenças relacionados com o trabalho.
De acordo com o artigo 7º da 2.728, de 11 de novembro de 2009, expedida
pelo Gabinete do Ministério da Saúde, que Dispõe sobre a Rede Nacional de
Atenção Integral à Saúde do Trabalhador: “o CEREST tem por função dar subsídio
técnico para o SUS, nas ações de promoção, prevenção, vigilância, diagnóstico,
tratamento, e reabilitação em saúde dos trabalhadores urbanos e rurais”.
Cabe ao Cerest promover a integração da rede de serviços do SUS assim
como suas vigilâncias e gestão, na incorporação da Saúde do Trabalhador em sua
atuação rotineira. Suas atribuições incluem apoiar investigações de maior
complexidade, assessorar a realização de convênios de cooperação técnica,
subsidiar a formulação de políticas públicas, fortalecerem a articulação entre a
atenção básica, de média e alta complexidade para identificar e atender acidentes e
agravos relacionados ao trabalho, em especial, mas não exclusivamente, aqueles
contidos na lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho ou de notificação
compulsória.
No Estado de Mato Grosso do Sul o Cerest está dividido em estadual com
sede em Campo Grande, e os regionais que estão nas cidades de Corumbá e
Dourados sendo que estes últimos atendem as cidades próximas denominadas de
microrregiões.
A administração deste órgão compete à prefeitura local, sendo que quem
transfere essa responsabilidade é o Cerest estadual.
É fundamental que se tenha definida as estratégias de ações realizadas pela
equipe para que todos os casos de acidentes/doenças que chegam ao Cerest

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tenham tratativa de forma eficiente sem que uma equipe atrapalhe o trabalho da
outra. Nesse caso, o uso dos recursos tais como veículo e data show, deve ser
avisado com antecedência para que haja a programação das respectivas atividades.
Estas atividades consistem em inspeções/palestras nas organizações,
apuração de denúncias, realização de busca ativas, elaboração de relatórios em
função das inspeções etc.
O Cerest não possui poder de punir, quando encontra irregularidades durante
as fiscalizações, a equipe elabora um relatório e encaminha para a gerência e esta,
por sua vez, encaminha a Agência do Ministério do Trabalho local que, se julgar
necessário, aciona o Ministério Público do Trabalho.
O que o Cerest pode conceder dependendo da situação é o TAC, Termo de
Ajuste de Conduta, que é uma notificação com prazo que varia de quinze a trinta
dias para que a empresa fiscalizada se adéque ao que estiver estipulado na
notificação.
O Cerest aqui em Corumbá surgiu em 2004 inicialmente como NUREST
(Núcleo de Saúde do trabalhador), administrado pela Prefeitura Municipal,
funcionava em uma sala no Posto de Saúde da Ladeira, este situado na Ladeira
Cunha e Cruz na área central da cidade.
Posteriormente em 2007 passou de Núcleo a Centro de Referência em Saúde
do Trabalhador criado pela Portaria Ministerial 1.679/2002, que tem por finalidade
ampliar a Rede Nacional de Atenção à Saúde dos Trabalhadores (RENAST) esta
criada pela Portaria 2.728/2009, citada anteriormente, integrando os serviços do
Sistema Único de Saúde (SUS), voltados a Assistência e a Vigilância, com sede
própria.
Desde então, vem passando por várias gestões, sempre auxiliando tanto
empresas como trabalhadores, levando ações que envolvam a conscientização de
ambos na questão da saúde laboral, a identificação e prevenção dos riscos no
trabalho, trabalho infantil, assédio moral, os direitos que amparam os trabalhadores,
caminhadas em dias alusivos ao trabalho e todo conhecimento que os profissionais
do Cerest recebem em capacitações, cursos, encontros, congressos e outros, são
utilizados em suas ações.
Atualmente o Cerest, por meio das suas ações nas empresas, vem fazendo o
mapeamento do parque industrial da cidade, no que toca à saúde e segurança ao
trabalhador, desta forma, as futuras ações de sensibilização ficarão mais práticas,

Corumbá/MS, Brasil. 7 a 9 de outubro de 2019. ISSN . 2178-2245


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pois, será possível ter a informação atualizada das atividades por região da cidade,
por função e outros.
A rotina do Cerest se baseia em receber os comunicados da Rede Sentinela,
que são órgãos responsáveis por fazer a triagem dos casos de acidentes/doenças
relacionadas ao trabalho, sendo estas: Pronto Socorro, Unidades de Pronto
Atendimentos (Upa), Hospitais, Centro Especializado em Reabilitação (Cer),
Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae), Centros de Atenção
Psicossociais (Caps), Fisioterapia Municipal, Ambulatório Municipal e Postos de
Saúde.
A partir destes, o Cerest realiza as buscas ativas, gerando um relatório que é
lançada no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), interligado ao
Cerest estadual, e este, ao Ministério da Saúde.
Os problemas de saúde e segurança que o Cerest atua são denominados de
Agravos de Notificação Compulsória estabelecidos pelo Sinan, sendo:
1. Perda Auditiva Induzida por Ruído
2. Dermatoses Ocupacionais
3. Pneumoconioses
4. Ler-Dort
5. Câncer Relacionado ao Trabalho
6. Acidente de Trabalho com Exposição à Material Biológico
7. Transtornos Mentais Relacionados ao Trabalho
8. Acidente de Trabalho Fatal
9. Acidente de Trabalho com Mutilações
10. Acidente de Trabalho em Crianças e Adolescentes
11. Intoxicação Exógena
O rol de serviços executados pelo Cerest é:
1. Atendimento e orientação ao público
2. Recebimento de notificações da rede sentinela
3. Realização de busca ativas
4. Alimentação do sistema Sinam com o resultado das buscas ativas
5. Visitas e inspeções/fiscalizações nas empresas
6. Palestras nas empresas e órgãos públicos
7. Eventos como caminhadas em datas alusivas à saúde e segurança do
trabalho

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8. Participação em Cipa e Sipat de empresas da região

Na Tabela 1 está demonstrada a quantidade de acidentes ocorridos na região


que chegaram ao conhecimento do Cerest, bem como seus respectivos agravos.
Tabela 1. Dados Estatísticos das Notificações do Cerest – ano 2019
Acidentes de
Acidentes
trabalho com Transtornos Acidentes
de
Mês exposição a Ler/Dort Mentais animais Total
Trabalho
2019 material peçonhentos
grave
biológico
Janeiro 2 7 0 1 0 10
Fevereiro 1 8 0 1 0 10
Março 0 11 0 0 1 12
Abril 3 13 0 2 0 18
Total 6 39 0 4 1 50
Fonte: Coleta de Campo (2019).
Observa-se que é um número elevado de acidentes, especialmente dos
acidentes de trabalho grave, com 39 casos recentes. Também cabe destacar os
acidentes ocorridos com exposição a materiais biológicos, que não são todas as
empresas que trabalham com estes materiais, sendo representativo neste cômputo.
Porém, se os empregadores tivessem um mínimo de investimento em prevenção
como fornecer equipamentos de segurança treinar e exigir o uso, muitos destes não
ocorreriam, e se os colaboradores seguissem com comprometimento, nas empresas
em que existem procedimentos de segurança, muito menor seria os casos
registrados.
Na Tabela 2 a apresentação dos agravos é referente aos últimos cinco anos
de registro dos agravos.
Tabela 2. Notificações de Acidentes de Trabalho por Agravos à Saúde do Trabalhador por ano
Agravos
2014 2015 2016 2017 2018 Total
Saúde do trabalhador
Acidentes de trabalho com exposição a
16 43 23 23 14 119
material biológico
Acidentes de trabalho grave 39 89 97 98 55 378
Ler/Dort 00 04 06 04 02 16
Transtornos mentais 00 05 02 00 01 08
Acidentes por animais peçonhentos
00 00 00 01 11 12
relacionados ao trabalho
Total 55 141 128 126 83 533
Fonte: Sinan/Cerest/SMS (2019)
São números alarmantes para a região, porém se verifica uma redução
considerável nos dois últimos anos o que só existem duas hipóteses para esta
diminuição de acidentes, sendo: ou parte dos acidentados tem sido encaminhada
para a rede particular de saúde e nestes casos isso não chega ao conhecimento do

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Cerest, ou as ações educativas desenvolvidas por este órgão têm surtido efeito
positivo na conscientização tanto das empresas quanto dos empregados e ambos
cumpridos de forma consciente as suas respectivas obrigações de segurança
quando da execução das atividades.
Outro serviço é atender trabalhadores que vão ao Cerest em busca de
informações, estes são recepcionados por qualquer funcionário e imediatamente
encaminhados ao técnico de segurança do trabalho, que atende estas pessoas e
registra em livro de ata as informações pertinentes, tais como: a atividade que
desempenham; a empresa que trabalham; o fato ocorrido se acidente ou doença
profissional ou do trabalho ou transtorno mental, as condições de trabalho e o
responsável pela empresa, posteriormente os encaminha a (o) médico (a) ou
psicóloga, diante do diagnóstico se confirmado, o trabalhador é notificado
imediatamente na ficha do Sinam e tais informações são levadas ao coordenador e
este junto com a equipe define as ações a serem tomadas em relação ao caso.
Em seguida o Cerest entra em contato com a empresa explica a atuação do
mesmo, expõe a situação, houve a versão da empresa, realiza
inspeção/fiscalização, elabora um relatório com base no que é encontrado e oferece
os serviços de atendimento médico, psicológico e de fisioterapia além de palestras
pertinente a questão envolvida, sejam estas, saúde e segurança do trabalho,
assédio moral, assédio sexual, trabalho infantil, ergonomia, riscos no ambiente de
trabalho, medidas preventivas contra acidentes e doenças e outros.
Para que estas ações ocorram é fundamental o planejamento por parte de
todos da equipe, pois, devido à demanda em uma semana tem que atender até três
empresas e mais a rotina de atendimento no prédio do Cerest.
No caso dos transtornos mentais os dados não são exatos, pois, neste tipo de
agravo ocorre a subnotificação, uma vez que é de conhecimento deste órgão, muitos
casos, em que os pacientes buscam ou são encaminhados para tratamento
particular e isso não chega ao conhecimento deste órgão.
Outra importante atividade executada pelo órgão é o matriciamento. Trata-se
da capacitação de unidades de saúde de Corumbá e Ladário para que estas
unidades possam adequadamente identificar e notificar sobre vítimas de acidentes
ou doenças do trabalho, desta forma a rede sentinela fica ampliada. Este, porém, é
considerado um trabalho desafiante pela equipe do Cerest, pois, são muitas as
unidades a serem capacitadas.

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Dentre os vários casos de trabalhadores que buscam orientações no Cerest


apresenta-se como exemplo dois casos:
Caso 1: Assédio Moral
Uma funcionária que sofria assédio moral em seu ambiente de trabalho, sem
que os colegas de trabalho percebessem que praticavam tal fato, tudo ocorria em
uma empresa que executa um ofício típico de homens e, segundo relato da
funcionária, as brincadeiras, o tom de voz e o modo de se dirigir aos colegas de
trabalho que para estes pareciam normais, para ela foi se tornando um transtorno
mental terrível, que culminou com o seu afastamento do trabalho.
A moça recebeu atendimento médico e fez sessões de tratamento psicológico
no Cerest, onde relatou com detalhes tudo o que lhe trazia sofrimento no trabalho.
Para atuar nesse caso a equipe do Cerest elaborou e utilizou-se de uma sutil
estratégia durante a abordagem na empresa, primeiramente fez-se o oferecimento
dos serviços que o Cerest presta e conseguiu uma prévia de como era e o ambiente
de trabalho na empresa e observou também os riscos que comprometiam a
segurança e a saúde tanto dos funcionários como dos proprietários, uma vez que
estes executam as atividades juntos com seus colaboradores.
Em data posterior foi realizada uma palestra no Cerest sendo que a exceção
da funcionária afastada, todos compareceram. A psicóloga abordou sobre o tema
assédio moral e sexual nas empresas e o técnico de segurança do trabalho deu
ênfase à questão dos acidentes de trabalho, equipamentos de segurança e riscos no
ambiente de trabalho, o que gerou significativa participação e questionamentos de
todos os ouvintes no decorrer da explanação.
Como resultado das ações realizadas então ex-funcionária encontrou com o
coordenador Cerest e disse que após o atendimento tudo na vida dela havia
melhorado “... tô bem, mudei de emprego, passei no vestibular...”
Caso 2: Acidente Grave
O caso a seguir teve proporções desastrosas, pois, culminou com dois
colaboradores sofrendo queimaduras de 1º e 2º graus, porém, um destes em menor
proporção. Com base nos depoimentos de funcionários que presenciaram o ocorrido
e inspeção in loco do setor, pode-se observar que as atividades não seguiam
padrões de segurança, pois, duas atividades realizadas (fonte de calor com material
inflamável) ao mesmo tempo no local foi o que ocasionou a explosão que atingiu os
funcionários.

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370

O trabalhador que teve grande parte do corpo queimado precisou ser


transferido para outra cidade para tratamento devido à gravidade da queimadura.
Convêm destacar que essa empresa deste caso possui histórico de acidente fatal e
só em janeiro do ano da coleta dos dados chegaram ao Cerest 18 (dezoito)
notificações de acidentes de trabalho dessa empresa o que exigiu uma ação de
amplitude maior, considerando o tamanho índice de acidentes de trabalho.
A ação proposta pelo Cerest nessa situação foi levar quase toda a equipe até
a empresa, onde está permaneceu o dia inteiro e conseguiu abordar os funcionários
de dois turnos da empresa e realizar palestras sobre saúde e segurança do trabalho.
Embora realizada a ação, novos casos de funcionários doentes ou acidentados
dessa empresa voltaram a acontecer, de acordo com as buscas ativas e
notificações, o que se observa que não existe uma gestão efetiva no sistema de
segurança do trabalho dessa empresa.
Embora o Cerest possa prestar diversas ações de atenção à saúde e
segurança do trabalhador, as ações mais recorrentes e efetivas são as relacionadas
à educação para promoção da saúde e segurança, tema este que é objeto de
análise na próxima seção.

Ações de educação e saúde do trabalhador


O Cerest que tem objetivo fazer a promoção da saúde do trabalhador tem
buscado e conseguido parcerias em suas ações seja com o auxílio de outras
secretarias do município, com empresas e órgãos públicos de outras esferas.
Promoção da Saúde é o processo de capacitação das pessoas para
identificar os determinantes do processo saúde-doença, participar de maneira
transformadora de sua realidade, assegurar os direitos humanos e formar capital-
social, nos termos apresentados por Freire (2009).
“O erro na execução do trabalho, embora indesejável, é passível de ocorrer, e
todos, indistintamente, nele podem incorrer” (OLIVEIRA, 2003, p.6).
Dessa citação pode se concluir que ninguém está imune a um acidente ou
doença de trabalho, assim sendo, a educação voltada para promoção da saúde e
prevenção de acidentes deve ser uma constante nos esforços em capacitar,
qualificar, informar, instruir, enfim, dar uma boa condição para que o trabalhador
possa avaliar as circunstâncias de seu ambiente laboral e que tenha uma visão
apurada na identificação de riscos e os meios de se proteger deles.

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371

Neste aspecto, o Cerest realizou treinamentos em empresas/órgãos dos


setores no ano de 2009:
 Manutenção Industrial
 Duas Unidades Educacionais
 Duas Unidades de Saúde Pública
 Três Unidades de Serviços Públicos
 Centro de Pesquisas
 Manutenção mecânica
 Empresa de fundição de minério
 Sindicato
Nos treinamentos realizados nas organizações dos setores listados foram
abordadas as temáticas de assédio moral no trabalho e segurança. O método
utilizado foi a exposição dos temas, conceitos, normas, problemas reais que
ocorreram, utilizando o projetor multimídia (data show) com apresentação de slides,
discutindo com os participantes essas problemáticas, de forma que eles, no seu
cotidiano, possam aplicar os conhecimentos adquiridos.
Do ponto de vista teórico abordado na revisão da literatura, a abordagem
expositiva é importante no início do processo educativo, contudo, conforme
apresentado por Freire (2009), a emancipação do indivíduo passa pelo
entendimento dos temas e posteriormente por um processo de experimentação do
conhecimento.
Neste aspecto, as ações realizadas permitem que os participantes se
sensibilizem da importância da saúde e segurança do trabalho e possam iniciar uma
prática sustentável de suas atividades laborais no que tange os temas abordados.
Além disso, o compartilhamento de saberes entre as organizações e o Cerest
durante as ações educativa proporcionam melhores resultados nas ações de
educação para segurança e saúde do trabalhador, corroborando com o que diz
Pereira (1995).
Além destas ações educativas nas empresas, o Cerest realizou ações nas
escolas:
 Ação “Prefeito Presente”, realizada na Escola José de Souza Damy; e
 Ação “Cidadania em Ação” realizada na Escola Municipal Tilma
Fernandes Veiga.

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Nestas ações o Cerest participou com stand, orientando a população sobre o


que é o Cerest, quais serviços disponibiliza e distribuindo panfletos sobre saúde e
segurança do trabalhador, direitos e deveres dos trabalhadores e da empresa,
conceitos legais sobre questões trabalhistas etc.
Quanto a eventos realizados pelo Cerest foram realizados três:
 Seminário sobre Saúde Mental
 Dia Mundial do Combate às Ler/Dort (Lesões por Esforços Repetitivos /
Doenças Osteomusculares Relacionadas ao Trabalho).
 1º Circuito Desportivo Cerest - Corrida e ciclismo
Em todas as ações desenvolvidas, o Cerest teve como objetivo informar a
população sobre os serviços que presta, possibilitando que o conhecimento sobre a
prevenção dos riscos no trabalho seja transmitido de forma coesa e satisfatória,
pois, as ações educativas têm em suas grandes maiorias divulgadas de forma
teórica, porém, existem ações práticas desenvolvidas também como a ginástica
laboral nas empresas. Em resumo as ações educativas realizadas pelo Cerest
atendem à demanda das empresas e instituições da região, visto a redução do
número de ocorrência nos últimos anos.

Considerações Finais
Como observação geral deste trabalho a ponderação maior é que a questão
da segurança e saúde do trabalhador, em se falando em região (Corumbá e
Ladário), não é levada a critérios de preocupação como deveria por parte das
empresas, isso independente do porte destas.
Por mais que se tenha avanços nas tecnologias na área da prevenção
observa-se também o descaso até mesmo entre autônomos. A razão demonstra que
o caminho mais lógico para que se tenha êxito na redução de acidentes e doenças
do trabalho é a educação somada à experimentação, a teórica seguida da prática no
ambiente de trabalho.
Neste ponto, é necessário empenhar todo o esforço possível por parte das
organizações e o comprometimento dos colaboradores em querer realmente que a
segurança do trabalho funcione, proporcionando a ambos, benefícios, tais como
aumento do lucro, redução de perda tempo e perda de mão de obra e qualidade de
vida para os funcionários.

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373

Estas atividades cabem a todos os processos que são realizados pelas


organizações, para isso o Cerest possui condições de atender a demanda desta
cidade levando a informação, o conhecimento com objetivo de melhorar as
condições de trabalho.
Como observado, as ações educativas na área do trabalho, saúde e
segurança, têm um poder de transformação extraordinário, produzindo resultados
positivos para vários setores, para o governo e para a população trabalhadora,
porém só a exposição teórica por si não faz a mudança, o êxito real da educação
está na junção da teoria com a prática por meio de processos baseado na
experimentação, de exercer de forma metódica tudo o que a teoria orienta.
Para as empresas os benefícios são os ganhos em função da redução de
horas/homens perdidas com acidentes e afastamentos por doenças, avarias em
equipamentos, aumento da produtividade, outros.
Diante disso, sugere-se quanto às ações educativas realizadas pelo Cerest
de Corumbá é de que este promova mais ações com ênfase na prática como o uso
correto dos equipamentos de segurança. Cabe ressaltar que as ações de ginástica
laboral nas empresas e o matriciamento que treina na prática os profissionais da
rede sentinela são realizadas utilizando o processo de experimentação.
Como sugestão para pesquisas futuras, temos: abordar as ações do Cerest
em todo Estado de Mato Grosso do Sul e utilizar da técnica de observação
participante e/ou pesquisa-ação, proporcionando melhor aprofundamento na análise
do fenômeno estudado.

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Trabalho. USP, São Paulo, 2011.

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A CONSOLIDAÇÃO DA FRONTEIRA SUL-MATO-GROSSENSE E AS RELAÇÕES


COM O PARAGUAI AO LONGO DOS DIFERENTES PERÍODOS DA HISTÓRIA
BRASILEIRA
The Consolidation of the International Border in Mato Grosso do Sul and the
Relations with Paraguay Throughout Different Periods in Brazilian History.

La Consolidación de la Frontera de Mato Grosso do Sul y las Relaciones con el


Paraguay a lo Largo de los Diferentes Períodos de la Historia Brasileña

Robson de Araújo Filho


Camilo Pereira Carneiro Filho
Tito Carlos Machado de Oliveira

Resumo: O presente trabalho apresenta a evolução das relações entre Brasil e


Paraguai enfocando a formação da fronteira e da zona fronteiriça do atual estado de
Mato Grosso do Sul com o país vizinho, e visa demonstrar que estas relações se
incrementaram gradual e continuamente a cada período histórico, tendo as fronteiras
papel primordial em seu delineamento. Cada seção equivale a um período histórico
representativo e definidor das dinâmicas e eventos ali ocorridos. As interações entre
os países abrangeram inicialmente estratégias bélicas e de disputa territorial,
passando à forma colonizadora, e são, desde o fim do governo Stroessner e do
advento do Mercosul, regidas por uma lógica neoliberal de estímulo à atividade
empreendedora através de investimentos em infraestrutura e desregulação ou
simplificação tributária, impulsionando o dinamismo nas áreas de fronteira.
Palavras-chave: Paraguai, Fronteira, Mato Grosso do Sul, Matte Laranjeira,
Migrações.

Abstract: The article presents the evolution of relations between Brazil and
Paraguay focusing on the formation of the border line and border area (frontier)
between what is now the state of “Mato Grosso do Sul” in Brazil and Paraguay, and
aims to demonstrate that such relations increase gradually and continuously in each
historic period, with borders playing a prime role. Each section is equivalent to a
representative, defining historic period that shaped the events and dynamics
occurring there. Interaction between the two countries ranged from an initial hostile
stage, with territorial dispute strategies, passing to colonization, and now are, since
the end of Stroessner era and the advent of Mercosur, governed by neoliberal logic


Especialista em Construção Civil e Bacharel em Arquitetura e Urbanismo. Professor do curso de
Arquitetura e Urbanismo no câmpus Jardim do Instituto Federal de Mato Grosso do Sul. Mestrando do
Programa de Pós-Graduação em Fronteiras e Direitos Humanos da UFGD. E-mail:
arqrobsonfilho@gmail.com

Doutor em Geografia. Professor Visitante do Programa de Pós-Graduação em Fronteiras e Direitos
Humanos da UFGD. E-mail: camilofilho@ufgd.edu.br

Doutor em Geografia. Professor do Programa de Pós-Graduação em Fronteiras e Direitos
Humanos da UFGD. E-mail: tito.ufms@gmail.com
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376

of stimulating the entrepreneurial activity through investments in infrastructure and


deregulation or tax simplification.
Key-words: Paraguay, Borders, Mato Grosso do Sul, Matte Larangeira, Migrations.

Resumen: Este artículo presenta la evolución de las relaciones entre Brasil y


Paraguay, enfocando la formación de la frontera y zona fronteriza del actual estado
brasileño de “Mato Grosso do Sul” con Paraguay, buscando demostrar que estas
relaciones han crecido gradual y continuamente a cada período histórico, y que las
fronteras tuvieron rol primordial en su definición. Se divide en secciones que
equivalen a períodos históricos representativos y determinantes de las dinámicas y
eventos que allí ocurrieron. Las interacciones entre los países inicialmente
abarcaran estrategias bélicas y de disputa territorial, pasando a la forma
colonizadora y son, desde el fin del gobierno Stroessner y de la creación del
Mercosur, regidas por la lógica neoliberal de impulso a la actividad emprendedora a
través de inversiones en infraestructura y desregulación o simplificación tributaria.
Palabras clave: Paraguay, Frontera, Mato Grosso do Sul, Matte Laranjeira,
Migraciones.

* Trabalho completo selecionado para publicação na Revista GeoPantanal, v. 14, n.


27, 2019.
https://periodicos.ufms.br/index.php/revgeo

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377

AS IMPLICAÇÕES DO RECONHECIMENTO DA CONDIÇÃO DE REFUGIADO


PARA OS VENEZUELANOS
The Implications of Recognition of the Refugee Condition for Venezuelans
Las Implicaciones del Reconocimiento de la Condición de Refugiado para los
Venezolanos

Francielle Vascotto Folle1


Nathália Alves de Oliveira2
César Augusto Silva da Silva3

Resumo: A Venezuela durante boa parte do século XX era atrativa e chegou a ser
um local de recebimento de migrantes. Não obstante, na segunda década do século
XXI teve seu perfil migratório totalmente revertido por conta de uma crise econômica
causada pela falência na politica venezuelana. A diáspora venezuelana apresenta a
uma dinâmica única onde observa-se a fluidez e a imprevisibilidade das rotas.
Observou-se a tentativa por parte do Estado de inviabilizar a integração local que
seria a alternativa douradora proposta, optando-se pela interiorização deste grupo
que primeiramente foram reconhecidos como acolhidos humanitários temporários,
mas essa definição para o ACNUR não seria a mais adequada aos migrantes
venezuelanos, pois eles são refugiados que se deslocam devido a grave e
generalizada crise econômica. O presente trabalho consiste em uma pesquisa
interdisciplinar, sob a ótica das Relações Internacionais e do Direito, com a
abordagem hipotético-dedutiva através da analise bibliográfica e documental.
Palavras-Chaves: Venezuelanos; Refugiados; ACNUR; CONARE; Acolhida.

Abstract: Venezuela for much of the twentieth century was attractive and became a
place of reception for migrants. Nevertheless, in the second decade of the 21st
century its migratory profile was completely reversed due to an economic crisis
caused by the failure of Venezuelan politics. The Venezuelan Diaspora presents a
unique dynamic where the fluidity and unpredictability of the routes are observed.
The attempt was made by the State to make local integration unfeasible, which would
be the proposed gilding alternative, opting for the interiorization of this group that
were first recognized as temporary humanitarian welcome, but this definition for

1
Mestranda em Fronteiras e Direitos Humanos na Universidade Federal da Grande Dourados.
Bacharela em Direito pelo Centro Universitário da Grande Dourados (2018). Conselheiro local e
Tutora do Curso de Português para Estrangeiros (Nível A1) - AFS Intercultura Brasil. Colaboradora da
Cátedra Sérgio Vieira de Mello (CSVM) vinculada a Faculdade de Direito e Relações Internacionais
da UFGD. E-mail: franciellevascottofolle@hotmail.com.
Mestranda no Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Fronteiras e Direitos Humanos da
2

Universidade Federal da Grande Dourados; Acadêmica do Curso de Especialização Direitos Difusos


e Coletivos da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul; Bacharela em Direito pela Universidade
Estadual de Mato Grosso do Sul (2018); Bolsista PIBIC UEMS (2017-2018); E-mail:
nathalia_alvesoliveira@hotmail.com.
3
Doutor em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2013). Mestre em
Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (1998). Docente do Mestrado Interdisciplinar de
Fronteiras e Direitos Humanos da Faculdade de Direito e Relações Internacionais da UFGD.

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378

UNHCR would not be the most appropriate for migrants. Venezuelans, as they are
refugees who move due to the severe and widespread economic crisis. The present
work consists of an interdisciplinary research, from the perspective of International
Relations and Law, with the hypothetical-deductive approach through bibliographical
and documentary analysis.
Keywords: Venezuelans; Refugees; UNHCR; CONARE; Welcomed.

Resumen: Venezuela durante gran parte del siglo XX fue atractiva y se convirtió en
un lugar de recepción para los migrantes. Sin embargo, en la segunda década del
siglo XXI su perfil migratorio se revirtió por completo debido a una crisis económica
causada por el fracaso de la política venezolana. La diáspora venezolana presenta
una dinámica única donde se observa la fluidez e imprevisibilidad de las rutas. El
Estado intentó hacer la integración local inviable, que sería la alternativa dorada
propuesta, y la interiorización de este grupo se reconoció por primera vez como
bienvenida humanitaria temporal, pero esta definición de ACNUR no sería la más
apropiada para los migrantes. Venezolanos, ya que son refugiados que se mudan
debido a la grave y generalizada crisis económica. El presente trabajo consiste en
una investigación interdisciplinaria, desde la perspectiva de las Relaciones
Internacionales y el Derecho, con el enfoque hipotético-deductivo a través del
análisis bibliográfico y documental.
Palabras llave: Venezolanos; Refugiados; ACNUR CONARE; Bienvenido.

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CORUMBÁ-MS: O RETORNO DA MIGRAÇÃO INDOCUMENTADA DE


HAITIANOS NO BRASIL
Corumbá-MS: the Return of Undocumented Haitian Migration in Brazil
Corumbá-MS: el Regreso de la Migración Indocumentada de Haitianos en Brasil

Alex Dias de Jesus

Resumo: O permanente quadro de pobreza estrutural vigente no Haiti fez com que
milhões de haitianos buscassem na migração alternativas para a melhoria das
condições de vida. A partir de 2010, alguns países da América do Sul passaram a
fazer parte dos destinos dos migrantes haitianos que, por meio de redes sociais,
conectam os vários espaços dessa antiga e intensa mobilidade. Entretanto, as
respostas à migração haitiana na América do Sul tem sido a implementação de
políticas restritivas por parte dos governos dos países de destino e de trânsito.
Diante disso, o presente artigo objetiva analisar a recente mobilidade internacional
de haitianos que abandonam o Chile e ingressam de maneira indocumentada no
Brasil através do município de Corumbá, no estado do Mato Grosso do Sul.
Palavras-chave: Haitianos; Migração indocumentada; Chile; Bolívia; Fronteira.

Abstract: The permanent framework of structural poverty in Haiti has led millions of
Haitians to seek alternatives to improving living conditions in migration. As of 2010,
some South American countries have become part of the destiny of Haitian migrants
who, through social networks, connect the various spaces of this ancient and intense
mobility. However, the responses to Haitian migration in South America have been
the implementation of restrictive policies by the governments of countries of
destination and transit. Therefore, the present article aims to analyze the recent
international mobility of Haitians who leave Chile and enter undocumented in Brazil
through the municipality of Corumbá, in the state of Mato Grosso do Sul.
Key words: Haitians; Undocumented migration; Chile; Bolivia; Border.

Resumen: El permanente cuadro de pobreza estructural vigente en Haití ha hecho


que millones de haitianos busquen en la migración alternativas para la mejora de las
condiciones de vida. A partir de 2010, algunos países de América del Sur pasaron a
formar parte de los destinos de los migrantes haitianos que, por medio de redes
sociales, conectan los diversos espacios de esa antigua e intensa movilidad. Sin
embargo, las respuestas a la migración haitiana en América del Sur han sido la
implementación de políticas restrictivas por parte de los gobiernos de los países de
destino y de tránsito. En el presente artículo se pretende analizar la reciente
movilidad internacional de haitianos que abandonan Chile e ingresan de manera
indocumentada en Brasil a través del municipio de Corumbá, en el estado de Mato
Grosso do Sul.
Palabras clave: Haití; Migración indocumentada; Chile; Bolivia; Frontera.


Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Piauí e doutorando em
Geografia pela Universidade Federal da Grande Dourados. E-mail: alexdias@ifpi.edu.br

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* Trabalho completo selecionado para publicação na Revista Para Onde? (UFRGS),


no número referente ao primeiro semestre de 2020.
https://seer.ufrgs.br/paraonde

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DIGNIDADE HUMANA SEM FRONTEIRAS: MIGRAÇÃO E REFUGIADOS NO


BRASIL
Dignidad Humana sin Fronteras: Migración y Refugiados en Brasil
Human Dignity without Borders: Migration and Refugees in Brazil

Gabriela Oshiro Reynaldo1


Livio Acosta Garcia Gomes2
Lucio Flavio Joichi Sunakozawa3

Resumo: Desde os primórdios da humanidade a situação dos refugiados se perfaz


como um trágico fenômeno que assola a existência humana. Muitos são os motivos
que envolvem tal problemática: raça, crença, opinião política, dentre outros.
Atualmente, tais fluxos se intensificaram tanto, a ponto da ONU indicar que o desde
a Segunda Guerra Mundial não haviam tantos deslocados pelo mundo. Assim, o
presente estudo objetiva apresentar dados gerais sobre a imigração internacional no
Brasil, com foco em três dos principais grupos de refugiados, que tem adentrado em
maior número, pelas fronteiras, ao território brasileiro, que são: bolivianos,
venezuelanos e haitianos. Trata-se de uma pesquisa de caráter qualitativo e de
revisão bibliográfica. Entende-se que, apenas conceder o status de refugiado não
sana a violência, a xenofobia, o desemprego e os assassinatos dos quais esses
povos vem sendo vítimas.
Palavras-Chave: 1. Refugiados; 2.Estado Brasileiro; 3. Direitos Humanos;

Resumen: Desde los albores de la humanidad, la situación de los refugiados ha sido


un fenómeno trágico que afecta la existencia humana. Hay muchas razones que
involucran tal problema: raza, creencia, opinión política, entre otros. Hoy, tales flujos
se han intensificado tanto que la ONU indica que desde la Segunda Guerra Mundial
no ha habido tantas personas desplazadas en todo el mundo. Por lo tanto, el
presente estudio tiene como objetivo presentar datos generales sobre la inmigración
internacional en Brasil, centrándose en tres de los principales grupos de refugiados,
que han ingresado al territorio brasileño en mayor número, a saber: bolivianos,
venezolanos y haitianos. Esta es una investigación cualitativa y revisión de literatura.
El simple hecho de otorgar el estatuto de refugiado se entiende que no cura la
violencia, la xenofobia, el desempleo y los asesinatos de los que estas personas han
sido víctimas.
Palabras clave: 1. Refugiados; 2. Estado brasileño; 3. derechos humanos.

1
Mestre em Desenvolvimento Local. Graduada em Geografia (UEMS) e em Direito (UCDB).
Professora da Educação Básica e Advogada. E-mail: oshiro.gabriela@hotmail.com
2
Bacharel em Direito pela Universidade Católica Dom Bosco. E-mail: livio_garcia@hotmail.com
3
Bacharel em direito, doutorando em Direito (USP), mestre em Desenvolvimento Local (UCDB),
especialização em Direito Processual Civil (INPG), professor de Direito (UEMS). Email:
professor.lucioflavio@gmail.com

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Abstract: Since the dawn of humanity, the situation of refugees has been a tragic
phenomenon that plagues human existence. There are many reasons that involve
such a problem: race, belief, political opinion, among others. Today, such flows have
intensified so much that the UN indicates that since World War II there have not been
so many displaced people around the world. Thus, the present study aims to present
general data on international immigration in Brazil, focusing on three of the main
refugee groups, which have entered the Brazilian territory in greater numbers,
namely: Bolivians, Venezuelans and Haitians. This is a qualitative research and
literature review. It is understood that merely granting refugee status does not heal
the violence, xenophobia, unemployment and murders of which these peoples have
been victims.
Key words: Refugees; Brazilian State; human rights.

Introdução

É alarmante o grande deslocamento de pessoas nos últimos anos, pelas


regiões fronteiriças, com uma significativa entrada de refugiados no Brasil, tornando
emergentes e necessárias a compreensão das características desta população,
almejando efetivar ações e direitos mínimos destas pessoas, sobretudo, a dignidade
humana.

Neste sentido, o presente estudo tem por intuito apresentar dados gerais
sobre a imigração internacional no Brasil, de grupos de pessoas em busca de
condições de vida mais digna, trabalho e renda para sobrevivência pessoal e
familiar, melhores condições humanas do que possuem em seus países de origem,
principalmente, com foco em três dos principais grupos de refugiados, que tem
adentrado em maior número, pelas fronteiras, ao território brasileiro, que são:
bolivianos, venezuelanos e haitianos.

Os fluxos transfronteiriços dos refugiados: um panorama crescente no Brasil

A história conta que as perseguições pelos refugiados e a busca por proteção


em outros territórios começaram no século XV, primeiro com os Judeus expulsos da
região da atual Espanha, no ano de 1492, em função da política de europeização do
reino unificado de Castela e Aragão, iniciada após a reconquista deste da
dominação turca, que levou à expulsão da população apátrida, e logo em seguida,
de Portugal, país no qual buscaram refúgio.

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No presente século, mais uma vez a questão dos refugiados está em voga,
haja vista o aumento de conflitos no Oriente Médio e a migração de fugitivos de
governos opressores e de verdadeiras guerras aumentaram. Juntamente com o
fluxo de pessoas, houve o aumento do medo e preconceito destes novos habitantes,
como por exemplo, em relação a população mulçumana.

Após os emblemáticos ataques suicidas de 10 extremistas aterrorizarem a


sociedade, comunidades internacionais discutem a problemática de abrigar
refugiados advindos desses locais. Além disso, muitas pessoas sofrem por
perseguições não só dos países que abandonaram quanto no local onde
acreditaram que encontrariam refúgio, permanecendo em situação de risco em terra
estrangeira.

Desde o período da “Primavera Árabe”, vemos o início de um fluxo migratório


que perdura até hoje. Um grande contingente de pessoas chegou a Europa fugindo
de governos autoritários que dominam o país de uma forma ditatorial e acabam por
criar verdadeiras guerras intermináveis pelo poder, onde os principais afetados
acabam ser a população civil que não enxergam outra saída a não ser procurar
refúgio em outros locais.

Comumente utilizado nos meios de comunicação, o termo refugiado passou


por diversas conceituações ao longo dos anos. É pertinente uma conceituação
acerca do mesmo, afim de evitar confusões e interpretações equivocadas.

O termo “refugiado” é utilizado com frequência pela imprensa, políticos e


público em geral para designar uma pessoa que foi obrigada a deixar o seu
local de residência e pouca distinção se faz entre as pessoas que tiveram
de deixar o seu país ou se deslocaram no interior de sua própria pátria. Da
mesma forma, não se confere muito a atenção aos motivos que ensejaram
a fuga, seja por perseguição religiosa ou violência política, catástrofe
ambiental ou pobreza. Independentemente da causa presume-se primafacie
que todos têm direito a ser designados por refugiados (BARBOSA; HORA,
2007, p. 22 apud COLATUSSO, 2014, p. 10).
No ano de 2015, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados
(ACNUR) emitiu nota em site oficial, alertando para a necessidade em se utilizar a
terminologia correta no que diz respeito a refugiados e migrantes. Para tanto, o
ACNUR (2015, s.p.) foi contundente ao explicar que: “Os refugiados são pessoas
que escaparam de conflitos armados ou perseguições. [...], sua situação é tão
perigosa [...] que devem cruzar fronteiras internacionais para buscar segurança [...]”.

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A situação do refugiado é única: se refugiar ou morrer. Isso porque, seu


deslocamento encontra-se intimamente ligado a conflitos ou perseguições. Para
estas pessoas, voltar ao seu país ou mesmo ter um asilo negado, pode representar
consequências vitais.

Segundo dados do CONARE (Comitê Nacional para os Refugiados), no ano


de 2016 houve um aumento de 12% no número de refugiados no Brasil. Até o fim do
referido ano reconheceu-se 9.552 refugiados de 82 nacionalidades, sendo que
desse total, 8.522 obtiveram reconhecimento pelas formas tradicionais, 713 por
reassentamento e 317 com os efeitos da condição de refugiado de algum família
(ACNUR, 2017). Interessante ressaltar que:

[...] os pedidos de refúgio caíram 64% em 2016, em comparação com 2015,


sobretudo em decorrência da diminuição das solicitações de nacionais
haitianos. Os países com maior número de solicitantes de refúgio no Brasil
em 2016 foram Venezuela (3.375), Cuba (1.370), Angola (1.353), Haiti (646)
e Síria (391) (BRASIL, 2017, s.p.).
O número de solicitações de refúgio tiveram uma queda no ano de 2016.
Todavia, as solicitações de venezuelanos apresentou uma crescente, pois foram
307% em comparação a 2015. O relatório do CONARE apontou que 3.375 cidadãos
venezuelanos solicitaram refúgio no Estado Brasileiro.

Recentemente foi constatado que houve queda nos números de imigrantes


adentrando no Brasil, mas em via contrária, houve aumento das solicitações de
refúgio por venezuelanos alcançando a média de 307% a mais do que no ano de
2015.

Figura 01 - Dados sobre refugiados (continente de origem).

Fonte: SCAGLIA (2009, p. 67)

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Nota-se que no passado, entre 1998 e 2011, o Brasil não era o destino
preferencial entre os refugiados, pois os números caíram para 180 solicitações de
refúgio no último ano. Em 2012 esse quadro começa a mudar tendo em vista a
quantidade de sírios que adentraram o país em fuga da guerra civil que assola o
país. Apenas em fevereiro de 2015 foram mais de 7 mil concessões a pessoas de
mais de 80 nacionalidades diferentes. E a curva crescente continua pois em julho de
2016 foram cerca de 25 mil pedidos que chegaram até o CONARE e estima-se que
existam em torno de 30 mil haitianos vivendo no Brasil.

Principais grupos de refugiados no Brasil

Conforme visto, na atualidade, muitos são os grupos que se deslocam por


motivos diversos. Nesse sentido, elencou-se três grupos que possuem notório
número no território brasileiro: bolivianos, venezuelanos e haitianos, conforme
seguem os tópicos abaixo.

Dados da Polícia Federal apontam que o número de imigrantes no Brasil


aumentou 160% no período de 10 anos até 2015. Neste mesmo ano, cerca de
117.745 pessoas estrangeiras deram entrada no país. Ainda, constatou-se que os
haitianos foram os líderes em número de imigrações sendo essa a nacionalidade
que mais se destaca dado o seu grande crescimento. De 2011 até 2015 foi
constatado aumento de 30 vezes no número de imigrantes haitianos.

Em segundo lugar estão os bolivianos, depois colombianos, argentinos,


chineses, portugueses, paraguaios e por fim norte-americanos. Esse aumento se
deve também ao crescimento econômico que o Brasil teve há três anos que o tornou
mais atraente dada à demanda de empregos oferecidos na época quando a taxa de
desemprego chegou a 4,3%. O mesmo não acontece na atualidade tendo em vista a
crise que assola o país, mas em comparação com o Haiti, por exemplo, o Brasil
ainda é uma boa opção.

Os haitianos em especial conseguem resolver suas questões burocráticas no


Brasil com mais facilidade que os demais imigrantes, isso porque existe uma brecha
na lei, pois apesar de não serem considerados refugiados são orientados a entrar no

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país como se fossem, ou seja, solicitando refúgio e o CONARE acaba por conceder
o refúgio.

Os bolivianos são beneficiados pelo Mercosul e tem sua entrada facilitada


tendo em vista a proximidade da fronteira e a facilidade burocrática por ser a Bolívia
associada ao bloco econômico. O mesmo acontece para Chile, Colômbia, Argentina,
Equador, Paraguai, Peru, Venezuela e Uruguai.

O país também ganha em receber pessoas refugiadas, pois estes


representam mão de obra e assim deixam a sua contribuição para o crescimento do
país que o acolheu de braços abertos.

Bolivianos

O maior grupo que imigrou para o Brasil é o de bolivianos com estimativa de


cerca de 350 mil pessoas que vieram desde a década de 50 em busca de vida
melhor.

São eles jovens de ambos os sexos, em sua maioria solteiros que se atraem
por oportunidades de empregos oferecidos por coreanos, brasileiros e até mesmo
outros bolivianos que já se encontram estabelecidos. O setor têxtil é o que mais
emprega essas pessoas que se atraem por promessas de salário, alimentação e
moradia melhores do que encontram em seu país de origem. As entradas para o
Brasil são pelas fronteiras de Corumbá- MS, Cáceres – MT e Guarajá Mirim – RO.

Muitas dessas pessoas escolhem a Argentina como primeira opção de país,


mas acabam por vir para o Brasil fugindo das situações de exploração as quais são
submetidas naquele país. A valorização da moeda também é um grande atrativo
levando em consideração que o real é mais valorizado que o peso boliviano e
argentino.

São Paulo é a cidade escolhida na maioria das vezes e diante das


dificuldades de emprego ou com a língua, muitos passam a morar no trabalho e
recebem salários reduzidos tendo em vista o desconto de água, luz, aluguel das
máquinas de costura. Muitas vezes se sujeitam a viver em condições análogas a de
escravo, mas não denunciam pelo simples fato de terem suas documentações
regularizadas dentro do país.

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Buscando criar uma rede de auxílio aos imigrantes bolivianos e evitar que se
mantenham nessas condições, no ano de 2012 foi criada a Cooperativa de
Empreendedores Bolivianos e Imigrantes em Vestuários e Confecções. Desde então
o governo vem trabalhando juntamente com a Cooperativa e já libertou mais de 90
pessoas desses trabalhos abusivos. Hoje ocupam outras funções como por exemplo
a construção civil e serviços gerais.

É possível afirmar que a comunidade boliviana é um das que mais tem


crescido em São Paulo e podem ser facilmente encontrados, pois apesar de terem
deixado seu país, nunca deixaram sua cultura que se mantém viva através de suas
roupas andinas e folclore.

A luta desse povo no Brasil segue contra o discurso de ódio, contra o racismo
e xenofobia que já fez e ainda faz muitas vítimas. São conhecidos como “ladrões de
emprego” e tachados de trazerem drogas para o país. Ao lado deles nessa batalha
estão o governo do estado de São Paulo com suas políticas públicas de
conscientização, o CONARE e os direitos humanos.

Venezuelanos

A Venezuela, no passado, passou uma crise humanitária que acarretou


instabilidade política, corrupção, desemprego, violência, e por fim êxodo dos
venezuelanos. Hoje essa terra não pode mais ser considerada um território pacífico,
pois se encontra inserida em uma grande crise econômica, política, social e
humanitária.

A comunidade de venezuelanos no Brasil conta com mais de 30 mil pessoas


que vieram através da fronteira com o estado de Roraima onde encontram um posto
da polícia federal e já realizam a sua solicitação de refúgio que é remetida para o
CONARE, posteriormente. Em 2017 percebeu-se fortemente esse movimento,

Ministério do trabalho divulgada nesta terça-feira (12) mostra que imigrantes


venezuelanos que moram no Brasil estão em trabalhos precários, e que
mais da metade (51%) recebe menos que um salário mínimo ao mês. Isso
acontece, segundo levantamento, mesmo entre aqueles que têm boa
escolaridade.
De acordo com o ministério, cerca de 30 mil vivem no Brasil e esta é a
primeira vez que o perfil desses imigrantes é traçado no país. O estudo
aponta que 78% dos entrevistados têm ensino médio completo, e 32%
chegaram a concluir algum tipo de formação superior ou pós-graduação.

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A pesquisa foi feita com 650 venezuelanos em Roraima – estado que faz
fronteira com o país latino-maericano. A metodologia foi preparada pelo
Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra) e a execução foi da
Cátedra Sérgio Vieira de Melo, da Universidade Federal de Roraima.
Entre os entrevistados, 82% eram classificados como refugiados. A maioria,
segundo a pasta é formada por homens jovens, com idades entre 20 e 39
anos. Entre os refugiados, 77% apontam que deixaram a Venezuela por
causa da crise econômica e política que afeta o país (MARQUES, 2017,
s.p.).
A situação econômica gerou um caos tão grande que falta a essas pessoas
recursos alimentício básicos como leite, farinha, ovos, papel higiênico, sabão entre
outros. Assim a população não encontra outra saída além de se evadir do país e a
fronteira seca que o país faz com o Brasil muito auxilia na trajetória de saída.

No ano de 2016, essa rota supracitada recebia cerca de 40 imigrantes


venezuelanos por dia que ou permaneciam na cidade divisa ou traçavam rota para a
capital Boa Vista. Na cidade divisa existe um local destinado a acolher essas
pessoas que cruzam a fronteira e mas com a alta demanda acabou por ficar
superlotado.

O agravamento da crise econômica, a repressão e o aumento da violência


na Venezuela tem feito com que um número cada vez maior de pessoas
deixe o país. O Panamá, o Equador e o Chile têm sido principal destino,
mas o Brasil também está entre os países procurados. O número de
pedidos de refúgios deste ano é mais do que o dobro do que o registrado no
ano passado, segundo dados do Ministério da Justiça. O refúgio é um
direito de estrangeiros garantido por uma convenção da ONU. Segundo o
Ministério, o refúgio pode ser solicitado por ‘qualquer estrangeiro que
possua fundado temor de perseguição por motivos de raça, religião, opinião
política, nacionalidade ou por pertencer ao grupo social específico e
também por aqueles que tenham sido obrigados a deixar seu país de
origem devido a uma grave e generalizada violação de direitos humanos
(SILVA, 2018, s.p.).
A imigração de venezuelano só vem crescendo, pois no ano de 2016 a
ACNUR conseguiu computar que 27 mil venezuelanos deixaram seu pais e até julho
de 2017, este número já tinha saltado para 50 mil, sendo que o Brasil é o segundo
principal local onde pedem refúgio.

De acordo com a ACNUR estima-se que 30 mil venezuelanos estejam


vivendo no Brasil em situação irregular por conta da grande burocracia e altas taxas
que são aplicadas pelos vistos temporários.

Haitianos

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É sabido que no ano de 2010, o Haiti sofreu uma catástrofe natural, um abalo
sísmico de proporções inestimáveis. A população foi quase toda “devastada”, um
impacto inestimável para a população haitiana.

O Brasil foi um dos principais destinos dos haitianos a partir de 2010. Se


observamos os mesmos dados do ACNUR (2015), vemos que o número de
haitianos que entraram no país sob condição de refúgio ou similar saiu de 7
em 2009 para 595 em 2010, chegando, em 2015, a 29.241. No entanto,
esse número é, provavelmente, menor do que o conjunto de todos os
haitianos que, de fato, passaram a ter o Brasil como residência. Se
analisarmos apenas o mercado formal de trabalho, vemos que o número de
registros de haitianos com carteira assinada chegou a 30.484 em 2014, dos
quais 29.799 com ano de chegada a partir de 2010. Se adicionarmos a isso
o montante de haitiano que atuam na informalidade, buscaram empreender
num negócio próprio ou estão indocumentados, o volume é provavelmente
muito maior do que os números mostram. A título de ilustração, segundo
dados do Sistema de Tráfego Internacional (STI) da Polícia Federal
(OBMIGRA, 2016), 72.406 haitianos entraram pelas fronteiras brasileiras
entre 2010 e 2015, enquanto que 12.656 saíram no mesmo período,
resultando num saldo de 59.750 (OLIVEIRA, 2017, s.p.).
É mister dizer que parte da doutrina não considera os haitianos refugiados,
haja vista que o refúgio é concedido à pessoas que vivem em condições de violação
dos direitos humanos e isso os faz fugir de seu país de origem em busca de
melhores condições de vida onde exista respeito aos direitos humanos e suas
garantias. Essas situações são guerras, intolerâncias, perseguições, discriminações
de raça, etnia, religião entre outras. No caso dos haitianos o que os fez deixarem
seu país foi a catástrofe natural supracitada.

Diante dessas condições, as pessoas abandonam sua vida, suas conquistas


e sua história com a finalidade de deslocar-se para outros países na tentativa de
salvar ao menos suas famílias e dignidade, pois assim acende-se a chama do
recomeço e faz brotar a esperança no coração novamente.

O Brasil nesse quadro desenvolve um papel social acolhedor para com essas
pessoas oferecendo asilo, por esse motivo os haitianos possuem um tipo de visto
diferenciado, sendo este o visto humanitário.

Essa imigração aconteceu gradativamente ao passo que em 2010 ocorreu o


ápice de solicitações de refúgio desse povo e só veio crescendo desde então. Em
2015 o Brasil concedeu visto para 44 mil haitianos que poderiam ser registrados na
Policia Federal ou no CONARE.

É necessário destacar que o país sempre viveu inserido em um contexto de


caos social estrutural, político, social e econômico, mas o a força que movimentou a

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imigração para o Brasil foi o terremoto ocorrido em 2010 de grau 7,3 na escala
Richter.

Realidade(s) e Perspectiva(s) dos refugiados no Brasil: o clamor da força


constitucional da Dignidade Humana

Conforme já exposto, refúgio é um mecanismo que visa a proteção à vida e


decorre de compromissos e tratados internacionais confirmados pelo Brasil pela
Constituição Federal e lei especial, conhecida como Estatuto do Refugiado.

Refúgio não é algo que nasce da vontade do Estado brasileiro de oferecer


proteção a um estrangeiro que se encontra em seu território, refúgio é o
reconhecimento da existência de um direito que pode ser extensivo a ponto de
englobar essas pessoas.

A cada vez que novos desafios são lançados pelo direito internacional o
conceito de refugiado é questionado tendo em vista a grande massa de pessoas que
vem se deslocando ao redor do mundo, seja por questões de caos político,
catástrofes naturais ou razões particulares de migração que por muitas vezes fazem
com que essas pessoas não se enquadrem no conceito formal de refugiado, mas
são orientadas a solicitar refúgio para que recebam as benesses desta classe.

Assim evidencia-se que talvez seja esse o momento do doutrinador abranger


esse conceito para que exista certeza e segurança jurídica de que pessoas como os
bolivianos e haitianos que entram com o pedido de refúgio que este será deferido
por de fato se enquadrarem nas definições e características necessárias.

Fica claro que o conceito de refugiado não pode ser algo estático e deve ser
flexibilizado a medida que a realidade atual vai mudando, pois se assim não for e
considerando a evolução histórico-cultural e social chegara o momento que esse
conceito se tornará obsoleto e inutilizado ou utilizado de forma errada.

No passado o Brasil já se viu passando por momento parecido quando se


preocupou em preencher as lacunas legais que existiam com a Convenção de 1951
e visando conseguir tratar os refugiados com melhores condições criou-se a Lei nº

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9.474/97, o Estatuto dos Refugiados. Faz-se mister mencionar que para a maioria
dos autores, dentre eles Almeida (2001), a legislação brasileira é uma das mais
“avançadas e generosas” do continente americano, sobretudo, no que diz respeito
ao Direito Internacional dos Refugiados, uma vez que amplia o conceito de
refugiado, no artigo 1º, inciso III, da Lei nº 9.474/97: “Será reconhecido como
refugiado todo indivíduo que: [...] III – devido à grave e generalizada violação de
direitos humanos, é obrigado a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio
em outro país”.

Com o advento dessa lei, a perspectiva era de melhora na recepção dos


refugiados, facilitação na aquisição de documentos, nas questões burocráticas entre
outros. Ocorre que muitas vezes, por mais que existam algumas políticas públicas
voltadas a esse povo, é facilmente possível de identifica que muitas vezes tais ações
não atingem a finalidade para qual foram criadas.

A questão migratória, assim como outros parâmetros de cunho social, cada


vez mais, tem evidenciado um contexto em expansão, em que uma série de
direitos tem sido contestada e retirada. A questão dos refugiados, hoje, vive
seu maior desafio, depois da Segunda Guerra Mundial. Nos últimos anos,
as estatísticas alertam para dados que não param de crescer e em
proporções em que o custo humano parece não ter fim. Sempre foi um
fenômeno mundial, mas agora, atinge de maneira mais significativa, por
exemplo, países nunca antes tão afetados com o seu fluxo, como o Brasil.
Sua temática ‘era tratada como um problema pontual e não como um
assunto permanente’ (BRAGA, 2011, p. 08 apud SILVA, 2017, p. 164).
A sociedade muito se movimenta e auxilia no oferecimento de moradia,
alimentos e melhores condições para essas pessoas, porém, infelizmente, grande
parte da população ainda os vê com maus olhos, o que significa dizer que a
perspectiva acaba ficando longe da realidade.

Isso se evidencia no fato de que boa parte de pessoas refugiadas possuem


conhecimento técnico, formação acadêmica e não são aproveitados pelo simples
fato de serem refugiados e não possuírem certa confiança da sociedade. Reflexo
disso é a subutilização dessa mão de obra ou a completa não utilização.

Não é difícil de encontrar engenheiros, advogados, arquitetos, ou seja,


refugiados especializados trabalhando no Brasil como garçons, serviços gerais ou
qualquer outro emprego que subutilize sua capacidade. Isso não quer dizer quer
essas profissões são menos importantes que as demais, mas sim que essas
pessoas poderiam contribuir muito mais para o país onde estão, porém não o fazem
simplesmente por falta de oportunidade.

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O que emerge com grande importância nesse contexto é a necessidade de


criação de instrumentos jurídicos, nacionais e internacionais, que concedam
direitos eficazes aos que migram, também, em condições de
vulnerabilidade, mas não podem, juridicamente, obter a condição de
refugiado (SILVA, 2017, p. 164)
Portanto, é possível dizer que mesmo que o Brasil seja avançado em
questões de legislação especifica voltada para os refugiados, muitas vezes esse
avanço esbarra na ausência de políticas públicas realmente eficazes mas não
voltadas exclusivamente para os refugiados e sim para a população, para grandes
empresas vislumbrando a inserção social dessas pessoas em locais onde seriam
mais úteis ao Estado.

O Brasil possui uma clara e grande defasagem na estruturação de programas


sociais que estimulem o acolhimento e a integração dos refugiados de forma
humana e digna. O estado de São Paulo é o que mais se destaca nesse sentido,
porém, ainda é possível identificar a existência de sérios problemas sociais.

A cidade de São Paulo tomou uma das decisões mais importantes e


inovadoras a respeito do tema da proteção dos refugiados no país. Em 7 de
junho de 2016, o então Prefeito, com mandato até dezembro de 2016,
Fernando Haddad, sancionou a lei nº 16.478, que institui a Política
Municipal para a População Migrante. Esse texto legal é de suma
importância para a proteção efetiva dos estrangeiros que vivem no
município, incluindo os refugiados, garantindo direitos já previstos, como
acesso aos serviços públicos, proteção contra atos de xenofobia e isonomia
na relação com os brasileiros, formalizando, dessa forma, serviços que já
eram prestados pela prefeitura há algum tempo. A cidade de São Paulo foi a
primeira no Brasil a formalizar uma política própria sobre imigração, com um
texto bastante inovador e que tem condições de inspirar outras cidades no
país, bem como se alinha com medidas tomadas pelo governo
recentemente (BISERRA, 2016, s.p.).
É possível observar esse trabalho de acolhimento, fornecimento de moradia
provisória, alimentação, vestuário, entre outros sendo realizado por organizações
não governamentais como a Cruz Vermelha e demais que se empenham e buscam
acima de tudo que a dignidade da pessoa humana4, um princípio basilar que decorre
da Constituição Federal5, seja respeitado.

4
“Qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e
consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de
direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho
degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma
vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da
própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.” (SARLET, 2002, p. 62).
5
“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios
e do Distrito Federal, constituise em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) III -
a dignidade da pessoa humana;” (BRASIL, 1988)

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Mas a maior questão ainda a ser vencida é o a colocação dessas pessoas no


mercado de trabalho. Vê-se que além das dificuldades por serem estrangeiros,
enfrentam problemas acerca grande burocracia para emissão de documentos
necessários para o emprego como carteira de trabalho. A solução que encontram é
abdicar de muitos direitos e se sujeitar a condições precárias com baixos salários e
subutilização capacitativa.

Em 20 de setembro de 2016, o atual Presidente da República, Michel


Temer, afirmou, na Reunião de Alto Nível sobre Grandes Movimentos de
Refugiados e Migrantes, em Nova York, que o Brasil espera receber 3.000
refugiados sírios até o final de 2017, destinando R$ 1,2 milhões de reais,
em 2016, para assistência local da população refugiada e apátrida, além de
R$ 1,2 milhões de reais, em 2017, para os mesmos fins. Além disso, 1
milhão de reais, advindos de recursos próprios, serão destinados para
reassentamentos. São essas as iniciativas que demonstram a intenção do
país em garantir a proteção efetiva, bem como o respeito aos direitos dos
refugiados (BISERRA, 2016, s.p.).
Resta sempre a esperança de que os debates atuais sobre o tema, os
encontros nacionais e internacionais que tratam sobre essa problemática sejam o
começo de uma nova era e resultem em melhoras significativas no futuro dessas
pessoas.

Considerações Finais

Em termos de legislação, seguindo o norte constitucional que estabelece o


primado pela dignidade humana, o Brasil se destaca no cenário mundial por ser
pioneiro em implantar uma lei que tratasse especificamente deste tema que hoje é
popularmente conhecida como Estatuto do Refugiado. Essa evolução foi motivada
pela problemática que se apresentava exigindo do governo e demais órgãos
envolvidos que tomassem uma posição legal buscando resolver o problema.

Dessa maneira, este país se posiciona juridicamente e através desses meios


vem estabelecendo formas dos refugiados serem acolhidos com segurança e
dignidade e possam também se adaptar melhor ao Brasil e sua cultura tão
miscigenada.

São realizadas diversas ações sociais governamentais e por iniciativa a


sociedade civil para auxiliar os refugiados e oferecer-lhes vestuário, alimentação e
até mesmo abrigo, pois muitos vêm sem dinheiro, sem malas de roupas,

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documentos e sem qualquer mínima condição se autossustentar durante a chegada


ao país acolhedor.

Existem muitos casos em que o governo reconhece a pessoas a condição de


refugiado mesmo este não se enquadrando no perfil disposto no Estatuto do
Refugiado. São os chamados refugiados por questões humanitárias que é o caso
dos bolivianos, venezuelanos e haitianos. Alguns se evadem se seu país de origem,
motivados por catástrofes naturais, como foi o caso dos haitianos e outros por
razões de caos político e econômico, como os bolivianos e venezuelanos.

Decisões de conceder ou não o visto provisório de refugiado são de


competência do CONARE, órgão instituído com o Estatuto do Refugiado, juntamente
com o Ministério da Justiça, Ministério das Relações Exteriores e Polícia Federal.

É pacificado o entendimento de que o Brasil possui uma legislação e política


precisamente correta no que tange o refugiado objetivando acima de tudo que este
seja tratado com respeito, igualdade, dignidade, que sejam respeitados e
assegurados seus direitos humanos e garantias fundamentais posicionando-se
completamente contra a xenofobia.

Porém, por outro lado, essa legislação peca no sentido de garantir a inserção
dessas pessoas na sociedade e no mercado de trabalho o que leva muitos deles a
aceitarem trabalhos abusivos e se sujeitarem a viver em condições análogas a de
escravos como acontece com os bolivianos que entram pelo estado de Mato Grosso
do Sul e dirigem-se até São Paulo para trabalhar em empresas de tecelagem e por
não terem moradia na cidade aceitam morar no emprego e receber menos devido
aos descontos de agua, luz e aluguel das máquinas de costura. O que sobra é tão
pouco que não conseguem sair desse ciclo.

É possível notar que existe grande união entre os refugiados e que aqueles já
estão no país busca criar mecanismos para auxiliar os recém-chegados. Exemplo
disso é a criação da Cooperativa de Empreendedores Bolivianos e Imigrantes em
Vestuários e Confecções, no ano de 2012 que foi instituída com o objetivo de livrar
os refugiados bolivianos das condições abusivas de trabalho supracitadas.

A maior crítica que se encontra neste tema é que por mais que exista uma lei
específica que abrange os refugiados, o Brasil precisa urgentemente aprimorar suas

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políticas públicas e sociais para resolver este problema que só vem aumentando
junto com a quantidade de pessoas que vem buscar refúgio.

Apenas conceder o status de refugiado não sana a violência, a xenofobia, o


desemprego e os assassinatos dos quais esses povos vem sendo vítimas. A
quantidade de refugiados é crescente a cada ano e é mister que exista essa
consciência por parte da sociedade civil para que não se chegue ao extremo de
tornar-se um problema pior e sem controle.

Portanto, com a dignidade humana erigida como norma cogente na


Constituição Federal, que o sofrimento de muitas pessoas sem qualquer esperança
em seus países de origem, ao chegarem por aqui, possam ter esse eco
transfronteiriço, através de políticas públicas de acolhimento, de caráter humanitário,
para, de fato, obterem a sonhada vida digna, tranquilidade, prosperidade, segurança
e acima de tudo paz.

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ESPACIALIDADES FRONTEIRIÇAS E PRÁTICAS SOLIDÁRIAS: BOLIVIANAS


EM RELAÇÕES DE VIZINHANÇA E DE COMÉRCIO EM CORUMBÁ, MS, BRASIL
Border Spacialities and Solidary Practices: Bolivians in Neighborhood and Trade
Relationships in Corumbá, MS, Brazil
Espacialidades Fronterizas y Prácticas Solidarias: Bolivianas en relaciones vecinales
y Comerciales en Corumbá, MS, Brasil

Marco Aurélio Machado de Oliveira


Milton Augusto Pasquotto Mariani
Jéssica Canavarro Oliveira

Resumo: Este artigo tem por objetivo demonstrar as formas como mulheres
imigrantes em fronteira se articulam e desenvolvem meios de sobrevivência. Isso,
desde redes familiares a relações de vizinhança. Nossa pesquisa foi realizada no
Bairro Popular Nova, em Corumbá, MS, na fronteira Brasil-Bolívia. Fizemos uso de
procedimentos metodológicos que pudessem dar conta de uma realidade que as
fontes documentais tradicionalmente utilizadas, como protocolos, ofícios, jornais,
etc., não atingem. Assim, o uso de uma abrangente revisão bibliográfica, bem como
a aplicação de técnicas da História Oral, nos possibilitou verificar o quanto essas
imigrantes tiveram a fronteira como espaço de socializações, conflitos e,
principalmente através das práticas do comércio, garantias de suas sobrevivências e
de seus familiares.
Palavras-chave: Fronteira; Feminização da imigração; solidariedade; Corumbá;
sobrevivência.

Abstract: This article aims to demonstrate the ways immigrant women on borders
articulate themselves and develop livelihood. That going from family networks to
neighborhood relations. Our research was executed in the Popular Nova
neighborhood area, in the city of Corumbá, MS, located at the Brazil-Bolivia border.
We used methodological procedures that could handle a reality where the
traditionally used documentary sources such as protocols, office notes, newspapers,
etc., could not reach. Thus, the use of a vast bibliographical review in addition to the
employment of Oral History techniques, made it possible for us to verify how much
these immigrants have had the border as a space of socialization, conflicts and,
primarily through commerce practice, guaranties of their survival as well as their
families.
Key words: Border; feminization of Immigration; Solidarity; Corumbá; Survival.


Docente na Graduação e no Programa de Pós-Graduação Mestrado em Estudos Fronteiriços
CPAN/UFMS. Doutor em História Social, E-mail: marco.cpan@gmail.com

Docente dos Programas de Pós-Graduação em: Administração, Ciências Contábeis e Estudos
Fronteiriços na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, E-mail: miltmari@terra.com.br

Professora de História da Rede Pública de Ensino Estadual, Mestre em Estudos Fronteiriços,
CPAN/UFMS, E-mail: jessicaoliveira.hist@gmail.com
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Resumen: Este artículo tiene como objetivo demostrar las formas en que las
mujeres inmigrantes fronterizas se articulan y desarrollan medios de vida. Esto,
desde redes familiares hasta relaciones vecinales. Nuestra investigación se realizó
en el Bairro Popular Nova, en Corumbá, MS, en la frontera entre Brasil y Bolivia.
Hicimos uso de procedimientos metodológicos que podrían dar cuenta de una
realidad que las fuentes documentales utilizadas tradicionalmente, como protocolos,
manualidades, periódicos, etc., no alcanzan. Por lo tanto, el uso de una revisión
bibliográfica exhaustiva, así como la aplicación de técnicas de historia oral, nos
permitió verificar cuánto estos inmigrantes tenían la frontera como un espacio de
socialización, conflicto y, principalmente a través de prácticas comerciales, garantías
de su supervivencia y de los miembros de tu familia.
Palabras Clave: Frontera; feminización de la inmigración; Solidaridad; Corumbá;
supervivencia.

Introdução
Este artigo tem por objetivo demonstrar as formas como mulheres imigrantes
em fronteira se articulam e desenvolvem meios de sobrevivência. Isso, desde redes
familiares a relações de vizinhança. Nossa pesquisa foi realizada no Bairro Popular
Nova, em Corumbá, MS, na fronteira Brasil-Bolívia. Fizemos uso de procedimentos
metodológicos que pudessem dar conta de uma realidade que as fontes
documentais tradicionalmente utilizadas, como protocolos, ofícios, jornais, etc., não
atingem. Assim, o uso de uma abrangente revisão bibliográfica, bem como a
aplicação de técnicas da História Oral, nos possibilitou verificar o quanto essas
imigrantes tiveram a fronteira como espaço de socializações, conflitos e,
principalmente através das práticas do comércio, garantias de suas sobrevivências e
de seus familiares.

Em 2017, o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR)


divulgou relatório no qual apontava que 68,5 milhões de pessoas se encontravam
fora de seus lugares pelos seguintes motivos: perseguição política e/ou religiosa;
conflitos armados; e, violência generalizada (ACNUR, 2018). De acordo com aquele
Relatório, a ACNUR chamou a atenção para a presença feminina em todo o
processo, seja em qual for a modalidade migratória: refúgio, emigração ou apátridas.
Salienta que, em alguns casos, as mulheres e crianças são maioria, como no
exemplo dos rohingyas em Mianmar, onde mais da metade são mulheres e meninas
que buscam refúgio em Bangladesh com o agravante de serem apátridas (ACNUR,
2017, p. 25). De forma subliminar, o Relatório aponta a fronteira como um dos

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espaços mais tensos em todo o processo migratório, pois esses grupos se deparam
com os impasses de autorização de ingresso, intrínsecos ao seu movimento.

Diversos estudiosos das correntes migratórias internacionais têm buscado


valorizar a presença feminina nesse movimento como personagem muito importante.
Por um lado, salientam que em diversas sociedades o papel de provedor econômico
das famílias recai sobre os homens, o que conduz ao raciocínio no qual a migração,
tendo como fator central a questão laboral, colocaria a mulher em condição passiva
em todo o processo (REYSOO, 2005) Por outro, destacam que ao incorporar a
presença feminina às análises de fluxos migratórios, os estudos avançam no sentido
de ampliar os entendimentos a respeito de família, trabalho, sociabilidades e
construção e manutenção de redes (PERES, 2015). Marinucci (2007) aponta três
importantes elementos que constituem o conceito de feminização das migrações,
considerando: o aumento quantitativo de mulheres migrantes, a maior visibilidade
das mulheres no contexto migratório e a transformação do perfil da mulher migrante.
Para alguns autores, o que diferencia na atualidade é a maior visibilidade que elas
possuem, sobretudo pelo protagonismo que elas exercem no processo, tanto no
projeto migratório quanto na decisão familiar (CAVALCANTI; OLIVEIRA; TONHATI;
2014, p. 14).

Destarte, é importante destacar que as mulheres têm papel protagonista em


diversas manifestações de solidariedade em todo o processo migratório
internacional. Exemplo disso é o caso das mulheres somalis que se juntam para
contribuir com pequenas quantias de dinheiro, semanal ou mensal dependendo do
nível da renda, para um mecanismo informal de segurança, conhecido como ayuto
(carrossel). As contribuições duram alguns meses, até atingir uma determinada
quantia, quando é dado ao membro em condição mais vulnerável para ajudá-la
(BETTS; BLOOM; KAPLAN; OMATA, 2017).

De acordo com Pessar (2005), há relevantes intersecções entre a feminização


da imigração, inserção laboral e estratégias ao longo do processo migratório. De
acordo com essa autora, os estudos contemporâneos ampliaram as explicações
sobre a migração, todavia, ao incorporar as mulheres ao sentido genérico de
migrantes, não as explicitaram em suas análises. Benavides considera que a
migração internacional responderia a: uma estratégia familiar para diminuir riscos;
fatores estruturais determinantes no país receptor e determinada por estruturas
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econômicas do mercado mundial; ações fomentadas por redes de solidariedade que


incluem laços de parentesco, amizade ou pertencimento a uma mesma comunidade,
sendo tais redes conectadas na origem e no destino (redes sociais) (BENAVIDES,
2015). No tocante às redes é importante salientar o quanto isso é relevante, uma vez
que os processos migratórios, em sua imensa maioria estão articulados por esse
meio de organizar as pessoas, incluindo os convites, convencimentos, decisões e
receptividades (TRUZZI, 2008).

Neste sentido, analisar a presença migratória em fronteira é algo bastante


desafiador, por conta, principalmente, das vivências ali estabelecidas e as formas
como as sociedades que a compõem se estruturam para esse movimento. A
fronteira é um espaço marcado pela internacionalização, seja no sentido mais
estrito, uma vez que são, no mínimo, dois países que a delineiam, seja no sentido
mais amplo, uma vez que ali ocorrem importantes intersecções culturais e
econômicas (FOUCHER, 1991, p, 345). Além disso, é na fronteira que se efetiva
qualquer projeto migratório internacional (OLIVEIRA, 2016), dando a ela, portanto,
status muito relevante em todo o processo que analisamos neste artigo. Isso porque,
dentre outros aspectos, na fronteira os órgãos estatais têm potencializadas algumas
de suas finalidades e funcionalidades como identificar, controlar, selecionar e
restringir coisas e pessoas (KOIFMAN, 2012). Portanto, devemos observar, também,
a fronteira em seu aspecto de instância deliberativa (OLIVEIRA; MARIANI; LOIO,
2018), naquilo que Jardim debate a respeito da força da lei ou de seus agentes e da
“força retórica dos mapas” (JARDIM, 2017, p. 97), e pela lógica perversa que
seleciona o “bom imigrante” (JARDIM, 2017, p 206), a marcação central é a
vigilância como meio de controle.

Estudar os fluxos migratórios em fronteira, em nosso entendimento, consiste


no reconhecimento de que esse tipo de mobilidade é possível, também, através de
uma espécie de apropriação do sentido simbólico que fronteira possui (OLIVEIRA;
MARIANI; LOIO, 2018). Isso, ao mesmo tempo em que observamos variadas formas
como as autoridades lidam com esse fluxo, principalmente, sob o aspecto jurídico,
onde são forjadas expressões variadas como “imigrante ilegal”, nos Estados Unidos,
“falsos requerentes de asilo”, em alguns países da Europa ou “refugiados africanos”,
em Israel (ANTEBY-YEMINI, 2008). Portanto, em nome da segurança de uma
nação, a fronteira passa a ser espaço de deliberações muito importantes, do ponto
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de vista administrativo com impacto nas formas como as sociedades desses lugares
pensam e reagem a esse fenômeno.

A fronteira, neste aspecto, é palco de intensas e cotidianas negociações,


tensões e decisões, principalmente no caso desse estudo, quando o assunto é
movimento migratório, seja entre os países que a compõem, seja oriundos de outras
nações. Diversos estudos destacam esse fenômeno como sendo dos mais amplos
processos sociais, econômicos e políticos na atualidade (QUIROZ, 2014). Tal
processo também ocorre no continente sul-americano e, da mesma maneira como
ocorre com as fronteiras, impõe aos respectivos países e blocos (MERCOSUL e
PACTO ANDINO) diferentes formas de regulamentá-lo (ARTOLA, 2014). A busca
por ter controle sobre o processo imigratório passou a ser pauta constante nas
esferas mais elevadas das políticas das nações (OLIVEIRA; MARIANI; OLIVEIRA,
2017).

Como salienta Jacobson (1997), a imigração, invariavelmente, implica em


riscos de declínios da cidadania, em seu sentido mais amplo. Isso torna a leitura
sobre a questão fronteiriça e a condição laboral dessas imigrantes muito mais
complexas e desafiadoras. Chatou (1996) salienta para os riscos que marroquinos,
argelinos e tunisianos vivenciavam no processo migratório em direção à Europa,
com perdas significativas de acesso à instrumentais de cidadania, principalmente,
que lhes garanta independência no país de destino. Da mesma forma, Mourán
(2003) chama a atenção para jovens imigrantes, que ela denomina como “cidadãos
em formação”, quanto à vulnerabilidade a que estão sujeitos no tocante às
ambiguidades e contradições das cidadanias contemporâneas. Ambos os autores
inserem a fronteira como espaço de muitas tensões quanto a este tema.

Qualificações do espaço pesquisado.

Conforme nos ensinou Sayad, o espaço percorrido pelo imigrante deve ser
estudado de maneira que o compreenda de maneira interdisciplinar e epistemológica
(SAYAD, 1998). Desta forma, buscaremos entender o bairro Popular Nova a partir
de um prisma histórico da presença de bolivianos em Corumbá e na fronteira a qual
pertence. As dinâmicas demográficas, as nuanças políticas de ambos os países, as

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alternativas laborais e residenciais estão no centro de nossas análises sobre suas


trajetórias naquela cidade.

O Bairro Popular Nova é um importante espaço onde os imigrantes,


notadamente de origem boliviana, encontraram possibilidades viver, trabalhar e
construir sociabilidades. Atualmente este Bairro cumpre um relevante papel de
articulador entre o centro da cidade e demais bairros circunvizinhos e os que estão
localizados na parte alta da cidade, como Guarani, Nova Corumbá, Primavera,
Guanabara, dentre outros. A presença de imigrantes neste espaço é notável em
suas principais ruas, demonstrando, também, as formas como esse grupo social foi
sendo ajustados nas dinâmicas urbanas ao longo da história daquela cidade.

De acordo com nossa pesquisa foi possível constatar que esse Bairro foi
criado ao final dos anos 1960, quando a cidade experimentava um importante ciclo
em sua economia. Tratava-se de um processo de industrialização que conduziu
Corumbá a ter: siderúrgica, fábrica de cimentos, cervejaria, moinho de trigo,
curtume, sapataria, fábrica de sorvete, fiação, marmorarias, suína de pasteurização
de leite, dentre outras As indústrias de moinho de trigo, fiação, curtume e siderurgia
eram empreendimentos cujos sócios majoritários eram imigrantes, sírios e libaneses
(OLIVEIRA, 2001). Porém, é necessário retroceder no tempo para compreender a
importância daquele momento, bem como o aumento dos fluxos migratórios advindo
da Bolívia. Podemos compreender que os anos 1940 e 1950 trouxeram as marcas
de muitas novidades nos campos econômicos e demográficos de Corumbá e da
fronteira em estudo. Neste período, uma parcela de sua classe média, proporcionou
o mais importante processo de industrialização da história daquela cidade. Uma
parte dessas atividades era decorrente do extrativismo das operações na morraria
do Urucum, rica em minério de ferro, enquanto que outras eram fruto de importação
de trigo e algodão da Argentina. Em ambos os casos, as atividades econômicas
foram, substancialmente, alteradas naquelas décadas.

Destarte, em pouco mais de dez anos foram instaladas: a Sobramil, indústria


siderúrgica ligada ao Grupo Chamma, cujo nome da empresa é o do sobrenome de
importante família de imigrantes sírios; o Moinho Mato-grossense, o Curtume Mato-
grossense e a Fiação Mato-grossense, de um conglomerado de sócios, liderados
por Salim Kassar, Namtala Yasbek, Domingos Sahib e João Dolabani, imigrantes
sírios e libaneses, sendo esses, também, fundadores da Liga-Árabe de Corumbá,
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em 1954; e a fábrica de Cimento Itaú, do grupo Votorantin. Tratava-se de um


conjunto de indústrias que tinham por objetivo, sobretudo, atender o mercado do
Sudeste brasileiro (OLIVEIRA; JUNQUEIRA, 2016). O trigo e o algodão vinham da
Argentina pelo Rio Paraguai enquanto que o couro era provindo de abatedouro de
bovinos da própria região pantaneira, e os recursos minerais eram exportados, seja
pelo modal ferroviário ou hidroviário (OLIVEIRA, 1998,).

Nos anos 1970, à exceção da fábrica de cimentos e da cervejaria, todas as


indústrias estavam fechadas. As principais razões teriam sido: mudanças nas
políticas do governo militar, advindas do “milagre econômico” que levou a formação
de parque industrial no Sudeste, em detrimento de outras regiões do país;
sobretaxas na importação de alguns produtos, como o trigo; e, a transferência do
centro dinâmico da economia do sul do antigo Mato Grosso para Campo Grande
(OLIVEIRA; ESSELIN, 2015).

Paralelamente, outros fatores são bastante importantes para que fossem


realizadas profundas alterações no cenário demográfico e social da fronteira em
estudo. Assinalamos aqui o Acordo de Roboré (1958), assinado pelo Brasil e Bolívia,
que fora composto por dez convênios, um protocolo preliminar e vinte notas
reversais. Seu principal objetivo era traçar uma negociação que pudesse resolver
todos os problemas entre ambos os países, apagando “(...) ressentimentos e
suspeitas” (SOARES, 1975, p. 155). Este Acordo teve como alguns de seus
desdobramentos a inserção de diversos convênios que delinearam novos elementos
para as transações comerciais entre ambos os países, como, por exemplo,
instituindo “(...) condições vantajosas para a população fronteiriça, em especial a em
estudo” (OLIVEIRA; ESSELIN, 2015). Contudo, um dos mais relevantes resultados
daquele Acordo foi a facilidade com que se transita na linha limítrofe entre ambos os
países e em ambos os sentidos, configurando como ‘fronteira aberta’, na
classificação de Foucher (1991). Isso foi muito importante, pois permitiu que novos
fluxos migratórios internos à Bolívia fossem estabelecidos ao final dos anos 1960 e
início dos 1970, atraídos pelas possibilidades econômicas que haviam naquela
região, potencializadas pelo Acordo.

Outro componente que julgamos ser bastante relevante foi a fundação de


Puerto Quijarro, em 1948. Encravada entre Corumbá e Puerto Suarez, distando dez
quilômetros desta, tem seu nascedouro nas práticas trazidas pela ferrovia, tendo sua
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estação ferroviária considerada como Marco Zero da cidade. Em nossa pesquisa


pudemos verificar que Puerto Quijarro não possui acervo histórico público que possa
nos dar mais elementos de sua formação. Contudo, fizemos diversas visitas a
famílias que lá vivem desde sua fundação, e pudemos constatar que, diferentemente
de Puerto Suarez, Puerto Quijarro teve seu crescimento demográfico, especialmente
a partir dos anos 1960, notadamente acentuado pela presença de bolivianos do
altiplano, fruto de novas correntes migratórias, como já mencionamos.

Essa articulação entre esses acordos internacionais e as vivências


construídas na localidade fez com que a realidade daquela fronteira fosse
profundamente alterada. Isso, principalmente, em seus sentidos funcionais,
ganhando novos contornos e inserindo novas perspectivas. Isso se intensificou com
o tempo, uma vez que desde os anos 1950, acentuando-se no início dos anos 1980,
o lado boliviano da fronteira recebeu os impactos de dois elementos nacionais e
internacionais que redefiniriam suas relações com o país vizinho e dinamizaram sua
demografia. Primeiramente, um amplo e importante programa oficial e nacional de
reforma agrária, que atingiu, sobretudo áreas muito próximas de Santa de la Sierra,
porém com desdobramentos até a fronteira em estudo (SOUCHAUD; CARMO;
FUSCO, 2007). Esse programa consistia, de maneira elementar, em rearranjos
populacionais no vasto território boliviano. Outro elemento, a partir dos anos 1980,
está ligado à inserção da Bolívia nas rotas de mercadorias vindas do oriente,
embora com volume e intensidade muito menores do que os verificados no
Paraguai, na mesma época (LOIO; MARINI; OLIVEIRA, 2017). Esta inserção nas
rotas de comércio internacional fez com que a demografia da região fosse
significativamente alterada. Segundo dados coletados junto ao Instituto Nacional de
Estadística (INE, 2006), a população de Puerto Quijarro aumentou aproximadamente
50% entre os anos 1990 e 2001. Isso implicou na incorporação de traços mais
significativos da vida urbana, como, por exemplo, através da instalação de
equipamentos como centros de saúde, escolas, além de policiamento ostensivo,
dentre outros.

Outro aspecto, desta vez ligada à infraestrutura dessa fronteira, ocorreu no


início dos anos 1970, com a construção da ponte que está localizada na linha
limítrofe entre ambos os países. Inaugurada em 1975, por Dirceu Nogueira, Ministro
dos Transportes, sua obra foi fruto de articulações dos comerciantes locais com
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suas lideranças políticas, demonstrando a necessidade de tornar perenes os elos de


transportes, bastante atingidos pelos períodos de cheia. Esse movimento de
pessoas, no duplo sentido, teve repercussões nos meios políticos e econômicos da
cidade, levando o vereador Cleomenes Leite Proença a afirmar que os brasileiros
que procuram as cidades bolivianas são de baixo poder aquisitivo e procuram
mercadorias mais baratas (DIÁRIO DE CORUMBÁ, 1975, p. 01). Benedito Paula
Saad, então presidente da Associação Comercial de Corumbá, destacou que esse
tipo de comércio trazia enormes desvantagens para os comerciantes corumbaenses,
pois os produtos ali comercializados seriam de origem brasileira e, com isenção de
impostos, teriam preços desonestos (O MOMENTO, 1975, p. 01).

Conforme conseguimos apurar em abordagens em moradores mais antigos


da região em estudo, havia rotineiros fluxos por essa via terrestre, tanto de pessoas
quanto de mercadorias. Constatamos que havia o uso dos serviços da Viação
Ladarense que operava no trecho entre Ladário e Puerto Suarez, em período
anterior ao da construção da ponte, em um percurso de, aproximadamente, 30
quilômetros. Consideramos este como mais um dos elementos que contribuíram
para que novas dinâmicas socioeconômicas e demográficas fossem estabelecidas
naquela fronteira, tendo seus impactos chegados até a cidade de Corumbá.

Desses fluxos migratórios internos à Bolívia, parte se deslocou em direção a


Corumbá, atraídos pelo desenvolvimento que a cidade experimentava nos anos
1960. Na época a cidade contava com uma feira livre localizada na área central,
mais precisamente na Rua Joaquim Murtinho, próximo à sua estação ferroviária, que
existiu até meados dos anos 1980. Em abordagens junto a moradores mais antigos
da vizinhança dessa feira pudemos observar que diversos foram os bolivianos que
ali trabalhavam, fosse à frente dos negócios, fosse como carregadores de caixas e
armadores de barracas. Até o momento, nossos estudos indicam que a distribuição
deles pela cidade foi bastante diluída, embora seja evidente que os bairros Dom
Bosco, Cristo Redentor e, posteriormente, Popular Nova, fossem polos de
concentração.

Conforme pudemos apurar em nossas abordagens junto a moradores mais


antigos, embora tenha surgido como um núcleo residencial, com o mesmo nome da
atualidade, sua expansão ocorreu, principalmente, em função das camadas mais
pobres da sociedade que foram “empurrados” para o limite do perímetro urbano da
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época. Duas moradoras nos deram seus depoimentos, onde constatamos que os
bolivianos estiveram presentes na formação do Bairro desde o princípio. Dona P.
nos disse que chegou ao Popular Nova em 1967, quando recebeu um lote do
Prefeito, que ela afirma não se lembrar do nome, onde ela e seu marido construíram
uma pequena casa e começaram a comercializar frutos de sua pequena horta nas
feiras e nas ruas do centro da cidade. Conta que, ao mesmo tempo em que sua
família, outros bolivianos também mudaram para aquele bairro, onde puderam
construir relevantes elos de solidariedade de vizinhança, que pudemos constatar
existir inclusive entre seus descendentes.

Origens e destino: família, trabalho e estabilidades no processo migratório.

As trajetórias dessas imigrantes estiveram diretamente relacionadas a uma


decisão no âmbito familiar, o que corrobora com a ideia ilustrada por Solé,
Cavalcanti e Parrela (2011), na qual as camadas inferiores da sociedade têm na
emigração o resultado de uma estratégia delineada em âmbitos familiares. Não se
trata, portanto, salvo exceções que não cabem nesta pesquisa, de decisões
pessoais e isoladas. Os elos familiares parecem ser mais estreitos quando tratamos
de migração internacional de mulheres (LOIO, 2018). Assim, a tomada de decisão
em emigrar está direcionada às perspectivas de melhoras nas condições de vida,
em contraponto às faltas de condições econômicas e ocupações laborais no local de
origem (SOLÉ, CAVALCANTI, PARRELA, 2011).

De acordo com Boyd e Griec, existem estágios no processo migratório. O


primeiro, que denominam como pré-migratório, inclui hierarquia familiar e os papeis
desempenhados por homens e mulheres para a tomada de decisão de movimentar-
se. O segundo, ligado às esferas internacionais, estabelece a fronteira como local de
decisões muito importantes, pois se referem às políticas migratórias que os países
de destino e origem possuem, vinculando-lhes às imagens estereotipadas de papeis
laborais e potenciais em mercado de trabalho. Por fim, o estágio pós-migratório,
quando tratam do impacto das mulheres nesses fluxos, avaliando o papel no
mercado de trabalho receptor, o status na família e domicílio (BOYD; GRIEC, 2003).

Isso ficou bastante evidente na fala de N.G., 34 anos, nascida em Sucre, que
se dirigiu àquela fronteira juntamente com seu esposo. A migração dessa família
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teve como elo de rede os convites feitos por uma prima dela que vivia em Corumbá.
De forma muito parecida D.J., 63 anos, nascida em Santa Cruz de la Sierra, conta
que sua ida para a fronteira em estudo ocorreu por decisão de seus pais, em uma
tentativa de melhorar as condições financeiras, que estavam bastante precárias.

A presença masculina no momento de decisão de emigrar é bastante


evidente em diversas falas que capturamos. Seja na presença do pai, do esposo ou
padrasto, a figura masculina como integrante principal das decisões ficou bastante
clara. Isso é notável quando mencionam que acompanhavam tais membros de
família. Embora alguns estudos apontem para o crescimento de autonomias de
mulheres na tomada de decisão em emigrar (ALBA, CASTILLO, VERDUZCO, 2010),
há ainda muitos casos, como em alguns desta pesquisa, em que os homens
assumem protagonismos e não as visibilizam.

Neste aspecto, há o contraponto de G.R., que nasceu em La Paz, em


condições financeiras muito ruins. Conta que após sua mãe falecer, foi criada pela
irmã mais velha, dentre outros quatro irmãos. Ainda naquela cidade trabalhou como
garçonete, o que deu a ela oportunidade de conhecer pessoas. E, dentre esses
contatos, recebeu o convite para trabalhar no Brasil com o vice-cônsul da Bolívia em
Corumbá. Como era para receber em dólar, ela aceitou, mesmo sabendo que era
um contrato por apenas um ano, e que foi prorrogado por mais um ano. Conta que
nos primeiros meses no Brasil tudo, para ela, era novidade: a língua e a cultura, por
exemplo. Neste período conheceu aquele que se tornou seu marido, e após alguns
meses de namoro se casaram e tiveram um filho.

As dificuldades econômicas existentes no período em que ocorreu a decisão


de migrar é uma marca bastante constante nas falas das comerciantes
entrevistadas. Outro exemplo disso é S. M., com 57 anos, nascida em Santa Cruz de
la Sierra, onde morava com seus pais e trabalhava vendendo salgados e condições
de vida que ela considera como “muito precárias”. Conta que aos 18 anos, após o
falecimento de seus pais, decidiu migrar a convite de uma prima que vivia em
Corumbá, onde se casou com um brasileiro, com quem teve dois filhos. Conta,
ainda, com ares de orgulho, que um de seus filhos é professor de matemática na
rede municipal. Quando ainda eram crianças, seu marida a abandonou,
aumentando, por um lado, as dificuldades Inerentes à sobrevivência, e por outro, a
acolhida e solidariedade dos vizinhos no Bairro, d que ela se lembra com muito
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orgulho de ter tido “coragem para enfrentar a realidade”. O abandono familiar é outro
traço bastante importante nas trajetórias dessas imigrantes bolivianas em Corumbá,
que fora assinalado por Loio (2018) de forma muito semelhante à história de vida de
S.M., pois tal ruptura não implicou em passividade perante as dificuldades
decorrentes. O abandono do marido, também, não afetou a estabilidade do processo
migratório, notadamente com perspectivas temporais mais largas nas mulheres do
que nos homens, conforme tem salientado o Professor Marco Aurélio Machado de
Oliveira em diversas palestras e cursos no âmbito do Circuito Imigrante e do
Mestrado em Estudos Fronteiriços/UFMS.

Podemos mencionar a existência de reunificação familiar através da migração


internacional. Falamos de R.M., de 61 anos, que conta que nasceu em
Cochabamba, e seus pais, devido as dificuldades financeiras, quando ela tinha cerca
de 3 anos de idade, pediram que outra família a criasse. Quando seus pais adotivos
faleceram, ela, aos 15 anos, foi reunida à família de origem, que vivia em Corumbá,
onde se casou e iniciou sua vida no comércio. A reunificação familiar é importante
aspecto nas políticas governamentais em diversos países, inclusive o Brasil.
Contudo, devemos compreender que o caso desta imigrante deve considerara
fronteira como espaço em que porosidades são construídas, permitindo ações como
essa. Consideramos que a indocumentação de imigrantes bolivianos em Corumbá
seja uma práxis bastante recorrente e com diversas razões para que aconteça.
Levantamos como hipótese para futuros estudos a invisibilidade que a
indocumentação traz como uma estratégia que permite a permanência desses
grupos sociais. Desta forma, a ausência de trâmites documentais por parte dos
familiares biológicos de R.M., propiciou a ela o ingresso e permanência naquela
cidade.

Retornando aos ensinamentos de Foucher (1998), o fato da fronteira em


estudo ser tipificada como “aberta” torna a rotineira vida pendular mais visibilizada.
Isso é notável nas comerciantes imigrantes pendulares cujas realidades também são
realidades capturadas no Bairro Popular Nova. A.S., por exemplo, nascida em La
Paz, conta que migrou para fronteira, sem saber ao certo a idade, acompanhando
sua mãe, que viera trabalhar no comércio a convite de uma prima. Foi nessa rotina
que ela adquiriu experiência com a lida comercial. Casou-se com um boliviano,
também nascido em La Paz, e tem uma filha de 3 anos. Atualmente, reside em
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Puerto Quijarro e trabalha em uma loja naquele Bairro. Considera sua rotina como
bastante exaustiva, tendo que dormir tarde e acordar cedo, todavia, com a
satisfação expressa na frase “não tenho patrão, sou a própria patroa”.

Consideramos que a vida pendular em região de fronteira é algo que mereça


bastante atenção por parte do pesquisador, uma vez que as rotinas de trabalho, as
dificuldades documentais e decorrências culturais desse cotidiano são bastante
diferentes daqueles que habitam de forma permanente o país vizinho (OLIVEIRA;
CORREIA, OLIVEIRA, 2017). Assim, constatamos na fala de A.S. a forma como são
acentuadas as dificuldades inerentes à condição de mulher, uma vez que a tripla
jornada de trabalho é bastante potencializada, seja pelas distâncias que devem ser
percorridas, seja pelos horários a que são submetidas, seja pela estrutura familiar a
que estão imersas. Devemos salientar que na fala dessa entrevistada a fronteira não
aparece como elemento substancial na jornada, e sua consequente exaustão. De
forma muito semelhante a outros estudos que confirmam essa percepção (LOIO,
2018), a administração do lar, associada aos papeis de mãe e esposa, e as
atividades laborais, relacionadas aos desempenhos das atividades laborais,
aparecem com destaque que diminui, se não anula, sua percepção espacial a que
está inserida.

As imigrantes cujas origens são a própria fronteira constituem uma realidade


naquele Bairro. F.V., 26 anos, nascida em Puerto Quijarro, mudou-se, quando tinha
1 ano de idade, para o Brasil acompanhando seus pais que começaram a trabalhar
com o comércio na área central de Corumbá. Posteriormente, atuaram, também,
como feirante nas feiras-livres e ambulantes naquela cidade. Nesse período ela
conta que sempre ajudou seus pais, adquirindo experiência na vida comercial, e que
após a fixação dos negócios da família em uma loja comercial, no Bairro Popular
Nova, começou a entender os funcionamentos da administração da loja, como
procedimentos legais e recursos financeiros, bem como os meios para,
posteriormente, se inserir no comercio de forma autônoma em relação à família.
Narrou que proximidade com a cidade natal propiciou a ela facilidades para lidar
com as diferenças culturais.

A presença de mulheres e crianças no processo migratório internacional as


expõe a situações de risco e vulnerabilidades, como prostituição e abusos aos
direitos humanos (YAMAMOTO; SILVA, 2018). Isso, ao mesmo tempo em que as
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mulheres chefiam os lares de mais de 20% grupos familiares de migrantes


internacionais (IDEM). Ou seja, ao mesmo passo em que elas são alvo de práticas
negativas, sob o aspecto dos direitos humanos, elas são responsáveis por vínculos
familiares muito importantes para a garantia de sobrevivência dos grupos. E,
devemos considerar esses aspectos como muito relevantes em nossos estudos
sobre a presença feminina no curso migratório internacional, expondo, desta forma,
a complexidade em que elas estão imersas.

A estabilidade no processo migratório pode ser entendida por dois vieses. O


primeiro diz respeito às motivações de saída do país e condicionados às
intensidades, permanências e destinos dos fluxos migratórios internacionais. Trata-
se de um complexo conjunto de conceitos do fenômeno migratório internacional que
busca avaliar, principalmente, os percursos, as estratégias elaboradas a partir da
decisão de migrar, as formas como os países envolvidos reagem e as possibilidades
de permanência por parte desses migrantes. As teorias neoclássica e
desenvolvimentista entendem o processo migratório internacional a partir de dos
benefícios que o fluxo produz nos países de origem e de destino (DE HAAS, 2009),
enquanto que as teorias de causas cumulativas e “síndrome migratória” pensam
exatamente o oposto: em vez de diminuir, a migração passou a ser vista como
fenômeno que aumenta as disparidades espaciais (entre regiões e internacionais)
nos níveis de desenvolvimento (DE HAAS, 2010). Contudo, não tivemos acesso a
literatura que demonstrasse a importância do fluxo feminino no que tange à
estabilidade na permanência no país de destino, e isso tem se mostrado muito
evidente em pesquisas como de Loio (2018).

Nosso entendimento a respeito de estabilidade no fluxo migratório


internacional envolve as dificuldades que as migrantes tiveram quanto às formas de
acomodação na nova terra, incluindo idioma, cultura, moedas, etc. Desta forma, A.S.
conta que as dificuldades foram diversas, como a lida doméstica conciliada às
atividades no comércio, acrescido ao fato de ter de cuidar da filha. A língua
portuguesa também apareceu como elemento que dificultou as fases iniciais de suas
atividades, mas que hoje consegue ter maiores facilidades. Essa situação é
corroborada por R.M., que conta que na fase inicial, de acordo com ela, a maior
dificuldade esteve relacionada à questão idiomática. Ela acrescenta que só
conseguiu maior respeito a partir do momento em que, juntamente com seu marido,
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conseguiu montar seu salão de beleza e inserir seus filhos no mesmo ramo. Em
ambas imigrantes as diferenças culturais lhes impuseram graus de dificuldades
maioires para melhor assimilação do espaço em que estava sendo inserida.

No tocante às diferenças culturais Karasz (2005) assinala em seus estudos


comparativos entre asiáticos e europeus que vivem nos Estados Unidos, como as
diferenças culturais atingem de forma mais severa aqueles que são oriundos de
regiões com menos aproximações culturais com o país de destino. Observa que tais
diferenças culturais são mencionadas por esses grupos mais vulneráveis como
“problemas sociais e morais”. Destarte, pudemos verificar que as formas como as
imigrantes em estudo encontraram para superar essas dificuldades estiveram
relacionadas à necessidade de obter “sucesso” nas atividades comerciais como
meio de obter respeito.

Outro exemplo que se encaixa bem nessa perspectiva é o de F.V., que narrou
suas dificuldades associadas ao preconceito que experimentou quando relacionado
às suas atividades. Ela citou o exemplo de quando nega vender “fiado”, a resposta
dos brasileiros costuma ser: “quem essa boliviana pensa que é?” esse tipo de
conduta, por parte de brasileiros em Corumbá, foi analisado por Costa (2015) que
elucidou se tratar de uma assimetria de poder, onde podemos identificar uma ideia
de “superioridade-inferioridade” expressa em discursos e nas práticas do lado
brasileiro. Isto estrutura também a “[...] construção de preconceitos e de dominação
simbólica dos bolivianos, assim como determina as possibilidades de acesso ao
trabalho formal e aos direitos” (COSTA, 2005, p. 37). Entendemos que o processo
de assimilação cultural demanda níveis de internalização de valores, costumes e
outros traços culturais que levam os indivíduos a assimilarem novos
comportamentos (APPEL-SILVA; WENDT; ARGIMON, 2010). Associado a isso,
essas migrantes trouxeram valores e traços culturais que estão cristalizados, como o
casamento, por exemplo.

Considerações Finais
No que diz respeito aos procedimentos para a coleta de dados, importante
grifar que realizamos entrevistas com essas mulheres bolivianas durante o
desenvolvimento de suas atividades comerciais, independente do dia da semana. A

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transcrição dessas entrevistas, bem como a sua aplicação de representações


gráficas no formato de nuvens, através da ferramenta Iramuteq, nos proporcionou a
compreensão das formas como foram e são construídos os laços familiares e de
vizinhança até a formação de redes de solidariedade.

Através dos conteúdos capturados durante realização desta pesquisa,


pudemos interpretar que na fronteira em estudo o conceito de feminização da
imigração evidencia a perspectiva da transformação de alguns aspectos do perfil da
mulher migrante. Queremos dizer com isso que elas têm assumido papeis
protagonistas, não apenas no processo migratório internacional, mas, sobretudo, na
organização dos negócios e na dinâmica familiar, embora a tripla jornada de trabalho
(mãe, esposa e comerciante) ainda esteja muito evidente em suas rotinas. Isso ficou
bastante evidente quando uma das entrevistadas narrou as formas como ela teve
que se adaptar após o abandono de seu marido, sem que afetasse a estabilidade no
processo migratório dela. Ou seja, a permanência no Brasil foi encarada como a
melhor alternativa que ela dispunha para garantir a sobrevivência da família. Da
mesma forma, a imigrante pendular, enquanto nos atendia na entrevista, cuidava de
sua filha, que fica sob seus cuidados enquanto trabalha.

Importante salientar que a existência de laços históricos construídos na


vizinhança evidencia a relevância de fazer uso da História Oral, como instrumental
de captura de dados que fontes documentais não dão conta. A História Oral nos
possibilitou reconstruir uma parte da história de Corumbá, que se encontrava apenas
nas memórias dos seus moradores no Bairro Popular Nova. Foi através deste
recurso que conseguimos identificar os mosaicos sociais que compreendem a
formação de relações de solidariedade de vizinhança, bem como de alguns conflitos,
especialmente os ligados às origens delas. Pudemos perceber que a existência de
manifestações de preconceitos as tornou mais coesas na busca pela sobrevivência,
reforçando, em alguns casos os elos de solidariedade já existentes.

Naquele espaço foi possível compreender como as relações de vizinhança


deram a essas imigrantes bolivianas melhorias nas percepções sobre o ambiente,
bem como na qualidade de vida. Falamos isso através da leitura que fizemos sobre
as formas que as outras mulheres cooperavam com elas, ajudando nos cuidados
dos filhos, por exemplo.

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Compreendemos que a existência de laços entre vizinhanças não pode ser


entendida apenas por aquelas que possuem presença mais remota naquele Bairro.
Algumas de nossas entrevistadas, com menos tempo naquele espaço, também
conseguiram construir relações, pelas vias de crédito ou de amizade com aqueles
moradores. Mesmo a imigrante pendular, portanto, com vínculos mais detidos nas
práticas comerciais e menos contatos com a vizinhança, mantem contatos com eles,
mesmo que poucos. Neste caso, pudemos perceber o quanto a questão idiomática é
relevante tanto para o processo de crescimento no comércio quanto para o
estabelecimento de vínculos mais profundos.

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Corumbá/MS, Brasil. 7 a 9 de outubro de 2019. ISSN . 2178-2245


417

NOTAS INICIAIS SOBRE O SURGIMENTO DE RELAÇÕES


TRANSFRONTEIRIÇAS COTIDIANAS ENTRE PATO BRAGADO E NUEVA
ESPERANZA, MUNICÍPIOS DA ZONA DE FRONTEIRA BRASIL-PARAGUAY
Initial Notes On The Emergency Of Daily Cross-Border Relations Between Pato
Bragado And Nueva Esperanza, Municipalities Of The Brazil-Paraguay Border Area
Notas Iniciales Sobre La Emergencia De Las Relaciones Transfronterizas Diarias
Entre Pato Bragado Y Nueva Esperanza, Municipios Del Área Fronteriza Brasil-
Paraguay

Aline Kammer
Maristela Ferrari

Resumo: Este trabalho tem por objetivo analisar quais os fatores que contribuíram
para o surgimento de relações transfronteiriças num segmento da zona da fronteira
brasileiro-paraguaia, formado pelos municípios de Pato Bragado (Paraná - BR) e
Nueva Esperanza (Dept. de Canindeyú - PY). A análise, parte do ano de 1982,
notadamente ano da formação do Reservatório da Usina Hidrelétrica de Itaipu
quando se observa a emergência de interações transfronteiriças entre os dois
municípios. O método de pesquisa adotado foi o qualitativo e a metodologia
consistiu em leituras teóricas sobre zona de fronteira, redes e fluxos, além de
pesquisa de campo com entrevistas aos moradores de Pato Bragado e Nueva
Esperanza. Nele evidenciamos que as redes de interação transfronteiriças são
recentes e se devem, sobretudo, as profundas mudanças ocorridas na região, com a
formação do Lago de Itaipu, também nominado de reservatório da Hidrelétrica de
Itaipu sobre o rio Paraná. Tal fato, modificou inclusive a característica do limite
internacional, de limite obstáculo tornou-se permeável e contribuiu para o
desenvolvimento de práticas sócio espaciais transfronteiriças cotidianas que lá
ocorrem à revelia dos dois Estados nacionais, pois o ponto de passagem entre os
dois territórios não foi legalizado entre Brasil e Paraguay.
Palavras-chave: Zona de fronteira, redes de interações transfronteiriças, Pato
Bragado, Nueva Esperanza.

Abstract: This paper aims to analyze the factors that contributed to the emergence
of cross-border relations in a segment of the Brazilian-Paraguayan border zone,
formed by the municipalities of Pato Bragado (Paraná - BR) and Nueva Esperanza-
(Dept. de Canindeyú - PY). The analysis begins in 1982, notably the year of the


Esse trabalho faz parte de pesquisa de mestrado em andamento, financiada pela CAPES
(Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) no PPGG da UNIOESTE campus
Marechal Cândido Rondon (PR), sob Orientação da Prof.ª Drª Maristela Ferrari. O mesmo está
vinculado ao Grupo de Estudos sobre Fronteira, Território e Ambiente (GEFTA).

Graduada em Geografia. Bolsista da CAPES, Mestranda do PPG em Geografia da UNIOESTE-
Universidade Estadual do Oeste do Paraná/Campus Marechal Cândido Rondon. E-mail:
alinealinekammer@outlook.com

Doutora em Geografia. Professora do Programa de Pós-Graduação em Geografia da UNIOESTE-
Universidade Estadual do Oeste do Paraná/Campus Marechal Cândido Rondon. E-mail:
maristela7ferrari@gmail.com

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formation of the Itaipu Hydroelectric Power Plant Reservoir when the emergence of
cross-border interactions between the two municipalities is observed. The research
method adopted was qualitative and the methodology consisted of theoretical
readings about, border zone, networks and flows, as well as field research with
interviews with residents of Pato Bragado and Nueva Esperanza. It shows that the
transboundary interaction networks are recent and due, above all, to the profound
changes that occurred in the region, with the formation of Itaipu Lake, also called the
Itaipu Hydroelectric Reservoir over the Paraná River. This fact, even modified the
characteristic of the international boundary, of obstacle boundary became permeable
and contributed to the development of daily cross-border socio-spatial practices that
occur there in the absence of the two national states, because the crossing point
between the two territories was not. legalized between Brazil and Paraguay
Key words: Border Area, networks of cross-border interactions, Pato Bragado,
Nueva Esperanza.

Resumen: Este artículo tiene como objetivo analizar los factores que contribuyeron
al surgimiento de las relaciones transfronterizas en un segmento de la zona
fronteriza paraguayo-brasileña, formado por los municipios de Pato Bragado (Paraná
- BR) y Nueva Esperanza- (Departamento de Canindeyú - PY). El análisis comienza
en 1982, especialmente el año de la formación del embalse de la central
hidroeléctrica de Itaipú, cuando se observa la aparición de interacciones
transfronterizas entre los dos municipios. El método de investigación adoptado fue
cualitativo y la metodología consistió en lecturas teóricas sobre zona fronteriza,
redes y flujos, así como investigación de campo con entrevistas con residentes de
Pato Bragado y Nueva Esperanza. Muestra que las redes de interacción
transfronterizas son recientes y se deben, sobre todo, a los profundos cambios que
ocurrieron en la región, con la formación del lago Itaipu, también llamado embalse
hidroeléctrico de Itaipu sobre el río Paraná. Este hecho, incluso modificó la
característica de la frontera internacional, de la barrera del obstáculo se volvió
permeable y contribuyó al desarrollo de prácticas socioespaciales transfronterizas
diarias que ocurren allí en ausencia de los dos estados nacionales, porque el punto
de cruce entre los dos territorios no lo era. legalizado entre Brasil y Paraguay.
Palabras clave: Zona Fronteriza, redes de interacciones fronterizas, Pato Bragado,
Nueva Esperanza.

* Trabalho completo selecionado para publicação na Revista GeoPantanal, v. 14, n.


27, 2019.
https://periodicos.ufms.br/index.php/revgeo

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DIREITO AO DESENVOLVIMENTO DO IMIGRANTE NO BRASIL


Derecho Al Desarrollo del Inmigrante en Brasil
Immigrant Right to the Development in Brazil

Luiz Rosado Costa


Tania Regina Silva Garcez

Resumo: O presente trabalho usará o método dedutivo com pesquisa exploratória,


bibliográfica documental e descritiva visando a trazer uma análise do direito ao
desenvolvimento do imigrante diante da perspectiva dos instrumentos internacionais,
da declaração do direito ao desenvolvimento da Organização das Nações Unidas e
do ordenamento jurídico brasileiro atual e se este direito vem sendo efetivado,
protegido e garantido por estes. Almeja-se como resultado da pesquisa a
identificação da postura do Estado brasileiro frente ao imigrante no que tange ao
desenvolvimento econômico e social seja em relação a este ou ao Estado que o
acolhe. O desenvolvimento econômico e social coloca-se como elemento
fundamental para efetivação dos direitos humanos do imigrante e sua integração e
contribuição ao país.
Palavras-chave: migrações internacionais; Direito ao desenvolvimento; Direitos
Humanos; Lei de Migração.

Resúmen: El presente trabajo utilizará el método deductivo con investigación


exploratoria, bibliográfica documental y descriptiva tiene por objeto traer un análisis
del derecho al desarrollo del inmigrante ante la perspectiva de los instrumentos
internacionales, de la declaración del derecho al desarrollo de la Organización de las
Naciones Unidas y del ordenamiento jurídico brasileño actual y si este derecho viene
siendo efectuado, protegido y garantizado por éstos. Se anhela como resultado de la
investigación la identificación de la postura del Estado brasileño frente al inmigrante
en lo que se refiere al desarrollo económico y social en relación a éste o al Estado
que lo acoge. El desarrollo económico y social se sitúa como elemento fundamental
para la efectividad de los derechos humanos del inmigrante y su integración y
contribución al país.
Palabras clave: migraciones internacionales; Derecho al desarrollo; Derechos
humanos; Ley de Migración.

Abstract: The present paper will use the deductive method with exploratory
research, documentary and descriptive bibliography aims to bring an analysis of the
right to development of the immigrant before the perspective of the international
instruments, of the declaration of the right to development of the United Nations


Mestre em Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Advogado e voluntário do
Serviço Pastoral do Migrante em Campo Grande/MS. E-mail: luizrosadocosta@gmail.com.

Graduada em Direito pelas Faculdades Toledo de Araçatuba. Mestranda no Programa de Pós-
Graduação em Direitos Humanos pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, advogada
Previdenciarista, mediadora e professora universitária da Universidade Católica Dom Bosco de
Campo Grande (MS). E-mail: t.garcez@uol.com.br

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Organization and of the current Brazilian legal system and if this right is being carried
out, protected and guaranteed by them. The identification of the position of the
Brazilian State vis-à-vis the immigrant in terms of economic and social development
in relation to it or to the State that receives it is sought as a result of the investigation.
Economic and social development is a fundamental element for the effectiveness of
the immigrant's human rights and their integration and contribution to the country.
Keywords: international migrations; Right to development; Human rights; Migration
Law.

Introdução
As migrações internacionais são uma das dimensões mais importantes e
visíveis do processo de globalização na última metade do século XIX e início do
século XX, tendo o Brasil soidp destino de milhares de imigrantes. Os fluxos
migratórios para o Brasil, no decorrer dos séculos XX e início do século XXI
amenizaram, mas não cessaram. Embora atualmente os imigrantes no Brasil
correspondam a uma pequena parcela da população brasileira, possuem atuação
considerável e requerem ações de acolhida e integração que devem ser
asseguradas não só pela lei, mas principalmente por políticas públicas e medidas
condizentes ao desenvolvimento e tratamento equitativo com os nacionais.
A internacionalização é um fato no horizonte cultural, linguístico, social e
econômico, e possibilita oportunidades para o Brasil se beneficiar do
multiculturalismo e da diversidade, entretanto, muitas vezes, este imigrante, que
também favorece o desenvolvimento do país, apresenta dificuldades para usufruir de
seus direitos assegurados por diversos tratados e documentos de direitos humanos
que o Brasil se tornou parte, pela Constituição Federal e pela Lei 13.445/2017 (Lei
de Migração).
O presente trabalho usará o método dedutivo com pesquisa exploratória,
bibliográfica documental e descritiva visando a trazer uma análise do direito ao
desenvolvimento do imigrante diante da perspectiva dos instrumentos internacionais,
de direitos humanos e da declaração do direito ao desenvolvimento da Organização
das Nações Unidas e do ordenamento jurídico brasileiro atual que trata da política
migratória para migrantes, principalmente a Lei 13.445/2017, para verificar se as
normas vigentes no ordenamento jurídico brasileiro são adequadas ao exercício do
direito ao desenvolvimento dos imigrantes que chegam ao Brasil.

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Para que sejam alcançados os resultados desejados por esta pesquisa


verificar-se-á como o imigrante poderia exercer seu direito ao desenvolvimento fora
de seu Estado de origem, e, se em decorrência dos tratados internacionais que
tratam da proteção dos direitos humanos os imigrantes têm o pleno exercício do
direito ao desenvolvimento no Brasil.

O desenvolvimento do migrante no Brasil.


A Lei 13.445/2017 (Nova Lei de Migração), pode ser considerada como um
avanço no campo dos direitos humanos e da política migratória brasileira. Aprovada
no dia 18 de abril de 2017, seu texto mostra o interesse da reversão de pontos
arenosos como a personalidade militarista ainda identificável no Estatuto do
Estrangeiro (Lei 6.815/1980). Reflete um movimento de atualização e de
aproximação às pautas de direitos e questões humanitárias mundialmente
consolidadas. A partir do próprio título comum, a nova lei sinaliza seus interesses a
partir de uma própria e interna renovação conceitual: não mais se refere ao termo
estrangeiro, mas sim ao termo imigrante.
A Nova Lei de Migração inovou no ordenamento jurídico ao trazer os direitos
humanos como tema central da política migratória – que até então era permeada
pela ideologia de segurança nacional – que busca a proteção do migrante e, para
isso, tem-se a necessidade de constante diálogo com as leis já vigentes no país e
com os tratados e documentos internacionais dos quais o Brasil é parte.
Com a globalização, os movimentos migratórios ocorreram e ainda ocorrem
maciçamente em escala mundial e, apesar de ao longo de toda sua história o Brasil
ter recebido fluxos migratórios das mais diversas partes do mundo, atualmente
oriundos, na maioria, de seus vizinhos da América do Sul, apenas recentemente, em
2017, com a aprovação da Lei de Migração (Lei 13.445 de 24 de maio de 2017) os
Direitos Humanos foram inseridos como tema de um marco legal sobre a política
migratória brasileira. Neste sentido, é mister verificar se o sistema jurídico brasileiro
se mostra adaptado para que os imigrantes que chegam a seu território possam se
desenvolver com dignidade.
A demora para se reformular a legislação migratória, apesar das iniciativas
neste sentido, decorreu, segundo César Augusto S. da Silva (2015, p. 186), de uma
falta de vontade política nesse sentido:

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Parece existir falta de vontade política e de consenso entre os diferentes


atores políticos para aprovação de uma reforma no Congresso Nacional e
no Poder Executivo, pelo menos desde o início da década de 90.
A nova lei, que teve vacatio legis de 180 dias, entrou em vigor em 21 de
novembro de 2017 e, ao substituir a Lei 6.815/1980 (Estatuto do Estrangeiro), visou
a colocar a política migratória brasileira em acordo com a Constituição de 1988. Já
em seu art. 3º, a nova lei trouxe a base principiológica da política migratória
brasileira, que deverá ser regida pela “universalidade, indivisibilidade e
interdependência dos direitos humanos” (BRASIL, 2017). Assim, ao situar
topograficamente os princípios de direitos humanos logo em seu início, no art. 3º,
destacou-os como parâmetros hermenêuticos da lei e alinhou axiologicamente a
política migratória ao regime jurídico-constitucional de prevalência dos direitos
humanos.
Em relação ao marco legal que a antecedeu (Lei 6.815/1980), a Nova Lei da
Migração pode ser considerada como um avanço para reversão da política
migratória restritiva anterior, pois “troca as restrições pelos princípios e a segurança
nacional pelos direitos humanos” (VEDOVATO; ASSIS, 2018, p. 606),
Nesta perspectiva, se faz necessário verificar a compatibilidade das políticas
migratórias praticadas pelo Brasil diante de uma concepção ampla de cidadania.
Busca-se, destarte, com esta pesquisa contribuir para a discussão da política
migratória relacionadas aos Direitos Humanos e superar a vinculação da imigração
estritamente relacionada às questões de segurança nacional e resguardo de
soberania.

Migração e cidadania
Como já mencionado, a migração não é algo novo, mas uma característica de
todas as sociedades em todas as partes do mundo e também em todos os
momentos da história. Apesar disso, na sociedade brasileira encontra-se certa
aversão ao estrangeiro que aparentemente é tratado de maneira cordial, mas
dificilmente recebe suficiente para alcançar o êxito no processo de assimilação
cultural, pois há uma dificuldade enorme dos estrangeiros obterem integração social
e acesso aos direitos humanos fundamentais, como está preconizado na Carta
Constitucional Brasileira (PACÍFICO, 2017).
O processo de globalização e a constante imigração propiciaram profundas
transformações nas relações entre indivíduos e Estado, especialmente no campo

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dos direitos internacional dos direitos humanos, onde as necessidades humanas


passaram a ser manifestadas regional e internacionalmente, visando à
concretização do princípio da dignidade humana e investigar o elo entre cidadania e
direitos humanos se faz necessário (MEZZAROBA; SILVEIRA, 2018).
O atual conceito de cidadania tem significado dinâmico e deve ser
considerado em suas dimensões mais amplas e conectado com a permanente
evolução dos direitos humanos. Isso acontece não somente por causa das regras de
nacionalidade que definem quem tem ou não cidadania, mas por causa dos
diferentes direitos que marcam o cidadão em cada Estado e perante a comunidade
internacional. Assim, cidadania, hoje, engloba direitos civis, políticos, econômicos,
sociais, difusos e está interligada a valores como liberdade, justiça, igualdade e
solidariedade.
Segundo Lacerda (2014, p. 48) a questão da cidadania global torna
necessário levar em conta a necessidade de uma sociedade mais solidária e
pluralista, que consiga superar as tensões mediante diálogo desvinculado dos
ordenamentos estatais.
Quanto ao direito ao desenvolvimento, advindo como direito de terceira
dimensão, ele requer que se removam as principais fontes que levam o ser humano
à privação de liberdade: pobreza e tirania, carência de oportunidades econômicas e
destituição social sistemática, negligência dos serviços públicos e intolerância ou
interferência excessiva de Estados repressivos. A despeito de aumentos sem
precedentes na opulência global, o mundo atual nega liberdades elementares a um
grande número de pessoas (SEN, 2016), incluindo os imigrantes que partem de sua
terra natal em busca de um melhor desenvolvimento humano não encontrado em
seu país de origem.
Esse novo conceito de cidadania traz hoje para o ordenamento mundial a
visão do desenvolvimento como liberdade, uma vez que os fins e os meios do
desenvolvimento exigem que a perspectiva da liberdade seja colocada no centro do
palco, onde as pessoas têm de ser vistas como ativamente envolvidas na
conformação de seu próprio destino, e não apenas como beneficiárias passivas dos
frutos de programas de desenvolvimento. O Estado e a sociedade têm papéis
amplos no fortalecimento e na proteção das capacidades humanas. São papéis de
sustentação, e não de entrega sob encomenda. Assim, a perspectiva de que a

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liberdade é central em relação aos fins e aos meios do desenvolvimento merece


toda atenção (SEN, 2010).
O Direito ao Desenvolvimento está voltado para o indivíduo e surge no âmbito
do direito internacional, integrado por um caráter tanto individual quanto coletivo,
tendo como elementos a liberdade, a autonomia e a solidariedade, bem como a
realização das necessidades individuais e coletivas, constituindo um processo
dinâmico que engloba diversos aspectos da vida humana, tendendo ao seu
melhoramento progressivo, fomentando e exigindo o desenvolvimento de uma
racionalidade emancipatória como expressão de identidade cultural enquanto
afirmação da liberdade real. (MORAIS, 2007).
As notáveis transformações no cenário mundial desencadeadas a partir de
1989, pelo fim da guerra fria e a irrupção de numerosos conflitos internos,
caracterizaram os anos noventa como um momento na história contemporânea
marcado por uma profunda reflexão, em escala universal, sobre as próprias bases
da sociedade internacional e a formação gradual da agenda internacional do Século
XXI. Seu denominador comum tem sido a atenção especial às condições de vida da
população, em particular dos que integram os grupos vulneráveis, que têm
necessidade especial de proteção. Com efeito, os grandes desafios de nossos
tempos – a proteção do ser humano e do meio ambiente, a superação das
disparidades alarmantes entre os países e dentro deles, assim como da exclusão
social, a erradicação da pobreza crônica e o fomento ao desenvolvimento humano, o
desarmamento, têm incitado à revitalização dos próprios fundamentos e princípios
do Direito Internacional contemporâneo, tendendo a fazer abstração de soluções
jurisdicionais e espaciais (territoriais) clássicas e deslocando a ênfase para a noção
de solidariedade (TRINDADE, 2006).
Deste modo, adota-se neste trabalho a perspectiva do direito do
desenvolvimento dos Estados e ao desenvolvimento dos indivíduos, como o modo
de construção interdependente dos padrões políticos, sociais, econômicos e
culturais, referentes aos direitos humanos. Busca-se com essa releitura dos direitos
humanos atender a decisão constitucional brasileira que elenca dentro das
finalidades da ordem jurídica nacional a garantia da igualdade, da justiça social e da
dignidade humana de seus cidadãos, como exigência de uma ordem jurídica justa,
centrada no ser humano. (SILVEIRA, 2006),
Destaca-se, nesta linha que:

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o contato com a alteridade de forma mais igualitária, sem que o outro se


encontre em situação de inferioridade em decorrência da irregularidade de
seu status migratório e, assim, possa ser um interlocutor multicultural, de um
diálogo também ele transcultural, e que seja capaz de construir um
multiculturalismo progressista, transformando a prática dos direitos
humanos num projeto cosmopolita e emancipatório (COSTA; URQUIZA,
2019, p. 173).
As poucas pesquisas que já foram realizadas sobre a Nova Lei de Migração
indicam que, ao facilitar a inclusão dos imigrantes na sociedade brasileira e tratar a
migração como tema de direitos humanos e não mais de segurança nacional, o
Brasil posiciona-se na contramão da tendência moderna1.
A prevalência dos direitos humanos, como princípio a reger o Brasil, no
âmbito internacional, não implica apenas o engajamento do país no processo de
elaboração de normas vinculadas ao Direito Internacional dos Direitos Humanos,
mas também a busca da plena integração de tais regras na ordem jurídica interna
brasileira e implica ainda o compromisso de adotar uma posição política contrária
aos Estados em que os direitos humanos sejam gravemente desrespeitados
(PIOVESAN, 2009).
Como afirma Norberto Bobbio (2004) o problema fundamental em relação aos
direitos do homem, hoje, não é tanto o de justificá-los, mas o de protegê-lo. Trata-se
de um problema não filosófico, mas político.
Quanto ao Sistema Internacional de Direitos Humanos, a Corte
Interamericana de Direitos Humanos embora tenha reconhecido o poder dos
Estados fixarem as suas políticas migratórias, reafirmou que estas são limitadas
pelos direitos humanos, logo, o Estado tem obrigação de garantir e respeitar os
direitos reconhecidos, especialmente os da não discriminação e do devido processo
legal, aos estrangeiros sob sua jurisdição, independentemente da regularidade no
seu status migratório. Com isso, suas sentenças têm proporcionado avanços na
tutela dos direitos humanos dos imigrantes no sistema americano de Direitos
Humanos (LOPES; ALLGAYER, 2017).
Destarte, existe a necessidade de adoção de uma interpretação humanística
de todo catálogo internacional que substitua a interpretação focada apenas na
prevalência dos interesses internos do Estado. Para isso, é importante o
reconhecimento dos direitos humanos como standards normativos (IENSUE;
CARVALHO, 2015).

Neste sentido, cf. DUPAS, 2018; VEDOVATO, 2018 e; AMARAL; COSTA, 2017.
1

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Apesar de permanecer na esfera da soberania dos Estados a liberdade de


decidir quem pode entrar e permanecer em seus territórios, ou quais imigrantes
serão oficialmente aceitos e documentados e quais serão os rejeitados e
indocumentados que nele deverão permanecer apenas de forma clandestina sob
pena de serem deportados, Vedovato (2013, p. 19), todavia, ressalta que:“a
liberdade total do Estado para definir quem entra no seu território desapareceu com
o surgimento dos tratados de direitos humanos”. Ou seja, os Estados estão inseridos
em um contexto de tratados internacionais, aos quais necessariamente devem
reportar-se e que chamamos de sistema internacional de proteção aos direitos
humanos.
Portanto, tendo em vista a lógica desenvolvida de proteção dos direitos
humanos, podemos aferir a subsistência de novas formas de exercício de cidadania,
que estão inseridas no contexto universalista de maneira complementar e
integrativa. Desse modo, permite-se ao indivíduo reclamar sua cidadania no plano
doméstico do seu Estado (âmbito nacional), no plano regionalizado e no plano
universal (CAMPELLO; SILVEIRA, 2010).
O contexto atual da relação migração e desenvolvimento redefinem processos
históricos, uma vez que, o debate se assenta não mais na visão desenvolvimentista
da entrada de imigrantes internacionais, na qual a assimilação é elemento
fundamental, mas sim no reconhecimento da construção de um país de emigração,
imigração e de trânsito migratório, onde emergem novas formas de interação social
nos espaços dessa migração internacional. (BAENINGER, 2015).
Nesse sentido, pode-se abstrair que a condição jurídica do estrangeiro está
eminentemente fadada a sofrer uma reestruturação, vez que carece de controles
quanto à constitucionalidade das normas limitadoras dos direitos humanos tidos
como fundamentais. Todavia o Direito Trabalhista, os Estatutos regulatórios, e o
próprio Direito Civil, enlevam os nacionais a níveis garantidores superiores aos
estrangeiros, mantendo certa proteção a estes primeiros, de toda sorte ilusória, em
face de uma visão transcendental, principalmente histórica, tanto ao se considerar o
berço da colonização, quanto à transitoriedade que o instituto da nacionalidade
contempla (SALERNO; BERTACO, 2007).
Quanto à proteção aos migrantes, impende-se ressaltar que não são apenas
a vida e a saúde os bens passíveis de serem protegidos, mas tudo aquilo que seja

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digno de proteção a partir do ponto de vista dos direitos fundamentais como ,por
exemplo, a dignidade, a liberdade, a família e a propriedade.
São diversas as formas de viabilizar a proteção, como a proteção por meio de
normas de direito penal, de responsabilidade civil, de direito processual, por meio de
atos administrativos e por meios de ações fáticas.

Considerações finais
Almejou-se como resultado da pesquisa a identificação da postura do Estado
brasileiro frente ao imigrante no que tange ao desenvolvimento econômico e social
seja em relação a este ou ao Estado que o acolhe. O desenvolvimento econômico e
social coloca-se como elemento fundamental para efetivação dos direitos humanos
do imigrante e sua integração e contribuição ao país.
Em razão do princípio de respeito à dignidade da pessoa humana e dos
instrumentos internacionais de proteção de Direitos Humanos, toda pessoa deve ter
seus direitos respeitados pelo simples fato de pertencer à humanidade,
independentemente de qualquer outra circunstância, assim os Estados, a partir da
vigência do sistema internacional de proteção aos Internacional de Direitos
Humanos, embora possam no exercício da soberania fixar suas políticas migratórias,
não podem condicionar à regularidade migratória o gozo de Direitos Humanos
fundamentais como o da igualdade, acesso à justiça e não-discriminação.
No Brasil. A nova Lei de Migração, por seu turno, ao mudar o paradigma do
estrangeiro para o imigrante e prever a regularização documental como princípio da
política migratória brasileira, além de reconhecer a migração como tema precípuo de
Direitos Humanos e não mais de segurança nacional, trata o migrante como sujeito
de direitos que decorrem de sua natureza humana e não estão sujeitos à residência
legal ou à cidadania para serem reconhecidos, o que consolida uma cultura de
acolhimento afim a um país construído por braços imigrantes, como foi o Brasil.

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330

OS REFLEXOS DA POLÍTICA EXTERNA DO GOVERNO JUSCELINO


KUBITSCHEK (1956-1961) NOS FLUXOS MIGRATÓRIOS INTERNACIONAIS
PARA CORUMBÁ/MS
The Reflections of the External Policy of the Juscelino Kubitschek Government
(1956-1961) about International Migratory Flows to Corumbá / MS
Los Reflejos de la Política Externa del Gobierno de Juscelino Kubitschek (1956-
1961) sobre los Flujos Migratorios Internacionales a Corumbá /MS

Thais da Silva Alpires


Claudia Araújo de Lima

Resumo: Atualidade nos provoca questionamentos a cerca dos fluxos migratórios,


principalmente quando estão tão próximos do nosso cotidiano. Os fluxos de pessoas
que transita pela cidade de Corumbá carregam informações preciosas para estudo
da migração. É possível que ainda haja muito que se descobrir sobre a região, em
relação à migração. Mas objetivo desse estudo é investigar os reflexos da política
externa adotada no governo de Juscelino Kubitschek, que inferiram nos fluxos de
migração internacional para a cidade de Corumbá, sendo consequência da política
pública adotada em seu governo. A pesquisa tem carater social, pois traz
contribuições da história da cidade, tem natureza descritiva, pois apresenta a politica
externa adotada no governo mencionado, assim como, faz uso de material
bibliográfico. Acredita-se que o plano governamental, ainda que de forma acidental,
causou a reorientação do fluxo migratorio internacional para a região de Corumbá.
Palavras-chave: Mato Grosso do Sul. Corumbá. Migração Internacional. Política
Pública. Política Externa Brasileira.

Abstract: Actually we are questioned about the migratory flows, especially when
they are so close to our daily lives. The flows of people passing through the city of
Corumbá carry precious information to study migration. There can still be much to
discover about the region regarding migration. But the objective of this study is to
investigate the reflexes of the foreign policy adopted in the administration of
Juscelino Kubitschek that inferred in the flows of international migration to the city of
Corumbá, being consequence of the public policy adopted in his government. The
research has social character, because it brings contributions of the history of the
city, it has a descriptive nature, because it presents the foreign policy adopted in the
mentioned government, as well as it makes use of bibliographic material. It is
believed that the government plan, although accidentally, caused the reorientation of
the international migratory flow to the Corumbá region.


Graduada em Relações Internacionais pela Universidade Federal da Grande Dourados, mestranda
em Estudos fronteiriços pela Universidade Federal do Mato Grosso do Sul. E-mail:
thais.alpires@gmail.com

Graduada em Pedagogia pelo Centro Universitário de Brasília, Mestre em Saúde Pública pela
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca/Fundação Oswaldo Cruz, e Doutora em Ciências na
Área de Saúde Pública, pela Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca/ Fundação Oswaldo
Cruz. E-mail: claudia.araujolima@gmail.com

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331

Key-words: Mato Grosso do Sul. Corumbá. International migration. Public policy.


Brazilian foreign policy.

Resúmen: Actualmente nos cuestionamos sobre los flujos migratorios,


especialmente cuando están tan cerca de nuestra vida cotidiana. Los flujos de
personas que pasan por la ciudad de Corumbá llevan información valiosa para
estudiar la migración. Todavía puede haber mucho por descubrir sobre la región con
respecto a la migración. Pero el objetivo de este estudio es investigar los reflejos de
la política exterior adoptada en la administración de Juscelino Kubitschek, que se
infiere en los flujos de migración internacional la ciudad de Corumbá, como
consecuencia de la política pública adoptada en su gobierno. La investigación tiene
carácter social, porque trae aportes de la historia de la ciudad, tiene una naturaleza
descriptiva, porque representa la política exterior adoptada en el gobierno
mencionado, y hace uso de material bibliográfico. Se cree que el plan del gobierno,
aunque accidentalmente, provocó la reorientación del flujo migratorio internacional
hacia la región de Corumbá.
Palabras clave: Mato Grosso do Sul. Corumbá. Migración internacional. Política
pública. Política exterior brasileña.

Introdução
A migração é um termo que engloba uma ampla variedade de movimentos
ligados a questões de política, economia, cultura e identidade, que podem conectar
pessoas de diferentes classes, regiões e países. A migração permite mudanças
positivas tanto para quem migrar, quanto para o país ou região que recebe essas
pessoas, entretanto, as oportunidades que atraem o movimento forjam vidas de
forma significativas, em busca de segurança (INTERNATIONAL ORGANIZATION
FOR MIGRATION — IOM; 2017, p.1). Temos visto nos últimos anos o deslocamento
de pessoas motivadas pelos conflitos, perseguição ou crise ambiental. De acordo
com relatório anual, Tendências Globais, divulgado pela ACNUR (Agência da ONU
para Refugiados) em junho de 2018, já são 68,5 milhões de pessoas deslocadas
pelo mundo, entre esse número, 16,2 milhões se deslocaram repetidamente.
No contexto atual, acompanhamos pelas mídias e canais de comunicação, o
crescente número de pessoas deslocadas, e a guerra é o principal fator. Embora a
migração tenha ganhado maior visibilidade, devido aos fatores da guerra ou crises,
ela não se limita a essas questões, a mobilidade pode ser voluntária em busca de
uma oportunidade de emprego, para estudos, para reencontro da família. É um
processo comum e continuo que já deveria ter sido aceito pela sociedade, contudo,
as ressalvas apresentadas pelos países que se recusam a receber os migrantes, o

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preconceito e uso inadequado das mídias, torna a mobilidade humana uma fonte de
insegurança no cenário internacional (COSTA; REUSCH, p.278, 2016).
O movimento migratório está em constante mudança de volume, direção e
composição, isto, resulta na necessidade de estudos contínuos acerca da temática.
Para analisar atuais fluxos de pessoas pelo mundo, é necessário o estudo dos
antecedentes, que possam ser a fonte de explicação das correntes migratórias pela
América do Sul, pois, assim, é possível compreender como a cidade de Corumbá,
Mato Grosso do Sul, no Brasil, se alimentou de um intenso fluxo migratório, como a
migração interna, e principalmente a internacional, as quais foram essenciais para
dinamização do local.
A cidade de Corumbá, localizada na fronteira com a Bolívia é o nosso objeto
de estudo, e neste artigo propomos que a política pública infere nas decisões
externas, porque estão interligadas, e que as mesmas podem interferir em diversos
processos, como a migração, mesmo que não seja o objetivo. Para isso utilizamos a
metodologia de revisão bibliográfica, com auxílio de periódicos e livros sobre política
pública e política externa, bem como artigos e revistas sobre migrações na região
fronteiriça, Corumbá — Puerto Quijarro.
O presente estudo trabalhou com o recorte temporal do governo de Juscelino
Kubistchek, devido a sua política de fortalecimento das fronteiras, aderindo projetos
nos setores de comunicação e transporte, que foram essenciais para deslocamentos
intensivos de trabalhadores brasileiros e estrangeiros para a cidade de Corumbá,
resultando na dinamização da localidade. Além disso, apresentaremos como a
política de fortalecimento da fronteira inferiu na política externa do governo, o qual
após o esfriamento na relação Brasil — EUA passou a estabelecer novas parcerias,
o que possibilitou o protagonismo do Brasil na América do Sul.
Justifica-se a relevância acadêmica, posto que os estudos sobre fronteiras no
Mato Grosso do Sul são ainda insuficientes, isto porque, somente em 1990
iniciaram-se os estudos sobre esse campo, e ainda assim, são tratados por áreas
clássicas como História, Geografia e Antropologia, por isso, requer o olhar de
outros espaços de estudo.

Política Externa

Segundo Arenal (1990) a Política Externa deve ser entendida como estudo da

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333

forma, o comportamento adotado pelo Estado frente a outras soberanias, analisa a


formulação, aplicação e avaliação das medidas estabelecidas. “A Política Externa é
a área que representa os interesses e objetivos no plano internacional, e que, por
conseguinte sua definição representa é prerrogativa do país” (ALTEMANI, 2005, p.
3).

Para Lafer (2011) a política externa traduz as necessidades internas, e as


copilas em seu âmbito externo para ampliar seu poder sobre o destino da sociedade.
Russell (1990, p.255 apud ALTEMANI, 2005) conceitua que política externa esta
interligada a outras particularidades do governo como a política-diplomática, militar-
estratégia, e econômica, e se projeta no âmbito externo na presença de diversos
atores, de forma bilateral ou multilateral.

O estudo dessa área se manteve por décadas com uma abordagem


tradicional, no qual o Estado era um ator internacional, que tomava decisões de
forma unitária, monolítica, com o objetivo de maximizar o poder e a segurança, no
entanto, com o surgimento da disciplina das relações internacionais, os novos atores
e temáticas, a abordagem tradicional entrou em decadência. Nesse sentido, a
disciplina de Analise de Política Externa se desenvolve nos anos 60, com o discurso
de que era preciso uma teoria mais cientifica; e a necessidade da distinção entre
relações internacionais e ciência política (ALTEMANI, 2005).

Russell descreve (1990, apud ALTEMANI, 2005) que as decisões a cerca da


política externa são discutidas através do processo e da estrutura. A estrutura esta
interligada com vários atores governamentais domésticos, que tem capacidade de
comprometer os recursos da sociedade, e evitar que decisões sejam revertidas
facilmente. O processo é dinâmico, participam da composição atores
governamentais e não governamentais, tanto do país como do exterior, a partir do
momento que estímulos internos e externos precisam de uma decisão determinada
até a sua efetivação.

De acordo com Pinheiro (2000), a política externa brasileira possui quatro


períodos claros, que vai do americanismo – alinhamento do país com os EUA − ao
globalismo − quando o país adota uma política independente dos EUA, e estabelece
novos contatos internacionais.

A partir do século XIX ao XX a diplomacia política e econômica do país teve


como característica de alinhamento com os EUA. Embora nos anos 60 a política
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externa brasileira passou a buscar novos espaços, por meio da mundialização e


multilateralidade. Com a globalização nos século XX o Brasil buscou novas
parcerias, uma relação sul-sul (VIZENTINI, 1999).

Nossa analise se concentra no período em que a política externa brasileira se


orienta para novos parceiros econômicos, levando ao pequeno esfriamento nas
relações com os EUA. Durante seu governo, Juscelino Kubitschek (1956–1961),
buscou investimentos dos EUA para o desenvolvimento da América do Sul,
entretanto, sem sucesso, decidiu por estabelecer a Operação Panamericana – OPA,
sendo uma resposta aos EUA que havia perdido interesse na América do Sul após o
fim da Segunda Guerra Mundial. O posicionamento do Brasil durante esse governo
foi de mediador, intercedeu em importantes negociações, especialmente com Cuba,
o que demonstrou a importância do Brasil como aliado e protagonista na região da
América do Sul. A postura adotada pelo Brasil visava capitalizar simpatias para a
OPA, desta forma, poderia ter recurso para adotar medidas que tirasse a América do
Sul do perfil de atraso e pobreza (CONDURO, 2001, p.5).
A participação do Brasil na Operação Panamericana (OPA) marca a política
externa de Juscelino Kubitschek de Oliveira, que foi Presidente do Brasil, no período
entre os anos 1956 e 1961. Conhecido como JK, trabalhava por uma politica de
independência dos EUA, e com busca de parceiros para investimentos, tecnologia e
mercado para superar o subdesenvolvimento regional (OLIVEIRA, 2005).
No âmbito interno se desenvolvia o plano ambicioso de JK – cinquenta anos
em cinco - e isso só era possível graças as ações de sua política externa. Quando
JK assumiu a presidência ele adotou a política nacional-desenvolvimentista que
sintetizava a relação entre Estado e empresas, nacionais ou estrangeiras, com
intuito de promover desenvolvimento. Esse projeto era fruto das ideias da Comissão
Econômica para América Latina (CEPAL) que acreditava que o desenvolvimento só
seria possível após uma substituição da importação (GALERANI, 1992).
O objetivo central da criação da OPA era combater o subdesenvolvimento da
região, objetivo moldado conforme os anseios internos do Brasil de ocupar regiões
interioranas, em superar sua dependência a importação. O Brasil precisava se tornar
protagonista, e para isso era preciso um remanejamento interno nas políticas de
desenvolvimento e ações internacionais.

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335

A Política Pública na Política Externa


A política pública e a política externa são interligadas, uma gerenciando a
outra, isto acontece porque passam pelo mesmo processo de politização, ou seja,
incidem por ideias e interesses de diversos agentes políticos, além do Estado e de
seus funcionários, podendo haver pluralidade de atores participando. Segundo
Sousa (2014, p. 116) política pública seria o conjunto de ações decididas por um
ator ou por vários, com intuito de resolver um problema de interesse de todos, onde
há metas e meios que precisam ser respeitados durante a decisão da política.
As correntes teóricas que permeiam as Relações Internacionais produzem
grandes compreensões sobre os fundamentos e funcionamento da política mundial,
uma base teórica que avançou no diagnóstico da política pública como parte da
política externa, e vice-versa, é a teoria da Interdependência, desenvolvida por
Robert Keohane e Joseph Nye na década de 1970. Esta teoria tem como
pressuposto a relevância das relações políticas e sociais entre Estados e atores não
estatais na coordenação de políticas internas e internacionais (SANCHEZ, 2006,
p.2).
Mais recentemente, há o trabalho desenvolvido por Peter Katzenstein e
Stephen Krasner (1978), que acreditam que o trabalho na política domestica é
determinante para a política externa, em sua estrutura e a força do Estado. De
acordo com estes: “O objetivo principal de todas as estratégias de política
econômica externa é tornar as políticas domésticas compatíveis com a economia
política internacional” (KATZENSTEIN e KRASNER, 1978).

Questões nacionais e migração


Após a abolição da escravatura em 1888, o país adotou medidas que
incentivava a migração de europeus para lavoura, havia um interesse político na
mão de obra estrangeira. O estado de São Paulo adotou política de subsídios,
custeando as passagens transatlânticas, hospedagem e a inserção dessas pessoas
em fazendas de café. Segundo Hall (1979) à migração em massa para o Brasil é
fruto do fim da escravidão, pois tal, deslocamento ocorreu para substituir a mão de
obra dos escravos nas lavouras de café paulistas. Os migrantes tiveram importância
para o crescimento populacional, ampliação do mercado de trabalho rural e urbano,
urbanização e a industrialização da América Latina.

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A política pública de subsídio adotada representa a ligação entre as politicas,


porque demonstra que as decisões externas são derivadas de problemas no âmbito
domestico, a necessidade por mão de obra culminou na política de subsidio, uma
politica pública, que refletiu em uma politica de migração mais flexível, para
captação de pessoas para trabalho nas lavouras.
Esse fato é explicável porque entre todas as Províncias foi a de São Paulo a
que, no regime imperial, a fim de fazer face à crise do trabalho agrícola
provocada pela emancipação progressiva dos escravos, resolveu seguir a
experiência realizada pelo Governo Central organizando, com clarividência,
os serviços de imigração e promovendo, com os seus próprios recursos, a
introdução de imigrantes. Essa política de larga visão deu resultados
extraordinariamente compensadores, pois evitou que o Estado sofresse
prejuízos com a emancipação total do escravo em 1888 e, depois,
concorreu para o seu desenvolvimento vertiginoso na República, quando
aumentou o fomento à imigração invertendo, para esse fim, verbas
consideráveis (VASCONCELLOS, 1941, p. 05).

Subsidiar a migração de europeus para o Brasil, não se restringiu ao período


pós-escravatura, o país teve momentos de grande recepção e baixa de fluxos
migratórios, conforme os interesses econômicos do país (BALÁN,1973,p.50).
Em seu primeiro governo, Getúlio Vargas (1937–1945) buscou uma politica que
pudesse vencer o “vazio” territorial em regiões interioranas. Estabeleceu dessa
forma a política denominada de “Marcha para o Oeste” que tinha premissas
expansionistas, com intuito de gerar desenvolvimento ocupando terras
aparentemente desocupadas.
A Marcha para o Oeste retomava nossas antigas tradições coloniais e
valorizava principalmente a figura do bandeirante, considerado o grande
herói nacional, já que fora ele o responsável pela efetiva conquista do
território nacional. Com tal iniciativa, segundo o discurso de Vargas, o Brasil
estaria reatando a campanha dos construtores da nacionalidade, ou seja, os
antigos sertanistas (OLIVEIRA, SEM DATA).
Entretanto de acordo com Oliveira (SEM DATA) durante os anos 40 os
poderes públicos enfrentaram uma intervenção em suas atividades, pois
interventores assumiram esses poderes e estabeleceram projetos adversos do que
estava em andamento. Sendo assim, a política para povoamento e desenvolvimento
só pode ser retomada no governo de Juscelino Kubitschek, o qual investiu em
políticas de transporte e comunicação, além da construção de Brasília, transferindo
o poder do Estado para a região Centro-oeste.
A construção de Brasília pode ser entendida como uma nova “Marcha para
o Oeste”, já que deslocou populações (os chamados “candangos”,
principalmente migrantes nordestinos) para os sertões e possibilitou que os
equipamentos da vida urbana chegassem a uma região que os
desconhecia. Mais que isso, levou o poder central para o interior e serviu

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337

para iniciar um processo de deslocamento da modernização brasileira do


Centro-Sul para o Centro-Oeste (OLIVEIRA, SEM DATA).
Com o governo de JK, ocorreu o aprofundamento da proposta da Marcha
para o Oeste brasileiro, pois enfatizava a integração das regiões por meio da
infraestrutura, bem como, a construção de Brasília consagrou a ocupação do
Centro-Oeste, marcou um intenso deslocamento de pessoas para a região (DINIZ,
2015, p. 44).
As transformações ocorridas no Centro-Oeste se estenderam ao Estado de
Mato Grosso. Entre os anos de 1940 e 1960 o estado experimento de diferentes
correntes migratórias, como a interna, internacional e a sazonal. Vimos no percorrer
desse artigo, que Juscelino Kubitschek adotou uma política externa de
multilateralidade, estabeleceu novas parcerias, a ponto de se tornar menos
dependente da relação Brasil — EUA. Com estabelecimento de novos parceiros, a
América Latina ganhou atenção, pois o Brasil se aproximou dos países vizinhos, e
em meio a isso, a Bolívia teve sua participação.
Corumbá, que é nosso local de análise se alimenta de fluxos migratórios
durante esse governo, isto porque, a construção da Estrada Corumbá/Santa Cruz de
La Sierra enfim termina na década de 70, e a maioria dos trabalhadores que haviam
se destino a trabalhar na obra, seja estrangeiro ou brasileiro, optam por estabelecer
residência na cidade de Corumbá (DINIZ, 2015, p. 45).
A construção da Estrada de Ferro Corumbá — Santa Cruz de La Sierra é o
grande marco entre política pública com a política externa e a relação dessas
politicas com a migração internacional para Corumbá.
O período de 1930 a 1960 Brasil e Bolívia se aproxima devido à construção da
ferrovia Corumbá — Santa Cruz de La Sierra, ferrovia que interligava os países, bem
como, a retomada nas discussões sobre as clausulas do tratado de aquisição de
Petróleo boliviano, essas questões nos sugere analisar o comportamento de
aproximação do Brasil a Bolívia pautada na busca do desenvolvimento econômico. A
política externa brasileira no período mencionado vivia uma fase de busca
incessante do desenvolvimento econômico do seu território, e para isso, passou a
buscar ações, protocolos, convênios, acordos e outros (DINIZ, 2015, p.111).
Aproximação do Brasil a Bolívia tinha como intenção a aquisição de recurso
energético do vizinho, recurso necessário para alavancar as indústrias pesadas, a
propriedade sobre o próprio petróleo, além do comércio de manufatura nacional

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(DINIZ, 2015, p.121). O Brasil tinha a estratégia de se tornar menos dependente da


Europa e dos EUA, por isso adota a política multilateral.
A construção da Estrada de ferro Corumbá — Santa Cruz de La Sierra surge
como uma forma de compensar a Bolívia pelo não comprimento da construção da
ferrovia Madeira-Marmoré (1907- 1972), a qual por dificuldades técnicas não se
viabilizou, sendo desativada em 1972. Segundo Conduru (2001, p.5) o Brasil havia
comprado o Acre da Bolívia por meio do Tratado de Petrópolis em 1903, e em
contrapartida havia se comprometido a construir a ferrovia que desse acesso à
Bolívia ao mar, logo que este havia perdido o acesso para o Chile, entretanto a
construção desta ferrovia custaria para a Bolívia à venda de petróleo ao Brasil a
custo mínimo, para “compensar” os gastos gerados por essa construção.
As obras na construção da ferrovia atraíram grande quantidade de
trabalhadores, ao mesmo tempo em que, abriu oportunidades de negócios, desta
forma, tanto os brasileiros de regiões como do Nordeste e Norte se destinaram a
região pantaneira, também ocorreu a migração de estrangeiros que se encontravam
no litoral do Brasil, como sírios e libaneses, bem como a migração de latinos, como
bolivianos, argentinos e peruanos. A classe ferroviária tornou-se expressiva em
Corumbá, permitindo a dinamização da região (DINIZ, 2015, p.305).
A política pública de fortalecimento da fronteira acabou-se que por entrelaçar
aos interesses externos do Brasil, pois a necessidade de estender o poder sobre as
regiões interioranas, até então pouco povoadas, provocou o desejo de construção
de meios de comunicação e transporte, e Corumbá era uma dessas regiões. Havia
motivos suficientes para a execução da obra, primeiro a carência de parceiro
econômico, segundo superar o atraso e a pobreza do país, e terceiro cumprir acordo
com a Bolívia, e assim fortalecer laços de parcerias.
Embora o objetivo fosse desenvolvimento, algo mais despertou durante esses
processos, a migração interna e internacional para a cidade de Corumbá,
ocasionadas pelas oportunidades de trabalho na construção da estrada de ferro, que
por mais que tenha iniciado sua obra ainda no governo de Vargas, só teve
efetivação no governo de JK, devido à ênfase na integração das regiões.

Fluxos migratórios para Corumbá


A Estrada de ferro Corumbá — Santa Cruz de La Sierra é essencial para
explicação do porque ocorreu o fluxo migratório para Corumbá, todavia é importante

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deixar claro que a cidade de Corumbá já havia experimentado em outros momentos


da história a corrente migratória para seu interior.
Conforme Souza (2009, p.1095) explica que inicialmente Corumbá surgiu
como um povoado pequeno em 21 de setembro de 1778, denominado vilarejo
Arraial de Nossa Senhora de Conceição de Albuquerque, sob a administração de
Luiz de Albuquerque Pereira e Cáceres, que seguia as instruções da coroa
portuguesa, o objetivo do povoado era de proteção e povoamento da fronteira oeste
da Colônia, sendo uma forma de atrair colonos que pudessem povoar a região, ao
mesmo tempo proteger o território. Em 1856 ocorreu a abertura da navegação no
Rio Paraguaio, e trouxe o primeiro comerciante da futura cidade, o Manoel Cavassa,
mais tarde na metade do século XIX, outros comerciantes chegaram à terra
pantaneira, estabelecendo assim vários comércios na região.
Através da abertura da navegação pelo Rio Paraguai pode entrar produto
advindo da Alemanha, França, Inglaterra, Bélgica, Áustria, Itália e Portugal. Produtos
como alimentos, chapa de aço, ferragens, maquinarias, louças, moveis e armas.
Mas não só produtos chegaram a Corumbá, como também colonos de diversas
nacionalidades, sendo os primeiros imigrantes a se instalar na região. Em 1869 o
governo imperial passou a isentar os comerciantes dos produtos importados e
exportados no porto, isso se tornou um chamariz para novos comerciantes se
instalar em zona portuária, sendo assim, em 1872 o comércio cresceu muito, e o
governo decidiu por reinstalar Alfândega para armazenar produtos e arrecadar
impostos de importação e exportação. Corumbá passou a ser o centro do comércio
internacional, o centro urbano mais povoado, por possuir uma população marcada
pela diversidade de nacionalidade, e por prestar serviços a abastecimento para as
populações moradoras da região pantaneira, as quais se concentravam em regiões
de difícil acesso (SOUZA, 2009, p.1096).
Essa breve contextualização do surgimento da cidade de Corumbá e
respectivamente a chegada dos primeiros imigrantes a região, é com intuito de
comprovação de como a cidade já havia experimentado por fluxos migratórios
anteriores aos dos ocorridos no governo JK. Esse primeiro fluxo deixou raízes que
cresceram ao longo dos anos.
Nos anos 50 o IBGE apresentou os seguintes dados sobre a presença de
imigrante no Mato Grosso: 645 portugueses, 1150 japoneses, 405 italianos e 227
espanhóis, ainda registros de 91 indivíduos turcos, entretanto, a pesquisa se

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340

concentrava em investigar as migrações transoceânicas, deixando de lado a


migração mais importante que se estendeu para o Mato Grosso, a migração latina,
os nossos vizinhos fronteiriços (PERES, 2012, p.60).
Os bolivianos representam grande parte da população corumbaense, o
contato pela fronteira aberta permitiu a mescla na identidade da região.
A importância do migrante na construção de cidades é um assunto indiscutível,
foram os migrantes que injetaram dinamismo ao local, carregaram a prosperidade do
trabalho, cheios de marcas da difícil jornada de migrar (CORRÊA & CORRÊA,
1997).
Sem dúvidas, a relação que se estabeleceu entre o Brasil e Bolívia foram
significativas para a migração de bolivianos para Corumbá, ou para habitação do
espaço fronteiriço. De acordo com Diniz (2015, p. 20) antes da construção da
estrada a população boliviana se concentrava na região Andina, como La Paz, Oruro
e Potosi, com o andamento da construção ocorreu à reorganização populacional,
milhares de bolivianos, assim como, brasileiros passaram a habitar a zona de
fronteiriça da Bolívia, hoje conhecida como Puerto Quijarro, fundada em 1940.
Com o surgimento da cidade foi estabelecido um movimento de pessoas e
mercadorias constantes. Corumbá e Puerto Quijarro ganharam visibilidade.
Os bolivianos correspondem o maior número que migraram para Corumbá devido à
construção da Estrada de Ferro. Por outro lado, houve migrações que ocorreram no
mesmo período, só que eram motivadas por questões diferentes. Por exemplo, os
Sírios e os Libaneses, impulsionados pelas redes transnacionais (SOUZA, 2009,
p.1094).
Os paraguaios também tiveram grande presença, de acordo com Mondardo
(2003), os paraguaios temiam o regime de Alfredo Stroessner que passaram a
migrar para os países vizinhos, o temor era grande aponto dos indivíduos se passar
por indígenas para se protegerem de perseguições do governo. Não só o clima de
insegurança motivou os paraguaios migrarem, todavia, a Estrada de Ferro também
empregou paraguaios, assim como, muitos imigrantes da América do Sul
(MONDARDO, 2003).

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FIGURA 1 – Distribuição da população estrangeria em Corumbá – MS: 1940-


1970

De acordo como o quadro a população estrangeira na cidade de Corumbá até


os anos 70 teve pouco crescimento, mas o número demonstrado não representa a
verdadeira proporção de migrantes que cruzaram a fronteira nesse período,
acreditamos que o quadro deva se referir aos migrantes regularizados no país, até
porque seria difícil fazer um levantamento populacional exato, quando muitos estão
no país de forma irregular.
Na perspectiva de compreensão da região fronteiriça, podemos perceber que
a migração internacional que se estendeu para Corumbá, foi fortemente motivada no
XX pela política pública de desenvolvimento de Juscelino, que concomitantemente
estava ligada a política externa de multilateralismo, foi em grande maioria a
migração de origem boliviana, que além de dinamizar a região, também provocou
um rearranjo populacional na fronteira entre os países. Outras nacionalidades
também se destinaram a região, contudo marcadas por questões políticas ou sociais
próprias de seus países de origem.

Considerações finais
Através desta analise verificamos que inferência que a política pública gerou
sobre a política externa no governo de Juscelino Kubitschek foi o desejo pelo
desenvolvimento do país, o povoamento das regiões fronteiriças, a independência
de importações, problemas internos, que o Brasil queria resolver, e, encontrou

Corumbá/MS, Brasil. 7 a 9 de outubro de 2019. ISSN . 2178-2245


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apoio na política externa, a qual se posicionou multilateral, com maior atenção a


América do Sul no período estudo.
A política externa adotada resultou em parcerias entre o Brasil e a Bolívia,
resultando em uma relação mais próxima entre os países, bem como, o seguimento
na construção da Estrada de Ferro Corumbá — Santa Cruz de La Sierra, que
permitiu a interligação entre diferentes países por uma via de transporte. A Bolívia
experimentou um rearranjo populacional, e o Brasil aproveitou desse projeto para
consagrar o Tratado de Petróleo iniciado em 1938, rediscutido nos anos 50, sendo
naquele período, tornou-se propício o acesso ao petróleo boliviano, fonte necessária
para desenvolver suas indústrias.
A ligação do Governo de Juscelino Kubitschek (1956 – 1961) com os países
da América do Sul, teve com a migração internacional que se estendeu para cidade
de Corumbá, avanços representativos nas políticas públicas, o que proporcionou um
período de desenvolvimento comercial e humano relevante e que potencializou a
dinâmica das relações na região da fronteira. A política do governo não visava à
migração internacional, porém, a mesma se deu e produziu efeitos significativos
para a região fronteiriça, sobretudo para a Bolívia, que por intermédio dos efeitos da
Estrada de ferro Corumbá – Santa Cruz de La Sierra, contribuiu para criação da
cidade de Puerto Quijarro, que pelas questões comerciais e de desenvolvimento,
tornou-se parceira da cidade de Corumbá.

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345

PRESENÇAS DE MIGRANTES INTERNACIONAIS NA EDUCAÇÃO E NA


ASSISTÊNCIA SOCIAL EM FRONTEIRA
Presence of International Migrants in Education and Social Assistance in Border
Presencia de Migrantes Internacionales en Educación y Asistencia Social en
Frontera

Marco Aurélio Machado de Oliveira1


Renata Miceno Papa de Almeida2
Mabel Marinho Sahib Aguilar3

Resumo: Este artigo tem como objetivo demonstrar a presença de migrantes


internacionais na rede municipal de educação e assistência social em Corumbá, MS,
Brasil. Nossos estudos foram balizados por conceitos de fronteira que dessem conta
de entender como as esferas administrativas em questão têm que lidar com esse
público e suas especificidades. Para tanto, as etapas metodológicas adotadas
foram: ampla revisão bibliográfica, coleta e sistematização de dados nos órgãos
investigados e realização de abordagens junto aos seus funcionários. Os resultados
foram: demonstração de variadas nacionalidades e conflitos de opiniões a respeito
da presença desses grupos sociais.
Palavras-chave: Fronteira; Migrações Internacionais; Educação; Assistência Social;
Política.

Abstract: This article aims to demonstrate the presence of international migrants in


municipal school system and social assistance in Corumbá, MS, Brazil. Our studies
were marked by boundary concepts that could understand how the administrative
spheres in question have to deal with this public and its specificities. To this end, the
methodological steps adopted were: extensive bibliographic review, data collection
and systematization in the investigated bodies and realization of approaches with
their employees. The results were: demonstration of various nationalities and
conflicts of opinion about the presence of these social groups.
Key words: Border; International migrations; Education; Social assistance; Politics.

Resumen: Este artículo tiene como objetivo demostrar la presencia de migrantes


internacionales en red municipal de educación y asistencia social en Corumbá, MS,
Brasil. Nuestros estudios estuvieron marcados por conceptos de límites que podían
comprender cómo las esferas administrativas en cuestión tienen que lidiar con este
público y sus especificidades. Para este fin, los pasos metodológicos adoptados
fueron: revisión bibliográfica extensa, recolección de datos y sistematización en los

1
Docente na Graduação e no Programa de Pós-Graduação Mestrado em Estudos Fronteiriços
CPAN/UFMS. Doutor em História Social, E-mail: marco.cpan@gmail.com
2
Assistente Social na Secretaria Municipal de Assistência Social em Corumbá, MS/Brasil. Mestranda
em Estudos Fronteiriços CPAN/UFMS, E-mail: renatamiceno@bol.com.br
3
Professora e Gestora na Secretaria Municipal de Ensino em Corumbá, MS/Brasil. Mestranda em
Estudos Fronteiriços CPAN/UFMS, E-mail belaguilar_90@hotmail.com

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346

organismos investigados y realización de enfoques con sus empleados. Los


resultados fueron: demostración de diversas nacionalidades y conflictos de opinión
sobre la presencia de estos grupos sociales.
Palabras Clave: Frontera; Migraciones internacionales; Educación; Asistencia
social; Política.

* Trabalho completo selecionado para publicação na Revista Para Onde? (UFRGS),


no número referente ao primeiro semestre de 2020.
https://seer.ufrgs.br/paraonde

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UM HISTÓRICO DA POLÍTICA MIGRATÓRIA BRASILEIRA A PARTIR DE SEUS


MARCOS LEGAIS (1808-2019)
A History of Brazilian Migration Policy from its Legal Landmarks (1808-2019)
Historia de la Política de Migración Brasileña con Base en sus Marcos Legales
(1808-2019)

Luiz Rosado Costa


José Eduardo Melo de Souza
Lívia Cristina dos Anjos Barros

Resumo: O Brasil careceu em sua história de marcos legais sobre migrações


elaborados na vigência de regimes democráticos: as redemocratizações ocorridas
com o fim do Estado Novo e da Ditadura Militar e as respectivas constituições, de
1946 e 1988, não romperam de imediato com as políticas migratórias restritivas dos
regimes autoritários que as antecederam. Assim, este trabalho descritivo e
exploratório, por meio dos métodos de pesquisa bibliográfica e documental, visa a
analisar os principais marcos legais que regularam as políticas migratórias estatais
no Brasil de 1808 até o presente com a entrada em vigor da Lei 13.445/2017, a
Nova Lei de Migração que, sob uma inédita perspectiva humanizante, passou a
tratar das migrações como um fenômeno globalmente integrado e no qual o Brasil
se insere como país de trânsito, saída e destino.
Palavras-chave: Política migratória, Legislação migratória, Direitos Humanos.

Abstract: Brazil lacked in its history of legal landmarks on migrations elaborated


under democratic regimes: the redemocratizations that occured with the end of the
Estado Novo and the Military Dictatorship and the respective constitutions of 1946
and 1988 did not immediately break up with restrictive migratory policies of the
authoritarian regimes that preceded them. Thus, this descriptive and exploratory
research, through bibliographical and documentary methods, aims to analyze the
main legal landamrks that governed state migration policies in Brazil from 1808 to the
present with the entry into force of Law 13,445 / 2017, New Migration Law that, from
an unprecedented humanizing perspective, began to treat migrations as a globally
integrated phenomenon in which Brazil participates as a transit, exit and destination
state.
Key words: Migration Policy, Immigration legislation, Human rights.


Mestre em Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. E-mail:
luizrosadocosta@gmail.com

Graduando em Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. E-mail:
duroo2008@hotmail.com

Graduada em Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. E-mail:
liviaanjos13@gmail.com

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Resumen: Brasil carecía en su historia de marcos legales sobre migraciones


elaboradas en la vigencia de regímenes democráticos: las redemocratizaciones
ocurridas con el fin del Estado Nuevo y de la Dictadura Militar y las respectivas
constituciones, de 1946 y 1988, no rompieron de inmediato con las políticas
migratorias restrictivas de los regímenes autoritarios que las precedieron. Así, este
trabajo descriptivo y exploratorio, por medio de los métodos de investigación
bibliográfica y documental, busca analizar los principales marcos legales que
regularon las políticas migratorias estatales en Brasil de 1808 hasta el presente con
la entrada en vigor de la Ley 13.445 / 2017, la Nueva Ley de Migración que, bajo una
inédita perspectiva humanizante, pasó a tratar de las migraciones como un
fenómeno globalmente integrado y en el que Brasil se inserta como país de tránsito,
salida y destino.
Palabras clave: Política migratoria, Legislación migratoria, Derechos humanos.

* Trabalho completo selecionado para publicação na Revista GeoPantanal, v. 14, n.


27, 2019.
https://periodicos.ufms.br/index.php/revgeo

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AS TRAMAS DO CAPITALISMO ENTRELAÇANDO AS RELAÇÕES


FRONTEIRIÇAS
The Plots of Capitalism Intertwining Border Relations
Las Tramas del Capitalismo Entrelazan las Relaciones Fronterizas

Kamila Madureira da Silva*


Matheus Martins de Araujo Irabi**
Alexandre Bergamin Vieira***

Resumo: O presente texto discute as reflexões obtidas no Trabalho de Campo em


um acampamento de luta pela terra localizado na Linha Internacional Brasil-
Paraguai, no município de Mundo Novo. Nossas observações partiram de uma
metodologia de Campo que buscou diálogo direto com os moradores, buscando
compreender a lutas pessoais e coletivas, suas trajetórias/histórias de vida e o seu
cotidiano, além das dificuldades enfrentadas nesse território. Durante a pesquisa
constatamos uma divisão interna entre as cerca de 60 famílias, relacionadas,
principalmente às nacionalidades: brasileira, paraguaia e “brasiguaios”. A
instrumentalização da pesquisa através do Trabalho de Campo nos possibilitou a
percepção de um espaço complexo, disputado por diferentes forças da sociedade e
que tem enfrentado problemáticas internas e externas, para buscar sua resiliência e
adquirir a posse de seu lote. Por fim, o campo nos propiciou entender os processos
de desigualdade e exclusão enfrentados no acampamento, criando alteridade entre
as famílias.
Palavras-chave: Fronteira, território, capitalismo, identidade, desigualdade

Abstract: This paper discuss the reflections obtained from the fieldwork a land
struggle camp located on the Brazil-Paraguay International Line, in the county of
Mundo Novo. Our observations came from a field methodology that sought a direct
dialogue with the residents, seeking to understand the personal and collective
struggles, their trajectories/life histories and their daily life, besides the difficulties this
territory. During the research we found an internal division bettyeen about 60
families, mainly related to nationalities: brazilian, paraguayan and “brasiguaios”. The
instrumentalization of this research through Fieldwork has enabled us to perceive a
complex space, disputed by different forces of society and facing internal and
external problems, to seek their resilience and acquire ownership of your lot. Finally,
the fieldwork allowed us to understand the processes of inequality and exclusion in
the camp itself, creating alterity between families.
Key words: Border, territory, capitalism, identity, inequality.

Resumen: Este artículo discute las reflexiones obtenidas del trabajo de campo en
un campamento de lucha por la tierra ubicado en la Línea Internacional Brasil-
*Graduação em Geografia – Universidade Federal da Grande Dourados.Acadêmica de Mestrado em Geografia -
Universidade Federal da Grande Dourados.E-mail: kamila_agro@hotmail.com
**Graduação em Geografia – Universidade Federal da Grande Dourados.Acadêmico de Mestrado em Geografia -
Universidade Federal da Grande Dourados.E-mail: matheusmirabi@gmail.com
***Doutorado em Geografia pela UNESP – Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho.
E-mail: alexandrevieira@ufgd.edu.br

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350

Paraguay, en el municipio de Mundo Novo. Nuestras observaciones provienen de


una metodología de campo que buscaba un diálogo directo con los residentes,
buscando comprender las luchas personales y colectivas, sus trayectorias / historias
de vida y su vida diaria, además de las dificultades que enfrentadas en este
territorio. Durante la investigación encontramos una división interna entre las 60
familias, principalmente relacionadas a las nacionalidades: brasileña, paraguaya y
"brasiguaios". La instrumentalización de esta investigación a través del trabajo de
campo nos ha permitido percibir un espacio complejo, disputado por diferentes
fuerzas de la sociedad y enfrentando problemas internos y externos, para buscar su
capacidad de recuperación y adquirir la propiedad de su porción de tierra urbana.
Finalmente, el trabajo de campo nos permitió comprender los procesos de
desigualdad y exclusión enfrentados en el campamento, creando alteridad entre las
familias.
Palabras clave: frontera, territorio, capitalismo, identidad, desigualdad.

* Trabalho completo selecionado para publicação na Revista Para Onde? (UFRGS),


no número referente ao primeiro semestre de 2020.
https://seer.ufrgs.br/paraonde

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BRASIL E PARAGUAI: OLHARES SOBRE OS SUJEITOS E SITUAÇÕES DE


FRONTEIRA
Brazil and Paraguay: looking at border subjects and situations
Brasil y Paraguay: mirando los sujetos y situaciones fronterizas

Midiane Scarabeli Alves Coelho da Silva


Mirella Lacerda Teixeira de Souza

Resumo: Os estudos fronteiriços nos possibilitam compreender que há fronteiras


com maior fluidez, outras foram extintas historicamente e mais algumas se
posicionam como áreas de guerras, por exemplo. Neste sentido, o intuito deste
trabalho é fazer uma análise diante das observações realizadas sobre a situação
dos indígenas Guarani Kaiowá em Dourados-MS, como também a respeito da
fronteira entre Brasil e Paraguai enquanto áreas de contato que desempenham os
sujeitos e situações de fronteira. Sendo assim, o percurso metodológico adotado foi
o método qualitativo, sendo produzido o levantamento do referencial teórico sobre o
tema; descrição das observações de campo e alusão aos registros das conversas
informais dos sujeitos fronteiriços. Deste modo, salienta-se que embora existam
políticas de governos que tentam delimitar, marcar, separar e/ou inibir questões de
terras e fronteiras, é notável as complexidades presentes nestes emaranhados e
entrelaços de sujeitos e situações de fronteira.
Palavras-Chave: Fronteira; Guarani Kaiowá; Brasil; Paraguai; Sujeitos.

Resume: Border studies allow us to understand that there are borders with greater
fluidity, others have been historically extinct and some are positioned as areas of
war, for example. In this sense, the aim of this paper is to analyze the observations
made about the situation of Guarani Kaiowá Indians in Dourados-MS, as well as
about the border between Brazil and Paraguay as contact areas that play the
subjects and border situations. Thus, the methodological approach adopted was the
qualitative method, producing a survey of the theoretical framework on the subject;
description of the field observations and allusion to the informal conversation records
of the border subjects. Thus, it should be noted that although there are government
policies that attempt to delimit, mark, separate and / or inhibit land and border issues,
the complexities present in these entanglements and intertwining of subjects and
border situations are remarkable.
Key-words: Border; Guarani Kaiowá; Brazil; Paraguay; Subjects.

Resúmen: Los estudios fronterizos nos permiten comprender que existen fronteras
con mayor fluidez, otras se han extinguido históricamente y algunas están
posicionadas como zonas de guerra, por ejemplo. En este sentido, el objetivo de
este trabajo es analizar las observaciones realizadas sobre la situación de los indios
guaraníes kaiowá en Dourados-MS, así como sobre la frontera entre Brasil y


Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal da Grande
Dourados (UFGD). Bolsista CAPES. E-mail: midiane.scarabeli@yahoo.com.br

Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal da Grande
Dourados (UFGD). E-mail: mirellalacerda@gmail.com

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352

Paraguay como áreas de contacto que juegan los temas y las situaciones
fronterizas. Así, el enfoque metodológico adoptado fue el método cualitativo,
produciendo una encuesta del marco teórico sobre el tema; Descripción de las
observaciones de campo y alusión a los registros informales de conversación de los
sujetos fronterizos. Por lo tanto, debe tenerse en cuenta que, aunque existen
políticas gubernamentales que intentan delimitar, marcar, separar y / o inhibir los
problemas de tierras y fronteras, las complejidades presentes en estos enredos y
entrelazamientos de sujetos y situaciones fronterizas son notables.
Palabras clave: Frontera; Guarani kaiowá; Brasil; Paraguay; Asignaturas.

Introdução
O conceito de fronteira, assim como outras abordagens de estudos, perpassa
por constantes reformulações e interpretações ao longo da história do pensamento
geográfico e de outras ciências. Sendo assim, pode-se dizer que o entendimento
sobre fronteira está relacionado aos aspectos socioespaciais, sociopolíticos,
socioculturais, socioeconômicos, socioambientais, entre outras ligações.
Neste sentido, as fronteiras são importante objeto de estudo principalmente
no que se refere às intensas trocas, movimentos e comunicações entre os sujeitos
que habitam nas proximidades das linhas de fronteira. Deste modo, mesmo que
houver políticas de governos que tentem delimitar, marcar, separar ou/e inibir
questões de terras e fronteiras, é notável a fluidez, complexidades e variáveis que
são características presentes dessas situações de fronteira.
Sendo assim, algumas fronteiras se apresentam com maior fluidez, outras
foram extintas historicamente e mais algumas se posicionaram como áreas de
guerras, por exemplo. Assim, temos uma diversidade de fronteiras e que
representam características distintas, instáveis e cambiantes.
Na América, por exemplo, a fronteira mais emblemática pode-se dizer que é
entre os Estados Unidos da América e o México. Destarte, diante das diferenças
econômicas existentes entre ambos os países, é muito comum que os mexicanos
tenham interesse em atravessar a fronteira de maneira muito arriscada, já que a
travessia de imigração envolve questões governamentais burocráticas e limitadoras.
Embora apresente outras características, o muro da Cisjordânia em
construção por Israel, também representa uma barreira física para evitar a travessia
de pessoas. Neste sentido, afirma-se que do lado palestino a fronteira nada mais é
que a forma como as autoridades israelenses tornaram concretas a dominação de
poder e de apreender seus territórios, além de manter segregadas as raças.

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As fronteiras citadas anteriormente foram trazidas para ilustrar as diferenças


de interesses existentes entre as áreas limites de algumas nações do mundo. No
entanto, o intuito deste trabalho é fazer uma análise diante das observações
realizadas sobre a fronteira entre Brasil e Paraguai, enquanto áreas de contato que
desempenham funções importantes para o comércio e outras atividades humanas. É
valido salientar que a globalização teve fundamental importância, o que é notável
principalmente a respeito da multiculturalidade presente nesses limites territoriais.
Portanto, busca-se denotar as peculiaridades que aproximam essas áreas de
contato e que transcendem os limites físicos delimitados em mapas. Sendo assim, o
trabalho foi escrito de acordo com a ordem cronológica dos locais visitados, sendo
no município de Dourados que foi realizada uma visita na terra de retomada dos
índios Guarani e Kaiowá. Além disso, percorremos em Ponta Porã – BR e Pedro
Juan - PY; Mundo Novo - BR e Salto del Guairá - PY e Foz do Iguaçu - BR e Cidade
de Este - PY.
Com isso, as situações de fronteiras muitas vezes se fazem presentes ao
observarmos a separação de grupos étnicos, as dificuldades e sua capacidade de
existir e resistir como área de territórios, disputas, identidades, cooperações,
integrações, conflitos e entre outros exemplos de situações de fronteira. Assim,
pode-se perceber que a fronteira não corresponde apenas ao limite determinado
entre dois países, mas que extrapola em perspectivas dos sujeitos, de terras e
fronteiras.

Metodologia
O percurso metodológico utilizado neste trabalho foi o método qualitativo de
análise, sendo utilizado as seguintes estratégias de investigação: levantamento e
análise do referencial teórico sobre o tema; descrição das observações, anotações
dos trabalhos de campo e alusão aos registros das conversas informais que
realizamos com os sujeitos fronteiriços.
Como este trabalho seguirá a ordem cronológica dos trabalhos de campo
realizados, ressalta-se que entre os dias vinte e três e vinte e seis de outubro de
dois mil e dezoito, na Faculdade Intercultural Indígena – FAIND da Universidade
federal da Grande Dourados – UFGD, aconteceram aulas teóricas com o professor
Jones Dari Goettert da UFGD e as professoras Maristela Ferrari da UNIOESTE e
Anne-Laure Amilhat-Szary da Université Grenoble-Alpes (França). Assim, no dia

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vinte e três foi realizado um trabalho de campo na reserva índigena de Dourados e


acampamentos de retomada.
No dia vinte e cinco de outubro sucedeu o trabalho de campo na fronteira
Ponta Porã (Brasil) e Pedro Juan Caballero (Paraguai) e, por fim, entre os dias vinte
e nove de outubro e dois de novembro aconteceu o percurso em espaços de
fronteira entre Brasil e Paraguai (Salto del Guairá, Ciudad del Este e Foz do Iguaçu),
destacando a importância da observação das vivências das situações e sujeitos
fronteiriços. Para tanto, foi importante realizar registros fotográficos que contemplam
o(s) modo(s) de viver entre fronteiras.

Situações de fronteira entre Brasil e Paraguai


O município de Dourados pertencente ao estado do Mato Grosso do Sul foi
criado em 1935 e a maior parte da população era composta por índios das etnias
Guarani e Kaiowá. Por interesses do governo, deu-se início a um novo projeto
brasileiro que tinha o objetivo de “povoar” as áreas vazias do município,
desconsiderando os primeiros habitantes do local. Assim, essa política nomeada de
“Marcha para o oeste” distribuiu lotes de terras para as pessoas que tinham
interesse em produzir nas terras.
Atualmente o agronegócio exerce enorme poder no município, sendo uma
das atividades mais rentáveis. No entanto, a população indígena local sofre com a
exclusão das terras e com a diferentes formas de violência do estado e por parte da
população que é discriminatória.
A Reserva Indígena de Dourados foi criada em 1917 e foi direcionada
para a etnia Kaiowá que já habitava a região. As etnias indígenas antes do período
colonial se faziam presentes nas proximidades da fronteira com o Paraguai, mas a
exploração da Erva-Mate foi tornando o movimento migratório mais constante em
direção ao centro do país. Então, à medida que a população indígena cresce, a área
em que habitam é cada vez mais reduzida.
Por isso, uma das grandes preocupações que notamos durante as
conversas com os indígenas é que em suas terras não é possível produzir por causa
da pouca extensão, visto que o “terreno do outro é bem próximo”. Assim sendo, o
sentimento de pertencimento à terra também é um fator muito presente nas falas
dos indígenas, seja porque cresceu vivendo ali ou até mesmo porque foi local de
enterro de um ente querido. Desse modo, a terra para os indígenas tem um outro

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sentido em comparação aos grandes proprietários de extensões de terras que estão


envolvidos com o agronegócio.

Fotografia 1 - Registro do diálogo com os indígenas Guarani Kaiowá

Fonte: Trabalho de campo, 2018 (Por Midiane Scarabeli).

Fotografia 2 - Índios Guarani Kaiowá

Fonte: Trabalho de campo, 2018 (Por Midiane Scarabeli).

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Neste sentido, após conversas com os indígenas foi possível perceber que
para eles a terra satisfaz as necessidades da coletividade, por isso em seus diálogos
não há menção que seja favorável a privatização das terras.
Em relação ao município brasileiro de Ponta Porã, a localização é no
sudoeste do estado do Mato Grosso do Sul. O seu surgimento está ligado à
exploração da Erva-Mate e as paradas que os carreteiros faziam em Ponta Porã
para posteriormente prosseguir com os itinerários pela estrada. Neste sentido, por
volta do ano de 1891, o empresário Tomás Laranjeira foi responsável por explorar a
erva na região e exportá-la principalmente para a Argentinai.
Anteriormente à Guerra da Tríplice Aliança, os índios das etnias Kaiowá e
Nhandeva habitavam a área que hoje corresponde o município de Ponta Porã e ao
sul do estado. Após o final da guerra o município de Ponta Porã passou a pertencer
ao Brasil posterior às diversas reivindicações por disputas territoriais.
Ponta Porã faz limite a leste com os municípios de Dourados e Maracaju, a
sul com Aral Moreira e Laguna Carapã; a norte com Antônio João, Jardim, Bela Vista
e Guia Lopes da Laguna e a oeste com Pedro Juan Caballero (Paraguai). O
município se emancipou de Nioaque através do Decreto N° 617, do dia 18 de julho
de 1912. A população é estimada em aproximadamente 90.000 habitantes
(IBGE,2010) e a economia é baseada principalmente em atividades agropecuárias,
exploração da madeira, comércio e outros serviços. ii

Fotografia 3 - Comércio de Pedro Juan Caballero - Paraguai

Fonte: Trabalho de campo, 2018 (Por Midiane Scarabeli).

A fronteira de Ponta Porã e a cidade paraguaia de Pedro Juan Caballero são


muito visitadas em virtude dos diferentes produtos comercializados e do variável
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preço para aquisição das mercadorias. Dessa forma, mesmo em pouco tempo de
observação foi possível notar que naquela fronteira o limite estabelecido para
delimitar as porções do estado-nação é apenas um detalhe.
Dessa maneira, pode-se perceber que o ir e o vir não impede que as pessoas
estabeleçam relações de trocas, que os fluxos de mercadoria, capital e transportes
sejam constantes e aleatórios. Verifica-se que a língua de espanhol ou português é
compreensível em ambos locais, até porque em muitas lojas das duas cidades há
alto índice de pessoas que são nascidas em um país e trabalha no outro. Com
ressalvas à língua guarani, que mesmo com as proximidades territoriais, ainda
assim, é minimamente fluente entre os brasileiros, sendo mais comum entre os
povos da etnia guarani e pelos paraguaios.
Assim sendo, os moradores de ambos os países criam novas formas de
integração e nos leva a entender que estão inseridos em fronteiras vibrantes,
conforme afirma o autor:
Os habitantes desses espaços não se sentem constrangidos em criar
capilaridades nas suas trocas e relações, pelo fato de serem componentes
de nações distintas. Indiferentes a isso, interagem e constroem espaços
próprios comuns[...] São nessas áreas que se reforçam as identidades e se
produzem novos pertencimentos com mais força e propriedade. A
permeabilidade está profundamente enraizada movendo restrições,
formatando movimentos de pertencimento e práticas compartilhadas
(OLIVEIRA, 2015, p. 247-248).
Portanto, as situações de fronteiras seguem reinventando novas
oportunidades para ambos os lados e favorece uma dinâmica própria do local, o que
beneficia a população principalmente no que se refere às oportunidades de trabalho
e consumo de mercadorias de diferentes países. Neste sentido, a autora afirma que:
Observamos que em todas las fronteras contemporáneas formas y
funciones se diversificam a medida que se van dissociando. Como lugar de
control y de protección de la identidade nacional, por ejemplo, la frontera se
reviste de formas reticulares con nodos discretos, obedecendo a métricas
topológicas. Las líneas convencionales que delineaban los Estados se vem
reemplazados por objetos espacialies complejos. Ya no es posible decir que
algunas se cierran cuando otras se abren: em cada punto de uma frontera,
ocurren fenómenos concomitantes e contradictorios (SZARY, 2013, p. 11).
Sendo assim, pode-se afirmar que não há limites entre fronteiras desse tipo,
pois as pessoas não se intimidam ou até mesmo, em muitos casos, não percebem o
limite político estabelecido entre os países devido ao cotidiano misto e híbrido.
Com relação ao município brasileiro de Mundo Novo pertencente ao estado
do Mato Grosso do Sul e faz fronteira com uma cidade chamada Salto del Guairá
que pertence ao Paraguai, é válido informar que o trabalho de campo proporcionou
uma visita às famílias que estão assentadas no lado brasileiro da linha de fronteira.

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Neste sentido, o que mais impressionou pelas falas das famílias que pudemos
dialogar foi a expressão de medo com o novo governo federal, assim como pode-se
observar no relato da entrevistada: “Tenho medo do pior. Temo que esse novo
governo queira nos tirar dessa terra.”
Quando lhe foi perguntada porque temia o novo governo, ela afirmou que
durante a campanha do presidente eleito, ele discursou sobre destruir os direitos à
terra para as pessoas assentadas, como também afirmou em campanha que os
movimentos sociais promovidos pelos Sem Terra seriam extintos.

Fotografia 4 - Assentamento em Mundo Novo - MS

Fonte: Trabalho de campo, 2018 (Por Mirella Souza).

A outra fronteira a ser visitada na pesquisa de campo foi a de Foz do Iguaçu e


Ciudad del Este. Nesta perspectiva, Foz do Iguaçu é uma cidade brasileira também
localizada no sudoeste do estado do Paraná e sua população é estimada em mais
de 200.000 habitantes. O turismo é uma das principais fontes de renda do município
e, em virtude disso, o comércio e a prestação de serviços são impulsionados. Além
disso, sabe-se que a atração turística mais visitada do município são as Cataratas
de Foz do Iguaçu.
Estar na fronteira de Ciudad del Este e Foz do Iguaçu nos impulsionou a
observar as formas de economia do município, pois a cidade paraguaia é muito
conhecida pelo baixo preço dos produtos comercializados e, consequentemente,
muito frequentada por pessoas que compram produtos para consumo próprio, como
também para revenda.

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É interessante notar que todos os dias da semana a Ponte da Amizade é


atravessada por brasileiros que vendem a sua força de trabalho para as lojas no
comércio de Ciudad del Este e paraguaios que trabalham em Foz do Iguaçu. Além
disso, a ponte é rota de compras, de turismo, de trabalho e, com isso, é evidente o
congestionamento no tráfego de automóveis e outros veículos. (figura 3).

Fotografia 5 - Acesso à Ponte Internacional da Amizade por Foz do Iguaçu

Fonte: Trabalho de campo, 2018 (Por Mirella Souza).

Deste modo, a Ponte da Amizade representa a ligação entre os dois países,


sendo construída entre as décadas de 1950 e 1960 sobre o rio Paraná. Neste
sentido, pensamos que a ponte representa uma forma de ir e vir da população de
ambos os países e, assim, apresenta uma porosidade inquietante e fluida, conforme
o autor diz:
Toda fronteira é rebelde? Sim. Todavia, há que se localizar a intensidade
dessa rebeldia e como ela na fronteira se estabelece. A rebeldia está
diretamente relacionada ao nível de porosidade, às rotinas cotidianas das
trocas sociais e os intercâmbios mercantis promovidos, ou seja, ao seu
adensamento populacional (OLIVEIRA, 2015, p. 1)
Com isso, o interessante de observar a fronteira entre essas cidades é que
além de nos causar certa impressão de ser muito fiscalizada, também mantêm um
fluxo diário e constante de pessoas entre idas e vindas com sacolas, malas e porta-
malas com mercadorias e, entre outras circunstâncias, nos levam a questionar qual
seria o real controle dos sujeitos em situações de fronteira? Como podemos pensar
no poder e eficiência dos governantes ao fiscalizar, vigiar e punir? Como funciona na
prática? Certamente são questões que demandam profundos estudos de caso.

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Entretanto, é notório que há diversos movimentos nestes emaranhados e entrelaços


de situações de fronteira.
Ao adentrar um pouco mais a cidade de Ciudad del Este, chegamos a um
bairro menos comercial denominado Country Club. Com isso, para ter acesso a este
bairro nos deparamos com uma barreira de segurança que inibe a entrada de
pessoas que não são consideradas como “bem-vindas”.
Neste sentido, foi possível notar que os carros que circulavam neste bairro
eram os mais caros do mercado atual, restaurantes e lojas luxuosas. Dessa forma, a
paisagem percebida e a logística de consumo é diferente do que se encontra no
centro da cidade comercial de Ciudad del Este e nos bairros mais pobres.

Considerações finais
Em escala global é possível perceber os conflitos fronteiriços, sendo que
alguns apresentam problemas mais intensos em relação à mobilidade de imigrantes
e outras apresentam maior fluidez no que diz respeito à entrada e saída de pessoas,
por exemplo.
Com relação ao município de Dourados percebe-se uma fronteira diferente
daquela entre o Brasil e o Paraguai. Os indígenas que habitam a reserva -
considerada uma das maiores do país - vivem simbolicamente à margem da
população não indígena. Nota-se que poucos habitam os centros urbanos da cidade,
além de percebemos que há poucos indígenas em circulação na área comercial e
trabalhadores formais no município. Deste modo, em nosso breve diálogo com os
indígenas e professores, ouvimos relatos que, em muitos casos, são considerados
intrusos e provocadores de um mal-estar social, como se não fossem cidadãos
brasileiros, contudo, considerados marginalizados e oportunistas. Neste sentido, é
notável a falta de conhecimento e aprofundamento dos saberes históricos e culturais
indígenas. Há falta de empatia, de leituras, de conhecimento e memória histórica por
parte de muitos cidadãos brasileiros e governantes deste país.
No caso específico das fronteiras visitadas no trabalho de campo que foram
em Ponta Porã e Pedro Juan Caballero; Mundo Novo e Salto del Guairá; Foz do
Iguaçu e Salto del Este é possível perceber que essas fronteiras entre o Brasil e o
Paraguai são muito porosas, possibilitando trocas, conflitos, movimentos diversos de
atividades econômicas, culturais, políticas e entre outros. Além disso, foram
realizadas visitas que destacam a história das fronteiras desses países como é o

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caso do Marco das Três Fronteiras, a Usina Hidrelétrica de Itaipu e as Cataratas do


Iguaçu.
O Marco das Três Fronteiras, além de ser um ponto turístico é um obelisco
localizado em Foz do Iguaçu que marca a divisa entre os três países. Sendo assim,
a representação de cada país pelo monumento possui as cores correspondentes às
nacionalidades.
A Usina Hidrelétrica de Itaipu é uma construção binacional que envolve
acordos entre o Paraguai e o Brasil e se localiza no rio Paraná, na fronteira entre os
dois países. Uma quantidade considerável de energia produzida pela Itaipu é
consumida pelo Brasil, no entanto, alguns impactos ambientais e até mesmo sociais
foram consequências da sua construção, como é o caso da perda da fauna local, o
desaparecimento da cachoeira de Sete Quedas e a quantidade de pessoas que
foram desapropriadas de suas terras às margens do rio Paraná.
As Cataratas do Iguaçu é um grupo de quedas de água localizada no mesmo
rio que dá nome às cataratas e se localiza na fronteira entre o Brasil e a Argentina.
Neste sentido, pode-se observar que as situações e os sujeitos fronteiriços se
movimentam “entre” os sistemas de vigilâncias, punições, mas em muitos casos,
sem a noção de sentimento de medo por estar em território delimitado de outro país.
Deste modo, salienta-se que embora existam políticas de governos que tentam
delimitar, marcar, separar e/ou inibir questões de terras e fronteiras, é notável as
complexidades presentes nestes emaranhados e entrelaços de sujeitos e situações
de fronteira.

Referências Bibliográficas

OLIVEIRA, Tito Carlos Machado. Uma fronteira nas malhas da rebeldia e da


criatividade. Disponível em:
<http://seer.ufms.br/index.php/cadec/article/view/3353>. Acesso em: Nov. 2018.

______. Para além das linhas coloridas e pontilhadas - reflexões para uma
tipologia das relações de fronteira. Revista Anpege. V.11, n. 15, jan-jun. p. 233-
256. 2015.

SZARY, Anne Laure Amilhat et al. Artista passa-paredes? In: Boletim Gaúcho de
Geografia. Porto Alegre, RS V. 42, n. 2, maio. p. 412-43

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i
Dados disponíveis em: <https://camarapontapora.ms.gov.br/>. Acesso em: maio. 2019.
ii
Dados disponíveis em: <https://pontapora.ms.gov.br/v2/>. Acesso em: maio. 2018.

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CRUZAR A FRONTEIRA INTERNACIONAL FOZ DO IGUAÇU – CIUDAD DEL


ESTE: ADENTRANDO O PARAÍSO DO CONSUMO
Crossing the International Border Foz do Iguaçu-Ciudad del Este: Stepping into the
Paradise of Consumption
Cruzando la Frontera Internacional de Foz do Iguaçu-Ciudad del Este: Entrando en
el Paraíso del Consumo

Matheus Guimarães Lima

Resumo: Grande parte dos fluxos transfronteiriços Foz do Iguaçu (Brasil) – Ciudad
del Este (Paraguai) ocorre em razão das transações comerciais que são possíveis
na cidade paraguaia, pra onde diariamente milhares de brasileiros se dirigem,
buscando produtos diversos a preços inferiores aos praticados no Brasil, seja para
uso pessoal ou para revenda posterior com margem de lucro, que pode ser
significativa. Dessa forma, tomamos como objetivo, aparando-nos em diversas
perspectivas sobre o conceito de fronteira, discorrer sobre o significado de cruzar a
fronteira internacional com o objetivo principal de fazer compras.
Metodologicamente, amparamo-nos em pesquisas bibliográficas, documentais e
pesquisas de campo. O aporte bibliográfico e as observações realizadas em campo
possibilitaram aferir que, nos tempos atuais, cruzar a fronteira entre as duas cidades
simboliza, para muitos sujeitos, adentrar o “paraíso do consumo”.
Palavras-chave: Fronteira, Consumo, Paraíso.

Abstract: Most cross-border flows between Foz do Iguaçu (Brazil) and Ciudad del
Este (Paraguay) occur due to the duty-free zone installed in the Paraguayan city,
where thousands of Brazilians go daily, to buy different products at lower prices
either for personal use or for subsequent resale with profit (which can be significant).
Therefore, we take as an objective, taking a different perspective on the concept of
border, to discuss the meaning of crossing the international border, from the
perspective of consumption. Methodologically, we rely on bibliographic research and
field research. The bibliographic contribution and the observations made in the field,
allowed us to state that currently, to cross the border between the two cities,
symbolizes to go into the “paradise of consumption” for many people.
Key-words: Border, Consumption, Paradise.

Resúmen: La mayoría de los flujos transfronterizos Foz de Iguazú (Brasil) - Ciudad


del Este (Paraguay) se deben a las transacciones comerciales que son posibles en
la ciudad paraguaya, donde miles de brasileños van a diario, buscando productos
diversos a precios más bajos que los de Brasil, sea para uso personal o para reventa
posterior. Por lo tanto, tomamos como objetivo, tomar una perspectiva diferente


Graduado em Geografia – Universidade Estadual Paulista (UNESP), mestre em Geografia –
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), doutorando em Geografia (Universidade
Federal da Grande Dourados (UFGD). E-mail: mgl.geopp@gmail.com

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sobre el concepto de frontera, para discutir el significado de cruzar la frontera


internacional con el objetivo principal de las compras. Metodológicamente, hicimos
investigación bibliográfica y investigación de campo. La contribución bibliográfica y
las observaciones realizadas en el campo permitieron verificar que, en la actualidad,
cruzar la frontera entre las dos ciudades simboliza, para muchos sujetos, ingresar al
“paraíso del consumo”.
Palabras clave: Frontera, Consumo, Paraíso.

Introdução
No momento atual da história, não muito distantes da “sociedade 5.0”, a alta
tecnologia que remete à filmes de ficção científica é cada vez mais concretamente
imaginável, a humanidade está cada vez mais conectada e parece não haver limites
para o desenvolvimento tecnológico, sobretudo o que se relaciona à tecnologia da
informação (GLADDEN, 2019). Vivemos “tempos líquidos”, onde nada é feito pra
durar e a velocidade de transformações socioespaciais é constante em nossas vidas
cotidianas (BAUMAN, 2007).
Na atualidade, as aspirações e os anseios humanos de consumo apresentam-
se de certa forma mundialmente padronizados, na convergência da obsolescência
programada e do consumismo exacerbado. A espécie humana busca satisfação,
contentamento e alegria efêmera por meio da posse/consumo de produtos diversos
criados, propagandeados e disseminados em escala global, por meio de redes
densas e complexas (HARVEY, 1992; SANTOS, 2002; HAESBAERT, 2004;
BAUMAN, 2007; GOETTERT, 2017; LIMA, 2018; GLADDEN, 2019).
Desde o surgimento das cidades, 3500 anos antes de Cristo, o comércio é
uma atividade humana de primeira importância. Agora, neste início de milênio,
testemunhamos que o comércio atingiu um avançado estágio de desenvolvimento.
Nesse panorama, observamos que a busca por objetos dotados de funcionalidades,
ou providos de valores simbólicos e, claro, a vantagem econômica de adquiri-los,
despendendo menores somas monetárias, favorece o movimento/trânsito/fluxo de
enorme número de sujeitos, em locais específicos mundo afora (BAUMAN, 2007;
ENDLICH, 2010; SPOSITO; GÓES, 2013; PINKER, 2018).
Nesse sentido, sabemos que, desde a década de 1990, diferentes locais, na
fronteira Brasil – Paraguai, têm sido receptores de fluxos de sujeitos que se
deslocam até a fronteira com o objetivo primordial de fazer compras, seja de

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produtos para uso próprio, seja para revenda, que, posteriormente, pode render
lucros consideráveis (RABOSSI, 2004).
Ao longo da extensa fronteira entre os dois países (1.366 quilômetros), há
diferentes contextos socioespaciais que expõem os sujeitos que lá habitam, ou que
por lá transitam, a diferentes experiências fronteiriças (MARTINS, 1997;
ALBUQUERQUE, 2010; POLON, 2014; GOETTERT, 2017).
Tomamos como exemplo a fronteira internacional Ponta-Porã (MS) – Pedro
Juan Caballero, que é uma fronteira seca, isso é, não há nenhum corpo de água
separando uma cidade da outra. Nesse local da fronteira Brasil – Paraguai (Figura
1), é possível cruzar de um lado para o outro quantas vezes o sujeito desejar, sem
nenhuma forma de controle, já que basta atravessar o canteiro central de uma
avenida, que tem um lado no Brasil e outro no Paraguai (ALBUQUERQUE, 2010;
GOETTERT, 2017).

Figura 1 – Fronteira internacional Brasil – Paraguai/Ponta Porã – Pedro Juan


Caballero.

Fonte: CORREIO DO ESTADO, 2018.

Assim, observamos que a fronteira Ponta Porã – Pedro Juan Caballero é uma
fronteira “porosa”, tendo em vista a conurbação entre as duas cidades e a falta de
controle de trânsito de pessoas entre uma cidade e outra, logo, entre um país e
outro, seja a pé, ou de automóvel. No que se refere ao controle de acesso ao
território brasileiro de mercadorias adquiridas no comércio do lado paraguaio da
fronteira, notamos que ele é inexistente (RABOSSI, 2004; ALBUQUERQUE, 2010;
POLON, 2014; GOETTERT, 2017).
Diferentemente, mais ao sul, no estado do Paraná, na fronteira Foz do Iguaçu
– Ciudad del Este, o trânsito entre Brasil e Paraguai tem controle mínimo, e implica
cruzar os 500 metros da Ponte da Amizade sobre as caudalosas águas do

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imponente Rio Paraná. Inaugurada em 1965, em solenidade que contou com a


presença dos então ditadores dos dois países, os quais, ideologicamente, eram
bastante alinhados – Castelo Branco, do Brasil, e Stroessner, do Paraguai – a
Ponte da Amizade representa a aproximação política que culminaria com a
inauguração da faraônica Usina Hidrelétrica Binacional de Itaipu, duas décadas
depois, em 1984 (RABOSSI, 2004; ALBUQUERQUE, 2010).
Dessa maneira, observamos que adentrar o Paraguai, nesse local da
fronteira, é diferente de fazê-lo na fronteira Ponta Porã – Pedro Juan Caballero. O
sujeito que cruza a fronteira Foz do Iguaçu – Ciudad del Este experimenta, de forma
mais sensível, o “ir além” transfronteiriço. Isso ocorre pois, na fronteira Foz do
Iguaçu – Ciudad del Este, há um limite impossível de passar despercebido.
Trata-se de um limite natural (Rio Paraná) que é transposto por um elemento
de origem antrópica, materializado pela Ponte da Amizade (Figura 2). Nessa
perspectiva, tanto o rio, quanto a ponte, certamente são mais perceptíveis, enquanto
elementos que marcam a fronteira internacional, que o canteiro central da avenida
que se faz fronteira em Ponta Porã – Pedro Juan Caballero.

Figura 2 – Imagem de satélite da fronteira Foz do Iguaçu – Ciudad del Este.

Fonte: elaborado pelo autor, 2019.

Diante do exposto, assinalamos que o local tomado como recorte espacial no


presente texto é a fronteira Brasil – Paraguai, especificamente Foz do Iguaçu –
Ciudad del Este. Nesse sentido, destacamos que a zona franca e o comércio

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popular estabelecidos na cidade paraguaia têm feito dela um tradicional destino de


compras de cidadãos brasileiros, há pelo menos três décadas, já que, para acessar
Ciudad del Este a partir de Foz do Iguaçu, o turista-comprador brasileiro não
necessita de visto expedido por órgão específico (embaixada ou consulado). Basta
chegar à Foz do Iguaçu e ter disposição para atravessar a Ponte da Amizade de
ônibus, de carro, de moto, ou, a pé, e se aventurar no “mar de gente” que, todos os
dias, adentra Ciudad del Este.
Os cidadãos brasileiros que fazem o fluxo buscam uma infinidade de produtos
que vão, desde pares de meias, peças de vestuário e eletrônicos (de qualidade e
procedência variáveis) comercializados a preços populares no comércio de rua e
ambulante, até joias, eletrônicos e roupas de grifes internacionais, comercializadas
em shopping centers e galerias (muito bem guardadas por seguranças fortemente
armados), cujos produtos, mesmo com o valor amortecido, são considerados altos
para grande parte da população brasileira.
Durante pesquisa de campo em Ciudad del Este, pudemos observar o
seguinte contraste: o comércio de rua e ambulante estava bastante movimentado,
com as ruas tomadas de gente, por outro lado, uma joalheria de grife, cujos produtos
possuem altíssimo valor, situada em um shopping center, estava vazia, sem um
único cliente (Figura 3).

Figura 3 – Comércio popular de rua e joalheria de grife em Ciudad del Este.

Fonte: elaborado pelo autor, 2019.

Destacamos que, por serem produtos, em geral, de menor valor agregado, os


produtos comercializados no comércio de rua e ambulante de Ciudad del Este têm
suas vendas menos afetadas por crises econômicas do que as de produtos de alto

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valor agregado, principalmente os de grifes caras, comercializados em lojas, galerias


e shopping centers da cidade.
Assim, tomamos como objetivo analisar como, simbolicamente, o adentrar em
território paraguaio, cruzando a Ponte da Amizade, pode significar “adentrar o
paraíso do consumo” para muitos cidadãos brasileiros – independentemente do
valor dos produtos buscados, seja para uso próprio, ou revenda – tendo como
pressuposto a longevidade do turismo de compras na cidade, que já perdura ao
menos por três décadas, tendo passado por diversos períodos e contextos
históricos, nos quais as crises econômicas têm sido comuns.

Procedimentos metodológicos

Quanto aos procedimentos metodológicos adotados, partimos de pesquisas


bibliográficas e documentais, etapas fundamentais, que forneceram embasamento
teórico-metodológico essencial. Salientamos que a pesquisa bibliográfica é uma
etapa indispensável, que deve anteceder toda pesquisa científica (LIMA, 2018, p.
18).
Na pesquisa que originou o presente texto, buscamos referências em autores
que tratam sobre a zona fronteiriça Brasil – Paraguai, apoiando-nos em perspectivas
teórico-metodológica diversas, de maneira interdisciplinar. Além disso, utilizamos
dados oficiais sobre as condições socioeconômicas do Brasil, do Paraguai e de
Ciudad del Este, com o intuito de traçar um panorama da situação na atualidade. No
texto, listamos os dados mais recentes referentes ao PIB, renda per capita e IDH, do
Brasil e do Paraguai e relativos às vendas e desemprego no setor comercial de
Ciudad del Este.
Traçamos, também, uma série histórica – representada em gráfico – sobre o
PIB brasileiro, desde 2010, até a atualidade. As fontes dos dados utilizados foram as
seguintes: Banco Mundial (PIB, renda per capita, taxa de desemprego e IDH, no
Brasil e Paraguai); Cámara de Comercio y Servicios de Ciudad del Este (vendas e
desemprego em Ciudad del Este).
Além das pesquisas bibliográficas e documentais, realizamos pesquisas de
campo, as quais, ao longo do tempo, têm sido amplamente utilizadas em pesquisas
desenvolvidas nas ciências humanas, pois “possibilitam articulação entre o

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conhecimento teórico adquirido em sala de aula e o conhecimento prático que


somente é adquirido na vivência do campo” (LIMA, 2018 p. 18).
De acordo com Suertegaray (1996, p. 2), a Geografia, ao longo do tempo,
“valorizou, sobremaneira, o trabalho de campo, concebido como indispensável ao
conhecimento da realidade (espaço geográfico)” e seria por meio dele que os
geógrafos teriam compreensão da organização dos lugares. Sob essa perspectiva,
Silveira (1936, p. 72), bem antes, já afirmava que a pesquisa de campo “torna mais
apurada a capacidade de observação e ganham os conhecimentos a solidez que só
o contato com a realidade objetiva pode dar”.
Conforme Zusman (2011), a pesquisa de campo “adquiriu significados
diferentes ao longo da história da Geografia” (p. 15, tradução nossa). Nesse prisma,
salientamos que transformações na concepção de Geografia tiveram como resultado
a redefinição da importância da pesquisa de campo nos processos relacionados à
produção de conhecimento geográfico (ZUSMAN, 2011).
Realizamos pesquisa de campo, cujo conteúdo parcial originou o presente
texto, entre os dias 21 e 24 de junho, de 2019. A pesquisa foi parte da disciplina
Tópicos Especiais em Geografia I, ministrada pelo Prof.º Dr. Jones Dari Goettert e
cursada por estudantes do Programa de Pós-Graduação em Geografia, da
Universidade Federal da Grade Dourados – UFGD.
No processo de elaboração de representação cartográfica, utilizamos o
software Google Earth Pro® e, para edição de imagens, utilizamos o software Photo
Scape®, ambos softwares de acesso livre, gratuito, constituindo-se, assim, como
instrumentos de grande utilidade na construção do saber geográfico.

O paraíso do consumo

Perigosa, violenta, palavras que são, frequentemente, associadas à imagem


construída mentalmente ao se tratar da fronteira Brasil – Paraguai, seja em reflexão
internalizada pelo sujeito, seja ao responder ao seguinte questionamento: O que
você acha da fronteira Brasil – Paraguai?
Associada por muitos a situações negativas, imaginada literalmente como “a
terra de ninguém”, a fronteira representa, também: segurança, separação, divisão,
limitação, “nossa” proteção, em relação a “eles”, “os outros”, os que estão do lado de
lá. O conceito de fronteira é vasto e múltiplo, mas, em geral, é associado à noção de

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limite, logo, a face territorial é, per se, a mais visível e relatável (MARTINS, 1997;
ELIAS; SCOTSON, 2000; ALBUQUERQUE, 2010; GOETTERT, 2017).
Salientamos, entretanto, que à parte da concepção mais generalizadamente
disseminada de fronteira como local de separação (limite territorial), temos a
fronteira também como local de integração e interação, local de trânsito, de trocas
materiais e simbólicas, de contato entre “gentes” e culturas. Nessa perspectiva, a
fronteira é “lugar privilegiado” pra “observação sociológica”, é onde podemos
observar como as sociedades se formam e se reproduzem (MARTINS, 1997;
RABOSSI, 2010; ALBUQUERQUE, 2010; GOETTERT, 2017).
Na fronteira internacional Foz do Iguaçu – Ciudad del Este, o que podemos
amplamente observar é que o ato de cruzar a fronteira de um país
socioeconomicamente mais desenvolvido (Brasil) para outro menos desenvolvido
(Paraguai) (Tabela 1) significa, de forma contraditória, chance de progredir,
prosperar, economizar e acumular capital, caso o objetivo do sujeito seja fazer
compras, para consumo próprio, ou para revenda posterior com margem de lucro em
território brasileiro.

Tabela 1 – Dados socioeconômicos de Brasil e Paraguai (2018).


Brasil Paraguai
PIB (US$) 3,2 trilhões 66 bilhões
Renda per capita (US$) 15,484 9,691
– (PPP)
Desemprego 12% 7%
IDH 0.759 0.702
Fonte: BANCO MUNDIAL, 2019. Elaborado pelo autor, 2019.

Nesse contexto fronteiriço, um importante agente produtor do espaço é o


sacoleiro brasileiro, que tira seu sustento das oportunidades comerciais vantajosas
possibilitadas em território paraguaio. Responsável por constantes fluxos na
fronteira, o sacoleiro tornou-se um elemento constituinte da paisagem de Ciudad del
Este desde fins da década de 1980 e inícios da década de 1990 (RABOSSI, 2004;
POLON, 2014).
Crises econômicas constantes no referido período deixaram muitos
desempregados no Brasil, o que ampliou a informalidade. No setor informal, muitos

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sujeitos passaram a exercer função de sacoleiro, comprando produtos no Paraguai e


revendendo-os em suas cidades de origem. Não tardou, os sacoleiros se
disseminaram pelo Brasil, principalmente nos estados que têm fronteira com o
Paraguai (RABOSSI, 2004; POLON, 2014; GOETTERT, 2017).
A partir de meados da década de 1990, houve relativa estabilização da
economia brasileira, o que contribuiu para que as atividades comerciais em Ciudad
del Este se intensificassem, já que, além dos sacoleiros, a cidade passou a ser
destino de turistas-compradores de todo o Brasil, que passaram a viajar até a
fronteira com o intuito de comprar produtos pra uso próprio, e não para revenda.
Esse processo, que tornou Ciudad del Este destino de compras não apenas
de sacoleiros, continuou e se intensificou na primeira década do século XXI, em
consonância com o aumento de renda e nível de consumo dos cidadãos brasileiros,
principalmente após 2003, na esteira do “boom” das commodities, que caracterizou
um dos períodos de maior prosperidade na história do Brasil (RABOSSI, 2004;
POLON, 2014; GOETTERT, 2017; CARVALHO, 2018; PINKER, 2018).
Nesse momento histórico, Ciudad del Este tornou-se um verdadeiro paraíso
do consumo para muitos cidadãos brasileiros que passaram a vê-la como lugar de
acesso a produtos, até então, inacessíveis em território brasileiro, devido aos
altíssimos preços praticados no país, principalmente os de produtos importados de
grife (RABOSSI, 2004; POLON, 2014; GOETTERT, 2017).
Nesse prisma, devemos destacar que um fator que contribuiu para o aumento
dos fluxos em Ciudad del Este foi a expansão do setor do turismo em Foz do Iguaçu,
o qual também ocorreu em consonância com o período de prosperidade econômica
brasileira na primeira década do século XXI (RABOSSI, 2004; POLÓN, 2014;
SOUZA, 2016; GOETTERT, 2017)
A cidade fronteiriça brasileira, que, desde finais da década de 1970, já era
destino turístico de destaque, tendo como principal atrativo o Parque Nacional do
Iguaçu, onde se encontram as mundialmente famosas Cataratas do Iguaçu e, onde
posteriormente seria construída a Usina Hidrelétrica Binacional de Itaipu, inaugurada
em 1984, passou a ser não apenas destino, mas também centro receptor de turismo
e lugar de passagem rumo ao paraíso do consumo, representado por Ciudad del
Este (RABOSSI, 2004; POLÓN, 2014; SOUZA, 2016; GOETTERT, 2017).
Muitas empresas de turismo enxergaram, nessa situação, uma grande
oportunidade mercadológica, e passaram a oferecer, nos roteiros de Foz do Iguaçu,

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ida ao Paraguai para compras e, ainda, roteiros unicamente de compras, nos quais
Foz do Iguaçu exerce apenas função de lugar de passagem e pernoite (CLIFFORD,
2000; RABOSSI, 2004; POLON, 2014) (Figura 4).

Figura 4 – Propaganda de excursão de compras Foz do Iguaçu – Ciudad del


Este.

Fonte: FABIM EXCURSÕES, 2018.

Realidade atual: crise desde 2014

Desde 2014, a economia brasileira tem passado por um dos mais turbulentos
períodos de sua história. O período de crise econômica tem se estendido por seis
anos, com raros sinais de recuperação, ou com recuperação irrisória, como em 2017
e 2018, anos em que a economia nacional cresceu 1% (DOWBOR, 2017;
CARVALHO, 2018; OLIVEIRA, 2018).
Na época em que este texto foi escrito, fim do primeiro semestre de 2019, o
Brasil havia registrado oficialmente: primeiro trimestre de retração econômica (0,1%)
e segundo trimestre de crescimento (0,4%), evitando, assim, por pouco, o estado de
recessão. Neste prisma, elucidamos que é considerada recessão, o período de ao
menos dois trimestres seguidos de queda econômica.
A economia brasileira patina, e os períodos de crescimento são sempre
irrisórios, como já apontamos, de maneira que há estimativas, de que no atual ritmo,
a renda per capita brasileira só retomará ao patamar de 2011 em 2028 (HESSEL,
2019). Além disso, a taxa de desemprego no Brasil (13%) é atualmente, quase o
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dobro da taxa de desemprego paraguaia (7%). Na figura 5 podemos observar o


histórico do PIB brasileiro desde 2010.

Figura 5 – Histórico de crescimento/queda do PIB brasileiro desde 2010.

10,00%
7,53%
8,00%
6,00%
3,97%
4,00% 3,00%
1,92%
2,00% 0,50% 1,06% 1,12%
0,00%
-2,00%
-4,00%
-3,55%-3,31%
-6,00%
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018
Fonte: BANCO MUNDIAL, 2019. Elaborado pelo autor, 2019.

Desde 2014, a realidade brasileira mudou bastante. O Brasil deixou de ser um


dos países com maior potencial de crescimento econômico do mundo (como parte
do BRICS), para mergulhar em uma profunda crise política e institucional, na qual a
economia declinou, e a qualidade de vida e, portanto, a renda e capacidade de
consumo dos cidadãos brasileiros diminuiu (DOWBOR, 2017; OLIVEIRA, 2018;
CARVALHO, 2018).
Os reflexos da crise econômica brasileira têm sido sentidos no setor comercial
de Ciudad del Este. Podemos afirmar, que o auge do paraíso do consumo já passou,
isso é, os anos finais da década passada e início da atual (quando o câmbio era
muito favorável ao real). No último natal (2018), o comércio em Ciudad del Este teve
retração de 70% nas vendas, em comparação com o mesmo período no ano
anterior, e viu 30% dos postos de trabalho na cidade desaparecerem (BENETTA,
2019; BOURGOING, 2019; CÁMARA DE COMERCIO Y SERVICIOS DE CIUDAD
DEL ESTE, 2019).
De qualquer maneira, embora as vendas em Ciudad del Este estejam em
momento de retração, ainda é bastante expressivo, na atualidade, o número de
brasileiros que se deslocam até lá para fazer compras.
Fato é que, independentemente da condição da economia brasileira, há mais
de trinta anos, o sacoleiro é figura marcante da paisagem da fronteira, isso porque

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os produtos que compra pra revender são, na maioria das vezes, oriundos do
comércio popular de rua, embora haja, também, sacoleiros que compram e
revendem produtos de maior valor agregado em suas cidades de origem, como:
roupas, cosméticos e eletrônicos de grife.
O fenômeno dos sacoleiros, a partir da década de 1990, suscitou a origem e a
disseminação de dois tipos de negócios distintos. São distintos, mas igualmente
relacionados às compras realizadas em Ciudad del Este: a) as lojas de R$ 1,99 –
que se disseminaram amplamente – comercializando um sem fim de bugigangas
pelo preço de R$ 1,99; b) por outro lado, surgiram, também pequenas butiques,
onde os sacoleiros vendem – principalmente – roupas, cosméticos e eletrônicos de
grife, expandindo o negócio dentro das possibilidades, tendo em vista que são
produtos de maior valor, logo, com público consumidor em potencial diminuto, se
posto em comparação com o público consumidor de lojas de R$ 1,99 (RABOSSI,
2004; POLON, 2014).

Paraíso em desencanto: ostentação e miséria lado a lado

Atendo-nos à teoria dos circuitos da economia urbana (SANTOS, 2002), é


possível observar, em Ciudad del Este, a coexistência dos circuitos inferior e
superior dividindo o espaço, algo que, na América Latina, é bastante comum, em
consonância com as altas taxas de informalidade e as típicas fragmentações de
cunho socioespacial presentes na tessitura urbana (VILLAÇA, 2001; SARAVI, 2008;
DELGADO, 2011; SPOSITO; GÓES, 2013).
No que se refere à fragmentação, podemos compreender o termo sob
diversas perspectivas teórico-metodológicas. No que tange ao urbanismo, à
Geografia urbana, temos a fragmentação como um processo em que elementos
dissonantes coabitam, coexistem, inserindo novas territorialidades nas relações
socioespaciais, isso é, diferentes relações de poder (SPOSITO; GÓES, 2013).
Nesse sentido, assinalamos que a paisagem das cidades latino-americanas
tem sido marcada por processos de fragmentação que, sob olhar simples, livre de
qualquer aprofundamento problematizador-teórico, mostra diferenças socioespaciais
difíceis de passarem despercebidas a olho nu (SERPA, 2007; SARAVI, 2008;
SPOSITO; GÓES, 2013).

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Prosperidade e miséria são vizinhas, seja em Bogotá, Buenos Aires, São


Paulo ou Ciudad del Este, que é a segunda cidade mais populosa do Paraguai e
capital do departamento do Alto Paraná (departamento é a divisão regional
equivalente aos estados federativos no Brasil ou províncias na Argentina).
Conforme Goettert (2013), essas microcondições, microterritórios urbanos,
constituem novas fronteiras que mantêm “os daqui longe dos de lá”, entretanto a
distância, o “longe”, que separa os daqui dos de lá, pode não ultrapassar mais que
algumas centenas de metros, quarteirões, quadras, ruas. No contexto urbano latino-
americano, a coexistência é ainda mais entrelaçada. Tudo junto e misturado.

Como uma das microcondições de fronteira, os atos de representação,


paradoxalmente, vertem a ausência (sujeitos, espaços, relações, etc.) para
que ela persista ainda mais como não presença, como lonjura, “longe
daqui”, “pra lá” [...] Uma fronteira “maior” (mais visível, evidente, a vista)
pode encobrir fronteiras “menores” (mais invisíveis, implícitas, escondidas).
Uma fronteira “maior”, entretanto, pode se tornar mais explicita carregando
em si um conjunto de fronteiras (GOETTERT, 2013, p. 748).

As imagens que compõem a Figura 6 retratam duas construções que são


separadas por curta distância, cerca de duzentos metros, na área central de Ciudad
del Este, equidistantes da Ponte da Amizade e, portanto, da fronteira Brasil –
Paraguai. Do lado esquerdo, vemos o moderno skyline de Ciudad del Este, sua
downtown repleta de edifícios altos e espelhados, estilo arquitetônico apontado
como pós-moderno e característico dos central bussiness districs (distritos centrais
de negócios) das cidades grandes e médias contemporâneas. Do lado direito,
vemos um tipo de construção de blocos, sem reboco, verticalizada, esteticamente
grosseira, que, no Brasil, convencionou-se chamar de favela, e na América Latina de
língua oficial espanhola, “villa miseria” (HARVEY, 1992; DEMATTEIS, 1998; SERPA,
2007; DELGADO, 2011; SPOSITO; GÓES, 2013).

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Figura 6 – Moderno centro (downtown) e “villa miseria” em Ciudad del Este.

Fonte: elaborado pelo autor, 2019.


Tal condição de desigualdade socioespacial, em associação com os
diferentes níveis e valores envolvidos no comércio dos circuitos superior e inferior da
economia urbana em Ciudad del Este, demonstram que o paraíso do consumo pode
não ser um paraíso, de fato, para todos os sujeitos que daquele lugar são habitués
(habitantes e transitantes).

Considerações finais

A constituição de um ambiente de consumo que, metaforicamente,


nomeamos como paraíso, em Ciudad del Este, Paraguai, somente é possível em
razão dos impulsos e anseios de consumo disseminados na sociedade, aliados aos
fluxos transfronteiriços que levam muitos brasileiros a cruzarem a fronteira
internacional Brasil – Paraguai, pela Ponte da Amizade, com intuito deliberado de
fazer compras em Ciudad del Este, para consumo próprio, ou, revenda posterior, em
território brasileiro.
As transações comerciais favoráveis aos cidadãos brasileiros, em razão do
câmbio, fizeram Ciudad del Este se tornar uma cidade cuja paisagem passou a ter
como elemento onipresente o sacoleiro brasileiro, para quem cruzar a fronteira é um
ato fundamental para desempenhar sua atividade laboral, inserida no setor informal
da economia.
Por outro lado, há os turistas-compradores, que se deslocam de seus lugares
de origem até a fronteira Foz do Iguaçu – Ciudad del Este, com o intuito de fazer
compras para uso próprio, algumas vezes de produtos tão simplórios como meias,
carregadores de celular, fones de ouvido etc., outras vezes para comprar produtos

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de grife, como joias e peças de vestuário, vendidos em lojas localizadas em


shopping centers e galerias, cujo valor, no Brasil, costumeiramente, é mais alto.
Seja no caótico comércio ambulante e nas lojas de rua, ou em shopping
centers e galerias de decoração requintada recheadas de objetos de altíssimo valor
agregado e, igualmente, de seguranças fortemente armados, é fato que o comércio
em Ciudad del Este movimenta somas vultuosas de dinheiro e é responsável por
milhares de empregos, direta ou indiretamente.
Pelas ruas, entre movimentos, sons, odores e um mar de gente, podemos
observar cenas comuns ao contexto urbano latino-americano. Fica claro que o
paraíso não é pra todos. De forma similar a outras cidades latino-americanas
grandes e médias, ostentação e miséria coexistem, vivem lado a lado. Pra muitos
sujeitos inseridos no contexto fronteiriço, não há paraíso; apenas se sobrevive, um
dia de cada vez.
A derrocada recente da economia brasileira, que fez despencar a renda
média e o padrão de consumo no país, tornou as oportunidades comerciais, em
Ciudad del Este, não tão vantajosas como eram na década passada, quando o
câmbio era muitíssimo favorável ao real. Todavia ainda é grande o número de
cidadãos brasileiros que cruzam a fronteira para fazer compras, sejam sacoleiros,
que dependem da atividade para seu sustento, sejam pessoas que compram
produtos para si próprias (dependendo da época, do câmbio, alguns produtos ainda
são muito mais baratos no Paraguai que no Brasil).
Sob essa perspectiva, o trânsito transfronteiriço Foz do Iguaçu (Brasil) –
Ciudad del Este (Paraguai) ainda representa, em menor escala, adentrar o paraíso
do consumo, reafirmamos, não no patamar que representava dez anos atrás, e que
não sabemos se irá retornar algum dia, diante das pouco promissoras perspectivas
de melhora na economia brasileira a médio prazo.

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381

FLUXOS E MOBILIDADES TRANSFRONTEIRIÇAS: UMA REFLEXÃO A PARTIR


DOS ESTUDANTES BRASILEIROS DE MEDICINA EM PEDRO JUAN
CABALLERO, DEPARTAMENTO DE AMAMBAY– PARAGUAY
Flujos y Movilidades Transfronterizas: una Reflexión a Partir de los Estudiantes
Brasileños de Medicina en Pedro Juan Caballero, Departamento De Amambay –
Paraguay
Cross-Border Flows and Mobilities: a Reflection from Brazilian Medicine Students in
Pedro Juan Caballero, Amambay of Department - Paraguay

Claudia Vera da Silveira 


Éder Damião Goes Kukiel 
Luiz Felipe Rodrigues 

Resumo: O objetivo do trabalho é compreender o fluxo de estudantes brasileiros


para as universidades localizadas na cidade de Pedro Juan Caballero, e a partir
disso buscar identificar quais são os agentes, as motivações, os conflitos e os
efeitos desse fluxo na conjuntura dessa cidade fronteiriça, bem como, de sua
cidade-gêmea brasileira, Ponta Porã, e região. Como metodologiautilizou-sedados
estatísticos e informações coletadas em noticiários, em sites das universidades,
além deconversas informais com candidatos e estudantes brasileiros dos cursos de
medicina de Pedro Juan Caballero, trabalhadores ligados direta ou indiretamente a
essas universidades,proprietárias∕os de estabelecimentos comerciais, utilizou-
setambém registros fotográficos e mapa de localização. Constatou-se que esse fluxo
de estudantes tem dinamizado a economia local, sobretudo, nos ramos de comércio,
serviços e setor imobiliário, assim também tem gerado novas situações sociais entre
pessoas de nacionalidade brasileira e paraguaia.
Palavras-chave: Fronteira, Faculdade de Medicina, Mobilidades, Brasil-Paraguai.

Abstract: The objective of this paper is to understand the flow of Brazilian students
to the universities located in the city of Pedro Juan Caballero, and from this search to
identify which are the agents, motivations, conflicts and the effects of this flow in the
conjuncture of this border city, as well like, from its Brazilian twin city, Ponta Pora,
and region. As methodology we used statistical data and information collected in


Possui Graduação em Ciências Econômicas (Bacharelado) pela Universidade Federal de Mato
Grosso do Sul (UFMS). É Mestre em Desenvolvimento Regional e Sistemas Produtivos pela
Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UFGD). Atualmente é Doutoranda em Geografia na
Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). E-mail de contato: gycvera@gmail.com

Possui Graduação em Geografia (Licenciatura) pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
(UFMS-CPAN). É Mestre em Estudos Fronteiriços pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
(UFMS-CPAN). Atualmente é Doutorando em Geografia na Universidade Federal da Grande
Dourados (UFGD). E-mail de contato: kukielgeografia@gmail.com

Possui Graduação em Geografia (Bacharelado) pela Universidade Federal da Integração Latino-
Americana (UNILA). É Mestre em Geografia pela Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD).
Atualmente é Doutorando em Geografia na Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD).E-
mail: luiz.felipe.r@outlook.com
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382

news, on university websites, as well as informal conversations with candidates and


Brazilian students of Pedro Juan Caballero medical courses, workers directly or
indirectly linked to these universities, owner of commercial establishments,
Photographic records and location map were also used. It was found that this flow of
students has boosted the local economy, especially in the fields of commerce,
services and real estate, as well as has generated new social situations between
people of Brazilian and Paraguayan nationality.
Key-words: Border, Medical School, Mobility, Brazil-Paraguay.

Resúmen: El objetivo de este trabajo es comprender el flujo de estudiantes


brasileños a las universidades ubicadas en la ciudad de Pedro Juan Caballero y, a
partir de esta búsqueda, identificar cuáles son los agentes, las motivaciones, los
conflictos y los efectos de este flujo en la coyuntura de esta ciudad fronteriza, así
como, desde su ciudad gemela brasileña, Ponta Porã y región. La metodología
utilizada consistió en análisis de datos estadísticos, informaciones recopilada en
noticias, sitios web de universidades, así como conversaciones informales con
candidatos y estudiantes brasileños de los cursos de medicina de Pedro Juan
Caballero, trabajadores vinculados directa o indirectamente a estas universidades,
propietarios de establecimientos comerciales de las dos ciudades fronterizas, así
como registros fotográficos y mapa de localización. Se ha constatado que este flujo
de estudiantes estimula la economía local, especialmente en los ramos de comercio,
servicios y sector inmobiliario, generado nuevas situaciones sociales entre personas
de nacionalidad brasileña y paraguaya.
Palabras-Clave: Frontera, Facultad de Medicina, Movilidad, Brasil-Paraguay.

Introdução

Nas cidades fronteiriças, há uma variedade de fluxos de pessoas,


mercadorias e informações que transitam de um lado ao outro da fronteira. Essas
interações são condicionadas por uma série de fatores: oscilações dos valores
monetários, diferenças na qualidade e provimento de serviços, diferença de preços e
variedade de produtos, oferta de emprego, entre outros. Nessa conjuntura, os limites
possibilitam a existência de uma variedade de práticas singulares que fazem da
fronteira uma estratégia. Desse modo, compreender tais fluxos, considerando as
passagens e os bloqueios, nos permite apreender a fronteira em sua dinamicidade,
bem como, suas integrações e desintegrações.
Nesse contexto a fronteiradeve ser entendida, sobretudo, como uma zona de
contato onde existem concorrências e complementaridades (MOURA e CARDOSO,
2016). Representa os limites da soberania estatal, da cidadania, e ao mesmo
tempo, se constitui como uma zona de hibridismo entre idiomas, meios de

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comunicação e outros elementos culturais, marcada pelo controle e pela travessia,


pela coexistência da integração e da desintegração (ALBUQUERQUE, 2010). Assim,
as fronteiras são fluxos, mas também obstáculos, misturas e separações,
integrações e conflitos, domínios e subordinações. Elas representam
espaços de poder e de conflitos variados. Há uma disputa e confluência de
nacionalidades nesse espaço social singular [...] (ALBUQUERQUE, 2010, p.
235).
A fronteira internacional não se presta a essencializações, na medida em
que se apresenta como um objeto complexo e situacional, cujas
materializações envolvem agentes de diferentes escalas e poderes, e cuja
representação se transforma geográfica, histórica e socialmente.
(DORFMAN, 2009, n.p.).
De acordo com Foucher (2009), o limite é uma estratégia cotidiana das
populações fronteiriças, e as interações socioespaciais variam de acordo com o grau
de abertura da fronteira. Steiman e Machado (2002), com base em estudos de
House (1980), colocam que as assimetrias e as diferenças existentes entre os
diferentes lados da fronteira é que conferem a dinamicidade das interações
socioespaciais. Para elas, “qualquer que seja o direcionamento dos fluxos
transfronteiriços, estes são fortemente dependentes da existência do limite
internacional [...] (STEIMAN e MACHADO, 2002, p. 13)”. A compreensão dos fluxos
de um lado ao outro nos permite apreender a fronteira em movimento, que segundo
Albuquerque (2010), é fundamental para rompermos com as imagens fixas das
nações e entendermos que as fronteiras são construções oriundas de processos
dinâmicos.
Para o aproveitamento dos diferenciais de cada lado da fronteira, os sujeitos
acionam uma série de estratégias que vão desde o suborno, até a obtenção de
dupla nacionalidade. Ter o documento de identificação de ambos os países permite
a manipulação da identidade para usufruir o melhor de cada lado. Albuquerque
(2010) verificou esse fato em sua pesquisa com os imigrantes brasileiros no
Paraguai, “brasiguaios”, onde estes se colocavam em certas situações como
paraguaios, e em outras como brasileiros, de acordo com o que lhes fosse mais
conveniente no momento – o que incluía serviços de saúde e educação (no Brasil),
compra de propriedades e ocupação de cargos políticos (no Paraguai).
Pedro Juan Caballero (Paraguay) e Ponta Porã (Brasil), localizadas em uma
fronteira seca, são cidades-gêmeas, e juntas, constituem uma ocupação contínua.
Nessas cidades, há um espaço socioeconômico conjunto, marcado por
interdependências e complementaridades, onde traçados urbanos, histórias e vidas

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se entrelaçam e se conflitam, o que configura um aglomerado urbano transfronteiriço


(CARNEIRO, 2016; MOURA e CARDOSO, 2016). Para Carneiro (2016), as
interações nessas cidades se materializam entre sistemas de normas jurídicas
diferentes, sofrendo direta e indiretamente efeitos de crises, crescimentos,
mudanças cambiais e ações de caráter supranacional que se dão nos países em
que estão inseridas.

En la totalidad de los casos, las ciudades fronterizas, tanto paraguayas


como brasileñas o argentinas, se han desarrollado gracias a los flujos y
tránsito entre las ciudades vecinas situadas en regiones y países diferentes.
El dinamismo transfronterizo fue la base de una economía de intercambios
donde la producción de bienes fue suplantada por la de servicios y, en cierta
forma, un modelo de desarrollo espontáneo y muy dependiente de las
condiciones externas (VÁZQUEZ, 2006, p. 37).

De acordo com Viladesau (2011), esses fluxos de pessoas têm alimentado o


crescimento das cidades fronteiriças, e revelam o surgimento de novos sujeitos
migratórios, onde se destacam o trabalhador, o consumidor e o estudante, que o
autor denomina de binacionais ou transfronteiriços. É importante ressaltar que cada
região irá ter suas especificidades na atração, retenção ou evasão dos fluxos
humanos (MOURA e CARDOSO, 2016). Na fronteira:
Tais movimentos decorrem fundamentalmente de relações para trabalho e
estudo, induzem o consumo, a demanda e o acesso afunções urbanas, bem
como implicam trocas culturais, de hábitos e valores. No extremo, sugerem
a busca pela realização de direitos que se confundem entre os lados da
fronteira, muitas vezes inalcançados, devido a políticas inadequadas
(MOURA e CARDOSO, 2016, p. 217-218).
Alguns dos fluxos entre cidades fronteiriças se dão em razão dos serviços,
sejam eles públicos ou privados, onde se destacam a saúde e a educação. Carneiro
(2016) constatou o fluxo constante de pessoas de nacionalidade paraguaia, e
também brasiguaios (imigrantes brasileiros no Paraguai), que buscam serviços de
saúde na cidade brasileira de Foz do Iguaçu devido à precariedade desses serviços
no Paraguai.
Em relação à educação, poderemos verificar neste estudo, o fluxo de
brasileiros de diferentes regiões em busca do ingresso em universidades do
Paraguai, sobretudo no curso de medicina, pois o valor do curso no país costuma
ser mais baixo, custos materializados em mensalidades menores, custo de vida, etc.
Esses fluxos acabam alimentando também o setor comercial e imobiliário dessas
cidades, uma vez que, os estudantes, na maioria das vezes, buscam lugares para
morar de aluguel, e sua presença implica um movimento no comércio e serviços,
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sobretudo, os que oferecem atrativos ao público jovem, como barzinhos, boates,


restaurantes e pizzarias, além de fotocopiadoras, lavanderias, entre outros serviços.
Conforme Vázquez (2006, p. 75-77), devido aos controles do lado brasileiro à
compra de mercadorias em Pedro Juan Caballero, esta sofreu uma crise econômica
do setor comercial e passou a se orientar aos serviços educativos terciários com a
instalação de diversas universidades privadas voltadas ao público paraguaio e
também brasileiro, e nesse sentido, atualmente, sobre algumas antigas bases
comerciais, funcionam universidades privadas, fazendo que a cidade seja
visualizada por alguns como uma cidade universitária.
Com isso, verifica-se um exemplo de interdependência entre cidades
fronteiriças. Ao analisar o fluxo de estudantes brasileiros para as universidades
localizadas nas cidades paraguaias de fronteira, buscaremos compreender quais
são os agentes, as motivações, os conflitos e os efeitos desse fluxo na conjuntura
dessas cidades. Trata-se de um fluxo que vai além do espaço fronteiriço em
questão: são pessoas que vêm de outras regiões, conferindo efeitos significativos no
contingente e na dinâmica populacional dessas cidades, bem como, em suas
dinâmicas econômicas.
Nesse sentido o objetivo do trabalho é compreender o fluxo de estudantes
brasileiros para as universidades localizadas na cidade de Pedro Juan Caballero e
identificar a motivação que levam esses estudantes a atravessarem esse limite
fronteiriço para cursar medicina nessas universidades paraguaias.
O artigo está organizado em quatro partes além desta introdução. Na
segunda parte do trabalho apresenta-se a metodologia do trabalho, na terceira parte
apresentam-seos resultados da pesquisa. Na quarta parte expõem-se as
considerações finais do trabalho.

Metodologia
A metodologia utilizada no artigo foi pesquisa bibliográfica específica sobre a
temática de fronteira e o espaço compreendido pelas cidades gêmeas de Pedro
Juan Caballero (PY) e Ponta Porã (BR). Utilizou-se base de dados secundários de
órgãos oficiais do governo paraguaio como a Dirección General de Estadísticas,
Encuestasy Censo (DGEEC), Encuesta Permanente de Hogares (EPH) e o Censo

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Económico Nacional (CEN). As informações e dados obtidos nessa base de dados


foram apresentados na forma de tabelas e gráficos.
Também se obteve informações desites de algumas universidades
localizadas em Pedro Juan Caballero. Algunssites visitados foram:Universidad del
Pacífico Privada, Universidad Sudamericana, Universidad del Norte, Universidad
Politécnica y Autónoma del Paraguay, Universidad Central del Paraguay.
Realizou-se um trabalho de campo na cidade de Pedro Juan Caballero nos
meses dezembro de 2017, março de 2018 e junho de 2019 com o intuito de mapear
as universidades, realizar conversas informais com candidatos e estudantes
brasileiros matriculadas nos cursos de medicina em Pedro Juan Caballero
(Paraguai), trabalhadores ligados direta ou indiretamente a essas universidades,
proprietários de estabelecimentos comerciais nas cidades fronteiriças de Pedro Juan
Caballero e Ponta Porã. A pesquisa também fez uso de observações da área de
influencia direta das universidades de medicina, registros fotográficos e cartografia.

Pedro Juan Caballero e o contexto de fronteira


A formação desta cidade e sua região está ligada com a delimitação da
fronteira internacional entre Brasil e o Paraguai em 1870, delimitação essa
associada diretamente com o final da Guerra da Tríplice Aliança do Brasil, Argentina
e Uruguai contra o Paraguai ocorrido entre 1864-1870, conflito considerado como
um dos maiores da América do Sul, tanto pelo tempo de duração, como também
pelas perdas humanas, econômicas e sociais, causados principalmente em solo
paraguaio, palco desse conflito.
Ao finalizar a guerra, os representantes do governo paraguaio decidiram
deliberadamente por vender bens do Estado, com a escusa de criar caixa para
saldar dívidas da guerra, dando início ao processo de vendas das terras públicas ao
capital privado internacional (PASTORE, 2013).Nesse contexto, às terras desta
região de fronteira foramvendidas e/ou arrendadas para empresas estrangeiras que
se dedicavam a exploração, produção e comercialização da erva-mate (RAMIREZ,
2002).
Cardona (2008) menciona que a cidade de Pedro Juan Caballero era
conhecida como “Punta Porá” ou “ParajePunta Porá” entre o final do século XIX e
início do século XX. O autor menciona que a formação desta cidade está

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relacionada ao trajeto que os condutores de carretas realizavam ao transportarema


erva-mate produzida em Mato Grosso (atual sul do estado de Mato Grosso do Sul)
para o porto de Concepción (Paraguai) com destino final para a Argentina (GOIRIS,
1999). Nessa trajetória existiam fontes de águas utilizadasprincipalmente por essas
caravanas que transportavam a erva-mate, onde uma dessas fontes deu origem ao
povoado local (ROIG, 1984).
Goiris (1999) afirma que a adoção do nome de Pedro Juan Caballero
substituindo a denominação de Punta Porá, foi uma iniciativa do governo nacional
em homenagear os próceres da independência em 1811, não sendo uma iniciativa
da população local. Daí a controvérsia entre vários políticos, intelectuais e
historiadores da época em relação à data de fundação da cidade, pois em 1899 foi
criada por decreto a “Comisaría Policial” emPunta Porá e em 1901 outro decreto
modificava o nome da cidade para Pedro Juan Caballero.Somente em meados do
século XX inicia-se um processo significativo de povoamento através da colonização
agrícola e da expansão da fronteira agrícola por meio da fundação de colônias
agropecuárias, instalação de empresas cafeeiras e serrarias (GOIRIS, 1999).
Pedro Juan Caballero é a capital do departamento de Amambay, cabe
mencionar que este departamento possui mais quatro distritos. Em 2000 a
população desse departamento era de 119.660 habitantes, dos quais 86.538 (72%)
habitantes residiam em Pedro Juan Caballero, já no ano de 2015 a população total
do departamento foi 159.263 habitantes, e aproximadamente 71% dessa população
o equivalente a 113.872 residia em Pedro Juan Caballero (DGEEC, 2015). A Tabela
1 mostra a evolução da população no departamento de Amambay e em Pedro Juan
Caballero.

Tabela 1. Evolução da população no departamento de Amambay e em Pedro Juan


Caballero.
Ano Pedro Juan Caballero Departamento del Amambay
2000 86.538 119.660
2001 88.418 122.300
2002 90.293 124.942
2003 92.162 127.585
2004 94.028 130.234
2005 95.888 132.884
2006 97.744 135.540
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2007 99.585 138.187


2008 101.423 140.842
2009 103.244 143.487
2010 105.051 146.127
2011 106.849 148.769
2012 108.625 151.395
2013 110.394 154.027
2014 112.140 156.646
2015 113.872 159.263
Fonte: Elaboração nossa com dados da DGEEC (2015).

A Encuesta Permanente de Hogares (EHP, 2015) estimou que no ano de


2014 o departamento de Amambay registrou uma população ocupada de 58.069
pessoas, distribuídas da seguinte maneira: 65% das pessoas ocupadas estão no
setor terciário, 19% no setor primário e 16% no setor secundário. Nesse sentido
pode-se afirmar que atualmente o comércio e serviços são atividades dinâmicas da
economia de Pedro Juan Caballero, este dinamismo está associado também com a
sua localização na fronteira com Ponta Porã, município do estado de Mato Grosso
do Sul.
Em relação às atividades econômicas ligadas ao setor de serviços, comércios
e indústrias, também pode-se afirmar que a cidade de Pedro Juan Caballero
concentra parte significativa dessas atividades, conforme podemos observar na
Figura 1.

Figura 1: Estabelecimentos de Atividades Econômicas em Indústria, Comércio


e Serviços na cidade de Pedro Juan Caballero - Paraguai

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Estabelecimentos Econômicos
4500

4000 3.868

3500 3.346

3000

2500

2000 1.841
1.661
1500

1000
540 485
500

0
Indústria Comércio Serviços

Amambay PJC

Fonte: Elaboração do autor com base no CEN (2012).


Aproximadamente 90% dos estabelecimentos de comércio e serviços estão
concentrados em Pedro Juan Caballero.Têm-se observado nos últimos anos que
esse municípiopassa por umprocesso de transformação socioeconômica, no que diz
respeito à expansão do ensino superior privado, especialmente de universidades
relacionadas à ciências da saúde, sendo os cursos de medicina os de maior
demanda, afirmando-se de certa forma como uma “cidade universitária”, pois já
conta com 9 cursos de medicina. A Figura 2 apresenta algumas dessas
universidades.

Figura 2 - Localização das Universidades de Medicina em Pedro Juan Caballero.

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Fonte: Elaboração nossa, 2019.


Observou-se que existe uma concentração de universidades próxima à linha
internacional. Esta localização é estratégica, pois facilita o acesso dos estudantes de
medicina às universidades no lado paraguaio e permite que os mesmos possam
morar no outro lado da fronteira, em Ponta Porã.
A maior parte dos estudantes de medicina na cidade de Pedro Juan Caballero
são de nacionalidade brasileira, podendo chegar a uma porcentagem de 80% a 90%
dos matriculados, geralmente as aulas são ministradas em espanhol, porém é
interessante mencionar que na malha curricular dos cursos é incluído disciplinas que

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focam no estudo do idioma guarani. A Universidad del Norte foi a primeira a abrir os
cursos relacionados à área da saúde e especificamente o curso de medicina na
cidade de Pedro Juan Caballero. A Figura 3 apresenta a Uninorte.

Figura 3 – Universidade del Norte no centro urbano da cidade de Pedro Juan


Caballero - Paraguai

Fonte: Registro do autor, 2017.

Esta universidade iniciou sua atividade no ano 2.000, oferecendo os cursos


de enfermagem, odontologia e obstetrícia, posteriormente habilitou o curso de
medicina. Na atualidade conta com 13 cursos, 2.400 estudantes e 170 técnicos e
docentes, o curso que mais se destaca é o de medicina (UNINORTE, 2017). Na
última semana de novembro de 2017 o local foi palco de acampamentos de
estudantes e familiares/amigos brasileiros que buscavam realizar matrícula no curso
de medicina para o ano letivo de 2018. A Figura 4 apresenta o acampamento
montado pelos candidatos às vagas do curso de medicina.

Figura 4 - Acampamento de candidatos à procura de vaga no curso de medicina na


Uninorte para o ano letivo de 2018.

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Fonte: Registro do autor, 2017.

Verificou-se que a matricula ocorreria no dia 02/12/17 e que os candidatos


ficaram acampados por cinco dias. Em conversa informal com alguns destes
candidatos constatou-se que muitos vieram de lugares distantes, como é o caso de
FM, estudante de psicologia com 19 anos de idade e que estava acompanhada da
mãe, os quaisvieram da cidade de Brasília (capital do Brasil) à procura de vaga no
curso de medicina, de acordo com os entrevistados: “Estamos aqui juntos a procura
de uma vaga, o que me atraiu aqui é a questão da mensalidade, mas também a
qualidade de ensino” (Entrevista realizada com FM em 01/12/2017).
Em conversa com estudante de medicina matriculado na mencionada
universidade, este comentou que é oriundo do interior de São Pauloe que o sonho
dele era fazer um curso de medicina, em suas palavras:
Meu sonho era fazer medicina, e a gente tem que acreditar nos sonhos né,
eu fiquei sabendo das universidades de medicina por meio de um parente
que sempre vêm aqui no Paraguai para comprar pneus e eletrônicos essas
coisas, aí comecei a correr atrás e buscar informações, na primeira vez eu
vim com meu pai e pesquisamos todas as universidades, ai eu gostei da
Uninorte por que é mais antiga e gostei de lá. Depois voltei de novo pra
fazer a matrícula, e ficamos acampados uns quatro dias, meu pai ficava de
dia e eu ficava de noite, eram poucas vagas, aí eu consegui. No momento
eu prefiro morar no lado brasileiro, tem uma gestora que me auxilia nas
documentações e até comprei uma motinha dessas do Paraguai para ir
àfaculdade, aí o carro fica com a mulher (Entrevista com estudante de
medicina CC em março de 2018).

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No ano de 2005 inicia a construção da Universidad Privada Pacífico no


município de Pedro Juan Caballero devido a sua localização de fronteira seca com a
cidade de Ponta Porã. Sobre a relevância da fronteira para a localização desta
instituição de ensino superior, a mesma pode ser pronuncia da seguinte maneira:
La localización actual de la Carrera de Medicina de la Universidad del
Pacífico en su Filial Pedro Juan Caballero, facilita el acceso de los
estudiantes brasileños debido a la cercanía y a la frontera seca que divide al
Paraguay con Brasil, actualmente ya constituyen un 80% del número total
de estudiantes matriculados; cabe destacar además, que los costos de
cuota son menores respecto a las facultades de ese país (UNIVERSIDAD
DEL PACÍFICO, 2017, p.1).
Bruno Alves Silva, em entrevista realizada com a Associação Paulista de
Medicina (2013), menciona que é recém-formado pela Universidaddel Pacifico (UP)
– sede em Pedro Juan Caballero, onde 90% dos alunos são brasileiros, o qual relata
sua experiência da seguinte maneira:

Não tinha condições de pagar pelos cursos do Brasil e, na minha época, o


financiamento estudantil ainda era muito difícil; aqui pagava cerca de mil
reais por mês”, relata. Ele descreve que, na UP, a partir do segundo ano, os
alunos já começam a conhecer os hospitais e, do terceiro em diante, a
depender do interesse e notas, o graduando pode acompanhar grupos de
médicos no atendimento. “A grade é igual à do Brasil, mas temos em torno
de 10,5 mil horas de carga curricular, enquanto algumas universidades
brasileiras têm só 7 ou 8 mil”, compara, ao opinar que deveria haver um
exame único para avaliar o preparo de formandos do Brasil e de outros
países (Revista da APM, 2013, p. 12).
Cabe destacar que esta Universidade está em processo de expansão com a
construção de um centro médico. A Figura 5 apresenta a sede da Universidaddel
Pacíficona cidade de Pedro Juan Caballero e a Figura 6 apresenta o campus
universitário.

Como pode-se averiguar pelos relatos os acadêmicos de medicina têm sido


seduzidos pelos preços atraentes de mensalidade das faculdades de medicina,
comparado com os preços praticados no Brasil, além da facilidade de acesso direto,
sem necessidade de um processo seletivo de ingresso no estilo de vestibular e
também pela localização de fronteira seca com o Brasil. As mensalidades situam-se
em uma média de 900R$ no primeiro ano.

Figura 5 – Sede da Universidad del Pacíficono centro urbano da cidade de Pedro


Juan Caballero - Paraguai

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Fonte: Registro do autor, 2017.

Figura 6 – Campus Universitário da Universidaddel Pacífico na área urbana da


cidade de Pedro Juan Caballero - Paraguai

Fonte: Registro do autor, 2019.

Já um estudo realizado pelo Sindicato das Mantenedoras de Ensino Superior


(SEMESP), apontou que para o primeiro semestre de 2017, a média do valor da
mensalidade do curso de medicina no Brasil em instituições privadas é de RS

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6.203,57 (G1, 2017). O quadro 1 apresenta os valores das mensalidades ao longo do


curso de medicina em uma das universidades1.

Tabela 2 - Preços das mensalidades do curso de medicina para fevereiro de 2018

1° ano 1.500,00 Guaranis 909,00 Reais


2° ano 1.700,00 Guaranis 1030,00 Reais
3° ano 1.900,00 Guaranis 1051,00 Reais
4° ano 2.100,00 Guaranis 1272,00 Reais
5° ano 2.300,00 Guaranis 1393,00 Reais
6° ano 2.550,00 Guaranis 1545,00 Reais
Fonte: UCP, 2017.

Em conversa com trabalhadores ligados a uma dessas universidades pode-se


verificar que 90% são estudantes brasileiros e 10% são estudantes de nacionalidade
paraguaia, por sua vez praticamente todos os acadêmicos paraguaios recebem
bolsa de estudo de órgãos nacionais como, por exemplo, daHidroelétrica de Itaipu e
da GobernacióndelAmambay. Em seu relato o funcionário da universidade destacou
o seguinte:

Unos 90% son brasileños y un 10% de paraguayos de estos la mayoría son


becados. Son 1200 alumnos matriculados y de eso 20 estudiantes son
paraguayos becados de la gobernación y el resto todos brasileños. Para el
año que viene (2018) hay 1500 vagas en total (CV 07/11/2017).
Como a maior parte dos acadêmicos são brasileiros, por conseguinte, de
forma majoritária têm-se que as faculdades possuem uma malha curricular
semelhante às de instituições que operam no Brasil e dão ênfase ao exame revalida
aplicado no Brasil para médicos que se formaram em outros países. Segundo um
Informativo local na cidade vizinha de Pedro Juan Caballero (Paraguai), Ponta Porã
(Brasil), têm-se que os

Países do Mercosul, como Argentina, Chile e Paraguai se tornaram destinos


de brasileiros que buscam estudar medicina fora do país. Devido a isto
percebeu-se o nascimento de diversas faculdades de medicina na cidade de
Pedro Juan Caballero, cidade vizinha à Ponta Porã, Mato Grosso do Sul.
Sabendo disso, a Universidade Autônoma San Sebastian (UASS), com seu
novo corpo diretivo, tem como objetivo tornar a universidade em referência

1
As mensalidades na Universidade Central del Paraguay variam de R$900,00 a R$1.545,00 (podem
sofrer variações de acordo com o câmbio, cotação utilizada R$1,00 = G$1.650), a faculdade trabalha
com o sistema de desconto de 10% para o pagamento até o dia 10 de cada mês, são 12
mensalidades por ano.

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em educação de medicina, não só na região, mas sim no mundo medicinal.


Para tanto, de acordo com o porta voz da UASS, o plano é investir na
qualidade do ensino, na estrutura do campus e no preparo dos alunos para
o revalida e residência médica no Brasil (PONTA PORÃ INFORMA, 2016,
p.1).
Mais um item que chama a atenção, em sua malha são 4 matérias
relevantes como: SUS, Saúde Pública Brasil, condicionado em Saúde
Pública MERCOSUL matérias que são pilares nas perguntas que cai no
revalida (60%). A instituição “UASS” é uma boa opção para quem não
possuí recursos financeiros e querem estudar medicina em universidades
que tem os padrões de universidades brasileiras (JORNAL DO ESTADO,
2017, p.1).
Uma média de oitoa novemil alunos brasileiros estãoestudando nessas
universidades (JORNAL DO ESTADO, 2017; G1 2017). Porém em conversa com
representantes da prefeitura municipal de Ponta Porã verificou-se que este número
pode chegar a 12 mil estudantes de medicina transitando nos dois lados da fronteira,
isso sem considerar os familiares que acompanham esses acadêmicos. Segundo o
informativo da cidade fronteiriça de Ponta Porã (Brasil):

Medicina com certeza é uma das carreiras mais concorridas entre as


graduações de nível superior, as faculdades de medicina do Paraguai
também são destaque quando o assunto é dinheiro: além dos baixos custos
nas mensalidades, o material didático e os equipamentos de trabalho
(estetoscópio, aparelhos para medição de pressão, jalecos e outros,
também são baratos e os alunos estudam em período integral, fato que
elimina a possibilidade de conseguir um emprego para contribuir com as
despesas (PONTA PORÃ INFORMA, 2017, p 1).
A presença destes estudantes aquece a economia da fronteira, produzindo
efeitos de encandeamento no setor imobiliário, construção civil, comércio de
alimentos, supermercados, postos de combustíveis, lojas de eletrônicos, papelarias,
fotocopias, bares e restaurantes. Em conversa com uma moradora da cidade de
Pedro Juan Caballero, SS de 40 anos, ela menciona que as universidades
funcionam como fonte emprego para os moradores da cidade que tradicionalmente
dependem do comércio gerado pelo fluxo de turistas que vem à fronteira em busca
dos produtos importados que são comercializados na cidade de Pedro Juan
Caballero (Paraguai), separada da cidade de Ponta Porã (Brasil) por somente uma
avenida.

Muy buena para la ciudad por que dan muchas fuentes de trabajo. La
expansión de las universidades genera una fuente de trabajo para docentes,
médicos, limpiadoras, albañiles, alquiler de viviendas, restaurantes, nos
beneficia a todos, a muchos profesionales de distintas áreas. (Entrevista
realizada com moradora, SS de 40 anos, na cidade de Pedro Juan
Caballero em dezembro/2017)

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A expansão de universidades, que ofertam cursos de medicina em Pedro


Juan Caballero, promovem oestimulodoturismo de compra, devido ao fato de que a
presença dos estudantes de medicina atrai familiares e amigos brasileiros que,ao
visitar estes estudantes, realizam compras nas lojas que estão situadas na região de
fronteira Brasil/Paraguai. Porém é interessante destacar que esta expansão tem
gerado pontos positivos e negativos como destaca a entrevista a seguir.
Em relação à expansão universitária na cidade de Pedro Juan Caballero
acredito que existem pontos negativos e positivos, contudo, acredito que os
pontos positivos superem os negativos, visto que a expansão universitária
tem atuado como um motor de propulsão econômica que tem acelerado o
desenvolvimento fronteiriço.Faz-se necessário que os organismos gestores
adotem medidas que minimizem os efeitos negativos de tal expansão, tais
como: trânsito caótico e especulação imobiliária elevada.No âmbito
econômico, essa expansão atua como um propulsor; no âmbito cultural e
social, a expansão promove um processo de troca cultural que acredito ser
bastante enriquecedor para ambas as partes. No entanto, é muito evidente
a separação existente entre brasileiros e paraguaios no meio universitário.
Já tivemos diversos relatos do ranço vivido no dia a dia nas faculdades e
isso é um fato muito entristecedor (Entrevista realizada com a
empresáriabrasileira BS, 29/11//2017).
Também foi possível verificar uma expansão imobiliária na cidade de Pedro
Juan Caballero relacionada diretamente com a presença de estudantes
universitários (BBC News, 2017). Diante do aumento da demanda por moradias por
parte dos estudantes de medicina as cidades de Pedro Juan Caballero e Ponta Porã
têm-se re-configurado no setor imobiliário, adequando a oferta de imóveis para estes
estudantes, sejam com a construção de apartamentos, kit nets e residências
construídas para atender tal demanda imobiliária gerada por parte de tais
estudantes. Outra modalidade de moradia que vêm ganhando espaço são os
pensionatos e as repúblicas de estudantes, nessa última os estudantes alugam um
imóvel e dividem todos os custos como aluguel, água, luz, internet, alimentação e
até mesmo transporte.

Considerações Finais
Na cidade paraguaia de Pedro Juan Caballero, tem-se constatado uma
expansão de universidades privadas que ofertam cursos de Medicina voltados para
o atendimentoda demanda proporcionada por brasileiros. Como verificado, nos
dados coletados nesta pesquisa, teve-se que de 80% a 90% dos alunos dos cursos
de medicina nas faculdades paraguaias são freqüentados por acadêmicos de
nacionalidade brasileira. Esses alunos são atraídos principalmente pelo fato de que
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não precisam passar por um processo seletivo para ingressarem no curso e também
devido ao fato de que o preço das mensalidades é menor quando comparado
aospreços praticadosnas instituições privadas de ensino superior que estão
localizadas no Brasil.
Desse modo, os cursos ofertados terminam por apresentarem suas grades
curriculares às necessidades de avaliação e revalidação de diploma que os
brasileiros são obrigados a realizar para exercerem a profissão no Brasil. Assim,
essas universidades se instalam nas cidades paraguaias que fazem fronteira com o
Brasil e, de preferência, próximas ao limite internacional para facilitar a mobilidade
dos alunos entre o lado brasileiro e paraguaio da fronteira.
Como foi possível constatar nas entrevistas e em notícias, esse fluxo de
estudantes brasileiros para as universidades paraguaias constituiu-se em um
impulsionadorda economia local, sobretudo, nos ramos comerciais, imobiliários e da
construção civil. A vinda desses alunos acaba fomentando o surgimento de
estabelecimentos voltados ao consumo e lazer dos jovens, e aquecendo o setor
imobiliário, uma vez que os estudantes vindos de fora procuram alojamentos para se
estabelecer durante a formação acadêmica. A estadia dos estudantes de medicina
na área de fronteira exerce um efeito atrativo para com seus familiares e amigas (os)
que passam a visitá-los e aproveitam a vinda para fazer as compras na cidade
fronteiriça de Pedro Juan Caballero. Tais incrementos nos setores comerciais e de
serviços, além de beneficiar a cidade-gêmea Ponta Porã, fortalece também a
polarização de comércios e serviços na capital do Departamento de Amambay, em
relação aos demais municípios de tal Departamento.

Agradecimentos:
Os autores agradecem à CAPES pela concessão de Bolsa a nível de
Doutorado.

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400

GESTÃO COMPARTILHADA DE RESÍDUOS SÓLIDOS EM CIDADES DA


FRONTEIRA BRASIL-PARAGUAI
Shared Management of solid waste in Brazil-Paraguay border cities
Gestión Compartida de residuos sólidos en ciudades fronterizas Brasil-Paraguay

Aline Robles Brito


Fabrício José Missio

Resumo: As relações entre Brasil e Paraguai são caracterizadas por


particularidades históricas, sociais, culturais, políticas e econômicas que resultaram
em situações de cooperação e conflito. Essas relações se intensificam em razão da
proximidade geográfica e do fato de que muitos dos seus recursos naturais são
indissociáveis pois ultrapassam os limites geopolíticos e jurisdicionais impondo
interdependência e vulnerabilidade ambiental. Este é o caso da gestão dos resíduos
sólidos. O artigo tem por objetivo traçar um panorama normativo acerca da gestão
compartilhada de resíduos sólidos para as cidades fronteiriças entre Brasil-Paraguai.
O escopo metodológico do estudo classifica-se em descritivo e exploratório, de
natureza qualitativa e fundamentado com uma pesquisa bibliográfica-documental. As
conclusões mostram que a gestão compartilhada de RSU em cidades fronteiriças
exigiria que alguns impasses institucionais e estruturais fossem superados, o que
demanda interesse político, recursos e esforços das distintas esferas
governamentais de ambos países.
Palavras-chave: Relações Internacionais. Resíduos urbanos fronteiriços. Gestão
pública na fronteira.

Abstract: Relations between Brazil and Paraguay are characterized by historical,


social, cultural, political and economic particularities that have resulted in situations
of cooperation and conflict. These relationships intensify because of their
geographical proximity and the fact that many of their natural resources are
inseparable because they go beyond geopolitical and jurisdictional boundaries,
imposing interdependence and environmental vulnerability. This is the case with solid
waste management. The article aims to provide a normative overview of shared solid
waste management for border cities between Brazil-Paraguay. The methodological
scope of the study is classified as descriptive and exploratory, qualitative in nature
and based on a bibliographic-documentary research. The findings show that shared
management of MSW in border cities would require some institutional and structural
impasses to be overcome, which demands political interest, resources and efforts
from the different governmental spheres of both countries.
Key words: International relations. Frontier urban waste. Public management at the
border.


Administradora e Mestra em Desenvolvimento Regional e de Sistemas Produtivos. UEMS Ponta
Porã-MS. E-mail: alinerobles.brito@gmail.com

Professor do CEDEPLAR/UFMG e do PPGDRS/UEMS e bolsista produtividade do CNPQ (nível 2).
E-mail: fabriciomissio@gmail.com

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401

Resumen: Las relaciones entre Brasil y Paraguay se caracterizan por


particularidades históricas, sociales, culturales, políticas y económicas que han
resultado en situaciones de cooperación y conflicto. Estas relaciones se intensifican
debido a su proximidad geográfica y al hecho de que muchos de sus recursos
naturales son inseparables porque van más allá de los límites geopolíticos y
jurisdiccionales, lo que impone interdependencia y vulnerabilidad ambiental. Este es
el caso de la gestión de residuos sólidos. El artículo tiene como objetivo proporcionar
una descripción normativa de la gestión compartida de residuos sólidos para
ciudades fronterizas entre Brasil y Paraguay. El alcance metodológico del estudio se
clasifica como descriptivo y exploratorio, de naturaleza cualitativa y basado en una
investigación bibliográfico-documental. Los hallazgos muestran que la gestión
compartida de los RSU en las ciudades fronterizas requeriría superar algunos
obstáculos institucionales y estructurales, lo que exige interés político, recursos y
esfuerzos de las diferentes esferas gubernamentales de ambos países.
Palabras-clave: Relaciones Internacionales. Frontera de residuos municipales.
Gestión pública en la frontera.

Introdução
A questão ambiental ganhou crescente relevância no âmbito das relações
internacionais em razão da existência de uma inevitável interdependência ecológica
que está diretamente relacionada ao desenvolvimento das nações.
Nesse contexto e em meio a globalização, os países buscam alternativas
sustentáveis para gerir seu território e seus recursos naturais de maneira
responsável e condizente com os fundamentos do Direito Internacional Ambiental i.
Todavia, essas alternativas não são facilmente implementadas, pois cada país
possui autonomia para estabelecer suas próprias políticas e ferramentas de gestão.
Além disso, as tratativas ambientais adotadas internamente pelos distintos países
relacionam-se diretamente com seus aspectos estruturais e, estes últimos, variam
conforme a realidade e a dinâmica econômica, social e cultural vivenciada em cada
um deles.
Alguns fatores da degradação ambiental são resultantes das decisões de
produção e de consumo. Essas decisões podem ocasionar o esgotamento dos
recursos naturais e afetar a qualidade de vida das sociedades, pois o meio ambiente
tem o papel de ser o provedor de recursos para a produção de bens e serviços e ao
mesmo tempo o receptor dos resíduos resultantes do processo econômico.
A preservação ambiental é uma responsabilidade de todos e, por isso, a
educação ambiental tem papel de destaque na sociedade contemporânea. É
fundamental, portanto, considerar a existência de vários interlocutores e

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participantes sociais que precisam ser orientados acerca da temática ambiental por
meio da disseminação de práticas educativas que reforcem a corresponsabilidade e
os valores éticos em todos os níveis e esferas sociais.
As ações adotadas pelo poder público assumem grande relevância pois ele é
um dos principais responsáveis pela implementação de formas de regulação e
práticas eficientes de gestão ambiental. São exemplos as ações e políticas que
limitam e/ou monitoram a utilização desenfreada dos recursos naturais em seus
projetos de desenvolvimento econômico ou o direcionamento de práticas
educacionais à população a fim de conscientizar e minimizar a degradação
ambiental.
Logo, é possível adotar medidas para facilitar a gestão adequada dos
Resíduos Sólidos Urbanos (RSU)ii. Estas medidas podem trazer inúmeros benefícios
para a sociedade seja na geração de empregos, na preservação do meio ambiente
ou na minimização de outros problemas, como àqueles voltados ao saneamento
básico e a saúde pública (ABRELPE, 2017).
Não obstante, os problemas ambientais relacionados à inadequada gestão ou
gerenciamentoiii de resíduos sólidos tendem-se a se agravar em cidades fronteiriças
diante de diversos impasses que interferem nessa cadeia de descarte, do reuso e do
reaproveitamento de resíduos. Estes impasses vão desde a discordância entre
aspectos jurídico-administrativos até questões relacionadas a geopolítica
internacional ou a características socioculturais.
Cidades ou municípiosiv fronteiriços podem ser considerados como duas
amplas franjas territoriais que compartilham uma mesma linha, geográfica e política,
e convivem populações com particularidades próprias, distintas entre si e incomuns
à outras partes do território nacional (SARQUIS, 1996 apud MULLER, 2005).
Machado (2005) afirma que a posição geográfica singular destes territórios e sua
proximidade à linha-limite da divisão dos estados soberanos impõe a necessidade
de uma constante e complexa busca pela adaptação de um equilíbrio local nas
relações de poder e na atuação de ambos Estados. A autora enfatiza que “conceber
políticas públicas dirigidas às fronteiras internacionais é problemático por envolver
interesses, elementos espaciais e legislações de países distintos” (p. 259).
Portanto, a localização geográfica destes espaços torna as relações com a
vizinhança internacional intensas e complexas. Em razão disso, estas cidades se
tornam espaços propícios para relações urbanas incomuns em diferentes aspectos

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403

pois suas territorialidades extrapolam os limites geográficos e jurisdicionais dos


países. Este é o caso de algumas cidades entre o Brasil e Paraguai.
Mais especificamente, cabe salientar que as relações entre estes dois países
são caracterizadas por particularidades históricas, sociais, culturais, políticas e
econômicas que resultaram em situaçõesv que variaram entre cooperação e conflito
(GEMELLI, SOUZA, 2011). Essas relações tem diferentes intensidades e dimensões
nas cidades fronteiriças dos dois países que estão distribuídas entre os estados de
Mato Grosso do Sul (11) e Paraná (7).
Além de compartilharem historicidades, estas cidades acabam “dividindo”
seus recursos naturais direta ou indiretamente, ampliando a interdependência e a
vulnerabilidade na gestão ambiental adotada por cada país. Brito e Missio (2019)
ressaltam que os problemas relacionados ao uso compartilhado dos recursos
naturais nas cidades fronteiriças agravam-se diante da dicotomia política e
institucional que ali se instaura, pois cada “lado” da fronteira tem soberania e o
direito de propriedade para gerir e planejar o uso de seu território conforme seus
próprios interesses.
Nesse contexto, o objetivo principal deste artigo é traçar um panorama
político/normativo acerca da possibilidade de implementação de uma efetiva gestão
compartilhada de resíduos sólidos para as cidades fronteiriças localizadas na
fronteira Brasil-Paraguai. Evidentemente, uma análise mais elaborada vai além dos
limites deste trabalho, por isso, a finalidade central é de caráter introdutório ao incitar
reflexões sobre os impasses institucionais e estruturais que permeiam a
concretização da efetiva gestão compartilhada de RSU.
Para cumprir com o proposto, o escopo metodológico do estudo classifica-se
em descritivo e exploratório, fundamentado por bases bibliográficas (livros, teses,
dissertações e artigos) de distintas áreas do conhecimento (Ciência Política,
Geografia Humana, Relações Internacionais) e fontes documentais (leis, acordos e
tratados internacionais, políticas e/ou ações direcionadas aos RSU) dos dois países.
O artigo encontra-se estruturado em três seções, além desta introdução e das
considerações finais. As seções 2 e 3 apresentam o panorama normativo da gestão
de resíduos sólidos no Brasil e no Paraguai, respectivamente. Na quarta seção,
empreende-se uma análise sobre as especificidades e os impasses existentes na
consolidação de uma efetiva gestão compartilhada de resíduos sólidos urbanos na
fronteira em estudo.

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404

Gestão de Resíduos Sólidos Urbanos no Brasil.


A gestão dos RSU representa um desafio para as cidades brasileiras. Esse
desafio foi reconhecido pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) que, em 2004, por
meio do seu órgão deliberativo e consultivo, o Conselho Nacional do Meio Ambiente
(CONAMA), concentrou esforços na elaboração de propostas para a criação de
diretrizes gerais aplicáveis aos resíduos sólidos. Para tanto, realizou-se um
seminário que visou apresentar contribuições para instituir uma Política Nacional de
Resíduos Sólidos (PNRS) no país (MMA, 2018). O CONAMA atua e analisa
assuntos relacionados ao saneamento ambiental em geral, avaliando normas e
orientações. Por sua vez, a Câmara Técnica (CT) de Qualidade Ambiental e Gestão
de Resíduos é a instância encarregada de desenvolver, examinar e relatar as
matérias ao plenário (CONAMA, 2011).
Embora tenha tramitado um projeto no Congresso Nacional desde o início da
década de 1990 que trata dos impactos dos resíduos sólidos no meio social,
somente no ano de 2010, com a aprovação da Lei Nº 12.305, foi instituído
formalmente a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS). Com essa
normatização definiram-se princípios, objetivos, instrumentos e diretrizes relativas à
gestão integrada e ao gerenciamento de resíduos sólidos, inclusive dos resíduos
perigosos, como também a responsabilidade compartilhada, ao incluir obrigações às
empresas geradoras de resíduos (por meio da logística reversa) e à sociedade
consumidora (por meio da coleta seletiva quando estiver disponibilizada pelo
município). Além disso, a PNRS ofereceu ao poder público os instrumentos
econômicos aplicáveis (BRASIL, 2012).
Nascimento Neto e Moreira (2010) avaliam que a Política Nacional de
Resíduos Sólidos definiu estratégias que viabilizam a agregação de valor econômico
aos resíduos, que até então eram descartados e geridos localmente sem parâmetros
nacionalmente estabelecidos. Os autores também consideram que esta política
incrementou a capacidade competitiva do setor produtivo e isto propiciou a inclusão
social dos trabalhadores no segmento da limpeza urbana. A PNRS delineou, ainda,
o papel dos Estados e Municípios na gestão e no gerenciamento dos resíduos
sólidos, suprindo assim a lacuna jurídica existente.

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405

Com a regulamentação desta lei pelo Decreto Nº 7.404 de 23 de dezembro de


2010 criou-se o Comitê Interministerial da Política Nacional de Resíduos Sólidos.
Este comitê tem por finalidade principal apoiar a estruturação e a implementação da
PNRS, atuando como articulador entre órgãos e entidades governamentais, de
modo a possibilitar o cumprimento das determinações e metas previstas na lei
(BRASIL, 2012). Uma outra determinação importante estabelecida pelo decreto (art.
71) foi a criação do Sistema Nacional de Informações Sobre a Gestão dos Resíduos
Sólidos – SINIR. O SINIR é um instrumento para a gestão e implementação da
PNRS e pode ser considerado como uma ferramenta facilitadora e unificadora das
informações específicas sobre o panorama nacional do gerenciamento dos resíduos
sólidos no país. Ele visa monitorar, fiscalizar e avaliar a eficiência da gestão e dos
resultados, bem como os impactos e o acompanhamento das metas definidas e,
ainda, oferecer informação à sociedade (BRASIL, 2012).
Em suma, nota-se que a gestão de RSU no Brasil é um processo em
estruturação que, considerando as heterogeneidades encontradas nos milhares de
municípios brasileiros e a dimensão continental do país, é de difícil implementação.
Outrossim, destaca-se que, segundo um diagnóstico feito pelo Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), em 2012, os aspectos econômicos municipais
são determinantes na gestão dos RSU, pois as despesas com a limpeza urbana
tendem a variar de acordo com características do município (tamanho, relevo,
distância até o local de disposição final) e a qualidade do serviço prestado (se há
coleta seletiva, frequência da coleta e da varrição etc.) (IPEA, 2012).
A Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Urbana e Resíduos
Especiais (ABRELPE) apresentou, em 2017, um panorama mais próximo à realidade
atual do país, com a divulgação de dados sobre o tema para macrorregiões e por
Unidades Federativas. Entre estes, destaca-se que foram coletados no Brasil
aproximadamente 71,6 milhões de toneladas de RSU. Além disso, foi possível
observar que o país conta com um índice de cobertura de coleta de
aproximadamente 91,2% (ABRELPE, 2017).
Contudo, nem todos os RSU coletados tiveram a disposição final da forma
adequada conforme definido no Plano Nacional dos Resíduos Sólidos. A disposição
final desse material deve ocorrer por meio dos chamados aterros sanitáriosvi
(BRASIL, 2012). Os dados apontam que apenas 59,1% do total de RSU coletado
tiveram disposição final adequada no país durante o ano de 2017. Em outras

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406

palavras, apenas 2.218 munícipios brasileiros (cerca de 39% do total) cumpriram


com o disposto no Plano Nacional (ABRELPE, 2017).
Portanto, é fácil perceber que a determinação da Lei nº 12.305/2010 (no art.
54) não foi cumprida. Segundo esta, a gestão e o gerenciamento dos RSU no Brasil
deveriam obedecer aos novos critérios e diretrizes no prazo de até 4 (quatro) anos
após a publicação da PNRS (ou seja, até agosto de 2014). A Câmara dos
Deputados, por meio da Medida Provisória (MP) nº 651/2014, aprovou a prorrogação
desse prazo para que os municípios não fossem penalizados com cortes no repasse
dos recursos financeiros. Essa medida foi reeditada e convertida no Projeto de Lei
(PL) nº 2.289, de 2015 e tramita desde então no Congresso Nacional.
Portanto, os lixões e os aterros controladosvii permanecem sendo utilizados
até hoje em todo o país (tabela 1).

Tabela 1 – Quadro evolutivo do tipo de disposição final de RSU adotado no Brasil


BRASIL
DISPOSIÇÃO FINAL (Número total de Munícipios)
2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017
Aterro Sanitário 2.194 2.213 2.226 2.236 2.244 2.239 2.218
Aterro Controlado 1.764 1.773 1.775 1.775 1.774 1.772 1.742
Lixão 1.604 1.579 1.569 1.559 1.552 1.559 1.610
BRASIL 5.565 5.565 5.570 5.570 5.570 5.570 5.570
Fonte: Adaptado de ABRELPE (2011; 2012; 2013; 2014; 2015; 2016; 2017).

Diante os dados acima, nota-se que, gradativamente, os municípios passaram


a contar com aterros sanitários, indicando que o poder público investiu no setor até
2015. No entanto, os dados dos anos de 2016 e 2017 evidenciaram uma diminuição
considerável na quantidade desse tipo de local para a disposição final e um
consequente aumento na quantidade de aterros controlados, especialmente, de
lixões. A ABRELPE (2017) afirma que a redução nos investimentos voltados ao
gerenciamento dos RSU no Brasil pode ser explicado pelo cenário de recessão
econômica vivenciado no país.
Em análises direcionadas à gestão dos RSU no cenário brasileiro como um
todo, desde o processo de evolução até os desafios atuais, Santos e Rovaris (2017)
identificaram que após a instituição da PNRS houve um aumento de práticas da
coleta seletiva e reciclagem (especialmente de alumínio e plástico). Sendo assim,
acredita-se que a PNRS trouxe avanços e representou um marco no debate acerca
da importância da gestão de resíduos sólidos no âmbito nacional.

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Durso, Lopes e Otto (2017) enfatizam que, com a PNRS, um conjunto de


diretrizes jurídicas passou a ser estabelecida e serviram para nortear estratégias na
agregação de valor aos resíduos sólidos, bem como propiciar a inclusão e o controle
social e, ainda, incluir empresas, sociedade e poder público como corresponsáveis
na gestão dos RSU no país.
Entretanto, é preciso considerar que, em relação à gestão de RSU
especificamente para as áreas de fronteiras, a PNRS e nenhuma outra normativa
legal definiu diretrizes jurídicas para o descarte de RSU nas aglomerações contíguas
com outros países. O art. 13 da PNRS chama atenção apenas para os resíduos de
serviços de transportes, ou seja, aqueles resíduos originários de portos, aeroportos,
terminais alfandegários, rodoviários, ferroviários e passagens de fronteira. A
preocupação é com o fato de que esses resíduos podem ser veiculadores de
agentes etiológicos de doenças transmissíveis ou de pragas (BRASIL, 2010). A
PNRS (no art. 49) proíbe também a importação de resíduos sólidos perigosos e
rejeitos, ou qualquer tipo de resíduos cujas características causem dano ao meio
ambiente, à saúde pública e animal e à sanidade vegetal, ainda que para
tratamento, reforma, reuso, reutilização ou recuperação (BRASIL, 2010).
No âmbito internacional, a gestão de RSU é amparada pela Convenção de
Basiléia (em 1989) e pelo Acordo-Quadro sobre o Meio Ambiente do MERCOSUL
(em 2001). O primeiro é um tratado internacional assinado em Basileia, na Suíça,
que visa dispor sobre o controle dos movimentos transfronteiriços de resíduos
perigososviii e seu depósito. Ele foi internalizado apenas com o Decreto nº 875, de 19
de julho de 1993 e regulamentado pela Resolução do CONAMA nº 452, 02 de julho
de 2012. O objetivo principal era promover o gerenciamento ambientalmente
adequado dos resíduos perigosos e outros resíduos internamente nos países
participantes, reduzindo sua movimentação e a disposição inadequada de resíduos
estrangeiros em território nacional (MMA, 2018). Com relação ao segundo, trata-se
de uma manifestação de interesse na articulação de medidas e objetivos que
contemplem a preservação ambiental do Brasil com seus vizinhos sul-americanos
(Argentina, Paraguai e Uruguai). Esse acordo apresenta importante definições, entre
as quais (art. 5):
[...] Esta cooperação poderá incluir, quando se julgar conveniente, a
adoção de políticas comuns para a proteção do meio ambiente, a
conservação dos recursos naturais, a promoção do desenvolvimento
sustentável, a apresentação de comunicações conjuntas sobre temas de

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interesse comum e o intercâmbio de informações sobre posições nacionais


em foros ambientais internacionais [...] (BRASIL, 2001, art. 5, grifo nosso).

Recentemente, uma outra medida legal buscou normatizar os resíduos


oriundos de serviços de transporte. Todavia, desde 2013, ela ainda está em fase de
tramitação no plenário e pendente de aprovação pela CT de Qualidade Ambiental e
Gestão de Resíduos. Trata-se de uma resolução que dispõe de alguns critérios e
procedimentos gerais para a elaboração de um plano de gerenciamento de resíduos
sólidos pelos responsáveis de portos, aeroportos, terminais alfandegários,
rodoviários, ferroviários e passagens de fronteira, especificamente relacionado ao
âmbito do licenciamento ambiental.
Apesar dessas tratativas no âmbito internacional, são praticamente
inexistentes aquelas direcionadas à realidade da gestão de RSU em cidades
fronteiriças. Na verdade, pode-se considerar que apenas diplomaticamente o Brasil
demonstra alguma preocupação na preservação de seus recursos naturais e no
fortalecimento da cooperação com seus vizinhos. As diplomáticas relações
internacionais do país especialmente com seus vizinhos confirmam e incentivam o
estabelecimento de compromissos e ações direcionadas à cooperação internacional
para a preservação do meio ambiente (ao menos no plano teórico), mas não
configuram um marco jurídico e legal para essa questão.
A ausência de parâmetros nacionais para a gestão dos RSU nas fronteiras
brasileiras pode ser explicada, em parte, pelo fato de que este processo ainda está
em implantação no âmbito interno nacional. Ou seja, internamente este processo
tem sido desafiador especialmente diante à realidade econômica do país e às
especificidades municipais.
Por fim, cumpre destacar ainda que a Constituição Federal/88 (no art. 30)
(BRASIL, 2008) determina que os municípios são responsáveis pela prestação de
serviços voltados ao saneamento ambiental, planejamento e uso do solo. Entretanto,
as limitações estruturais e as disparidades regionais existentes entre os 5.570
municípios brasileiros não são efetivamente consideradas, já que não existem
tratativas legais e jurídicas nacionais para atender realidades específicas, como é o
caso das cidades fronteiriças, indicando que a gestão compartilhada de RSU nas
fronteiras ainda não foi legalmente analisada.

Gestão de Resíduos Sólidos Urbanos no Paraguai.

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A gestão dos RSU no Paraguai está consolidada sob a responsabilidade da


Secretaria del Ambiente (SEAM)ix, que é o órgão governamental encarregado de
articular os processos inerentes à gestão ambiental do país. Em relação aos
resíduos sólidos, a SEAM atua por meio do setor denominado de Diretoria Geral de
Controle da Qualidade Ambiental e dos Recursos Naturais (DGCCARN)
(SEAM/2018).
Com relação à prestação e à organização dos serviços de coleta e de
disposição final no âmbito nacional do Paraguai é preciso enfatizar que, até meados
dos anos 2000, esses serviços eram precários, desatualizados ou inexistentes.
Em 2002, com as análises da Urban Institute e da Chemonics International
(UI/CI) somado aos esforços da Alter Vida e ao apoio financeiro da Agência
Internacional para o Desenvolvimento dos Estados Unidos (USAID) foram
apresentados alguns indicadores referentes à gestão dos RSU no país. Neste
estudo constatou-se que, entre 100 casas paraguaias: i) 49 delas queimavam seus
lixos; ii) 31 delas contavam com coleta pública; iii) outras 7 recorriam à coleta
privada; e iv) as demais descartavam os lixos em poços, valas, pátio ou fazendas
(UI/CI, 2002). Apontou-se ainda que até aquele período: i) apenas 30% dos
municípios paraguaios administravam diretamente os serviços de coleta e
disposição dos RSU de sua população; ii) outros 20% terceirizavam; iii) em 4%
acontecia ambas as modalidades; e, iv) os demais 46% seguiam sem nenhum tipo
de serviço de limpeza urbana (UI/CI, 2002).
De forma mais detalhada, em 2004, a Organização Mundial da
Saúde/Organização Panamericana da Saúde (OMS/OPS) apontou diversos
problemas e revelou dados preocupantes sobre a situação do descarte dos RSU no
Paraguai. Evidenciou-se que o acesso aos serviços de coleta de resíduos estava
restrito a pouco mais da metade da população urbana na maioria dos municípios
paraguaios, com exceção da capital Asunción (OMS/OPS, 2004). Além disso, não
foram identificadas a existência de práticas ou/e atividades direcionadas à coleta
seletiva, apenas casos isolados de reciclagem em algumas cidades. O relatório
ainda indicou que a disposição final dos RSU encontrava-se em uma situação
crítica, pois 72% dos RSU eram dispostos em lixões ao céu aberto, 28% em aterros
controlados e inexistiam aterros sanitários (OMS/OPS, 2004).
Após as análises detalhadas sobre todo o setor, algumas recomendações
foram apresentadas. Entre as principais, destacam-se: i) revisar o marco institucional

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e regulatório, tornando obrigatório o pagamento dos serviços com multas e sanções


definidas; ii) criar uma Unidade de assistência técnica para os municípios,
elaborando e implementando planos diretores municipais, com metas a médio e
longo prazo; iii) estabelecer mecanismos que facilitem aos municípios o acesso ao
crédito internacional e que também seja estimulada a gestão compartilhada com a
comunidade e as prefeituras; iv) fortalecer as associações comunitárias,
promovendo e disseminando campanhas educativas para o bom manejo dos
resíduos sólidos; v) monitorar o aumento progressivo dos catadores nos lixões e
ruas, com atenção especial ao caso das crianças e de mulheres grávidas, instituindo
ainda medidas alternativas para mudanças na condição informal desses
trabalhadores; etc. (OMS/OPS, 2004).
Em 2009 entrou em vigor a Lei nº 3.956 denominada de Ley para la Gestión
Integral de los Residuos Sólidos. No Paraguai, assim como no Brasil, a esfera
municipal é o órgão competente e responsável por proteger o ambiente e a
cooperação para o saneamento ambiental, provendo à população os serviços
necessários, principalmente em relação à limpeza urbana e domiciliar, bem como
compreender todas as fases definidas para a gestão integral dos resíduos sólidos
(PARAGUAY, 2009). Na supracitada Lei (art. 8) determinou-se que a SEAM deveria
elaborar um Plano Nacional para a Gestão Integral dos Resíduos Sólidos. Porém,
até o momento, este plano não foi elaborado.
A informação mais recente sobre o assunto refere-se à aprovação do Decreto
nº 7.391 no dia 28 de junho de 2017 que objetivava a regulamentação da Lei nº
3.956/2009. Ou seja, é possível que o atraso na regulamentação e implementação
de todas as exigências legais previstas, como a elaboração deste Plano Nacional,
decorra da ausência de normativas específicas diante a demora nos trâmites
legislativos. Em síntese, considera-se que a criação da Lei nacional dos resíduos
sólidos em 2009 consistiu no maior avanço do setor até então.
Entretanto, as recomendações elencadas nas análises anteriores ainda não
foram atendidas. Os dados atualizados trazidos pela Diretoria Geral de Estatística,
Pesquisas e Censos (DGEEC) revelam que os atuais serviços prestados no setor
seguem sem atender a totalidade da população paraguaia (tabela 2):
Portanto, é possível argumentar que os recursos públicos aplicados em
limpeza urbana no Paraguai ainda são limitados e não conseguem acompanhar as
exigências que o crescimento demográfico impõe.

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Tabela 2 – Habitações e População atendidas com serviços de coleta de resíduos no PY


HABITAÇÕES POPULAÇÃO
ANO Com serviço de coleta Com serviço de coleta
Total Total
Número % Número %
2006 1.376.057 506.020 36,5 5.946.471 2.003.626 33,7
2007 1.392.890 534.531 38,3 6.054.976 2.166.610 35,8
2008 1.469.912 564.973 38,1 6.163.913 2.237.615 36,3
2009 1.520.363 590.384 38,8 6.244.981 2.361.435 37,6
2010 1.575.975 640.884 40,7 6.381.940 2.519.271 39,5
2011 1.615.309 677.215 41,9 6.491.714 2.635.044 40,6
2012 1.652.895 680.986 41,2 6.600.284 2.696.311 40,9
2013 1.733.294 804.615 46,4 6.709.730 3.079.662 45,9
2014 1.745.449 823.464 47,2 6.818.180 3.176.458 46,6
2015 1.799.936 937.370 52,1 6.926.100 3.560.278 51,4
Fonte: (DGEEC, 2017, p. 116)

Por outro lado, salienta-se que, por meio da recente Resolução nº 304/2019
publicada no dia 06/06/2019, a SEAM estabeleceu um guia com metodologias
aplicavéis para a realização de estudos de caracterização dos RSU no Paraguai. Ou
seja, compreende-se que é fundamental oferecer informações para construir
inventários sobre os resíduos sólidos, como também para a elaboração dos planos
nacionais e municipais e, assim, desenvolver ações que melhorem a gestão dos
resíduos sólidos no âmbito interno (SEAM, 2019).
Com relação à disposição final dos RSU é importante frisar que a SEAM
estabeleceu, via Resolução nº 282 no dia 4 de junho de 2004, os critérios para a
seleção de áreas e especificações técnicas para a disposição final de resíduos
sólidos. Um outro aspecto identificado é que, apesar de algumas informações
indicarem a existência de aterros sanitários em alguns municípios paraguaios (em
fase de execução ou em planejamento) licenciados pela SEAM, não foram
encontrados dados oficiais com informações atualizadas sobre a operação, a
capacidade e a situação em que os mesmos se encontram.
As análises de Moreira (2011) com base em informações oriundas de
organizações internacionais (como o BID) sugerem que a situação da disposição
final dos RSU no país continua crítica e alarmante, pois cerca de 72% do total dos
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resíduos sólidos ainda são dispostos em lixões a céu aberto; 24% em aterros
controlados; e, apenas 4% em aterros sanitários.
Em síntese, percebe-se que apesar de avanços pontuais importantes da
última década, a gestão e o gerenciamento dos RSU no Paraguai ainda é reduzida,
em grande parte inconsistente e com pouca efetividade. Portanto, pode-se afirmar
que a inexistência de um Plano Nacional de Gestão de Resíduos Sólidos fazem com
que os municípios paraguaios acabem atuando sem normativas e diretrizes gerais.
Isso, evidentemente, afeta o monitoramento ambiental. Ou seja, o escasso
planejamento e fiscalização da esfera nacional podem estar contribuindo para o alto
índice de descarte inadequado dos RSU.
Tavares, Morra e Merlo (2004) enfatizam que essa responsabilidade
municipal não significa necessariamente que esse ente federativo deva operar todo
o processo e manejo dos resíduos sólidos. Ou seja, podem ser firmados contratos
de concessões via licitações transparentes para o setor privado (empresas e
cooperativas), principalmente no que se refere aos serviços de coleta e disposição
final. Entretanto, os autores sugerem que os municípios precisam ter a
responsabilidade de gerenciar, arredacar recursos (via cobrança de taxas sob os
serviços), monitorar e realizar o pagamento dos serviços às empresas tercerizadas.
Quanto às atribuições dos governos departamentais e nacional, seria
fundamental melhorar a coordenação das ações ligadas à regulação e as exigências
legais para “pressionar” os municípios a implementarem as orientações previstas em
lei. Porém, primeiramente, os departamentos e o governo central precisam articular
estratégias para formular e implementar políticas em níveis macros para subsidiar os
planejamentos municipais. Isso poderia acontecer por meio da formação de uma
Reitoria para o Sistema de Manejo de Resíduos Sólidos, que seria administrada pela
SEAM e outros ministérios correlacionados (TAVARES; MORRA; MERLO, 2004).
A análise recente apresentada no Plan Nacional de Desarrollo Paraguay 2030
(PND) mostra certa preocupação do poder nacional com relação à situação crítica
dos RSU no país. Nele costata-se que não há uma coordenação efetiva no setor
responsável pela formulação de planos, programas e projetos destinados ao manejo
dos RSU tanto em nível nacional como departamental e municipal. Ademais, um
alinhamento de objetivos internamente poderia oferecer suporte para resolver
problemas (sanitários e ambientais) gerados pelos resíduos. O PND 2030 apresenta
uma estratégia específica aos RSU, traçando objetivos e metas a serem cumpridas

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pelo país nos próximos anos para o “melhoramento do acesso e das condições de
moradia e hábitat, dos serviços básicos, saneamento, provisão de água, qualidade
do ar, solo e tratamento de resíduos” (PARAGUAY, 2014, p. 48).
Não obstante, além dos poucos progressos e da falta de efetividade nas
ações no âmbito político e institucional interno voltado à gestão dos RSU, o mesmo
não traz ações especificas às cidades fronteiriças. A Lei nº 3.956/2009
(especificamente nos art. 27 e 28) aborda sobre a questão da entrada e saída de
resíduos sólidos no país e impõe algumas restrições quanto à importação e à
exportação de resíduos sólidos, além de incumbir à SEAM de analisar e autorizar
casos excepcionais (PARAGUAY, 2009). Porém, apesar dessa normativa apontar
uma preocupação inicial à respeito da transfronteiricidade dos resíduos em gerais,
ela não trata da gestão compartilhada de RSU em áreas de fronteira.
Por fim, ressalta-se que o Paraguai também assinou a Convenção de Basileia
em 1989 (regulamentada pela Lei nº 567 de 1/06/95) bem como o Acordo-Quadro
sobre o Meio Ambiente do MERCOSUL (promulgado pela Lei nº 2.068/2003) que
determinaram premissas semelhantes com àquelas definidas pelo Brasil, ao proibir
expressamente o transporte internacional de resíduos e fomentar à cooperação
internacional para a preservação ambiental (PARAGUAY, 1995; 2003).
Apesar de nenhuma dessas duas tratativas abordarem diretamente a
problemática acerca da gestão de RSU em cidades da fronteira, o fato do Paraguai
fazer parte prospecta que, assim como o Brasil, ele estimula relações diplomáticas
para a proteção de seu território e recursos naturais. Contudo, isso não revela uma
preocupação consolidada com o inevitável compartilhamento territorial.

Gestão compartilhada de RSU nas cidades fronteiriças Brasil-Paraguai.


O Brasil e o Paraguai encontram-se em níveis distintos quanto à
implementação interna de políticas direcionadas à gestão dos RSU. Não obstante,
encontram-se em patamares equivalentes quando trata-se especificamente da
gestão de RSU para a realidade das cidades fronteiriças. A seguir (Quadro 1),
apresentamos uma síntese das normativas acerca da gestão de RSU dos países:
Quadro 1: Comparativo das gestões de RSU para fronteiras Brasil-Paraguai
Gestão de RSU para as cidades fronteiriças Gestão de RSU para as cidades fronteiriças
brasileiras paraguaias
- Lei nº 12.305/2010 – Política Nacional de - Lei nº 3.956/2009 – Ley para la gestión integral
Resíduos Sólidos; regulamentada pelo de los Residuos Sólidos. Recente
Decreto nº 7.404/2010; regulamentação via Decreto nº 7.391/2017;

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- Existência de um Plano Nacional, de um - Até o presente momento, inexiste um plano


Comitê Interministerial da PNRS e o SINIR; nacional para a gestão de resíduos sólidos,
conforme se prevê na lei nacional.
- Dados e informações sobre o setor estão - Dados e informações sobre o setor
atualizadas por meio de relatórios anuais da desatualizadas;
ABRELPE;
- Convenção de Basiléia, assinada em 1989 - Convenção de Basiléia, assinada em 1989 que
que foi regulamentada apenas em 2012; foi regulamentada apenas em 1995;
- Acordo-Quadro sobre o meio ambiente do - Acordo-Quadro sobre o meio ambiente do
MERCOSUL, em 2001; MERCOSUL, em 2001
- Não há um aparato jurídico e legal - Não há um aparato jurídico e legal
estabelecido pela esfera nacional direcionados estabelecido pela esfera nacional direcionados
aos RSU nas cidades fronteiriças; aos RSU nas cidades fronteiriças;
- O setor está em processo intermediário na - O setor está em processo embrionário na
implementação e na estruturação interna da implementação e na estruturação interna da
gestão adequada dos RSU; gestão adequada dos RSU;
- A execução desses serviços é de - A execução desses serviços é de competência
competência municipal, todavia, existem municipal e inexistem prazos predeterminados
prazos definidos para cumprimento da PNRS. para cumprimento da Lei 3.956/2009.
Fonte: Pesquisa Documental (2019).

Gerir os RSU de forma compartilhada em cidades fronteiriças embora


complexo e desafiador, não é algo impossível e deve ser feita de maneira
coordenada. Diversos estudos apontaram que planejamentos públicos
individualizados em cidades fronteiriças não trazem resultados efetivos para políticas
e ações estabelecidas (TORRECILHA, 2013; GONÇALVES, 2015; PERÍCOLO,
2017; BRITO, 2018).
Nesse sentido, planejar e gerir em conjunto apresenta-se como uma
alternativa mais interessante e profícua apesar das assimetrias serem
inquestionáveis. Para Torrecilha (2013) estas são apenas intensificadas diante de
decisões políticas e interesses unilaterais.
Por outro lado, Brito (2018) destaca que, embora ações conjuntas sejam
extremamente importantes, no cenário da gestão pública fronteiriça impõe-se,
inevitavelmente, duas estruturas administrativas em razão de três aspectos básicos:
i) uma dicotomia política-institucional; ii) a soberania territorial subdividida; e, iii) o
direito de propriedade sobre o território garantido à mais de uma nação.
No que tange especificamente ao aperfeiçoamento na gestão de RSU, ao
traçar um comparativo entre duas realidades distintas (do Brasil e de Portugal),
Gonçalves (2015) enfatiza a necessidade de uma atuação direta e efetiva em toda a
cadeia produtiva dos resíduos sólidos, da mesma forma que ocorre em Portugal,
seja por meio da coleta seletiva e da responsabilização de todos os envolvidos, mas
especialmente, pela extinção dos lixões, separação das fontes e a incineração com
recuperação energética.

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415

O autor afirma que isso acontece em razão do constante e impositivo


monitoramento realizado pela União Europeia para com seus Estados-membros, o
que poderia ser plenamente viável na realidade sul-americana através do Mercosul,
que traria implicações tanto no Brasil como no Paraguai, principalmente em suas
áreas de fronteira. Vale lembrar que ambos países poderiam desenvolver os meios
diplomáticos necessários para solucionar problemas comuns relacionados à
inadequada gestão de RSU fazendo-se, assim, que se concretizassem parte das
prerrogativas no Acordo-Quadro sobre o meio ambiente (GONÇALVES, 2015).
Perícolo (2017) identifica que a gestão de RSU mais eficiente, tanto no Brasil
como no Paraguai, concentram-se em cidades metropolitanas e populosas e, assim,
as áreas de fronteiras seguem sem serem percebidas pelos seus governos
nacionais. O autor, em suas análises detalhadas, aponta aspectos importantes sobre
a gestão de RSU às cidades fronteiriças de Ponta Porã (BR) e Pedro Juan Caballero
(PY) (PERÍCOLO, 2017, p. 265, grifo nosso):
Tanto Ponta Porã quanto Pedro Juan Caballero estão longe do ideal à
tratativa do tema dos resíduos sólidos, porém não contemplam o pior
diagnóstico possível, já que seu índice de coleta apresenta percentuais
acima de grande parte dos municípios de seus respectivos países [...] Ponta
Porã possui perspectivas melhores justamente por alcançar o PMGIRS e
firmar um acordo de gestão consorciada com outros municípios vizinhos
[...]. Pedro Juan Caballero além de não possuir um planejamento e
monitoramento de suas ações, não dispõe de compradores de resíduos
recicláveis no seu território, fato este que propicia o transporte irregular
destes materiais na fronteira brasiguaia e infringe a normativa
internacional chamada Convenção da Basiléia. [...] Ambos os municípios
dispõem de pouco controle às informações relacionadas ao tema, assim
a fragmentação das atribuições, juntamente com outras dificuldades,
inclusive a participação social, prejudica a proatividade no setor.

Ainda sobre as supracitadas cidades fronteiriças foram construídos


hipoteticamente quatro cenários distintos direcionados à viabilização de uma gestão
compartilhada de RSU (SEGALA et. al., 2015; IBAM/BID, 2014). Estes cenários
foram analisados detalhadamente e comparados diante três eixos de
sustentabilidade – pertinência, eficiência e eficácia. Isso deu origem ao Complexo
para Tratamento dos Resíduos Sólidos (CTRS). A figura 1, esquematiza um esboço
sobre a operacionalização do CTRS:

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Figura 1: Complexo para Tratamento dos Resíduos Sólidos (CTRS)

Legendas: RCC=Resíduos de Construção Civil/ RSS: Resíduos de Serviços de Saúde/ AM: Animais
Mortos/ RV: Resíduos Volumosos.
Fonte: IBAM/BID (2014, p. 41).

Segala et. al. (2015) enfatizam que este estudo demonstrou que gerir os RSU
em cidades fronteiriças é algo possível e factível e que, além de solucionar os
problemas ambientais com os descartes inadequados (e até mesmo ilegais), isso
possibilitaria uma maior integração econômica e social fomentando ainda a
cooperação internacional. Os autores salientam que a implantação do CTRS
implicaria no consentimento dos órgãos administrativos e responsáveis, nos âmbitos
estaduais e nacionais de cada país, e seguiria moldes jurídicos parecidos com
àqueles definidos na Itaipu Binacional.

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417

Entretanto, o CTRS não foi implementado embora tenha sido firmado um


memorando pelos respectivos gestores municipais e ratificados pelos órgãos
ambientais estaduais, formalizando o entendimento acerca da viabilidade e os
benefícios que poderiam ser gerados ao serem implementados pelos países. Sobre
isso, Perícolo (2017) conclui que o modelo de gestão conjunta não foi concretizado
diante a descontinuidade e falta de vontade política, além da demanda por altos
recursos financeiros que seriam inviáveis para as esferas municipais.
De forma complementar, House (1997 apud GONÇALVES, 2015, p. 45)
acrescenta que os resíduos sólidos nas fronteiras ainda são,
[...] um fator negativo a plenitude do desenvolvimento socioambiental [...]
uma vez que a partir de diferentes condições e noções socioeconômicas,
históricas, legais e culturais dos distintos povos que, por vezes,
compartilham a mesma unidade ambiental internacional em lados opostos,
acabam por possuir díspares compreensões acerca da viabilidade e
aplicabilidade das ações voltadas às políticas públicas.

Brito (2018) complementa que a individualidade e a autonomia de cada


município acarreta em um certo distanciamento na tomada de decisões dos
gestores, que seguem objetivos e interesses específicos definidos verticalmente em
âmbito nacional e diante as necessidades e condições estruturais.
Em resumo, fica evidente que o tema dos RSU ainda não tem recebido a
devida atenção e importância tanto pelo poder público (independentemente da
esfera governamental) como para os outros atores e segmentos sociais, o que tem
sido renegado também no caso das fronteiras. Sendo assim, é fundamental ressaltar
que os impasses (especialmente os econômicos, culturais e políticos) ainda
sobressaem-se às possibilidades e benefícios que a gestão compartilhada de RSU
em cidades fronteiriças poderia trazer.

Considerações Finais
Neste artigo, mostramos as dificuldades associadas a gestão dos resíduos
sólidos em cidades fronteiriças do Brasil e do Paraguai. Para tanto, apresentamos
dados e informações que permitiram a construção do panorama político/normativo
da gestão dos RSU em cada um dos países, tanto àqueles direcionados ao âmbito
interno como para as áreas de fronteira.
Todavia, a indissociabilidade do meio ambiente e a condição internacional
somadas à mobilidade transfronteiriça de recursos e de pessoas, exigem que os

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serviços de RSU nas cidades fronteiriças sejam pensados de forma conjunta e


integrada. Somente assim as ações desenvolvidas serão exitosas.
Observou-se que a concretização de uma gestão compartilhada de RSU
exigiria que alguns impasses institucionais e estruturais fossem superados.
Outrossim, isto não traria apenas benefícios ecológicos com a minimização de
danos ambientais, mas também resultados econômicos e sociais positivos ao
fomentarem a integração e cooperação destes dois países.
Enfim, além do condensamento das historicidades e da proximidade
geográfica entre Brasil e Paraguai, os munícipios fronteiriços administram seus
recursos e territórios seguindo diretrizes e estratégicas individualizadas que são
definidas verticalmente e impostas, muitas vezes, sem levar em consideração às
demandas e às especificidades locais.

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solidos-urbanos-en-paraguay/> Acesso em 18/06/2018.

i
Dado o escopo deste trabalho, optou-se por não se empreender uma análise mais aprofundada da
abordagem jurídica internacional ambiental. Porém, cabe destacar que foi a partir da Declaração de
Estocolmo em 1972, que o Direito Internacional Ambiental começou a ser delineado de forma mais
enfática, onde foram estabelecidos princípios norteadores para as relações dos países em torno da
importância da temática ambiental na sociedade internacional (GUERRA, 2007).
ii
Não faz parte do escopo deste estudo abordar amplamente os aspectos conceituais e as
classificações acerca da temática dos Resíduos Sólidos, pois o principal intuito aqui volta-se para
analisar as implicações da ausência de uma gestão integrada de resíduos sólidos em cidades
fronteiriças. Assim, salienta-se que o termo resíduos sólidos faz referência nesses estudo aos
resíduos de origem urbana, que incluem: i) os domésticos, aqueles gerados pelas residências; ii) os
comerciais, que são produzidos em escritórios, lojas, hotéis, supermercados, ou seja, atividades com
fins comerciais; e, e) os de serviços, que são oriundo da limpeza pública urbana, varrição das vias
públicas, limpezas de galerias, terrenos, podas, capinação, praias, feiras, etc. (SCHALCH et. al,
2002).
iii
É fundamental diferenciar aqui também “gestão” e “gerenciamento” de resíduos sólidos. O primeiro
termo volta-se ao conjunto de ações direcionadas na busca de soluções para os problemas com o
descarte dos resíduos sólidos nas diferentes dimensões (políticas, econômicas, ambientais, culturais
e sociais), enquanto o segundo trata do conjunto de ações, diretas ou indiretas, para coleta,
transporte, transbordo, tratamento e disposição final dos resíduos. Ou seja, apesar de um
complementar o outro, eles possuem distintas implicações: um direciona-se nas resoluções de âmbito
político-institucional e o outro focaliza esforços aos termos técnicos (ROMANI; SEGALA, 2014).
Considerando abordar especificamente uma perspectiva mais ampla – a política, neste trabalho o
termo “gestão” será utilizado.
iv
Entende-se como cidade o espaço urbano do município, enquanto este último refere-se à unidade
política administrativa. Chama-se a atenção para o fato de que, embora em uma abordagem territorial
essas definições sejam relevantes para entender o espaço limite que está sendo analisado, neste
trabalho, cidades e municípios serão considerados como sinônimos.
v
Entre algumas dessas situações pode-se destacar três grandes acontecimentos: a Guerra da
Tríplice Aliança (ABENTE, 1987; DORARIOTO, 2012), e as construções da Ponte Internacional da
Amizade (GUIMARÃES; SOUZA, 2010) e da Usina Hidrelétrica Binacional de Itaipu (ITAIPU, 2019).

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422

vi
Estes podem ser entendidos como um método que utiliza os princípios da engenharia (como a
impermeabilização do solo, cercamento, ausência de catadores, sistema de drenagem de gases,
águas pluviais e lixiviado) a fim de minimizar os danos ambientais e à saúde pública. O método
consiste em “confinar os resíduos e rejeitos à menor área possível e reduzi-los ao menor volume
permissível, cobrindo-o com uma camada de terra na conclusão de cada jornada de trabalho, ou a
intervalos menores, se necessário” (BRASIL, 2012, p. 15).
vii
Estas outras duas formas de disposição final de resíduos são aplicadas no país, porém, são
consideradas inadequadas. No aterro controlado, o único cuidado realizado é o recobrimento da
massa de resíduos e rejeitos com terra; e, no lixão, o descarte ocorre no solo diretamente sem
qualquer técnica ou medida de controle (BRASIL, 2012).
viii
Os resíduos perigosos: são considerados como aqueles que, em razão de suas características de
inflamabilidade, corrosividade, reatividade, toxicidade, patogenicidade, carcinogenicidade,
teratogenicidade e mutagenicidade, apresentam significativo risco à saúde pública ou à qualidade
ambiental, de acordo com lei, regulamento ou norma técnica (BRASIL, 2010).
Recentemente a SEAM passou a ser chamado Ministerio del Ambiente y Desarrollo Sostenible
ix

(MADES).

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422

LEVANTAMENTO BIBLIOGRÁFICO DE ESTUDOS SOBRE DIREITO AMBIENTAL


COMPARADO DE RECURSOS NATURAIS TRANSFRONTEIRIÇOS
Bibliographic Survey of Environmental Law Studies Compared with cross-border
natural resources
Levantamiento Bibliográfico de estudios de Derecho Ambiental Comparado de
recursos naturales transfronterizos

Fernando Lara Rocha de Almeida


Luciana Escalante Pereira

Resumo: Este artigo tem como objetivo fazer um levantamento de estudos


desenvolvidos sobre Direito Ambiental Comparado em área de fronteira. Adotaram-
se as técnicas Informétricas e Cienciométricas e foi selecionada a base de dados
Unbral Fronteiras. Foram utilizados os termos: Direito Ambiental, Legislação
Ambiental Comparada e Direito Ambiental Internacional. O levantamento encontrou
29 estudos, os quais foram publicados entre 2002 e 2015 (média = 2,07 por ano).
Eles têm origem em 5 estados do país: São Paulo, Mato Grosso do Sul, Paraná, Rio
Grande do Sul e Pernambuco. São Paulo apresenta a maior produção com 12
trabalhos desenvolvidos. O Brasil foi parâmetro em 82% dos estudos e os países do
Mercosul foram os mais analisados em relação ao direito brasileiro. Constata-se a
necessidade e importância de novos estudos que vislumbrem o Direito Ambiental
Comparado no país, pois assim obter-se-ão subsídios para melhor gerir recursos
ambientais compartilhados como o Pantanal e a Amazônia.
Palavras-chave: Cienciometria, Informetria, Direito Ambiental Comparado, Unbral,
Fronteira.

Abstract: This article aims to make a survey of studies developed on Comparative


Environmental Law in the border area. We adopted the Informetric and Cienciometric
techniques and selected the Unbral Borders database. The following terms were
used: Environmental Law, Comparative Environmental Law and International
Environmental Law. The survey found 29 studies, which were published between
2002 and 2015 (average = 2.07 per year). They have origin in 5 states of the country:
São Paulo, Mato Grosso do Sul, Paraná, Rio Grande do Sul and Pernambuco. São
Paulo presents the largest production with 12 works developed. Brazil was the
parameter in 82% of the studies and the Mercosur countries were the most analyzed
in relation to Brazilian law. There is a need and importance for further studies that
envisage Comparative Environmental Law in the country, as this will provide
subsidies to better manage shared environmental resources such as the Pantanal
and the Amazon.


Graduado em Ciências Biológicas, Bacharel em Direito e mestrando em Estudos Fronteiriços pela
UFMS-Campus do Pantanal. Técnico de Laboratório de Botânica da UFMS-Campus do Pantanal.
E-mail: fernando.almeida@ufms.br

Graduada em Gestão Ambiental, mestre e doutora em Tecnologias Ambientais pela Universidade
Federal de Mato Grosso do Sul. Docente do Programa de Pós-graduação em Estudos
Fronteiriços/UFMS – Campus do Pantanal. E-mail: l.escalante.pereira@gmail.com

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423

Key-words: Scientometrics, Informetry, Comparative Environmental Law, Unbral,


Border.

Resúmen: Este artículo tiene como objetivo realizar um levantamiento de estudios


desarrollados sobre Derecho Ambiental Comparado en área de frontera. Se
adoptaron las técnicas Informetricas y Cienciometricas y se seleccionó la base de
datos Unbral Fronteras. Se utilizaron los términos: Derecho Ambiental, Legislación
Ambiental Comparada y Derecho Ambiental Internacional. El levantamiento encontró
29 estudios, que se publicaron entre 2002 y 2015 (promedio = 2.07 por año). Ellos
se originan en 5 departamentos del país: São Paulo, Mato Grosso do Sul, Paraná,
Rio Grande do Sul y Pernambuco. São Paulo presenta la mayor producción con 12
trabajos desarrollados. Brasil fue parámetro en el 82% de los estudios y los países
del Mercosur fueron los más analizados en relación al derecho brasileño. Se
constata, así, la necesidad e importancia de nuevos estudios que vislumbren el
Derecho Ambiental Comparado en el país, pues así, se obtendrán subsidios para
mejor gestionar recursos ambientales compartidos, como el Pantanal y la Amazonia.
Palabras clave: Cienciometria, Informetria, Derecho Ambiental Comparado, Unbral,
Frontera.

Introdução
O Direito Ambiental é um ramo do direito público que os interesses que
defende não pertencem à categoria do interesse público muito menos privado. Cuida
sim, de interesse de cada um e, ao mesmo tempo, a todos, conhecido como
transindividual ou metaindividual (SIRVINSKAS, 2012); seria um Direito “horizontal”,
que cobre os diferentes ramos do Direito (Privado, Público e Internacional), e um
Direito de “interações”, que tende a penetrar em todos os setores do Direito para
neles introduzir a ideia ambiental (PRIEUR et al,1984). Segundo Sirvinskas (2012), é
a ciência jurídica que estuda, analisa e discute as questões e os problemas
ambientais e sua relação com o ser humano, tendo por finalidade a proteção do
meio ambiente e a melhoria das condições de vida no planeta.
Em relação ao Direito comparado, não há um consenso na doutrina sobre a
sua definição. Para uma parcela da comunidade científica, trata-se de uma Ciência e
para a outra parcela é apenas um método de pesquisa. Cappelletti (2007), o
conceitua como:
[...] um método (de comparação jurídica e não direito que compara,
segundo a terminologia alemã, mais apropriada); é, em suma, uma maneira
de analisar o direito de dois ou mais sistemas jurídicos diversos: assim,
existe aquele que podemos chamar de ‘micro-comparação’, quando a
comparação é feita no âmbito de ordenamentos que pertencem a mesma
família jurídica (por exemplo, Itália e França) e a ‘macro-comparação’, se a
análise comparativa se conduz sobre duas ou mais famílias jurídicas, por

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exemplo, entre um ordenamento do Civil Law, como da Itália, e um do


Common Law, como o da Inglaterra.

Por sua vez, Francisco Ovídio o define como:


a disciplina científica que tem por objeto o estudo comparativo-sistemático
de instituições ou sistemas jurídicos diversamente situados no espaço ou no
tempo, com a finalidade de estabelecer os pontos comuns e as diferenças
existentes entre eles, para compreender a sua evolução e determinar os
parâmetros para o seu aperfeiçoamento e reforma.

Apesar das semelhanças, não podemos confundir o Direito Comparado com o


Direito Estrangeiro, como bem explica Marc Ancel:
o direito comparado está na dependência dos estudos de direito estrangeiro
e que o direito estrangeiro é a matéria-prima do direito comparado. O Direito
Estrangeiro é a conditio sine qua non para a possibilidade de fazer-se direito
comparado, isso porque não poucos pensam que, pelo simples fato de
citarem o direito estrangeiro em seus estudos, significa que estejam fazendo
estudo comparado.

No mesmo sentido, Ana Lyra Tavares diz que:


na verdade, o estudo de ordenamentos jurídicos alienígenas constitui uma
fase preparatória indispensável para a comparação jurídica, mas com ela
não se confunde, uma vez que pode limitar-se a meras descrições sobre um
ou outro aspecto daqueles ordenamentos ou a eventuais cotejos
sistemáticos. Nos casos em que são focalizadas com exclusividade as
fontes legislativas, têm-se ensaios de legislação comparada, campos que,
de resto precedeu historicamente o direito comparado.

Ressalta-se que vários países que adotam o Civil Law, utilizam o Direito
Comparado para instituir normas em seu ordenamento jurídico, não só na área
ambiental como em outros ramos. Entretanto, a sua utilização é fundamental quando
estamos diante de uma situação em comum, como um bioma transfronteiriço, onde
a gestão ambiental individualizada pode não resultar na preservação de recursos
naturais importantes para a população dos países envolvidos.
A Lei 6.634/79 define como a faixa de fronteira a área interna de 150 km de
largura paralela à linha divisória terrestre do território nacional com os países
vizinhos. O Brasil possui 15.735 km de fronteira terrestre, o que corresponde a 68%
de toda a extensão dos limites territoriais brasileiros, ficando em contato com dez
outras nações sul-americanas, exceto Chile e Equador.
Para Foucher (1991) a palavra fronteira “é um substantivo derivado da palavra
front, ou frente, demonstrando, assim, a sua origem militar, pois no período medieval
era utilizada para designar aqueles que estavam na vanguarda das tropas
combatentes”.

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425

Oliveira (2015) ressalta que “o meio geográfico fronteiriço, repleto de fluidez e


porosidade, tem se posicionado como verdadeiras zonas de contato entre povos e,
assim sendo, não pode ser abrangido apenas como simples ferramenta de
delimitação e demarcação”.
Raffestin (2005) afirma que:
Fronteiras não podem ser compreendidas como linhas coloridas ou
pontilhadas postas sobre a fria cartografia sem múltiplas escalas, insípidas
e a-históricas. As fronteiras foram e serão sempre um elemento chave de
diferenciação, comunhão e comunicação, interpondo-se entre a ordem e a
desordem, entre o formal e o funcional, abraçando nem sempre com
equilíbrio, as regras e os ritos socioculturais conexos e desconexos.

Quando se pensa em Fronteira a primeira ideia que vem a mente é a de


separação, de limite, entretanto Costa (2011) categoricamente distingue Fronteira e
Limite:
É importante ver a diferença entre limite e fronteira. Isso não significa uma
ruptura total entre eles, ou seja, uma falta de articulação. Ao contrário, são
conceitos interdependentes, dada a forte interação (i)material entre eles. A
fronteira só existe a partir do limite, sendo esse quem dá a luz à existência
daquela. Essa forte imbricação se aproxima da imagem de uma cerca que
ao mesmo tempo em que representa uma barreira, permite, pelos seus vãos
mais ou menos apertados, a possibilidade da passagem. Caso a cerca
tenha vãos muito próximos dificultando a passagem, ainda assim pé
possível superá-la por cima ou por baixo, escavando o solo. Nesse sentido,
a cerca, o limite, possui uma conotação de linha de separação entre um
lado e outro. A fronteira é mais que isso: é uma área geográfica, com limites
imprecisos, variável e dinâmica (que ora retrai, ora expande) que contém o
limite.

Rodrigues (2017) esclarece que os recursos ambientais:


São onipresentes pelas suas próprias naturezas, dada a interdependência
dos processos ecológicos que ultrapassam qualquer barreira física ou
política estabelecida pelo homem. Por isso mesmo, a degradação do meio
ambiente — desequilíbrio ecológico — não interfere apenas no local de
onde emanou a poluição, justamente porque os bens ambientais são
interdependentes. E, de fato, isso é uma verdade, visto que a poluição é
transfronteiriça e não obedece a qualquer ditame de divisão política
estabelecida pelo ser humano. Dessa forma, hoje há a consciência de que
de nada adianta agir localmente na prevenção e na repressão da poluição
sem que se pense numa política global de proteção do meio ambiente.

Todavia, cada país tem a soberania de decidir como serão as políticas


públicas aplicáveis aos recursos ambientais do seu território. Nesse sentido,
Rodrigues (2017) ressalta que:
Ocorre que é grande a diversidade entre as leis ambientais dos diversos
países — até mesmo como reflexo das diferenças econômicas e culturais —
, o que faz com que em muitos lugares se admita determinado tipo de
impactação que seria terminantemente vedada em outro. É exatamente
neste cenário que ganha importância a cooperação entre os povos, além de
suas fronteiras, e a formulação de uma legislação ambiental internacional
(hard law) com o efetivo desenvolvimento e reconhecimento de um direito

Corumbá/MS, Brasil. 7 a 9 de outubro de 2019. ISSN . 2178-2245


426

internacional ambiental, com princípios e mecanismos autônomos de


implementação das políticas de proteção do entorno.

Dessa forma, nota-se a necessidade de haver não só Políticas Públicas


coordenadas pelos países que possuem recursos naturais que ultrapassam os
limites políticos, como uma proteção jurídica ampla, uma vez que, além de ser
transfronteiriço, a natureza por si só é sensível e dependente das áreas adjacentes.
Assim, na tentativa de realizar a preservação de um bioma que transpassa os
limites territoriais de um país, surge o Direito Ambiental Comparado como
instrumento necessário para obtenção e análise de informações de como os
envolvidos enxergam, se relacionam e tratam juridicamente o recurso ambiental em
questão, pois cada Estado-nação possui particularidades jurídicas, culturais, sociais,
políticas, econômicas, demográficas, entre outras. O que demonstra a importância
do Direito Ambiental Comparado como base de propostas para a gestão ambiental
de um bioma transfronteiriço.
Assim, umas das formas de tentar compreender como progride o
entendimento entre diferentes partes sobre o direito ambiental em um contexto
transfronteiriço, faz-se através da avaliação de publicações científicas, buscando
mensurar como avança o interesse pelo tema. Para isto, existem diversas formas de
aferir como transcorre o desenvolvimento do conhecimento científico de um
determinado tema na ciência. Dentre estas formas, cabe citar a Bibliometria, a
Cienciometria, a Informetria e a Webometria.
Apesar de possuírem semelhanças, são ramificações da ciência da
informação que possuem características, objetos de estudo, técnica de análises dos
dados e objetivos próprios. Enquanto o objeto de estudo da Bibliometria são os
livros, documentos, revistas e artigos; o da Cienciometria são disciplinas, patentes,
dissertações e teses; da Informetria, são palavras, documentos, bases de dados,
home pages, e da Webometria, são sites (www) e motores de busca (VANTI, 2002).
Em relação à técnica de análise das informações, a Bibliometria usa o ranking, a
frequência e a distribuição; a Cienciometria utiliza co-ocorrência de termos, palavras-
chave, a análise de conjunto e correspondência; a Informetria se desenvolve através
dos Modelos vetor-espaço, booleanos de recuperação e probabilísticos; e a
Webometria verifica Fator de Impacto da Web (FIW), densidade dos links e citações
(VANTI, 2002).

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Considerando isto, este trabalho tem por objetivo realizar um levantamento de


estudos realizados sobre Direito Ambiental Comparado sobre recursos naturais
transfronteiriços.

Metodologia
As técnicas adotadas na pesquisa foram da Informetria e da Cienciometria e
em virtude da área de interesse, foi selecionada a plataforma Unbral Fronteiras –
Portal de Acesso Aberto das Universidades Brasileiras sobre Limites e Fronteiras –
como objeto de busca de dados.
Esta base de dados reúne, organiza e dá visibilidade às produções
acadêmicas sobre as fronteiras brasileiras, o que facilita a revisão bibliográfica, a
análise quantitativa e qualitativa dos pesquisadores que pretendem realizar estudos
sobre essa temática, pois todo o seu conteúdo é disponibilizado online, de maneira
gratuita e transparente (DORFMAN et al., 2016).
Para pesquisa na base Unbral foram utilizadas, a princípio, as seguintes
palavras-chaves: Direito Ambiental, Legislação Ambiental Comparada e Direito
Ambiental Internacional (os mesmos termos foram utilizados em espanhol e inglês).
O uso das seguintes palavras-chaves teve o intuito de alcançar pesquisas com
temática direta ou indiretamente relacionadas a Direito Ambiental em área de
fronteira.
Foram classificados como estudos de relação direta àqueles que possuem como
objeto de estudo comparar legislações ou a política/gestão ambiental de mais de um
país; e como relação Indireta àqueles que possuem como objeto de análise o
“Direito ambiental internacional” ou o “estudo de um recurso ambiental fronteiriço”,
ou seja, não realiza a comparação de leis e/ou política ambiental. Após a
classificação entre relação direta e indireta, foram extraídas as seguintes
informações dos trabalhos para tabulação: Título, Assunto, Abrangência, Ano de
publicação, Local de origem e tipo de publicação (tese, dissertação, monografia e
artigo).

Resultados
O levantamento realizado encontrou, utilizando as três palavras-chaves, 29
estudos relacionados à temática, sendo que 17 foram classificados como
Diretamente e 12 como Indiretamente relacionados (Figura 1).

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Figura 1: Proporção de estudos relacionados Direta e Indiretamente à


temática proposta.

17 Direta
Indiretamente

Fonte: Dados da pesquisa obtidos na base de dados Portal UNBRAL FRONTEIRAS,


disponíveis na Tabela 2.

A busca através do termo Legislação Ambiental Comparada resultou em 21


trabalhos, sendo 17 comum aos termos, 1 comum a LAC e DA, e 3 que apenas
apareceram para LAC; o termo Direito Ambiental, em 23 trabalhos, sendo 17 comum
aos termos, 3 comum a DA e DAI, 1 comum a DA e LAC, e 2 que apenas
apareceram para Direito Ambiental; e a busca através da palavra-chave Direito
Ambiental Internacional resultou em 23 trabalhos, sendo 17 comum aos termos, 3
comum a DAI e DA, e 3 que apareceram apenas para Direito Ambiental
Internacional (Tabela 1).
Foram utilizados também a tradução dos 3 termos em inglês e espanhol, pois
2 estudos em espanhol foram encontrados. Entretanto, a busca em outro idioma
apresentou resultados menores do que em português.
Os estudos foram publicados entre os anos de 2002 e 2015 (Figura 2), o que
representa uma média aproximadamente de 2 trabalhos realizados por ano. Nos
anos de 2003, 2004, 2006 e 2010 não há registro de estudos realizados, enquanto o
ano de 2012 apresentou a maior quantidade de estudos, 7.

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429

Tabela 1: Resultado das buscas por palavra-chave: comum as três, exclusiva


de uma palavra-chave, comum com mais uma palavra e o total. DA=Direito
Ambiental; LAC=Legislação Ambiental Comparada; DAI= Direito Ambiental
Internacional.
Estudos
que
Estudos que
apareceram
apareceram
Palavra-chave apenas DA LAC DAI TOTAL
nas 3 palavras-
nessa
chaves
palavra-
chave
Direito Ambiental 2 0 1 3 23
Direito Ambiental
3 3 0 0 23
Internacional 17
Legislação Ambiental
3 1 0 0 21
Comparada
Fonte: Dados da pesquisa obtidos na base de dados Portal UNBRAL FRONTEIRAS.

Figura 2: Número de publicações relacionadas à temática por ano, no


período 2002-2015.
.

Número de estudos encontrados na base Unbral


5

3 3

2 2

1 1 1

0 0 0 0
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015

Fonte: Dados da pesquisa obtidos na base de dados Portal UNBRAL FRONTEIRAS,


disponíveis na Tabela 2.

A Tabela 2 apresenta a relação dos 29 trabalhos encontrados na plataforma


Unbral, com as informações de “Título”, “Relação”, “Abrangência”, “Local” e “Ano”.

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Tabela 2: Relação dos resultados encontrados com as 3 palavras-chaves,


tabulados com título, relação com a temática, abrangência, local de Origem
e ano.
TÍTULO RELAÇÃO ABRANGÊNCIA LOCAL ANO

O direito da integração e os
reflexos na concepção de
estado-nação. A
Indireta América do Sul Recife, PE 2002
supranacionalidade normativa da
integração regional e um novo
conceito de soberania nacional

Águas transfronteiriças
Hungria e São Paulo,
superficiais: O caso da bacia do Direta 2005
Eslováquia SP
rio Danúbio
Cooperação penal
transfronteiriça nos processos de
Santa Maria,
integração: Perspectivas de um Direta América do Sul 2007
RS
novo paradigma para a
preservação do meio ambiente
Cobrança pelo uso dos recursos
hídricos do Aquífero Guarani
pelos países integrantes do Santa Maria,
Indireta América do Sul 2008
Mercosul a partir da Legislação RS
Brasileira

Gestão de recursos hídricos em


bacias de rios fronteiriços e
Indireta Brasil e Uruguai Quaraí, RS 2008
transfronteiriços: Rio
Quaraí/Bacia do Prata

Cooperação internacional e
Brasil, Bolívia e São Paulo,
gestão transfronteiriça da água Direta 2009
Peru SP
na Amazônia

Gestão das águas subterrâneas


São Paulo,
transfronteiriças: O caso do Direta Brasil 2009
SP
Sistema Aquífero Guarani
A regulamentação internacional
São Paulo,
dos transgênicos: Contradições e Direta Brasil 2009
SP
perspectivas

Meio ambiente, terras indígenas


e defesa nacional : direitos
Direta Brasil Curitiba, PR 2009
fundamentais em tensão nas
fronteiras da amazônia brasileira

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431

Da gestão ambiental integrada


Brasil, Argentina e
de águas fronteiriças e Direta Curitiba, PR 2011
Uruguai
transfronteiças

Formação e estruturação de um
Brasil, Argentina e
regime ambiental internacional Direta Santos, SP 2011
Uruguai
na Bacia do Prata

O domínio polar ártico perante o São Paulo,


Indireta Mundial 2012
direito internacional público SP

A busca pela governança dos


Brasil, Argentina, São Paulo,
aquíferos transfronteiriços e o Direta 2012
Uruguai e Paraguai SP
caso do aquífero Guarani

A produção da natureza na
fronteira do Brasil com o Brasil, Paraguai, Dourados,
Indireta 2012
Paraguai. O Pantanal e o Chaco: Bolívia e Argentina MS
Unidade e diversidade
A estruturação das vigilâncias
sanitárias brasileira e uruguaia: Sant'Ana do
Um estudo de caso de Sant'Ana Indireta Brasil e Uruguai Livramento, 2012
do Livramento e Rivera RS

Gerenciamento integrado dos


São Paulo,
recursos hídricos compartilhados Direta Brasil 2012
SP
na bacia Amazônica

Análise da governança das


águas da Bacia Hidrográfica da Rio Grande,
Direta Brasil e Uruguai 2012
Lagoa Mirim, extremo sul do RS
Brasil

A construção da concepção de
natureza na fronteira de Ponta
Dourados,
Porã/BR - Pedro Juan Direta Brasil e Paraguai 2012
MS
Caballero/PY e a produção do
urbano

Considerações geopolíticas
Cor Ucr Ind Chn Corumbá,
sobre as fronteiras Indireta 2013
Egy Isr USA Mex MS
contemporâneas

Estudo sobre a implantação de


Marechal
Pequenas Centrais Hidrelétricas
Indireta Brasil Cândido 2013
(PCHs) na faixa de fronteira
Rondon, PR
ocidental paranaense

Corumbá/MS, Brasil. 7 a 9 de outubro de 2019. ISSN . 2178-2245


432

Los espacios fronterizos


Brasil, Argentina,
binacionales del Sur Corumbá,
Direta Uruguai, Paraguai, 2013
Sudanamericano en perspectiva MS
Bolívia e Chile
comparada

Ajustes de carbono na fronteira:


Análise da necessidade de
São Paulo,
disciplinas multilaterais para sua Direta Brasil 2013
SP
regulação

Gestão compartilhada como


espaço de integração na fronteira
São Paulo,
Ponta Porã (Brasil) e Pedro Juan Direta Brasil e Paraguai 2013
SP
Caballero (Paraguai)

O direito internacional e o
São Paulo,
movimento transfronteiriço dos Indireta Mundial 2014
SP
transgênicos
Políticas públicas ambientais:
uma perspectiva comparada na Dourados,
Direta Brasil e Paraguai 2014
fronteira Sul - matogrossense MS
Brasil-Paraguai

As regulamentações ambientais
redefinindo a geografia da
Brasil, Chile e Porto Alegre,
produção: Estudo de caso da Direta 2014
Uruguai RS
produção de celulose no Cone
Sul

Regime internacional de
mudanças climáticas: ações
climáticas e paradiplomacia Indireta Brasil/Mundo Santos, SP 2015
ambiental do estado de São
Paulo.

Política ambiental, avance de la


frontera agropecuaria y Corumbá,
Indireta Argentina 2015
deforestación en Argentina: El MS
caso de la Ley "De Bosques Continua

Diagnóstivo das áreas de


preservação permanente de um
Santa Maria,
rio transfronteiriço: o caso das Indireta Brasil e Uruguai 2015
RS
margens de um segmento do rio
Quaraí/Cuareím
Fonte: Dados da pesquisa obtidos na base de dados Portal UNBRAL FRONTEIRAS.

Corumbá/MS, Brasil. 7 a 9 de outubro de 2019. ISSN . 2178-2245


433

O resultado aponta que os estudos têm origem em apenas 5 unidades


federativas do país, são eles: São Paulo, Mato Grosso do Sul, Paraná, Rio Grande
do Sul e Pernambuco. São Paulo apresenta a maior produção com 12 trabalhos
desenvolvidos e Pernambuco a menor, com 1. No estado de São Paulo foram
desenvolvidos 9 estudos diretos e 3 indiretos, no Rio Grande do Sul, 3 diretos e 4
indiretos; no Mato Grosso do Sul, 3 diretos e 3 indiretos; no Paraná, 2 diretos e 1
indireto; e em Pernambuco, apenas 1 indireto (Figura 3).
Os trabalhos que constam na base de dados Unbral estão em forma de artigo,
dissertação, monografia e tese. Destacam-se arquivos no formato de dissertação e
tese, com 17 e 8 estudos respectivamente.

Figura 3: Estudos Diretos e Indiretos desenvolvidos, considerando a


Unidade Federativa de origem.

3 1
3 Direto
4

1
9 2 Indiretos
3 3

Fonte: Dados da pesquisa obtidos na base de dados Portal UNBRAL FRONTEIRAS,


disponíveis na Tabela 2.

Verificou-se que 82% dos estudos possuem o Brasil como parâmetro de


comparação. Dois estudos, apenas, analisaram países da Europa. Países que
formam o Mercosul foram os mais estudados em relação ao direito ambiental
brasileiro, destaques para o Paraguai, Uruguai e a Argentina, com 10, 10 e 9
estudos, respectivamente.
Os assuntos mais abordados nos estudos encontrados na base de dados
UNBRAL foram: Integração, Fronteira, Recursos Hídricos e Mercosul. Em relação a

Corumbá/MS, Brasil. 7 a 9 de outubro de 2019. ISSN . 2178-2245


434

Locais de origem, destaques para: Brasil, Mato Grosso do Sul, São Paulo, Paraná,
Dourados, Santa Maria e Corumbá (Figura 4).

Figura 4: Nuvem de Locais de origem (Unidade Federativa e Município) e Assuntos


mais frequentes dentre os trabalhos diretamente relacionados à temática.

Fonte: Elaborado com Wordclouds.com por Fernando Lara a partir dos dados Assuntos e Local,
disponíveis na Tabela 2 desta pesquisa.

Considerações Finais
Analisando o resultado da pesquisa, conclui-se que o termo Direito Ambiental
entre os pesquisados, apesar de genérico, é o mais adequado para pesquisa na
base de dados UNBRAL, pois foi o que mais gerou resultados sobre a temática (24).
Há que ressaltar que 93% dos estudos encontrados estão em português, o
que demonstra uma limitação da base de dados sobre estudos realizados em outros
países e idiomas.
Observou-se que, apesar de não estar próximo a limites territoriais com outros
países, o estado de São Paulo é o que há maior produção de trabalhos. Entretanto,
se levarmos em consideração os trabalhos desenvolvidos em estados limítrofes com
outros países (Mato Grosso do Sul, Paraná e Rio Grande do Sul), constata-se uma
preocupação pelos respectivos grupos de pesquisa com as questões ambientais que
ultrapassam os limites territoriais (16 estudos dos 29, representando 55%).
Verifica-se a partir de 2012 uma constância na produção de estudos
relacionados à temática. Assim, considerando a extensão de fronteira seca do Brasil
que é de quase 17.000 km (IBGE, 2018) e que nessa extensão há biomas que
Corumbá/MS, Brasil. 7 a 9 de outubro de 2019. ISSN . 2178-2245
435

despertam interesse internacional, como a Amazônia e o Pantanal, pondera-se que


há poucos estudos sobre Direito Ambiental Comparado no país na base Unbral (17
diretos, 12 indiretos e 29 no total). Destes, apenas 3 estudos compararam a
legislação ambiental do Brasil e Bolívia, evidenciando a escassez de estudos e a
necessidade de análises para construção de propostas de gestão ambiental
conjunta do Pantanal, importante recurso ambiental compartilhado entre o Brasil e
Bolívia; em relação a Amazônia, apenas 2 estudos analisaram este tão importante
bioma transfronteiriço.
Nota-se que os assuntos mais abordados estão relacionados a Integração,
Fronteira, Mercosul e Recursos Hídricos, sendo este o bem ambiental mais
analisado, com poucas análises visando à preservação da flora, fauna ou de um
bioma como um todo.
Desta forma, constata-se a necessidade e importância de novos estudos que
vislumbrem o Direito Ambiental Comparado em nosso país, pois através dele iremos
obter subsídios para melhor gerir recursos ambientais compartilhados, para que,
assim, possamos, com uma visão das particularidades (jurídicas, culturais, políticas,
econômicas...) de todos os interessados, garantir a preservação com os outros
países de estoques pesqueiros, da fauna, flora, qualidade da água, entre outros
bens ambientais.
A gestão ambiental conjunta pode ser um dos meios de se estabelecerem
padrões ambientais mínimos, dessa forma, podendo garantir o uso sustentável de
recursos naturais em região fronteiriça, evitando assim, a busca de vantagens
comerciais e econômicas que empreendimentos visam ao transferir-se para países
que possuem legislação de proteção do meio ambiente menos rígida, menos eficaz
ou não a possuem.
Assim, fica evidente que a realização de estudos que analisam e comparam
as legislações ambientais de países que possuem Biomas transfronteiriços podem
proporcionar o embasamento teórico necessário para propor políticas públicas no
sentido de integrar ações, ordenamentos jurídicos, preservar o meio ambiente e
promover o Desenvolvimento Sustentável para as sociedades da região.

Referências

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438

O TRABALHO DO/DA ASSISTENTE SOCIAL EM TERRITÓRIO FRONTEIRIÇO:


POSSIBILIDADES DE AÇÃO
The Work of the Social Officer in Border Territory: Possibilities of Action
El Trabajo del Oficial Social en Territorio Fronterizo: Possibilidades de Acción

Natália Buginga R. da Costa Sachini


Mara Aline dos Santos Ribeiro

Resumo: Este estudo revela a atuação do profissional do Serviço Social, na


fronteira Brasil/Bolívia, entre as cidades de Corumbá e Puerto Quijarro, junto à
população em condição de vulnerabilidade econômica que procura a assistência
social na Prefeitura Municipal de Corumbá, e tem como objetivo geral “Conhecer os
limites e possiblidades do exercício profissional do assistente social em uma região
de fronteira”. Para tanto, o caminho metodológico conta com levantamento
bibliográfico e entrevistas semiestruturadas analisadas à luz do Serviço Social e da
interdisciplinaridade. Considerando que o projeto de pesquisa está em andamento,
os resultados ainda são preliminares.
Palavras chave: Fronteira, Assistente Social, Imigrante.

Abstract: This study reveals the performance of the social work professional, on the
Brazil / Bolivia border, between the cities of Corumbá and Puerto Quijarro, with the
population in a condition of economic vulnerability that seeks social assistance in the
Corumbá City Hall, and has as its general objective. “Know the limits and possibilities
of the professional practice of social workers in a border region”. Therefore, the
methodological path relies on bibliographic survey and semi-structured interviews
analyzed in the light of Social Work and interdisciplinarity. Considering that the
research project is ongoing, the results are still preliminary.
Keywords: Border, Social Worker, Immigrant.

Resúmen: Este estudio revela el desempeño del profesional de trabajo social, en la


frontera entre Brasil y Bolivia, entre las ciudades de Corumbá y Puerto Quijarro, con
la población en una condición de vulnerabilidad económica que busca asistencia
social en el Ayuntamiento de Corumbá, y tiene como objetivo general. “Conocer los
límites y posibilidades de la práctica profesional de los trabajadores sociales en una
región fronteriza”. Por lo tanto, la ruta metodológica se basa en encuestas
bibliográficas y entrevistas semiestructuradas analizadas a la luz del trabajo social y


Graduada em Serviço Social – Universidade Federal Fluminense - UFF, mestranda do Programa de
Pós Graduação em Estudos Fronteiriços – Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS.
Assistente Social da Prefeitura Municipal de Corumbá. E-mail: natalia_buginga@hotmail.com

Graduada em Geografia – Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - UFMS, mestre em
Educação – Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - UFMS, doutora em Geografia –
Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP. Docente da Universidade Federal de Mato Grosso
do Sul – UFMS. E-mail: mara_aline@yahoo.com.br

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439

la interdisciplinariedad. Teniendo en cuenta que el proyecto de investigación está en


curso, los resultados aún son preliminares.
Palabras clave: frontera, trabajador social, inmigrante.

Introdução
O tema aqui proposto enseja reflexões e está situado em torno da demanda
apresentada ao Serviço Social por usuários não residentes no Brasil, requerentes de
acesso às ações e serviços públicos da assistência social na cidade de Corumbá
localizada em região fronteiriça do Brasil com a Bolívia.

A preocupação em estudar a real situação desses estrangeiros, sob uma


perspectiva constitucional e fática, advém da experiência vivenciada pela autora
como assistente social no Município de Corumbá.

A atuação dos assistentes sociais nestes espaços é pautada diante do


posicionamento teórico-metodológico e ético-político da profissão, de defesa dos
direitos de cidadania social. A importância de esta temática ser discutida é oriunda
da dinâmica cotidiana estabelecida em uma fronteira na qual imigrantes recorrem
frequentemente aos serviços sócio assistenciais brasileiros para atenderem, de
alguma forma, as necessidades naquele momento.

Entender o que os leva a procurar a assistência social, o perfil


socioeconômico e educacional irá subsidiar e viabilizar políticas públicas pontuais e
efetivas, em conjunto com órgãos competentes, promovendo a diminuição da
vulnerabilidade social desses imigrantes.

De maneira geral os espaços fronteiriços são áreas periféricas onde imperam


desigualdades, comportando um conjunto de instituições, de práticas, de sujeitos e
de modos de vida que atribuem características particulares a estes lugares, não
presentes em outros (PEITER, 2005).

O recorte espacial da pesquisa de campo que envolve a localização dos


sujeitos é do Centro de Referência de Assistência Social – CRAS de 2017 a 2019,
porta de entrada da Assistência Social. Trata-se de um local público, localizado
prioritariamente em áreas de maior fragilidade econômica, onde são oferecidos os
serviços sócio assistenciais, com o objetivo de fortalecer a convivência com a família
e com a comunidade. A partir do adequado conhecimento do território, o CRAS

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440

promove a organização e articulação das unidades da rede sócio assistencial e de


outras políticas. Assim, possibilita o acesso da população aos serviços, benefícios e
projetos da assistência social, se tornando uma referência para a população local e
para os serviços setoriais.

A condição de assistente social em trabalho constante com essa população


desde 2017, desencadeou inquietações e desejo de aprofundamento de um objeto
já conhecido. Para tanto, o artigo tem como objetivo geral: “Conhecer os limites e
possiblidades do exercício profissional do assistente social em uma região de
fronteira”. O caminho metodológico percorreu publicações de pesquisas científicas,
levantamento bibliográfico em monografias, dissertações e teses, dentre outros
elementos.

Para conhecer o perfil desses usuários optou-se pela realização de


entrevistas, importante fonte de informações qualitativas, de tipo não estruturada
onde “O entrevistador tem liberdade para desenvolver cada situação em qualquer
direção que considera adequada. É uma forma de poder explorar mais amplamente
uma questão” (ANDER-EGG, 1978). A escolha por este tipo de metodologia atribui
autonomia à pesquisadora de forma a não obedecer a uma estrutura formal, sendo
possível conduzir a entrevista partindo das perguntas previamente definidas,
adicionando novas no momento que se faz necessário para aprofundar um
determinado assunto. O referencial teórico se sustenta nos estudos do Serviço
Social permeado pela interdisciplinaridade.

O trabalho está dividido em duas seções, a primeira sendo a atuação


profissional do/a assistente social onde aborda uma discussão referente ao fazer
profissional, suas atribuições e competências, e a segunda desenrolando-se para o
olhar do/a profissional na região de fronteira na conturbação Corumbá/Ladário do
lado brasileiro e Puerto Quijarro/Puerto Soares na porção boliviana, e as ações
desenvolvidas no âmbito da assistência social no espaço fronteiriço, discorrendo
sobre o conceito de fronteira e a Política Nacional de Assistência Social.

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Elementos para compreensão da ação profissional do assistente social na


fronteira Brasil/Bolívia

Para compreender o direcionamento teórico-prático da assistência social na


contemporaneidade é necessário entender que o Serviço Social na atualidade como
fruto e expressão de um amplo movimento de lutas pela democratização da
sociedade, do Estado e do país, com forte presença das lutas operárias
impulsionadoras pela Ditadura Militar.

Foi nesse contexto de ascensão do movimento das classes populares em


torno da elaboração e aprovação da Constituição Federal de 1988 e da defesa do
Estado de Direito, que a categoria dos/das Assistentes Sociais foi sendo
questionada pela prática política de diferentes segmentos da sociedade, e
respondeu a esse processo ampliando e reformulando o horizonte de preocupações
no âmbito do Serviço Social, assim, revigorou-se uma fecunda organização da
categoria em bases sindicais, acadêmicas e profissionais (IAMAMOTO, 2006).

No tocante aos/às Assistentes Sociais, estes atuam diretamente vinculados


às políticas sociais e têm como uma das competências a elaboração,
implementação, execução e avaliação das políticas sociais, junto aos órgãos da
administração pública direta ou indireta, empresas, entidades e organizações
populares (Inciso I Art. 4º da Lei de Regulamentação da Profissão, 1993), possuindo
competência teórico-metodológica para atuarem em todos os níveis e setores das
políticas sociais. Os profissionais de Serviço Social têm as competências voltadas
para a execução terminal de políticas sociais, conforme costuma assinalar Netto
(2001, p. 16). Mas, há que se considerar, embora a função de executores terminais
seja a prática predominante, ela não é exclusiva, tendo em vista as outras
possibilidades profissionais postas e outras conquistadas pelos Assistentes Sociais.

A descentralização das políticas sociais embasada no princípio da


municipalização, requisita novas funções e competências à categoria, a qual é
chamada para intervir também no âmbito da formulação, avaliação, planejamento e
gestão de políticas, inseridos em equipes multiprofissionais.

Com isso, o Serviço Social, profissão inscrita na divisão social e técnica do


trabalho, chegou à última década com o entendimento de uma profissão crítica e
propositiva, atuando nas múltiplas expressões da “questão social” por meio de

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políticas sociais públicas e privadas, de organizações da sociedade civil e de


movimentos sociais. Nestes espaços, como profissionais dotados de uma formação
intelectual crítica e cultural generalista, formulam e implementam propostas de
enfrentamento das manifestações da “questão social”, no conjunto das relações
sociais e no mercado de trabalho (ABEPSS, 1996).

Para Iamamoto (1997, p. 14), o conteúdo social é o objeto do Serviço Social


nos seguintes termos: “Os assistentes sociais trabalham com a questão social nas
suas mais variadas expressões quotidianas, tais como os indivíduos as
experimentam no trabalho, na família, na área habitacional, na saúde, na assistência
social pública, etc.” Para a autora o tema social é a expressão das desigualdades e
é a ela que os sujeitos resistem e se opõem. Em um contexto de tensão,
desigualdade e resistência o cotidiano profissional dos/as assistentes sociais se
realiza.

Sob essa percepção, a discussão acerca do trabalho do/a Assistente Social,


expressa as dimensões teórica metodológica, ético-política, técnico-operativa e
investigativa, inerentes à intervenção profissional, com o intuito de apreender a
demanda dos usuários imigrantes que chegam até os Centros de Referência de
Assistência Social – CRAS e o perfil desses sujeitos.

Os/as usuários/as de serviços sociais apresentam demandas singulares,


possibilitando intervenções tanto no âmbito imediato, quanto no mediato, por
intermédio de ações elaboradas de forma articulada. A instrumentalidade do Serviço
Social, aqui entendida como os meios através dos quais os profissionais realizam as
intervenções, é um processo historicamente construído, independente da
perspectiva teórico-metodológica adotada.

Entender a atuação profissional como completamente permeada por


componentes sócio-políticos se faz importante no sentido de identificar questões
peculiares à sociedade capitalistas (pobreza, exploração, desemprego e/ou
subemprego, outras), com as quais o/a assistente social se depara. Pretende-se
com isso, demonstrar que a mediação deste profissional contribui para a alteração
das contradições presentes na sociedade, referentes ao atendimento das
necessidades básicas e mais imediatas dos usuários da assistência social.

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As especificidades do atendimento social em região fronteiriça, seguem as


dinâmicas próprias do fluxo de pessoas que saem dos países de origem para
procurar, em outro, o atendimento das necessidades sociais.

Salienta-se nesse contexto de atuação profissional para o fato do Brasil estar


passando por um aumento do fluxo migratório de estrangeiros nos últimos anos,
trazendo um desafio para a oferta de políticas públicas adequadas às
particularidades desses grupos. Ciente da situação de vulnerabilidade na qual se
encontram os imigrantes, o/a assistente social tem como pressuposto reconhecer
que estes usuários são sujeitos com direitos e proteções asseguradas tanto no
ordenamento jurídico brasileiro quanto no plano internacional.

Além da diferença cultural, social, econômica e estrutural entre os países


integrantes do Mercosul, ambos possuem uma mesma característica peculiar: uma
longa faixa de fronteira e dinâmicas locais de circulação de mercadorias, serviços e
pessoas. No Brasil, são 588 municípios de onze diferentes estados localizados em
faixa de fronteira sendo 122 limítrofes, com 32 cidades gêmeas segundo dados do
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA.

O debate acerca da fronteira é eixo referencial, por impactar diretamente nas


ações profissionais realizadas nestes espaços, necessitando, portanto, de uma
definição que contemple as características inerentes. Na atualidade é vasto o
número de publicações referentes a esta questão, com diversas classificações de
tipos de fronteira demonstrando a amplitude da discussão, pois esta evoca uma
multiplicidade de sentidos.

Para compreender o trabalho social na região de fronteira é necessário


conhecer definições desse conceito diante da complexidade que o envolve,
enquanto fundamental na concepção das relações sociais, culturais, econômicas e
políticas.

A definição de fronteira, na Constituição Federal do Brasil (1988),


corresponde a uma “faixa de fronteira”, ou seja, espaço de controle e uso restrito:
“[...] de até cento e cinquenta quilômetros de largura ao longo das fronteiras
terrestres [...] considerada fundamental para a defesa do território nacional, e sua
ocupação e utilização serão reguladas por lei” (Artigo 20, parágrafo 2°).

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Para Martins (1996, p. 25), a fronteira é; simultaneamente, lugar da alteridade


e expressão da contemporaneidade dos tempos históricos; “A unidade do diverso,
pressuposto metodológico da dialética, encontra aí o lugar mais adequado e mais
rico para a investigação científica”.

A contribuição de Foucher (2009) apresenta o contexto atual como um mundo


sem fronteiras, de fluxos imigratórios contínuos, de trocas constantes, de interações
que extravasam a dinâmica nacional, que se localizam na esfera internacional.

Há também a percepção da necessidade de demarcação de limites


geográficos enquanto um mecanismo que assegura os países contra os perigos do
caos. E ainda, que os limites internacionais permanecem indicando as diferenças
legais como o princípio da identidade territorial e a separação entre nacionais e não
nacionais por meio de impedimentos jurídicos, políticos e ideológicos (RAFFESTIN,
1993 apud STEIMAN; MACHADO, 2002, p. 07). São exatamente compreensões
como a de Raffestin (1993), que impõem impasses para a criação de um sistema de
proteção social integrado nas regiões de fronteira, garantidor da concretude dos
direitos sociais para além de barreiras físicas.

Para além do exposto, as situações que afligem as faixas de fronteira são


colocadas como problemas locais particulares de cada cidade ou região fronteiriça,
as quais são responsáveis por encaminhar estratégias locais de resolução. Nesta
perspectiva, as cidades de fronteira, ou regiões, são tomadas pela compreensão
minimalistas de rotas de passagem para redes transnacionais, e não como espaços
necessários e complementares para uma efetiva integração (SILVA, 2006, p. 105).

De qualquer maneira, as linhas divisórias de um Estado Nação que formam


uma fronteira, são resultantes da ação histórica dos seres humanos, ou seja, um
espaço de práticas sociais, estando sujeitas as diversas alterações, em vários
sentidos, seja na orientação do espaço como uma barreira ou então como um
agente de integração regional. Portanto, é preciso estudar as particularidades das
regiões fronteiriças para ter subsídios na discussão de políticas públicas a serem
implementadas para a garantia dos direitos sociais à população de fronteira.

Considerando o espaço fronteiriço rico em diversidade; repleto de conflitos


sociais; com uma dinâmica histórica própria e experiências concretas renovadas
constantemente; é que se concebe necessária a atenção sobre as questões da

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fronteira, envolvidas com a legitimidade dos direitos sociais e, consequentemente,


com as ações profissionais dos/as assistentes sociais, já que estes aparecem como
profissionais atuantes na viabilização de direitos de cidadania.

Na fronteira Brasil/Bolívia a circulação de pessoas no município de Corumbá


demanda interferência imediata e mediata do serviço social onde a negação de
direitos de cidadania se faz presente.

O atendimento ao/à estrangeiro/a no Brasil, está garantido por intermédio do


Art. 5º do Decreto nº. 18.956/29 da Convenção sobre os Estrangeiros, do qual o
Brasil é signatário,

Que os Estados devem conceder aos estrangeiros domiciliados ou de


passagem em seu território todas as garantias individuais que concedem
nos seus próprios nacionais e o gozo dos direitos civis essenciais, sem
prejuízo, no que concerne aos estrangeiros, das prescrições legais relativas
a extensão e modalidades do exercício dos ditos direitos e garantias (Trad.
i
da autora).
Assim, são essenciais a promoção e a garantia dos Direitos Humanos de
pessoas vulneráveis, hipossuficientes, como muitas vezes é o caso de trabalhadores
imigrantes, buscando combater à discriminação e o preconceito, a partir da
utilização dos meios existentes para a concreta implantação de tais direitos. Os
Estados têm o dever de tomar e cultivar meios apropriados em plano nacional,
principalmente nas searas da educação, da saúde e da assistência social, com
intuito de promover e garantir os direitos das pessoas hipossuficientes.

As atividades realizadas no campo da temática migratória advêm das


atribuições do governo federal no tocante a Política Nacional de Assistência Social
por meio do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. O fenômeno
da mobilidade humana exige respostas transversais no âmbito das políticas públicas
e envolve diversas pastas como possibilidade de um resultado efetivo.

Diante desse cenário, o trabalho referente à recepção e integração da


população estrangeira no território nacional ultrapassa a responsabilidade da Rede
de Assistência Social do Brasil, por envolver questões de direitos humanos,
jurídicas, trabalhistas, de segurança pública, educação, saúde e seguridade social.

A Política Nacional de Assistência Social prevê o ordenamento dos serviços


em rede de acordo com os seguintes tipos de proteção social: básica e especial (de
média e alta complexidade). A Proteção Social Básica reúne um conjunto de

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serviços, programas, projetos e benefícios da assistência social estruturados para


prevenir situações de vulnerabilidade social e risco pessoal e social. Destina-se à
população que tem acesso precário ou nulo aos serviços públicos, fragilização de
vínculos afetivos e comunitários ou discriminações (etárias, étnicas, de gênero ou
por deficiências), entre outras, independente da nacionalidade o atendimento aos
migrantes deve estar garantido em todos os níveis de proteção, de acordo com as
demandas apresentadas. A unidade de referência nos territórios para oferta de
atenção no âmbito da proteção básica é o Centro de Referência da Assistência
Social (CRAS).

Além dos serviços sócio assistenciais destaca-se na proteção social básica os


benefícios assistenciais e os programas de transferência de renda, entre os quais o
Benefício de Prestação Continuada (BPC) e o Programa Bolsa Família. Em relação
aos serviços, o Programa Bolsa Família prevê garantia de renda às famílias de
imigrantes em condições de equiparação aos nacionais.

A Proteção Básica ainda oferece o Serviço de Convivência e Fortalecimento


de Vínculos – SCFV, para atendimento às crianças, adolescentes, jovens, adultos e
idosos, em grupos organizados conforme a faixa etária ou de modo intergeracional,
independente da nacionalidade. Constitui forma de intervenção social planejada que
estimula e orienta usuários na construção das histórias e vivências individuais e
coletivas, na família e no território. Tem o objetivo ampliar trocas culturais e
vivências, desenvolver o sentimento de pertencimento e de identidade, fortalecer
vínculos familiares e incentivar a socialização e a convivência comunitária.

A oferta destes serviços pressupõe a necessária atenção à intersetorialidade


e ao trabalho em rede que vai além da Proteção Social Básica, sendo fundamental a
articulação com as demais políticas sociais e com órgãos de defesa de direitos
(Poder Judiciário, Ministério Público, Conselhos Tutelares).

Considerações finais
A concepção de fronteira como um lugar prenhe de contrastes e contradições,
eleva a importância da atuação do/a assistente social a partir do olhar para além de
uma linha limítrofe entre Estados Nações com constituições próprias.

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Expor os conflitos e as dificuldades de uma população invisível aos “olhos”


das políticas públicas e propor direcionamentos junto às instituições públicas e
privadas, podem reorganizar socialmente uma parcela da população historicamente
oprimida e excluída dos norteamentos dos países envolvidos, seja no Brasil ou na
Bolívia.

A exclusão omitida em formato de, por exemplo, analfabetismo, fome, falta de


documentos, trabalho, dentre outras mazelas sociais podem, em condição de
vulnerabilidade econômica, ser o diferencial entre a vida e a morte de seres
humanos à parte da engrenagem que move o mercado mundial, conduzida pelo
processo de globalização e pelo avanço da ciência e da tecnologia.

Nesse sentido, a atividade de assistentes sociais em região fronteiriça


ultrapassa as fronteiras entre o real e o oculto do viver humano.

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_____(Org.). Pesquisa Social: teoria, método e criatividade. 16ª edição.


Petrópolis: RJ. Vozes, 2000.

i
ARTICULO 5º. Los Estados deben reconocer a los extranjeros domiciliados o transeuntes en su
territorio todas las garantías individuales que reconocen a favor de sus propios nacionales y el goce
de los derechos civiles esenciales, sin perjuicio, en cuanto concierne a los extranjeros, de las
prescripciones legales relativas a la extención y modalidades del ejercicio de dichos derechos y
garantías.

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OS EFEITOS DA COOPERAÇÃO TRANSFRONTEIRIÇA NAS CONFIGURAÇÕES


TERRITORIAIS ESTATAIS: O CASO DO NORTE DE PORTUGAL
The Effects of Cross-Border Cooperation on State Territorial Settings: The Northern
Portugal Case
Los Efectos de la Cooperación Transfronteriza En Los Entornos Territoriales
Estatales: el Caso Norte de Portugal

Inês Gusman
Juan Manuel Trillo Santamaría
Rubén Camilo Lois González

Resumo: A fronteira luso-espanhola separa dois modelos de organização territorial:


do lado português, um Estado fortemente centralizado e, do lado Espanhol, um
Estado semi-federal com entidades sub-estatais dotadas de forte autonomia. Apesar
das barreiras que esta diferença gera, o enquadramento de ambos Estados na
UE(EU) tem permitido o desenvolvimento de projetos e estruturas de cooperação
transfronteiriça. As entidades territoriais do Norte de Portugal (NP) têm sido
especialmente ativas, tendo criado várias pontes com territórios do Estado Espanhol.
Num momento no que se reabre o debate sobre a descentralização, no NP a
cooperação transfronteiriça marca presença nos discursos que defendem a
regionalização. A Galiza aparece de maneira destacada nos mesmos. A partir da
caraterização destas estruturas e da análise de conteúdo, recorremos a este mesmo
debate, para uma primeira aproximação ao seguinte objetivo: compreender os
impactos que as dinâmicas geradas pela cooperação transfronteiriça europeia têm
nas configurações regionais dos Estados.
Palavras-chave: Cooperação transfronteiriça, Descentralização, Região Norte de
Portugal.

Abstract: The Portuguese-Spanish border divides two different models of territorial


organization: on the Portuguese side, a strongly centralized state and, on the
Spanish side, a semi-federal state with sub-state entities endowed with strong
autonomy. Despite the barriers created by this gap, the European Union’s
membership of both states has allowed the development of cross-border cooperation
projects and structures. The entities of the Northern Portugal (NP) have created
several bridges with Spanish territories. In the recently reopened debate about the
decentralization, the NP cross-border cooperation is present in the pro-
regionalization discourses. Galicia appears prominently in them. From the
characterization of these structures and through a content analysis, we use this same
debate, for a first approximation to the following objective: to understand the impact


Mestre em Planificação e Gestão do Desenvolvimento. Universidade de Santiago de Compostela. E-
mail: ines.gusman@gmail.com

Doutor em Humanidades. Universidade de Santiago de Compostela. E-mail:
juanmanuel.trillo@usc.es

Doutor em Geografia. Universidade de Santiago de Compostela. E-mail: rubencamilo.lois@usc.es

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that the dynamics generated by European cross-border cooperation have on the


regional configurations of the States.
Key-words: Cross border cooperation, descentralization, North of Portugal region.

Resúmen: La frontera luso-española separa dos modelos de organización territorial:


del lado portugués, un estado fuertemente centralizado y, del lado español, un
Estado semi-federal con entidades subestatales dotadas de una gran autonomía. A
pesar de las barreras que crea esta diferencia, el encuadre de ambos Estados en la
Unión Europea ha permitido el desarrollo de proyectos y estructuras de cooperación
transfronteriza. Las entidades territoriales del Norte de Portugal (NP) han creado
varios puentes con territorios del Estado español. En un momento en que se reabre
el debate sobre la descentralización, en el NP la cooperación transfronteriza está
presente en los discursos que apoyan la regionalización. Galicia aparece de forma
destacada en ellos. A partir de la caracterización de estas estructuras y del análisis
de contenido, utilizamos este mismo debate, para una primera aproximación al
siguiente objetivo: comprender los impactos que las dinámicas generadas por la
cooperación transfronteriza europea tienen en las configuraciones regionales de los
Estados.
Palabras clave: Cooperación transfronteiriza, descentralización, Región Norte de
Portugal.

Introdução
A consolidação do projeto europeu, e a sua forte aposta na cooperação
transfronteiriça permitiu criar novas territorialidades. Contudo, pôs também em
evidência as dificuldades em compatibilizar modelos políticos territoriais de Estados
diferentes. O caso de Portugal e Espanha é paradigmático: o peso simbólico e
político que a fronteira teve, sobretudo até aos anos 80 do século XX, não impediu
que, durante as últimas três décadas, fossem surgindo estruturas de cooperação
transfronteiriça a diferentes escalas. No entanto, as diferenças entre os mapas
políticos dos dois Estados têm colocado entraves à cooperação (LOIS GONZÁLEZ
et al., 2019). Na escala regional, se por um lado em Portugal segue um modelo
administrativo fortemente centralizado na sua capital, Lisboa, onde só as ilhas da
Madeira e dos Açores beneficiam de uma autonomia regional, o Estado espanhol
conta, desde 1978, com estruturas sub-estatais, as Comunidades Autónomas (CAs),
com amplos poderes legislativos, executivos e judiciais. Na escala local, os
municípios portugueses contam com muito mais poder e autonomia que os
espanhóis. Ao nível supralocal a cooperação faz-se entre as Comunidades
Intermunicipais (CIMs) do lado português e as províncias do lado espanhol, que são

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estruturas muito diferentes em competências, dimensão territorial e lógicas de


funcionamento.
Os territórios do Norte de Portugal, região de planeamento, estão hoje
integrados em várias estruturas de cooperação transfronteiriça. Formalmente, foi no
ano de 1991 que se constituiu a Comunidade de Trabalho entre a Galiza e o Norte
de Portugal, a primeira instituição de cooperação entre Portugal e Espanha. Esta
que é hoje conhecida como a Eurorregião da Galiza e do Norte de Portugal, conta
com uma vitalidade que é evidenciada pela intensidade de fluxos de investimento,
comércio e mobilidade laboral (PIRES et al., 2018). Desde o ano 2000, o Norte de
Portugal partilha também uma comunidade de trabalho com a CA vizinha de Castela
e Leão com a qual tem vindo a reforçar um relacionamento transfronteiriço,
especialmente nos âmbitos da proteção ambiental e aproveitamento dos recursos
endógenos. No entanto, pelo facto desta fronteira atravessar territórios com
debilidades económicas e demográficas, e que são cultural e linguisticamente
menos próximos, este espaço de cooperação mostra-se menos dinâmico que o da
Galiza e Norte de Portugal.
Sem regiões administrativas no continente, a europeização obrigou o Estado
Português a fortalecer as escalas sub-estatais. Isto porque os incentivos à
cooperação entre Estados e a captação de fundos de financiamento para projetos
conjuntos obrigou a uma melhoria da capacidade institucional dos agentes territoriais
sub-estatais. Na recente aprovação, em Portugal, da Lei-Quadro da
descentralização (50/2018), reabriu-se o debate sobre a necessidade de
descentralizar o poder a partir da regionalização e foram várias as vozes que
surgiram no Norte reivindicando a criação de governos regionais (LUSA, 2019)
Nestes discursos identificam-se consequências da cooperação transfronteiriça, já
que a Galiza foi trazida para o debate.
Neste contexto, o principal objetivo desta contribuição é fazer uma primeira
aproximação sobre o impacto que as interdependências e dinâmicas geradas pela
cooperação transfronteiriça europeia têm nas configurações regionais dos Estados.
Para tal, recorremos ao caso do Norte de Portugal e as suas estruturas de
cooperação transfronteiriças. Desenvolvemos uma análise da evolução das relações
entre esta região e as CAs da Galiza e de Castela e Leão. Adicionalmente, de forma
a compreendermos a influência que as dinâmicas de cooperação transfronteiriça têm
no recente debate gerado a partir da já mencionada Lei da descentralização,

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analisamos informação existente em fontes web. Para a sua recolha utilizamos, no


dia 18 de Julho de 2019, o motor de busca Google e introduzimos as duas seguintes
pesquisas: A) “regionalização; norte de portugal; galiza” e B “regionalização; norte
de portugal; castela e leão”. Foram utilizados os dous seguintes critérios de seleção
de entradas: i) as entradas publicadas durante o último ano e únicas; ii) as relativas
a textos ou declarações de agentes territoriais institucionais, isto é, representantes
de entidades territoriais. Adicionalmente, para compreendermos a forma como a
cooperação transfronteiriça tem sido incorporada nos discursos regionais do Norte
de Portugal, realizamos uma análise de conteúdo dos documentos estratégicos para
a concretização de investimentos supramunicipais no período 2014-2020. No caso
da NUTS2 Norte de Portugal foi analisado o documento “Programa Operacional
Regional do Norte 2014-2020” e no caso das oito NUTS3 as “Estratégias integradas
de desenvolvimento territorial 2014-2020”, todos disponibilizados na página web
www.norte2020.pt. Nesta análise interessa-nos fazer o levantamento da frequência e
conteúdo em que a Galiza e Castela e Leão são referidas nestes documentos.

A fronteira entre Portugal e Espanha.


Partindo de uma perspetiva geo-histórica, fundamental para compreendermos
as atuais dinâmicas transfronteiriças e os seus significados, as relações entre
Portugal e Espanha estiveram durante séculos marcadas por conflitos e separações.
A atual fronteira que divide estes dois estados ibéricos teve origem no
reconhecimento do condado de Portucale como um reino independente da Galiza,
no tratado de Zamora em 1143, e na posterior definição de praças fronteiriças no
tratado de Alcañices, em 1294. Ainda que em Portugal seja recorrente a utilização
da ideia de que o país tem as fronteiras mais estáveis e antigas da Europa, presente
sobretudo nos discursos sobre a unidade da nação, associando este tratado
assinado no século XIII à origem da delimitação da fronteira com Espanha (SOUSA,
2018), esta ideia não é totalmente certa. Isto porque, por um lado, a fronteira tinha
então um significando muito distinto ao que tem hoje e só surge como linha efetiva
de delimitação com o surgimento dos Estados modernos; por outro, a fronteira entre
estes dois países sofreu várias alterações até ao século XX, sobretudo nas suas
delimitações a norte (GARCÍA-ÁLVAREZ; PUENTE-LOZANO, 2017). É a assinatura
do Tratado de Limites de Lisboa, em 1864, que define de uma forma clara os limites
entre os dois estados ibéricos ainda que, devido a problemas e conflitos gerados, só

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em 1906 com a assinatura da Ata Geral de Demarcação é que culmina o processo


legal e diplomático que define a fronteira entre Portugal e Espanha (TRILLO-
SANTAMARÍA; PAÜL, 2014).
Foi provavelmente durante as ditaduras de Salazar em Portugal e de Franco
em Espanha, entre os anos 1930 e os anos 1970, que a fronteira foi mais rígida:
para além dos limites estatais estarem militarizados, as narrativas da identidade
nacional que foram disseminadas através da generalização do ensino incidiam na
produção da diferença em relação aos demais países, de forma que proliferaram as
representações e narrativas que ignoravam o país vizinho (LOIS GONZÁLEZ;
PIÑEIRA, 2009). Considerando que as fronteiras resultam de um processo
historicamente contingente e fortemente influenciado por narrativas (NEWMAN;
PAASI, 1998) este período marcou os significados ainda hoje associados à fronteira.
Ainda assim, e na linha com o que referem Donnan e Wilson (1999), o dia-a-dia dos
espaços fronteiriços ultrapassava os limites que existem para demarcar o espaço
político. Mesmo durantes as ditaduras ibéricas, as populações iam cruzando as
barreiras impostas e criando redes de comércio através das práticas de contrabando
de todo o tipo, o que contribuiu para dar um significado diferente à fronteira
(GODINHO, 1994). Estas atividades ilegais, e o facto de existiram áreas rurais com
caraterísticas culturais e linguísticas muito próximas, contribuiu para a manutenção
da consciência de uma proximidade cultural entre as povoações, especialmente
evidente na fronteira a norte de Portugal (LOIS GONZÁLEZ, 2008). Contudo, o facto
de Portugal e Espanha se terem ignorado mutuamente durante o longo período de
tempo contribuiu para que, atualmente, os territórios fronteiriços sejam
predominantemente compostos por lugares periféricos e isolados (Ibidem). No
entanto, este caráter periférico não se aplica a toda a fronteira ibérica, já que
existem territórios fronteiriços com elevadas densidades populacionais, fortes
processos de urbanização e de complementaridade económica, a chamada raia
húmida ou rica, correspondendo à fronteira banhada pelo Minho entre a província de
Pontevedra e o Alto Minho e mais a sul a parte da fronteira banhada pelo Guadiana,
entre Huelva e o Algarve (LOIS GONZÁLEZ, 2002).
No caso específico do Norte de Portugal e da Galiza, a fronteira estatal tem
significados peculiares, por várias razões. Começando por referir as razões culturais
e históricas, é importante dizer que estes territórios pertenciam a uma mesma antiga
província romana: a Gallaecia (NOGUEIRA, 2002). Muitas das caraterísticas

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culturais e identitárias que ainda resistem nos territórios galegos e do Norte de


Portugal desenvolveram-se no período em que partilharam um mesmo espaço
administrativo, sendo provavelmente a mais significativa a semelhança do idioma.
Isto porque foi na Gallaecia que surgiu o galaico-português que deu origem ao
idioma galego e português (AZEVEDO, 2017). Adicionalmente, apesar da diferença
entre as normativas de ambos os Estados ter originado trajetórias socioeconómicas
diferentes, a verdade é que as afinidades entre estes territórios ainda são visíveis
nas paisagens. Por um lado, a partilha do clima e das caraterísticas do solo leva a
que o cultivo da terra seja muito semelhante, tanto no tipo de produção como nos
métodos utilizados, havendo também semelhanças evidentes na arquitetura popular
e religiosa (TRILLO-SANTAMARÍA; PAÜL, 2014). A partilha de códigos culturais
(MEDEIROS, 2006) e proximidade geográfica levou a que, ao longo da história, a
fronteira galego-portuguesa se tenha caraterizado por fortes intercâmbios, que se
materializaram na existência de comércio legal e ilegal, partilha de festas e romarias,
mas ainda em casamentos mistos, e postos de trabalho do outro lado da fronteira
(ÁLVAREZ PÉREZ, 2013). Esta fronteira conhece hoje uma nova fase, dentro do
contexto da UE.

O Norte dentro da estrutura administrativa de Portugal


Desde o fim da ditadura do Estado Novo em 1974 houve várias alterações à
estrutura administrativa de Portugal. A Constituição da República, aprovada no ano
de 1976, instituiu um sistema de organização territorial baseado em regiões
administrativas, municípios e freguesias como estruturas territoriais eleitas pela
população. Criaram-se as Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores, mas o
nível regional em Portugal continental nunca se efetivou. Em 1998 referendou-se a
regionalização de Portugal continental, com uma proposta de mapa que dividia o
país em oito regiões administrativas, as quais, na maior parte dos casos, não
correspondiam a uma divisão regional previamente existente. A maior parte da
população absteve-se, e o “não” ganhou com 68% de votantes. Os autores Baum e
Freire (2001) consideram que estes resultados podem ser explicados pelas
profundas divisões no seio do partido que então governava e defendia a
regionalização, pela sua incapacidade de conduzir o processo e, sobretudo, devido
ao mapa proposto. Desde então, o debate sobre a regionalização de Portugal
continental entrou numa espécie de estado de hibernação, já que esteve fora da

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agenda política durante vários anos (LÓPEZ-DAVALILLO, 2012). Contudo, o facto


do país estar dentro do espaço comunitário da UE e a consolidação e fortalecimento
do poder local em democracia, trouxe várias alterações à organização do sistema
administrativo português.
O modelo institucional seguido, sobretudo após a entrada de Portugal para a
então Comunidade Económica Europeia em 1986, baseou-se na criação de
estruturas de cooperação ou associação intermunicipal, sem órgãos diretamente
eleitos pela população (NUNES SILVA, 2016). Isto porque, dentro do projeto
europeu foram criadas, nos anos 70, as Unidades Territoriais Estatísticas (NUTS),
unidades territoriais correspondentes a três escalas diferentes, a 1, 2 e 3, que
servem de referência para a recolha, desenvolvimento e harmonização de
estatísticas regionais, análise socioeconómica e enquadramento de políticas
regionais em toda o espaço da UE (PAASI, 2001). Se em determinados Estados a
definição destas unidades seguiu uma delimitação de base histórica e cultural,
noutros casos, nos que se inclui Portugal, seguiu-se uma abordagem top-down.
Definiu-se como primeiro nível (NUTS1) o Continente, a Região Autónoma dos
Açores e a Região Autónoma da Madeira, e como segundo (NUTS2), os territórios
de atuação das Comissões de Coordenação Regional (CCDR): Norte, Centro,
Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e Algarve. Por sua vez, as NUTS3 são constituídas
por agrupamento de municípios, seguindo critérios relacionados com os limites de
população estabelecidos pelo regulamento europeu, de 150 a 800 mil habitantes
(INE, 2015). Com a chegada dos fundos comunitários ao país, as CCDR,
correspondentes às NUTS2, passaram a assumir tarefas na gestão e no
planeamento dos Fundos Estruturais Europeus que se enquadram no âmbito da
Política de Coesão, através dos Programas Operacionais Regionais, além de
estarem à frente do Programa de Cooperação Territorial Europeia que supervisiona
os programas INTERREG (ANTUNES; MAGONE, 2018). Paralelamente, criam-se
Entidades Intermunicipais com base nas NUTS3: as Comunidades Intermunicipais
(CIMS) e as Áreas Metropolitanas (AM). Estas estruturas passam a ser responsáveis
pela articulação dos municípios que as constituem nas áreas do planeamento,
serviços públicos, transportes, segurança, educação, saúde, cultura e também na
gestão de fundos de coesão.
Neste contexto emerge o Norte de Portugal, o território mais a norte do país e
corresponde a uma NUTS2 e dotado de uma Comissão de Coordenação Regional

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do Norte (CCDRN). Divide-se em 8 NUTS3, que correspondem a sete CIMs e uma


AM (Figura 1). Segundo dados relativos a 2017, no Norte de Portugal habita cerca
de 35% da população residente em Portugal, 3,6 milhões de pessoas (INE, 2018).
Esta região é responsável por 37% das exportações nacionais e por 28,3% do PIB
da economia nacional, já que alberga alguns dos territórios mais industrializados do
país (COMISSÃO EUROPEIA, 2017). No entanto, esta é também uma zona
marcada por grandes dificuldades económicas. Existe também um forte dualismo
entre a Área Metropolitana do Porto e alguns território adjacentes, que detêm um
dinamismo económico e demográfico potente, e, do outro lado, um interior em
processo de esvaziamento e desvitalização (CCDRN, 2013).

Figura 1 – NUTS2(a) e as NUTS3(b) do Norte de Portugal.

Fonte: Elaboração própria

Tal como acontece com as restantes CCDR, a CCDRN não é uma estrutura
eleita pela população, não tem representação no Comité das Regiões Europeias e é
fortemente dependente do poder da administração central (SYRETT; SILVA, 2001).
No entanto, pelo facto de nortearem atualmente os investimentos dos Fundos
Europeus de Coesão e Competitividade, têm vindo a ganhar força institucional.
Estes estímulos europeus permitiram às CCDR combater muitas das limitações
impostas pela organização territorial de Portugal, ainda que este tipo de estruturas
continue a atuar com falta de reconhecimento e legitimidade política e administrativa
(ANTUNES; MAGONE, 2018). No entanto, o enquadramento europeu permitiu que
estas infraestruturas passassem a ser também agentes com protagonismo na
cooperação transfronteiriça.

As estruturas de cooperação transfronteiriça do Norte de Portugal

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A entrada de Portugal e de Espanha na então CEE, em 1986, trouxe fortes


alterações às territorialidades destes dois Estados já que, com o passar dos anos,
deu-se um processo de “des-fronteirização” ibérica (LOIS GONZÁLEZ et al., 2019).
Isto porque no quadro europeu, as fronteiras políticas e militares foram perdendo o
seu significado, o aumento da mobilidade preconizada pelo “mercado único europeu”
foi sendo reforçado e, paralelamente, multiplicaram-se os projetos de cooperação
transfronteiriça impulsionados pelo apoio financeiro da UE através do INTERREG
(CARAMELO, 2007; PAÜL et al., 2017) sobretudo desde a década de 1990.
Por iniciativa do Conselho Europeu estabelecem-se as primeira regulações
jurídicas da cooperação territorial transfronteiriça: o Convénio marco de Madrid de
cooperação transfronteiriça entre autoridades e comunidades territoriais, em 1980, e
os seus protocolos adicionais (Ibidem). Neste contexto, os primeiros territórios
ibéricos a desenvolverem acordos de cooperação transfronteiriça foram a Galiza e o
Norte de Portugal. No ano de 1991, a CCDRN e o Governo Autónomo da Galiza
(Xunta de Galicia) criam a Comunidade de Trabalho Galiza-Norte de Portugal (CT G-
NP). A instituição desta figura de cooperação favorece as interações entre
administrações regionais e locais de um lado e outro da fronteira, mas também de
universidades, centros de investigação, associações culturais e empresariais
(RIVERA; VÁZQUEZ, 2017). No ano de 1992 surge o Eixo Atlântico do Noroeste
Peninsular, rede de municípios inicialmente constituída por 12 entidades e que hoje
chega às 35, que dinamiza atividades e projetos conjuntos. Paralelamente, entre o
final dos anos 80 e início dos 2000, foram construídas 4 pontes, financiadas com
fundos europeus, que têm sido infraestruturas fundamentais para unir territórios
fronteiriços separados pelo rio Minho: Monção-Salvaterra, Valença-Tui, Melgaço-
Arbo e Vila Nova de Cerveira – Goiã (PARDELLAS; PADÍN, 2017).

Figura 2 - Estruturas de Cooperação Galiza-Norte de Portugal.

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Fonte: Elaboração própria

Com a entrada no século XXI, e de forma a responder a uma necessidade


sentida na UE de contar com um instrumento legal que permitisse, entre outras
questões, gerir recursos procedentes dos orçamentos comunitários, surge a figura
jurídica de Agrupação Europeia de Cooperação Territorial (AECT) (IRUJO e
FERNÁNDEZ DE CASADEVANTE, 2008). Aproveitando este enquadramento
jurídico cria-se em 2008 o Agrupamento Eurorregional Galiza – Norte de Portugal
(AECT G-NP) com o objetivo de atuar de forma complementar à já existente CT G-
NP, dedicando-se ao âmbito mais técnico de impulsionar projetos de cooperação a
partir de fundos (CANCELEDA-OUTEDA, 2008).
Apesar dos esforços de cooperação transfronteiriça terem tido início à escala
regional, rapidamente começam também a verificar-se à escala local, sobretudo em
cidades fronteiriças e contiguas (Ibidem). Tendo iniciado os primeiros esforços de
cooperação no ano de 2007 com a criação de uma Eurocidade, o município
português de Chaves e o galego de Verín adotam a forma 2013 jurídica de AECT,
uma estrutura que atualmente conta com vários eventos e iniciativas conjuntas com
uma elevada participação da cidadania (TRILLO-SANTAMARÍA, 2015). Em 2012
cria-se a Eurocidade Tui-Valença, no ano de 2015 a de Monção-Salvaterra e em
2018 Cerveira-Tomiño (Figura 2). Estas eurocidades incluem-se noutro espaço de
cooperação criado muito recentemente que é a AECT Rio Miño, no território do
Baixo Miño galego / Alto Minho português, que vem reforçar a constituição de um
território transfronteiriço que já se vivia como tal por parte das populações locais.
Também entre o Norte de Portugal e a CA de Castela e Leão se foram
desenvolvendo figuras de cooperação a vários níveis (Figura 3). A primeira surge

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com a criação da CT Castela e Leão-Norte de Portugal no ano 2000. No ano de


2009, cria-se o AECT “Duero-Douro” que usa o Rio Douro como eixo de
cooperação e de união (HORTELANO MÍNGUEZ; MANSVELT BECK, 2017). Este
AECT é composto por 174 membros, entre os quais, municípios e associações das
NUTS3 de Salamanca e Zamora do lado espanhol e das NUTS3 de Terras de Trás-
os-Montes, Douro e Beiras e Serra da Estela do lado português. Em 2010 surge o
AECT ZASNET, constituída pelas associações de municípios portugueses
localizadas nas NUTS3 do Douro e Terras de Trás-os-Montes e por municípios de
Zamora e Salamanca com o objetivo de reforçar a coesão económica e social destes
territórios. Mais recentemente, em 2016, constituiu-se um terceiro AECT entre a
Câmara Municipal de Bragança e a Diputación Provincial de León.

Figura 3 - Estruturas de Cooperação Castela e Leão-Norte de Portugal.

Fonte: Elaboração própria

Seguindo as orientações políticas da UE de aposta em estratégias


macrorregionais, cria-se em 2010 a macrorregião denominada Regiões do Sudoeste
Europeu (RESOE) da que forma parte a Galiza, Castela e Leão e a Região Norte de
Portugal e à qual se juntou em 2014 as Astúrias e a Região Centro de Portugal e,
em 2017, a Cantábria (Figura 4). O objetivo desta estrutura é criar um instrumento
de cooperação transfronteiriça que promova a cooperação entre negócios,
universidades, centros de investigação e desenvolver acordos institucionais que
diminuam os custos e melhorem a prestação de serviços aos cidadãos. Na
atualidade esta ainda não é uma estrutura consolidada de cooperação, já que é
baseada num memorando de entendimento e não possui enquadramento legal

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específico, podendo, no entanto, ser usada como forma de pressionar os centros de


decisão política dos Estado-nação e da EU relativamente às regiões que possui
(PAÜL, E TRILLO-SANTAMARÍA, 2019).
Figura 4 - Estruturas de Cooperação do Norte de Portugal.

Fonte: Elaboração própria

Para além das estruturas de cooperação que podemos observar na Figura 4,


importa compreender o comportamento dos fluxos entre estes territórios. Recorrendo
aos dados do Ministerio do Fomento (2017), durante o ano de 2015 registou-se a
passagem de 69.236 veículos ligeiros na fronteira entre Portugal e Espanha, 47%
dos quais por passagens que estão situadas na região Norte. Destes veículos que
passaram a fronteira na região Norte, 96% foram nas passagens com a Galiza.
Segundo este mesmo relatório, a intensidade média de veículos pesados de
mercadorias nos principais pontos da fronteira do Norte de Portugal é de 3.411
veículos, superando as passagens fronteiriças que ligam as capitais dos dois
Estados, Madrid e Lisboa.
As dinâmicas institucionais de cooperação transfronteiriça e os fluxos da
fronteira ibérica refletem que o Norte de Portugal interage de forma diferente com a
Galiza e com Castela e Leão. Esta diferente intensidade de relações pode, segundo
Lois González et al. (2009), ser explicada pelos seguintes motivos: ausência de uma
afinidade cultural e linguística entre Castela e Leão e o Norte de Portugal; uma
estrutura urbana assente no litoral que faz com que haja uma concentração de
densidade de população no litoral e uma consequente continuidade entre a Galiza e
o Norte, e uma situação cada vez mais periférica dos territórios que fazem fronteira
com a região de Castela; e, por último, o facto de a Galiza ter projetado o seu

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desenvolvimento mais para o Norte de Portugal e Castela e Leão para a capital


espanhola, Madrid. A consolidação da cooperação entre a Galiza e o Norte de
Portugal é tal que desenvolveram conjuntamente para o quadro comunitário 2014-
2020 um plano de investimentos e, no ano de 2015, aprovaram a “Estratégia de
Especialização Inteligente Galiza-Norte de Portugal”.

A cooperação transfronteiriça no debate regional em Portugal


Apesar do protagonismo que as entidades territoriais sub-estatais ganharam
nas últimas décadas, e da aposta que muitos fizeram na cooperação transfronteiriça
como forma de ultrapassar a sua condição periférica em relação à capital Lisboa,
Portugal continua a ser um país fortemente desigual. Isto mesmo vem descrito no
Programa Nacional para a Coesão Territorial, onde os dados evidenciam o caráter
polarizado do território português que se divide entre o dinamismo económico, social
e demográfico das Áreas Metropolitanas do Porto e Lisboa e áreas envolventes, e os
problemas de envelhecimento populacional, decadência demográfica, aumento de
desemprego, entre ouros, da maior parte do território nacional (UNIDADE DE
MISSÃO PARA A VALORIZAÇÃO DO INTERIOR, 2018). Passadas duas décadas
do “não” à regionalização, no programa do XXI Governo de Portugal, em funções
desde 2015, refere-se a necessidade de transformar o modelo de funcionamento do
Estado através da descentralização de competências (GOVERNO DE PORTUGAL,
2015). Neste seguimento, em 2018 aprova-se a lei-quadro da descentralização (Lei-
Quadro nº 50/2018, 16 de agosto) que abre uma nova fase no debate sobre a
organização do Estado. Esta lei transfere competências originalmente detidas pelo
Estado Central, em âmbitos como educação, saúde, justiça, habitação, entre outros,
para as autarquias e Entidades Intermunicipais. No entanto, parece existir uma
vontade por parte dos agentes territoriais de reforçar a escala supra-local do país, tal
como refere o inquérito realizado pelo Instituto Universitário de Lisboa e divulgado
em fevereiro de 2019 sobre “organização do Estado e as competências dos
municípios”. Segundo este estudo, cerca de 84% dos autarcas agora em funções
defende a criação de regiões administrativas com órgãos eleitos diretamente, e 77%
querem a regionalização a curto prazo (LUSA, 2019b).
Como forma de captarmos a presença das CAs do Estado Espanhol neste
debate, e aplicado a metodologia já exposta, foram identificadas inicialmente 70
entradas na pesquisa relativa à Galiza, das quais selecionamos 7, e 23 entradas na

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pesquisa relativa a Castela e Leão, das quais apenas 1 cumpria os critérios de


seleção anteriormente descritos. Dentro das notícias foram selecionadas as frases
em que se referia o nome de uma das duas CAs. Os resultados estão organizados
na Tabela 1. Considerando os dados recolhidos, o primeiro elemento a destacar é a
diferença entre o relevo da Galiza no discurso regional do Norte de Portugal e o de
Castela e Leão, já que, as referências encontradas a esta última são muito menos
frequentes. Começando pela Galiza, vemos que esta CA é referida por duas razões
principais. Por um lado, como exemplo do que o Norte de Portugal poderia ser em
termos socioeconómicos caso tivesse autonomia regional, já que a Galiza partiu de
uma condição pior e está hoje comparativamente melhor em muitos indicadores do
que o Norte de Portugal. Por outro lado, o facto da dependência que existe dos
territórios do Norte relativamente ao do poder centrado em Lisboa não permite um
pleno aproveitamento do potencial da cooperação transfronteiriça. Este mesmo
discurso foi identificado num estudo anterior, onde os agentes territoriais
entrevistados do Norte de Portugal referiam que a eurorregião era uma forma de
diminuir a dependência de Lisboa (TRILLO-SANTAMARÍA, 2014). É também de
destacar que na conferência “Descentralizar o Estado, Reforçar as Regiões”
organizada pela CCDRN em março de 2019, que reuniu as vozes mais relevantes
sobre o debate regional, um dos oradores convidados foi o Presidente da Xunta de
Galicia, Alberto Núñez Feijóo. Relativamente aos discursos que referem Castela e
Leão, refere-se também o potencial da cooperação transfronteiriça e a necessidade
de estruturas próximas do território para o aproveitar parece ser o elemento
principal. A referência encontrada a Castela e Leão foi feita pelo Presidente da
Câmara de Bragança, município que participa em várias estruturas de cooperação
com territórios da CA espanhola.

Tabela 1 - A presença da Galiza e de Castela e Leão nos discursos regionais


TÍTULO DA NOTÍCIA RELEVÂNCIA LINK REFERÊNCIA À GALIZA OU A CASTELA E LEÃO
INSTITUCIONAL
A REGIONALIZAÇÃO CCDRN https://www.publico.pt/2019 O presidente do Governo Regional da Galiza, Alberto Nunes Feijóo, atribuiu ao
“É FUNDAMENTAL /03/11/local/noticia/regionali sistema autonómico espanhol a responsabilidade pelos 25 anos de grande
PARA A zacao-fundamental- desenvolvimento do país vizinho, e não querendo opinar sobre o que deveria
SOBREVIVÊNCIA DA sobrevivencia-democracia- fazer Portugal, não deixou de o fazer.
DEMOCRACIA". 1865012
NO PAÍS EM QUE JÁ CCDRN https://www.publico.pt/2019 Em vez do antigo ministro do PS, de quem se esperava uma alusão “ao futuro das
NÃO HÁ DISTRITOS, /03/11/local/noticia/pais-ja- regiões”, as palavras finais ficarão a cargo de Alberto Nunes Feijóo, presidente do
AS REGIÕES ESTÃO nao-ha-distritos-regioes- Governo Regional da Galiza, uma autonomia espanhola saída da Constituição
POR CUMPRIR estao-cumprir-1864876 de 1978 do país vizinho e que, desde os tempos de Fraga Iribarne, se relacionou
estreitamente, sem condescendência, com as lideranças, não-eleitas, da CCDR-N,
com a qual criou, em 1991, a Comunidade de Trabalho Galiza-Norte de Portugal.
PRESIDENTE DA CCDRN http://www.ccdr- O momento foi, igualmente, aproveitado para a partilha do testemunho de Alberto
AR DESTACA n.pt/institucional/quem- Núñez Feijóo, Presidente da Junta da Galiza e da Comunidade de Trabalho
“EXTRAORDINÁR somos-e-o-que- Galiza-Norte de Portugal. O responsável recordou o ato de 1991, que institui a
IA CAPACIDADE fazemos/1389/presidente-da- primeira Eurorregião da Europa e reiterou a importância de investimentos

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DE ar-destaca-extraordinaria- conjuntos para a competitividade deste território. Feijóo mencionou como


ESTABILIDADE capacidade-de- prioridades o cluster automóvel, os Caminhos de Santiago de Compostela, o
DAS CCDR” desafio do envelhecimento populacional e a macrorregião RESOE.
PRESIDENTE DA Presidente da https://www.dn.pt/lusa/interi “A regionalização daria um contributo muito importante na definição de uma
CÂMARA DE VIANA Câmara or/presidente-da-camara-de- estratégia única e conjunta para a região Norte, em que a coesão territorial fosse a
DO CASTELO DIZ QUE Municipal de viana-do-castelo-diz-que- pedra basilar e em que pudéssemos apresentar projetos com Castela e Leão e
REGIONALIZAÇÃO É Viana regionalizacao-e- com a vizinha Galiza, para termos mais capacidade de intervenção e, acima de
DETERMINANTE determinante- tudo, mais capacidade de desenvolvimento", afirmou o autarca durante um
10779342.html congresso dos governos locais, a decorrer na Polónia.”
REGIONALIZAÇÃO: Presidente da https://www.eixoatlantico.co “Na Galiza a capital da região é Santiago de Compostela, cidade com metade dos
MARCAR A DECISÃO Câmara m/es/noticias/opinion/3803- habitantes de qualquer uma das duas grandes urbes galegas, Vigo e Corunha.”
PARA 2020! Municipal de regionalizacao-marcar-a-
Ermesinde decisao-para-2020
JORGE NUNES Presidente da https://www.jornalnordeste.c “Reforçar a política de Cooperação externa – em particular com a Galiza e
Associação om/opiniao/regionalizacao- Castela a Leão, concretizada de forma estruturada, mais estratégica e dirigida a
Nacional de e-estrategia-norte-2030 áreas temáticas específicas, com maior iniciativa regional.”
Municípios
Portugueses
RAZÕES CONTRA E A Ex-presidente https://www.jn.pt/nacional/i “Fernando Gomes responde com o exemplo da Galiza: "Em 1974, era mais pobre
FAVOR DOS da Câmara nterior/razoes-contra-e-a- do que o Norte e agora o Produto Interno Bruto per capita é muito superior e a
PROTAGONISTAS DA Municipal do favor-dos-protagonistas-da- diferença continua a alargar-se". “
CAMPANHA DO Porto campanha-do-referendo-a-
REFERENDO À regionalizacao-
REGIONALIZAÇÃO 10730698.html
“O PAÍS ARRISCA SER Presidente a https://expresso.pt/sociedade “Hernâni Dias, apoiante convicto do movimento de autarcas do norte pró-
EM 2030 UMA Câmara /2019-04-18-O-pais-arrisca- regionalização, defende que num país cada vez governado a olhar para a capital a
LÍNGUA DE TERRA Municipal de ser-em-2030-uma-lingua-de- alternativa para um território de norte e a sul mais sustentável passa “claramente
COSTEIRA E O RESTO Bragança terra-costeira-e-o-resto- pela criação de regiões”, dirigidas por quem as conhece e às suas prioridades. “Só
LITERALMENTE literalmente-paisagem- quem aqui vive percebe o quanto um aeroporto é importante para Trás-os-
PAISAGEM”, antecipa-autarca-de- Montes, até como pano alternativa ao aeroporto Francisco Sá Carneiro”, diz,
ANTECIPA AUTARCA Braganca adiantando que o aeroporto de Bragança seria uma porta de entrada
DE BRAGANÇA transfronteiriça que serviria todo o nordeste transmontano e ainda a região de
Castela e Leão.”

Fonte: Elaboração Própria

Relativamente ao segundo método utilizado, a análise dos planos


estratégicos, os resultados obtidos estão ilustrados na Figura 5. No caso da NUTS2
Norte de Portugal, são referidas ambas as CAs o mesmo número de vezes, sendo
que estas referências aparecerem dentro de uma descrição das estruturas de
cooperação transfronteiriça que detém esta região.

Figura 5 – Presença da “Galiza” e de “Castela e Leão” nos planos estratégicos


dos territórios do Norte de Portugal.

Norte de Portugal 3 3
Douro 11
Tâmega e Sousa 1
Ave 3
Terras de Trás-os-Montes 3 2
Área Metropolitana do Porto 4
Cávado 7
Alto Tâmega 8
Alto Minho 62 1

Galiza Castela e Leão

Fonte: Elaboração própria.

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Observando as diferenças entre os planos estratégicos das NUTS3,


ressaltamos as seguintes evidências. Sobressai o caso da CIM do Alto Minho, onde
há várias referências à Galiza. A elevada presença da Galiza no plano estratégico
do Alto Minho pode ser explicada pelo facto de estes serem territórios contíguos e
onde se concentra um maior número de estruturas de cooperação. As referências a
esta CA aparecem normalmente associadas ao potencial económico das relações
transfronteiriças, mas também a proximidade histórico-cultural entre estes territórios
é referida. Há igualmente referências à possibilidade de que o Alto Minho se afirme
como território de ligação entre as duas Áreas Metropolitanas de Vigo e do Porto.
Ainda que com menor peso, surge o Alto Tâmega, que também partilha uma
fronteira com a Galiza, e faz oito referências a esta CA. As referências à CA galega
vêm, neste plano estratégico, normalmente associadas à necessidade de aprofundar
as relações económicas transfronteiriças com a província de Ourense, e o potencial
da Eurocidade de Chaves-Verín. Na NUTS3 do Cávado, que conta com um
município fronteiriço com a Galiza, as sete referências a esta CA aparecem no
contexto de descrição da acessibilidade dos seus territórios e associadas ao turismo,
especialmente ao Caminho de Santiago. Na AM Porto, sem fronteira com a Galiza,
esta CA surge em análises relativas a transportes e na exposição sobre o potencial
económico do aprofundamento das relações transfronteiriças, sobretudo nos setores
industriais estratégicos. Já em Terras de Trás-os-Montes fala-se das duas CAs para
referir a localização estratégica desta NUTS3 e, no caso do Ave a referência à CA
galega é feita na descrição de oportunidades de criação de redes de cidades
internacionais. Tanto no Tâmega e Sousa como no Douro fazem-se breves
referências às CAs dentro da descrição das relações estratégicas territoriais destas
NUTS3. Esta análise mostra que, como seria espetável, as NUTS3 fronteiriças
incorporam com maior frequência referências às CAs espanholas vizinhas. No
entanto, destaca-se claramente a incorporação da Galiza no plano estratégico da
CIM do Alto Minho. Isto está provavelmente associado à vitalidade da cooperação
transfronteiriça institucional e um dinamismo económico e social forte, que não se
verifica na mesma medida nas restantes NUTS3 fronteiriças.

Considerações finais
Ao longo desta contribuição pudemos observar como dentro de um continente
marcado por várias fronteiras estatais, como é o europeu, e entre dois Estados onde

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a fronteira tem sido, de uma forma geral, estável, a desfronteirização interna


europeia abriu portas à cooperação entre territórios. Para muitos espaços
fronteiriços, as relações além-fronteiras surgiram como uma possível solução para
reverter a sua condição periférica relativamente às capitais dos seus Estados. Isto
parece especialmente relevante no lado português, já que são várias as entidades
territoriais que têm recorrido à cooperação transfronteiriça para contrariar a
tendência de abandono a que as disparidades do território nacional os condenam.
No entanto, persistem barreiras à cooperação entre os Estados ibéricos. A mais
relevante é, provavelmente, a “assimetria institucional” que existe entre ambos, que
afeta sobretudo o funcionamento cotidiano das estruturas de cooperação. Também o
facto das entidades territoriais portuguesas manterem uma forte dependência do
poder central limita a possibilidade de desenvolver projetos transfronteiriços. Outra
das barreiras que é importante referir é o caráter simbólico da fronteira que,
sobretudo do lado português, ainda é um elemento muito presente no discurso de
identidade nacional.
Em Portugal, o facto de nunca se ter dado o passo para uma completa
regionalização limitou o processo de redistribuição de poderes sub-estatais, que se
verificou noutros Estados. Apesar disso, a integração do país na UE tem facilitado o
desenvolvimento de novas territorialidades, e o reforço do poder e protagonismo de
escalas sub-estatais. No Norte de Portugal, muitas destas novas territorialidades têm
sido feitas através da cooperação transfronteiriça que o projeto europeu permitiu
institucionalizar. A relação entre esta região e a CA Galiza foi pioneira na
cooperação transfronteiriça na península ibérica e, ao longo das últimas décadas,
têm sido várias as figuras institucionais que têm surgido às diferentes escalas
existentes. A estas iniciativas institucionais, junta-se um intenso fluxo económico e
social na parte mais litoral da fronteira, que vão consolidando um espaço
transfronteiriço. Esta vitalidade não é, contudo, comum a todas as áreas fronteiriças,
já que parece existir uma maior dificuldade de consolidação nos espaços do interior.
O facto de serem territórios social e economicamente deprimidos pode explicar este
menor grau de consolidação, ainda que também as razões culturais podem estar na
origem desta diferença. Ainda assim, os territórios do interior do Norte de Portugal
também têm vindo a alargar estruturas de cooperação com a CA de Castela e Leão.
No recém-aberto debate sobre a descentralização em Portugal, as novas
territorialidades facilitadas pela integração do país na UE fazem-se notar. Primeiro,

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no atual debate identifica-se um protagonismo das estruturas territoriais que foram


consolidadas dentro do quadro europeu, como as NUTS2 representadas pelas
CCDR e as NUTS3 representadas pelas CIMs e AM. Em segundo, e indo ao
encontro do principal objetivo deste artigo, identificamos que existe uma presença
dos territórios parceiros na cooperação transfronteiriça no debate regional. Isto
porque são vários os agentes territoriais do Norte que têm incorporado referências
às CAs do Estado Espanhol, sobretudo a Galiza, nos seus discursos pró-
regionalização. O conteúdo e a frequência das referências à Galiza são ilustrativos
de como a consolidação do espaço eurorregional parece ajudar à legitimação da
escala regional e à afirmação dos territórios do Norte. Identificamos também que,
mesmo nos discursos mais formais, presentes nos Planos Estratégico supra-locais,
a cooperação transfronteiriça está presente, sobretudo nos territórios onde existem
mais estruturas de cooperação, como é o caso da NUTS3 do Alto Minho.
Nesta aportação, fazemos uma primeira aproximação a uma problemática
capaz de abrir uma nova linha de investigação sobre o impacto que as
interdependências e dinâmicas geradas pela cooperação transfronteiriça europeia
pode ter nas configurações regionais dos Estados. Consideramos que a análise das
relações ibéricas é um contexto idóneo para o fazer, já que há um encontro de
modelos territoriais distintos e uma fronteira com um grande peso simbólico. Neste
contexto, é especialmente valioso o conteúdo das relações entre a Galiza e do Norte
de Portugal, já que conformam um espaço eurorregional consolidado, de forte relevo
no contexto europeu, e onde as relações têm um passado marcado por encontros e
desencontros. O atual momento de debate regional em Portugal é, também, o
contexto ideal para aprofundar esta temática. No entanto, este debate é ainda
bastante recente, havendo pouco material que permita um estudo robusto. Por esse
motivo, este é o primeiro passo de uma investigação que se desenrolará nos
próximos anos.

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RECONFIGURACIÓN ESPACIAL DE LA FRONTERA Y FLUJOS NO


DOCUMENTADOS ENTRE MÉXICO Y ESTADOS UNIDOS
Space Reconfiguration of the Border and Non-Documented Flows Between Mexico
and United States
Reconfiguração Espacial das Fronteiras e Fluxos Não-Documentados entre México e
Estados Unidos

Sergio Peña Medina


César M. Fuentes Flores

Resumen: El presente artículo analiza la reconfiguración espacial y escalar de la


frontera México-Estados Unidos a partir de las acciones implementadas para detener
el flujo migratorio hacia el norte. EL principal argumento es que el Programa Integral
de la Frontera Sur en realidad convirtió la frontera sur de México en una frontera
extraterritorial de Estados Unidos para el control de los flujos de migrantes. Se
concluye que las fronteras como un contenedor de procesos han demostrado sus
limitaciones para el control de la migración indocumentada ya que los procesos
socioeconómicos son fluidos y operan en redes.
Palabras claves: Frontera sur, Migración indocumentada, Reconfiguración espacial,
Trato de personas, Economías ilícitas.

Abstract: This article analyzes the U.S.-Mexico border in its spatial and scalar
reconfiguration in regards to the Southern Border Comprehensive Plan (SBCP) to
control undocumented migration to the north. The key argument is that SBCP in fact
converted Mexico’s southern border into a U.S. extra-territorial border to control
migration. The main conclusion is that borders as containers are limited to control
undocumented migration because the socioeconomic processes are fluid and
operate as networks.
Key Words: Frontier sur, Undocumented Migration, Spatial Reconfiguration,
Treatment of personas, Illicit Economies.

Resumo: O presente artigo analisa a reconfiguração espacial e escalar na fronteira


entre México-Estados Unidos a partir das ações implementadas para detectar o fluxo
migratório em direção ao Norte. O principal argumento é o que o Programa Integral
da Fronteira Sul na realidade converteu a fronteira no México em uma fronteira
extraterritorial dos Estados Unidos para o controle dos fluxos migratórios. Conclui-se
que as fronteiras funcionam como barreiras de processo, apresenta limitações para


Licenciatura en historia de la UNAM, maestría en relaciones internacionales e Doctor en
planificación urbana por The Florida State University (FSU). Pertenece al sistema nacional de
investigadores (SNI) nivel 2. Es profesor-investigador en El Colef. E-mail: spena@colef.mx

Maestro en desarrollo regional por el Colegio de la Frontera Norte, además es doctor en Planeación
Urbana y Regional por la Universidad del Sur de California. Investigador en la Dirección General
Regional Noroeste de El Colef en Ciudad Juárez. Pertenece al Sistema Nacional de Investigadores en
la categoría de Nivel I. E-mail: cfuentes@colef.mx

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o controle da migração indocumentada já que os processos socioeconômicos são


fluídos e operam em redes.
Palavras chaves: Fronteira Sul, Migração não documentada, Reconfiguração
espacial, Tráfico de pessoas, Economias ilícitas.

* Trabalho completo selecionado para publicação na Revista Para Onde? (UFRGS),


no número referente ao primeiro semestre de 2020.
https://seer.ufrgs.br/paraonde

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TRÊS PAÍSES, VÁRIAS FRONTEIRAS E DIFERENTES ESPETÁCULOS


Three Countries, Various Borders and Different Spectacules
Tres Países, Varias Fronteras y Diferentes Espetáculos

Maria Cristina Lanza de Barros

Resumo: Neste artigo analisa-se algumas das dinâmicas geográficas que se dão
em torno da fronteira Brasil-Paraguai e Brasil-Bolívia. Escolheu-se o espetáculo
como categoria de análise para compreender as geografias que ai se produzem. A
reflexão apresentada neste artigo tem base empírica, é fruto de pesquisa de campo
realizada, nos meses de outubro/novembro de 2018 em algumas áreas limites entre
Brasil e Paraguai e da vivência cotidiana na fronteira Brasil-Bolívia. Com base nesta
análise percebe-se que este debate é intenso e constante na geografia e a
discussão em torno do mesmo se dá com enfoques diferenciados. Nesse artigo
consideramos que a espetacularização que acontece nas fronteiras é provocada
pela atividade do turismo que além de consumidora é produtora de espaço. A
globalização produziu tanto a fronteira quanto o espetáculo e indissociável deste
processo a sociedade do espetáculo, imprescindível para o consumo.
Palavras-Chave: Fronteira; Espetacularização; Consumo; Brasil; Paraguai; Bolívia.

Abstract: This article analyses some of the geographical dynamics around the
Brazil-Paraguay and Brazil-Bolivia frontiers. The spectacle was chosen as a category
of analysis to understand the geographies that occur there. The reflection presented
in this article has an empirical basis, is the result of field research conducted in
October / November 2018 in some border areas between Brazil and Paraguay and
daily living on the Brazil-Bolivia border. Based on this analysis, one can see that this
debate is intense and constant in geography, and the discussion around it takes
place with different approaches. In this article we consider that the spectacularization
that happens in the borders is provoked by the activity of the tourism that, besides
being a consumer, is a producer of space. Globalization has produced both the
frontier and the spectacle and inseparable from this process the society of the
spectacle, essential for consumption.
Keywords: Border; Spectacularization; Consumption; Brazil; Paraguay; Bolivia.

Resumen: Este artículo analiza algunas de las dinámicas geográficas en torno a las
fronteras Brasil-Paraguay y Brasil-Bolivia. El espectáculo fue elegido como una
categoría de análisis para entender las geografías que ocurren allí. La reflexión
presentada en este artículo tiene una base empírica, es el resultado de una


Graduada em Geografia FCT/UNESP - Presidente Prudente/SP; Mestrado em Educação pela
FCH/UFMS Campo grande e Doutoranda em Geografia pelo Programa de pós-Graduação em
Geografia - "Produção do espaço regional e Fronteira" - da Universidade Federal da Grande
Dourados - FCH/UFGD/ Dourados-MS. Docente do Curso de Geografia na graduação, no
CPAN/UFMS - Universidade Federal do Mato Grosso do Sul - UFMS. e-mail:
cristinalanza13@hotmail.com

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investigación de campo realizada en octubre / noviembre de 2018 en algunas zonas


fronterizas entre Brasil y Paraguay y la vida diaria en la frontera Brasil-Bolivia. Con
base en este análisis, se puede ver que este debate es intenso y constante en
geografía, y la discusión a su alrededor tiene lugar con diferentes enfoques. En este
artículo consideramos que la espectacularización que ocurre en las fronteras es
provocada por la actividad del turismo que, además de consumidor, es productor de
espacio. La globalización ha producido tanto la frontera como el espectáculo e
inseparables de este proceso la sociedad del espectáculo, esencial para el
consumo.
Palabras-clave: Frontera; Espetáculo; Consumo; Brasil; Paraguay; Bolivia.

Introdução

As dinâmicas que ocorrem na fronteira são complexas e singulares conforme


procuraremos demonstrar neste artigo. A fronteira enquanto produto da sociedade,
apresenta várias acepções no imaginário dos sujeitos. Como tal, adquire mais
complexidade, na medida em que várias fronteiras são produzidas cotidianamente. É
nesta complexidade da fronteira que surge a ideia de analisá-la sob ponto de vista
do espetáculoi, como forma de compreender os desdobramentos socioterritoriais,
resultantes deste processo. Com advento da globalização, que se apresenta como
um processo de radicalização da estrutura capitalista, a fronteira ganhou uma
dimensão espetacular, mas, nem sempre esse espetáculo é inclusivo, ele é seletivo,
sendo esta, uma das contradições do processo.
Além do espetáculo em si, a globalização criou a sociedade do espetáculo,
indissociáveis deste processo. Esse espetáculo, diga-se de passagem, causa
“hipnose” nos sujeitos ao ponto de alienarem-se pelas imagens, que são criados na
sociedade do espetáculo, visível nas mercadorias oferecidas pelas publicidades e
que culmina na sociedade de consumo.
É a partir do consumo que a fronteira se espetaculariza. Neste sentido,
pode-se dizer que, o espetáculo das coisas, é nada mais, nada menos que, um
processo avançado de acumulação do capital em escala global. Para compreender
as dinâmicas socioespaciais que se dão a partir do espetáculo das coisas, a análise
será feita a partir do olhar das fronteiras entre Brasil e o Paraguai, Ponta Porã
(BR)/Pedro Juan (PY), Mundo Novo (BR)/Salto de Guairá (PY) e Foz do Iguaçu
(BR)/ Ciudad de Leste (PY) e Brasil e Bolívia, Corumbá (BR)/ Puerto Quijarro (BO).

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Nas fronteiras paraguaias em questão, a quantidade de outdoors e placas


fazendo propagandas do comércio no Paraguai chama atenção. É sobre este
espetáculo na fronteira, responsável pelo incentivo ao consumo nos grandes centros
comerciais e shoppings localizados nestas regiões fronteiriças com o Paraguai que
vamos escrever e fazer um comparativo com o que acontece na fronteira com a
Bolívia, que embora exista comércio, com shoppings, lojas e feiras o espetáculo
exposto por outdoors e propagandas está ausente nas imediações da fronteira,
apresentando uma configuração muito diferente, em relação ao comércio, das
encontradas nas fronteiras com o Paraguai. Assim, busca-se discorrer sobre os
espetáculos que acontecem nestas fronteiras, onde o turismo seja de compra, de
lazer ou de contemplação está presente e pauta a produção e o consumo destes
espaços fronteiriços.

Fronteira: uma breve discussão

A fronteira enquanto categoria de análise geográfica tem ocupado espaço


relevante no debate acadêmico na atualidade. Por sua vez, é um tema discutido por
diversos estudiosos, como Albuquerque (2010), Barth (1998), Benedetti (2011),
Haesbaert (2014), Martins (1997), entre outros, sendo notório dentro das ciências
humanas e sociais, sobretudo, em disciplinas como a Geografia, a História, a
Antropologia e a Sociologia. Essas áreas têm colocado em cena suas
preocupações. Na ciência geográfica, o debate sobre fronteira é intenso e
inacabado, conduzindo uma série de discussões em torno de enfoques
diferenciados. A questão da espetacularização na fronteira, como se propõe discutir
neste trabalho, é uma destas exigências atuais que a própria Geografia é chamada
para dar a sua contribuição.
Mas, antes de avançar neste sentido, há uma necessidade de conceituar a
própria ideia de fronteira, que muitas vezes tem sido confundida com a noção de
limite. O conceito de fronteira apresenta várias acepções. A palavra fronteira está
presente no quotidiano dos sujeitos. Todos os dias, as pessoas atravessam
fronteiras e também vivem situações de fronteiraii, pois elas existem em todos os
lugares. Cada dia que passa, novos limites são estabelecidos/construídos, seja
materialmente ou imaterialmente, servindo de linha divisória de alguma coisa ou

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delimitando alguma situação; e no atual contexto da globalização, esse processo é


recorrente.
As fronteiras vão ao longo da história sendo consolidadas pelas suas
identidades nacionais que se expressam através das histórias, tradições e pela
própria dinâmica. Desta forma, a fronteira deixa de ser apenas uma linha divisória
entre dois lugares, duas nações e/ou povos. Ela ganha uma dimensão simbólica, na
medida em que separa os sujeitos, sejam eles da mesma nação e/ou de nações
diferentes. Ela também separa sujeitos de cultura, língua, hábito e costumes
diferentes sendo uma situação recorrente na atualidade. A fronteira torna-se um
lugar de construção social do Outro, um lugar de estranhamento e de indiferença,
um lugar onde converge a pluralidade da gente que ali vive. E assim está descrito po
Mondardo (2009):
A fronteira nasce da diferença, isto é, este espaço que delimita duas
nações, com diferentes culturas e línguas pode ser visto como uma unidade
da diversidade, pois consegue convergir num lugar delimitado a pluralidade
dos povos que nela habitam ou transitam estabelecendo relações entre si
(MONDARDO, 2009 apud PRADO, 2018, p. 286).
E, apesar de ser vista desta maneira, a fronteira, por muito tempo, teve o
olhar sobre si resumido apenas a fronteira geográfica, ideia, que a Geografia,
através da Cartografia, reproduziu durante anos, usando aspectos físicos-naturais
como linhas divisórias entre os lugares, nações e/ou povos. As fronteiras passaram
a ser representadas de diversas formas, e ainda o são, às vezes, através de um rio,
uma simples linha e/ou uma estrutura edificada simbolizando o marco divisório.
Embora as fronteiras ainda sejam assim representadas, já não são vistas e
discutidas apenas como estrutura física ou edificadas nos lugares de divisão, pois
esta forma de vê-las levou a Geografia a ser criticada por estudiosos de outras áreas
do conhecimento, sobretudo a Sociologia. Nesta área do conhecimento, esta visão é
rebatida por José de Sousa Martins, pois para ele a fronteira não é apenas o limite
geográfico, ela é de muitas e diferentes coisas. De acordo com o autor:
[...] a fronteira de modo algum se reduz e se resume à fronteira geográfica.
Ela é fronteira de muitas e diferentes coisas: fronteira da civilização
(demarcada pela barbárie que nela se oculta), fronteira espacial, fronteira de
culturas e visões de mundo, fronteira de etnias, fronteira da história e da
historicidade do homem. E, sobretudo, fronteira do humano. E nesse
sentido, a fronteira tem um caráter litúrgico e sacrificial, porque nela o outro
é degradado para, desse modo, viabilizar a existência de quem o domina,
subjuga e explora (MARTINS, 2009, p. 11, itálicos do original).

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Ressalta ainda, que o mais relevante para definir e caracterizar a fronteira é


entendê-la na sua complexidade, onde se apresentam os conflitos, as relações de
troca e de solidariedade, ela é essencialmente o lugar da alteridade, ou seja, lugar e
tempo de conflitos e de alteridade. Como qualquer limite social, a fronteira delimita
nossa realidade diferenciando-a de outras, e muitas vezes é considerada como
espaço de conflitos; onde se estabelecem relações distintas de diferentes grupos
que se inter-relacionam em um espaço e tempo determinados. Estas relações são
fundamentais para compreender a construção e a desconstrução das fronteiras. A
realidade fronteiriça deve ser compreendida como um lugar de conflito e alteridade
entre nós e os outros e como um espaço de várias temporalidades.
A fronteira em movimento é formada a partir de diferentes frentes
(demográfica, econômica, pioneira e etc.) que entram em conflito e obedecem
distintas visões de mundo e a tempos históricos diferenciados, que Martins (1997)
denomina de situações de fronteira. As fronteiras, segundo o autor, deixam de ser
apenas uma linha, limite ou finitude, ela também torna-se meio de integração,
aproximação e de conflitos, onde as diferenças e alteridade se apresentam. São
entendidas, ainda, como lugares de comunicação e de travessia, lugares de
movimento de pessoas que cruzam os limites territoriais e configuram novas
fronteiras. As relações que se estabelecem nas fronteiras têm dimensões variadas e
cada uma delas possibilita diferentes processos na construção de identidades.
Este encontro de distintas relações, que se dá pelo intercâmbio social,
cultural e político, proporcionam incertezas entre o eu e o outro, favorecendo a
concepção de identidades que dinamicamente se refazem, reforçando o que
Foucher, (2009, p.22) afirma, "não há identidades sem fronteiras".
Ao trabalhar com a temática de fronteira, o geógrafo Michael Foucher, em
seu livro Obsessão por fronteiras, entende que as fronteiras são nada mais, nada
menos que “instituições” estabelecidas por ordem política, servindo assim, de
estratégia para o exercício do poder, a defesa da soberania nacional. De acordo
com o autor:
As fronteiras são descontinuidades territoriais, com a função de demarcação
política. Nesse sentido, trata-se de instituições estabelecidas por decisões
políticas, projetadas ou impostas, e administradas por textos jurídicos: as
leis de um Estado soberano em seu interior, o direito internacional público
como lei comum da coexistência dos Estados, mesmo quando se desfazem,
porque os tratos territoriais são os únicos pelos quais a sucessão de Estado
é automática (FOUCHER, 2009, p. 22).

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As fronteiras naturais são expatriadas quando se busca discutir as


identidades nacionais e os conflitos sociais nas áreas de delimitações dos Estados
nacionais, visto que a discussão passa pela vida cotidiana e as identidades
relacionais, em um território único de identidades que se contrastam. Contraste que
se reforça quando as diferenças culturais se divergem de outros grupos sociais.
Estas diferenças culturais não são dissolvidas pelo contato dos diferentes grupos
sociais, pelo contrário, elas se fortalecem nas zonas de fronteira. Além dos limites
políticos, outras fronteiras culturais se criam, fortalecendo as identidades nacionais e
preconceitos mútuos, em um processo contínuo e contraditório de mistura cultural.
Nestas análises, a fronteira é vista em várias dimensões, entre elas: política,
econômica e sociocultural.
Sempre utilizado para marcar território, o limite, como forma de apropriação,
tem correlação com trabalho e consequentemente com o poder. Contudo, “os limites
são utilizados para manifestar os modos de produção, isto é, para torná-los
espetaculares. O limite cristalizado se torna então ideológico, pois justifica
territorialmente as relações de poder” (RAFFESTIN, 1998, p.165). A fronteira, que o
autor denomina como um subconjunto, é utilizada como um instrumento para revelar
a ideologia, é um sinal estabelecido desde que a formação do Estado Moderno
obteve o controle territorial absoluto, a fronteira passou a ser sinônimo de limite
sagrado. Desde que surgiram mudanças nos modos de produção, nas relações de
produção, na organização das forças de trabalho, o sistema de limites conhece
então mutações sensíveis, que não são somente econômicas, mas também
políticas, sociais e culturais.
A linha fronteiriça adquire diferentes significados segundo as funções que
revelam, como é o caso das fronteiras, em questão, entre Brasil e Paraguai, que
mostram um espetáculo quando são vistas como divulgação do mundo das
compras, como paraísos do consumo. É o mundo do consumo e do turismo de
compras se revelando em espetáculo na fronteira. Esta situação é vista a caminho
da fronteira de Ponta Porã (Brasil) e Pedro Juan (Paraguai), no trajeto que leva à
fronteira entre Mundo Novo (Brasil) e Salto de Guairá (Paraguai) e Ciudad de Leste
(Paraguai) e Foz do Iguaçu (Brasil), locais com muitos anúncios e abordagens, onde
a disputa comercial se demonstra acirrada entre os shoppings e lojas paraguaias
que aí estão. Mas, ao contrário do que se apresenta nestas fronteiras paraguaias é o

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que vemos na fronteira entre Brasil (Corumbá/MS) e Bolívia (Puerto Suarez), aqui
não há divulgação do comércio boliviano de forma alguma, nem na estrada que liga
a Capital do Estado de Mato Grosso do Sul a Corumbá, tão pouco na estrada já
próxima da fronteira não existe sequer um outdoor ou placa divulgando o mundo das
compras de importados que há do outro lado do limite fronteiriço. A comparação leva
à indignação, que motiva entender porque nesta fronteira o espetáculo, através da
propagando dos produtos importados não acontecem. Quando são indagados os
empresários do comércio boliviano, sobre a ausência de propaganda dos
estabelecimentos de comércio, dizem não haver necessidade.
O mesmo espetáculo das fronteiras paraguaias, em relação ao comércio,
não acontece na fronteira com a Bolívia, aliás o espetáculo acontece sim, mas o
foco da sedução não são as lojas de importados, o produto oferecido, ao longo de
toda estrada, são as belezas do Pantanal, o espetáculo que se apresenta aqui
vende o consumo do lazer. Tal fato pode ser constatado quando verifica-se que os
outdoors, placas e folhetos de propagandas se estendem ao longo da estrada que
leva a Corumbá, colocam sempre o Pantanal como atrativo, seja pela pesca ou
contemplação de suas belezas naturais, assim o espetáculo aqui se desenha, mas
com outro foco, que leva a compra de lazer; e o comércio de produtos importados é
uma conseqüência da viagem a esta fronteira onde o Pantanal faz o espetáculo.

Os espetáculos, o consumo e o turismo da fronteira: alguns apontamentos

A espetacularização da fronteira e a “sociedade do espetáculo”, cunhada por


Debord (2003) são indissociáveis. Se não existisse essa sociedade, com certeza, a
espetacularização da fronteira que se vive nos dias atuais, não se daria no mundo.
Em outras palavras, é por conta desta sociedade que o espetáculo na fronteira se
materializa. Portanto, não se pode falar da espetacularização na fronteira sem falar
da sociedade do espetáculo. A atual globalização, contraditoriamente, produziu tanto
a fronteira enquanto espetáculo, como também a sociedade do espetáculo e neste
contexto uma sociedade totalmente alienada. Atualmente, a corrida para a
acumulação capitalista tem levado a espetacularização de várias coisas: do sujeito,
dos corpos e das coisas. O espetáculo das coisas, cria a sedução capitalista,
resultando na alienação do homem. Se a imagem em si já é um instrumento de

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alienação do homem no processo de expansão do capital, então “o espetáculo é o


capital a um tal grau de acumulação que se torna imagem” (DEBORD, 2003, p.27).
A forma como a imagem é difundida através das propagandas expostas leva as
pessoas a alienação, ainda que precoce, multiplicando a sensação de querer estar
naquele (e dentro daquele) espetáculo. Sobre a alienação dos sujeitos ao capital,
Harvey (2018) é fundamental para a compreensão deste processo. Segundo ele:

A alienação inerente à valorização é bem conhecida e de longa data. O


trabalhador que cria valor é afastado (alienado) dos meios de produção, do
comando do processo de trabalho, do seu produto e do mais-valor. O capital
faz com que pareça que muitos dos poderes inerentes (e dádivas gratuitas)
do trabalho e da natureza pertence a ele e se origina dele, porque é o
capital que lhes confere significado. Até mesmo a mente e as funções
corporais do trabalhador, assim como todas as forças naturais livremente
investidas na produção, aparecem como poderes contingentes do capital,
porque é ele que as mobiliza. A alienação da relação com a natureza e com
a natureza humana é, portanto, uma precondição para afirmação da
produtividade e dos poderes do capital. Além disso, a produtividade do
trabalho é conduzida por tecnologias escolhidas pelo capital não apenas
para confirmar seu controle sobre o trabalhador, mas também para minar a
dignidade e os supostos poderes do trabalho tanto na produção quanto no
mercado (HARVEY, 2018, p. 192-193).

Como se pode perceber, a alienação não é um processo simples como


parece, pois é a partir dele que a exploração e a expropriação do trabalhador se
dão. No caso dos consumidores que vão à procura de produtos, a alienação é uma
das “armas” mais poderosas dos capitalistas, pois eles fazem tudo para atraí-lo ao
seu território, o mercado consumidor.
Esta alienação é visível nos sujeitos que frequentam as fronteiras entre
Brasil-Paraguai, tanto de Ponta Porã (BR)/Pedro Juan (PY), Mundo Novo (BR)/Salto
de Guairá (PY) como também de Foz do Iguaçu (BR)/ Ciudad de Leste (PY), até
mesmo os que vão em busca do lazer e contemplação das belezas do pantanal na
fronteira Brasil /Bolívia, Corumbá/Puerto Quijarro.
Debord (2003, p. 26) explica que “o espetáculo na sociedade representa
concretamente uma fabricação da alienação”. Para os capitalistas do mundo do
espetáculo, não interessa apenas a fabricação de objetos alienantes, mas também a
circulação destes. A sua circulação no mundo, implica necessariamente a circulação
do capital. Como diz Harvey (2018, p. 92) “[...] a circulação de capital implica a
circulação de formas alienadas” em escala global. E no mundo do espetáculo está a
mercadoria, dominando tudo que é vivido e mostrando como ele é. A esse respeito,
o autor, argumenta:

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O mundo sensível é substituído por uma seleção de imagens que existem


acima dele, ao mesmo tempo em que se faz reconhecer como o sensível
por excelência. O mundo ao mesmo tempo presente e ausente que o
espetáculo apresenta é o mundo da mercadoria dominando tudo que é
vivido. O mundo da mercadoria é mostrado como ele é, com seu movimento
idêntico ao afastamento dos homens entre si, diante de seu produto global
(DEBORD, 2003, p. 29).

A mesma forma da alienação, acontece também com os objetos resultantes


da produção industrial. Com a revolução industrial, a espetacularização das coisas
ganhou espaço na sociedade, isso passou a ser um instrumento de alienação. Já
que a finalidade destes objetos é a sua comercialização em mercados globais, pois
sua difusão se faz pela mídia convencional, pelas redes sociais, e também em
painéis publicitários implantados nas margens das estradas, avenidas e ruas, os
quais levam a alienação da sociedade. O que se verifica nas fronteiras que foram
visitadas entre o Brasil e o Paraguai, Ponta Porã (BR)/Pedro Juan (PY), Mundo
Novo (BR)/Salto de Guairá (PY) e Foz do Iguaçu (BR)/ Ciudad de Leste (PY), é
exatamente este processo.
Importante ressaltar que, essa realidade, não é apenas destes lugares, mas
em outros cantos do mundo, sobretudo, a globalização se efetivou, a
espetacularização das coisas é nítida. Além da espetacularização nas fronteiras e da
criação da sociedade do espetáculo, outro produto criado pela globalização, é a
sociedade do consumo, sem a qual o espetáculo não teria sentido.
De acordo com Bauman (2007, p. 20) “a característica mais proeminente da
sociedade de consumidores – ainda que cuidadosamente disfarçada e encoberta – é
a transformação dos consumidores em mercadorias”. O consumismo é característica
da sociedade do espetáculo e ao mesmo tempo, um produto da alienação do
homem ao capital. Num outro momento, Bauman (1999, p. 93) afirma que “o
consumidor é uma pessoa em movimento e fadada a se mover sempre”. O
consumismo é a principal característica da sociedade do espetáculo e ao mesmo
tempo, um produto de alienação do homem ao capital. Falando do “consumidor
numa sociedade de consumo”, o autor descreve que:
Nossa sociedade é uma sociedade de consumo. Quando falamos de uma
sociedade de consumo, temos em mente algo mais que a observação trivial
de que todos os membros dessa sociedade consomem; todos os seres
humanos, ou melhor, todas as criaturas vivas “consomem” desde os tempos
imateriais. O que temos em mente é que a nossa “sociedade de consumo”
no sentido, similarmente profundo e fundamental, de que a sociedade dos
nossos predecessores, a sociedade moderna nas camadas fundadoras, na
sua fase industrial, era uma “sociedade de produtores”. [...] o consumidor
em sociedade de consumo é uma criatura acentuadamente diferente de

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quaisquer outras sociedades até aqui. Se os nossos ancestrais filósofos,


poetas e pregadores morais refletiram se o homem trabalha para viver ou
vive para trabalhar, o dilema sobre o qual se cogita hoje em dia é se
necessário consumir para viver ou se o homem vive para consumir.
(BAUMAN, 1999, p. 93).

Ainda neste contexto, Bauman (2007) explica que:


A tarefa dos consumidores, é o principal motivo que os estimula a se
engajar numa incessante atividade de consumo, é sair dessa invisibilidade e
imaterialidade cinza e monótona, destacando-se da massa de objetos
indistinguíveis “que flutuam com igual gravidade específica” e assim captar
o olhar dos consumidores (BAUMAN, 2007, p. 21).
O fato é que, querendo ou não, até certo ponto, o homem (enquanto
sociedade) é parte deste espetáculo e a indústria como produtora das coisas que
são espetacularizadas pela sociedade tem sido um instrumento de alienação e de
sedução do homem ao mercado consumidor. Neste sentido, ela tenta produzir todo
tipo de produto como forma de satisfazer as necessidades da sociedade de
consumo. Esse processo, além de alienar o próprio homem, acaba de algum modo
criando insatisfações, daí que a indústria retorna a produzir outro produto para
satisfazê-lo. Assim sendo, “os consumidores são, primeiro e acima de tudo,
acumuladores de sensações, são colecionadores de coisas apenas no sentido
secundário derivativo” (BAUMAN, 1999, p. 91). A insatisfação da sociedade de
consumo, é também parte de uma estratégia para os capitalistas acumularem
riquezas. Bauman (1999) aborda a questão nos seguintes termos:

A relação tradicional entre necessidades e sua satisfação é revertida: a


promessa e a esperança de satisfação precedem a necessidade que se
promete satisfazer e serão sempre mais intensos e atraentes que as
necessidades efetivas. [...]. Para os consumidores da sociedade de
consumo, estar em movimento – procurar, buscar, não encontrar ou, mais
precisamente, não encontrar ainda – não é sinônimo de mal-estar, mas
promessa de bem-aventurança, talvez a própria bem-aventurança. [...]. Para
aumentar sua capacidade de consumo, os consumidores não devem nunca
ter descanso. [...] Numa sociedade de consumo que funcione de forma
adequada, os consumidores buscam com todo empenho ser seduzidos. [...].
Eles próprios, para virar, vivem de atração em atração, de tentação em
tentação, do farejamento de um petisco para a busca do outro, da mordida
numa isca à pesca da outra – sendo cada atração, tentação, petisco ou isca
à pesca nova, diferente e mais atraente que a anterior (BAUMAN, 1999, p.
90-91).
Na sociedade de consumo o consumidor procura ser satisfeito; e satisfazer
os desejos do consumidor é o papel que tem se proposto o turismo na sociedade
atual, pois segundo Amilhat-SzaryeGuyot (2007):
el turismo se puede analizar con base a una serie de perspectivas
multidimensionales, los cuales oferecem al termino de geopolitica una
ampla acepción que reivindicamos". El turismo permite poner de manifesto

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simultaneamente: [...] La transformacion de espacios tapónen espacios


reticulados por el consumo multidimensionais (AMILHAT-SZARY&GUYOT,
2007, p.60).
Os autores afirmam ainda que o turismo representa uma prática de espaço
que será consagrado a medida que o mesmo permite alcançar com satisfação os
desejos do turista. A territorialização do turismo deve sempre levar em consideração
a especificidade do desejo, pois as relações do turismo com o espaço se baseiam
no consumo. Moretti (2007) quando escreve sobre o turismo explica que:

A atividade turística desenvolve-se no mundo todo como forma de ocupar o


tempo fora do trabalho. Ocupar este tempo significa inserir o trabalhador no
mercado, no consumo: a atividade turística, assim, transforma o tempo do
ócio em um tempo aprisionado ao mercado. Os lugares que são definidos
para o lazer, na lógica do período técnico-científico, são racionalizados para
atender à necessidade de mercantilizar o tempo livre (MORETTI, 2007, p.7)
O autor em seu debate diz que o turismo tem participação importante na
transformação dos lugares, é responsável pela viabilização e direcionamento destes
para ações que visem o lucro. Neste processo exclui-se tudo o que não pode ser
valorizado monetariamente e o que não são necessidades do homem urbano.
Atualmente as atividades ligadas ao turismo assumem papel de destaque e
importância na economia global, pois é um importante transformador de economia,
de sociedades além de gerar oportunidades de emprego e promover a inclusão
social.
Para melhor compreender a questão recorremos a Moretti (2007), que faz
uma explanação sobre a evolução do turismo:
O turismo não é uma atividade nova ou que surge neste final de século.
Mas é, após a década de 70 do século XX, com o avanço da tecnologia de
informação, de comunicações e de transportes, que esta atividade atinge
praticamente todos os lugares do mundo e têm significativa importância no
comercio internacional.
A inclusão de novos locais no mercado, como característica da atividade
turística, está articulada aos parâmetros da economia mundial baseada na
ampliação espacial do consumo e na inclusão de segmentos das
sociedades locais na divisão internacional do trabalho gerada pelo período
técnico-científico informacional (MORETTI, 2007, p. 7).
Cada local tem sua especificidade e dela surge a forma que o trabalho
assume na atividade turística, esta atividade está atrelada ao consumo e a produção
do espaço, pois quando analisamos as fronteiras em questão é nítido que além de
divulgar o comércio local nas fronteiras paraguaias, há uma corrida por clientes que
fazem do consumo sua diversão. O espetáculo que se apresenta nestes locais, tem
por objetivo cooptar clientes para o comércio paraguaio, que procuram estes locais

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essencialmente para compras e para o consumo. E potencialmente o “turismo de


compras” faz parte da sociedade de consumo abordada por Bauman (2008).
Já na fronteira boliviana em questão, a potencialidade turística são os
atrativos naturais e exóticos do Pantanal, que se transformam em recursos
explorados racionalmente, que geram emprego e renda para uma parcela da
população de Corumbá. O desenvolvimento desta atividade tem promovido diversas
transformações na economia e geração de emprego desta fronteira, assim a procura
se dá por clientes que consomem o lazer e a contemplação e consequentemente o
turismo de consumo. Embora esta fronteira seja contemplada também com comércio
de produtos importados do lado boliviano o espetáculo aqui começa pela divulgação
do Pantanal, que é a mercadoria e que tem sido o principal atrativo turístico desta
região.
A atividade turística está atrelada ao consumo, mas não se pode deixar de
entender que além de consumidora ela está diretamente ligada a produção de
geografias.

O cenário espetacular nas fronteiras em questão

As fronteiras são ideias e também materialidades e uma não existe sem a


outra, estão sempre em ação, nelas se cruzam as identidades nacionais, regionais,
étnicas e interculturais; estão sempre em ação. É uma produção em suas
desigualdades, incertezas e contradições. O olhar que particularmente aqui se
apresenta, e como já foi discutido anteriormente, é o espetáculo nas regiões
fronteiriças entre Brasil - Paraguai e Brasil - Bolívia, onde o mundo real e dos
sentimentos é tocado por imagens que se tornam motivações, quase que uma
sessão de hipnose, um convite ao mundo do consumo.
As fronteiras com o Paraguai, aqui discutidas, vão se constituindo com as
imagens que aparecem, que convidam e apontam caminhos que enchem os olhos
daqueles que buscam as lojas para o consumo e consequentemente, a
concretização do espetáculo que a fronteira apresentou. O mundo que o espetáculo
das imagens apresenta, é o mundo da mercadoria dominando tudo que é vivido.
Entre Mundo Novo/MS - Brasil e Salto de Guairá– Paraguai, o espetáculo vai
se apresentando em forma de outdoors e placas que disputam espaços ao longo da
estrada, ainda no Brasil, conforme ilustra a Figura 1.

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Figura 1: Outdoors na estrada do Brasil, fronteira entre Mundo Novo/BR e Salto de


Guairá/PY, ao fundo Receita Federal

Fonte: Trabalho de Campo, 2018 Autora: Barros, M.C.L.

Já na fronteira entre Corumbá/Brasil e Puerto Quijarro/Bolívia, nas


proximidades do Posto da Receita Federal, não existe nenhum tipo de propaganda
em relação ao comércio boliviano, parece não existir feiras e shoppings do outro
lado da fronteira. Não há uma propaganda em outdoors, faixas ou placas sobre o
comércio existente na Bolívia (Figura 2).

Figura 2 - Rodovia Ramão Gomez que liga Brasil (Corumbá) - Bolívia (Puerto
Quijarro). Ao fundo Receita Federal do Brasil

Fonte: Trabalho de Campo, 2018. Autora: Barros, M.C.L.

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Os limites entre o Brasil - Paraguai e Brasil - Bolívia são fiscalizados e


zelados pela Receita Federal do Brasil. Esta é a porta de entrada para o Paraguai e
Bolívia, que para o consumidor que vai até as fronteiras paraguaias deve
representar a entrada no paraíso que ele mesmo veio conhecendo e construindo no
seu imaginário, através do espetáculo apresentado em outdoors. É como entrar em
uma corrida pelo melhor produto e pela melhor oferta.
Quando o limite entre o Brasil e o Paraguai é atravessado, em Salto de
Guairá/PY, até chegar ao centro comercial, o espetáculo se intensifica parecendo
que tudo é possível de se realizar pela infinidade de propagandas do comércio
paraguaio. A disputa e o espetáculo continuam em território paraguaio, se dão nos
outdoors e na abordagem feita por propagandistas das lojas, que entregam
panfletos, com as mais diversas promoções e ofertas que as mesmas oferecem.
E como aponta Debord (1997, p.14) “o espetáculo não é um conjunto de
imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediada por imagens”. Começa ai
então a corrida frenética na disputa pelos consumidores divulgando os produtos, as
ofertas e as melhores cotações do dólar (moeda americana), que rege a economia
desta fronteira.
A espetacularização continua, os outdoors e as placas vão emoldurando a
estrada que dá acesso ao centro da cidade de Salto de Guairá/PY, as imagens
constituem o espetáculo, e apontam o trajeto e roteiro das compras deste paraíso
que o turista do consumo procura para satisfazer seus desejos.
Na fronteira boliviana a dinâmica que se apresenta em relação ao comércio
é totalmente diferente desta, que se vê nas fronteiras paraguaias, pois não existe o
espetáculo das propagandas em outdoors e tão pouco as abordagens feitas pela
disputa do consumidor do lado boliviano. Existe uma disputa quando se entra nas
feiras através de propagandas feitas no grito e no assédio ao consumidor.
Tal fato chamou atenção uma vez que o comércio existente na Bolívia é
muito semelhante ao do Paraguai. O que levaria os comerciantes bolivianos de
feiras e shoppings a ter tanta certeza assim do consumidor sem precisar investir em
propagandas?
Como já foi mencionado anteriormente o espetáculo nesta fronteira se dá em
torno de um outro atrativo turístico que são as belezas e o lazer no Pantanal, assim
a atração do turista se dá por conta prioritariamente da pesca no Pantanal e também

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do turista que vem para contemplá-lo. Estes turistas compram pacotes de viagem
ao Pantanal onde as empresas já incluem o roteiro de compras na Bolívia, ou seja, o
consumidor, do comércio dos importados que estão na Bolívia, a maioria vem
atraído pelo espetáculo produzido em torno do Pantanal. Existe um "acordo de
cavalheiros" entre alguns empresários do turismo e proprietários de shoppings na
Bolívia, que garante que o turista de pesca ou lazer façam suas compras de
importados.
Os hotéis existentes em Corumbá, em sua maioria, ao recepcionar o turista
informam os passeios e dentre eles estão as compras na Bolívia. Existem hotéis que
trazem o artesanato boliviano para ser vendido em suas instalações cedendo
espaço para os bolivianos se instalarem e exporem seus produtos, fazendo assim a
propagando do país vizinho.
Desta forma, o turismo de pesca e contemplação do Pantanal garantem o
espetáculo nesta fronteira e asseguram que o turismo de compras seja uma opção a
mais, diferente dos turistas que vão as fronteiras paraguaias em questão, vão
exclusivamente para comprar.
Enquanto nas rodovias que dão acesso às fronteiras paraguaias a viagem se
torna turismo, o turismo de compras, produzido pela exposição das propagandas
propiciando se vivenciar o consumo através da imagem; na rodovia que dá acesso a
Bolívia o turista contempla a exuberância da natureza do Pantanal, não deixando em
hipótese alguma de ser consumidor, mas atraído, na maioria das vezes, a esta
fronteira por outro espetáculo que não o exclusivamente do mundo das compras,
porque aqui existe outra mercadoria oferecida, o Pantanal.
A atividade turística produz o espaço fundamentado na satisfação dos desejos dos
turistas, é uma atividade que produz territórios diferentes em diferentes locais e deve
sempre levar em consideração as especificidades do desejo, atendendo as necessidades
dos turistas, no caso do Pantanal deve-se levar em consideração a aptidão natural do local
para o turismo de pesca e contemplação.
Se nas fronteiras em questão, tanto as paraguaias quanto a boliviana, o
espetáculo se mostra de maneiras diferentes, isto se deve ao fato de que as
relações estabelecidas pelo turismo passam fundamentalmente pelo consumo.
Assim o produto que melhor satisfaz os desejos dos turistas que vão a procura
destas fronteiras se tornam o carro chefe do espetáculo de cada uma. E ao

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consumidor cabe procurar o que lhe convém e comprar de acordo com seu poder
aquisitivo.
Nas fronteiras paraguaias as barracas da feira, as lojas especializadas em
produtos importados e os grandes shoppings fazem o espetáculo, que em uma
mescla de imagens, com suas majestosas propagandas, aparecem como um
verdadeiro Édemiii. Esta dinâmica, típica de território de fronteira, propicia uma
interação entre as relações de trabalho e a reconstrução identitária, onde as
diferenças são os elementos originais na construção de uma nova identidade que se
faz e refaz todos os dias. Para Goettert (2017):
Em território de fronteira [...], concomitante ao movimento da força de
trabalho, também se dá o movimento de identificação [...] que no real se
processam simultaneamente. [...] o processo de construção identitário na
fronteira está profundamente assentado em bases territoriais,
especialmente nas escalas local e nacional[...] (GOETTERT, 2017 p. 20).

Neste espetáculo as imagens paradisíacas se mesclam com outras que


mostram “que o espetáculo não é bem assim”. Mas, para os que chegam
“hipnotizados” pela contemplação do espetáculo, que acontece nestas regiões da
fronteira com o Paraguai, encontram a realização de alguns de seus desejos,
através do consumo de mercadorias e nem percebem os problemas que ali existem,
pois a maioria dos que ali estão, foram cegos pelo consumo de mercadorias e
hipnotizados pelas propagandas e o tempo é curto para analisar mais criticamente
aquele espaço, que é a fronteira.
O mesmo processo se dá em relação a fronteira com a Bolívia, pois os
turistas chegam hipnotizados pelas belezas naturais do Pantanal e ansiosos para
pescar ou ver animais e aves exóticos, e acabam, muitas vezes, nem percebendo
que estão em uma zona de fronteira, somente se lembrando disto quando vêem na
porta de alguns hotéis a venda de artesanatos bolivianos ou quando as empresas de
turismo os conduz até os shoppings de importados do outro lado da linha de
fronteira.
A percepção de quem vai até estas fronteiras, paraguaias e boliviana, em
busca de mercadorias para satisfazer seus desejos através do consumo, é na
maioria dos casos, de apenas atravessar um limite, que muitas vezes está apenas
materializada por duas bandeiras, a do Brasil e a dos países vizinhos ou pela
fiscalização da Receita Federal, sobretudo, no lado brasileiro. E como coloca

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495

Goettert (2017, p.93) “a fronteira é viva na mercadoria. A fronteira é morta nas


pessoas”.

Considerações Finais

Apesar das dinâmicas que se apresentam nas fronteiras, pode-se perceber


que para os que chegam nestas localidades, movidos pela sede de consumo, existe
apenas o limite. Os turistas, tanto os de compra como os de lazer, procuram estes
locais de fronteira e não estão preocupados com outra coisa que não seja consumir
seus produtos.
Nas fronteiras paraguaias, as grandes lojas, shoppings e feiras se tornam os
principais atrativos para o turista que vem construindo no seu imaginário o consumo
de tudo o que a sua situação financeira lhe permite, ou até inchando seus cartões de
crédito sem poder, mas na oportunidade vale tudo.
Este espetáculo que se observa e vivencia nestas áreas de fronteira está a
serviço do capital, onde o objetivo único é cooptar clientela para vender suas
mercadorias. E nesta corrida para o empresário, dono das grandes lojas e
shoppings, o consumidor é a mercadoria. Investimentos em infra-estrutura e
propagandas são visíveis nas fronteiras paraguaias, tudo pela corrida ao melhor
cliente.
A segurança pela qualidade dos produtos muitas vezes leva o turista do
consumo a optar até por pagar uma cotação do dólar mais caro. Nestas situações,
estes locais são vistos como meros locais de compras perdendo nesta dinâmica
muitas das características que permitem chamar estes limites de fronteiras. É na
materialidade dos produtos, a serem consumidos, que a fronteira se materializa e
está viva, pois a fronteira simbólica só existe quando se materializa territorialmente.
É aí, que as imagens são concretizadas e o território se afirma enquanto lugar de
diferenças e de diferentes identidades dando assim sentido ao outro. Aqui se
materializa o espetáculo visto ao longo das estradas, o espetáculo na fronteira.
Já na fronteira do Brasil com a Bolívia o espetáculo, se dá por conta do
Pantanal. Os turistas procuram esta localidade de fronteira muito mais seduzidos
pelas oportunidades de lazer e contemplação do que de compras, mas estas
acabam acontecendo.

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496

Muito diferente do que acontece nas fronteiras paraguaias, a fronteira do


Brasil com a Bolívia, em questão, não expõe em propagandas seu comércio. Como
observa-se o Pantanal é o responsável pelo espetáculo nesta região e
conseqüentemente os turistas que vem por ele atraído vai às compras na Bolívia;
certos disto os proprietários de lojas e shoppings tem a segurança de uma clientela
garantida, que atraída pelas belezas naturais do Pantanal, vão as compras na
Bolívia. E quando passam a fronteira muitas vezes vêem que além das belezas
naturais do Pantanal esta fronteira tem também o paraíso das compras que se
revela ao cruzar o limite destes dois países.
A clientela que vem somente para compras nesta fronteira, em geral, visam
comprar produtos de revenda nas feiras ou já vem porque conhece ou alguém que
conhece os leva, por isto como declarou um proprietário de uma das grandes lojas
de importados em relação a propagandas, ou seja, ao espetáculo de imagens: "Nós
não precisamos deste tipo de propaganda nossa clientela nos procura porque
conhece o caminho".
E ao inverso das fronteiras paraguaias, nesta boliviana, existem outdoors
voltando da Bolívia que expõe propagandas de hotéis em Corumbá e barcos hotéis,
comprovando que o espetáculo se dá por conta do turismo no Pantanal.
Levando em consideração que o turismo é uma prática social, que produz
geografias e por sua vez modifica a lógica dos lugares, os espaços destas fronteiras
são desenhados para satisfazer o desejo do turista, seja para as compras dos
importados ou para o lazer e contemplação; estas fronteiras são fontes de consumo
e se perdem na visão única e exclusiva de visitar para consumir, sendo a fronteira,
para o turista, apenas uma linha divisória, um limite. A fronteira se perde nos
espetáculos.

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RAFFESTIN, Claude. Por uma geografia do poder. São Paulo: Editora Ática, 1993.

A fronteira vai se mostrando numa megaexposição de imagens estampadas em faixas e outdoors,


i

onde o mundo das mercadorias se apresenta, dominando tudo que é vivido.


ii
As relações sociais se definem nas fronteiras internacionais pela relação com a alteridade, com o
outro, relações do lado de cá com o outro lado. Os diferentes modos de vida da fronteira se
confrontam neste espaço criando obstáculos e conflitos em ambos os lados. Mais adiante, neste
texto, fundamenta-se o termo situação de fronteira.
iii
A expressão Éden significa que o mundo das imagens constrói no imaginário do consumidor um
verdadeiro paraíso onde vai encontrar tudo para satisfazer seus desejos.

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498

TURISMO DE COMPRAS E PAISAGEM FRONTEIRIÇA EM PEDRO JUAN


CABALLERO (PY) E PONTA PORÃ (BR)
Shopping Tourism and Border Landscape in Pedro Juan Caballero (PY) and Ponta
Porã (BR)
Turismo de Compras y Paisaje de Frontera en Pedro Juan Caballero (PY) y Ponta
Porã (BR)

Janaína Costa Teixeira

Resumo: A presente pesquisa trata das transformações na paisagem: dinâmica,


forma, função e estrutura e de como elas concretizam as dinâmicas das fronteiras.
Para realizá-la, aprimoraremos nosso arcabouço teórico, referencial metodológico
teórico. Faremos saídas de campo e consultas ao acervo local e ao Portal Unbral
Fronteiras, analisaremos imagens, fotografias da área de estudos, elencando os
elementos paisagísticos, oriundos dos processos sociais presentes. Selecionamos
local de estudo a região fronteiriça entre Pedro Juan Caballero (PY) e Ponta Porã
(BR), por trata-se de uma região de grande fluxo de pessoas e circulação de
mercadorias e serviços, onde ocorreram intervenções no traçado urbano pelos
projetos paisagísticos, devido às políticas econômicas locais e extra-locais. A
paisagem fronteiriça com suas inovações e rugosidades, seus usos e distinções, se
torna única. Destaca-se a partir das próprias potencialidades e da relevância para o
aprofundamento das relações internacionais enquanto polo multicultural.
Palavras-chave: Fronteira, Transformações na paisagem, transfronteiridades.

Abstract: The present research deals with the transformations in the landscape:
dynamics, form, function and structure and how they concretize the dynamics of the
borders. To achieve this, we will improve our theoretical framework, theoretical
methodological framework. We will make field trips and consultations to the local
collection and to the Portal Fronteiras Fronteiras, we will analyze images,
photographs of the area of studies, listing the landscape elements, coming from the
present social processes. We selected a study site in the frontier region between
Pedro Juan Caballero (PY) and Ponta Porã (BR), because it is a region of great flow
of people and circulation of goods and services, where interventions occurred in the
urban layout for the landscape projects, due to local and extra-local economic
policies. The landscape bordering on its innovations and rugosidades, its uses and
distinctions, becomes unique. It stands out from its own potentialities and relevance
for the deepening of international relations as a multicultural pole.
Key-words: Border, Transformations in landscape, Transboundary.

Resumen: La presente investigación trata de las transformaciones en el paisaje:


dinámica, forma, función y estructura y de cómo ellas concretan las dinámicas de las


Graduado em Licenciatura e Bacharelado em Geografia (UFRGS), mestre em Geografia,
doutoranda em análise territorial pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). E-mail
janart@terra.com.br

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fronteras. Para realizarla, mejoraremos nuestro marco teórico, referencial


metodológico teórico. Haremos salidas de campo y consultas al acervo local y al
Portal Unbral Fronteras, analizaremos imágenes, fotografías del área de estudios,
enumerando los elementos paisajísticos, oriundos de los procesos sociales
presentes. En el caso de la región fronteriza entre Pedro Juan Caballero (PY) y
Ponta Porã (BR), se trata de una región de gran flujo de personas y circulación de
mercancías y servicios, donde ocurrieron intervenciones en el trazado urbano por los
proyectos paisajísticos, debido a las políticas económicas locales y extra-locales. El
paisaje fronterizo con sus innovaciones y rugosidades, sus usos y distinciones, se
vuelve única. Se destaca a partir de las propias potencialidades y de la relevancia
para la profundización de las relaciones internacionales como polo multicultural.
Palabras clave: Frontera, Transformaciones en paisaje, Transfronterizo.

* Trabalho completo selecionado para publicação na Revista GeoPantanal, v. 14, n.


27, 2019.
https://periodicos.ufms.br/index.php/revgeo

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A CONTRIBUIÇÃO JURÍDICA DA MARINHA DO BRASIL NO


DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, SOCIAL E PROTEÇÃO AMBIENTAL NA
REGIÃO DOS MUNICÍPIOS DE CORUMBÁ E LADÁRIO-MS
The Legal Contribution of The Brazilian Navy To Economic, Social And
Environmental Protection in the Region of the Municipalities of Corumbá and
Ladário-MS
La Contribución Jurídica Nacional Brasileña en Desarrollo Económico, Social y
Protección del Medio Ambiente En La Región de los Municipios de Corumbá y
Ladario-MS

Antônio José de Jesus Júnior


Lidiane de Brito Curto

Resumo: Considerando a presença secular da Marinha do Brasil nos municípios de


Corumbá e Ladário, objetiva-se levar ao conhecimento do meio acadêmico e
sociedade civil, com vistas a evidenciar, de maneira geral, a importância da força
naval na fronteira Oeste do país e de forma específica fortalecer a consciência
marítima no consciente coletivo das populações das regiões apreciadas e
demonstrar a contribuição econômica, social e proteção ambiental da marinha nas
regiões de Corumbá e Ladário. Para tanto se procede à metodologia de pesquisa
documental com ênfase em documentos públicos, administrativos e jurídicos. Desse
modo, observa-se que ao serem analisados os dados pertinentes a orçamento,
pagamento de pessoal, licitações, recolhimento de impostos e na proteção e
fiscalização dos aspectos ambientais, permite-se concluir que juridicamente a
marinha brasileira contribui de forma difusa e coletiva para o desenvolvimento
econômico e social da região, irrigando recursos nos mais diversos segmentos, em
projetos sociais relevantes e no apoio fiscalizador de atividades que possam trazer
danos ambientais.
Palavras-chave: Fronteira, Marinha do Brasil. Corumbá e Ladário, orçamento,
licitações, meio ambiente.

Abstract: Considering the secular presence of the Brazilian Navy in the


municipalities of Corumbá and Ladário, the objective is to bring to the knowledge of
the academic environment and civil society, with a view to evidencing, in a general
way, the importance of the naval force in the western border of the country and of
form marine conscience in the collective consciousness of regions and demonstrate
the economic, social and environmental contribution of the navy in the regions of
Corumbá and Ladário. For this purpose we proceed to the methodology of
documentary research with emphasis on public, administrative and legal documents.
In this way, it can be observed that when analyzing the pertinent data to budget,
personnel payment, biddings, tax collection and in the protection and inspection of
environmental aspects, it is possible to conclude that juridically the Brazilian navy

Graduado em História, Acadêmico de Direito da UFMS e Supervisor de Finanças do Centro de
Intendência da Marinha em Ladário. E-mail: tuareguy@yahoo.com.br

Graduada em Direito, Mestre em Estudos Fronteiriços pela UFMS e Perita da Polícia Civil do Mato
Grosso do Sul. E-mail: lidianebc2@hotmail.com

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contributes diffusely and collectively to the economic and social development of the
region, irrigating resources in the most diverse segments, in relevant social projects
and in the fiscalizer support of activities that can bring environmental damages.
Keywords: Border, Brazilian Navy. Corumbá and Ladário, budget, bidding,
environment.

Resumen: Teniendo en cuenta la presencia secular de la Armada brasileña en los


municipios de Corumbá y Ladário, el objetivo es llevar al conocimiento de la
academia y la sociedad civil, con el fin de resaltar, en general, la importancia de la
fuerza naval en la frontera occidental del país y específicamente para fortalecer la
conciencia marítima en la conciencia colectiva de las poblaciones de las regiones
apreciadas y demostrar la protección económica, social y ambiental de la marina en
las regiones de Corumbá y Ladário. Para este fin, procedemos a la metodología de
investigación documental con énfasis en documentos públicos, administrativos y
legales. Por lo tanto, se observa que, al analizar los datos pertinentes sobre
presupuesto, pago de personal, ofertas, recaudación de impuestos y la protección y
supervisión de los aspectos ambientales, se puede concluir que legalmente la
armada brasileña contribuye de manera difusa y colectiva a el desarrollo económico
y social de la región, irrigando recursos en los segmentos más diversos, en
proyectos sociales relevantes y en el apoyo de supervisión de actividades que
pueden causar daño ambiental.
Palabras clave: frontera, armada brasileña. Corumbá y Ladário, presupuesto,
ofertas, medio ambiente.

Introdução
Este ensaio tem como objetivo geral levar ao conhecimento da sociedade em
geral e do meio acadêmico a importância da presença da Marinha do Brasil na
fronteira oeste do país, especificamente, para os municípios de Corumbá e Ladário,
localizados no estado do Mato Grosso do Sul e como juridicamente, de forma
específica, contribui para o seu desenvolvimento econômico e social, através de
questões orçamentárias e financeiras, alinhadas aos atos e fatos administrativos
acessórios à execução cotidiana dos mesmos, além de abordar as missões de
ordem humanitária e projetos sociais empreendidos pela instituição, com vistas s
fortalecer a consciência marítima na consciência coletiva das populações das
regiões apreciadas.
Como metodologia adotada, utilizou-se de pesquisa aplicada a fim de geração
de conhecimentos em fontes documentais, com ênfase em documentos públicos
extraídos dos mais diversos Sistemas corporativos da União.
No tocante aos impostos será tratado de forma especial o Imposto Sobre
Serviços de Qualquer Natureza, ISSQN, que por intermédio de suas retenções irriga

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de maneira peculiar a arrecadação de Ladário. Em relação aos processos


licitatórios, observar-se-á como as chamadas públicas atinentes aos produtos da
agricultura familiar contribuem para maior organização campesina, no tocante ao
uso da terra e formações de cooperativas. Observam também os preceitos das
chamadas licitações sustentáveis além das conhecidas ações humanitárias
desenvolvidas pela Força Naval.Complementarmente será fruto de análise a
responsabilidade ecológica que a Marinha do Brasil detém na região
A sinergia entre as atividades navais em estudo é de grande valia para a
instituição e a região analisada, em especial ao desenvolvimento da consciência
marítima pela população local e a percepção da efetividade do Estado brasileiro no
cumprimento constitucional de diversos princípios básicos e alguns pétreos, em
especial, a dignidade da pessoa humana.
Destarte, com base nos dados expostos, perceber-se-á que desde a sua simples
presença, até a mais complexa atividade administrativa ou militar, de forma jurídica e
alinhada ao ordenamento jurídico pátrio, a marinha brasileira, de forma difusa,
através de suas unidades regionais, é uma irrigadora de recursos, propiciadora de
oportunidades e uma forte aliada no tocante ao desenvolvimento e proteção da
dignidade da pessoa humana, além de contribuir com a proteção do meio ambiente
por intermédio das inspeções navais A Inspeção Naval é uma atividade de cunho
administrativo, exercida pelas Capitanias, Delegacias e Agências localizadas nos
diferentes Distritos Navais do Brasil e consiste na fiscalização do cumprimento da
Lei 9.537, de 11 de dezembro de 1997, das normas e regulamentos dela
decorrentes, e dos atos e resoluções internacionais ratificados pelo Brasil no que se
refere exclusivamente, entre outros, à prevenção da poluição ambiental por parte de
embarcações, plataformas fixas ou suas instalações de apoio.

As vertentes municipais e a Marinha


Por suas localizações geográficas, Corumbá e Ladário, municípios
encravados no Pantanal sulmatogrossense estão situados na chamada Faixa de
Fronteira, área que observa normas diferenciadas de segurança nacional. Tais
características estão normatizadas e descritas nas seguintes fontes: Lei nº 6.634, de
02/05/79, regulamentada pelo Decreto nº 85.064, de 26/08/80 e Instruções da

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Secretaria Geral do Conselho Nacional, de 28/07/81, referenciado pelo IBGE,


conforme escrito a seguir:

Art. 1º. - É considerada área indispensável à Segurança Nacional a faixa


interna de 150 km (cento e cinqüenta quilômetros) de largura, paralela à
linha divisória terrestre do território nacional, que será designada como
Faixa de Fronteira. (BRASIL, 1979, p. indeterminada)

Os dispositivos legais citados tiveram sua recepção pela Constituição Federal


através do artigo 20 §2º. Por sua vez, observam-se, as singularidades afetas aos
municípios estudados e às demandas a serem observadas no trato das relações
com as práticas que envolvam atividades de desenvolvimento e segurança nacional.
As vertentes relacionadas aos aspectos fluviais impulsionam os dois entes
com possibilidades de integração econômica entre os diversos agentes relacionados
à hidrovia Paraná-Paraguai, importante via de escoação de produção econômica do
interior do país.
A presença da força naval na fronteira oeste data de dezenove de fevereiro
de 1827 com a Criação do Arsenal de Marinha da Província de Mato Grosso, em
Cuiabá.
Em 1861 a Marinha efetiva sua constituição na cidade de Ladário, por meio
da criação da Capitania dos Portos, transferida para a cidade de Corumbá no ano de
1907. A gênese do Comando do Sexto Distrito Naval, localizado na sede do
município de Ladário, surge no ano de 1933 com a criação do Comando Naval do
Mato Grosso, em 1945 houve mudança de nomenclatura, passando-se para a
denominação de Sexto Distrito Naval. O Sexto Distrito e sua área de atuação foram
transferidos para São Paulo no ano de 1966 e retornando definitivamente no ano de
1975, onde permanece até a data atual.
A figura da Marinha do Brasil no interior do país pode gerar algumas dúvidas
entre muitos brasileiros, principalmente pelo tema Forças Armadas não suscitar
maiores interesses na sociedade: como pode haver presença da Marinha onde não
há mar? a resposta carece de respostas fundamentadas e objetivas. Discorrer-se-á
a respeito, em primeiro lugar, relembrando a Convenção das Nações Unidas sobre o
Direito do Mar (CNUDM) realizada em 1982 em Montego Bay, Jamaica, onde foram
definidos os limites marítimos dos Estados soberanos. Na oportunidade foram
lançadas as luzes relativas a respeito do conceito de Águas Interiores.

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Segundo a CNUDM, Águas Interiores são aquelas situadas no interior das


linhas de base do mar territorial e que fazem parte das águas interiores de um país.
Como por exemplo, as águas do Rio Paraguai. Assim descreve o artigo 2º da
Convenção supracitada: “A soberania do Estado costeiro estende-se além do seu
território e das suas águas interiores e, no caso de Estado arquipélago, das suas
águas arquipelágicas, a uma zona de mar adjacente designada pelo nome de mar
territorial.” Com efeito, tal normatização encontra consonância na Carta Magna, em
seu Artigo 20, que versa sobre os Bens da União. Nesse sentido deve-se analisar o
que a Constituição Federal, determina à Força Naval e às demais forças:

Art. 142 As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela
Aeronáutica (..)
§ 1º Lei complementar estabelecerá as normas gerais a serem adotadas na
organização, no preparo e no emprego das Forças Armadas. (BRASIL.
1988, p. 87)

Uma das concretizações do § 1º do artigo supracitado é a Lei Complementar


97 de 09 de junho de 1999, que estabelece:

Art. 16. Cabe às Forças Armadas, como atribuição subsidiária geral,


cooperar com o desenvolvimento nacional e a defesa civil, na forma
determinada pelo Presidente da República.
Art. 17. Cabe à Marinha, como atribuições subsidiárias particulares:
(..)
IV - implementar e fiscalizar o cumprimento de leis e regulamentos, no mar
e nas águas interiores, em coordenação com outros órgãos do Poder
Executivo, federal ou estadual, quando se fizer necessária, em razão de
competências específicas. . (BRASIL, 1999, p. 4-6).

O inciso IV do artigo 17 da Lei Complementar analisada, completa a resposta


do motivo da existência da Marinha de Guerra do Brasil na região estudada. Além de
garantir a presença do braço armado do Estado, por intermédio da persuasão
armada, caracterizada pela continua prontidão operativa, a instituição também
efetua a fiscalização do tráfego aquaviário e segurança da navegação.
As atividades positivadas perpassam a frieza da análise escrita, nesse sentido
a Estratégia Nacional de Defesa (E.N.D) incrementa e traz uma visão
contemporânea a respeito da presença da Marinha brasileira na região, a saber:

A Marinha adensará sua presença nas vias navegáveis das duas grandes
bacias fluviais, a do Amazonas e a do Paraguai-Paraná, empregando tanto
navios-patrulha como navios-transporte, ambos guarnecidos por
helicópteros, adaptados ao regime das águas. (BRASIL, 2012, p. 71)

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As normas da Estratégia Nacional de Defesa, tiveram reforço com o


implemento do Decreto nº 8.903/2016 que estabelece:

Art. 1º Fica instituído o Programa de Proteção Integrada de Fronteiras -


PPIF, para o fortalecimento da prevenção, do controle, da fiscalização e da
repressão aos delitos transfronteiriços.
Parágrafo único. O PPIF atenderá ao disposto neste Decreto e,
subsidiariamente, às diretrizes e aos objetivos estabelecidos pela Câmara
de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Conselho de Governo, criada
pelo Decreto no 4.801, de 6 de agosto de 2003.

Art. 2º O PPIF terá como diretrizes:

I - a atuação integrada e coordenada dos órgãos de segurança pública, dos


órgãos de inteligência, da Secretaria da Receita Federal do Brasil do
Ministério da Fazenda e do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas,
nos termos da legislação vigente; e (BRASIL, 2016, p. 1)

Depreende-se do exposto que a nova visão de futuro e sistemática de


emprego das Forças Navais implicará, necessariamente, aportes financeiros
adequados que venham a contemplar a missão proposta, sejam elas em níveis
nacionais ou regionais.

Análise das dotações de crédito e emissão de notas de empenhos para


empresas locais, noções básicas

Ilustrativamente, seguem as dotações orçamentárias correspondentes aos


anos de 2014 a 2018 e o total empenhado para empresas inseridas nos municípios
em análise, além dos dados relativos ao montante salarial de militares e servidores
civis.
Tabela 01. Análise das provisões e empenhos emitidos.
PROVISÃO EMPENHADO EMPENHADO
ANO % %
RECEBIDA CORUMBA LADARIO
2014 R$ 29.578.250,22 R$ 7.229.703,96 24 R$ 1.374.787,65 5
2015 R$ 24.403.926,66 R$ 7.345.995,73 25 R$ 642.836,14 2
2016 R$ 27.080.280,71 R$ 7.694.410,72 26 R$ 439.390,33 1
2017 R$ 27.795.530,21 R$ 9.309.873,44 31 R$ 400.292,71 1
2018 R$ 31.754.348,96 R$ 9.866.696,64 33 R$ 629.464,23 2
TOTAL R$ 140.612.336,76 R$ 41.446.680,49 R$ 3.486.771,06
Fonte: Tesouro Gerencial.

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506

Tabela 02. Análise da Marinha como fonte pagadora de salários aos militares e
servidores civis residentes nos municípios de Ladário e Corumbá nos anos de 2014
a 2016.
ANO MILITARES DA ATIVA SERVIDORES CIVIS
2014 153.426.762,55 3.420.948,98
2015 172.612.217,71 3.112.856.64
2016 171.921.409,11 4.281.846,24
2017 203.193.427,95 4.238.524,59
2018 202.085.625,67 3.145.784,94
TOTAL 903.239.442,99 18.200.024,75
TOTAL GERAL 921.439.467,74
Fonte: Sistema de Pagamento da Marinha, SISPAG-2, Relatório Estatístico da Divisão de Pagamento
do Centro de Intendência da Marinha em Ladário, CeIMLa.

Os montantes apresentados em conjunto dimensionam o impacto da


contribuição dos aportes financeiros na região, em especial se compararmos aos
orçamentos municipais. Para efeito de comparação, apresenta-se o resultado
conforme abaixo:

Tabela 03. Demonstrativo Orçamentário de Corumbá


CORUMBÁ
ITEM1 2014 2015 2016 2017
RCT 395.319.454,58 408.101.737,93 480.366.652,12 469.462.104,89
DPS 387.839.483,09 393.226.600,95 434.971.682,28 419.278.922,30
PD 7.479.971,49 14.875.136,98 45.394.696,84 50.183.182,59

Verifica-se que o produto entre as receitas e as despesas não representam


significativos valores para grandes investimentos.

1
RCT – Receitas; DPS –Despesas; PD - Produto

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507

Tabela 04. Demonstrativo Orçamentário Ladário


LADÁRIO
ITEM 2014 2015 2016 2017
RCT * 52.374.449,44 60.829.093,69 61.561.630,17
DPS * 48.611.867,75 54.107.160,02 48.238.671,71
TL * 3.762.581,69 6.721.933,67 13.322.958,46
Fonte: Página Compara Brasil.

Ao se analisar em conjunto os demonstrativos dos municípios de Corumbá e


Ladário e os aportes financeiros inseridos na região, percebe-se como a Marinha do
Brasil contribui para a manutenção, funcionamento e desenvolvimento da economia
local.

Incentivo ao desenvolvimento das micro e pequenas empresas


A perquirição dos entes em epígrafe é de suma importância para a região,
conforme as idéias que ora se desenvolvem.
O dispositivo legal apresenta segundo dados recentes do IBGE, que as
empresas de pequeno porte representam 20% do Produto Interno Bruto (PIB)
brasileiro e são responsáveis por pelo menos 60% dos quase 100 milhões de
empregos no país.
Tabela 05. Análise da contratação Microempresas e Empresas de Pequeno Porte
MUNICÍPIO DE CORUMBÁ
ANO ME EPP EMPENHOS EMITIDOS %
2014 1.877.353,07 2.715.645,57 7.229.703,96 64
2015 2.375.971,35 1.846.821,50 7.345.995,73 57
2016 2.867.151,50 1.886.075,76 7.694.410,72 62
2017 4.496.064,20 1.429.573,60 9.309.873,44 64
2018 3.663.443,73 2.870.421,74 9.866.696,64 66
Fonte: Tesouro Gerencial (Não foram incluídos MEI nem EIRELI nos resultados).

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508

Tabela 06. Análise da contratação Microempresas e Empresas de Pequeno Porte.


MUNICÍPIO DE LADÁRIO
ANO ME EPP EMPENHOS EMITIDOS %
2014 141.965,67 496.521,32 1.374.787,65 46
2015 145.807,09 132.000,00 642.836,14 43
2016 84.536,15 30.289,60 439.390,33 26
2017 64.042,54 119.348,59 400.292,71 46
2018 204.967,56 168.880,92 629.464,23 59
Fonte: Tesouro Gerencial (Não foram incluídos MEI nem EIRELI nos resultados).

A fim de implementar maiores contratações, o CeIMLa realizou a Rodada de


Negócios, em conjunto com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas
Empresas, SEBRAE, voltado a divulgar os materiais e serviços contratados pela
Marinha do Brasil na região do Com6ºDN, como objetivo de ampliação e
participação das empresas do Mato Grosso do Sul em processos licitatórios, com
enfoque nas ME e EPP.
Outra importante ferramenta de desenvolvimento das Pequenas e Médias
empresas é o programa LIDER, Liderança para o Desenvolvimento Regional:

O Programa LIDER tem como objetivo preparar lideranças dos setores


público e privado para serem responsáveis por identificar as demandas
locais e agir com foco no desenvolvimento econômico sustentável e engajar
outros cidadãos a se envolverem. (SEBRAE, 2018)

O aumento de empresas prestadoras de serviço e fornecedoras de materiais


terá um impacto teleológico significativo na região abordada, sejam por conta de
transferência e abertura de novos pólos para a região, seja pela questão tributária,
principalmente nas questões dos Impostos Sobre Serviços de Qualquer Natureza
(ISSQN).

Os processos licitatórios. A agricultura familiar


A licitação é tida como regra nas aquisições de bens e serviços na Marinha do
Brasil. Tal expediente tem seus preceitos na Lei 8.666/1993. Conforme preceitua a
professora Fernanda Marinela.

Licitação é um procedimento administrativo destinado à seleção da melhor


proposta dentre as apresentadas por aqueles que desejam contratar com a
Administração Pública. (MARINELA, 2017, p. 421)

Corumbá/MS, Brasil. 7 a 9 de outubro de 2019. ISSN . 2178-2245


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Superado os conceitos iniciais, cabe a análise do que preconiza a Lei 11.326,


de 24 de julho de 2006, que estabelece as diretrizes para a formulação da Política
Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais.

o
Art. 3 Para os efeitos desta Lei, considera-se agricultor familiar e
empreendedor familiar rural aquele que pratica atividades no meio rural,
atendendo, simultaneamente, aos seguintes requisitos:
I - não detenha, a qualquer título, área maior do que 4 (quatro) módulos
fiscais;
II - utilize predominantemente mão-de-obra da própria família nas atividades
econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento;
III - tenha percentual mínimo da renda familiar originada de atividades
econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento, na forma definida
pelo Poder Executivo IV - dirija seu estabelecimento ou empreendimento
com sua família. (BRASIL, 2006, p. indeterminada)

Inicialmente, faz-se mister atenção à fomentação no desenvolvimento e


organização da agricultura familiar da área geográfica em atenção, através dos
Processos Administrativos números 63348.000808/2016-51, 63348.000630/2017-20,
63348.000481/2018-80 e Chamadas Públicas número 02/2016, 01/2017, 01/2018 do
Centro de Intendência da Marinha em Ladário, CeIMLa, para aquisição de alimentos
de agricultores familiares e demais beneficiários enquadrados nas disposições da
Lei 11.326 de 24 de julho de 2006, que estabelece as diretrizes para a formulação
da Política Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais,
por meio da Modalidade Compra Institucional do Programa de Aquisição de
Alimentos.
O desenvolvimento da atividade agrícola na região é salutar e providencial,
sobretudo, quando desenvolvido de maneira sustentável, tido como imperativo
segundo a Lei 11.326/2006.
Destarte, eliminado o atravessador surge uma perspectiva positiva na
diminuição dos preços, beneficiando a sociedade de forma global e a comunidade
corumbaense e ladarense de forma específica. Segue tabela de aquisições para
melhor dimensão do exposto, principalmente no que se pretende: valorizar a
agricultura familiar, a organização campesina, o barateamento de preços e
desenvolvimento econômico e social das atividades agrícolas.

Licitações Sustentáveis
O Centro de Intendência da Marinha em Ladário (CeIMLa) exerce a atividade
de Unidade Centralizadora na região do Mato Grosso do Sul, sob a jurisdição do

Corumbá/MS, Brasil. 7 a 9 de outubro de 2019. ISSN . 2178-2245


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Comando do 6º Distrito Naval (Com6ºDN), ou seja, grande parte das aquisições do


Complexo Naval de Ladário e das Capitanias, Delegacias e Agências Fluviais de
Mato Grosso e Mato Grosso do Sul são realizadas por esse Centro.
Tem-se a questão dos prazos exíguos disponíveis para atendimento das
demandas, lembrando que as características das necessidades a serem adquiridas
são definidas pelas OM solicitantes e alavancadas pela falta de catálogos de
produtos, que apresentem critérios específicos e detalhados sobre os mesmos. Uma
saída para reduzir tal dificuldade é a constante orientação às OM interessadas no
sentido de incutir a mentalidade de sustentabilidade.
O mercado consumidor de produtos sustentáveis ainda é incipiente na
Região. Processos licitatórios que tenham muitos materiais e serviços para os quais
devam ser apresentados critérios de sustentabilidade para sua aceitação correm o
risco de terem grande quantidade de suas mercadorias desertos ou frustrados.
Os procedimentos sustentáveis são, dessa forma, realizados paralelamente
aos demais processos, para que o risco, de que objetos de primeira necessidade
das OM sejam perdidos e tenham de ser objeto de nova licitação, seja mitigado.
Diante disso, os produtos com rotulagem de sustentabilidade terminam sendo
preteridos se competirem com itens não sustentáveis.
Essa questão vem sendo normatizada e ganhou maior repercussão a partir de
2012, com a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável
Rio+20. Relata-se que:

A sustentabilidade já foi reconhecida pela vanguarda do segmento


empresarial como oportunidade essencial para a promoção da
competitividade. No caso das empresas estatais, a adoção de práticas
sustentáveis é esperada, desejada e, cada vez mais, cobrada pela
sociedade brasileira, o que permitiu avanços muito importantes nos últimos
20 anos, tanto na vertente social, quanto na ambiental. (RELATÓRIO RIO
+20, 2012, p. 22)

A Conferência RIO+20 e seus objetivos em relação aos compromissos


políticos na consecução do desenvolvimento sustentável aduz uma vertente
internacional às práticas pretendidas nos certames licitatórios, servindo inclusive
como modelo a ser adotado entre outros países.
O Acórdão 1.056/2017 do Tribunal de Contas da União (TCU) estabeleceu
que a partir de 01 de janeiro de 2018 o Ministério do Planejamento Orçamento e
Gestão (MPOG) devem avaliar os órgãos públicos, estabelecendo um Índice de
Acompanhamento da Sustentabilidade na Administração (IASA), além de exigir a
Corumbá/MS, Brasil. 7 a 9 de outubro de 2019. ISSN . 2178-2245
511

apresentação de um Plano de Contratações pelos órgãos da administração pública,


especificando os itens com requisitos de sustentabilidade.
O desenvolvimento sustentável promove o uso racional dos recursos
ambientais, dentro de uma ótica econômica e social, garantindo efetividade para a
presente e futuras gerações. Dessa forma a Marinha, representada pelo CeIMLa, já
traz em seus processos licitatórios itens que contenham requisitos de
sustentabilidade ou que possuam rotulagem ambiental, garantindo a aquisição de
produtos e serviços que sejam benéficos ao meio ambiente.

A Marinha e os entes municipais, recolhimentos do ISSQN pela Marinha


As informações ulteriores têm o objetivo de demonstrar, por meio de valores
absolutos,a idéia ou hipótese principal deste breve ensaio. Apresentar-se-á em
primeiro plano os recolhimentos em favor dos municípios de Ladário/MS,
Corumbá/MS e demais municípios cujos serviços foram executados sob a égide das
UGE pertencentes ao Com6ºDN, além das possíveis interações estratégicas que
possam despontar a partir das orientações da Marinha em relação à adesão ao
Termo de Cooperação entre os municípios e o Banco do Brasil e a STN.
Passar-se-á a analisar as retenções e recolhimentos de ISSQN para os
municípios em lide.
Tabela 08. Arrecadações Financeiras de ISSQN (DAR) por município.
PERÍODO2
M
2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017

L 61.912,28 6 0 . 9 4 6 , 4 2 97.581,15 2 2 2 .1 4 4 ,6 4 93.409,15 109.131,23 62.885,82

C 20.489,32 3 5 . 1 7 0 , 3 9 9 . 2 0 8 , 3 8 28.425,50 16.376,22 32.324,03 18.327,63

O 2.918,13 22.482,84 31.333,80 7.787,64 10.128,34 16.762,42 3.680,55

T 85.319,73 1 1 8 . 5 9 9 , 6 5 1 3 8 .1 2 3 ,3 3 2 5 8 .3 5 7 ,7 8 119.913,71 158.217,68 84.894,00


Fonte: Tesouro Gerencial. Consulta Disponível em: Relatórios compartilhados/Consultas
Gerenciais/Órgãos Superiores/52131/CeIMLa-86810/Relatório DAR 2011-2018

Conforme citado, as peculiaridades da Lei Complementar 116/2003 estão


enquadradas em 01 regra e 25 exceções, ou seja, a regra é reter para local do
estabelecimento prestador ou, na falta do estabelecimento, no local do domicílio do

2
M – Município; L –Ladário; C – Corumbá; T - Total

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prestador, exceto nas hipóteses previstas nos incisos I a XXV,quando o imposto


será devido no local.Isto posto, os serviços enquadrados nas exceções terão a
retenção no município onde foi prestado serviço.
A fim de facilitar o entendimento, segue o seguinte exemplo: Uma empresa
que tem seu domicílio em Campo Grande/MS e preste serviço de obras (a mais
clássica das exceções) na cidade de Ladário/MS terá o ISSQN retido através do
Documento de Arrecadação de Receitas (DAR) por meio do SIAFI Web, para
Ladário/MS.
No caso em tela, notamos um benefício em função de lei, decorrente do fato
de que a maioria dos serviços prestados nesta localidade pertencerem a uma das
vinte e cinco exceções.
O exemplo fica mais claro ao notarmos uma arrecadação média de
R$101.144,38 e 73% das arrecadações em prol desse município (Tabela 08).
Registre-se que em 2016, segundo dados da STN, extraídos através do
Sistema de Informações Contábeis e Fiscais do Setor Público Brasileiro,as receitas
de Ladário/MS foram de R$57.580.000,00 e as despesas em R$ 53.798.000, 00. Os
números apresentados reforçam, sobremaneira, o realce econômico da receita
proveniente do ISSQN para o ente municipal, e relevância estratégica para a
Administração Naval ao incentivar, junto ao ente municipal, a adesão ao Convênio
com a STN e o Banco do Brasil para repasse do ISSQN aos municípios.

Navios da Esperança:navegação solidária e a observação dos preceitos


constitucionais da dignidade da pessoa humana e dos direitos sociais dos
povos ribeirinhos pantaneiros

A ocupação dos espaços geográficos aqui estudados, a dificuldade da


presença do Estado e o status de quase invisíveis, dimensionam a dificuldade
destes na consecução da sua condição de cidadão brasileiro.
Ainda de acordo com Santos e Silveira (2006) são os movimentos da
população, a distribuição da agricultura, da indústria e dos serviços, que, juntamente
com o alcance e a extensão da cidadania, configuram as funções do novo espaço
geográfico.”

Corumbá/MS, Brasil. 7 a 9 de outubro de 2019. ISSN . 2178-2245


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A Constituição Federal aponta a intenção na correção das distorções das


perspectivas históricas do “ser” e do “dever ser” do corpus social brasileiro através
da combinação dos artigos 3º e 6º em metas positivadas:

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do


Brasil:I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; [...]IV - promover o
bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e
quaisquer outras formas de discriminação. Art. 6º São direitos sociais a
educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o
lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à
infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
(BRASIL, 1988)

Especificamente em relação ao acesso à saúde, a Marinha do Brasil, através


do Comando da Flotilha do Mato Grosso (COMFLOTMT), representado pelo Navio
de Assistência Hospitalar Tenente Maximiano (NASHTM), atua junto às populações
ribeirinhas dos rios Paraguai e Cuiabá, nos denominados pólos de saúde.
As missões de cunho humanitárias aqui elencadas observam a mais pura
subsunção da letra da lei constitucional e das ações que dela decorre.
O lema do navio “Partilhar a Vida é a razão deste barco” mostra perfeitamente
a missão da embarcação, em especial, após análises de seus números.
A presença naval, na questão aqui abordada é a pura e simples
representação da efetividade do Estado no cumprimento dos imperativos
constitucionais, singularmente em relação à dignidade da pessoa humana.

Projeto Força no Esporte


A fim de atender jovens a adolescentes dos municípios em estudo, a marinha,
instituiu na região, o Projeto Força no Esporte. Este encontra consonância com a Lei
nº 8.069 de 13 de julho de 1990 que dispões sobre o Estatuto da Criança e do
Adolescente.

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do


poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos
referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer,
à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária.

O que de fato é o PROFESP?

Criado em 2003, o Programa Forças no Esporte (PROFESP) é uma vertente


do Programa Segundo Tempo do Governo Federal, desenvolvido pelo
Ministério da Defesa, com o apoio da Marinha, Exército e Aeronáutica, e em
parceria com os Ministérios do Esporte e do Desenvolvimento Social e

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Agrário, tendo como objetivos ajudar e melhorar a qualidade de vida de


jovens e de crianças carentes, promovendo a inclusão social.

De 2014 a 2019 foram atendidos 1.848 crianças e adolescentes nos


municípios de Ladário e Corumbá.Conforme as diretivas do projeto, os jovens
atendidos recebem reforço alimentar, educacional e cultural, além da concepção de
civismo e cidadania. As atividades do PROFESP são realizadas pelo Grupamento
de Fuzileiros Navais de Ladário3.

A proteção ambiental
A proteção do meio ambiente, segundo imperativo constitucional, cabe a
União, assim sendo, a representatividade do Estado na região estudada se faz
necessária.
O Pantanal Matogrossense, uma das maiores áreas alagadas continuas do
planeta, considerado patrimônio nacional pela Carta Magna nacional e reserva da
Biosfera e Patrimônio Natural da Humanidade pela UNESCO, demanda grandes
responsabilidades para sua proteção e conservação.
Cabe-nos, no entanto, definir alguns conceitos e imperativos legais que
versam sobre o assunto e legitimam a ação da marinha brasileira na conservação e
preservação deste patrimônio nacional.Alude a Constituição em seu artigo 225:

Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de


uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao
Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as
presentes e futuras gerações. (BRASIL, 1988)

Conceitua-se meio ambiente e poluição, à luz da Lei nº 6.638 de 31 de agosto


de 1981 que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e
mecanismos de formulação e aplicação
Contudo, delimitados os conceitos e obrigações iniciais, devem-se verificar,
de forma específica, as obrigações da marinha brasileira, na área em lide, em
especial o que determina a Lei nº 9.966 de 28 de abril de 2000 que dispõe sobre a
prevenção, o controle e a fiscalização da poluição causada por lançamento de óleo e
outras substâncias nocivas ou perigosas em águas sob jurisdição nacional. Na

3
Os dados poderão ser requeridos de acordo com a Lei nº 12.527 de 18 de novembro de 2011 que
o o
Regula o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5 , no inciso II do § 3 do art. 37 e no
o o
§ 2 do art. 216 da Constituição Federal; altera a Lei n 8.112, de 11 de dezembro de 1990; revoga a
o o
Lei n 11.111, de 5 de maio de 2005, e dispositivos da Lei n 8.159, de 8 de janeiro de 1991; e dá
outras providências, junto ao Grupamento de Fuzileiros Navais de Ladário, UASG 786200.

Corumbá/MS, Brasil. 7 a 9 de outubro de 2019. ISSN . 2178-2245


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perspectiva do inciso XXII da lei supracitada, em especial na região analisada, surge


a figura da Capitania Fluvial do Pantanal, CFPN, que tem o propósito de contribuir
para a orientação, coordenação e controle das atividades relativas à Marinha
Mercante e organizações correlatas, no que se refere à segurança da navegação,
defesa nacional, salvaguarda da vida humana e prevenção da poluição hídrica.As
Normas Técnicas Ambientais, NORTAM, emanadas pela Diretoria de Portos e
Costas expressam as áreas de abrangência em dadas situações afetas aos
assuntos ambientais de competência da marinha, O instrumento de verificação das
atividades afetas à fiscalização são as Inspeções Navais que compreendem
Atividades de cunho administrativo, exercida pelas Capitanias, Delegacias e
Agências localizadas nos diferentes Distritos
As inspeções navais, além da verificação dos itens afetos a segurança da
navegação e poluição do meio ambiente, proporcionam com freqüência políticas
educacionais voltadas à conscientização dos nautas e ribeirinhos quanto à
importância de se preservar as características originais da natureza, a fim de que
presente e futuras gerações possam usufruir e contemplar das belezas naturais e
que o uso equilibrado das potencialidades da região se mantenham em perfeita
harmonia, sem impactos nocivos à fauna e floras pantaneira.
Face ao exposto, credita-se mais essa incumbência, consubstanciada as
diretrizes que versam sobre a proteção ao meio ambiente, à marinha que através da
CFPN envida esforços na consecução dessa importante e necessária missão.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O desenvolvimento do presente estudo possibilitou uma análise de como a
presença histórica da marinha brasileira contribui, juridicamente, com o
desenvolvimento econômico, social e proteção ambiental dos municípios de
Corumbá e Ladário, tendo em vista as análises dos documentos públicos
decorrentes dos sistemas corporativos pertencentes ao Governo Federal.As
comparações de ordem econômicas entre as expensas orçamentárias do poder
naval em relação aos municípios em estudo trazem uma visão objetiva da proporção
dessa relação. O poder aquisitivo anual da folha de pagamento é outra maneira de
se retratar a contribuição e o impacto econômico positivo no comércio local, evento
esse cíclico e permanente. A argüição das iniciativas em detrimento das pequenas e
microempresas é fundamental para o desenvolvimento desses entes, focados nas
Corumbá/MS, Brasil. 7 a 9 de outubro de 2019. ISSN . 2178-2245
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ações de valorização e aumento de capacidade produtiva, traduzem-se em múltiplos


benefícios. A arrecadação de impostos é um importante vertente no estudo aqui em
curso, em especial o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, ISSQN. As
peculiaridades afetas ao ISSQN são traduzidas e empreendidas no que concerne às
exceções quanto à destinação dos recolhimentos, principalmente em relação à
Ladário que se beneficia das retenções das empresas de Corumbá e outros
municípios do Mato Grosso do Sul. A persuasão armada ainda é elemento de
dissuasão de agentes adversos à ordem, pública, à soberania e à garantia da lei e
da ordem.As licitações são a melhor representação dos aspectos jurídicos
administrativos em que pesem os dispêndios de recursos decorrentes da Lei
Orçamentária Anual.
Em decorrência da procura pela administração pública dos produtos advindos
do campo, como consequência natural esperada, resulta-se a organização
campesina, valorizada e consciente do valor de sua classe. Faz-se mister declarar
que ao se licitar tais produtos, os mesmos servem de vitrine para outros órgãos da
administração pública, podendo ser adquiridos a qualquer tempo, levando-se em
consideração a vigência do certame, por quem assim necessitar. Outro fator pouco
conhecido em relação à Força Naval é a sua contribuição social e ambiental na
região. Exemplos como o Navio de Assistência Hospitalar Tenente Maximiano,
levando assistência médico-hospitalar aos rincões de Corumbá, com área superior a
alguns estados brasileiros, e a Ladário, através de sua navegação solidária, traduz a
efetividade da presença do Estado junto a centenas de brasileiros. Ademais, as
questões de cunho social também abrangem as crianças e adolescentes, traduzidos
pelo Programa Força no Esporte, com significativo número de atendimentos. O
pantanal é considerado um santuário ecológico, abrangendo uma exuberante fauna
e flora, além de congregar grande atividade náutica, sejam elas recreativas ou
comerciais. A marinha brasileira contribui com a manutenção do equilíbrio da
ecologia local, através de constantes fiscalizações e orientações realizadas
diuturnamente, conforme imperativos legais.
Destarte, em razão das apreciações das ideias e documentos aqui expostos,
constata-se a contribuição jurídica da marinha do Brasil na região dos municípios de
Corumbá e Ladário, no que concerne ao desenvolvimento econômico, social e
proteção ambiental, através do Comando do Sexto Distrito Naval e suas
Organizações Militares Subordinadas, em virtude dos procedimentos administrativos
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voltados e alinhados com os imperativos legais que subordinam a instituição ao


cumprimento de suas atividades fim e meio. As boas práticas administrativas e proba
atividade desencadeiam benefícios de ordem difusa e coletiva aos mais diversos
seguimentos da sociedade local.

Referências

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.


Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.

_______. Decreto nº 8.473, de 22 de junho de 2015. Estabelece, no âmbito da


Administração Pública federal, o percentual mínimo destinado à aquisição de
gêneros alimentícios de agricultores familiares e suas organizações,
empreendedores familiares rurais e demais beneficiários da Lei nº 11.326, de 24 de
julho de 2006, e dá outras providências. 2015. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Decreto/D8473.htm.
Acesso em: 12 fev. 2019.

_______. Decreto nº 85.064, de 26 de agosto de 1980. Regulamenta a Lei nº


6.634, de 2 de maio de 1979, que dispõe sobre a Faixa de Fronteira. 1980.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/decreto/Antigos/D85064.htm.
Acesso em: 13 fev. 2019.

_______. Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964. Estatui Normas Gerais de Direito


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Estados, dos Municípios e do Distrito Federal. 1964. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4320.htm. Acesso em: 02 mar. 2019.

_______. Lei nº 6.634, de 2 de maio de 1979. Dispõe sobre a Faixa de Fronteira,


altera o Decreto-lei nº 1.135, de 3 de dezembro de 1970, e dá outras providências.
1979. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L6634.htm. Acesso
em: 02 de mar. 2019.

_______. Lei nº 6.638 de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional


do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras
providências. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6938compilada.htm. Acesso em: 15 de mar.
2019

_______. Lei nº 9.966 de 28 de abril de 2000. Dispõe sobre a prevenção, o controle


e a fiscalização da poluição causada por lançamento de óleo e outras substâncias
nocivas ou perigosas em águas sob jurisdição nacional e dá outras providências.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9966.htm. Acesso em: 16
mar. 2019;

_______.Lei nº 11.326, de 24 de julho de 2006. Estabelece as diretrizes para a


formulação da Política Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos
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Corumbá/MS, Brasil. 7 a 9 de outubro de 2019. ISSN . 2178-2245


518

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11326.htm. Acesso
em: 17 mar. 2019.

_______. Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011. Regula o acesso a


informações previsto no inciso XXXIII do art. 5o, no inciso II do § 3o do art. 37 e no §
2o do art. 216 da Constituição Federal; altera a Lei no 8.112, de 11 de dezembro de
1990; revoga a Lei no 11.111, de 5 de maio de 2005, e dispositivos da Lei no 8.159,
de 8 de janeiro de 1991; e dá outras providências. 2011. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12527.htm. Acesso em:
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Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do
Distrito Federal, e dá outras providências. 2003. Disponível em:
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519

A TERRITORIALIDADE DA REDE BANCÁRIA NO ESTADO DE RONDÔNIA:


CONCENTRAÇÃO E DISPERSÃO DOS AGENTES FINANCEIROS
Territoriality of Banking Network in The State of Rondônia: Concentration and
Dispersion of Financial Agents
Territorialidad de la Red Bancaria en el Estado de Rondônia: Concentración y
Dispersión de Agentes Financieros
Fábio Brito dos Santos
Décio Keher Marques
Edwarda de Paula Soares Ojopi

Resumo: A finança, variável chave da dinâmica econômica e da reprodução dos


interesses hegemônicos, cria novas políticas reinventando-se por meio de formas
diversas de circulação do dinheiro no território brasileiro. Contudo, ainda que
mantenha autonomia relativa na reprodução do atual período, depende também de
mecanismos que contribuem para a expansão da capilaridade das atividades
financeiras. Ademais, esta reprodução, entretanto, realiza-se em consonância com
os novos arranjos organizacionais submetidos, por sua vez, às intencionalidades de
inúmeros agentes, em especial os bancos. Essa lógica também não escapa aos
bancos que possuem uma rede diversificada de fixos geográficos por todo o território
nacional (Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Banco Bradesco etc.), em
particular no estado de Rondônia. Dessa forma, partindo de uma concepção
geográfica da relação da finança com o território, pretendemos apresentar um
panorama da distribuição da rede bancária no território rondoniense.
Palavras-chave: Território, Finança, Concentração e Dispersão, Rede Bancária,
Rondônia.

Abstract: Finance, a key variable of economic dynamics and the reproduction of


hegemonic interests, creates new policies reinventing itself through different forms of
money circulation in the Brazilian territory. However, while maintaining relative
autonomy in the reproduction of the current period, it also depends on mechanisms
that contribute to the expansion of the capillarity of financial activities. This
reproduction, however, takes place in line with the new organizational arrangements
submitted, in turn, to the intentionalities of numerous agents, especially the banks.
This logic also does not escape the banks that have a diversified network of
geographic fixed throughout the national territory (Banco do Brasil, Caixa Econômica
Federal, Banco Bradesco etc.), in particular in the state of Rondônia. Thus, starting
from a geographical conception of the relationship of finance with the territory, we


Graduado em Geografia, mestre em Geografia Humana. Professor do Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia de Rondônia. E-mail: fabio.brito@ifro.edu.br

Graduado em Filosofia, mestre em Educação Escolar. Professor do Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia de Rondônia. E-mail: decio.marques@ifro.edu.br

Bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Aluna do
Curso Técnico em Manutenção e Suporte em Informática Integrado ao Ensino Médio no Instituto
Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Rondônia. E-mail: edwardaojopi@gmail.com

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intend to present an overview of the distribution of the banking network in the


rondoniense territory.
Key words: Territory, Finance, Concentration and Dispersion, Banking Network,
Rondônia.

Resumen: La finanza, una variable clave de la dinámica económica y la


reproducción de los intereses hegemónicos, crean nuevas políticas que se
reinventan a través de diferentes formas de circulación de dinero en el territorio
brasileño. Sin embargo, si bien mantiene una autonomía relativa en la reproducción
del período actual, también depende de mecanismos que contribuyan a la expansión
de la capilaridad de las actividades financieras. Además, esta reproducción, sin
embargo, tiene lugar de acuerdo con los nuevos arreglos organizativos sometidos, a
su vez, a las intencionalidades de numerosos agentes, especialmente los bancos.
Esta lógica tampoco escapa a los bancos que tienen una red diversificada de fijos
geográficos en todo el territorio nacional (Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal,
Banco Bradesco, etc.), particularmente en el estado de Rondônia. Por lo tanto, a
partir de una concepción geográfica de la relación de las finanzas con el territorio,
tenemos la intención de presentar una visión general de la distribución de la red
bancaria en el territorio rondoniense.
Palabras clave: Territorio, Finanza, Concentración y Dispersión, Red Bancaria,
Rondônia.

* Trabalho completo selecionado para publicação na Revista GeoPantanal, v. 14, n.


27, 2019.
https://periodicos.ufms.br/index.php/revgeo

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AÇÕES PARA SAÚDE E SEGURANÇA DO TRABALHO: UM ESTUDO NO


CEREST DE CORUMBÁ-MS
Health and Safety Actions of Work: a Study in the Cerest of Corumbá, Mato Grosso
do Sul, Brazil
Acciones de Seguridad y Salud en el Trabajo: un Estudio en el Cerest de Corumbá,
Mato Grosso do Sul, Brasil

Dalton Monteiro de Souza 


Fernando Thiago

Resumo: Esta pesquisa teve como objetivo levantar e discutir as ações educativas
para saúde e segurança do trabalho, realizadas pelo Cerest (Centro de Referência
em Saúde do Trabalhador) de Corumbá-MS. O Cerest tem a finalidade de promover
ações que tragam melhoria das condições do trabalho e qualidade de vida dos
trabalhadores, tais ações ocorrem por meio da promoção, prevenção e vigilância dos
ambientes de trabalho. Foi realizada uma pesquisa qualitativa, descritiva, utilizando
a técnica de análise documental. A amostra consistiu dos arquivos e relatórios
elaborados pelo Cerest. Quanto aos resultados das ações, todos os relatórios
apontam a importância das ações educativas para a emancipação dos trabalhadores
frente aos problemas com segurança e saúde no trabalho. Mostra também que há
retorno por parte dos trabalhadores em melhorias implantadas nos ambientes de
trabalho após as inspeções, fiscalizações e/ou palestras.
Palavras Chave: Segurança do trabalho; Saúde no Trabalho; Educação para saúde
e segurança no trabalho.

Abstract: This research aimed to raise and discuss the educational actions for
health and safety at work, carried out by Cerest (Center of Reference in Worker's
Health) of Corumbá/MS/Brazil. The Cerest have the purpose of promoting actions
that bring improvement of working conditions and quality of life of workers, such
actions occur through the promotion, prevention and surveillance of work
environments. A qualitative, descriptive research was carried out using the
documentary analysis technique. The sample consisted of files and reports prepared
by Cerest. As for the results of the actions, all the reports point out the importance of
educational actions for the emancipation of workers in the face of problems with
safety and health at work. It also shows that there is a return on the part of the
workers in improvements implemented in the work environments after the inspections
and/or lectures.
Keywords: Workplace safety; Occupational Health; Education for health and safety
at work.


Graduado em Administração pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e Técnico em
Segurança do Trabalho do Centro de Referência em Saúde do Trabalhador. E-mail:
dalton.seg_trab@hotmail.com

Professor Adjunto da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. E-mail: fernando.t@ufms.br

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Resumen: Esta investigación tenía como objetivo plantear y discutir las acciones
educativas para la salud y seguridad del trabajo, realizadas por Cerest (Centro de
Referencia en la Salud del Trabajador) de Corumbá/MS/Brasil. Cerest tiene el
propósito de promover acciones que mejoren las condiciones de trabajo y la calidad
de vida de los trabajadores, acciones que se realizan por médio de la promoción,
prevención y vigilancia de los entornos laborales. Se realizó una investigación
cualitativa y descriptiva utilizando la técnica de análisis documental. La muestra
consistió en archivos e informes preparados por Cerest. En cuanto a los resultados:
todos los informes señalan la importancia de las acciones educativas para la
emancipación de los trabajadores frente a los problemas de seguridad y salud en el
trabajo. También muestra que hay un retorno por parte de los trabajadores en las
mejoras implementadas en los entornos de trabajo después de las inspecciones y/o
conferencias.
Palabras clave: Seguridad laboral; Salud ocupacional; Educación para la salud y
seguridad en el trabajo.

Introdução
O Centro de Referência em Saúde do Trabalhador – Cerest, vem realizando
atividades de prevenção e fiscalização em empresas e demais organizações, com
vistas a promoção da saúde dos trabalhadores. Estas atividades são realizadas por
meio das denominadas “buscas ativas”, que são ações de investigação junto aos
trabalhadores acidentados e/ou doentes em função do trabalho. Observa-se que os
acidentes ocorrem com muita frequência no município de Corumbá-MS e região.
Diante das notificações verificadas no Cerest e os relatos dos trabalhadores
contadas nas fichas de notificações, percebe-se que a grande maioria desses casos
poderiam ter sido evitadas se houvesse sensibilização tanto dos empregadores
quanto dos empregados.
Segundo Sampaio (1998), a utilização de ações de prevenções dos riscos e a
disponibilização de informações e treinamentos das pessoas são relacionados a
redução significativa dos acidentes. Para Melo (2001), é necessário que se integre
os projetos de segurança no trabalho aos projetos operacionais das organizações.
A Administração é uma aliada indispensável na Segurança do Trabalho, pois,
propicia a gestão dos funcionários principalmente quanto ao treinamento, ferramenta
fundamental dentro das organizações que tem por objetivo esclarecer, e capacitar os
colaboradores.
Informar os trabalhadores sobre os riscos a que eles estão expostos em seus
respectivos ambientes de trabalho, as consequências de tais riscos para a sua
saúde e integridade física, bem como para sociedade e as maneiras de se prevenir

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de tais riscos é uma ação preventiva que a legislação trabalhista pertinente exige
que sejam desenvolvidas pelas organizações/empresas.
É de fundamental importância que a equipe do Cerest esteja atenta quanto à
ocorrência de trabalho escravo na região, especialmente por Corumbá situar-se em
região de fronteira. Esta situação pode incorrer no ingresso de pessoas oriundas de
outros países, fato este recorrente, podendo despertar o interesse de empregadores
oportunistas por mão de obra barata.
Além disso, pode-se inferir até mesmo que estrangeiros se submetam a
condições trabalhistas análogas à escravidão, como por exemplo trabalhar em troca
de comida e local para dormir, muitas vezes sem as mínimas condições de higiene e
conforto.
Existem ocorrências de fiscalização por parte do Cerest em que trabalhadores
bolivianos estiveram trabalhando sem qualquer atribuição regulamentada pela
legislação trabalhista brasileira, tais como: EPI’s sem condições de uso, falta de
EPI’s adequados para vazamento de produto químico (amônia), condições
desfavoráveis para alimentação e permanência dos trabalhadores e ausência de
registro como contrato de trabalho ou carteira assinada, etc.
De acordo com Patarra et al. (2013), estes trabalhadores são cobertos pela
denominada Lei dos Estrangeiros (Lei Federal 6.915/1980). Observa-se que esta
serviu apenas para uma parte mínima dos trabalhadores, possui contradições em
relação aos direitos humanos e do trabalho, considerando acordos junto à
Organização Internacional do Trabalho, o qual estabelece que os estrangeiros
devem ser tratados de forma igualitária (PATARRA et al., 2013; AMARAL, 2017).
Outro aspecto importante são os gastos públicos relacionados aos acidentes e
doenças. Como exemplo, a Lesão por Esforço Repetitivo - LER/DORT, na gerência
do INSS de Campo Grande/MS, administradora das agências dos municípios da
região leste, norte e oeste de Mato Grosso do Sul, foram registrados 1.354 casos
desde janeiro de 2017 a janeiro de 2019.
Em média cada paciente teve o benefício concedido no valor de R$ 1.283,93
reais por um período de três meses (média do período de afastamento), totalizando
mais de cinco milhões de reais.
Considerando que as atividades de educação são relevantes na prevenção
dos acidentes de trabalho, esta pesquisa tem como objetivo analisar as ações
educativas realizadas pelo Cerest nas empresas dos municípios de Corumbá e

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Ladário com o intuito de levar conhecimento às organizações, sejam estas de


grande ou pequeno porte.
As atividades analisadas foram realizadas em organizações de pequeno e
grande porte, contribuindo com a promoção da saúde dos trabalhadores e a
prevenção de acidentes e doenças ocupacionais, sejam físicas e/ou psíquicas.
O Brasil está ocupando atualmente o quarto lugar no ranking mundial em
acidentes de trabalho, ficando atrás somente da China, Estados Unidos e Rússia
(DUTRA et al., 2014). É uma estatística muito preocupante, pois, compromete toda a
cadeia econômica do país com o número altamente elevado de pessoas inválidas
seja temporária ou de forma permanente, ainda mais em plena idade produtiva.
Para que se possa transmitir conhecimento é preciso ser instruído e isso
acontece quase que o ano todo, o Cerest regional recebe capacitação do Cerest
estadual o que fortalece o conhecimento dos profissionais do órgão, garantindo uma
prestação de serviço de qualidade com o máximo de informação à população que
busca auxílio do Cerest.
Sendo possível mensurar o nível de compreensão em Saúde e Segurança do
Trabalho tanto por parte dos gestores da empresa, como dos demais funcionários
independentemente do nível organizacional a que estes pertençam. Expondo de
forma metódica as vantagens que todos recebem ao praticar seus trabalhos de
forma segura e saudável garantindo bem-estar dentro e fora da organização.

Fundamentação Teórica
A segurança no trabalho é uma área que proporciona benefícios em todos os
setores da sociedade, pois, trabalha com prevenção e isso evita tanto prejuízos
particulares (acidentes e doenças ou óbito), quanto prejuízos coletivos, o aumento
de dependentes do INSS, hospitais superlotados, deficiência de mão de obra,
indenizações trabalhistas, acidentes ambientais e outros.
A educação no trabalho é poderosa ferramenta que, se bem empregada,
insere na organização todo o conhecimento necessário para que os funcionários,
independente do cargo que ocupem: diretor-presidente ou auxiliar de serviços
gerais, tenham condições de identificar os riscos presentes nas atividades laborais e
a forma de neutralizar/eliminar tais riscos no âmbito de sua atribuição.
Para isso a Educação no trabalho precisa estar abastecida de uma rotina de
treinamentos, palestras, capacitações e cursos que enriqueçam o capital intelectual

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da empresa e se possível até implantar uma cultura organizacional com ênfase em


SSMAQ (Saúde, Segurança, Meio Ambiente e Qualidade).

Saúde e Segurança do trabalho


Em termos legais, o parágrafo 3° do art. 6° da CF define a saúde do
trabalhador como:
Um conjunto de atividades que se destina, através das ações de vigilância
epidemiológica e vigilância sanitária, a promoção e proteção da saúde dos
trabalhadores, assim como visa a recuperação e reabilitação dos
trabalhadores submetidos aos riscos e agravos advindos das condições de
trabalho (BRASIL, 1988, p. 242).
Em termos acadêmicos, Oliveira (2003) define Segurança do Trabalho:
A Segurança do Trabalho corresponde ao conjunto de ciências e
tecnologias que tem por objetivo proteger o trabalhador em seu ambiente de
trabalho, buscando minimizar e/ou evitar acidentes de trabalho e doenças
ocupacionais. Assim, dentre as principais atividades da segurança do
trabalho, podemos citar: prevenção de acidentes, promoção da saúde e
prevenção de incêndios (OLIVEIRA, 2003, p. 6).
De acordo com Oliveira (2003), diversos são os fatores que estão
relacionados com a Saúde e Segurança do Trabalhador - SST, os mais citados são
Cultura, Gestão, Clima Organizacional. Todos com a devida importância e momento
exato de ser trabalhado para que a parte interessada obtenha êxito nas ações. A
cultura seja talvez a barreira mais difícil de ser tratada quando se procura implantar
em uma empresa/organização algum programa de SST.
Um sistema novo sempre sofre rejeições por mais esclarecedor que este seja,
pois vai ter que romper costumes de décadas, passadas de geração, e o que é pior,
empresários, sejam micro, pequeno, médio ou grande sem nenhuma noção ou
sequer interesse em busca de uma melhoria das condições de trabalho, a maioria
das vezes com o argumento errôneo de que SST é um gasto, sendo que a razão
esclarece ser um investimento.
Porém, o fato de a cultura nesse caso ser um empecilho, nenhum esforço em
tentar fazer a transformação é inválido, as ferramentas de gestão sejam de órgãos
governamentais, ONG’s e outros, tem o poder de modificar a visão seja do
empregador e/ou do empregado ainda que essa mudança de atitude demande
algum tempo.
Saviani (1983, apud KIEFER; BORGES, 2001, p.19) afirma que a importância
política da educação reside na sua função de socialização do conhecimento. É de
suma importância evidenciar durante os treinamentos e palestras que o Cerest
oferece às organizações que a adoção das medidas de segurança no trabalho além

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de ser lei, somente benefícios traz aos trabalhadores, as empresas e a sociedade, e


que o contrário, o descaso em relação à segurança causa danos aos funcionários,
sequelas como mutilações, doenças e até mesmo óbito aos trabalhadores.
Para as organizações quando da ocorrência de acidentes/doenças só restam
prejuízos em função de danos aos maquinários, interrupção da produção,
indenizações trabalhistas, danos ambientais, além de multas e ações judiciais.
É nesta linha de raciocínio que os gestores devem trabalhar para que a
empresa/organização consiga ter um clima organizacional favorável quanto às
questões de segurança e satisfação com a estrutura de trabalho e as relações
pessoais, pois, uma vez alcançado um patamar de cultura preventiva, novos
colaboradores que venham a integrar o quadro da empresa, serão iniciados nos
valores adotados pela mesma, e quem vai transmitir na prática esses valores aos
novatos são os colaboradores mais antigos, que foram trabalhados a seguir os
procedimentos e as normas da empresa, isso demonstra eficiência da gestão
(OLIVEIRA, 2003).
A questão de doenças ocupacionais/acidentes sempre acompanhou a
humanidade na sua evolução e consequentemente as profissões criadas
apresentaram novas doenças e novos acidentes que culminam até os dias atuais em
prejuízos incalculáveis para as empresas, em alguns casos irreversíveis para os
trabalhadores. A soma desses fatores, se transformam em estatísticas em
patamares epidemiológicos para a sociedade em alguns países. Desenvolver
mecanismos que possam mensurar a eficiência das ações em segurança e saúde
dos trabalhadores das organizações é uma forma de auxiliar as políticas públicas.
Neste ponto, Xavier (2011, p. 52) apresenta:
E ainda, do consenso ou não da manutenção da estratégia do Balanço da
Segurança e Saúde do Trabalhador, apresentar as alternativas de
construção da proposta inicial da PNSST, qual seja: “instituir a
obrigatoriedade de publicação de balanço de SST - Segurança e Saúde do
Trabalhador para as empresas, a exemplo do que já ocorre com os dados
contábeis (BRASIL, 2005, apud XAVIER, 2011).
A citação acima tem uma proposta que surtiria resultados significativos para
os órgãos que trabalham com ações educativas e/ou fiscalizadoras, pois, se
houvesse uma obrigatoriedade legal por parte das empresas em apresentar
resultados para o governo tal qual legislação de tributos, a procura por ações
preventivas em saúde segurança seriam constantes.

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Dessa forma todos ganhariam, uma vez que as ações educativas deixariam
de ser corretivas, pois as empresas só fazem ações após as ocorrências de
acidentes, e passariam ser em sua grande maioria de caráter preventivo.
Após verificado os fundamentos teóricos sobre Segurança e Saúde do
Trabalho utilizados nesta pesquisa, a próxima seção versará sobre o tema Educação
no Trabalho, proporcionando vislumbrar o principal tema objeto desta pesquisa.

Educação no trabalho
O trabalho “é a condição indispensável da existência do homem, uma
necessidade eterna, o mediador da circulação material entre o homem e a natureza”
(MARX apud RIBEIRO, 2009, p. 50).
O trabalho pode ser emancipador, mas pode também ser um instrumento que
submete e até mesmo escraviza o ser humano. O trabalho pode ser responsável por
gerar prazer para alguns, mas também pode ser responsável por gerar pesadelo e
sofrimento para outros. E tudo isso independentemente da qualidade do trabalho ou
mesmo do seu valor social.
De maneira geral, entendemos a educação como uma ação humana
intencional com o objetivo de transmitir um conjunto específico de conhecimentos a
indivíduos que supostamente não os têm (RIBEIRO, 2009, p. 49).
De acordo com Paulo Freire “a educação tem caráter permanente. Não há
seres educados e não educados, estamos todos nos educando. Existem graus de
educação, mas estes não são absolutos” (OLIVEIRA, 2009).
Ademais, o entendimento dos modos de vida dos vários e diferentes grupos
sociais como fatores associados à qualidade de vida, especialmente no
âmbito de específicas áreas geográficas, demandam uma maior integração
e rearticulação entre a educação e saúde e as estratégias da promoção da
saúde com esforços multidisciplinares e multissetoriais (PEREIRA apud
FAGUNDES; OLIVEIRA, 2001, p. 122).
Assim, Educação em Saúde do Trabalhador é entendida como a construção
partilhada de saberes e práticas, pela comunicação/interação entre usuários e
servidores acerca do processo saúde/doença do trabalhador, objetivando “preparar
pessoas, em diferentes contextos socioculturais, para serem capazes de maneira
consciente de decidir as suas ações, em direção a uma melhor saúde pessoal,
familiar e coletiva” (PEREIRA, 1995 apud FAGUNDES; OLIVEIRA, 2001, p. 125).
A modalidade de ensino que mais surte efeito quando se trata de ações
educativas em empresas é a modalidade não formal, pois, ela se dirige a um público

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específico com conhecimento de mundo e leva a esse público um conhecimento que


vai ao encontro de seus anseios naquele momento. Essa prática de ensino
agregada a interação do ouvinte com o instrutor torna-se fator fundamental para que
se obtenha dentro da temática em questão o ponto de vista dos trabalhadores.
Sempre deixamos claro aos trabalhadores que não detínhamos o
conhecimento de sua realidade de trabalho e, podemos dizer, sem medo de
errar, que aprendemos muito com aqueles trabalhadores. Não apenas sobre
a realidade de seu trabalho e de suas vidas, como também pudemos
repensar nossas vidas (MOULIN et al, 2001, p. 226).
No caso de ações em saúde e segurança do trabalho, permitindo a equipe
que desenvolve tais ações tenha olhar da parte que recebe informação e com isso
obtendo informações extremamente necessárias para as possíveis
correções/adequações nos ambientes laborais.
Esta prática a equipe do Cerest adota durante as inspeções/fiscalizações uma
vez que a abordagem analisa os aspectos de segurança das empresas e também
escuta os colaboradores das organizações buscando desta forma o maior número
de informações a respeito dos processos de trabalho e outras situações ou
condições que venham a ser relatadas conforme o caso, para possíveis
intervenções do tipo não formal.
Para fins de entendimento e marco conceitual, define-se educação não formal
como sendo atividades educativas não programadas e com objetivos claros
(PESENTE; CUNHA, 2011, p.12).
No estudo realizado por Fagundes (2000, p.129), o qual coletou dados em
empresas de diversos setores, apresentou as insatisfações de funcionários em que
não se tem nenhum trabalho em benefício dos colaboradores, apresentando
condições de trabalho que adoecem tanto física como psicologicamente. Para
exemplificar, destacou-se os depoimentos de cunho pejorativo frente as condições
de trabalho prejudiciais à saúde do trabalhador:
Me pisaram, era tímida, só queria trabalhar; dei tudo de mim, cheguei a
desmaiar de fome para não abandonar o posto.
Já fui para os empresários uma secretária insubstituível, hoje sou
imprestável.
Fui tudo enquanto tinha tudo para dar: Meus vinte anos de trabalho, minha
vida, estão em uma caixa de papelão, enviada pela empresa com todos os
pertences que ficavam na minha escrivaninha.
[...] estou perdendo o marido; é tanta dor que não consigo ter prazer [...]
como enfrentar esta situação? Como ser mulher nesta situação?
(FAGUNDES, 2000, p.130)

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Observa-se nos relatos o quanto as condições de trabalho influenciam na


saúde do trabalhador, com impactos negativos inclusive em suas vidas sociais e
familiares.
Ainda neste mesmo trabalho, Fagundes (2000, p. 131) apresenta alguns
relatos sobre os resultados das condições de trabalhos após a intervenção educativa
para promoção da saúde do trabalhador.
A diferença básica, entre este trabalho (tarefas do grupo) e os outro; é a
realização, a criação, a liberdade, o respeito às diferenças.
Não via porta, a gaiola era minha dor, o grupo conseguiu me libertar da
L.E.R.
Vamos discutir formas saudáveis de trabalhar? O que podemos fazer de
forma diferente?
O que se observa é que ações como a descrita acima favorecem e muito a
repercussão dos trabalhos inerentes a saúde segurança do trabalho, muito mais
amplo fica a abrangência de tais ações quando se tem maior participação do poder
do Estado.
Uma solução para minimizar o alto índice de trabalhadores vítimas de
acidentes e doenças no trabalho seria maior exigência por parte do poder público
para que as empresas investissem e comprovassem os investimentos em ações de
prevenção com calendário estipulado pelo governo federal.
A Saúde e Segurança do Trabalho assim como as demais ciências somente
conseguem atingir seus objetivos com o auxílio da educação, essa poderosa
ferramenta que tem o poder de transformação e que se bem alinhada com a gestão
aplicada nas organizações principalmente com enfoque humanístico valorizando o
maior capital da empresa que são os colaboradores os resultados alcançam
patamares de benefícios em diversos setores da sociedade. Essas conquistas
denotam progresso, avanço de cultura de uma sociedade.
Por fim, conforme discutido por Souza (2001, p. 263):
O espaço criado na empresa para o treinamento e/ou desenvolvimento do
trabalhador deve ser um espaço de busca, descobertas, trocas, diálogos,
convivências e de abertura para a imaginação criadora, como também de
sensibilidade, respeito e compreensão para com a linguagem, experiência e
o conhecimento dos trabalhadores.
Toda a ação educativa que se refere à condição do trabalho deve ser
fundamentada em troca de experiências, os instrutores devem ouvir os
trabalhadores, questionar o que, para eles, pode trazer melhoria em suas atividades,
de saber se colocar no lugar destes, pois essa troca de experiências proporciona
aprendizagem para ambos, e é de bom senso salientar que só os agentes de

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divulgação transmitindo conhecimento não há garantia de que aquela informação


atenda as demandas reais daquele público-alvo.

Metodologia
A pesquisa utilizada foi do tipo qualitativa e descritiva a qual abordou um
estudo de atividades realizadas no Cerest, a respeito das ações educativas bem
como seus resultados.
A pesquisa qualitativa permite analisar dados com maior profundidade, sem
utilizar-se de tratamentos estatísticos, apoiando-se em documentos, como atas,
relatórios, documentos etc. (CRESWELL, 2010).
A pesquisa documental corrobora com o método utilizado neste trabalho, para
tal foram utilizados relatórios elaborados a partir de fiscalizações realizadas pelo
órgão que contém dados que são mantidos em sigilo e só foram liberados para
pesquisa pela coordenação do Cerest desde que não fosse revelado nenhum nome
nem de pessoas nem de empresas.
Em relação à utilização da pesquisa descritiva,
As pesquisas descritivas são, juntamente com as exploratórias, as
que habitualmente realizam os pesquisadores sociais preocupados
com a atuação prática. São também as mais solicitadas por
organizações como instituições educacionais, empresas comerciais,
partidos políticos etc. (GIL, 2008, p. 28).
Justamente a descrição que busca os resultados da sinergia entre teoria e
práticas educativas em saúde e segurança que o Cerest promove a comunidade
trabalhadora e as empresas, possibilitando associar o conhecimento a realidade do
trabalho e suas vantagens.
Com bases em artigos e livros citados na fundamentação teórica, que
demonstram a eficiência da educação como princípio emancipador na transmissão
de conhecimentos, em questão de saúde e segurança do trabalho.
A pesquisa documental foram relatórios elaborados pelo Cerest que
continham casos de agravos acidentes e ou doenças que vieram acometer os
trabalhadores. E para a melhora desse quadro apenas as ações educativas que
surtem e efeitos.
De acordo com Gil (1999) a pesquisa documental permite investigar
informações escritas sem tratamentos analíticos. Para tanto, a amostra de dados
coletados foi referente aos documentos e relatórios de atividades do Cerest no ano
2019, em especial o relatório quadrimestral de atividades.

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A análise de conteúdo desenvolveu-se em três fases: (a) pré-análise; (b)


exploração do material; e (c) tratamento dos dados, inferência e interpretação
(BARDIN,1977, p. 95).

Resultados

Contextualização da organização
O Centro de Referência Regional em Saúde do Trabalhador que tem por
finalidade congregar/unificar os esforços dos principais executores com interface na
saúde do trabalhador, tendo como objetivo atuar prevenindo, controlando e
enfrentando, de forma estratégica, integrada e eficiente os problemas de saúde
coletiva como as mortes, acidentes e doenças relacionados com o trabalho.
De acordo com o artigo 7º da 2.728, de 11 de novembro de 2009, expedida
pelo Gabinete do Ministério da Saúde, que Dispõe sobre a Rede Nacional de
Atenção Integral à Saúde do Trabalhador: “o CEREST tem por função dar subsídio
técnico para o SUS, nas ações de promoção, prevenção, vigilância, diagnóstico,
tratamento, e reabilitação em saúde dos trabalhadores urbanos e rurais”.
Cabe ao Cerest promover a integração da rede de serviços do SUS assim
como suas vigilâncias e gestão, na incorporação da Saúde do Trabalhador em sua
atuação rotineira. Suas atribuições incluem apoiar investigações de maior
complexidade, assessorar a realização de convênios de cooperação técnica,
subsidiar a formulação de políticas públicas, fortalecerem a articulação entre a
atenção básica, de média e alta complexidade para identificar e atender acidentes e
agravos relacionados ao trabalho, em especial, mas não exclusivamente, aqueles
contidos na lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho ou de notificação
compulsória.
No Estado de Mato Grosso do Sul o Cerest está dividido em estadual com
sede em Campo Grande, e os regionais que estão nas cidades de Corumbá e
Dourados sendo que estes últimos atendem as cidades próximas denominadas de
microrregiões.
A administração deste órgão compete à prefeitura local, sendo que quem
transfere essa responsabilidade é o Cerest estadual.
É fundamental que se tenha definida as estratégias de ações realizadas pela
equipe para que todos os casos de acidentes/doenças que chegam ao Cerest

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tenham tratativa de forma eficiente sem que uma equipe atrapalhe o trabalho da
outra. Nesse caso, o uso dos recursos tais como veículo e data show, deve ser
avisado com antecedência para que haja a programação das respectivas atividades.
Estas atividades consistem em inspeções/palestras nas organizações,
apuração de denúncias, realização de busca ativas, elaboração de relatórios em
função das inspeções etc.
O Cerest não possui poder de punir, quando encontra irregularidades durante
as fiscalizações, a equipe elabora um relatório e encaminha para a gerência e esta,
por sua vez, encaminha a Agência do Ministério do Trabalho local que, se julgar
necessário, aciona o Ministério Público do Trabalho.
O que o Cerest pode conceder dependendo da situação é o TAC, Termo de
Ajuste de Conduta, que é uma notificação com prazo que varia de quinze a trinta
dias para que a empresa fiscalizada se adéque ao que estiver estipulado na
notificação.
O Cerest aqui em Corumbá surgiu em 2004 inicialmente como NUREST
(Núcleo de Saúde do trabalhador), administrado pela Prefeitura Municipal,
funcionava em uma sala no Posto de Saúde da Ladeira, este situado na Ladeira
Cunha e Cruz na área central da cidade.
Posteriormente em 2007 passou de Núcleo a Centro de Referência em Saúde
do Trabalhador criado pela Portaria Ministerial 1.679/2002, que tem por finalidade
ampliar a Rede Nacional de Atenção à Saúde dos Trabalhadores (RENAST) esta
criada pela Portaria 2.728/2009, citada anteriormente, integrando os serviços do
Sistema Único de Saúde (SUS), voltados a Assistência e a Vigilância, com sede
própria.
Desde então, vem passando por várias gestões, sempre auxiliando tanto
empresas como trabalhadores, levando ações que envolvam a conscientização de
ambos na questão da saúde laboral, a identificação e prevenção dos riscos no
trabalho, trabalho infantil, assédio moral, os direitos que amparam os trabalhadores,
caminhadas em dias alusivos ao trabalho e todo conhecimento que os profissionais
do Cerest recebem em capacitações, cursos, encontros, congressos e outros, são
utilizados em suas ações.
Atualmente o Cerest, por meio das suas ações nas empresas, vem fazendo o
mapeamento do parque industrial da cidade, no que toca à saúde e segurança ao
trabalhador, desta forma, as futuras ações de sensibilização ficarão mais práticas,

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pois, será possível ter a informação atualizada das atividades por região da cidade,
por função e outros.
A rotina do Cerest se baseia em receber os comunicados da Rede Sentinela,
que são órgãos responsáveis por fazer a triagem dos casos de acidentes/doenças
relacionadas ao trabalho, sendo estas: Pronto Socorro, Unidades de Pronto
Atendimentos (Upa), Hospitais, Centro Especializado em Reabilitação (Cer),
Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae), Centros de Atenção
Psicossociais (Caps), Fisioterapia Municipal, Ambulatório Municipal e Postos de
Saúde.
A partir destes, o Cerest realiza as buscas ativas, gerando um relatório que é
lançada no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), interligado ao
Cerest estadual, e este, ao Ministério da Saúde.
Os problemas de saúde e segurança que o Cerest atua são denominados de
Agravos de Notificação Compulsória estabelecidos pelo Sinan, sendo:
1. Perda Auditiva Induzida por Ruído
2. Dermatoses Ocupacionais
3. Pneumoconioses
4. Ler-Dort
5. Câncer Relacionado ao Trabalho
6. Acidente de Trabalho com Exposição à Material Biológico
7. Transtornos Mentais Relacionados ao Trabalho
8. Acidente de Trabalho Fatal
9. Acidente de Trabalho com Mutilações
10. Acidente de Trabalho em Crianças e Adolescentes
11. Intoxicação Exógena
O rol de serviços executados pelo Cerest é:
1. Atendimento e orientação ao público
2. Recebimento de notificações da rede sentinela
3. Realização de busca ativas
4. Alimentação do sistema Sinam com o resultado das buscas ativas
5. Visitas e inspeções/fiscalizações nas empresas
6. Palestras nas empresas e órgãos públicos
7. Eventos como caminhadas em datas alusivas à saúde e segurança do
trabalho

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8. Participação em Cipa e Sipat de empresas da região

Na Tabela 1 está demonstrada a quantidade de acidentes ocorridos na região


que chegaram ao conhecimento do Cerest, bem como seus respectivos agravos.
Tabela 1. Dados Estatísticos das Notificações do Cerest – ano 2019
Acidentes de
Acidentes
trabalho com Transtornos Acidentes
de
Mês exposição a Ler/Dort Mentais animais Total
Trabalho
2019 material peçonhentos
grave
biológico
Janeiro 2 7 0 1 0 10
Fevereiro 1 8 0 1 0 10
Março 0 11 0 0 1 12
Abril 3 13 0 2 0 18
Total 6 39 0 4 1 50
Fonte: Coleta de Campo (2019).
Observa-se que é um número elevado de acidentes, especialmente dos
acidentes de trabalho grave, com 39 casos recentes. Também cabe destacar os
acidentes ocorridos com exposição a materiais biológicos, que não são todas as
empresas que trabalham com estes materiais, sendo representativo neste cômputo.
Porém, se os empregadores tivessem um mínimo de investimento em prevenção
como fornecer equipamentos de segurança treinar e exigir o uso, muitos destes não
ocorreriam, e se os colaboradores seguissem com comprometimento, nas empresas
em que existem procedimentos de segurança, muito menor seria os casos
registrados.
Na Tabela 2 a apresentação dos agravos é referente aos últimos cinco anos
de registro dos agravos.
Tabela 2. Notificações de Acidentes de Trabalho por Agravos à Saúde do Trabalhador por ano
Agravos
2014 2015 2016 2017 2018 Total
Saúde do trabalhador
Acidentes de trabalho com exposição a
16 43 23 23 14 119
material biológico
Acidentes de trabalho grave 39 89 97 98 55 378
Ler/Dort 00 04 06 04 02 16
Transtornos mentais 00 05 02 00 01 08
Acidentes por animais peçonhentos
00 00 00 01 11 12
relacionados ao trabalho
Total 55 141 128 126 83 533
Fonte: Sinan/Cerest/SMS (2019)
São números alarmantes para a região, porém se verifica uma redução
considerável nos dois últimos anos o que só existem duas hipóteses para esta
diminuição de acidentes, sendo: ou parte dos acidentados tem sido encaminhada
para a rede particular de saúde e nestes casos isso não chega ao conhecimento do

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Cerest, ou as ações educativas desenvolvidas por este órgão têm surtido efeito
positivo na conscientização tanto das empresas quanto dos empregados e ambos
cumpridos de forma consciente as suas respectivas obrigações de segurança
quando da execução das atividades.
Outro serviço é atender trabalhadores que vão ao Cerest em busca de
informações, estes são recepcionados por qualquer funcionário e imediatamente
encaminhados ao técnico de segurança do trabalho, que atende estas pessoas e
registra em livro de ata as informações pertinentes, tais como: a atividade que
desempenham; a empresa que trabalham; o fato ocorrido se acidente ou doença
profissional ou do trabalho ou transtorno mental, as condições de trabalho e o
responsável pela empresa, posteriormente os encaminha a (o) médico (a) ou
psicóloga, diante do diagnóstico se confirmado, o trabalhador é notificado
imediatamente na ficha do Sinam e tais informações são levadas ao coordenador e
este junto com a equipe define as ações a serem tomadas em relação ao caso.
Em seguida o Cerest entra em contato com a empresa explica a atuação do
mesmo, expõe a situação, houve a versão da empresa, realiza
inspeção/fiscalização, elabora um relatório com base no que é encontrado e oferece
os serviços de atendimento médico, psicológico e de fisioterapia além de palestras
pertinente a questão envolvida, sejam estas, saúde e segurança do trabalho,
assédio moral, assédio sexual, trabalho infantil, ergonomia, riscos no ambiente de
trabalho, medidas preventivas contra acidentes e doenças e outros.
Para que estas ações ocorram é fundamental o planejamento por parte de
todos da equipe, pois, devido à demanda em uma semana tem que atender até três
empresas e mais a rotina de atendimento no prédio do Cerest.
No caso dos transtornos mentais os dados não são exatos, pois, neste tipo de
agravo ocorre a subnotificação, uma vez que é de conhecimento deste órgão, muitos
casos, em que os pacientes buscam ou são encaminhados para tratamento
particular e isso não chega ao conhecimento deste órgão.
Outra importante atividade executada pelo órgão é o matriciamento. Trata-se
da capacitação de unidades de saúde de Corumbá e Ladário para que estas
unidades possam adequadamente identificar e notificar sobre vítimas de acidentes
ou doenças do trabalho, desta forma a rede sentinela fica ampliada. Este, porém, é
considerado um trabalho desafiante pela equipe do Cerest, pois, são muitas as
unidades a serem capacitadas.

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Dentre os vários casos de trabalhadores que buscam orientações no Cerest


apresenta-se como exemplo dois casos:
Caso 1: Assédio Moral
Uma funcionária que sofria assédio moral em seu ambiente de trabalho, sem
que os colegas de trabalho percebessem que praticavam tal fato, tudo ocorria em
uma empresa que executa um ofício típico de homens e, segundo relato da
funcionária, as brincadeiras, o tom de voz e o modo de se dirigir aos colegas de
trabalho que para estes pareciam normais, para ela foi se tornando um transtorno
mental terrível, que culminou com o seu afastamento do trabalho.
A moça recebeu atendimento médico e fez sessões de tratamento psicológico
no Cerest, onde relatou com detalhes tudo o que lhe trazia sofrimento no trabalho.
Para atuar nesse caso a equipe do Cerest elaborou e utilizou-se de uma sutil
estratégia durante a abordagem na empresa, primeiramente fez-se o oferecimento
dos serviços que o Cerest presta e conseguiu uma prévia de como era e o ambiente
de trabalho na empresa e observou também os riscos que comprometiam a
segurança e a saúde tanto dos funcionários como dos proprietários, uma vez que
estes executam as atividades juntos com seus colaboradores.
Em data posterior foi realizada uma palestra no Cerest sendo que a exceção
da funcionária afastada, todos compareceram. A psicóloga abordou sobre o tema
assédio moral e sexual nas empresas e o técnico de segurança do trabalho deu
ênfase à questão dos acidentes de trabalho, equipamentos de segurança e riscos no
ambiente de trabalho, o que gerou significativa participação e questionamentos de
todos os ouvintes no decorrer da explanação.
Como resultado das ações realizadas então ex-funcionária encontrou com o
coordenador Cerest e disse que após o atendimento tudo na vida dela havia
melhorado “... tô bem, mudei de emprego, passei no vestibular...”
Caso 2: Acidente Grave
O caso a seguir teve proporções desastrosas, pois, culminou com dois
colaboradores sofrendo queimaduras de 1º e 2º graus, porém, um destes em menor
proporção. Com base nos depoimentos de funcionários que presenciaram o ocorrido
e inspeção in loco do setor, pode-se observar que as atividades não seguiam
padrões de segurança, pois, duas atividades realizadas (fonte de calor com material
inflamável) ao mesmo tempo no local foi o que ocasionou a explosão que atingiu os
funcionários.

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O trabalhador que teve grande parte do corpo queimado precisou ser


transferido para outra cidade para tratamento devido à gravidade da queimadura.
Convêm destacar que essa empresa deste caso possui histórico de acidente fatal e
só em janeiro do ano da coleta dos dados chegaram ao Cerest 18 (dezoito)
notificações de acidentes de trabalho dessa empresa o que exigiu uma ação de
amplitude maior, considerando o tamanho índice de acidentes de trabalho.
A ação proposta pelo Cerest nessa situação foi levar quase toda a equipe até
a empresa, onde está permaneceu o dia inteiro e conseguiu abordar os funcionários
de dois turnos da empresa e realizar palestras sobre saúde e segurança do trabalho.
Embora realizada a ação, novos casos de funcionários doentes ou acidentados
dessa empresa voltaram a acontecer, de acordo com as buscas ativas e
notificações, o que se observa que não existe uma gestão efetiva no sistema de
segurança do trabalho dessa empresa.
Embora o Cerest possa prestar diversas ações de atenção à saúde e
segurança do trabalhador, as ações mais recorrentes e efetivas são as relacionadas
à educação para promoção da saúde e segurança, tema este que é objeto de
análise na próxima seção.

Ações de educação e saúde do trabalhador


O Cerest que tem objetivo fazer a promoção da saúde do trabalhador tem
buscado e conseguido parcerias em suas ações seja com o auxílio de outras
secretarias do município, com empresas e órgãos públicos de outras esferas.
Promoção da Saúde é o processo de capacitação das pessoas para
identificar os determinantes do processo saúde-doença, participar de maneira
transformadora de sua realidade, assegurar os direitos humanos e formar capital-
social, nos termos apresentados por Freire (2009).
“O erro na execução do trabalho, embora indesejável, é passível de ocorrer, e
todos, indistintamente, nele podem incorrer” (OLIVEIRA, 2003, p.6).
Dessa citação pode se concluir que ninguém está imune a um acidente ou
doença de trabalho, assim sendo, a educação voltada para promoção da saúde e
prevenção de acidentes deve ser uma constante nos esforços em capacitar,
qualificar, informar, instruir, enfim, dar uma boa condição para que o trabalhador
possa avaliar as circunstâncias de seu ambiente laboral e que tenha uma visão
apurada na identificação de riscos e os meios de se proteger deles.

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Neste aspecto, o Cerest realizou treinamentos em empresas/órgãos dos


setores no ano de 2009:
 Manutenção Industrial
 Duas Unidades Educacionais
 Duas Unidades de Saúde Pública
 Três Unidades de Serviços Públicos
 Centro de Pesquisas
 Manutenção mecânica
 Empresa de fundição de minério
 Sindicato
Nos treinamentos realizados nas organizações dos setores listados foram
abordadas as temáticas de assédio moral no trabalho e segurança. O método
utilizado foi a exposição dos temas, conceitos, normas, problemas reais que
ocorreram, utilizando o projetor multimídia (data show) com apresentação de slides,
discutindo com os participantes essas problemáticas, de forma que eles, no seu
cotidiano, possam aplicar os conhecimentos adquiridos.
Do ponto de vista teórico abordado na revisão da literatura, a abordagem
expositiva é importante no início do processo educativo, contudo, conforme
apresentado por Freire (2009), a emancipação do indivíduo passa pelo
entendimento dos temas e posteriormente por um processo de experimentação do
conhecimento.
Neste aspecto, as ações realizadas permitem que os participantes se
sensibilizem da importância da saúde e segurança do trabalho e possam iniciar uma
prática sustentável de suas atividades laborais no que tange os temas abordados.
Além disso, o compartilhamento de saberes entre as organizações e o Cerest
durante as ações educativa proporcionam melhores resultados nas ações de
educação para segurança e saúde do trabalhador, corroborando com o que diz
Pereira (1995).
Além destas ações educativas nas empresas, o Cerest realizou ações nas
escolas:
 Ação “Prefeito Presente”, realizada na Escola José de Souza Damy; e
 Ação “Cidadania em Ação” realizada na Escola Municipal Tilma
Fernandes Veiga.

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Nestas ações o Cerest participou com stand, orientando a população sobre o


que é o Cerest, quais serviços disponibiliza e distribuindo panfletos sobre saúde e
segurança do trabalhador, direitos e deveres dos trabalhadores e da empresa,
conceitos legais sobre questões trabalhistas etc.
Quanto a eventos realizados pelo Cerest foram realizados três:
 Seminário sobre Saúde Mental
 Dia Mundial do Combate às Ler/Dort (Lesões por Esforços Repetitivos /
Doenças Osteomusculares Relacionadas ao Trabalho).
 1º Circuito Desportivo Cerest - Corrida e ciclismo
Em todas as ações desenvolvidas, o Cerest teve como objetivo informar a
população sobre os serviços que presta, possibilitando que o conhecimento sobre a
prevenção dos riscos no trabalho seja transmitido de forma coesa e satisfatória,
pois, as ações educativas têm em suas grandes maiorias divulgadas de forma
teórica, porém, existem ações práticas desenvolvidas também como a ginástica
laboral nas empresas. Em resumo as ações educativas realizadas pelo Cerest
atendem à demanda das empresas e instituições da região, visto a redução do
número de ocorrência nos últimos anos.

Considerações Finais
Como observação geral deste trabalho a ponderação maior é que a questão
da segurança e saúde do trabalhador, em se falando em região (Corumbá e
Ladário), não é levada a critérios de preocupação como deveria por parte das
empresas, isso independente do porte destas.
Por mais que se tenha avanços nas tecnologias na área da prevenção
observa-se também o descaso até mesmo entre autônomos. A razão demonstra que
o caminho mais lógico para que se tenha êxito na redução de acidentes e doenças
do trabalho é a educação somada à experimentação, a teórica seguida da prática no
ambiente de trabalho.
Neste ponto, é necessário empenhar todo o esforço possível por parte das
organizações e o comprometimento dos colaboradores em querer realmente que a
segurança do trabalho funcione, proporcionando a ambos, benefícios, tais como
aumento do lucro, redução de perda tempo e perda de mão de obra e qualidade de
vida para os funcionários.

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Estas atividades cabem a todos os processos que são realizados pelas


organizações, para isso o Cerest possui condições de atender a demanda desta
cidade levando a informação, o conhecimento com objetivo de melhorar as
condições de trabalho.
Como observado, as ações educativas na área do trabalho, saúde e
segurança, têm um poder de transformação extraordinário, produzindo resultados
positivos para vários setores, para o governo e para a população trabalhadora,
porém só a exposição teórica por si não faz a mudança, o êxito real da educação
está na junção da teoria com a prática por meio de processos baseado na
experimentação, de exercer de forma metódica tudo o que a teoria orienta.
Para as empresas os benefícios são os ganhos em função da redução de
horas/homens perdidas com acidentes e afastamentos por doenças, avarias em
equipamentos, aumento da produtividade, outros.
Diante disso, sugere-se quanto às ações educativas realizadas pelo Cerest
de Corumbá é de que este promova mais ações com ênfase na prática como o uso
correto dos equipamentos de segurança. Cabe ressaltar que as ações de ginástica
laboral nas empresas e o matriciamento que treina na prática os profissionais da
rede sentinela são realizadas utilizando o processo de experimentação.
Como sugestão para pesquisas futuras, temos: abordar as ações do Cerest
em todo Estado de Mato Grosso do Sul e utilizar da técnica de observação
participante e/ou pesquisa-ação, proporcionando melhor aprofundamento na análise
do fenômeno estudado.

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ÁREA DE LIVRE COMÉRCIO NO MUNICÍPIO DE CORUMBÁ/MS:


POTENCIALIDADES E IMPACTOS SOCIOECONÔMICOS
Free Trade Area in the Municipality of Corumbá/MS: Socioeconomic Potentials and
Impacts
Área de Libre Comercio en el Municipio de Corumbá/MS: Potencialidades e
Impactos Socioeconómicos

Paulo Cesar dos Santos Martins 


Tomaz Espósito Neto 

Resumo: No Brasil, as Áreas de Livre Comércio (termo que na legislação brasileira


corresponde a zonas francas) estão presentes em regiões geográficas estratégicas,
sendo criadas com o intuito de fortalecer e intensificar o desenvolvimento econômico
e industrial. Nesse sentido, e tendo como pano de fundo o Projeto de Lei 533/2015,
que propõe a criação de uma Área de Livre Comércio no município de Corumbá/MS,
a presente pesquisa busca analisar os impactos advindos da possível criação de
uma zona franca no município supracitado, levando em consideração as dinâmicas
regionais e a conjuntura econômica existente. Partindo de um enfoque
interdisciplinar, o presente trabalho busca compreender se o projeto de Áreas de
Livre Comércio teria elementos capazes de promover e impulsionar o
desenvolvimento econômico da região. Para além do arcabouço teórico e
bibliográfico, o artigo é embasado em entrevistas e trabalho de campo.
Palavras-chave: Área de Livre Comércio; desenvolvimento econômico; fronteiras.

Abstract: In Brazil, Free Trade Areas (a term that in Brazilian legislation corresponds
to free zones) are present in strategic geographic regions, being created in order to
strengthen and intensify economic and industrial development. In this sense, and
against the background of Law 533/2015, which proposes the creation of a Free
Trade Area in the municipality of Corumbá/MS, this research seeks to analyze the
impacts arising from the possible creation of a free zone in the aforementioned
municipality, taking into account regional dynamics and the existing economic
environment. Starting from an interdisciplinary approach, the present work seeks to
understand if the Free Trade Areas project would have elements capable of
promoting and boosting the economic development of the region. In addition to the
theoretical and bibliographic framework, the article is based on interviews and field
work.
Keywords: Free Trade Area; economic development; borders.

Resumen: En Brasil, las Áreas de Libre Comercio (un término que en la legislación
brasileña corresponde a zonas francas) están presentes en regiones geográficas


Graduado em Relações Internacionais (UFGD) e mestrando em Fronteiras e Direitos Humanos –
PPGFDH/UFGD. E-mail: paulocsantosm@hotmail.com

Graduado em Relações Internacionais (PUC/SP), mestrado em História (PUC/SP) e doutor em
Ciências Sociais – PUC/SP. E-mail: tomazneto@ufgd.edu.br

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estratégicas, que se crean para fortalecer e intensificar el desarrollo económico e


industrial. En este sentido, y en el contexto de la Ley 533/2015, que propone la
creación de una Área de Libre Comercio en el municipio de Corumbá/MS, esta
investigación busca analizar los impactos derivados de la posible creación de un
Área de Libre Comercio en el municipio mencionado, teniendo en cuenta las
dinámicas regionales y el entorno económico existente. Partiendo de un enfoque
interdisciplinario, el presente trabajo busca comprender si el proyecto de Zonas de
Libre Comercio tendría elementos capaces de promover e impulsar el desarrollo
económico de la región. Además del marco teórico y bibliográfico, el artículo se basa
en entrevistas y trabajo de campo.
Palabras clave: Área de Libre Comercio; desarrollo económico; fronteras.

Introdução
O município de Corumbá, localizado no Arco Central da faixa de fronteira do
Brasil, passou por um período de forte crescimento entre meados do século XIX e
início do século XX com a exploração da navegação no Rio Paraguai. Na atualidade,
a região se destaca por suas reservas de minério de ferro e manganês, bem como
pela diversidade turística por conta do Pantanal sul-mato-grossense e ainda pelo
comércio de fronteira que movimenta a economia local, que envolve também as
cidades de Ladário, do lado brasileiro, e de Puerto Quijarro e Puerto Suárez, do lado
boliviano.
Nos últimos anos, o Projeto de Lei 533/2015, que prevê a instalação de uma
Área de Livre Comércio (ALC1) no município, trouxe à tona o debate acerca das
potencialidades e dos impactos socioeconômicos que serão causados pelo mesmo.
Nesse sentido, o presente trabalho consiste em uma análise interdisciplinar, sob a
ótica do Direito, da Geografia Política e das Relações Internacionais, acerca do
tema.
Inicialmente, será apresentado um levantamento de informações e dados
sobre o município de Corumbá, evidenciando sua localização geográfica, o
desenvolvimento econômico da cidade ao longo dos anos, bem como a sua
importância para a integração com outros municípios no âmbito da fronteira. Serão
abordados elementos factuais referentes ao processo histórico de desenvolvimento,
à cooperação transfronteiriça e à integração regional.
Em seguida, o texto trará aspectos pontuais dos conceitos de Áreas de Livre
Comércio no intuito de estabelecer correlações de entendimento e dar maior clareza

1
Área de Livre Comércio.

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ao tema. Por fim, será abordado o Projeto de Lei 533/2015 com seus principais
pontos e seu andamento. O que será fundamental para a reflexão acerca dos
impactos positivos e negativos advindos do referido projeto.
O presente trabalho tem como objetivo aferir até que ponto a estratégia de
desenvolvimento baseado em isenção fiscal e na atração de empresas por meio de
regimes tributários diferenciados resultaria em efeitos positivos e alteraria a
realidade de Corumbá. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, básica, de cunho
exploratório, pautada em análise documental e bibliográfica, enriquecida com
cartografia produzida pelo autor.

Caracterização política e econômica de Corumbá/MS


Com uma população estimada de 110.806 pessoas. (IBGE, 2018) o município
sul-mato-grossense de Corumbá, localizado na região Centro-Oeste do Brasil, no
Arco Central da faixa de fronteira brasileira, possui uma área de 64.962,720 km², e
faz fronteira com a Bolívia e o Paraguai2. Sendo considerada a maior cidade
pantaneira, Corumbá sempre foi muito importante pela sua localização estratégica,
uma vez que dispõe de grandes corredores para a entrada e saída de mercadorias
advindas de outros países da América do Sul.
De acordo com Fernandes (2012, p. 19), os acordos entre Brasil e Bolívia
sempre estiveram circunscritos a discussões relacionadas ao comércio de
hidrocarbonetos, da resolução dos problemas de infraestrutura, das questões
concernentes à fronteira, energia e comunicação. Sendo assim, houve uma maior
aproximação do município de Corumbá com as cidades fronteiriças de Puerto
Quijarro e Puerto Suárez, em função de interesses geopolíticos do Brasil, bem como
uma maior aproximação com o Paraguai, já que sua região é considerada uma
tríplice fronteira, uma vez que limita-se com Bolívia e Paraguai.
A localização geográfica de Corumbá, que outrora garantia a posse do
território para o Brasil, ou seja, o porquê da existência de Corumbá, hoje é a
base de sobrevivência da cidade, sendo ainda utilizada pelo governo
brasileiro para expandir sua influência sobre a Bolívia e garantir, pelo
capitalismo, a expansão do mercado consumidor para mercadorias
produzidas no Brasil, capturando, ao mesmo tempo, novas áreas para
produção de produtos primários, como soja e madeira (LANZA, 1994, p. 28).

2
O território do município de Corumbá também faz fronteira com o Paraguai, embora não haja aglomeração
urbana nesse caso, em nenhum dos lados.

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MAPA 1: Localização fronteiriça de Corumbá/MS.

Autor: Paulo Martins (2019).

No tocante à integração regional, passaram a serem desenvolvidos novos


projetos de integração de infraestrutura entre Brasil e Bolívia, envolvendo também o
Chile, como à construção do corredor bioceânico, que faz ligação do porto de
Santos, do lado brasileiro, aos de Iquique e Arica, no Chile, atravessando o território
boliviano (mapa 2).
Corumbá ainda se destaca por suas reservas de minério de ferro e
manganês, o que possibilitou a vinda de grandes empresas para a região em
meados de 1995, como a Vale do Rio Doce, a Belga Mineira e a Rio Tinto
Mineração, por exemplo, dentre outros grupos empresariais que intensificaram o
desenvolvimento da região ao longo dos anos. Segundo Lamoso (2001, p. 205), as
jazidas no estado do Mato Grosso do Sul se localizam nos municípios de Corumbá e
Ladário, próximas da fronteira com a Bolívia, fazendo parte da formação das serras
do Rabicho, Santa Cruz, Jacadigo, Morro dos Macacos, dentre outras.

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MAPA 2: Trajeto do corredor bioceânico.

Autor: Paulo Martins (2019).

A partir dessa expansão econômica, sobretudo pela exploração dos recursos


minerais, a cidade passou a ganhar importância no cenário internacional. Começou
a receber um crescente número de imigrantes de diversos países, além de
testemunhar o desenvolvimento de intensas relações transfronteiriças,
caracterizadas pelas relações de trocas comerciais, fluxos de pessoas de ambos os
lados da fronteira, dentre outros exemplos. Atualmente é possível observar em seus
territórios a presença de diversas comunidades que, mesmo possuindo diferenças
relacionadas ao idioma ou até mesmo culturais, coexistem sobre uma mesma
região.
Nesse contexto, em Corumbá, os setores de desenvolvimento econômico têm
se diversificado bastante. As atividades voltadas para a pecuária diminuíram ao
longo dos anos devido a condições naturais e limitações da própria região - cheias
contínuas, áreas pantaneiras, etc - provocando um êxodo rural e aumento das
favelas no espaço urbano (BRITO, 2011, p. 82). Em meio a esta situação, o turismo,
em meados da década de 1970, passou a se expandir (estimulado por conta desse
enfraquecimento das atividades econômicas e também da queda da pecuária).
A implantação do turismo esteve relacionada com o momento de queda da
pecuária na economia de Corumbá e no Pantanal. Em 1973 ocorreu uma
das maiores cheias do Pantanal o que causou a morte de milhares de

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cabeça de gado. Neste contexto, a atividade turística passou a ser uma


alternativa econômica. No início, esta se desenvolveu de forma isolada e
desorganizada, os primeiros empreendedores não se articulavam com a
rede de turismo nacional e internacional (BRITO, 2011, p. 85).

Desde então, o turismo esteve presente no município movimentando a


economia local através da pesca esportiva, ecoturismo, turismo de compras, história
da região, dentre outros. Ressalta-se sua relação com as cidades vizinhas e, por se
tratar de região de fronteira, acaba por ter um atrativo ainda maior, seja por pessoas
de outros Estados que vêm até o município pelo turismo de compras ou até mesmo
pela procura de serviços, empregos ou oportunidades de abrir um comércio.
Corumbá mantém relações econômicas, sociais e culturais com as cidades
de Ladário, a 6 km; Puerto Quijarro (Bolívia), a 5 km, e Puerto Suárez
(Bolívia), a 11 km. O setor de serviços potencializa a cidade de Corumbá
que presta serviços aos bolivianos. Os profissionais da área de saúde
(médicos e dentistas), carpinteiros, eletricistas, pintores, pedreiros e outros,
são beneficiados pela condição de fronteira, pois há um consumo de
serviços, dos bolivianos em Corumbá (BRITO, 2011, p. 92).

A integração também passou a ser algo mais vivo e presente na população


que ali reside podendo ser observada através do desenvolvimento de ideias
conjuntas na solução de problemas por parte dos órgãos públicos ou na existência
de famílias compostas por brasileiros e bolivianos. Além disso, festivais que visam
promover a integração, bem como projetos sociais voltados ao fortalecimento dos
laços de amizade, companheirismo e respeito entre as pessoas e comunidades em
Corumbá são outros exemplos que ilustram a relação do município com as cidades
do outro lado da fronteira.
Ao levarmos em consideração que Corumbá se distancia mais de 400
quilômetros da capital do estado de Mato Grosso do Sul, e por sua vez, a
cidade de Puerto Quijarro, está a mais de 600 quilômetros longe da capital
do departamento boliviano de Santa Cruz de la Sierra, é possível afirmar
que esse “interior periférico” acaba por organizar mecanismos mais ágeis
para atender necessidades imediatas e fortalecer potencialidades comuns
(GAERTNER, 2010, p. 20).

Nesse sentido, torna-se benéfico para os municípios cooperarem ente si uma


vez que se encontram distantes dos centros de decisão. Por conta disso, Corumbá
termina por assumir o papel de impulsor de ideias e projetos de desenvolvimento
local e regional, uma vez que é a maior cidade da região e possui condições para
tal.
Não obstante, cabe destacar que as relações desenvolvidas no âmbito da
fronteira estão condicionadas a fatores e características locais desenvolvidos
através da interação e relações entre as comunidades presentes no território,

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provocando uma diversidade cultural, social e política única e exclusiva dessa


região. Para Oliveira (2010, p. 246), “Em Corumbá, o movimento dado pelo aumento
das relações fronteiriças com as cidades bolivianas marcou a região com tamanha
agudez, que tem possibilitado a formação de uma outra identidade sociopolítica
regional”.
Portanto, observa-se que as relações de integração na fronteira se impõem
tanto pela sua posição geográfica, fazendo com que a cooperação coexista entre as
populações que ali residem, como também partem de iniciativas governamentais
que contribuem de certa forma para a intensificação das relações de integração,
formalizando relações, fomentando ações conjuntas, etc.

Conceitos e definições acerca das zonas e áreas de livre comércio


É difícil falar sobre a teoria da integração econômica sem levar em
consideração as importantes contribuições de Balassa (1961) relacionadas aos
processos, efeitos e etapas da integração. O autor divide os processos de
integração em cinco categorias, sendo essas: Zona de Livre Comércio, União
Aduaneira, Mercado Comum, União Econômica e Integração Econômica Total.
Numa zona de comércio livre os direitos (e as restrições quantitativas) entre
os países participantes são abolidos, mas cada país mantém as suas
pautas próprias em relação aos países não membros. O estabelecimento de
uma união aduaneira implica, além da supressão das discriminações no que
se refere aos movimentos de mercadorias no interior da união, a igualização
dos direitos em relação ao comercio com países não membros. Num
mercado comum atinge-se uma forma mais elevada de integração
económica, em que são abolidas não só as restrições comerciais mas
também as restrições aos movimentos de factores produtivos. Uma união
económica distingue-se de um mercado comum por associar a supressão
de restrições aos movimentos de mercadorias e factores com um certo grau
de harmonização das políticas económicas nacionais, de forma a abolir as
discriminações resultantes das disparidades existentes entre essas
políticas. Finalmente, a integração económica total pressupõe a unificação
das políticas monetárias, fiscais, sociais e anticíclicas, e exige o
estabelecimento de uma autoridade supranacional cujas decisões são
obrigatórias para os Estados membros. (BALASSA, 1961, p.13)

Não é a proposta dessa pesquisa discutir cada uma dessas etapas e


processos de integração econômica, ou até mesmo realizar um estudo mais
aprofundado sobre. Ainda assim, é importante ressaltar que, para o autor, uma Zona
de Livre Comércio é o primeiro estágio do processo da integração econômica.

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Balassa (1961) faz uso do conceito de Zona de Livre Comércio atribuído pelo
G.A.T.T.3, que a define como sendo:
A free-trade area shall be understood to mean a group of two or more
customs territories in which the duties and other restrictive regulations of
commerce (except, where necessary, those permitted under Articles XI, XII,
XIII, XIV, XV and XX) are eliminated on substantially all the trade between
the constituent territories in products originating in such territories. (G.A.T.T.
1986. P. 43)

Ainda, para o autor, a diferença entre uma Zona de Livre Comércio e uma
União Aduaneira reside no fato de que os benefícios, legislações e restrições
existentes em uma Zona de Livre Comércio envolvem apenas os países membros,
sem ser aplicada a países terceiros uma vez que uma União requer a existência de
politicas comerciais comuns envolvendo os países não membros da Zona
(BALASSA, 1986, p. 110).
Existem outros blocos econômicos no mundo, como por exemplo, no contente
americano podemos destacar o North American Free Trade Agreement (NAFTA),
assinado em 1994 envolvendo os Estados Unidos, Canada e México e o Mercado
Comum do Sul (MERCOSUL) no qual fazem parte o Brasil, Argentina, Paraguai,
Uruguai e a Venezuela. Ainda, é importante ressaltar a existência da Organização
para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) envolvendo mais de
35 países bem como a Organização Mundial do Comércio (OMC) que possui mais
de 150 países membros.
Para Brum (1993):
Uma zona de livre comércio é formada por um conjunto de países vizinhos
que se agrupam para eliminar as barreiras aduaneiras comerciais entre
eles. Mas a mesma pode não se resumir a apenas isso. No caso de uma
união aduaneira, os países-membros unificam também suas políticas
comerciais, colocando em prática uma tarifa exterior comum para suas
trocas com o resto do Mundo (BRUM, 1993, p.97).

3
GATT – O acrônimo “GATT” significa “Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio”. É um acordo entre Estados
objetivando eliminar a discriminação e reduzir tarifas e outras barreiras ao comércio de bens. Comércio de bens
– O GATT estava originalmente, e continua até hoje, relacionado apenas ao comércio de bens, apesar de seus
princípios fundamentais aplicarem-se atualmente também ao comércio de serviços e aos direitos de propriedade
intelectual, tal como tratados no Acordo Geral sobre Comércio de Serviços e no Acordo TRIPS,
respectivamente. O GATT é um acordo da OMC que trata exclusivamente do comércio de bens, mas não é o
único. Todos os acordos constantes do Anexo 1 A do Acordo de Marrakesh que estabeleceu a Organização
Mundial do Comércio (doravante “Acordo da OMC”) relacionam-se a aspectos ou setores específicos do
comércio de bens.(G.A.T.T. 2003. 85p.) Disponível em: https://unctad.org/pt/docs/edmmisc232add33_pt.pdf.
Acesso em: 17 jun. 2019.

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Ainda, para o autor, as facilidades existentes em uma Zona de Livre Comércio


vão depender da concordância e acordos previamente realizados entre as empresas
e Estados envolvidos no processo, além do bom entendimento entre as partes
envolvidas, o que facilitaria a troca de produtos sem grandes restrições ou
obstáculos.
Assim, em teoria, uma zona de livre comércio é um conjunto geográfico e
político onde não existe nenhum obstáculo às trocas de mercadorias e de
serviços: nem direitos aduaneiros, nem obstáculos não tarifários, seja sob a
forma de contingenciamentos, de normas sanitárias ou técnicas destinadas
a eliminar os produtos estrangeiros da obrigação de obter uma licença de
importação, seja sob a forma de todo e qualquer empecilho protecionista.
(BRUM, 1993, p. 98)

Por conseguinte, “nos países industrializados, o livre comércio, na medida em


que leva a novos fluxos comerciais, reduz o custo dos produtos (BRUM, 1993, p.
98)”. Com isso, as vantagens da Zona de Livre Comercio residem na ideia de
construção de um grande mercado comum entre os países, buscando vantagens
competitivas e acordos lucrativos que possam, de alguma forma, alavancar suas
respectivas balanças comerciais e assim contribuir para o crescimento econômico
dos envolvidos.
No caso brasileiro, os primeiros processos de integração econômica com
intuito de integrar os mercados internos e externos na região Amazônica se deram a
partir do ano de 1957, com a criação de uma Zona Franca de Manaus (ZFM), Zona
Franca industrial localizada em Manaus no estado do Amazonas, através da Lei Nº
3.1734, de 06 de junho do mesmo ano. Tal modelo foi ampliado e reformulado pelo
governo federal 10 anos depois pelo Decreto-Lei Nº 288, de 28 de fevereiro de 1967,
para impulsionar o desenvolvimento econômico da Amazônia Ocidental. De acordo
com o Art. 10 do referido Decreto-Lei, a administração da Zona Franca é exercida
pela Superintendência da Zona Franca de Manaus (SUFRAMA).
A administração das instalações e serviços da Zona Franca será exercida
pela Superintendência da Zona Franca de Manaus (SUFRAMA) entidade
autárquica, com personalidade jurídica e patrimônio próprio, autonomia
administrativa e financeira, com sede e fôro na cidade de Manaus, capital
do Estado do Amazonas.

Parágrafo único. A SUFRAMA vincula-se ao Ministério do Interior.

As atribuições da SUFRAMA, apontadas no Art. 11 do Decreto-Lei Nº 288, de


28 de fevereiro de 1967, vão desde a coordenação, inspeção e execução das

4
Artigo Nº 48 do Decreto-Lei Nº 288, de 28 de fevereiro de 1967 revoga a Lei nº 3.173, de 6 de junho de 1957 e
o Decreto nº 47.757, de 2 de fevereiro de 1960 que a regulamenta.

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atividades ligadas à Zona Franca de Manaus. Além disso, as competências da


entidade bem como sua formação institucional, recursos financeiros e demais
disposições são estabelecidas nos demais artigos do referido Decreto-Lei.
Um estudo realizado pela consultoria legislativa em novembro/2015 tendo
como responsável o então consultor legislativo da área IX Osmar Perazzo Lannes
Junior, apresenta aquilo que o mesmo chama de “confusões conceituais” acerca das
zonas econômicas existentes no Brasil e no mundo. Segundo o autor, as quatro
modalidades de Zonas de Livre Comércio existentes no Brasil são: Zona de Livre
comércio de Manaus (ZFM), Amazônia Ocidental, Áreas de Livre comércio e Zonas
de Processamento de Exportação.
Junior (2015, p. 3) considera que:
A Zona Franca de Manaus – ZFM é o enclave de livre comércio há mais
tempo implantado no País e a única zona franca criada até hoje no Brasil. O
objetivo do modelo de zona franca empregado em Manaus não se restringe
ao estímulo à exportação, estendendo benefícios também ao comércio com
o mercado doméstico.

Em relação à Amazônia Ocidental, Junior (2015, p. 7) afirma que a mesma é


constituída pelas áreas que abrangem os Estados do Amazonas, do Acre, de
Rondônia e de Roraima. Ainda, a região dispõe de diversos estímulos ficais e
tributários que favorecem a exportação e importação de produtos diversos.
Nas Áreas de Livre Comércio, o autor considera que os benefícios tributários
concedidos ali visam, fundamentalmente, ao incentivo do comércio local (Junior,
2015, p. 7). Além disso, esses benefícios podem ser impulsionadores do
desenvolvimento local uma vez que intensificam e impulsionam a vinda e a
instalação de indústrias de produtos e serviços por conta dos incentivos fiscais,
beneficiando de certa forma a classe trabalhadora com a geração de serviços e
multiplicando os investimentos na região, já que os benefícios e vantagens em
relação aos impostos são vistos como facilitadores desse desenvolvimento. Por fim,
segundo o autor, (Junior, 2015, p. 10), “as Zonas de Processamento de Exportação –
ZPE avançam um pouco mais na concessão de incentivos à industrialização no enclave
voltada para o mercado externo”.
Para Albuquerque (2011, p. 15), “As Áreas de Livre Comércio (ALC) são
regiões de incentivo tributário que surgiram a partir do aprimoramento de políticas de
incentivo ao desenvolvimento da Amazônia Ocidental”. Ainda segundo a autora, os
resultados positivos da criação da Zona Franca de Manaus ao longo dos anos não

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foram suficientes para mudar a realidade da região, sobretudo as dificuldades


sociais e econômicas, o que ocasionou uma expansão das isenções e benefícios,
até então restritos à Zona Franca de Manaus.
É importante ressaltar que, segundo Junior (2015), existem certas variações
de conceitos entre as Zonas e Áreas de Livre Comércio existentes no Brasil e ao
redor no mundo, sobretudo em relação às Zonas Econômicas Especiais (ZEE) 5, uma
vez que seus conceitos e entendimentos possuem certas peculiaridades.
Na literatura internacional, as ZEE são também conhecidas pelos termos
“Zonas Francas” ou “Zonas Livres”. As Zonas Econômicas Especiais
constituem, assim, uma categoria geral à qual pertencem várias
modalidades específicas, com diferentes objetivos e particularidades de
funcionamento. Observe-se, por oportuno, que as Áreas de Livre Comércio
brasileiras, as Zonas de Processamento de Exportação brasileiras e a Zona
Franca de Manaus são três modalidades específicas de ZEE. Deve-se ter
em mente, portanto, que “área de livre comércio” e “zona franca”, quando
referidas especificamente ao Brasil, são casos particulares da categoria
geral “zonas francas”, ou “zonas livres”, ou “zonas econômicas especiais”
no restante do mundo (JUNIOR, 2015, p. 12).

Por conseguinte, o que se entende por Zona de Livre Comércio ou Área de


Livre Comércio na legislação brasileira não possui o mesmo significado ou
entendimento na literatura internacional que trata sobre a temática. O próprio
decreto de Lei Nº 288, de 28 de fevereiro de 1967, em seu Art. 1º relacionado à
criação da Zona Franca de Manaus estabelece a mesma como sendo uma Área de
Livre Comércio:
A Zona Franca de Manaus é uma área de livre comércio de importação e
exportação e de incentivos fiscais especiais, estabelecida com a finalidade
de criar no interior da Amazônia um centro industrial, comercial e
agropecuário dotado de condições econômicas que permitam seu
desenvolvimento, em face dos fatores locais e da grande distância, a que se
encontram, os centros consumidores de seus produtos.

Sendo assim, é possível inferir que o governo brasileiro refere-se a “Áreas de


Livre Comércio” como delimitação espacial de um dado território que possui
incentivos fiscais e aduaneiros para favorecer o desenvolvimento de uma
determinada região, sobretudo no âmbito da fronteira. O mesmo não está
preocupado com o conceito do termo tendo sido estabelecido apenas uma definição
do que Área de Livre Comércio iria significar a partir de uma delimitação espacial
proposta, de acordo com a legislação vigente, que trata das áreas correspondentes.
Para tanto, a definição governamental ou o significado atribuído as Áreas de Livre

5
Mais conhecida como Special Economic Zones (SEZ) pela literatura internacional (JUNIOR, 2015).

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Comércio existente em território brasileiro não esta atrelada necessariamente ao


conceito teórico da mesma.

Reflexões acerca do Projeto de Lei 533/2015


O projeto de lei 533/2015, apresentado no dia 03 de março de 2015 pelo
então deputado Dagoberto Nogueira Filho do Partido Democrático Trabalhista
(PDT/MS), no seu inteiro teor estabelece que:
Art. 1º Esta Lei cria áreas de livre comércio de importação e exportação nos
Municípios de Corumbá e Ponta Porã, no Estado de Mato Grosso do Sul e
dá outras providências.
Art. 2º As áreas de livre comércio de que trata esta Lei, são criadas sob
regime fiscal especial, estabelecidas com a finalidade de promover o
desenvolvimento das regiões fronteiriças e com o objetivo de incrementar as
relações com os países vizinhos, segundo a política de integração
latinoamericana.
Art. 3º O Poder Executivo fará demarcar suas áreas, coincidindo com suas
superfícies territoriais, excluídas as reservas indígenas já demarcadas, onde
funcionarão as Áreas de Livre Comércio de que trata esta Lei, incluindo
locais próprios para entrepostamento de mercadorias a serem
nacionalizadas ou reexportadas.
Parágrafo único. Consideram-se integrantes das Áreas de Livre Comércio
de Corumbá e Ponta Porã todas as suas superfícies territoriais, observadas
as disposições dos tratados e convenções internacionais (PORTAL
CAMARA, 2016).

Por conseguinte, a existência de uma Área de Livre Comércio na região de


Corumbá visa proporcionar a suspensão de impostos de importação sobre produtos
industrializados desde que os mesmos sejam destinados para (Art. 5°):
I – Consumo a venda interna nas áreas de livre comércio de Corumbá e
Ponta Porã;
II – Beneficiamento, em seus territórios, de pescado, pecuária, recursos
minerais e matérias-primas de origem agrícola ou florestal; III - agropecuária
e piscicultura;
IV – Instalação e operação de atividades de turismo e serviços de qualquer
natureza; V – estocagem para exportação ou reexportação para o mercado
externo;
VI – Bagagem acompanhada de viajantes, observados os limites fixados
pelo Poder Executivo.
§ 1º As demais mercadorias estrangeiras, inclusive as utilizadas como
partes, peças ou insumos de produtos industrializados nas Áreas de Livre
Comércio de Corumbá e Ponta Porã, gozarão de suspensão dos tributos
referidos neste artigo, mas estarão sujeitas à tributação no momento de sua
internação (PORTAL CAMARA, 2016).

Com isso, qualquer produto a ser produzido nessas áreas, referindo-se a suas
matérias primas, produtos intermediários e embalagens utilizadas na
industrialização, estaria dentro dos benefícios relacionados à isenção dos impostos
mencionados. Porém, tais benefícios fiscais, conforme consta na proposta de lei,
excluem alguns produtos como armas e munições, veículos de passageiros - exceto

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ambulâncias, carros funerários, carros celulares e jipes -, bebidas alcoólicas e fumo


e seus derivados.
A justificativa da proposta de lei é a intensificação da integração latino-
americana além do fortalecimento das relações bilaterais com os países vizinhos.
Além disso, os benefícios relacionados à criação de empregos e o possível
aproveitamento das riquezas da região, além da melhora na infraestrutura das
cidades. Por se tratar de uma região em constante desenvolvimento e por ter uma
quantidade populacional adequada para a intensificação das relações comerciais e
produtivas, a criação de uma zona de livre comércio, segundo a proposta do projeto
de lei 253/2015, só teria a proporcionar à população que ali habita maiores
oportunidades de trabalho e condições melhores de vida devido a suas
características econômicas predominantes e em constate desenvolvimento.
Inicialmente, a proposta foi encaminhada para apreciações conclusivas e
análises da Comissão de Integração Nacional, Desenvolvimento Regional e da
Amazônia (CINDRA); Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio (CDEIC);
Finanças e Tributação (CFT) e Constituição e Justiça e de Cidadania. Na sequencia,
o projeto de lei passou pela Comissão de Integração Nacional, Desenvolvimento
Regional e da Amazônia (CINDRA), Comissão de Desenvolvimento Econômico,
Indústria e Comércio (CDEIC), Comissão de Finanças e Tributação (CFT), Comissão
de Constituição e Justiça e de Cidadania. Por fim, o projeto foi encaminhando ao
Senado Federal em 13 de julho de 2018 no qual está aguardando ser apreciado.
No dia 22 de maio de 2017, estive presente no escritório político do Deputado
Dagoberto Nogueira Filho a fim de encaminhar um questionário com perguntas
acerca do projeto de lei, o qual me foi respondido por e-mail. O referido questionário
foi respondido, segundo a chefia do gabinete, em “consonância com o entendimento
do Deputado Dagoberto Nogueira – PDT-MS”6. Para o Deputado Dagoberto
Nogueira Filho, a região de Corumbá necessita de projetos que visem impulsionar o
desenvolvimento econômico, buscando ainda o fortalecimento das regiões de
fronteira, através dos benefícios fiscais oferecidos pelas áreas de livre comércio,
como já ocorre em outras regiões que possuem áreas de livre comércio no Brasil.
Nesse sentido, surgiu a ideia do Projeto de Lei 533/2015, o qual oferece benefícios

6
Ver anexo I – resposta completa do questionário recebida por e-mail pela Chefe de Gabinete Ariskelma
Phelippe do parlamentar, Exmo. Senhor Dagoberto Nogueira Filho.

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que vão desde a isenção de impostos até a intensificação do desenvolvimento


econômico da região.
Além dos benefícios fiscais como a isenção de até 88% do Imposto de
Importação (I.I.); isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (I.P.I.);
a redução de 75% do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica e isenção da
contribuição para o PIS/PASEP e da Cofins nas operações internas da ALC.
A criação dessa ALC, traria desenvolvimento socioeconômico regional com
a abertura de novas empresas e geração de empregos nos municípios
abrangidos.

Em relação às dificuldades e entraves que o projeto pode ocasionar ao


município ao ser implementado, caso aprovado, o Deputado Dagoberto Nogueira
Filho considera que: “Como já aconteceu em outras áreas onde a ALC foi
implantada, poderá ocorrer um desenvolvimento territorial descontrolado com
inchaço das cidades”. Para solucionar tal problema, o mesmo propõe a criação de
um programa de “desenvolvimento territorial”. Porém, deve-se levar em
consideração que Corumbá está localizado ao lado do município de Ladário e as
duas cidades já passam por um processo de conturbação em razão do seu processo
de crescimento. A eventual implantação da ALC pode intensificar esse quadro,
trazendo novos desafios para as duas cidades.
Sobre as potencialidades do Projeto de Lei 255/2015 para impulsionar o
desenvolvimento econômico da região de Corumbá, o Deputado Dagoberto
Nogueira Filho acredita em resultados positivos com a criação de uma Área de Livre
Comércio em Corumbá.
Não tenho dúvidas, estudos comprovam que onde existe as ALC
implantadas a exemplo da ALC de Tabatinga no Amazonas, existe o
aumento de investimento na região. É claro que tem o exemplo negativo da
ALC de Roraima que não deu muito certo, devido, entre outros problemas, a
inviabilidade de investimento por parte de empresas (empresários) no
município, em virtude da instabilidade política e social desencadeadas por
conta das demarcações das terras indígenas. O que não seria um problema
para nós nessa área fronteiriça.

Nesse ponto, é fundamental destacar que os problemas relacionados à Área


de Livre Comércio no estado brasileiros de Roraima vão muito além. O próprio
relatório de Diagnóstico socioeconômico e propostas para o
desenvolvimento/Coordenação Geral de Estudos Econômicos e Empresariais
elaborado pela SUFRAMA e divulgado em outubro de 2014 aponta que as Áreas de
Livre Comércio de Boa Vista e Bonfim possuem problemas estruturais de
infraestrutura e falta de investimentos pontuais para o seu desenvolvimento. Além
disso, o comércio fronteiriço de compras com Lethem, na República da Guiana e em

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Santa Helena, na Venezuela, provoca um esvaziamento dos comércios nas cidades


de Boa Vista e Bonfim devido aos preços mais baixos dos outros lados das
fronteiras.
Com isso, afirmar que à ALC de Roraima não deu certo por conta da
“instabilidade política e social desencadeadas por conta das demarcações das terras
indígenas. O que não seria um problema para nós nessa área fronteiriça”, retratando
os povos indígenas como criadores de instabilidade e entrave ao desenvolvimento e
ao progresso, não é condizente com a realidade brasileira, sobretudo no que tange a
fronteira. É sabido que os povos indígenas sempre sofreram e continuam a sofrer
cada vez mais com os avanços do agronegócio, desmatamento e desapropriação de
terras a favor dos grandes latifúndios.
Demarcação de terras indígenas é um problema que o Estado brasileiro ainda
não conseguiu resolver. Conflitos entre fazendeiros e indígenas são constantemente
noticiados nos mais diversos meios de comunicação sendo uma realidade e um
problema que vai além das áreas de fronteira no Brasil. Portanto, não se pode dizer
ou afirmar que “demarcações de terras indígenas” ocasionou uma “instabilidade
política e social” o que resultou no fracasso de uma determinada área de livre
comércio, sem levar em consideração diversas variáveis.
Ainda nessa mesma lógica de competitividade em áreas de fronteira, o
Deputado Dagoberto Nogueira Filho considera que, com a instalação da área de
livre comércio, os produtos brasileiros ficarão mais atrativos, incentivando o
desenvolvimento e o comércio em Corumbá, além de proporcionar “condições de
igualdade” em comparação com produtos bolivianos. “As dinâmicas sociais mudarão
acredito que para melhor, uma vez que a cidade terá maior arrecadação e maior
dinâmica comercial”.
Bom, impactos negativos ao Comercio Boliviano até poderão ocorrer, uma
vez que, sofremos com a evasão de divisas e sobretudo pela concorrência
desleal dos preços dos produtos bolivianos quando comparados com os
nacionais, pelas diferenças de câmbio. Acredito que com a isenção fiscal e
aumento da fiscalização, nossos produtos ficarão muito mais atrativos aos
bolivianos e a outros mercados, proporcionando maior arrecadação e
consequentemente, maior desenvolvimento regional.

Porém, a possibilidade de que as cidades bolivianas sofram queda da venda


de seus produtos e diminuição das relações econômicas com as cidades brasileiras
pode gerar diversas complicações não antecipadas pelo deputado. Dadas as
relações ali constituídas por décadas entre as cidades, pode-se gerar um fluxo cada

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vez maior de dependência boliviana frente aos produtos, mão de obra, trabalho,
melhores condições de vida, etc., do lado brasileiro, o que poderia provocar uma
evasão dos brasileiros e bolivianos residentes em território boliviano em direção ao
Brasil.
Além do mais, projetos como esses devem ser minuciosamente estruturados,
com previsões dos resultados e impactos que podem vir a ocasionar a região.
Nesse sentido, deve sempre levar em consideração os pormenores e as
características da região tentando se aproximar à realidade do munícipio de
Corumbá, sempre levando em consideração os problemas recorrentes em outras
ALC já implantadas no Brasil.

Considerações finais
Diante das informações apresentadas, fica claro que Corumbá é uma cidade
de grande importância para as cidades ao seu redor. O desenvolvimento do
município ao longo dos anos foi acompanhado pelas cidades de Ladário, do lado
brasileiro, e por Puerto Suárez e Puerto Quijarro, do lado boliviano. As relações que
unem os municípios se refletem na relação diária desenvolvida pela população que
ali se localiza. Trocas comerciais, casamentos entre brasileiros e bolivianos,
festivais, uso de hospitais e demais serviços à população são apenas alguns dos
diversos exemplos que impulsionam e intensificam cada vez mais as relações dos
dois lados da fronteira.
A concepção do projeto de lei, além de procurar promover o desenvolvimento
econômico e regional do município de Corumbá, esbarra em questões práticas que
envolvem a própria integração e as relações das cidades no âmbito da fronteira. A
priori, uma ALC voltada para impulsionar o desenvolvimento econômico e industrial
de Corumbá pode se algo benéfico. Contudo, fica evidente que as relações entre os
municípios na fronteira sofreram certos impactos, que vão desde a comercialização
de produtos entre ambas as cidades da fronteira ou até mesmo na inversão de
fluxos de compras.
Claro que não se pode afirmar que a criação de uma Área de Livre Comércio
vai acabar com as relações e a integração entre brasileiros e bolivianos. Contudo,
uma vez que o projeto de lei é voltado única e exclusivamente para o
desenvolvimento de um dos lados, fica claro que essas relações vão sofrer impactos

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importantes, sejam eles na competitividade econômica dos produtos ou na


diminuição das vendas de produtos do lado boliviano, dentre outros.
Além disso, devem ser lembrados os problemas recorrentes das áreas de
livre comércio no Brasil apontados aqui, como a falta de conhecimento da população
sobre o que é uma área de livre comércio e quais as suas potencialidades. Essas
questões devem ser discutidas para que, no futuro, caso o projeto venha a ser
aprovado e ocorra a criação de uma área de livre comercio no município de
Corumbá, esses problemas sejam evitados antes mesmo de ocorrerem.
Portanto, embora projetos e políticas púbicas que visem o desenvolvimento
local e regional de Corumbá seja algo de suma importância, é fundamental entender
as conjecturas e eventuais mudanças que por ventura podem vir a provocar.
Debater com os mais diversos setores da sociedade no intuito de construir
conjuntamente um projeto que seja viável, com estudos voltados para os impactos e
benefícios de projetos desse tipo, seria uma ótima alternativa para o sucesso de
projetos desse caráter.

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AS EXPERIÊNCIAS DE COMPRA DE PRODUTOS DA AGRICULTURA FAMILIAR


DA BASE FLUVIAL DE LADÁRIO (BFLA)
The Experience to the Public Procurement Family Farming Products of Base Fluvial
de Ladário (BFLa)
Las Experiencias de Compra de Productos de Agricultura Familiar en la Base Fluvial
de Ladário (BFLa)

Leonardo Barbosa Araújo


Edgar Aparecido da Costa 

Resumo: Este trabalho tem por objetivo apresentar algumas reflexões sobre a
experiência de compra da agricultura familiar pela Marinha do Brasil na fronteira
Brasil-Bolívia. Utiliza-se de pesquisa bibliográfica, documental e participante como
procedimento metodológico. Observou-se, a partir de 2015, que a BFLa passou a
adquirir gêneros da agricultura familiar dos municípios de Ladário e Corumbá, em
função da entrada em vigor do Decreto nº 8.473/2015, que obriga os órgãos e
entidades da administração pública federal a destinar 30% do total de recursos no
exercício financeiro à aquisição de gêneros alimentícios da agricultura familiar. O
6ºDN consome, em média, dez toneladas de alimentos da agricultura familiar por
ano, podendo ampliar esse quantitativo. Há pouca participação dos agricultores nas
chamadas públicas realizadas, carecendo de novas estratégias para ampliar a
participação de um maior número de famílias camponesas.
Palavras-chave: Compras públicas, Fronteira, Marinha do Brasil.

Abstract: This paper aims to present some reflections about the experience of
trading in familiar farming by the Brazilian Navy at Brazil-Bolivia border. Bibliographic
and participatory research are used as a methodological procedure. It was observed,
from 2015 onwards, that BFLa started acquiring goods of family farming in the cities
of Ladário and Corumbá, due to the coming into force of Decree No. 8.473, which
obliges the organs and entities of the Federal public administration to allocate 30% of
the total resources in the financial year to the acquisition of goods from family
farming. The 6th ND consumes, on average, ten tonnes of feeds from family farming
per year, which could be increased. There is a small participation of farmers in the
public calls made, lacking new strategies to increase the participation of a larger
number of peasant families.
Key-words: Public procurement, Border, Brazilian Navy.

Resúmen: Este trabajo tiene como objetivo presentar algunas reflexiones sobre la
experiencia de compra de la agricultura familiar por parte de la Armada brasileña en
la frontera entre Brasil y Bolivia. La investigación bibliográfica, documental y
participativa se utiliza como procedimiento metodológico. A partir de 2015, se

Graduado em Ciências Navais pela Escola Naval; Especialista em Gestão Pública, pela UFRJ; e
aluno do Mestrado em Estudos Fronteiriços, pela UFMS. E-mail: leoaraujo.asp@gmail.com

Graduado, Mestre e Doutor em Geografia, professor do curso de Geografia e do Mestrado em
Estudos Fronteiriços do Câmpus do Pantanal, UFMS, E-mail: edgarac10@gmail.com

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observó que BFLa comenzó a adquirir géneros de agricultura familiar de los


municipios de Ladário y Corumbá, debido a la entrada en vigor del Decreto N ° 8.473
/2015, que obliga a los organismos y entidades de la administración pública federal a
asignar el 30% de los recursos totales en el ejercicio a la compra de alimentos de la
agricultura familiar. El 6ºDN consume, en promedio, diez toneladas de alimentos de
la agricultura familiar por año, lo que puede aumentar esta cantidad. Hay poca
participación de los agricultores en las llamadas públicas que se hacen, y carecen de
nuevas estrategias para aumentar la participación de un mayor número de familias
campesinas.
Palabras clave: Compras Públicas, Frontera, Armada de Brasil.

Introdução
Fronteiras são espaços geográficos que incitam, sem dúvida alguma, o
interesse das forças armadas, pois se tratam de porções territoriais da nação que
instigam a necessidade de proteção da soberania nacional. Mesmo em tempos de
paz não se pode perder de vista o controle de quem entra e de quem sai do país. A
presença militar, por si só, é como uma demonstração da presença do Estado no
controle do território.
A Marinha do Brasil está presente na fronteira Brasil-Bolívia, em Ladário, na
porção Oeste do estado de Mato Grosso do Sul, com o sexto Distrito Naval (6ºDN).
Sua presença, não somente representa garantias para a soberania nacional, mas
também um elemento fundamental para o desenvolvimento territorial local. O 6ºDN
reúne um efetivo de 2109 militares. São pessoas que recebem seus salários e
gastam, ao menos parte dele, no comércio de Corumbá e Ladário. Além disso, esse
quantitativo de pessoal remete a elaboração de uma logística de alimentação.
No ano de 2015, com vistas a fortalecer o Programa de Aquisição de
Alimentos (PAA), entra em vigor o Decreto nº 8.473. O referido decreto estabelece
no §1º do art. 1º, no âmbito da administração pública federal, um percentual mínimo
destinado à aquisição de gêneros alimentícios de agricultores familiares, conforme
segue:
§ 1º Do total de recursos destinados no exercício financeiro à aquisição de
gêneros alimentícios pelos órgãos e entidades de que trata o caput, pelo
menos 30% (trinta por cento) deverão ser destinados à aquisição de
produtos de agricultores familiares e suas organizações, empreendedores
familiares rurais e demais beneficiários que se enquadrem na Lei nº 11.326,
de 2006, e que tenham a Declaração de Aptidão ao Pronaf – DAP (BRASIL,
2015).

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O objetivo deste trabalho é fazer algumas reflexões sobre a experiência de


compra da agricultura familiar pela Marinha do Brasil na fronteira Brasil-Bolívia. Para
tanto, utilizou-se da pesquisa bibliográfica e participante, já que o autor principal é o
atual responsável pela atividade no órgão. Além disso, um dos autores esteve à
frente da provocação das primeiras compras realizadas, como resultado da atuação
embrionária do Núcleo de Estudos em Agroecologia e Produção Orgânica do
Pantanal (NEAP). Essas experiências estão descritas e apoiam as reflexões
presentes neste trabalho. Trata-se de um recorte de pesquisa desenvolvida no
mestrado em Estudos Fronteiriços.
O artigo foi organizado em quatro itens. O primeiro item apresenta uma breve
descrição da localização do 6ºDN da Marinha do Brasil. Em seguida é trazido o
contexto histórico de mudança do arsenal da Marinha de Cuiabá para Ladário. No
terceiro item se busca apresentar o que é a Base Fluvial de Ladário, o organismo
responsável pelas compras do 6ºDN. Por fim, são trazidas reflexões sobre a compra
de hortaliças na fronteira em estudo realizadas pela Marinha do Brasil.

O espaço fronteiriço de localização do Sexto Distrito Naval (6ºDN)


O caput do art. 142 da Constituição Federal define o que são as Forças
Armadas, a saber:
As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela
Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares,
organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade
suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à
garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da
lei e da ordem (BRASIL, 1988).
A operacionalização da Marinha ocorre através de um processo de
regionalização conhecido por Distritos Navais (DN). Não foi possível encontrar os
critérios utilizados para essa regionalização. Contudo, pelo arranjo dos DN no mapa
do Brasil (Figura 1), acredita-se que a presença de massas de águas navegáveis
tenha sido importante na sua organização espacial. Afora a abrangência marítima, o
6ºDN e o 9ºDN abarcam as bacias do rio Paraguai e do alto e médio Amazonas,
respectivamente. O único que não se inclui nessas características é o 7ºDN que,
muito provavelmente, foi definido em razão da capital do país.

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Figura 1 - Localização dos Distritos Navais e respectivas áreas de jurisdição


em vigor, 2019.

Fonte: Marinha (2019b).

Os Distritos Navais (DN) e os Comandos Navais (CN) foram criados pelo


Decreto no 22.811, de 10 de junho de 1933. Nesse primeiro momento haviam
apenas cinco Distritos Navais e um Comando Naval – cuja área de atuação era o
Estado de Mato Grosso Sede, com sede em Ladário (BRASIL,1933). O Art. 2º do
referido Decreto previa as áreas de atuação dos DN, conforme Figura 2.
Cabe destacar que até 1960, a capital federal e o distrito federal se
localizavam no atual município do Rio de Janeiro. A transferência do Distrito Federal
para Brasília se deu com a promulgação da lei nº 3.752/1960, conhecida como Lei
Santiago Dantas. A transferência estava prevista na Constituição Federal de 1946,
no Art. 4º do Ato das Disposições Constitucionais Transitória, que também previa a
criação do Estado da Guanabara, no§ 4º, onde antes fora o Distrito Federal
(BRASIL, 1946).
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Figura 2 - Primeira configuração das áreas de atuação da Marinha, segundo


Distritos Navais, 1933.
Distritos Navais Sede Áreas de atuação
1ºDN Belém do Pará Amazonas, Pará, Maranhão e Piauí.
2ºDN Recife Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e
Pernambuco.
3ºDN São Salvador Alagoas, Sergipe e Baía
4ºDN Capital Federal Espírito Santo, Rio de Janeiro e o Distrito
Federal.
5ºDN Florianópolis São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio
Grande do Sul.
Fonte: Brasil (1933). Organizado pelo autor.

O Art.1º da Lei Santiago Dantas previa:


Art. 1º Na data em que se efetivar a mudança da Capital Federal, prevista
no art. 4º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, o atual
Distrito Federal passará, em cumprimento do que dispõe § 4º do mesmo
artigo, a constituir o Estado da Guanabara, com os mesmos limites
geográficos, tendo por Capital e sede do Governo a Cidade do Rio de
Janeiro (BRASIL, 1960).
Posteriormente, o decreto Decreto-Lei nº 8.181, de 19 de novembro de 1945,
cria o 6ºDN, abrangendo o Estado de Mato Grosso e Território de Ponta Porã - sede
em Ladário. O Decreto no 58.386, de 10 de maio de 1966, implanta o 7ºDN, com
sede em Brasília. Em 20 de fevereiro de 1997, o Decreto nº 2.153, cria o 8º e o
9ºDN, com suas respectivas áreas de jurisdição. Cabe ressaltar que cada Decreto
modificou as áreas de jurisdição de cada DN, até que com a entrada em vigor do
Decreto no 5.349, de 20 de janeiro de 2005, passa a vigorar a configuração atual
observada na Figura 1.
O Brasil assumiu diversos compromissos relacionados com as atividades de
Busca e Salvamento (SAR) marítimo, baseados em convenções internacionais das
quais o país é signatário: “Convenção Internacional para a Salvaguarda da Vida
Humana no Mar (Convenção SOLAS), a Convenção das Nações Unidas sobre o
Direito do Mar (CNUDM, Jamaica 1982) e a Convenção Internacional de Busca e
Salvamento Marítimo (Hamburgo, 1979)” (BRASIL, 2019d). Estas atividades são da
competência do SALVAMAR BRASIL, situado no Rio de Janeiro, cuja área de
atuação foi dividida em sub-regiões, sob responsabilidade dos Centros de
Coordenação SAR (SALVAMAR REGIONAL), devido a imensa área de atuação
(BRASIL, 2019d).
Situado no espaço fronteiriço do Oeste brasileiro a área de atuação do 6º
Distrito Naval (6DN) abrange os estados de Mato Grosso (com 3 OM localizadas em
Cuiabá, Cáceres e São Felix do Araguaia) e Mato Grosso do Sul (com 21 OM

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situadas em Ladário, Corumbá e Porto Murtinho) (Figura 3). Ladário concentra a


grande maioria das OM (79,17% do total do 6ºDN).

Figura 3 - Organizações militares do 6DN, segundo sua localização, 2019.


6º Distrito Naval
Organizações Militares (OM) Localização
Comando do 6º Distrito Naval (Com6ºDN) Ladário (MS)
Base Fluvial de Ladário (BFLa) Ladário (MS)
Centro de Intendência da Marinha em Ladário (CeIMLa) Ladário (MS)
Hospital Naval de Ladário (HNLa) Ladário (MS)
Comando da Flotilha de Mato Grosso (ComFlotMT) Ladário (MS)
Serviço de Sinalização Naútica do Oeste (SSN-6) Ladário (MS)
Grupamento de Fuzileiros Navais de Ladário (GptFNLa) Ladário (MS)
Comando do 1º Esquadrão de Helicópteros de Emprego
Geral do Oeste (Esqd-HU-61) Ladário (MS)
Monitor Parnaíba (Mparnaiba) Ladário (MS)
Navio-Transporte Fluvial Paraguassu (NTrFluParaguassu) Ladário (MS)
Navio-Transporte Fluvial Almirante Leverger
(NTrFluAlteLeverger) Ladário (MS)
Navio-Patrulha Poti (NPaPoti) Ladário (MS)
Navio-Patrulha Penedo (NPaPenedo) Ladário (MS)
Navio-Patrulha Piraja (NPaPiraja) Ladário (MS)
Navio-Patrulha Piratini (NPaPiratini) Ladário (MS)
Navio de Apoio Logístico Fluvial Potengí (NApLogFluPotengi) Ladário (MS)
Navio de Assistência Hospitalar Tenente Maximiano
(NAsHTenMaximiano) Ladário (MS)
Grupo de Embarcações de Patrulha e Desembarque (GrEPD) Ladário (MS)
Aviso Hidroceanográfico Fluvial Caravelas
(AvHoFluCaravelas) Ladário (MS)
Capitania Fluvial do Pantanal (CFPN) Corumbá (MS)
Agência Fluvial de Porto Murtinho (AgPMurtinho) Porto Murtinho (MS)
Capitania Fluvial de Mato Grosso (CFMT) Cuiabá (MT)
Agência Fluvial de Cáceres (AgCaceres) Cáceres (MT)
Agência Fluvial de São Felix do Araguaia (AgSFAraguaia) São Felix do Araguaia (MT)
Fonte: Marinha, 2019c. Organizado pelo autor.
Cabe fazer uma breve referência sobre o que seria um rio internacional, bem
como sobre os conceitos básicos do direito internacional, tendo em vista que a
atuação da Marinha, na área do 6º Distrito Naval, envolve a navegação no rio
Paraguai que se caracteriza como tal. Trata-se de um rio complexo, do ponto de
vista jurisdicional. Em alguns trechos a soberania sobre as águas muda e, em
outros, não há uma soberania plena, tratando-se de águas compartilhadas, nos
quais o rio funciona como limite internacional. Nesse diapasão, “quando as águas

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ultrapassam o território nacional, elas ficam sujeitas às múltiplas soberanias dos


Estados, os quais vão estabelecer políticas nacionais distintas para um mesmo
curso de água ou aquífero” (VILLAR, 2015, p.7). Sobre esta temática a referida
autora complementa, ainda, que:
O Ato Final do Congresso de Viena de 1815 ao tratar da navegação nos rios
europeus, os classificou em internos e internacionais, os quais podiam ser
subdivididos em três categorias: rios contíguos ou fronteiriços, rios
sucessivos e rios internacionalizados.
Cabe, então, apresentar o que consiste cada categoria de rio retro
mencionada. De acordo com Villar (2012, p.6; 2015, p.10):
Os rios contíguos ou fronteiriços são aqueles que fazem a divisa entre os
Estados. Rios sucessivos: são aqueles que não fazem divisa entre os
Estados, mas que nascem no território de um e escoam para o território de
outro. Rios internacionalizados: diz respeito aos rios e lagos onde se
estabeleceu por meio de Tratados Internacionais um verdadeiro regime
internacional entre os Estados, seja para todo o recurso hídrico ou partes
dele. Esse conceito emerge da experiência europeia, que construiu diversos
tratados sobre a utilização de importantes rios como o Danúbio e o Reno e
o Lago Constança.
Para elucidar melhor os conceitos apresentados, necessário se faz entender o
significado de soberania. Segundo Accioly et al. (2012, p. 449): “Soberania interna:
representa o poder do Estado em relação às pessoas e coisas dentro de seu
território, ou, melhor, dentro dos limites da sua jurisdição”. Para Accioly et al. (2012,
p. 449) a soberania externa representa “a competência conferida aos Estados pelo
direito internacional e se manifesta na afirmação de liberdade do Estado em suas
relações com os demais membros da comunidade internacional”.
Não obstante o conceito de soberania apresentado interessa destacar, neste
trabalho, que há diversas controvérsias sobre a gestão de águas compartilhadas.
Villar (2015) expõe que o modo como a soberania deve ser assumida diante do uso
das águas que atravessam mais de um território nacional implica em múltiplas
teorias (da soberania territorial absoluta, da integridade territorial absoluta, da
integridade territorial limitada e a da comunidade de interesses).
Em cada teoria muda a forma como um Estado faz uso de um rio
internacional, bem como o entendimento de responsabilidade solidária na gestão de
águas compartilhadas. Villar (2015) entende a teoria da integridade territorial limitada
ou soberania territorial limitada como a mais acolhida. Nela, o Estado pode usar os
recursos hídricos contidos em sua área territorial, cuidando para não produzir danos
a outros Estados. Tem-se a sensação que esta teoria é a mais aceita no Brasil ao

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analisar os objetivos da Política Nacional de Recursos Hídricos, previstos no Art. 2º


da lei nº 9.433/1997:
I - assegurar à atual e às futuras gerações a necessária disponibilidade de
água, em padrões de qualidade adequados aos respectivos usos;
II - a utilização racional e integrada dos recursos hídricos, incluindo o
transporte aquaviário, com vistas ao desenvolvimento sustentável;
III - a prevenção e a defesa contra eventos hidrológicos críticos de origem
natural ou decorrentes do uso inadequado dos recursos naturais.
IV - incentivar e promover a captação, a preservação e o aproveitamento de
águas pluviais (BRASIL, 1997).

A mudança do Arsenal de Marinha de Cuiabá para Ladário


Para compreender os aspectos políticos e militares determinantes para a
mudança do Arsenal de Marinha de Cuiabá para Ladário torna-se necessário fazer
uma breve contextualização histórica sobre a Marinha e sobre o Brasil nos idos do
Império.
A segunda década do século XIX foi marcada por crises políticas que
culminaram nas Guerras da Independência. Nesse contexto surge a Marinha
Imperial Brasileira. Segundo Mello (2009, p. 92) “a efetivação do rompimento com a
Coroa portuguesa, em sete de setembro de 1822, trouxe a urgente e imperiosa
necessidade do estabelecimento de um Poder Naval”.
Cabe destacar que as embarcações que compunham a esquadra brasileira
eram de origem portuguesa e em pequena quantidade. Cabe ressaltar a real
dimensão da esquadra brasileira naquela época:
Em fins de 1822, o material flutuante ainda era muito escasso, com navios
que tinham sua origem na Marinha de Portugal e que passaram a constituir
o primeiro núcleo da Esquadra brasileira, composto pelas Fragatas União e
Real Carolina; Corvetas Maria da Glória e Liberal; Brigue Real Pedro,
Brigue-Escuna Real, 13 escunas – das quais sete encontravam-se
estacionadas no Prata – e de, aproximadamente, 20 navios-transporte e
canhoneiras. Os outros navios estacionados no Rio de Janeiro, somente
três eram utilizáveis, a Nau Martins de Freitas, a Fragata Sucesso e o
Brigue Reino Unido, os quais foram prontamente reparados no Arsenal de
Marinha. A Nau Príncipe Real, que trouxe D. João VI ao Brasil, só pôde ser
utilizada como navio-prisão, devido ao péssimo estado que se encontrava
(MARINHA, 2019c).
A missão de organizar a Força Naval ficou a cargo do Capitão de Mar e
Guerra, Luís da Cunha Moreira. Oriundo da Marinha Portuguesa, lutara nas Guerras
Napoleônicas, na Revolução Pernambucana e na tomada de Montevidéu, tornando-
se o Ministro da Marinha por Ato do novo governo (MELLO, 2009). O relato de Vale
(1971, p.10) mostra como se deu parte desse processo, no que tange a escolha da
primeira oficialidade da Marinha Brasileira:

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[...] a princípio, parecia não haver falta de oficiais para a nova Marinha: 160
tinham se estabelecido no Brasil desde 1808, mas a maioria era de
portugueses, e tornou-se necessário verificar primeiro sua lealdade. Com
esta finalidade Cunha Moreira estabeleceu uma comissão, em 5 de
dezembro de 1822, para perguntar a cada oficial se ele desejava servir ao
Brasil ou voltar para Portugal. Ficou logo claro que a grande maioria aderia
à causa brasileira, e quando foram retirados os nomes dos mais velhos e
dos incapazes, restou um total de 94.
Naquele período, torna-se relevante pontuar a importância de Cuiabá nos
planos do governo. Cuiabá era o centro da província de Mato Grosso desde 1820,
sua única entrada e saída para todas as relações comerciais, militares e
administrativas e com acesso por terra e pelos rios a todo o interior, inclusive as
fortificações localizadas nos limites de seu território (MAMIGONIAN, 1986).
Em 1825 cria-se o Arsenal da Marinha de Mato Grosso, cujo objetivo era“
guarnecer e proteger a livre navegação dos rios de Mato Grosso, construir e
consertar canoas e embarcações para o transporte e comunicação entre Cuiabá e
os presídios da fronteira” (MELLO, 2009, p.116). Naquele momento, houve a
necessidade de reunir no Arsenal, trabalhadores que atuassem como carpinteiros,
operários e serventes (MELLO, 2009).
Mello (2009) sugere dúvidas em relação ao local mais apropriado para a
instalação do Arsenal e das barcas canhoneiras, cuja ordem de construção fora
determinada pelo Imperador. Para ele, o então presidente da província, José
Saturnino, buscava informações a respeito do melhor local para instalar o Arsenal de
Marinha. Foram consultados os comandantes militares da província, mas não houve
concordância sobre o lugar mais adequado – Cuiabá ou Vila Maria (MELLO, 2009).
Já naquela época a escolha da então capital apresentava diversas
contestações que, por razões diversas, não prevaleceram e Cuiabá foi escolhida
para sediar o Arsenal. Dentre essas críticas estão a ausência de materiais
fundamentais para composição da infraestrutura das construções navais (MELLO,
2009).
Mello (2009, p. 150) destaca, ainda, que: “nas informações prestadas ao titular
da Pasta da Marinha, observa que no período das secas as barcas dificilmente
poderiam sair do porto e consequentemente não cumpririam as funções para as
quais seriam construídas – defesa do Rio Paraguai”.
Após a instalação do Arsenal no Porto de Cuiabá os problemas se agravaram
e dificultaram a operação do mesmo. Segundo Mello (2009, p. 151), diante das
várias dificuldades enfrentadas, o então Comandante das Barcas Canhoneiras,

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Capitão de Fragata Augusto Leverger, indicou a necessidade de mudança do


arsenal para Vila Maria em razão das “dificuldades de navegação no Rio Paraguai e
a falta de madeiras para construção naval próximas ao local de construção”.
Entretanto, a opção de mudar o arsenal para Vila Maria não logrou êxito. Um
dos motivos, apontado por Mello (2009), era a posição contrária do então Ministro da
Marinha, Antonio Paulino Limpo de Abreo, em 1858.
A escolha da nova sede do arsenal gerou muitos embates entre o Ministério
da Marinha e a Presidência da Província de Mato Grosso. Segundo Mello (2009), de
um lado a pasta da Marinha, defendia o Porto de Ladário, de outro a Presidência da
Província, sustentava o Porto de Corumbá. Por fim, prevaleceu a vontade da
Marinha de transferir para Ladário.
Alguns fatores contribuíram para acelerar a transferência e a instalação do
Arsenal de Marinha de Ladário, em 1873. Segundo Mello (2009) o franqueamento e
a internacionalização da navegação do rio Paraguai contribuíram sobremaneira para
a mudança.

A BFLa
De acordo com o site da Marinha do Brasil (2019a):
Em 1862, o Ministro da Marinha, Joaquim Raimundo de Lamare, determinou
a instalação de um novo Arsenal à jusante do canal do Tamengo e, em 14
de março de 1873, o Capitão-de-Fragata Manoel Ricardo da Cunha Couto
lançou a pedra fundamental do Arsenal de Marinha do Ladário, tendo
concluído sua instalação no final de 1874. Pelo Decreto n.º 38.101, de 18 de
outubro de 1955, passou a denominar-se Base Fluvial de Ladário,
extinguindo também, o Arsenal de Marinha de Ladário.
A BFLa possui a missão de prover o apoio logístico, tanto às organizações
terrestres, como aos navios, sediados ou em trânsito, no âmbito do Sexto Distrito
Naval, a fim de contribuir para o aprestamento dos meios navais da Marinha do
Brasil.
Ao longo dos anos a BFLa aumentou sobremaneira a sua capacidade de
apoiar as demais Organizações Militares (OM) subordinadas ao 6º DN. Atualmente é
a OM que centraliza a confecção de todas as refeições das OM de terra e, por
vezes, também apoia os navios nesse sentido.
Tudo isso demanda um planejamento complexo que leva em conta as
dificuldades logísticas decorrentes do isolamento geográfico dos grandes centros

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econômicos. Necessariamente, o planejamento envolve a realização de grandes


estoques.
Para Max e Oliveira (2009, p.19):
Os fluxos de comercialização na região fronteiriça podem ser entendidos
pelo grau de interação e integração (espontânea ou não) que, pela própria
necessidade de diminuir o isolamento dos centros econômicos nacionais,
respondem pela diversificação endógena de bens de consumo nesses
territórios.
Geograficamente as áreas urbanas que compõem a fronteira em estudo estão
distantes de outras cidades, alinhadas em diferentes modais. Corumbá e Ladário
são conurbadas e ficam a 220 km de Miranda, a primeira cidade brasileira após o
Pantanal. Puerto Quijarro e Puerto Suárez estão a 233 km de Roboré, a primeira
cidade com porte razoável na Bolívia, tanto por rodovia, quanto ferrovia. A diferença
é que do lado boliviano existem vários pequenos povoados. No lado brasileiro, afora
os assentamentos rurais da reforma agrária e pequenas comunidades de entorno,
por mais de 150 km, é só Pantanal. Vale destacar que Miranda e Roboré não se
configuram como centro de abastecimento para essas cidades de fronteira. O
principal mercado, do lado brasileiro é Campo Grande que fica a 430 km, mas que,
também, funciona como entreposto comercial (FEIDEN e COSTA, 2016). Cabe
destacar, que a Marinha não pode comprar dos bolivianos utilizando uma política
pública nacional, assim o relativo isolamento geográfico fica ainda mais restrito.
Logo, conclui-se que isso remete a busca por soluções locais.
Nesse contexto, torna-se relevante buscar ampliar as aquisições no comércio
local, onde inclui-se as compras de gêneros da agricultura familiar. Acredita-se que,
com isso, haverá maior rapidez na entrega produtos, redução dos preços já o frete
não promoverá oneração do custo e melhoria na qualidade dos alimentos
consumidos.
Diante dessa nova perspectiva a BFLa investiu, sobremaneira, na capacitação
dos militares que trabalham no setor de obtenção, possibilitando o aprimoramento
contínuo das chamadas públicas. Buscou-se mapear alguns pontos passíveis de
melhoria e os parceiros potenciais para o trabalho. Houve, nesse sentido, uma
melhora no processo de divulgação do edital para os agricultores com o apoio da
NEAP/UFMS.

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As compras da agricultura familiar no âmbito da BFLa


A experiência de compra da Marinha do Brasil em Ladário começou no ano
de 2015. Foi quando os pesquisadores do embrionário Núcleo de Estudos em
Agroecologia e Produção Orgânica do Pantanal procuraram o setor de compras do
6ºDN para falar do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Discutiu-se a
possibilidade da legislação de que toda compra institucional deveria ter, ao menos,
30% do seu montante a partir da agricultura familiar, em especial a do local. Foi
concedido todo o apoio para que a compra acontecesse mediante a dispensa de
licitação. Apesar do pequeno volume comprado, a iniciativa teve a primazia de ser a
primeira deste tipo entre as forças armadas na região Centro-Oeste. Esse trabalho
contou, também, com o apoio do SEBRAE e foi tratado como um case de sucesso.
Houve o entendimento de que seria interessante ampliar as possibilidades de
participação de um maior número de agricultores familiares no edital. O setor
entendeu que os editais de chamada pública seriam o melhor caminho, pois a
dispensa de licitação implicava num pequeno montante de aquisições que não
satisfazia as necessidades do distrito. O limite de dispensa de licitação, à época<
era de 8.000 reais para o somatório de todos os fornecedores de gêneros, não só os
agricultores familiares. Com a chamada pública, o limite autorizado para cada
agricultor é de 20 mil reais por ano.
O SEBRAE intermediou toda a negociação e estimulou a amplitude do edital.
Os agricultores do Grupo Bem-Estar não lograram êxito na participação do mesmo.
Alguns mal-entendidos não foram resolvidos e, a maioria deles perdeu o interesse
de venda para a Marinha. Em 2018, o Núcleo de Estudos e Produção Orgânica do
Pantanal (NEAP) estimulou que os agricultores tentassem, novamente, o edital de
aquisição de alimentos da agricultura familiar do 6ºDN. Apenas uma das famílias
apoiadas pelo NEAP se interessou em participar, como será apresentado logo
adiante.
O ano de 2018 propiciou um consumo expressivo de gêneros da agricultura
familiar pela BFLa, quando foram adquiridas mais de 10 toneladas. No 1º semestre
de 2019 as quantidades adquiridas foram pouco superiores a 3,5 ton.
Comparativamente observa-se uma redução nas aquisições. Ao explorar as razões
que levaram a essa redução observou-se que o principal fator foi a pequena
participação dos agricultores familiares no processo de chamada pública. Apenas
uma agricultora do município participou da chamada pública realizada no dia 23 de

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janeiro de 2019. Isto implicou em duas consequências diretas: a primeira diz respeito
ao limite anual de compra por agricultor familiar que é de R$ 20.000,00, com base
no Art.3º da Resolução Grupo Gestor PAA n° 73/2015.
Art. 3º As aquisições de alimentos, no âmbito da modalidade Compra
Institucional, serão realizadas com dispensa do procedimento licitatório,
desde que, cumulativamente, sejam atendidas as seguintes exigências:
III - sejam respeitados os seguintes valores máximos anuais para
aquisições de alimentos, por órgão comprador: a) R$ 20.000,00 (vinte mil
reais) por unidade familiar; e b) R$ 6.000.000,00 (seis milhões de reais) por
organização fornecedora, respeitados os limites por unidade familiar
(BRASIL, 2015).
Cabe observar que a agricultora participante do processo esgotou sua cota
ainda no primeiro semestre. Caso existissem outros agricultores homologados no
processo o montante adquirido poderia ser maior. A outra consequência, portanto,
foi que não houve oferta para 15 itens demandados na chamada pública no primeiro
semestre de 2019 (Tabela 1).

Tabela 1 – Produtos da agricultura familiar adquiridos pelo BFLa: 2018-2019.


1º Sem. 2º Sem. 1º Sem.
Produtos (Kg) 2018 2018 2019
Abobora 210,4 69,2 373,6
Alface 747,4 631,75 978,5
Banana nanica 648,37 - -
Batata doce - 102 -
Berinjela - 77 -
Beterraba - 164 -
Cebolinha 76 24,8 52,5
Cenoura 619,4 450 573,45
Coentro 82,1 17,6 52
Couve manteiga 158,6 104,4 -
Doce de leite 85,6 - -
Jiló - 60 -
Mamão 272 - 34,2
Mandioca cubos - 30 -
Manjericão 5 15,9 -
Mel de abelha - 356 -
Melancia 57 1312 -
Melão amarelo 286 - -
Pepino 73,2 205,2 -
Pimentão 433,4 454 544,33
Quiabo 8,4 38 -
Repolho verde 298,7 202,2 64
Rúcula 43,25 205,2 267,12

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Salsa 22,7 19,28 66,6


Tomate cereja 5 6 79,41
Tomate salada 1401,8 535 449,65
Vagem 20,8 27 -
Fonte: Arquivos da BFLa. Organizado pelo autor.

Ao analisar as despesas realizadas pela BFLa com gêneros em 2018,


observou-se um aumento de 20% no segundo semestre em relação ao primeiro. No
total anual foram gastos R$50.698,52 com gêneros da agricultura familiar. Por outro
lado, a participação de apenas uma agricultora familiar no 1º semestre de 2019
implicou em uma redução de 9,8% no valor total gasto em relação ao 1º semestre de
2018 (Figura 4).

Figura 4 - Total de compras públicas da agricultura familiar realizadas pela


BFLa, por semestre: 2018 e 2019.

Fonte: Arquivos da Bfla. Organizado pelo autor.

Em 2019 o NEAP, juntando informações dos presidentes das associações de


produtores rurais dos assentamentos rurais de Corumbá, dados tabulados das feiras
agroecológicas e informações da AGRAER e de técnicos das prefeituras municipais,
compôs um calendário agrícola da produção rural da fronteira estudada (Figura 5).
Analisando a demanda por gêneros da agricultura familiar da BFLa (Tabela1),
comparativamente com o calendário agrícola (Figura 5), observa-se que há uma
gama de produtos que não figuraram nos processos de chamadas públicas, sendo

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mais expressivo para este quadro as frutas. Nota-se que há uma possibilidade de
diversificação dos cardápios e ampliação das compras ao incluir os novos itens.

Figura 5 - Calendário agrícola de Corumbá e Ladário/MS, 2018.


LEGUMES Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez
Abóbora Comum
Abóbora Kabotian
Abóbora Moranga
Batata Doce
Berinjela
Beterraba
Cenoura
Jiló
Mandioca Mesa
Maxixe
Pepino
Pimentão
Quiabo
Rabanete
Tomate
Tomate cereja
Vagem
VERDURAS Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez
Acelga
Agrião
Alface
Almeirão
Cebolinha
Chicória
Coentro
Couve Folha
Espinafre
Mostarda
Repolho
Rúcula
Salsa
FRUTAS Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez
Abacate
Abacaxi
Acerola

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Banana da Terra
Banana Maçã
Banana Nanica
Coco Verde
Fruta do conde
Goiaba
Laranja
Limão
Mamão Formosa
Mamão Papaya
Manga
Maracujá
Melancia
Melão
Poncã
Legenda
Produção em maior
escala
Neap, 2019.
Produção em menor
escala
Produção improvável
Fonte: NEAP (Acervo do Núcleo), adaptado pelos autores.

Dessa forma, observa que existe um nó de estrangulamento a ser enfrentado.


Existe maior variedade de produtos nos assentamentos rurais de Corumbá e
Ladário, que aqueles que são colocados na chamada pública. Por outro lado,
acredita-se que vários deles podem ser produzidos localmente, desde que
estimulados. Fica implícita a necessidade de diálogo para atrair mais produtores
rurais a participarem das chamadas públicas e de um ajuste entre a oferta, a
demanda e o cardápio do 6ºDN.

Considerações finais
O presente artigo teve como objetivo fazer algumas reflexões sobre a
experiência de compra de gêneros da agricultura familiar da Base Fluvial de Ladário,
responsável pelas aquisições de gêneros e confecção das refeições no âmbito do
6ºDN, de modo a buscar um melhor entendimento das estratégias comerciais
utilizadas na fronteira Brasil-Bolívia. Esta compreensão é importante para o

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aprimoramento dos processos de chamada públicas, na busca por um ponto de


equilíbrio entre a demanda da BFLa e a oferta dos agricultores familiares.
De acordo com o demonstrado, a BFLa adquiriu da agricultura familiar, cerca
de 13,5 toneladas de alimentos, perfazendo mais de 71 mil reais gastos. Sobre este
dado cabe ressaltar que antes de 2015 o limite que podia ser gasto com qualquer
fornecedor de gêneros, inclusive os agricultores familiares, sem licitação, eram de 8
mil reais por ano. Nota-se que com a entrada em vigor do decreto nº 8.473/2015, o
PAA, na modalidade de Compra Institucional passou a gerar mais benefícios para a
agricultura de Ladário e Corumbá.
Por fim, vale lembrar que ainda há aspectos que podem ser aprimorados
diante dessa nova territorialidade criada entre a BFLa e os agricultores familiares de
Ladário e Corumbá, se observamos que houve demandas não atendidas de ambos
atores sociais. Há margem para aumentar e diversificar as aquisições com uma
oferta correspondente. Para tal, há de buscar um maior diálogo entre as prefeituras,
OM envolvidas, agricultores familiares, UFMS e EMBRAPA Pantanal para que os
eventuais obstáculos sejam removidos e haja a promoção do desenvolvimento
sustentável da agricultura familiar na fronteira Brasil-Bolívia.

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TERRITORIAL SUSTENTÁVEL. IV JORNADA QUESTÃO AGRÁRIA E
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578

COOPERAÇÃO INTERNACIONAL E NÚCLEOS URBANOS COM


ARTICULAÇÕES FRONTEIRIÇAS ENTRE BRASIL E BOLÍVIA
International Cooperation and Borderland Articulated Urban Centers Between Brazil
and Bolivia
Cooperación Internacional y Núcleos Urbanos con Articulaciones Fronterizas entre
Brasil y Bolivia

André Vieira Freitas


Marilia Steinberger

Resumo: A fronteira entre Brasil e Bolívia é marcada por uma diversidade de níveis
de intercâmbios, em especial em núcleos urbanos que se articulam através do limite
internacional. Tendo em vista estas relações, a título de cooperação na região, os
dois países firmaram, em 2004, um acordo que garante uma série de direitos
relativos a residência, estudo e trabalho às suas populações fronteiriças e reconhece
alguns núcleos urbanos como “localidades fronteiriças vinculadas”. Considerando o
seu alcance geográfico e o seu reconhecimento pela legislação de ambos os países,
esta medida de cooperação é analisada neste trabalho como uma norma que se
relaciona ao uso do território e indica para uma maior porosidade na fronteira.
Palavras-chave: Fronteira, território usado, Brasil, Bolívia, localidades fronteiriças
vinculadas.

Abstract: The borderlands between Brazil and Bolivia are marked by diverse
exchanges levels, especially in urban centers articulated through the international
border. In view of these relations, as a cooperation initiative in the region, both
countries signed an agreement in 2004 that ensures a series of residence, study and
work rights for their border populations and recognizes any urban centers as "related
border localities". Considering its geographical scope and its recognition by both
countries’ laws, this cooperation measure is analyzed in this paper as a rule related
to the using territory that indicates for a greater porosity in the borderlands.
Key-words: borderlands, using territory, Brazil, Bolivia, related border localities.

Resumen: La frontera entre Brasil y Bolivia está marcada por una diversidad de
niveles de intercambios, en especial en núcleos urbanos que se articulan a través
del límite internacional. En vista de estas relaciones, a modo de cooperación en la
región, ambos países firmaron en 2004 un acuerdo que garantiza una serie de
derechos relativos a residencia, estudio y trabajo a sus poblaciones fronterizas y
reconoce algunos núcleos urbanos como "localidades fronterizas vinculadas".
Considerando su alcance geográfico y su reconocimiento por la legislación de los
dos países, en este trabajo se analiza esta medida de cooperación como una norma


Doutorando em Geografia pela Universidade de Brasília. E-mail: andrevfr@gmail.com

Doutora em planejamento urbano e ambiental (FAU-USP). Professora titular da Universidade de
Brasília. E-mail: rtlia@solar.com.br

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que se relaciona con el uso del territorio e indica para una mayor porosidad en la
frontera.
Palabras clave: frontera, territorio usado, Brasil, Bolivia, localidades fronterizas
vinculadas.

* Trabalho completo selecionado para publicação na Revista GeoPantanal, v. 14, n.


27, 2019.
https://periodicos.ufms.br/index.php/revgeo

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DINÂMICAS E ESPACIALIDADES DAS FEIRAS LIVRES NAS FRONTEIRAS


ENTRE BRASIL-BOLÍVIA E BRASIL-PARAGUAY
Dynamics and spatiality of free fairs on the borders between Brazil-Bolivia and Brazil-
Paraguay
Dinámicas y espacialidades de las ferias libers en las fronteras entre Brasil-Bolivia y
Brasil-Paraguay

Éder Damião Goes Kukiel


Claudia Veras da Silveira
Érica dos Santos Oliveira

Resumo: Este trabalho tem como objetivo analisar as dinâmicas e espacialidades


das feiras livres nas fronteiras entre Brasil-Bolívia e Brasil-Paraguay, nos municípios
de Corumbá, Ladário e Ponta Porã, ambos no estado do Mato Grosso do Sul, Brasil
e a cidade de Pedro Juan Caballero no Departamento de Amambay, Paraguai.
Como procedimento metodológico utilizou-se de pesquisa bibliográfica e
documental, cartografia e entrevistas e conversas informais com feirantes e
fregueses. Os resultados indicam que essas feiras localizadas nas cidades
fronteiriças representam locais de encontro e trocas, onde se comercializam diversos
produtos com destaques para as hortaliças, hortifrutis, roupas e comidas típicas.
Verificou-se que a fronteira se faz presente na forma como esses produtos são
adquiridos e circulam nesse espaço ou mesmo quando ocorrem às fiscalizações de
instituições públicas.
Palavras-chave: Feira livre, Fronteira, Comércio.

Abstract: This paper aims to analyze the dynamics and spatiality of free markets at
the borders between Brazil-Bolivia and Brazil-Paraguay, in the municipalities of
Corumbá, Ladário and Ponta Porã, both in the state of Mato Grosso do Sul, Brasil
and the city of Pedro Juan Caballero at the Amambay Department, Paraguay. As
methodological procedure we used bibliographic and documentary research,
cartography and conversations directed with agents participating in this research.
The results indicate that these fairs located in the border cities represent meeting
places and exchanges, where various products are marketed with highlights for
vegetables, clothes, clothes and typical foods. It was found that the frontier is present


Possui Graduação em Geografia (Licenciatura) pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
(UFMS-CPAN). É Mestre em Estudos Fronteiriços pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
(UFMS-CPAN). Atualmente é Doutorando em Geografia na Universidade Federal da Grande
Dourados (UFGD). E-mail de contato: kukielgeografia@gmail.com
 Possui Graduação em Ciências Econômicas (Bacharelado) pela Universidade Federal de Mato
Grosso do Sul (UFMS). É Mestre em Desenvolvimento Regional e Sistemas Produtivos pela
Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UFGD). Atualmente é Doutoranda em Geografia na
Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). E-mail de contato: gycvera@gmail.com
 Possui Graduação em Geografia (Licenciatura) pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
(UFMS-CPAN). Atualmente é acadêmica do programa de pós-graduação em Geografia, nível
mestrado, da Universidade Federal da Grande Dourados. E-mail de contato:
ericasantos566@gmail.com

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in the way these products are acquired and circulate in this space or even when they
occur under the supervision of public institutions.
Key-words: Free fair, Border, Trade.

Resúmen: Este artículo tiene como objetivo analizar las dinámicas y la


espacialidades de las ferias libres en las fronteras entre Brasil-Bolivia y Brasil-
Paraguay, en los municipios de Corumbá, Ladário y Ponta Porã, ambos en el estado
de Mato Grosso do Sul, Brasil y la ciudad de Pedro Juan Caballero en el
departamento de Amambay, Paraguay. Como procedimiento metodológico se utilizó
revisión bibliográfica y documental, cartografía y conversaciones dirigidas feriantes y
consumidores de las ferias. Los resultados indican que estas ferias localizadas en
las ciudades fronterizas representan lugares de encuentro e intercambios, donde se
venden diversos productos como verduras, frutas, legumbres, ropa y alimentos
típicos. También verificamos que la frontera está presente en la manera de
adquisición y circulación de los productos que se obtienen en este espacio,
incluyendo los momentos de inspecciones realizadas por las instituciones públicas.
Palabras-clave: Ferias libres, Frontera, Comercio.

* Trabalho completo selecionado para publicação na Revista Para Onde? (UFRGS),


no número referente ao primeiro semestre de 2020.
https://seer.ufrgs.br/paraonde

Agradecimentos
Os autores agradecem a CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior) pela Bolsa de Estudos no nível de Doutorado.

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O COMÉRCIO DE HORTALIÇAS NA FRONTEIRA BRASIL-BOLÍVIA


O Comércio de Hortaliças na Fronteira Brasil-Bolívia
Comercio de verduras en la frontera entre Brasil y Bolivia

Edison Di Fabio1
Alberto Feiden2
Edgar Aparecido da Costa3

Resumo: Este trabalho tem por objetivo apresentar algumas reflexões sobre o
comércio de hortaliças na fronteira Brasil-Bolívia. Utiliza-se de pesquisa bibliográfica
como procedimento metodológico. Observou-se que os espaços fronteiriços são
palcos de diversas tramas territoriais. O comércio de hortaliças é dominado pelos
bolivianos nas cidades brasileiras de Corumbá e Ladário. São territorialidades
elaboradas a partir da experimentação, simultânea e cotidiana, de distintos
territórios.
Palavras-chave: Agroecologia, Cidades-gêmeas, Comércio fronteiriço, Fronteira,
Território.

Abstract: This work aims to present some reflections on trade of vegetables in


Brasil-Bolivia border. Use of bibliographical research as a methodological procedure.
It was observed that the border spaces are of various territorial plots. Bolivian’s in the
Brazilian cities of Corumbá and Ladário dominates the vegetable trade. Are elaborate
territorialities from experimentation, simultaneous and distinct territories, every day.
Keywords: Agroecology, Twin cities, Border Trade, Border, Territory.

Resúmen: Este trabajo tiene como objetivo presentar algunas reflexiones sobre el
comercio de vegetal en la frontera Brasil-Bolivia. Uso de la investigación bibliográfica
como un procedimiento metodológico. Se observó que los espacios de frontera son
de varias parcelas territoriales. El comercio vegetal está dominado por los bolivianos
en las ciudades brasileñas de Corumbá y Ladário. Son elaborados territorialidades
de experimentación, simultáneos y distintos territorios, todos los días.
Palabras clave: Agroecología, Ciudades gemelas, Comercio fronterizo, Frontera,
Territorio.

Introdução
Os espaços fronteiriços são complexos e envolvem, pelo menos, dois
territórios, onde são conformadas estruturas econômicas, jurídicas, socioculturais,
1
Graduado em Ciências Contábeis, mestre em Estudos Fronteiriços. Professor da Universidade
Federal de Mato Grosso do Sul/Campus do Pantanal. E-mail: edison.fabio@ufms.br.
2
Graduado em Agronomia, Engenheiro Agrônomo, Mestre e Doutor em Agronomia. Embrapa
Pantanal. E-mail: afeiden@yahoo.com.br.
3
Graduado, Mestre e Doutor em Geografia. Professor da Universidade Federal de Mato Grosso do
Sul/Campus do Pantanal. E-mail: edgarac10@gmail.com.

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quase sempre, distintas. Isso demanda uma forma de abordagem capaz de


contemplar tais diversidades (GARCIA, 2006).
As fronteiras são, essencialmente, locais de encontros (COSTA, 2013). As
complementaridades fazem parte de muitas de suas dinâmicas, em especial,
daquelas cujas construções históricas sejam aproximadas, mesmo que em
descontinuidade temporal. É no comércio e na prestação de serviços que se
verificam muitas das influências da fronteira e das territorialidades fronteiriças.
O objetivo deste trabalho é fazer algumas reflexões sobre o comércio de
hortaliças na fronteira Brasil-Bolívia. Para tanto, utilizou-se de pesquisa bibliográfica
específica sobre essa temática no espaço compreendido pelas cidades gêmeas
Corumbá-Puerto Quijarro. A escolha dessas localidades para análise se deu por
conveniência, por ser o palco de atuação do Núcleo de Estudos em Agroecologia e
Produção Orgânica do Pantanal (NEAP), onde esta pesquisa se desenvolveu. Trata-
se de um recorte de pesquisa desenvolvida no mestrado em Estudos Fronteiriços.
O artigo foi organizado em quatro itens. O primeiro item apresenta uma breve
noção de território, já que este é um importante balizador do ordenamento. Em
seguida faz-se a distinção entre limites e fronteiras para, em sequência apresentar
uma noção de cidades-gêmeas. Por fim, são trazidas reflexões sobre o
funcionamento do comércio de hortaliças na fronteira em estudo, com foco nas feiras
livres, por serem os principais espaços de comércio das hortaliças.

Breve noção do conceito de território


No dia a dia a confusão a respeito da noção de território e espaço,
comumente utilizada pelos geógrafos, acaba se instalando no seio da sociedade por
meio de seus usos, como uma definição ambígua. Conforme Raffestin (1993) faz-se
necessário compreender que o espaço vem anteriormente ao território, que este se
forma a partir do espaço e que é resultante da ação conduzida por um ator que
realiza, em qualquer nível, um programa. Ou seja, ao se apoderar de um espaço,
tangível ou intangível, o mesmo “territorializa” o espaço.
Muscará (2009, p.55) concorda com a afirmação de Jean Gottman de que “o
conceito de território, composto de agregados materiais e psicológicos, é uma forma
psicossomática de preservação da liberdade e diversidade de comunidade entre
espaço interdependente e acessível”.

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Para Souza (2000) a palavra território remete, no sentido popular, a “território


nacional” e leva a pensar no Estado – gestor por excelência e, no entanto, não
necessariamente deve ser pensado dessa forma. Territórios existem, são
construídos e descontruídos, nos mais diversificados espaços pré-existentes, dos
mais humildes, como o lar, até os mais sofisticados, como os internacionais.
De acordo com Souza (2000, p. 83):
Não obstante essa riqueza de situações, não apenas o senso comum, mas
também a maior parte da literatura científica, tradicionalmente restringiu o
território à sua forma mais grandiloquente e carregada de carga ideológica:
o “território nacional”.
A existência de um país supõe um território, mas, uma Nação nem sempre
terá um território e, tampouco um Estado (SOUZA, 2000). Podemos mencionar “uma
territorialidade sem Estado, mas não um Estado sem território” (SANTOS,
SILVEIRA, 2008, p. 19).
O ponto a evidenciar aqui é o território usado, que se aproxima de espaço
geográfico, o qual converge para a carência de um esforço destinado a explorar a
constituição sistemática do território.
De acordo com Santos e Silveira (2008) a utilização do território é
considerada como implantação de infraestrutura, dos sistemas de engenharia. Por
outro lado, em consonância com a dinâmica econômica e societária, a
movimentação da população, a disposição da agricultura, dos serviços e da
indústria, as normatizações civil, fiscal e financeira, estendendo-se ao patamar da
cidadania, configura o novo espaço geográfico. Com base nesta premissa, um
determinado território condiciona seus atores e as ações impostas a eles e ficam
dependentes de sua própria constituição e normatizações.
Conforme menciona Gottman (1975, p. 42), “território é uma porção do
espaço geográfico que coincide com a extensão espacial da jurisdição de um
governo”. O território aqui é visto como um determinado espaço com delimitações
estabelecidas por e a partir de relações de poder entre seus atores e os recursos
naturais e (i) materiais, cujo arranjo leva em consideração as práticas sociais,
econômicas e culturais (COSTA, 2010). Vale esclarecer que a ideia de imaterial é
aqui entendida no sentido de espirituais, próprio das ideias, mitos, crenças,
ideologias.
Sobre o conceito de território Saquet (2009, p. 82) evidencia que para
diferenciar território de espaço devem-se levar em consideração as “relações de

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poder numa compreensão multidimensional, constituindo campos de força


econômicos, políticos e culturais (evidenciando como imaterial a cultura) (i)
materiais”.
Explica Raffestin (1993), através da TDR (territorialização, desterritorialização
e reterritorialização), que os seres humanos realizam modificações no território, em
entendimento entre a sociedade, espaço e tempo devido às características sociais
específicas e naturais. Em função disto faz sentido compreender a história para que
possa, em sua forma dialética, envolver o tempo e a coexistência. Cada indivíduo
tem um período (passado, presente e futuro) que coexiste no espaço e no território.
Reafirma Raffestin apud Saquet (2009, p. 26):
Espaço e território não são termos equivalentes e nem sinônimos.
Utilizando-os indiferentemente, os geógrafos introduziram em suas análises
algumas confusões notáveis. É fundamental entender como o espaço está
em posição que antecede ao território, porque este é gerado a partir do
espaço, constituindo o resultado de uma ação conduzida por um ator que
realiza um programa em qualquer nível. Apropriando-se concretamente ou
abstratamente (por exemplo, através da representação) de um espaço, o
ator o “territorializa”.
Para construir um território, o ator projeta no espaço um trabalho, isto é,
energia e informação, adaptando as condições dadas às necessidades de
uma comunidade ou de uma sociedade (RAFFESTIN apud SAQUET, 2009,
p. 26).
Outro elemento importante de ser mencionado diz respeito ao conceito de
fronteira trabalhado por diversos estudiosos e discutido em sequência.

Fronteiras e limites
O limite é uma linha divisória, não habitada, diferente de fronteira que ocupa
uma área, uma zona que pode ser habitada, escassamente habitada, densamente
povoada e desenvolver atividades de intercambio muito intensas, inclusive de um
modo atípico à sombra de contrabando (MARTIN, 1997, p. 47).
De acordo com Machado (1998), a palavra limite é de origem latina e foi
criada para designar o fim daquilo que mantém coesa uma unidade político-
territorial, ou seja, sua ligação interna.
Steiman e Machado (2002) aponta que Brigham4 já postulava, em 1919, com
respeito ao limite territorial, que se tratava de uma organização evolutivo-civilizatório,
incipiente em uma fase primitiva, onde linhas não existiam. E que, numa fase
seguinte, apresentava uma transição com demarcações volúveis, mas que

4
Brigham, A. P. Principles in the determination of boundaries. Geographical Review, 7 (4): 201-19, 1919.

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envolviam o planeta e, por fim, uma terceira fase em que as linhas se fixaram, sem
outra relevância, senão para interesse administrativo. Evidente que se trata de uma
lógica positivista e difícil de sustentar em face de dinâmica das fronteiras, ainda, nos
tempos atuais.
O limite jurídico estatal é mantido e criado por um governo central, intangível
ao senso comum, não tendo vida própria, não está ligada a presença de pessoas,
sendo manipulado por uma legislação nacional e internacional, distante dos desejos
das pessoas que habitam as adjacências (MACHADO, 1998).
Apesar da aparência ultrapassada, à primeira vista sem efeito sobre o dia a
dia, os limites internacionais continuam marcando tanto diferenças legais como o
princípio da identidade territorial, e a separação entre “nacionais” e “não nacionais”,
através de impedimentos jurídicos, políticos, ideológicos (RAFFESTIN, 1993).
Conforme define Machado (1998), o limite torna se um obstáculo de
separação, pois divide unidades políticas soberanas e mantêm um obstáculo fixo,
não importando a presença de certos fatores comuns, físico-geográficos ou culturais,
sendo suas forças convergidas para dentro devido legislação soberana.
Steiman e Machado (2002) indicam que os limites internacionais constituem
um obstáculo e um entrave à liberdade individual e coletiva. Martin (1997, p. 47) já
havia dito que, por esse motivo, para os Estados “não deve haver uma zona
ambígua, mas perenes, para impedir que haja adversidades entre os fronteiriços”.
De qualquer forma, as áreas de fronteira estão formalmente excluídas da
possibilidade de normatização pelos Estados vizinhos pelo papel separador dos
limites políticos. Desprovidos de órgãos institucionais para operacionaliza-la, a
cooperação entre países vizinhos em espaços de fronteira tem sido, muito mais,
feita de uma maneira informal através de acordos tácitos entre as autoridades locais
dos territórios subnacionais dos países fronteiriços (STEIMAN, MACHADO, 2002).
Conforme Machado (1998, 2002, p. 8), “esse processo é indicativo de que,
mais do que uma perda de função dos limites e fronteiras internacionais, o que está
ocorrendo é uma mutação da perspectiva do Estado em relação ao seu papel”.
Baseando-se nesses referenciais é possível apontar que o limite é baseado
na linha divisória estabelecida politicamente e identifica os atores tanto de um lado
como do outro da linha, de acordo com suas características territoriais.

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Nogueira (2005) concorda indicando a derivação de ‘fronteria’ ou ‘frontaria’, e


que se referia à parte do território situado ‘in fronte’, ou seja, nas margens,
consignando, portanto, uma qualidade e não uma entidade.
No Brasil, até meados do século XX, o conceito de fronteira era equivalente
apenas de linha divisória entre países (COSTA, 2010). Nogueira (2005) aponta que
na língua inglesa há uma distinção bem nítida, pois usa-se ‘frontier’ para designar
conquista de novas terras e ‘boundary’ para o limite entre dois países.
Nogueira (2005) destaca três maneiras de se ver a fronteira: a) fronteira
controlada, vista pelo Estado e alimentada pelo controle de quem entra e sai pela
vigilância civil e militar do território b) fronteira percebida, própria da sociedade do
interior, bastante motivada pela ideologia do Estado-Nação, de como ele percebe a
fronteira e c) fronteira vivida, com significado para a sociedade que está na fronteira.
Esta última foi adotada neste estudo.
A fronteira, em sua historicidade, não está relacionada a nenhum conceito
legal e também sem associação política ou intelectual. Segundo a autora, “a
fronteira está orientada para fora (forças centrífugas), enquanto os limites estão
orientados para dentro (forças centrípetas) ” (MACHADO, 1998, p. 41-42).
As fronteiras brasileiras, bem como qualquer outra, devem ser entendidas de
forma individualizada. Possuem peculiaridades muitas vezes ignoradas. Nesses
espaços a diversificação de relações é mais complexa, pois atravessam distintos
Estados-Nação e a fluidez econômica e cultural pode gerar uma riqueza em
potencial que, por vezes, não é explorada (OLIVEIRA et al., 2011, p. 79).
Cabe ressaltar que a fronteira é considerada como uma fonte eminentemente
de ameaça ou perigo, pois, gera interesse distinto da classe governamental
centralizada. O limite, por se tratar de um marco, é considerado apenas um símbolo
de divisão entre países. A fronteira acaba por ser uma área de integração e de
constante utilização de estruturas políticas, sociais e culturais distintas, e o limite
apenas um fator de separação, pois, desagrega unidades políticas soberanas e
mantêm-se como um obstáculo fixo (MACHADO, 1998).
De acordo com estudo do IBGE (2016, p. 19) “Os critérios utilizados na
identificação dos arranjos populacionais empregam a noção de integração, medida
pelos movimentos pendulares para trabalho e estudo ou a contiguidade urbana, que
assim sintetizam os vários processos envolvidos”.

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Neste estudo foi abordado a fronteira vivida, com base no acompanhamento


da transição da produção agroecológica de um pequeno grupo de agricultores
familiares do município de Ladário-MS, um território localizado na fronteira do Brasil
com a Bolívia. Importante destacar que o território dessas famílias camponesas
compreende um espaço fronteiriço que pode ser caracterizado como cidades-
gêmeas. Isso coloca em destaque as trocas comerciais, relações socioculturais e de
trabalho de uma população maior que a do município onde estão situados, como foi
discutido em seguida.

Breve noção de cidades-gêmeas


Pela posição geográfica, tendo como referência a linha de fronteira, os
municípios podem ser classificados em dois grupos distintos denominados lindeiros
e não-lindeiros. Os municípios lindeiros subdividem se em três subgrupos: 1) com
território limitando com o país vizinho e a sua sede localizada no limite internacional,
podendo evidenciar uma conurbação ou semi-conurbação com um determinado
local do país vizinho (cidades-gêmeas); 2) fazendo divisa com o país vizinho, mas
com a sede afastada do limite internacional; 3) com território limitando com outro
país, porém, a sede está localizada fora da faixa de fronteira. Os territórios não
lindeiros são divididos em dois subgrupos: os que têm sede na faixa de fronteira e os
que não têm sede na faixa de fronteira (BRASIL, 2005).
Vale dizer que conurbação pode ser entendida como o “movimento de reunião
de diversos núcleos urbanos pela articulação e expansão de suas estruturas
urbanas internas e periféricas, gerando manchas urbanas unificadas e contínuas”
(MEYER; GROSTEIN, 2006, p. 46). Neste estudo as cidades gêmeas que
conformam esta fronteira, são em sua realidade, uma semi-conurbação urbana
composta por espaços urbanos pouco dispersos de quatro territórios: dois no Brasil
e dois na Bolívia, respectivamente, Corumbá e Ladário e Puerto Suárez e Puerto
Quijarro.
São localidades que surgiram em diferentes períodos históricos, a fundação
de Corumbá e Ladário ocorreu em 1778, com finalidade de proteção territorial
(COSTA, 2013). Puerto Suárez teve sua fundação cerca de 100 anos depois, em
1875 nas margens da Laguna Cáceres e era o principal porto fluvial da Bolívia
(MANETTA, 2009).

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A cidade de Puerto Quijarro é praticamente conurbada com a cidade brasileira


de Corumbá. É bem mais recente, de 1940, cuja fundação foi motivada pelas obras
de construção da estrada de ferro que liga a localidade à Santa Cruz de la Sierra,
capital do departamento que leva o mesmo nome. Costa (2013) considera a
mobilidade territorial das populações dessa fronteira como algo historicamente
estabelecido ao longo dos tempos. Primeiramente pelas populações indígenas que
habitavam esses territórios com outras lógicas de apropriação e limites. Depois com
militares e camponeses em busca de garantia de terras e de trabalho/sobrevivência.
Logo, apesar dos tempos desiguais de formação/fundação das cidades fronteiriças,
a mobilidade das populações abarcava toda escala da fronteira. Esses fluxos
populacionais, de lado a lado, levou o Grupo Retis, no seu estudo para
reestruturação do Plano de Desenvolvimento da Faixa de Fronteira – PDFF
(BRASIL, 2005), a considerar o espaço geográfico entre Corumbá e Puerto Suárez,
como cidades-gêmeas. Ou seja, o primeiro dos subgrupos dos municípios lindeiros,
tratado anteriormente.
Existem muitas formas paisagísticas de cidades-gêmeas. Podem ser
separadas por um rio e se unirem através de pontes, ou por rodovias, mas, pode
não existir nenhuma obra relacionada com a união das cidades para se conectarem,
apenas uma paisagem. A principal característica dessas aglomerações é o volume
de interações as quais podem ocorrer entre elas. A interação pode criar uma forma e
uma paisagem intrínseca agregando elementos de ambos os países. Baseando se
nas interações existentes, as cidades gêmeas se constituem numa extensão
prioritária para realizar pesquisas, estudos e políticas públicas voltadas à fronteira e
suas peculiaridades (BRASIL, 2005).
Sobre o conceito de cidade-gêmea é importante ter em mente a noção de
zona de fronteira. Em linhas gerais, o espaço de fronteira é composto por áreas
territoriais de ambos os lados do limite internacional e caracterizado por interações
que criam um meio geográfico próprio de fronteira, só perceptível no tempo das
interações que lhe são inerentes.
Esse conceito interessa a esta pesquisa, pois os territórios que compõem a
fronteira estudada são espaços da mobilidade dos comerciantes bolivianos de
hortaliças, que vendem nas feiras livres de Corumbá e Ladário e compram de
diversas fontes, inclusive dos agricultores familiares do Grupo Bem-Estar, objeto
desta análise (ESPÍRITO SANTO, COSTA e BENEDETTI, 2017; ESPIRITO SANTO,

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2016). Essas atividades bolivianas em território brasileiro impactam, de certa forma,


a organização dos agricultores familiares brasileiros.

Comercializações de hortaliças no espaço fronteiriço de análise


A comercialização de hortaliças pelos feirantes bolivianos em Corumbá e
Ladário se materializa, em grande parte, nas feiras livres. As prefeituras são as
responsáveis pela organização e autorização das feiras. O ordenamento territorial e
a gestão da feira livre são ações extremamente complexas, pois resultam de
relações de poder entre os múltiplos atores territoriais. Para funcionamento das
feiras é preciso fechar algumas ruas em uma parte do dia e ordenar seu desenho de
funcionamento e garantir a segurança local (ESPIRITO SANTO, COSTA e
BENEDETTI, 2017). As feiras, neste sentido, funcionam como territórios. As normas
de funcionamento são as de Corumbá, em que pesem os feirantes ser de
nacionalidades distintas: brasileiros e bolivianos.
Exemplo disso são os conflitos existentes na fronteira Brasil-Bolívia. De
acordo com Souza (2010), a província Germán Busch, onde estão as unidades
municipais de Puerto Quijarro e Puerto Suárez, não possui atividades agrícolas
expressivas. O milho, o feijão e a mandioca configuram como os cultivos
desenvolvidos nessas seções municipais, no sistema de subsistência. Além desses,
a produção e a comercialização de hortifrúti constituem o principal meio de obtenção
de renda pelos produtores, muitos deles urbanos. A maior parte dessa produção de
hortaliças é comercializada principalmente nas feiras livres e supermercados, na
cidade de Corumbá/Brasil.
Conforme pesquisa realizada entre 2009 e 2010 por Souza (2010)
relacionada ao uso e aplicação dos fungicidas/inseticidas nas hortas, os produtores
bolivianos vizinhos alegaram não saberem o grau de toxidade dos mesmos e nem
dos perigos que podem acarretar para ele e sua família, assim como também para o
meio ambiente e para as pessoas que irão consumir seus produtos. Indagado sobre
quantas vezes os produtos foram usados nos canteiros, foi respondido que quantas
vezes fossem necessárias para melhorar e aumentar a produção.
Souza (2010) constatou que em Puerto Suárez haviam quatro hortas
consideradas de grande porte e que o escoamento de sua produção se dava na
totalidade rumo ao comércio corumbaense, especialmente via feiras livres.
Identificou que os produtores não possuíam conhecimento técnico adequado e que

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pela falta de incentivo governamental para aquisição de maquinários a produção era


totalmente familiar e artesanal, ponderou se, naquele momento, que no Brasil existia
regulamentação legal através da Lei N° 6.938, de 31 de agosto de 1981, a chamada
Política Nacional do Meio Ambiente (BRASIL, 1981). Argumentava que os cuidados
com o meio ambiente eram praticados no lado brasileiro e que na Bolívia a
legislação ainda era nova e pouco divulgada aos produtores rurais. Relata, ainda, a
existência de um “desequilíbrio das forças políticas e econômicas entre os vizinhos”.
A principal característica são as trocas comerciais, desde produtos importados de
diversos países até alguns produzidos por eles. A produção de hortaliças acaba
tendo um papel importante na região, pois, abastece o maior núcleo urbano regional
que é a cidade de Corumbá.
Feiden e Costa (2017) indicam que tal situação vem se modificando
gradativamente. Observa-se um esforço do governo departamental em estabelecer
boas práticas agrícolas em todo seu território. As mudanças de postura nos cultivos
contam com a cooperação internacional da Embrapa Pantanal.
Conforme exemplifica Souza (2010), para se entender melhor a questão
relacionada à comercialização de hortaliças em Corumbá pela Bolívia, deve-se levar
em consideração que a produção de hortaliças em Corumbá ainda é pequena. A
cidade consome 90% da produção boliviana, principalmente através das feiras livres
que acontecem diariamente em Corumbá e Ladário. Feiden e Costa (2017)
confirmam a magnitude da comercialização pelos bolivianos, e admitem uma
mudança da lógica produtiva de Corumbá, que deixa de ter a agricultura urbana
como força e passa a ter maior expressão nos assentamentos rurais do município.
A diferença de preço das sementes praticada nos dois países é pequena. O
que torna os produtos bolivianos mais atrativos é o custo dos fertilizantes agrícolas,
que auxiliam no crescimento de algumas espécies e aumento de sua produtividade.
Isso reflete no preço da mercadoria que é um dos pontos mais importantes para
entender as discrepâncias existentes nas relações desiguais que estão
estabelecidas entre os produtores e feirantes fronteiriços. Os feirantes, que em sua
grande maioria são bolivianos, oferecem grande variedade de hortaliças adquiridas a
preços acessíveis, deixando o agricultor brasileiro à mercê dos preços por eles
praticados (SOUZA, 2010).
De acordo com Espirito Santo (2016) a feira livre deveria funcionar como um
veículo de escoamento do excedente da produção rural. Para o autor:

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As feiras livres de Corumbá são possuidoras de elementos que confirmam o


desvirtuamento da lógica de criação das feiras livres. Assim, no cotidiano
dos moradores da fronteira, a feira não é apenas uma instituição
econômica, mas sim, um grande território de encontros e territorialidades
que impactam e ditam o ritmo para os atores que participam das feiras da
cidade de Corumbá e Ladário (ESPIRITO SANTO, 2016, p. 15).
As feiras originalmente eram para se vender produtos agrícolas, mas são
vendidos produtos piratas, roupas novas e usadas, plantas, brinquedos, peças para
bicicletas, móveis, peças para fogões e outros artefatos. As feiras de Corumbá e
Ladário, por vezes, funcionam como uma verdadeira quermesse. Forma um
verdadeiro ponto de encontro/identidade, onde bolivianos mantêm presença
frequente como vendedores (ESPIRITO SANTO, 2016).
Tendo como foco a produção e comercialização nas feiras, a agricultura
familiar sempre se manteve presente no território fronteiriço local, e acaba sendo
foco de conflitos indiretos por parte dos agricultores, no que diz respeito a algumas
questões relacionadas à forma de se produzir os alimentos e a precificação dos
mesmos.
As discrepâncias ocorrem em função da suposta qualidade dos produtos
ofertados. A prática da agricultura convencional é baseada no uso de agrotóxicos,
mas a culpabilização recai apenas nos bolivianos. Outro aspecto de conflito diz
respeito ao preço, pois, alegam que o valor da moeda nacional brasileira (real) é
superior a moeda boliviana (peso), e os mesmos comercializam seus produtos no
mesmo preço que os agricultores brasileiros. Com isso dizem que é muito desleal a
concorrência e não tem como concorrer de igual para igual com os bolivianos
(SOUZA, 2010).
De acordo com Cuyate (2015) é evidente que a fronteira interfere na
comercialização da produção dos agricultores do Assentamento 72, pois os
produtores bolivianos têm menor custo de produção em relação aos brasileiros e
ofertam mais variedades nas feiras livres da cidade de Ladário. A feira é território
tradicional dos feirantes bolivianos e a ocupação de espaços pelos agricultores
familiares foi marcada por lutas para conquistar um espaço nas feiras, induzidas por
pesquisadores da UFMS e Embrapa Pantanal.
Os agricultores de Ladário, mais diretamente ligados a esta pesquisa, contam
com duas estratégias: a) uma passível de ser utilizada por quaisquer agricultores
brasileiros que atendam as características para acessar as compras públicas
governamental via Programa Aquisição de Alimentos (PAA) e Programa Nacional de

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Alimentação Escolar (PNAE); b) outra, ainda exclusiva de um grupo de agricultores


do assentamento 72, de Ladário, que é a transição agroecológica da produção rural.
O PAA é de âmbito federal e foi criado a partir da Lei 10.696 de 02 de julho de
2003 visando o fortalecimento de abastecimento de alimentos e tem como finalidade
valorizar e incentivar o consumo produzido na agricultura familiar, deste modo levar
a perspectiva do direito humano à alimentação adequada e saudável (BRASIL,
2003).
O PNAE, também de âmbito federal, foi criado através da Lei Nº 11.947, de
16 de junho de 2009, conhecida como a Lei da Merenda Escolar, Lei de Alimentação
Escolar e Lei do Programa do Dinheiro Direto na Escola (BRASIL, 2009). Entende-
se por alimentação escolar todo alimento oferecido no ambiente escolar,
independentemente de sua origem, durante o período letivo. O PNAE em seu artigo
4° diz o seguinte:
O Programa Nacional de Alimentação Escolar PNAE tem por objetivo
contribuir para o crescimento e o desenvolvimento biopsicossocial, a
aprendizagem, o rendimento escolar e a formação de hábitos alimentar
saudáveis dos alunos, por meio de ações de educação alimentar e
nutricional e da oferta de refeições que cubram as suas necessidades
nutricionais durante o período letivo (BRASIL, 2009).
Aqui será demonstrado o volume de produtos os quais os agricultores
pertencentes ao grupo Bem Estar evoluíram desde o ano de 2015 até o ano de
2018, os quais proporcionaram ao grupo uma maior diversidade de produtos para
ser ofertados nas feiras e expandir suas vendas de maneira satisfatória.

Gráfico referente aos hortifruti comercializados pelo Grupo Bem Estar.


Hortifruti Cultivados e Comercializados
90.000
77.795
80.000
Quantidades Produzidas

70.000
54.347
60.000
45.280
50.000
31.646
40.000
30.000
20.000
10.000
0
2015 2016 2017 2018
ANOS

Fonte: PNAE e PAA Ladário, NEAP, feira UFMS adaptado pelos autores.

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No gráfico acima foi utilizado como base de unidade de medida: quilograma,


maço, pacote, unidade, pedaço e obtiveram as seguintes variações em relação as
quantidades comercializadas:
Do ano de 2015 para o ano de 2016 a variação em relação à quantidade
produzida e comercializada deu se um aumento na produção a um percentual de
43,08%, já para o ano de 2016 para o ano de 2017 o volume produzido e
comercializado teve uma variação positiva de 71,81% e para o ano de 2017 em
comparação com o ano de 2018 houve uma redução de produção num percentual
em torno de 30,14%, e comparando o ano de 2015 em relação ao ano de 2018 o
aumento de produção e comercialização por parte dos agricultores foi na casa de
71,73% de aumento.
A variação negativa entre o ano de 2017 e o ano de 2018 deu se também
pelo menor volume de vendas por parte dos agricultores na merenda escolar, e
também houve uma ausência de agricultores nas feiras da UFMS, causando assim
essa diminuição de volume de produção, referente a problema de saúde por parte
do agricultor, inclusive nas feiras de Ladário, e uma agricultora gestante que
restringiu suas atividades.
Entende-se que a produção em bases agroecológicas pode aumentar a
competitividade dos agricultores brasileiros na medida em que consigam o selo
orgânico. Além de diminuir os custos com insumos industriais, o selo orgânico pode
funcionar como importante diferencial para venda.

Considerações finais
Pode-se considerar, a partir dessas reflexões sobre a comercialização de
hortaliças na fronteira estudada, que prevalecem os produtos ofertados pelos
bolivianos nas feiras das cidades de Corumbá e Ladário, mesmo que os vendedores
não sejam os produtores. São verdadeiramente comerciantes de feiras. Por outro
lado, nota-se a presença de pequenos grupos de agricultores brasileiros, que em
sua maioria são os que cultivam os produtos e trazem o excedente para ser escoado
nas feiras. A pequena presença dos mesmos nas feiras de Corumbá se deve a
alegação do custo de transporte em relação ao volume de produtos oferecidos para
venda.

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595

O ponto positivo na produção dos agricultores brasileiros é a orientação de


um grupo específico na direção dos princípios de conversão agroecológica. Esbarra-
se, ainda, na conscientização de aquisição desses alimentos já que cabe ao
consumidor valorizar um produto cultivado sem a utilização de veneno e com
qualidade para o seu consumo. Além disso, somente os agricultores brasileiros
podem realizar vendas aos programas governamentais, fornecendo gêneros
alimentícios para a merenda escolar e para compra direta com doação simultânea.
Acredita-se que o caminho para melhoria da comercialização dos produtos
cultivados pelos agricultores dos assentamentos rurais é a utilização de práticas
agroecológicas e a certificação de para alimento orgânico. Isso promove, dentre
outros fatores, a oferta de produtos de excelente qualidade a população em geral.

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598

O TRABALHO DO/DA ASSISTENTE SOCIAL EM TERRITÓRIO FRONTEIRIÇO:


POSSIBILIDADES DE AÇÃO

The Work of the Social Officer in Border Territory: Possibilities of Action

El Trabajo del Oficial Social en Territorio Fronterizo: Posibilidades de Acción

Natália Buginga R. da Costa Sachini


Mara Aline dos Santos Ribeiro

Resumo: Este estudo revela a atuação do profissional do Serviço Social, na


fronteira Brasil/Bolívia, entre as cidades de Corumbá e Puerto Quijarro, junto à
população em condição de vulnerabilidade econômica que procura a assistência
social na Prefeitura Municipal de Corumbá, e tem como objetivo geral “Conhecer os
limites e possiblidades do exercício profissional do assistente social em uma região
de fronteira”. Para tanto, o caminho metodológico conta com levantamento
bibliográfico e entrevistas semiestruturadas analisadas à luz do Serviço Social e da
interdisciplinaridade. Considerando que o projeto de pesquisa está em andamento,
os resultados ainda são preliminares.
Palavras chave: Fronteira, Assistente Social, Imigrante.

Abstract: This study reveals the performance of the social work professional, on the
Brazil / Bolivia border, between the cities of Corumbá and Puerto Quijarro, with the
population in a condition of economic vulnerability that seeks social assistance in the
Corumbá City Hall, and has as its general objective. “Know the limits and possibilities
of the professional practice of social workers in a border region”. Therefore, the
methodological path relies on bibliographic survey and semi-structured interviews
analyzed in the light of Social Work and interdisciplinarity. Considering that the
research project is ongoing, the results are still preliminary.
Key words: Border, Social Worker, Immigrant.

Resúmen: Este estudio revela el desempeño del profesional de trabajo social, en la


frontera entre Brasil y Bolivia, entre las ciudades de Corumbá y Puerto Quijarro, con
la población en una condición de vulnerabilidad económica que busca asistencia
social en el Ayuntamiento de Corumbá, y tiene como objetivo general. “Conocer los
límites y posibilidades de la práctica profesional de los trabajadores sociales en una


Graduada em Serviço Social – Universidade Federal Fluminense - UFF, mestranda do Programa de
Pós Graduação em Estudos Fronteiriços – Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS.
Assistente Social da Prefeitura Municipal de Corumbá. E-mail: natalia_buginga@hotmail.com

Graduada em Geografia – Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - UFMS, mestre em
Educação – Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - UFMS, doutora em Geografia –
Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP. Docente da Universidade Federal de Mato Grosso
do Sul – UFMS. E-mail: mara_aline@yahoo.com.br

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599

región fronteriza”. Por lo tanto, la ruta metodológica se basa en encuestas


bibliográficas y entrevistas semiestructuradas analizadas a la luz del trabajo social y
la interdisciplinariedad. Teniendo en cuenta que el proyecto de investigación está en
curso, los resultados aún son preliminares.
Palabras clave: frontera, trabajador social, inmigrante.

* Trabalho completo selecionado para publicação na Revista Para Onde? (UFRGS),


no número referente ao primeiro semestre de 2020.
https://seer.ufrgs.br/paraonde

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600

OS BOLIVIANOS COMERCIANTES DE HORTALIÇAS NA FEIRA LIVRE DE


LADÁRIO
The Bolivian Vegetable Traders at the Fair of Ladário
Los Bolivianos Comerciantes de Verduras en la Feria Libre de Ladário

Leonardo Barbosa Araújo


Elisângela de Souza Cunha
Edgar Aparecido da Costa

Resumo: Este trabalho tem por objetivo caracterizar o comércio de hortaliças


realizado por feirantes bolivianos na feira livre de sábado na cidade de Ladário, na
fronteira Brasil-Bolívia. Utiliza-se de pesquisa de campo com a técnica da
observação, tendo por ferramenta o diário de campo. Observou-se que as
assimetrias entre as cidades gêmeas Ladário, Corumbá, Puerto Quijarro e Puerto
Suárez funcionam como indutoras de interações comerciais e culturais. Notam-se
estratégias comerciais baseadas nas complementaridades.
Palavras-chave: Fronteira, Complementaridades, Territorialidades.

Abstract: This paper aims to characterize the vegetable trade made by Bolivian
fairers at the Saturday free fair in the city of Ladário, on the Brazil-Bolivia border.
Field research is used with the observation technique, using the field diary as a tool.
Asymmetries between the twin cities Ladário, Corumbá, Puerto Quijarro and Puerto
Suárez have been observed to induce commercial and cultural interactions.
Commercial strategies based on complementarities are noted.
Key-words: Border, Complementarities, Territoriality.

Resúmen: Esta obra pretende caracterizar el comercio de hortalizas realizado por


los fairers bolivianos en la Feria Libre del sábado en la ciudad de Ladário, en la
frontera entre Brasil y Bolivia. La investigación de campo se utiliza con la técnica de
observación, utilizando la herramienta Diario de campo. Se observó que las
asimetrías entre las Ciudades Gemelas Ladário, Corumbá, Puerto Quijarro y Puerto
Suárez actúan como inductores de interacciones comerciales y culturales. Se
observan estrategias comerciales basadas en complementariedades.
Palabras clave: Frontera, Complementariedades, Territorialidad.

* Trabalho completo selecionado para publicação na Revista Para Onde? (UFRGS),


no número referente ao primeiro semestre de 2020.
https://seer.ufrgs.br/paraonde


Graduado em Ciências Navais pela Escola Naval; Especialista em Gestão Pública, pela UFRJ; e
aluno do Mestrado em Estudos Fronteiriços, pela UFMS. E-mail: leoaraujo.asp@gmail.com

Graduada em Geografia, bolsista Pibic, Câmpus do Pantanal, UFMS. E-mail:
elisangelasouzacunha@gmail.com

Graduado, Mestre e Doutor em Geografia, professor do curso de Geografia e do Mestrado em
Estudos Fronteiriços do Câmpus do Pantanal, UFMS, E-mail: edgarac10@gmail.com

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601

POLÍTICAS PÚBLICAS NA FRONTEIRA E O ATIVISMO DO MINISTÉRIO


PÚBLICO
Public Policies at the Border and Public Prosecutorial Activism
Políticas Públicas Fronterizas y Activismo Fiscal

Alcindo Cardoso do Valle Junior


Gleicy Denise Vasques Moreira

Resumo: O presente trabalho tem por escopo analisar os aspectos relevantes da


influência do ativismo do Ministério Público na realização de políticas públicas na
região de fronteira, em especial nas áreas específicas de saúde e assistência social,
observando-se a relevância do Poder Judiciário como filtro de possíveis excessos e
garantidor do necessário equilíbrio entre os poderes da República.
Palavras-chave: Políticas Públicas, Fronteira, Ativismo, Poderes

Abstract: The purpose of this study is to analyze the relevant aspects of the
influence of public prosecution in the implementation of public policies at the border,
especially in the specific areas of health and social assistance, observing the
relevance of the Judiciary as a filter of possible excesses and guarantor of the
necessary balance between the powers of the Republic.
Key-words: Policies Public, Border, Activism, Powers.

Resúmen: El objetivo de este trabajo es analizar los aspectos relevantes de la


influencia del activismo fiscal en la implementación de políticas públicas en la región
fronteriza, especialmente en las áreas específicas de salud y asistencia social,
observando la relevancia del poder judicial como un filtro de posibles excesos y
garantizando el equilibrio necesario entre los poderes de la República.
Palabras clave: Políticas Públicas, Frontera, Activismo, Poderes

Introdução
O presente trabalho tem por escopo analisar os aspectos relevantes da
influência do ativismo do Ministério Público na realização de políticas públicas, em
especial nas áreas específicas de saúde e assistência social na região de fronteira.


Graduado em Direito pela UCDB, Mestrando em Estudos Fronteiriços pela UFMS, Procurador do
Município de Corumbá-MS, Professor do Curso de Direito da FSST, email: alcindovallejr@gmail.com

Graduada em Direito pela UCDB e em Ciências Econômicas pela UFMS, Mestre em Agronegócio
pela UFMS, Doutora em Desenvolvimento Regional pela UNISC, Professora Adjunta da UFMS. E-
mail: gleicyvasques@gmail.com

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602

As políticas de saúde e assistência social são concebidas como espécies de


políticas públicas, realizando-se como um conjunto de práticas e ações, de agentes
públicos e privados, com a finalidade de garantir os direitos fundamentais à saúde e
assistência social aos cidadãos. Segundo Gentilli (2006), podemos caracterizá-la
como a expressão das ações dos Estados modernos, visando a redução das
consequências da pobreza, minimizando as diferenças sociais em diversas áreas,
como educação, saúde, habitação, previdência, dentre outras.
Portanto as políticas de saúde e assistência social ocorrem enquanto políticas
públicas através da fusão da defesa de direitos, acesso à cidadania e saúde, além
da determinação de mecanismos redistributivos, com atendimento à satisfação das
necessidades sociais e de saúde básicas na forma de dever do Estado. Entretanto,
nesse processo, Netto (1993) discorre sobre a propensão do Estado, de
desresponsabilizar-se da proteção social, constatando um Estado mínimo para os
trabalhadores e um Estado máximo para o capital.
A fim de proporcionar o atendimento das necessidades básicas, as políticas
sociais e de saúde precisam ser protetivas, proativas e redistributivas. Nessa
perspectiva, a legislação brasileira por intermédio da Constituição Federal de 1988,
ratificou as políticas de saúde e introduziu a assistência social no rol das políticas
públicas apresentando em seu bojo, direito do cidadão e dever do Estado, uma
política não contributiva, constituindo o tripé da seguridade social conjuntamente
com saúde e previdência.
Nesse viés, a política de assistência social sedimentou-se no Brasil através
de relevantes instrumentos legislativos: Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS
(Lei 8.742/93), após dez anos de aplicação foi instituída a Política Nacional de
Assistência Social – PNAS (Resolução nº 78 de 22 de junho de 2004), em seguida
institui-se a Norma Operacional Básica - NOB/SUAS (Resolução 130/2005) seguida
da NOB-RH/SUAS (Resolução nº 269/2006) e a Tipificação Nacional dos Serviços
Socioassistênciais (Resolução nº 109/2009). Por fim a Lei 12.435 de 2011 que
institui o Sistema Único de Assistência Social – SUAS.
O SUAS, por sua vez, apresenta a Proteção Social Básica, atuando na
prevenção de riscos e vulnerabilidades sociais, sua ação é desenvolvida nos
Centros de Referência da Assistência Social, e faz-se pertinente a elucidação da
resolução (PNAS, 2004):

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603

[...] proteção social básica: conjunto de serviços, programas, projetos e


benefícios da assistência social que visa a prevenir situações de
vulnerabilidade e risco social por meio do desenvolvimento de
potencialidades e aquisições e do fortalecimento de vínculos familiares e
comunitários (MDS, PNAS 2004, p. 33)
Da mesma forma, os artigos 6º e 196 da Constituição Federal asseguram o
direito à saúde, como direito de todos e dever do Estado:
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante
políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de
outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para
sua promoção, proteção e recuperação.

Nessa senda, o artigo 196 da Constituição Federal prevê na base do Estado


brasileiro, a implantação de políticas públicas e econômicas como forma de
efetivação do direito à saúde, com o objetivo de diminuir o número de doenças de
grave risco, o acesso igualitário e universal à saúde e a promoção de políticas
preventivas e de recuperação no que tange à saúde do cidadão.
Desta forma, a garantia do pleno direito à saúde e assistência social se
concretiza a partir de políticas sociais e econômicas a serem implementadas pelos
entes públicos, de forma a buscar a redução dos riscos de doenças e riscos sociais,
proporcionando amplo atendimento à população, promovendo todos os serviços
necessários à proteção e recuperação da saúde coletiva e equilíbrio social.
Não obstante tais garantias estarem sedimentadas por norma constitucional,
as dificuldades da efetivação de políticas públicas eficientes nas áreas da saúde e
assistência social se multiplicam nas regiões de fronteira, muito devido à
imprevisibilidade do fluxo de imigrantes pendulares ou de passagem e também pelas
barreiras decorrentes da necessidade de preservar a soberania que impõe os limites
geográficos entre os países.
Impossível tecer análises sobre políticas públicas na região de fronteira sem
antes tratar do conceito de Estado. Na concepção de Maluf (2010) o Estado,
embora sendo uma forma de sociedade, não é a única, nem a mais vasta. Cabe
ressaltar as colocações de Del Vecchio a respeito, quando afirma, que a sociedade
estatal coexiste com as outras, que lhe são anteriores no plano histórico, como a
família, por exemplo, ou a ultrapassam na dimensão geográfica e nos quadros de
participação, como acontece na religião com o cristianismo, por exemplo, ao qual se
filiam povos de vários Estados.
Complementa ainda Maluf (2010) que o Estado atua na ambiência coletiva,
quando necessário, com a máxima imperatividade e firmeza, formando aquele vasto

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604

círculo de segurança e ação no qual se movem outros círculos menores dele


dependentes ou a ele acomodados, que são os grupos e indivíduos, cuja existência
ganha ali certeza e personificação jurídica.
Para D’angelo (2015) o Estado pode ser conceituado como sendo um ente
abstrato, detentor de poderes lato sensu, cujos limites são estabelecidos pelo
próprio detentor do poder (Estado absoluto) ou pelo povo (Estado democrático) e,
ainda, aquele que é responsável pelas soluções dos problemas internos e externos
do povo que o compõe.
O objetivo geral deste trabalho consiste em analisar a influência do ativismo
do Ministério Público na realização de políticas públicas nas áreas de saúde e
assistência social na região de fronteira. Como objetivos específicos: demonstrar a
importância do ciclo regular de planejamento das políticas públicas para o
desenvolvimento da região de fronteira; e, evidenciar a atuação do Poder Judiciário
para a manutenção do equilíbrio entre os poderes da República.
Foi utilizado o método de pesquisa descritiva, baseada em estudo de caráter
qualitativo, com ênfase no levantamento bibliográfico fundamentado na legislação e
princípios constitucionais que regem a projeção das políticas públicas de saúde e
assistência social na região de fronteira.
Tecidas tais considerações iniciais necessárias, passa-se ao desenvolvimento
do tema proposto.

O desenvolvimento de políticas púbicas na fronteira e o ativismo ministerial


Antes de explorar as questões relativas ao ativismo ministerial, necessário
conceituar políticas públicas, missão desafiadora até mesmo em trabalhos mais
extensos que o presente, de forma que se passa a uma superficial explanação, sem
a pretensão de ser exauriente.
Secchi (2010) conceitua política pública como uma diretriz elaborada para
enfrentar um problema público. Uma política pública é uma orientação à atividade ou
à passividade de alguém. Aduz ainda que uma política pública possui dois
elementos fundamentais: intencionalidade pública e resposta a um problema público.
Sendo assim, a razão para o estabelecimento de uma política pública é o tratamento
ou a resolução de um problema entendido como coletivamente relevante.

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Nessa esteira, conclui-se que as omissões da administração pública não se


enquadram como políticas públicas, e devem ser interpretadas como verdadeira
ausência de política pública quando o gestor se omite a sanar um problema público.
Ainda tratando da matéria, Secchi (2010) traduz o problema público como a
diferença entre a situação atual e uma situação ideal possível para a realidade
pública. Há que se observar como requisito necessário para a configuração de um
problema público, o interesse coletivo, algo que represente implicações para
quantidade ou qualidade notável de pessoas.
Em tal lacuna de ações da administração pública frente a um problema
público, seja para orientar uma atividade ou uma passividade, que o Ministério
Público, na defesa dos interesses difusos e coletivos, expede recomendações, atua
extrajudicialmente e promove ações civis públicas no sentido de compelir o gestor a
executar políticas públicas de enfrentamento ao problema coletivo já instalado ou a
instalar.
Nesse ponto, cabe ilustrar que a expressão “ativismo” surgiu para explicar a
postura proativa ou ativa do Poder Judiciário quando intervém nos demais Poderes
da República para determinar a realização de políticas públicas fundamentadas em
preceitos constitucionais, como afirma Barroso (2010). Entretanto, no presente
trabalho, o desafio foi lançado justamente para advogar a tese de que o ativismo
judicial não se opera sem antes verificarmos o ativismo do Ministério Público, este
sim que provoca a ignição da máquina judicial, tirando-a da inércia, ou expede
recomendações, promove Termos de Ajustamento de Condutas, além de outras
medidas extrajudiciais que interferem diretamente nas ações dos demais Poderes,
em especial do poder Executivo.
Na pesquisa desenvolvida por Arantes (1997), concluiu-se que 84% (oitenta e
quatro por cento) dos membros do Ministério Público concordaram total ou
parcialmente que a sociedade brasileira seria incapaz de defender seus direitos e
interesses, em razão da sua suposta hipossuficiência, demonstrando claramente a
tendência do referido órgão de agir ativamente.
Para Rothenburg (2009) caberia ao Ministério Público cuidar dos interesses
sociais, dentre esses os direitos metaindividuais (como o direito ao ambiente
ecologicamente equilibrado), direitos coletivos (como o consumerista) e os
individuais (como o das populações tradicionais e refugiados), o que, aliado às
funções constitucionais, municiariam o ativismo ministerial.

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Tais perspectivas seriam justificativas para a atuação proativa do Ministério


Público, em especial na região de fronteira, zona de grande sensibilidade e onde as
deficiências das políticas públicas se afloram.
Destaca-se nesse ponto a grande dificuldade em definir os limites das ações
empreendidas pelo Ministério Público, em suas respectivas esferas de atuação,
podendo causar nefastos desequilíbrios na gestão de recursos limitados pelos
orçamentos previamente delimitados com a participação e chancela do Poder
Legislativo.
Carvalho Filho (2018) leciona que a função administrativa é aquela exercida
pelo Estado ou por seus delegados, subjacentemente à ordem constitucional e legal,
sob o regime de direito público, com vistas a alcançar os fins colimados pela ordem
jurídica.
Ainda quanto ao desenvolvimento de políticas públicas, Secchi (2010)
assevera que estão cada vez mais evidentes as mudanças no papel do Estado
moderno e o rompimento das barreiras entre esferas estatais e não estatais na
solução de problemas coletivos, tais como o tráfico internacional de pessoas, a
fome, a política de migração, o combate às doenças, entre outras. Sendo assim,
uma pluralidade de atores protagoniza o enfrentamento dos problemas públicos.
Nesse esquadro, configura-se a recente situação ocorrida no primeiro
semestre de 2018, que envolveu o acolhimento de imigrantes venezuelanos na
cidade de Pacaraima-RO e dos imigrantes haitianos na cidade de Corumbá-MS,
ocasiões em que a sociedade civil, defrontando-se com o desaparelhamento estatal,
prestou grande auxílio no atendimento e acolhimento temporário dos citados
imigrantes, que em sua maioria se encontrava em situação de extrema
vulnerabilidade. Muito embora o direito à saúde e assistência social estejam
encartados na carta magna, os entes públicos envolvidos no episódio acima relatado
se mostraram despreparados para um fluxo tão intenso de imigrantes adentrando o
país.
Diante do flagrante desamparo, e das condições indignas que tais imigrantes
se aglomeravam nas referidas cidades, cidadãos comuns, igrejas, empresários e
ONGs, assumiram o relevante papel de proporcionar condições mínimas de
acolhimento, higiene e saúde, abrindo suas casas e estabelecimentos para
acomodar temporariamente tais vulneráveis.

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Em resposta à omissão da administração pública em atender e acolher tais


imigrantes em situação vulnerável, e, em atenção à farta legislação que os ampara e
os garante o mesmo tratamento que qualquer cidadão brasileiro, o Ministério Público
Federal expediu recomendações para que os respectivos gestores públicos dessem
o adequado atendimento e acolhimento aos imigrantes haitianos e venezuelanos,
respectivamente, providenciando todas as medidas necessárias a proporcionar
aparelhos públicos que promovessem o atendimento e acolhimento dos mesmos.
Não obstante se tratar de possível falha na execução de políticas públicas
ordenadas por Lei, a interferência do Ministério Público na gestão dos parcos
recursos destinados à saúde e assistência social pode trazer efeitos nefastos ao
restante da população não envolvida no mencionado problema coletivo, já que em
razão da limitação orçamentária imposta também por Lei, para atender uma
recomendação ou ordem judicial, o administrador público se vê obrigado a
remanejar recursos necessários para a manutenção da saúde básica e assistência
social básica de interesse geral, para estritamente atender a comunidade atingida
pelo problema público em questão.
Tal interferência retira completamente o poder de gestão do Executivo, e
determina o atendimento imediato de uma crise na forma idealizada pelo Ministério
Público e sujeita apenas ao filtro do poder judiciário, sem a necessária avaliação
geral da saúde financeira do ente público e sem observância do regular ciclo de
desenvolvimento de políticas públicas. Em analogia ao corpo humano, seria o
mesmo que direcionar todo o sangue para o coração, deixando o cérebro sem
irrigação sanguínea, o que por certo causaria a falência dos demais órgãos vitais.
A exemplo do que ocorreu em Corumbá-MS, cidade de fronteira com a
Bolívia, o grande fluxo de imigrantes haitianos no primeiro semestre de 2018, não se
repetiu nos meses subsequentes, de forma que, se o município tivesse atendido a
recomendação ministerial no sentido de implantar um centro de atendimento e
acolhimento ao imigrante de acordo com a demanda efêmera registrada no primeiro
semestre do ano, certamente representaria um gasto imprevisto, que desiquilibraria
o orçamento anual municipal e que se mostraria absolutamente desnecessário nos
meses seguintes, haja vista que a passagem de imigrantes pela cidade retornou à
normalidade.
Deve-se levar em conta que a criação de aparelhos públicos, ainda que em
situações de anormalidade, como a ocorrida em Corumbá, devem ser estudadas

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com o máximo de cautela, pois o custeio com a manutenção de tais aparelhos


públicos torna o Estado cada vez mais pesado e insustentável.
Não é o objetivo do presente trabalho denegrir ou atacar o trabalho do
Ministério Público, cuja existência e atuação é definido por previsão constitucional,
entretanto, há que se chamar a atenção para o descontrolado intervencionismo dos
mesmos na gestão direta dos entes públicos, também conhecido como ativismo do
Ministério Público, no qual parece estar definido como principal critério de promoção
na carreira o quantitativo (número de procedimentos) e não o qualitativo
(procedimentos necessários, viáveis e bem sucedidos) . Atualmente os municípios
de fronteira se veem obrigados a manter estruturas de atendimento às inúmeras
requisições e recomendações do Ministério Público, custo que acaba sendo
absorvido pelos próprios cidadãos contribuintes.
Destarte, algumas lições devem ser absorvidas para o desenvolvimento e
execução de políticas públicas nos municípios de fronteira, devendo ficar
primordialmente a cargo do Poder Executivo, que por sua vez tem o dever de
observar o seu regular ciclo básico (1-identificação do problema; 2-formação da
agenda; 3-formulação de alternativas; 4-tomada de decisão; 5-implementação; 6-
avaliação; 7-extinção), sem as excessivas interferências do Ministério Público, sob
pena de restar caracterizada ofensa ao princípio basilar constitucional da separação
dos poderes, ficando reservadas tais intervenções para situações
excepcionalíssimas, e ainda assim observados os limites orçamentários previamente
definidos pelo Poderes Executivo com a devida chancela do Poder Legislativo.

O princípio constitucional da separação dos poderes


Não obstante todas as necessidades coletivas identificadas nas regiões de
fronteira, há que ser observado o princípio constitucional da Separação dos
Poderes, como base do equilíbrio do Estado e ordem jurídica brasileira.
Os entes federativos já estão sujeitos à fiscalização em todas as esferas de
governo, seja por conta da aplicação da lei de responsabilidade fiscal ou mesmo
pela observância da lei de improbidade administrativa. Desta forma, na
administração de problemas públicos, a acepção do “poder-dever” é preponderante,
e os entes estatais devem observar de maneira incondicional os mandamentos da
lei. Mesmo por que tal assertiva está disposta no caput do artigo 37 da Constituição

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Federal de 1988 e é repetida em quase todas as Constituições Estaduais e Leis


Orgânicas Vigentes.
Sendo assim, todos os pontos, prioritários ou não, definidos por Lei para
efeito da aplicação da verba pública são acertados por decisão discricionária da
Administração e aprovada pelo poder Legislativo (ou seja, referendada pelos
representantes do povo), definindo-se assim o orçamento anual, que deve ser
respeitado com rigor, sob pena de submeter os cidadãos à privações de direitos.
Nesse rumo, qualquer ingerência em tais atos administrativos discricionários
implica, em última análise, em ofensa ao princípio da Separação dos Poderes,
princípio este basilar do Estado Democrático de Direito (artigo 2º da CRFB/88).
Portanto as decisões judiciais provocadas por incontáveis ações civis públicas
promovidas pelo Ministério Público, não raramente afrontam a autonomia estatal e o
princípio da separação dos poderes, pois cabe ao Poder Judiciário prestar a tutela
jurisdicional sem extrapolar os limites constitucionalmente estabelecidos para cada
esfera de Poder. Tais decisões judiciais representam verdadeiras intervenções do
Poder Judiciário na administração pública, correspondente à esfera de competência
específica do Poder Executivo, muitas vezes causando severos desequilíbrios
orçamentários ao ente público acionado, podendo ainda causar conflitos severos
nas regiões de fronteira.
Assevera Carvalho Filho (2015) que existe um controle político, aquele que
tem por base a necessidade de equilíbrio entre os Poderes estruturais da República,
o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. Nesse controle, cujo delineamento se
encontra na Constituição Federal, pontifica o sistema de freios e contrapesos, nele
se estabelecendo normas que inibem o crescimento de qualquer um deles em
detrimento do outro e que permitem a compensação de eventuais pontos de
debilidade de um para não deixá-lo sucumbir à força dos outros, ou seja, a busca do
ponto de equilíbrio entre os poderes constituídos pela ordem jurídica nacional.
Portanto, a perda do equilíbrio entre os poderes da república pode gerar
nefastos efeitos à população, devendo a busca de tal equilíbrio ser o norte para a
excepcionalidade de medidas interventivas do Ministério Público bem como das
decisões judiciais no desenvolvimento e execução de políticas públicas nos
municípios localizados nas regiões de fronteira.

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A importância das decisões judiciais para a manutenção do equilíbrio estatal e


desenvolvimento saudável das políticas públicas na fronteira
Na visão de Secchi (2010), os juízes são servidores públicos que
desempenham importante papel no processo de implementação de políticas
públicas, pois cabe aos mesmos a prerrogativa de interpretar a justa ou injusta
aplicação de uma lei por parte dos cidadãos e da própria administração pública.
Sendo assim, cabe ao Poder Judiciário a relevante missão de filtrar toda e qualquer
atividade exagerada do Ministério Público, analisando criteriosamente todas as
medidas judiciais tomadas pelo parquet, e decidindo em liminares e sentenças de
mérito a correção ou não da excepcional intervenção pretendida na gestão de
competência constitucional do Poder Executivo.
Não obstante existir tal filtragem na ordem jurídica brasileira, não se pode
olvidar os nefastos efeitos das medidas que antecedem à fase judicial, muitas vezes
com o indevido e proposital vazamento do seu conteúdo e apoio de divulgação nos
diversos tipos de mídias, os quais já impõem ao gestor público a pecha de improbo
ou negligente, antes mesmo do devido processo legal.
Ainda quanto ao impacto das decisões judiciais no desenvolvimento das
políticas públicas, Secchi (2010) leciona que nos países onde vigora o sistema de
Common Law, como Inglaterra e Estados Unidos, grande parte dos problemas de
implementação de políticas públicas é decidida nos tribunais, já que nesse sistema
há menor detalhamento da norma legal e ênfase muito maior na interpretação direta
aos casos concretos. Enquanto que nos países onde vigora o sistema do Civil Law,
como Brasil e Itália, há uma ênfase maior no detalhamento da legislação com o
intuito de diminuir a margem de interpretação da norma na aplicação aos casos
concretos.
No Brasil, ainda que sob a égide do sistema do Civil Law, observa-se a ampla
e relevante participação do poder Judiciário na análise e interpretação da lei aos
casos concretos que envolvem as políticas públicas, seja na apreciação concentrada
da interpretação das leis constitucionais pela corte constitucional (STF), seja na
interpretação das normas infraconstitucionais (STF), seja na interpretação difusa da
aplicação da norma realizada pelos juízos singulares e tribunais em segundo grau
de jurisdição, repetindo-se que tal função se torna mais relevante ainda em função
de filtragem das medidas judiciais promovidas pelo Ministério Público em face de
entes públicos e seus respectivos gestores, em especial quando se trata de

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municípios já prejudicados por escassez de recursos públicos e expostos às


dificuldades e inconstâncias peculiares à fronteira.

Considerações finais
Com muita propriedade assevera Secchi (2010), que além do conhecimento
sobre restrições legais e financeiras para a ação pública, o analista de políticas
públicas deve ser capaz de entender o que levou um problema público a aparecer, a
ganhar relevância no seio de uma comunidade política, quais as soluções e
alternativas existem para mitigar ou extinguir tal problema, por que tais soluções
ainda não foram implementadas, quais são os obstáculos para a efetivação de
certas medidas, quais são as possibilidades para que certas medidas tragam os
resultados esperados, como avaliar os impactos de uma política pública.
Soma-se a isso a difícil realidade dos municípios de fronteira, que enfrentam a
dura realidade da fronteira com escassez de recursos públicos, contrariando
frontalmente os princípios destacados no art. 4º da Constituição Federal da
República, que em seu inciso II, prevê a prevalência dos direitos humanos, no seu
inciso IX, prevê a cooperação entre os povos para o progresso da humanidade.
Sendo assim, ninguém melhor que a própria administração pública defina as
políticas públicas que serão adotadas como prioritárias no respectivo ente público,
observando-se com a maior cautela possível e com o conhecimento dos limites
orçamentários e legais os ciclos básicos de desenvolvimento das políticas públicas,
em especial as de saúde e assistência social, devendo desenvolvê-las no interesse
geral da população, enfrentando adequadamente todos os problemas públicos que
afetam aquela comunidade fronteiriça .
A intervenção do Ministério Público nas ações da administração pública deve
se restringir a situações excepcionalíssimas, sob pena de ofender o princípio
constitucional da separação dos poderes, repisando-se que cabe tão-somente ao
poder judiciário a relevante missão de regular a atuação do Ministério Público, de
forma a filtrar todas as pretensões exageradas e infundadas, que muitas vezes
inviabilizam e causam severos desequilíbrios no orçamento previamente fixado para
a administração pública nos seus respectivos entes federados.

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Por fim, registra-se como resultado da pesquisa, que o ativismo exagerado do


Ministério Público, relativo ao descontrolado avanço de suas medidas com o claro
escopo de direcionar a administração púbica na realização de políticas públicas
conforme seus moldes, muitas vezes com o apoio de divulgação da mídia, há que
ser criteriosamente filtrado pelo poder judiciário, sob pena de se perder o necessário
equilíbrio entre os poderes, além do possível prejuízo dos ciclos de políticas públicas
projetados pelos gestores que enfrentam diariamente a complexa realidade da
fronteira.

Referências

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Sumaré/FAPESC/EDUC, 1997.

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em:
<http://www.mds.gov.br/sobreoministerio/legislacao/assistenciasocial/resolucoes/200
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Disponível em:
<http://www.mds.gov.br/sobreoministerio/legislacao/assistenciasocial/resolucoes/200
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práticos. São Paulo. Cengage Learning. 2010.

Corumbá/MS, Brasil. 7 a 9 de outubro de 2019. ISSN . 2178-2245


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REGULAÇÃO E CLADESTINIDADE: O COMÉRCIO DE GASOLINA NO


CONTEXTO DE COMPLEMENTARIDADE ECONÔMICA DA FRONTEIRA
BRASIL-BOLÍVIA
Regulación y Clandestinidad: El Comércio de Gasolina en ell Contexto de
Complementariedad Economica de la Frontera Brasil-Bolivia
Regulation and Cladestinity: The Gasoline Trade in The Economic Complementarity
Context of the Brazil-Bolivia Border.

Vitorino José Barros Da Silva

Resumo: É possível observar que os comércios varejistas das cidades fronteiriças


De Corumbá e Ladário, no lado brasileiro, e de Puerto Quijarro e Puerto Suarez, no
lado boliviano, apresentam um elevado grau de complementaridade por, entre outras
razões, compartilharem o mesmo mercado consumidor. O objetivo deste trabalho é
mostrar como os agentes fronteiriços, diante de imposições de Estado que
atrapalham as vivências consolidadas na fronteira, buscam alternativas para garantir
sua subsistência, mesmo que tais práticas escapem da noção de legalidade
presentemente instituída. Para tal, enfocamos o comércio de gasolina, que passou a
ser fortemente regulado na última década. Foram feitas entrevistas com informantes
que trabalham, conhecem ou consomem gasolina clandestina. Constatou-se que os
fronteiriços se valem de seus relacionamentos sociais aliadas a inventivas
estratégias para burlar a repressão e garantir sua vantagem econômica.
Palavras Chave: Fronteira, Complementaridade, Clandestinidade, Comércio,
Combustíveis.

Resumen: Se puede observar que los comercios minoristas de las ciudades


fronterizas de Corumbá y Ladário, en el lado brasileño, y de Puerto Quijarro y Puerto
Suárez, en el lado boliviano, tienen un alto grado de complementariedad, entre otras
razones, por compartir el mismo mercado de consumo. El objetivo de este artículo es
mostrar cómo los agentes fronterizos, frente a las imposiciones estatales que
obstaculizan las experiencias fronterizas consolidadas, buscan alternativas para
garantizar su subsistencia, incluso si tales prácticas escapan a la noción de legalidad
que actualmente se instituye. Con este fin, nos centramos en el comercio de
gasolina, que ha sido fuertemente regulado en Bolivia en la última década. Se
realizaron entrevistas con informantes que trabajan, conocen o consumen gasolina
clandestina. Se descubrió que los fronterizos usan sus relaciones sociales aliadas a
estrategias inventivas para eludir la represión y asegurar su ventaja económica.
Palabras Clave: Frontera, Complementariead, Clandestinidad, Comercio,
Combustibles

Abstract: It can be observed that the retail commerce of the border cities of
Corumbá and Ladário, on the Brazilian side, and of Puerto Quijarro and Puerto
Suarez, on the Bolivian side, have a high degree of complementarity, because,
among other reasons, they share the same consumer market. The aim of this paper


Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Estudos Fronteiriços/ Universidade Federal de Mato
Grosso do Sul - Corumbá-MS (Email: vjbdasilva@gmail.com )

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is to show how frontier agents, faced with state impositions that hinder consolidated
frontier experiences, seek alternatives to guarantee their subsistence, even if such
practices escape the notion of legality that is currently instituted. To this end, we
focus on the gasoline trade, which has been heavily regulated in the last decade.
Interviews were conducted with informants who work, know or consume clandestine
gasoline. It has been found that frontier agents use their social relationships allied to
inventive strategies to circumvent repression and secure their economic advantage.
Key Words: Border, Complementarity, Clandestinity, Trade, Fuels

Introdução

A complementaridade funcional nas regiões de fronteira surge da


necessidade que nacionais de diferentes países têm de lidar com problemas
compartilhados em regiões em que há assimetrias étnico-culturais, jurídico-
administrativas, de níveis econômicos, de desenvolvimento e de infraestrutura. Essa
situação de fluidez e flexibilização nas faixas de fronteira decorrem não só da
concomitância de diferentes sistemas de normas dos próprios estados nacionais
limítrofes, mas também da multiplicação das redes transfronteiriças.

Em contextos em que a complementaridade funcional está estabelecida, a


tentativa do Estado de interferir bruscamente no espaço fronteiriço, transpondo
certos traços característicos das regiões centrais para a periferia, nem sempre é
assimilada, no todo ou em parte, pelos habitantes da fronteira, e pode provocar
efeitos negativos, inibindo o desenvolvimento ou mesmo causando desdobramentos
violentos.

O objetivo do presente trabalho é, primeiramente, demonstrar que existe


complementaridade funcional no núcleo urbano que engloba as cidades de Corumbá
e Ladário, do lado brasileiro, e Puerto Quijarro e Puerto Suarez, do lado boliviano.
Confirmada essa relação de complementaridade, pretende-se demonstrar que os
agentes fronteiriços, diante de imposições de Estado que atrapalham as vivências
consolidadas na fronteira, buscam alternativas para garantir sua subsistência,
mesmo que tais práticas escapem da noção de legalidade presentemente instituída.
Para tal, enfocamos o comércio de gasolina, vendida clandestinamente a brasileiros,
depois da implementação dos regulamentos afetos à nacionalização dos recursos
fósseis e seus derivados na Bolívia na última década.

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Este estudo, além desta breve introdução, está dividido em seis partes. Nas
duas seções iniciais, são discutidos os conceitos de fluxos, mobilidades,
complementaridade funcional, legalidade e clandestinidade em regiões de fronteira.
Na terceira, expõem-se os procedimentos metodológicos usados na pesquisa. Na
quarta, explicitam-se as razões por que o núcleo urbano formado pelas cidades de
Corumbá, Ladário, Puerto Quijarro e Puerto Suarez pode ser considerado uma área
em estado de complementaridade funcional. Na quinta, demonstram-se as
estratégias dos fronteiriços para perpetuar suas estratégias de sobrevivência por
meio da venda clandestina de gasolina, de um lado, e para manter as vantagens
econômicas possibilitadas pela fluidez da fronteira, do outro. Na última parte,
formulam-se algumas considerações sobre o ambiente fronteiriço em tela.

Mobilidades, fluxos e complementaridade funcional nas regiões de fronteiras

Benedetti (2011) afirma ser impossível refletir sobre os fenômenos


fronteiriços, desconsiderando as mobilidades entre territórios. Para ele, essas
mobilidades dizem respeito ao deslocamento de bens e pessoas como estratégias
de reprodução social, a partir da relação entre lugares, que definem trajetórias
espaço-temporais complexas (Levy, 2000; Massey, 2006, apud, Benedetti, 2011).
Há, portanto, uma relação dialética entre fronteiras e mobilidades, pois o interesse e
a busca por ter acesso ao que está do outro lado é o que caracteriza a complexidade
desses espaços.

Essas mobilidades ocorrem, segundo o autor, nos diversos setores da vida


cotidiana. Envolvem a busca por serviços de educação e saúde, viagens de
compras, migrações transfronteiriças itinerantes, o contato com autoridades
alfandegárias e migratórias durante a transposição dos limites territoriais, os
movimentos pendulares dos que vivem na fronteira, e até as atividades ilegais de
contrabando e das redes de narcotráfico.

Particularmente para os diferentes grupos sociais que habitam a fronteira, a


justaposição de territorialidades, com suas assimetrias estruturais e conjunturais,
pode transformar-se em propulsor de estratégias de sobrevivência. Em outras
palavras, o que se pode obter do outro lado pode gerar riqueza e propiciar

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integração, embora, em determinadas situações, tais interações também possam


gerar conflitos e acentuar rivalidades.

Machado (2005), por sua vez, ao discorrer sobre os fatores que influem na
evolução urbana das cidades-gêmeas de fronteira, reforça que os diversos fluxos
que acontecem na fronteira podem decorrer das assimetrias existentes no espaço
fronteiriço. Tais assimetrias podem indicar diferentes graus de desenvolvimento
econômicos entre os países limítrofes, tipos diferentes de economia regional e
dinâmicas distintas de povoamento fronteiriço.

A autora também destaca alguns fluxos transfronteiriços comuns, embora


diferenciados de acordo com as peculiaridades da faixa de fronteira em questão, nas
cidades-gêmeas sul-americanas que contribuem para a dinamização desses
espaços. Em primeiro lugar, menciona o trabalho, cujas oportunidades tendem a
concentrar-se no lado mais economicamente desenvolvido da fronteira. Em geral, a
oferta de trabalho pesado, que exige pouca ou nenhuma qualificação formal,
acarreta, ao longo do tempo, fluxo de trabalhadores do lado mais pobre em direção
ao lado mais rico. Refere-se, também, ao fluxo de capitais assinalando as diferenças
entre o circuito 'superior' transnacional dos fluxos, normatizado e fiscalizado pelos
Estados, e o circuito local transfronteiriço, cuja legislação vigente na faixa de
fronteira está completamente defasada, no caso do Brasil, em relação ao “espaço-
de-fluxo” (pp. 18), pouco agrega para a segurança nacional e, ainda, penaliza os
lugares de fronteira. A terra, de acordo com a autora, é outro elemento incentivador
de fluxos transfronteira. Por ser mais barata no lado menos desenvolvido, atrai os
interesses econômicos do lado oposto. Por fim, cita a assimetria na oferta de
serviços públicos, tais como saúde, educação, bombeiros, como responsável por
fluxos entre cidades fronteiriças.

No mesmo diapasão, Oliveira (2015) traz à baila o conceito de


complementaridade funcional, que será central para os objetivos deste estudo. Esse
processo de integração, de acordo com o autor, tem a ver com a permeabilidade do
espaço fronteiriço e sua organicidade, e é, em grande parte, “sustentado pelo
circuito inferior da economia urbana” (pp. 241) que abarca o comércio de varejo, a
pequena indústria, e os serviços formais e informais. Sem grandes apegos aos

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estatutos legais, o mercado de trabalho deslizaria para além dos limites territoriais
para atender as urgências dos agentes econômicos. Os consumidores fronteiriços
alimentam o comércio deslocando-se de um lado a outro para adquirir mercadorias,
serviços e intercambiar moedas, desviando-se dos rigores burocráticos para
satisfazer suas necessidades básicas. Essa organicidade das fronteiras além de
abrir espaço para pequenos desvios, muitas vezes ocasionados por
desconhecimento das leis, também pode possibilitar a realização de atos de ilicitude
de toda sorte, perpetradas por pessoas comuns ou mesmo por grandes redes
criminosas transnacionais.

A clandestinidade como estratégia de sobrevivência em áreas de


complemetaridade funcional

Antes de iniciar a discussão sobre o tema da clandestinidade em áreas de


complementaridade funcional, cabe ressaltar que a noção de legalidade imposta
pelo Estado é passível de mudanças e depende do contexto histórico e espacial.
Machado (2000) exemplifica como o estado pode marginalizar, baseado muito mais
em oportunidade do que em doutrina, ações que, havia pouco, seriam consideradas
perfeitamente legais. No Brasil colonial, comerciantes portugueses, conhecidos
como comissários volantes, uniram-se a casas comerciais britânicas para controlar o
transporte, o crédito e o mercado de metais preciosos entre a colônia e a metrópole,
e entre esta e o resto da Europa. Os jesuítas também participavam das transações,
negociando com as vantagens de seus privilégios fiscais e outros serviços. Ao
assumir o governo, o Marquês de Pombal outorgou o monopólio comercial dos
metais preciosos a novas companhias comerciais portuguesas, expulsou os jesuítas
e dissolveu a Mesa do Bem Comum dos Mercadores. Embora tenha relegado à
marginalidade o sistema antigo de comércio, o governo pombalino não foi capaz de
conter efetivamente a rede de contrabando que se formou como resultado da
restrição do conceito de legalidade. Com efeito, uma das causas mais fortes para a
revogação do Tratado de Madri, segundo a autora, foi a manutenção dessa rede de
contrabando na bacia do Prata.

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No campo econômico essas ambiguidades do que é legal e ilegal tornam-se


mais evidentes. O que é considerado evasão fiscal pelo Estado pode representar
estratégia de proteção contra desvalorizações para empresas e cidadãos de
fronteira. O que é considerado informal em um lado da fronteira pode ser o
sustentáculo da economia da cidade fronteiriça do outro lado. Produtos
contrabandeados, produzidos de maneira legal ou ilegal, de um país podem
ressurgir no país vizinho como mercadoria autêntica. Outro exemplo dessa
ambiguidade da noção de legalidade é o mercado paralelo de moedas estrangeiras,
frequentemente tolerado pelos Estados (Machado, 1998).

Quando as instituições de Estado, pautadas no que é considerado


estratégico em determinado contexto histórico, decidem alterar os parâmetros do
que é visto como legal, afetando não só os centros dos países, mas também suas
regiões de fronteira, e restringem as vivências fronteiriças, cujas dinâmicas
obedecem a uma lógica própria, os agentes fronteiriços, em vez de adequarem-se
imediatamente aos novos regulamentos, admitem-nos parcialmente ou buscam
maneira de burlá-los, especialmente quando tais conformações geram demasiados
custos e desvantagens. A circulação informal e o comércio clandestino tendem a
prevalecer, utilizando-se de redes de parentesco, de amizade e de solidariedade
para evitar o controle estatal.

Dorfman (2006), ao descrever o contrabando na região fronteiriça de


Santana do Livramento, do lado brasileiro, e Rivera, do lado uruguaio, sob ponto de
vista que concebe a prática como estratégia legítima de abastecimento e alternativa
de ocupação para geração de renda, também revela como o aspecto funcional da
integração econômica daquela região concretiza-se.

A conurbação, segundo a autora, tem vínculos transfronteiriços fortes, pois,


além de compartilharem o centro urbano e a infraestrutura, não há ascendência de
uma cidade sobre a outra. Além disso, há uma forte interdependência comercial
entre as cidades. Segundo Schäffer (apud DORFMAN, 2006), a razão da falta de um
determinado produto ou serviço num lado da fronteira pode significar que a oferta
deles do outro lado é suficiente para suprir toda a demanda de toda a região.
Confecções, gêneros alimentícios, madeira, derivados de petróleo e materiais de

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construção são, praticamente, sempre comprados no lado brasileiro, ao passo que


laticínios, farináceos, carnes, lãs, tecidos finos, cristais e produtos de luxo são
adquiridos no lado uruguaio. Há, inclusive, estabelecimentos comerciais idênticos
em ambos os lados da fronteira pertencentes a mesmos donos, que buscam
proteger-se das variações cambiais. A economia local se estrutura de tal forma que
esse abastecimento binacional não é considerado contrabando nem é moralmente
censurável pelos moradores da região. Em outras palavras, a realidade econômica
no espaço contíguo é de tal natureza que não pode ser artificialmente anulada pela
delimitação política.

Nesse contexto, emerge o bagayo como atividade econômica. O trabalho,


normalmente exercido por mulheres que transportam produtos variados de baixo
valor e em quantidades relativamente pequenas para o interior do Uruguai,
apresenta-se como alternativa ao desemprego ou ao trabalho doméstico. As
bagayeras, embora conheçam o risco do confisco de suas mercadorias e tomem as
precauções necessárias para evitar a fiscalização, ou seja, apesar de saberem que
trabalham à margem do legal, orgulham-se de sua atividade, segundo Dorfman
(2006), e consideram-se micro-empresárias. Não há, tampouco, preconceito local
em relação a essa categoria de trabalhadores. Pelo contrário, elas são bem vistas,
porque a atividade que exercem beneficia outros trabalhadores formais e informais,
como carregadores, taxistas, fabricantes e vendedores de comida, entre outros.

Na região de fronteira supracitada, ocorre uma expansão dos mercados de


trabalho e das oportunidades de educação, moradia e consumo, tendo em vista que
seus habitantes, devido à contiguidade dos espaços, têm a capacidade de mobilizar
recursos para ambos os lados da fronteira. Esses fluxos de bens e pessoas é tão
corriqueiro e orgânico na região que não gera grandes tensões entre os locais
apesar das atividades exercidas não coincidirem com os parâmetros legais.

Pode-se dizer, portanto, que, apesar do sistema interestatal no qual os


limites internacionais figuram como fator de separação das unidades territoriais, o
que poderia, em princípio, limitar as estratégias de sobrevivência e a reprodução das
dinâmicas fronteiriças, as complementaridades das relações sociais e econômicas

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em ambientes fronteiriços criam possibilidades de evitarem-se os circuitos oficiais,


beneficiando, assim, os habitantes da fronteira.

Metodologia

Recorreu-se, primeiramente, à revisão bibliográfica no intuito de comprovar,


por meio da evolução histórica do comércio de varejo, que a complementaridade
funcional ocorre na região de fronteira Brasil-Bolívia. Além disso, a observação,
vivência e experiências do autor deste trabalho foram consideradas para reforçar
essa constatação.

Realizaram-se, ademais, 36 entrevistas com brasileiros, residentes em


Corumbá e Ladário, proprietários de veículos com placas nacionais brasileiras,
pertencentes ao círculo de convivência do autor. A fim de verificar se, de fato, existe
uma demanda consolidada por gasolina boliviana, os entrevistados foram inquiridos
se já haviam comprado gasolina boliviana e em que circunstâncias. Das notas
tomadas a partir dessas entrevistas, verificou-se que apenas 1 entrevistado revelou
nunca haver comprado gasolina boliviana e justificou sua resposta, compartilhando
sua impressão de que a gasolina produzida na Bolívia é nociva a motores flex. 21
dos entrevistados revelaram que já compraram gasolina boliviana e eventualmente
adquirem o produto, mas não se dirigiriam à Bolívia exclusivamente para comprar
gasolina. Os 14 entrevistados restantes revelaram comprar gasolina boliviana
regularmente, seja do lado brasileiro ou boliviano.

Outro aspecto considerado, para demonstrar a racionalidade da compra da


gasolina boliviana clandestina, foi o preço. Compararam-se os preços da gasolina
vendida na Bolívia com aqueles praticados na cidade de Corumbá, convertidos tais
valores a um parâmetro comum, o dólar americano. Os preços médios mensais da
gasolina foram obtidos por meio de consultas às páginas eletrônicas oficiais da
Agência Nacional do Petróleo do Brasil (ANP) e do Instituto Nacional de Estatísticas
da Bolívia (INE). Com consultas aos sítios eletrônicos dos bancos centrais dos
países, obtiveram-se as cotações do dólar em relação às moedas locais.

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Além das entrevistas acima mencionadas, o autor fez notas dos relatos que
ouviu de duas pessoas que trabalham diretamente com a venda clandestina de
gasolina. Esses informantes-chave, nascidos e criados na região de fronteira em
questão, tinham conhecimento da evolução do comércio da gasolina e, embora não
vivessem exclusivamente do comércio da gasolina, complementam suas rendas com
o negócio. Segundo eles, há pessoas na fronteira cuja fonte de renda baseia-se
quase que exclusivamente na atividade.

A complementaridade funcional na fronteira Brasil-Bolívia

A conjuntura do núcleo urbano que engloba as cidades de Corumbá e


Ladário, do lado brasileiro, e Puerto Quijarro e Puerto Suarez, do lado boliviano,
guarda semelhanças com o contexto de integração funcional da área fronteiriça do
Brasil e Uruguai. Ao mesmo tempo, diferencia-se em alguns aspectos, em especial
pelos níveis mais acentuados de tensão que a disputa pelo mercado consumidor
suscita.

Para contextualizar a complementaridade das economias na região de


fronteira Brasil-Bolívia, vale a pena buscar na história as profundas raízes que
enlaçam as relações comerciais na área. No início do XX, o porto de Corumbá
recebia os gêneros alimentícios e os bens de consumo que abasteciam tanto a
Província de Mato Grosso como todo oriente boliviano até Santa Cruz de la Sierra.
(MANETTA, 2009; QUEIROZ, 2004, apud KUKIEL, COSTA E BENEDETTI, 2015).
Essa assimetria que tornava a parte boliviana da fronteira dependente dos produtos
que eram descarregados no porto fluvial de Corumbá persistiu durante as primeiras
décadas do século XX. Contudo, na década de 1950, a população da parte oriental
da Bolívia começou a crescer por conta da estratégia governamental de
incorporação da região na economia nacional. O governo fomentou a produção
agrícola e promoveu a construção da Ferrocarril Oriente. Por meio da ferrovia, a
estação de Puerto Suarez passou também a receber produtos do interior da Bolívia.
(URIOSTE, 2011, apud KUKIEL, COSTA E BENEDETTI, 2015).

Nessa mesma época, Corumbá já começara a perder importância relativa


do lado brasileiro, em razão da construção da ferrovia Noroeste do Brasil. Tendo

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alcançado a cidade fronteiriça apenas no início dos anos 1950, a via férrea já ligava
o interior de São Paulo a Campo Grande desde a década de 1910, dando a esta
cidade maior relevância comercial e política, pois de lá parte considerável dos
produtos eram redistribuídos comercialmente. (SILVA, 2012, apud KUKIEL, COSTA
E BENEDETTI, 2015).

A perda do protagonismo regional do porto fluvial de Corumbá e o


crescimento, embora moderado, de Puerto Suarez, somados ao isolamento das
cidades em relação aos grandes centros produtores do interior de seus respectivos
países, resultariam no imbricamento de suas economias, que se tornaram cada vez
mais interdependentes. A partir desse período, bolivianos e brasileiros intensificaram
suas trocas (não apenas comerciais) que transcendiam os limites territoriais, apesar
de estarem sujeitos a ordenamentos jurídicos distintos e de lidarem com
mecanismos estatais projetados para defini-los como membros de Estados-Nação
separados.
A partir de meados da década de 1980, intensificou-se a migração de
pessoas para a região de fronteira em tela. A criação da Província de Germán Busch
em 1984 e o estabelecimento da primeira zona de livre comércio da Bolívia em 1991,
na cidade de Puerto Quijarro, destinada ao comércio de grãos, derivados de petróleo
e demais cargas, dinamizaram o comércio da região. Seguindo essas inovações, os
portos adjacentes modernizaram-se e fortaleceu-se a multimodalidade de
transportes, o que veio, consequentemente, a contribuir para uma maior
diversificação dos produtos comercializados na região. (MANETTA e CARMO, 2011,
apud FERNANDES 2015).

Próxima do limite territorial, na cidade de Puerto Quijarro, fundou-se uma


feira de produtos importados. O aumento do movimento comercial atraiu muitos
migrantes advindos dos altiplanos bolivianos, o que causou expressivo aumento
populacional na cidade, de modo que quase se igualou em número de habitantes
com Puerto Suarez, capital da Província. (SILVA, 2012 apud FERNANDES, 2015).
Comerciantes corumbaenses também se empolgaram e abriram estabelecimentos
em Puerto Quijarro, confirmando a vocação comercial da cidade.

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Com efeito, além do Shopping Chão, como ficou conhecido o mercado


popular de produtos importados de Puerto Quijarro, construiu-se na cidade o
Shopping China, cujas lojas, voltadas para um público de maior poder aquisitivo,
vendiam eletrônicos, roupas, calçados, materiais esportivos, cosméticos e perfumes
de marcas reconhecidas internacionalmente (FLANDOLI, 2007 apud FERNANDES,
2015). Os incentivos fiscais dados pelo governo boliviano barateavam sobremaneira
os produtos comercializados daquele lado da fronteira. Essa expansão do comércio
do lado boliviano coincidiu com a estabilização da economia brasileira e a
valorização do real frente ao dólar norte americano. A conjunção desses fatores
contribuiu para que a população urbana de Corumbá, os turistas da pesca esportiva
na região e as sacoleiras da região do Pantanal escolhessem o centro comercial de
Puerto Quijarro para fazer suas compras.

É importante mencionar, ademais, que a onda migratória responsável pelo


aumento populacional de Puerto Suarez e, em especial, de Puerto Quijarro também
teve seus efeitos do lado brasileiro, pois parte dos migrantes dos departamentos do
altiplano boliviano escolheram a cidade de Corumbá para estabelecerem-se.
Inicialmente, essas pessoas inseriram-se no mercado brasileiro comercializando
produtos importados da Ásia e artesanato de maneira muito precária, espalhadas
pelas ruas da Cidade Branca. Com o tempo, conquistaram um espaço próximo ao
Centro, que dispunha de cobertura para seus pontos de comércio e banheiros.
Nesse local, puderam centralizar seus negócios e melhorar suas vendas. A Feira
Brasbol, como ficou conhecida, foi motivo de muita disputa política na cidade
brasileira. Embora os feirantes de origem boliviana, de uma forma geral, pagassem
impostos municipais e tivessem cadastro de pessoa jurídica, e, por meio da
associação que criaram, envidassem esforços para regularizar seus negócios, os
comerciantes corumbaenses questionavam a legalidade da feira e tanto
pressionaram as autoridades locais que acabou por extinguir-se o mercado popular
de importados (COSTA, 2013). Mesmo assim, a concorrência, seja da feira Brasbol,
seja dos centros comerciais de Puerto Quijarro, levou alguns estabelecimentos
brasileiros a encerrarem suas atividades no final da década de 1990 e início dos
anos 2000 (FERNANDES, 2015).

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Nos últimos anos, no entanto, as economias centrais dos países limítrofes


têm apresentado resultados muitos distintos. Em meio a graves crises políticas, o
Brasil enfrentou, nos anos de 2015 e 2016, por exemplo, o quadro de retração
econômica mais profunda de sua história e, depois disso, teve crescimento
econômico relativamente baixo. A Bolívia, ao contrário, tem vivido período de
prosperidade econômica, com média de crescimento do produto interno bruto
superior a 5% na última década.

Um dos efeitos desse contraste de desempenhos econômicos foi a


valorização do Peso Boliviano frente ao Real e, com isso, a inversão dos fluxos de
compras, corroborando a noção de complementaridade funcional no núcleo urbano
da fronteira Brasil-Bolívia. Quebrando a sazonalidade que era característica do
comércio de Corumbá, atualmente os bolivianos enchem as lojas brasileiras com o
mesmo fervor consumista com que os brasileiros, na última década do século XX e
na primeira do século XXI, lotavam o centro comercial de Puerto Quijarro.

Para ilustrar tal fenômeno, pode-se citar o comércio de bens da linha


branca. Como, com o encerramento da zona franca de Puerto Quijarro, há poucas
opções de compra de eletrodomésticos do lado boliviano da região da fronteira
Brasil-Bolívia. As várias lojas de Corumbá e Ladário que comercializam tais produtos
passaram a ter a preferência dos fronteiriços de origem boliviana. Tendo presente
que o fornecimento de energia elétrica na Bolívia se dá com tensão diferente
daquela utilizada no lado brasileiro da fronteira, as lojas tiveram que incluir em seus
estoques artigos com voltagens de 110 volts e de 220 volts, para atender os
consumidores de toda a região. Além de não precisarem deslocar-se cerca de 650
quilômetros, até a cidade de Santa Cruz de la Sierra, os fronteiriços podem agora
comprar os eletrodomésticos a preços competitivos sem os riscos de grandes
deslocamentos. Outra vantagem de fazer esse tipo de compra no Brasil é a
possibilidade de acionamento da garantia e de revisão dos equipamentos pela rede
de serviços de assistência técnica autorizada existente em Corumbá.

Tudo indica que está em marcha uma mudança de atitude em relação ao


consumidor boliviano no setor de comércio varejista de Corumbá. A moeda
boliviana, que antes era rechaçada do lado brasileiro, hoje é aceita em vários
estabelecimentos. Vendedores esforçam-se por fazerem-se compreender em

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castelhano, e já é comum escutar-se música “latina” nos alto-falantes das lojas.


Cada vez mais, bolivianos têm acesso a cartões de crédito das próprias redes das
lojas brasileiras e compram a prazo. Corumbá passou a receber, inclusive, turistas
de Santa Cruz de la Sierra e La Paz que, além de fazerem compras, lotam os
restaurantes, movimentam o turismo de eventos ocupam a rede hoteleira local.
Brasileiros que moram na Bolívia, em particular aqueles que estudam medicina e
precisam complementar a renda, e bolivianos começam a vir com maior frequência a
Corumbá para comprar roupas para revender no interior da Bolívia.

Por outro lado, a reversão do fluxo de compras também tem apresentado


seus reflexos no lado boliviano da fronteira. Há grandes perdas no turismo e os
hotéis e pousadas da região de Puerto Suarez e Puerto Quijarro tem baixa procura.
No Shopping Chão, as lojas que permanecem abertas estão com estoques velhos
por falta de movimento e já se veem alguns pontos comerciais fechados para
aluguel. No Shopping China, apenas oito lojas de produtos importados continuam
abertas, mas têm raríssimos clientes.

A associação de comerciantes, a central de trabalhadores e outras


organizações sociais das cidades de Puerto Quijarro e Puerto Suarez já se
movimentam para exigir do governo central boliviano medidas que possam arrefecer
os efeitos da fuga de clientes para o Brasil. Dentre as principais queixas, está a
redução da cota de importação por pessoa sem incidência de impostos de US$ 300
para US$ 150, imposta pela Receita Federal. O clamor geral é pelo retorno da zona
franca em Puerto Quijarro. O anúncio de dois empreendimentos de grande porte
para a província de Germán Busch, no entanto, aviva as esperanças dos fronteiriços
do lado boliviano. O governo do país vizinho planeja a instalação de uma siderúrgica
e de um polo petroquímico na região. Caso se confirme a expectativa, um novo
capítulo da relação comercial na fronteira poderá ser escrito em breve.

O comércio clandestino de gasolina

Nesse contexto de complementaridade, a travessia do limite fronteiriço para


compra de gasolina no lado boliviano é costume que vem de muitos anos. Na busca
por preços mais baixos, os brasileiros abasteciam seus carros com gasolina

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diretamente nos postos bolivianos das cidades fronteiriças e a prática era


considerada legal. Na época em que a zona franca funcionava em Puerto Quijarro,
os postos de gasolina também se beneficiavam com o alto movimento.

De acordo com Moreno (2007), até maio de 2006, o modelo adotado para
importação, exploração e comercialização de hidrocarbonetos e seus derivados na
Bolívia baseava-se em contratos de risco compartilhado, adjudicados por meio de
licitação internacional, com o propósito de minimizar custos e aumentar a
competitividade dos negócios bolivianos perante a iniciativa privada. Assim, não
havia restrições para que veículos com placa estrangeira adquirissem os produtos
sem intermediários.

De acordo com o levantamento realizado, que compara os preços da


gasolina na cidade de Corumbá com aqueles praticados na Bolívia, com base no
dólar americano, verificou-se que, embora no início deste século os preços
estivessem menos discrepantes, o combustível no lado boliviano sempre teve preços
mais atrativos, como se pode observar no gráfico abaixo:

COMPARAÇÃO DE PREÇOS DA GASOLINA -


EM DÓLAR
FONTES: BANCO CENTRAL DO BRASIL, BANCO CENTRAL DA BOLÍVIA, INSTITUTO
NACIONAL DE ESTATÍSTICAS DA BOLÍVIA E AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO
$2,50

$2,00

$1,50

$1,00

$0,50

$-
Jul-04

Jul-07

Jul-14
Jun-10

Jun-17
Apr-09
Nov-09

Apr-16
Nov-16
Aug-01
Mar-02

May-03
Dec-03

Feb-05

May-06
Dec-06

Feb-08
Sep-08

May-13
Aug-11
Mar-12

Dec-13

Feb-15
Sep-15

Aug-18
Mar-19
Jan-11

Jan-18
Oct-02

Oct-05

Oct-12

CORUMBÁ-MS BOLÍVIA

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Entretanto, com a promulgação da Lei n. 3058, a lógica de produção e


comercialização dos combustíveis fósseis mudou radicalmente, uma vez que o
Estado voltou a controlar as atividades integralmente por meio da estatal
Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB). O gás natural e demais
hidrocarbonetos passaram a ser considerados recurso natural estratégico, voltados
para o desenvolvimento econômico e social do país e para a política externa rumo à
obtenção de uma saída útil e soberana para o Oceano Pacífico. Um dos resultados
dessa política foi a criação de um subsídio para estabilizar os preços dos
combustíveis. Como a economia boliviana funciona com sistema de âncora cambial
em relação ao dólar, o preço da gasolina em dólar praticamente não sofreu variação
na última década.

Durante essa época, o entendimento das autoridades foi de que estava


proibida a venda de gasolina subsidiada para abastecimento de veículos com placas
estrangeiras. A partir desse momento, particulares bolivianos começaram a comprar
e estocar gasolina para revenda aos brasileiros. De acordo com um dos informantes,
havia uma rua de Puerto Quijarro em que a maioria as casas comercializavam o
produto em franca competição pelos clientes que atravessavam o limite fronteiriço.

Contudo, com a finalidade de proteger o território nas regiões de fronteira,


de evitar o saque de recursos naturais, de garantir a segurança alimentar e
energética e de lutar contra o tráfico ilegal de mercadorias, o governo boliviano
promulgou a “Ley de Desarollo y Seguridad Fronteriza” (Lei 100/2011), em 04 de
abril de 2011, que, entre outras disposições, proibia, em seu artigo 18, inciso III:

El suministro de productos refinados de petróleo, Gas Natural Vehicular -


GNV, industrializados y otros, a medios de transporte con placa de
circulación extranjera, se realizará a los precios internacionales fijados por el
ente regulador.
Enquanto o preço atual do litro da gasolina para um carro com placa
boliviana custa apenas B$ 3,74 (três pesos bolivianos e setenta e quatro centavos)
equivalentes a US$ 0,54, um carro com placa estrangeira somente pode comprar
gasolina com o dito preço internacional de B$ 8,68 (oito pesos bolivianos e sessenta
e oito centavos), equivalentes a US$ 1,26. Além disso, há uma pletora de normas,
regulamentos, resoluções e decretos que restringem sobremaneira a distribuição,

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transporte e comercialização do gás natural e produtos derivados do petróleo,


especialmente em áreas de fronteira.

É certo que, por meio de dispositivos legais, o governo central boliviano


promove o entendimento de que o direito de comprar combustíveis subsidiados
pertence aos bolivianos e a eles somente. De fato, a diretriz foi reforçada com a
aprovação, no final de 2018, da Resolução Administrativa n. 26/2018 da Agencia
Nacional de Hidrocarburos (ANH) que modifica parcialmente a lei 100/2011,
mencionada acima, para autorizar a venda dos derivados de petróleo com preço
reduzido a nacionais bolivianos, residentes no exterior, que estejam na Bolívia a
turismo com veículos de placa estrangeira.

Os vários empecilhos criados pelo Estado boliviano limitaram, mas não


encerraram, a venda da gasolina subsidiada a estrangeiros. Os agentes
econômicos, para atender a demanda contínua dos brasileiros e evitar a
descontinuidade de seus lucros, elaboraram alternativas de negócio que extrapolam
a legalidade.

Pelo que se averiguou, a obtenção da gasolina barata pode dar-se mediante


laços de amizade e parentesco ou por compra direta em pontos de comércio
clandestinos. Aparentemente, os proprietários dos postos de gasolina permitem que
seus amigos abasteçam seus veículos com placa estrangeira diretamente na bomba,
sem a necessidade de pagamento do preço internacional. De acordo com as
normativas sobre o tema, é necessário o registro de placa do carro e de número de
identidade na ANH para compra de combustíveis nos postos. Os informantes não
souberam precisar que número de placa e de identidade os operadores dos postos
lançam no sistema informatizado no ato da venda, mas, considerando que a
quantidade de vendas nesse modelo é muito limitada, um deles indicou que,
provavelmente, devem usar as informações dos próprios donos dos postos e de
seus veículos.

É permitida a compra de gasolina a bolivianos com o uso de recipientes,


desde que seja apresentado documento de identidade. Assim, brasileiros com laços
de amizade ou parentesco com bolivianos solicitam que estes façam a compra com
galões e levem o combustível até onde seus veículos estão estacionados.
Normalmente, o abastecimento dos carros não é feito na rua, mas dentro da

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garagem da pessoa que faz o favor ou em outro lugar reservado. Há também


indivíduos que prestam o mesmo serviço em troca de um acréscimo no valor do litro
da gasolina. Esses intermediários geralmente são indicados a novos clientes por
brasileiros que já utilizaram o serviço.

Ainda conforme a informação recebida pelos entrevistados, os brasileiros


também lançam mão de suas relações pessoais para comprar gasolina com preços
reduzidos, solicitando aos bolivianos que encham os tanques de seus carros e,
chegando ao Brasil, transfiram o produto para seus automóveis. Chamou a atenção
a narração do ajuste entre fornecedor brasileiro e comerciante boliviano em que
parte do pagamento pelos produtos fornecidos para posterior revenda na Bolívia era
dado em gasolina, que era transferida de tanque a tanque.

Existem, ademais, pontos de venda clandestina de gasolina tanto no lado


brasileiro como no boliviano. Consoante sinalização de um dos informantes, o
abastecimento dos pontos de revenda localizados na Bolívia é feito por um
caminhão tanque, que, quase diariamente, traz gasolina do interior do país. A venda
da gasolina não é feita abertamente, mas qualquer um que tenha conhecimento da
localização desses revendedores clandestinos pode facilmente conseguir a gasolina
com um preço um pouco maior do que o das bombas nos postos autorizados, mas,
ainda assim, mais barato em relação ao do Brasil.

No Brasil, os pontos de revenda clandestina, em menor número, também


funcionam de forma discreta. É necessária a indicação de pessoa de confiança dos
revendedores para ter-se acesso a gasolina com preço reduzido no lado brasileiro. O
transporte do combustível, de acordo com os entrevistados, é feito, em sua maior
parte, no tanque dos carros de fronteiriços bolivianos que atravessam o limite uma
ou duas vezes por dia, método que dificulta bastante o trabalho da fiscalização.

Considerações finais

Nos exemplos de complementaridade funcional mencionados nas linhas


acima, fica clara a tendência que as regiões de fronteira com cidades contíguas ou
geograficamente próximas têm de unificarem seus mercados consumidores. No caso
de Corumbá-Puerto Quijarro, os compradores flutuam entre os dois lados da

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fronteira, a despeito dos marcos regulatórios e da burocracia estatal, de acordo com


a vantagem cambial do momento.

Com relação à gasolina, ficou evidente como o controle do Estado pode, ao


mesmo tempo, exercer efeitos estimulantes e dissuasórios para o consumo de
determinado produto nas fronteiras. Ao subsidiar os preços dos combustíveis, o
governo inevitavelmente atrai consumidores fronteiriços, independentemente de sua
nacionalidade e da cor das placas de seus veículos. Como a demanda se consolidou
com o passar dos anos em que o preço do combustível na Bolívia vem sendo bem
mais baixo do que no Brasil, a revenda de gasolina, pelo que se pode perceber,
representa também meio de subsistência para os fronteiriços que lidam com o
produto. Para esses indivíduos, a vantagem econômica da exploração comercial do
combustível subsidiado, no contexto da fronteira, parece superar muito o risco das
sanções impostas pela comercialização clandestina.

Resta, por fim, divisar maneiras de maximizar os efeitos benéficos da


complementaridade funcional das economias fronteiriças de modo que se promova
maior desenvolvimento integrado, evitando que o sucesso do comércio de um dos
lados represente o arrefecimento de atividades e fracasso do outro lado da fronteira.

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633

A EVASÃO E O PERFIL MOTIVACIONAL DOS ESTUDANTES DE


LICENCIATURAS NA FRONTEIRA COM A BOLÍVIA: CAMPUS DO
PANTANAL/UFMS
Evasion and Motivational Profile of Licensee Studentes at the Border: Pantanal
Campus / UFMS
Evasión y Perfil Motivacional de Estudiantes de Licenciatura en Frontera con Bolivia:
Campus del Pantanal/ UFMS

Bárbara Regina Gonçalves da Silva Barros


Vanessa Catherina Neumann Figueiredo 
Luis Fernando Galvão

Resumo: Este estudo exploratório teve por objetivo investigar a qualidade


motivacional dos estudantes e sua associação com a evasão de cursos superiores.
Participaram 5 coordenadores, 51 professores e 370 estudantes das licenciaturas do
CPAN. Foi constatada a presença de motivação autodeterminada, sendo apontados
mães e professores como fatores de apoio e incentivo. Estudantes com baixa
qualidade motivacional queixaram-se do ensino médio de qualidade insuficiente,
dificuldade nos estudos e na organização do tempo. A pesquisa recomenda às
instituições universitárias estudos sobre fatores promotores da motivação, apoio no
desenvolvimento de técnicas de estudo e acompanhamento das taxas de evasão.
Palavras-chave: Fronteira, Motivação, Evasão, Licenciaturas, Campus do Pantanal.

Abstract: This exploratory study aims to investigate the motivational quality of


students and their association with socioeconomic and student data and dropout.
Participants were 5 coordinators, 51 teachers and 370 students from the CPAN
degrees. Self-determined motivation was found, and mothers and teachers were
appointed as a support and incentive factor. Students with low motivational quality
complain of insufficient high school and difficulty in studying and organizing time. The
research recommends to university institutions studies on motivating factors, support
in the development of study techniques and monitoring of dropout rates.
Key-words: Border, Motivation, Evasion, Undergraduate, Pantanal Campus.

Resúmen: Este estudio exploratorio tuvo como objetivo investigar la calidad


motivacional de los estudiantes y su asociación con el abandono escolar. Hizieron
parte del estúdio 5 coordinadores, 51 profesores y 370 estudiantes de licenciaturas
del CPAN. Se encontró una motivación auto determinada, y madres y maestros


Graduada em Ciência da Computação, mestre em Educação, doutora em Educação. Professora
adjunta na UFMS/CPAN. E-mail: barbara.barros@ufms.

Graduada em Psicologia, mestre em Sociologia, doutor em Saúde Coletiva. Professora Associada
na UFMS. E-mail: vanessa.figueiredo@ufms.br

Graduado em Psicologia, mestre em Psicologia, doutor em Psicologia, Ciência e Profissão.
Professor Associado na UFMS. E-mail: luis.galvao@ufms.br

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634

fueron apuntados como factores de apoyo e incentivo. Los estudiantes con baja
calidad motivacional quejaron-se de las escuelas secundarias con insuficiente
calidad, dificultad para estudiar y organizar el tiempo. La investigación recomienda a
las instituciones universitarias estudios sobre factores motivadores, apoyo en el
desarrollo de técnicas de estudio y monitoreo de las tasas de abandono.
Palabras clave: Frontera, Motivación, Evasión, Licenciaturas, Campus Pantanal.

Introdução
Nas duas últimas décadas, o processo de democratização do acesso ao
ensino superior ampliou o número de matrículas por meio de programas
educacionais como o Fundo de Financiamento Estudantil (FIES), o Programa de
Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais
(REUNI), a Lei de Cotas e o Programa Universidade para Todos (BROCCO, 2017).
Entre estes programas, o REUNI _ instituído pelo Decreto Presidencial n.
6.096/2007 _ objetivou a redução das desigualdades sociais, em relação ao acesso
e à permanência nesse nível de ensino. A pretensão do governo era elevar o
número de jovens matriculados no ensino superior, aumentar a taxa de conclusão
média em cursos de graduação para 90%, combater a evasão, e obter a relação de
um professor para 18 alunos nas graduações presenciais (LIMA; MACHADO, 2016).

As ações de expansão aumentaram o número de instituições, professores,


técnicos, estudantes matriculados e, principalmente, o acesso de estudantes menos
favorecidos, beneficiados pelos sistemas de cotas e de bolsas. Contudo, resta como
desafio o alto índice de evasão no ensino superior, considerando que o público que
tem acesso através das ações afirmativas necessita de mecanismos de inclusão
social, de um currículo flexível e de tecnologias de apoio à aprendizagem.

Conforme Gráfico 01, embora o aumento nas matrículas seja


aproximadamente polinomial (quadrático), o número de concluintes teve uma leve
inclinação linear positiva, ou seja, apesar do expressivo aumento nas matrículas, o
percentual de formandos teve pouca variação. Tal análise indica, portanto, que a
maioria dos estudantes não consegue concluir o curso, revelando a importância dos
mecanismos de fixação de estudantes.

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635

Gráfico 01: Matrículas e concluintes no Ensino Superior público, Brasil, 1995 a


2016

Fonte: Elaboração própria a partir de estatísticas da Educação Superior (MEC/INEP/DEED)

Tabela 01: Evolução da taxa de evasão nos cursos da UFMS - CPAN, 2012 a
2016, segundo curso e grau acadêmico (em %)
Curso Grau acadêmico 2012 2013 2014 2015 2016
Administração Bacharelado 32,52 30,63 28,30 47,40 23,85
Ciências Biológicas Licenciatura 22,73 15,38 27,10 39,78 22,97
Ciências Contábeis Bacharelado 34,90 36,73 40,85 41,54 54,67
Direito Bacharelado 30,25 24,84 18,82 22,04 26,90
Educação Física Licenciatura 17,29 14,91 8,78 26,85 21,97
Geografia Licenciatura 35,63 57,47 46,77 42,86 44,74
História Licenciatura 27,55 43,96 43,48 51,67 55,77
Letras – Port.e Espanhol Licenciatura 29,63 24,69 23,53 31,75 31,15
Letras – Port. e Inglês Licenciatura 38,10 33,33 37,36 53,54 24,71
Matemática Licenciatura 32,26 31,87 30,61 38,61 25,58
Pedagogia Licenciatura 20,31 21,85 17,80 24,27 13,89
Psicologia Bacharelado 21,14 14,41 20,00 31,15 15,38
Sistemas de Informação Bacharelado 49,32 34,48 40,00 36,36 45,63
Fonte: Elaboração própria a partir dos microdados da Educação Superior (MEC/INEP)

Embora os dados indiquem uma menor evasão em 2016, ainda assim


verifica-se uma taxa alta de desistência entre alunos de licenciatura e bacharelado
do CPAN (Tabela 01). Costa de Paula (2017) afirma que há poucos dados sobre
evasão, mesmo em órgãos governamentais, e que “há um silêncio sobre esse
problema que sangra as nossas IES, fazendo com que o discurso sobre a
democratização da educação superior torne-se vazio, pois o ciclo da democratização
não se completa.” (p. 2). Nesse sentido, uma política ineficiente de retenção dos

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estudantes no ensino superior pode decorrer em problemas econômicos ao país, na


falta de retorno do investimento governamental na educação, na falta de
profissionais qualificados e na dificuldade de ingresso no mercado de trabalho
(NAGAI; CARDOSO, 2017).

Entre as possíveis causas da evasão Konrath e Henning (2015) apontam a


falta de motivação para os estudos, sendo que Bailey e Phillips (2015) associam a
motivação com a retenção dos estudantes. A fim de entender essa problemática da
evasão e obter resultados satisfatórios em relação aos estudantes, Tollefson (2000)
sugere o estudo das Teorias de Motivação. Nesse sentido, há pesquisas que
correlacionam um alto índice de aprendizagem a uma alta qualidade motivacional
(ORSINI; EVANS; JEREZ, 2015; GUIMARÃES; BORUCHOVITCH, 2004), assim
como a uma autopercepção mais positiva e a uma maior persistência nas atividades
(RYAN; DECI, 2000).

Para Boruchovitch (2008), a motivação é definida como uma força psicológica


que impele o indivíduo a agir para iniciar, direcionar e manter uma ação para atingir
um determinado objetivo, no caso dessa pesquisa para a aprendizagem. Pesquisas
sobre motivação apontam a desmotivação dos estudantes com o passar dos anos
em todas as etapas do ensino (RUFINI; BZUNECK; OLIVEIRA, 2012; LOCATELLI;
BZUNECK; GUIMARÃES, 2007). Embora os problemas com motivação afetem os
jovens em vários momentos de sua vida escolar, Teixeira (2012) afirma que o
ingresso na universidade é um momento que traz muitas mudanças na vida dos
jovens, alterando desde rotinas até as redes de amizades. O autor lembra que a
universidade é menos estruturada que o meio escolar, exigindo do estudante maior
autonomia, que, por vezes, necessita de apoio nessa transição.

A motivação é tema central na Teoria da Autodeterminação (DECI; RYAN,


1985), que a entende como um fenômeno que varia em quantidade (quão motivado)
e em orientação (causa da motivação). Nessa perspectiva teórica, a orientação da
motivação varia num continuum (Figura 01) constituído de desmotivação, motivação
por fatores externos em vários graus e motivação intrínseca.

A do tipo intrínseca seria o modo ideal de motivação, configurada “como uma


tendência natural para buscar novidade, desafio, para obter e exercitar suas
capacidades” (GUIMARÃES; BORUCHOVITCH, 2004, p. 143). Porém, nem sempre
os indivíduos gostam da atividade que realizam, ganhando importância a
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compreensão da motivação extrínseca, resultante de algum fator externo, como o


interesse no diploma para conseguir um emprego ou ser promovido no trabalho.

Figura 01 – Continuum de desenvolvimento da autodeterminação


Continuum de autodeterminação
Ausência Autodeterminação
de autodeterminação
Desmotivação Regulação Regulação Regulação Regulação Motivação
Externa Introjetada Identificada Integrada Intrínseca
Regulações por motivação Extrínseca
Fonte: Guimarães e Bzuneck (2008, p. 103)

Por sua vez, ao possibilitar a internalização dos valores ou da utilidade da


atividade, a Teoria da Autodeterminação é capaz de trazer respostas aos anseios
dos professores, que ao propiciarem a ressignificação externa em algo com valor
pessoal, podem também influenciar na qualidade e nível motivacional.

Se, como afirmam Ryan e Deci (2000), o ser humano é motivado e curioso
desde o nascimento; o quê, então, ocorreria com a qualidade motivacional dos
estudantes com o passar dos anos? Que fatores envolvidos no contexto educacional
poderiam promover ou afetar a motivação? Essas são questões de interesse para a
Teoria da Autodeterminação, para que “professores, pais e outros socializadores
possam auxiliar os estudantes a internalizar a responsabilidade e o senso de valores
para objetivos extrínsecos” (RYAN; DECI, 2000, p. 3)

Nesse sentido, a pesquisa junto aos cursos de licenciatura procurou


compreender a evasão estudantil e contribuir para a formação dos futuros
professores, buscando alternativas de intervenção, já que:

[...] há fortes evidências, nos dias atuais de que a profissão docente vive
uma crise sem precedentes na história do nosso ensino, uma crise
estrutural, conforme foi dito anteriormente. A despeito da grande
diversidade de condições da oferta e demanda por escolarização, tanto no
que se refere à condição docente quanto á condição discente, produto da
diferenciação sociocultural e das desigualdades socioeconômicas, essa
crise atravessa a estrutura da pirâmide escolar de alto a baixo, não apenas
no Brasil, mas em várias partes do mundo. (ARANHA; SOUZA, 2013, p. 78)

Investigar a motivação dos estudantes das licenciaturas pode contribuir para a


instituição traçar estratégias para obter melhores resultados na aprendizagem dos

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estudantes e possível redução dos níveis de evasão. Além disso, a formação


universitária fortalece a democracia ao promover a equidade, melhor oportunidade
de trabalho e vida, principalmente aos menos favorecidos.

O objetivo deste estudo foi analisar a qualidade motivacional dos estudantes


dos cursos de Licenciatura1 do CPAN/UFMS, suas associações com o perfil
socioeconômico e demográfico, assim como junto aos dados de evasão.

A metodologia utilizada foi um estudo exploratório, de natureza quanti-


qualitativa, desenvolvido junto a estudantes universitários, seus professores e
coordenadores, entre 2017 e 2018.

Participaram da pesquisa cinco coordenadores, 51 professores com idade


entre 29 e 59 anos (M = 40,4 anos), dos quais 30 eram mulheres e 21 homens.
Todos os estudantes pertencentes às turmas iniciais e finais dos oito cursos de
licenciatura foram convidados a participar, totalizando 370 alunos.

Os coordenadores responderam por e-mail a questionários abertos com


questões relacionadas ao trabalho na universidade. Os professores responderam a
questionários online contendo questões fechadas, em escala Likert de 7 pontos,
sobre a cidade e o trabalho na UFMS. Os estudantes responderam o Instrumento do
Estudante, composto por questões sobre o perfil socioeconômico e demográfico.
Para a análise motivacional, foi utilizada a adaptação de Bzuneck e Guimarães
(2007) da Escala de Motivação Acadêmica (EMA).

A pesquisa teve início com sua aprovação no Comitê de Ética da PUC, sob o
CAAE n. 2017-35. Após autorização institucional, foram feitas reuniões com os
coordenadores dos cursos para apresentação do projeto de pesquisa e obtenção da
autorização para entrada da pesquisadora nas salas de aula. Os participantes
responderam ao questionário no laboratório de informática, após a autorização do
professor e mediante assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido. Os
alunos foram informados do objetivo do estudo, lhes foi assegurado o sigilo das
informações e a liberdade de não participarem. Foram obtidos dados de 32 turmas,
duas turmas para cada curso de licenciatura, em dois momentos: final de 2017 e
início de 2018.

1
Ciências Biológicas, Educação Física, Geografia, História, Letras – Português e Espanhol, Letras –
Português e Inglês, Matemática e Pedagogia
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Resultados

Perfil socioeconômico e demográfico e sua associação com a motivação


Coordenadores e professores destacaram como pontos fortes do campus: a
direção com característica de liderança, de fácil acesso e disposta a resolver os
problemas; a existência de coordenadores competentes e preocupados com os
cursos; e a existência de professores dedicados e interessados em ensinar os
estudantes, embora tenha sido constatada uma alta rotatividade de docentes no
CPAN.

A idade dos estudantes variou entre 17 e 53 anos (M = 25,7 anos e DP =


8,4%), sendo 76,2% com menos de 30 anos, dos quais 121 eram homens e 249
mulheres, resultado esperado visto que os cursos de licenciatura e a carreira de
docente têm sido seguidos tradicionalmente por mulheres, sendo esta escolha
cercada de fatores como classe social e influência da família, ou seja, “a questão da
escolha não se resume ao esforço pessoal em aproveitamento das oportunidades e
condições disponíveis, não existindo um sujeito isolado, imune ao seu entorno e às
condições socialmente dadas” (CASAGRANDE; SOUZA, 2016, p. 827).

Constatou-se a predominância de 60% de estudantes pardos, seguida por


20% brancos e 17% negros. A renda familiar de 45% variou entre 2 e 5 salários
mínimos e 35% das famílias sobrevivia com renda de um salário mínimo. Cruzando
esses dados com estudantes que recebiam bolsa assistencial (16%), notou-se a
carência de assistência estudantil no CPAN, uma vez que menos da metade dos
estudantes com menor renda era contemplado pela bolsa.

Para Aranha e Souza (2013) a baixa atratividade da carreira docente e a


pouca concorrência por vagas acaba levando estudantes com “escolarização básica
mais precária” (p. 79) a escolher por cursos de licenciatura. Entre os estudantes do
CPAN com renda de até um salário mínimo, 30% ingressaram por fatores
extrínsecos, e possuíam grandes chances de não conseguirem concluir o curso,
caso não tivessem um acompanhamento mais atento da instituição.

Os dados mostraram 45% das mães dos participantes com ensino


fundamental e 38% com ensino médio. Somente 11% das mães obtiveram
graduação e 6% pós-graduação, sendo provável que em muitos casos os
estudantes não contassem com auxílio nas tarefas escolares em suas casas, posto
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que para Santos (2013) “o nível de escolaridade dos pais é a variável que mais
influencia o desempenho escolar e a decisão de investimento em educação” (p. 64).

Em relação ao ensino médio, 80% dos participantes estudaram em escola


pública, 12% em escolas particulares e 7% mesclaram seus estudos nos dois tipos
de escola. Mais de 86,1% dos estudantes vêm do médio regular, 7,7% ensino
regular EJA e apenas 6,1% cursaram ensino técnico.

Nesse sentido, as licenciaturas do CPAN refletem o esforço do poder público


para ampliar as vagas, manter gratuito e democratizar o ensino superior. Contudo,
se o ingresso tem sido promovido pelas políticas de democratização do ensino, a
permanência nos cursos ainda é uma questão que só será completa:

[...] se tivermos igual proporção de crescimento na taxa de concluintes, com


integração crescente das camadas marginalizadas socialmente, sobretudo
dos estudantes de baixa renda. É necessário visar com igual ênfase o final
do processo: a conclusão, com êxito, dos cursos superiores, integrando
nesses índices as camadas subalternizadas da população, com garantia de
qualidade na formação. (PAULA; SILVA, 2012, p. 7)

Levando em conta a desistência de alunos do ensino superior, estudos sobre


motivação têm contribuído na identificação e compreensão dos fatores que
promovem a continuidade dos estudos.

Escolha profissional e motivação inicial


Observou-se que para 70% dos estudantes o curso escolhido foi sua primeira
opção no Enem, em sua primeira tentativa (57,1%), nunca mudaram de curso (90%)
e pretendem trabalhar na área (92%). O gosto pela área se destaca na Figura 02,
criada a partir do programa WordCloud com os substantivos encontrados nas
respostas sobre a percepção da motivação inicial para escolha do curso.
Em 30% das respostas foram citados os seguintes fatores extrínsecos
relacionados às escolhas: falta de opção na cidade, facilidade de ingresso, por estar
na área que a pessoa trabalha, para ver como é o curso, pela remuneração da área
e por exigência dos pais.

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Figura 02: Palavras mais utilizadas para descrever a percepção de motivação

Fonte: Elaboração da autora

Entre os participantes, 49,6% afirmaram a percepção do aumento da


motivação inicial em relação ao curso e 21,9% diminuição. A partir dessa variável
sobre a motivação, foram elaborados testes de análise de associação Qui-quadrado
com as variáveis do perfil socioeconômico e estudantil.

Tabela 02: Alteração na motivação em relação ao gênero


Motivação e Gênero
Feminino (n) Masculino (n)
Diminuiu 60 19
Se Manteve 65 41
Aumentou 124 61
GL 2
Qui Quadrado Tabulado 5,991
Qui Quadrado do Modelo 4,414
P-Valor 0,11
Fonte: Elaboração da autora

A amostra com 67% de mulheres e 33% de homens foi proporcional ao


número de estudantes cuja motivação aumentou, com razão de duas mulheres para
um homem (Tabela 02). Os estudantes que afirmaram diminuição da motivação
apresentaram proporção de três mulheres para um homem. Esse resultado da
diminuição da motivação nas mulheres não foi corroborado no teste de Qui-
quadrado, que obteve p > 0,05. Também não foram encontradas associações entre
motivação e raça/etnia, curso ou renda dos estudantes.

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Tabela 03: Alteração na motivação em relação à escolaridade da mãe


Motivação e Escolaridade da Mãe
Fundamental Médio Graduação Pós Graduação
Diminuiu 46 24 6 3
Se Manteve 38 48 10 10
Aumentou 84 67 26 8
GL 6
Qui Quadrado Tabulado 12,592
Qui Quadrado do Modelo 14,089
P-Valor 0,029
Fonte: Elaboração da autora

O teste qui-quadrado para verificar a associação da escolaridade da mãe e as


variações da motivação obteve p < 0,05 (Tabela 03), sugerindo a maior constância
do acompanhamento das mães no estudo dos filhos. Esta associação se traduz em
atenção, diálogo, apoio econômico, transmissão de valores e conhecimentos,
permitindo que o aluno se sinta acolhido, gerando vínculos que dão estímulo e
auxiliam a enfrentar as dificuldades. Este suporte promove a autonomia, que na
Teoria da Autodeterminação é vista como o sentimento de liberdade de escolha que
pode acompanhar qualquer ação. (RYAN et al, 1994; LONGO; VIEIRA, 2017)

Gráfico 02: Principal fator de dificuldade no curso percebido pelo estudante

Fonte: Elaboração da autora

Os estudantes que afirmaram diminuição na motivação inicial alegaram falta


de tempo ou de empenho nos estudos (41%), conhecimento básico insuficiente
oriundo de um ensino médio fraco (15%), problemas na didática (13%) e muita
exigência do professor (6%). Presente em 13% das respostas, a dificuldade
atribuída à didática vai de encontro ao informado pelos professores, os quais
afirmam ter domínio na metodologia.

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Se por um lado há relatos sobre problemas de didática de professores, por


outro lado surgiu nos dados sua forte influência na motivação dos estudantes. Esse
fato expõe uma fragilidade do CPAN ao se recuperar a informação da alta
rotatividade dos professores: sendo estes o maior fator de motivação, sua saída
pode afetar imensamente os estudantes. Dessa forma, iniciativas de integrar os
estudantes, de acompanhar seu desenvolvimento deveriam surgir do colegiado
como um todo, das coordenações e ser um projeto institucional, e não ser uma
atitude individual de cada professor. Porém, 35,1% dos professores relataram pouca
discussão em colegiado sobre as necessidades de aprendizagem e evasão dos
estudantes, 54,4% disseram que não conheciam atividades propostas por
coordenadores para a melhoria da aprendizagem e 41,1% que percebiam cobranças
por parte da coordenação para que realizassem atendimento extraclasse aos
alunos.

Perfil motivacional dos estudantes através da análise descritiva da EMA


A pesquisa utilizou a escala de motivação acadêmica (EMA), com níveis de
concordância da escala de Likert, assim distribuídos:

1(DT) 2(DGP) 3(DP) 4(N) 5(CP) 6(CGP) 7(CT)


Concordo

Concordo

Concordo
totalment

totalment
em parte

em parte
Discordo

Discordo

Discordo
grande

grande
Neutro
parte

parte
em

em
e

Foi elaborada uma tabela com os percentuais de concordância de cada fator


do continuum de autodeterminação. Ao final, um gráfico permite visualizar todas as
tabelas e, dessa forma, analisar o perfil dos estudantes do CPAN em relação à sua
qualidade motivacional.

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644

Tabela 04: Motivação – itens de desmotivação


Desmotivação (%)
DT DGP DP N CP CGP CT
“Sinceramente, eu não sei por que venho à
66,9 10,1 7,5 10,4 4,0 1,1 0,0
universidade”
“Eu realmente sinto que estou perdendo
84,8 6,7 4,5 1,9 1,6 0,3 0,0
meu tempo na universidade”
“Eu já tive boas razões para vir à
universidade, mas, agora, tenho dúvidas 58,1 11.5 6.7 7,7 10,7 3,2 2,1
sobre continuar”
“Eu não vejo por que devo ir à universidade” 73,9 11,7 5,3 6,1 2,1 0,0 0,8
“Eu não sei, eu não entendo o que estou
75,2 9,1 6,9 5,1 3,5 0,0 0,0
fazendo na universidade”
“Eu não vejo que diferença faz vir à
74,7 11,5 7,2 5,6 0,8 0,0 0,0
universidade”
Total 72,3 10,1 6,4 6,1 3,7 0,7 0,5
Fonte: Elaboração da autora

A Tabela 04 mostra que a porcentagem de estudantes desmotivados foi


mínima. A afirmação “Eu realmente sinto que estou perdendo meu tempo na
universidade” teve 84,8% de respostas “discordo totalmente”. Apenas uma questão
teve 16% de respostas positivas se somados todos os itens positivos. Esse
percentual está próximo à porcentagem de estudantes que afirmam ter se
desmotivado após o ingresso na universidade.

Tabela 05: Motivação – itens de motivação extrínseca por regulação externa


Motivação extrínseca por regulação externa (em %)
DT DGP DP N CP CGP CT
“Venho à universidade porque acredito que a
25,9 10,4 11,7 10,1 22,4 9,3 10,1
frequência deva ser obrigatória”
“Venho à univ. para não receber faltas” 39,5 11,2 11,5 6,7 18,1 6,9 6,1
“Venho à universidade porque a presença é
34,7 10,4 10,9 10,4 20,3 6,1 7,2
obrigatória”
“Venho à universidade para conseguir o diploma” 11,7 4,8 5,1 8,8 26,9 14,7 28
“Caso a frequência não fosse obrigatória poucos
3,5 6,1 6,9 7,5 28,5 20 27,5
alunos assistiriam às aulas”
Total 23,1 8,6 9,2 8,7 23,2 11,7 15,8
Fonte: Elaboração da autora

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645

Conforme a Tabela 05, a questão “Venho à universidade para conseguir o


diploma” teve a porcentagem de 69,6% de respostas positivas, o que mostra
interesse em conseguir trabalho ou ser melhor remunerado no trabalho e pouco
valor no conhecimento adquirido. A questão “Caso a frequência não fosse
obrigatória poucos alunos assistiriam às aulas” obteve 76% de respostas positivas,
demonstrando que as aulas poderiam ser mais atrativas.

Tabela 06: Motivação – itens de motivação extrínseca por regulação introjetada


Motivação extrínseca por regulação introjetada (em %)
DT DGP DP N CP CGP CT
“Venho à univ. para provar a mim mesmo
4,3 2,4 2,4 8,8 20 16,3 45,9
que sou capaz de completar meu curso”
“Venho porque isso que esperam de mim” 41,6 7,2 8 13,6 15,7 6,4 7,5
“Para mostrar pra mim mesmo que sou
21,9 6,1 7,7 12 26,4 13,1 12,8
uma pessoa inteligente”
“Venho à universidade porque quando eu
16,3 6,7 6,1 15,7 25,6 14,1 15,5
sou bem sucedido me sinto importante”
“Porque quero mostrar a mim mesmo que
4,8 3,5 3,7 9,3 23,7 23,7 31,2
posso ser bem sucedido nos estudos”
“Quero evitar que as pessoas me vejam
27,5 7,2 9,9 23,5 16 6,9 9,1
como um aluno relapso”
Total 19,4 5,5 6,3 13,8 21,2 13,4 20,3
Fonte: Elaboração da autora

Na Tabela 06 observa-se que exceto pela questão “Quero evitar que as


pessoas me vejam como um aluno relapso” a qual gerou muitas dúvidas pela
palavra relapso _sendo interessante alterá-la na escala EMA para outras pesquisas_
as demais questões permitem verificar que os estudantes possuem alto grau de
motivação introjetada, ou seja, estudantes que frequentam a universidade por
motivos externos e não pelo prazer de estudar, mesmo que a cobrança seja interna.

Tabela 07: Motivação – itens sobre motivação extrínseca por reg. identificada
Motivação extrínseca por regulação identificada (em %)
DT DGP DP N CP CGP CT
“Venho à universidade porque a frequência nas
4 2,7 5,1 8 20 24 36,3
aulas é necessária para a aprendizagem”
“Por que acho que a cobrança de presença é
necessária para que os alunos levem o curso a 9,1 6,7 6,1 9,9 30,4 12,8 25,1
sério”
Total 6,6 4,7 5,6 8,9 25,2 18,4 30,7

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Fonte: Elaboração da autora

Os alunos revelaram, conforme a Tabela 07, que percebem a importância da


presença nas aulas, com percentual de respostas positivas 74,3%, sendo os itens
mais escolhidos “Concordo totalmente” e “Concordo em parte”, com porcentagens
maiores que a motivação extrínseca por regulação introjetada.

Tabela 08: Motivação – itens sobre motivação extrínseca por reg. integrada
Motivação extrínseca por regulação integrada (em %)
DT DGP DP N CP CGP CT
“Porque a educação é um privilégio” 4,3 1,1 1,9 8,0 16,5 18,9 49,3
“Porque o acesso ao conhecimento se dá na
3,7 4,3 8,5 7,5 29,6 29,3 17,1
universidade”
“Porque estudar amplia os horizontes” 0,0 0,8 0,0 4,8 9,1 17,3 67,7
“Venho à univ. porque é isso que escolhi para
1,6 0,0 2,1 5,3 12,5 17,9 60,3
mim”
Total 2,4 1,6 3,1 6,4 16,9 20,9 64,8
Fonte: Elaboração da autora

É alta a percepção da importância dos estudos para os participantes da


pesquisa, demonstrado pelos índices de concordância todos acima de 76% (Tabela
08), sendo que a questão “porque estudar amplia os horizontes” teve 94% de
respostas positivas.

Tabela 09: Motivação – itens sobre motivação intrínseca


Motivação intrínseca (em %)
DT DGP DP N CP CGP CT
“Pelo prazer que tenho quando me envolvo em
3,7 2,1 4,8 20,3 27,2 18,1 23,7
debates com professores interessantes”
“Porque para mim a universidade é um prazer” 1,6 3,7 5,1 9,9 32,3 25,1 22,4
“Porque gosto muito de vir à universidade” 2,4 2,1 4,5 15,7 30,4 21,1 23,7
Total 2,6 2,6 4,8 15,3 29,6 21,4 23,3
Fonte: elaboração da autora

De acordo a Tabela 09, as questões sobre motivação intrínseca demonstram


que os estudantes gostam de vir à universidade, sentem prazer em frequentá-la e
em debater com os professores. As questões “Porque para mim a universidade é um

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prazer” e “Porque gosto muito de vir à universidade” obtiveram 79,8% de respostas


positivas, contudo a motivação intrínseca não superou os índices da motivação
extrínseca por regulação integrada.

Gráfico 03: Perfil motivacional dos estudantes do CPAN

Fonte: elaboração da autora

No Gráfico 03 o perfil motivacional dos estudantes sugere predominância de


motivação autodeterminada, ou seja, uma alta qualidade motivacional, bem como
elevada discordância nas questões relacionadas à desmotivação.

Discussão
Os resultados apontam a motivação influenciada positivamente por um maior
conhecimento do curso e da área, bom relacionamento com professores, apoio da
família, aquisição de conhecimento, didática do professor e aulas práticas.

Muitos estudantes que ingressaram por gostarem da área relataram que sua
motivação aumentou após conhecerem melhor o curso e descobrirem suas
ramificações, indicando a importância da maior divulgação dos cursos ofertados no

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648

CPAN para os alunos do ensino médio. Informações profissionais e de carreira,


como o esclarecimento das possibilidades de trabalho e os requisitos/disciplinas
necessários para concluir o curso poderiam colaborar para a reflexão e as
condicionalidades da escolha por um curso superior.

O aumento da motivação também foi relacionado ao sentimento de autonomia


nos estudos e na competência em realizar as atividades, com o apoio e estímulo de
professores, colegas de curso e familiares. Para Bzuneck e Guimarães (2010) pode
ocorrer um aumento na qualidade motivacional a partir da compreensão da
importância das atividades através de diálogo com o professor. Sendo fundamental
a preocupação com o atendimento das necessidades básicas dos estudantes
através de formas de ensino que possibilitem os sentimentos de competência,
autonomia e pertencimento durante o curso.

Os participantes que relataram desmotivação, os quais representavam 21%


do total, afirmaram que perderam a motivação por terem dificuldades de
acompanhar o curso e por sentir pouco apoio da instituição. Contudo, o baixo índice
de desmotivação não é capaz de responder, sozinho, aos índices de evasão
apresentados nos cursos do CPAN. Dessa forma, ao buscar outras explicações,
verificou-se que a dificuldade relatada e associada ao ensino médio insatisfatório era
coincidente com os resultados insuficientes das escolas públicas da cidade de
Corumbá divulgados pelo INEP. Todas as cidades do Mato Grosso do Sul foram
então classificadas quanto ao seu resultado no Índice de Desenvolvimento da
Educação Básica (Ideb) em relação ao ensino médio. Na classificação das 77
cidades do MS, Corumbá sendo a cidade mais antiga do estado e a quarta em
número de habitantes, ficou na 65ª posição. Um resultado preocupante que merece
uma discussão mais aprofundada acerca de cursos de nivelamento, considerados
fundamentais para proporcionar a esses estudantes condições de igualdade com
estudantes de escolas particulares.

Como forma de constatar se questões financeiras podem estar prejudicando a


conclusão do curso pelos estudantes, observamos que os cursos de licenciatura
com maior evasão, História e Geografia, possuíam, respectivamente, 51% e 32% de
alunos que trabalhavam 40 horas ou mais, sendo a segunda e a terceira maior
porcentagem de estudantes que trabalham, perdendo apenas para o curso de letras
Português/Inglês. Considerando que esses cursos são oferecidos em período

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noturnos e que exigem uma grande carga de leitura, a necessidade dos estudantes
de trabalhar e estudar dificulta sobremaneira a conclusão do curso.
A dificuldade relatada quanto à didática dos professores pode ser um
problema pontual com alguns docentes, mas também pode decorrer de ensino
médio insuficiente para acompanhamento das aulas. Outro problema que pode
provocar a desistência dos estudantes é a pouca quantidade de cursos presenciais
oferecidos na cidade, o que pode levar ao ingresso em um curso que apesar de ser
da mesma área de conhecimento, não seja desejado pelo estudante.

Considerações Finais
O CPAN possui estudantes motivados que acabam sendo levados a
abandonar o curso por questões contrárias à sua vontade. Os fatores que podem
estar provocando a recorrente evasão no CPAN passam por questões financeiras,
dificuldades de acompanhar o estudo por base insuficiente, falta de métodos de
estudo aprofundados, problemas na organização do tempo e necessidade de
melhores técnicas de ensino por parte dos professores.

A alta qualidade motivacional apresentada pelos estudantes em contraste


com o índice de desistência verificado no CPAN revela as dificuldades dos
estudantes em acompanharem o conteúdo e a rotina de estudos demandada pelo
ensino superior, indicando a necessidade de ações de nivelamento, de integração
dos estudantes e oferecimento de cursos que os capacitem para organizarem seu
tempo de tempo e estudo.

Agradecimento
À FUNDECT, pelo apoio financeiro.

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CARACTERIZAÇÃO GEOGRÁFICA PRELIMINAR DA FAIXA DE FRONTEIRA DO


ESTADO DO AMAZONAS
Preliminary Geographical Characterization of the Amazon State Border area
Caracterización Geográfica Preliminar de la zona Fronteriza del Estado del
Amazonas

Andre Zumak Azevedo Nascimento


Tatiana Schor 
Nicolle Evelyn Luzeiro Figueira 

Resumo: A Faixa de Fronteira do Estado do Amazonas, composta por 21


Municípios, é constituída principalmente pelas bacias dos Rios Negro, Solimões,
Juruá e Purus. Deste modo, tal região por completa agrega Terras Indígenas que
por sua vez apresentam uma grande diversidade cultural e ambiental. Alguns
Municípios cresceram nos últimos 27 anos, e em conjunto com este crescimento,
foram identificados alguns problemas, como: a falta de saneamento básico e acesso
a luz elétrica. Outra contribuição dessa caracterização, e a de que a Amazônia não é
uma "Terra sem Homens", por meio dos estudos das redes urbanas e de novas
formas de abordagem foi possível observar que existem muitas localidades no
interior dos municípios, ao longo das bacias hidrográficas. Os processos
contemporâneos de urbanização na Amazônia, em especial na Faixa de Fronteira,
precisam ser melhor analisados. Propõe-se realizar análise espacial e demográfica
das interações urbanas, fluxos e fixos, nos municípios que pertencem a Faixa de
Fronteira no Amazonas.
Palavras-chave: Faixa de Fronteira, demografia, rede urbana, saneamento básico,
energia elétrica, desigualdade, diversidade cultural e ambiental e terras indígenas,
Amazonas.

Abstract: In the area of Fronteira do Estado do Amazonas, composed of 21


municipalities, and mainly constituted by two Black Rivers, Solimões, Juruá e Purus.
All this region is constituted of Indigenous Terras and has a great cultural and
environmental diversity. Some cresceram municípios last 27 years, and added to this
crescents foram identified some problems, lack of basic sanitation and access to
electric light. Other contributed to this characterization, and to Amazônia there is no "
land without men", by means of urban networks and new ways of approaching, it is
possible to observe that there are many localities not inside two municipalities, at the
same time as hydrographic basins. The contemporary urbanization processes in
Amazônia, especially in the Fronteira area, need to be analyzed. We propose to


Graduado em geografia, mestre em geografia. NIFFAM/SEPLANCTI. E-mail:
anascimento@seplancti.am.gov.br

Pós-doutora em Geografia Urbana e Econômica. NIFFAM/SEPLANCTI. E-mail:
tschor@seplancti.am.gov.br

Graduada em Relações Internacionais. NIFFAM/SEPLANCTI. E-mail:
nfigueira@seplancti.am.gov.br

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carry out a spatial and demographic analysis of urban interacões, flow and fix, in the
municipalities that belong to the Fronteira area not Amazonas.
Key-words: Border Strip, demographics, urban network, basic sanitation, electricity,
inequality, cultural and environmental diversity and indigenous lands, Amazonas.

Resúmen: La zona fronteriza del Estado de Amazonas, compuesta por 21


municipios, se compone principalmente de las cuencas de los ríos Negro, Solimões,
Juruá y Purus. Toda esta región está formada por tierras indígenas y tiene una gran
diversidad cultural y ambiental. Algunos municipios han crecido en los últimos 27
años, y además de este crecimiento se identificaron algunos problemas, falta de
saneamiento y acceso a la electricidad. Otra contribución de esta caracterización, y
de que el Amazonas no es una "Tierra sin hombres", a través de estudios de redes
urbanas y nuevas formas de enfoque, fue posible observar que hay muchos lugares
dentro de los municipios, a lo largo de las cuencas hidrográficas. Los procesos de
urbanización contemporáneos en la Amazonía, especialmente en la zona fronteriza,
deben analizarse más a fondo. Se propone realizar un análisis espacial y
demográfico de interacciones urbanas, de flujo y fijas en los municipios que
pertenecen a la Franja Fronteriza del Amazonas.
Palabras clave: zona fronteriza, demografía, red urbana, saneamiento básico,
electricidad, desigualdad, diversidad cultural y ambiental y tierras indígenas,
Amazonas.

Introdução
A faixa de fronteira é considerada área indispensável à segurança
nacional e definida pela Lei nº 6.634, de 2 de maio de 1979. Definida como faixa
interna de cento e cinqüenta (150) quilômetros de largura, paralela à linha
divisória terrestre do território nacional. Com uma área total de 1.415.611,46 Km 2,
equivalente a 16,6 % da área do país (IBGE, 2018).
No estado do Amazonas conforme o IBGE (2018), a faixa de Fronteira é
composta por 19 Municípios. Considerando que o critério adotado é inclusão da
área total ou parcial desses municípios localizados na Faixa de Fronteira.
A Comissão para o Desenvolvimento e Integração da Faixa de Fronteira,
juntamente com o Grupo Retis (2002) consideraram que os dois municípios
(Envira e Pauini) que não possuem suas áreas total ou parcialmente localizadas
na Faixa de Fronteira também fazem parte do Grupo de Municípios (Figura 1) que
compõem a referida faixa, por motivos de estarem na zona de Fronteira e terem
uma relação mais direta com a faixa fronteiriça.
Ao todo 8 Municípios estão na linha de fronteira (Figura 1), 3 na bacia do
Rio Negro: Barcelos, Santa Isabel do Rio Negro e São Gabriel da Cachoeira. E o

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restante na bacia do Rio Solimões: Japurá, Santo Antônio do Iça, Tabatinga,


Benjamin Constant e Atalaia do Norte. Os 13 Municípios que tocam parcialmente
e estão na Faixa de Fronteira estão localizados ao Norte, na bacia do Rio
Amazonas: Nhamundá e Urucará. A Oeste na bacia do Rio Solimões: Jutaí,
Tonantins, Amaturá e São Paulo de Olivença. A Sudoeste na bacia do Rio Juruá:
Guajará, Ipixuna e Envira. A Sul na bacia do Rio Purus: Boca do Acre, Pauini,
Lábrea e Canutama.
Praticamente toda a linha de Fronteira do Estado do Amazonas é constituída
de Rios (Figura 1), não existem rodovias conectando o Estado com os Países
vizinhos, somente ao Sul no Estado do Acre.
Ao analisar as interações fronteiriças (Figura 2) no Arco Norte definidas
no estudo do Grupo Retis coordenado pelo Ministério da Integração Nacional
(2005), temos cinco níveis de relacionamento em fronteira:
a) Margem: é definido como um nível menos maduro de relacionamento,
frágil e com várias barreiras para se relacionar em diversos aspectos.
b) Zona-Tampão: também com um nível menos maduro de
relacionamento, mas com um pouco mais de avanços, com duas situações
distintas, uma promovida pelo Estado (Terras Indígenas, Unidadades de
Conservação) e outra que é espontânea (Obstáculos físicos).
c) Frente: Tem uma certa impulsão de relacionamento, sejam pelas
questões militares, indígenas e frente pioneira.
d) Capilar: interações podem se dar somente no nível local, através de
interações espontâneas, e através de trocas difusas entre vizinhos fronteiriços
com limitadas redes de comunicação. O cenário capilar é geralmente superposto
pelo modelo sinaptico.
e) Sinapse: ápice do relacionamento, que, em geral, se remete a
questões das cidades gêmeas, esse tipo de interação é ativamente apoiado
pelos Estados contíguos.
No caso do Estado do Amazonas (Figura 2), conforme o estudo citado,
ocorrem as interações do tipo Zona-Tampão ao norte, fronteira com Venezuela
e Colombia, uma pequena faixa de zona Capilar na localidade de Cucuí também
ao norte, a oeste continua com uma faixa de Zona-Tampão, seguido do tipo
Frente na fronteira com Colombia e uma zona Capilar com Sinapse com as
cidades gêmeas Tabatinga no lado Brasileiro e Leticia no lado Colombiano,

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triplice fronteira Brasil/Colombia/Perú. Na porção suldoeste na fronteira com


Perú temos uma zona do tipo Frente novamente, seguido de Zona-Tampão na
fronteira com o Estado do Acre.

Figura 1 - Mapa de localização do Municípios que tocam a faixa de fronteira


e os que estão na faixa fronteiriça.

Fonte: IBGE, 2018; Organização: André Zumak 2019.

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656

Figura 2 - Interações fronteiriças: arco Norte. (Principais interações que


ocorrem no Estado do Amazonas).

Fonte e elaboração: Grupo Retis, 2005.


Complementando a interpretação do Grupo Retis, 2005, utilizamos um
modelo de terreno (Esri Phical) no software livre Qgis versão 3.8.2 (Figura 3) para
visualizar a Zona-Tampão Espontânea que ocorre ao longo da fronteira Norte
nos limites do Municípios de Barcelos, Santa Isabel do Rio Negro e São Gabriel
da Cachoeira, nesta região ocorrem uma sequência de acidentes geográficos.
Ao inserirmos os polígonos das Terras Indígenas e Unidades de
Conservação (Figura 4), observamos que existe uma Zona-Tampão Promovida,
pois é visivel que praticamente toda a fronteira Norte, com Venezuela e Colombia
é composta de Terras Indígenas com sobreposição de Unidades de Conservação.
A Oeste na fronteira com o Perú e a Colombia ocorrem uma grande extensão de
Terras Indigenas.

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Figura 3 - Mapa físico da região Amazônica, destaque para a fronteira Norte.

Fonte: IBGE, 2018; Organização: André Zumak 2019.

Figura 4: Mapa com as Unidades de Conservação Estaduais e Federais e


Terras Indígenas do Estado do Amazonas.

Fonte: IBGE, 2018; Organização: André Zumak 2019.

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Diante do exposto acima, podemos traçar algumas conclusões, a


primeira delas é a grande extensão de Terras Indígenas na linha de Fronteira no
Estado do Amazonas (Figura 4), o que é uma realidade encontrada também em
toda a região que compõem o Arco Norte, pois conforme Steiman (2018) há um
enorme contigente indígena nesta região, sendo expressivo em alguns
municípios. Evidenciando uma enorme diversidade cultural, a exemplo disso
Faria (2015) aponta que a Terra Indígena do Alto Rio Negro possui 22 povos de
diferentes etnias, uma das maiores diversidades culturais e linguísticas do
mundo, perdendo apenas para Oxaca, no México.
Outra particularidade é que existem poucas interações formais com os
países fronteiriços. Somente na cidade de Tabatinga, localizada na calha do alto
Rio Solimões, na triplice Fronteira Brasil/Colombia/Peru, existe a interação
definida pelo Grupo Retis de Sinapse, onde ocorrem interações formais e
visíveis entre as cidades gêmeas, e no Distrito de Cucuí, localizado a margem
do alto Rio Negro, na triplice fronteira Brasil/Venezuela/Colombia, ocorre a
interação do tipo Capilar. Nas demais regiões não ocorrem interações formais e
a maioria delas são invisíveis aos dados coletados pelas agências estatais.
Considerando a invisibilidade de muitas intereações que ocorrem neste
território a motivação deste estudo é retratar esta região do Estado do
Amazonas, que compreende a Faixa de Fronteira, que possui uma diversidade
ambiental e cultural única e complexa, observada pelas diferentes bacias
hidrográficas (Rios Negro, Solimões, Juruá e Purus) e as várias etnias que
compõem a região citada.
Contudo diante do exposto, o principal objetivo deste estudo, mesmo que de
forma preliminar é realizar essa caracterização para temos um cenário atualizada
desta região. Considerando as recomendações de Pêgo et al (2017), que ressalta
que as discussões sobre o desenvolvimento das regiões fronteiriças da Amazônia
precisam voltar-se as condições especificas, sendo necessário redefinir as formas
de entendimento da região, com políticas públicas adequadas a essa realidade
regional diversificada sejam concebidas, sendo entendido como um grande desafio,
levando em consideração a grande dimensão da Amazônia e a invisibilidade de
grande parte de seus fluxos, e o discurso de que essa é uma "terra sem homens"
precisa ser superado.

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Metodologia
Para a confecção desse estudo utilizamos dados do censo populacional de
2010 e estimativas da população do ano de 2018 (IBGE, 2011 e 2019), e os dados
do censo agropécuario de 2017 (IBGE, 2018). Os dados utilizados na elaboração
dos mapas são oriundos da base cartográfica continuo do IBGE (2017), e do censo
agropécuario de 2017. As informações relacionadas a Faixa de Fronteira são
oriundas do IBGE (2018) e do Grupo Retis.

Análise da evolução da população de 1991 a 2018.


Do total dos 21 Municípios os que apresentaram maiores crescimento (Tabela
01) foram:
1) Ipixuna com um crescimento de 66% relacionado a diferença da população
total do ano de 1991 (9.653 hab) e do ano de 2018 (28.933 hab).
Relacionado ao crescimento da população urbana, foi de 71%, sendo o 5º que
mais cresceu, porém ao analisarmos o crescimento da população rural, de 63% é o
1° que mais cresceu no intervalo de 27 anos, o incremento populacional na área
rural do Município foi de 10.484 hab, evidenciando um possível êxodo urbano, que
precisa ser melhor compreendido.
2) São Paulo de Olivença com 64% de crescimento da população total, e
70% de crescimento da população urbana, sendo o 6º que mais cresceu, o
crescimento da população rural foi de 59%, é o 2° que mais cresceu, passando de
8.518 hab em 1991 para 21.032 hab em 2018.
3) Barcelos com um crescimento da população total de 59%, sendo o 10º que
mais cresceu em relação a população urbana com 66%, passando para a população
rural, o crescimento foi de 54%, sendo o 5º que mais cresceu, passando de 7.017
hab em 1991 para 15.493 hab em 2018.
4) Atalaia do Norte com 58% de crescimento da população total, e 75 % de
crescimento da população urbana, sendo o 2º que mais cresceu, em relação a
população rural o crescimento foi de 45%, sendo o 7º que mais cresceu, passando
de 5.832 hab em 1991 para 10.596 hab em 2018.
5) Amaturá com um crescimento de 58% da população total, e 67% de
crescimento da população urbana, sendo o 8º que mais teve crescimento na área
urbana, é o 6º em crescimento da população rural, com 47%, passando de 2.825
hab em 1991 para 5.395 hab em 2018.

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6) Tabatinga com 56% de crescimento da população total, e 55% de


crescimento da população urbana, sendo o 13º que mais cresceu entre os
Municípios analisados, em relação ao crescimento da população rural o crescimento
foi mais significativo, com 58%, sendo o 4º que mais cresceu, passando de 8.101
hab em 1991 para 19.637 hab em 2018.
7) Benjamin Constant também com 56% de crescimento da população total,
e com um crescimento da população urbana de 54%, sendo o 14º que mais cresceu,
o aumento da população rural é muito significativo nesse município, sendo o 3º que
mais cresceu, com 59%, passando de 6.773 hab em 1991 para 16.693 hab em
2018.
8) São Gabriel da Cachoeira com 48% de crescimento da população total,
este Município apresenta um crescimento na população urbana significativo, de
69%, sendo o 7º que mais cresceu, em relação ao crescimento da população rural,
foi de 27%, sendo o 9º que mais cresceu, passando de 16.305 hab em 1991 para
22.283 hab em 2018.
9) Tonantins apresenta um crescimento da população total de 46%, e um
crescimento da população urbana significativo, pois é o 3º que mais cresceu nesse
intervalo de tempo de 27 anos, passando de 2.491 hab em 1991 para 9.697 hab em
2018. O crescimento da população rural não foi tão significativo, sendo o 11º
Município que mais cresceu, passando de 7.543 hab em 1991 para 8.913 hab em
2018.
10) Santa Isabel do Rio Negro com 36% de crescimento da população total,
é o Município que mais cresceu em relação a população urbana, com 77%,
passando de 2.104 hab em 1991 para 9.233 hab em 2018. A população rural não
teve um crescimento tão significativo, com apenas 12%, passando de 13.317 hab
em 1991 para 15.203 hab em 2018.
Dentre os 21 Municípios analisados (Tabela 1), estes citados acima foram os
que mais cresceram de forma significativa, porém o inverso também ocorreu nesse
intervalo de tempo, ao todo 9 Municípios perderam o equivalente a 78.429
habitantes da população rural, expressando um grande êxodo, nas calhas dos Rios
Solimões, Juruá e Purus, nos respectivos Municípios, Santo Antônio do Iça, Jutaí,
Japurá, Guajará, Envira, Lábrea, Boca do Acre, Pauini e Canutama.

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Tabela 1 - Dados da evolução do crescimento da população total, urbana


e rural de 1991, 2000, 2010 e 2018. Obs: Os valores em vermelho significam
redução de população.

Fonte de dados: IBGE, 2018.

Oferta de serviços básicos, saneamento e energia elétrica.


Ao analisarmos os dados do censo demográfico de 2010 com relação: a)
Domicílios particulares permanentes sem banheiro de uso exclusivo dos moradores
e nem sanitário; b) Domicílios particulares permanentes sem energia elétrica,
podemos identificar os Municípios (Tabelas 2 e 3) que tem sérios problemas
relacionados a estas duas variáveis. Com relação a falta de saneamento, a
quantidade de domicílios que não tem banheiros, sem sanitário é significativa o que
reflete em um sério problema de saneamento básico. O fato de não existirem
banheiros nem fossas implica que os dejetos são descartados diretamente nos
igarapés e rios. Esta forma de descarte contamina os lençóis freáticos rasos, que
são frequentemente utilizados pelas comunidades para consumo de água. Os 10
Municípios com dados mais alarmante com relação ao saneamento são: Tabatinga,
Lábrea, Boca do Acre, São Gabriel da Cachoeira, Canutama, Guajará, Envira,
Tonantins, Santo Antônio do Içá e Jutaí.
A segunda variável analisada (Tabela 3) diz respeito ao acesso à energia
elétrica. Essa variável é uma das mais importantes para entendermos o quanto
estas populações que estão distantes de centros urbanos vivem de forma precária.
A precarização diz respeito a todo o conjunto de facilidades que o acesso à
energia elétrica implica e além disso, significa pouco acesso a informação.
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A falta de acesso à energia elétrica reflete a enorme desigualdade existente


nessa região. Os 10 Municípios mais graves sem acesso a energia elétrica são:
Santa Isabel do Rio Negro, Lábrea, Tonantins, Jutaí, Boca do Acre, Ipixuna,
Tabatinga, Amaturá, Barcelos e Nhamundá.

Tabela 2 - Domicílios particulares permanentes sem banheiro de uso exclusivo


dos moradores e nem sanitário.

Fonte de dados: IBGE, 2010.

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Tabela 3 - Domicílios particulares permanentes sem energia elétrica.

Fonte de dados: IBGE, 2010.

A Amazônia "Terra sem homens"


Bitoun (2017) trouxe importantes contribuições que sem dúvidas serão muito
bem utilizadas ao longo desses anos, uma delas é a discussão sobre as articulações
das redes urbanas e suas interações com as cidades situadas próximas da fronteira
ou diretamente nela. O referido autor propõe entender melhor as articulações que
ocorrem nas cidades do Estado do Amazonas e suas relações com a faixa de
Fronteira, sendo necessário um outro olhar para essas regiões que por muito tempo
foram interpretadas erroneamente como uma "Terra sem homens".
Conforme Schor (2013) apesar dos esforço de se compreender a dinâmica
urbana na Amazônia Brasileira muitas cidades continuam desconhecidas,
principalmente aquelas localizadas em áreas distantes dos grandes projetos de
desenvolvimento econômico e da fronteira agropecuária.
Esta é a realidade das cidades localizadas na Faixa de Fronteira no estado do
Amazonas, é o principal desafio é tira-las da invisibilidade, entendendo melhor as
articulações da rede urbana nessa região.

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Atualmente segundo Butel (2016) a rede urbana na Amazônia já não pode ser
considerada simplória e dendrítica, deve ser pensada como urbana complexa. As
pesquisas de Schor & Oliveira (2011) contribuíram para uma melhor compreensão
dessa complexidade, possibilitando um entendimento não só de cada cidade em si,
mas suas inter-relações com um conjunto, evitando conceitos como "cidades-polo"
ou outras formas de hierarquia urbana.
Segundo Schor & Oliveira (2011) a rede urbana do Rio Solimões possui uma
dinâmica local e infraestrutura urbana precária, permanecendo distante da inserção
na dinâmica de desenvolvimento regional e nacional, sendo considerada como uma
rede urbana "fechada", no sentido de que o fluxo de mercadorias e pessoas se dá
majoritariamente via fluvial e interna ao Estado do Amazonas.
Conforme os referidos autores, entende-se a idéia de "fechado" como algo
descritivo e comparativo, pois sem dúvida a rede urbana mencionada mantém
vínculos importantes com os países vizinhos, nesse caso Colômbia e Peru, porém
ao mesmo tempo tem vínculos mais restritos com o restante do Brasil.
Os estudos oriundos das pesquisas desenvolvidas por Schor & Oliveira
(2011) contribuíram muito para um aproximação da realidade da complexa rede
urbana do Rio Solimões, sendo crucial para compreensão de uma das áreas mais
importantes da Faixa de Fronteira do Estado do Amazonas, o alto curso do Rio
Solimões, onde estão situadas as cidades gêmeas Tabatinga/Brasil e
Letícia/Colômbia.
Uma valiosa contribuição de Bitoun (2017) é a citação dos dados do Cnefe
(Cadastro Nacional de Endereços para Fins Estatísticos), principalmente os setores
censitários de código de situação 8 (Aglomerados rurais isolados), além da utilização
de imagens de satélites, estas iniciativas podem dar visibilidade ao que está
invisível.
E foi justamente o que fizemos em prática nesse estudo preliminar,
conseguimos acessar duas bases de informações (Aglomerados rurais isolados e
Localidades visitadas no censo agropecuário 2017) (Figuras 5 e 6). Estas
informações podem ser utilizadas para visualizarmos a dinâmica de ocupações, e
com isso adequar as políticas públicas à imensa diversidade dessa região.
É impressionante observar como são ocupadas estas regiões na Faixa de
Fronteira, com destaque para as calhas dos Rios Negro, Solimões, Juruá e Purus.

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Figura 5 - Localização do Aglomerados rurais isolados na Faixa de Fronteira


do Estado do Amazonas.

Fonte: IBGE, 2018; Organização: André Zumak 2019.

As localidades visitadas no censo agropecuário de 2017 (Figura 6) tem um


aumento na representatividade ao longo dos afluentes dos Rios citados
anteriormente, evidenciando que ainda existem algumas localidades que ainda não
foram registradas. Mesmo levando em consideração que os aglomerados rurais
isolados, são representações de 50 habitações no mínimo, então muitas das
ocasiões localidade menores não são registradas em pontos, somente através de
setores censitários.

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Figura 6 - Localidades visitadas no censo agropecuário de 2017, na Faixa de


Fronteira.

Figura 6: Localidades visitadas no censo agropecuário de 2017, na Faixa de Fronteira.

Considerações Finais
Esse esforço inicial é um primeiro passo de muitos outros que estão por vim.
É uma primeira visão e serve de provocação para continuarmos os avanços no
entendimento dessa região tão distante do próprio País. Estamos trabalhando para
contribuir de forma mais efetiva com o Ministério de Integração Nacional.
A Faixa de Fronteira do Estado do Amazonas possuí uma geografia
complexa, sem estradas, somente rios que conectam as áreas remotas as cidades
mais próximas, com poucas interações com os países vizinhos e uma significante
diversidade cultural, uma grande extensão da faixa fronteiriça é composta de Terras
Indígenas. A realidade do aumento populacional nos centros urbanos dos Municípios
que compõe a Faixa de Fronteira, evidencia a falta de políticas públicas para lidar
com o êxodo rural, que em grande parte ocorre pela carência de oportunidades de
emprego e pelas dificuldades da região.

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Outro desafio é a falta de serviços básicos, que em grande parte não


acompanham o crescimento dessas cidades e demais localidades, a falta de um
saneamento adequado acaba provocando outros problemas, e sem planejamento
fica cada vez mais distante uma solução para esta questão, a falta de acesso a
energia elétrica é outro agravante, que em muitos casos acaba inibindo qualquer
tentativa de empreendimento que busque desenvolve economicamente a região.
Esses dois exemplos de serviços básicos demonstram a enorme
desigualdade que existe na Faixa de Fronteira, aliado a isso temos a complexa
Geografia que torna ainda mais difícil a vida dessas populações, que na maioria dos
casos são esquecidas pelo Governo.
Os estudos para uma melhor aproximação da realidade das necessidades
desses Municípios, podem ser uma possível solução, auxiliando as Prefeituras na
busca de soluções alternativas. E buscar uma aproximação maior das ações do
Estado do Amazonas nessas regiões, interagindo de forma mais eficiente com
outras instituições, como por exemplo a Universidade do Estado do Amazonas e
outras secretárias do Estado.
É necessário enxergar o que ainda está invisível, nesse sentido, é importante
buscar outras formas de compreensão das redes urbanas, principalmente as
existentes em uma menor escala, como a identificada pela Professora Tatiana Schor
como "redes ribeirinhas" na calha do Rio Solimões, pelo exposto por meio da
identificação de uma grande intensidade de aglomerados rurais isolados nas Calhas
dos Rios que percorrem a região Fronteiriça. Acreditamos que estas redes de
articulações podem ocorrer em outras bacias.
Todos estes esforços são associados com um plano de geração de
informações para subsidiar políticas públicas, e o principal objetivo desse empenho
é a formulação de projetos que visem o desenvolvimento econômico aliado com os
objetivos de desenvolvimento sustentável da Agenda 2030 da ONU para a região da
Faixa de Fronteira. Em especial a redução das desigualdades.

Referências

BRASIL. Ministério da Integração Nacional. Secretaria de Programas Regionais.


Programa de Desenvolvimento da Faixa de Fronteira. Proposta de Reestruturação
do Programa de Desenvolvimento da Faixa de Fronteira/Ministério da Integração
Nacional, Secretaria de Programas Regionais, Programa de Desenvolvimento da

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Faixa de Fronteira – Brasília: Ministério da Integração Nacional, 2005.3. Interações


com países vizinhos. p. 144-169.

BITOUN, Jan. Capítulo 9: A rede urbana e a fronteira. in: Fronteiras do Brasil:


diagnóstico e agenda de pesquisa para política pública, volume 2 / organizadores:
Bolivar Pêgo ...[ et al.]. - Brasília: Ipea: MI, 2017. p.166 - 175.

BUTEL, A. A dinâmica do transporte Pan-amazônico: as redes urbanas


estabelecidas na tríplice fronteira Brasil - Colômbia - Peru. in: Dinâmica urbana na
Amazônia brasileira: geografias e cidades na tríplice fronteira Brasil-Peru-Colômbia -
v.3 / Organização de Tatiana Schor. - Manaus: EDUA, 2016.

FARIA, I. F. Gestão do conhecimento e território indígena: por uma geografia


participante. Manaus: Reggo Edições, 2015.

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Divisão urbana-regional.


Diretoria de Geociências, Coordenação de Geografia. Rio de Janeiro: IBGE, 2013.

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Municípios da Faixa de


Fronteira. Disponível em:< https://www.ibge.gov.br/geociencias/organizacao-do-
territorio/estrutura-territorial/24073-municipios-da-faixa-de-fronteira.html?=&t=o-que-
e >. Acesso em: jul. 2019.

STEIMAN, Rebeca. Capítulo 6: Os arranjos transfronteiriços de conservação da


natureza. in: Fronteiras do Brasil: uma avaliação do arco Norte/Organizadores:
Bolívar Pêgo (Coordenador) ... [et al.] - Rio de Janeiro: Ipea, MI, 2018. p. 80 - 85.

SCHOR, Tatiana. As cidades invisíveis da Amazônia Brasileira. Mercator, Fortaleza,


v. 12, n. 28, p. 67-84, maio/ago. 2013.

SCHOR, Tatiana; OLIVEIRA, J. A. Reflexões metodológicas sobre o estudo da rede


urbana no Amazonas e perspectivas para a análise das cidades na Amazônia
Brasileira . Acta Geográfica, Revista do Curso de Geografia, Universidade Federal
de Roraima (UFRR), Boa Vista, 2011. Edição Especial: Cidades na Amazônia
Brasileira.

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A “GRANDE CORUMBÁ”i E OS DESAFIOS DOS CRIMES


TRANSFRONTEIRIÇOS EM FACE DAS NOVAS FERRAMENTAS VIRTUAIS
The “Great Corumbá” and the Challenges of Cross-Border Crimes in face of New
Virtual Tools
La “Gran Corumbá” y los Desafíos de los Crimenes Transfronterizos Frente a las
Nuevas Herramientas Virtuales

Manix Gonçalves dos Santos


Marcos Sérgio Tiaen
Luiz Gonzaga da Silva Junior

Resumo: Este artigo trata de pesquisa desenvolvida no âmbito da Polícia Civil de


Mato Grosso do Sul, em Corumbá e Ladário, MS fronteira com Bolívia, carreado pelo
Laboratório de Estudos Fronteiriços. O objetivo foi demonstrar como criminosos
passaram a adaptar em suas ações delituosas, as mesmas ferramentas virtuais
utilizadas pelas forças de segurança. Tais ferramentas uma vez adaptadas,
interferem nas rotinas das ações de segurança na fronteira Brasil Bolívia, “A grande
Corumbá”. Nossos estudos foram realizados a partir de uma opção metodológica
que permitisse conduzir a uma análise em dois sentidos: O primeiro se esteou em
ações e observações policiais, embasadas na ciência de possível ilícito existente no
limite fronteiriço. O segundo consistiu em uma revisão bibliográfica a respeito da
temática investigada. As ações das forças de segurança pública têm alcançado
resultados importantes, contudo necessitando de redimensionamentos institucionais.
Palavras-chave: Fronteira, Polícia Civil, Whatsapp, Tempo, Espaço.

Abstract: This article deals with a research carried out by the Civil Police of Mato
Grosso do Sul, in Corumbá and Ladário (MS) bordering Bolivia, implemented by the
Laboratory of Border Studies. The objective was to demonstrate how criminals has
adapted their criminal actions using the same virtual tools adopted by security forces.
Such tools, once adapted, interfere with the routines of security actions in Brazil -
Bolivia border, “The Great Corumbá”. Our studies were conducted from a
methodological option that would lead to a two-way analysis: The first was supported
by police actions and observations, based on the science of possible illicit existing at
the border. The second consisted of a literature review on the theme investigated.
The actions of the public security forces have achieved important results, however, it
requires institutional reorganizations.
Keywords: Border, Civil Police, WhatsApp, Time, Space.


Graduado em Direito CPAN/UFMS, Mestre em Estudos Fronteiriços CPAN/UFMS, Professor do
Curso de Direito da Faculdade Salesiana de Santa Teresa (FSST), Investigador de Polícia Judiciária
SEJUSP/MS. E-mail manixgoncalves@gmail.com.

Graduado em Educação Física UNICAMP, Mestre em Educação CPAN/UFMS, Coordenador do
Curso de Pedagogia da Faculdade Salesiana de Santa Teresa (FSST), Investigador de Polícia
Judiciária SEJUSP/MS. E-mail: fsst.pedagogia@steresa.org.br .

Graduado em Direito UFGD, Mestre em Estudos Fronteiriços CPAN/UFMS, Professor do Curso de
Direito da Faculdade Salesiana de Santa Teresa (FSST). E-mail luizgonzagajunior@hotmail.com

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Resumen: Este artículo aborda la investigación desarrollada por la Policía Civil de


Mato Grosso do Sul, en Corumbá y Ladário (MS), fronteriza con Bolivia, realizada
por el Laboratorio de Estudios Fronterizos. El objetivo era demostrar cómo los
delincuentes comenzaron a adaptar en sus acciones criminales las mismas
herramientas virtuales utilizadas por las fuerzas de seguridad. Dichas herramientas,
una vez adaptadas, interfieren con las rutinas de las acciones de seguridad en la
frontera entre Brasil y Bolivia, "La Gran Corumbá". Nuestros estudios se realizaron a
partir de una opción metodológica que conduciría a un análisis bidireccional: el
primero se basó en acciones y observaciones policiales, basada en la ciencia de
posibles ilícitos existentes en la frontera. El segundo consistió en una revisión de la
literatura sobre el tema investigado. Las acciones de las fuerzas de seguridad
pública han logrado resultados importantes, sin embargo, necesitan de
reorganizaciónes institucionales.
Palabras clave: Frontera, Policía Civil, WhatsApp, Tiempo, Espacio.

Introdução
Esse artigo emerge a partir do resultado de dois anos de uma pesquisa
desenvolvida no âmbito da Polícia Civil do estado do Mato Grosso do Sul (MS), em
Corumbá e Ladário, fronteira com a Bolívia, que está ladeada por Puerto Quijaro e
Puerto Suárez. Calha destacar que esta análise é um seguimento do estudo
realizado por Santos, Curto e Oliveira (2017), onde foi demonstrado como o uso da
ferramenta virtual adaptada ao ambiente policial pode mitigar tempo versus espaço,
no combate aos crimes transfronteiriços. No entanto, no decorrer deste presente
estudo foi percebida a utilização do mesmo expediente (uso das ferramentas
virtuais, dentre elas, o do aplicativo Whatsapp) pelo crime organizado, agora com fito
de assegurar a execução dos ilícitos desenvolvidos no espaço transfronteiriços, em
especial, os crimes de roubo de caminhões com retenção da vítima (art.157 §2º V do
Código Penal). A partir deste inusitado aspecto, o objetivo deste estudo foi identificar
como as ferramentas virtuais estariam sendo utilizadas pelo crime organizado em
face às modificações realizadas na atuação das forças de segurança na fronteira da
“Grande Corumbá”.
Diante do exposto, a metodologia constituiu-se em dois procedimentos. O
primeiro se esteou em ações e observações policiais, embasadas na ciência de
possível ilícito existente no limite fronteiriço. O segundo consistiu em uma revisão
bibliográfica a respeito da temática investigada, levando em consideração as mais
diversas bases de consulta, como: plataforma Scielo, periódico CAPES, Google

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Acadêmico, legislação penal vigente, além de material disponível nos acervos


particulares da equipe de pesquisadores nos últimos 10 anos.
Observadas as operações de combate a crimes transfronteiriços, tanto a
polícia, quanto os criminosos passaram a perceber que o delito transfronteiriço
resultará na frustração ou o êxito, somente se considerada a questão tempo versus
espaço. Ou seja, entre a ação dos criminosos e a comunicação oficial do crime,
quanto mais rápida for, maiores são as possibilidades de uma ação exitosa das
policias transfronteiriças. Desta forma, percebem-se novas adaptações feitas pelos
criminosos e que consideram as lacunas da atuação das forças de segurança, que
embora presentes fisicamente, ainda operaram a partir da comunicação oficial do
crime, carecendo de mecanismos de otimização da relação tempo versus espaço.
Frente a tais observações, os estudos nos conduziram as adequações que os
criminosos utilizaram na mesma plataforma Whatsapp, trazendo, portanto, a
problemática: Como as forças de segurança poderão agir frente a este novo modo
de atuação criminosa?

Localização Espacial da Fronteira Em Estudo


Neste momento é importante recortar o espaço físico, objeto desta pesquisa,
com escopo de delimitar a leitura territorial, de onde se desenvolveram as ações e
observações do presente estudo. Desta forma, a cidade de Corumbá está envolvida
por três cidades: do lado brasileiro temos o município de Ladário, e do lado boliviano
temos as cidades de Puerto Quijarro e Puerto Suarez. Nesta ordem de distância, o
limite internacional com a Bolívia, dista 5 km do seu centro, sendo esta ligação feita
por vias pavimentadas em bom estado de conservação, na qual a principal delas a
Rodovia Ramão Gomes.
É interessante ressaltar a presença de muitos órgãos de segurança pública
neste percurso: o 6º Batalhão de Policia Militar de Corumbá, situado na Rua Dom
Aquino, via que faz ligação com a Rodovia Ramão Gomes; a presença da Polícia
Militar Ambiental, as margens da rodovia; a Policia Rodoviária Estadual, situada
dentro do complexo do parque Marina Gattas; a Policia Rodoviária Federal, situada
a frente do antigo pedágio da rodovia; a Policia Federal e a Receita Federal situada
no complexo do Posto ESDRAS, situados nos limites fronteiriços de Brasil e Bolívia.
Isso nos possibilita levantar alguns questionamentos sobre a problemática
apresentada neste estudo, pois como salientado, a presença dos órgãos

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fiscalizadores e repressivos é notória na faixa de fronteira, não sendo, portanto,


coibidores de práticas criminosas transfronteiriças.

Imagem 01 - Cidades que Fazem Parte da “Grande Corumbá”

Fonte: Google Maps

No que tange a conduta ilícita analisada, elegemos o crime previsto no art.157


§2º V do Código Penal (CP), como objeto de estudo. Tal eleição não foi aleatória,
mas sim, por razões de constante incidência no limite territorial recortado.

Modus Operandi da Criminalidade


No nosso entendimento, a criminalidade está sempre atenta às inovações
realizadas pelas instituições que fazem parte do rol da segurança pública, portanto,
adéquam o seu modus operandi de acordo com as implementações realizadas pelos
setores de inteligências destas agências.
Segundo o dicionário online de português (2019), modus operandi significa a
maneira através da qual uma pessoa ou uma associação, empresa, organização ou
sociedade, trabalha ou realiza suas ações; modo utilizado para desenvolver ou
realizar alguma coisa; processo de realização.

Diante do exposto, este estudo analisou o novo modus operandi utilizado pelo
crime organizado nos ilícitos transfronteiriços e, desta forma, elegemos um caso
ocorrido em Corumbá, no mês de maio de 2019, envolvendo uma carreta roubada

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no estado de Mato Grosso, onde a vítima era mantida em cárcere privado na cidade
de Várzea Grande – MT.

Imagem 02 - A rota feita pelo caminhão no fato mencionado

Fonte: Google Maps – distância entre as cidades

No caso apresentado os criminosos, ao iniciarem a ação a 1.136 km (mil


cento e trinta e seis quilômetros) de distância, agem já com o conhecimento da
questão tempo versus espaço, pois embora tivessem ciência que um dos integrantes
da quadrilha (motorista) iria percorrer uma distância considerável, e em seu trajeto
passaria por postos de pedágio e diversos órgãos de segurança pública, os
criminosos perceberam que as forças de segurança buscam mitigar o tempo versus
espaço, a partir do conhecimento do crime já ocorrido, ou ocorrendo. Portanto uma
vez que a vítima ainda não efetuou a comunicação do crime, as forças de segurança
permanecem inativas para o seu combate.
Temos de ressaltar que a rota, tratada neste caso, já possui outros casos de
delitos desta natureza e que se assemelham também aos delitos ocorridos em
outros grandes centros como São Paulo e Goiás. O que chama a atenção neste
estudo e tem como novidade é que a questão tempo versus espaço, neste caso
possui uma “lógica inversa” tratada no estudo de Santos, Curto e Oliveira (2017),
pois naquele o curto tempo e o pequeno espaço a ser percorrido para se cruzar a

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fronteira era mitigado pela resposta rápida das forças de segurança através de
ferramenta virtual WhatsApp. Agora, este estudo aponta que os criminosos utilizam
da ferramenta virtual para garantir que as forças de segurança não tenham
conhecimento do crime, percorrendo um longo percurso de espaço em um tempo
considerável, com o mesmo objetivo delituoso de cruzar a fronteira e levar o objeto
subtraído ao país vizinho.

Imagem 03 - Matéria “Golpe Do Falso Frete”, vinculada pela Tv Morena

Fonte: Tv Morena, G1 24/05/2019.

Para melhor compreender todo esse processo é preciso detalhar o fato


ocorrido: a ação citada neste estudo foi iniciada após contato feito pela Receita
Federal, via aplicativo WhatsApp, procedimento adotado pelo setor de investigação
da Policia Civil de Ladário, após os resultados da pesquisa de Santos, Curvo e
Oliveira (2017), no intuito de otimizar as informações e diminuir os desafios trazidos
pelas dimensões espaciais e temporais no acometimento dos ilícitos fronteiriços.
Desta forma, na ocorrência em tela, a Receita Federal após fiscalização documental
referente ao veículo, feita através do manifesto internacional de cargas (MIC),
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percebeu que o mesmo não possuía permissão para transporte internacional,


documentação expedida pela Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT)
para veículos que queiram transportar cargas de exportação e importação. Esse
procedimento foi adotado após reunião entre os policiais da Delegacia de Ladário e
os fiscais do posto da Receita Federal localizada na fronteira Brasil/Bolívia nesta
região, conhecida como Posto Esdras.
Isso vai ao encontro com a preocupação de Dias Júnior, Crivelatti e Costa
(2012), em relação a ter um local para concentrar a fiscalização destes veículos,
mesmo sabendo que existem outras possibilidades de passagens destes veículos
para o país vizinho, como as estradas vicinais (cabriteiras), atualmente menos
utilizada devido à implementação da vigilância com a utilização de câmeras de
segurança instaladas pela Secretaria de Segurança Pública do estado do Mato
Grosso do Sul – SEJUSP/MS, desta forma o Posto Esdras passou a ser a “porta” de
entrada destes veículos.
são inúmeras possibilidades de entradas de difícil fiscalização. Várias
dessas passagens contornam o Lampião Aceso, que é o principal
ponto de fiscalização adotado, na saída da cidade de Corumbá-MS.
Isso nos levou a procurar um ponto de convergência dessas
“cabriteiras”. Um local que pudesse concentrar a fiscalização das
mesmas, sem a necessidade de vigiar tenazmente aquelas
passagens, impossibilitadas pelo efetivo policial. (DIAS JÚNIOR;
CRIVELATTI; COSTA, 2012, p. 54)

Diante da irregularidade constatada, os fiscais entraram em contato com os


investigadores da Delegacia de Polícia de Ladário e reteram o veículo e o motorista
para análise documental.
Após o contato realizado, elencamos outra dificuldade produzida pelas
dimensões espaciais e temporais citada por Santos, Curto e Oliveira (2017), no que
tange a distância e o tempo de deslocamento até o referido local, que neste aspecto
facilitam a arquitetação da “empreitada” delituosa dos criminosos, pois os mesmos
se mantém em contato pelo uso das ferramentas virtuais (WhatsApp e Mensagens
telefônicas), podendo assim ter tempo hábil em tentar solucionar o problema
ocorrido.

A Delegacia de Corumbá e o Instituto de Identificação da Unidade


Regional de Perícia de Corumbá e a Delegacia de Ladário distam,
respectivamente, 06 e 11,9 km do limite. Utilizando as viaturas
disponíveis, é possível percorrer esses trechos em média de 10
minutos de Corumbá e 22 minutos de Ladário, fazendo uso das

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principais vias das cidades. (SANTOS; CURTO; OLIVEIRA, 2017, p.


60)

Ao chegarem ao local, os investigadores da Polícia Civil de Ladário,


indagaram o motorista sobre o que ele iria carregar no país vizinho e o mesmo se
apresentou nervoso e por diversas vezes entrou em contradição. Ainda, revelou que
quem havia entregue o MIC teria sido uma mulher residente em Corumbá, e esta
teria passado instruções a ele, pedindo para que enviasse a todo o momento a
localização pelo aplicativo WhatsApp. Os policiais então realizaram uma consulta ao
recinto alfandegário Armazéns Gerais Alfandegados de Mato Grosso do Sul (Agesa),
local onde são realizados os desembaraços aduaneiros e confirmaram que o
documento portado pelo condutor do caminhão era falso, diante da presunção do
ilícito, os policiais com a autorização do motorista, realizaram uma verificação em
seu telefone celular, onde foi constatada toda ação da quadrilha.
Os policiais civis fizeram buscas no caminhão e encontraram peças de roupas
que não pertenciam ao motorista, assim como recibos de posto de gasolina. A
equipe conseguiu descobrir o verdadeiro proprietário do veículo através de contatos
com a seguradora e posteriormente com a família da vítima, que era mantido refém
pela quadrilha na cidade de Várzea Grande, em Mato Grosso. Os investigadores de
Ladário, então, entraram em contato com a Policia Civil de Mato Grosso e
confirmaram que o proprietário era mantido em cárcere privado, mas que já havia
sido liberado após os sequestradores descobrirem que o caminhão em fronteira
havia sido preso juntamente com o seu motorista, estas informações teriam sido
repassadas pelos receptadores do veículo via WhatsApp.

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Imagem 04 - Matéria “Golpe Do Falso Frete” - Foto via WhatsApp aos


receptadores do caminhão apreendido no pátio da Receita Federal – Posto
Esdras

Fonte: Tv Morena, G1 24/05/2019.

O motorista foi preso em flagrante e, enquanto era encaminhado para a


Delegacia, juntamente com a carreta, a equipe de investigadores foi até a casa da
mulher que havia entregue o MIC ao motorista, localizada em um bairro na parte alta
do município de Corumbá - MS, que também foi detida. Ela assumiu a participação
no delito, relatando que foi responsável pela entrega do MIC falso ao motorista e que
mantinha contato com os demais membros da associação criminosa em Mato
Grosso do Sul e na Bolívia, via aplicativo WhatsApp, desta forma, mediante
autorização da suspeita, foi verificado também em seu celular toda a ação criminosa.

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Imagem 05 - Matéria “Golpe do Falso Frete” - Momento que um dos criminosos


envia a foto via Whatsapp do caminhão seguindo para a fronteira, informação
passada aos criminosos de MT e para os receptadores na Bolívia

Fonte: Tv Morena, G1 24/05/2019.

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Imagem 06 - Matéria “Golpe do Falso Frete” - Momento que um dos criminosos


envia a foto via WhatsApp do caminhão seguindo para a fronteira, informação
passada aos criminosos de MT e para os receptadores na Bolívia

Fonte: Tv Morena, G1 24/05/2019.

O delegado de Polícia de Ladário, afirmou na época dos fatos que as


investigações continuariam, pois desta forma conseguir-se-ia evitar o pior,
recuperando o bem roubado e prendendo os envolvidos na região de Corumbá. As
investigações continuaram existindo pelo menos mais dois inquéritos policiais
apurando a ação de associações criminosas na região.
Essa ocorrência demonstra a utilização da “contra-inteligência” por parte do
crime organizado diante das ações propostas por Santos, Curto e Oliveira (2017),
que segundo Gonçalves (2003):

Inteligência pode ser definida como “a atividade que objetiva a


obtenção, análise e disseminação de conhecimentos, dentro e fora
do território nacional, sobre fatos e situações de imediata ou
potencial influência sobre o processo decisório e a ação

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governamental e sobre a salvaguarda e a segurança da sociedade e


do Estado”. Contra-Inteligência, por sua vez, é a atividade voltada à
“neutralização da Inteligência adversa” – a qual pode ser tanto de
governos como de organizações privadas (GONÇALVES, 2003,
p.2)

Percebemos então que o crime organizado, após terem notado as ações


fronteiriças efetuadas pelas instituições responsáveis pela fiscalização e repressão
contra esses crimes, utilizou-se das ferramentas virtuais e criaram um modus
operandi (que será apresentado abaixo), parta tentar ludibriar o setor de inteligência
da Policia Civil e da Receita Federal, no intuito de terem sucesso no acometimento
deste tipo de crime.
Diante do exposto, conseguimos identificar o “passo a passo” (modus
operandi) da criminalidade. Os autores envolvidos neste tipo de crime, procuram
atrair suas vítimas (caminhoneiros), através de anúncio de aplicativos de cargas
para caminhões/carretas; uma vez a vítima é atraída, os autores marcam um local,
simulando como se “fossem carregar o veículo”, momento em que rendem o
motorista e o fazem refém; é neste momento em que cada qual assume sua função
específica, onde alguns envolvidos conduzem o motorista ao cárcere, para que
então outro autor assuma a direção do veículo subtraído e conduza ao país vizinho.
As tarefas são “bem distribuídas”. Onde houveram situações que um
motorista conduzia até Corumbá e então outro da região fazia o “cruze”, conduzindo
o veículo ao país vizinho (Bolívia), já de posse do MIC/DTA (Manifesto Internacional
de Carga Rodoviária/Declaração de Trânsito Aduaneiro) documento aduaneiro este
já com dados do veículo e motorista “para cruzar a fronteira sem maiores
problemas”, pois até então não existe Notitia Criminis, (pois a vítima está em
cárcere). Uma vez que o veículo está em solo internacional, o motorista que “cruzou
o veículo” informa os demais autores, que “liberam a vítima do cárcere”, onde só
então é lavrado o boletim de ocorrência no “local da abordagem” da vítima, nos mais
diversos estados da federação, dificultando a atuação policial, já que geralmente, os
veículos se encontram fora do território brasileiro.
Pessoas envolvidas com transporte internacional de carga, tais como
despachantes aduaneiros, agenciadores de carga, caminhoneiros, chamam
informalmente de “MIC Lastre” o documento aduaneiro que autoriza a entrada de um
veículo de carga (caminhão/carreta) a adentrar ou sair de um país para o outro (para

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carregar ou descarregar). Formalmente, este documento é MIC/DTA (Manifesto


Internacional de Carga Rodoviária/Declaração de Trânsito Aduaneiro).
Diante das informações, o MIC: Significa manifesto internacional de cargas –
DTA: Declaração de trânsito aduaneiro, que é um documento de autorização
alfandegária utilizado no transporte rodoviário, para que as mercadorias sujeitas a
controle aduaneiro sejam transportadas de um recinto aduaneiro a outro numa
mesma operação para despacho em trânsito aduaneiro na fronteira, onde apenas
confere-se a documentação e o lacre da carga. A operação é integrada pelo termo
de responsabilidade firmado pelo beneficiário do trânsito e pela empresa
transportadora esta fiscalização é de competência da Receita Federal.
Uma vez que a parte “operacional da quadrilha já agiu”, ou seja, já está com o
refém, e já está em trânsito o veículo subtraído, outra parte da quadrilha, “age a
parte burocrática”, emitindo o MIC/DTA com os dados do veículo, com os dados do
motorista que vai cruzar a fronteira. Tudo aparentemente como se fosse uma
“operação aduaneira normal”, tomando o cuidado de emitir o MIC para caminhão
VACIO (vazio), como se aquele “fosse carregar no país vizinho”, evitando “entraves”,
pois não “existe boletim de ocorrência de roubo” (o motorista está refém no cárcere);
o MIC está “esquentado”, portanto não tem quem “pare a ação”.
No entanto, a equipe de investigação, analisando os detalhes deste “excesso
de confiança desses autores”, pois existe um cadastro na Agência Nacional de
Transportes Terrestres (ANTT), que “prevê” somente veículos cadastrados para
TRANSPORTE INTERNACIONAL DE CARGA podem utilizar-se de MIC/DTA. Desta
forma surgem alguns questionamentos: Quem vai averiguar esta situação? A
Receita Federal que é a instituição com a responsabilidade de conferir o MIC/DTA e
e o lacre da carga (mas os caminhões estão vazios)? A ANTT? Seria a ANTT, que é
a agência reguladora que emite o cadastro dos veículos que estão autorizados a
fazer transporte internacional de cargas? Ou a Polícia, independente de qual for
(Polícia Civil, Polícia Militar, Polícia Federal ou Polícia Rodoviária Federal)? Uma vez
que geralmente só recebem a informação depois que o veículo subtraído já está fora
do território nacional. Uma coisa é certa, o crime “se articula rapidamente”, no
entanto, não importa qual o órgão de segurança pública irá deter a ação criminosa, o
que importa é a frustração da ação criminosa, preservando a vida e o patrimônio do
cidadão, cumprindo assim a sua missão.

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A equipe de Investigação da Delegacia de Polícia de Ladário tem obtido êxito


em algumas diligências e investigações. Visando combater este tipo de crime,
embora com algumas dificuldades, as supracitadas, dentre outras, podemos afirmar
que a sintonia da equipe e o alinhamento com agentes de outros órgãos, como
Receita Federal e até mesmo com a colaboração da Polícia Boliviana DIPROVE1,
estão conseguindo “dar uma resposta” eficaz. Muitas das vezes, conseguem reaver
alguns caminhões/carretas como no caso supracitado (procedimentos estes
constantes nos autos a disposição da Justiça brasileira e ou a quem interessar), tem
ainda buscado traçar o modo de ação destes autores, para com eficácia se alcance
a eficiência em solucionar estes delitos. Considera-se que as “vítimas tem a
sensação de que nada se pode fazer”, pelo fato do bem subtraído, já não estar em
solo brasileiro. Nota-se que exercer atividade policial em faixa de fronteira é
atividade “impar”, onde o empenho de cada funcionário envolvidos nos mais
diversos órgãos como Receita Federal, Polícias, Agências reguladoras, dentre
outros, é de suma importância para o êxito na resposta, preservando não só o
patrimônio material como a vida das vítimas deste tipo de delito.
Conforme já mencionado, elegemos como objeto de estudo a pratica do crime
previsto no art.157 §2º IV; V do CP:
Roubo Art. 157 - Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem,
mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la,
por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência:
(...)§ 2º A pena aumenta-se de 1/3 (um terço) até metade:
IV - se a subtração for de veículo automotor que venha a ser
transportado para outro Estado ou para o exterior;
V - se o agente mantém a vítima em seu poder, restringindo sua
liberdade.
Para melhor compreensão das majorantes previstas nos incisos IV (se a
subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para outro estado
ou para o exterior); e V (se o agente mantém a vítima em seu poder, restringindo
sua liberdade) do ilícito, necessário realizar os seguintes adendos:
O tipo penal previsto no art.157 “caput” do CP, no que tange a consumação,
configura-se como crime instantâneo, neste sentido Jesus preleciona:

Instantâneo, consuma-se no momento em que o objeto material


sai da esfera de disponibilidade da vítima, ingressando na do
sujeito (roubo próprio), ou com a ofensa pessoal ao ofendido
(roubo impróprio) (JESUS, 1991 p.298).

1
Dirección de Investigación y Prevención de Robo de Vehículos (Diprove)

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Com efeito, não se pode desconsiderar que quando a conduta envolve a


retenção da vítima (restrição de sua liberdade, configurador do inciso V do art.157
do CP), o crime passaria ser permanente, já que a vítima estaria sendo mantida em
poder do criminoso, durante a ação da subtração, o que per se, prolongaria a
execução do crime até sua efetiva libertação.
Sobre crime permanente dita Galvão (2013):

(...) o crime permanente é aquele em que a violação da norma


jurídica subjacente ao tipo se prolonga no tempo, de modo que
resta preservada a situação de sua consumação. A consumação
do crime permanente não se verifica em um dado instante, mas se
conserva por considerável período de tempo. (GALVÃO, 2013,
p.1031).

No caso dos crimes verificados nas investigações, em especial, o roubo de


caminhões, denotou-se que o modus operandi consistia em, após realizar a
subtração do bem, manter a vítima (proprietário ou condutor do caminhão) em poder
de um dos membros criminosos, visando com isso, não levantar qualquer suspeita
do roubo. A segunda parte da execução consistia em transportar o caminhão
roubado para a fronteira (no caso Brasil/Bolivia) configurando agora, por esta razão,
o inciso IV do §2º do art.157 do CP (se a subtração for de veículo automotor que
venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior), assumido o ilícito
sua característica de transfronteiriço.
A ação do transporte da res furtiva é monitorada por intermédio das
ferramentas digitais (em especial WhatsApp), e como não há notícia de roubo
(considerando que a vitima esta em poder dos criminosos), a repreensão ao crime
se torna deficiente por parte dos agentes de segurança publica, já que a única pista
de ilegalidade, se dá, no momento da apresentação de documentações afetas ao
manifesto de suposta cargas (MIC), cuja verificação é afeta ao exercício de
fiscalização dos agentes da Receita Federal.
A estrutura criminosa, geralmente conta com mais de duas pessoas para
executar o crime, entretanto, geralmente, quem é preso conduzindo o veículo, por
falta de prova na participação do roubo, acaba por responder pelo crime de
receptação previsto no art.180 do CP:
Receptação: Art. 180 - Adquirir, receber, transportar,
conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que
sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de
boa-fé, a adquira, receba ou oculte:

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Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

Com efeito, cabe os entes públicos idealizarem métodos para fomentar o


combate ao crime, considerando a descoberta do modus operandi utilizado para a
prática desse ilícito transfronteiriço.

Considerações
Conforme demonstrado as ferramentas virtuais estão abertas ao público
usuário de plataformas digitais e, neste contexto, oferecem a todos os seus adeptos
o mesmo instrumento, devendo o poder público, neste caso, as forças de segurança
pública, acompanhar a evolução tecnológica no sentido de aprimoramento de ação
ao enfrentamento de crimes que se utilizam destas ferramentas. As ações de
segurança pública dos mais diversos órgãos, correm sérios riscos de ficarem
prejudicadas se houver a desconsideração da utilização destas tecnologias.
Nossos estudos demonstram que a mobilidade criminosa, nos traz a
percepção de que a cada ato no combate ao crime, impulsiona também,
adequações nas ações criminosas. Os órgãos de segurança pública na fronteira,
uma vez presente, deveriam “trocar mais informações”, como fora a experiência da
Polícia Civil com a Receita Federal, visando mitigar o delito de roubo de caminhões.
Desta forma, nos lançamos a um questionamento crucial, que nos indica
necessidade de futuros estudos: Os órgãos de segurança pública e seus agentes,
trocam poucas informações por falta de integração entre os órgãos, por negligenciá-
las, ou por terem a perspectiva de que cada órgão limita-se a sua função em seu
território?

Referências Bibliográficas

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https://diarionline.com.br/?s=noticia&id=110179 Acesso em: 27/07/ 2019

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Fronteira Brasil-Bolívia em Corumbá-MS. In: Segurança Pública e Cidadania,
2012, v. 5, n. 2, pp. 33-59.

DICIONÁRIO ONLINE DE PORTUGUÊS. https://www.dicio.com.br/modus-operandi/


Acesso em: 15/08/2019

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64935:0xfbb74bb1fac6cf4c!2m2!1d56.1327131!2d15.646248!1m5!1m1!1s0x9387a07
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em: 27/07/2019

i
Polígono que envolve as quatro cidades (Corumbá, Ladário, Puerto Quijarro e Puerto Suarez), tendo
Corumbá uma função centralizadora dos acontecimentos nesta região.

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A QUESTÃO DO GÁS E SUAS REPERCUSSÕES NA RELAÇÃO BRASIL-


BOLÍVIA: UMA ANÁLISE SOB A LUZ DA TEORIA DA “INTERDEPENDÊNCIA
COMPLEXA”
The Gas Issue and Its Repercussions in the Brazil-Bolivia Relationship: An Analysis
under the Light of the Theory of “Complex Interdependence”
La Cuestión del Gas y sus Repercusiones en la Relación Brasil-Bolivia: Un Análisis a
la Luz de la Teoría de la "Interdependencia Compleja".

Adriana dos Santos Corrêa


Bruna Letícia Marinho Pereira

Resumo: O comércio de gás boliviano para o Brasil teve início na década de 1990,
com o advento do GASBOL e um dos tratados em vigor tem como prazo final
dezembro de 2019. Mudanças importantes sobre o mercado nacional de gás são
sinalizadas pelo o atual governo brasileiro e este fator pode gerar grandes impactos
nos novos acordos bilaterais a serem firmados para os próximos anos. O objetivo
deste trabalho é compreender a lógica de cooperação e interdependência
historicamente estabelecida entre Brasil-Bolívia na questão do gás, e apresentar as
perspectivas futuras desta relação. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, de cunho
exploratório, pautada em análise bibliográfica e documental a qual contou com as
contribuições de Keohane e Nye sobre a “interdependência complexa” nas relações
internacionais.
Palavras-chave: GASBOL, Brasil, Bolívia, Teoria da Interdependência Complexa.

Abstract: The Bolivian gas trade to Brazil began in the 1990s, with the advent of
GASBOL and one of the treaties has as deadline December 2019. Significant
changes in the national gas market are signaled by the current Brazilian government
and this factor may have large impacts on new bilateral agreements to be signed for
the coming years. The aim of this paper is to understand the logic of cooperation and
interdependence historically established between Brazil-Bolivia in the gas issue, and
to present the future perspectives of this relationship. This is a qualitative, exploratory
research, based on bibliographic and documentary analysis, which counted on the
contributions of Keohane and Nye on the “complex interdependence” in international
relations.
Key words: GASBOL, Brazil, Bolivia, Theory of Complex Interdependence.

Resumen: El comercio de gas boliviano a Brasil se inició en la década de 1990, con


el advenimiento de Gasbol y en uno de los tratados vigente tiene como fecha limíte


Bacharel em Relações Internacionais, Mestranda em Fronteiras e Direitos Humanos da Faculdade
de Direito e Relações Internacionais- Universidade Federal da Grande Dourados. E-mail:
adrianasantoscorrea03@gmail.com

Bacharel em Relações Internacionais, Mestranda em Fronteiras e Direitos Humanos da Faculdade
de Direito e Relações Internacionais- Universidade Federal da Grande Dourados. E-mail:
brrunaleticia@hotmail.com

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diciembre de 2019. Cambios importantes en el mercado nacional de gas son


señalados por el actual gobierno brasileño y este factor puede generar importantes
impactos en los nuevos acuerdos bilaterales que se firmarán para los próximos
años. El objetivo de este trabajo es entender la lógica de la cooperación e
interdependencia históricamente establecida entre Brasil y Bolivia en el tema del
gas, y presentar las perspectivas futuras de esta relación. Se trata de una
investigación cualitativa, exploratoria, basada en el análisis bibliográfico y
documental que contó con las contribuciones de Keohane y Nye sobre la
“interdependencia compleja” en las relaciones internacionales.
Palabras clave: GASBOL, Brasil, Bolivia, Teoría de la Interdependencia Compleja.

* Trabalho completo selecionado para publicação na Revista GeoPantanal, v. 14, n.


27, 2019.
https://periodicos.ufms.br/index.php/revgeo

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A SEGURANÇA NA FRONTEIRA ENTRE BRASIL E PARAGUAI: É POSSÍVEL


COOPERAR?
Security on the Border Between Brazil and Paraguay: is it Possible to Cooperate?
Seguridad en la Frontera entre Brasil y Paraguay: ¿es Posible Cooperar?

Maurício Kenyatta Barros da Costa

Resumo: a pergunta deste artigo é: por que Brasil e Paraguai não cooperam com o
intuito de integrar suas fronteiras, principalmente, no campo da segurança
fronteiriça? A hipótese desse artigo é que políticas para as fronteiras mais próximas
ao paradigma realista, principalmente no campo da segurança, para as fronteiras
dificulta, senão impede, a cooperação e a integração das fronteiras. O argumento
em torno da hipótese e da resposta da pergunta levantada considera a interação
entre o âmbito doméstico e externo. O método utilizado é o método comparado, o
que faz com que esse artigo também pertença ao campo da Política Comparada, já
que esse é um campo definido por seu método.
Palavras-chave: Fronteiras; Brasil; Paraguai; Segurança; Defesa; Política
Comparada.

Abstract: The question of this article is: why Brazil and Paraguay do not cooperate
in order to integrate their borders, especially in the field of border security? The
hypothesis of this paper is that border policies closer to the realistic paradigm,
especially in the field of security, for borders make it difficult, if not preclude,
cooperation and integration of borders. The argument around the hypothesis and the
answer to the question raised considers the interaction between the domestic and
external spheres. The method used is the comparative method, which makes this
article also belong to the Comparative Policy field, since this is a field defined by its
method.
Keywords: Borders; Brazil; Paraguay; Security; Defense; Comparative Policy.

Resumen: La pregunta de este artículo es: ¿Por qué Brasil y Paraguay no cooperan
para integrar sus fronteras, especialmente en el campo de la seguridad fronteriza?
La hipótesis de este documento es que las políticas fronterizas más cercanas al
paradigma realista para las fronteras, especialmente en el campo de la seguridad,
dificultan la cooperación e integración en las fronteras. El argumento en torno a la
hipótesis y la respuesta a la pregunta planteada considera la interacción entre las
esferas doméstica y externa. El método utilizado es el método comparativo, lo que
hace que este artículo también pertenezca al campo Política comparativa, ya que
este es un campo definido por su método.
Palabras clave: Frontera; Brasil; Paraguay; Seguridad; Defensa; Política
Comparative.

Mestre em Política Internacional pela Universidade de Brasília (UnB); doutorando em Relações
Internacionais pela UnB; Professor voluntário na UnB; Coordenador de pesquisa e pesquisador do
Grupo de Estudos e Pesquisas em Segurança Internacional da UnB (mauriciodfgo@gmail.com).
https://orcid.org/0000-0003-3524-3574

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* Trabalho completo selecionado para publicação na Revista GeoPantanal, v. 14, n.


27, 2019.
https://periodicos.ufms.br/index.php/revgeo

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IMPRESSÕES SOBRE AS FRONTEIRAS INTERNACIONAIS DE PEDRO JUAN


CABALLERO (PY) E PONTA PORÃ (BR) E DE TIJUANA (MX) E SAN DIEGO (US)
Impressions on the International Borders of Pedro Juan Caballero (PY) and Ponta
Porã (BR) and Tijuana (MX) and San Diego (US)
Impresiones sobre las Fronteras Internacionales de Pedro Juan Caballero (PY) y
Ponta Porã (BR) y Tijuana (MX) y San Diego (US)

Mirella Lacerda Teixeira de Souza


Midiane Scarabeli Alves Coelho da Silva

Resumo: O presente trabalho faz um levantamento de questões que diferenciam as


fronteiras entre as cidades de Tijuana e San Diego e entre Ponta Porã e Pedro Juan
Caballero, além de verificar as mudanças que ocorreram até os dias atuais. Para
tanto, foi feito um levantamento teórico que busca explicar que as fronteiras
concretas não são como as delimitadas nos mapas, mas, para além disso,
apresentam uma certa fluidez, demonstrando amplas possibilidades. Como
resultado são relatadas no texto as questões pertinentes à fronteira Estados Unidos
e México, desde a história da migração da população da Inglaterra para a América
do Norte até a análise do Nafta como acordo entre ambos os países. Assim também,
há um levantamento histórico do Brasil e do Paraguai, principalmente no que se
refere à Guerra da Tríplice Aliança, o desenvolvimento da Companhia Matte
Laranjeira e as questões de interação que são desenvolvidas nas cidades.
Palavras-chave: Fronteira; Brasil e Paraguai; Estados Unidos e México.

Abstract: This paper surveys the issues that differentiate the boundaries between
the cities of Tijuana and San Diego and between Ponta Pora and Pedro Juan
Caballero, as well as verifying the changes that have occurred to the present day.
For this, a theoretical survey was made that seeks to explain that the concrete
boundaries are not like those delimited in the maps, but, besides, they present a
certain fluidity, demonstrating wide possibilities. As a result, issues pertaining to the
US-Mexico border are reported in the text, from the history of the population's
migration from England to North America to the analysis of NAFTA as an agreement
between both countries. Also, there is a historical survey of Brazil and Paraguay,
especially with regard to the Triple Alliance War, the development of the Matte
Laranjeira Company and the interaction issues that are developed in the cities.
Key words: Border; Brazil and Paraguay; United States and Mexico.

Resúmen: Este documento analiza los problemas que diferencian las fronteras entre
las ciudades de Tijuana y San Diego y entre Ponta Pora y Pedro Juan Caballero, y
también verifica los cambios que se han producido hasta el día de hoy. Para esto, se

Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal da Grande
Dourados (UFGD). E-mail: mirellalacerda@gmail.com

Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal da Grande
Dourados (UFGD). Bolsista CAPES. E-mail: midiane.scarabeli@yahoo.com.br

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realizó una encuesta teórica que busca explicar que los límites concretos no son
como los delimitados en los mapas, pero, además, presentan cierta fluidez, lo que
demuestra amplias posibilidades. Como resultado, los problemas relacionados con
la frontera entre Estados Unidos y México se informan en el texto, desde la historia
de la migración de la población de Inglaterra a América del Norte hasta el análisis
del TLCAN como un acuerdo entre ambos países. Además, hay una encuesta
histórica de Brasil y Paraguay, especialmente con respecto a la Guerra de la Triple
Alianza, el desarrollo de la Compañía Matte Orange y los problemas de interacción
que se desarrollan en las ciudades.
Palabras clave: Frontera; Brasil y Paraguay; Estados Unidos y México.

Introdução
As discussões sobre fronteiras têm tomado ampla relevância e abordagens
teórico-metodológicas mundialmente, principalmente em virtude dos grandes
acontecimentos das últimas décadas, dos quais podem ser citados: a queda do
Muro de Berlim, construído para separar a parte ocidental da parte oriental; o conflito
árabe-israelense; construção de muros e cercas nas cidades espanholas Ceuta e
Melila para conter a onda migratória advinda do continente africano.
No Brasil, assim como em outras partes do mundo, há situações em que
despertam o interesse pelo estudo de fronteiras, como é possível perceber entre os
conflitos de demarcação de terras entre indígenas e ruralistas brasileiros; e o mais
recente caso da hipótese que ocorreu sobre o fechamento das fronteiras entre Brasil
e Venezuela.
Como é possível perceber, a questão é complexa e exige um esforço para
estudar detalhadamente as particularidades de cada região fronteiriça, pois cada
uma possui características próprias no que tange a lidar com estas questões.
Igualmente como outros conceitos da Geografia estão em constante processo de
revisão conceitual, a fronteira ao longo dos estudos entre metodologia e análise
teórica vem tomando diferentes interpretações em virtude das suas novas
configurações. Observa-se que ela se transforma porque adquire uma nova
interpretação que considera a população que está no seu entorno e as trocas
sociais, superando sua configuração limitada, estática e organizada político e
administrativamente. As fronteiras avançam, superam limites, movimentam,
expandem, definem e redefinem identidades e interage os agentes nos seus
espaços.

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Nesse mesmo sentido, mostra as dificuldades que enfrentou a Geografia, em


virtude da sua morosidade, em compreender que o espaço é antes de tudo as
transformações que ocorrem por meio das atividades sociais nele realizadas. No
entanto, é importante destacar como o estudo do espaço tem tomado grande
“fôlego” nos debates da Geografia e isso é fundamental por se fazer necessária a
análise de todas as formas que constitui o espaço e a sua dinâmica que,
consequentemente, interfere na dinâmica das fronteiras.
Anteriormente, o que mais importava para a Geografia eram os
acontecimentos que se encontravam no espaço, supervalorizando somente os
aspectos físicos dados pela natureza. Tal abordagem geográfica perdurou por muito
tempo, amplamente realizada pela maioria dos geógrafos e, é de fato, ainda mantida
por alguns, sendo compreensível entender porque a Geografia Social foi lenta para
desenvolver-se.
Observando por essa ótica, uma parte dos estudos da Geografia não se
relacionava com a totalidade que ocorria no espaço. Em tempos remotos, seus
conhecimentos foram fundamentais para ajudar na sobrevivência do ser humano. No
entanto, não se levava em consideração que esse mesmo humano que se utilizava
dos recursos dados pela natureza, também influenciava na sua mudança. Essas
transformações da sociedade sobre o espaço foram por muito tempo negligenciadas
(SANTOS, 1977, p. 86).
Sendo perceptível que a Geografia vive já há algum tempo em momento de
tentativa de renovação das suas concepções, principalmente no que tange o
espaço, é importante fazer uma retomada histórica da sua construção. Neste
sentido, os seres humanos pré-históricos, desenvolvendo as suas atividades de
caça e procura por alimentos, mesmo que utilizando de poucas técnicas, já
modificavam o espaço. Sendo assim, desde esse tempo o espaço não é imutável,
pois ocorriam/ocorrem transformações fundamentais para que os seres humanos
aproveitassem/aproveitem da melhor maneira os espaços por eles considerados
importantes para a sua sobrevivência.
Os gregos foram importantes por contribuir com o conhecimento global da
Geografia, em especial Heródoto que contribuiu na descrição das atitudes humanas,
reunindo informações fundamentais à Geografia. Outro ponto fundamental sobre o
espaço geográfico é impulsionado pelo processo capitalista, como por exemplo, as
grandes navegações que contribuíram para incentivar a “descoberta” de áreas.

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Para além dos gregos, pode-se considerar como os primeiros a sistematizar o


conhecimento da Geografia, Humboldt e Hitter considerados “os pais da Geografia”
foram os percussores da ciência em relação a tratá-la como conhecimento científico.
Humboldt, atentava-se para os aspectos físicos da natureza, contribuindo para os
estudos da paisagem e para a sua observação, sem atentar mais precisamente para
as relações entre o ser humano e o espaço. Ritter, assim como Humboldt, deixou
um legado importante para a Geografia, no entanto, a sua maior contribuição
corresponde a relação entre o homem e a natureza.
Diante da falta de valorização atribuída as relações sociais e às suas
transformações sobre o espaço, o autor traz para a reflexão, a categoria de
Formação Econômica e Social1 a fim de contribuir para um estudo aprofundado
sobre o espaço, tornando possível a construção de sua teoria. Um ponto importante
acerca dessa teoria, diz respeito ao fato de ser necessário compreender que as
sociedades evoluíram diferentemente umas das outras e que elas foram
impulsionadas por forças externas que eram mais adequadas para estas.
Embora esteja em constante processo de discussão na Geografia quanto em
outros estudos da sociedade, o conceito de fronteira exige amplo debate justamente
por ser considerado mutável, por isso faz-se necessário pensar que fronteira está
posta e que história se desenvolveu no local.
Neste sentido, fronteira é um espaço de transição e, apesar de ser
considerado como limite, pode funcionar como possibilidade. Embora já tenham
importantes contribuições acerca do assunto, ainda há necessidade de se fazer um
esforço para ampliar o seu estudo, tendo em vista a rica e fundamental contribuição
para se pensar as relações entre limites territoriais internacionais. É justamente para
essa finalidade que a Geografia tem tentado guiar alguns estudos pontuais com a
finalidade de contribuir com esse conceito e com o amplo entendimento dessas
dinâmicas, exatamente opondo-se ao sentido inflexível, conforme o autor diz:
A fronteira, na condição de invariável estrutural ubíqua, é grande reveladora
da necessidade que as sociedades têm de serem inventoras dos modos de
diferenciação no contexto espaço-temporal, modos que condicionam a
seguir toda uma ordem vivente, definida tanto biologicamente como
culturalmente (RAFFESTIN, 2005, p.12).
Embora exista a tendência de que a fronteira deve ser constante, sem
grandes mudanças e permanecendo imutável, é exatamente o contrário que

1
Conceito marxista fundamental que considera a relação entre as forças produtivas e as instâncias
políticas, jurídicas, entre outras.

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diversos autores vêm empreendendo esforços para dinamizar o seu sentido, dando-
lhe fluidez, desmistificando o seu caráter permanente, mas fazendo surgir a
construção da fronteira a partir do sentido que a população vive no seu entorno a
constrói, movimenta e transforma.

Metodologia
O presente texto foi construído a partir dos estudos e discussões realizados
na disciplina “fronteira, interculturalidade e processos educativos” no curso de Pós-
Graduação em Geografia da UFGD e faz um levantamento de questões que
diferenciam as fronteiras entre as cidades de Tijuana e San Diego e entre Ponta
Porã e Pedro Juan Caballero, além de verificar as mudanças que ocorreram desde a
limitação dessas fronteiras até os dias atuais.
Para tanto, foi feito um levantamento teórico que busca explicar que as
fronteiras concretas não são como as delimitadas nos mapas, mas, para além disso,
apresentam uma certa fluidez, demonstrando amplas possibilidades. Primeiramente,
são relatadas no texto as questões pertinentes à fronteira Estados Unidos e México,
desde a história da migração da população da Inglaterra para a América do Norte
até a análise do Nafta como acordo entre ambos os países.
Assim também, há um levantamento histórico do Brasil e do Paraguai,
principalmente no que se refere à Guerra da Tríplice Aliança, o desenvolvimento da
Companhia Matte Laranjeira e as questões de interação que são desenvolvidas nas
cidades.

Fronteiras internacionais entre Tijuana e San Diego


Globalmente conhecido por seu poderio econômico, os Estados Unidos
ocupam uma área de mais de nove milhões de km² e é composto por uma
população de diferentes culturas em virtude do seu histórico migratório.
Anteriormente a sua colonização, nas terras que hoje correspondem aos
Estados Unidos, eram habitadas por nativos, distribuídos em tribos que possuíam
culturas e idiomas próprios. Sendo assim, a colonização norte americana apresentou
características distintas das observadas na outra parte do continente. O objetivo
principal era o povoamento das regiões diferentemente das colonizações espanhola
e portuguesa que visava à aquisição de riquezas para seus impérios.

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As Treze Colônias Britânicas a leste do continente foram os primeiros estados


que moldaram o país. A população inglesa que enfrentava mudanças no campo,
sobretudo com a inserção do capitalismo, enfrentava o problema da grande massa
de trabalhadores do campo estarem sem terras para desenvolverem as suas
atividades e por isso migravam para as cidades em busca de oportunidades no
mercado de trabalho, além dos problemas advindos de conflitos entre católicos e
protestantes que fazia emergir no país a intolerância religiosa. O processo de
integração dos nativos a essa população que vinha da Inglaterra não estava posto e,
por isso, muitos conflitos eclodiram contra vários desses grupos.
A ávida vontade de expandir seu território após a independência Britânica, fez
os Estados Unidos, além de contribuir para o genocídio indígena, ocorreu um
período de guerras com o império Espanhol que até o momento era proprietário do
território do Golfo do México de interesse dos Estados Unidos e com isso a Espanha
cedeu o seu território. A França vendeu o território da Louisiana, localizado a sul.
Havia a crença de que o povo americano foi escolhido por Deus para expandir as
fronteiras do país e tornar as pessoas civilizadas. Pautado nesse pensamento,
ocorreu um pesado conflito entre Estados Unidos e México e como consequência,
aquele país anexou territórios e aumentou consideravelmente sua nação e
consequentemente, esse país perdeu terras e diminuiu seu território.
Diante do exposto, é possível perceber que ambos os países dividem uma
história comum, principalmente no que se refere a perspectiva territorial. Por isso, é
comum que haja um sentimento de medo, já que os Estado Unidos em determinado
espaço-temporal tiveram sua premissa pautada no expansionismo e anexação de
territórios. E, para que não haja problemas sociais no México, que venha a abalar
profundamente a fronteira com seu país ao norte, vários acordos durante décadas
foram estabelecidos para que esses países possam manter suas relações sem
serem afetadas.
A fronteira entre esses países talvez seja a mais emblemática do mundo,
porque ambos possuem características muito divergentes, principalmente sob o
ponto de vista econômico. Os Estados Unidos tornaram-se o país com a economia
mais fortalecida – as duas grandes guerras mundiais foram fundamentais para
elevá-los a essa potência – tornando-o o país geopoliticamente mais poderoso. Do
outro lado, dividindo a fronteira, o México é apontado como um país com expressão

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econômica – ocupando o segundo lugar na América Latina – no entanto, é baseada


em produtos industriais de baixa tecnologia e agrícolas para exportação.
O México e os Estados Unidos dividem uma faixa de fronteira de mais de
3.000 quilômetros de extensão. Entre ambos os países, há uma faixa de 100
quilômetros tanto a sul como a norte que delimita as áreas pertencentes a cada país.
Do lado norte americano, quatro países possuem terras que fazem parte dessa faixa
e o México conta com seis países. Existem nessa faixa de fronteira quinze cidades
gêmeas e a maior parte da população que habita essa faixa de fronteira é de origem
hispânica (NADDI; BELUCI, 2014).
Pontualmente, são países com cultura, idioma, posição econômica e poderio
geopolítico totalmente distintos. No entanto, isso não impede que relações entre
ambas as nações seja estabelecida, como por exemplo, a significativa relevância de
produtos exportados pelo México para os Estados Unidos. No mesmo ano que as
nações assinaram o Acordo de Livre Comércio da América do Norte – Nafta,
começava a construção do muro fronteiriço separando-as para impedir,
principalmente, a passagem de migrantes do lado mexicano, já que o tráfico de
drogas estava aumentando. Essa foi a justificativa utilizada pelo então presidente do
país Bill Clinton para a concretização da separação. Essas situações citadas, nos
leva a pensar na real intenção de relacionamento entre esses países, pois o que
mais fica evidente é a relação de preconceito e xenofobia que impede novas formas
de vivenciar a fronteira. O pensamento de superioridade racial dos norte-americanos
contribui para que haja um sentimento de não aceitação dos mexicanos em seu
país.
Por serem as cidades gêmeas com o maior número populacional e com a
maior expressividade econômica, foram escolhidas para análise San Diego do lado
norte americano e Tijuana do lado mexicano (FIGURA 1). Caso o muro fosse
inexistente entre essas duas cidades, é possível que representassem a maior
conurbação da região de fronteira (NADDI;BELUCI, 2014).
O muro se coloca como um limite para que novas formas de ocupação e de
relações sejam estabelecidas, sejam elas comerciais voltadas ao emprego ou
mesmo turísticas. Além da presença do mudo que é um forte agente de
“desintegração” da área, a forte fiscalização do lado estadunidense diariamente é
um incentivador a manter a separação entre os países.

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Figura 1 - Cidades gêmeas de San Diego (US) e Tijuana (MX)

Fonte: Disponível em: < http://www.vounajanela.com/mexico/tijuana-mexico-o-muro-de-trump-ja-


existe/> Acesso em: 26 Jul de 2018

Pertencente ao estado mexicano de Baixa Califórnia e sendo a de maior área,


Tijuana é uma cidade que está no lado mais ocidental do país. Sua população é
estimada em aproximadamente um milhão e quinhentas pessoas. Lentamente, a
economia da cidade foi se integrando a economia da cidade de San Diego,
principalmente em virtude dos acordos comerciais entre os países que possibilitou
investir e competir financeiramente com outros países. San Diego por sua vez é
vista como uma área de intensas possibilidades no que diz respeito a empregos, por
isso, muitos mexicanos de Tijuana atravessam legalmente com essa finalidade.
Ambos os lados ganham com a migração legal: San Diego dispõe de postos de
trabalhos considerados de pouca ligação intelectual ou de baixa necessidade de
formação, como empregos manuais ou mesmo as atividades em casas de família,
com baixos salários, sendo interessantes para os desempregados de Tijuana, que
ao disporem de sua população para trabalhar, há um incremento maciço de dólar
americano no país. Sendo assim, não só um lado da fronteira ganha com essas
relações, ambos os lados se beneficiam com as atividades desenvolvidas. Sendo
assim, o lado americano precisa de mão-de-obra não tanto qualificada, enquanto a
população mexicana precisa de emprego (SILVA; BENATTI, 2014). Em virtude
dessa situação, é pouco provável que a fronteira se fechará totalmente para os
mexicanos.

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Sobre o assunto de migração, não é possível deixar de comentar que um


grande número da população de Tijuana ainda tenta migrar ilegalmente para o lado
de San Diego e em outras áreas de fronteira desses países,
Para los inmigrantes indocumentados, el cruce del límite entre México y
Estados Unidos es hoy un viaje que amenaza la propia vida y requiere
resistencia física. Mientras que antes los migrantes indocumentados
entraban a Estados Unidos a través de las ciudades populosas de la
frontera[...] (SUNDBERG, 2017, p.11).
É válido ressaltar que grande área da fronteira é totalmente equipada com
iluminação que detecta a presença de pessoas durante a noite, vigilância constante
da polícia de fronteira e luzes potentes. Ainda assim, com todo esse investimento
em estrutura que minimize a entrada de imigrantes nos Estados Unidos, as pessoas
pegas nessa passagem podem ter cassado o direito de ir ao país, mesmo que por
vias de legalidade.

Fronteiras internacionais entre Ponta Porã e Pedro Juan


A América do Sul já foi palco de um conflito devastador conhecido como a
Guerra da Tríplice Aliança e envolveu a Argentina, o Brasil, o Paraguai e o Uruguai.
Os países se uniram contra o Paraguai, provocando um intenso e sangrento conflito.
O Brasil enviava grande contingente de combatentes, em contrapartida, a Argentina
era contida nesse sentido, enviando apenas uma parcela de pessoas para o
combate. O conflito desenvolveu-se porque o Paraguai apresentava-se com
expectativas expansionistas, tentando agregar porções dos territórios dos outros
países envolvidos no conflito. A guerra durou seis anos e teve fim nos anos de 1970,
com a derrota do Paraguai.
A Companhia Matte Laranjeira – CML foi importante para a construção das
cidades. À princípio, foi construído um comércio num local que hoje pertence às
duas cidades, por um português de nome Antonio Garcia. No entanto, como após a
Guerra da Tríplice Aliança percebeu-se a presença de terras férteis, Thomaz
Laranjeira, comerciante, foi se estabelecendo na cidade de Concepción e com suas
relações pessoais e comerciais, foi possível conseguir a licença para explorar os
ervais que haviam no estado do Mato Grosso, antes da divisão. As atividades nos
ervais foram muito importantes para a região porque além de impulsionar o
povoamento da área pela oferta de empregos, impulsionaram o estabelecimento de
políticas públicas (QUEIROZ, 2015).

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As atividades extrativas da CML estavam voltadas para a exportação,


principalmente para a Argentina, que era o seu principal comprador e foi
considerada a atividade econômica mais importante e lucrativa para a região. No
entanto, as relações empresariais extrapolavam os limites territoriais brasileiros e
atingiam as áreas de outros países da América do Sul. Embora tenha sido uma
atividade importante e impulsionadora da região, é pertinente ressaltar que
anteriormente ao estabelecimento da CML, os ervais presentes nas áreas já eram
extraídos, ou seja, já havia uma relação comercial no local.
Com a derrota do Paraguai e o fim da guerra, as fronteiras entre este país e
o Brasil foram definidas pelo Tratado de Paz e limites Loizaga (ALBUQUERQUE,
2010).
Ponta Porã é um município brasileiro situado no sul do estado do Mato
Grosso do Sul. Sua população é de aproximadamente noventa mil pessoas e tem
como atividades econômicas a pecuária e exploração de madeira. Na fronteira com
Ponta Porã, está localizada a cidade de Pedro Juan Caballero, que possui
aproximadamente cem mil habitantes. As duas cidades, alem de serem gêmeas,
correspondem a uma conurbação (Figura 2). A cidade de Ponta Porã começou a se
formar no local onde era armazena a erva que seria enviada para Concepción.
Recebeu um número expressivo de gaúchos e povos europeus que consideravam a
fronteira como um local de futuro promissor para os negócios (OLIVEIRA, 2011).
Com as proximidades entre ambas as cidades, faz-se necessário comentar
que embora estejam em distância muito pequena, existem peculiaridades
pertinentes a cada uma. Se observarmos anteriormente na colonização da América
do Sul, o Tratado de Tordesilhas estabeleceu um limite entre o lado colonizador
português e o lado colonizador espanhol. Assim, a língua que é um dos importantes
símbolos culturais de uma nação, foi diferenciada: o lado brasileiro fala português e
o lado paraguaio fala espanhol. Ainda que a comunidade que vive na fronteira esteja
integrada aos costumes comuns entre ambas, há um certo sentimento de poderio
que se verifica do lado brasileiro em relação ao outro lado. O preconceito é visto
também nessa situação de fronteira.

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Figura 2 - Conurbação entre as cidades de Pedro Juan Caballero e Ponta Porã

Fonte: Disponível em:< http://jornalsportnews.blogspot.com/2010/08/paraguai-investiga-construcao-


de-muro.html> Acesso em: 26 Jul de 2018.

O ponto mais forte entre essas duas cidades é a relação comercial. As


cidades possuem um forte comércio voltado para variedades de artigos e
principalmente importados. As cidades enfrentam um constante fluxo migratório quer
seja diariamente, quer seja permanentemente.
É pertinente comentar que os paraguaios podem estudar em escolas
brasileiras e o Brasil tem tentado contribuir com professores que atendam a essa
demanda, principalmente no que se refere a questão da língua. Algumas escolas de
fronteira já possuem o idioma espanhol como obrigatoriedade no ensino, o que vale
a pena ressaltar é que essa política educacional é recente e que nos leva a perceber
como se faz demorada a integração do Brasil com outros países, mesmo que sejam
países que estão na sua fronteira. Por sua grande extensão territorial - considerado
um país continente - e as dificuldades de locomoção e comunicação, as regiões
brasileiras só passaram a “interagir”, principalmente, com o desenvolvimento de
transporte e ampliação dos meios de comunicação (OLIVEIRA, 2006).
Uma atividade ilícita que transita na fronteira entre o Brasil e o Paraguai
corresponde ao tráfico de drogas e merece atenção, sobretudo pela rentabilidade
financeira que proporciona aos traficantes de drogas, justamente por se caracterizar

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como uma atividade ilícita contribui para o aumento da violência da região. Nesse
sentido, o Brasil investe na proteção das fronteiras, embora não seja um número
suficiente para controlar essa área que muito intensamente passa drogas para o
lado brasileiro da fronteira. O comércio de entorpecentes somente nessa área
contribui com o movimento de grande parcela de bilhões de dólares (MELO, 2016).
Diferentemente da fronteira norte americana e mexicana anteriormente
analisada, na área entre o Brasil e o Paraguai não existe separação entre os dois
países com a construção de um muro. É facultado aos cidadãos o direito de ir e vir,
desde que não estejam contribuindo com atividades ilícitas na região.

Considerações finais
No mundo todo se observa tensões em relações a áreas de fronteiras, umas
mais conflituosas que outras, algumas mais integradas que outras. Ao longo desse
trabalho, houve um empenho em mostrar as diferenças e semelhanças existentes
entre as fronteiras entre Pedro Juan Caballero (PY) e Ponta Porã (BR) e de Tijuana
(MX) e San Diego (US). Sendo assim, foi necessário trazer ao texto um
levantamento histórico sobre as duas áreas de fronteiras para perceber se a
construção histórica foi fundamental para a identificação das interações entre
ambas.
Os Estados Unidos e o México embora tenham relações comerciais e acordos
assinados, são visíveis as diferenciações entre os dois países no que tange a
questão fronteiriça de San Diego e Tijuana. Em virtude das diferenças econômicas e
sociais, ocorreu uma intensa migração do lado mexicano para o lado estadunidense,
por isso, muitos foram os investimentos empreendidos pelo lado americano para
conter a massa. Nessa fronteira, não há intenção de integrar os dois lados, embora
ambos tenham necessidade de estabelecer relação com a outra parte como para a
obtenção de mão de obra pouco qualificada; a importação e exportação de produtos
comerciais; a exploração de minérios e a implantação de indústrias maquiladoras.
O lado mexicano ainda é visto com o olhar preconceituoso e xenofóbico do
americano, além de ser considerado como perigoso e destruidor da paz. Mesmo
aqueles que adentram de maneira legal em solo americano, é possível que encontre
dificuldades de se integrar totalmente em virtude de o país, mais intensivamente
nesse último governo, incentivar sempre uma política anti-imigração.

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Diferentemente do caso de San Diego e Tijuana, a fronteira entre Pedro Juan


Caballero e Ponta Porã é mais integrada, desconstruindo a ideia de que a fronteira
não é fluída. A população transita entre ambas as áreas, sem a preocupação de
estar sendo considerado invasor do território do outro e não há limite concreto
estabelecido para controlar os países. No Brasil, não é negado a população
paraguaia receber apoio educacional e de saúde, porque há facilidades de tirar um
registro brasileiro, desde que tenha comprovantes de residência no país. O comércio
é um dos grandes símbolos do dinamismo dessa fronteira, tendo em vista que os
estabelecimentos comerciais tendem a ampliar-se com o passar do tempo. No
entanto, um dos grandes problemas que o Brasil vem enfrentando diz respeito ao
controle do narcotráfico nessa região.
Em suma, conclui-se que as cidades estudadas dos Estados Unidos e o do
México ainda possuem um longo caminho a trilhar para serem considerados
efetivamente cidades de fronteira integradas, sobretudo no que diz respeito a
população, já que em questões econômicas já houve um grande avanço. Já na
cidade brasileira de Ponta Porã, o Brasil tem de investir no enfrentamento ao
comércio e escoamento de drogas ilícitas, assim como se faz necessário a
implementação de políticas públicas que tendam a aumentar a integração entre
ambos os países, como por exemplo o caso da língua espanhola nas escolas de
fronteira.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALBUQUERQUE, José Lindomar Coelho. A dinâmica das fronteiras: os


brasiguaios na fronteira entre o Brasil e o Paraguai. São Paulo: Annablume, 2010, p.
33-58.

MELO, Caroline Andressa Momente. O narcotráfico na fronteira brasil – paraguai:


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COMÉRCIO ILEGAL E REDES NA ZONA DE FRONTEIRA BRASILEIRO-


PARAGUAIA: EXTREMO OESTE DO PARANÁ (BRA) LIMÍTROFE AOS
DEPARTAMENTOS DE CANINDEYÚ E ALTO PARANÁ (PY)
Illegal Trade and Networks in the Brazilian-Paraguay Border Area: Extreme West of
Paraná (BRA) Border to Canindeyú And Alto Paraná (PY) Departments
Comercio Ilegal Y Redes En El Área Fronteriza Brasil-Paraguay: Extremo Oeste De
Paraná (BR) Limítrofe a los Departamentos de Canindeyú y Alto Paraná (PY)

Alan Diogo Schons


Maristela Ferrari

Resumo: O presente trabalho objetiva analisar como se estruturam as redes


transfronteiriças de comércio ilegal na fronteira brasileiro-paraguaia compreendida
entre o extremo oeste do Estado do Paraná limítrofe aos Departamentos de Alto
Paraná e Canindeyú. Para consecução do objetivo proposto, a metodologia consistiu
em levantamento teórico-bibliográfico e pesquisa de campo. Tal segmento fronteiriço
há muito vem sendo apontado como um dos mais problemáticos da América do Sul,
devido à crescente intensificação de redes ilegais de toda ordem. Embora seja difícil
indicar dados quantitativos, segundo estimativas, o Brasil deixa de arrecadar 130
bilhões de reais, por ano, devido ao comércio ilegal. Neste sentido, o trabalho revela
que tal segmento fronteiriço vem sendo caracterizando como espaço geográfico de
tensão entre organismos de controle dos Estados nacionais e organizações
criminosas que comandam atividades de comércio ilegal e que extrapolam a escala
da zona de fronteira articulando-se a outras escalas como a internacional e/ou
transnacional.
Palavras-Chave: Zona de Fronteira; Redes Ilegais; Oeste Do Paraná com
Canindeyú e Alto Paraná.

Abstract: The present work aims to analyze how the illegal trade cross-border
networks are structured in the Brazilian-Paraguayan border between the extreme
west of the State of Paraná bordering the Departments of Alto Paraná and
Canindeyú. To achieve the proposed objective, the methodology consisted of
theoretical-bibliographic survey and field research. Such a border segment has long
been cited as one of the most problematic in South America, due to the increasing
intensification of illegal networks of all kinds. Although it is difficult to indicate
quantitative data, according to estimates, Brazil fails to raise 130 billion reais per year
due to illegal trade. In this sense, the work reveals that such a border segment has
been characterizing as a geographical space of tension between national state
control bodies and criminal organizations that conduct illegal trade activities and that


Graduado em Administração, Aluno do Programa de Pós-graduação em Geografia, nível Mestrado,
pela UNIOESTE (Universidade Estadual do Oeste do Paraná), campus Marechal Cândido Rondon –
PR, e-mail: alan.schons@hotmail.com

Graduada, Mestre e Doutora em Geografia. Professora do Programa de Pós-Graduação em
Geografia da UNIOESTE (Universidade do Oeste do Paraná), campus Marechal Cândido Rondon -
PR E-mail: maristela7ferrari@gmail.com.

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go beyond the border zone scale and articulate with other scales such as
international and / or transnational.
Key words: Border Zone; Illegal networks; West Of Paraná With Canindeyú And Alto
Paraná.

Resumen: Este documento tiene como objetivo analizar cómo se estructuran las
redes transfronterizas de comercio ilegal en la frontera brasileño-paraguaya entre el
extremo oeste del Estado de Paraná, que limita con los departamentos de Alto
Paraná y Canindeyú. Para lograr el objetivo propuesto, la metodología consistió en
encuestas teórico-bibliográficas e investigaciones de campo. Tal segmento fronterizo
ha sido citado durante mucho tiempo como uno de los más problemáticos en
América del Sur, debido a la creciente intensificación de las redes ilegales de todo
tipo. Aunque es difícil indicar datos cuantitativos, según las estimaciones, Brasil no
recauda 130 mil millones de reales por año debido al comercio ilegal. En este
sentido, el trabajo revela que dicho segmento fronterizo se ha caracterizado como un
espacio geográfico de tensión entre las agencias nacionales de control estatal y las
organizaciones criminales que controlan las actividades comerciales ilegales y que
van más allá de la escala de la zona fronteriza y se articulan con otras escalas como
internacional y / o transnacional.
Palabras clave: zona fronteriza; Redes ilegales; Al oeste del Paraná con Canindeyú;
Alto Paraná.

Introdução
As redes de comércio ilegais ao longo de toda fronteira do Brasil e Paraguai
são antigas, mas no segmento fronteiriço compreendido entre a região geográfica do
extremo oeste do Estado do Paraná (BR) limítrofe aos Departamentos de Alto
Paraná e Canindeyú (região oriental do Paraguai) parecem ter aumentado
significativamente após obras binacionais entre os dois países, como a construção
da Ponte da Amizade (1965) (ligando Paraná a Ciudad Del Este - Departamento Alto
Paraná), a formação do Lago da hidrelétrica de Itaipu sobre o rio Paraná (1982),
obra que favoreceu a navegação, a construção da Ponte Ayrton Sena, em 1998,
ligando Paraná ao Mato Grosso do Sul. Além de tais obras, o advento do
MERCOSUL (1995) também parece ter contribuído para a porosidade fronteiriça e
por consequência o crescimento de atividades de comércio ilegais. O comércio ilegal
tem aumentado significativamente desde as últimas décadas do século XX e vem
contribuído para que tal segmento fronteiriço seja apontado como um dos mais
problemáticos da América do Sul, pois está inserido na lógica das redes de comércio
ilegais e do crime organizado que não se restringe a escala local e regional, envolve
a escala nacional e também escalas transcontinentais.

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Por comércio ilegal entendemos aqui todas as atividades que não respeitam
as leis territoriais, não pagam impostos e fogem da fiscalização aduaneira, trata-se,
portanto, de um espaço onde os crimes tributários são constantes. Dentre os
produtos e mercadorias que mais circulam ilegalmente do Paraguai para o interior do
território brasileiro destaca-se: armas de fogo, drogas (maconha, cocaína, cigarros e
entorpecentes diversos), veneno para o controle de pragas agrícolas, eletrônicos
(computadores, iPAD, tablets, celulares, câmeras fotográficas, filmadoras, drones),
roupas, perfumes, bolsas, brinquedos, medicamentos, dentre outros. Grande parte
daqueles produtos e mercadorias são oriundos de outras escalas internacionais, de
países da Ásia, Europa e América do norte. Muitos produtos e mercadorias que
chegam a Ciudad Del Este e Salto Del Guairá, (cidades da zona de fronteira aqui
analisada), tem como destino o Brasil por meio de redes ilegais.
Embora seja difícil indicar dados quantitativos, segundo notícias divulgadas
pelos jornais da região oeste do Paraná (2018), o Brasil deixa de arrecadar 130
bilhões de reais, por ano, devido ao comércio ilegal. Na zona de fronteira aqui
analisada, o limite territorial entre os dois países é extremamente poroso,
característica que tem facilitado inúmeras atividades de comércio ilegal entre
Paraguai e Brasil. Não obstante, as redes técnicas (telefonia e internet) facilitam a
comunicação de atores fronteiriços brasileiro-paraguaios na organização de
esquemas para burlar a fiscalização e as normas territoriais, visando introduzir
produtos e mercadorias num ou noutro território através do chamado comércio ilegal.
O objetivo deste trabalho é analisar como se estruturam/organizam as redes
transfronteiriças de comércio ilegal no segmento da fronteira brasileiro-paraguaia
compreendida entre a região geográfica do extremo oeste do Estado do Paraná (BR)
limítrofe aos Departamentos de Alto Paraná e Canindeyú (região oriental do
Paraguai). Para consecução do objetivo proposto, a metodologia consistiu em
levantamento teórico-bibliográfico dando ênfase aos conceitos de zona de fronteira e
redes ilegais e pesquisa de campo com organismos de controles na região de
fronteira tanto do Brasil quanto do Paraguai. O trabalho foi dividido em duas partes:
a primeira analisa como o conceito rede pode auxiliar na análise do comércio ilegal
transfronteiriço. A segunda parte do trabalho analisa como se estruturam as redes
transfronteiriças do comércio ilegal e quais suas escalas de atuação. Finalizamos o
trabalho argumentando que o comércio ilícito não fere apenas as leis territoriais,
penaliza sociedades, gera problemas de saúde pública, promove territorialidades

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sem leis e por consequência contribui para o aumento da violência urbana não
apenas em cidades fronteiriças, mas igualmente em cidades de outras escalas
territoriais.
A rede como conceito teórico e instrumento metodológico para análise de
atividades ilegais transfronteiriças
Refletir sobre redes de comércio ilegal em zona de fronteira requer pensar em
vários conceitos, dentre os quais território, Estado, política, fronteira, zona de
fronteira e rede, além de outros, conceitos que podem auxiliar na análise da
problemática, mas neste trabalho, damos ênfase ao conceito de rede, pois as
atividades de comércio ilegal na zona de fronteira brasileiro-paraguaia compreendida
entre a região geográfica do extremo oeste do Estado do Paraná (BR) limítrofe aos
Departamentos de Alto Paraná e Canindeyú (região oriental do Paraguai) é uma
região de conectividade de lugares e de atores que transportam produtos e
mercadorias de natureza diversa por meio de organizações em rede. Segundo Dias
(2005), uma das propriedades da rede é a conectividade, isto é, conecta lugares e
pessoas. De acordo com Santos (1999) a rede não é somente técnica ela é também
social, já que é pensada, desenhada e modificada por atores e suas conexões.
Corrêa (2014) contribui com o debate sobre rede, notadamente rede geográfica.
Para ele “rede geográfica é um conjunto de localizações geográficas interconectadas
entre si por certo número de ligações”. Assim, toda rede prioriza
mobilidade/circulação e a fluidez/fluxos por onde circulam bens materiais ou
imateriais, (DIAS 2005). Neste sentido, o conceito de rede ajuda a compreender as
articulações transfronteirças de comércio ilegal ou redes de comércio ilegais. Mas
qual a noção de redes ilegais? Haesbaert e Porto-Gonçalves (2006) respondem:
Redes ilegais – são espaços reticulares comandados por grupos e
entidades não reconhecidas legalmente pela sociedade e que, embora
intimamente articuladas a economia e ao sistema político dominante (como
o caso das redes do narcotráfico), não partilham da maior parte das regras
formalmente instituídas. (HAESBAERT e PORTO-GONÇALVES, 2006, p.
150).

Em regiões de fronteira, é bastante comum as atividades econômicas que


burlam os controles territoriais, atividades que envolvem atores de organismos de
controle dos estados nacionais e atores locais (fronteiriços) que auxiliam na
passagem de ilegalidades pela fronteira, confrontando constantemente as leis
territoriais como revela Machado (1998):

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O desafio ao conceito de lei territorial é representado pela situação de


fluidez e imprevisibilidade nas faixas de fronteira, onde [...] pouco respeito à
lei desafiam os limites de cada Estado. Esse processo de diluição dos
limites nacionais se deve não só à multiplicação de redes transfronteiriças,
mas também a competição entre diferentes sistemas de normas, induzida
pelos próprios Estados e por outras grandes organizações, legais e ilegais.
Frente a essa instabilidade, a circulação informal organizada em torno de
relações de parentesco, amizade e mesmo etnicidade, é reforçada em
detrimento da circulação regulada pela lei (MACHADO, 1998, p. 46).

Assim, mobilizar o conceito de rede em análises sobre interações transfronteiriças


ilegais significa também aceitar a sugestão de Machado (1998, p.45) quando argumenta que
“a palavra rede é empregada hoje em numerosos campos de investigação”. A autora diz
ainda “[...] as redes ajudam a compreender a relação entre território e a ação a distancia [...]
esclarecem igualmente o próprio conceito de território” (MACHADO, 1998, p.45). Nesta
direção, Raffestin (1993, p. 204) explica: “a rede faz e desfaz as prisões do espaço tornando
território: tanto liberta quanto aprisiona. É o porquê de ela ser instrumento por excelência de
poder [...]”. É neste sentido que o conceito de rede auxilia nossa problemática, ele serve
tanto como um conceito teórico quanto como ferramenta de análise que permite ponderar e
explicar atividades de comércio ilegal na zona de fronteira brasileiro-paraguaia
compreendida entre a região geográfica do extremo oeste do Estado do Paraná (BR)
limítrofe aos Departamentos de Alto Paraná e Canindeyú (região oriental do Paraguai).
As redes ilegais transfronteiriças naquele segmento fronteiriço brasileiro-paraguaio
não são recentes, mas ganham expressividade a partir das décadas de 1980 e 1990,
notadamente com a construção da Hidrelétrica Binacional de Itaipu, e a construção da Ponte
Ayrton Sena, obras que favoreceram aumento de redes ilegais. A ampliação de redes ilegais
na escala local/regional pode também ser associado a outros fatores, como a globalização
neoliberal. Na visão de Haesbaert e Porto-Gonçalves (2006), a globalização neoliberal, veio
acompanhada do aumento de redes ilegais, redes que transcendem os limites territoriais.
Segundo Machado (1998), são redes que afrontam reiteradamente as leis territoriais, pondo
em cheque o poder dos Estados-nacionais.
Tais ponderações podem ser associadas a zona de fronteira que estamos
analisando. Segundo as primeiras pesquisas de campo, as redes ilegais mobilizam:
redes sociais (diversos atores), redes de infraestrutura-técnicas (pontes, hidrovias,
rodovias etc.) e geográficas (conectadas a diferentes escalas espaciais/lugares) que
compõem o modus operandi de facções criminosas nacionais e internacionais,
sobretudo para a prática de tráfico, contrabando e descaminho. Ainda segundo a
pesquisa de campo, as redes ilegais transfronteiriças possuem ampla articulação e
múltipla capilaridade, que pode ser evidenciada através dos tipos de produtos
apreendidos, a forma como essas mercadorias são transportadas e os caminhos

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utilizados para a realização do transporte. É o que veremos no próximo item.

Comércio ilegal e organização de redes na zona de fronteira brasileiro-


paraguaia (extremo oeste do Paraná (BR) limítrofes aos Departamentos Alto
Paraná e Canindeyú - PY)
A partir das primeiras pesquisas de campo é possível ponderar que, o comércio
ilegal –aquele que foge dada arrecadação fiscal –, na zona de fronteira brasileiro-
paraguaia aqui analisada, se desenvolve fortemente estruturado em redes sociais
transfronteiriças, redes que envolvem atores da zona de fronteira, conectados a
atores de outras escalas fora da zona fronteiriça. Portanto, pode-se dizer que
existem atores da escala local, que participam da organização de redes ilegais, pois
eles conhecem a geografia do lugar, elemento indispensável para burlar as leis
territoriais e fugir do controle dos Estados-nacionais. Assim, os atores da rede social
organizam a travessia de produtos e mercadorias de um território ao outro com o
auxílio de atores locais que conhecem descaminhos1 na fronteira. Como já dito, as
atividades de comércio ilegal ao longo da fronteira do Brasil com o Paraguai são
antigas, mas ganham expressividade após a formação do Lago ou reservatório de
água da Hidrelétrica Binacional de Itaipu e a construção da Ponte Ayrton Sena.
O lago da Itaipu transformou a característica do limite internacional, de
obstáculo torna-se poroso e permitiu maior circulação de pessoas, bens e
mercadorias do que no passado. Não obstante, no segmento fronteiriço
compreendido entre a região geográfica do extremo oeste do Estado do Paraná (BR)
limítrofe aos Departamentos de Alto Paraná e Canindeyú (região oriental do
Paraguai) existem apenas três pontos de passagem habilitados entre os dois países
ao turismo e comércio exterior, são eles: Guaíra/Salto Del Guairá2, Santa
Helena/Mbcarayú3 e Foz do Iguaçu/Ciudad del Este4 como pode ser observado na
Figura 1.

1
Descaminho são pontos de passagem de um território ao outro que não são habilitados ao comércio
internacional entre os dois países, mas que são frequentemente criados e utilizados para atividades ilegais por
onde circulam bens e mercadorias com intuito de fugir da fiscalização dos Estados-nacionais.
2
Ressalta-se que tal conexão, também é estabelecida através da Ponte Ayrton Senna, que conecta os Estados do
Paraná com Mato Grosso do Sul, sendo intensamente utilizada para acessar Salto Del Guairá a partir do Estado
do Paraná.
3
Conexão internacional realizada por meio de Balsas de transporte
4
Conexão internacional fixa, por meio da Ponte Internacional da Amizade – recentemente Brasil e Paraguai
firmaram acordo por meio da Itaipu Binacional, para a construção da segunda ponte.

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Figura 1: Zona de fronteira e pontos de passagem habilitados ao turismo e


comércio entre Brasil e Paraguai

Fonte: Esquema inspirado em Machado (2011), organizado pelo


autor a partir da pesquisa de campo 2018

Contudo, desde a formação do Lago da Itaipu, dada a facilidade de


navegação, inúmeros descaminhos foram criados para atividades ilegais, obra de
atores locais da zona de fronteira articulados com atores de outras escalas nacionais
e internacionais. A Figura 2 retrata, em parte, os descaminhos de atividades ilegais
de redes criminosas articuladas entre os dois lados da zona fronteiriça brasileiro-
paraguaia aqui analisada. Nela estima-se que existam aproximadamente 465
descaminhos ou portos clandestinos que são frequentemente utilizados para
atividades ilegais. Antigos portos entre os dois países também foram reativados com
a criação do Lago da Itaipu, dentre eles, Porto Mendes/Puerto Adela (entre Marechal
Cândido Rondon/Puerto Adela), Porto Britânia/Puerto Marangatu (entre Pato
Bragado/Nueva Esperenza), onde conexões diárias são estabelecidas por meio de
embarcações e por onde circulam pessoas, produtos e mercadorias à revelia dos
Estados-nacionais.

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711

Figura 2: Descaminhos entre Brasil e Paraguai ao longo do Lago da Itaipu –


criados e utilizados por redes ilegais

Fonte: Fornecido por: DORECKI , 2018 – CAPGEO-PR. Organizado pelo autor, 2019.
5

Não há como negar que a proliferação de redes ilegais na zona fronteiriça


compreendida entre a região geográfica do extremo oeste do Estado do Paraná (BR)
limítrofe aos Departamentos de Alto Paraná e Canindeyú (região oriental do
Paraguai) está associado à construção do Lago da Itaipu, obra dos dois Estados-
nacionais, obra que hoje se revela problemática e que tornou o controle dos

5
Major da Polícia Militar do Estado do Paraná, então Comandante do BPFRON (Batalhão de Polícia de
Fronteira).

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712

Estados-nacionais humanamente impossível, não apenas devido à porosidade do


limite, mais igualmente pela carência de os recursos humanos. Com isso, além do
aumento da criminalidade e da violência resultante das redes ilegais, outro problema
é a significativa perda de arrecadação dos Estados, resultante das práticas de
descaminho e contrabandos6. Mesmo assim, percebe-se que tem sido feito esforços
por parte da fiscalização fronteiriça, notadamente de organismos de controle do
Estado nacional brasileiro, isso aparece, em parte, nas apreensões realizadas pela
Receita Federal de Foz do Iguaçu, como evidencia o Gráfico 1.

Gráfico 1: Apreensões da Receita Federal do Brasil entre 2000 e 2018 (valores


estimados em milhões de dólares)

Fonte: IRF de Foz do Iguaçu (2018), organizado pelo autor a apartir da pesquisa de campo.

Importante mencionar que as apreensões observadas no Gráfico 1, não representam


a quantidade real de ilícitos e nem mesmo as apreensões de todos os organismos de
controle na fronteira, representam uma amostradas das apreensões realizadas pela
realizadas pela Receita Federal de Foz do Iguaçu. Importante esclarecer que, por ser
atividade ilegal, é muito difícil quantificar ou até mesmo fazer estimativas de valores e
quantidades, mas, segundo notícias divulgadas pelos jornais da região oeste do Paraná
(2018), o Brasil deixa de arrecadar 130 bilhões de reais, por ano, devido produtos e
mercadorias que entram ilegalmente no país pela zona de fronteira brasileiro-paraguaio aqui
analisada. Arrecadação que poderia ser aplicada em setores importantes da economia do
país. Mas, ao que parece, as atividades ilegais tornaram-se endemicas e no senso comum,
não estariam prejudicando ninguém, seria um meio de ganhar a vida ou mesmo um
trabalho. Tal pensamento em relação as atividades ilegais tem levado a jovens em idade
6
Contrabando: é a entrada ou saída de produtos proibidos, ou que atentem contra a saúde ou moralidade,
previsto no Art. 334 do Código Penal Brasileiro.

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escolar, a abandonarem os estudos para se dedicarem a atividades de comercio


transfronteiriço ilegal. Muitos jovens de famílias pobres ou com poucos ganhos, são
facilmente inseridos em redes sociais de atividades comerciais ilegais. São inseridos
principalmente em atividades como “olheiros” ou carregadores de produtos e mercadorias
do Paraguai para o Brasil. Portanto, os atores da escala local participam e auxiliam a pensar
a organização da rede para comunicação, transporte e circulação de produtos e
mercadorias.
Os produtos inseridos através do Paraguai no Estado-nacional brasileiro são
inúmeros, dentre eles, destacam-se: cigarros, pneus, agrotóxicos, vestuário,
brinquedos, autopeças, eletrônicos, entre outros. Cabe ressaltar que existe também
a evidência de redes do tráfico de drogas, especialmente a maconha, que é
produzida em grande escala no Paraguai e a cocaína – produzida na Bolívia, Peru e
Venezuela, que é inserida no Brasil através do Paraguai. Há indícios de que essas
redes utilizam o Brasil como território-meio, a fim de abastecer outros países, com
cocaína, drogas sintéticas, haxixe etc.
Outro tipo de produto introduzido ilegalmente no Brasil são os agrotóxicos,
segundo Horii (2014), o uso de agrotóxicos no Oeste do Estado do Paraná é seis
vezes maior do que a média nacional. Podemos atribuir como o possível causador
desse elevado índice no uso de agrotóxicos, a facilidade de aquisição a um menor
custo, que é realizado por meio das redes ilegais estabelecidas a partir do Paraguai
para o Brasil. Nesse sentido, o resultado desse uso excessivo de agrotóxicos,
possivelmente contribuiu para a diminuição das populações de abelhas, motivada
especialmente pela substancia fipronil7. Diante disso, há perdas econômicas para os
apicultores, que dependem da produção de mel para a subsistência e
complementação da renda, principalmente na agricultura familiar. Outras hipóteses
também são evidenciadas, tais como a morte ou diminuição da produtividade de
diversas plantas, decorrentes da falta de polinização, papel fundamental
desempenhado pelas abelhas. Também o uso imoderado de agrotóxicos pode ser
um dos possíveis causadores das elevadas taxas de mortes ocasionadas por
câncer, uma vez que a doença proveniente do uso indiscriminado do agrotóxico não
está relacionada apenas a sua aplicação direta, mas também indireta, como a
contaminação dos alimentos e da água.

7
Inseticida de ação lenta, o qual permite que o inseto retorne à sua colônia e infecte os demais membros com
uma taxa de sucesso de cerca de 95% para alguns tipos de insetos.

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Outra modalidade de ilegalidade evidenciada no segmento em estudo é o


ingresso de armas de fogo, produto esse que abastece inclusive as facções
criminosas de diversos Estados brasileiros. Cabe ressaltar, que o Paraguai não é um
fabricante de armas de fogo, o que demonstra uma rede de tráfico de armas
estruturada/organizada a partir da escala global e que articulam países como:
Rússia, Estados Unidos, Áustria, dentre outros países da escala mundial. A maneira
como as redes de contrabando são estruturadas, necessitam fundamentalmente de
descaminhos, e o Lago da Itaipu, favorece essa articulação por meio dos portos
clandestinos, que se conectam a infraestrutura estatal (rodovias), por onde é
possível o escoamento dessas ilicitudes. Os produtos e mercadorias são
transportados do Paraguai para o Brasil por diferentes maneiras dentre elas,
terrestre: (carros, ônibus, caminhões, motocicletas, a pé etc.) e fluvial por meio de
embarcações. Cabe ressaltar que muitos dos veículos e embarcações utilizadas
para o transporte, são oriundos de furto e roubo e que em alguns casos esses
veículos são trocados no Paraguai por mercadorias ou drogas aqui denominado de
crimes correlacionados as atividades de comércio transfronteiriço ilegal. Segundo a
pesquisa de campo, essa nova realidade manifestada nas cidades lindeiras ao Lago
de Itaipu acabou por absorver parte da mão de obra local (atores locais), em sua
grande maioria de origem pobre, dentre eles jovens desempregados, estudantes,
operários, pescadores, agricultores e indígenas, que se tornaram atores ou
operários das redes ilegais.
A possibilidade de ganhos financeiros que podem chegar, segundo
estimativas, de três a cinco vezes a de um trabalho formal, aliada à coação moral,
são os principais fatores que levam a inserção e ao recrutamento de atores da
escala local em redes transfronteiriças ilegais. Em decorrência disso, diversos
problemas surgiram, podendo ser citado o aumento da evasão escolar, dentre outros
problemas relacionados a essa nova realidade. No tocante a evasão escolar, uma
Escola da rede pública, localizada na cidade de Guaíra-PR, indicou um dos
principais problemas do elevado número da evasão escolar naquele local tem sido o
contrabando de cigarros do Paraguai para o Brasil. Assim, constata-se que a
principal causa da evasão escolar é a facilidade que os jovens encontram para se
inserir nas redes ilegais. Assim, segundo a pesquisa de campo, cerca de 75% dos
jovens que deixam a sala de aula, em sua grande maioria, ingressam no
contrabando de diversas naturezas.

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Mas é importante enfatizar que os atores de redes ilegais não são apenas da
zona de fronteira, existem atores de outras escalas que atuam tanto em redes
comercias e organizações formais e informais, mas que sem os atores da escala
local a rede poderia não se estruturar. Costa (2012) adverte que existem aqueles
que cometem um crime tido como “mais simples” – não se refere à tipificação penal,
também aqueles que adquirem produtos para a comercialização no Brasil, que não
representa grandes vultos – contudo, não se pode olvidar a prática de crimes mais
gravosos, envolvendo, inclusive, facções criminosas. Nesse sentido, o autor aponta
ramificações do CV (Comando Vermelho), com sede no Estado do Rio de Janeiro e
o PCC (Primeiro Comando da Capital), com sede no Estado de São Paulo, dentre
outras organizações que atuam na fronteira do brasil com o Paraguai. Tais facções
criminosas seriam as responsáveis, por exemplo, em introduzir armas sofisticadas
em território nacional. Essas armas abasteceriam as demandas para o exercício do
domínio territorial exercido nas favelas do Rio de Janeiro, para a prática de roubo a
bancos, empresas de valores e carros-fortes. Além das redes de tráfico de drogas,
tráfico de armas, existe inumeráveis outras modalidades criminosas como a
sonegação/evasão fiscal, da falsificação/pirataria, a prostituição, o tráfico de
pessoas, o tráfico de órgãos humanos, dentre outras ilegalidades. As atividades
ilegais envolvem distintas escalas, tanto geográficas como hierárquicas, e seu
funcionamento depende, fundamentalmente, da colaboração de inúmeros atores.
Em regiões de fronteira, é bastante comum as atividades econômicas ilegais,
envolvem autoridades e atores locais que auxiliam na passagem das ilegalidades
pela fronteira, confrontando constantemente as leis territoriais. É importante destacar
entre muitas ilegalidades, há constante prática de roubo a veículos – especialmente
caminhonetes – as quais servem tanto para o transporte das ilegalidades mas
igualmente como moeda de troca por mercadorias, drogas 8, entre outros ilícitos no
Paraguai. Nesse sentido, há quadrilhas especializadas a roubo de veículos e uma
articulada rede de adulteração veicular, mobilizada a partir das redes ilegais
transfronteiriças.
A problemática revela que os limites territoriais entre os dois Estados-
nacionais estão permeados por diversas redes (materiais e simbólicas) e poderes

8
Interceptação telefônica realizada por agentes públicas de segurança, com autorização judicial, dão conta de
que um líder do PCC preso na região, estimula os integrantes da facção criminosa a praticarem roubo a veículos,
com intuito de trocar por drogas no lado paraguaio, e que isso seria um “ouro”, porque é uma maneira muito
fácil de se ganhar dinheiro.

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paralelos que se sobrepõem aos Estados-nacionais. Algumas modalidades de


ilegalidades, como o contrabando de cigarros por exemplo, apesar do cigarro ser
permitido no Brasil, há maior interesse no contrabando do mesmo, motivado pelos
custos9 de aquisição mais atrativos no Paraguai. Outra característica importante das
redes ilegais transfronteiriças, têm sido a prática de crimes ambientais, como, por
exemplo, a retirada de vegetação natural para a construção de portos clandestinos a
margem do Lago Internacional de Itaipu. Essa prática visa à viabilização de uma
passagem/caminho para a realização de transbordo de ilícitos das embarcações que
atravessam o Paraguai para o Brasil para veículos menores e até caminhões.

Considerações finais
Buscou-se no presente trabalho, a apresentação tanto de conceitos
geográficos que auxiliam na compreensão dos elementos analisados. Desse modo,
com uma pesquisa de campo, mesmo que elementar, podemos constatar que a
fronteira é extremamente porosa. Essa porosidade, resulta em inúmeras práticas
ilegais, as quais o Estado-nacional não consegue realizar o controle de maneira
eficiente. Entre os elementos demonstrados, procuramos nos concentrar no debate
da porosidade fronteiriça, além das ilegalidades debatidas exaustivamente no
tocante a Foz do Iguaçu com Ciudad del Este e Guaíra com Salto del Guairá. Desse
modo, podemos evidenciar no presente trabalho, que as redes ilegais
transfronteiriças são estabelecidas em diversos pontos, as quais mobilizam diversas
escalas, inclusive intercontinental. As redes ilegais desse modo, são evidenciadas
ao longo de toda a extensão do lago internacional de Itaipu, em que o crime
organizado, está articulado de maneira bastante flexível. Essas redes ilegais,
possuem caráter intermodal, pois articulam os meios terrestre – fluvial – terrestre,
não sendo descartadas outras maneiras de articulação. Ainda que o Estado tenha
desprendido inúmeros esforços para fazer o enfrentamento por meio da repressão,
os quais demandam grandes aportes financeiros, essas redes ainda assim,
continuam a existir. Essa sobrevivência das redes, se dá ao fato de que as
condições (vantagens obtidas através das diferenças entre os Estados-nacionais),

9
Segundo levantamento realizado em 2018, estimava-se a época, que o valor da aquisição do maço de cigarros
no Paraguai é de R$0,50, o custo médio para a realização do contrabando, chega a R$ 1,50 o maço para o
contrabandista, que o vende a R$ 2,50/R$3,00 para o comércio, que o revende por cerca de R$ 3,50/4,00. Esses
custos e preço médio de revenda, dependem da rigidez da fiscalização das autoridades brasileiras, se os
contrabandistas tiverem maiores prejuízos, tanto com as apreensões dos veículos e mercadoria, como a
fiscalização de modo a impedir que os fluxos se estabeleçam.

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beneficiam a sua existência, em que há a participação ativa de atores locais,


responsáveis pela sua operacionalização. Esses atores são recrutados, motivados
pela remuneração, coação moral e pela violência.

Referências

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Rio de Janeiro 2014.

COSTA, Renatho. Era uma vez na fronteira: o mito da zona “fora da lei”?. In.
BENTO, Fábio Régio (Org.). Fronteiras em Movimento. Jundiaí – SP: Paco Editorial,
2012, p. 31-44.

DIAS, Leila Christina. Os sentidos da rede: notas para discussão. In: DIAS, Leila
Cristina; SILVEIRA, R. L. L da. Redes, sociedades e territórios. Santa Cruz do Sul:
EDUNISC, 2005.

HAESBAERT, Rogério; e PORTO-GONÇALVES, Carlos Walter. A nova desordem


mundial. São Paulo: Editora Unesp, 2006.

HORII, Angélica Karina Dillenburg. Redes ilegais: O contrabando de agrotóxicos


na fronteira Paraná- (Brasil)-Paraguai. Dissertação de Mestrado em Geografia.
UNIOESTE. Marechal Cândido Rondon-PR. 2014.

MACHADO, Lia Osorio. Limites, fronteiras, redes. In: STROHAECKER, Tânia


Marques et al. Fronteiras e espaço global. Porto Alegre: Associação dos Geógrafos
Brasileiros, 1998.

RAFFESTIN, Claude. Por uma Geografia de Poder. Tradução: Marilia Cecilia


Franca. São Paulo: Editora Ática, 1993.

SANTOS, Milton. A Naureza do Espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São


Paulo, Hucitec, 1999.

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E-SPAÇO E SUAS FRONTEIRAS: O CIBERNÉTICO NA ANÁLISE GEOGRÁFICA


E-Space and its Borders: Cybernetics in Geographic Analysis
E-Spacio y sus Fronteras: La Cibernética en el Análisis Geográfico

Thomás TEIXEIRA
Adriana DORFMAN

Resumo: O presente trabalho consiste em uma discussão sobre o espaço


cibernético enquanto categoria de análise na Geografia. O objetivo do trabalho é
reinterpretar conceitos utilizados na Geografia, como espaço e fronteira, a partir do
virtual, do e-spaço. Para isso, buscamos em livros e artigos referencial que nos
ajude a formar e desenvolver nossa proposta. Como resultado, conseguimos ver que
o espaço cibernético amplia as possibilidades de análise da Geografia e que é
imprescindível que esta temática e objeto de estudo possam fazer parte cada vez
mais de nossa ciência. O caráter contextual, hibrido e totalizante do espaço
geográfico também comporta as dimensões do e-spaço Para além dos limites
interestatais e de sua porosidade aos fluxos virtuais, vemos desenhar-se um espaço
de fluxos altamente polarizado, em que as fronteiras apresentam-se como margens.
Palavras-chave: E-spaço, Espaço geográfico, Fronteira, Cibernético, Análise.

Abstract: The present work is a discussion about cyberspace as a category of


analysis in Geography. The objective of this work is to reinterpret concepts used in
Geography, such as cyber space and the virtual boundaries in e-spaçe. For this, we
seek in reference books and articles to help us form and develop our proposal. As a
result, we can see that cyberspace broadens the possibilities of geographical
analysis and that it is essential that this theme and object of study becomes
increasingly part of our science. The contextual, hybrid, and totalizing character of
geographic space also encompasses the dimensions of e-space. Beyond the
interstate boundaries and their porosity to virtual flows, we see a highly polarized flow
space in which boundaries appear as margins.
Key words: E-space, Geographic space, Border, Cybernetic, Analysis.

Resumen: El presente trabajo es una discusión sobre el ciberespacio como una


categoría de análisis en Geografía. El objetivo de este trabajo es reinterpretar los
conceptos utilizados en Geografía, como ciberespacio y las fronteras virtuales del e-
spacio. Para ello, buscamos en libros de referencia y artículos que nos ayuden a
formar y desarrollar nuestra propuesta. Como resultado, podemos ver que el
ciberespacio amplía las posibilidades de análisis de la Geografía y que es esencial
que este tema y objeto de estudio sean cada vez más parte de nuestra ciencia. El
carácter contextual, híbrido y totalizador del espacio geográfico también incluye las


Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Rio Grande
do Sul, tmsnery@gmail.com

Professora associada do Depto. de Geografia e professora permanente do Programa de Pós-
Graduação em Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, adriana.dorfman@ufrgs.br

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dimensiones de e-spacio. Más allá de los límites interestatales y su porosidad a los


flujos virtuales, vemos un espacio de flujo altamente polarizado, donde los bordes se
presentan como márgenes.
Palabras clave: E-spacio, Espacio geográfico, Frontera, Cibernética, Análisis.

* Trabalho completo selecionado para publicação na Revista GeoPantanal, v. 14, n.


27, 2019.
https://periodicos.ufms.br/index.php/revgeo

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MANISFESTAÇÕES XENOFÓBICAS NAS REDES SOCIAIS NA FRONTEIRA


BRASIL-BOLÍVIA
Xenophobic Manifestations in Social Networks in Brazil-Bolivia Border
Manifestaciones Xenofóbicas en Redes Sociales en la Frontera Brasil-Bolivia

Antonio Rosa da Conceição Junior1


Gleicy Denise Vasques Moreira2

Resumo: A propagação de insultos xenofóbicos não é uma novidade no Brasil.


Contudo, por conta da atual conjuntura política e com o aumento da utilização de
redes sociais como plataforma de debate, observa-se que proferir impropérios contra
outra pessoa em decorrência de sua origem étnica passou a ser algo comum, sem
que haja a devida tutela do Estado. E, na cidade de Corumbá-MS, fronteira entre o
Brasil e a Bolívia, o panorama de proliferação de comentários racistas contra
imigrantes em redes sociais tem seguido o mesmo ritmo de recrudescimento que
nas demais regiões do país. Assim, utilizando-se print’s da principal página de
compras e vendas da cidade, o presente trabalho procura demonstrar que
manifestações preconceituosas, em especial na página do Grupo Trocas & Trocas,
reverberam sem quaisquer tipos de sanção do Poder Público.
Palavras-chave: Insultos, fronteira, xenofóbicos, racistas, imigrantes.

Abstract: The spread of xenophobic insults is not new in Brazil. However, due to the
current political situation and the increasing use of social networks as a platform for
debate, it is observed that profanity against another person due to their ethnic origin
has become commonplace, without due protection of the State. And in the city of
Corumbá-MS, the border between Brazil and Bolivia, the panorama of the
proliferation of racist comments against immigrants in social networks has been
following the same pace of growth as in other regions of the country. Thus, using
print's from the city's main shopping and sales page, the present paper seeks to
demonstrate that biased manifestations, especially on the page of the Trocas &
Trocas Group, reverberate without any kind of sanction by the Government.
Keywords: Insults, borderline, xenophobic, racist, immigrants.

Resumen: La propagación de los insultos xenófobos no es nueva en Brasil. Sin


embargo, debido a la situación política actual y al uso cada vez mayor de las redes
sociales como plataforma para el debate, se observa que la blasfemia contra otra
persona debido a su origen étnico se ha convertido en un lugar común, sin la debida
protección del Estado Y en la ciudad de Corumbá-MS, la frontera entre Brasil y
Bolivia, el panorama de la proliferación de comentarios racistas contra los
inmigrantes en las redes sociales ha seguido el mismo ritmo de crecimiento que en

1
Mestrando do Programa de Pós-Graduação de Estudos Fronteiriços na UFMS- Campus Pantanal,
Corumbá. Especialista em Direito Processual- PUC Minas. Bacharel em Direito pela UFMS- Câmpus-
Corumbá. E-mail: antoniorcj89@gmail.com
2
Professora Adjunta da UFMS. Doutora em Desenvolvimento Regional na UNISC. E-
mail:gleycevasques@gmail.com

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otras regiones del país. Por lo tanto, utilizando impresiones de la página principal de
compras y ventas de la ciudad, el presente documento busca demostrar que las
manifestaciones sesgadas, especialmente en la página del Grupo Trocas &
Exchanges, repercuten sin ningún tipo de sanción por parte del Gobierno.
Palabras clave: Insultos, frontera, xenófobos, racistas, inmigrantes.

Introdução
O contexto atual político fez transparecer o tratamento pouco amistoso
ofertado a grupos de imigrantes. Nas redes sociais, tornou-se comum observar
inúmeros insultos de cunho xenofóbico contra estrangeiros que provém de países
que estão em instabilidade econômica e política e que procuram no Brasil um refúgio
para amenizar suas mazelas.
Também, na cidade de Corumbá, as manifestações mais exacerbadas contra
migrantes acabaram alcançando a internet. Diante do fenômeno da reprodução de
ofensas preconceituosos nesta porção da fronteira, é mister entender a motivação
das demonstrações de repulsa e execração contra a população de estrangeiros que
advém da Bolívia.
A palavra xenofobia tem origem grega, sendo originalmente formada pela
aglutinação dos vocábulos xénos, significando “estranho, estrangeiro” (CEGALLA,
2018, p.406) e da palavra phóbos, que representava “medo doentio ou exagerado,
pavor, aversão” (CEGALLA, 2018, p.179). Atualmente sua compreensão evoca a
profunda rejeição e medo de um determinado grupo de estrangeiros, passando a ser
uma das principais fontes de racismo (ALBUQUERQUE, 2016). Ainda, conforme
narra o autor
A xenofobia implica uma delimitação espacial, uma territorialidade, uma
comunidade, em que se estabelece um dentro e um fora, uma
interioridade e uma exterioridade, tanto material quanto simbólico, tanto
territorial quanto cultural, fazendo daquele que vem de fora desse
território ou dessa cultura um estranho ao qual se recusa, se rejeita com
maior ou menor intensidade. A xenofobia pode se manifestar de
diferentes maneiras, desde como uma simples recusa de aproximação,
convivência ou contato com o estrangeiro até através de atitudes
extremadas de agressão e tentativa de eliminação física ou simbólica do
ser estranho. (ALBUQUERQUE, 2016, p. 10)
De fato, a xenofobia cristaliza o sentimento de sobreposição de uma cultura
considerada “civilizada” em detrimento a cultura do estrangeiro. Surge, então, uma
relação baseada no desrespeito, que acaba fomentando a violência e o racismo. O
modus operandi do xenófobo é o menosprezo daquele que veio de fora, e como
narra Strauss, “Chegam muitas vezes a privar o estrangeiro deste último degrau de

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humanidade, convertendo-o num fantasma, ou numa aparição” (LÉVI-STRAUSS,


1970, p. 223).
O objetivo do presente trabalho é demonstrar que a xenofobia nas redes
sociais, em especial na fronteira Brasil-Bolívia, na cidade de Corumbá, reforça
estereótipos de determinados imigrantes. Através de uma concepção pré-
determinada de alguns grupos de estrangeiros, sobressai o imaginário que estes
possuem atitudes nocivas à sociedade que o recepciona. Assim, muitos xenófobos
acabam atuando de forma difamatória, imputando a um grupo de pessoas fatos
controversos
A xenofobia pode descrever atitudes que prejudiquem, rejeitem ou excluam,
chegando mesmo à difamação do indivíduo alvo. É baseada em percepções
que existem sobre pessoas estrangeiras ou fora do grupo comunitário ou da
identidade social considerada como referência privilegiada.
Internacionalmente a definição de xenofobia contém atitudes e condutas
prejudiciais para com as comunidades estrangeiras. Nessas atitudes a
comunidade nacional encerra sentimentos de rejeição e exclusão, muitas
vezes difamatórios, baseadas em percepções construídas sobre aqueles
(MATIAS, p.27, 2010)
Outrossim, a xenofobia e o racismo são vertentes do mesmo lado. Dessa
forma, verifica-se que a aversão ao estrangeiro, por vezes, é seletiva e atinge
principalmente imigrantes provenientes de países africanos, do Haiti ou de origem
indígena. Conforme aduz Redin e Minchola (2015, p.52), por exemplo “os imigrantes
senegaleses africanos, de fenótipo negro, sofrem com as estigmatizações e práticas
racistas ainda não superadas no imaginário social”. Matias (2010) também faz uma
oportuna referência entre o racismo e a xenofobia
O sentimento de racismo leva-nos ao de xenofobismo, este difícil de se
diferenciar e separar do primeiro, sendo um termo muito próximo. No
conceito de xenofobia como grau de raça ou cultura, a procura de
sentimentos de racismo é muito vaga. Este inclui atitudes prejudiciais para
com o “Outro”, a comunidade estrangeira imigrante num país, sendo
aquelas atitudes tomadas pelos naturais desse país (MATIAS, p.27 2010).

Objetivando mitigar os efeitos da xenofobia, muitos imigrantes procuram uma


adaptação mais rápida, de forma que sua presença não provoque estranheza ou
rejeição. Conforme narra Lucena e Gusmão (2006), as adequações sociais dos
estrangeiros fazem com que “venham a ser na generalidade objeto de um juízo
neutro ou favorável do gênero: ‘são gente pacífica’, ‘pessoas que não causam
problemas’ ‘é uma comunidade ordeira e trabalhadora”. Logo, integrar-se significa
passar por um processo menos traumático, o que se torna extremamente necessário
para sua sobrevivência.

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Uma sociedade bem inserida na sociedade local tem necessariamente de


exibir uma conformidade visível com as leis, os regulamentos e os hábitos
de civilidade e de convivência vicinal que constituam práticas correntes da
maioria. Os desvios destas normas podem conduzir as reações de antipatia,
de rejeição e, se demasiadamente extremados, frequentes ou
generalizados, à discriminação e à xenofobia, por parte da sociedade de
acolhimento. (LUCENA; GUSMÃO, p.87, 2006)

É importante destacar que a xenofobia não se resume, somente, a agressão


física ou verbal contra pessoas de outras nacionalidades. A aversão ao estrangeiro
está intimamente ligada a uma ideia de exclusão social. Tal fato acaba favorecendo
atos depreciativos, como, por exemplo, “não alugar uma casa ou apartamento para
uma pessoa por causa da sua nacionalidade ou cor de pele” (GELEDES, s/p. 2018).

Metodologia
Este trabalho foi concebido através de uma revisão bibliográfica narrativa,
tendo por base a interpretação e análise de conteúdos elaborados anteriormente e
que visam proporcionar ao leitor a possibilidade de adquirir uma nova base de
conhecimentos sobre um determinado tema, tendo por composição, principalmente,
livros e artigos científicos (GIL, 2007; ROTHER, 2007).
Para tanto, partiu-se do objeto deste artigo e de princípios do constitucionais e
infralegais, bem como das diferentes teorias e conhecimentos que compõem esta
perspectiva. Ademais, listou-se os autores e as publicações que reúnem
informações pertinentes ao tema, os quais estão voltados para as áreas de
Imigração, Direitos Humanos e Direito Penal.
As principais bibliografias e documentos jurídicos elencados para análise e
elaboração deste texto, foram: Declaração Universal dos Direitos Humanos de
(1948); Constituição Federal da República Federativa Brasileira (1988); Lei de
Migração (2017); Estatuto do Estrangeiro (1980); Código Penal (1944); faz parte
também do rol de bibliografias os livros “Código Penal Comentado” (2017) do jurista
Rogério Greco; “Xenofobia: Medo e Rejeição ao Estrangeiro” de Durval Muniz de
Albuquerque Junior; “Discutindo Identidades” de Célia Toledo Lucena e Neusa Maria
Mendes Gusmão; “Imigrantes no Brasil- Proteção Direitos Humanos e Perspectivas
Político-Jurídicas” de Giuliana Redin e Luís Augusto Bittencourt Minchola;
“Combates à Xenofobia, ao Racismo e à Intolerância” de Paulo Daniel Farah;
“Imagens e Esteriótipos da Sociedade Portuguesa sobre a Comunidade Chinesa”
de Ana Matias.

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Ressalta-se, que da mesma forma que foram utilizadas as publicações


supracitadas, recorreu-se, também, a outras fontes bibliográficas provenientes de
livros, artigos científicos e periódicos, que contribuíram para maior compreensão do
tema.

Resultados da Pesquisa
Para compreender como o fenômeno da xenofobia afeta os migrantes no
país, é necessário analisar alguns dados. Segundo a ONU (2017), atualmente no
Brasil, existem cerca de 713 mil estrangeiros (2017, p.1), ou seja, apenas 0,3% da
população do Brasil é estrangeira. Um número bem abaixo se comparado a média
dos países vizinhos, como Argentina que tem 4,8% (2017, p.1) de sua população
composta por imigrantes, ou o Uruguai, que tem cerca de 2,1% (2017, p.1) de
estrangeiros residindo no país. Destaca-se que, dentro deste número, segundo a
Secretaria Nacional de Justiça (2017), no Brasil, cerca de 33.886 pessoas são
refugiadas (BRASIL, p.9), sendo a maioria, cerca de 17.865, composta por
venezuelanos (BRASIL, p.9).
Embora a quantidade de imigrantes residindo no país seja relativamente
baixa, o brasileiro tem uma percepção bem maior desse número. Segundo o instituto
IPSOS (2018), o imaginário coletivo é de que existiriam cerca de 30% de imigrantes
no país. De fato, é um número 100 vezes menor.
A compreensão incorreta de que há “muitos imigrantes” no país, influenciou
de forma negativa uma consulta pública do Senado Federal (2017) sobre a nova lei
dos migrantes (Lei 13445/2017), a qual, além de se adequar a Constituição Federal,
facilitou a entrada de estrangeiros. Ocorre que mais de 60% dos votantes (7.848 de
um total de 9.523) foram contra o novo texto legal.
Outra consequência desta falsa percepção de excesso de estrangeiros no
país é a concepção de que imigrantes estariam invadindo o Brasil para a prática de
delitos. Dessa forma, observa-se o surgimento de discursos preconceituosos e
agressivos objetivando “defender a nação”, como narra Farah (2017, p.3)

Exemplo desse discurso aparece em um vídeo publicado em redes sociais


em agosto de 2017 que mostra um homem exaltado, em Copacabana, a
gritar repetidas vezes “Sai do meu país!”, ao mesmo tempo em que ostenta
dois pedaços de madeira nas mãos e ameaça Muhammad Ali, refugiado
sírio residente há três anos no Brasil, no Rio de Janeiro, onde trabalha a

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vender esfihas e doces típicos. “O nosso país tá sendo invadido por esses
homens bombas, que matam crianças”, afirma o agressor.

Ainda, conforme expôs Ministério dos Direitos Humanos, no ano de 2017


houve cerca de 137 denúncias sobre violações de direitos humanos referentes à
xenofobia (BRASIL, 2017). De fato, as consequências destas prévias compreensões
sobre imigrantes acabam repercutindo também nas redes sociais. Conforme dados
da ONG Safernet (2019) houve o crescimento de cerca de 4000% de denuncias
referentes a xenofobia no ano de 2018 em seu site. Se em 2017 houve cerca de 130
denuncias do tipo, no ano de 2018 o número passou para 5.544.

No próximo item, através de print’s coletados do Facebook, serão


exemplificados discursos xenofóbicos exarados na principal página de compras e
vendas de Corumbá.

Trocas & Trocas: o caminho da xenofobia digital em Corumbá


Na cidade de Corumbá, o principal grupo de compras e vendas do Facebook
acaba sendo utilizado como uma espécie de jornal da cidade. Através das
postagens, além da divulgação de produtos e trabalhos, moradores utilizam o
ambiente virtual para reclamar de serviços públicos, ou ainda, relatar algum outro
fato que afete o cotidiano.
Ocorre, que é comum observar publicações que fazem referência aos
vizinhos da fronteira de forma nem sempre amistosa. Assim, através de uma
postagem-denuncia de alguma situação que envolva bolivianos, começam a surgir
os comentários preconceituosos em desfavor desse grupo de estrangeiros.
Para uma breve analise dos fatos, utilizar-se-á alguns print’s do principal
grupo de compra e venda da cidade: o Troca & Trocas. Notavelmente, é a maior
página de um grupo da cidade, tendo grande alcance na comunidade, uma vez que
conta com cerca de 114.845 mil membros, número superior ao total de habitantes de
Corumbá, que são estimados em 110.806 (IBGE, 2018).
Neste primeiro print, o internauta faz uma menção à publicação de um jornal
regional sobre manifestações de caminhoneiros bolivianos na fronteira, no ano de
2017. O autor da postagem afirma que não haveria motivo das reclamações
levantadas na reportagem, uma vez que no país vizinho não haveria produção e que

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os bolivianos estariam “pegando” os fretes de caminhoneiros brasileiros. Além disso


o internauta alega ser uma “piada de mal gosto” o fato de os bolivianos fazerem
supostas acusações contra brasileiros.
Imagem 1 – Rede Social

Fonte: Facebook, acesso: 01/08/2019

Apesar de não ficar claro sobre que produção o autor alega não existir na
Bolívia, verifica-se que ele demonstra um desconhecimento sobre o crescimento
econômico do país vizinho. Em 2017, ano da postagem, a Bolívia cresceu 4.3% em
seu PIB, tornando-se o Estado que mais cresceu na américa do sul (BBC, 2017 s/p).
Enquanto isso, no mesmo período, o Brasil havia crescido somente 1,0% (IBGE, p.4)
Já em outra postagem do mesmo grupo de vendas, uma pessoa reclama
sobre a presença de comerciantes bolivianos na cidade. Em tom ameaçador o autor
ainda diz que a “generosidade” do povo brasileiro poderia acabar em um
determinado momento. Em resposta, um seguidor da página acusa os bolivianos de
ocupar o sistema de saúde.
Sobre a presença de bolivianos no comércio, vale ressaltar que, atualmente, a
economia local está atrelada ao poder de compra de migrantes do país vizinho. Se
antes, a moeda brasileira gozava de uma valorização maior que a peso boliviano,
hoje, em meio a um período de crise, o fluxo de consumidores provenientes da
Bolívia deu sobrevida ao varejo. Destaca-se a reportagem do jornal Correio do
Estado (2019) sobre a vinda de bolivianos para comprar produtos no brasil
O empresário e presidente da Federação das Associações Empresariais do
Estado (Faems), Alfredo Zamlutti, afirma que o comércio de Corumbá
estaria falido sem o boliviano. Presidente da associação comercial local por
11 anos, ele estima que 70% do giro financeiro se deve ao consumidor

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vizinho, que aqueceu também o setor imobiliário e toda a cadeia de


serviços. “Mesmo discriminado, o boliviano tem sido o ‘salvador da pátria’
do comércio de Corumbá”, pontua.

Imagem 2 – Rede Social

Fonte: Facebook, acesso: 01/08/2019

Já em relação a resposta da postagem, embora haja a reclamação, por parte


do internauta sobre o atendimento de estrangeiros na rede pública hospitalar,
destaca-se que a Constituição Federal aduz ser um dos direitos sociais, a saúde
(1988, s/p). Além do mais, a lei 8080/89, que regulamenta o Sistema Único de
Saúde (SUS) expressa que um dos seus princípios é a Universalidade, sem que
haja qualquer tipo de distinção.
Neste último print, um usuário da rede social reclama de um suposto pedido
de propina por parte de polícias bolivianos. Em seguida, em uma resposta a
postagem, outro internauta chama os bolivianos de “colha”. Esse termo, que, na
verdade, redige- se como colla, é usado de forma pejorativa para designar grupos de
camelôs descendentes da população indígena (ARRUDA, 2000). Ainda, conforme
narra Souchaud e Baeninger (2008, p.284) o palavra colla acaba sendo utilizada,
também, para estigmatizar e desqualificar grupos da sociedade boliviana.
Fica evidente que no decorrer dos últimos 3 anos, a página Trocas & Trocas
tem sido palco de discursos preconceituosos. Contudo, até o presente momento não
houve nenhuma responsabilização dos autores das postagens, dos administradores

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do grupo e do próprio Facebook. Fica o questionamento: será que os integrantes do


Poder Público desconhecem as manifestações xenofóbicas exaradas na principal
página de compras e vendas da cidade?
Imagem 3 – Rede Social

Fonte: Facebook, acesso: 01/08/2019

Apesar de tantos comentários preconceituosos relacionados na página Trocas


& Trocas, o Brasil conta com dispositivos legais que visam proteger migrantes.
Entretanto, é importante frisar que o Estatuto do Estrangeiro, lei que até pouco
tempo normatizou a vida de estrangeiros em solo brasileiro e que esteve em vigor
entre os anos de 1980 a 2017, foi elaborado no contexto do regime militar, tendo
maior ênfase na segurança nacional. Dessa forma, o imigrante era visto como
possível ameaça, conforme interpreta-se os artigos 2° e 3° do antigo Estatuto (1980,
s/p).
Art. 2° Na aplicação desta Lei atender-se-á precipuamente à segurança
nacional, à organização institucional, aos interesses políticos, sócio
econômicos e culturais do Brasil, bem assim à defesa do trabalho nacional.
Art. 3° A concessão do visto, a sua prorrogação ou transformação ficarão
sempre condicionadas aos interesses nacionais.
Salienta-se, além disso, o inciso II do Artigo 7° do antigo Estatuto (1980, s/p),
que aduzia a não concessão de visto a estrangeiros que fossem considerados
nocivos à ordem pública ou aos interesses nacionais. É evidente que a subjetividade

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do artigo supracitado possibilitaria a negativa do visto sem que houvesse um critério


específico.
A fim de adequar a legislação sobre migrantes com o texto constitucional, o
Estatuto do Estrangeiro foi ab-rogado com a promulgação da Lei n° 13445/2017 (Lei
de Migração). Nesta nova norma, houve a redefinição dos direitos e deveres dos
migrantes, regulamentando o ingresso e a permanência de estrangeiros em território
brasileiro (2017, s/p).
Ademais, a nova lei facilitou alguns procedimentos burocráticos, como a
obtenção de vistos, prevendo, inclusive, a isenção de taxas para emissão de
documentos em casos de hipossuficiência econômica (2017, s/p). Além disso, com a
Lei de Migração, deixou de existir a possibilidade de prisão por conta de uma
situação migratória que estiver irregular (2017, s/p).
Porém, a mudança mais significativa foi descontinuidade da associação do
termo “ilegal” à migração. Assim, a partir da nova lei, para se referir a imigrantes
que não passaram pelo procedimento de regulamentação junto à Polícia Federal,
passou-se a utilizar o adjetivo “irregular”. Destaca-se que a extinção do termo
“imigrante ilegal” se coaduna, também, com a Declaração Universal dos Direitos
Humanos (1948, s/p), a qual o Brasil é signatário. Assim, denota-se que a migração
é um direito humano, conforme interpretação dos seguintes artigos:
Art. XIII
1. Todo ser humano tem direito à liberdade de locomoção e residência
dentro das fronteiras de cada Estado.
2. Todo ser humano tem o direito de deixar qualquer país, inclusive o
próprio, e a este regressar.
Art. XIV
Todo ser humano, vítima de perseguição, tem o direito de procurar e de
gozar asilo em outros países.
Outrossim, é importante destacar que o termo “imigrante ilegal” é carregado
de preconceitos e estigmas, contribuindo para uma visão xenofóbica em relação aos
migrantes. E, embora ainda exista o resquício de preconceito causado pelo Estatuto
do Estrangeiro que vigorou durante décadas, ressalta-se que o descumprimento dos
procedimentos para regularização da migração não caracteriza um crime, ou, seja,
não há um tipo penal para o fato, e sim, somente, infração administrativa.
Ressalta-se, também, que a proteção ao estrangeiro perpassa pela
Constituição Federal, a qual aponta como um dos objetivos fundamentais “promover
o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer
outras formas de discriminação” (1988, s/p). Além disso, cumpre lembrar que

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quaisquer práticas racistas, incluindo-se a xenofobia, são imprescritíveis e


inafiançáveis, nos termos do artigo 5º, inciso XLII, da Constituição Federal (1988).
Ainda, objetivando punir a prática racista e xenofóbicas, foi promulgada a Lei
nº 7.716, de 05 de janeiro de 1989, que em seu artigo 1º, passou a determinar que
“serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou
preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional” (BRASIL, 1989,
s/p).
Aos incitadores da xenofobia, a Lei nº 7.716 (1989), houve a definição do
crime no art. 20 o qual aduz “praticar, induzir ou incitar
a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.
Pena: reclusão de um a três anos e multa” (1989, s/p).
Já as ofensas verbais direcionadas a um imigrante específico (sem que haja
generalização a um grupo) poderão ser tipificadas como crime de injúria, conforme
aduz o artigo 140 do Código Penal (1940)
Art. 140 – Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:
Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.
(…)
3° Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a
raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou
portadora de deficiência:
Pena – reclusão de um a três anos e multa.

De fato, no cotidiano, acaba sendo a situação mais comum, a ofensa verbal


dirigida diretamente a um imigrante com referências pejorativas e preconceituosas
em relação a sua origem. Assim, observar-se-á um caso de crime de injúria
qualificada e não de racismo. Já nos casos exemplificados nos print’s da página de
compra e vendas da cidade de Corumbá, os quais indivíduos generalizam o ataque
preconceituoso contra um grupo específico (bolivianos), verifica-se que ao invés de
injúria foi cometido o crime de racismo.
Ocorre que os tipos penais presentes no Código Penal e na Lei 7.716/89
possuem bastante semelhanças. No entanto, não se deve confundir um crime com
outro, uma vez que enquanto a injúria protege a “chamada honra subjetiva, ou seja,
o conceito, em sentido amplo, que o agente tem de si mesmo” (GREGO, 2019) a Lei
7.716/89 visa punir a “prática de atos de segregação, que visam a impedir ou obstar
a alguém, por amor dos acidentes de sua cor ou etnia, o acesso aos bens da vida,
ou o livre exercício de seus direitos” (BRASIL, 2007).

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Por fim, no último item, serão realizadas as considerações finais,


perpassando pelos preceitos legais, as condutas tipificadas pelos indivíduos na
página Trocas & Trocas e a inércia do poder público diante das manifestações
xenofóbicas.

Considerações finais
Embora o Brasil seja signatário de Tratados Sobre Direitos Humanos e tanto
Constituição Federal quanto normas infraconstitucionais protejam os estrangeiros de
discriminações e preconceitos, fica latente que a violação de direitos ainda é
banalizada nas redes sociais, em especial na cidade de Corumbá.
Após uma rápida pesquisa na principal página de compras e vendas da
cidade, é possível ver inúmeras postagens ofensivas a estrangeiros provenientes da
Bolívia. Inclusive, algumas publicações que datam de anos anteriores, ainda
continuam disponíveis para leitura. Fica evidente a inércia de membros do Poder
Público, destacando-se o Ministério Público, em face dos fatos tipificados como
racismo na maior página de Corumbá.
É necessário que os agentes do Estado exerçam seu mumus fiscalizatório, de
forma que publicações como as dos print’s que fazem parte do presente trabalho
sejam retiradas de forma imediata. Somente através de uma sanção com viés
punitivo-pedagógico, poder-se-á vislumbrar que a população se conscientize que
xenofobia é crime.
Além disso, é importante destacar que o Brasil é composto por uma
amálgama de pessoas provenientes de todos os continentes do mundo. A
construção do país não foi fomentada somente por um grupo social. E, nesta porção
da fronteira não seria diferente. Assim, é necessário que quaisquer manifestações
preconceituosas deixem de passar incólume, de forma que a origem de todos seja
devidamente respeitada.

Referências

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Estrangeiro. São Paulo: Cortez Editora. 2016.

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734

O ESTADO BRASILEIRO NO ENFRENTAMENTO AO CRIME DE TRÁFICO


INTERNACIONAL DE PESSOAS NA FRONTEIRA BRASIL/BOLÍVIA: O CASO DE
CORUMBÁ E PUERTO QUIJARRO
The Brazilian State in Facing the Crime of International Trafficking on the Brazil /
Bolivia Border
El Estado Brasileño Enfrentando el Delito de la Trata Internacional de la Frontera
Brasil / Bolivia: el Caso de Corumbá y Puerto Quijarro

Mateus Moreira de Oliveira1


Mara Aline dos Santos Ribeiro2
Caíque Ribeiro Galícia3

Resumo: O tráfico internacional de pessoas é considerado uma forma


contemporânea de escravidão, onde pessoas são submetidas a um tratamento
degradante e desumano. Esse tipo de crime movimenta cifras bilionárias
aproveitando-se da vulnerabilidade econômica e social das vítimas. O artigo tem por
objetivo “Elencar os aspectos legais e jurídicos de enfrentamento ao tráfico de
pessoas para fim de exploração sexual na fronteira Brasil-Bolívia”, com o escopo de
desenvolver um trabalho que sirva de parâmetro e incentive novas discussões sobre
o assunto, a partir da aplicação de políticas públicas, a fim de proteger as vítimas,
punir os responsáveis e coibir a prática do ilícito penal. Para tanto, o método de
aplicação se respalda em estudos legislativos, referenciados teoricamente nas
ciências jurídicas, permeados por conhecimentos interdisciplinares que envolvem a
história, antropologia, sociologia e geografia.
Palavras chave: fronteira; tráfico internacional de pessoas; políticas públicas.

Abstract: International human trafficking is considered a contemporary form of


slavery, where people are subjected to degrading and inhuman treatment. This type
of crime moves billionaire figures taking advantage of the economic and social
vulnerability of the victims. This paper aims to “List the legal and legal aspects of

1
Mestrando em Estudos Fronteiriços pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Especialista
em Gestão Judiciária – Ênfase em Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.
Graduado em Direito (2014) pela Universidade Anhanguera e Administração (2009) pela
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Atualmente é Analista Judiciário e Assessor Jurídico do
Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul. Tem experiência na área de Direito, com
ênfase em Direito Constitucional, Direito Internacional e Direitos Humanos. Contato:
mateus.adv88@gmail.com
2
Doutora (2013) em Geografia pela Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP e Mestre
(1998) em Educação pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Possui graduação em
Licenciatura e Bacharelado em Geografia pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (1994).
Atualmente é professora-adjunta da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Pesquisadora nas
áreas de Geografia, Geografia Cultural, Turismo, Educação, Território, Paisagem. Contato:
mara_aline@hotmail.com
3
Doutor (2019) e Mestre (2014) em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul (PUCRS) com pesquisa na área de Cooperação Jurídica Internacional em matéria
penal no MERCOSUL. Graduação em Direito (2011) pela Universidade Católica Dom Bosco (UCDB).
Tem experiência na área do Direito, com ênfase em Direito Processual Penal, Direito Penal, Direito
Internacional Público, Cooperação Jurídica Internacional, Direito da Integração e Direito Comparado.
Contato: caiquerg@hotmail.com

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confronting trafficking in persons for the purpose of sexual exploitation on the Brazil-
Bolivia border”, with the purpose of developing a work that serves as a parameter
and encourages further discussions on the subject. public policies to protect victims,
punish those responsible and curb the practice of criminal offenses. Therefore, the
method of application is supported by legislative studies, theoretically referenced in
the legal sciences, permeated by interdisciplinary knowledge involving history,
anthropology, sociology and geography.
Keywords:border; international traffic of people; public policies; human rights.

Resúmen: La trata internacional de personas se considera una forma


contemporánea de esclavitud, donde las personas son sometidas a tratos
degradantes e inhumanos. Este tipo de delito mueve a las figuras multimillonarias
aprovechando la vulnerabilidad económica y social de las víctimas. El artículo tiene
como objetivo "Enumerar los aspectos legales y legales de enfrentar la trata de
personas con fines de explotación sexual en la frontera entre Brasil y Bolivia", con el
fin de desarrollar un trabajo que sirva de parámetro y fomente nuevas discusiones
sobre el tema. Políticas públicas para proteger a las víctimas, castigar a los
responsables y frenar la práctica de los delitos penales. Por lo tanto, el método de
aplicación está respaldado por estudios legislativos, referenciados teóricamente en
las ciencias jurídicas, permeados por el conocimiento interdisciplinario que involucra
historia, antropología, sociología y geografía.
Palabras clave: frontera; trata internacional de personas; políticas públicas.

* Trabalho completo selecionado para publicação na Revista Para Onde? (UFRGS),


no número referente ao primeiro semestre de 2020.
https://seer.ufrgs.br/paraonde

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PANORAMA DAS PRINCIPAIS INICIATIVAS DAS POLÍTICAS


GOVERNAMENTAIS DE FRONTEIRAS E DA POLÍTICA NACIONAL DE DEFESA
FRENTE AOS DESAFIOS IMPOSTOS PELA CONJUNTURA INTERNACIONAL
FRONTEIRIÇA
Overview Of The Main Initiatives Of The Government's Border Policies And National
Defense Policy In The Face Of The Challenges Posed By The International Border
Situation
Panorama General De Las Principales Iniciativas De Las Políticas Fronterizas Del
Gobierno Y De La Política De Defensa Nacional Frente A Los Desafíos Que Plantea
La Situación Fronteriza Internacional

Silvana do Valle Leone


Elisa Pinheiro de Freitas

Resumo: Diante da configuração de instabilidade da ordem internacional entre os


países e dos crimes cada vez mais organizados comprovamos que não há barreiras
e nem fronteiras entre nações para atividades ilícitas. A importância das políticas de
fronteiras e Defesa para melhores relações com os países vizinhos e a importância
discutir os problemas, a forma de cooperação e integração para implementação de
ações estratégicas. O artigo aborda a atuação do Governo Federal nos desafios
impostos pela conjuntura internacional fronteiriça na América do Sul, descreve a
Política Nacional de Defesa, Estratégia Nacional de Defesa e Livro Branco de
Defesa sob a égide do Ministério da Defesa. E atua no sentido de fomentar o diálogo
e a discussão de temas relacionados à Segurança e Defesa; trocando experiências
entre profissionais de diversas formações e origens, com respeito às mais
divergentes opiniões acerca de aspectos políticos e estratégicos e em prol do
desenvolvimento do país.
Palavras-chave: Políticas Públicas. Defesa. Segurança. Forças Armadas.
Sociedade.

Abstract: Faced with the configuration of instability of the international order among
countries and increasingly organized crimes, we can see that there are no barriers or
borders between nations for illicit activities. The importance of border and defense
policies for better relations with neighboring countries and the importance of
discussing problems, the form of cooperation and integration for the implementation
of strategic actions. The article discusses the Federal Government's role in the
challenges posed by the international border situation in South America, describes
the National Defense Policy, National Defense Strategy and Defense White Paper
under the aegis of the Ministry of Defense. It also works to foster dialogue and
discussion of issues related to Security and Defense; exchanging experiences


Mestranda em Estudos Fronteiriços, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.
Email:silvanadovalleleone@hotmail.com

Docente e pesquisadora na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) Campus Pantanal (CPAN),
lecionando no Curso de Geografia e no Mestrado em Estudos Fronteiriços. Pós-Doutorado na Universidade de
São Paulo (USP), Doutora em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo (USP). Email:
elisa.freitas@ufms.br

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among professionals from different backgrounds and backgrounds, with respect to


the most divergent opinions on political and strategic aspects and in favor of the
country's development.
Key words: Public Policies. Defense. Security. Armed Forces. Society.

Resumen: Frente a la configuración de la inestabilidad del orden internacional entre


los países y a la creciente delincuencia organizada, podemos ver que no existen
barreras ni fronteras entre las naciones para las actividades ilícitas. La importancia
de las políticas fronterizas y de defensa para mejorar las relaciones con los países
vecinos y la importancia de discutir los problemas, la forma de cooperación e
integración para la implementación de acciones estratégicas. El artículo analiza el
papel del Gobierno Federal en los desafíos que plantea la situación de la frontera
internacional en América del Sur, describe la Política de Defensa Nacional, la
Estrategia de Defensa Nacional y el Libro Blanco de Defensa bajo la égida del
Ministerio de Defensa. También trabaja para fomentar el diálogo y la discusión de
temas relacionados con la Seguridad y la Defensa; intercambiando experiencias
entre profesionales de diferentes ámbitos y procedencias, con respecto a las
opiniones más divergentes sobre aspectos políticos y estratégicos y a favor del
desarrollo del país.
Palabras clave: Políticas Públicas. Defensa. Seguridad. Fuerzas Armadas.
Sociedad.

Introdução
O presente artigo tem como objeto de estudo as políticas governamentais de
fronteiras e a política de Defesa frente aos desafios impostos pela conjuntura
internacional fronteiriças. O Governo Federal e as Forças Armadas (FA) entendem
que o assunto não deve ser restrito aos militares, deve ser preocupação de toda
sociedade brasileira. A iniciativa atende a definição de ações conjuntas, com
discussões e debates no nível político e acadêmico que aprofunde as capacidades e
competências entre as partes em prol do desenvolvimento do País.
O objetivo geral é analisar as características das fronteiras brasileiras,
apresentar um breve histórico da atuação dos governos federais entre os anos de
1985 e 2017, entender a configuração das Políticas Governamentais de Fronteiras
frente à conjuntura internacional e problemas nacionais e estudar o papel da Política
de Defesa sob a égide do Ministério da Defesa e à luz da Política Nacional de
Defesa, Estratégia de Defesa Nacional e Livro Branco de Defesa Nacional.

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738

O objetivo específico é apresentar a sociedade civil o debate permanente


entre as partes a respeito dos problemas de defesa, segurança e fronteira
produzindo reflexões acerca do tema no âmbito do cenário nacional.
O Problema está em fomentar o diálogo entre o meio civil e militar, não
somente em ações que dizem respeito à Soberania Nacional, mas também na
relevância de entender, participar e defender o tema Segurança Pública, Defesa
Nacional e Fronteira, como temas que devem ser obrigação de todos compreender
para implementação de iniciativas que objetivam melhorar a gestão das políticas
fronteiriças no tocante à defesa e segurança.
Este trabalho foi pautado na pesquisa bibliográfica e para abordar o tema
proposto recorreremos a Política Nacional de Defesa (PND), a Estratégia Nacional
de Defesa (END), o Livro Branco de Defesa Nacional (LBDN), e as legislação e
autores que tratam sobre o tema Fronteira. Esses documentos foram utilizados para
revisão da literatura e redação deste artigo. Foram consultados sites oficiais do
Ministério da Defesa e das três Forças Armadas, Ministério da Integração Nacional,
Ministério da Justiça e Relações Exteriores, além de artigos e leis que tratam de
aspectos relevantes sobre o tema Fronteira, Segurança e Defesa Nacional.
As adversidades econômicas, sociais, ambientais e políticas, a crise
financeira global, o movimento migratório ao redor do mundo com fortes
divergências sobre os refugiados entre os países, a guerra global contra o
terrorismo, a guerra da alta revolução tecnologia, os blocos econômicos que tem
acirrado a concorrência entre grupos de países, a crise na Europa, a situação de
instabilidade de relacionamentos entre os países e a lavagem de dinheiro que
viabiliza a corrupção e o tráfico de drogas como crimes cada vez mais organizados,
comprovam que não há barreiras e nem fronteiras entre nações para atividades
ilícitas. Diante desta conjuntura, exige-se cada vez mais a efetiva presença do
Estado Nacional com vistas ao desenvolvimento e integração do país e a garantia da
soberania da integridade territorial e dos interesses nacionais. (ESCOBAR, 2015)
O Brasil está situado no entorno estratégico que extrapola a região sul-
americana e inclui o Atlântico Sul e os países lindeiros da África, assim como a
Antártica, e é o maior território da América do Sul. Possui 4,5 milhões de hm de área
marítima e uma extensão territorial de 8.514.876 km². É o quinto maior do mundo em
extensão e menor que os territórios da Rússia, Canadá, China e Estados Unidos.

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Contempla uma complexa variedade fisiográfica que pode ser sintetizada em


cinco macrorregiões: Sul, Sudeste, Centro-Oeste, Norte e Nordeste. É um país com
diversidade geográfica, étnica e cultural, com abundância em recursos minerais e
naturais, grande potencial hidroenergético e variedades de biomas que reflete a
enorme riqueza da flora e da fauna brasileira como: a Floresta Amazônica, além do
Pantanal, maior planície inundável. Nesse cenário, ainda fazem parte a camada do
pré-sal, as maiores reservas de petróleo e gás, fontes de energia imprescindíveis
para o desenvolvimento do País. (PND, 2012)
Apesar das riquezas naturais e sua localização geográfica estratégica, ainda
detém concentração de renda, desigualdades sociais e regionais e instabilidades
econômicas, que quando associados aos padrões competitivos dos mercados
mundiais e da globalização, tornam-se empecilhos à justiça social e ao
desenvolvimento integrado e sustentável com os países da América do Sul;
obstáculos que impulsionam a violência, a discriminação e a marginalização na
sociedade, tornando-se um grande desafio estratégico para o fortalecimento de
regiões de fronteiras e de subespaços como a Amazônia, a Região Central e o
Mercosul, essenciais para a competitividade do país e para integração do
continente. (CASSIOLATO & LASTRES, 1999).
Sua faixa de fronteira é marcada por ampla diversidade política, econômica e
cultural e faz divisa com dez países quase todas as nações sul-americanas: Guiana
Francesa (território ultramarino francês); Suriname; Guiana; Venezuela; Colômbia;
Peru; Bolívia; Paraguai; Argentina e Uruguai. Apenas Chile e Equador não fazem
fronteira com o Brasil, o que corresponde aproximadamente 27% do território
nacional. A política governamental brasileira considera as regiões fronteiriças
estratégicas e altamente complexas e por esse motivo recebem um tratamento
especial na Constituição Federal (1988) para regê-las e garantir sua isonomia.
(PDFF, 2005).

Metodologia
A pesquisa bibliográfica foi realizada através de artigos, revistas e sítios da
internet, com o objetivo de levantar dados e informações relevantes a respeito dos
conceitos relacionados a Fronteira, Segurança Pública e Defesa Nacional.

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Política governamental de fronteira

Segundo Borba (2013), a primeira vez que o Brasil reconheceu a Faixa de


Fronteira foi pela Lei 601/1850, no reinado de D. Pedro II, onde considerou a zona
de 10 léguas (66 Km), na Constituição da República de 1861 e 1934, ambas
mantiveram 66 km, sendo a primeira sob o domínio da União e a segunda do
Governo Federal. Já a Constituição de 1937 ampliou a faixa para 150 km, mas a
manteve sob a jurisdição federal apenas os 66 km. A Constituição de 1946
reconheceu a faixa de 150 km como essencial à Defesa do País, porém foi
consolidada na Constituição de 1988, estabelecendo-a em toda a linha limítrofe
terrestre. Na evolução das fronteiras terrestres houve quatro fases históricas
políticas: A primeira fase de expansão foi no período colonial, a segunda fase de
regularização ou de legalização aconteceu no período monárquico, a terceira fase
de demarcação surgiu durante a república, encerrando-se na quarta fase de
vivificação ou de povoamento.
A Legislação Brasileira definiu Faixa de Fronteira no § 2º do artigo 20 da
Constituição Federal (1988) e artigo 1 da Lei 6.634 (1979) e regularizou no Decreto
85.604(1980), caracterizando-a geograficamente como uma faixa de até 150 km de
largura ao longo de 15.719 km de fronteira terrestre brasileira. Esta faixa abrange
588 municípios e 11 Unidades de Federação, regiões historicamente abandonadas
pelo Estado, pouco desenvolvidas economicamente, com dificuldades de acesso
aos bens e aos serviços públicos e problemas de segurança pública; impasses
gerados por barreiras políticas, administrativas, legais e diplomáticas e falta de
articulação com o poder central decisório que considera apenas ponto de vista da
Segurança Nacional. Segundo a PDFF (2005) a forma de atuação na Faixa de
fronteira está voltada para três grandes arcos: Norte, Central e Sul englobando 17
sub-regiões.
O relatório do Escritório das Nações Unidades sobre Drogas e Crime
(UNODC) do ano de 2010 apontou os desafios da Segurança Pública do Brasil nas
fronteiras. Descreveu o Brasil como o principal corredor de escoamento e
consumidor da cocaína e suas principais rotas de entrada são o Arco Norte e Central
do país. Já em 2016, a pesquisa relatou que o Brasil foi considerado o país não
europeu que mais exporta cocaína para a África e para a Europa se destacando no
mercado asiático como principal exportador da América do Sul, o que indica que os

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portos e aeroportos brasileiros são áreas extremamente sensíveis a entrada e


saídas de materiais ilícitos e que as fronteiras estão desamparadas e que precisam
de mecanismos mais adequados para protege-las (SALLA; ALVAREZ; OI; ROCHA,
2014).
Segundo Foucher (2009) a mundialização das fronteiras se destaca em
quatro episódios, sendo o primeiro o Tratado de Tordesilhas, de 1494 e o do Tratado
de Zaragoza, com a separação entre os reinos de Portugal e de Espanha durante as
Grandes Navegações. O segundo ápice foi a Conferência de Berlim (1884-1885),
em que o continente africano foi partilhado entre as potências imperialistas. O
terceiro acontecimento foi à Cortina de Ferro, que significa a bipolarização que
separava a Europa ocidental da oriental durante a Guerra Fria e a quarta à queda do
muro de Berlim, em 1989 e o fim da Guerra Fria reconhecida como marco do fim da
polarização e um mundo livre, apesar de vivermos sempre rodeados de muros como
o de Israel e Palestina, Estados Unidos da América e México, entre Europa e os
refugiados.
Segundo Nogueira (2005) no período da Guerra fria (1945-1980) entre os
Estados Unidos e a antiga União Soviética, os interesses nacionais eram fortemente
impulsionados pelos Estados-Nação e haviam disputas ideológicas e controle de
territórios e a fronteira tornou-se um conteúdo geopolítico. A visão negativa que se
tem das fronteiras é herança dessa época, porque era vista como um lugar de
contravenções ilícitas e contrabando com a fuga de um lado para o outro, o que
provoca sentimentos de discriminação do fronteiriço, visto como suspeito e motivo
de desconfiança, já que vive numa região onde é permitido as mais variedades
transgressões contra o Estado.
Para Machado (1998, p. 41-42) as diferenças entre limite e fronteira não
podem ser tratadas como sinônimos. Para a autora Fronteira corresponde às “forças
centrífugas” e os limites são “forças centrípetas”. Entende-se Fronteira como um
fator de integração com controle e vinculação do governo e o Limite um fator de
separação definido e que simbolicamente separa Estados e impõem obrigações aos
cidadãos que continuam vivendo a realidade fronteiriça.
Para Claude Raffestin (1993, p. 167), a zona fronteiriça é uma região
geográfica que oculta o limite. As zonas de fronteira, constituem espaços de convívio
social e cultural entre os Estados, inserindo no indivíduo fronteiriço usos, costumes,

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valores e expressões idiomáticas que a diferencias das cidades do centro do país,


aproximando-as dos grupos que estão do outro lado da fronteira, o que permite a
ocorrência de verdadeiras sociedades transfronteiriças (SILVA, 2008; FARRET,
1997).
O Decreto nº 9.810 (2019) reconhece a faixa de fronteira como estratégica
para Segurança Nacional e devido as ameaças externas e vulnerabilidades
econômicas e sociais o Governo Federal institucionalizou a Política Nacional de
Desenvolvimento Regional (PNDR). Seu propósito é criar oportunidades para
impulsionar a economia, valorizar e estimular as vocações produtivas locais, gerar
renda, promover a equidade entre as pessoas e entre as regiões, melhorar a
qualidade de vida das pessoas com educação e capacitação com acesso mais
justos e equilibrados, reduzindo as desigualdades de oportunidades vinculadas ao
local de nascimento e moradia e recuperar as cidadanias adormecidas pela
estagnação e desesperança.
Dentre os programas subordinados ao Ministério configura-se o Programa de
Promoção do Desenvolvimento da Faixa de Fronteira – PDFF (2005), que surge
como uma mudança de mentalidade no tocante às fronteiras conhecidas como
regiões de delitos diversos.
Conforme a Lei 8.183 (1991) e o artigo 91 da Constituição Federal (1988), a
ocupação da Faixa de Fronteira é dada por órgão específico e desde 1991 o
Conselho de Defesa Nacional (CDN) é o órgão de Consulta do Presidente da
República nos assuntos relacionados com a soberania nacional e a defesa do
estado democrático. Um dos seus objetivos é propor os critérios à segurança do
território nacional e opinar sobre seu efetivo uso, especialmente na faixa de fronteira
e nas relacionadas com a preservação e a exploração dos recursos naturais de
qualquer tipo.
Segundo o PDFF (2005) as cidades limítrofes com países vizinhos são
as mais afetadas por quesitos políticos, econômicos e diplomáticos, sendo gêmeas
ou não, o que demanda articulação com o Ministério das Relações Exteriores. No
campo das interações transfronteiriças há diferenças geográficas, tratamento
diferenciado com órgãos do governo e com os povos vizinhos. As seguintes
tipologias foram estabelecidas para estes tipos de cidades: Margem, Zona-tampão,
Frentes, Capilar e Sinapse.

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As fronteiras simbolizam a prática social de diferenciação e apesar dos


estudos acadêmicos e preocupação política sobre o tema Fronteira na América do
Sul, o investimento e a cooperação bilateral atestam que essas regiões ainda não
estão nas agendas principais da política governamental e nas negociações voltadas
para os interesses dos países fronteiriços, das potências internacionais e na vida
dos cidadãos que vivem à margem da fronteira. (HOUTUM; NAERSSEN, 2002).
Neste contexto, emerge o Programa de Proteção Integrada de
Fronteiras (PPIF) instituído pelo Decreto nº 9.818/19, que entre as alterações
determina que o programa deverá subsidiar às diretrizes e os objetivos
estabelecidos pela Câmara de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Conselho
de Governo. Atua para o fortalecimento da prevenção, do controle, da fiscalização e
da repressão aos delitos transfronteiriços, fruto de Políticas Brasileiras de Defesa e
Proteção de Fronteiras.
O maior desafio para Política Externa Brasileira é colocar o tema Fronteira em
destaque, como um tema visível e prioritário para os países vizinhos, porque ainda é
um assunto incipiente na agenda política, sendo tratada com limitações no âmbito
legal dos países vizinhos, onde há necessidade de se avançar nos entendimentos
bilaterais e no enfrentamento dos problemas que são considerados comuns, em
especial no campo da segurança, fiscalização e defesa. A discussão é fundamental
à realização de boas práticas de cooperação e integração fronteiriças e para solução
de crises políticas, migratórias, econômicas, barreiras legais, indispensáveis para
gerar resultados concretos que mudem a percepção dos países vizinhos para o
desenvolvimento de pontos de vistas comuns na região de fronteira.
Segundo Costa (2017, p. 95) a partir da redemocratização do Brasil, iniciou-se
um movimento das iniciativas brasileiras para as Fronteiras, apesar do recorrente
afastamento nas questões fronteiriças. A seguir apresentaremos as ações do
Governo Federal no período de 1985 a 2017, no tocante à Segurança e Defesa
Nacional:
No governo do Presidente José Sarney (1985-1990) houve um aumento da
pauta fronteiriça nas agendas governamentais, no entanto estava mais preocupada
com as áreas de Segurança, Defesa Nacional, Política Externa e Fiscalização
tributária do que o Desenvolvimento Regional, porque isso implicava em se articular
em diferentes domínios de políticas públicas.

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Dentre as principais iniciativas deste governo foi a criação do Programa


Calha Norte (PCN) na década de 1980 que almejava minimizar vulnerabilidades
devido à ausência do Estado e da baixa taxa demográfica da região, percebidas
como preocupação para Soberania Nacional. No período de redemocratização, o
principal programa brasileiro para a proteção das fronteiras foi o PCN. Essa
iniciativa encontrou resistência inicial por não ter contado com a consulta à
população local e por ter afetado a vida de populações indígenas. No entanto,
representou um marco inicial de uma estratégia civil e militar e integração com
países vizinhos para a proteção das fronteiras brasileiras, que apesar do discurso
político se viu limitado a condicionantes estratégicas que se impunham de maneira
prioritária para os tomadores de decisão. (COSTA, Pag. 96-100)
Atualmente o Programa é regulamentado pela Portaria nº 70 (2018) do
Ministério da Defesa. Sua finalidade é promover a ocupação e o desenvolvimento
ordenado dos Municípios conforme características regionais, diferenças culturais e o
meio ambiente, em consonância a proteção do território e a soberania nacional.
Contribui para melhoria da infraestrutura nas áreas de defesa, educação, esporte,
segurança pública, saúde, assistência social, transportes e desenvolvimento
econômico e sustentável da região e da cidadania da população local, fortalecendo a
integração social e a melhoria da qualidade. de vida da população, a geração de
emprego e renda e a cadeia produtiva e principalmente a interligação da região com
todo o território nacional.
No governo do Presidente Fernando Collor (1990-1992) e de Itamar Franco
(1992-1994) abriu-se espaço para projetos comuns na fronteira, tanto para
integração física quanto para solução de problemas comuns, mas foi considerado
incipiente para temas fronteiriços. O Governo Collor idealizou o Centro Gestor e
Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (CENSIPAM) para gerenciar o
Sistema de Proteção da Amazônia (SIPAM) junto com o Sistema de Vigilância da
Amazônia (SIVAM), porém gerou incertezas nos países vizinhos, porque não foi
objeto de informação e de consulta prévia. A finalidade era realizar maior
fiscalização e presença do Estado na região amazônica que inclui o Norte, o estado
de Mato Grosso e parte do Maranhão, foram desdobramentos de projetos originados
no governo Sarney. No governo de Itamar Franco (1992-1994) ocorreu o primeiro
processo de licitação do sistema de radares do SIVAM.

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No primeiro mandato do Presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-98),


esse processo foi cancelado para melhorias no processo licitatório, o que provocou
atraso na implantação dos sistemas SIPAM e SIVAM. A utilização dos sistemas
visava combater atos ilícitos na região, em especial os crimes ambientais, a
exploração de recursos minerais de maneira indevida e o tráfico de drogas. O
Ministério da Aeronáutica ficou responsável pela gestão do SIVAM e sua integração
com o SIPAM e contou com o apoio do Ministério da Justiça, que ganharam notório
conhecimento internacional na durante a Conferência das Nações Unidas sobre o
Meio Ambiente e o Desenvolvimento de 1992, conhecida também como Eco-92 e
Rio-92. Ressalta-se que sua implementação aconteceu apenas no segundo
mandato de Fernando Henrique Cardoso, em 2002.
O Programa Calha Norte teve prosseguimento, mas sofreu cortes
orçamentários. No entanto, as Forças Armadas juntamente com a Polícia Federal
foram as únicas que receberam recursos voltados para as fronteiras. A criação do
MERCOSUL fomentou o de desenvolvimento e consolidação das estruturas de
defesa e segurança nas regiões fronteiriças e aproximação dos centros políticos
com países limítrofes ao arco sul e central do Brasil. (COSTA, 2017, pg.102)
No segundo mandato do Presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002)
valorizou o multilateralismo e a integração regional conjuntamente. Porém a
integração econômica era o objetivo principal no marco regional, mas as questões
na fronteira permaneciam secundárias. Regulamentou a Política de Defesa
Nacional (PDN), criou o Conselho de Relações Exteriores e Defesa Nacional
(CREDEN) e o Ministério da Defesa (MD) visando a integração entre as três Forças
Armadas e gradual aproximação da atenção da população aos assuntos
relacionados à Defesa Nacional. Um fato relevante foi o estabelecimento do Plano
Nacional de Segurança Pública (PNSP) que configurou a primeira iniciativa de
segurança no âmbito municipal, estadual e federal de modo integrado,
contemplando parcialmente, as necessidades securitárias da fronteira. Nesse
período o Ministério da Justiça criou o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP)
que foi regulamentado em 2007 pelo Programa Nacional de Segurança Pública com
Cidadania (PRONASCI), e também lançou o Plano Geral de Segurança para a
tríplice fronteira (Brasil, Paraguai e Argentina) voltado para o combate de ilícitos,
como a lavagem de dinheiro, o terrorismo, a imigração ilegal, o comércio de carros

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roubados, narcotráfico e o contrabando. O Programa Calha Norte não registrou


muitos avanços durante seu governo devidos os recursos contingenciados, o SIVAM
e do SIPAM foram implantados, e em 1999, foi criado o Programa Social da Faixa de
Fronteira, concebido no âmbito da Secretaria de Desenvolvimento Regional do
Ministério da Integração Nacional contemplando o desenvolvimento social e
infraestrutura nas fronteiras. (COSTA, 2017, pg.102 -105).
Segundo Costa (2017, pag. 103 a 112) no governo do Presidente Luís Inácio
Lula da Silva (2003-2010) a principal iniciativa foi a implantação, por meio do
Ministério da Integração Nacional (MIN), em 2003, do Programa de Promoção do
Desenvolvimento da Faixa de Fronteira (PDFF), reformulado em 2005. Esse
programa descentralizou os recursos e focou nas cidades-gêmea e destacou a
conexão entre a segurança e o desenvolvimento. Em 2010 surgiu a Comissão
Permanente para o Desenvolvimento e a Integração da Faixa de Fronteira (CDIF),
no âmbito da Secretaria de Desenvolvimento Regional do Ministério da Integração
Nacional.
A Política Nacional de Defesa (PND) e o Programa Calha Norte (PCN) foram
atualizados, o primeiro tratou as fronteiras como região de profundidade
geoestratégica e o segundo estabeleceu duas vertentes: a primeira é a vertente civil
voltada para Promoção do Desenvolvimento Regional e a segunda vertente é militar
com Manutenção da Soberania e Integridade Territorial, além de ampliar o programa
para a gestão municipal e para os Estados de Mato Grosso do Sul e Mato Grosso. A
Estratégia Nacional de Defesa (END) foi criada e junto com a PND se tornaram
marcos importantes pelos balizamentos políticos que estabelecem para o tratamento
da segurança nas áreas de fronteira.
Em 2008, a Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP) criou o
Projeto de Policiamento Especializado na Fronteira (PEFRON), que integra o
Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (PRONASCI). O PEFRON
foi reformulado e incorporado na Estratégia Nacional de Segurança Pública para as
Fronteiras (ENAFRON). Foi fundamental para adicionar e qualificar novos atores
para além dos militares na segurança das fronteiras brasileiras.
Alterou a Lei Complementar 97 de 1999 pela Lei Complementar 117 de 2004,
conferindo às Forças Armadas, em particular o Exército Brasileiro, o poder de polícia
na faixa de fronteira.

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Criou a Estratégia Nacional de Defesa (END) que enaltece as fronteiras como


espaço estratégico onde as Forças Armadas devem dissuadir a presença de forças
hostis e a União de Nações Sul-Americanas (UNASUL) e de seu respectivo
Conselho de Defesa Sul-Americano (CDS), ambos em 2008.
No governo da Presidente Dilma Rousseff (2011-2016) surgiu o Plano
Estratégico de Fronteiras (PEF) e Estratégia Nacional de Segurança Pública para as
Fronteiras (ENAFRON), considerados um marco no contexto de segurança das
fronteiras enaltecendo a articulação com outros Ministérios e com os estados
federados. O primeiro considera a articulação entre defesa nacional, fiscalização
tributária e segurança pública e a necessidade de cooperação com os países
vizinhos. A ENAFRON foi a primeira estratégia articulada para lidar com a segurança
pública.
Foi realizada a transferência do CENSIPAM para o Ministério da Defesa,
consolidando os avanços do SIPAM e SIVAM e a criação do SISFRON em
conjunção com a continuação da CDIF e do Calha Norte. Ênfase nas ações voltadas
para a segurança e defesa devido à realização de grandes eventos: Jornada
Mundial da Juventude em 2013, Copa das Confederações em 2013, Copa do Mundo
em 2014, Olímpiadas em 2016 e Paraolimpíadas em 2016. No plano operacional, o
Plano Estratégicos de Fronteiras apoia-se nos Centros de Operações Conjuntas,
integrados por representantes de todas as Forças participantes de operações.
Três operações têm sido conduzidas no marco do Plano, sob a égide do
Ministério da Defesa, a Operação Ágata, que é de natureza pontual e temporária,
com caráter repressivo, do Ministério da Justiça, a Operação Sentinela, de caráter
permanente e com foco em ações de inteligência e do Ministério da Fazenda, por
meio do Departamento da Receita Federal lidera a Operação Fronteira Blindada,
age conjuntamente com outros órgãos públicos de fiscalização e segurança pública
para evitar os crimes econômicos que acontecem nas fronteiras.
Outra importante iniciativa para a proteção fronteiriça é o Sistema Integrado
de Monitoramento de Fronteiras (SISFRON), que surgiu em 2009, gerando
desconfianças aos países vizinhos em relação ao uso para captação de informações
e dados estratégicos sobre seus territórios.
E por fim, o projeto Amazônia SAR, que tem como objetivo combater o
desmatamento ilegal e outros crimes através de um radar orbital que monitorará

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aproximadamente 950 mil km² e representa 17% da Amazônia. (COSTA, 2017, pag.
112 – 123).
Durante o governo do Presidente Michael Temer (2016-2018) foi promulgado
o Decreto 8903 (2016) que instituiu o Programa de Proteção Integrada de Fronteiras
(PPIF) para o fortalecimento da prevenção, do controle, da fiscalização e da
repressão aos delitos transfronteiriços. O projeto tinha como diretriz atuar de forma
integrada e coordenada como os órgãos de segurança pública, de inteligência, da
Secretaria da Receita Federal do Brasil do Ministério da Fazenda e do Estado-Maior
Conjunto das Forças Armadas e cooperar e integrar com os países vizinhos.
O PPIF surgiu com propósito de promover ações conjuntas de integração
federativa da União com os Estados e Municípios situados na faixa de fronteira; com
os órgãos de segurança pública, federais e estaduais, da Secretaria da Receita
Federal do Brasil e do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, compartilhar
informações e ferramentas entre os órgãos e implementar projetos estruturantes
para o fortalecimento da presença estatal na região de fronteira. Cabe salientar, que
não foi sozinho que o Governo Brasileiro chegou a conclusão da importância de
atuar em ações integradas e transparentes para tomada de decisão de políticas
públicas visando o combate de crimes organizados.
O Tribunal de Contas da União (TCU), realizou auditoria em 2015, por meio
do Acórdão 2252/2015-Plenário, para avaliar aspectos de governança no
fortalecimento da faixa de fronteira e identificou a inexistência de política nacional de
fronteira integradora de todos os entes, que identificasse responsabilidades para
atuação integrada entre os diversos órgãos públicos. Outro ponto importante durante
o governo Temer foi a criação da Comissão Permanente para o Desenvolvimento e
a Integração da Faixa de Fronteira com indicadores objetivos que permitam avaliar a
efetividade das ações previstas no plano estratégico das fronteiras, unindo a Defesa,
Segurança Pública e Receita Federal com a definição de funções e identificação de
responsabilidades.Neste período houve cortou pela metade investimento em
monitoramento de fronteiras. E o projeto estratégico SISFRON, que o Exército
concebeu para defender a fronteira do país e auxiliar na criminalidade na região de
fronteiras sofre um grande corte.
Segundo Medeiros Filho (2014) no que concerne a proteção das fronteiras, o
Brasil tem ampliado suas concepções de políticas de Segurança e Defesa com

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iniciativas orientadoras destinadas ao fortalecimento da prevenção, controle,


fiscalização e repressão dos delitos transfronteiriços não só na região Amazônica
quanto em outras áreas da faixa de fronteira, atuando no desenvolvimento regional
das regiões de fronteiras e no aumento da demanda de cooperação e participação
de outros atores públicos, além das Forças Armadas. No que concerne a
coordenação e cooperação interagências, ainda há dificuldades e lacunas quanto a
ações, dispositivos e tecnologias integradores entre os diversos órgãos públicos,
embora tenha se percebido melhorias na interoperatividade.

Configuração da política de defesa nas questões fronteiriças

No campo da Defesa, a Política Nacional de Defesa (PND), a Estratégia


Nacional de Defesa (END) e o Livro Branco de Defesa Nacional (LBDN) surgiram
para afirmarem e divulgarem os fundamentos da Defesa Nacional. Neste sentido, a
Políticas Externa e de Defesa são complementares e indissociáveis, porque
promovem o interesse nacional afetos ao desenvolvimento da Segurança e Defesa
Nacional, além de fortalecer o diálogo entre o Ministério da Defesa e o Ministério das
Relações Exteriores. Assim, a Defesa externa é a destinação precípua das Forças
Armadas constituída pela Marinha do Brasil, Exército Brasileiro e Força Aérea
Brasileira. (LBDN, 2012, p. 51).
Conforme preconiza o artigo 144 da Constituição Federal (1988), Segurança
Pública é um dever do Estado brasileiro, direito e responsabilidade de todos e é
exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do
patrimônio. Essa função é exercida através dos seguintes órgãos: Polícia Federal,
Rodoviária e Ferroviária Polícia civil, militar e Corpo de Bombeiros Militares. Todavia,
ainda que se mantenham como prioritárias, é enfocada a partir do índividuo, da
sociedade e do Estado, porque envolve defesa civil, segurança pública e políticas
públicas voltadas para economia, educação, meio ambiente, saúde e social.
Apesar das funções tradicionais das Forças Armadas, ressalta-se que a Lei
complementar 117 (2004) que alterou a Lei Complementar no 97, de 9 de junho de
1999, estabeleceu novas atribuições subsidiárias mediante ato formal: o emprego
das Forças Armadas (FA) na Garantia da Lei e da Ordem (GLO) com a cooperação
com os órgãos federais, quando se fizer necessário, na repressão aos delitos de
repercussão nacional ou internacional, atuação de maneira contínua e permanente,

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por meio das ações de controle do espaço aéreo brasileiro, contra todos os tipos de
tráfego aéreo ilícito, com ênfase nos envolvidos no tráfico de drogas, armas,
munições e passageiros ilegais, agindo em operação combinada com organismos de
fiscalização competentes.
Um outro exemplo da atuação das FA na GLO foi a garantia da segurança da
população no complexo do Alemão, na cidade do Rio de Janeiro, em 2010 em que
foi constituída uma Força de Pacificação no âmbito do Comando Militar do Leste do
Exército nas Unidades de Polícia Pacificadora (UPP), com ações coordenadas entre
o Exército, a Marinha e a Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, após atos
praticados pelo Crime organizado, além da realização de ações cívico-sociais
(ACISO) para melhorar a qualidade de vida dos moradores residentes na
comunidade. (LBDN, 2012, p.166).
A Operação Ágata é outro exemplo de emprego de tropa Federal na GLO e
da Ordem na faixa de fronteira, elaborada dentro da concepção do Plano Estratégico
de Fronteiras (PEF). (LBDN,2012, p.167).
A PND (2012) é um documento essencial condicionante do mais alto nível de
planejamento de ações destinada à Defesa que pressupõe ser inseparável do
desenvolvimento do país e que deve interessar a toda sociedade brasileira, tanto no
momento de escolher prioridades e estratégias, quanto no acompanhamento e na
avaliação da ação política.
Dentre os Objetivos Nacionais de Defesa estão a garantia da integridade
territorial, a defesa dos interesses nacionais e as pessoas, os bens e os recursos
brasileiros no exterior, a inserção do Brasil em processos decisórios internacionais, a
manutenção das Forças Armadas operando de forma conjunta e adequadamente
desdobradas no território nacional e principalmente a conscientização da sociedade
brasileira da importância dos assuntos de defesa do País.
Iniciativas importantes como a PND (2012) busca a contínua interação com
demais políticas governamentais, dentre elas a Estratégia Nacional de Defesa e o
Livro Branco de Defesa Nacional com vistas ao fortalecimento estratégico da Defesa
Nacional.
Ao tratar agora especificamente, sobre a Estratégia Nacional de Defesa
(2012) que é inseparável de estratégia nacional de desenvolvimento, fica evidente
que o fato do Brasil não ter participado de guerras relevantes, torna-se difícil

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convencer a sociedade quanto à necessidade de demandar recursos para aquisição


de tecnologias que constitua uma estratégia de defesa para o Brasil, o que exigiria
uma transformação de consciência de Defesa e uma ampla participação da
sociedade nos processos decisórios das questões políticas, sociais, econômicas,
sociais e culturais do País. Ao observar os estudos realizados, em torno do tema
Defesa percebe-se a falta de maior engajamento da sociedade brasileira e
integração entre os diferentes setores dos poderes judiciário, legislativo e executivo
e desses setores com os Institutos Nacionais de Estudos estratégicos, públicos ou
privados.
Pontua-se, que diante dessa nova configuração internacional instável e
crescente para o entorno brasileiro, é importante não somente financiar e aparelhar
as Forças Armadas, mas transformá-las para melhor defender o País. Necessário se
faz construir um Projeto forte de defesa que favoreça um projeto forte de
desenvolvimento. Sabe-se portanto, que a independência nacional deve ser
acompanhada de recursos físicos, econômicos, humanos e tecnológicos tanto para
a Defesa quanto para o desenvolvimento nacional.
Com o objetivo de atingir um resultado satisfatório, a END (2012) se
organizou em torno de três eixos estruturantes: o primeiro diz respeito a organização
e orientação das Forças Armadas no desempenho de sua destinação constitucional
e atribuições na paz e na guerra, o segundo à reorganização da Base Industrial de
Defesa, para assegurar tecnologias sob domínio nacional, preferencialmente as de
emprego dual (militar e civil) e finalmente o terceiro eixo estruturante sobre a
composição dos efetivos das Forças Armadas e o futuro do Serviço Militar
Obrigatório.
Ao se fazer a análise da evolução do conceito de Defesa e a questão das
novas ameaças, observa-se que o assunto ainda é desprovido de consenso e
permeado por algumas questões chaves como: o envolvimento, ainda não
significativo, da sociedade brasileira com os assuntos de defesa; descontinuidade na
alocação de recursos orçamentários para o Programa Calha Norte e para o fomento
da pesquisa científica e tecnologia para a defesa; desatualização tecnológica,
dependência em relação a produtos de defesa estrangeiros; inexistência de carreira
civil na área de defesa, deficiência dos sistemas nacionais de logística e de
mobilização, limitação na transferência de tecnologia, desvalorização da profissão

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militar e da carreira de servidores civis do Ministério da Defesa e das Forças


Armadas, dificuldades no fomento e na provisão de recursos para atividade
aeroespacial, de forma a proporcionar ao País um sistema integrado de
monitoramento do espaço aéreo, do território e das águas jurisdicionais brasileiras.
O cenário internacional está caracterizado por incertezas e tem influência
tanto na definição da Política Externa Brasileira quanto na Política de Defesa. Desta
forma, é relevante que as Forças Armadas sejam equipadas, articuladas e
adestradas, o que motiva a criação de Planos das Forças singulares para que sejam
consolidados pelo Ministério da Defesa e apresentados ao Presidente da República
e sejam solidificados como Plano de Articulação e de Equipamento da Defesa
Nacional, envolvendo a sociedade brasileira na busca das soluções necessárias.
(END,2012)
O Estado Brasileiro definiu metas a consecução dos objetivos estratégicos de
defesa. Essas metas constam Plano Brasil 2022, elaborado pelo Ministério da
Defesa, por intermédio da Secretaria de Assuntos Estratégicos.
Um outro documento complementar e decorrente da Política Nacional de
Defesa e Estratégia Nacional de Defesa é o Livro Branco de Defesa Nacional
(LBDN), documento que apresenta as atividades de defesa do Brasil. A expectativa
é que o Livro venha a ser um estímulo à discussão sobre a temática de defesa no
âmbito do Parlamento, da burocracia federal, da academia, e da sociedade brasileira
em geral, do Congresso Nacional, da academia e da sociedade brasileira em geral.
É um instrumento de que permite a transparência de prestação de contas à
sociedade sobre a adequação da estrutura de defesa, esta iniciativa contribui para
discussão e reflexão sobre o papel da Defesa em todos os cenários e épocas
(LBDN, 2012, p.13).
Para conhecimento da sociedade brasileira o LBDN (2012) apresenta a
missão, organização, meios operativos, capacidade, visão estratégica e estrutura de
ensino de cada uma das Forças Armadas, retrata os princípios gerais de emprego
do instrumento militar, a Doutrina de operações conjuntas, a interoperabilidade
nas operações conjuntas e o emprego das Forças Armadas na garantia da lei e da
ordem (GLO).
Um aspecto relevante são os programas sociais, sob a coordenação do
Ministério da Defesa e com atuação direta das Forças Armadas, que contribuem

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para participação social em assuntos de defesa e segurança., com destaque para o


Projeto Soldado Cidadão, Programa Calha Norte, Programa Forças no Esporte e o
Projeto Rondon.
Algumas parcerias do MD com outros ministérios tem um peso significativo,
como a do Ministério da Educação, com a CAPES para o Programa de Apoio ao
Ensino e à Pesquisa Científica e Tecnológica em Defesa Nacional (Pró-Defesa) e do
Ministério da Justiça para o Plano Estratégico de Fronteiras - operações integradas
entre os órgãos de segurança pública e as Forças Armadas para prevenir e reprimir
ilícitos transnacionais.
No tocante aos demais Poderes, o relacionamento funcional do MD com o
Congresso Nacional se dá por meio da Assessoria Parlamentar do Ministério da
Defesa e pelas assessorias parlamentares das três Forças. A interação com o
Congresso Nacional é realizado por meio de duas comissões permanentes que
tratam especificamente do tema Defesa Nacional: a Comissão de Relações
Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados (CREDN) e a Comissão
de Relações Exteriores e de Defesa Nacional do Senado Federal.(LBDN,2012,
p.177)
No LBDN (2012) consta também o Plano de Articulação e Equipamento de
Defesa (PAED), projeto estratégicos das Forças Armadas que visam atender às
demandas por novas capacidades da Defesa.

Considerações Finais
Conclui-se que há muito o que fazer para o enfrentamento dos desafios
presentes nas questões fronteiriças brasileiras e que a descontinuidade no processo
de consolidação e desenvolvimento, das políticas públicas de Fronteira, Segurança
e Defesa Nacional carecem não somente de aporte financeiro como de apoio
institucional e que problema está em fomentar o diálogo com a sociedade brasileira,
não somente em ações que dizem respeito à Soberania Nacional, mas também na
relevância de entender, participar e defender o tema Segurança Pública, Defesa
Nacional e Fronteira com foco em melhorar a gestão das políticas públicas.
A publicação do Livro Branco de Defesa permite que todos conheçam os
aspectos conjunturais políticos, econômicos e sociais que poderão afetar a

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segurança e a defesa nacionais, identificando capacidades necessárias para garantir


a integridade do Estado brasileiro.
Por fim, toda estratégia deve ser realizada sobre a conscientização da
população brasileira no que diz respeito a importância dos problemas de defesa e no
tocante à implementação de ações práticas para o enfrentamento dos desafios
presentes nas questões fronteiriças brasileiras.

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POLÍCIA E CADEIA NA FRONTEIRA DO IMPÉRIO COM A BOLÍVIA: CORUMBÁ,


ANOS 1870 E 1880
Police and chain on the border of the Empire with Bolivia: Corumbá, yaears 1870 and
1880
Policía y cadena en la frontera del Imperio con Bolivia: Corumbá, años 1870 y 1880

Divino Marcos de Sena

Resumo: Após 1870, o Estado procurou estar mais presente no sul de Mato Grosso.
Na fronteira com a Bolívia ocorreram diversas iniciativas voltadas para promover a
defesa, manter o controle e a fiscalização do território. A criação da Delegacia de
Polícia e a necessidade de construir uma Cadeia Pública estiveram ligadas a esses
interesses. O objetivo deste texto é discutir o papel e a situação da Polícia e da
Cadeia na região no final do período imperial.
Palavras-chave: Brasil Império, Instituições públicas, Controle social.

Abstract: After 1870, the state sought to be more present in southern Mato Grosso.
On the Bolivian border there were several initiatives aimed at promoting defense,
maintaining control and surveillance of the territory. The creation of the police station
and the need to build a Public Prison were linked to these interests. The purpose of
this text is to discuss the role and situation of the police and jail in the region at the
end of the imperial period.
Key-words: Brazil Empire, Public institutions, Social control

Resumen: Después de 1870, el estado buscó estar más presente en el sur de Mato
Grosso. En la frontera boliviana hubo varias iniciativas destinadas a promover la
defensa, mantener el control y la vigilancia del territorio. La creación de la estación
de policía y la necesidad de construir una cárcel pública estaban vinculadas a estos
intereses. El propósito de este texto es discutir el papel y la situación de la Policía y
la Cadena en la región al final del período imperial.
Palabras clave: Imperio de Brasil, Instituciones publicas, Control social

Introdução
A segurança e a tranquilidade pública são algumas das preocupações mais
frequentes de autoridades e governos em faixas de fronteiras geopolíticas.
Historicamente, essas regiões foram alvos, ainda que de forma frágil e deficitária, de
políticas de povoamento, de tentativas de controle de estados, de fiscalização dos
moradores e de suas atividades etc. Na fronteira do Brasil com a Bolívia não foi

Doutor em História, professor da UFMS/CPAN. E-mail: divinosena@yahoo.com.br /
divino.sena@ufms.br

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diferente. Em Corumbá, desde o seu processo de (re)construção, após a Guerra do


Paraguai contra a Tríplice Aliança (1864-1870), houve diferentes iniciativas do
Estado que pretendia estar mais presente e atuar nessa área que tinha acabado de
sair do domínio paraguaio.
Entre as iniciativas esteve a criação da Delegacia de Polícia e a construção
de uma Cadeia Pública em Corumbá, para que pudessem contribuir com a
fiscalização, disciplina e organização da área de fronteira. Nesse sentido, o objetivo
principal deste texto é discutir o papel e a situação da Polícia e da Cadeia na região
no final do período imperial, abordando alguns episódios que demonstram como se
deram os primeiros anos de construção e/ou funcionamento dessas instituições.
O objetivo deste texto tramita em problemáticas trabalhadas pela História
Política, também chamada de Nova História Política, num processo conhecido como
“retorno do político” ou, como chamou René Rémond (2003), “renascimento da
história política”, particularmente de uma história política institucional e relacionada
aos comportamentos, atuação, ideias, relações e discursos das elites políticas
(FALCON, 1997). Tal objetivo também circula em temas que fazem parte da História
Social (CASTRO, 1997).
A Polícia e a Cadeia Pública, por exemplo, são campos de atuação do político
e, sobretudo, de relações de poder. No período imperial do Brasil, essas instituições
estavam embutidas de controle e regulação social, já que visavam, entre outros
objetivos, manter a ordem, a segurança e a tranquilidade. Nesse sentido, considero
tais instituições como espaços de práticas e de relações de poder, de exercícios
discursivos, e do relacionamento da administração pública com a sociedade civil.
Portanto, questões apresentadas pela História Política e pela História Social
contribuíram para pensar a problemática proposta.
Por entender a Polícia e a Cadeia com esse viés, alguns conceitos – tais
como poder e disciplina – dos estudos formulados por Michel Foucault serão
importantes para pensar essas instituições. A sociedade disciplinar que surgiu no
final do século XVIII e início do XIX (FOUCAULT, 2002), os aparelhos produtores de
disciplina e seus objetivos (FOUCAULT, 2004), e os mecanismos de poder e ação
do Estado Moderno sobre a vida da população foram estudados por esse autor.
Instituições como as escolas, os hospitais, exércitos, polícias, prisões etc., são
disciplinadoras, dotadas de técnicas particulares de exercício de poder que visavam

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organizar espaços e corpos, impondo formas de comportamento e com fins


específicos.
Ao analisar a Polícia e a Cadeia como instituições disciplinadoras, de forma
alguma significa desconsiderar as táticas de sujeitos que resistiram aos poderes
empreendidos por elas. Pelo contrário, parto da premissa também formulada por
Foucault (2009) de que onde há poder, há resistência, de que não há relações de
poder sem resistências. Dito isto, veremos que a disciplina almejada e, em certa
medida, imposta por essas instituições não conseguiu sucesso pleno, pois existiram
espaços para resistências da população, além das fragilidades do próprio Estado em
cumprir de maneira efetiva as propostas para o funcionamento da Polícia e da
Cadeia Pública.
Para atingir os objetivos deste estudo, utilizei a documentação da Câmara
Municipal de Corumbá, os periódicos locais e os relatórios de presidente de
província, por serem fontes riquíssimas em informações sobre a dinâmica
institucional e urbana de Corumbá no período. Para a análise da documentação,
adotei o método apresentado por Carlo Ginzburg (2007) referente ao paradigma
indiciário. Nele, o historiador é comparado ao detetive, pois a partir de pistas
singulares e quase imperceptíveis ao olhar corriqueiro consegue perceber aspectos
de um determinado fenômeno. A diminuição da escala de observação, como
recurso, admite entender um dado objeto que poderia não ser compreensível a partir
de uma escala mais ampla.

Algumas considerações sobre Corumbá no final do oitocentos


No último quartel do século XIX, foram várias as transformações que
ocorreram em Corumbá, tais como nos campos político-administrativo, de
segurança, econômico, social, populacional, cultural, religioso e territorial. Setores
que foram prejudicados com a ocupação paraguaia e outros que não existiam
passaram, gradativamente, a integrar a área do município e de seu perímetro
urbano. Tais transformações alteraram a importância da localidade no território da
província de Mato Grosso, a qual esteve integrada, assim como para a
administração central do Brasil e para a Bolívia.
Como empório comercial de Mato Grosso, Corumbá conviveu com
embarcações que transportavam mercadorias, cargas em geral, notícias e pessoas
de diferentes partes do planeta. A navegação possibilitou uma conexão maior dessa
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região do Império com outras áreas, colaborando para seu aumento e diversidade
populacional. A proximidade com a Bolívia permitiu a frequente convivência,
circulação e instalação de indivíduos daquele país. A área de fronteira caminhava
para uma pluralidade populacional antes jamais vivenciada.
Com o porto aberto à navegação estrangeira, Corumbá foi o destino de
nacionais e pessoas de outros países. Em 1872, foi contabilizado 3.361 habitantes
(3.086 livres e 275 escravizados) (DIRETORIA GERAL DE ESTATÍSTICA, 1874). A
grande maioria dos(as) brasileiros(as) era procedente do próprio território mato-
grossense, mas não faltaram pessoas de quase todas as províncias do Império. Já
os estrangeiros eram de diversas nacionalidades (espanhóis, ingleses, alemães,
bolivianos, franceses, suíços, austríacos, africanos (livres e escravizados), etc.). Os
argentinos, italianos e portugueses estavam entre os de maior quantidade, mas não
superavam a presença de paraguaios que, após o término da Guerra e da
reabertura da navegação, imigraram para Mato Grosso. Maria Adenir Peraro (2001)
argumenta que essa imigração foi principalmente de mulheres paraguaias,
empurradas pela crise que ocorreu em seu país após o conflito.
A presença de estrangeiros de variados países fez de Corumbá um núcleo
urbano cosmopolita, percebida dessa forma pelos próprios contemporâneos. A
população era formada por pessoas com diferentes tons de cor de pele. Mulheres e
homens brancos, pretos (livres e escravos), indígenas e mestiços (livres e escravos)
caracterizavam os perfis da região, que não destoava do país e do cenário mato-
grossense como um todo, igualmente ocupado por diferentes particularidades físicas
e misturas de cores,1 o que nos permite imaginar a riqueza e diversidade de práticas
culturais e de formas de relações sociais que a fronteira do Império com a Bolívia
vivenciava.
Desse modo, Corumbá, nos seus primeiros anos depois da Guerra, possuía
uma população heterogênea que se avultou nos anos seguintes. O censo de 1890
contabilizou 9.870 pessoas para o município (sendo 8.414 para a paróquia de Santa
Cruz e 1.456 para a de S. José de Herculânea). A paróquia de Santa Cruz de
Corumbá estava entre uma das mais populosas do estado de Mato Grosso, abaixo
apenas das paróquias do Senhor Bom Jesus (14.507) em Cuiabá e a de São
Gonçalo de Pedro 2º (9.278) que pertencia ao município de igual nome. Ela possuía

1 Sobre os perfis e a mestiçagem da população de Mato Grosso no século XVIII, ver Silva (1995), e
na primeira metade da centúria seguinte, ver Sena (2013).

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mais estrangeiros que as demais paróquias (177 homens e 67 mulheres)


(DIRETORIA GERAL DE ESTATÍSTICA, 1898), quantia que, possivelmente, era
maior se considerarmos as deficiências dos recenseamentos, e que alguns
estrangeiros solicitaram naturalização.
Nacionais e estrangeiros formataram o cotidiano de Corumbá. Os bolivianos,
mais próximos territorialmente, estiveram presentes nas atividades de trabalho, nas
relações de sociabilidade (algumas reforçadas via matrimônios e batismos), na
convivência diária e no ir e vir naquela faixa de fronteira que começava a ser
demarcada. Mas a demarcação territorial não foi um empecilho real para a interação
entre moradores de ambos os lados.
Morar em Corumbá na época era ter uma relação muito próxima com
bolivianos e estrangeiros de outros países, sobretudo os paraguaios. As línguas se
misturavam, de forma que em um ponto era possível se ouvir o português como era
falado em Portugal ou no Brasil, e em outro ponto ouvir o castelhano da Espanha ou
das repúblicas latino-americanas, assim como o guarani ou outra língua indígena.
Também existiam misturas de idiomas, como a do português com o castelhano ou
deste com o guarani, por exemplo. Com menor frequência também se ouvia outras
línguas de origem europeia, africana e mesmo asiática. Quando estavam com seus
conterrâneos falavam o idioma que aprenderam desde criança, mas na convivência
com outros estrangeiros existia um esforço em se fazer entender, mesmo que para
isso utilizassem gestos ou arranjos e palavras que não fazia parte do idioma pátrio.
O multiculturalismo vivenciado colaborou para fazer de Corumbá uma área
singular naquele momento, e que ainda hoje destoa dos demais municípios do
território de Mato Grosso do Sul, ao qual está integrado desde 1977 quando esse
estado foi criado a partir da divisão do território de Mato Grosso. O multiculturalismo,
conforme nos ensina Semprini (1999), fez com que os habitantes de Corumbá
vivenciassem e elaborassem formas específicas de compreensão e atuação do
espaço que habitavam, onde fizeram presentes suas lógicas de vida com heranças
anteriormente adquiridas, ou que se misturaram ou foram elaboradas nesse viver
característico em área de fronteira e com influências de diferentes regiões.
O crescimento populacional e de importância da localidade não conviveu com
melhorias imprescindíveis para qualquer espaço urbano que se pretendia moderno,
organizado e disciplinado, conforme os princípios da modernidade vigente no
período (SOUZA, 2008; SENA, 2017). Deficitária de vários serviços urbanos e com

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multiplicidade de práticas e intenções, em Corumbá surgiram contendas, conflitos e


disputas entre seus moradores. O aumento populacional e da circulação de pessoas
trouxe consigo outros problemas relacionados ao saneamento básico, à
infraestrutura, à organização, saúde e segurança.
Os jornais – “O Iniciador”, “A Opinião” e “O Corumbaense” – publicados no
município a partir da segunda metade da década de 1870, destinavam trechos para
relatar ocorrências policiais, crimes praticados e infrações cometidas. Diante de
situações decorrentes das relações humanas em um espaço urbano, situado em
área de fronteira e que se transformava, o Estado via-se necessitado de empreender
medidas para reprimir os infratores e manter a “ordem” com a ação policial.

A polícia em Corumbá
De maneira geral, a polícia nos anos 1870 tinha por competência vigiar,
reprimir, quantificar, manter a ordem e a segurança, investigar crimes e coletar
informações (MACHADO FILHO, 2003). Anterior à Guerra, essa instituição esteve
presente em Corumbá na subdelegacia de polícia, que foi reinstalada depois do
conflito. Após a restauração e efetiva instalação do município e criação do seu foro
civil, foi criada, por Ato do Presidente da Província de 23 de janeiro de 1873, a
Delegacia de Polícia (RPP. José de Miranda da Silva Reis, 3/5/1873). Foi nomeado
para servir como delegado o “cidadão” Antonio Joaquim da Rocha, e como
suplentes os “cidadãos” João Poupino de Caldas, Randolpho Olegario de Figueiredo
e Miguel Henriques de Carvalho que, assim como Antonio Joaquim da Rocha,
integravam as elites locais e ocuparam outros cargos públicos em Corumbá, como o
de vereança, por exemplo (SENA, 2017).
No mesmo ano, a divisão policial do município de Corumbá foi alterada. Por
Ato do Presidente da Província de 11 de agosto de 1873, foi criada a subdelegacia
de polícia de São Lourenço que, com as de Corumbá e Coxim (ou São José de
Herculânea), ficaram vinculadas à Delegacia de Polícia da vila de Corumbá. Essa
criação ocorreu a partir de uma orientação do chefe de polícia (autoridade maior da
polícia na província) ao presidente de província sobre a necessidade da criação “de
um novo distrito de polícia na margem esquerda do rio São Lourenço e lugares
adjacentes, com sua sede nessa margem”, para que conseguisse “não só sindicar
de vários atentados que já ali se tem dado em diversos pontos, como também evitar

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e prevenir outros que possam reproduzir-se”. Para isso, ficaram alterados os limites
da subdelegacia da vila de Corumbá, e os do novo distrito foram os seguintes:
O rio Piquiri, pela margem esquerda, desde a barra do Correntes até sua
confluência com o S. Loureço. / S. Lourenço abaixo, pela margem
esquerda, até a sua foz no rio Paraguai, compreendendo a ilha do Sará. /
Paraguai abaixo, pela margem esquerda até a boca superior do Paraguai-
mirim, compreendendo os Dourados [Destacamento Militar], na margem
direita do mesmo Paraguai e território adjacente, entre as lagoas Mandioré
e Gaíba. / Paraguai-mirim, pela margem esquerda, até o braço do Taquari
denominado – Corixo grande – que desagua no dito Paraguai-mirim, abaixo
da sua boca superior. / Corixo grande acima, pela margem direita, até o
Taquari. / Taquari acima, pela margem direita, desde o dito braço até o
ponto por onde passa a linha divisória da Freguesia Herculânea com a de
Santa Cruz de Corumbá. / A dita linha, pelo lado esquerdo, até a
confluência dos rios Piquiri e Correntes, fechando o perímetro (RPP. José
de Miranda da Silva Reis, 3/5/1874, p. 8).
Dessa forma, a Delegacia de Polícia de Corumbá até o final de 1873 estava
formada por três subdelegacias, a de Corumbá, Coxim (S. José de Herculânea de
Taquari) e a de São Lourenço. No ano seguinte, novas subdelegacias foram criadas,
alterando a divisão policial de outros municípios, sendo um deles na parte sul da
província (RPP. José de Miranda da Silva Reis, 3/5/1874, p. 9-10). Em 1876, foi
criada e instalada a subdelegacia e o distrito de Ladário, vinculados à Delegacia de
Corumbá.
Assim como os limites das outras subdelegacias e de vários municípios da
província, as subdelegacias de Corumbá foram demarcadas tendo como referências
balizas naturais como rios, morros, margens etc. Essas raias serviam para
estabelecer a área de cada repartição e definir a jurisdição de autoridades, e
resultaram de iniciativas de esquadrinhamento do Estado com relação ao território e
à sua população. As autoridades, nas suas áreas de atuação, além de procurarem
promover a organização, o funcionamento da máquina estatal e a “tranquilidade
pública”, forneceriam informações em forma de relatórios ao executivo provincial que
depois repassava ao legislativo da província.
O Estado não permitiria, mesmo apenas oficialmente, que outras ações
colocassem em risco a sua legitimidade como o responsável pela organização,
disciplina e segurança dos espaços e dos indivíduos. Para tal, viu-se na
necessidade de ampliar a polícia para outros pontos da província que por muito
tempo, desde o início da colonização do século XVIII, não receberam a devida
atenção. Nessas áreas já estavam presentes núcleo populacionais não indígenas
que precisavam ser vigiados de forma que seus moradores soubessem que, apesar
de distantes, o Estado fazia-se presente.

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Os relatórios de presidente de província são repletos de dados, alguns


imprecisos, fornecidos por diferentes autoridades, com quadros
numéricos/estatísticos que procuravam levantar o máximo de informações sobre sua
população para melhor promover ações que visavam disciplinar espaços e corpos. 2
Disciplina que seria uma das portas para o ingresso da província à chamada
“civilização”, que perpassou o imaginário e esteve presente nas representações das
elites brasileiras do século XIX, e também estiveram nos discursos de autoridades
de Corumbá (SENA, 2017).
A redefinição e ampliação de aparelhos institucionais no sul da província de
Mato Grosso estiveram ligadas a esses objetivos. Depois de 1870, o Estado
almejava estar mais presente nessa área que parcialmente tinha recém ficado sob o
domínio estrangeiro. Por isso a (re)implantação de quartéis, alfândegas,
municipalidade, judiciário, polícia, além de tantas outras instituições.
Os anos 1870 também foram marcados pela desmobilização da Guarda
Nacional, pendendo, ao menos oficialmente, a sua função policial. Para Rosemberg
(2008, p. 10-11),
o esvaziamento das funções da Guarda Nacional é um dos indícios do
processo de desmilitarização da sociedade levado a cabo pela
administração central na tentativa de retirar de mãos particulares os
instrumentos de poder e concentrá-los no Estado, esforços esses iniciados
no momento da retomada monárquica dos anos de 1840 e 1850 e
consolidados com a Guerra do Paraguai.
Essa onda centralizadora também foi aproveitada para incluir o papel da
polícia “na rede de favores distribuídos pelo Estado, que teria como contrapartida um
papel garantidor de um resultado positivo nas disputas eleitorais”, já que autoridades
policiais das províncias eram apontadas pelo poder central (BRETAS, 1998, p. 220).
Apesar disso, as interferências do Estado (imperial e provincial) nem sempre
foram acompanhadas de melhorias materiais e na ampliação da força policial. A
criação de delegacias e subdelegacias não ocorriam obrigatoriamente com a
presença de policiais. Em 1874, em Cuiabá (capital da província) estes eram de
número reduzido, enquanto que nos demais lugares da província eram inexistentes
e o policiamento ficava a cargo dos inspetores de quarteirão, das praças de linha do

2 Cabe ressaltar a importância da estatística nesse processo. Ela revela que “a população tem uma
regularidade própria: número de mortos, de doentes, regularidade de acidentes, etc.; a estatística
revela também que a população tem características próprias e que seus fenômenos são irredutíveis
aos da família: as grandes epidemias, a mortalidade endêmica, a espiral do trabalho e da riqueza,
etc.; revela finalmente que através de seus deslocamentos, de sua atividade, a população produz
efeitos econômicos específicos. Permitindo quantificar os fenômenos próprios à população [...]”
(FOUCAULT, 2009, p. 290).

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Exército ou da Guarda Nacional3 (Relatório do Chefe de Polícia da Província de


Mato Grosso, José Marcellino de Araujo Ledo Veja ao Presidente de Província
General Dr. José de Miranda da Silva Reis, em 27/4/1874).
Em princípios dos anos 1880, a Polícia em Corumbá convivia com
dificuldades que emperravam o desempenho de suas funções. Ela existiu com
reduzido número ou ausência total de policiais e recursos materiais.
O ofício do juiz de direito da comarca, José Joaquim Ramos Ferreira, ao
delegado de polícia, João Antonio Rodrigues, de 12 de maio de 1881, é um exemplo
que relata a situação deficitária da polícia no município. Nele, o juiz acusa o
recebimento da comunicação do delegado que informava sobre a “falta absoluta de
força pública para fazer a polícia desta cidade, a ponto de se terem cometido alguns
crimes sem que fossem presos seus autores”. Assim, o delegado pedia autorização
do juiz para aprovar a sua medida de chamar os “seus antigos companheiros de
campanha” que com os inspetores de quarteirão pudessem policiar a cidade à noite,
e requisitou que esse serviço fosse realizado durante o dia pelas praças do 2º
Batalhão de Artilharia e, caso o Comando da Fronteira não pudesse satisfazer essa
requisição, ela seria direcionada ao Inspetor do Arsenal de Marinha do distrito de
Ladário.
Em resposta a essas propostas do delegado, o juiz informou que “a polícia
feita por paisanos” tinha seus inconvenientes, e poderia dar brecha a abusos, se o
pessoal empregado não fosse de toda confiança. Entretanto, reconhecia que as
circunstâncias em que se encontravam “por falta de força pública são tão precárias,
e a necessidade de garantir a segurança individual e de propriedade”. Por isso,
aprovou a iniciativa do delegado por achar que os inconvenientes de possíveis
abusos de poder poderiam ser menos prejudiciais que “deixar a segurança individual
e de propriedade a mercê dos malfeitores”.
O magistrado louvou a iniciativa do delegado, e o orientou para que
verificassem os cidadãos que quisessem auxiliá-lo nos serviços das rondas, e que
estes não ficassem revestidos de todas as atribuições policiais, mas somente de
algumas que, em certos casos, já tinha qualquer cidadão, “como, por exemplo,
prender no caso de flagrante delito, evitar que se comentam crimes, conduzir à
estação policial o que for suspeito de ser criminoso etc.”. Quanto às outras práticas

3 Sobre a Guarda Nacional em Corumbá, conferir Sena (2019).

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relacionadas à ação da polícia, como “intimar para a dissolução de ajuntamentos


ilícitos, fazer fechar qualquer estabelecimento que estiver aberto fora das horas
determinadas pela lei municipal etc.,” deveriam ser feitas pelos inspetores de
quarteirão. O juiz acreditava que essas limitações seriam convenientes para o bom
funcionamento da proposta (Ofício do Juiz de Direito de Corumbá José Joaquim
Ramos Ferreira ao Delegado de Polícia Capitão João Antonio Rodrigues,
12/3/1881).
As preocupações do juiz de direito não eram infundadas. Com alguns dias
depois de seu funcionamento, a guarda de paisanos apresentou seus primeiros
abusos que foram noticiados pelo “O Corumbaense”. Segundo esse periódico, as
tropelias eram de toda espécie e praticadas publicamente “contra transeuntes e
cidadãos pacíficos” da cidade, que eram “agredidos, espancados, assassinados,
pelos esbirros polícias do Sr. Capitão Rodrigues”. Uma das vítimas parece ter sido o
estrangeiro Luiz Calsete (mencionado em outra edição como Luigi Calcete), que,
segundo as informações, foi espancado pela citada polícia e teve ossos quebrados.
No dia 15 de maio de 1881, o camarada José Peres de Moraes, que “pacificamente
seguia seu caminho para o Ladário”, foi preso por conduzir uma faca na cintura e
para ser solto deveria pagar por sua carceragem. Fatos que, como outros,
demonstravam ter aquela força “introduzido a justiça do cacete”, o que merecia,
segundo o noticiário, providências do juiz de direito da Comarca (JORNAL O
Corumbaense, N. 86 de 18 de maio de 1881).
Diante dos fatos relatados, em 21 de maio o editor do periódico, J. A. Ferreira
da Cunha foi chamado pelo delegado de polícia para prestar depoimento sobre o
espancamento no italiano Luigi Calcete, declarar quem o informou ser a guarda civil
responsável pelo crime e dar esclarecimentos sobre o artigo publicado no jornal. Em
edição posterior, “O Corumbaense” tocou novamente no assunto e relatou que era
de conhecimento de todos ser a polícia a responsável por práticas abusivas, e que
estava composta pelos inspetores de quarteirão e antigos companheiros de
campanhas do delegado. Portanto, todos de confiança dessa autoridade, já que ele
nomeava os inspetores de quarteirão e mantinha laços pessoais com os demais. O
jornal também citou os nomes dos responsáveis pelo espancamento e outros
abusos praticados (JORNAL O Corumbaense, N. 88 de 25 de maio de 1881).
A notícia era contra as ações do delegado e da força policial que ele formou.
Não descarto a existência de conflitos entre os proprietários e indivíduos ligados ao

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periódico contra aquela autoridade, já que conflitos entre pessoas das elites locais
se faziam presentes em diferentes contextos e instituições públicas (SENA, 2017).
Mas, ao mesmo tempo, não desconsidero a existência de abusos por parte dos
inspetores de quarteirão e antigos parceiros do delegado, que poderiam utilizar da
posição de policiais para excederem contra seus rivais. Conforme destaca
Rosemberg (2008), a polícia do século XIX serviu, em muitos momentos, de
extensão do poder dominante.
Abuso de poder por parte de policiais não era incomum no período. Oswaldo
Machado Filho identificou em Cuiabá abuso de homens que trabalhavam no
policiamento e os seus despreparos para o exercício das funções. A polícia não
pretendia colocar “qualquer indivíduo” para reprimir ações criminosas, mas nem
sempre essa função atraía pessoas “idôneas” para o cargo. Na perspectiva da
polícia, “as corporações estavam repletas de indivíduos sem os preceitos morais
necessários para exercerem a autoridade e que só serviam para espalhar o contágio
entre outros praças e soldados” (MACHADO FILHO, 2003, p. 319). Situação
semelhante foi observada por Rosemberg (2008) na composição da polícia de São
Paulo e por Cotta (2009) na Corte imperial, onde os policiais eram provenientes ou
estavam em constante contato com as comunidades locais, que eram alvos
preferidos das ações da polícia.
Por conta desses e outros empecilhos, a polícia em Mato Grosso
[...] por se constituir em uma instituição estratégica para o processo de
consolidação da sociedade disciplinar no mundo moderno, não estava
plenamente preparada para enfrentar as inúmeras dificuldades interpostas
ao seu pleno exercício. Inúmeros crimes, como roubos e homicídios
permaneciam envoltos em mistério, principalmente os planejados e
perpetrados por tocaias “perfeitas”, que não deixavam rastros (MACHADO
FILHO, 2003, p. 340).
Em Corumbá, a polícia não destoava da corporação presente em Cuiabá. Nas
últimas décadas do século XIX, essa força era reduzida, despreparada e composta
por “cidadãos” que eram caracterizados, pela autoridade que os nomeavam, como
pessoas “idôneas” e preocupadas com a segurança da localidade. Para conseguir
atuar como policial o homem deveria fazer parte ou começar a integrar o círculo
relacional do delegado de polícia.
A polícia com tais características perseguiu e puniu rivais pessoais ou das
pessoas com quem mantinha relações. Ela também reprimia ou procurava conter
aqueles que fugiam à lógica de vida ansiada pelas autoridades locais e ao padrão de
vida e de comportamento pertencente à modernidade. Desse modo, trabalhadores

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livres e escravizados, nacionais e estrangeiros, acabaram presos pela polícia e


mesmo condenados pelo judiciário. Retirados do convívio social, os presos eram
levados para a Cadeia Pública de Corumbá, que igualmente apresentava suas
deficiências e insuficiência no funcionamento.

A Cadeia Pública de Corumbá


As carências se estendiam ao local de encarceramento dos presos. Até 1874
inexistia Cadeia Pública em Corumbá, e sua necessidade era sentida pelas
autoridades que pleiteavam a “civilização”.
Desde fevereiro de 1873, o Comando da Fronteira do Baixo Paraguai colocou
à disposição do delegado de polícia a prisão militar, que passou a servir para a
guarda dos presos civis. Sua situação não era das mais vantajosas. Apesar de ser
de pedra, era mal edificada, pequena, comportava não mais que dez pessoas e
inviável para a divisão sexual, já considerada indispensável pelas autoridades e
orientada pelas legislações; ademais, era tão baixa que os presos com apenas um
salto poderiam agarrar os caibros do telhado e por ele evadirem-se, como já tinha
ocorrido com alguns presos militares.
O chefe de polícia sugeriu ao presidente de província, caso não fosse
possível construir uma cadeia, que ele e a Assembleia Provincial ao menos
aprovassem o aluguel de uma casa de pedra de propriedade de Miguel Paes de
Barros, a qual seria necessária adicionar grades de ferro nas janelas e portas, que
proporcionaria uma “boa prisão civil, composta, como ela é, de dois salões na frente
divididos por um corredor” (Relatório do Chefe de Polícia da Província de Mato
Grosso, José Marcellino de Araujo Ledo Veja ao Presidente de Província General
Dr. José de Miranda da Silva Reis, em 27/4/1874).
Essas carências eram apontadas também para outras freguesias, vilas e
cidades da província. Quando as cadeias existiam, eram repletas de inconvenientes
para servir de prisão aos moldes desejados da época. Eram edifícios acanhados e
não preenchiam aos fins a que se destinavam pelo lado da higiene, segurança e
proporções. A precariedade das estruturas, o ar viciado e o ambiente insalubre, sem
contar a superlotação, eram descritos como alguns dos causadores de doenças
entre os encarcerados.
Não identifiquei se a proposta de alugar um prédio para servir de cadeia foi
acatada, mas no primeiro relatório que a Câmara Municipal enviou à Presidência da

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Província (1875) sinalizou que a receita decorrente dos foros de terrenos


concedidos, se continuassem crescendo, poderiam proporcionar meios para a
edificação da Cadeia Pública e a casa para as funções municipais (Livro Cópias de
relatórios da Câmara... 1875 a 1888). A fiscalização da prisão ficava a cargo do
delegado de polícia4, enquanto o cuidado dos presos era de competência da
municipalidade, que solicitava ao executivo e legislativo provincial aprovação de
verba para as melhorias no prédio, alimentação e tratamento aos encarcerados.
Em 1876, a Cadeia de Corumbá ocupava um pequeno edifício próprio, e tinha
14,63 metros de frente e 6,23 de fundo, dividido em dois pequenos quartos, um dos
quais servia de prisão para homens e mulheres, e outro para a guarda. O quarto que
servia de prisão não suportava mais que seis presos, que além de ser muito
pequeno era ruinoso, insalubre e as paredes estavam quase a desabar (Relatório do
Chefe de Polícia de Mato Grosso, José Joaquim Ramos Ferreira, ao Presidente de
Província, General Hermes Ernesto da Fonseca, 29 de abril de 1876).
Suas condições não correspondiam ao que previa a Constituição do Império
(1824), em que as cadeias deveriam ser seguras, limpas e bem arejadas, e com
diversas casas para a separação dos réus conforme as circunstâncias e natureza
dos seus crimes (Art. 179. §21. BRAZIL. Constituição Política do Império do Brazil).
Também suas condições estavam longe de se enquadrem ao que previa o
Regulamento de execução da parte policial de 1842, que determinava serem os
presos classificados por sexos, idades, moralidade e condições, e separados,
quanto fosse possível, em conformidade com essas classes, o maior número de
subdivisões que o edifício da prisão permitisse (Art. 148. BRAZIL. Regulamento Nº
120, de 31 de janeiro de 1842).
Ficavam juntos os condenados e presos correcionais, assim como os
acusados de furtos, homicídios, de perturbação da ordem e outros crimes ou
infrações. Homens e mulheres ocupavam a mesma cela porque não existia
separação por sexo, o que, segundo o chefe de polícia, era uma “grave ofensa à
moralidade pública”. Por isso, no mesmo ano, ele e a Câmara Municipal de Corumbá
solicitaram ao governo provincial a “importante e urgente necessidade” sobre a

4 Segundo o Regulamento Nº 120 de 1842, a inspeção das prisões das províncias pertencia aos
chefes de polícia que seriam auxiliados pelos delegados e subdelegados de polícia dos outros termos
(municípios). Nessas inspeções deveriam ser examinados se os presos estavam bem classificados,
se recebiam boa alimentação, se as prisões se conservavam asseadas e se os regulamentos eram
observados (Art. 144 e 150. BRAZIL. Regulamento Nº 120, de 31 de janeiro de 1842).

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construção de uma casa para a Cadeia Pública. Essa solicitação foi aceita e a
Assembleia Legislativa aprovou a construção da Cadeia (Livro Cópias de relatórios
da Câmara... 1875 a 1888).
A Câmara solicitou ao engenheiro municipal, Joaquim da Gama Lobo d’Eça,
para fazer a planta da prisão, que depois de aprovada pela presidência da província
foi lançado edital público para recebimento de lances de arrematação. Em 21 de
abril de 1877, foi aceita a proposta do italiano Ferdinando Sanclemente, proprietário
e residente na Vila, por ser “a que mais se acomodava aos interesses da Fazenda
Municipal”, pelo preço de 8:500$000 réis, e seria executada conforme a planta e o
contrato elaborado, sob a supervisão do engenheiro municipal (Livro Contractos
Diversos de 1874 a 1885).
A obra deveria ficar concluída em três meses, a contar da data em que a
Câmara comunicasse ao arrematante sobre a aprovação do contrato pela
Presidência da Província. O serviço só seria aceito depois de comprovada a
execução da planta e todas as condições descritas no contrato. Finalizada a
construção, o arrematante ficaria responsável, durante um ano, a contar da data da
entrega e aceitação da obra, pela solidez e boas condições do edifício, fazendo
nesse período todos os reparos e reconstruções que fossem reclamados pelo
engenheiro encarregado da fiscalização (Livro Contractos Diversos de 1874 a 1885).
A obra foi entregue pelo arrematante em novembro de 1877 e recebida pelo
engenheiro da Câmara por estar em conformidade com as condições da planta e
contrato. Por ausência de verba autorizada, ela estava sem alguns utensílios e
outros objetos indispensáveis ao provimento de água, asseio e limpeza para a
acomodação e serviço dos presos, mas, mesmo assim, seu novo edifício foi
disponibilizado aos juízes de direito e municipal para o fim a que se destinava (Ofício
da Câmara Municipal de Corumbá ao Juiz de Direito Dr. José Joaquim Ramos
Ferreira e ao Juiz Municipal José Maria Metello, 20/11/1877).
Se a nova Cadeia foi construída para melhor acondicionar os presos em
instalação mais apropriada e salubre, parece que esse objetivo não foi alcançado
plenamente. Em menos de quatro anos de funcionamento, já eram apontados
problemas nas suas dependências. Em março de 1881, a Câmara Municipal
ressaltou que a Cadeia Pública era “extremamente insuficiente para comportar os
presos que desumanamente são conservados dentro dela”. O edifício possuía três
salas com suas respectivas portas e claros (espécie de janela) quase junto ao teto e

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gradeados, o que dificultava a circulação de ar. Uma das salas era reservada aos
presos de correção, na outra ficavam os soldados da guarda, pois não tinha cômodo
para eles, e na terceira sala ficavam os presos sentenciados e por sentenciar, onde
exalava “um cheiro tão desagradável e insalubre” que tinha “sido causa de contínuos
casos de febres e outras enfermidades”. Por isso, a municipalidade solicitou a
construção de mais salas, que seria uma “providência verdadeiramente
humanitária”, “um ato de caridade” (Livro Cópias de relatórios da Câmara... 1875 a
1888).
Nos meses seguintes a situação pareceu piorar. Em outubro de 1881, o 1º
cirurgião do Exército, Jayme Alvares Guimarães, e o delegado de polícia, Antonio
José Carlos de Miranda, foram à Cadeia para examinar diversos presos que
estavam doentes, reparando que as prisões eram anti-higiênicas e propícias para o
desenvolvimento de alguma epidemia no grande número de presos que lá existia.
Por isso, requisitou que alguns melhoramentos deveriam ser realizados para o bem
da salubridade, tais como a necessidade de caiar suas paredes que estavam
nimiamente sujas, e ladrilhar o pavimento de um dos seus compartimentos. A falta
de asseio nas paredes e o pó que continuamente se levantava do chão eram, na
análise do médico, prejudiciais à saúde dos presos.5
Em 1882, foi firmado um contrato para a ampliação da Cadeia, com a
construção de mais um cômodo que abrigaria o corpo da guarda, e procurava sanar
o problema de superlotação e asseio (Livro Contractos Diversos de 1874 a 1885).
Contudo, as dificuldades continuaram.
Durante os últimos anos do Império, ocorreram reiteradas solicitações do
carcereiro (encarregado direto da Cadeia), do delegado de polícia e de médicos à
Câmara Municipal, e desta ao presidente de província e à Assembleia Provincial
para a melhoria da prisão, aquisição de mobílias, consertos e reparos. Em 29 de
setembro de 1889, o 1º suplente do delegado de polícia, Francisco José de Salles,
em exercício do cargo, descreveu problemas semelhantes dos anos anteriores.
Naquele dia ele visitou a Cadeia Pública e encontrou “tal estado de desasseio e até
falta de luzes para os presos”, situação que não poderia continuar. Observou que as

5 Conferir os seguintes documentos: Ofício do Delegado de Polícia Antonio José Carlos de Miranda
ao 1º Cirurgião do Exército Dr. Jayme Alvares Guimarães, 5/10/1881; Ofício do 1º Cirurgião do
Exército Jayme Alvares Guimarães ao Delegado de Polícia Antonio José Carlos de Miranda,
7/10/1881; Ofício do Delegado de Polícia Antonio José Carlos de Miranda à Câmara Municipal,
8/10/1881.

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paredes do prédio estavam esburacadas, muito sujas e com necessidade de boa


caiação. Os cinco lampiões existentes eram insuficientes e estragados, dois deles
estavam sem vidro e o depósito vazava o querosene (Ofício do 1º Subdelegado de
Polícia de Corumbá Francisco José de Salles à Câmara Municipal, 29/9/1889).
Todas essas situações alertavam as autoridades e sanitaristas para a
ocorrência de fugas e o surgimento de epidemias. Não raras vezes o carcereiro,
intermediado pelo delegado de polícia, solicitava tratamento ou internação de presos
que eram enviados pela Câmara à enfermaria militar, sob o aval do Comando da
Fronteira do Baixo Paraguai. Ou seja, as condições da Cadeia podem ter contribuído
para o surgimento e/ou propagação de doenças entre os presos.
A Cadeia era vista como um dos locais necessários para possibilitar o
progresso e a civilização de Corumbá. Perturbadores da ordem se retidos, vigiados
e disciplinados deixariam o espaço urbano mais seguro e organizado. Sem os
criminosos nas ruas não ocorreriam atos ilícitos e de “barbárie” e traria ares de
progresso, de organização e da cobiçada “tranquilidade pública”.
Mas, apesar de algumas iniciativas terem sido tomadas para mudar a
situação da Cadeia, ela não foi mais que uma casa onde eram recolhidos os
chamados delinquentes, afastando-os da vida social. Se a intenção era proporcionar
um ambiente mais salubre, humanitário e digno de uma sociedade que pleiteava ser
moderna, não foi possível. A Cadeia de Corumbá no Império estava longe do
modelo estrutural do panóptico de Jeremy Bentham que permitiria a observação e
avaliação contínuas, e a produção de um saber minucioso sobre os presos, como
apresentado por Michel Foucault (2004).
Oswaldo Machado Filho (2003) argumenta a possibilidade de autoridades
provinciais terem entrado em contato com os dispositivos do panópticos de Bentham
já na década de 1840, portanto, conheciam os modelos do que tinha de mais
“moderno” no sistema prisional. Esse autor percebeu problemas semelhantes na
Cadeia de Cuiabá e ressaltou que, durante muito tempo, essa situação não sofreria
modificações significativas. Para ele, mesmo com o aumento da violência, marcado
pelo crescimento da população, as autoridades provinciais sempre alegavam
ausência de recursos para proporcionar os melhoramentos desejáveis e adequados
aos princípios morais, e em conformidade ao que era entendido por modernos e que
atendessem aos novos padrões de civilidade.

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Considerações finais
É perceptível o interesse estatal em mostrar-se mais presente no sul de Mato
Grosso. Se anterior à Guerra do Paraguai contra a Tríplice Aliança eram poucas as
instituições públicas, depois do conflito e da reabertura da navegação no rio
Paraguai essa situação começou a mudar. A projeção de Corumbá no cenário
provincial fez dela o principal núcleo urbano naquela parte da província e, ao mesmo
tempo, ocorreram propostas/iniciativas para promover a sua defesa, manter o
controle, a fiscalização e implantar o (re)ordenamento do seu território. Por isso a
criação da Delegacia de Polícia e a necessidade de existir uma Cadeia Pública.
A Polícia, mantida pelos cofres provinciais, e a Cadeia, sob a
responsabilidade tanto da província quanto da municipalidade, funcionaram nas
últimas décadas do século XIX com deficiências e sem atingirem consideravelmente
os objetivos a que se destinavam. O interesse era manter mais organizada e com
menos problemas a faixa de fronteira do lado brasileiro, retirando pessoas que
“colocavam em risco” a segurança e a tranquilidade pública. Mas faltaram recursos
materiais e humanos para a Polícia e a Cadeia funcionarem conforme os padrões
modernos do momento.
Geralmente, era na parcela mais baixa da população que estavam os homens
e mulheres perseguidos pelo sistema. De diferentes naturalidades e nacionalidades
eram os presos e as presas da Cadeia de Corumbá. Todavia, os jornais noticiavam
com maior frequência a prisão de brasileiros(as) pobres e estrangeiros(as)
bolivianos(as) e paraguaios(as). Essas pessoas eram retiradas do convívio social e
do seu círculo relacional para serem colocadas em espaços apertados, quentes,
insalubres e propícios para o surgimento e a proliferação de enfermidades.
Nesse ambiente estava um pouco da diversidade populacional que a fronteira
do Império com a Bolívia passou a ter naquele período. É possível imaginar a
Cadeia Pública também como um espaço que promoveu relações de sociabilidades.
Nela existiu convivência, interação, desavenças e amizades entre pessoas de
diferentes procedências. Na cadeia se encontravam amigos e companheiros de
trabalho, assim como pessoas nem tanto afeiçoadas ou que nunca tinham se
relacionado.

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PONTOS DE CONVERGÊNCIA ENTRE O DIREITO INTERNACIONAL


HUMANITÁRIO E O DIREITO INTERNACIONAL DOS REFUGIADOS: A
PREVENÇÃO DO DESLOCAMENTO COMO MECANISMO DE SOBREVIVÊNCIA
Convergence Points between International Humanitarian Law and International
Refugee Law: the Prevention of Displacement as a Survival Mechanism
Puntos de Convergencia entre el Derecho Internacional Humanitario y el Derecho
Internacional de Refugiados: la Prevención del Desplazamiento como Mecanismo de
Supervivencia

Ádria Saviano Fabricio da Silva


César Augusto S. da Silva

Resumo: Objetiva-se, com este trabalho, analisar a aproximação entre o Direito


Internacional Humanitário e o Direito Internacional dos Refugiados por meio da
investigação documental e bibliográfica, utilizando-se o método dedutivo e a
abordagem qualitativa. Será possível caracterizar as principais nuances de ambos
os direitos e identificar, assim, as diretrizes onde ocorrem as convergências da
função protetiva do Direito Internacional Humanitário e do Direito Internacional dos
Refugiados. Abordaremos tal aproximação por meio do estudo das normas e dos
princípios fundadores de ambos os direitos através de três caminhos: a análise
histórica, a análise teórica e a análise prática, utilizando, para tanto, o referencial
teórico dos autores Antonio Augusto Cançado Trindade, Christophe Swinarsky e a
doutrina amplamente divulgada pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha e pelo
Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados. Por fim faremos um breve
estudo de caso da atuação da Federação Internacional da Cruz Vermelha na
Venezuela.
Palavras-chave: Direito Internacional Humanitário, Direito Internacional dos
Refugiados, ACNUR, CICV, Venezuela.

Abstract: The objective of this paper is to analyse the approximation between


International Humanitarian Law and International Refugee Law through documentary
and bibliographic research, using the deductive method and the qualitative approach.
It will be possible to characterize the main nuances of both rights and thus identify
the guidelines where the protective function of international humanitarian law and
international refugee law converge. We will approach this approach by studying the
norms and founding principles of both rights through three paths: historical analysis,
theoretical analysis and practical analysis, using the theoretical framework of the
authors. Antonio Augusto Cançado Trindade, Christophe Swinarsky is the doctrine
widely disseminated by the International Committee of the Red Cross and the United

Graduanda do Curso de Bacharelado em Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.
E-mail: adriasfs@outlook.com.

Graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Mestre em Direito pela
Universidade Federal de Santa Catarina e Doutor em Ciência Política pela Universidade Federal do
Rio Grande do Sul. Professor efetivo da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. E-mail:
cesar.a.silva@ufms.br.

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Nations High Commissioner for Refugees. Finally, we will make a brief case study of
the work of the International Federation of the Red Cross in Venezuela.
Key words: International Humanitarian Law, International Refugee Law, UNHCR,
ICRC, Venezuela.

Resúmen: El objetivo de este trabajo es analizar la aproximación entre el derecho


internacional humanitario y el derecho internacional de los refugiados a través de la
investigación documental y bibliográfica, utilizando el método deductivo con enfoque
cualitativo. Será posible caracterizar los principales matices de ambos derechos y
así identificar las pautas donde convergen la función protectora del derecho
internacional humanitario y el derecho internacional de refugiados. Abordaremos
este enfoque a través del estudio de las normas y principios fundacionales de ambos
derechos a través de tres caminos: análisis histórico, análisis teórico y análisis
práctico, utilizando el marco teórico de los autores. Antonio Augusto Cançado
Trindade, Christophe Swinarsky es la doctrina ampliamente difundida por el Comité
Internacional de la Cruz Roja y el Alto Comisionado de las Naciones Unidas para los
Refugiados. Finalmente, haremos un breve estudio de caso sobre el trabajo de la
Federación Internacional de la Cruz Roja en Venezuela.
Palabras clave: Derecho Internacional Humanitario, Ley Internacional de
Refugiados, ACNUR, CICR, Venezuela.

* Trabalho completo selecionado para publicação na Revista Para Onde? (UFRGS),


no número referente ao primeiro semestre de 2020.
https://seer.ufrgs.br/paraonde

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MIGRAÇÕES E GLOBALIZAÇÃO: UMA ANÁLISE À LUZ DOS HUMANOS DOS


MIGRANTES
Migrations and Globalization: an Analysis According to Migrant Humans Rights
Migraciones y Globalización: un Análisis a la Luz de los Humanos Migrantes

Alex Maciel de Oliveira

RESUMO: O migrante tem sido colocado numa posição de extrema vulnerabilidade no


interior dos países-destino, panorama que resulta em graves violações de direitos
destas pessoas. A situação deve-se, em parte, a falta de tutela efetiva dos direitos
desse grupo por parte dos Estados, vez que tem sido dado aos migrantes um
tratamento jurídico desigual daquele despendido aos nacionais. Ainda contribuem
para esse panorama outros fatos desfavoráveis, como a xenofobia, falta de
assistência, medo, etc. A gravidade da situação é clara, pois entre os abusos
sofridos pelos migrantes estão tráfico de pessoas, exploração sexual, trabalho
escravo e outros, os quais ocorrem, inclusive, em Estados signatários de tratados
protetores dessas pessoas. Este trabalho, portanto, tem por objetivo a análise da
relação entre as migrações estimuladas pela globalização e violações de direitos dos
migrantes, tendo-se como bússola os direitos humanos. Quanto à metodologia
adotada para a demonstração do objetivo geral, a investigação é: quanto ao objetivo,
exploratória e descritiva; quanto à área da ciência, é teórica; quanto à natureza, um
resumo de assunto; quanto ao procedimento, bibliográfica e, finalmente, quanto à
abordagem, qualitativa.
Palavras-chave: Direitos humanos. Globalização. Migrações. Violações. Migrante.

Abstract: The migrant has been placed in a position of extreme vulnerability within
the destination countries, which results in serious violations of their rights. The
situation is partly due to the lack of effective protection of the rights of this group by
states, as migrants have been given unequal legal treatment to that accorded to
nationals. Other unfavorable facts contribute to this scenario, such as xenophobia,
lack of assistance, fear, etc. The gravity of the situation is clear, as the abuses
suffered by migrants include trafficking in persons, sexual exploitation, slave labor
and others, which even occur in states that are signatories to protective treaties of
these persons. This paper, therefore, aims to analyze the relationship between
migrations stimulated by globalization and violations of migrants rights, taking as a
compass human rights. As for the methodology adopted for the demonstration of the
general objective, the investigation is: regarding the objective, exploratory and
descriptive; as for science, it is theoretical; as to nature, a summary of the subject;
regarding the procedure, bibliographic and, finally, regarding the approach,
qualitative.
Key words: Human rights. Globalization. Migration. Violations. Migrant.

Resumen: El migrante ha sido colocado en una posición de extrema vulnerabilidad


dentro de los países de destino, lo que resulta en graves violaciones de sus


Bacharel em Direito, e-mail: alexmaciel93@gmail.com

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derechos. La situación se debe en parte a la falta de protección efectiva de los


derechos de este grupo por parte de los estados, ya que a los migrantes se les ha
dado un tratamiento legal desigual a lo otorgado a los nacionales. Otros hechos
desfavorables contribuyen a este escenario, como la xenofobia, la falta de
asistencia, el miedo, etc. La gravedad de la situación es clara, ya que los abusos
sufridos por los migrantes incluyen la trata de personas, la explotación sexual, el
trabajo esclavo y otros, que incluso ocurren en estados que son signatarios de los
tratados de protección de estas personas. Este documento, por lo tanto, tiene como
objetivo analizar la relación entre las migraciones estimuladas por la globalización y
las violaciones de los derechos de los migrantes, tomando como brújula los
derechos humanos. En cuanto a la metodología adoptada para la demostración del
objetivo general, la investigación es: con respecto al objetivo, exploratorio y
descriptivo; en cuanto a la ciencia, es teórica; en cuanto a la naturaleza, un resumen
del tema; respecto al procedimiento, bibliográfico y, finalmente, respecto al enfoque,
cualitativo.
Palabras clave: Derechos humanos. Globalización. Migraciones. Violaciones.
Migrante.

Introdução
Nos últimos anos, os processos migratórios, principalmente no âmbito
internacional, têm gerado importantes debates e uma vasta produção acadêmica na
área das ciências sociais, uma vez que se trata de um tema amplo e com muitas
questões ainda não exploradas.
Para o Direito, em especial, o tema é de grande importância, uma vez que as
migrações internacionais apresentam faces diametralmente opostas: ao mesmo
tempo em que se mostram como um campo intercâmbio de experiências culturais,
também criam as condições ideais para que ocorram violações dos direitos básicos
da pessoa humana.
Os reflexos causados pela globalização afetam o planeta de um modo sem
precedentes. A globalização possibilitou a criação uma rede de relações entre as
mais diferentes nações do globo, criando uma inter-relação entre diferentes povos, o
que gerou um constante e intenso fluxo de troca entre as mais diversas partes do
planeta, sejam elas de caráter econômico, social, cultural, político, científico, etc.
Com o aumento da facilidade de se obter informações sobre diferentes
lugares, a globalização acabou por promover o deslocamento populacional,
sobretudo de pessoas originárias de países subdesenvolvidos para países, em sua
maior parte, do continente Europeu, em busca, via de regra, de melhores condições

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de vida, seja em razão de extrema pobreza, da falta de condições de subsistência,


desigualdades, desemprego, entre outros fatores.
Porém, esse processo estimulado pela globalização tem se mostrado uma
ameaça a proteção dos direitos fundamentais dos migrantes, pois juntamente com
esses deslocamentos surgem práticas de degradação física e moral contra esse
grupo, tais como a exploração de trabalho escravo ou forçado, discriminações
raciais ou étnicas, segregações sociais, violência física e sexual, xenofobia,
intolerância, na forma religiosa, cultural e até mesmo sexual, entre outras.
Diante dessa realidade, evidencia-se a necessidade de maior proteção dos
direitos fundamentais dos migrantes pelos Estados-nação, vez que estes estão
numa posição de vulnerabilidade e desigualdade diante da proteção de seus direitos
mais básicos.
Portanto, o presente trabalho almeja compreender a dinâmica existente entre
o processo globalizatório mundial e os movimentos migratórios das últimas décadas,
e, ainda, a influência desses fenômenos nas corriqueiras violações de direitos
humanos dos migrantes estrangeiros.
Para tanto, o trabalho será dividido em dois grandes tópicos. O primeiro,
denominado de “a migração como consequência de um mundo globalizado” tecerá
apontamentos primeiros necessários à uma compreensão da problemática proposta,
abordando a contextualização das migrações no mundo globalizado. Assim, se
tentará compreender a influência exercida pela mundialização sobre as migrações
internacionais, partindo-se dos pressupostos de que ambas estão intrinsecamente
ligadas e, portanto, que a migração é uma consequência irretratável de um mundo
globalizado.
O presente trabalho propõe a existência de duas faces opostas existentes no
processo globalizatório: a boa, de intercâmbio entre os povos, seja de informações,
de cultura ou econômica, entre outras, e a face perversa, que acaba por criar um
amplo campo para violações de direitos básicos dos migrantes.
Nesse viés, os processos migratórios têm se mostrado, cada vez mais, como
um elemento facilitador de violações de direitos humanos de grupos de pessoas que
estão em posição de vulnerabilidade. Embora a globalização tenha inúmeros pontos

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positivos, no campo dos direitos fundamentais ela tem cultivado o terreno ideal para
que ocorram diversas relativizações desses direitos.
No o segundo, denominado “migrações e violações de direitos”, se tratará do
que chamamos neste trabalho de “face cruel da migração”, no qual serão analisadas
algumas das violações mais comuns aos direitos dos estrangeiros durante os
processos migratórios, e reforçando-se a ideia da necessidade da compreensão do
tema à luz dos direitos humanos, em virtude de tais práticas serem extremamente
nocivas ao princípio já consolidado de respeito à dignidade da pessoa humana.

As migrações como consequência de um mundo globalizado


Como dito na introdução, as migrações internacionais e a globalização estão
intrinsecamente ligadas, sendo impossível tratam de uma sem entender a outra. A
intensa evolução tecnológica experimentada pela espécie humana, sobretudo nas
últimas décadas, tem sido o propulsor do processo globalizatório. A tecnologia
acabou por encurtar as distâncias e derrubar inúmeras barreiras geográficas,
culturais, econômicas, religiosas, linguísticas, raciais, etc., outrora tidas como
intransponíveis.
Como consequência desse processo, a globalização acaba por alterar
sobremaneira o dinamismo das migrações, uma vez que estimula o deslocamento
humano por toda parte do globo, em virtude dos mais diversos fatores, como, por
exemplo, eclosão de guerras e conflitos armados, desigualdades sociais e
econômicas, desempregos e outros.
Atualmente, é possível encontrar, em maior ou menor grau, em todas as
partes do Planeta comunidades de migrantes. Porém, essas pessoas, na grande
maioria das vezes possuem uma situação econômica instável, exercendo
subempregos, com remunerações mais baixas, sem seguridade social, educação,
habitação, saúde e outros direitos básicos e necessários à uma vida humana digna.
Segundo a conceituação elaborada pela Organização Internacional para as
imigrações, a migração pode ser definida como:
[...] o movimento de uma pessoa ou de um grupo de pessoas, quer entre
uma fronteira, quer dentro de um Estado (nacional). É um movimento
populacional, abrangendo qualquer tipo de movimento de pessoa, seja qual
for o seu tamanho, composição e causas; inclui a migração de refugiados,

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pessoas deslocadas, migrantes econômicos e pessoas que se deslocam


para outros fins, incluindo o reagrupamento familiar (OIM, 2017, sem pag.).

Dessa forma, em uma acepção geral, a Migração pode ser entendida como
todo e qualquer deslocamento de determinada população, independentemente do
seu tamanho e sua composição, de um território para outro, dentro ou fora de um
país, e independente das suas causas.
As migrações podem ser analisadas levando-se em consideração diversos
fatores, tais como motivação, situação política e jurídica dos migrantes, quantidade
de pessoas que formam esse deslocamento, organização espacial da região no qual
ocorrem, etc. Vejamos dois deles:
Em relação ao fator geográfico, as migrações podem ocorrer entre duas
regiões dentro de um mesmo território soberano, pertencentes, assim, a um mesmo
estado nacional, ou entre dois países autônomos. Além disso, em relação ao fato
impulsionador desse fenômeno, podem ter como motivação os mais diversos
fatores, como: econômicos, políticos, bélicos, catástrofes naturais, entre outros.
Analisaremos no presente trabalho apenas as migrações internacionais, ou
seja, aquelas que ocorrem em virtude do deslocamento humano de um território
pertencente à um país a outro Estado nacional. Dessa forma, deixaremos de lado os
demais tipos de migrações, em razão de não satisfazerem a delimitação
metodológica escolhida por nós para o presente estudo.
Sobre os traços distintivos das migrações internacionais Rosana Reis Rocha
analisa que:
A característica fundamental que distingue as migrações internacionais de
outros tipos de migração é, portanto, que elas implicam uma mudança do
indivíduo entre duas entidades, entre dois sistemas políticos diferentes.
Nesse sentido, pode-se afirmar que as migrações internacionais são não
apenas um fenômeno social, mas também inerentemente político, “que
advém da organização do mundo num conjunto de Estados soberanos
mutuamente exclusivos, comumente chamado de sistema westphaliano”
(REIS ROCHA, 2004, p. 49).

Ao longo da história, o deslocamento de grupos populacionais tornou-se uma


prática corriqueira e indispensável à preservação da espécie humana. Nos
primórdios da civilização, o homem, ser coletor eminentemente, migrava em busca
de novos locais que lhes oferecessem maiores possibilidades de sobrevivência, por
possuírem água, comida, abrigo, etc.

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A distância foi um obstáculo a ser vencido nos deslocamentos humanos.


Porém, com a evolução do conhecimento humano nas mais diversas áreas,
sobretudo nos últimos dois séculos, grandes descobertas foram feitas, e acabaram
por dar ao homem uma mobilidade nunca antes vista. Essa mobilidade mudou
drasticamente a forma como o ser humano até então pensava os limites e espaços
geográficos.
Assim, o aperfeiçoamento de técnicas empregadas para diminuir distâncias e
facilitar o deslocamento humano é inerente ao próprio desenvolvimento tecnológico
ocorrido nos últimos séculos.
Já neste século, sobretudo nas últimas três décadas, com a energização da
globalização começaram a surgir novos dúvidas acerca dos reflexos causados pelas
migrações internacionais sobre os Estados nacionais, especialmente naqueles que
possuem extensas áreas de fronteiras - terrestres ou marítima - com outras nações.
Os fluxos populacionais que se deslocaram nos últimos anos trouxeram como
principais consequências aos Estados soberanos escolhidos como destino a
relativização de suas fronteiras, alteração de suas estruturas demográficas, políticas,
econômicas, culturais, sociais, entre outros reflexos.
Essas mudanças frequentemente têm chamado a atenção da comunidade
internacional, e têm demandado dos estudiosos um esforço para a compreensão
dos novos paradigmas que se formam na ordem internacional por influência direta
das migrações. Para isso, é indispensável o entendimento dos fatores que
expliquem as possíveis causas e reflexos trazidos pelas migrações ao meio
internacional.
A relevância do tema à nível global tem se materializado por meio das citadas
mudanças experimentados pelos estados, as quais fizeram surgir a necessidade de
novas políticas públicas que visem melhor compreender e amenizar a pressão
exercida por esse fenômeno sobre as bases estruturais dos estados modernos.
Nesse sentido, é consensual entre os estudiosos do tema o entendimento de
que há uma nova organização nos como nos últimos tempos vem ocorrendo as
relações entre os estrangeiros e os estados nacionais.
As últimas décadas evidenciaram uma intensificação - nunca antes
presenciada - das relações transnacionais entre os mais diferentes povos, e, ainda,

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entre povos e outros governos alienígenas, trazendo uma grande reformulação na


forma como os estados nacionais passaram a enxergar as demais nações e,
consequentemente, seus nacionais.
Sobre o papel da globalização no aumento dos fenômenos migratórios
presenciados à nível global nos últimos anos, George Martine afirma que:

As transformações rápidas e profundas geradas pela globalização têm tido


um grande impacto sobre os movimentos migratórios, mas de forma ainda
segmentada e contraditória. Por um lado, parece existir um consenso na
literatura de que a globalização constitui o motor principal da migração
internacional neste momento histórico. Por definição, a globalização leva ao
desarraigamento quando acelera o progresso econômico que transforma
comunidades, estimula as pessoas a abandonar trabalhos tradicionais e a
buscar novos lugares, enquanto as obriga a confrontarem-se com novos
costumes e novas maneiras de pensar [...] (MARTINE, 2005, p. 8).

Destarte, a compreensão da globalização como fenômeno impulsionador da


migração sobretudo nas últimas décadas é a compreensão da abertura das
instituições mais basilares dos estados soberanos para a compreensão dos
fenômenos por ela trazidos.

Migração e violações de direitos


O aumento das migrações internacionais em razão da globalização trouxe
inúmeros reflexos negativos às estruturas dos Estados Nacionais. Diante dessa
nova realidade, os Estados passaram a fechar suas fronteiras e adotar políticas que
visassem dificultar a entrada de estrangeiros em seu território, ou, ao menos,
promover a seleção desses.
Tais políticas sempre foram utilizadas praticadas pelos a fim de garantir a
coesão de seu território e a ordem interna. Ocorre que, após a virada do século XXI,
com disseminação das práticas de terrorismo por parte dos Estados radicais e
fundamentalistas, como forma de se contrapor aos países mais ricos e mandatários
da ordem internacional, as nações passaram a ver, cada vez mais, as migrações
como uma ameaça à segurança interna de suas instituições e povo.
O fenômeno das migrações internacionais surge, então, como uma das
inúmeras facetas do processo de globalização, tornando evidente a tensão existente
entre os modos de regulação do fluxo de pessoas praticados pelos Estados
nacionais em suas fronteiras, em nome da segurança nacional, e a do atual modelo

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das migrações internacionais, ainda em sua maior parte realizadas de forma


clandestina ou irregular.
Anualmente, milhões de pessoas sem uma perspectiva de vida em seu país
originário, devido à fatores como a pobreza, às desigualdades, o desemprego, entre
muitos outros, migram para outros países em busca de melhores condições de vida,
de emprego, educação, segurança, saúde e outros.
Entretanto, a prática tem mostrado que grande parte dessas pessoas, muitas
vezes, nem conseguem adentrar o território do país de destino, e quando
conseguem, têm os seus direitos fundamentais mais básicos violados pelos
nacionais e, até, pelas instituições públicas daquele determinado Estado.
Essa realidade se deve à diversos fatores. Porém, o principal deles é o fato
de a maior parte das migrações oriundas de países subdesenvolvidos com destino a
países desenvolvidos ocorrerem de modo irregular ou ilegal.
Para chegar ao país de destino, os estrangeiros, muitas vezes, submetem-se,
ainda dentro de seu país, à tratamentos degradantes e desumanos, cometidos pelos
chamados “coiotes”1, que nada mais são do que atravessadores, na maioria das
vezes pessoas oriundos do mesmo país dos migrantes que, por já morarem no país-
destino ou por disporem de transporte, cobram grandes quantias de dinheiro para
atravessar esses estrangeiros pelas fronteiras dos países.
Os meios empregados para conseguir adentrar irregularmente no país são
dos mais diversos, sendo desde transportes realizados através de longas e
cansativas viagens dentro de furgões, caminhões, navios, barcos, sem quaisquer
condições de higiene ou salubridade, até arriscadas travessias por rios e mares em
pequenos botes improvisados ou, até ainda, a nado, quando o país-destino possui
fronteiras fluviais ou marítimas, expondo-se, em todos os casos, suas vidas a riscos
e graves danos.
Tais práticas são duramente reprimidas pelas polícias nacionais e pelas
forças armadas que realizam a proteção das fronteiras, que usam como meio de
coibição de tais práticas prisões, suspensão de alguns direitos e até o abatimento.

1
Termo pelo qual são conhecidos os traficantes de pessoas que cobram valores para fazer o
transporte de migrantes irregulares para dentro da fronteira de países.

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Muitos desses migrantes acabam sendo mortos ou presos durante a tentativa de


adentrar no país.
Uma vez dentro do território do Estado alienígena, o migrante ainda enfrenta
inúmeros outros problemas, como ausência de documentação, segregação racial,
socioeconômica, de gênero, dificuldades com o idioma, com a adaptação ao clima e
estranhamento aos costumes e cultura, entre outros.
Sobre as dificuldades de adequação ao novo país enfrentadas pelo
estrangeiro, George Martine afirma que:
No que se refere a todos os problemas de adaptação, discriminação e até
maltrato de migrantes, não há dúvida de que essas situações existem
frequentemente e que constituem uma das maiores dificuldades para os
migrantes de todos os continentes e de todas as épocas. Os migrantes
sofrem discriminação social e racial, são tratados como cidadãos de
segunda classe, são perseguidos e maltratados por xenófobos. Eles
geralmente têm problemas de comunicação e adaptação, sofrem perda de
identidade e de referencial afetivo – o que leva frequentemente ao estresse
psicológico. Nos dias de hoje, porém, o desenvolvimento das comunicações
permite maior vinculação entre os migrantes e os lugares de origem. Isso
tem estimulado a formação de redes que contribuem para manter as
identidades nacionais e locais, étnicas e religiosas, o que pode ajudar
bastante a incrementar o sentimento de “pertencer” (MARTINE, 2005, p.
10).

São raros os países possuem de uma política pública séria de acolhimento de


migrantes, que disponham, por exemplo, de abrigos e outros locais que prestem
serviços de acolhimento, acompanhamento e, ainda, orientação dessas pessoas
sobre questões essenciais para sua estadia no país, como sobre ofertas de
empregos, emissões de documentos, ou mesmo na regularização dos estrangeiros
irregulares.
Além disso, a relação estabelecida entre migrante e o povo que os recebe é
quase sempre problemática, marcada por tensões e intolerâncias, especialmente
nas culturas que carregam em si forte espírito nacionalista. Essa questão sofre forte
influência de outros fatores complicadores como, por exemplo, homofobia, sexismo,
racismo e xenofobia, entre outros.
Nessa lógica, as autoras portuguesas Alcinda Cabral e Xénia Vieira discorrem
sobre as tensões ocasionadas pela presença dos migrantes em determinadas
culturas, afirmando que:
A Multiculturalidade que compõe as sociedades actuais, embora manifeste
uma dominância de aspectos positivos quando abordada na totalidade das
suas consequências (demográfcas, económicas, como contra-peso ao

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envelhecimento e à baixa natalidade dos países receptores, como acontece


na Europa, e outros) também comporta problemas de convivência que
muitas vezes reduzem os colectivos de imigrantes a nichos socio-culturais,
que obstaculizam a mestiçagem cultural, limitando assim a inclusão dos
estrangeiros nas sociedades de destino. A recepção de imigrantes torna-se
tanto mais problemática quanto maior for o volume de pessoas deslocadas,
bem como a sua visibilidade social, a sua concentração no espaço de
residência e de trabalho e a sua diversidade cultural, conquanto estas
condições não sejam igualmente válidas para todos os colectivos. Assim,
diversidade cultural e convivência social tornaram-se frequentemente
variáveis incompatíveis [...]. a ebulição crescente e mesmo os confrontos
que actualmente ocorrem em algumas sociedades pluri-étnicas não é uma
novidade, do mesmo modo que também não é novo o fenómeno de
deslocalização de pessoas. Pelo contrário, tal sempre se registou desde os
primórdios da Humanidade, dando origem a guerras, a expulsões, às
noções de “estrangeiro”, do “outro”, do “diferente”, de “cidadania/s”, de
“direitos”, e outros (CABRAL; VIERA, 2007, p. 375).

Por fim, salientamos que mesmo aqueles estrangeiros que se encontram de


modo regular no país também enfrentam dificuldades. É o caso, por exemplo, do
estrangeiro que está regular no país, uma vez que possui toda documentação
exigida pelas autoridades públicas para a sua entrada e permanência no país,
porém em seus trabalhos recebem salários menores, possuem cargas de jornadas
mais longas e têm mais direitos trabalhistas violados pelas empresas, se
comparados com os nacionais.
Nesse sentido, Felipe Dartagan Castro e Gustavo Vilela da Costa, ao analisar
a situação do trabalhador migrante boliviano, apontam que tais práticas ocorrem em
pleno território brasileiro. Dizem os autores:

Migrar para o Brasil é uma aspiração que denota, ao menos inicialmente,


uma necessidade temporária, apenas o suficiente para se conseguir uma
boa quantia e retornar à Bolívia. Seria o que Sayad chamou de ilusão do
retorno. Mas, esse retorno termina não acontecendo pela demanda de mão-
de-obra estrangeira, mais barata. A promessa a si mesmo de voltar tão logo
as coisas tenham melhorado vai ficando casada vez mais distante, até que
as raízes fincadas no Brasil o limitem apenas a visitar seu país, ou enviar
um filho para estudar lá. Silva destaca as várias dificuldades enfrentadas no
novo país pelos bolivianos, como trabalho escravo; imagens negativas
transmitidas pela mídia, e o preconceito. Segundo este autor um elemento
contribuidor para a formação de estereótipos, de estigmas, seria o fato de
se relacionarem muito pouco com os brasileiros, havendo, portanto, a
criação de imagens que maculam todo o grupo: sociocultural (traficantes,
pobres, “de pouca cultura”); étnica e racial (“índios”, “morenos”); de ordem
jurídica (clandestino, indocumentados) (CASTRO; COSTA; BIVAR, 2013,
p.12).
Essa situação fática deve-se principalmente a dificuldade de acesso à justiça
encontrada por essas pessoas. Acrescente-se a isso o temor existente por parte dos
migrantes em sofrerem represálias pelos nacionais, ou de serem deportados para

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seus países caso procurem a justiça daquele país, em virtude da existência de


alguma irregularidade na sua documentação.
A situação do estrangeiro pode se tornar ainda mais complexa nos casos em
que, mesmo permitindo sua a entrada em suas fronteiras, o Estado não garanta a
existência de uma igualdade de tratamento formal (perante a lei) e material (no plano
fático) entre seus nacionais e a pessoa estrangeira, podendo-se chegar ao extremo
do não reconhecimento aos migrantes dos direitos mais básicos por parte do
Estado.
Quando o Estado não cria um plano de políticas públicas que objetivem a
proteção efetiva de direitos fundamentais de migrantes que cheguem em seu
território e não reprime violações desses direitos que venham a ser cometidas por
particulares, a desigualdade salarial dos estrangeiros em relação aos nacionais se
torna um ínfimo problema dentre as violações e violências que estes podem sofrer.
Esse o caso do estado brasileiro, que segundo o Relatório sobre Formas
Contemporâneas de Escravidão, da Relatora Especial da ONU, Gulnara Shahinian,
manteve em seu território tráfico de migrantes bolivianos e trabalho escravo e
análogo a escravidão desses na indústria de vestimenta da cidade de São Paulo -
SP.
Vejamos o que dizem alguns trechos do Relatório sobre o trabalho escravo na
indústria têxtil no Brasil:
77. Com a liberalização das economias das economias da América Latina
nos anos oitenta, e o subsequente aumento no desemprego, o número de
migrantes bolivianos para o Brasil aumentou substancialmente. Seguindo a
crise econômica da Argentina nos anos 90 e início dos anos 2000, o fluxo
de imigração foi direcionado da Argentina para o Brasil.
78. Chefes de oficinas têxteis empregam intermediários para ir para a
Bolívia aliciar trabalhadores. Os trabalhadores são aliciados de cidades que
são pontos focais para pessoas pobres e rurais, buscando trabalho. Os
aliciadores recrutam os trabalhadores através de anúncios nos jornais ou
nas rádios. Uma vez recrutados, os bolivianos são traficados para o Brasil.
[...].
80. Os bolivianos mostraram-se mais suscetíveis à exploração do que os
brasileiros, já que eles não possuem status legal ou direitos no Brasil. Isto
ocorre porque [...] os brasileiros em áreas urbanas têm melhor acesso à
informação, meio de subsistência alternativo e apoio, diferentemente de sua
contrapartida nas áreas rurais, e é, portanto, improvável que sejam achados
em trabalho escravo na indústria de vestimenta. [...] como muitos bolivianos
são traficados e consequentemente entram no Brasil ilegalmente, eles
temem ser pegos e deportados. Assim, eles são muito mais fáceis de se
controlar, já que seus empregadores os mantêm sob ameaça de: perder
empregos, violência direta ou violência contra suas famílias; e serem
entregues à polícia onde eles encarariam a deportação.

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81. Existem muitas pessoas pobres na Bolívia, os quais têm poucas outras
opções além de trabalhar em oficinas têxteis. Em muitos casos,
trabalhadores escravos consideram trabalhar em oficinas têxteis melhor do
que a vida em seu país de origem. Migrantes bolivianos também não sabem
falar a língua, por isso encontram-se totalmente dependentes de seus
empregadores para alimentos, acomodações, tratamentos médicos, etc.
(BRASIL, 2010).

Esses são somente alguns dos muitos exemplos que podem ser trazidos para
ilustrar a situação de vulnerabilidade na qual se encontram os migrantes em um país
estranho.
O medo daquilo que “diferente”, “do outro” sempre foram os combustíveis
necessários para a violação de direitos humanos, e atos de segregação e
intolerância. As maiores atrocidades cometidas ao longo da história da humanidade
foram motivadas pelas ideias de superioridade e de intolerância. No caso das
migrações a recíproca é verdadeira.
Evidencia-se, então, a necessidade de que os migrantes recebam uma maior
atenção por parte do Estado, devendo a eles ser garantida uma maior proteção, em
razão de sua situação de extrema fragilidade em relação aos nacionais e ao próprio
poder público.
Analisar o fenômeno migratório à luz dos direitos humanos fundamentais é
entender a imperiosidade de se garantir a esse grupo social direitos mínimos que
possam dar a eles uma vida digna, e, também, impedir a submissão dessas pessoas
à outras consequências ainda mais perversas que podem surgir da migração, tais
como o tráfico de pessoas, tráficos de órgãos, e exploração sexual de mulheres e
crianças, etc.
A situação de vulnerabilidade do migrante em território estrangeiro, somadas
às atuais práticas dos Estados nacionais para coibir a entrada ilegal em seu
território, seja por meio do controle de suas fronteiras, seja pela implementação de
medidas restritivas de certos direitos dos migrantes em sua legislação, ou pelas
frequentes manifestações de intolerância dos originários do país contra os
migrantes, tem se apresentado como férteis terrenos para que se propaguem
violações de direitos fundamentais essenciais a manutenção da dignidade da
pessoa humana.
Portanto, é fácil compreender a relevância da problemática analisada no
presente tópico. Os fatores acima elencados - intolerância, diferenciação no

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tratamento dado pelo Estado, as dificuldades enfrentadas pelos estrangeiros antes e


depois de chegarem no país-destino - apenas exemplificam a problemática e
corroboram para a compreensão de que, estando em posição de vulnerabilidade,
estes devem ter seus direitos fundamentais preservados.

Considerações Finais
As reflexões feitas nesse trabalho acerca do fenômeno migratório apontam
para a necessidade da criação de normas jurídicas que tragam uma proteção mais
efetiva aos direitos dos migrantes, tanto na comunidade internacional quanto no
âmbito interno dos Estados.
Os migrantes, ao longo das décadas, têm sofrido violações de direitos básicos
- tráfico de pessoas e de órgãos, exploração sexual, trabalho escravo, e outros -, e
embora existam vários direitos assegurados em documentos internacionais, esses
carecem de uma regulamentação jurídica no plano interno dos Estados, para que se
possa assegurar de modo material (e não apenas formal) uma igualdade de
garantias entre os nacionais de um determinado país e estrangeiros.
Esse processo somente será possível por meio da criação de mecanismos
previstos nas legislações internas dos Estados capazes de possibilitar maior nível de
paridade entre diversos grupos sociais inseridos em um território soberano. Portanto,
faz-se necessária a observância, pelas legislações nacionais de princípios básicos
dos ideais de justiça igualitária e igualdade material historicamente concebidos,
sendo necessária, então, uma participação mais efetiva dos Estados nacionais nas
discussões e nas promoções de políticas estatais capazes de diminuir as
desigualdades existentes, e punir e fiscalizar violações de direitos dos migrantes.
Nesse sentido, é possível afirmar que para direitos elencados como
indispensáveis a uma existência digna do ser humano sejam protegidos são
necessários instrumentos que possibilitam o exercício pleno desses direitos pelos
seus destinatários.
Nesse cenário, então, surge a necessidade do ser humano ser compreendido
como “cidadão universal”, e não mais como pertencente a um único Estado. Nesse
sentido, as entidades internacionais, que antes se preocupavam em elaborar normas
gerais de tutela a direitos básicos de certos grupos sociais, passaram a conclamar

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os Estados nacionais a participarem efetivamente do processo de construção e


aperfeiçoamento de mecanismos capazes de possibilitar uma maior igualdade entre
diferentes grupos sociais e de evitar desrespeitos à dignidade humana.
Os Estados nacionais e seus governos passaram de meros atendedores das
normas internacionais tuteladoras de determinados direitos a atores internacionais,
que, agora, não mais visualizam a proteção de direitos apenas no plano
internacional, mas, também, no plano doméstico de suas legislações internas.
Portanto, devem ser tomadas pelos Estados nacionais medidas positivas em
forma de políticas públicas no sentido de permitir uma igualdade fática entre
estrangeiros e nacionais, com a finalidade de diminuir discrepâncias existentes nos
meios culturais, sociais e econômicos entre os cidadãos nacionais e os estrangeiros.

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O ENTORNO ESTRATÉGICO BRASILEIRO: ANÁLISE DE GOVERNANÇA


AMBIENTAL NA FAIXA DE FRONTEIRA SETENTRIONAL AMAPAENSE (1997-
2017)
Brazilian Strategic Environment: Analysis of Environmental Governance in the North
Amapaense Borderlands (1997-2017)
Entorno Estratégico Brasileño: Análisis de la Gobernanza Ambiental en la Banda de
la Frontera Norte Amapaense (1997-2017)

Miguel Patrice Philippe Dhenin

Resumo: Este artigo tem como objetivo apresentar o projeto de pesquisa oriundo do
estágio pós-doutoral do autor, realizado no Departamento de Geografia da
Universidade Federal do Rio de Janeiro. O título do trabalho enfatiza um conceito
específico de “Entorno Estratégico”, que dialoga principalmente com as áreas da
Geografia e dos Estudos Estratégicos. Nosso campo de estudo é a região
setentrional situada no Estado do Amapá, apresentando o problema da governança
ambiental nas últimas duas décadas. Assim, ao considerar o “Entorno Estratégico”
brasileiro, procura-se avaliar as correlações de governança ambiental exercida pelos
diversos atores institucionais que atuam na faixa de fronteira do Norte do Estado do
Amapá, particularmente entre 1997 e 2017. Esse projeto de pesquisa foi aprovado
em maio de 2019 e recebe o apoio institucional e financeiro da Coordenação de
Aperfeiçoamento do Pessoal do Ensino Superior (CAPES).
Palavras-chave: Governança, Entorno estratégico, Amapá.

Abstract: This article aims to present the research project from the postdoctoral
internship of the author, held in the Department of Geography of the Federal
University of Rio de Janeiro. The title of the paper emphasizes the specific concept of
"Strategic Environment", which dialogues mainly with the areas of Geography and
Strategic Studies. Our field of study is the northern region located in the State of
Amapá, focusing on the problem of environmental governance in the last two
decades. Thus, when considering the Brazilian "Strategic Environment", it is sought
to evaluate the environmental governance correlations exerted by the various
institutional actors that operate in the northern border of the State of Amapá,
particularly between 1997 and 2017. This research project was approved in May
2019 and receives institutional and financial support from the Coordination of
Improvement of Higher Education Personnel (CAPES).
Palavras-chave: Governance, Strategic Environment, Amapá.


Departamento de Geografia – Universidade Federal do Rio de Janeiro. Pós-doutorando em
Geografia na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Doutorado em Ciência Política pela
Universidade Federal Fluminense em cotutela na Université Paris III Sorbonne-Nouvelle. Mestrado
em Estudos Estratégicos da Segurança e da Defesa pela Universidade Federal Fluminense. Formado
em Ciência Política pela Université de Versailles Saint-Quentin-en-Yvelines. E-mail:
miguel.dhenin@gmail.com

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Resumen: Este artículo tiene como objetivo presentar el proyecto de investigación


de la pasantía postdoctoral del autor, realizada en el Departamento de Geografía de
la Universidad Federal de Río de Janeiro. El título del artículo enfatiza un concepto
específico de "Entorno Estratégico", que dialoga principalmente con las áreas de
Geografía y Estudios Estratégicos. Nuestro campo de estudio es la región norte del
estado de Amapá, que presenta el problema de la gobernanza ambiental en las
últimas dos décadas. Por lo tanto, al considerar el "entorno estratégico" brasileño,
buscamos evaluar las correlaciones de la gobernanza ambiental ejercida por los
diversos actores institucionales que operan en la frontera norte de Amapá,
particularmente entre 1997 y 2017. Este proyecto de investigación fue aprobado en
Mayo de 2019 y recibe apoyo institucional y financiero de la Coordinación para el
Mejoramiento del Personal de Educación Superior (CAPES).
Palavras-chave: Gobernanza, Entorno estratégico, Amapá.

Introdução

Esse artigo acadêmico é baseado no projeto de pesquisa do autor. Trata-se


de um pré-requisito do processo seletivo para uma bolsa de Pós-Doutorado no
Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ) no âmbito do PNPD/CAPES, realizado em abril de 2019. Esse artigo
apresenta de forma concisa, mas detalhada, as grandes linhas de um projeto mais
aprofundado, visando inserir profissionalmente o candidato no âmbito da UFRJ 1. A
elaboração desse projeto de pesquisa de estágio pós-doutoral representa o desejo e
a motivação do candidato em aprofundar seus conhecimentos nas linhas de
pesquisa “Geografia e Territorialidade” e “Desenvolvimento, Ambiente e Território”
no âmbito da área de concentração Organização e Gestão do Território do Programa
de Pós-Graduação em Geografia (PPGG/UFRJ) uma área de concentração do
PPGG, do qual pretende participar ativamente nos próximos dois anos.

O grupo de pesquisa é referência nacional e internacional na discussão sobre


fronteira, e nas publicações por ele elaborado sobre o tema. A escolha do Programa
de Pós-Graduação em Geografia torna-se evidente, pela característica do conceito
nota 7 aferido pela Coordenação de Avaliação do Pessoal do Ensino Superior
(CAPES) do curso de Geografia da UFRJ. A qualidade do âmbito acadêmico na

1
Gostaria de agradecer a colaboração dos colegas do curso de Relações Internacionais da
Universidade Federal do Amapá (UNIFAP) e da Universidade Federal Fluminense (UFF), que, através
de suas releituras críticas, contribuíram para a elaboração final desse projeto de pesquisa submetida
à banca avaliadora do PPGG. Aproveito também para agradecer a oportunidade para apresentar
esse trabalho no VII Seminário de Estudos Fronteiriços, realizado na Universidade Federal do Mato
Grosso (UFMT), Campus Pantanal, entre 7 e 9 de outubro de 2019 na cidade de Corumbá.

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UFRJ é um critério central na escolha do candidato para realizar seu estágio pós-
doutoral no Grupo de Pesquisa RETIS. Um aspecto fundamental do projeto de
pesquisa diz respeito ao seu caráter pluridisciplinar, verdadeiro marco metodológico,
que procura incentivar um diálogo teórico e prático entre diversas áreas de estudos
que, quando confrontadas com o empirismo de um trabalho de pesquisa de campo,
oferecem resultados de pesquisas promissores e inovadores, como de fato ocorreu
utilizando-se de conceitos da Geografia e da Ciência Política na tese de doutorado
do candidato, intitulada “Transformações do Exército Brasileiro na faixa de fronteira:
a atuação dos pelotões especiais de fronteira no Estado do Acre e no Estado de
Roraima (1990-2015)” (DHENIN, 2017).

Ressalta-se, também, a importância de chamar atenção no conceito de


“Entorno Estratégico” que tem sido adotado pelo governo brasileiro na interpretação
do papel do país na América do Sul. Durante o decorrer do estágio pós-doutoral,
pretendo levar comigo as articulações criadas junto ao Programa de Pós-Graduação
em Desenvolvimento Regional (PPGDR) e do Programa de Pós-Graduação em
Estudos de Fronteiras (PPGEF), ambos da UNIFAP. Portanto, queremos reforçar a
pertinência em definir um conceito ainda em formação, que dialoga naturalmente
com diversas disciplinas das ciências humanas como a Geografia, as Relações
Internacionais e os Estudos Ambientais, entre outros.

Para tal, uma aproximação através de laços de cooperação consolidados com


o Instituto de Estudos Estratégicos (INEST) da Universidade Federal Fluminense, a
Escola Superior de Guerra (ESG) e o Instituto de Relações Internacionais e Defesa
(IRID) da Universidade Federal do Rio de Janeiro faz parte da agenda de pesquisa
do candidato. No âmbito internacional, uma cooperação científica com o
Observatoire Hommes-Milieux (OHM) do Centre National de la Recherche
Scientifique (CNRS), presente na Guiana Francesa, em Oyapock está sendo
elaborada.

Contextualização

O projeto de pesquisa resulta de um esforço para aprofundar os


conhecimentos relativos a dois eixos principais de trabalho. O primeiro visa a realizar
uma avaliação precisa do Entorno Estratégico no Norte do Amapá. Assim, o tema da

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governança ambiental nesse trabalho permite realizar uma análise transversal e


pluridisciplinar da problemática do entorno estratégico setentrional a partir da
experiência amapaense nos últimos vinte anos.

Esse trabalho será desenvolvido na faixa de fronteira amapaense com foco na


sub-região setentrional (SILVA, 2008). Este é um fator muito presente na temática
ambiental, em que os mandatos de instituições ambientais (DE LÖE, 2009)
permitem apenas um controle limitado sobre os atores privados que afetam os
recursos naturais limitados (SANTOS & PORTO, 2013). O segundo eixo ressalta a
importância de que os arranjos institucionais sejam inovadores no sentido de
incentivar e facilitar a ação coletiva – fundamental para o processo de governança
ambiental (OSTROM, 1990).

Objetivos de pesquisa

Ao considerar o Entorno Estratégico brasileiro, procura-se avaliar as


correlações de governança ambiental exercida pelos diversos atores institucionais
que atuam na faixa de fronteira do Norte do Estado do Amapá, particularmente entre
1997 e 2017.

O primeiro objetivo específico visa refletir as construções de governança


ambiental no Estado do Amapá (no município de Oiapoque). O segundo objetivo
específico busca avaliar as construções das governanças ambientais instaladas na
fronteira setentrional amapaense e seus reflexos na no município do Oiapoque.

Justificativa

Esse trabalho encontra sua pertinência por apresentar uma proposta inédita,
entre as abordagens sobre o Entorno Estratégico brasileiro e a governança
ambiental, num contexto amazônico e em particular no caso amapaense. A
presença de manganês em grande quantidade tornou a região do norte amapaense
atraente para o capital internacional. Assim, podemos considerar que essa região
não é periférica, mas parte de um entorno estratégico nacional. O Decreto-Lei
assinado em 13 de setembro de 1946 (Lei n. 9858/46) transformou a região em
reservas estratégicas nacionais. A perspectiva de Superti e Porto (2012) dando

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ênfase à “vivificação” ocorrida na região, reforçando a condição periférico-


estratégica elaborada por Porto (2014). Em 1997, a Lei Estadual de Proteção e
Acesso à Biodiversidade do Amapá foi aprovada pelo então Governador Capiberibe
no Estado do Amapá (AMAPÁ, 1997). Essa lei consolidou um movimento em prol da
gestão ambiental que começou em 1946, com a criação da empresa ICOMI que
obrigou os legisladores em aprofundar a relação entre gestão e setor econômico. A
partir de 1988, o antigo Território Federal passou por mudanças institucionais e
territoriais, que transformou o ambiente legal e complexificou a legibilidade da pasta
de gestão ambiental. Sendo assim, podemos considerar que no Estado do Amapá,
existem 05 agências que assumem um protagonismo no processo de tomada de
decisão: o Incra, a Funai, as Forças Armadas, a Sema e o governo estadual. Uma
das abordagens importantes para realizar essa tarefa é avaliar a presença do capital
internacional no Amapá (Jari, Amcel, ICOMI, Beadell), relativizando a condição
periférica do Estado em relação às demais regiões do país, como podemos observar
no mapa do Mosaico de Áreas Protegidas do Oeste do Pará e do Norte do Amapá
(IEPÉ, 2010).

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799

Podemos incluir regiões consideradas como periféricas ou semiperiféricas do


ponto de vista geográfico, mas, sobretudo, na concepção de prioridades, que
também são consideradas estratégicas quanto à sua função nas dinâmicas
econômicas globais (PORTO, 2014). As empresas hoje são contornadas pelas
Unidades de Conservação, tornando, portanto objeto de interesse estratégico. Não
há restrição do uso dos produtos ali encontrados. Para afinar esse projeto de
pesquisa, procuramos, por exemplo, analisar a região lindeira do Norte do país,
particularmente o Platô das Guianas, o Caribe e no Atlântico Sul (SILVA, 2017).

Esse projeto de pesquisa encontra sua origem a partir de um projeto


concluído em 2017, chamado “Narcotráfico, Militarização e o Entorno Estratégico
brasileiro: lições para o Brasil”. Esse projeto foi liderado por Thiago Rodrigues
(Programa de Pós-Graduação em Estudos Estratégicos da Segurança e da Defesa,
do Instituto de Estudos Estratégicos – INEST/UFF e então orientador do candidato.
O projeto foi aprovado após a chamada CNPq/Pandiá – Programa Álvaro Alberto de
Indução à Pesquisa em Segurança Internacional e Defesa Nacional n. 29/2014
(RODRIGUES, 2015). O candidato teve a oportunidade de assessorar o professor
Rodrigues, a partir de março de 2015, atuando na organização das atividades do
grupo de pesquisa formado.

Revisão bibliográfica inicial

Após apresentar os objetivos e a justificativa do projeto de pesquisa, cabe


nessa segunda parte apresentar a revisão bibliográfica desse projeto de pesquisa de
pós-doutorado. Embasado em Fiori, o conceito foi publicado numa coletânea (FIORI,
2013). Esta obra é a primeira que faz menção ao conceito de Entorno Estratégico
brasileiro, oferecendo as bases para o projeto de “Grande Estratégia do Brasil”
desenvolvido por Amorim posteriormente (2015). Outro trabalho fundamental que
amplia espacialmente o conceito de “Entorno Estratégico” foi produzido na coletânea
publicada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (NASSER & MORAES,
2014).

Nessa obra, o conceito de Entorno Estratégico brasileiro é ampliado para a


América do Sul. O mesmo mostrou o interesse da comunidade acadêmica (civil e
militar) em trabalhar um conceito que pudesse pautar os grandes projetos

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800

estratégicos nacionais supracitados orientados pelo Plano Nacional de Defesa


(BRASIL, 2005a) pela Estratégica Nacional de Defesa (BRASIL, 2008), atualizada
em 2012 e pelo Livro Branco da Defesa Nacional (BRASIL, 2012). Sua singularidade
em termos de alcance e estrutura levou à impossibilidade de encaixá-los nas
categorizações políticas existentes, sendo necessária a criação de uma categoria
própria, o “Entorno Estratégico” que abarque todas as suas especificidades. José
Luís Fiori (2013) apresentou o conceito da seguinte forma:

Nesses documentos, o governo brasileiro propõe uma nova política externa


que integre plenamente suas ações diplomáticas, com suas políticas de
defesa e desenvolvimento econômico e, ao mesmo tempo, propõe um
conceito novo e revolucionário na história brasileira: o conceito de “entorno
estratégico” do país, a região onde o Brasil quer irradiar – preferencialmente
sua influência e sua liderança diplomática, econômica e militar, o que inclui
América do Sul, a África Subsaariana, a Antártida e a Bacia do Atlântico
Sul” (FIORI, 2013, p. 32).
Dialogando com o conceito acima, pretende-se a partir do caso específico do
Amapá, de inserir reflexões sobre a governança ambiental, cujo espaço escolhido de
análise foi a faixa de fronteira amapaense setentrional. Uma contribuição importante
para aproximar o projeto de pesquisa com esse tema é a coletânea organizada por
Moura (2016), publicada pelo IPEA. De fato, a análise inclui: “um balanço dos
resultados da implementação de acordos ambientais multilaterais dos quais o Brasil
é signatário, vis-à-vis os avanços alcançados no processo de governança ambiental
ocorridos no país ao longo das últimas décadas” (MOURA et al, 2016, p. 5), algo que
não é percebido na fronteira entre o Amapá e a Guiana Francesa. No âmbito da
elaboração de um projeto de pesquisa, essa coletânea oferece análises precisas e
dados atualizados para pensar as questões voltadas para a região norte do país,
particularmente analisando o problema da governança ambiental.

Finalmente, vale ressaltar que o candidato foi recentemente convidado para


participar, na condição de colaborador, de um projeto de pesquisa chamado
“Entorno Estratégico Brasileiro: o nexo entre formação de região e diplomacia e
cooperação em defesa”, liderado pela professora Mônica Herz, da Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ). Esse projeto colabora com o
Ministério da Defesa, a partir do edital n. 27/2018 do Pró-Defesa IV (HERZ, 2018). O
convite foi feito pelo coordenador local desse projeto de pesquisa, o professor Paulo
Gustavo Pellegrini Corrêa, docente do curso de Relações Internacionais da
Universidade Federal do Amapá (UNIFAP), ao qual o candidato é vinculado, atuando

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como professor substituto desde setembro de 2017. A possibilidade de realizar o


estágio pós-doutoral na cidade do Rio de Janeiro será um fator importante para
contribuir nesse projeto de pesquisa.

Metodologia de pesquisa

A técnica de pesquisa bibliográfica será adotada através da análise crítica de


publicações nacionais e internacionais como fonte bibliográfica sobre o tema, com o
devido fichamento das mesmas. Por outro lado, a pesquisa documental se faz
necessária para a verificação na medida em que há convergência ou divergência
com o referencial teórico utilizado no estudo. Além disso, pretende-se realizar
entrevistas com funcionários de instituições brasileiras (Governo Federal, Forças
Armadas, Secretaria de Assuntos Estratégicos, etc.) que estejam ou tenham sido
envolvidos nas questões relativas ao Entorno Estratégico, para que sejam fornecidos
dados atualizados e pertinentes.

Será feita uma abordagem abrangente de atos normativos, documentos e


entrevistas, de forma a interligar o contexto histórico e conjuntural às práticas
inseridas no âmbito do Entorno Estratégico e da governança ambiental num contexto
fronteiriço. Logo, procuramos realizar um levantamento bibliográfico atualizado sobre
o conceito do Entorno Estratégico, sem deixar de lado o contexto regional e o papel
dos atores no processo. Além disso, será feita uma breve revisão histórica dos
eventos que levaram à criação do conceito de Entorno Estratégico, de forma a
permitir o enquadramento do objeto de pesquisa em questões conjunturais,
particularmente as dinâmicas territoriais na faixa de fronteira amapaense (BRASIL,
2005b).

A mudança de condição fronteiriça para transfronteiriça se dá por duas


maneiras: a primeira, a própria construção da Ponte Binacional que implica a
transposição de barreiras. A segunda, é a busca por construções de políticas
públicas transfronteiriças. Em 2017, a “inauguração” da Ponte Binacional ainda não
atendeu as expectativas para o processo de integração regional, pois a circulação
ainda possui barreiras de ordem diplomáticas. Nesse contexto, a procura por
ensaios de articulação de governança ambiental são cada vez mais intencionados
(SANTOS e PORTO, 2013).

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O exame dos principais documentos, leis e atos normativos se justifica pelo


fato de que, para o Brasil, com o viés em uma política marcada pela incerteza, o
processo de decisão de política externa ainda incipientes, mas de alto interesse
estratégico para o Estado. Além disso, serão utilizados dados referentes a
investimentos do Brasil na área ambiental tendo como fonte principal o Portal da
Transparência, bem como índices de cooperação técnica na área. Os instrumentos
normativos, administrativos e contratuais do Plano Estratégico de Fronteiras
(BRASIL, 2011) estão disponíveis no site do Governo Federal, do Ministério da
Defesa e em sites correlatos. O levantamento de outros dados que forem
necessários ocorrerá por meio de bancos de dados do Brasil (IBAMA e IBGE, por
exemplo) e do Atlas da Política Brasileira de Defesa (LIMA, 2017).

Considerações finais

Esse artigo teve como objetivo apresentar o projeto de pesquisa de estágio


pós-doutoral realizado pelo autor no Departamento de Geografia da Universidade
Federal do Rio de Janeiro. Durante o período de realização do estágio,
procuraremos apresentar os seguintes produtos de pesquisa:

Referências bibliográficas

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Ministério da Integração Nacional, 2005b.

BRASIL. Estratégia Nacional de Defesa. Brasília: Ministério da Defesa, 2008.

BRASIL. Decreto n. 7.496 de 08 de junho de 2011. Institui o Plano Estratégico de


Fronteiras. Brasília: Imprensa Nacional, 2011.

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(1990-2015). Tese de Doutorado em Ciência Política, apresentada no Programa em
Pós-Graduação em Ciência Política (PPGCP) da Universidade Federal Fluminense,
2017.

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diplomacia e cooperação em defesa”. Edital 27/2018, Programa de Apoio ao Ensino
e à Pesquisa Científica e Tecnológica em Defesa Nacional – PRÓ-DEFESA IV.
Brasília: Ministério da Defesa, 2018.

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Amapá. São Paulo: Instituto de Pesquisa e Formação Indígena, 2010.

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SEGURANÇA E DEFESA NA FRONTEIRA OESTE: O ARCO CENTRAL E AS


AMEAÇAS NAS DÍADES COM BOLÍVIA E PARAGUAI
Seguridad y Defensa en la Frontera Oeste: El Arco Central y las Amenazas en las
Díadas con Bolivia y Paraguay
West Border Security and Defense: The Central Arch and Threats on the Frontier
with Bolivia and Paraguay

Camilo Pereira Carneiro


Lisa Belmiro Camara
Bruna Letícia Marinho Pereira

Resumo: A partir de 2011, as políticas do governo federal do Brasil para as regiões


de fronteira voltaram a priorizar a tradicional preocupação com segurança e defesa.
As iniciativas criadas a partir de então efetivaram operações como a Ágata, voltadas
ao combate da criminalidade nas fronteiras do país. Severamente impactada pela
atuação de organizações criminosas, que promovem ilícitos como tráfico de drogas,
armas e pessoas, além de contrabando e mineração ilegal, a Fronteira Oeste do
Brasil, mais precisamente as díades com Paraguai e Bolívia, refletem um cenário
marcado pela dificuldade de controle e vigilância por parte do Estado brasileiro.
Assim, com enfoque nas políticas públicas para a zona de fronteira, este trabalho
analisa a situação específica da Fronteira Oeste brasileira, na área correspondente
ao Arco Central da faixa de fronteira do país e verifica a eficácia das atuais políticas
de segurança e defesa e seu potencial na transformação da realidade fronteiriça.
Palavras-chave: Fronteira Oeste. Segurança. Defesa. Arco Central.

Abstract: From 2011, the policies of the Brazilian federal government prioritized
again the traditional concern with security and defense of the borders. The initiatives
created thereafter carried out operations such as Ágata, created to combat crime at
the borders of the country. Severely impacted by the activities of criminal
organizations, that promote illicit acts like drug trafficking, arms trafficking and human
trafficking, in addition to smuggling and illegal mining, Brazil's west frontier, more
precisely the borders with Paraguay and Bolivia, reflect a scenario marked by the
great difficulty of control and surveillance by the Brazilian State. Thus, focusing on
public policies for the border zone, this paper aims to analyze the specific situation of
the Brazilian west frontier, in the area corresponding to the Central Arch of the
country's border strip and evaluate the effectiveness of current security and defense
policies and their potential in transforming the border reality.
Key-words: West Frontier. Safety. Defense. Central Arch.


Doutor em Geografia (UFRGS), professor visitante no programa de pós-graduação em Fronteiras e
Direitos Humanos (UFGD). E-mail: pereiracarneiro.camilo@gmail.com

Mestranda no programa de pós-graduação em Fronteiras e Direitos Humanos (UFGD). E-mail:
lisacamara@outlook.com

Mestranda no programa de pós-graduação em Fronteiras e Direitos Humanos (UFGD). E-mail:
brrunaleticia@hotmail.com

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Resúmen: A partir de 2011, las políticas del gobierno federal brasileño para las
fronteras volvieron a priorizar la preocupación tradicional con la seguridad y la
defensa. Las iniciativas creadas posteriormente llevaron a cabo operaciones como
Ágata, creada para combatir el crimen en las fronteras del país. Gravemente
afectado por las actividades de las organizaciones criminales, que promueven actos
ilícitos como el tráfico de drogas, el tráfico de armas y el tráfico de personas, además
del contrabando y la minería ilegal, La frontera oeste de Brasil, más precisamente
las fronteras con Paraguay y Bolivia, reflejan un escenario marcado por la gran
dificultad de control y vigilancia por parte del Estado brasileño. Por lo tanto,
centrándose en las políticas públicas para la zona fronteriza, el presente trabajo
tiene como objetivo analizar la situación específica de la frontera oeste de Brasil, en
el área correspondiente al Arco Central de la franja fronteriza del país y evaluar la
efectividad de las políticas actuales de seguridad y defensa y su potencial para
transformar la realidad fronteriza.
Palabras clave: Frontera Oeste. Seguridad. Defensa. Arco Central.

* Trabalho completo selecionado para publicação na Revista Para Onde? (UFRGS),


no número referente ao primeiro semestre de 2020.
https://seer.ufrgs.br/paraonde

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OS DIREITOS TRABALHISTAS DOS RESIDENTES FRONTEIRIÇOS NO BRASIL


The Labor Rights of Frontier Residents in Brazil
Los Derechos Laborales de los Residentes Fronterizos en Brasil

João Victor Maciel de Almeida Aquino*


Fabiano Diniz de Queiroz Pilate
Mozart Victor Ramos da Silveira

Resumo: No presente trabalho, buscar-se-á abordar os direitos trabalhistas do


estrangeiro que se enquadra na figura jurídica do residente fronteiriço. O residente
fronteiriço, por força da Lei 13.4450/2017, é aquele cidadão de país fronteiriço, que
reside em município limítrofe ao Brasil e aqui exerce certas atividades, das quais se
destacam as laborais. A pesquisa parte do pressuposto de que, se inserindo nos
contextos multifacetados da fronteira, ainda existe uma zona de penumbra quanto
aos direitos e garantias em matérias trabalhistas que lhes são conferidos, não só
pela novidade jurídica da figura, mas também pelo alto número de trabalhadores
fronteiriços que se encontram irregulares. Para tanto, procurou-se por meio de
ampla discussão decorrente do levantamento bibliográfico, legislativo e
jurisprudencial, analisar a maneira como a figura do residente se insere no
ordenamento jurídico brasileiro, cotejando de maneira sistemática a ordem
constitucional e juslaboral.
Palavras-chave: Residente Fronteiriço; Direito do Trabalho; Lei de Migração;
Trabalhador Fronteiriço; Fronteira.

Abstract: In the present work, we will seek to address the labor rights of the
foreigner, which falls within the legal figure of the frontier resident. The frontier
resident, under the law 13.4450/2017, is that citizen of a frontier country, who resides
in a bordering municipality in Brazil and here carries out certain activities of which the
work is highlighted. The research assumes that, if inserting into the multifaceted
contexts of the frontier, there is still a zone of shadows as to the rights and
guarantees in labor matters conferred upon them, not only by the legal novelty of the
figure, but also by the high number of frontier workers who are irregular. To this end,
it was sought through a broad discussion resulting from the bibliographical, legislative
and jurisprudential survey, analyzing the way in which the figure of frontier resident is

* Graduando em Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). E-mail:
joaoaquino.direito@gmail.com.
** Graduado em Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), especialista em
Direito Constitucional pela Universidade Cândido Mendes, especialista em Psicologia Jurídica pelo
Instituto Leonardo da Vinci, mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos da
UFMS. E-mail: diniz.fab@gmail.com.

Graduado em Direito pela Universidade Federal do Pará (UFPA), especialista em Direito Tributário
pela Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal (UNIDERP), mestre
em Planejamento e Desenvolvimento pela UFPA, doutorando em Planejamento do Desenvolvimento,
pela UFPA. E-mail: mozart.silveira@yahoo.com.br.

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part of the Brazilian legal order, comparing systematically the constitutional and
Juslabor.
Key-words: Frontier Resident; Labour Law; Migration Law; Frontier Worker; Border.

Resúmen: En este trabajo se buscará abordar los derechos laborales de los


extranjeros que se encuadram en la figura juridical de residente fronterizo. El
residente fronterizo, en virtud de la ley 13.455/2017, es el ciudadano de país
fronterizo, que reside en município vecino de Brasil y aquí ejerce ciertas actividades,
de las cuales se destacan las laborales. La investigación parte de la suposición que,
se inserta en los contextos polifacéticos de la frontera, todavía hay una zona de
sombras en cuanto a los derechos y garantías en cuestiones laborales que se les
han con conferido, no sólo por la novedad jurídica de la figura, sino también por el
alto número de trabajadores fronterizas que son irregulares, para este fin, se buscó
através de un amplio debate, resultante de la búsqueda bibliográfica, legislativa y
jurisprudencial, analizando la forma en que la figura de residente fronterizo forma
parte del ordenamiento jurídico brasileño, comparando sistemáticamente la orden
constitucional y juslaboral.).
Palabras clave: Residente Fronterizo, Derecho Laboral; Ley de Migración;
Trabajador Fronterizo; Frontera.

Introdução
A Lei 13.445 de 2017 reformou a forma jurídica de inserção do migrante no
território brasileiro. Em que pese faticamente os problemas sejam os mesmos, a
novel legislação logrou êxito ao estabelecer que, guardada as devidas proporções,
os imigrantes possuem os mesmos direitos e garantias dos cidadãos naturais do
país onde se inserem, não havendo guarida nas normas internas ou internacionais
que consubstanciem entendimento em sentido contrário.
Partindo desse pressuposto, buscando resguardar os direitos dos indivíduos
de países fronteiriços, mais especificamente em municípios limítrofes, e que
desenvolvem atividades entre o Brasil e o seu país de origem, a Lei de Migração
criou a figura do residente fronteiriço. O residente fronteiriço é aquele que, embora
possua residência habitual no país vizinho, circula livremente pela linha tênue que
são as fronteiras politicamente estabelecidas.
Destaca-se que parte considerável desse contingente de residentes
fronteiriços é de trabalhadores que, no movimento migratório pendular, circundam
entre esses municípios, para o desenvolvimento e atividades laborais, seja de forma
autônoma ou subordinada ao empregador em uma relação de trabalho, seja ela
legalmente registrada ou não.

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Salienta-se que a Lei de Migração ao prever o residente fronteiriço repete


uma facilidade que já era prevista no Estatuto do Estrangeiro, mais especificamente
em seu art. 21, bem como em outros tratados bilaterais. No entanto, a figura deste
na nova legislação se insere em termos inéditos e sob um contexto sistemático do
Direito consideravelmente diferente, sendo a previsão calcada em bases jurídicas
diversas do que feito anteriormente.
Assim, importante, o objetivo do trabalho é o de abordar as possíveis
alterações que decorrem do marco legal proporcionado pela Lei 13.445/2017 nas
relações de trabalho dos residentes fronteiriços. Questionando-se quais garantias e
direitos lhe são conferidas em matéria de Direito do Trabalho, sendo que tais direitos
aqui devem ser compreendidos como aqueles previstos não só na legislação
trabalhista brasileira, mas também nas normas internacionais de proteção ao
trabalho e a figura do trabalhador.
A pesquisa foi realizada de maneira exploratória, procurando, em uma esfera
eminentemente legal, avaliar, por meio de ampla discussão decorrente do
levantamento bibliográfico, legislativo e jurisprudencial, quais direitos e garantias
trabalhistas possuem os trabalhadores que se identificam como residentes
fronteiriços.
Para o levantamento de material bibliográfico utilizou-se do software de
pesquisa científica Publish or Perish, com a utilização das palavras chave
“Trabalho”, “Fronteira”, “Residente Fronteiriço” e “Direito do Trabalho”. Além disso,
no que tange a coleta de jurisprudência, preteriu-se aquelas produzidas pelos
tribunais cuja competência cinge-se ao Direito do Trabalho, como o Tribunal
Superior do Trabalho (TST) e os Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs),
procurando utilizar-se desta como forma de ilustrar os pontos concluídos pela
pesquisa e estabelecer alguns padrões de entendimento que o Poder Judiciário tem
adotado no Brasil.
Por sua vez, o processamento dos dados e informações foi feito em utilização
dos métodos científicos indutivo e dedutivo.

As relações de trabalho na fronteira: o limiar entre a informalidade e a


exploração
A fronteira é um espaço que guarda características diversas, e bem
específicas, do restante da massa territorial de um país, sendo que as relações que

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ali se desenvolvem divergem sobremaneira das que são realizadas conforme se


percorre um caminho em sentido ao interior do país. No caso do Brasil não é
diferente.
Como bem aponta Oliveira (2015 apud Newman, 2006).

O meio geográfico fronteiriço, repleto de fluidez e porosidade, tem se


posicionado como verdadeiras zonas de contato entre povos e, assim
sendo, não pode ser abrangido apenas como simples ferramenta de
delimitação e demarcação, senão ao contrário, como nódulos de inclusão e
exclusão, como aborda Newman (2006, p 148) a partir das categorias
“frontera como processo” e “frontera como institución”.

Vê-se que nas zonas de contato entre os países são diversas as análises que
podem ser feitas, já que o espaço onde se desenvolve concentra uma série de
relações que se instauram em variados níveis, quer seja entre Estados, particulares
e inclusive em relações indivíduo-Estado.
O lance é que a rapidez dos acontecimentos, promovidos em especial pelo
frenesi das transações comerciais do período atual, conforma profundas
transformações sociais, econômicas e territoriais em todos os lugares. Mas
na fronteira, os acontecimentos se sucedem em um ambiente com
coerência espacial e lógica própria, admissível à condição multiforme do
território, obrigando a se revisarem as chaves interpretativas aplicadas a
outros lugares. (OLIVEIRA, 2015).

Em campo do trabalho a situação não se difere e acompanha a mesma


especificidade no que diz respeito as lógica pela qual se institui. Nas fronteiras o
trabalho se insere como mais um fator de constante transformação e volatilidade.
Em que pese as decisões e a sustentação do Estado sejam tomadas no
centro dos Estados, onde converge todo o poder político e econômico, subestima-se
a capacidade daquilo que se desenvolve na fronteira que se demonstra como um
dos diversos motores de desenvolvimento econômico, político e social. Isto se nota
pelos processos de expansão do capital nas regiões anteriormente pouco
exploradas e isso se apercebe por diversas situações, tais como a expansão da
fronteira agrícola e do mercado consumidor, a pulverização e expansão de parques
industriais e a latente ausência de regulação ambiental e trabalhista. (CARDIN,
2018).
Importa destacar o que Santos e Farina lecionam (2018):
Para compreender melhor o universo do trabalhador fronteiriço, é relevante
vislumbrar a região de fronteira como um local onde as populações
compartilham o mesmo ambiente de ambos os lados da fronteira, eis que
possuem necessidades mútuas, comuns e criam um universo próprio em
busca de soluções, acarretando natural circulação de pessoas e serviços.

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Nada mais lógico do que terem tratamento jurídico que reconheça essa
realidade diferenciada das outras regiões dos países vizinhos
Nesse sentido, percebe-se que as indagações quanto ao problema da
pesquisa não são puramente por ser a legislação migratória recente, mas sim
porque a organização do labor na fronteira é desenvolvido em termos específicos.
No aspecto do Direito do Trabalho, na fronteira existe um limiar muito
complexo de ser abordado naquilo que tange a relação de trabalho, sendo difícil
identificar se o labor exercido se identifica como irregular ou apenas está sendo
exercida a liberdade laboral do indivíduo.
A ausência de clareza legislativa e governamental muitas vezes abre espaço
para que o fronteiriço seja colocado em uma situação de fragilidade, sendo,
portanto, uma possível vítima de exploração.
Em aspectos sociais, lato sensu, existe um processo de exclusão muito
grande na região e esta reflete o isolamento de determinados indivíduos ou grupos,
sendo um claro exemplo o residente fronteiriço.
A situação marginal em que vivem simboliza não apenas o limite geográfico
da faixa de fronteira, mas também a invisibilidade perante a atuação estatal,
dada a relevância predominante dos grandes centros, da preferência
cosmopolita do Estado. “A separação espacial que produz um confinamento
forçado tem sido ao longo dos séculos uma forma quase visceral e instintiva
de reagir a toda diferença e particularmente à diferença que não podia ser
acomodada nem se desejava acomodar [...]”, (CORDAZZO; PREUSSLER,
2018 apud Bauman, 1999).
Outrossim, ao considerarmos tal tema é necessário que se parta de um
postulado, qual seja: o trabalho é um fator de relevância nas relações humanas e
sociais, sendo fruto destas e, por conseguinte, fica constantemente sujeito a
alterações em seu desenvolvimento, mormente se alteram as percepções existentes
na organização social.
O trabalhador fronteiriço, assim como os demais, está sujeito as
transformações que ocorrem no mundo, isto porque os fatores políticos e
econômicos alteram sobremaneira a forma como este desenvolve suas atividades e
se movimenta no território. A afetação desses trabalhadores é cada vez mais
profunda e desequilibrada, já que em razão da globalização, os fatores que
influenciam o modus operandi da fronteira restam incertos e podem se alterar em
qualquer momento.
Ocorre, no entanto, que em relação aos trabalhadores do restante do país, o
fronteiriço este se encontra numa situação menos privilegiada, restando alheio as
decisões de seu futuro como força de trabalho e ser humano. A sua localização

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geográfica, considerada no jogo das forças políticas e econômicas como menos


privilegiada, é distante na maioria das vezes da vida cosmopolita, o que resulta em
sua exclusão, tolhendo sua participação como agente político tanto do Brasil quanto
do seu país de origem, tornando-o invisível aos olhos do Estado.

Definição legal de Residente Fronteiriço


Em 2017, com a vigência da Lei 13.445/2017, juridicamente criou-se uma
categorização dos estrangeiros que, de forma temporária ou permanente, ingressem
no território brasileiro. A divisão dos estrangeiros já existia anteriormente e a
legislação foi responsável por positivar e estabelecer os critérios para a realização
dessa segmentação.
Uma das figuras afirmadas pela Lei de Migração é a do residente fronteiriço.
Diz-se confirmada em razão da já previsibilidade anterior em lei de categoria jurídica
próxima, já que a lei dava benefícios aos migrantes de países limítrofes. O Estatuto
do Estrangeiro dispunha que os nacionais de países fronteiriços poderiam, mediante
documento autorizador, desenvolver atividade laboral ou educacional em território
brasileiro. No entanto, conforme se verá posteriormente, como todo o sistema legal
que dispunha sobre o estrangeiro, a figura existente era bem restrita, portanto, trata-
se de nova forma inserida no direito.
A Lei de Migração, dessa forma, foi responsável por, guardada as devidas
proporções, criar e ampliar as possibilidades de desenvolvimento de atividades da
vida civil em território brasileiro pelos migrantes.
De acordo com o referido dispositivo legal, residente fronteiriço é “pessoa
nacional de país limítrofe ou apátrida que conserva a sua residência habitual em
município fronteiriço de país vizinho”. (BRASIL, 2017).
A despeito das demais classificações trazidas pela Lei, imigrante, emigrante,
visitante, apátrida, refugiado, urge a necessidade de abordar a figura jurídica do
residente fronteiriço, já que, reitera-se, trata-se de uma inovação jurídica.
Por fim, importante destacar que a Lei de Migração propõe uma
ressignificação da inserção das modalidades de migrações, o que faz com que todas
as formas previstas, sejam interpretadas sob a luz dos princípios previstos como
orientadores da política migratória, dispostos no art. 3º da Lei 13.445/2017, e os

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direitos estabelecidos na legislação ao migrante, quais sejam os previstos no art. 4º


do mesmo dispositivo.
Em matéria de trabalho, são de suma importância alguns desses princípios e
garantias, a saber:
Art. 3º A política migratória brasileira rege-se pelos seguintes princípios e
diretrizes:
I - universalidade, indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos;
IV - não discriminação em razão dos critérios ou dos procedimentos pelos
quais a pessoa foi admitida em território nacional;
V - promoção de entrada regular e de regularização documental;
IX - igualdade de tratamento e de oportunidade ao migrante e a seus
familiares;
X - inclusão social, laboral e produtiva do migrante por meio de políticas
públicas; (grifo nosso).
XI - acesso igualitário e livre do migrante a serviços, programas e benefícios
sociais, bens públicos, educação, assistência jurídica integral pública,
trabalho, moradia, serviço bancário e seguridade social;
XII - promoção e difusão de direitos, liberdades, garantias e obrigações do
migrante;
XIV - fortalecimento da integração econômica, política, social e cultural dos
povos da América Latina, mediante constituição de espaços de cidadania e
de livre circulação de pessoas; (grifo nosso).
XXI - promoção do reconhecimento acadêmico e do exercício profissional
no Brasil, nos termos da lei; (BRASIL, 2017).
A partir da entrada em vigor da Lei de Migração, os residentes fronteiriços
passaram a ter direito a praticar todos os atos da vida civil que um brasileiro que
atingiu a maioridade pode praticar dentro do território nacional. Respeitando-se os
limites territoriais do município brasileiro fronteiriço, isto porque a Lei estabelece que
essas garantias dadas aos residentes fronteiriços se limitam a determinada
abrangência territorial a ser especificada no documento emitido ao residente
fronteiriço. (LACERDA; MARCHINI NETO; LUDWIG, 2019).
Em matéria de trabalho, vê-se que a novel legislação não basta para se
compreender quais são os direitos garantidos aos trabalhadores em situação de
residentes fronteiriços. Portanto, é preciso se voltar aos instrumentos internacionais
celebrados entre o Brasil e os Estados fronteiriços para se compreender de melhor
forma o que se investiga.
Salienta-se precipuamente, que a Lei de Migração parte de uma premissa que
se coaduna a instrumentos normativos internacionais, como a Declaração
Sociolaboral do MERCOSUL de 2015, e aos acordos bilaterais que foram
celebrados entre o Brasil e os países fronteiriços em que existem municípios
limítrofes com alto índice de circulação de pessoas para diversos fins, inclusive o do
trabalho.

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Para se entender a relação de município limítrofe, cabe utilizar-se como


exemplo do caso do município de Corumbá, no Estado de Mato Grosso do Sul, que
possui uma relação geográfica muito próxima aos municípios bolivianos de Puerto
Quijarro e Puerto Suarez. Devido a proximidade, poucos minutos de carro ou de
ônibus, e a livre circulação de pessoas, insere-se no previsto em legislação para fins
de residente fronteiriço.
No caso em tela, em 2004 foi celebrado o Acordo entre o Governo da
República Federativa do Brasil e o Governo da República da Bolívia para Permissão
de Residência, Estudo e Trabalho a Nacionais Fronteiriços Brasileiros e Bolivianos,
posteriormente promulgado pelo Decreto 6.737/2009. Este acordo, por exemplo,
garantia ao residente fronteiriço o “exercício de trabalho, ofício ou profissão, com as
conseqüentes obrigações e direitos previdenciários deles decorrentes” (BRASIL,
2009).
Outro caso que é importante citar se refere à Argentina. Em 2005 foi
celebrado entre os Estados o denominado Acordo sobre Localidades Fronteiriças
Vinculadas, posteriormente promulgado em 2016. Este, por exemplo, previa a
emissão de um documento específico para o residente dos municípios fronteiriços
dos dois países, a Carteira de Trânsito Vicinal Fronteiriço.
No que diz respeito a direitos trabalhistas, o art. 3º, inciso I, alínea “a”
dispunha que os titulares da Carteira de Trânsito Vicinal Fronteiriço dispunham de
liberdade para:
a) Exercício de trabalho, ofício ou profissão de acordo com as leis
destinadas aos nacionais da Parte onde é desenvolvida a atividade,
inclusive no que se refere aos requisitos de formação e exercício
profissional, gozando de iguais direitos trabalhistas e previdenciários e
cumprindo as mesmas obrigações trabalhistas, previdenciárias e tributárias
que delas emanam. (BRASIL, 2016)
Percebe-se que em matéria de direitos trabalhistas, a Lei de Migração não é
suficiente. Para que se compreendam quais são os direitos e garantias que são
titulados aos residentes fronteiriços, necessária é a avaliação desses acordos
bilaterais, visto que são esses os responsáveis por prevê-los. Isto, porque são
diversas as variáveis e regramentos que influenciam a regulamentação desses
trabalhadores. Cita-se, por exemplo, o princípio da reciprocidade que demanda a
existência de necessidade e utilidade por parte dos Estados de promoverem esses
acordos.

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Importante destacar que ai já reside uma das controvérsias quanto ao


trabalho do residente. No caso da Argentina e da Bolívia, a promulgação dos
tratados bilaterais a respeito dos residentes fronteiriços foram celebrados em 2005 e
2004, respectivamente, mas só promulgados muitos anos depois. No primeiro caso,
o acordo entre Argentina e Brasil foi inserido no ordenamento jurídico brasileiro onze
anos após sua celebração. Já no que diz respeito ao acordo com a Bolívia, este só
veio a ser promulgado cinco anos depois, em 2009. Questiona-se como fica a
situação dos trabalhadores que durante o tempo da vacatio legis (período entre a
celebração e a promulgação do acordo). Quais as garantias que esses
trabalhadores terão? Em caso de irregularidades trabalhistas, poderão estes recorrer
a justiça para terem reconhecidos os seus direitos? Além disso, em caso de
ausência de acordo, quais as proteções dadas a esses trabalhadores?
São muitas as indagações, cuja resposta pode ser encontrada por meio de
uma análise sistemática do ordenamento jurídico brasileiro em consonância com os
instrumentos internacionais de proteção dos Direitos Humanos, em especial os de
ordem Social.

O que se compreende como direitos dos trabalhadores?


Em linhas gerais, os direitos e garantias dos trabalhadores se encontram
dispersos por todo o ordenamento jurídico brasileiro e se encontram cristalizados por
meio dos direitos positivados, como aqueles previstos na Constituição Federal, na
Consolidação das Leis do Trabalho e nas diversas legislações infraconstitucionais
responsáveis por regularem aspectos do exercício do labor, bem como por meio dos
princípios, que se identificam como os valores fundantes da tutela do trabalho e que,
exercendo suas funções integrativas e interpretativas, aprimoram o sistema de
proteção do trabalho.
Nesse sentido, art. 7º da Constituição Federal é expresso ao trazer os direitos
dos quais são titulares os trabalhadores em território brasileiro, quer sejam rurais ou
urbanos.
Compreende-se que essas garantias são oponíveis a todo e qualquer
trabalhador, seja ele brasileiro nato, naturalizado, estrangeiro e, no caso em análise,
residente fronteiriço. A posição que aqui se destaca é coadunada por outras
disposições encontradas na própria Constituição Federal, bem como nas normas
internacionais das quais o Brasil é signatário.

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Constitucionalmente, existe a previsão no art. 5º de que “todos são iguais


perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e
aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade”. (BRASIL, 1988). Assim, o tratamento dado
a natural e estrangeiro deve ser isonômico e, portanto, todos os direitos garantidos
pela Constituição para fins de proteção do trabalho são extensíveis aos
trabalhadores em condições de residente fronteiriço.
Ainda, em uma análise do disposto no art. 7º, percebe-se que não foi feita
nenhuma distinção, limitando-se a Carta Magna a dispor que “são direitos dos
trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que vierem a melhorar sua condição
social”. (BRASIL, 1988).
A respeito disso, aduz Maurício Godinho Delgado (2017):
O parâmetro antidiscriminatório da nacionalidade, como se sabe, foi lançado
pela Constituição de 1946 e suprimido pelos diplomas constitucionais do
período militar. Esse parâmetro, contudo, retornaria ao Texto Magno em
1988. De fato, a atual Constituição da República estabeleceu, em seu art.
5º, caput, que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no
País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes...” (grifos acrescidos).
Parece algo incontroverso, no entanto, não o é. Muito graças ao Estatuto do
Estrangeiro, era comum que na aplicação de normas trabalhistas, mesmo após a
Constituição Federal de 1988, se fizessem distinções entre trabalhadores brasileiros
e estrangeiros na aplicação e tutela de direitos.
Outrossim, salienta-se que os direitos trabalhistas garantidos no ordenamento
jurídico brasileiro são expressão dos Direitos Humanos garantidos a qualquer
indivíduo, não havendo, portanto, critérios válidos para que, ao menos em nível de
proteção básica, haja diferenciações.
Nessa testilha é o que estabelece a Convenção n.º 97 da OIT que dispõe
sobre o trabalho dos imigrantes, tendo sido ratificada pelo Brasil em 1965. Em seu
art. 6º, dispõe o seguinte:
Art. 6 — 1. Todo Membro para o qual se ache em vigor a presente
convenção se obriga a aplicar aos imigrantes que se encontrem legalmente
em seu território, sem discriminação de nacionalidade, raça, religião ou
sexo, um tratamento que não seja inferior ao aplicado a seus próprios
nacionais com relação aos seguintes assuntos:
a) sempre que estes pontos estejam regulamentados pela legislação ou
dependem de autoridades administrativas:
I) a remuneração, compreendidos os abonos familiares quando estes
fizerem parte da mesma, a duração de trabalho, as horas extraordinárias,
férias remuneradas, restrições do trabalho a domicílio, idade de admissão

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no emprego, aprendizagem e formação profissional, trabalho das mulheres


e dos menores;
[...]
b) a seguridade social (isto é, as disposições legais relativas aos acidentes
de trabalho, enfermidades profissionais, maternidade, doença, velhice e
morte, desemprego, e encargos de família, assim como a qualquer outro
risco que, de acordo com a legislação nacional esteja coberto por um
regime de seguridade social), sob reserva:
I) de acordos adequados visando à manutenção dos direitos adquiridos e
dos direitos em curso de aquisição. (OIT, 1949).
Dessa forma, por meio de uma análise sistemática, conclui-se que no caso
dos trabalhadores residentes fronteiriços, lhes são garantidos todos os direitos e
garantias estabelecidos aos nacionais. É mister destacar que a ausência de previsão
legal por meio de normas reguladoras dos residentes fronteiriços, como no caso da
Lei 13.445/2017, ou mesmo de acordos bilaterais não obstam a observância desses
direitos.
Importante também apontar que os direitos desses trabalhadores não
resumem aos direitos trabalhistas propriamente ditos, mas também abrangem os
direitos de seguridade social, havendo possibilidade do percebimento de benefícios
previdenciários e de assistência social.
No que tange a benefícios de assistência social, o Supremo Tribunal Federal
já decidiu, no julgamento do Recurso Especial (REsp) n.º 587.970, que a condição
de estrangeiro não impede que o indivíduo, por exemplo, seja beneficiado por
benefícios assistenciais previstos constitucionalmente. In casu, a corte estabeleceu
o precedente em atenção à negativa de concessão do Benefício de Prestação
Continuada (BPC), pago pelo Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) a
idosos acima de 65 anos em estado de miserabilidade na forma do art. 203, V da
CF.
À ocasião do julgamento o STF baseou a sua decisão de igual forma no art.
5º, que institui o tratamento isonômico entre nacionais e estrangeiros.
A discussão e o debate desses pontos se demonstram cada vez mais
necessários, visto que a situação dos trabalhadores fronteiriços é marcada de
irregularidades e descumprimentos dos direitos que em tese seria titulares.
Barboza (2018) ao estudar o trabalho dos fronteiriços uruguaios em Sant’Ana
do Livramento, RS, aponta nesse sentido que:
Aos poucos os relatos dos atores, de diferentes seguimentos, vão
evidenciando que as principais demandas e problemas dizem respeito a
perda de direitos e de proteção social decorrentes do trabalho irregular, ou
seja, do trabalho exercido sem a anotação na carteira de trabalho ou sem o
devido registro migratório no país. As reclamações mais comuns referemse

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a perda de direitos como: hora extra; piso da categoria; tempo de serviço,


por falta de recolhimento ao INSS; auxílio doença ou acidente, no caso de
enfermidade ou acidente de trabalho; fundo de garantia, por falta de
recolhimento ao FGTS; 13º salário; férias; e seguro desemprego, no caso
de demissão sem justa causa. Conforme relatos de algumas entidades
sindicais, esses trabalhadores geralmente buscam as entidades para pedir
informações e reclamar sobre direitos trabalhistas negados. Direitos
percebidos, conforme um dos relatos, a partir da diferenciação de condições
em relação às dos brasileiros.
Em que pese se encontrem legalmente protegidos, os trabalhadores
fronteiriços ainda se encontram profundamente desassistidos, havendo ausência
total do Estado no estabelecimento de políticas públicas ou medidas administrativas
para garantir a observância dos direitos dessa classe de trabalhadores. Trata-se
inclusive de uma atitude comissiva, já que o Estado possui plena noção de que
esses trabalhadores existem e se inserem na cadeia econômica das regiões
fronteiriças.
Dentre os pontos controversos que merecem ser discutidos, elenca-se como
imprescindível aquilo concerne ao critério estabelecido para a consideração ou não
da validade do contrato do trabalhador fronteiriço. Conforme especificado pela Lei
13.445/2017, o residente fronteiriço precisa de documentação autorizadora para que
exerça os atos da vida civil no território brasileiro, havendo necessidade disso para
que desenvolva as suas atividades, requisito esse que era também exigido pelo
Estatuto do Estrangeiro. No entanto, como bem apontado por Barboza (2018), parte
considerável desses trabalhadores é irregular.
Partindo-se do entendimento adotado pelo STF quando do julgamento do
REsp 587.970, a legalidade do estrangeiro é um critério que tem que ser levado em
consideração, mormente a já afirmada categorização dos estrangeiros para fins
jurídicos.
Porquanto, necessário que ao considerarmos o trabalho dos fronteiriços se
compreenda que esses se subdividem em dois tipos, quais sejam os residentes
fronteiriços, regularizados e na forma da Lei 13.445/2017 ou dos acordos bilaterais,
e os fronteiriços irregulares, que se utilizam da liberdade de circulação e laboram no
Brasil, seja de forma autônoma ou subordinada.
No caso do trabalho dos bolivianos na fronteira Brasil-Bolívia, mais
especificamente em Corumbá, fica claro os termos em que se desenvolve o labor
fronteiriço. Conforme aponta Costa (2011 apud DIAS; COSTA, 2011), uma das
principais motivações dos bolivianos de se dirigirem para o município é a expectativa
da melhora na qualidade de vida, social e economicamente. Além da ligação afetiva

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com parentes que já vivem na cidade, a desnecessidade de qualificação profissional


é um dos fatores mais preponderantes nos migrantes bolivianos. Ademais, no que
diz respeito ao exercício laboral, restou evidente que os bolivianos aceitam qualquer
tipo de labor ou ofício, mesmo sem possuir conhecimento para a sua realização.
Nessa testilha, cabe também fazer menção ao relatado por Barbosa (2018):
Perguntados sobre as possíveis causas da não demanda, tendo em vista os
diversos relatos sobre a existência de trabalho irregular no município, é
mencionado por um dos entrevistados que possivelmente não denunciem
porque estão irregulares no país. Outro entrevistado destaca que a questão
da ilegalidade pode estar sendo utilizada para constranger esses
trabalhadores pelo medo, com a finalidade de que não busquem os entes
públicos para requererem os seus direitos.
A situação de migrante irregular impõe ao trabalhador fronteiriço uma série de
dificuldades, que obstam, dentre outras coisas, reconhecimento de direitos
trabalhistas.
É o que se extrai desse julgado do ano de 1997 do Tribunal Regional do
Trabalho da 24ª Região, que declarou como nulo o contrato de trabalho do
fronteiriço irregular, veja-se:
TRABALHADOR FRONTEIRIÇO - REQUISITO - NULIDADE DO
CONTRATO. É lícita a contratação de trabalhador natural de país limítrofe,
domiciliado em cidade contígua ao território brasileiro, desde que possua,
nos termos do art. 21, § 1º, da Lei nº 6.815/80, documento especial,
expedido pelas autoridades brasileiras, que o identifique e comprove a sua
condição de fronteiriço. Desatendido esse requisito legal, é absolutamente
nulo o contrato celebrado. (BRASIL, 1997. Tribunal Regional do Trabalho da
24ª Região. Recurso Ordinário n. 00007170119965240777, Relator: Márcio
Eurico Vitral Amaro, TRIBUNAL PLENO, Data de Publicação: 20/01/1997).

Assim, declarada a nulidade do contrato, quais são as garantias dadas ao


fronteiriço?
É cediço no direito que, em sendo nulo o contrato, as partes retornam ao
status quo ante da celebração do negócio jurídico. De acordo com Gonçalves
(2012): “a nulidade absoluta decorre de ausência de elemento essencial do ato, com
a transgressão a preceito de ordem pública, impedindo que o contrato produza
efeitos desde a sua formação (ex tunc)”.
Nesse sentido, a jurisprudência trabalhista tem adotado o entendimento que
embora seja nulo, não há óbice ao reconhecimento de parcela de direitos caso
venha a se considerar a existência de vínculo empregatício do trabalhador
fronteiriço. In verbis:
VÍNCULO EMPREGATÍCIO. ESTRANGEIRO NÃO REGISTRADO.
IRREGULARIDADE ADMINIS-TRATIVA. TRABALHO PROIBIDO.
PROTEÇÃO TRABALHISTA DEVIDA. O exercício de atividade remunerada
no país é vedado para estrangeiros não devidamente registrados (arts. 359

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da CLT e 4º, 5º, 15, 30, 48, 97 e seguintes da Lei nº 6.815/80 - Estatuto do
Estrangeiro). Trata-se de típico trabalho proibido, circunstância que não
pode obstar a inerente proteção dos Direitos Sociais Trabalhistas, aplicáveis
independentemente da nacionalidade ou regularidade imigratória do
indivíduo (arts. 1º, III, 3º, IV, 6º e 7º da Carta da Republica), conforme
assentado em diversas normas internacionais aderidas pelo Brasil, tais
como a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), o Pacto
Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1966) e a Convenção
Americana sobre Direitos Humanos (Pacto São José da Costa Rica - 1969).
O Acordo sobre Residência para Nacionais dos Estados Partes do
MERCOSUL (2002) é expresso em prescrever que "As partes
estabelecerão mecanismos de cooperação permanentes tendentes a
impedir o emprego ilegal dos imigrantes no território da outra, (...) [os quais]
não afetarão os direitos que correspondam aos trabalhadores imigrantes,
como consequência dos trabalhos realizados nestas condições" (art. 10,
caput e b). Precedentes do C. TST. Reconhece-se, incidentalmente, o
vínculo empregatício apenas para fins de proteção trabalhista, sem efeitos
previdenciários, mesmo porque o estrangeiro irregular não detém identidade
nacional válida e, muito menos, CTPS. (BRASIL, Tribunal Regional do
Trabalho da 2ª Região - RO: 1553620115020 SP 20130015834, Relator:
José Ruffolo, Data de Julgamento: 07/05/2013, 5ª TURMA, Data de
Publicação: 16/05/2013).

"Vínculo de emprego. Trabalhador estrangeiro em situação irregular.


Inexistência de óbice ao reconhecimento. A condição de estrangeiro em
situação irregular, cidadão de origem paraguaia, não constitui óbice ao
reconhecimento da relação de emprego. Entendimento diverso apenas
favorece o empregador que valendo-se da propagada
irregularidade,emprega força de trabalho a custo inferior, em detrimento do
trabalhador brasileiro, preterido em face da contratação de mão-de-obra
barata e informal, em desprestígio à dignidade da pessoa humana, ao valor
social do trabalho,e à igualdade de direitos entre os brasileiros e os
estrangeiros residentes no país (Constituição Federal, art. 1º,III e IV, e art.
5º, caput, bem como ao art. 3º, do Protocolo de Cooperação e Assistência
Jurisdicional em Matéria Civil, Comercial, Trabalhista e Administrativa,
assinado em Las Lenãs, em 27/06/92, e promulgado pelo Decreto nº
2.067/96)". (BRASIL, Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região -
RECORD: 2014200607002001 SP 02014-2006-070-02-00-1, Relator: Rosa
Maria Zuccaro, Data de Julgamento: 29/07/2009, 2ª TURMA, Data de
Publicação: 18/08/2009).
De igual forma seria a resposta ao questionado no item anterior, quanto à
proteção dos trabalhadores que desenvolveram atividade durante o tempo entre a
celebração do acordo bilateral e a sua promulgação. Deve-se sempre, em atenção
aos princípios constitucionais e aos direitos humanos, proteger o trabalhador e
tutelar de maneira mais eficaz os seus direitos.
Ressalta-se que o que se defende não é a extensão de todos direitos e
garantias aos fronteiriços irregulares, mas sim a garantia de que estes tenham em
momento oportuno os seus direitos trabalhistas tutelas e resguardados, juntamente
ao desenvolvimento de políticas públicas em diversos níveis que fomente a
regularização desses trabalhadores, alçando-os à qualidade de residente fronteiriço.

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Como bem estabelece a primeira jurisprudência citada, o país deve adotar


medidas necessárias em busca da diminuição da imigração ilegal, no entanto, não
deve se furtar de reconhecer os bens jurídicos tutelados, no caso dos fronteiriços
irregulares, a proteção ao trabalho e a dignidade da pessoa humana.

Conclusão
A Constituição Federal de 1988 é bem clara ao estabelecer que um dos
princípios fundantes do Estado Democrático de Direito brasileiro é a dignidade da
pessoa humana, sendo a pedra de torque para ações de todos os poderes e
instâncias. Procurando atender as necessidades de muitos estrangeiros, frente a
irregularidade e a natureza do Estatuto do Estrangeiro, promulgou-se a Lei
13.445/2017 que criou a figura do residente fronteiriço.
Trata-se de grande avanço na medida em que garante a esses indivíduos,
vítimas de exclusão a garantia a direitos mínimos e já lhe dirigidos há muito, mas
negligenciados pelo Estado brasileiro.
Embora seja exitosa, a Lei da Migração por si só não é suficiente, persistindo
a zona de penumbra e incertezas que marca os fronteiriços, em especial os
trabalhadores. Por mais que, como visto, seja possível, por meio de uma
interpretação sistemática, dotar os trabalhadores fronteiriços de todos os direitos de
igual forma aos nacionais, não é a melhor resposta à problemática, visto que
persiste a situação de invisibilidade e a condição de fragilidade.

Referências

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Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República da Bolívia
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824

USUÁRIOS E TRAFICANTES DE DROGAS: UMA ANÁLISE DOS PROCESSOS


JUDICIAIS POR DELITOS DE DROGAS NAS COMARCAS DA FRONTEIRA
BRASILEIRA COM O URUGUAI
Drug Users And Drug Traffickers: An Analysis On The Criminal Drug Offence Cases
On The Brazilian Courts Along The Uruguayan Border
Usuários Y Traficantes De Drogas: Un Análisis De Los Procesos Judiciales En
Delitos De Drogas En Las Cortes Brasileñas En La Frontera Con Uruguay

Alexandre dos Santos Cunha


Olívia Alves Gomes Pessoa

Resumo: No contexto da adoção de uma nova política nacional de drogas pelo


Uruguai, o presente trabalho visa analisar os processos judiciais por uso e tráfico de
drogas no lado brasileiro da fronteira entre os dois países, de modo a compreender
as dinâmicas de uso, tráfico e repressão aos mercados de drogas, bem como
possíveis impactos que a nova política possa vir a ter.
Palavras-chave: Política nacional de drogas, processos judiciais, tráfico de drogas.

Abstract: During the period on which Uruguay was adopting a new national drug
policy, this work aimed at analyzing the criminal drug offence cases that were upheld
on the Brazilian judicial docket of the criminal courts that have jurisdiction over the
Brazilian side of the border, to understand the dynamics of usage, trafficking and
repression of the drug markets, as well as the possible impacts that the new policy
may produce.
Key words: national drug policy, criminal cases, criminal drug.

Resúmen: En el contexto de la adopción de una nueva política nacional de drogas


en Uruguay, el texto tiene por objetivo analizar los procesos judiciales por uso y
tráfico de drogas en el lado brasileño de la frontera entre los dos países, para
comprender las dinámicas de uso, tráfico y represión a los mercados de drogas,
asimismo que los posibles impactos que la nueva política podrá producir.
Palabras-clave: política nacional de drogas, procesos judiciales, tráfico de drogas.

Introdução

Graduado em Direito, mestre em Direito Civil, doutor em Fundamentos da Experiência Jurídica.
Técnico de Planejamento e Pesquisa no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Pesquisador do
International Policy Centre for Inclusive Growth e Professor do Programa de Pós-Graduação em
Direito da Universidade Positivo. E-mail: alexandre.cunha@ipea.gov.br.

Graduada em Ciência Política e Mestre em Direitos Humanos. Professora da Escola de Direito e
Ciências Sociais e Coordenadora Executiva do Centro de Pesquisa Jurídica e Social da Universidade
Positivo. E-mail: olivia.pessoa@up.edu.br.

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Em 2006, o Brasil aprovou uma nova Lei de Drogas (Lei federal n. 11.343/06),
em substituição à anterior Lei de Tóxicos (Lei federal n. 6.368/76). A nova legislação
instituiu uma política nacional sobre drogas, baseada em preceitos de prevenção
social, além de avançar significativamente na distinção do tratamento penal
reservado a usuários e traficantes. Segundo BARBOSA (2017), o objetivo seria
deslocar a regulação estatal do uso de drogas da esfera penal à saúde pública.
Segundo o artigo 28 da nova lei, “quem adquirir, guardar, tiver em depósito,
transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou
em desacordo com a determinação legal ou regulamentar” não está sujeito a penas
de prisão, mas apenas de advertência, prestação de serviços comunitários ou de
caráter educativo. Já o artigo 33 estabelece que o ato de “importar, exportar,
remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter
em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a
consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em
desacordo com determinação legal ou regulamentar” encontra-se sujeito à pena de
reclusão, por cinco a quinze anos, além de multa, de 500 a 1.500 dias-multa.
Ser tipificado como usuário ou traficante, portanto, acarreta uma diferença
brutal no tratamento penal. Entretanto, a distinção legal entre as duas categorias é
bastante imprecisa. Algumas ações, tais como as de guardar, ter em depósito,
transportar ou trazer consigo substâncias entorpecentes são comuns aos dois tipos
penais. A diferença estaria apenas na destinação que o agente poderia dar à droga.
Nos termos do artigo 28, parágrafo 2o, “para determinar se a droga destinava-se a
consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância
apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às
circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do
agente”. Logo, a distinção baseia-se em um conjunto de condições subjetivas e
discricionárias, potencialmente arbitrárias, totalmente dependentes da convicção do
juiz, do Ministério Público e do testemunho dos policiais responsáveis pela
apreensão e senhores de seu contexto. Além disso, ao invocar a necessidade de
analisar fatores tais como o local em que ocorreu a apreensão, as circunstâncias
sociais, pessoais e os antecedentes do agente, a Lei de Drogas abre caminho para
que estigmas de gênero, cor, comportamento, classe ou origem social possam
impactar sobre a decisão judicial.

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Por essas e outras razões, uma séria de autores, tais como BOITEUX (2006),
defendem que a nova Lei de Drogas é um retrocesso travestido de avanço. Para
esses autores, os danos potencialmente resultantes da interpretação arbitrária e
discricionária do artigo 28 justificariam a manutenção da Lei de Tóxicos, já que na
situação anterior os eventuais usuários encontravam-se submetidos ao rito
sumaríssimo do juizado especial criminal, em virtude do qual muito provavelmente já
não seriam presos. Ao reforçar o abismo entre usuários e traficantes de drogas sem
fixar critérios objetivos, o peso da nova legislação acabaria por recair especialmente
sobre os pequenos traficantes, ou usuários que traficam para manter o próprio
consumo, que constituem o cerne dos cidadãos normalmente selecionados pelo
sistema de justiça criminal para cumprirem pena por delitos de drogas. Ainda
segundo essa mesma autora, a submissão desses pequenos traficantes a longas
penas de prisão em regime fechado ainda teria o dom de afastá-los definitivamente
do convívio familiar, aproximando-os de facções criminosas e submetendo-os a
novos estigmas, humilhações e violências. Em virtude desse risco, muitos países
fixam cláusulas de barreira, ou quantidades mínimas de drogas em posse do agente
necessárias para caracterizar o crime de tráfico de drogas, com o objetivo de
diminuir o grau de subjetividade e discricionariedade do juízo (CARVALHO, 2010).
De fato, desde a entrada em vigor da nova legislação, a quantidade de
cidadãos presos, processados e condenados por tráfico de drogas vem crescendo
muito acima da taxa geral de encarceramento. Segundo o Departamento
Penitenciário Nacional (INFOPEN, 2014), em 2005 a população prisional brasileira
era de 361 mil pessoas, das quais 15%, ou 54 mil, encontravam-se reclusas por
delitos de drogas. Em 2014, para uma população prisional de 607 mil pessoas, os
reclusos por delitos de drogas eram 28%, ou 170 mil. O número de “traficantes de
drogas” recolhidos ao sistema penitenciário brasileiro em 2014 era idêntico ao
número total de presos que se encontravam detidos no ano de 1997.
Esse crescimento exponencial no número de “traficantes de drogas”
cumprindo pena de prisão poderia ter um conjunto de explicações. Primeiramente,
seria possível imaginar que tenha havido um aumento dramático na eficiência do
sistema de justiça criminal, dentro do paradigma da guerra às drogas, e que a maior
parte dos traficantes brasileiros tenha sido processada e presa. Afinal, é difícil
acreditar que em algum momento tenhamos chegado a ter mais do que um
traficante de drogas para cada mil e duzentos cidadãos brasileiros. Sendo assim, o

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fenômeno do tráfico de drogas deveria ter praticamente desaparecido do país, o que


não parece ser o caso.
Uma segunda explicação possível seria a de que o número de usuários de
drogas tenha aumentado significativamente, ampliando a demanda pelo serviço
ilícito prestado por traficantes. Infelizmente, o Levantamento Nacional sobre Drogas
de 2015 até hoje não foi publicado pela FIOCRUZ, razão pela qual não existem
dados atualizados disponíveis sobre a taxa de prevalência de consumo de drogas no
Brasil. Porém, também não existem quaisquer evidências empíricas de que tenha
havido um aumento, o que dirá de tamanha magnitude, pelo menos até o ano de
2012 (INPAD, 2014).
Uma terceira explicação plausível seria a de que a nova Lei de Drogas, com
sua imprecisão, induziu a um aumento na condenação por tráfico de drogas de
pessoas que anteriormente seriam tipificadas pelo sistema de justiça criminal como
usuários. Esta hipótese poderia ser empiricamente testada comparando-se o perfil
dos réus, as circunstâncias da apreensão e as características dos processos
criminais que resultaram na prisão de cidadãos por tráfico ou uso de drogas, de
modo a determinar se há diferenças relevantes entre uns e outros, ou se prevalece
um caráter meramente discricionário ou estigmatizador, baseado em estereótipos.
O presente trabalho tem por objetivo testar esta terceira hipótese, no espaço
da fronteira brasileira com o Uruguai. Como tal, insere-se no contexto mais amplo de
uma pesquisa descritiva, quantitativa e qualitativa, sobre os delitos de drogas e
conexos nessa região de fronteira, realizada pelo IPEA no segundo semestre de
2017, no quadro da segunda etapa do Plano de Monitoramento e Avaliação dos
Efeitos da Nova Política Uruguaia de Regulação do Mercado de Cannabis sobre a
Segurança na Zona de Fronteira, de que trata o Protocolo de Rivera, celebrado entre
os governos brasileiro e uruguaio em 16 de dezembro de 2014 (CUNHA et al.,
2017).
Para além do recorte geográfico imposto pelas características do Plano de
Monitoramento em questão, a análise aqui proposta justifica-se por outras razões.
Por um lado, considerando as características de homogeneidade socioeconômica e
cultural dessa região de fronteira, a existência de políticas sobre drogas claramente
divergentes, tendo o Uruguai descriminalizado o uso de substâncias entorpecentes
em 1974 e fixado quantidades mínimas para caracterização do tipo penal de tráfico,
poderia ter consequências no modo como a população e o sistema de justiça

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criminal brasileiros compreendem o problema, induzindo a uma compreensão menos


restritiva e punitivista. Por outro lado, a maior liberalidade imposta pela política sobre
drogas do país vizinho poderia produzir o efeito contrário, incentivando o sistema de
justiça criminal brasileiro a atuar de modo mais contundente na manutenção dos
postulados da política nacional, tendendo a reforçar seu caráter repressivo. Tanto
em um caso, como no outro, assevera-se relevante compreender o problema da
distinção entre usuários e traficantes pelo sistema de justiça criminal brasileiro,
nessa região de fronteira.

2. Metodologia
A pesquisa produziu dados a partir do conjunto de ações criminais por uso,
porte, tráfico e associação para o tráfico de entorpecentes, processadas e julgadas
na Justiça Estadual, nas comarcas de Quaraí, Santana do Livramento, Jaguarão e
Santa Vitória do Palmar, no período compreendido entre 1 o de janeiro de 2014 e 31
de dezembro de 2016. Igualmente, produziram-se dados sobre as ações criminais
processadas e julgadas na Justiça Federal de Santana do Livramento, as quais são
em pequeno número e não comportam tratamento quantitativo, razão pela qual
encontram-se excluídas da presente análise.
Assim sendo, tem-se que a pesquisa produziu dados apenas sobre as quatro
cidades-foco do referido Plano de Monitoramento (CUNHA et al., 2017), excluindo-
se os municípios sob jurisdição das demais comarcas que compõem a região de
fronteira: Uruguaiana, Dom Pedrito, Bagé e Herval. Logo, a população recebeu um
recorte geográfico mas, dentro desse universo selecionado, a estratégia de
produção de dados é de tipo censitário. Todas as ações criminais por condutas
tipificadas nos artigos 28, 33, 34, 35, 36 e 37 da Lei de Drogas, concluídas nessas
comarcas, dentro do período indicado, foram objeto de análise. Os dados foram
coletados por meio de um instrumento de coleta de dados estruturado, aplicado
pessoalmente pelos dois coautores do presente trabalho, diretamente a partir dos
autos findos dos processos físicos, disponibilizados em cartório pelos juízes titulares
das respectivas varas judiciais em que tramitaram.

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Tabela 1. Universo dos processos pesquisados


Tráfico e
Uso e porte de
Vara judicial associação
entorpecentes
para o tráfico
Vara Criminal de Santana do
188 38
Livramento
1ª Vara Judicial de Jaguarão 4 9
2ª Vara Judicial de Jaguarão 39 5
1ª Vara Judicial de Santa Vitória do
0 4
Palmar
2ª Vara Judicial de Santa Vitória do
3 3
Palmar
3ª Vara Judicial de Santa Vitória do
2 9
Palmar
Vara Judicial de Quaraí 0 7
Total 236 75
Elaboração: DIEST/IPEA

Abaixo, apresentam-se os dados produzidos para, num segundo momento,


testar a hipótese e estabelecer as conclusões. Por meio do instrumento de coleta de
dados estruturado, produziram-se dados sobre o perfil dos réus, o processamento
das ações penais e seus resultados. Na primeira seção, apresentam-se os dados
relativos ao processos por uso e porte de entorpecentes, para num segundo
momento descreverem-se os dados correspondentes aos processos por tráfico e
associação para o tráfico de drogas.

Processos por uso e porte de entorpecentes


A partir da análise dos processos, nota-se que não há diversidade relevante
no conjunto dos réus por uso e porte de entorpecentes. Trata-se de um perfil
bastante homogêneo, refletindo os filtros e a seletividade do sistema de segurança
pública.
Uma primeira característica a ser apresentada é a predominância de réus do
sexo masculino, que respondem por 96% dos processos analisados. Em termos de
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raça/cor, segundo a informação constante do inquérito policial, 74% dos réus é


branca, para uma população na zona de fronteira de 82%, segundo informações do
Censo Demográfico (IBGE, 2011). O segundo grupo com mais representatividade
neste quesito são os pardos, que constituem 9% dos réus e 11% na zona de
fronteira. Por fim, houve o registro 9% como pretos, sendo esta a única categoria de
raça/cor que se encontra sobrerrepresentada em relação aos 7% do Censo
Demográfico. Outra informação importante para os fins desta pesquisa é a
nacionalidade dos réus, sendo 86% brasileiros e 11% de uruguaios.
No que diz respeito à instrução e profissão, prevalecem a baixa escolaridade
e a inserção precária no mercado de trabalho. Do conjunto dos réus, 63% declaram
haver cursado o ensino fundamental, 25% o ensino médio e apenas 1% o ensino
superior. Agricultores, guardadores de carros, pedreiros e mecânicos são as
categorias profissionais que mais recebem registro nos inquéritos policiais. Em
virtude da diversidade de profissões declaradas, adotou-se a classificação
socioeconômica por categorias empíricas e critérios operacionais para o Brasil
proposta por SANTOS (2005). Seguindo este critério, tem-se que 42% dos réus
podem ser enquadrados na categoria “trabalhador”1, 36% como “trabalhadores
elementares”2 e 18% como “conta-propristas precários“3. Chama a atenção que
apenas 1% possam ser classificados como “empregados qualificados” 4 e 3% como
“empregados especialistas”5.

1
Posição na ocupação de empregado, trabalhador em reparação e manutenção mecânica,
ferramenteiro e operador de centro de usinagem; trabalhador de semi-rotina na operação de
instalações químicas, petroquímicas e de geração e distribuição de energia; trabalhador de semi-
rotina em serviços administrativos, comércio e vendas; trabalhador de rotina na operação de
máquinas e montagem na indústria; trabalhador de rotina em serviços administrativos, comércio e
vendas.
2
Posição na ocupação de empregado, trabalhador com tarefas de trabalho bastante elementares na
indústria e nos serviços, como ajudantes de obras, trabalhadores elementares na manutenção de vias
públicas, faxineiros, lixeiros e carregadores de carga; trabalhadores manuais agrícolas, garimpeiros e
salineiros, exclusive os trabalhadores na mecanização agrícola, florestal e drenagem.
3
Posição na ocupação de conta própria e empreendimento ou titular sem a posse de nenhuma das
seguintes condições: estabelecimento (loja, oficina, fábrica, escritório, banca de jornal ou quiosque),
veículo automotor (taxi, caminhão, van) usado para o trabalho ou ocupação qualificada no emprego
principal; posição na ocupação de trabalhador na produção do próprio consumo; posição na
ocupação de trabalhador na construção para o próprio uso.
4
Posição na ocupação de empregado, empregado qualificado de acordo com o grupo ocupacional,
abarcando os técnicos de nível médio nas diversas áreas, professores de nível médio ou formação
superior no ensino infantil, fundamental e profissional, professores em educação física e educação
especial.
5
Posição na ocupação de empregado, especialista de acordo com o grupo ocupacional, incluindo as
profissões credenciadas, as profissões de menor poder profissional e os professores do ensino médio
e profissional com formação superior.

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A hipótese de que esse perfil bastante homogêneo reflete os filtros e a


seletividade do sistema de segurança pública parece se confirmar quando
constamos que a totalidade dos processos analisados resulta de uma detenção em
flagrante, realizada pela Polícia Militar (88% dos casos) em via pública (91% dos
casos). Ou seja, a imensa maioria dos processos por uso e porte de entorpecentes
tem por ponto de partida a abordagem direta de um cidadão, pela autoridade policial
militar, em via pública. Desse modo, reflete necessariamente o tipo de público
percebido por esta autoridade como potencialmente perigoso ou desviante, sendo
por ela perseguido em sua atividade repressiva.
Quanto ao tipo da substância entorpecente apreendida com o réu, observa-se
uma preponderância da maconha, com 57% dos casos. Nesse sentido, a pesquisa
aponta uma contradição importante entre a prática e o discurso das autoridades do
sistema de justiça criminal, segundo as quais a atividade repressiva ao uso de
entorpecentes, na zona de fronteira entre o Brasil e o Uruguai, encontrar-se-ia
concentrada nos usuários de crack e cocaína (CUNHA et al., 2017).

Tabela 2. Substância entorpecente referida nos processos


Substância (%)
Maconha 57
Cocaína 12
Crack 6
Outras/NA/NI 25
Elaboração: DIEST/IPEA

Chama a atenção a pequena quantidade de droga apreendida com o réu no


momento do flagrante. Segundo os laudos periciais produzidos pelo Instituto Geral
de Perícias do Estado do Rio Grande do Sul e constantes dos autos processuais, as
quantidades de maconha, cocaína ou crack apreendidas com o réu são as
seguintes:

Tabela 3. Quantidade de substância entorpecente apreendida (em gramas)


Maconha Cocaína Crack
N 115 25 13

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Média 2,8 0,5 0,5


Mediana 1,3 0,3 0,3
Valor mínimo 0 0 0
Valor máximo 36 2 2
Elaboração: DIEST/IPEA

Outra questão relevante sobre o processamento da ação penal é a origem da


droga apreendida. De acordo com CUNHA et al. (2017), segundo as autoridades do
sistema de justiça criminal que atuam na zona de fronteira, há “consenso de que o
tráfico ilícito de drogas tende a ser do Brasil para o Uruguai, [mas] é recorrente o
discurso de que os réus em ações por porte de entorpecentes, em qualquer dos
lados da fronteira, costumam dizer que obtiveram a substância no país vizinho, na
tentativa de exonerar-se da obrigação de denunciar sua fonte”. No entanto, em 68%
dos processos os acusados não declararam o local onde adquiriram a substância,
enquanto 16% declaram tê-la obtido no Brasil e 14% no Uruguai. Embora a
tecnologia existente o permita e a Polícia Federal mantenha a rotina de fazê-lo para
fins de inteligência, o Instituto Geral de Perícias do Estado do Rio Grande do Sul não
testa as substâncias para determinar sua origem ou local de produção.
Quanto ao resultado do processo criminal, tem-se que em 64% dos casos há
transação penal, na qual o réu, sem assumir culpabilidade, pactua com o Ministério
Público o cumprimento de uma pena diversa da privação de liberdade, em
consonância com o procedimento sumaríssimo dos juizados especiais criminais (Lei
federal n. 9.099/95) e o disposto no artigo 28 da Lei de Drogas (Lei federal n.
11.343/06). Entretanto, em 27% dos casos há prescrição do crime antes mesmo da
conclusão do processo de conhecimento, na maior parte das vezes pela notória
dificuldade do Poder Judiciário brasileiro em localizar o réu para comunicar a prática
de atos processuais (IPEA, 2011). Considerando ainda os casos nos quais há
prescrição durante a etapa de execução, em virtude da não localização do réu para
cumprimento da pena, o total de processos por uso e porte de entorpecentes que
terminam extintos por prescrição eleva-se a 35%.
Havendo transação penal, em 58% dos casos pactua-se o pagamento de
multa, com valor médio de R$431,00 (quatrocentos e trinta e um reais). Em 17% dos
casos é aplicada uma pena de prestação de serviços comunitários, em média por
um período de 50 horas, distribuídas de acordo com o pactuado em audiência. Em

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menor quantidade, aparecem todas as demais sanções previstas no artigo 28 da Lei


de Drogas: advertência, comparecimento em juízo e medida educativa. Uma vez
ocorrendo a transação penal, a sanção é cumprida em 75% dos casos. Além da não
localização do réu, muitas vezes o cumprimento da pena é obstaculizado pela
recusa das instituições designada em recebê-lo como prestador de serviços
comunitários.

Processos por tráfico e associação para o tráfico de entorpecentes


Do mesmo modo que nos processos por uso e porte de entorpecentes, entre
os réus por tráfico e associação para o tráfico há uma predominância de pessoas do
sexo masculino, que constituem 82% dos casos. No entanto, a presença de
mulheres é mais significativa do que sua participação entre as populações de réus
por uso e porte de entorpecentes, usuários frequentes de drogas (FIOCRUZ, 2006)
ou até mesmo de condenados cumprindo sentença no sistema penitenciário
(DEPEN, 2018). Logo, também na zona de fronteira encontra-se presente o
fenômeno recente de criminalização ascendente de mulheres por delitos de drogas.
Mulas, mães, esposas, namoradas ou irmãs de homens que estavam envolvidos
com o tráfico, na maior parte das vezes essas mulheres são presas por manter
drogas em casa ou tentar ingressá-las em presídios, quando não como meio de
pressão das autoridades policiais sobre seus filhos ou companheiros (Sinhoretto et
al., 2014).
Com relação ao registro do quesito raça/cor do réu, é grande a quantidade de
processos nos quais não há informação. No total, 52% autodeclaram-se brancos, em
clara subrepresentação dos 82% que compõem a população da zona de fronteira.
Em contrapartida, há sobrerrepresentação de pretos (13% dos réus e 7% da
população). Os pardos constituem 8% dos réus e 11% da população. Com relação à
nacionalidade, 80% são brasileiros e 13% uruguaios.
No que diz respeito à instrução e profissão, o perfil é bastante semelhante ao
dos processos por uso e porte de entorpecentes. Entre os réus, 52% possuem
apenas o ensino fundamental, 15% o ensino médio e apenas 2% completaram o
ensino superior. Novamente, chama a atenção o grande percentual de processos
nos quais essa informação encontra-se ausente. Entre as profissões, ainda segundo
a classificação de SANTOS (2005), 52% dos réus declaram exercer profissão
categorizada como “trabalhador elementar”, 28% são “trabalhadores”, 17% “conta-

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propristas precários” e apenas 3% são “empregados qualificados”. Quanto à renda,


a informação encontra-se presente em apenas 7% dos casos, o que é
surpreendente, tendo em vista a frequência com a qual os investigadores e
acusadores criminais invocam a precariedade dos vínculos de emprego e a baixa
renda como provas circunstanciais do crime de tráfico.
No que se refere ao contexto em que ocorreu a ação policial que resultou no
processo criminal, em 75% dos casos o ponto de partida é a prisão em flagrante do
réu. Logo, em regra o processo criminal decorre de uma ação da Polícia Militar, no
exercício do policiamento ostensivo (53% dos casos). As organizações de polícia
judiciária, a Polícia Civil e a Polícia Federal, são igualmente responsáveis por 18%
dessas ações cada uma, enquanto 3% resultam da atuação de outras autoridades
de segurança ostensiva, tais como agentes penitenciários, inspetores da receita
federal ou policiais rodoviários federais.
Essa realidade permite afirmar que existe um baixo esforço de investigação,
por parte das autoridades policiais. Esse fenômeno resta ainda mais claro se
considerarmos que em 43% dos casos a ação policial ocorreu em via pública e em
5% no interior de um estabelecimento prisional. Mais impressionante é a declaração
policial sobre a motivação da abordagem, a qual concentra-se na verificação de
denúncias (43% dos casos), em atividades de controle ou revista de rotina (18% dos
casos), em abordagem por comportamento suspeito em via pública (16% dos casos)
ou campana em locais suspeitos (2% dos casos). Em apenas 20% dos casos há
alguma informação nos autos que permita deduzir a existência de atividade de
investigação policial prévia à identificação e abordagem do réu. Já o número de
casos no qual a pergunta não se aplica, ou seja, não houve abordagem, mas
denúncia criminal resultante única e exclusivamente de um trabalho de investigação
policial, não ultrapassa os 2%.

Tabela 4. Motivação da abordagem do réu


Motivação %
Denúncia 43
Investigação 20
Controle/revista 18
Comportamento suspeito 16

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Campana 2
NA 2
Total 100
Elaboração: DIEST/IPEA

Chama bastante a atenção o fato de que, em 57% dos casos, o processo


criminal conta com um único réu, o que permite concluir que os traficantes de drogas
selecionados pelo sistema de justiça criminal no universo investigado agem
individualmente, afastando-se do estereótipo do traficante atuando como membro de
uma quadrilha. Essa impressão é reforçada pelo fato de que não mais do que 5%
portavam arma de fogo. Entretanto, esse número pode estar contaminado pelo
baixíssimo esforço de investigação policial, tanto anterior quanto posterior à
abordagem do réu: para além das circunstâncias específicas de um flagrante, o total
de processos nos quais há algum outro tipo de ação investigativa da polícia é de
apenas 23%. Quanto ao comportamento do réu durante a abordagem, 33%
permanecem em silêncio, 21% negam a autoria do crime, 3% confessam ser
traficantes e 16% alegam a condição de usuário, o que é contraditório com a
assertiva comum de que a Lei de Drogas brasileira incentiva a confissão do crime de
uso ou porte, como meio para escapar de uma condenação por tráfico (CUNHA et
al., 2017). Em toda a região da fronteira, não há qualquer registro da realização de
audiência de custódia e 48% dos réus não têm antecedentes criminais.
No que se refere ao tipo de droga que seria objeto de tráfico, temos
novamente a preponderância da maconha, conforme tabela abaixo:

Tabela 5. Substância entorpecente apreendida


Substância (%)
Maconha 40
Cocaína 23
Crack 35
Outra 2
Elaboração: DIEST/IPEA

Novamente, é impressionante a pequena quantidade de drogas apreendidas


durante as ações policiais. Se ignorarmos o pequeno conjunto de grandes

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operações, que resultam em quantidades importantes de droga apreendida, as


medianas são extraordinariamente baixas. Mais da metade dos réus por tráfico de
maconha, por exemplo, respondem por quantidades inferiores a 29,7 gramas. Em
boa parte do mundo, essa quantidade seria insuficiente para configurar o tipo penal,
já que muitos países fixam a quantidade mínima de droga apreendida necessária
para o processamento por tráfico a algo entre 25 gramas, como em Portugal, e 100
gramas, como na Espanha (CALDAS, 2017). No Uruguai, esse piso encontra-se
fixado em 40 gramas. Em alguns casos, chega-se ao extremo de processar pessoas
que não tinham qualquer droga em seu poder.
Tabela 6. Quantidade de substância entorpecente apreendida (em gramas)
Maconha Cocaína Crack Outra
N 24 14 21 1
Média 5163,3 471,6 113,5 0,3
Mediana 29,7 8,9 5,6 0,3
Valor mínimo 2 0 0 0,3
Valor máximo 33700 6131 982 0,3
Elaboração: DIEST/IPEA

Muito embora trate-se de uma região de fronteira, 82% dos casos dizem
respeito a tráfico para consumo local, em 3% dos casos trata-se de tráfico para
consumo em presídio e em 5% dos casos há algum indício de que a atividade
poderia ter ramificações transnacionais, em especial na rota Brasil/Uruguai.
Ocorrendo uma prisão em flagrante, em regra o trabalho desenvolvido pela
polícia restringe-se à tomada do depoimento do réu e das autoridades policiais
responsáveis por sua detenção. Em apenas 28% dos casos encontra-se presente o
depoimento de alguma testemunha que não seja um policial e a quantidade de
processos nos quais há menção a alguma outra diligência investigatória é de apenas
23%. Entretanto, em apenas 3% dos casos há registro de ofensa à integridade física
do réu.
Em 48% dos casos o réu se faz acompanhar por advogado durante o
inquérito policial, mas em 40% não há qualquer assistência jurídica. Em regra, essa
tarefa é desempenhada por advogados privados, atuando a defensoria pública em
apenas 3% dos casos.

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837

Após o encerramento do inquérito policial, a atuação do Ministério Público


repete a rotina prévia de omissões. Em que pese a ausência completa ou a fraqueza
da investigação, em 72% dos casos o Ministério Público não solicita qualquer outra
diligência. Mesmo assim, em 93% dos casos apresenta denúncia criminal,
solicitando a condenação do réu. Em 75% dos casos a denúncia é por tráfico de
drogas, tal como tipificado no artigo 33 da Lei de Drogas, mas em 11% dos casos há
concurso com o artigo 35, que versa sobre o delito de associação para o tráfico, e
em 5% com o artigo 40, que estabelece aumento de pena nas hipóteses de o crime
ter caráter transnacional ou haver sido cometido em estabelecimento prisional.
Durante a etapa judicial do processo, 57% dos réus são representados por
advogados particulares, o que é surpreendente, levando-se em conta o perfil
socioeconômico dos réus. Entretanto, a atuação da defensoria pública aumenta
consideravelmente, chegando a 33% dos casos.
Como resultado, tem-se que em 65% dos casos o réu é condenado e em 22%
é absolvido. Outras hipóteses de desfecho são a transação penal e a suspensão do
processo. Nos casos em que há absolvição, prevalece a fundamentação de que não
há prova sobre a existência do fato ou de que a prova é insuficiente, o que corrobora
a fraqueza da investigação policial prévia e o pouco cuidado do Ministério Público
em fundamentar adequadamente a denúncia. Mesmo assim, dado o contexto, pode-
se considerar essa taxa de condenação como muito elevada, até mesmo porque em
20% dos casos os juízes condenam o réu baseados única e exclusivamente no
testemunho dos policiais responsáveis pelo flagrante, ou seja, em suas convicções e
de outros membros do aparato repressivo do Estado.
Havendo condenação, a pena é a restritiva de liberdade, sem substituição.
Tanto a média quanto a mediana da pena aplicada são superiores à mínima
estabelecida em lei. Em 71% dos casos, adiciona-se ainda uma pena pecuniária
média de 600 dias-multa, à razão de um terço do salário mínimo, ou seja,
R$187.400,00 (cento e oitenta e sete mil e quatrocentos reais). Considerando-se o
perfil socioeconômico dos réus, é praticamente impossível que tenham condições
financeiras de pagá-la, o que impede a obtenção de uma série de benefícios, tais
como progressão de regime ou suspensão condicional da pena, condenando-os ao
cumprimento da pena integralmente no regime inicialmente fixado.

Tabela 7. Pena privativa de liberdade aplicada (em dias)

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Pena Tempo
Média 2061
Mediana 1965
Valor mínimo 600
Valor máximo 3750
Elaboração: DIEST/IPEA

Em 80% dos casos, o regime inicial de cumprimento da pena privativa de


liberdade é o fechado. No momento da sentença, 57% dos réus encontravam-se
presos preventivamente e 35% respondiam ao processo em liberdade. A conversão
da prisão em flagrante em preventiva, sem relaxamento posterior, é a regra. Em
55% dos casos o réu permaneceu preso ao longo de todo o processo, enquanto
28% responderam ao processo em parte presos, em parte em liberdade. Esse
elevado número de pessoas que permanecem presas durante todo o processo está
relacionado ao fato de que a Lei de Drogas veda a concessão de liberdade
provisória aos acusados por tráfico, o que viola a garantia constitucional de
presunção de inocência. Em 70% dos casos, os réus não foram considerados
reincidentes, o que ensejaria a aplicação do artigo 33, parágrafo 4 o., da Lei de
Drogas, segundo o qual a pena poderia ter sido reduzida de um sexto a dois terços.
Em 57% dos casos, o processo encerrou-se em primeira instância, sem
qualquer recurso, corroborando achados de várias pesquisas sobre a baixa taxa
global de recorribilidade existente na Justiça brasileira, em que pese a mitologia
existente em contrário (IPEA, 2011; CJF, 2012; IPEA, 2013; IPEA, 2016). Nos casos
em que houve recurso pela defesa, a taxa de sucesso é de apenas 25%, havendo
16% de êxito parcial e 9% de êxito total, o que indica a concordância do Tribunal de
Justiça do Estado do Rio Grande do Sul com o baixo padrão de prova aceito como
normal pela magistratura de primeiro grau.

Conclusões
No presente momento, a pesquisa encontra-se na etapa de exploração e
cruzamento dos dados apresentados acima com outras bases disponíveis.
Preliminarmente, a análise dos dados aponta para a comprovação da hipótese de
que o comportamento do sistema de justiça criminal brasileiro na repressão aos
delitos de drogas nas comarcas da fronteira brasileira com o Uruguai, em que pesem

Corumbá/MS, Brasil. 7 a 9 de outubro de 2019. ISSN . 2178-2245


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as grandes diferenças contextuais, em especial o caráter não-punitivista da política


adotada pelo país vizinho, não é distinto do de outras regiões do Brasil.

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impacto nas prisões e o debate no país. Disponível em:
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distin%C3%A7%C3%A3o-entre-usu%C3%A1rio-e-traficante-o-impacto-nas-
pris%C3%B5es-e-o-debate-no-pa%C3%ADs>.

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Corumbá/MS, Brasil. 7 a 9 de outubro de 2019. ISSN . 2178-2245


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A FEIRA DE PRODUTOS EM TRANSIÇÃO AGROECOLÓGICA DO IFMS


CORUMBÁ
IFMS Corumbá Agroecological Transition Fair
Feria de Transición Agroecológica de lo IFMS Corumbá

Mariane Leticia Leite da Cruz Costa


Edgar Aparecido da Costa

Resumo: O tema norteador deste trabalho é a agroecologia no espaço fronteiriço. O


objetivo foi realizar um levantamento das percepções que os técnicos
administrativos do IFMS Campus Corumbá têm sobre a feira de agroecologia que
acontece no espaço institucional. Para tanto, buscou-se reunir considerações sobre
fronteira, através de pesquisa bibliográfica. Realizou-se, também, levantamento de
dados primários tendo um questionário como instrumento, que foi aplicado aos
técnicos presentes na instituição, sendo respondido por 20 pessoas. Observou-se o
interesse em adquirir produtos agroecológicos como forma de se obter uma
alimentação de mais qualidade.
Palavras-chave: Agroecologia, IFMS, Fronteira.

Abstract: The guiding theme of this work is agroecology in the border space. The
objective was to survey the perceptions that the administrative technicians of IFMS
Campus Corumbá have about the agroecology fair that takes place in the institutional
space. To this end, we sought to gather border considerations through bibliographic
research. A primary data survey was also carried out with a questionnaire as an
instrument, which was applied to the technicians present at the institution, being
answered by 20 people. The interest in acquiring agroecological products was
observed as a way to obtain a higher quality diet.
Key-words: Agroecology, IFMS, Border.

Resúmen: El tema principal de este trabajo es la agroecología en el espacio


fronterizo. El objetivo fue realizar una encuesta sobre las percepciones que los
técnicos administrativos de IFMS Campus Corumbá tienen sobre la feria de
agroecología que se lleva a cabo en el espacio institucional. Con este fin, buscamos
reunir consideraciones fronterizas a través de la investigación bibliográfica. También
se realizó una encuesta de datos primarios con un cuestionario como instrumento,
que se aplicó a los técnicos presentes en la institución, respondiendo 20 personas.
Se observó el interés en adquirir productos agroecológicos como una forma de
obtener una dieta de mayor calidad.
Palabras clave: Agroecología, IFMS, Frontera.


Licenciada em Geografia, Mestranda em Estudos Fronteiriços, UFMS. Técnica Administrativa do
IFMS Campus Corumbá. E-mail: marianeleticia@yahoo.com.br

Doutor em Geografia, professor do curso de Geografia e do Programa de Pós-graduação em
Estudos
Fronteiriços do Câmpus do Pantanal. UFMS. E-mail: edgarac10@gmail.com

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842

* Trabalho completo selecionado para publicação na Revista Para Onde? (UFRGS),


no número referente ao primeiro semestre de 2020.
https://seer.ufrgs.br/paraonde

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842

APONTAMENTOS SOBRE AS CONSEQUÊNCIAS DA MINERAÇÃO EM


CORUMBÁ-MS: O CASO DA COMUNIDADE TRADICIONAL ANTÔNIO MARIA
COELHO
Notes on the Consequences of Mining in Corumbá-MS: The Case of the Traditional
Community Antônio Maria Coelho
Notas Sobre las Consecuencias de la Minería en Corumbá-MS: el Caso de la
Comunidad Tradicional Antônio Maria Coelho

Sandra Procópio da Silva


Leonardo Calixto Maruchi

Resumo: Este artigo busca discutir o impacto da mineração na comunidade


tradicional Antônio Maria Coelho, na cidade de Corumbá, região do Pantanal,
localizada no estado do Mato Grosso do Sul. A partir dos relatos da comunidade,
evidencia-se que a partir do grande crescimento da mineração na região nos últimos
anos, a mesma passou a sofrer com diversos problemas em consequência da
exploração dos recursos naturais da região pelas mineradoras. A perda das terras e
do domínio territorial, causaram problemas como poluição atmosférica e hídrica,
diminuição da fauna e da flora, e problemas de saúde, entre outros, que passaram a
ser um desafio para a comunidade, e em meio a tudo isso busca resistir e se
reinventar para poder continuar existindo. Portanto, neste artigo, apontaremos
aspectos de como a mineração surgiu na região e como isso afeta a comunidade,
buscando também entender como a comunidade vem resistindo a todos estes
problemas.
Palavras-chave: Comunidade Antônio Maria Coelho, mineração, problemas
ambientais, resistência.

Abstract: This article discusses the impact of mining in the traditional community of
Antonio Maria Coelho, in the city of Corumbá, Pantanal region, located in the state of
Mato Grosso do Sul. From the community reports, it is evident that from the great
growth of the mining in the region in recent years, it has suffered from a number of
problems as a result of mining companies exploiting the region's natural resources.
The loss of land and territorial domain, caused problems such as air and water
pollution, diminished fauna and flora, and health problems, among others, that
became a challenge for the community, and in the midst of all this seeks to resist and
reinvent itself in order to continue existing. Therefore, in this article, we will point out
aspects of how mining emerged in the region and how it affects the community, while
also seeking to understand how the community has been resisting all these
problems.


Mestre em Sociologia pela Universidade Federal da Grande Dourados. E-mail:
sandraprocopio@hotmail.com

Graduado em Geografia pela Universidade Federal da Grande Dourados. E-mail:
leomaruchi06@hotmail.com

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Key words: Antônio Maria Coelho community, mining, environmental problems,


resistance.

Resumen: Este artículo analiza el impacto de la minería en la comunidad tradicional


de Antônio Maria Coelho, en la ciudad de Corumbá, región do Pantanal, que se
encuentra en el estado de Mato Grosso do Sul. De los informes de la comunidad,
queda claro que desde el gran crecimiento de la minería en la región en los últimos
años, la comunidad ha sufrido varios problemas como resultado de la explotación de
los recursos naturales de la región por las empresas maneadoras. La pérdida de las
tierras y del dominio territorial, causaran problemas como la contaminación del aire y
el agua, el agotamiento de la fauna y la flora locales, los problemas de salud, entre
otros, que se han convertido en un desafío para la comunidad, que intenta resistirse
y reinventarse para continuar existiendo. Por lo tanto, en este artículo, apuntaremos
aspectos de cómo surgió la minería en la región y cómo afecta a la comunidad, al
mismo tiempo que buscaremos comprender cómo la comunidad ha estado
resistiendo todos estos problemas.
Palabras clave: Comunidad Antônio Maria Coelho, minería, problemas ambientales,
resistencia.

Introdução
Este breve texto tem por objetivo fazer alguns apontamentos sobre a questão
da mineração em Corumbá, especialmente no que tange aos impactos causados na
Comunidade Tradicional Antônio Maria Coelho que foram relatados a partir de uma
roda de conversa e diálogo com moradores da comunidade1. O interesse em
compreender a extensão dos impactos causados na região, foi despertado a partir
da visita de campo, tendo em vista este ser um tema bastante atual para as
questões de pesquisa agrária, considerando também a necessidade de ampliar os
estudos geográficos sobre o tema de mineração no Brasil. Devido a isto, o foco
deste artigo será o relato e discussão dos conflitos entre a comunidade rural Antônio
Maria Coelho e as mineradoras instaladas na região, mas também buscaremos
entender quais são os impactos na comunidade e as alternativas que estão sendo
tomadas para tentarem contornar estes problemas.
Vale ainda ressaltar, que discutir os impactos das mineradoras é um tema que
se torna necessário, devido principalmente aos desastres em Mariana-MG
(05/11/2015) que matou 19 e impactou mais de 2 milhões de pessoas, e em
Brumadinho-MG (25/01/2019), que matou 272 pessoas (oficialmente) e impactou

1
Visita de Campo como parte da disciplina “Movimentos Sociais do Campo e Conflitos Agrários”, do Professor
João Edmilson Fabrini, através do Programa de Pós Graduação em Geografia, da Faculdade de Ciências
Humanas, na UFGD.

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mais outros tantos milhões, ambos desastres devidos à atividade de mineração


nestas regiões. “Coincidentemente”, ambos casos estão relacionados a negligencia
da companhia Vale S.A, que é uma das companhias multinacionais que atuam em
Corumbá. Estes desastres ficaram conhecidos mundialmente, devido aos impactos
socioambientais que causaram morte de centenas de pessoas, de milhares de
animais, além, é claro, dos impactos ambientais que afetam diretamente a natureza
e que levarão muitos anos, ou talvez, jamais sejam revertidos. Ambas as tragédias
trazem à tona uma parte da barbárie que é padrão do modelo capitalista de
produção, cujo centro é o lucro, não importando limite de qualquer espécie.
Corumbá faz parte dos Municípios mais antigos do Estado de Mato Grosso do
Sul, data contada a partir da inauguração do Forte Coimbra, há 244 anos. Localiza-
se a 420 km da capital, possui uma população de 110.806 (IBGE/2018), e uma área
de 64.962,854 km quadrados. Possui sua extensão de 95,6% de área de Pantanal,
possui o porto mais importante do Estado e um dos mais importantes do Brasil.
Corumbá faz fronteira com a Bolívia e é chamada “cidade branca”, devido à cor
predominante de seu solo rico em calcário. Em relação aos minérios, a cidade
pantaneira destaca-se por possuir a 3ª maior reserva de ferro e a 2ª maior reserva
de manganês do Brasil.
A região localiza-se no Centro Sul da América do Sul, parte do Brasil (MS e
MT), Bolívia e Paraguai, sendo a maior planície alagável do mundo, é considerada
Patrimônio da Humanidade e Reserva da Biosfera pela Unesco. É o bioma que
possui a maior concentração de fauna das américas (Ferreira, 2013). Ainda abriga
diversos povos de matrizes culturais diversas, sendo na porção brasileira, os povos
indígenas Kadiweu, Guaicuru, Camba, Bororo, Ofayé, Umutina, Guató, Terena,
Laiana, Kinikinau, Guarani, Kaiowá (Bespalez, 2015).
Esta é uma região de fronteira com Bolívia, onde, segundo Martins (1997), é
na verdade um ponto limite de territórios, se redefinindo a partir das disputas
territoriais. Neste sentido, constata-se que os portugueses chegaram à região em
1.524 atraídos pelo ouro, fundaram o Forte Coimbra em 1.778 para impedir o avanço
espanhol pelo mesmo ouro. De vilarejo se elevou a categoria de Distrito em 1.838 e
posterior Município em 1.850. Em 1.865 foi tomada por Solano Lopez, durante a
Guerra contra o Paraguai, e em 1.870 retomada por Antônio Maria Coelho. Na
ocasião possuiu o terceiro maior porto da América Latina até 1.930, sendo o polo

Corumbá/MS, Brasil. 7 a 9 de outubro de 2019. ISSN . 2178-2245


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comercial da região, até a chegada da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil,


deslocando o eixo comercial para Cuiabá.
Segundo os moradores e a Embrapa “em meados dos anos 2.000, o estado
faz a doação da área de terras onde a comunidade está instalada para a
implantação de um polo minero-siderúrgico e gás-químico”, o que provoca desde
então, transformações mais aceleradas e mais profundas em vários aspectos. As
principais mineradoras que atualmente atuam na região de Corumbá são a Vale S.A.
e a Vetorial, que trabalham principalmente com a extração de minério de ferro e de
manganês.
As jazidas sul-mato-grossenses estão situadas nos municípios de Corumbá
e Ladário, próximas à linha internacional da fronteira Brasil-Bolívia,
compondo a formações da serra do Rabicho, Morro Grande, Serra de Santa
Cruz, Morro de Tromba dos Macacos, Serra do Jacadigo e Morro do
Urucum. Na topografia da planície do rio Paraguai, destacam-se essas
formações, que são popularmente conhecidas como “Morraria do Urucum”.
Essa região faz parte, político administrativamente, do Estado de Mato
Grosso do Sul desde a divisão do Estado de Mato Grosso, em 1979, e a
área de exploração está na área do Pantanal Sul-matogrossense.
(LAMOSO, p.2, 2000)
A imagem a seguir (Figura 1) mostra que Mato Grosso do Sul em 2018 foi o
terceiro estado que mais produziu ferro e o segundo na produção de manganês no
Brasil. Já em ralação a produção de outros metais o estado não possui números
expressivos.

Figura 1- Produção de ferro e manganês (em toneladas) por estado no ano de


2018

Fonte: Anuário Mineral Brasileiro (2018)

A Comunidade Antônio Maria Coelho e os problemas trazidos pelas


mineradoras

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A Comunidade Antônio Maria Coelho, possui este nome em alusão ao


cuiabano que nasceu em 1827 e morreu em Corumbá no ano de 1894, tendo
angariado prestígio social na guerra entre Brasil e Paraguai (1864-1870), e
posteriormente tendo se tornado umas das forças destacadas na política-
sulmatogrossense.
A Comunidade localiza-se às margens da BR-262, próximo ao Maciço
Urucum, na região de Albuquerque, considerado o ponto mais alto do estado, com
1.065 metros de altitude, e com grandes reservas minerais, onde tem destaque o
ouro e o ferro, entre outros. A comunidade fica a cerca de 30 quilômetros da cidade
de Corumbá-MS, as ruas que dão acesso a comunidade são de terra, e a caminho
do local já é possível ver atividades mineradoras (Foto 1).

Foto 1- Atividade de mineração próxima à comunidade Antônio M. Coelho


(Corumbá-MS)

Foto: Leonardo Calixto Maruchi (2019)


Fonte: Aula de campo (2019)

Ao chegarmos à comunidade, podemos ver um lugar muito simples, com uma


pequena sede no centro da comunidade de 25 hectares, em volta a sede se vê as
casas das 40 famílias que vivem ali e que somam cerca de 200 pessoas (Foto 2). A
comunidade ainda conta com uma escola e um posto de saúde.

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Foto 2- Comunidade Antonio Maria Coelho (Corumbá-MS)

Foto: Leonardo Calixto Maruchi (2019)


Fonte: Aula de campo (2019)

Pesquisas arqueológicas indicam a presença histórica de povos indígenas na


região do centro oeste do atual Brasil (MS, GO, MT), região onde localiza-se o
Pantanal, há cerca de 10 mil anos (BESPALEZ, 2015). A origem da comunidade
quilombola não se sabe com exatidão, entretanto, pelo que contam, vivem há mais
de cem anos no local, e afirmam “aqui nós conhecemos a nossa terra como a palma
de nossa mão”. Eles contam que foi naquele pedaço de terra, onde o Antônio Maria
Coelho enfrentou militares paraguaios, e onde “lápides do cemitério local indicam a
existência da Comunidade desde o final do século XIX, superando entre 80 a 100
anos”. A lápide mais antiga data do ano de 1.897, segundo “Portal Macaúba”.
Inclusive relataram que uma vez veio a máquina da empresa mineradora, em 2006,
para passar por cima do cemitério da comunidade, e então a anciã do grupo entrou
na frente e aos gritos mandou todos embora, afirmando que defenderia o cemitério
com sua vida se precisasse, atitude esta que salvou o cemitério de ser soterrado.
Durante a visita à comunidade, houve a recepção por uma das famílias locais,
que também está na presidência da associação de moradores da comunidade.
Durante a entrevista (Foto 3), diversos problemas foram relatados.

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Foto 3- Entrevista com moradores na sede de moradores da comunidade


Antônio Maria Coelho

Foto: Leonardo Calixto Maruchi (2019)


Fonte: Aula de campo (2019)

Os conflitos entre as mineradoras e a comunidade Antônio Maria Coelho são


inevitáveis, uma vez que são duas classes totalmente diferentes, embora coexistam
no mesmo território. Resumidamente, são dois modelos antagônicos de produção e
de relação com a natureza, onde um é o das empresas mineradoras, voltada para a
extração de recursos naturais para exportação e acúmulo de riquezas, sem importar
com a depredação, e o modelo da agricultura camponesa, voltada para uma
produção de subsistência e que se relaciona de outra maneira com o meio ambiente.
Segundo os moradores, os problemas se agravaram principalmente por volta
do ano de 2006, quando uma das mineradoras se instalou no local, e já nesse
período houve um processo de remoção de diversas famílias. Já com o processo da
instalação da mineradora concluído, os problemas ambientais começaram.
Verificamos que a situação da comunidade situa-se nos marcos do que
Martins (1997) analisa como o avanço do capital sobre os territórios camponeses,
onde o mesmo “(...) recria mecanismos de acumulação primitiva, confisca terras e
territórios, justamente por esse meio atingindo violentamente as populações
indígenas e, também, as populações camponesas (p. 30).”

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Até meados do ano 2.000, a comunidade possuía em torno de 70 famílias,


numa área de 75 hectares. Entretanto, os moradores relatam que a empresa MMX
apareceu em 2006 na comunidade, dizendo que comprou as terras. Um homem que
se apresentou como promotor veio junto, “falavam difícil e a gente não entendia
nada, e mandaram a gente sair porque a terra era deles”, segundo depoimento dos
moradores. Logo em seguida, algumas famílias começaram a sair porque se
sentiram amedrontadas, e nessa época saíram cerca de quarenta famílias da
comunidade, e foram viver na zona urbana do Município.
Segundo relatos, a Prefeitura tomou posse de cerca de 50 hectares e doou
para a empresa MMX, e esta repassou para Vetorial (nova empresa). Segundo os
jornais locais, a primeira empresa é proprietária e a segunda é arrendatária.
De acordo com depoimentos dos moradores, a região sempre foi abundante
em água, inclusive água mineral, com minas que, historicamente, sempre
abasteceram a água da comunidade e entorno. Entretanto, logo que as empresas
começaram a se instalar, iniciou-se o processo de morte das minas, poluição de rios,
e fechamento do acesso à determinados lugares que os moradores tinham para
buscar água. Na atualidade a comunidade sofre de falta de água, que chega
somente através de um caminhão pipa. Algumas vezes a falta de água chega a ser
tão grave que até mesmo os médicos e enfermeiros que vem ao atendimento no
Posto de Saúde da comunidade chegam a trazer água potável (Blog “SOS Rios do
Brasil”, em 8/11/20132). Segundo a comunidade, “eles procuravam lugar com água
abundante e minérios, e então o mais fácil seria pegar as terras de posseiros”.
Ainda, os moradores da comunidade preocupam-se com as águas poluídas, que
caem no Pantanal sul-mato-grossense, junto com pó de carvão. Ainda os moradores
relatam que subiram o morro e visualizaram que existe um “veio”3 de água muito
grande vazando, proveniente do Aquífero Guarani, que foi aberto por uma
mineradora, e que tentaram fechar e não conseguiram, o que acaba desperdiçando
muita água constantemente.
Sobre a mortandade dos peixes que pescavam para sobreviver, é outro tema
importante, haja vista que a comunidade encontrava neste alimento uma das formas
de alimentação principal. De acordo, com os relatos “...antes era nascente limpa, a
gente pescava, tomava banho, e hoje não tem peixe e é tudo poluído”. Sobre a

2
Título: “Comunidade de Corumbá-MS, enfrenta escassez de água causada por mineração e siderurgia”.
3
O termo “veio d àgua, utilizado pelos moradores, refere-se à um vazamento de grandes proporções.

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fauna, eles contam que houve redução de animais que utilizavam para alimentos e
que ajudavam equilibrar o ecossistema. Observou-se aborto e má formação de fetos
em diversos animais, segundo os moradores.
Em relação à saúde, relatam que o uso de carvão na siderurgia, tem trazido
diariamente imensas nuvens de pó que atingem toda a comunidade. Desde que este
fato teve início, a comunidade se vê invadida por doenças que até então eram
desconhecidas, como os problemas de pneumonia e outros relacionados ao sistema
respiratório. Eles contam que nunca tinham perdido pessoas jovens para doenças
como pneumonia, pois tradicionalmente, “aqui se morre de velho”, segundo
moradores.
Ainda foi relatado que ao longo dos anos, a poluição dos resíduos da
mineração, além de trazer danos para a saúde humana e animal, fez com que o solo
fértil se tornasse inviável para a produção de alimentos, impossibilitando o plantio
para a subsistência, pois o solo criou e absorveu uma capa de resíduos tóxicos.
Desta forma, a comunidade se tornou refém dos produtos alimentícios externos, nos
mercados na cidade, o que aprofunda seu processo de perda de autonomia do
território e consequente empobrecimento. Isso também condiciona o condiciona ao
trabalho fora das unidades familiares, pois para comprar, tem que conseguir dinheiro
fora da comunidade. No ano de 2008, os pesquisadores da Embrapa realizaram um
importante estudo diagnosticando que 100% das famílias possuíam quintais
produtivos, com destaque para pomar (100%), seguida de lavoura (50%), onde o
principal produto era mandioca (93%), seguida de feijão, milho, batata doce e
abóbora. As sementes em geral trocadas ou doadas vinham da própria comunidade.
A equipe constatou um processo baseado nos princípios agroecológicos.
Esse aspecto chama muito a atenção, porque parte da comunidade já não
consegue mais produzir alimentos para o autoconsumo, haja vista o problema da má
qualidade das terras, o pó preto sobre as plantações, a baixa fertilidade dos solos, a
falta de água para os seres humanos e as plantas, após a chegada da empresa.
Não estranhemos, pois, que a insegurança alimentar mantenha fortes
relações com um sistema agrário/agrícola que visa a mercantilização
generalizada como o que vem caracterizando o período neoliberal
(PORTOGONÇALVES, 2004, p. 6).
Segundo a comunidade, as empresas empregam alguns trabalhadores do
local nos trabalhos considerados “mais pesados”. Os postos de trabalhos mais
sofisticados e que pagam melhores salários, são destinados às pessoas de fora da

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comunidade e que trabalham para o Estado. Há permanentes rodízios entre os


funcionários.
A questão do trânsito de caminhões pesados na comunidade, também é outro
elemento de impacto no local. Os moradores reclamam da poluição sonora, poeira,
perigo e acidentes com crianças e adultos, compactação de áreas, e fuga de
animais, entre outros.
Os relatos também contam vários problemas, como por exemplo, uma vez
estourou um forno e pegou fogo na mata. Vieram os órgãos de fiscalização e a
empresa foi multada em 1 milhão de reais, mas depois veio a negociação e eles
pediram para retirar a multa. Na visão dos moradores, todas as vezes que chega o
período de vistoria ambiental, o Ministério Público avisa com três dias de
antecedência, o que faz com que a empresa organize tudo para a visita.
Além dos problemas atmosféricos e hídricos, ainda cabe destacar os
problemas relacionados à mudança da paisagem local, como por exemplo, o
desmatamento ou aterramento de alguns lugares.
A grande mineração, assim, seria um processo semelhante de amputação
da paisagem. As empresas mineradoras podem usar os melhores métodos
de gestão ambiental (recirculação de água, máquinas e equipamentos
eficientes, controle de material particulado e programa de recuperação de
área degradada); mas quando se fecha a mina, a montanha não está mais
lá. No lugar da serra ou do pico, existe um buraco. Assim é modificada toda
a paisagem e, com ela, mudam o microclima, a fauna, a flora, a dinâmica
hidrológica. A função ecológica que era exercida pela montanha é extinta.
Esse impacto, da ausência do material retirado, é inerente à atividade
mineral e não pode ser evitado por nenhuma tecnologia de gestão.
(MILANEZ, p.94, 2017)
À exemplo dos casos de Mariana e Brumadinho, as famílias questionam e
afirmam que temem o risco de acontecer a mesma catástrofe. Apesar das empresas
alegarem que não há risco, já foi constatado que há sim risco, e inclusive a
comunidade Antônio Maria Coelho tem consciência que sofre este risco.
A seguir podemos ver duas manchetes de jornais (Figura 2), sendo a do lado
esquerdo do ano de 2015, onde a empresa Vale do Rio Doce afirma que não há
risco de rompimento das barragens. Porém, vale lembrar que a mesma Companhia
também fez a mesma afirmação antes dos desastres de Mariana e de Brumadinho.
Na outra manchete, do ano 2019, um estudo aponta problemas nas barragens da
empresa Vetorial.

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FIGURA 2- Reportagens sobre os riscos de rompimento das barragens em


Corumbá-MS

Fonte: Jornal A crítica (2015) e Jornal Diário Corumbaense (2019)

Em matéria do dia 28/01/2019, o Jornal eletrônico Top Midia News 4 descreve


em sua manchete “Em caso de chuva intensa, barragem em Corumbá pode causar
danos ao Pantanal”. Analistas alertam que em caso de rompimento, uma onda de
lama tóxica de 61 cm de altura, em velocidade de 2 minutos, em um raio de 13 km
mínimo, poderia contaminar especialmente a população da comunidade e toda a
cidade, colocando toda a população em risco de vida. Alerta também que a
contaminação poderia descer por toda a região do Pantanal podendo chegar até o
Uruguai. Também a Defesa Civil alerta a não fiscalização semestral que deveria ser
realizada pelo IMASUL (Instituto do Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul), que não
cumpre a função há dois anos. Os pesquisadores consideram a barragem de porte
médio, e com dano potencial associado, que se caracteriza por: presença humana,
fauna e flora, volume do reservatório e impactos sócio econômicos.
O mesmo jornal, em matéria do dia 08/02/2019, descreve que o “MPF expede
recomendações para garantir segurança de barragem em Corumbá”. Neste alerta, a
Política Nacional de Segurança das Barragens preconiza inspeções periódicas,

4
www.topmidianews.com.br/interior/em-caso-de-chuva-intensa-barragem-em-corumba-pode-causar-danos-
ao-pantanal/43038

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laudos, e relatórios, que devem estar disponíveis para toda a sociedade


acompanhar.
Uma última matéria encontrada sobre o volume das extrações de minérios
informa que em 2012 a empresa extraía 4,4 milhões de toneladas de ferro por ano, e
que estava solicitando licença para expandir para 10 milhões, ou seja, em 138% de
expansão. Não foram encontradas as últimas informações para nossos subsídios,
entretanto, sabe-se que os resultados monetários do processo de expansão do
capital não são devolvidos e nem compartilhados com as comunidades atingidas.
No capitalismo, a produção é social, mas a apropriação dos resultados da
produção é privada. Essa contradição fundamental anuncia o descompasso
histórico entre o progresso material e o progresso social (MARTINS, 1997,
p. 94).
Geograficamente, os processos de extração de bens comuns têm alterado
drasticamente pequenos e grandes espaços sociais, transformando-os em crateras,
cemitérios de lixos, alterando curso de rios, além dos impactos diretos na vida de
populações inteiras, assim como a população que saiu da comunidade e migrou
para as periferias de Corumbá. Certamente, a desagregação de suas parentelas e
modos de vida comunitários, tem e terão influência sobre todo o seu futuro.
Os diversos problemas acima relatados mostram que a resistência é algo
essencial para a sobrevivência da comunidade Antônio Maria Coelho, que se vê em
uma situação muito delicada, uma vez que estas empresas tem ao seu lado os
vários elementos organizados e conduzidos pelo Estado, que confisca seus bens e
territórios, que deixa a desejar na sua função de fiscalização, não aplica as devidas
penalidades, e não dá à comunidade a devida assistência para enfrentar estes
problemas. Sendo assim, a comunidade passa a buscar outras formas de resistir e
sobreviver.

O cultivo da bocaiuva como forma de resistir


Além dos problemas relacionados á mineração na região, a comunidade
também enfrenta problemas internos devido a ausencia de politicas estatais que
ajudem a comunidade. Um dos problemas relatados é que a única escola da
comunidade está correndo risco de ser fechada devido a falta de recursos. Outro
problema é em relação a saúde, uma vez que a comunidade tem um posto de
saúde, mas não há médicos fixos trabalhando lá, moradores relatam que há um

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médico durante um dia da semana, mas também há semanas que ele não aparece
por lá.
Vale destacar que a comunidade também apresenta dificuldades em se
organizar devido ao fato de não ser reconhecida como uma comunidade tradicional
quilombola, a falta de documentação dificulta o reconhecimento de uma data de
início da comunidade, o que gera um não reconhecimento do Estado quanto a sua
identidade.
A saída que a comunidade tem encontrado atualmente para resistir a tantos
problemas vem do cultivo de uma fruta altamente nutritiva e que gera vários
derivados, chamada bocaiuva. Com o cultivo desta fruta a comunidade tem
conseguido uma renda extra para as famílias, que em sua maioria vivem do trabalho
nas indústrias e mineradoras.
Sobre a bocaiuva cultivada no local, há vários estudos e artigos,
especialmente elaborados pelos pesquisadores da Embrapa. Esta planta alimentícia
é considerada muito resistente, além de abundante no local. A comunidade relatou
que tinha uma anciã que fazia o processamento, que a mesma morreu há dois anos,
e repassou os conhecimentos para a geração atual. Na época, o produto
processado por ela era vendido no comercio local sem identidade e origem, como se
fosse de outras pessoas. Então, com o apoio de uma ONG e da Embrapa, tiveram
apoio e hoje produzem sucos, geleias, doces, farinhas, óleos, sorvetes (Foto 4) e
também artesanatos com as folhas da bocaiúva, tudo feito numa pequena
agroindústria local. Esses produtos são comercializados com selo social da
comunidade, o que gera pequena renda alternativa para as famílias viverem um
pouco melhor.

Foto 4- Doces, bebidas e geleias derivados da Bocaiúva

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Foto: Leonardo Calixto Maruchi (2019)


Fonte: Aula de campo (2019)

A comunidade tem a intenção de aumentar a produção da fruta e seus


derivados, e inclusive pensam em criar uma associação de produtores de bocaiúva,
mas esbarram em alguns problemas burocráticos como a não-regularização
fundiária, o que acaba dificultando a produção e o fornecimento dos produtos para
instituições via programas e políticas públicas oficiais, como nas escolas, por
exemplo. Além da falta de dinheiro para investir em maquinários e aumentar a
produção.

Considerações finais
Este breve relato de parte da realidade dos moradores da Comunidade
Tradicional Antônio Maria Coelho, nos remete às recentes tragédias de Mariana
(2015), e Brumadinho (2019). De forma assustadora, é possível analisar e fazer
paralelos sobre o conjunto de impactos que poderão ocorrer, caso alguma das
barragens se rompa na região, com o agravante de que a região em questão está
situada dentro do bioma Pantanal, considerado um dos santuários mais importantes
do mundo, no que diz respeito à exuberância da flora e da fauna, além de ser abrigo
para várias comunidades e seus povos tradicionais, indígenas, ribeirinhos,
pescadores, e das águas que ultrapassam os limites brasileiros, onde um acidente
poderia causar danos irreversíveis, que jamais poderão ser compensados
financeiramente. Vários analistas consideram que em relação à Brumadinho, “não foi

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acidente, foi crime, foi previsto”. Perguntamo-nos, preliminarmente: “Vale a pena ter
essa empresa com o risco de contaminar todo o bioma Pantanal? Quais os custos
que podemos sofrer? Qual o lucro e para onde ele vai? Quem responderá pela
morte do Pantanal e de tantas comunidades ribeirinhas?”
A chegada dos empreendimentos de mineração, só trouxe problemas à
comunidade. Ocasionou perdas enormes da qualidade dos seus recursos naturais
que lhes garantiam uma boa qualidade de vida, consequentemente também perda
da capacidade econômica local de produzir para seu auto consumo, diminuição das
suas áreas de lazer, colocou em risco seu patrimônio familiar que é seu cemitério
entre outros, perderam-se vidas pelo aumento dos problemas de saúde, viu-se
fragmentada pela perda de seus familiares que foram afugentados, entre outros
enormes dilemas, causada pelo confisco de seu território e pela exploração
desenfreada.
Vimos diariamente nos jornais brasileiros, tragédias5 que afetam
comunidades, dizimam modos de vida, alteram cursos da natureza, impactam
diretamente na saúde das pessoas. Este pequeno extrato da vida na comunidade,
apenas nos dá mostras do modelo de produção capitalista em seu grau agudo de
aprofundamento das imensas desigualdades sociais, levando às imensas parcelas
de populações a serem penalizadas cada vez mais na perda da autodeterminação
de seus territórios e na pobreza.
Estamos vendo diante de nossos olhos, que a expansão da concentração de
capital de todas as formas, e na outra ponta, a defesa dos bens comuns em nosso
país, tem sido inclusive responsável pelo maior número de mortes de defensores
ativistas dos direitos humanos e ambientais. São vários aspectos que deixam em
aberto a necessidade de se fazer um alerta mais contundente sobre o caso de
Corumbá. A falta de informações precisas, a falta de acesso à relatórios, de
fiscalização adequada pelos respectivos órgãos responsáveis, tudo isso colabora
para ausência de participação popular na tomada de decisões importantes sobre a
segurança dos moradores e do bioma Pantanal.
Apesar dos diversos problemas enfrentados, sejam eles causados pelas
mineradoras, pela ausência do Estado ou pelos próprios problemas internos, a
comunidade Antônio Maria Coelho resiste e busca aos poucos se reinventar para

5
https://g1.globo.com/ro/ariquemes-e-vale-do-javari/noticia/2019/03/30/cerca-de-5-familias-estao-isoladas-
apos-rompimento-de-barragem-em-machadinho-doeste-ro.ghtml

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continuar existindo, resta a nós buscarmos colaborar, refletir, sistematizar, debater


para que o próprio Estado enxergue os problemas gerados pelas mineradoras, e
busque dar suporte a essa comunidade e a diversas outras existentes naquela
região, no âmbito local. Entretanto, não cabe dentro do sistema capitalista, uma
exploração de bens econômicos que respeite povos e comunidades tradicionais.
Coincidimos com as análises daqueles que acreditam que é urgente repensar outros
sistemas de produção, onde o lucro não seja o centro do todo da vida.

Referências

BESPALEZ, E. Arqueologia e História Indígena no Pantanal. Revista Estudos


Avançados 29 (83), 2015.

BRASIL, IBGE. Senso Demográfico, 2018. Disponível em: www.ibge.gov.br acesso


em: 10/09/2019.

BRASIL. Agência Nacional de Mineração. Anuário Mineral Brasileiro: Principais


Substâncias Metálicas. Brasília: ANM, 2019.

EMBRAPA PANTANAL. Documentos - 95: Resumos do II Encontro de Iniciação


Científica da Embrapa Pantanal e Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.

FERREIRA, A.B.B. Pantanal Matogrossense: considerações sobre a proteção


constitucional para um desenvolvimento econômico sustentável. Revista
INTERAÇÕES. Campo Grande, v.14, n.1, p. 11-20, jan./jun. 2013.

LAMOSO, L.P. A Exploração Mineral no Estado de Mato Grosso do Sul – Brasil


[http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8136/tde27072001231952/publico/lamos
o.pdf]

MARTINS, J. S. Fronteira. A degradação do Outro nos confins do humano. Editora


Hucitec, São Paulo: 1.997.

MILANEZ, B. Mineração, ambiente e sociedade: Impactos complexos e


simplificação da legislação Boletim regional, urbano e ambiental. IPEA. jan.-jun.
2017.

PORTOGONÇALVES, C.W. Geografia da riqueza, fome e meio ambiente:


pequena contribuição crítica ao atual modelo agrário/agrícola de uso dos
recursos naturais. Revista InterThesis, 2004, PPGICH-UFSC.

Sites:

JORNAL A CRÍTICA: http://www.acritica.net/editorias/geral/mineradora-garante-ao-


prefeito-de-corumba-que-barragens-nao/157771 : Acesso em 25/03/2019

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JORNAL CORREIO DO ESTADO.


https://www.correiodoestado.com.br/cidades/rompimento-de-barragens-em-corumba-
pode-afetar-comunidade-com-19/346140 : Acesso em 27/03/2019.

JORNAL CORREIO DO MS:


WWW.Correiodoms.com.br/noticias/agronegocio/matéria do dia 29/01/2019: Maior
barragem de Corumbá é classificada com potencial de dano entre médio e alto pela
Agência Nacional de Mineração

JORNAL DIARIO CORUMBAENSE ONLINE.


https://diarionline.com.br/static/edicoes/diariocorumbaense-2557.pdf: Acesso em:
25/03/2019.

REVISTA INTER THESIS – Revista Internacional e Interdisciplinar – PPGICH-UFSC.


http://www.anm.gov.br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas

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ATERRO SANITÁRIO NA FRONTEIRA BRASIL-BOLÍVIA


Sanitary Landfill On The Brazil – Bolívia Border
Relleno Sanitário En La Frontera Brasil - Bolívia

Diego da Silva Ferreira Rosa

Resumo: O presente artigo visa analisar aspectos de uma possível solução para a
disposição de resíduos sólidos na fronteira Brasil – Bolívia, haja vista, a dificuldade
enfrentada pelo município de Corumbá em estabelecer arranjo intermunicipal,
considerando apenas os municípios brasileiros. Em uma análise além do limite
fronteiriço, vislumbra-se como potencialmente possível a implantação de aterro
sanitário em conjunto com a cidade fronteiriça da Bolívia, Puerto Quijarro. Tal
realização auxiliará Corumbá e Ladário na consecução do estabelecido pela Política
Nacional de Resíduos Sólidos – PERS e concomitantemente poderá desenvolver a
gestão de resíduos do país vizinho, ao menos na cidade fronteiriça.
Palavras-chave: Meio Ambiente; Resíduos Sólidos; Fronteira; Aterro Sanitário;
Cooperação.

Abstract: The present article aims to analyze aspects of a possible solid waste
disposal solution in the Brazil - Bolivia border, given the difficulty faced by the
Municipality of Corumbá in establishing an intermunicipal arrangement, considering
only the Brazilian municipalities. In an analysis beyond the borderline, it is possible to
envisage the implantation of a sanitary landfill in conjunction with the border city of
Bolivia, Puerto Quijarro. Such an accomplishment will help Corumbá and Ladário in
achieving the National Solid Waste Policy - NSWP and concomitantly can develop
the waste management of the neighboring country, at least in the border city.
Keywords: Environment; Solid Waste; Border; Sanitary Landfill; Cooperation.

Resúmen: El presente tiene como objetivo analizar aspectos de una posible


solución para la eliminación de residuos sólidos en la frontera entre Brasil y Bolivia,
dada la dificultad que enfrenta el Municipio de Corumbá para establecer un acuerdo
intermunicipal, considerando solo los municipios brasileños. En un análisis más allá
de la frontera, es posible prever la implantación de un relleno sanitario en conjunto
con las ciudad fronteriza de Bolivia, Puerto Quijarro. Tal logro ayudará a Corumbá y
Ladário a lograr la Política Nacional de Residuos Sólidos: el PERS y, al mismo
tiempo, pueden desarrollar la gestión de desechos del país vecino, al menos en las
ciudades fronterizas.
Palabras clave: Medio Ambiente; Residuos sólidos; Frontera; Relleno Sanitario;
Cooperación.


Bacharel em Segurança Pública pela Academia Policial Militar do Guatupê (2011), Especialista em
Gestão, Licenciamento e Auditoria Ambiental pela Universidade Norte do Paraná (2018), Mestrando
em Estudos Fronteiriços pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. E-mail:
diegofms.ferreira@gmail.com

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Introdução
Desde a Revolução Industrial e a consequente formação dos grandes centros
urbanos há a concentração de resíduos sólidos nas cidades, de tal sorte que chega
a níveis alarmantes, tendo o tema se destacado nas últimas décadas.
Tal preocupação resultou em várias ações para debater a respeito do tema,
inclusive na formação de políticas públicas e legislações para traçar as diretrizes a
serem seguidas pelo poder público e a população como um todo
Não obstante todo o esforço envidado, as diretrizes traçadas e as soluções
apontadas ainda não foram atingidas em sua plenitude. Dentre as várias dificuldades
apontadas estão a viabilidade técnica, jurídica e principalmente financeira, o que faz
com que alternativas sejam buscadas para uma gestão mais eficaz do manejo de
resíduos sólidos:
O objetivo deste trabalho é analisar aspectos de implantação de um aterro
sanitário binacional para a disposição de resíduos sólidos na fronteira Brasil –
Bolívia, região de Corumbá. O referido objetivo será alcançado pela persecução dos
seguintes objetivos específicos: Demonstrar as dificuldades encontradas pelos
municípios de Corumbá e Ladário para atendimento ao disposto na Política Nacional
de Resíduos Sólidos – PERS no tocante à gestão de resíduos sólidos; demonstrar
as dificuldades encontradas pelo município de Puerto Quijarro na gestão de seus
resíduos sólidos; analisar os aspectos de uma possível gestão conjunta de resíduos
sólidos.

Metodologia
Foi utilizado o método de pesquisa bibliográfica, a fim de embasar os
argumentos apresentados, bem como servir de consulta às informações necessárias
para melhor compreensão dos objetivos do presente artigo. Pela bibliografia
consultada é possível constatar o quão importante é a aproximação das cidades
fronteiriças objeto do presente trabalho para uma gestão mais eficiente, devido às
distâncias em que tais cidades se encontram, bem como as demais dificuldades por
elas enfrentadas e que serão tratadas nos tópicos seguintes.
A partir das fontes consultadas fica evidente que algumas das dificuldades
são comuns às cidades fronteiriças em questão, fato que tornaria mais eficiente uma
gestão desenvolvida de forma conjunta. Além disso também é possível perceber que

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tratados internacionais podem auxiliar o desenvolvimento de políticas públicas que


possam ir além do limite territorial.

Resultados da pesquisa
Sobre a gestão de resíduos sólidos.
No que concerne à gestão de resíduos, o tema tem se mostrado como
prioridade em escala global, pois após a revolução industrial – com o incremento da
população urbana e concomitante êxodo rural -, os conglomerados urbanos
passaram a ter como um problema o destino final do lixo gerado por seus
habitantes, chegando a nível de urgência a partir da década de 90, como se pode
observar a seguir:
Em escala global, o tema resíduos sólidos tem se mostrado prioritário desde
a Conferência Rio 92, tanto nos países ricos quanto nos mais pobres, por
contribuir direta ou indiretamente com o aquecimento global e as mudanças
do clima. Desde a Rio 92, incorporaram-se novas prioridades à gestão
sustentável de resíduos sólidos que representaram uma mudança
paradigmática, que tem direcionado a atuação dos governos, da sociedade
e da indústria. Incluem-se nessas prioridades a redução de resíduos nas
fontes geradoras e a redução da disposição final no solo, a maximização do
reaproveitamento, da coleta seletiva e da reciclagem com inclusão
socioprodutiva de catadores e participação da sociedade, a compostagem e
a recuperação de energia (Jacobi, 2011).
Outros fatores importantes também contribuíram para que o debate sobre o
destino e a própria gestão do lixo fosse um tema em destaque, como por exemplo a
ampliação dos direitos humanos, o que atinge diretamente a questão dos catadores
de lixo, fazendo com que vários setores da sociedade expressassem sua
preocupação, das mais variadas formas, como pode ser notado no documentário
“Ilha das Flores”, de 1989.
Não podemos deixar de mencionar também a cultura consumista,
principalmente se aliada aos produtos advindos da inovação tecnológica. “Além do
expressivo crescimento da geração desses resíduos, observam-se, ainda, ao longo
dos últimos anos, mudanças significativas em sua composição e características e o
aumento de sua periculosidade” (OMS, 2010; EPA, 2010). A evolução tecnológica
possibilitou o acesso a produtos cada vez mais elaborados, com materiais de outro
nível de sofisticação, tornando necessária maior atenção e adequação ao descarte
de tais materiais, devido aos riscos de maiores danos à saúde humana e ao meio
ambiente.

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Se, no cenário mundial o tema se mostrou relevante, em âmbito nacional e


regional não poderia ser diferente, tendo a preocupação chegado ao nível onde
realmente haverá a disposição e tratamento dos resíduos sólidos: os municípios.

O tema resíduos sólidos em âmbito nacional


No Brasil, a Lei nº 12.305, de 02 de agosto de 2010, instituiu a Política
Nacional de Resíduos Sólidos, sendo considerada o marco regulatório para o tema
no país. Suas diretrizes têm como objetivo envolver e engajar sociedade civil,
empresas e esfera pública visando elevar patamares de gestão, promovendo
melhorias na qualidade ambiental e também na vida da população” (Matos, 2012).
Nela são consideradas as variáveis ambientais, sociais, culturais, econômicas,
tecnológicas e de saúde pública, bem como a promoção do desenvolvimento
sustentável e da eficiência ecológica. A PNRS inova ao propor diretrizes que traçam
responsabilidades solidárias, seja na produção, consumo e pós-consumo dos
produtos, além de envolver os setores públicos responsáveis. Todo esse conjunto
caracteriza uma proposição de prevenção/redução e não apenas uma medida
mitigadora.
A PNRS inova ao trazer várias mudanças, seja na Administração Pública, seja
nas organizações privadas de diversos segmentos, bem como nas organizações não
governamentais. A referida legislação responsabiliza todos os envolvidos no ciclo de
vida dos produtos, incluindo os cidadãos. Dentre essas mudanças, pode-se destacar
o que menciona o artigo 3º, sobre os efeitos desta lei no que diz respeito à
destinação e disposição final ambientalmente adequada de resíduos, desde a
reutilização, logística reversa, reciclagem, compostagem, recuperação e
aproveitamento energético repensando-se as destinações adequadas (Brasil, 2010).
IEMA/TCE-MS (2016) também faz estas mesmas observações quando cita que um
dos princípios básicos da PNRS é a obediência à seguinte ordem de prioridades de
ações: não geração, redução, reutilização, reciclagem e tratamento dos resíduos
sólidos, bem como disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos.
Dessa forma, tal princípio representa um desafio relevante, tendo em vista a
situação da disposição final dos resíduos sólidos nos municípios brasileiros. A
Abrelpe (2014) destaca que a destinação de resíduos sólidos em locais inadequados
é um dos piores impactos causados ao meio ambiente, contaminando diretamente o
solo, as águas, o ar e representa um perigo para a saúde humana. “Além de ser

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uma prática ilegal, cujos efeitos negativos não são controláveis, com o passar do
tempo terá custos cada vez mais elevados para adoção de medidas de controle e
remediação” (Abrelpe, 2014).
Mas, a problemática da disposição inadequada de resíduos sólidos vai muito
além dos aspectos de contaminação do solo, águas subterrâneas e superficiais e da
proliferação de doenças. A pesquisa realizada pelo IBGE (2008), concluiu que
30,7% dos municípios brasileiros sofrem com inundações causadas por lançamento
inadequado de resíduos sólidos em vias, ruas, avenidas e mananciais superficiais.
Por isso, dada sua importância e urgência, este diploma normativo
estabeleceu prazo inicialmente até 2014 para que os entes federados
estabelecessem seus Planos Integrados de Gestão de Resíduos Sólidos. Entretanto,
contrariando ambientalistas e alguns especialistas, o prazo para adequação
segundo a referida lei foi dilatado mais de uma vez, sob os mais variados
argumentos, desde falta de disponibilidade técnica e financeira até distribuição de
competências, pois há quem defenda que os municípios não poderiam arcar
sozinhos com um problema que é de todos. “O cenário atual se apresenta de forma
crítica, já que 60% dos municípios adotam soluções inadequadas para disposição
dos resíduos sólidos urbanos” Matos (2012).
Neste sentido, é importante ressaltar que a PNRS almeja, de forma
audaciosa, a readequação dos rejeitos urbanos, substituindo todos os lixões e
aterros controlados por aterros sanitários. O custo para tal substituição, divulgado na
maioria das mídias, é estimado em torno de R$ 11 bilhões de reais. Segundo o
governo, tal orçamento é previsto, mas é provável que municípios pequenos tenham
dificuldade para conseguir esse financiamento principalmente pela deficiência
técnica e administrativa do quadro funcional, o que enseja a formação de consórcios
para que municípios próximos uns dos outros possam dividir os custos de
implantação e operação de seus aterros sanitários.
Inclusive no levantamento elaborado pelo Tribunal de Contas de MS em 2016,
são constatadas as enormes dificuldades enfrentadas pelos municípios, sobretudo
os menores, em se enquadrarem ao que determina a PNRS. O levantamento
corrobora ainda a situação em que se encontram os municípios brasileiros, no
aspecto de gerenciamento de resíduos sólidos urbanos, que é bastante precária,
apesar de todos os esforços dos organismos nacionais e internacionais para buscar

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fontes alternativas, bem como para dispor a seu favor recursos para os
investimentos necessários (IEAMA/TCE-MS, 2016).
No estado de Mato Grosso do Sul a situação não é diferente. Na esmagadora
maioria dos municípios, o destino final dos resíduos sólidos urbanos é o lixão a céu
aberto (IEAMA/TCE-MS, 2016).
Dessa forma, explanado brevemente o panorama mundial e nacional, e
considerando o não cumprimento do prazo definido pela PNRS, além de que muitos
municípios não têm políticas públicas para a adequada destinação de seus resíduos
sólidos, será iniciada a abordagem à gestão de resíduos sólidos no município de
Corumbá - MS.

O município de Corumbá
O Município de Corumbá – MS possui atualmente área total de 64.960,863
Km², segundo a Embrapa Monitoramento por Satélite. Desse total, apenas 21,57
Km² são área urbana e o restante, área rural. A população do Município soma
aproximadamente 110.000 habitantes. Há de se ressaltar que Corumbá está inserida
em área de fronteira com os países Paraguai e Bolívia, além de fazer divisa com o
Estado de Mato Grosso e os municípios de Aquidauana, Miranda, Sonora, Coxim e
Rio Verde de Mato Grosso. Ademais o município de Ladário está inserido na região
de Corumbá, contando com 342,509 Km² e população aproximada de 20.000
habitantes.
No turismo, a região se destaca no cenário nacional, precipuamente pelo
turismo de pesca, haja vista a rica hidrografia, constituída principalmente pelo Rio
Paraguai - certamente um dos rios mais importantes do país -, o qual, pelo Canal do
Tamengo, oferece à Bolívia o único acesso ao mar. Além disso, a maior parte do
Pantanal - protegido constitucionalmente e considerado Patrimônio Natural Mundial
e Reserva da Biosfera – encontra-se inserta no município de Corumbá. Todo esse
cenário faz com que a região alcance números significativos, como
aproximadamente 60 mil turistas no ano de 2017. Ressalta-se que a característica
por muitos atribuída ao Pantanal de santuário ecológico torna a preocupação com o
meio ambiente ainda maior, o que consequentemente, transfere grande parte dessa
preocupação ao município de Corumbá.

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O município de Ladário
Como ressaltado no tópico anterior, Ladário encontra-se inserido no município
de Corumbá, sendo que inclusive as cidades são consideradas, de maneira informal,
uma área conurbada, haja vista a pequena distância entre seus centros de
aproximadamente 06 (seis) quilômetros.
Essa peculiaridade faz com que muitas ações sejam desenvolvidas em
conjunto e quando não, um município acaba tendo interferências pela ação do
vizinho, principalmente no que tange a meio ambiente, por exemplo: lei de proibição
do dourado. Em Corumbá a pesca, transporte e comercialização do dourado já era
proibida, ao contrário de Ladário, onde tal vedação não existia, até o advento da
proibição em nível estadual. Dessa forma, era possível pescar e até comercializar a
referida espécie no município de Ladário, entretanto o transporte restava
impossibilitado, pois para se sair de Ladário e chegar a outro destino é preciso
passar por Corumbá, onde a legislação já vedava o transporte de tal pescado. Outro
exemplo importante para o presente estudo é a destinação do lixo produzido em
ambas as cidades, fato que inevitavelmente teve como consequência o consórcio
entre Corumbá e Ladário para a implantação de um único aterro sanitário.

Gestão de resíduos sólidos em Corumbá


Acompanhando o cenário nacional e internacional, o município de Corumbá
tem demonstrado grande preocupação quanto à gestão de resíduos sólidos em sua
área, atuando das mais diversas formas previstas em legislação referente ao tema,
quer seja por meio de divulgação, de estudos técnicos, políticas de gestão de
resíduos e obviamente, educação ambiental. Entretanto, o processo de
licenciamento ambiental para um dos empreendimentos principais para a boa gestão
dos resíduos no município, o aterro sanitário (projeto), iniciou-se em 2003 e mesmo
após uma série de readequações e complementações exigidas pelo atual Instituto
de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul – IMASUL, passado-se mais de uma
década, ainda não foi concluído e, consequentemente ainda não se encontra em
operação. Ressalta-se que o município chegou a ser condenado judicialmente após
ação perpetrada pelo Ministério Publico Estadual. No entanto, Corumbá não foi a
única cidade a ter problema com a implantação do aterro sanitário, de tal sorte que
se começou uma discussão nacional acerca do tema, pois inúmeros municípios não

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conseguiram seguir os prazos previstos em legislação para a adequada destinação


de seus resíduos.
Fato é que para uma boa gestão dos resíduos sólidos não basta apenas ter
uma destinação adequada, é necessário também a redução da quantidade de lixo
produzida, além do incentivo à reutilização e reciclagem. Tais fatores não ocorrerão
dissociados de uma mudança cultural da população, o que pode ser impulsionada
pelos trabalhos de educação ambiental. Outras ferramentas também podem ser
aplicadas concomitantemente, por exemplo a coleta seletiva, que já ocorre em
Corumbá, porém a utilização de tais ferramentas sem a devida ou até mesmo
ineficiente conscientização dos usuários, não surtirá o efeito esperado. Como maior
exemplo temos a implantação dos PEVs (Pontos de Entrega Voluntária), os quais
caracterizam um projeto inovador e com condições de contribuir para uma melhor
gestão dos resíduos produzidos em Corumbá, mas que, passados mais de quatro
anos de sua implantação, não houve êxito considerável e o que se tem visto é a
utilização incorreta e indiscriminada dos PEVS, servindo de destino para animais
mortos, lixo de todo o tipo e alguns sofreram ações de vandalismo, chegando a
serem queimados. Do mesmo modo, a área que hoje abriga o lixão, possui setor
específico para destinação de resíduos hospitalares e resíduos de construção,
entretanto pouco é informado a respeito, seja pela mídia ou pelos órgãos
competentes.
Frente a todas essas dificuldades acima elencadas, várias ideias foram
apresentadas em encontros marcados para se discutir a destinação dos rejeitos
urbanos. Um desses eventos ocorreu nos dias 13 e 14 de novembro de 2017.
Promovido pelo Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul – IMASUL, o
Encontro sobre Gestão de Resíduos Sólidos apresentou como possíveis soluções o
que já vem sendo aplicado em outros estados: a destinação do lixo para aterros
privados e consórcios. Apontada como solução mais viável para o momento, a
realização de consórcios no estado de Mato Grosso do Sul teve várias versões
apresentadas. De qualquer forma, a única viável para Corumbá, devido suas
peculiaridades – como suas grandes dimensões, por exemplo -, é o consórcio com o
município de Ladário, pois este encontra-se inserto em Corumbá, podendo contribuir
com os custos de implantação e operação proporcionalmente ao seu consumo.
Segundo a proposta de arranjo intermunicipal de Corumbá para destinação de
resíduos sólidos, Ladário contribuiria com 15,70% dos investimentos necessários

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para o aterro sanitário que atenderá ao consórcio, haja vista ser essa sua
proporcionalidade de material a ser aterrado ao longo do Plano Estadual de
Resíduos Sólidos – PERS. Por conseguinte, à Corumbá incumbiria 84,30% do
montante a ser investido, levando-se em conta sua geração de resíduos frente ao
total produzido por ambos os municípios participantes do arranjo proposto e
apresentando pelo IMASUL.

FIGURA 1 – Proposta de regionalização – Plano estadual de resíduos sólidos.

Fonte: Plano Estadual de Resíduos Sólidos de Mato Grosso do Sul. Disponível em:
http://www.imasul.ms.gov.br/wpcontent/uploads/sites/74/2017/04/APRESENTACAO_VERSAO_PREL
IMINAR_PERS-MS.pdf

O município de Puerto Quijarro


É uma cidade que faz fronteira seca com Corumbá, situada na
província de Germán Busch, Departamento de Santa Cruz na Bolívia e conta com
aproximadamente 19.000 habitantes (INE, 2017). As principais atividades são o
comércio, armazéns e transporte, inclusive o fluvial, para o qual conta com o canal
tamengo para escoar os produtos de seu porto. No tocante a biomas, localiza-se no
chaco boliviano, o que torna relevante a preservação ambiental, assim como no
pantanal de Corumbá.

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Gestão de resíduos sólidos em Puerto Quijarro


Na Bolívia, há a Lei Nacional de Meio Ambiente nº 1033, publicada em 15 de
junho de 1992, a qual estabelece as diretrizes para proteção e conservação do meio
ambiente, regulação das ações humanas sobre a natureza e a promoção do
desenvolvimento sustentável. No que tange à gestão de resíduos sólidos, a referida
lei é regulamentada pelo Decreto Supremo nº 24.176, de 08 de dezembro de 1995, o
qual por sua vez, em seu Art. 91, h, traz a proibição de se estabelecer lixões ou
fomentar sua existência (MMAYA, 2019).
Apesar da legislação existente é possível constatar que não é atendida em
sua íntegra, ao analisar a gestão ambiental no município de Puerto Quijarro. Ainda
remanesce o lixão, o qual não possui balança para mensurar a quantidade de
resíduos. A coleta não atinge a totalidade da cidade, pelo que é possível constatar a
existência de grande quantidade de resíduos dispersos em vários pontos da cidade
(SEHER, 2011).

Um olhar além do limite


Na figura acima e conforme exposto no tópico anterior, Corumbá se apresenta
em uma situação mais difícil que a dos outros municípios no Plano Estadual de
Resíduos Sólidos de Mato Grosso do Sul – PERS, pois o município mais próximo de
seu centro urbano encontra-se a mais de 200 (duzentos) quilômetros, o que
inviabilizaria um consórcio intermunicipal com o município de Miranda, por exemplo.
Entretanto, se olharmos além dos limites territoriais podemos enxergar uma
outra opção, se não considerarmos limite como um óbice, que na verdade não o é.
Pois o limite jurídico do território é uma abstração, gerada e sustentada pela ação
institucional no sentido de controle efetivo do Estado Territorial, portanto, um
instrumento de separação entre unidades políticas soberanas (Machado, 2000).
À parte as questões de soberania nacional, a proximidade entre as cidades de
Corumbá, Puerto Quijarro, levaria logicamente a um arranjo intermunicipal para
disposição de resíduos sólidos. Ademais, não podemos olvidar que respeitadas as
soberanias e as questões específicas de fronteira, o Brasil é Estado Parte do
Mercosul e a Bolívia é Estado Associado.

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Mercosul e Unasul
O Mercado Comum do Sul – MERCOSUL, seguiu os moldes do Mercado
Comum Europeu, sendo firmado em 26 de março de 1991, em Assunción, no
Paraguai, pelo Tratado de Assunção. Dentre os vários objetivos do MERCOSUL, há
também o compromisso de harmonizar legislações nas áreas pertinentes, inclusive
no que tange à proteção do meio ambiente e ao desenvolvimento sustentável.
A União de Nações Sul-Americanas é formada pelos doze países sul-
americanos e tem dentre seus objetivos a integração de seus países membros, nos
mais diversos campos: social, econômico, político, cultural, formando uma
comunidade sul-americana de nações. Foi estabelecida em 23 de maio de 2008, em
Brasília, Brasil.

A questão jurídica.
É necessário um estudo mais aprofundado especificamente sobre a questão
jurídica, devido ao envolvimento de temas como meio ambiente e fronteira.
Entretanto, será necessário, para o alcance do proposto no presente trabalho, a
celebração de um acordo de cooperação técnica internacional que verse sobre a
gestão compartilhada de resíduos sólidos na fronteira em questão. Na persecução
desse objetivo, tratados internacionais como o Mercosul e Unasul, acima
mencionados são imprescindíveis para demonstrar a necessidade de integração
entre os países signatários.

Conclusão
Pelo presente artigo é possível evidenciar a dificuldade que Corumbá possui
para a gestão de resíduos sólidos e consequentemente para a implantação de seu
aterro sanitário, diante dos outros municípios, de acordo com o Plano Estadual de
Resíduos Sólidos – PERS, pois o município mais próximo é Miranda – a mais de 200
km de distância – e Ladário, que na verdade trata-se de um enclave geográfico.
Entretanto, também fica latente que o município boliviano próximo a Corumbá,
Puerto Quijarro, também não consegue atingir o preconizado pela legislação
boliviana, apresentando dificuldades na gestão de seus resíduos, muitas delas
comuns às de Corumbá.

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Destarte, a união dos municípios fronteiriços com o fito de desenvolver uma


política conjunta, pode contribuir sobremaneira para a gestão de resíduos na
fronteira em comento, sendo necessária a adoção de algumas ações como:
- Realização de encontros binacionais sobre a temática resíduos sólidos;
- Pesquisas sobre a viabilidade técnica e jurídica – inclusive no que tange às
especificidades de fronteira - para a implantação de um aterro sanitário na cidade de
Puerto Quijarro;
- Realização de encontros/reunião entre autoridades e outros atores sociais
de ambos os países, no intuito de se discutir uma política de gestão de resíduos
sólidos na fronteira, que vise à sustentabilidade e a economia de recursos, mas sem
interferir nas respectivas legislações dos municípios e países envolvidos.
Dessa forma, resta evidente a necessidade de se realizar eventos que visem
a aproximação dos países e municípios fronteiriços vizinhos, na região de Corumbá,
para alcançar objetivos preconizados na nossa Política Nacional de Resíduos
Sólidos e na Constituição Federal de 1988, quais sejam respectivamente: destinação
adequada de resíduos meio ambiente ecologicamente equilibrado, agregando o país
vizinho para que também desfrute do mesmo êxito.

Referências

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<http://www.abrelpe.org.br/Panorama/panorama2014.pdf>. Acesso em: 19 jul. 2016.

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1333 del medio ambiente. BO, JUN 1992. Disponível em:
<https://www.mmaya.gob.bo/marco-legal/leyes-y-normas/>.

BRASIL. Lei nº 12.305, de 02 de agosto de 2010. Institui a Política Nacional de


Resíduos Sólidos; altera a Lei no 9.605, de 12 de fevereiro de 1998; e dá outras
providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 03 ago
2010.

EPA – Environment Protection Agency. Climate Change and Waste. Reducing


Waste Can Make a Difference. Acesso em: 3 set. 2010.

ILHA das Flores, Direção: Jorge Furtado, Brasil, 1999. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=KAzhAXjUG28

INE - Instituto nacional de estadística. Notas de prensa 2017. JUN 2017. Disponível
em: <https://www.ine.gob.bo/index.php/prensa/notas-de-prensa/item/569-puerto-
quijarro-cuenta-con-aproximadamente-19-000-habitantes-a-2017>.

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IEAMA. Campo Grande: TCE-MS / ESCOEX, 2016. (Série Transparência; 5).

MATOS, P. A nova abordagem na gestão e no gerenciamento municipais de


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Santo André (SP). / Patrícia Matos; orientadora Eulália Portela Negrelos. São Carlos,
2012. Monografia (graduação em engenharia ambiental) – Escola de Engenharia de
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POTT, C. M.; ESTRELA, C. C. DILEMAS AMBIENTAIS E FRONTEIRAS DO


CONHECIMENTO II – Histórico ambiental: Desastres ambientais e o despertar
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Disponível em: <http://www.pnud.org.br/arquivos/relatorio_sintese_ods.pdf>. Acesso
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SEHER. F. A. O Trabalho no lixão e suas implicações socioambientais na


fronteira Brasil-Bolívia. Dissertação (Dissertação do Programa de Mestrado em
estudos fronteiriços) UFMS – Campus do Pantanal. Corumbá. 2011.

Corumbá/MS, Brasil. 7 a 9 de outubro de 2019. ISSN . 2178-2245


871

EVOLUÇÃO DO USO E COBERTURA DA TERRA NA FRONTEIRA CORUMBÁ-


BR E PUERTO QUIJARRO-BOL
Evolution of Land use and Land Cover in The Corumbá-BR and Puerto Quijarro-BOL
Evolución del Uso y Cobertura de la Tierra en la Frontera Corumbá-BR y Puerto
Quijarro-BOL

Edson Rodrigo dos Santos da Silva


Erivelton Pereira Vick
Tayrine Pinho de Lima Fonseca

Resumo: As cidades de Corumbá, Ladário, Puerto Quijarro e Puerto Suárez estão


localizadas na zona de fronteira seca entre Brasil e Bolívia, limite este estabelecido
apenas por uma barreira imaginária interposta entre os dois países. Estes limites, no
entanto, limites não impedem que ocorra a mobilidade da população para além do
limite estabelecido. As relações sociais, economicas e culturais nestas regiões
fronteiriças são particulares e dinamicas, refletindo a forma com a qual as
sociedades fronteiriças se apropriam do espaço. Assim, o presente trabalho objetiva
analisar a evolução do uso e cobertura da terra na região fronteiriça entre os
municípios de Corumbá, Ladário, Puerto Quijarro e Puerto Suárez entre os anos de
1987 e 2018. Para tal foi realizado processo de Classificação digital orientada ao
objeto no software eCognition® 9.2, tendo como classes temáticas a agricultura,
área construída, área de mineração, corpos de águas continentais, pastagens,
vegetação campestre alagada e vegetação natural.
Palavras-chave: área urbana, pastagem, fronteira Brasil-Bolívia,
geoprocessamento, Pantanal.

Abstract: The cities of Corumbá, Ladário, Puerto Quijarro and Puerto Suárez are
located in the dry border zone between Brazil and Bolivia, a limit established only by
an imaginary barrier between the two countries. These limits, however, do not
prevent population mobility beyond the established limit. Social, economic and
cultural relations in these border regions are particular and dynamic, reflecting the
way in which border societies appropriate space. Thus, this paper aims to analyze
the evolution of land use and land cover in the border region between the
municipalities of Corumbá, Ladário, Puerto Quijarro and Puerto Suárez between
1987 and 2018. To this end, an object-oriented digital classification process was
carried out. eCognition® 9.2 software, with thematic classes agriculture, built-up
area, mining area, continental water bodies, pastures, flooded grassland and natural
vegetation.


Graduado em Geografia UFMS/CPAN, Mestrando em Geografia UFMS/CPTL. Bolsista de Mestrado.
E-mail: edson_r_silva@yahoo.com

Graduado em Geografia UNESP-Presidente Prudente, Mestre em Geografia UFMS/CPTL,
Doutorando em Geografia UFMS/CPTL. Bolsista de Doutorado . E-mail: e.vick@hotmail.com

Graduada em Geografia UFMS/CPAN, Mestre em Estudos Fronteiriços UFMS/CPAN. Docente na
UFMS/CPAN. E-mail: tayrine.fonseca@hotmail.com

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872

Key-words: urban area, pasture, border Brasil-Bolívia, geoprocessing, Pantanal.


Resúmen: Las ciudades de Corumbá, Ladário, Puerto Quijarro y Puerto Suárez
están ubicadas en la zona fronteriza seca entre Brasil y Bolivia, un límite establecido
solo por una barrera imaginaria entre los dos países. Sin embargo, estos límites no
impiden la movilidad de la población más allá del límite establecido. Las relaciones
sociales, económicas y culturales en estas regiones fronterizas son particulares y
dinámicas, lo que refleja la forma en que las sociedades fronterizas se apropian del
espacio. Por lo tanto, este documento tiene como objetivo analizar la evolución del
uso y la cobertura del suelo en la región fronteriza entre los municipios de Corumbá,
Ladário, Puerto Quijarro y Puerto Suárez entre 1987 y 2018. Para este fin, se llevó a
cabo un proceso de clasificación digital orientado a objetos. Software eCognition®
9.2, con clases temáticas de agricultura, área urbanizada, área minera, cuerpos de
agua continentales, pastizales, praderas inundadas y vegetación natural.
Palabras clave: area urbana, pasto, frontera Brasil-Bolívia, geoprocesamiento,
Pantanal.

Introdução
O Brasil é o maior país da América do Sul, possuindo uma extensão territorial
de aproximadamente 8.510.820 Km2. Esse território é tão vasto que dentre os doze
países que compõem a América do Sul, nove fazem fronteira com o Brasil, com
exceção de Chile e Equador. Como parte integrante deste continente, a Bolívia
constitui um desses países, desenvolvendo uma ampla linha fronteiriça com o Brasil
medida em aproximadamente 3.423 km de extensão, no qual engloba os Estados de
Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Rondônia e o Acre.
A região fronteiriça entre o Brasil e a Bolívia, localizada no Noroeste do
Estado de Mato Grosso do Sul, entre as cidades de Corumbá e Puerto Quijarro,
representa a área de estudo do presente trabalho. A fronteira entre a Bolívia e o
Brasil nessa localidade é caracterizada por ser uma fronteira seca, ou seja, o que
estabelece o limite fronteiriço entre essas duas cidades é apenas uma barreira
imaginária interposta entre os dois territórios. Neste contexto, Oliveira e Costa
(2012), apontam que “o marco mais visível e simbólico dos limites da fronteira de
Corumbá/Brasil está na aduana da Receita Federal, onde raramente ocorrem
operações de fiscalização”.
Machado (2000), destaca que, esses limites não impedem que ocorra a
movimentação, por parte da população, para além do limite que foi estabelecido, e
isso muitas vezes acaba gerando situações de conflito. O conflito começa a ter
maior intensificação a partir do momento em que o outro território se sente
ameaçado, principalmente quando essa ameaça está diretamente ligada à questão

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econômica. Contudo, Carvalho et al. (2011), afirmam que a fronteira Brasil-Bolívia


pode ser considerada como uma “fronteira irmã, pois seu limite é constituído por
unidades geográficas que não se interrompem pelos limites humanos e econômicos.
Elas ultrapassam as fronteiras nacionais impondo a continuação de suas
caraterísticas constituindo uma só paisagem”.
E conforme Machado (1998), o conceito de fronteira e limite muita das vezes
é utilizado de forma equivocada pois em sua maioria são consideradas como
sinônimos. Entretanto, o autor afirma que os conceitos possuem diferenças
essenciais entre eles, visto que a fronteira significa o que está na frente e nasceu do
desenvolvimento espontâneo da sociedade que se expande além de seus limites,
tornando, portanto, lugares de comunicação. O limite possui um sentido contrário,
sendo um fator de separação entre unidades políticas soberanas, pois é usado como
obstáculo fixo para manter coeso seu território, no sentido de controle de acordo
com os interesses do Estado.
A autora afirma ainda que “as diferenças são essenciais. A fronteira está
orientada ‘para fora’ (forças centrífugas), enquanto os limites estão orientados ‘para
dentro’ (forças centrípetas)” (MACHADO, 1998 p. 42). Nesse entendimento, conclui-
se que o limite é uma condição intrínseca à fronteira, ou seja, é necessário haver um
limite para a existência de uma fronteira que separe as duas jurisdições, entretanto,
isso não impede as interações nesta fronteira, mantendo diversos tipos de trocas
entre as populações locais. Por este motivo, as cidades fronteiriças de Brasil e
Bolívia, nomeadamente Corumbá, Ladário, Puerto Quijarro e Puerto Suárez,
apresentam fortes interações, perceptíveis pelo intenso fluxo de pessoas, capitais,
mercadorias e pelo meio natural criando um meio geográfico próprio de fronteira
numa escala local/regional. Dessa forma, o presente trabalho tem como objetivo
analisar a evolução do uso e cobertura da terra na região fronteiriça entre os
municípios de Corumbá e Ladário em território brasileiro e Puerto Quijarro e Puerto
Suárez na Bolívia.

Materiais e Métodos
Localizada na região Noroeste de Mato Grosso do Sul (Figura 1), às margens
da bacia sedimentar do Pantanal, a região fronteiriça analisada neste estudo
engloba a totalidade das áreas urbanas e parte das áreas rurais dos municípios de
Corumbá e Ladário em território brasileiro e Puerto Quijarro e Puerto Suárez em

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território boliviano, constituindo uma região fronteiriça dinâmica e particular, marcada


pela interação entre elementos externos e internos à paisagem local. Apesar de
presentemente coexistirem à região, estes municípios fronteiros forjaram-se em
períodos diferentes, decorrendo de dinâmicas associadas a estratégias
governamentais. Corumbá e Ladário tem gênese associada a um pequeno posto
militar, envolto por povoamento composto por brancos, índios e negros, sendo
considerada a atividade econômica mais importante, a exploração de calcário para
construções urbanas em Cuiabá (MAMIGONIAN, 1986). Em território boliviano,
Puerto Suárez foi fundada por Miguel Suárez Arana em 1875, às margens da
Laguna Cáceres, a aproximadamente 30 km do centro urbano de Corumbá (COSTA,
2013), enquanto Puerto Quijarro tem seu povoamento datado em 1950, ao largo de
estação ferroviária que constitui ligação entre a Estrada de Ferro Noroeste do Brasil
e a Ferrovia Oriental até Santa Cruz de La Sierra.
Corumbá configura como o décimo primeiro município brasileiro em extensão
territorial e o maior fora da região Norte, totalizando aproximadamente 64.960 km².
Ladário, por sua vez, constitui um dos menores municípios de Mato Grosso do Sul
(342 km²), figurando um caso de enclave territorial, visto que se localiza inteiramente
no interior do município de Corumbá. Puerto Suárez, capital da província de Germán
Busch no departamento de Santa Cruz de La Sierra, parte oriental da Bolívia, possui
aproximadamente 163 km de fronteiras com o Corumbá, totalizando área de 12.841
km². Já Puerto Quijarro, totaliza área de aproximadamente 1.430 km², estendendo-
se por cerca de 34,36 km ao longo da linha fronteiriça.
Para a consecução dos objetivos, foi criado um banco de dados geográficos
contendo: duas imagens orbitais dos Satélites Landsat-5, sensor TM, de agosto de
1987 e Landsat-8, sensor OLI, de setembro de 2018; arquivos vetoriais da malha
territorial brasileira disponíveis no portal Geociências do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE, 2019a), e arquivos vetoriais da organização do
território boliviano disponível no portal SIGED do Instituto Nacional de Estatística-
INE (INE, 2019a). Para a definição da área de estudo, foi delimitado um buffer de 15
km de raio baseado em um ponto geográfico definido junto à ponte internacional
sobre o Arroyo Conceição, às coordenadas 19°1'42.31"S e 57°42'29.43"O.

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Figura 1: Localização da área de Estudo. Estrela em vermelho representa o


ponto base usado para a criação de um buffer de 15 km para a delimitação da

área de estudo

No processo de classificação digital do uso e cobertura da terra,


primeiramente faz-se necessário a execução de pré-processamento das imagens
orbitais, visto que esta intenta corrigir quaisquer distorções na mesma, melhorando a
qualidade dos dados e sua calibração radiométrica, removendo ruídos e reduzindo
os efeitos da atmosfera (FLORENZANO, 2008). Dessa forma, empregou-se o
módulo de correção FLAASH (Fast Line-of-sight Atmospheric Analysis of
Hypercubes), que deriva seus princípios no algoritmo de transferência de radiação
MODTRAN4® (MODerate resolution atmospheric TRAnsmission). O módulo
FLAASH tendo como principal objetivo eliminar os efeitos atmosféricos causados
pela dispersão e absorção molecular de partículas das medições de “radiância no
detector”, com a finalidade de recuperar os valores de “refletância de superfície”
(FELDE, et al., 2003). Para este processo foi utilizado o software Envi versão 5.3®.

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Para a realização da classificação do uso e cobertura da terra, foi utilizado do


software eCognition® 9.2 (TRIMBLE, 2018). Inicialmente houve o ajuste do realce da
imagem, sendo aplicado o contraste nas composições coloridas R5, G4, B3 para a
imagem do satélite Landsat-5 e composição R6, G5, B4 para a imagem do satélite
Landsat-8, usando-se destas composições para melhor discriminação visual dos
alvos na cena, visto que as bandas escolhidas destacam em seus devidos
comprimentos de onda a água (Landsat-5: 0,63 – 0,69 mm; Landsat-8: 0,64 – 0,67
mm), vegetação (Landsat-5: 0,76 – 0,90 mm; Landsat-8: 0,85 – 0,88 mm) e solo
(Landsat-5: 1,55 – 1,75 mm; Landsat-8: 1,57 – 1,65 mm).
Posterior à aplicação do contraste, foi realizado o processo de segmentação
das imagens, empregando-se o algoritmo de segmentação Multiresolution
Segmentation (BAATZ; SCHAPE, 2000), que tem provado ser um dos melhores
algoritmos para este fim, apresentando significativos resultados na produção de
objetos de imagens advindas do sensoriamento remoto (NEUBERT et al., 2008). A
definição dos valores de Escala, Forma e Compacidade constituem parâmetros de
grande relevância para o processo de segmentação, sendo o parâmetro Escala o
mais importante por controlar o tamanho dos objetos da imagem (WITHARANA;
CIVCO, 2014). Assim, a Tabela 1 apresenta os valores de Escala, Forma e
Compacidade utilizados para a segmentação das imagens, ressaltando que estes
valores foram adquiridos através do método “Trial and Error” (VICK, 2019).

Tabela 1: valores de Escala, Forma e Compacidade utilizados para a


segmentação das imagens orbitais
Ano (Imagens) Escala Forma Compacidade
1987 (Landsat-TM 5) 1 0.001 0.5
2018 (Landsat-OLI 8) 1 0.001 0.3
Fonte: Autores.
Após a etapa de segmentação, foi realizada a classificação digital das cenas
orbitais, aplicando-se o algoritmo Nearest Neighbor (NN) (Vizinho mais próximo).
Para este procedimento, é necessário a coleta de um conjunto de objetos (amostras)
para o treinamento do algoritmo, sendo associado aos objetos não coletados, uma
classe com base no valor máximo de associação (DRONOVA, et al. 2011). O
diferencial da utilização deste algoritmo está pautado na sua versatilidade e
possibilidade de o usuário atribuir estatísticas como forma, média espectral de
bandas, desvio padrão espectral das bandas e tamanho dos objetos selecionados,

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permitindo assim, uma maior gama de atributos que auxiliem na classificação, não
ficando refém apenas da informação espectral dos objetos. O emprego deste
classificador é capaz de obter bons resultados utilizando-se de imagens da série
Landsat – TM (SMITS, et al. 1999). Desta forma, o Quadro 1 apresenta os
paramentos utilizados ao classificador NN.
A escolha das classes temáticas para o mapeamento de uso e cobertura da
terra segui o proposto pelo Manual Técnico de Uso da Terra (IBGE, 2013), inserindo
apenas uma classe não identificada pelo citado manual: a vegetação campestre
alagada. Assim, adotou-se as seguintes classes: agricultura, área construída, área
de mineração, corpos de águas continentais, pastagem, vegetação campestre
alagada e vegetação natural.

Quadro 1 - paramentos utilizados ao classificador NN


Características do Objeto Características Utilizadas

Customizado NDVI e NDWI

Valores de Layer Média espectral das bandas e desvio padrão das


bandas
Geometria Baseado em Polígonos (número de arestas –
Fonte: Autores. polígono)

Resultados e Discussões
No ano de 1987 identificou-se cinco das classes temáticas de uso e cobertura
da terra definidas originalmente, são elas: área construída, corpos de água
continentais, pastagem, vegetação campestre alagada e vegetação natural. A área
construída, entendida como o conjunto das áreas edificadas, resultado do
mapeamento das manchas urbanas dos quatro municípios, ocupava uma área de
aproximadamente 23,43 km², isto é, 3,31% do total. Deste valor, 16,8 km² referem-se
a área urbana de Corumbá e 1,69 km² a Ladário, enquanto pelo lado boliviano
Puerto Suárez possuira 3,56 km² a área de urbana e Puerto Quijarro 1,38 km².
Ainda em 1987, as pastagens ocupavam 97,53 km² da área de estudo
(13,79%), distribuídas sobretudo ao largo dos municípios de Ladário e Corumbá,
principalmente nas proximidades de ambas áreas urbanas. As demais pastagens
localizadas em território brasileiro espacializam-se às proximidades de estradas
vicinais que ligavam as supracitadas áreas urbanas com suas áreas rurais
adjacentes. Em território boliviano, as pastagens além de ocuparem uma área

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menor, concentravam-se nas proximidades das áreas urbanas de Puerto Suárez e


Puerto Quijarro, bem como ao longo da estrada de ligação entre ambos municípios e
estradas vicinais.
A vegetação natural distribui-se amplamente ao longo da área de estudo,
sobretudo nas regiões de relevo mais irregular, principalmente em Corumbá e
Puerto Suárez. Esta classe temática ocupava uma área total de 366,11 km², ou seja,
mais da metade da área analisada (51,77%), constituindo assim a principal classe
de uso e cobertura da terra nas regiões altas adjacentes ao Pantanal para o ano de
1987. Nas áreas baixas da planície Pantaneira há predomínio de vegetação
campestre alagada e de corpos de água continentais, respectivamente em 166,88
km² (23,60%) e 53,24 km² (7,53), permitindo assim identificar o elevado nível de
conservação da vegetação natural no Pantanal para o ano de 1987. Dessa forma, a
espacialização do uso e cobertura da terra da área de estudo para o ano de 1987
pode ser visualizado na Figura 2.

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Figura 2 – Mapeamento de uso e cobertura da Terra para o ano de 1987


Para 2018 foram identificadas sete classes temáticas de uso e cobertura da
terra: agricultura, área construída, área de mineração, corpos de águas continentais,
pastagens, vegetação campestre alagada e vegetação natural. A área construída
expandiu-se em 2018 atingindo índices de 46,26 km² (6,54%) distribuídas entre as
quatro áreas urbanas da seguinte maneira: Corumbá com 25,1 km²; Puerto Quijarro
com 6,23 km², Puerto Suárez com 6,1 km² e Ladário com 5,1 km². A vegetação
natural seguiu como a principal classe temática de uso e cobertura da terra com
índices de 321,63 km² (45,48%), distribuída nas áreas de relevo mais irregular e
entre recortes de pastagens que, por sua vez, expandiram-se à área de 115,38 km²
(16,32%), distribuídas pelos municípios de Ladário e Puerto Suárez e principalmente

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pela área rural de Corumbá. O mapeamento de uso e cobertura da terra para o ano
de 2018 pode ser visualizado na Figura 3.
Figu
ra 3

Map
eam
ento
de
uso
e
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rtura
da
Terr
a
para
o
ano
de
2018
D
uas
class
es não identificadas no mapeamento de 1987 foram identificadas em 2018, são elas
as áreas de mineração e agricultura. A mineração registrou área de 0,55 km²
(0,08%), referindo-se à mina “Lajinha” em Ladário e a “Corcal’ em Corumbá, ambas
voltadas à extração de rochas calcáreas para a produção industrial e construção
civil, respectivamente. A agricultura, ocupou área de 1,5 km² (0,21%), encontrado
em um fragmento localizado nas proximidades da área urbana de Puerto Suárez, em
território boliviano. Em relação às terras baixas da planície pantaneira, há uma
relativa manutenção dos índices de área ocupada por vegetação campestre
alagada, calculada em 164,35 km² (23,24%), e dos corpos de águas continentais,
medidos em 57,52 km² (8,13%).

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A quantificação das classes temáticas de uso e cobertura da terra, bem como


a sua comparação permite identificar a expansão das áreas urbanas dos municípios,
de índices de 23,43 km² em 1987 para 46,26 km² em 2018, um aumento de 22,83
km², isto é, 97,43% ao longo de 31 anos. Conjuntamente à expansão das áreas
construídas, cresceram também as áreas destinadas às pastagens, de 97,53 km²
em 1987 para 115,38 km² em 2018, um aumento de 17,85 km², ou 18,30%. Este
crescimento ocorre em detrimento da cobertura por vegetação natural que em 1987
ocupava 366,11 km², passando a 321,63 km² em 2018, uma redução em área de
44,5 km² e percentualmente de 12,15%. A vegetação campestre alagada também
registrou redução, de aproximadamente 2,58 km² (1,54%), de índices de 166,88 km²
em 1987 para 164,3 km² em 2018. Esta redução ocorre em parte devido ao aumento
da área ocupada pelos corpos de águas continentais que cresceram cerca de 8%
(4,28 km²), de 53,24 km² em 1987 para 57,52 km² em 2018. A comparação numérica
e gráfica dos índices de uso e cobertura da terra para a área de estudo podem ser
visualizados na Tabela 2 e na Figura 4, respectivamente.

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Tabela 2 – Evolução do uso e cobertura da terra para a área analisada


Uso e Cobertura da Terra

Classes Temáticas 1987 2018

Área km² Área % Área km² Área %

Agricultura - - 1,5 0,21


Área Construída 23,43 3,31 46,26 6,54
Área de Mineração - - 0,55 0,08

Corpos de Águas Continentais 53,24 7,53 57,52 8,13


Pastagem 97,53 13,79 115,38 16,32
Vegetação Campestre Alagada 166,88 23,60 164,35 23,24
Vegetação Natural 366,11 51,77 321,63 45,48
Total 707,20 100 707,20 100

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Figura 4 – Comparação dos valores quantitativos das áreas das classes

temáticas de mapeamento de uso e cobertura da Terra em 1987 e 2018

A expansão da área urbana pode em parte ser associada ao crescimento


populacional registrado pelos municípios analisados. Contudo, esta relação é
complexa e não pode ser delineada com precisão devido à ausência de dados
populacionais confiáveis dos municípios bolivianos anteriores a 2001, ano de
realização do primeiro grande Censo demográfico do país. Entretanto, apesar desta
ausência de dados, pode-se comparar a evolução populacional dos municípios
fronteiriços a partir de 2000, quando se realizou o décimo primeiro Censo
demográfico brasileiro e 2001, data do primeiro grande Censo demográfico da
Bolívia. Outros Censos realizados foram em 2010 no Brasil, e 2012 na Bolívia. Fez-
se ainda uso de estimativas populacionais de 2012, 2015 e 2018, disponibilizadas
pelos órgão estatísticos oficiais de Brasil (IBGE, 2019b) e de Bolívia (INE, 2019b).
Assim, a evolução populacional dos municípios de Corumbá, Ladário, Puerto Suárez
e Puerto Quijarro pôde ser organizada na Tabela 3.

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Tabela 3 – Evolução populacional dos municípios de Corumbá-BR, Ladário-BR,


Puerto Suárez-BOL e Puerto Quijarro-BOL.

Evolução Populacional
Municípios 2000 2001 2010 2012 2015 2018

Corumbá-BR 95.701 96.599 103.703 104.912 108.656 110.806

Ladário-BR 15.313 15.710 19.617 20.267 21.860 22.968

Puerto Suárez-BOL - 15.209 - 19.829 22.271 23.617

Puerto Quijarro-BOL - 12.903 - 16.659 18.584 19.544

Total 111.014 140.421 123.320 161.667 171.371 176.935


*Valores destacados em negrito referem-se a censos demográficos de Brasil (2000 e
2010) e Bolívia (2001 e 2012); demais dados referem-se a estimativas populacionais
estabelecidas por IBGE (2001; 2012; 2015 e 2018) e INE (2015 e 2018).

O município de Corumbá registrou no Censo demográfico de 2000 uma


população total de 95.701 habitantes, tendo este número crescido 8,36%, atingindo
os 103.703 no Censo realizado em 2010. Ladário, por sua vez, também registrou
crescimento, de aproximadamente 28,10%, saltando de 15.313 habitantes em 2000
para os 19.617 em 2010. Em comparação, Puerto Suárez registrou em 2001
população total de 15.209 habitantes, tendo este número saltado 30,37% em 2012
quanto atingiu população total de 19.829 habitantes. Já Puerto Quijarro registrou
crescimento para o período de aproximadamente 29,10%, saltando de 12.903
habitantes em 2001 para os 16.659 em 2012.
Apesar de os últimos dados censitários oficiais indicar a manutenção de
Corumbá e Ladário como as duas maiores cidades da região fronteiriça, estimativas
populacionais de 2015 já indicavam que Puerto Suárez havia ultrapassado Ladário,
tornando-se a segunda maior cidade da região. Enquanto em 2015 o IBGE estimou
a população ladarense em 21.860 habitantes, o INE estimou a população de Puerto
Suárez em 22.968 habitantes. Para 2018 o quadro se mantém: enquanto a
população ladarense foi estimada em 22.968 habitantes, a população de Puerto
Suárez foi calculada em 23.617. Puerto Quijarro apesar de apresentar a segunda
maior mancha urbana da região (6,23 km²) manteve-se como a menor cidade dentre
as quatro, com população estimada em 19.544 habitantes. Corumbá manteve-se
como a maior cidade da região, tanto em mancha urbana, quanto em população
registrando, respectivamente, índices de 25,1 km² e 110.806 habitantes. Dessa

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maneira, pode-se identificar que a população do conjunto dos municípios desta


região fronteiriça somou 176.935 habitantes em 2018, 26% a mais que os 140.421
habitantes quantificados em 2001.
Assim, com o presente trabalho compreende-se que a área urbana dos
quatro municípios fronteiriços analisados (Corumbá, Ladário, Puerto Suárez e Puerto
Quijarro) tem registrado crescimento, concomitantemente ao aumento da população
dos mesmos, por mais que tal afirmação careça de dados mais amplos e antigos,
sobretudo acerca dos municípios bolivianos. Por outro lado, percebeu-se também a
expansão das áreas destinadas às pastagens para criação bovina em detrimento da
vegetal natural que se retraiu 44,5 km² entre 1987 e 2018, uma perda de área de
aproximadamente 12,15%. Dessa forma, o presente trabalho pretende contribuir no
melhor entendimento da evolução do uso e ocupação da terra na região fronteiriça
de Brasil e Bolívia, materializada pelas trocas entre os municípios de Corumbá,
Ladário, Puerto Suárez e Puerto Quijarro que conjuntamente somavam em 2018
uma população total de 176.935 habitantes.

Considerações finais
Fazendo-se uso das técnicas de geoprocessamento foi possível identificar as
alterações no uso e cobertura da terra para a região fronteiriça dos municípios de
Corumbá e Ladário em território brasileiro e Puerto Suárez e Puerto Quijarro em
território boliviano. Identificou-se que houve acentuada expansão das áreas urbanas
dos quatros municípios combinados. As áreas urbanas que ocupavam 23,43 km² em
1987 saltaram para 46,26 km² em 2018, representando um aumento de 97,43% ao
longo de 31 anos. Identificou-se também a expansão das pastagens destinadas a
produção pecuária, visto que em 1987 esta ocupava uma área de 97,53 km²,
enquanto em 2018 este índice saltou a 115,38 km², um aumento de 18,30%. Por
outro lado, as áreas cobertas por vegetação natural retraíram-se aproximadamente
12,15%, caindo de 366,11 km² em 1987 para 321,63 km² em 2018.
Assim, percebe-se o potencial das técnicas de geoprocessamento para os
estudos ambientais, sociais e de planejamento e ordenamento territorial,
oportunizando um conjunto de ferramentas para solucionar situações antes
dificultosas, como o mapeamento de uso e cobertura da Terra no passado. Destaca-
se também que este estudo é um primeiro passo na compreensão das alterações no

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uso e cobertura da terra na região fronteiriça de Corumbá, Ladário, Puerto Suárez e


Puerto Quijarro, fazendo-se necessários novos e mais amplos estudos à região.

Agradecimentos
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de
Financiamento 001. Os autores agradecem ainda a Universidade Federal de Mato
Grosso do Sul, campus de Três Lagoas (UFMS-CPTL) pelo apoio institucional.

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887

GESTÃO AMBIENTAL DAS EMPRESAS BRASILEIRAS DE NAVEGAÇÃO E DOS


PORTOS NACIONAIS QUE OPERAM NA HIDROVIA DO PARAGUAI-PARANÁ
The Environmental Management of Brazilian Navigation Companies and National
Ports That Operate on the Paraguay-Paraná Waterway.
La Gestión Ambiental de las Empresas de Navegación Brasileñas y los Puertos
Nacionales que Funcionan en la Hidrovia de Paraguay-Paraná.

Samuel Ribeiro de Sousa


Aguinaldo Silva

Resumo: A Hidrovia do Paraguai-Paraná (HPP) constitui um dos mais importantes


eixos fluviais de integração da América do Sul e vetor de desenvolvimento
socioeconômico da região. Percorre cinco países (Brasil, Bolívia, Paraguai,
Argentina e Uruguai) e sua utilização foi regulamentada pelo Acordo de Santa Cruz
de La Sierra, que consagra, entre outros, os princípios de livre trânsito e de
liberdade de navegação. Esse acordo permite o compartilhamento de território e de
águas, redundando em alguns atritos. Nesse cenário conflituoso, ressalta-se a
questão ambiental. A legislação brasileira é bem rígida com a proteção ao meio
ambiente e estabelece diversos instrumentos e procedimentos destinados à
preservação ambiental no âmbito das atividades econômicas potencialmente
poluidoras. Dentre esses, merece destaque a gestão ambiental. Com este trabalho,
buscou-se analisar, a partir de critérios objetivos, a eficiência da gestão ambiental
das empresas brasileiras de navegação e dos portos nacionais que operam na HPP.
Palavras-chave: Gestão Ambiental; Fronteira; Hidrovia Paraguai-Paraná.

Abstract The Paraguay-Paraná Waterway is one of the most important river routes
of integration in South America and a vector of socioeconomic development in the
region. It traveled through five countries (Brazil, Bolivia, Paraguay, Argentina and
Uruguay) and its use was regulated by the Santa Cruz de La Sierra Agreement,
which enshrines, among others, the principles of free transit and freedom of
navigation. This agreement allows the sharing of territory and water by the
signatories, resulting in some conflicts. In this conflictive scenario, the environmental
issue is highlighted. The Brazilian legislation is very strict with the protection of the
environment and establishes various instruments and procedures aimed at
environmental preservation in the scope of potentially polluting economic activities.
Among these, environmental management deserves special mention. The objective
of this study was to analyze, from objective criteria, the environmental management
efficiency of Brazilian shipping companies and the national ports operating on the
Paraguay-Paraná Waterway.
Key words: Environmental Management; Border; Paraguay-Paraná Waterway.

Graduado em Física pela Universidade Federal do Ceará- UFC; Pós-Graduado em Regulação de
Serviços Públicos pela Fundação Getúlio Vargas – FGV; Mestrando do Programa de Pós-Graduação
em Estudos Fronteiriços da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – Campus do Pantanal.
Contato: sarisosrs@gmail.com;

Professor Doutor em Geociências e Meio Ambiente. Universidade Federal de Mato Grosso do Sul –
Programa de Pós-Graduação em Estudos Fronteiriços, Campus do Pantanal. Contato:
aguinaldo.silva@ufms.br.

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888

Resúmen: El Canal Paraguay-Paraná es una de las rutas de integración fluvial más


importantes de América del Sur y un vector de desarrollo socioeconómico en la
región. Viajó por cinco países (Brasil, Bolivia, Paraguay, Argentina y Uruguay) y su
uso fue regulado por el Acuerdo de Santa Cruz de la Sierra, que consagra, entre
otros, los principios del libre tránsito y la libertad de navegación. Este acuerdo
permite que los firmantes compartan el territorio y el agua, lo que genera algunos
conflictos. En este escenario conflictivo, se destaca el tema ambiental. La legislación
brasileña es muy estricta con la protección del medio ambiente y establece diversos
instrumentos y procedimientos destinados a la preservación del medio ambiente en
el ámbito de las actividades económicas potencialmente contaminantes. Entre estos,
la gestión ambiental merece una mención especial. El objetivo de este estudio fue
analizar, desde criterios objetivos, la eficiencia de la gestión ambiental de las
compañías navieras brasileñas y los puertos nacionales que operan en el Canal
Paraguay-Paraná.
Palabras clave: Gestión ambiental; Frontera; Canal Paraguay-Paraná.

* Trabalho completo selecionado para publicação na Revista Para Onde? (UFRGS),


no número referente ao primeiro semestre de 2020.
https://seer.ufrgs.br/paraonde

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PANTANAL SUL-MATO-GROSSENSE: TERRITÓRIO E MODO DE VIDA


South-Matogrossense Pantanal: Territory and Life
Pantanal Sur-Matogrossense: territorio y Vida

Juliana Cristina Ribeiro da Silva1


Patrícia Helena Mirandola Garcia2

Resumo: O presente trabalho tem como objetivo descrever e compreender o


território pantaneiro, fazer uma caracterização de seus moradores, das atividades
laborais por lá realizadas. Tendo como procedimento metodológico a descrição de
experiências, vivências e percepções, a partir da pesquisa participante. Trata-se de
uma planície inundável de aproximadamente 220 mil km², subdivididas em 11
regiões, sendo a Nhecolândia a mais central delas, e consequentemente a mais
isolada. A região é caracterizada pelo período de cheia e seca. Como atividades
laborais têm-se o peão, o mais “antigo” trabalhador, o pescador que hoje atua mais
como guia de pesca ou piloteiro conduzindo pescadores amadores para locais do rio
onde há peixe e mais recentemente o trabalhador no turismo.
Palavras-chave: pantanal sul mato-grossense, modo de vida, percepções

Abstract: This paper aims to describe and understand the Pantanal territory, to
characterize its residents, the labor activities performed there. Having as
methodological procedure the description of experiences, experiences and
perceptions, from the participant research. It is a floodplain of approximately 220
thousand km², subdivided into 11 regions, Nhecolândia being the most central of
them, and consequently the most isolated. The region is characterized by the period
of flood and drought. As work activities we have the pawn, the "oldest" worker, the
fisherman who today acts more as a fishing guide or pilot leading amateur fishermen
to places where there is fish and more recently the tourism worker.
Keyword: pantanal sul mato-grossense, way of life, perceptions

Resumem: Este documento tiene como objetivo describir y comprender el territorio


de Pantanal, para caracterizar a sus residentes, las actividades laborales que se
realizan allí. Teniendo como procedimiento metodológico la descripción de
experiencias, experiencias y percepciones, a partir de la investigación participante.
Es una llanura de inundación de aproximadamente 220 mil km², subdividida en 11
regiones, siendo Nhecolândia la más central de ellas y, por consiguiente, la más

1
Bacharel e Licenciada em Geografia pela Universidade Federal da Grande Dourados (MS), Mestre
em Geografia pela Universidade Federal de Rondônia (RO), Doutoranda em Ensino de Ciências pela
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (MS), membra do Grupo de Pesquisa LEA – Laboratório
Multidisciplinar de Ensino e Aprendizagem, Bolsista CAPES, jujugeografando@gmail.com
2
Professora associada III do curso de Geografia (licenciatura e bacharelado) e do Programa de Pós-
Graduação em Geografia da UFMS, professora do Programa de Pós-Graduação Mestrado e
Doutorado em Geografia e Programa de Pós-Graduação Doutorado em Ensino de Ciências da
Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, patriciaufmsgeografia@gmail.com

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aislada. La región se caracteriza por el período de inundaciones y sequías. Como


actividades de trabajo tenemos al peón, el trabajador "más viejo", el pescador que
hoy actúa más como guía de pesca o como piloto piloto de pescadores aficionados a
lugares donde hay peces y, más recientemente, al trabajador del turismo.
Palabras clave: pantanal sul mato-grossense, estilo de vida, percepciones.

Introdução

Sou água que corre entre pedras


- liberdade caça jeito
Manoel de Barros

A planície conhecida como Pantaneira nem sempre recebeu esse nome,


antes de receber essa nomenclatura, paraíso/refúgio das espécies, santuário
ecológico – particularmente sua área mais alagável era chamada de Xarayes. Ulrico
Schimidl adotou para a região o nome da nação indígena homônima, passando
então a ser “descrita em textos e representada em mapas como a fabulosa Laguna
de los Xarayes” (COSTA, 1977, p. 79 e 122, apud LEITE, 2003, p. 17).
Trata-se de uma planície de aproximadamente 220 mil km², com uma
geografia cercada por montes, ou, divisores de água, como a serra de Maracaju, das
Araras e da Bodoquena. De acordo com Adámoli (1991), a oeste a região faz divisa
com a Bolívia e o Paraguai, nessa região, o pantanal recebe a nomenclatura de
Chaco. Cerca de 80% desse bioma localiza-se em solo brasileiro, de 10 a 15% na
Bolívia e de 5 a 10% no Paraguai (FUNDAÇÃO ROBERTO MARINHO, 2002; IBGE,
2004; MMA, 2010).
Silva e Abdon (1998) subdividem o pantanal em 11 sub-regiões, que são:
Cáceres, Poconé, Barão de Melgaço, Paraguai, Paiaguás, Nhecolândia, Abobral,
Aquidauana, Miranda, Nabileque e Porto Murtinho, sendo a Nhecolândia a região
mais central de todos os “pantanais”, consequentemente, a mais isolada, conforme
figura 01.
Ainda segundo Silva e Abdon (1998), o pantanal engloba 16 municípios.
Destes, no Mato Grosso temos: Barão de Melgaço, Cáceres, Itiquira, Lambari
D’Oeste, Nossa Senhora do Livramento, Poconé e Santo Antônio do Leverger. Já
em terras sul-mato-grossense, temos: Aquidauana, Bodoquena, Corumbá, Coxim,
Ladário, Miranda, Sonora, Porto Murtinho e Rio Verde de Mato Grosso. Silva (1995),
por sua vez, a partir do ciclo hidrológico, divide o pantanal em: enchente (de outubro

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a dezembro); cheia (de janeiro a março); vazante (de abril a junho); e, estiagem (de
julho a setembro). Este ciclo corresponde a renovação da vida pantaneira. Já a
Embrapa, inclui a sub-região do Jacadigo.
O ciclo das águas, a distância das cidades e outros fatores determinantes,
ditam o modo e o ritmo de vida do pantaneiro. A partir da vivência, de observações e
percepções nos propomos como objetivo a descrever de forma sucinta o modo de
vida dessa gente.
Vargas (2006) define a planície, nomeada de “Pantanal Mato-grossense” à
partir da Constituição Federal de 1988, como a maior extensão de terras alagáveis
contínuas do planeta. Essa planície, segundo a referida autora (2006, p. 31),
“distribui-se pelos estados de Mato Grosso do Sul e Mato Grosso, em território
brasileiro, além de uma parcela menor que se estende em áreas da chamada região
do Chaco paraguaio-boliviano”.

O Pantanal enquanto propriedade privada – uso e ocupação do território

Meu quintal é maior que o mundo


Manoel de Barros

Para falarmos de território, faz-se necessário trabalhar seu conceito e, para


uma maior compreensão, utilizamos como referência o geógrafo Haesbaert (2004, p.
40) que agrupou a definição em três vertentes: 1. política (referida às relações
espaço-poder em geral) ou jurídica-política (relativa também a todas as relações
espaço-poder institucionalizadas): a mais difundida, onde o território é visto como
um espaço delimitado e controlado, através do qual se exerce um determinado
poder, na maioria das vezes – mas não exclusivamente – relacionado ao poder
político do Estado; 2. cultural ou simbólico-cultural: prioriza a dimensão simbólica e
mais subjetiva, em que o território é visto, sobretudo, como o produto da
apropriação/valorização simbólica de um grupo em relação ao seu espaço vivido; 3.
econômica (muitas vezes economicista): menos difundida, enfatiza a dimensão
espacial das relações econômicas, o território como fonte de recursos e/ou
incorporado no embate entre classes sociais e na relação capital-trabalho, como
produto da divisão “territorial” do trabalho, por exemplo.

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Figura 01
Sub-regiões do Pantanal

Fonte: Silva e Abdon (1998, p. 1706)

Ribeiro e Moretti (2012a, p. 44) esgrimam que a região pantaneira é dividida


em “propriedades privadas da terra, conhecidas por fazendas, que até meados do
século XX praticavam, em sua maioria, exclusivamente a pecuária extensiva de
corte”, reforçando aí o papel do “homem” pantaneiro. De acordo com Nogueira
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(1990, p. 13), “por homem pantaneiro, entenda-se, aqui, o elemento nativo do


pantanal ou aquele que vive há mais de vinte anos, compartilhando hábitos e
costumes típicos da região”.
A ocupação do pantanal, do ponto de vista econômico se dá principalmente
com a criação de gado, primeira atividade econômica desenvolvida na região. Ainda
segundo Nogueira (1990, p. 12-13) a autora descreve o pantanal como:
Neste contexto, não significa pântano, lamaçal, como se pode pensar à
primeira vista. Pantanal é a denominação que se dá a um habitat úmido, ou
melhor, a uma considerável superfície banhada pelo complexo hidrográfico
formado por centenas de rios que nascem nos planaltos adjacentes,
deságuam no rio Paraguai e lhe dão uma fisionomia especial.
Pantanal é um sistema ecológico que não se completa apenas com o
conjunto de uma avefauna e de uma flora variadíssima. Muito mais
importante é o homem que nele vive tanto na condição de dono da terra,
quanto na de vaqueiro, empreiteiro, bagualeiro, garimpeiro, balseiro,
pescador, etc.
Ambientalista nato, o pantaneiro típico, no convívio diário com o ambiente,
aprendeu a fazer a leitura da natureza, a fim de capturar suas mais sutis
transformações. Incapaz de realizar ações que venham a prejudicar o
Pantanal, há dois séculos mantém um relacionamento harmonioso que
contribui para o fortalecimento das propostas de preservação dos seus
diversos ecossistemas, ou seja, de seus diferentes conjuntos de elementos,
que se inter-relacionam para garantir a manutenção do equilíbrio ecológico,
como flora, fauna, fatores climáticos, biológicos, hidrográficos, etc.
Essa relação intrínseca do “homem” pantaneiro com o meio lhe traz
benefícios, tais como a “leitura da natureza”, gerando territórios e territorialidades.
Silveira (2008, p. 03) ao dissertar sobre o uso do território, elucida-nos que “el
território usado no es uma cosa inerte o um palco donde la vida si da. Al contrário,
es um cuadro de vida, híbrido de materialidad y de vida social”. Concordamos com a
referida autora, pois em todo o pantanal, a vida social se faz presente.
Banducci Júnior (2007, p. 27) elucida-nos que a ocupação do pantanal é
relativamente recente pelas fazendas de gado, pois “se nos séculos XVII e XVIII
desbravadores paulistas já percorriam a região, na captura de índios e em busca de
ouro, será apenas nos anos de 1800 que a pecuária irá se estender de forma
sistemática e contínua pelos campos”. Houve mineração, engenhos de açúcar,
extração madeireira, mas foi a pecuária a mais determinante para a ocupação da
região pantaneira. O peão torna-se um dos grandes personagens do pantanal, com
base nos saberes populares de parte da população que vive e trabalha no Pantanal
de Mato Grosso do Sul, sendo parte da sociedade pantaneira, que, segundo
Guimarães (2003, p. 15), o espaço geográfico também é produzido pela sociedade.
Os regimes de cheia e seca, próprios da planície pantaneira, tornam o
trabalho imprescindível para não haver prejuízos com a perda do rebanho. “O

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homem pantaneiro aprendeu ao longo dos séculos, a fazer suas próprias previsões,
alicerçadas na interpretação dos fenômenos naturais” (NOGUEIRA, 2002, p. 31).
Os primeiros bovinos introduzidos no Brasil durante a colonização portuguesa
foram usados como fonte de alimentação e animais de tração nas áreas rurais
durante quase três séculos. A intensificação da pecuária na região do então Mato
Grosso representou a ampliação da presença do trabalhador remunerado nas
fazendas. O crescimento do rebanho necessita até hoje de manejo, enquanto que a
venda do gado quase sempre requer o trabalho das comitivas para fazer o
transporte dos animais das fazendas onde os caminhões que transportam gado não
chegam. Porém, ainda há comitivas, pois, dependendo da distância e do rebanho,
seriam necessários muitos caminhões, contudo, o custo x benefício da comitiva
ainda é levado em conta pelo fazendeiro.
Para cumprir as marchas, os peões suportam todas as variações climáticas
enfrentando chuva, frio, vento, poeira, além dos obstáculos naturais como corixos,
baías, rios, campos abertos, campos sujos e as barreiras introduzidas pelo homem
como estradas asfaltadas e porteiras (BARROS NETTO, 1979).

O “homem” pantaneiro e suas atividades laborais


Os caminhos mudam com o tempo
Só o tempo muda um coração
Segue seu destino boiadeiro
Que a boiada foi no caminhão
Almir Sater

Santos (1997, p. 51) argumenta que o espaço é formado por um conjunto


indissociável solidário e também contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de
ações, não considerados isoladamente, mas como o quadro único no qual a história
se dá, onde o espaço “é hoje um sistema de objetos cada vez mais artificiais,
povoados por sistemas de ações igualmente imbuídos de artificialidade, e cada vez
mais tendentes a fins estranhos ao lugar e a seus habitantes”.
Neste sentido, Costa (1989) afirma que o espaço possui limites cujo traçado
não é constituído por linhas rígidas, mas zonas que destinam a delimitar o espaço
de recursos necessários à reprodução biológica e cultural. O específico a reter, no
nosso caso, diz respeito ao fato de que esse grupo projeta sobre o espaço as suas
necessidades, a organização para o trabalho e a cultura em geral, e, também, as
relações de poder que porventura se desenvolvam em seu interior.

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Araújo, Bicalho e Vargas (2011, p. 90) argumentam que,


Considerando o Pantanal Sul no contexto do sistema espacial capitalista,
tem-se um subespaço não hegemônico, de economia extrativa,
especializada na produção pecuária bovina de corte e, mais recentemente,
na atividade turística. O caráter de sua integração econômica às escalas
regional, nacional e internacional sempre foi pautado na subordinação.
Dentro desse subespaço, a pecuária sempre se destacou, porém a atividade
turística vem ganhando força, principalmente com turistas vindos do exterior.
De acordo Banducci Júnior (2007, p. 61), há diferentes funções exercidas nas
propriedades rurais: a de peão de campo ou campeiro, que trabalha a cavalo, é o
que confere maior prestígio, pois esta é considerada uma tarefa perigosa e
arriscada. E “situado no topo da hierarquia dos trabalhadores das fazendas de gado
está o capataz. É ele quem controla todas as atividades desenvolvidas na
propriedade” (BANDUCCI JUNIOR, 2007, p. 63). Homem de confiança do patrão
tem melhores condições de vida do que os peões comuns.
Ribeiro e Moretti (2012b, p. 05) relatam que outros atores adentraram a região
pantaneira, consequentemente,
Inserindo novos elementos à cultura pantaneira. A gente pantaneira sempre
teve como uma das características, a simplicidade nas relações sociais e
com a natureza. As pessoas que vivem no Pantanal, ao longo do tempo vão
adquirindo experiências ambientais que as habilitam a interpretar os ciclos
na natureza, tais como, os períodos de cheia ou de seca, o comportamento
e identificação dos sons dos animais, a época da florada das plantas e as
ameaças que as ações humanas representam para aquele lugar.
Sobre esses novos atores presentes na região têm-se os trabalhadores no
turismo de pesca e o ecoturismo onde surgem hotéis e pousadas ampliando o leque
empregatício para piloteiros, isqueiros, vendedores de iscas, guias, cozinheiras,
arrumadeiras, praieiros, entre outros, em todas as sub-regiões pantaneiras, algumas
apenas com acesso aéreo.

Procedimentos metodológicos
Não se aprende, senhor, na fantasia,
sonhando, imaginando ou estudando,
senão vendo, tratando, pelejando...
Camões, Os Lusíadas

O presente trabalho é fruto de vivências e percepções sobre o modo de vida


do “homem” pantaneiro, a partir de uma experiência de aproximadamente três
meses no pantanal do Miranda, mais precisamente na região do Passo do Lontra ou
Passo das Lontras, tendo como base a pesquisa participante para coleta de dados,
o que nos possibilita conhecer trajetórias de vida. Dar voz a essas pessoas que

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trabalham no campo, em regiões muitas vezes inóspitas ou tendo contato com essa
gente e seus filhos na cidade, nos faz levar em consideração o quão pouco a
Ciência dá voz a esses sujeitos.
Por termos morado nessa região, acompanhamos o dia a dia de
trabalhadores no território pantaneiro vivenciando seu modo de vida. Trabalhamos
em um hotel a beira do rio Miranda, acompanhamos peões em uma comitiva, assim
como o dia de um piloteiro de barco. Como a pesquisa participante visa a
participação ativa do pesquisador, esses meses de imersão no pantanal nos
proporcionaram experiências e vivências ímpares. Gil (1989) caracteriza a pesquisa
participante “pela interação entre pesquisadores e membros das situações
investigadas”.
Dentro do universo do “homem” pantaneiro, o modo de vida se torna um
conceito chave no estudo desses sujeitos, onde se tem a apropriação do território
perpassando pela manutenção do modo de vida. A priori, compreendemos o
território como tradicional, analisado teoricamente como uma categoria de análise e
resultado da ação antrópica através de Raffestein (1993), como domínio territorial
por parte de uma nação e construção de novas territorialidades. Já Gottmann (1975
apud SILVEIRA, 2008, p. 02), “propne entender el territorio como uma porción del
espaço geográfico o como uma extension de uma jurisdicción de gobierno”.
Partindo de uma ótica de resgate histórico, o conceito “modo de vida” foi
incorporado a Geografia à partir dos estudos monográficos de La Blache em que
este autor apresenta a noção de gênero de vida, na Geografia Humana,
compreendido como “o conjunto de relações, costumes e técnicas que o homem
desenvolve a partir de sua relação com o meio” (VIDAL DE LA BLACHE, 1911a e
1911b).
Sobre a questão do modo de vida no campo, Marques (1994, p. 04) traz uma
definição que nos proporciona um aporte teórico do modo de vida camponês, onde:
O modo de vida camponês é formado por um conjunto de relações
familiares e de vizinhança, formas de organização da produção imediata,
condições materiais de vida e de trabalho, relações políticas e religiosas.
Tais relações se apoiam num sistema de valores que lhes dá sentido
Contudo, o modo de vida reaparece no pantanal não apenas como trabalho e
“condições materiais de vida”, mas também como relações sociais, políticas,
religiosas e de valores recriados pelo modo de produção capitalista, incorporados ao
modo de vida nas fazendas e pousadas.

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Dentro das categorias de análise “território” e “modo de vida”, orientamo-nos a


compreensão não apenas de apropriação do território e da concepção do modo de
vida do pantaneiro, como quiçá da sua organização social do trabalho, da dinâmica
do trabalho familiar, do sentimento de pertencimento entre os moradores e destes
para com seu território (TUAN, 1980), tendo como sentido comum à manutenção
deste e da contínua reprodução das relações de territorialidade, incorporando as
gerações que sucederam àqueles que primeiro chegaram a terras pantaneiras e
alcançando a geração atual.

Percepções
O modo de vida campestre do “homem” pantaneiro se constitui com base na
produção do território. A exuberância da imensidão da planície, sobretudo para o
sujeito chegante, cuja percepção daquele território é densamente impactada pela
pecuária, assim como também marca, decisivamente, o modo de vida daquela
sociedade. Do mesmo modo que os rios, baias e salinas que integram a bacia
hidrográfica do pantanal também são elementos do modo de vida daquela gente,
considerando a imensidão da planície pantaneira, de sua importância geográfica,
histórica, econômica, social e cultural dos estudos em Geografia, imprescindíveis
para a compreensão da lógica da transformação dos ideais, dos produtos
determinantes do perfil geográfico de investigação científica.
Pudemos verificar in loco que em muitos locais as acomodações são
precárias, a alimentação deixa a desejar. Em algumas fazendas, em relação a
moradia e alimentação, a “divisão” é feita se o peão é casado ou não, se este for
casado e estiver com a família residindo na fazenda, este terá uma casa separada e
afastada do galpão dos solteiros, os casados realizam suas refeições em suas
residências e os solteiros em uma cantina onde há o desconto de um certo valor em
seu salário. Observamos que muitas vezes a cantina é gerida pela esposa do
capataz da fazenda, sendo esta também funcionária da fazenda.
Nem todos os estabelecimentos sejam hotéis ou pousadas e fazendas
assinam a carteira de trabalho. Nos hotéis e pousadas, os trabalhadores recebem
por diária e em absolutamente todos, questões básicas são cobradas, como
exemplo, temos o acesso a interne que para os hóspedes é liberado e para os
funcionários é cobrado uma taxa mensal. Quando moramos lá (2016), a diária do
trabalhado em um hotel era de R$ 40,00 e o valor cobrado para acesso à internet

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era de R$ 80,00. É raríssimo ter um bebedouro para os funcionários, como em


muitas regiões a água é salobra, ou o funcionário bebe a água sem tratamento ou
compra água mineral, vendida pelo hotel/pousada pelo dobro do preço da cidade.
Quanto mais afastado da cidade, mais precárias são as condições de trabalho e
moradia, ou seja, mais explorado o trabalhador é mais explorado.
Já sobre o modo de vida do pescador, este deixou de pescar para pilotar
barcos para os turistas que vão ao pantanal para pescar, o chamado turismo de
pesca, estes são conhecidos como piloteiros, também são contratados por diárias
pelos gerentes dos hotéis.
A exploração trabalhista é muito grande, não só por não assinarem a carteira
de trabalho como riscos laborais como acidentes de trabalho e ausência de cuidados
da saúde básica.

Percepções em imagens

Imagem 01
Vista panorâmica do alojamento dos funcionários de um hotel no Passo do Lontra, em condições
precárias, suspenso em palafitas muitas vezes podres, neste caso em específico, observa-se uma
lona para proteger de goteiras, o que durante o dia cria uma espécie de sauna, quando chove ou
venta faz muito barulho, Pantanal do Miranda

Autora: RIBEIRO DA SILVA, J. C., 2016

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Imagem 02
Alojamento feminino dos funcionários de um hotel no Passo do Lontra, a manutenção deveria ser
constante após os períodos de cheia, observa-se que não há forro e nem local para os funcionários
armazenarem seus pertences, Pantanal do Miranda

Autora: RIBEIRO DA SILVA, J. C., 2016

Imagem 03
Cavalos sendo arreados para um passeio com turistas, esta fazenda fica a 25 km do Pantanal do
Miranda, o deslocamento dos turistas até a fazenda é feito em carro aberto onde o turista já vai
contemplando e fotografando a natureza, Pantanal do Abobral

Autora: RIBEIRO DA SILVA, J. C., 2016

Corumbá/MS, Brasil. 7 a 9 de outubro de 2019. ISSN . 2178-2245


900

Imagem 04
Turistas em passeio à cavalo, em período de cheia, guiado por um guia que conhece a região e
dependendo da época do ano, acompanhado por um peão que conhece bem a região, Pantanal do
Abobral

Autora: RIBEIRO DA SILVA, J. C., 2016

Imagem 05
Criação de búfalos em fazenda onde do leite se faz queijo e alguns animais são abatidos de tempos
em tempos para fornecer carne aos funcionários, sendo revezado o abete de um bubalino e de um
bovino, a carne é vendida por um preço abaixo do preço de mercado, Pantanal do Abobral

Autora: RIBEIRO DA SILVA, J. C., 2016

Corumbá/MS, Brasil. 7 a 9 de outubro de 2019. ISSN . 2178-2245


901

Imagem 06
Em uma fazenda de engorda de gado, onde é administrada como uma empresa agropecuária, possui
uma dinâmica onde os peões sempre vão a campo em dupla e utilizam sempre um rádio PABX para
comunicação, Pantanal do Abobral

Autora: RIBEIRO DA SILVA, J. C., 2016

Imagem 07
Guia de pesca ou piloteiro que conduz os turistas/pescadores ao longo do rio Miranda ou rio
Vermelho. Hoje, é mais viável pilotar que pescar e vender.

Corumbá/MS, Brasil. 7 a 9 de outubro de 2019. ISSN . 2178-2245


902

Autora: RIBEIRO DA SILVA, J. C., 2016


Imagem 08
Chalana subindo o rio Miranda com turistas de pesca, normalmente os grupos são formados por
homens e sempre brasileiros, é difícil encontrar estrangeiro que vá ao pantanal para pescar

Autora: RIBEIRO DA SILVA, J. C., 2016

Imagem 09
Ponte por onde passavam as comitivas em contraste com a ponte de concreto. Hoje a ponte de
madeira é utilizada como passarela para moradores que moram na outra margem do rio, por
pescadores e como atração turística

Corumbá/MS, Brasil. 7 a 9 de outubro de 2019. ISSN . 2178-2245


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Autora: RIBEIRO DA SILVA, J. C., 2016

Imagem 10
Comitiva no Pantanal da Nhecolândia, a região mais central do Pantanal onde o solo arenoso impede
a entrada de caminhão boiadeiro fazendo com que a comitiva seja a melhor forma de conduzir o gado

Autora: RIBEIRO DA SILVA, J. C., 2016

Imagem 11
Preparação de uma refeição de uma comitiva, Pantanal da Nhecolândia, em época de seca é mais
fácil fazer o fogo no chão e encontrar lenha. Na época da chuva, os peões podem ficar dias sem
comer, pois, o cozinheiro não encontra local seco para fazer o fogo. Atualmente, nas comitivas mais
estruturadas, o cozinheiro leva um fogareiro.

Corumbá/MS, Brasil. 7 a 9 de outubro de 2019. ISSN . 2178-2245


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Autora: RIBEIRO DA SILVA, J. C., 2016

Imagem 12
Recolhimento da boiada e contagem para o pouso da comitiva, Pantanal da Nhecolândia

Autora: RIBEIRO DA SILVA, J. C., 2016

Reflexões inacabadas

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O Pantanal deveria ser chamado de Pantanai(s), pois cada sub-região


apresenta peculiaridades distintas e ao mesmo tempo semelhanças, caracterizando
o modo de vida de sua população. Essas características determinam o ritmo de vida
laboral, como é o caso dos peões. Segundo Manoel de Barros ao descrever o
pantanal, “poetiza-nos” dizendo que “meu quintal é maior que o mundo”, porém, seu
quintal, seu espaço, seu território é delimitado por cercas, a imensidão poetizada
tem dono, ou donos.
O modo de vida do “homem” pantaneiro muitas vezes limita-se à sua sub-
região, pois onde há rio, não haverá o turismo de pesca, por exemplo, contudo o
predomínio econômico da pecuária é notório. Povo hospitaleiro, simples, generoso,
que aprendeu a compartilhar o pouco que tem, que aprendeu a escutar a natureza e
reconhecer seus sons e sinais carecem de mais estudos.
Muito se pensa se o peão boiadeiro será “engolido” pelo sistema, nós
averiguamos que não, principalmente ao conhecermos o solo arenoso da
Nhecolândia onde o caminhão boiadeiro não entra. Dependendo da distância das
fazendas, as comitivas irão perpetuar, seja por causa do solo ou por causa do custo
x benefício. É notório que hoje, peão boiadeiro é para quem gosta.
As condições em muitas sub-regiões são precárias para o “homem”
pantaneiro e sua família. Muitas vezes ficam meses sem saírem das fazendas ou
pousadas/hotéis. Gerentes ou patrões levam mantimentos e medicamentos quando
há necessidade, mas, como em muitas regiões ainda não há luz elétrica, a
comunicação se torna escassa.
Pessoas esquecidas ou que preferem serem esquecidas nas regiões
longínquas, muitas vezes trabalhando mais que o permitido por lei ou que seus
corpos aguentam, pessoas que merecem ter suas vozes evidenciadas no meio
acadêmico para maiores reflexões e ações.

Referências

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ambientais). Brasília, DF: IBAMA/PNMA, 1991.

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PERCEPÇÃO AMBIENTAL DA COMUNIDADE ACADÊMICA NO CAMPUS DE


ALTO ARAGUAIA DA UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MATO GROSSO
Environmental Perception of the Academic Community in a Unit of the University of
the State of Mato Grosso/Brazil
Percepción Ambiental de la Comunidad Académica en una Unidad de la Universidad
Del Estado de Mato Grosso/Brasil

Jeferson Boldrini da Silva


Fernando Thiago

Resumo: O objetivo desta investigação é obter um diagnóstico sobre a percepção


ambiental da comunidade acadêmica (docentes, discentes e técnicos) do Campus
Universitário de Alto Araguaia da Universidade do Estado de Mato Grosso
(UNEMAT). Foram analisados os hábitos de consumo sustentável, a percepção das
questões ambientais e o conhecimento das ações institucionais relacionados ao
meio ambiente. Trata-se de uma pesquisa quantitativa em que os dados foram
coletados por meio de questionário estruturado e analisados por estatística
descritiva. Os resultados mostram que os participantes estão cientes das questões
ambientais, mantém hábitos que promovem o consumo sustentável, contudo,
desconhecem o planejamento e ações institucionais em promoção à proteção
ambiental.
Palavras-chave: Hábitos de consumo sustentável, percepção ambiental,
planejamento ambiental.

Abstract: The objective of this research is to obtain a diagnosis about the


environmental perception of the academic community (teachers, students and
technicians) of a unit of the State University of Mato Grosso, Brazil. We analyzed the
habits of sustainable consumption, the perception of environmental issues and the
knowledge of institutional actions related to the environment. It is a quantitative
research in which the data were collected through a structured questionnaire and
analyzed by descriptive statistics. The results show that the participants are aware of
environmental issues, maintains habits that promote sustainable consumption,
however, they are unaware of the planning and institutional actions in favor of
environmental protection.
Key words: Habits of sustainable consumption, environmental perception,
environmental planning.


Especialista em Gestão Universitária (2019), Graduado em Licenciatura Plena em Ciências
Biológicas (2012) e Bacharelado em Jornalismo (2018) pela Universidade do Estado de Mato Grosso.
Atualmente, ocupa o cargo de Agente Universitário no quadro de carreira dos Profissionais Técnicos
do Ensino Superior e é Membro do grupo de pesquisa COMUNICAÇÃO, CULTURA E SOCIEDADE
na Universidade do Estado de Mato Grosso. E-mail: boldrinijs@hotmail.com

Doutor em Administração pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul (2017), Mestre em
Ciências Ambientais pela Universidade do Estado de Mato Grosso (2011), possui especialização
(pós-graduação Lato Sensu) em Gestão Pública pela Universidade do Estado de Mato Grosso (2013)
e em Magistério do Ensino Superior pelo Instituto Brasileiro de Pós-Graduação e Extensão (2004) e
graduação em Administração pela Unifimes (2003). Atualmente é Professor da Educação Superior do
Campus do Pantanal da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Atua nos seguintes temas:
Gestão Pública, Gestão de Pessoas e Gestão do Agronegócio. E-mail: fernando.t@ufms.br

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Resumen: El objetivo de esta investigación es obtener un diagnóstico sobre la


percepción ambiental de la comunidad académica (docentes, estudiantes y técnicos)
del Campus Universitario de Alto Araguaia de la Universidad Estatal de Mato Grosso
(UNEMAT). Se analizaron hábitos de consumo sostenibles, percepción de
problemas ambientales y conocimiento de acciones institucionales relacionadas con
el medio ambiente. Esta es una investigación cuantitativa en la que los datos fueron
recolectados a través de un cuestionario estructurado y analizados por estadística
descriptiva. Los resultados muestran que los participantes son conscientes de los
problemas ambientales, mantienen hábitos que promueven el consumo sostenible,
sin embargo, desconocen la planificación y las acciones institucionales para
promover la protección del medio ambiente.
Palabras clave: Hábitos de consumo sostenible, percepción ambiental, planificación
ambiental.

* Trabalho completo selecionado para publicação na Revista Para Onde? (UFRGS),


no número referente ao primeiro semestre de 2020.
https://seer.ufrgs.br/paraonde

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PORTO MURTINHO (MS): POTENCIALIDADE DO ECOTURISMO NO ESPAÇO


FRONTEIRIÇO BRASIL-PARAGUAI
Porto Murtinho (MS): Potentiality Of Ecotourism In Brazil-Paraguay Border Space
Porto Murtinho (MS): Potencialidad Del Ecoturismo En El Espacio Frontero Brasil-
Paraguay

Fernanda Cano de Andrade Marques;


Juliana Luquez

Resumo: O espaço fronteiriço é dinâmico. Porto Murtinho é tomada aqui como


síntese concreta dessa realidade. Localizado no sudoeste do estado de Mato
Grosso do Sul, às margens do Rio Paraguai, no complexo do baixo Pantanal e
abrange parte do Chaco Paraguaio. Essa configuração de paisagem permite
demonstrar tamanha peculiaridade na área de estudo. Os objetivos são: pensar
as dinâmicas territoriais em espaços fronteiriços a partir do desenvolvimento de
atividades e práticas do ecoturismo; apontar o potencial do ecoturismo como
subsídio para o planejamento e desenvolvimento de atividades atrativas para a
região fronteiriça Brasil-Paraguai. A Matriz SWOT como metodologia, analisa as
forças, fraquezas, oportunidades e ameaças. Foram realizados registros
iconográficos levantado em campo. Os resultados obtidos apontam que Porto
Murtinho possui potencial para o desenvolvimento do ecoturismo, entretanto,
mesmo diante de grandes potenciais, é necessário que o poder público municipal
na tomada de decisão leve em consideração os princípios de sustentabilidade.
Palavras-chave: Pantanal, Matriz SWOT, políticas públicas, conservação e
desenvolvimento local.

Abstract: The border space is dynamic. Porto Murtinho is taken here as a


concrete synthesis of this reality. Located in the southwest of the state of Mato
Grosso do Sul, on the banks of the Paraguay River, in the lower Pantanal complex
and covers part of the Paraguayan Chaco. This landscape configuration allows to
demonstrate such peculiarity in the field of study. The objectives are: to think
about the territorial dynamics in border spaces from the development of activities
and practices of ecotourism; To point out the potential of ecotourism as a subsidy
for the planning and development of attractive activities for the border region of
Brazil-Paraguay. The SWOT matrix as A methodology, analyzes strengths,
weaknesses, opportunities and threats. Iconographic records raised in the field
were carried out. The results indicate that Porto Murtinho has the potential for the
development of ecotourism, however, even in the face of great potentials, it is
necessary that the municipal public power in decision making takes into account
the principles of Sustainability.


Graduada em Gestão Ambiental e discente do Curso de Geografia da Universidade Estadual de
Mato Grosso do Sul – Unidade de Jardim. E-mail: camfernanda1@gmail.com

Doutora em Geografia Humana e docente do Curso de Geografia da Universidade Estadual de
Mato Grosso do Sul – Unidade de Jardim. E-mail: julianaluquez@gmail.com

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Keywords: Pantanal, Matriz SWOT, public policies. conservation and local


development.

Resume: El espacio de borde es dinámico. Porto Murtinho se toma aquí como


una síntesis concreta de esta realidad. Ubicado en el suroeste del estado de Mato
Grosso do Sul, a orillas del río Paraguay, en el complejo inferior Pantanal y cubre
parte del Chaco paraguayo. Esta configuración paisajística permite demostrar tal
peculiaridad en el campo de estudio. Los objetivos son: pensar en la dinámica
territorial en los espacios fronterizos desde el desarrollo de actividades y prácticas
del ecoturismo; Señalar el potencial del ecoturismo como subvención para la
planificación y desarrollo de actividades atractivas para la región fronteriza brasil-
Paraguay. La matriz SWOT como metodología A, analiza fortalezas, debilidades,
oportunidades y amenazas. Se llevaron a cabo registros iconográficos en el
campo. Los resultados indican que Porto Murtinho tiene el potencial para el
desarrollo del ecoturismo, sin embargo, incluso ante grandes potencialidades, es
necesario que el poder público municipal en la toma de decisiones tenga en
cuenta los principios de Sostenibilidad.
Palabras-clave: Pantanal, Matriz SWOT, políticas públicas, conservación y
desarrollo local.

Introdução
A fronteira quando relacionada a limites territoriais restringe-se à uma
acepção empobrecida e apreende apenas sua dimensão militar e estatal, no
entanto, a intensa mobilidade populacional e a ativação de fluxos diversos nessa
área delineiam uma nova configuração nos espaços fronteiriços, tornando-os uma
pluralidade no contexto econômico, jurídico, político e cultural (ALBUQUERQUE,
2009).

O estado brasileiro de Mato Grosso do Sul localiza-se na faixa de fronteira


com o Paraguai e a Bolívia, tendo Ponta Porã, Corumbá, Bela Vista e Porto
Murtinho, como exemplos da pluralidade ressaltada por Albuquerque (2009).
Essas cidades fronteiriças dinamizam os seus territórios municipais a partir das
possibilidades econômicas geradas no contexto de sua situação geográfica.

Oeyen (2011, p. 11-12) afirma que “as fronteiras se distinguem por serem
espaços particularmente sensíveis, com uma natureza e uma dinâmica própria
que as revela como laboratórios ou lugares privilegiados de estudo”. Nesse
sentido, as fronteiras são vistas como ambiente sensível. Tomemos o ambiente
fronteiriço no qual se desenvolveu Porto Murtinho: fronteira marcada pelo leito do
Rio Paraguai. Essa especificidade proporcionou o desenvolvimento da prática da

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pesca no território sul-mato-grossense como destino de amadores interessados


na atividade.

Partindo da definição de território de Haesbaert (2004) como um ambiente


complexo e integrador, as interações espaciais entre Brasil e Paraguai possibilitou
o desenvolvimento da atividade turística da pesca; entretanto, o principal turismo
desenvolvido na fronteira é o de compras. Sendo assim, a fim de mudar o foco
das atividades turísticas de fronteira e potencializar Porto Murtinho, devido ao seu
contexto histórico e cultural de ocupação, propõe-se para o local o
desenvolvimento do ecoturismo como uma atividade alternativa.

O ecoturismo é definido pelo Grupo de Trabalho Interministerial (BRASIL,


1994, p. 19) como:
um segmento da atividade turística que utiliza, de forma sustentável, o
patrimônio natural e cultural, incentiva sua conservação e busca a
formação de uma consciência ambientalista através da interpretação do
ambiente, promovendo o bem-estar das populações envolvidas (BRASIL,
1994, p. 19).
No entanto, para que a prática do ecoturismo seja concreta é necessário
considerar suas bases: 1. participação e respeito às comunidades; 2. respeito às
condições naturais; 3. interação social e 4. redução de consumo e desperdícios
(ROTTA et al., 2006). Neste sentido, o ecoturismo é um turismo alternativo com o
mínimo de impacto, interpretativo que busca a apreciação da natureza
conservada e culturas diversificadas (WEARING e NEIL, 2000). O ecoturismo se
torna uma potencialidade e um desafio, visto que a consolidação de suas bases
também requer uma consciência ecológica autônoma e libertária (PORTO-
GONÇALVES, 1998).

Caracterização da área de estudo


Conhecido pela pesca como principal atividade econômica e turística, o
município de Porto Murtinho está localizado na porção sudoeste do Estado de
Mato Grosso do Sul às margens do Rio Paraguai, faz fronteira com o Paraguai
(Figura 1) e está inserido nos Biomas Pantanal e Cerrado, com aproximadamente
17 mil habitantes (IBGE, 2018).

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Figura 1 – Localização do município de Porto Murtinho, MS.

Elaboração: Fernanda Cano de Andrade Marques

Porto Murtinho pertence ao complexo do baixo Pantanal, mais


especificamente na sub-região do Pantanal do Nabileque e sub-região de Porto
Murtinho, sendo esta uma planície inundável com período de seca e cheia no
decorrer do ano. O mosaico diverso de fitofisionomias que compõe ambas sub-
regiões são: campo inundado, campo seco, paratudal, carandazal, chaco e outras
formações (SILVA et al., 2000 apud. STRAUBE et al., 2006). Segundo Ab’Saber
(2003), o Pantanal pode ser considerado uma faixa de transição entre os
domínios morfoclimáticos Amazônico e Cerrado. Essa configuração da paisagem
permite demonstrar tamanha peculiaridade presente na área de estudo.

Em relação a hidrografia, Porto Murtinho está inserido na Bacia


Hidrográfica do Rio Paraguai. Com uma densa rede hidrográfica, os principais
cursos d’água são os rios Perdido, Aquidaban, Apa, Paraguai, Branco e
Nabileque (HEYN, 2003). As principais nascentes da sua rede hidrográfica estão
localizadas no Planalto da Serra da Bodoquena, sendo assim, é preciso ressaltar
a importância da criação e mantimento das Áreas Protegidas, como é o caso do
Parque Nacional Serra da Bodoquena e da Terra Indígena Kadiwéu localizadas

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na área do município, para a conservação e proteção dos recursos naturais, tido


como pré-requisito para o desenvolvimento do ecoturismo.

Assim, quanto aos objetivos desse artigo, destacamos: pensar as


dinâmicas territoriais em espaços fronteiriços a partir do desenvolvimento de
atividades e práticas do ecoturismo e; apontar o potencial do ecoturismo em Porto
Murtinho (MS) como subsídio para o planejamento e desenvolvimento de
atividades atrativas para a região fronteiriça Brasil-Paraguai.

Matriz SWOT: metodologia aplicada em áreas com potencial turístico


Após visita in loco na área de estudo em maio de 2019 e diálogos com
secretárias do departamento de Turismo e Meio Ambiente do município, foi listada
uma série de aspectos positivos e negativos, na qual seguindo a metodologia que
Marques et. al. (2018) aplicou em seu estudo para análise do cenário
socioambiental do Parque Municipal Arnulpho Fioravanti, localizado em
Dourados/MS, utilizando a Matriz SWOT, em português conhecida como FOFA,
para analisar as forças, fraquezas (ambiente interno), oportunidades e ameaças
(ambiente externo), do ecoturismo na área de estudo.

Após o processo de definição dos aspectos do ambiente interno e externo,


com uso da planilha disponibilizada gratuitamente pela Acelere.Vc, os mesmos
foram pontuados com os critérios estabelecidos pela própria planilha de análise
(Figura 2), gerando como resultado um gráfico com pontuação para cada
ambiente da matriz.

Figura 1 - Parâmetros utilizados na matriz para pontuação

Fonte: Planilha Acelere.Vc.

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Além disso, foram realizados registros fotográficos das atividades


potenciais para desenvolvimento do ecoturismo em Porto Murtinho. A seguir
apresentamos uma breve discussão dos resultados a partir do acervo iconográfico
levantado em campo no período de 29 de abril de 2019 a 02 de maio de 2019.

Discussão dos resultados


De acordo com o mapa do turismo brasileiro 2017, disponibilizado no site
da Fundação de Turismo do Mato Grosso do Sul, o município de Porto Murtinho
está inserido na rota turística Bonito/Serra da Bodoquena, contudo, é evidente
que esse turismo não gera renda direta tanto quanto gera no município de Bonito,
por exemplo.

Contudo, a análise de cenário por meio da Matriz SWOT (Figura 3) apontou


que no município de Porto Murtinho (MS) as forças do ambiente interno (70
pontos) se sobressaem às fraquezas (30 pontos). Por outro lado, no ambiente
externo, as oportunidades (43 pontos) são maiores que as ameaças (25 pontos).

Figura 2. Resultado da Matriz SWOT.

Elaboração: Fernanda Cano de Andrade Marques,

Os principais aspectos positivos apontados para o preenchimento da Matriz


SWOT (Quadro 1) estão relacionados com as belezas naturais, pois além de estar
às margens do rio Paraguai, Porto Murtinho é o único município de Mato Grosso
do Sul que abrange o Chaco Paraguaio, com características distintas. Outros

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aspectos positivos são a abundância de espécies de aves, o que demonstra a


possibilidade de desenvolver o turismo de observação de aves, e a cultura
gastronômica com influências paraguaias.

As fraquezas estão relacionadas às infraestruturas de hospitalidade que


ainda não estão estabelecidas de maneira a atender uma grande demanda, além
disso, a inexistência de guias de turismo capacitados impossibilita a ampliação
dessa atividade para a geração de renda direta. A prática do “monoturismo” com a
atividade de pesca, pode ser considerado uma fraqueza por estar explorando o
ambiente aquático intensamente.

Diante dos aspectos positivos e negativos (forças e fraquezas), é


importante ressaltar as oportunidades (ambiente externo) que visam mitigar os
aspectos negativos e potencializar os positivos. Sendo assim, pode-se ressaltar
que é necessário a elaboração de um Plano de Turismo, dar início a parcerias
público-privadas, ter um maior investimento em cursos de capacitação de guias
turísticos dando ênfase em outras atividades turísticas além da pesca, juntamente
com a elaboração de roteiros que integrem Brasil e Paraguai para o aumento da
oferta de serviços. Estas são medidas que devem ser tomadas para obter
resultados a longo prazo.

Entretanto, há as ameaças (ambiente externo) que dizem respeito aos


aspectos que Porto Murtinho está sujeito a sofrer, como por exemplo a construção
da rodovia Bioceânica1 - a qual mesmo podendo ser considerada uma
oportunidade por muitos, aqui nesse caso será considerada como uma ameaça –
que indubitavelmente acarretará problemas socioambientais e culturais com o
aumento de fluxo de veículos de grande porte e superlotação da cidade, além
disso, poderá ocasionar o aumento no número de atropelamentos da fauna
silvestre.

1
Também conhecida como Rota de Integração Latino-Americana (RILA), tem como objetivo
diminuir o percurso de exportações e importações para a Ásia e América do Norte, cortando a
América do Sul saindo do Brasil, indo em direção ao Paraguai e Argentina até aos portos do Chile.

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Forças (70 pontos) Fraquezas (30 pontos)


(5) Presença de ecótonos; (-5) Infraestruturas de hospitalidade ainda em
(5) Abundância de espécies de aves; construção;
(5) Poder público interessado em mudar a (-5) Inexistência de guias de turismo
realidade; capacitados;
(5) Importância histórica e cultural; (-5) Pouca divulgação de outras atividades
(4) Cultura gastronômica; turísticas além da pesca;
(5) Recebimento do ICMS Ecológico; (-5) Prática do “monoturismo”;
Ambiente Interno

(2) Presença de áreas protegidas – (-5) Acomodação no modelo de turismo;


Unidades de conservação e Terra (-5) Distância de outros polos turísticos;
Indígena; (-5) Inexistência de trilhas estruturadas para
(5) Realização de eventos para discussão turismo.
do planejamento turístico;
(5) Parcerias com o Paraguai;
(5) Serviços ambientais;
(5) Ser parte do corredor de
biodiversidade Cerrado-Pantanal;
(5) Ambientes com beleza cênica;
(5) Envolvimento da população;
(5) Presença dos conselhos de turismo e
meio ambiente.
Oportunidades (43 pontos) Ameaças (25 pontos)
(5) Curso de capacitação de guias (-5) Poucos recursos da prefeitura;
turísticos locais; (-5) Construção da rodovia Bioceânica;
(5) Plano de Turismo; (-5) Superlotação – problemas
Ambiente Externo

(4) Redes fortes de enfrentamento; socioambientais e culturais;


(5) Turismo de observação de aves; (-5) Aumento do fluxo de veículos na rodovia;
(5) Programas de hospitalidades – relação (-5) Aumento no atropelamento de animais
turista e comunidade; silvestre.
(5) Elaboração de roteiros turísticos Brasil-
Paraguai;
(5) Parcerias público-privadas;
(5) Oferta de serviços;
(5) Mapeamento dos pontos turísticos.

Nas imagens abaixo são exemplificados alguns dos potenciais para o


desenvolvimento do ecoturismo, sendo estes relacionados aos monumentos
histórico e culturais espalhados pela área urbana, assim como as belezas cênicas
proporcionadas às margens do Rio Paraguai e das espécies de aves que podem
ser observadas do dique.

 Atrativos Históricos e Culturais

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Figura 3. (A) Construção histórica “Castelinho”, datada de 1914; (B) Museu Dom Jaime Anibal
Barrera; (C) Edifício Jorge Abrão construído entre 1920 e 1922, cedido para o funcionamento da
Prefeitura Municipal; (D) “Trenzinho”, representação simbólica do ciclo da erva-mate; (E)
“Chalaneiro”, monumento que homenageia os heróis do rio; (E) Praça Kadiwéu, reverência aos
índios Kadiwéus por terem lutado em defesa ao território murtinhense. Fonte: Prefeitura Municipal
de Porto Murtinho. Acervo: Fundação Neotrópica do Brasil. Crédito: Fernanda Cano de Andrade
Marques.

 Atrativos Naturais

Figura 4. (G) Carandás (Corpernicia alba) no pôr do sol às margens do rio Paraguai; (H) Barqueiro
atravessando o rio no barco à remo; (I) Observadores de aves no dique que separa a área urbana
do Rio Paraguai; (J) Anu-branco (Guira guira); (K) Cardeal (Paroaria coronata); (L) Periquito-de-
encontro-amarelo (Brotogeris chiriri). Acervo: Fundação Neotrópica do Brasil. Créditos: Fernanda
Cano de Andrade Marques.

Além dos aspectos levantados in loco, no site da Prefeitura Municipal de


Porto Murtinho há disponibilizado uma série de atrativos turísticos naturais, como
por exemplo, o Morro Pão de Açúcar com 550 metros de altura e uma trilha
interpretativa; o Fecho dos Morros, ponto mais alto do rio Paraguai; o Morro

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Celina localizado à jusante do rio Paraguai; Cachoeira do Apa, localizada no


Parque Municipal Cachoeira do Apa à 80 km de Porto Murtinho e as Cachoeiras
do rio Aquidaban, com uma visão panorâmica da planície Pantaneira.

Diante da problemática apresentada a respeito de Porto Murtinho, o investimento


no ecoturismo trará ganhos tanto econômico quanto ganhos positivos para
conservação e proteção dos recursos naturais.

Sendo assim, pode-se considerar como principais impactos positivos do


ecoturismo em âmbito ecológico, econômico e social, segundo Soldateli (1998, p.
118), a:

geração de fundos para conservação de Unidades de Conservação, a


diversificação da economia e geração de empregos nas comunidades do
entorno dos destinos ecoturístico e a promoção de educação ambiental
com visitantes e moradores locais.
Entretanto, o plano de turismo, abordado como uma oportunidade na Matriz
SWOT, a ser elaborado deverá contar com a participação da comunidade para
que a mesma tenha ganhos econômicos significativos (SOLDATELI, 1998).

Outro fator interessante a ser considerado está relacionado a localização


do município em uma das maiores planícies inundáveis do mundo e Reserva da
Biosfera (Pantanal), é imprescindível que no Plano de Turismo sejam previstas,
além das flutuações econômicas e políticas, as flutuações climáticas e de
sazonalidade que a região possui, ou seja, deve-se considerar os ciclos de cheias
e secas do Pantanal.

Conclusão
Por meio da aplicação da Matriz SWOT para levantamento do potencial do
ecoturismo em Porto Murtinho (MS), comprova-se que de fato a área de estudo
possui enorme potencial para tal. Contudo, o ecoturismo em Porto Murtinho há de
ser planejado em bases sustentáveis a fim de promover a otimização de seus
benefícios e oportunidades ao mesmo tempo que seus riscos (fraquezas e
ameaças) possam ser mitigados.

É válido lembrar que o ecoturismo demanda de um ambiente natural com o


mínimo de alterações antrópicas, portanto potencializar o ecoturismo em Porto

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Murtinho pode ser visto como uma forma de conservação. Além disso, o
desenvolvimento do ecoturismo no espaço fronteiriço de Porto Murtinho,
concomitantemente à conservação, poderá oportunizar atividades econômicas no
contexto local e regional. Se por um lado, o ecoturismo proporciona algum
aspecto de desenvolvimento local ou regional; por outro lado, o uso do território
em seu todo não deve ser negligenciado considerando esse fim (WEARING e
NEIL, 2001; CRUZ, 2005). Esses são desafios à implantação de políticas públicas
voltadas à atividade turística na faixa de fronteira: conservar os biomas do
Pantanal e do Cerrado e promover o desenvolvimento socioeconômico nas
comunidades fronteiriças.

De maneira geral, cabe ao poder público municipal a tomada de decisão


em relação a elaboração de políticas públicas fundamentadas nos princípios de
sustentabilidade, além de, indubitavelmente, considerar a Política Nacional de
Turismo – Lei Federal n° 11.771/2008 e as características singulares do mesmo.
Destacamos que essa decisão precisa considerar a participação ativa dos
coletivos locais e organizações voltadas ao manejo sustentável do meio ambiente.
As medidas assumidas através do poder público devem ser norteadas visando o
limite tênue entre a conservação e o desenvolvimento. Assim, vemos na Matriz
SWOT a possibilidade de trazer à luz do debate sobre sociedade e natureza os
temas que perpassam a realidade concreta das áreas fronteiriças do Brasil.

Referências

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circulação dos “brasiguaios” entre os limites nacionais. Horizontes
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Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ha/v15n31/a06v1531.pdf>. Acesso em:
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EMBRATUR, 1994. Disponível em:
<http://www.ecobrasil.provisorio.ws/images/BOCAINA/documentos/ecobrasil_diret
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Corumbá/MS, Brasil. 7 a 9 de outubro de 2019. ISSN . 2178-2245


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TRANSIÇÃO AGROECOLÓGICA EM UM LOTE DE ASSENTAMENTO RURAL NA


FRONTEIRA BRASIL-BOLÍVIA
Agroecological Transition in a Rural Settlement Lot on the Brazil-Bolivia Border
Transición Agroecológica en un Lote de Asentamiento Rural en la Frontera entre
Brasil y Bolivia

Ianna Louise Araújo Chagas


Edgar Apatrecido da Costa

Resumo: A prática da agricultura convencional é potencial causadora de impactos


negativos ao meio ambiente. A produção em bases agroecológicas tem sido uma
alternativa para a sustentação do ecossistema. O objetivo deste trabalho é discutir o
processo de mudança da agricultura convencional para a produção em bases
agroecológicas em um lote de assentamento rural na fronteira Brasil-Bolívia. A
metodologia é baseada na pesquisa participante, com apoio da técnica da
observação. Foi realizado um curso de extensão rural com agricultores familiares do
assentamento Taquaral para iniciar os processos de transição agroecológica. Como
resultados obteve-se a implantação de consórcios de plantas amigas, soluções
naturais para os problemas encontrados e a realização de palestra com agricultores
de outros lotes.
Palavras-chave: Fronteira; Agroecologia; Transição Agroecológica.

Abstract: The practice of conventional agriculture is potentially causing negative


impacts on the environment. Agroecological production has been an alternative to
sustain the ecosystem. The aim of this paper is to discuss the process of moving
from conventional agriculture to agroecological production in a rural settlement plot
on the Brazil-Bolivia border. The methodology is based on participant research,
supported by the observation technique. A rural extension course was conducted
with family farmers from the Taquaral settlement to initiate agroecological transition
processes. As a result we obtained the establishment of friendly plant consortia,
natural solutions to the problems encountered and a lecture with farmers from other
lots.
Key-words: Border; Agroecology; Agroecological transition.

Resúmen: Resúmen: La práctica de la agricultura convencional está potencialmente


causando impactos negativos en el medio ambiente. La producción agroecológica ha
sido una alternativa para sostener el ecosistema. El objetivo de este documento es
discutir el proceso de pasar de la agricultura convencional a la producción
agroecológica en una parcela de asentamiento rural en la frontera entre Brasil y


Graduada em Engenharia Agronômica e Geografia. Mestranda em Estudos Fronteiriços. UFMS-
Cpan. E-mail: iannalouise@hotmail.com

Graduado, mestre e doutor em Geografia. Professor da Universidade Federal de Mato Grosso do
Sul. E-mail: edgarac10@gmail.com

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Bolivia. La metodología se basa en la investigación participante, respaldada por la


técnica de observación. Se realizó un curso de extensión rural con agricultores
familiares del asentamiento Taquaral para iniciar procesos de transición
agroecológica. Como resultado, obtuvimos el establecimiento de consorcios de
plantas amigables, soluciones naturales a los problemas encontrados y una
conferencia con agricultores de otros lotes.
Palabras clave: Frontera Agroecología; Transición agroecológica.

* Trabalho completo selecionado para publicação na Revista Para Onde? (UFRGS),


no número referente ao primeiro semestre de 2020.
https://seer.ufrgs.br/paraonde

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TURISMO SEXUAL NAS ÁGUAS DO PANTANAL: O CASO DA


MERCANTILIZAÇÃO SEXUAL EM CORUMBÁ/MS
Sexual Tourism in Pantanal Waters: The Case of Sexual Marketing in
Corumbá/MS
Turismo Sexual en Aguas Pantanales: el Caso del Marketing Sexual en
Corumbá/MS

Érica dos Santos Oliveira


Éder Damião Goes Kukiel

Resumo: Este trabalho tem como objetivo identificar e compreender o arranjo


espacial e social do Pantanal e sua relação com o turismo de pesca e sexual que
ocorrem nas águas pantaneiras da cidade de Corumbá/MS. Como procedimento
metodológico utilizou-se entrevistas online com garotas de programa que realizam
tal atividade na cidade de Corumbá-MS e pesquisas bibliográficas relacionadas ao
tema. O foco dessas mulheres são os atores de classe média alta, ou seja, os
turistas e pessoas com alto poder aquisitivo local. Lugares paradisíacos como o
Pantanal criam cenário para prática do turismo sexual, onde turistas procuram a
tranquilidade e o contato com a natureza para a prática do lazer e do prazer.
Palavras-chave: Fronteira, Turismo, Pantanal, Turismo Sexual, Corumbá/MS.

Abstract: This work aims to identify and understand the spatial and social
arrangement of the Pantanal and its relationship with fishing and sexual tourism that
occur in the Pantanal waters of Corumbá/MS. As methodological procedure we used
online interviews with call girls who perform such activity in the city of Corumbá-MS
and bibliographical research related to the theme. The focus of these women is on
the upper middle-class actors, or tourists and people with high local purchasing
power. Paradise places like the Pantanal create a scenario for the practice of sex
tourism, where tourists seek tranquility and contact with nature for the practice of
leisure and pleasure.
Key words: Border, Tourism, Pantanal, Sex tourism, Corumbá/MS.

Resumen: Este trabajo tiene como objetivo identificar y comprender la disposición


espacial y social del Pantanal y su relación con la pesca y el turismo sexual que
ocurren en las aguas del Pantanal de Corumbá/MS. Como procedimiento
metodológico, utilizamos entrevistas en línea con prostitutas que realizan dicha


Graduada em Geografia (Licenciatura) pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campus
do Pantanal. Atualmente é acadêmica do programa de pós-graduação em Geografia, nível mestrado,
da Universidade Federal da Grande Dourados. E-mail de contato: ericasantos566@gmail.com

Graduado em Geografia (Licenciatura) pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campus
do Pantanal. É Mestre em Estudos Fronteiriços pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul,
Campus do Pantanal. Atualmente é acadêmico do programa de pós-graduação em Geografia, nível
doutorado, da Universidade Federal da Grande Dourados. E-mail de contato:
kukielgeografia@gmail.com

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actividad en la ciudad de Corumbá-MS e investigación bibliográfica relacionada con


el tema. El enfoque de estas mujeres está en los actores de la clase media alta, es
decir, turistas y personas con alto poder adquisitivo local. Lugares paradisíacos
como el Pantanal crean un escenario para la práctica del turismo sexual, donde los
turistas buscan tranquilidad y contacto con la naturaleza para la práctica del ocio y el
placer.
Palabras clave: Frontera, Turismo, Pantanal, Turismo Sexual, Corumbá/MS.

* Trabalho completo selecionado para publicação na Revista GeoPantanal, v. 14, n.


27, 2019.
https://periodicos.ufms.br/index.php/revgeo

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A RELEVÂNCIA DA FAIXA DE FRONTEIRA NO PROGRAMA ÁREAS


PROTEGIDAS DA AMAZÔNIA (ARPA) E NA ATUAÇÃO DAS TRÊS GRANDES
ONGS CONSERVACIONISTAS (WWF, CI E TNC)
The Relevance of the Border Region in the Amazon Region Protected Areas
Program (ARPA) and in the Performance of the Three Major Conservational NGOs
(WWF, CI and TNC)
La Relevancia de la Región Fronteriza en el Programa de Áreas Protegidas de la
Amazonía (ARPA) y en la Actuación de las Tres Grandes ONG de Conservación
(WWF, CI y TNC)

Cassio do Sul Gonçalves

Resumo: Este trabalho pretende identificar a relevância da faixa de fronteira no


Programa Áreas Protegidas da Amazônia (ARPA) e na atuação (seu tipo e sua
distribuição espacial) das três grandes ONGs conservacionistas internacionais:
World Wide Fund for Nature (WWF), Conservation International (CI) e The Nature
Conservancy (TNC) nas unidades de conservação (UCs) do programa. O ARPA foi
escolhido pois foi identificado como a principal estratégia de conservação de áreas
protegidas na Amazônia Brasileira. A metodologia consiste na análise dos tipos de
atuação e da distribuição espacial desses atores de acordo com uma classificação
desenvolvida ao longo da pesquisa e, também, com o cruzamento dessa distribuição
com outros aspectos geográficos do território, como, por exemplo, a localização das
terras indígenas. Os resultados apontaram para a relevância da faixa de fronteira
tanto no âmbito do programa como nas escolhas de atuação das ONGs analisadas.

Abstract: This paper aims to identify the relevance of the Border Region in the
Amazon Region Protected Areas Program (ARPA) and in the performance (its type
and its spatial distribution) of the three major international conservation NGOs: World
Wide Fund for Nature (WWF), Conservation International (CI) and The Nature
Conservancy (TNC) in the program's conservation units (UCs). ARPA was chosen
because it was identified as the main protected area conservation strategy in the
Brazilian Amazon. The methodology consists of the analysis of the types of actions
and spatial distributions of these actors according to a classification developed
throughout the research and also the intersection of this distribution with other
geographical aspects of the territory, such as the location of the indigenous lands.
The results pointed to the relevance of the Border Region both within the program
and in the choices of action made by the analyzed NGOs.

Resumen: Este documento tiene como objetivo identificar la relevancia de la Región


Fronteriza en el Programa de Áreas Protegidas de lá Amazonía (ARPA) y en la
actuación (su tipo y su distribución espacial) de las tres principales ONGs
internacionales de conservación: World Wide Fund for Nature (WWF), Conservation
International (CI) y The Nature Conservancy (TNC) en las unidades de conservación


Graduando em Licenciatura em Geografia; Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ; e-mail:
cassiodosul@gmail.com

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(UC) del programa. Se eligió ARPA porque se identificó como la principal estrategia
de conservación de áreas protegidas en la Amazonía brasileña. La metodología
consiste en el análisis de los tipos de acciones y distribuciones espaciales de estos
actores de acuerdo con una clasificación desarrollada a lo largo de la investigación y
también la intersección de esta distribución con otros aspectos geográficos del
territorio, como la ubicación de las tierras indígenas. Los resultados señalaron la
relevancia de la Región Fronteriza tanto para lo programa como para las opciones
de acción de las ONGs analizadas.

Introdução
Ao longo das últimas décadas, várias organizações conservacionistas
internacionais têm ativamente promovido e financiado a criação e a consolidação de
unidades de conservação (UCs) na Amazônia Brasileira e em sua faixa de fronteira
com os países vizinhos (Steiman, 2008). Trabalhos anteriores realizados por outros
integrantes do grupo Retis levantaram algumas das incidências geográficas da
atuação das três principais ONGs conservacionistas internacionais na região –
World Wild Fund for Nature (WWF), Conservation International (CI) e The Nature
Conservancy (TNC).
Este trabalho pretende identificar a relevância da faixa de fronteira no
Programa ARPA e na atuação (seu tipo e sua distribuição espacial) das três grandes
ONGs conservacionistas internacionais: WWF, CI e TNC nas UCs do programa. A
pesquisa ainda não possui elementos suficientes de análise para poder explicar o
motivo pelos quais as ONGs escolheram atuar em determinadas UCs em detrimento
de outras.
Lançado em 2002, o programa ARPA é o maior programa de conservação de
florestas tropicais do planeta, ele visa fortalecer o Sistema Nacional de unidades de
conservação (SNUC), através do aperfeiçoamento da gestão e da consolidação de
tais áreas na Amazônia Brasileira. O programa é dividido em três fases: a primeira
perdurou entre 2002-2010, a segunda entre 2010-2017 e a terceira, que começou
em 2014 deverá ser finalizada em 2039 (ARPA, 2019).
O ARPA é um programa do Governo Federal, coordenado pelo Ministério do
Meio Ambiente, cujo gerenciamento financeiro está a cargo do Fundo Brasileiro para
a Biodiversidade (FUNBIO). O programa é financiado por quatro grandes doadores
desde a primeira fase: o Global Environment Facility (GEF) – um fundo do Banco
Mundial utilizando para financiar projetos ambientais pelo mundo; o governo Alemão
através de seu Banco de Desenvolvimento da Alemanha (KfW); a rede WWF através

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da WWF-Brasil; e o Fundo Amazônia, através do BNDES. Na fase atual, juntaram-se


mais dois doadores, as fundações do Boticário e da Natura (ARPA 2016, 2019).
Nota-se que a WWF, uma das ONGs analisadas pela pesquisa, é uma das principais
doadoras e atua como executora de vários projetos, ao passo que as outras duas
ONGs não participam do financiamento do ARPA.
A execução e o financiamento do programa dividem-se desde a primeira fase
em cinco subcomponentes: 1) criação de novas áreas protegidas; 2) consolidação
das áreas protegidas já existentes; 3) sustentabilidade de longo prazo das áreas
protegidas; 4) monitoramento das áreas protegidas; 5) coordenação e gestão de
projetos (WORLD BANK, 2002; ARPA, 2019).
Originalmente o ARPA previa a criação exclusivamente de “áreas protegidas
de proteção integral”, mas foi intensamente criticado e passou a incluir, desde seu
lançamento, também as áreas protegidas de uso sustentável, numa proporção de
meio a meio. Outro resultado deste embate foi a adoção do princípio fundamental de
“evitar a criação de áreas de proteção integral onde houver populações tradicionais,
com vistas à implementação de mosaicos de unidades de conservação de Proteção
Integral, de Uso Sustentável e Áreas Protegidas, como Terras Indígenas ou Terras
de Quilombolas” (BRASIL/MMA, 2002, apud STEIMAN, 2008, p.39).
A operacionalização da pesquisa consistiu no levantamento sistemáticos de
relatórios e tabelas do programa ARPA, bem como de bases espaciais de unidades
de conservação e terras indígenas nos sites do IBGE, do Ministério do Meio
Ambiente (MMA) e do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes
(DNIT), que permitiram a elaboração e análise de mapas das unidades de
conservação da Amazônia, inseridas ou não no ARPA (figura 1 e 2, tabela 1).
Posteriormente, somou-se aos dados anteriores os relatórios anuais das
ONGs (dos períodos de 2005 até 2018), disponíveis em seus próprios sites, onde,
em alguns casos, eles descrevem a atuação da ONG em determinada unidade de
conservação da Amazônia. Além dos relatórios, utilizou-se os planos de manejo das
UCs (as que o possuíam) para descobrir se a ONG atuava ali ou não, pois muitas
das vezes a atuação da ONG não era citada em seu relatório anual, apenas no
plano de manejo da UC ou, em alguns casos, também em notícias da mídia regional
ou local. Com essas informações, foram elaboradas o restante das tabelas e o
último mapa.

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944

Os resultados apontam para uma importante atuação da WWF e da CI nas


UCs da faixa de fronteira no âmbito do programa ARPA. Também se observou a
relevância da faixa de fronteira com relação ao programa, uma vez que quase
metade das UCs que o integram (42,7%) estão situadas na faixa, processo que pode
ter relação com a incidência das terras indígenas, muito significativa na região de
fronteira, para a formação de grandes corredores e mosaicos de conservação da
biodiversidade (ver figura 1).

Panorama geral sobre as unidades de conservação do programa Áreas


Protegidas da Amazônia (ARPA)

Segundo o programa Monitoramento de Áreas Protegidas do Instituto


Socioambiental, a Amazônia Legal conta atualmente com 338 unidades de
conservação (UCs) federais e estaduais, das quais pouco mais de um terço (117)
participam do programa ARPA e, destas, 83 possuem plano de manejo. Entre as
UCs participantes do programa, é significativa a relevância daquelas localizadas
parcial ou totalmente na faixa de fronteira. Quase metade das UCs (50) se
encontram nesta região, conforme é possível observar no mapa (figura 1) e na
tabela 1, adiante.
O mapa da figura 1 apresenta as unidades de conservação e as terras
indígenas existentes na Amazônia Legal. As unidades de conservação foram
diferenciadas de acordo com sua inserção no ARPA. A análise do mapa permite
observar a presença de três grandes eixos principais ao longo dos quais incidem as
UCs participantes do programa: a faixa de fronteira, o Corredor Central da
Amazônia, ao longo do rio Amazonas, e a rodovia Transamazônica.
Ademais, a figura 2, abaixo, também permite identificar um padrão espacial
recorrente ao longo das fases do programa, ou seja, uma tendência à formação de
mosaicos de áreas protegidas com as terras indígenas e com unidades de
conservação que estão fora do ARPA; esse padrão foi observado durante todas as
fases, tanto nas UCs que foram criadas no programa quanto das UCs que foram
inseridas posteriormente.
O mapa da figura 2 apresenta as unidades de conservação por ordem cronológica
de criação ou de adesão ao programa ARPA. O programa foi lançado em 2002,

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inaugurando a fase I, que se estendeu até 2010; a fase II se estendeu até 2017;
atualmente estamos no início da fase III, o que ajuda a explicar a menor quantidade
de UCs criadas se comparada às outras fases. A fase III será a mais longa, com
previsão de término em 2039. (ARPA, 2019)

Figura 1: unidades de conservação e Terras Indígenas na Amazônia Legal

Fonte: Histórico Criação Fases I, II, III (ARPA,2019), IBGE, DNIT, MMA e Grupo Retis UFRJ. Org.
Cassio do Sul Gonçalves, 2019.

Figura 2: unidades de conservação por fases de entrada no ARPA

Corumbá/MS, Brasil. 7 a 9 de outubro de 2019. ISSN . 2178-2245


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Fonte: Histórico Criação Fases I, II, III (ARPA,2019), IBGE e Grupo Retis UFRJ. Org. Cassio do Sul
Gonçalves, 2019.
Conforme as figuras 1 e 2, a incidência espacial das UCs na fase I apresenta
um padrão espacial difuso pelo território da Amazônia Legal, sendo a escolha de
localização relacionada à conectividade com UCs fora do ARPA e com terras
indígenas (TIs), com a finalidade de contribuir para a formação de mosaicos de
unidades de conservação. As fases II e III possuem um padrão similar, seguindo a
mesma orientação.

A relevância da faixa de fronteira para o Programa ARPA


Com base nos documentos oficiais do programa, disponíveis em seu site,
desenvolvemos a tabela abaixo, que mostra as unidades de conservação
participantes do programa ARPA, distribuídas a partir de seus grupos e categorias
do Sistema Nacional de unidades de conservação (SNUC). Das 117 UCs existentes,
50 estão na faixa de fronteira (42,7% do total), acentuando a contribuição das UCs
inseridas na faixa de fronteira. Em área essa proporção é ainda maior, com 59,5%
do total das áreas das UCs pertencendo à faixa de fronteira. Para este cálculo foi
estabelecido que qualquer UC que esteja total ou parcialmente dentro da faixa de
fronteira será classificada como uma UC pertencente a ela, e, portanto, a totalidade
de sua área também foi considerada como pertencente a faixa.

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Tabela 1: Número e área de unidades de conservação participantes do programa


ARPA na Amazônia Brasileira e na faixa de fronteira por grupo e categoria do
Sistema Nacional de unidades de conservação (SNUC)
Número de UCs (em Nº de UCs Área de UCs (em Área de
unidades) na Faixa hectares) UCs na
Categoria
Grupo Apenas de Apenas Faixa de
no SNUC Amazônia Amazônia
Faixa de Fronteira Faixa de Fronteira
Brasileira Brasileira
Fronteira (%) Fronteira (%)
Reserva
10 5 50 4.811.380 3.527.991 73,3
Biológica
Parque
18 10 55,6 18.211.643 11.221.066 61,6
Nacional
Proteção Integral
Parque
15 5 33,3 3.624.108 1.513.469 41,8
Estadual
Estação
14 8 57,1 10.472.847 6.080.258 58,1
Ecológica

Reserva
43 18 41,9 12.706.610 6.939.352 54,6
Uso Sustentável Extrativista

RDS 17 4 23,5 10.994.414 6.919.001 62,9


TOTAL 117 50 42,7 60.821.002 36.201.137 59,5
Fonte: Histórico Criação Fases I, II, III (ARPA,2019); Org. Cassio do Sul Gonçalves, 2019.

A partir da tabela, cabe ressaltar a participação em número e área das


unidades de conservação que pertencem à faixa de fronteira. Na faixa de fronteira,
encontram-se pelo menos metade das Reservas Biológicas, dos Parques Nacionais
e das Estações Ecológicas e um número significativo de Reservas Extrativistas.
Quanto à área das UCs inseridas no ARPA, todas as categorias ali situadas se
destacam, com exceção apenas dos Parques Estaduais.

A relevância da faixa de fronteira na atuação das ONGs nas unidades de


conservação do Programa ARPA
O ARPA em si e a faixa de fronteira ganham destaque quando se fala da
atuação das três grandes ONGs; conforme pesquisado nos relatórios das ONGs e
nos planos de manejo das unidades de conservação (UCs) do programa, chegou-se
ao resultado de que, 46,2% das UCs receberam ao longo de sua existência o auxílio
de pelo menos uma ONG, sendo essa atuação um pouco maior na faixa, com 52%
das UCs (tabela 2).

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Tabela 2: Número de UCs participantes do Programa ARPA com atuação de pelo


menos uma grande ONG conservacionista (WWF, CI e TNC) na Amazônia Brasileira
e na faixa de fronteira
Amazônia Brasileira Faixa de Fronteira
Com atuação de Com atuação de
Nº Nº
Grupo Categoria no SNUC pelo menos uma pelo menos
de de
ONG uma ONG
UCs UCs
Nº % Nº %

Parque Nacional 18 12 66,7 10 6 60

Parque Estadual 15 8 53,3 5 1 20

Proteção Integral
Estação Ecológica 14 6 42,9 8 4 50

Reserva Biológica 10 5 50 5 3 60

Subtotal 57 31 54,4 28 14 50

Reserva Extrativista 43 15 34,9 18 9 50

Uso Sustentável Reserva de Desenvolvimento


17 8 47,1 4 3 75
Sustentável
Subtotal 60 23 38,3 22 12 54,5
TOTAL 117 54 46,2 50 26 52
Fonte: Histórico Criação Fases I, II, III (ARPA,2019); relatórios anuais das ONGs; notícias de mídia
regional e nacional; site oficial das ONGs; planos de Manejo das UCs. Org. Cassio do Sul Gonçalves,
2019.

Das 117 UCs do Programa ARPA, 54 possuíram pelo menos uma ONG
atuando em seu território, em uma ou mais das categorias de atuação da tabela 3.
Isso demonstra que as ONGs, principalmente a WWF e a CI (ver figura 3, tabela 4 e
5), somadas, atuaram até então em quase metade dessas UCs. A WWF é uma das
principais doadoras do Programa ARPA, o que pode ajudar a explicar a sua maior
atuação. Mas a participação da CI não é pequena, principalmente na faixa de
fronteira (ver tabela 5).
Abaixo (tabela 3) tem-se as categorias de atuação para cada ONG, através
de uma classificação desenvolvida especificamente para este trabalho. Três tipos de
categorias de atuação foram desenvolvidas para destrinchar as diferentes formas de
atuar que as ONGs possuem no território das unidades de conservação (UCs).

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A primeira delas é a participação na criação, na elaboração, na concepção ou


na idealização da Área Protegida. Realizadas através de expedições científicas no
território da UC, e/ou de estudos de mapeamento de biodiversidade. Atividades
estas que contribuíram direta ou indiretamente para a criação posterior da unidade
de conservação.
A segunda é a participação direta na elaboração do Plano de Manejo da UC,
através de apoios técnicos e/ou logísticos e/ou com estudos realizados no território
da UC com o objetivo de reunir informações para a elaboração do Plano de Manejo.
Os estudos citados no parágrafo anterior também são realizados neste caso, com a
diferença de que a UC já existe e o estudo está sendo utilizado para a elaboração do
Plano de Manejo da UC.
A terceira e última é a participação direta na gestão, manutenção e
consolidação da Área Protegida, através de expedições científicas, doações de
equipamentos, treinamento de pessoas, capacitação de gestores, atividades de
gestão ambiental e educação ambiental.
A classificação leva em consideração o tipo de atuação realizada pelas ONGs
nas unidades de conservação ao longo do tempo, podendo uma UC receber mais de
uma categoria de atuação (por exemplo: UCs onde a WWF atuou na criação, no
plano de manejo e na gestão) por ONG. Portanto a tabela abaixo não representa o
número de UCs onde as ONGs atuaram, e sim a quantidade de atuações feitas,
podendo estas, como dito, serem feitas na mesma UC.

Tabela 3: Atuação das três ONGs nas unidades de conservação do Programa ARPA por categoria de
atuação.

WWF Atuações CI Atuações TNC Atuações


em UCs em UCs em UCs
na Faixa na Faixa na Faixa
Categoria Apenas Apenas Apenas
Amazônia de Amazônia de Amazônia de
Faixa de Faixa de Faixa de
Brasileira Fronteira Brasileira Fronteira Brasileira Fronteira
Fronteira Fronteira Fronteira
(%) (%) (%)
Criação 19 7 36,8 5 4 80 2 0 0
Plano de
28 11 39,3 3 3 100 2 1 50
Manejo
Gestão 33 16 48,5 15 12 80 5 2 40

TOTAL 80 34 42,5 23 19 82,6 9 3 33,3

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Fonte: Histórico Criação Fases I, II, III (ARPA,2019); relatórios anuais das ONGs; notícias de mídia
regional e nacional; site oficial das ONGs; planos de Manejo das UCs. Org. Cassio do Sul Gonçalves,
2019.

Alguns padrões se observam na atuação das três ONGs, no caso da WWF,


que é a ONG mais atuante, somando um total de 80 UCs no ARPA e, destes, 34 na
faixa de fronteira (42,5%). Sua atuação está bem distribuída entre as categorias,
porém observa-se que a ONG privilegia a elaboração de Planos de Manejo e
projetos voltados ao aperfeiçoamento da gestão das UCs; tanto para o ARPA em
geral como para as UCs do ARPA na faixa de fronteira. Sua atuação está bem
distribuída entre as UCs fora da faixa e as UCs da faixa.
A atuação da CI mostra uma grande preferência pelas UCs situadas na faixa
de fronteira (19 de 23 atuações – 82,6%) e por projetos voltados à gestão das UCs.
A TNC atuou bem pouco no programa ARPA, o que torna difícil descobrir algum
padrão, porém, na criação de UCs suas únicas duas participações foram fora da
faixa de fronteira, enquanto nas outras duas categorias a atuação foi mais
equilibrada.
Veremos abaixo, para cada uma das ONGs, a atuação por grupo e categoria
de UC do SNUC. Começaremos por ordem de grandeza, iniciando com a WWF e
terminando com a TNC.
A WWF atuou, até o presente momento, em 44 unidades de conservação das
117 existentes (tabela 4). Sua atuação é maior nas UCs de Proteção Integral, porém
bem distribuída nas categorias do SNUC; sendo o Parque Nacional e a Reserva
Extrativista as categorias que mais receberam atenção da WWF. Porém, há uma
mudança no padrão quando se analisa a área ocupada por essas UCs, percebe-se
que a maior parte da área das três categorias onde a WWF atua estão localizadas
na faixa de fronteira, sobretudo no grupo de Uso Sustentável. Em síntese, em
termos de área, para o caso dessas três categorias, a WWF atuou mais na faixa de
fronteira do que fora dela.

Tabela 4: Atuação da World Wild Fund for Nature (WWF) nas unidades de conservação do Programa
ARPA por grupo e categoria do Sistema Nacional de unidades de conservação (SNUC)
Categoria Número de UCs (em Nº de UCs Área de UCs (em Área de
Grupo
no SNUC unidades) na Faixa hectares) UCs na

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Apenas de Apenas Faixa de


Amazônia Amazônia
Faixa de Fronteira Faixa de Fronteira
Brasileira Brasileira
Fronteira (%) Fronteira (%)
Reserva
3 1 33,3 1.096.809 407.755 37,2
Biológica
Parque
11 6 54,5 12.927.772 8.147.815 63
Nacional
Proteção Integral
Parque
7 1 14,3 2.070.026 693.907 33,5
Estadual
Estação
4 2 50 3.606.601 136.550 3,8
Ecológica

Reserva
14 8 57,1 6.524.709 4.657.726 71,4
Uso Sustentável Extrativista

RDS 5 2 40 2.945.847 2.193.492 74,5


TOTAL 44 20 45,5 29.171.763 16.237.245 55,7
Fonte: Histórico Criação Fases I, II, III (ARPA,2019); relatórios anuais da WWF, disponíveis em:
<https://www.wwf.org.br/informacoes/bliblioteca/relatorioanual/>; notícias de mídia regional e
nacional; planos de Manejo das UCs, disponíveis em: < https://uc.socioambiental.org/>. Org. Cassio
do Sul Gonçalves, 2019.
O caso da CI é diferente, sua atuação é bem menos numerosa que a da
WWF, porém ela é bem mais concentrada na faixa de fronteira. 76,5 % de suas
atuações foram em UCs na faixa de fronteira; em termos de hectares, o montante
sobe para 89,6%. Ou seja, em termos tanto de unidades quanto de área, a CI atuou
muito mais na faixa de fronteira do que fora dela (tabela 5).

Tabela 5: Atuação da Conservation International (CI) nas unidades de conservação do Programa


ARPA por grupo e por categoria do Sistema Nacional de unidades de conservação (SNUC)
Número de UCs (em Nº de UCs Área de UCs (em Área de
unidades) na Faixa hectares) UCs na
Categoria
Grupo Apenas de Apenas Faixa de
no SNUC Amazônia Amazônia
Faixa de Fronteira Faixa de Fronteira
Brasileira Brasileira
Fronteira (%) Fronteira (%)
Reserva
3 3 100 1.973.499 1.973.499 100
Biológica
Parque
3 2 66,7 5.583.432 4.517.224 80,9
Nacional
Proteção Integral
Parque
1 0 0 25.032 0 0
Estadual
Estação
4 4 100 4.570.896 4.570.896 100
Ecológica

Reserva
Uso Sustentável 2 2 100 959.409 959.409 100
Extrativista

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RDS 4 2 50 3.980.218 3.295.479 82,8


TOTAL 17 13 76,5 17.092.485 15.316.507 89,6
Fonte: Histórico Criação Fases I, II, III (ARPA,2019); relatórios anuais da CI, disponíveis em:<
https://web.conservation.org/global/brasil/publicacoes/Pages/relatorio-de-atividades.aspx>; notícias de
mídia regional e nacional; planos de Manejo das UCs, disponíveis em: <
https://uc.socioambiental.org/>. Org. Cassio do Sul Gonçalves, 2019.

No caso da TNC, sua atuação é a menos expressiva das três no ARPA. Um


padrão visto nas duas anteriores também é visto aqui: em termos de área, a TNC
atuou mais na faixa de fronteira (58%) do que fora dela.

Tabela 7: Atuação da The Nature Conservancy (TNC) nas unidades de conservação do Programa
ARPA por grupo e categoria do Sistema Nacional de unidades de conservação (SNUC)
Número de UCs (em Nº de UCs Área de UCs (em Área de
unidades) na Faixa hectares) UCs na
Categoria
Grupo Apenas de Apenas Faixa de
no SNUC Amazônia Amazônia
Faixa de Fronteira Faixa de Fronteira
Brasileira Brasileira
Fronteira (%) Fronteira (%)
Reserva
2 1 50 754.617 407.755 54
Biológica
Parque
2 1 50 1.170.148 819.908 70,1
Nacional
Proteção Integral
Parque
2 0 0 248.860 0 0
Estadual
Estação
1 1 100 77.794 77.794 100
Ecológica

Reserva
0 0 0 0 0 0
Uso Sustentável Extrativista

RDS 0 0 0 0 0 0
TOTAL 7 3 42,9 2.251.418 1.305.457 58
Fonte: Histórico Criação Fases I, II, III (ARPA,2019); relatórios anuais da TNC, disponíveis em: <
https://www.tnc.org.br/conecte-se/comunicacao/relatorios/>; notícias de mídia regional e nacional;
planos de Manejo das UCs, disponíveis em: < https://uc.socioambiental.org/>. Org. Cassio do Sul
Gonçalves, 2019.

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953

Por fim, apresentamos na figura 3, abaixo, as unidades de conservação,


segundo a atuação isolada ou combinada das ONGs. A WWF atuou em 44 UCs,
57,1% na faixa de fronteira. A CI atuou em 17 UCs, 73,5% na faixa de fronteira. E a
TNC atuou em 7, 42,9% das quais na faixa.
Observa-se que é recorrente a atuação combinada das ONGs nas mesmas
UCs, enquanto outras não recebem nenhum projeto. O mapa também representa as
terras indígenas, as UCs fora do ARPA (onde a atuação das ONGs ainda não foi
investigada) e as UCs do ARPA onde não se encontrou nenhuma informação sobre
a atuação das ONGs (pois não foram encontrados dados nem nos relatórios das
próprias e nem nos planos de manejo das UCs); o que, possivelmente, indica que
elas não agiram nessas UCs. Este é um ponto difícil de determinar, pois todas as
três ONGs analisadas no âmbito desta pesquisa não apresentam relatórios
sistematicamente ano a ano, tampouco revelam exatamente onde ocorre essa
atuação, razão pela qual tivemos de analisar os planos de manejo, entre outros
documentos e notícias.

Figura 3: Atuação das ONGs nas unidades de conservação do ARPA

Fonte: Histórico Criação Fases I, II, III (ARPA,2019); relatórios anuais das ONGs; notícias de mídia
regional e nacional; site oficial das ONGs; Planos de Manejo das UCs, disponíveis em: <
https://uc.socioambiental.org/>; IBGE, e Grupo Retis UFRJ. Org. Cassio do Sul Gonçalves, 2019.

Corumbá/MS, Brasil. 7 a 9 de outubro de 2019. ISSN . 2178-2245


954

Considerações Finais
A análise da incidência espacial da atuação das três grandes ONGs
conservacionistas internacionais permitiu observar a importância relativa da faixa de
fronteira no âmbito do programa ARPA. Praticamente em todas as unidades de
conservação analisadas a faixa de fronteira ganhou destaque. Essas escolhas
locacionais podem ser explicadas em parte pela relevância em área e número das
UCs da faixa de fronteira, assim como nos incentivos recentes, inclusive no que
concerne a recursos financeiro, às iniciativas de conservação transfronteiriça no
âmbito dos sistemas internacionais (Steiman, 2008). Os próximos passos dessa
pesquisa pretendem abarcar as outras áreas protegidas da Amazônia, para
descobrir se há uma preferência destas ONGs pela atuação nas UCs do ARPA ou
se sua atuação está disseminada por todas as UCs da Amazônia.

Referências Bibliográficas

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TRANSPORTES (DNIT). Shapefiles. Disponível em: <http://www.dnit.gov.br/mapas-
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<http://mapas.mma.gov.br/i3geo/datadownload.htm>. Acesso em: 05 set. 2019.

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https://web.conservation.org/global/brasil/publicacoes/Pages/relatorio-de-
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Fases I, II, III. 2019. Disponível em: < http://arpa.mma.gov.br/relatorios/>. Acesso
em: 05 set. 2019.

PROGRAMA ÁREAS PROTEGIDAS DA AMAZÔNIA – ARPA. Manual Operacional


do Programa Áreas Protegidas da Amazônia. 2019. Disponível em: <
http://arpa.mma.gov.br/manual-operacional/>. Acesso em: 05 set. 2019.

Corumbá/MS, Brasil. 7 a 9 de outubro de 2019. ISSN . 2178-2245


955

PROGRAMA ÁREAS PROTEGIDAS DA AMAZÔNIA – ARPA. Relatório Técnico


Financeiro 2014-2016. 2016. Disponível em: <http://arpa.mma.gov.br/relatorios/>.
Acesso em: 05 set. 2019.

STEIMAN, R. 2008. Áreas Protegidas nas Zonas de Fronteira Internacional da


Amazônia Brasileira. Tese (Doutorado em Geografia) – Programa de Pós
Graduação em Geografia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.

TNC. Relatórios de atividades. Disponível em: < https://www.tnc.org.br/conecte-


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WORLD BANK. Brazil-Amazon Region Protected Areas Project (GEF) – Project


Appraisal Document. 2002. Disponível em:
<http://projects.worldbank.org/P058503/amazon-region-protected-areas-
gef?lang=en&tab=documents&subTab=projectDocuments>. Acesso em 05 set.
2019.

WWF-BRASIL. Relatórios de atividades. Disponível em:


<https://www.wwf.org.br/informacoes/bliblioteca/relatorioanual/>. Acesso em: 05 set.
2019.

Corumbá/MS, Brasil. 7 a 9 de outubro de 2019. ISSN . 2178-2245


941

A RELEVÂNCIA DA FAIXA DE FRONTEIRA NO PROGRAMA ÁREAS


PROTEGIDAS DA AMAZÔNIA (ARPA) E NA ATUAÇÃO DAS TRÊS GRANDES
ONGS CONSERVACIONISTAS (WWF, CI E TNC)
The relevance of the border region in the Amazon Region Protected Areas Program
(ARPA) and in the performance of the three major conservational NGOs (WWF, CI
and TNC)
La relevancia de la región fronteriza en el Programa de Áreas Protegidas de la
Amazonía (ARPA) y en la actuación de las tres grandes ONG de conservación
(WWF, CI y TNC)

Cassio do Sul Gonçalves*

Resumo: Este trabalho pretende identificar a relevância da faixa de fronteira no


Programa Áreas Protegidas da Amazônia (ARPA) e na atuação (seu tipo e sua
distribuição espacial) das três grandes ONGs conservacionistas internacionais:
World Wide Fund for Nature (WWF), Conservation International (CI) e The Nature
Conservancy (TNC) nas unidades de conservação (UCs) do programa. O ARPA foi
escolhido pois foi identificado como a principal estratégia de conservação de áreas
protegidas na Amazônia Brasileira. A metodologia consiste na análise dos tipos de
atuação e da distribuição espacial desses atores de acordo com uma classificação
desenvolvida ao longo da pesquisa e, também, com o cruzamento dessa distribuição
com outros aspectos geográficos do território, como, por exemplo, a localização das
terras indígenas. Os resultados apontaram para a relevância da faixa de fronteira
tanto no âmbito do programa como nas escolhas de atuação das ONGs analisadas.

Abstract: This paper aims to identify the relevance of the Border Region in the
Amazon Region Protected Areas Program (ARPA) and in the performance (its type
and its spatial distribution) of the three major international conservation NGOs: World
Wide Fund for Nature (WWF), Conservation International (CI) and The Nature
Conservancy (TNC) in the program's conservation units (UCs). ARPA was chosen
because it was identified as the main protected area conservation strategy in the
Brazilian Amazon. The methodology consists of the analysis of the types of actions
and spatial distributions of these actors according to a classification developed
throughout the research and also the intersection of this distribution with other
geographical aspects of the territory, such as the location of the indigenous lands.
The results pointed to the relevance of the Border Region both within the program
and in the choices of action made by the analyzed NGOs.

Resumen: Este documento tiene como objetivo identificar la relevancia de la Región


Fronteriza en el Programa de Áreas Protegidas de lá Amazonía (ARPA) y en la
actuación (su tipo y su distribución espacial) de las tres principales ONGs
internacionales de conservación: World Wide Fund for Nature (WWF), Conservation
International (CI) y The Nature Conservancy (TNC) en las unidades de conservación


Graduando em Licenciatura em Geografia; Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ; e-mail:
cassiodosul@gmail.com

Corumbá/MS, Brasil. 7 a 9 de outubro de 2019. ISSN . 2178-2245


(UC) del programa. Se eligió ARPA porque se identificó como la principal estrategia
de conservación de áreas protegidas en la Amazonía brasileña. La metodología
consiste en el análisis de los tipos de acciones y distribuciones espaciales de estos
actores de acuerdo con una clasificación desarrollada a lo largo de la investigación y
también la intersección de esta distribución con otros aspectos geográficos del
territorio, como la ubicación de las tierras indígenas. Los resultados señalaron la
relevancia de la Región Fronteriza tanto para lo programa como para las opciones
de acción de las ONGs analizadas.

Introdução
Ao longo das últimas décadas, várias organizações conservacionistas
internacionais têm ativamente promovido e financiado a criação e a consolidação de
unidades de conservação (UCs) na Amazônia Brasileira e em sua faixa de fronteira
com os países vizinhos (Steiman, 2008). Trabalhos anteriores realizados por outros
integrantes do grupo Retis levantaram algumas das incidências geográficas da
atuação das três principais ONGs conservacionistas internacionais na região –
World Wild Fund for Nature (WWF), Conservation International (CI) e The Nature
Conservancy (TNC).
Este trabalho pretende identificar a relevância da faixa de fronteira no
Programa ARPA e na atuação (seu tipo e sua distribuição espacial) das três grandes
ONGs conservacionistas internacionais: WWF, CI e TNC nas UCs do programa. A
pesquisa ainda não possui elementos suficientes de análise para poder explicar o
motivo pelos quais as ONGs escolheram atuar em determinadas UCs em detrimento
de outras.
Lançado em 2002, o programa ARPA é o maior programa de conservação de
florestas tropicais do planeta, ele visa fortalecer o Sistema Nacional de unidades de
conservação (SNUC), através do aperfeiçoamento da gestão e da consolidação de
tais áreas na Amazônia Brasileira. O programa é dividido em três fases: a primeira
perdurou entre 2002-2010, a segunda entre 2010-2017 e a terceira, que começou
em 2014 deverá ser finalizada em 2039 (ARPA, 2019).
O ARPA é um programa do Governo Federal, coordenado pelo Ministério do
Meio Ambiente, cujo gerenciamento financeiro está a cargo do Fundo Brasileiro para
a Biodiversidade (FUNBIO). O programa é financiado por quatro grandes doadores
desde a primeira fase: o Global Environment Facility (GEF) – um fundo do Banco

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Mundial utilizando para financiar projetos ambientais pelo mundo; o governo Alemão
através de seu Banco de Desenvolvimento da Alemanha (KfW); a rede WWF através
da WWF-Brasil; e o Fundo Amazônia, através do BNDES. Na fase atual, juntaram-se
mais dois doadores, as fundações do Boticário e da Natura (ARPA 2016, 2019).
Nota-se que a WWF, uma das ONGs analisadas pela pesquisa, é uma das principais
doadoras e atua como executora de vários projetos, ao passo que as outras duas
ONGs não participam do financiamento do ARPA.
A execução e o financiamento do programa dividem-se desde a primeira fase
em cinco subcomponentes: 1) criação de novas áreas protegidas; 2) consolidação
das áreas protegidas já existentes; 3) sustentabilidade de longo prazo das áreas
protegidas; 4) monitoramento das áreas protegidas; 5) coordenação e gestão de
projetos (WORLD BANK, 2002; ARPA, 2019).
Originalmente o ARPA previa a criação exclusivamente de “áreas protegidas
de proteção integral”, mas foi intensamente criticado e passou a incluir, desde seu
lançamento, também as áreas protegidas de uso sustentável, numa proporção de
meio a meio. Outro resultado deste embate foi a adoção do princípio fundamental de
“evitar a criação de áreas de proteção integral onde houver populações tradicionais,
com vistas à implementação de mosaicos de unidades de conservação de Proteção
Integral, de Uso Sustentável e Áreas Protegidas, como Terras Indígenas ou Terras
de Quilombolas” (BRASIL/MMA, 2002, apud STEIMAN, 2008, p.39).
A operacionalização da pesquisa consistiu no levantamento sistemáticos de
relatórios e tabelas do programa ARPA, bem como de bases espaciais de unidades
de conservação e terras indígenas nos sites do IBGE, do Ministério do Meio
Ambiente (MMA) e do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes
(DNIT), que permitiram a elaboração e análise de mapas das unidades de
conservação da Amazônia, inseridas ou não no ARPA (figura 1 e 2, tabela 1).
Posteriormente, somou-se aos dados anteriores os relatórios anuais das
ONGs (dos períodos de 2005 até 2018), disponíveis em seus próprios sites, onde,
em alguns casos, eles descrevem a atuação da ONG em determinada unidade de
conservação da Amazônia. Além dos relatórios, utilizou-se os planos de manejo das
UCs (as que o possuíam) para descobrir se a ONG atuava ali ou não, pois muitas
das vezes a atuação da ONG não era citada em seu relatório anual, apenas no

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plano de manejo da UC ou, em alguns casos, também em notícias da mídia regional
ou local. Com essas informações, foram elaboradas o restante das tabelas e o
último mapa.
Os resultados apontam para uma importante atuação da WWF e da CI nas
UCs da faixa de fronteira no âmbito do programa ARPA. Também se observou a
relevância da faixa de fronteira com relação ao programa, uma vez que quase
metade das UCs que o integram (42,7%) estão situadas na faixa, processo que pode
ter relação com a incidência das terras indígenas, muito significativa na região de
fronteira, para a formação de grandes corredores e mosaicos de conservação da
biodiversidade (ver figura 1).

Panorama geral sobre as unidades de conservação do programa Áreas


Protegidas da Amazônia (ARPA)

Segundo o programa Monitoramento de Áreas Protegidas do Instituto


Socioambiental, a Amazônia Legal conta atualmente com 338 unidades de
conservação (UCs) federais e estaduais, das quais pouco mais de um terço (117)
participam do programa ARPA e, destas, 83 possuem plano de manejo. Entre as
UCs participantes do programa, é significativa a relevância daquelas localizadas
parcial ou totalmente na faixa de fronteira. Quase metade das UCs (50) se
encontram nesta região, conforme é possível observar no mapa (figura 1) e na
tabela 1, adiante.

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Figura 1: unidades de conservação e Terras Indígenas na Amazônia Legal

Fonte: Histórico Criação Fases I, II, III (ARPA,2019), IBGE, DNIT, MMA e Grupo Retis UFRJ. Org.
Cassio do Sul Gonçalves, 2019.

O mapa da figura 1 apresenta as unidades de conservação e as terras


indígenas existentes na Amazônia Legal. As unidades de conservação foram
diferenciadas de acordo com sua inserção no ARPA. A análise do mapa permite
observar a presença de três grandes eixos principais ao longo dos quais incidem as
UCs participantes do programa: a faixa de fronteira, o Corredor Central da
Amazônia, ao longo do rio Amazonas, e a rodovia Transamazônica.

Ademais, a figura 2, abaixo, também permite identificar um padrão espacial


recorrente ao longo das fases do programa, ou seja, uma tendência à formação de
mosaicos de áreas protegidas com as terras indígenas e com unidades de
conservação que estão fora do ARPA; esse padrão foi observado durante todas as
fases, tanto nas UCs que foram criadas no programa quanto das UCs que foram
inseridas posteriormente.

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Figura 2: unidades de conservação por fases de entrada no ARPA

Fonte: Histórico Criação Fases I, II, III (ARPA,2019), IBGE e Grupo Retis UFRJ. Org. Cassio do Sul
Gonçalves, 2019.

O mapa da figura 2 apresenta as unidades de conservação por ordem


cronológica de criação ou de adesão ao programa ARPA. O programa foi lançado
em 2002, inaugurando a fase I, que se estendeu até 2010; a fase II se estendeu até
2017; atualmente estamos no início da fase III, o que ajuda a explicar a menor
quantidade de UCs criadas se comparada às outras fases. A fase III será a mais
longa, com previsão de término em 2039. (ARPA, 2019)

Conforme as figuras 1 e 2, a incidência espacial das UCs na fase I apresenta


um padrão espacial difuso pelo território da Amazônia Legal, sendo a escolha de
localização relacionada à conectividade com UCs fora do ARPA e com terras
indígenas (TIs), com a finalidade de contribuir para a formação de mosaicos de
unidades de conservação. As fases II e III possuem um padrão similar, seguindo a
mesma orientação.

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A relevância da faixa de fronteira para o Programa ARPA

Com base nos documentos oficiais do programa, disponíveis em seu site,


desenvolvemos a tabela abaixo, que mostra as unidades de conservação
participantes do programa ARPA, distribuídas a partir de seus grupos e categorias
do Sistema Nacional de unidades de conservação (SNUC). Das 117 UCs existentes,
50 estão na faixa de fronteira (42,7% do total), acentuando a contribuição das UCs
inseridas na faixa de fronteira. Em área essa proporção é ainda maior, com 59,5%
do total das áreas das UCs pertencendo à faixa de fronteira. Para este cálculo foi
estabelecido que qualquer UC que esteja total ou parcialmente dentro da faixa de
fronteira será classificada como uma UC pertencente a ela, e, portanto, a totalidade
de sua área também foi considerada como pertencente a faixa.

Tabela 1: Número e área de unidades de conservação participantes do programa ARPA na


Amazônia Brasileira e na faixa de fronteira por grupo e categoria do Sistema Nacional de unidades de
conservação (SNUC)

Número de UCs (em Nº de UCs Área de UCs (em Área de


unidades) na Faixa hectares) UCs na
Categoria
Grupo Apenas de Apenas Faixa de
no SNUC Amazônia Amazônia
Faixa de Fronteira Faixa de Fronteira
Brasileira Brasileira
Fronteira (%) Fronteira (%)
Reserva
10 5 50 4.811.380 3.527.991 73,3
Biológica
Parque
18 10 55,6 18.211.643 11.221.066 61,6
Nacional
Proteção Integral
Parque
15 5 33,3 3.624.108 1.513.469 41,8
Estadual
Estação
14 8 57,1 10.472.847 6.080.258 58,1
Ecológica

Reserva
43 18 41,9 12.706.610 6.939.352 54,6
Uso Sustentável Extrativista

RDS 17 4 23,5 10.994.414 6.919.001 62,9


TOTAL 117 50 42,7 60.821.002 36.201.137 59,5
Fonte: Histórico Criação Fases I, II, III (ARPA,2019); Org. Cassio do Sul Gonçalves, 2019.

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A partir da tabela, cabe ressaltar a participação em número e área das
unidades de conservação que pertencem à faixa de fronteira. Na faixa de fronteira,
encontram-se pelo menos metade das Reservas Biológicas, dos Parques Nacionais
e das Estações Ecológicas e um número significativo de Reservas Extrativistas.
Quanto à área das UCs inseridas no ARPA, todas as categorias ali situadas se
destacam, com exceção apenas dos Parques Estaduais.

A relevância da faixa de fronteira na atuação das ONGs nas unidades de


conservação do Programa ARPA

O ARPA em si e a faixa de fronteira ganham destaque quando se fala da


atuação das três grandes ONGs; conforme pesquisado nos relatórios das ONGs e
nos planos de manejo das unidades de conservação (UCs) do programa, chegou-se
ao resultado de que, 46,2% das UCs receberam ao longo de sua existência o auxílio
de pelo menos uma ONG, sendo essa atuação um pouco maior na faixa, com 52%
das UCs (tabela 2).

Tabela 2: Número de UCs participantes do Programa ARPA com atuação de pelo


menos uma grande ONG conservacionista (WWF, CI e TNC) na Amazônia Brasileira
e na faixa de fronteira

Amazônia Brasileira Faixa de Fronteira


Com atuação de Com atuação de
Nº Nº
Grupo Categoria no SNUC pelo menos uma pelo menos
de de
ONG uma ONG
UCs UCs
Nº % Nº %

Parque Nacional 18 12 66,7 10 6 60

Parque Estadual 15 8 53,3 5 1 20

Proteção Integral Estação Ecológica 14 6 42,9 8 4 50

Reserva Biológica 10 5 50 5 3 60

Subtotal 57 31 54,4 28 14 50

Uso Sustentável Reserva Extrativista 43 15 34,9 18 9 50

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Reserva de Desenvolvimento
17 8 47,1 4 3 75
Sustentável
Subtotal 60 23 38,3 22 12 54,5
TOTAL 117 54 46,2 50 26 52
Fonte: Histórico Criação Fases I, II, III (ARPA,2019); relatórios anuais das ONGs; notícias de mídia
regional e nacional; site oficial das ONGs; planos de Manejo das UCs. Org. Cassio do Sul Gonçalves,
2019.

Das 117 UCs do Programa ARPA, 54 possuíram pelo menos uma ONG
atuando em seu território, em uma ou mais das categorias de atuação da tabela 3.
Isso demonstra que as ONGs, principalmente a WWF e a CI (ver figura 3, tabela 4 e
5), somadas, atuaram até então em quase metade dessas UCs. A WWF é uma das
principais doadoras do Programa ARPA, o que pode ajudar a explicar a sua maior
atuação. Mas a participação da CI não é pequena, principalmente na faixa de
fronteira (ver tabela 5).

Abaixo (tabela 3) tem-se as categorias de atuação para cada ONG, através de uma
classificação desenvolvida especificamente para este trabalho. Três tipos de
categorias de atuação foram desenvolvidas para destrinchar as diferentes formas de
atuar que as ONGs possuem no território das unidades de conservação (UCs).

A primeira delas é a participação na criação, na elaboração, na concepção ou


na idealização da Área Protegida. Realizadas através de expedições científicas no
território da UC, e/ou de estudos de mapeamento de biodiversidade. Atividades
estas que contribuíram direta ou indiretamente para a criação posterior da unidade
de conservação.

A segunda é a participação direta na elaboração do Plano de Manejo da UC,


através de apoios técnicos e/ou logísticos e/ou com estudos realizados no território
da UC com o objetivo de reunir informações para a elaboração do Plano de Manejo.
Os estudos citados no parágrafo anterior também são realizados neste caso, com a
diferença de que a UC já existe e o estudo está sendo utilizado para a elaboração do
Plano de Manejo da UC.

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A terceira e última é a participação direta na gestão, manutenção e
consolidação da Área Protegida, através de expedições científicas, doações de
equipamentos, treinamento de pessoas, capacitação de gestores, atividades de
gestão ambiental e educação ambiental.

A classificação leva em consideração o tipo de atuação realizada pelas ONGs


nas unidades de conservação ao longo do tempo, podendo uma UC receber mais de
uma categoria de atuação (por exemplo: UCs onde a WWF atuou na criação, no
plano de manejo e na gestão) por ONG. Portanto a tabela abaixo não representa o
número de UCs onde as ONGs atuaram, e sim a quantidade de atuações feitas,
podendo estas, como dito, serem feitas na mesma UC.

Tabela 3: Atuação das três ONGs nas unidades de conservação do Programa ARPA por categoria de
atuação.

WWF Atuações CI Atuações TNC Atuações


em UCs em UCs em UCs
na Faixa na Faixa na Faixa
Categoria Apenas Apenas Apenas
Amazônia de Amazônia de Amazônia de
Faixa de Faixa de Faixa de
Brasileira Fronteira Brasileira Fronteira Brasileira Fronteira
Fronteira Fronteira Fronteira
(%) (%) (%)
Criação 19 7 36,8 5 4 80 2 0 0
Plano de
28 11 39,3 3 3 100 2 1 50
Manejo
Gestão 33 16 48,5 15 12 80 5 2 40

TOTAL 80 34 42,5 23 19 82,6 9 3 33,3


Fonte: Histórico Criação Fases I, II, III (ARPA,2019); relatórios anuais das ONGs; notícias de mídia
regional e nacional; site oficial das ONGs; planos de Manejo das UCs. Org. Cassio do Sul Gonçalves,
2019.

Alguns padrões se observam na atuação das três ONGs, no caso da WWF,


que é a ONG mais atuante, somando um total de 80 UCs no ARPA e, destes, 34 na
faixa de fronteira (42,5%). Sua atuação está bem distribuída entre as categorias,
porém observa-se que a ONG privilegia a elaboração de Planos de Manejo e
projetos voltados ao aperfeiçoamento da gestão das UCs; tanto para o ARPA em

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geral como para as UCs do ARPA na faixa de fronteira. Sua atuação está bem
distribuída entre as UCs fora da faixa e as UCs da faixa.

A atuação da CI mostra uma grande preferência pelas UCs situadas na faixa


de fronteira (19 de 23 atuações – 82,6%) e por projetos voltados à gestão das UCs.
A TNC atuou bem pouco no programa ARPA, o que torna difícil descobrir algum
padrão, porém, na criação de UCs suas únicas duas participações foram fora da
faixa de fronteira, enquanto nas outras duas categorias a atuação foi mais
equilibrada.

Veremos abaixo, para cada uma das ONGs, a atuação por grupo e categoria
de UC do SNUC. Começaremos por ordem de grandeza, iniciando com a WWF e
terminando com a TNC.

A WWF atuou, até o presente momento, em 44 unidades de conservação das


117 existentes (tabela 4). Sua atuação é maior nas UCs de Proteção Integral, porém
bem distribuída nas categorias do SNUC; sendo o Parque Nacional e a Reserva
Extrativista as categorias que mais receberam atenção da WWF. Porém, há uma
mudança no padrão quando se analisa a área ocupada por essas UCs, percebe-se
que a maior parte da área das três categorias onde a WWF atua estão localizadas
na faixa de fronteira, sobretudo no grupo de Uso Sustentável. Em síntese, em
termos de área, para o caso dessas três categorias, a WWF atuou mais na faixa de
fronteira do que fora dela.

Tabela 4: Atuação da World Wild Fund for Nature (WWF) nas unidades de conservação do Programa
ARPA por grupo e categoria do Sistema Nacional de unidades de conservação (SNUC)

Número de UCs (em Nº de UCs Área de UCs (em Área de


unidades) na Faixa hectares) UCs na
Categoria
Grupo Apenas de Apenas Faixa de
no SNUC Amazônia Amazônia
Faixa de Fronteira Faixa de Fronteira
Brasileira Brasileira
Fronteira (%) Fronteira (%)
Reserva
3 1 33,3 1.096.809 407.755 37,2
Biológica
Parque
Proteção Integral 11 6 54,5 12.927.772 8.147.815 63
Nacional
Parque
7 1 14,3 2.070.026 693.907 33,5
Estadual

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Estação
4 2 50 3.606.601 136.550 3,8
Ecológica

Reserva
14 8 57,1 6.524.709 4.657.726 71,4
Uso Sustentável Extrativista

RDS 5 2 40 2.945.847 2.193.492 74,5


TOTAL 44 20 45,5 29.171.763 16.237.245 55,7
Fonte: Histórico Criação Fases I, II, III (ARPA,2019); relatórios anuais da WWF, disponíveis em:
<https://www.wwf.org.br/informacoes/bliblioteca/relatorioanual/>; notícias de mídia regional e
nacional; planos de Manejo das UCs, disponíveis em: < https://uc.socioambiental.org/>. Org. Cassio
do Sul Gonçalves, 2019.

O caso da CI é diferente, sua atuação é bem menos numerosa que a da


WWF, porém ela é bem mais concentrada na faixa de fronteira. 76,5 % de suas
atuações foram em UCs na faixa de fronteira; em termos de hectares, o montante
sobe para 89,6%. Ou seja, em termos tanto de unidades quanto de área, a CI atuou
muito mais na faixa de fronteira do que fora dela (tabela 5).

Tabela 5: Atuação da Conservation International (CI) nas unidades de conservação do Programa


ARPA por grupo e por categoria do Sistema Nacional de unidades de conservação (SNUC)

Número de UCs (em Nº de UCs Área de UCs (em Área de


unidades) na Faixa hectares) UCs na
Categoria
Grupo Apenas de Apenas Faixa de
no SNUC Amazônia Amazônia
Faixa de Fronteira Faixa de Fronteira
Brasileira Brasileira
Fronteira (%) Fronteira (%)
Reserva
3 3 100 1.973.499 1.973.499 100
Biológica
Parque
3 2 66,7 5.583.432 4.517.224 80,9
Nacional
Proteção Integral
Parque
1 0 0 25.032 0 0
Estadual
Estação
4 4 100 4.570.896 4.570.896 100
Ecológica

Reserva
2 2 100 959.409 959.409 100
Uso Sustentável Extrativista

RDS 4 2 50 3.980.218 3.295.479 82,8


TOTAL 17 13 76,5 17.092.485 15.316.507 89,6
Fonte: Histórico Criação Fases I, II, III (ARPA,2019); relatórios anuais da CI, disponíveis em:<
https://web.conservation.org/global/brasil/publicacoes/Pages/relatorio-de-atividades.aspx>; notícias de

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mídia regional e nacional; planos de Manejo das UCs, disponíveis em: <
https://uc.socioambiental.org/>. Org. Cassio do Sul Gonçalves, 2019.

No caso da TNC, sua atuação é a menos expressiva das três no ARPA. Um


padrão visto nas duas anteriores também é visto aqui: em termos de área, a TNC
atuou mais na faixa de fronteira (58%) do que fora dela.

Tabela 7: Atuação da The Nature Conservancy (TNC) nas unidades de conservação do Programa
ARPA por grupo e categoria do Sistema Nacional de unidades de conservação (SNUC)

Número de UCs (em Nº de UCs Área de UCs (em Área de


unidades) na Faixa hectares) UCs na
Categoria
Grupo Apenas de Apenas Faixa de
no SNUC Amazônia Amazônia
Faixa de Fronteira Faixa de Fronteira
Brasileira Brasileira
Fronteira (%) Fronteira (%)
Reserva
2 1 50 754.617 407.755 54
Biológica
Parque
2 1 50 1.170.148 819.908 70,1
Nacional
Proteção Integral
Parque
2 0 0 248.860 0 0
Estadual
Estação
1 1 100 77.794 77.794 100
Ecológica

Reserva
0 0 0 0 0 0
Uso Sustentável Extrativista

RDS 0 0 0 0 0 0
TOTAL 7 3 42,9 2.251.418 1.305.457 58
Fonte: Histórico Criação Fases I, II, III (ARPA,2019); relatórios anuais da TNC, disponíveis em: <
https://www.tnc.org.br/conecte-se/comunicacao/relatorios/>; notícias de mídia regional e nacional;

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planos de Manejo das UCs, disponíveis em: < https://uc.socioambiental.org/>. Org. Cassio do Sul
Gonçalves, 2019.

Por fim, apresentamos na figura 3, abaixo, as unidades de conservação,


segundo a atuação isolada ou combinada das ONGs. A WWF atuou em 44 UCs,
57,1% na faixa de fronteira. A CI atuou em 17 UCs, 73,5% na faixa de fronteira. E a
TNC atuou em 7, 42,9% das quais na faixa.

Observa-se que é recorrente a atuação combinada das ONGs nas mesmas


UCs, enquanto outras não recebem nenhum projeto. O mapa também representa as
terras indígenas, as UCs fora do ARPA (onde a atuação das ONGs ainda não foi
investigada) e as UCs do ARPA onde não se encontrou nenhuma informação sobre
a atuação das ONGs (pois não foram encontrados dados nem nos relatórios das
próprias e nem nos planos de manejo das UCs); o que, possivelmente, indica que
elas não agiram nessas UCs. Este é um ponto difícil de determinar, pois todas as
três ONGs analisadas no âmbito desta pesquisa não apresentam relatórios
sistematicamente ano a ano, tampouco revelam exatamente onde ocorre essa
atuação, razão pela qual tivemos de analisar os planos de manejo, entre outros
documentos e notícias.

Figura 3: Atuação das ONGs nas unidades de conservação do ARPA

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Fonte: Histórico Criação Fases I, II, III (ARPA,2019); relatórios anuais das ONGs; notícias de mídia
regional e nacional; site oficial das ONGs; Planos de Manejo das UCs, disponíveis em: <
https://uc.socioambiental.org/>; IBGE, e Grupo Retis UFRJ. Org. Cassio do Sul Gonçalves, 2019.

Considerações Finais

A análise da incidência espacial da atuação das três grandes ONGs


conservacionistas internacionais permitiu observar a importância relativa da faixa de
fronteira no âmbito do programa ARPA. Praticamente em todas as unidades de
conservação analisadas a faixa de fronteira ganhou destaque. Essas escolhas
locacionais podem ser explicadas em parte pela relevância em área e número das
UCs da faixa de fronteira, assim como nos incentivos recentes, inclusive no que
concerne a recursos financeiro, às iniciativas de conservação transfronteiriça no
âmbito dos sistemas internacionais (Steiman, 2008). Os próximos passos dessa
pesquisa pretendem abarcar as outras áreas protegidas da Amazônia, para
descobrir se há uma preferência destas ONGs pela atuação nas UCs do ARPA ou
se sua atuação está disseminada por todas as UCs da Amazônia.

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955

CONSERVAÇÃO AMBIENTAL E GEOGRAFIA POLÍTICA: A ATUAÇÃO DO WWF


BRASIL NA FAIXA DE FRONTEIRA BRASILEIRA
Environmental Conservation and Political Geography: the Performance of WWF
Brazil in the Brazilian Border Region
Conservación Ambiental Y Geografía Política: La Performance de la Ong WWF
Brasil en la Franja Fronteriza Brasileña.

Rian de Queiroz Cunha


Rhuan Muniz Sartore Fernandes

Resumo: Partindo da tensão existente entre fronteira política e conservação de


ecossistemas compartilhados entre dois ou mais países, objetivamos evidenciar e
discutir o caráter político-territorial da atuação de uma ONG ambientalista em UCs
fronteiriças no Brasil. A seleção do WWF Brasil é devida a sua grande relevância no
campo da conservação no cenário nacional, sendo a região do Acre-Purus uma de
suas áreas prioritárias de atuação. Para tal, usaremos diversas fontes, como: planos
de manejo de algumas unidades; informações extraídas dos relatórios e publicações
da ONG; sites institucionais, como o Instituto Chico Mendes de Conservação da
Biodiversidade, o Instituto Socioambiental e o Ministério do Meio Ambiente; e as
notícias da mídia regional e nacional em portais virtuais. Pretendemos, por fim,
ressaltar que o conhecimento produzido pela geografia política é imprescindível para
a real compreensão dos processos de conservação ambiental.
Palavras-chave: Fronteira, Conservação ambiental, Geografia política, ONG,
Unidade de conservação.

Abstract: Based on the tension between the political frontier and the conservation of
shared ecosystems between two or more countries, we aim to highlight and discuss
the political-territorial nature of an environmentalist NGO's role in border UCs in
Brazil. The selection of WWF Brazil is due to its great relevance in the field of
conservation in the national scenario, being the Acre-Purus region one of its priority
areas. For this, we will use several sources, such as: management plan of some Pas;
information extracted from NGO reports and publications; institutional sites such as
the Chico Mendes Institute for Biodiversity Conservation, the Socio-Environmental
Institute and the Ministry of the Environment; and regional and national media news
on virtual portals. Finally, we intend to emphasize that the knowledge produced by
political geography is essential for the real understanding of environmental
conservation processes.
Key-words: Border, Environmental conservation, Political geography, NGO,
Protected area.


Graduado em Geografia, mestrando em Geografia, ambos pela Universidade Federal do Rio de
Janeiro. E-mail: riandequeiroz@gmail.com

Graduando em Geografia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. E-mail:
rhuansartore@gmail.com

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Resúmen: Con base en la tensión entre la frontera política y la conservación de


ecosistemas compartidos entre dos o más países, nuestro objetivo es resaltar y
discutir la naturaleza político-territorial de la actividad de una ONG ambientalista en
las UC fronterizas en Brasil. La selección de WWF Brasil se debe a su gran
relevancia en el campo de la conservación en el escenario nacional, siendo la región
Acre-Purus una de sus áreas prioritarias. Para esto, utilizaremos varias fuentes, tales
como: plan maestros de algunas unidades; información extraída de informes y
publicaciones de ONG; sitios institucionales como el Instituto Chico Mendes para la
Conservación de la Biodiversidad, el Instituto Socioambiental y el Ministerio del
Medio Ambiente; y noticias de medios regionales y nacionales sobre portales
virtuales. Finalmente, pretendemos enfatizar que el conocimiento producido por la
geografía política es esencial para la comprensión real de los procesos de
conservación ambiental.
Palabras clave: Frontera, Conservación ambiental, Geografía política, ONG, área
protegida.

Introdução
O movimento conservacionista, se apoiando em uma perspectiva
hiperglobalista, não raramente adota a suposição de existência de um mundo sem
fronteira ao argumentar que a distribuição dos ecossistemas mais vulneráveis não
respeitaria os limites internacionais estabelecidos sociopoliticamente, podendo, na
verdade, estes se tornarem um obstáculo para a conservação (STEIMAN 2008,
2011). Surgiria, dessa forma, a necessidade da participação de atores infra e
supranacionais para minimizarem tal efeito, sendo capazes de lidar com a
problemática ambiental sem serem circunscritos ou limitados pelos limites territoriais
do Estado Nação.
Nesse sentido, as grandes Organizações Não Governamentais (ONGs)
ambientalistas assumiriam considerável importância nesse contexto, por uma série
de motivos: o relativo recuo do Estado, o aprofundamento das demandas sociais, o
ganho de relevância da escala local e suas dimensões, assim como ONGs deterem
capacidade de relacionar diferentes Estados e organismos internacionais com esta
escala, como apontados por Lená (1997) e a capacidade de fornecer educação,
pesquisa e inovações tecnológicas, construir alianças estratégicas, articular as
necessidades dos usuários de recursos e até de formular políticas ambientais,
segundo Hall (1997).
Orientada por essa forma de entender o papel das ONGs na tensão existente
entre conservação e limites internacionais, a problemática do presente estudo parte
da premissa de que toda e qualquer discussão sobre conservação ambiental tem de

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envolver elementos caros à geografia política, sendo estes intrínsecos à própria


natureza daquela. Isso pode ser percebido seja ao colocar em articulação a escala
global (círculo de debate e decisão de políticas ambientais e principal fonte de
recursos) e a local (lugar de implantação das medidas, receptoras de recursos e
portadores de sistemas socioambientais complexos); na decisão do lugar alvo da
prática conservacionista (geralmente países periféricos ou semi), o que desse ser
conservado e como e quais são os atores responsáveis pela ação; ou na elaboração
e exportação de modelos conservacionistas de países centrais, detentores de
ciência e tecnologia para os demais, possuidores da biodiversidade que deve ser
preservada.
É nas unidades de conservação (UCs) que tal relação assume materialidade
e contornos territoriais. Definida como um “espaço territorial e seus recursos
ambientais (...), com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo
Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime
especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção”
(BRASIL, Lei 9985/ 2000), podemos estudar uma UC como equivalente a um
território, uma vez que funcionam como espaço restritivo de uso, delimitado e
diferente da área circundante, é definida socialmente e traz intrínseco relações de
poder entre diferentes atores. Portanto, acham-se cunhadas por ideias ambientais e
territoriais (COELHO et al, 2009) que já nascem em meio a conflitos territoriais e de
acesso a recursos (CASTRO JR et al, 2009), por exemplo.
Por tudo isso, fica exposto a existência de tensão entre a noção de fronteira
política como limite máximo exterior de controle de um Estado e a relativa autonomia
móvel de alguns atores (cuja concepção de conservação pressupõe a materialidade
por meio de delimitação de áreas específicas para esse fim) que contestam esse
limite e buscam, de alguma forma, transpô-lo, impondo uma lógica organizativa
própria ao território. Logo, a ação de ONGs em UCs fronteiriças se constitui em um
objeto bastante rico de análise, tributário da problemática construída aqui, já que
regiões de fronteira são vistas tradicionalmente como áreas estratégicas ao Estado,
sob perspectiva da segurança nacional e símbolo de poder e controle político
(MACHADO, 1998). Porém, áreas geralmente tratadas como periféricas, podem ter
forte potencial de inovação ao serem zonas de contato que compartilham a mesma
formação biofísica e ecológica, mas que são separadas por linhas socialmente
construídas, podendo, por isso, serem aproveitadas como verdadeiros laboratórios

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de gestão transfronteiriça por parte, também, dessas ONGs (IRVING, 2004; CUNHA,
2017).
Diante de tudo isso, temos como objetivo buscar entender a dimensão
político-territorial da atuação de uma ONG ambientalista em UCs fronteiriças no
Brasil (no caso, as ações do WWF Brasili em UCs do Acre), por meio de sua
influência na elaboração de planos de manejo, da escala de ação e parcerias
firmadas e da abrangência e amplitude territorial de suas ações. A seleção por esse
estudo de caso se deve a dois fatores, sobretudo: a organização ser uma das
maiores e mais significativas ONGs ambientalistas do país e pesquisas anteriores
evidenciarem que há uma forte convergência de empreendimentos
conservacionistas levados a cabo por ela no Acre (CUNHA, 2017 - figura 1).

Figura - 1. Mapa de distribuição espacial dos projetos do WWF Brasil na Faixa


de Fronteira brasileira (1996 -2015).

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Fonte: CUNHA, 2017.

Por fim, para atender a esses propósitos, usaremos informações levantadas


em diversas fontes, se destacando como principais: planos de manejo de algumas
unidades; informações extraídas dos relatórios e publicações da ONG; sites
institucionais, como o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, o
Instituto Socioambiental e o Ministério do Meio Ambiente; e as notícias da mídia
regional e nacional em portais virtuais.

Participação na elaboração de planos de manejo e na gestão ambiental

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A lei que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação - SNUC -


declara a obrigatoriedade de toda UC possuir seu respectivo Plano de Manejo. Nada
mais são do que documentos técnicos que estabelecem o zoneamento e as normas
que devem ser adotadas na unidade referentes ao uso e manejo de recursos e
implantação de estruturas físicas (BRASIL, Lei nº 9985/2000). Na prática, constitui o
principal instrumento de planejamento e gestão das UCs. A elaboração de um plano
de manejo trata-se, sobretudo, de um processo, havendo etapas anteriores e
posteriores à publicação do documento final. As principais são: a reunião de atores
qualificados para levar o projeto à cabo, a captação de recursos e financiamento
para o desenvolvimento dos projetos, a realização de estudos preliminares e
pesquisas científicas mais robustas, a firmação de parcerias técnicas-científicas e
utilização de seus recursos, o mapeamento e elaboração final do plano e, por fim, a
tomada de decisões baseadas nesse documento e a constante consulta pública
sobre seus efeitos.
É notável o fato de que todas essas etapas, como visto anteriormente, se
relacionam direta ou indiretamente com atividades desenvolvidas por ONGs e pelas
quais elas são lembradas como referência. Com o WWF Brasil não é diferente. No
Acre, ele se envolveu ativamente com o desenvolvimento dos planos de manejo da
Estação Ecológica (ESEC) Rio Acre e do Parque Estadual (PES) do Chandless
(chegando mesmo a participar do lobby para a criação desta última, como
abordaremos mais à frente), no vale do rio Purus, região apontada por Steiman
(2008) como constituindo um complexo de áreas protegidas transfronteiriças (figura
2). Ao participar diretamente da elaboração do principal documento administrativo e
de gerenciamento da UC, a ONG garante que sua visão de conservação seja
reproduzida na prática no terreno. Isso implica diretamente em quais serão as
consideradas “melhores práticas” de manejo, o que deve e o que não deve ser
valorizado, e de que forma devem ser feitos os procedimentos técnicos e científicos,
como lidar com as populações tradicionais já residentes, entre outras decisões. É
um processo de delimitar e indicar como populações residentes e/ou gestores de
uma unidade devem proceder e se posicionar diante dos problemas
socioambientais.

Figura 2. Áreas protegidas auxiliadas pela ONG, em sua criação ou na criação


de seu plano de manejo.

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Ano de criação Unidades da federação/ departamento País Área (ha) Plano de manejo
Parque Estadual Chandless 2004 Acre Brasil 695.303 2011
Parque Nacional Alto Purus 2004 Ucayali e Madre de Díos Peru 2.510.694 2005
Reserva Comunal Purus 2004 Ucayali e Madre de Díos Peru 202.033 2005
Estação Ecológica do Rio Acre 1981 Acre Brasil 77.500 2010
Fonte: STEIMAN, 2008

Por outro lado, o emprego dos valores da ONG não se dá apenas sobre o
território, mas também através do tempo, com a reprodução da orientação
conservacionista presente no documento nas fases seguintes do projeto. Podemos,
portanto, dizer que a ação do WWF Brasil na prática forjou, ao captar recursos e, ele
mesmo, fornecer o aparato técnico-científico e humano para a realização das
pesquisas, uma espécie de gestão ambiental própria, se forem tomadas como
referência as características elementares de negociação visando a tomada de
decisões e a prática política do planejamento, como propõe Pires do Rio e Galvão
(1996).
E esta visão particular de gestão ambiental parece estar mesmo diretamente
atrelada à escolha das unidades receptoras das intervenções da ONG. O WWF
Brasil lidera o Consórcio Amazoniar, grupo formado em 2003 por outras
organizações ambientalistasii que tem como propósito autodeclarado conservar as
florestas naturais e a biodiversidade e beneficiar as comunidades tradicionais do
sudoeste da Amazônia. Durante sua primeira fase, intitulada Conexão entre as
comunidades das florestas e áreas protegidas para o desenvolvimento sustentável
do sudoeste da Amazônia brasileira, entre os anos de 2003 e 2007, o grupo contou
com o apoio da Agência de Cooperação para o Desenvolvimento Internacional do
Governo dos EUA (USAID).
A área de atuação do Consórcio abrangia boa parte das UCs do Acre, entre
elas a ESEC Rio Acre, cujo plano de manejo começa a ser desenvolvido em 2005
com influência do WWF Brasil, e o PES Chandless, criado em 2004, ambos com
participação imprescindível do WWF Brasil. Ambos os casos parecem ter sido
resultado do eixo de ação de políticas de planejamento e gestão territorial, uma
proposta inovadora e ousada que buscava criar e desenvolver mecanismos de
governança territorial capazes de integrar terras indígenas e unidades de
conservação num extenso mosaico de áreas protegidas com rebatimento nos lados
peruano e boliviano da fronteira. O estímulo e patrocínio de planos de manejo para
UCs componentes desse mosaico parecem estar na esteira de um processo mais
largo e abrangente defendido e liderado pela ONG: uma agenda ambientalista capaz

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de influenciar políticas públicas na região e articular diferentes categorias de


territórios da conservação, até mesmo de maneira transfronteiriça.
Utilizando-se de uma estratégia de soft power, espécie de poder mais brando,
caracterizado pelo uso da influência, legitimidade e negociação no lugar de controle
e coerção, o WWF faz valer seus conceitos conservacionistas sobre as UCs em que
atua através da participação na elaboração de seus planos de manejo. Por sua
atuação com forte cunho político, realça a latente tensão entre o difundido caráter
artificial da fronteira em contraposição à suposta transfronteirização dos elementos
ecológicos e biofísicos.

Contrariando o imaginário coletivo: não tão afastado do Estado e nem tão


próximo da população local assim
Dentre outros, há dois elementos que sempre se destacam como sendo
definidores do próprio modo de ser das ONGs: se constituírem alternativa às
características tidas inerentes ao Estado, como ineficiência, burocracia e falta de
preparo para lidar com problemas concretos e específicos; e funcionarem como
canais organizados e capazes de representar as demandas da sociedade civil local
e resolver seus problemas. Por exemplo, Herculano (2000) defende como benéfica a
participação de ONGs em processos políticos na medida em que garantiria uma
oposição direta aos interesses do “mundo da produção”, aliado ao Estado,
assegurando o cumprimento dos direitos e interesses da sociedade civil
representada por essas organizações. Sendo mais incisivo, Fernandes (1988) afirma
que as ONGs dão preferência aos poderes difusos que circulam nas bases da
sociedade frente ao Estado. Há autores que as colocam como forjadoras de uma
nova forma de democracia, mais participativa e mais ajustada aos anseios de base
local da população: Brigagão (1991), por exemplo, acredita que as ONGs têm
função diplomática paralela e/ou constituem grupo de pressão, capazes de abrir
novos canais de comunicação e cooperação, criando mesmo novas formas de
cidadania.
Porém, o levantamento e análise de projetos elaborados e/ou que tiveram
participação do WWF Brasil na Faixa de Fronteira, entre 1996 e 2015, (CUNHA,
2017) problematizam esta linha de pensamento. Realmente, foi possível constatar a
eficácia em articular entre a escala global e a local e promover parcerias de origens

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diversas. Não obstante, isso não significou fuga da esfera estatal e nem maior
melhor atendimento das reivindicações da escala local (figuras 3 e 4). Por exemplo,
a ONG é um dos principais parceiros do governo federal no Programa de Áreas
Protegidas da Amazônia - o ARPA. Considerado o maior programa de conservação
de florestas tropicais do mundo, foi criado com a intenção de fortalecer e expandir o
SNUC na Amazônia e proteger seis milhões de hectares. O WWF Brasil apoia
técnica e financeiramente o programa, auxilia na supervisão do ARPA e presta
cooperação técnica na execução das ações, estando presente desde sua primeira
fase (2003-2009), na qual doou 11,5 milhões de dólares. Na prática, se estabelece
uma relação de interesse e mútua dependência: o Estado consegue ter acesso aos
volumosos financiamentos internacionais e faz uso da capacidade técnica e de
conhecimento da ONG que, por sua vez, se projeta e consolida sua posição de
destaque, amplia sua capacidade de mobilização e articulação no campo
conservacionista e recebe consentimento do Estado para atuar sobre aquelas UCs,
disseminando seus conceitos e práticas conservacionistas em ampla escala. Assim
como outras ONGs, mostra alto poder de percolação no território e habilidade para
desviar de entraves burocráticos (MEDEIROS, 2003), porém acaba utilizando
mecanismos institucionais construídos e utilizados pelo próprio Estado para levar
finalizar seus objetivos.
De fato, há uma leve preferência por parcerias oriundas da sociedade civil.
Porém predomina a internacionalização da ação, significando que comunidades e
demais ONGs locais podem não ser parceiros em potencial e ficam à margem do
processo.

Figura 3. Setor de origem dos parceiros nos projetos e escala de ação dos
parceiros não governamentais.

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Órgão
multilateral

3
6
Não
governamental
Governamental 2
12
10 3
1

Internacional Nacional Regional Local

Fonte: organizado pelo autor a partir de levantamento de documentos institucionais e da mídia, 2017.

Figura 4. Escala de articulação e origem dos parceiros.

Nacional Regional

6 3
Local
5
6
Internacional
1
10

Governamental Não Governamental

Fonte: organizado pelo autor a partir de levantamento de documentos institucionais e da mídia,


2017.

Na escala mais propicia a criar alianças materiais e concretas com a


comunidade e as ONGs de pequeno porte, a local, há um predomínio de parcerias
com o governo. Por outro lado, sua relação com agentes da escala local permite
entrever que não necessariamente há diálogo mais horizontal, concretização das
demandas da sociedade e garantia efetiva de sua participação no processo de
decisão. Entre 2004 e 2010, a ONG executou o Curso introdutório de gestão de
unidades de conservação na Amazônia iii (WWF BRASIL & IPÊ, 2012), cuja intenção

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era transmitir noções básicas e orientações de gestão das UCs, capacitar os


responsáveis pela gestão das UCs e repassar conceituações próprias de temas
como manejo, conservação, monitoramento e questões políticas e institucionais.
Nesse sentido, as populações residentes e gestores de UCs são instruídos segundo
valores da própria ONG, que busca emplacar sua própria agenda conservacionista
em uma abordagem “de cima para baixo” das resoluções dos problemas e
demandas socioambientais, aparelhando movimentos locais, fazendo uso do
trabalho da população dessas áreas sem necessariamente torná-los parte operante
efetiva do processo. Segundo alguns autores tal forma de proceder pode até mesmo
ferir princípios democráticos de participação, transparência das atividades e
prestação de contas. Compagnon (2008) chega a afirmar que isso acontece porque
as ONGs são investidas de uma delegação de poder no que se refere à gestão de
áreas protegidas e exercem funções múltiplas nos planejamentos ambientais,
definidos pelas convenções internacionais, não atendendo as prerrogativas
democráticas. Outro exemplo disso é que quando não colabora com organizações
do governo, a preferência é por parceiros internacionais, como a Fundação Gordon
and Betty Moore, em detrimento de ONGs locais. Dos dez parceiros provenientes da
sociedade civil nos projetos entre 1996 e 2015 no Acre, apenas um era da escala
local enquanto cinco eram internacionais (CUNHA, 2017).

Abrangência das ações e transfronteirização da conservação

Possuir autoridade o suficiente para influenciar a elaboração de planos de


manejo e conseguir operar em escalas diferentes concomitantemente, firmando
parcerias estratégicas, quando em regiões fronteiriças, pode se refletir no processo
de transfronteirização da conservação. Isso quer dizer que a ONG trabalha pela
criação e estabelecimento de UCs de ambos os lados do limite internacional,
pretendendo alcançar, no fim, arranjos espaciais em forma de mosaico, com
unidades justapostas, contíguas e que, quando juntas, transbordam o limite de seus
respectivos países.
Steiman (2008) assinala a existência de um complexo de áreas protegidas
transfronteiriças no Vale do Purusiv (figura 5) e aponta o WWF Brasil justamente
como um dos principais atores envolvidos na costura dessa composição em sua
origem. De fato, como já colocado no trabalho, o WWF Brasil participou ativamente

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para a elaboração da Peça de Criação do PES Chandless, documento que reúne as


pesquisas preliminares sobre fauna, flora, condicionantes físicos e sociais sobe uma
área que pretende ser transformada em UC. Junto com o Banco Interamericano de
Desenvolvimentov, a ONG financiou os estudos preliminares que possibilitaram a
decretação do parque. Em novembro de 2004 foi constituída a Comissão de
Implantação do Parque Estadual Chandless, composta por representantes da
Secretaria de Estado do Meio Ambiente do Acre (SEMA), Secretaria de Estado da
Floresta (SEFE), Procuradoria Geral do Estado Acre (PGE), SOS Amazônia e WWF
Brasil, captando recursos do ARPA visando viabilizar a elaboração do plano de
manejo da UC, iniciado em 2007; e a SOS Amazônia captou recursos junto à USAID
para a criação do Conselho Consultivo (SOS AMAZÔNIA, 2011). A ONG participou
também da elaboração do plano de manejo da ESEC Rio Acre e implantou projetos
diversos em todas as UCs que compõem o complexo de áreas protegidas
transfronteiriças pelo lado brasileiro.

Figura 5. Complexo de áreas protegidas Chandless – Alto Purus.

Fonte: STEIMAN, 2008.


Não surpreendentemente, o WWF foi um dos poucos atores que executaram
ações de ambos os lados da fronteira. Sendo ambos integrantes da Rede WWF, o

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WWF Brasil firmou parceria com SOS Amazônia, SEMA, SEFE, PGE e ICMBio; já o
WWF Peru se alinhou a ONGs como Pronaturaleza e Ecopurus. Em ambos os lados
também colaboraram a USAID e o BID, grandes parceiros financeiros da ONG e
defensores de uma visão transfronteiriça da Amazônia, aplicando no local especifico
desse complexo de áreas protegidas transfronteiriças visão orientada pela
abordagem de uma gestão circunscrita à bacia do rio Purus, cujas nascentes são
presentes no território peruano e corre em direção a Amazônia brasileira.
Cabe ressaltar que nenhuma ONG tem respaldo e autoridade suficiente para,
sozinha, promover a criação de uma APT, sendo de total responsabilidade dos
Estados nacionais a decisão por implantá-la. No caso do Alto Purus, formal e
oficialmente não existe nenhuma APT, porém, na prática, funciona dessa forma uma
vez que compartilham valores, fontes de financiamento, apoiadores, diretrizes de
conservação, práticas de manejo e gestão ambiental, entre outros elementos.
Agindo exatamente no limite não circunscrito aos limites territoriais de fronteira
estabelecidos pelos estados, uma ONG como o WWF goza de mobilidade capaz de
fazer com que UCs separadas pelo limite internacional, mas que compartilhem as
mesmas características biofísicas e ecológicas, possam ser subordinadas a uma
mesma gestão conservacionista. Embora as ONGs defendam, idealmente, que uma
gestão transfronteiriça seria tanto mais útil quanto reduzisse os atritos entre o “meio
físico” e o “meio político” causado pela existência de fronteira política separando
ecossistemas, na prática pode-se perceber o aparecimento de outros conflitos e
sobreposição de camadas de disputa territoriais. Por exemplo, os planos de manejo
de ESEC Rio Acre e PES Chandless prescrevem decisões como vigilância e
fiscalização para tentar barrar a “utilização predatória dos recursos naturais” (WWF
BRASIL et al, encarte I, 2010, p. 1.8) por famílias oriundas de Santa Rosa e do
projeto de assentamento implantado no mesmo município no limite oeste do parque,
assim como os indígenas originados de “comunidades nativas situadas do outro lado
da fronteira” (idem).
Por fim, defendemos aqui que na fronteira, por meio dos projetos
transfronteiriços e das relações mantidas com ONGs do outro lado, podemos
observar a faceta mais expressiva de um projeto de construir territórios voltados para
a conservação. O WWF Brasil tem sua própria visão territorial da quando elabora
projetos pensados "de cima para baixo", sem, necessariamente, ter relação com as
ONGs locais e firmar alianças com os governos, nacionais ou internacionais,

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pleiteando a formação de um espaço alheio às demandas e normalizações impostas


por esses atores e instituições; ou seja, criam condições para a constituição de um
espaço cuja gestão fica, indiretamente, à cargo da própria organização, baseado no
argumento de que a proteção da natureza transcendem os limites internacionais,
construídos social e politicamente e geradores de imbróglios administrativos entre os
países.

Considerações finais
Buscou-se destacar aqui o caráter político-territorial da atuação do WWF
Brasil em UCs próximas ou tangentes ao limite internacional com o Peru.
Evidenciamos o envolvimento na confecção de documentos gestores e orientadores
de práticas de conservação; as parcerias estratégicas (ora sendo financiador e
executor de projetos oriundos do governo, ora se alinhando a grandes fundos de
financiamento e ONGs internacionais); a articulação entre o pretender da agenda
conservacionista global e a excepcionalidade das áreas alvo dos projetos; e o
exercício de pressão sobre agenda política ambiental, engendrando campanhas e
apoiando técnica e financeiramente a criação de UCs em territórios já
precedentemente destinado a formar um complexo de áreas protegidas do lado
brasileiro, de forma a se justapor com a do lado peruano como principais elementos
para sustentar essa colocação.
Não vemos maneira de tratar e discutir seriamente a temática de conservação
ambiental sem utilizar, ou ao menos perpassar, por elementos caros e
tradicionalmente trabalhados pela geografia política, como conflitos territoriais e
relações de poder, articulação entre escalas, relação entre atores e seus interesses,
aspectos demográficos e populacionais, entre outros. Fazer uso dessas ferramentas
conceituais e teóricas é útil para dar conta da complexidade da temática que
embora, no senso comum, tenha no meio biofísico e ecológico seu objeto, não deve
ser reduzida de nenhuma forma a apenas a eles. Antes, na verdade, exige um olhar
multidisciplinar e dinâmico capa de abarcar as intrínsecas e intrincadas relações
mantidas entre aquilo reconhecido como fenômeno “natural” e aquilo definido como
fenômeno “social”. Reconhecer o valor da biodiversidade, e se esforçar para
conservá-la, é necessário; porém, entender os mecanismos de financiamento, os
atores e agentes envolvidos na empreitada, os interesses expostos e latentes, as

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relações mantidas com as populações tradicionais, entre outros fatores, também o


são.
E talvez a circunstância de maior concretude deste processo seja justamente
o momento de decidir onde, em que local, se deve desenrolar a intervenção
conservacionista. A simples pergunta “onde devemos conservar? ”, ao selecionar
uma área em detrimento da outra, por diversos motivos, contém já um princípio
político porque, na pratica, significa decidir o que vai ser preservado, com quais
atores vai se manter relações e qual será o destino de volumosos recursos
financeiros. E o que percebemos é que as UCs de fronteira recebem uma alta carga
de atenção não apenas por possuírem elementos ecológicos que devam ser
conservados, mas também porque estão localizados ali. Estes projetos só existem
porque acontecem naquela região fronteiriça e constatar isso não tem nada de
ingênuo, pois envolve, numa mesma tacada, sistema locacional de aplicação de
recursos, projetos de territorialização conflitantes, percepções conflituosas sobre o
limite internacional e tentativas de conclusão de gestão e conservação ambiental.
Por fim, por meio da geografia política podemos e, na verdade, devemos sempre
trazer à tona a dimensão política do movimento conservacionista e buscar entender
este fenômeno em sua totalidade. Neste caso, buscamos trazer à superfície a
pretensa tensão latente entre os condicionantes biofísicos, a existência da fronteira e
seus impactos territoriais e a tentativa de determinados atores de contestá-la.

Referências

BRASIL. Lei nº 9985, de 18 de julho de 2000. Regulamenta o art. 225, § 1o, incisos
I, II, III e VII da Constituição Federal, institui o Sistema Nacional de Unidades de
Conservação da Natureza e dá outras providências. Disponível em <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9985.htm>. Acesso em junho/2016.

BRIGAGÃO, Clóvis. Ecologia e política mundial. Rio de Janeiro: Vozes: 1991.

CASTRO JÚNIOR, Evaristo; COUTINHO, Bruno H.; FREITAS, Leonardo Esteves.


“Gestão da Biodiversidade e áreas protegidas”. In: GUERRA, Antonio J. T.;
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i
O WWF Brasil (Fundo Mundial para a Natureza) é uma organização não governamental brasileira
fundada em agosto de 1996. Constituída como uma associação sem fins lucrativos e organização da
sociedade civil autônoma tem por objetivo principal a conservação ambiental dos ecossistemas
existentes no país. Compõe a Rede WWF que, junto à The Nature Conservancy e à Conservation
Internacional, é considerada como uma das três maiores ONGs ambientalistas mundiais.
ii
Este grupo é formado pelo SOS Amazônia, Conselho Brasileiro de Manejo Florestal (FSC-Brasil),
Associação de Defesa Etno-Ambiental (Kanindé) e Centro de Trabalhadores da Amazônia (CTA).
Todas as informações presentes no artigo foram tiradas do encarte do Consórcio, disponibilizado
em:http://d3nehc6yl9qzo4.cloudfront.net/downloads/revista_amazoniar_jul_07_por.pdf, acesso em
26/06/2019.
iii
Com apoio do Banco de Desenvolvimento da Alemanha – KfW e Fundação Gordon and Betty
Moore.
iv
Esse complexo é formado pelas UCs Parque Estadual do Chandless, Reserva Extrativista
Cazumbá-Iracema, Floresta Nacional Macauã, Estação Ecológica Rio Acre, Reserva Extrativista
Chico Mendes e as Terras Indígenas Mamoadate, Cabeceira do Rio Acre, Alto Purus e Riozinho da
Liberdade, pelo lado brasileiro; e pelo Parque Nacional Alto Purus, Reserva Comunal Purus, Parque
Nacional Manu e o Santuário Nacional Megantoni do lado peruano, segundo a autora.
v
Por meio do programa de Desenvolvimento Sustentável do Estado do Acre.

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A OCORRÊNCIA DE PROCESSOS EROSIVOS NA REGIÃO SUL DE MATO


GROSSO DO SUL
Occurrence of Erosive Processes in the South Region of Mato Grosso do Sul
Ocurrencia de Procesos Erosivos en la Región Sur de Mato Grosso do Sul

Cleiton Soares Jesus*


Pedro Alcântara de Lima
Cleiton Messias Rodrigues Abrão

Resumo: Este artigo tem como objetivo identificar os processos erosivos ocorridos
na região sul de Mato Grosso do Sul (MS), nos municípios Deodápolis, Glória de
Dourados, Ivinhema, Jateí, Novo Horizonte do Sul e Vicentina, com base em
trabalhos desenvolvidos anteriormente nestes municípios. Relacionar os processos
erosivos ocorridos na área às praticas de uso e ocupação da terra que ocorreram
com o processo de colonização desencadeado pela CAND (Colônia Agrícola
Nacional de Dourados) em 1950 e a SOMECO (Sociedade de Melhoramentos e
Colonização) em 1957. Desde seu início esse processo provocou o desmatamento
e ocupação de Áreas de Preservação Permanente – APP. Condições climáticas com
chuvas concentradas contribuíram para a formação de processo erosivo abrindo
ravinas e voçorocas. Predomina na região o Latossolo Vermelho Distrófico de
textura arenosa com alta susceptibilidade a erosão. Verificou-se em trabalho de
campo que os processos erosivos em curso não vêm sendo tratado de forma
adequada pelas autoridades.
Palavras-chave: Processos Erosivos, Degradação Ambiental, Impactos Ambientais,
CAND (Colônia Agrícola Nacional de Dourados), Áreas de Preservação Permanente
– APP.

Abstract: This article aims to identify the erosive processes that occurred in the
southern region of Mato Grosso do Sul (MS), in the municipalities of Deodápolis,
Gloria de Dourados, Ivinhema, Jateí, Novo Horizonte do Sul and Vicentina, based on
previous work in these municipalities. To relate the erosive processes that occurred
in the area to land use and occupation practices that occurred with the colonization
process triggered by the CAND (National Agricultural Colony of Dourados) in 1950
and the SOMECO (Society for Improvements and Colonization) in 1957. Since its
inception This process caused the deforestation and occupation of Permanent
Preservation Areas - APP. Climatic conditions with concentrated rainfall contributed
to the formation of erosive process opening ravines and gullies. The dystrophic Red
Latosol with sandy texture with high susceptibility to erosion predominates in the
region. In the fieldwork it was found that erosion processes in progress have not
been adequately addressed by the authorities.


Mestrando em Geografia (UFGD/FCH) e-mail: cleitoncabelo1@hotmail.com
** Profº Dr. em Geografia (UFGD/FCH) e-mail: pedrolima@ufgd.edu.br

Doutorando em Geografia (UFGD/FCH) e-mail: cleiton.geografo@yahoo.com.br

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Key-words: Erosive Processes, Ambiental degradation, Environmental impacts,


CAND (National Agricultural Colony of Dourados), Permanent Preservation Areas -
APP.

Resúmen: Este artículo tiene como objetivo identificar los procesos erosivos que
ocurrieron en la región sur de Mato Grosso do Sul (MS), en los municipios de
Deodápolis, Gloria de Dourados, Ivinhema, Jateí, Novo Horizonte do Sul y Vicentina,
con base a trabajos previos en estos municípios. Relacionar los procesos erosivos
que ocurrieron en el área con el uso de la tierra y las prácticas de ocupación que
ocurrieron con el proceso de colonización desencadenado por la CAND (Colonia
Agrícola Nacional de Dourados) en 1950 y la SOMECO (Sociedad de Mejoras y
Colonización) en 1957. Desde su inicio Este proceso provocó la deforestación y la
ocupación de las Áreas de Preservación Permanente - APP. Las condiciones
climáticas con precipitaciones concentradas contribuyeron a la formación de
procesos erosivos que abren barrancos y barrancos. El Latosol rojo distrófico con
textura arenosa con alta susceptibilidad a la erosión predomina en la región. En el
trabajo de campo se descubrió que las autoridades no habían abordado
adecuadamente los procesos de erosión en curso.
Palabras clave: Procesos erosivos; Degradación ambiental; Impactos ambientales;
CAND (Colonia Agrícola Nacional de Dourados); Áreas de preservación permanente
- APP.

Introdução
A região do sul em questão, apresenta uma série de fatores que contribuem
para os processos erosivos, entre eles a composição do solo, sendo o Latossolo
Vermelho Distrófico (LDv) o tipo de solo predominante desta região que apresenta
textura arenosa e o clima com chuvas concentradas no verão. A retirada da
cobertura vegetal agrava o processo de erosão, e o assoreamento, dos cursos
d‘água.
Os processos erosivos ocorridos na região sul de Mato Grosso do Sul, nos
municípios de Angélica, Deodápolis, Glória de Dourados, Jateí, e Vicentina foi uma
consequência do processo de colonização iniciado com a criação da CAND em 1943
e a sua efetiva implantação a partir de 1949 e que teve prosseguimento com a
Sociedade de Melhoramentos e Colonização – SOMECO nos casos dos municípios
de Ivinhema e Novo Horizonte do Sul (LIMA, 2006). Esse processo de colonização
provocou o desmatamento e a ocupação inadequada da terra que anteriormente
possuía uma grande área de Floresta Tropica.
Em seguida começam a surgir os primeiros espaços voltados à agricultura
pecuária e núcleos urbanos, até mesmo as áreas que eram protegidas por leis

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sofreram os efeitos da devastação. O processo de colonização não levou em


consideração os tipos de solo predominantes na região degradando-os juntamente
com os recursos hídricos ao promover um intenso processo de desmatamento.

O processo erosivo é um desgaste da rocha ou do solo que pode ser


provocado por fenomenos naturais como a ação da água, vento, chuva ou gelo, ou
pela ação do próprio homem. Cada um desses agentes pode influenciar o processo
de forma diferente, alguns com menos e outros com mais intensidade. A erosão em
áreas tropicais depende basicamente da água da chuva ou precipitação, que ao cair
em um solo sem a cobertura vegetal escoa superficialmente provocando o desgaste.
Também temos que levar em consideração a quantidade e a frequência com que a
precipitação acontece, pois esse fator irá determinar a intensidade do processo
erosivo.

Nos dias atuais e, no caso da erosão dos solos a ação antrópica é a mais
significativa, pois a ocupação desordenada do solo, com desmatamentos
indiscriminados, queimadas e extração mineral altera drasticamente suas
propriedades em muitos casos de forma irreversível.

A erosão laminar é quase imperceptível, no entanto é constante nos solos,


principalmente em regiões tropicais, ela pode evoluir para a formação de ravinas e
voçorocas dependendo do uso antrópico do solo. Os processos erosivos na
superfície terrestre acontecem há bilhões de anos e são fundamentais para modelar
as formas do relevo, porém a erosão do solo, apesar de ser natural pode ser
acelerada pela ação antrópica e degradar o ambiente.

A intensidade do processo erosivo no solo depende de vários fatores como a


sua composição, a declividade do terreno a cobertura vegetal existente. Esses
fatores somados a ação antrópica potencializam o processo. Em zonas tropicais
como o sul de Mato Grosso do Sul a erosão mais comum é a hídrica que age de
diferentes formas.

O processo de erosão hídrica ocorrido nos solos possui três classificações


principais: erosão superficial; erosão interna; e erosão linear: ravinas e voçorocas.
(VANDERLEI, 2009). A erosão laminar ocorre quando a precipitação em grande
quantidade não consegue infiltrar no solo saturado e começa a escoar pela

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superfície, carregando pequenas partículas. A erosão em ravina ocorre de forma


superficial, removendo partículas do solo, em locais que geralmente não possui
cobertura vegetal. Esse tipo de erosão é de fácil controle e recuperação do solo,
pois é o estágio inicial do efeito erosivo.
A erosão em voçoroca é o estágio mais avançado do processo erosivo, em
alguns casos chega a atingir o lençol freático, tornando o solo inutilizável,
geralmente quando a erosão chega nesse estágio torna-se muito difícil a
recuperação da área. No presente artigo pretende-se demonstrar esse processo
compilando alguns trabalhos realizados na área e mostrando o resultado de várias
visitas a campo e uma série de registros fotográficos.
Os municípios de Deodápolis, Glória de Dourados, Ivinhema, Jateí, Novo
Horizonte do Sul e Vicentina, estão localizados na Bacia Hidrográfica do Paraná,
possui uma área de 6.420,6 km² com aproximadamente 59.261 mil habitantes
(CENSO 2010).
Estão posicionados entre as latitudes 22°27`67” e 22°32`47” Sul e
longitudes: 54°26´08” e 54°09`15” Oeste. Com variação de altitude entre 285 metros
a 406 metros a cima de nível do mar.

Figura 1 - Mapa de Localização da área em estudo.

Faz divisa com os municípios de Angélica e Rio Brilhante ao Norte; com os


municípios de Juti e Naviraí ao Sul; com os municípios de Nova Andradina,

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Batayporã e Taquarussu ao Leste e com os municípios de Caarapó e Dourados a


Oeste.

Metodologia
O desenvolvimento do artigo se concretizou, em primeiro lugar, por uma
revisão bibliográfica ampla, buscando base cientifica para a sua elaboração, dessa
forma, organizamos questões pertinentes aos processos erosivos e suas
consequências com finalidade de entender a problemática do tema.
Entre os principais temas, foi abordado previamente o estudo sobre os
seguintes aspectos: embasamento geológico, relevo, solo, clima e vegetação e,
aspectos históricos da formação dos municípios relacionando a ação antrópica com
os fenômenos naturais existentes na região, buscando compreender alguns fatores
que contribuem para os processos erosivos existentes.
Em um segundo momento, foram realizados trabalho de campo na área em
estudo onde adquirimos os registros fotográficos aéreos com altura máxima de 120
metros, utilizando o drone DJI Spark, este equipamento possui câmera com
resolução máxima de 1920 × 1080, também fizemos uso de fotografias terrestres,
procurando mostrar a real situação de alguns dos processos erosivos atuantes,
tendo como objetivo a exposição da problemática em questão, ressaltando os
principais impactos ambientais existentes.
O presente artigo permitindo a interação dos pesquisadores entre a teoria e a
prática, facilitando dessa forma o entendimento da realidade existente, possibilitando
através de análises obter resultados consistentes no que se refere aos processos
erosivos da área em questão.

Resultados e discussão
Processos históricos da formação dos munícípios
O processo histórico da formação dos municípios da área de estudo iniciou-se
com a implantação da CAND - Colônia Agrícola Nacional de Dourados, com exceção
de Ivinhema e Novo Horizonte do Sul desmembrado deste que mais tarde tiveram
como origem a colonização desenvolvida pela a Sociedade de Melhoramentos e
Colonização - SOMECO.
Durante o processo de colonização começaram a surgir às primeiras vilas,
que em seguida foram emancipadas, tornaram-se cidades, esse processo ocorreu

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simultaneamente em quase todos os municípios. No âmbito da CAND formaram-se


os municípios de Jateí, Vicentina, Glória de Dourados, Deodápolis e Angélica
enquanto a SOMECO deu origem ao município de Ivinhema e este a Novo
Horizonte do Sul.
É também resultado do processo de colonização e a introdução da agricultura
e da pecuária submetendo a vegetação natural a um forte processo de supressão
com o intenso desmatamento. Na atualidade o pouco que resta de vegetação nativa
faz parte de matas ciliares e mesmo estas estão incompletas bem abaixo do exigido
pela legislação. As áreas de reserva legal das propriedades também em grande
parte estão muito a baixo da exigência legal.
A litologia da área é constituída pelo arenito Caiuá da era Mesozóica, sendo a
mesma de formação desértica e de clima árido. Localizado no sul do estado Mato
Grosso do Sul, o arenito Caiuá, também pode ser encontrado no Paraná e São
Paulo. Para Fernandes e Coimbra (1994. p. 166 ):
O Grupo Caiuá reúne três unidades de arenitos acumuladas em ambiente
desértico, geneticamente relacionadas, correspondentes a sub-ambientes
distintos: zona central de sandsea, (Fm. Formação Rio Paraná), zona de
depósitos eólicos periféricos (Fm. GoioErê) e planícies de lençóis de areia
(Fm. Santo Anastácio).
A formação geológica da área em estudo influência diretamente no relevo,
possuindo áreas relativamente planas, com altitude máxima de 406 metros acima do
nível do mar. A área em estudo possui duas classificações de relevos diferentes o
Planalto Central da Bacia do Paraná a noroeste e as Planícies Fluviais a sudeste. A
maior parte dos municípios está localizada ao Planalto Central da Bacia do Paraná,
que predomina em sua grande maioria na Região Sul do Mato Grosso do Sul
Os solos formados a partir do arenito Caiuás são na sua maioria Latossolo
Vermelho Distrófico (LVd) solos de textura arenosa altamente susceptível aos
processos erosivos. Segundo a EMBRAPA/Dourados, em estudos sobre
precipitação, temperatura, umidade relativa, evapotranspiração e veranico
possibilitam caracterizar o clima da área como Cwa na classificação de Köppen
(clima temperado úmido, com inverno seco, verão quente), pois a temperatura do
mês mais frio (junho) é inferior a 18ºC e a do mês mais quente (janeiro) é superior a
22ºC. Além disso, o total de chuva no verão supera mais de duas vezes a menor
precipitação mensal.
Considerando que o trabalho é sobre erosão antrópica entendemos que, mais
do que as médias mensais de precipitação é importante levar em consideração as

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chuvas concentradas. Entendemos que esses eventos climáticos têm grande


potencial de erosividade. É também importante observar que essas chuvas,
concentradas podem ocorrer, eventualmente em meses com baixa pluviosidade. No
entanto, os meses com mais ocorrências de fortes chuvas na área são novembro e
setembro, respectivamente o mês com menos ocorrências é Agosto. FIETZ et al.
(2008, p 22). Relacionaram doze ocorrência de evento chuvoso com mais de 100mm
na Região de Dourados:
Na região de Dourados, no período de janeiro de 1980 a dezembro de
2015, em 12 ocasiões ocorreram chuvas com mais de 100 mm em 24
horas. A maior, com 145 mm, foi registrada em 8 de dezembro de 2006.
Chuvas intensas com mais de 100 mm em 24 horas também ocorreram em
21 de maio de 1980 (115 mm), 13 de junho de 1982 (114 mm), 17 de março
de 1985 (122 mm), 18 de abril de 1990 (114 mm), 12 de março de 1999
(124 mm), 1º de fevereiro de 2002 (109 mm), 4 de novembro de 2002 (106
mm), 24 de setembro de 2005 (112 mm), 19 de dezembro de 2005 (126
mm), 19 de outubro de 2009 (117mm) e 18 de março de 2013 (101 mm).
Chama à atenção que a metade das ocorrências dessas chuvas foi na
década de 2000.
A cobertura vegetal também tem papel decisivo na proteção do solo contra a
erosão. A área em questão sofre as consequências do desmatamento ocorrido
durante sua ocupação, à presença de lavouras e de atividades sem as medidas
necessárias de proteção do solo provocaram a aberturas de ravinas e voçorocas
assoreando os córregos e os rios, com prejuízo à biodiversidade da região. Dessa
forma onde há atividades econômicas o desmatamento e a degradação do solo são
muito extensos destacando, uma área de floresta em Novo Horizonte do Sul e de
savana em Deodápolis. Moreno (2011), se referindo ao município de Jateí afirma
que a prática da pecuária e da lavoura trouxe forte degradação da vegetação nativa.
A prática da pecuária fez com que restassem apenas algumas áreas de
vegetação nativa, denominadas de Áreas de Preservação Permanente – APPs,
essas áreas, quando respeitadas contribuem para a preservação das nascentes, rios
e lagos, ajudando a manter os principais nutrientes e propriedades do solo.

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Esses municípios estão em áreas onde predomina a litologia do arenito Caiuá


e os solos arenosos com a presença do Latossolo Vermelho Distrófico (LVd) e
algumas manchas do Argissolo. Outras características comuns desses municípios é
o processo de colonização que os formaram com atuação das colônias CAND e
SOMECO. Toda a área passou por um rápido processo de desmatamento e
implantação de lavouras de subsistência e pastagens artificiais.
O município de Glória de Dourados foi o primeiro dessa área passar por
sérios problemas de erosão destacados por Lima (2006) que estudou o processo de
colonização desenvolvido pela CAND e as mudanças paisagísticas ocorridas em
três municípios oriundos da colonização. O trabalho destaca como uma das
consequências ambientais da colonização da área os processos erosivos hoje
existentes. Gloria de Dourados se destaca por ser o primeiro município que
apresentou problemas com as erosões.
Para Lima (p. 147, 2006):
Glória de Dourados é, sem dúvida, o município em que ocorre o maior
número de voçorocas e córregos assoreados. Foi também o primeiro
município de toda a área da CAND que apresentou o problema de forma
visível. Em 1972, após chover intensamente durante vários dias, na margem
esquerda do Córrego 2 de Junho, na área urbana do município, teve início
uma grande erosão, provocada por um desvio de uma vala anteriormente
construída para desvio de águas pluviais. Esse fato chamou a atenção para
um problema que, até então, era desconhecido para aquela comunidade. A
voçoroca ficou conhecida, durante algum tempo, por “buracão de Glória de
Dourados”, famoso pelo seu tamanho e por ter destruído várias casas, tanto
residenciais como de comércio. O problema arrastar-se-ia por anos a fio,
consumindo muitos recursos, até ser controlado, já nos anos noventa, por
medidas técnicas como a construção de uma barragem, que conseguiu
estabilizar o processo de escavação e, em alguns pontos, até reverter a
situação. Hoje, o Mercado Municipal, onde se realiza a feira do produtor,
está instalado em local onde antes situava-se parte da voçoroca. No
entanto, na zona rural do município, há várias voçorocas e córregos com
leitos assoreados; a maior voçoroca encontra-se na 8ª Linha e a segunda
maior na 6ª Linha, ambas no córrego São Pedro, tributário do córrego Lagoa
Bonita.

Mais conhecida como “buracão de Glória de Dourados” a voçoroca foi um


exemplo de que a falta de planejamento pode acarretar grandes prejuízos
socioeconômicos e ambientais. Glória de Dourados possui um número expressivo
de feições erosivas. Nesse caso, o tipo de solo e a ausência de cobertura vegetal
foi, juntamente com a falta de planejamento no processo de ocupação, fundamental
para que a erosão se desenvolvesse.

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O município de Deodápolis tem características muito parecidas com Glória de


Dourados tanto em sua litologia e solo quanto no processo de colonização que o
formou destacados por Lima (2006). Jesus (2011) estuda os processos erosivos
urbanos em dois bairros de Deodápolis e, mostra que estes são decorrentes da falta
de planejamento e da ocupação desordenada. O autor destaca os bairros Jardim
América I e II onde a falta de planejamento, principalmente a ausência de captação
de águas pluviais em ruas com declividade acentuada deu início a abertura de
sulcos em forma de ravinas que logo evoluíram para voçorocas.

Os processos erosivos no Jardim América I e II impactaram diretamente o


canal fluvial mais próximo da área, o Córrego das Lavadeiras que passou a receber
grande quantidade de sedimentos sendo fortemente assoreado e perdendo
profundidade de seu leito. Jesus (2011), concluiu que as fragilidades do solo
juntamente e a forma de abertura das ruas dos bairros favoreceram os processos
erosivos. Com a concentração do escoamento de águas pluviais nos eventos
chuvosos mais intensos que ocorrem principalmente no verão.

O município de Ivinhema também apresenta sérios problemas de erosão, com


litologia de arenito e solos predominantemente de textura arenosa Latossolos
Vermelho Distrófico (LVd), na maioria de sua área. Santos (2008), demonstra esses
processos em estudo realizado na bacia do Córrego Azul. Relacionando-os a ação
antrópica, Santos (p. 24, 2008) afirma que:

A ação antrópica, em um sucessivo desmatamento, desencadeou e


acelerou transformações ambientais, que consequentemente corresponde a
áreas erodidas e assoreamento de córregos como o que ocorreu e ainda
está em processo degradativo, no Córrego Azul.

Passando por um processo de colonização semelhante aos outros


municípios em foco nesse trabalho a devastação da vegetação nativa também
sofreu uma forte redução como é demonstrado por Santos (p. 25, 2008) que:

As matas foram cedendo lugar à agricultura, estas por sua vez, realizadas
de forma intensiva no município, promoveu alterações na paisagem natural,
tanto no solo que passou a ser utilizado para o cultivo, como para a
vegetação nativa, que desapareceu em algumas áreas e em outras resta
pequenas proporções cedendo lugar aos cultivos agrícolas e à formação de
pastagens.

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Com a ausência da vegetação natural, inclusive das matas ciliares as


margens dos cursos d‘água e suas nascentes ficam desprotegidas favorecendo o
processo erosivo e o assoreamento. Santos (p. 30, 2008) mostra esse processo no
Córrego Azul que ocorre:

Em função das características físicas da área de estudo, do processo de


ocupação e das atividades agropecuárias passadas e atualmente
desenvolvidas que culminaram na falta de vegetação com altos indícios
erosivos o Córrego Azul passa por processo de degradação.

Os processos erosivos em Ivinhema agravaram-se e os programas para


conter a erosão urbana fracassaram, causando consequencias ambientais sociais e
econômicas. O município de Jateí como os demais discutidos nesse texto também
passa por problemas graves de erosão. Com características físicas semelhantes aos
demais, litologia de arenito e solos predominantemente arenosos Latossolos
Vermelho Distrófico (LVd) e com parte de seu território ocupado pela CAND
apresentados mesmos problemas de erosão e assoreamento de cursos d’água dos
demais. Moreno (p. 32,2011), abordou a questão da degradação ambiental e os
processos erosivos ocorridos nesse município, analisando suas origem, estudando
as características do solo e relacionando-os à formação de voçorocas, onde
constatou que:

O solo de Jateí é propenso a desenvolver erosões, o que é um sinal de


alerta, aliado a falta de vegetação que é característica das propriedades que
usam pastagem na produção de gado, juntamente com declividade e uso do
solo, são os principais fatores que aceleram o processo erosivo.

O município de Vicentina e Jateí têm as mesmas características físicas sendo


formado pelo mesmo processo de colonização, e estão submetidos aos processos
de erosão semelhantes, como vemos no trabalho desenvolvido por Silva (2014), que
identificou processos erosivos ocorridos na área e indicou suas principais causas. A
autora deu ênfase em sua pesquisa quatro voçorocas em diferentes locais e apontou
algumas características de cada uma delas. No entanto, as coisas parecem comuns
a todas elas solo de textura arenosa, ausência de vegetação nativa, inclusive
ausência de matas ciliares, nos cursos d’água e em um caso específico o uso do
córrego como bebedouro do gado bovino com acesso direto ao seu leito com o inicio
da erosão no caminho criado pelo gado. A autora ainda aponta o cultivo de cana de
açúcar em larga escala na área como um dos fatores que aceleram a erosão.

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O município de Novo Horizonte do Sul, desmembrado do município de


Ivinhema tem como característica um solo muito arenoso e também passou por um
forte processo de supressão de sua cobertura vegetal original. Nenhum trabalho foi
realizado especificamente sobre os processos erosivos no município, no entanto,
com registros fotográficos e pesquisa em reportagens da imprensa estadual se
constata que os problemas de erosão na zona rural do município têm sido
constantes. Em janeiro de 2011 fortes chuvas castigaram o município e deixaram
algumas estradas vicinais intransitáveis com pontes destruídas e córregos
fortemente assoreados.
Alguns registros fotográficos como se pode ver nas figuras 2 (A) na
reportagem do Diário MS de maio de 2017 relata uma visita de técnicos do Ministério
da Integração Nacional e da Defesa Civil do Mato Grosso do Sul com o objetivo de
avaliar danos causados pelas fortes chuvas que atingiram o município na final do
ano anterior. As visitas foram realizadas em pontos que apresentavam feições
erosivas. Como se observa na foto B também uma reportagem do Portal G1 de
12/02 de 2018 mostra um grave acidente envolvendo um caminhão e causando uma
morte, cujo motivo foi uma erosão que interrompeu uma rodovia. Esses processos
erosivos têm acontecido com certa frequência no município sempre nos verões com
chuvas concentradas. O que leva e crer que apesar do município ter solos
susceptíveis a erosão não tem havido as ações de proteção devidas.

Figura 02 - A) Erosão no município de Novo Horizonte do Sul interrompendo


rodovia MS 475 Fonte G1 MS 18/12/2018. B) Erosão em área rural do município
de Novo Horizonte do Sul. Fonte. Diário MS 30/05/2018

Fonte: Os autores (2017).

Encontramos no município de Deodápolis – MS (Figura 3), processo erosivo


aonde esta atingiu o lençol freático e consequentemente afetou toda a

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biodiversidade da região, podemos verificar a existência de cobertura vegetal no


interior da voçoroca, indicando estabilidade do seu processo.

Figura 3 - Nona Linha Nascente, Deodápolis - MS.

Esta voçoroca invadiu a estrada vicinal da 9º linha1, numa área de nascente,


obrigando a realização de um desvio para o trafico de veículos e pedestres, também
foram realizadas a construção de curvas de nível como tentativa de amenizar a
degradação ambiental no local. Na sexta linha, em Glória de Dourados, também foi
observado à ocorrência de processos erosivos em área de pastagem, próximo a
estradas vicinais (Figura 4).

1
São estradas vicinais na CAND, que é composta de um travessão principal formando uma
rodovia e vinte e seis linhas transversais em forma de estrada vicinal. Estas linhas em relação ao
travessão estão dispostas no sentido leste-oeste por isso o termo nascente poente. O travessão está
no sentido norte-sul.

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Figura 4. Sexta Linha Poente, Glória de Dourados – MS.

Em Glória de Dourados, encontramos um processo erosivo controlado (Figura


5), porém podemos constatar várias irregularidades tais como, a criação de gado
dentro da área em questão e a ausência de obras de contenção de águas pluviais
que vem da estrada vicinal, tais fatores contribui para o avanço deste processo.

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Figura 5. Quarta Linha Nascente, Glória de Dourados – MS.

O processo erosivo localizado próximo ao perímetro urbano, teve seu auge


em 1970, onde mobilizou homens do exercito brasileiro na tentativa de sua
contenção (Figura 6). Está voçoroca já foi estabilizada em 2004, sendo
popularmente mais conhecida como “O buracão de Glória”, está é apenas uma
cicatriz do que foi a sua representação no passado.

Figura 6 - Homens trabalhando na recuperação de voçoroca na década de 1970


no perímetro urbano de Glória de Dourados – MS.

Fonte: Museu de Glória de Dourados.

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As causas deste processo erosivo estão relacionadas à falta de


planejamento urbano, pois Glória de Dourados se encontra dentro de um vale e na
época não possuía capitação de águas pluviais, ocasionando esta degradação
ambiental. Os solos dos municípios em foco no presente texto possuem em sua
maioria, textura arenosa sendo do tipo predominante Latossolo Vermelho Distrófico
(Lvd), solo esse suscetível a erosão e, devido ao clima com chuvas concentradas de
verão o contado direto das águas pluviais potencializa os processos erosivos.
Considerando a situação de cada município, entendemos que os fenômenos
naturas, tais como a quantidade e distribuição das águas pluviais, a extensão, e o
formato das encostas, a retirada da cobertura vegetal natural provocada pela ação
antrópica potencializam o desenvolvimento desses processos.
A situação de alguns desses municípios é bastante crítica, com destaque para
Ivinhema onde se observa que os processos erosivos são irreversíveis.No entanto,
existem algumas áreas que a recuperação é possível, mas, necessita de estudo e
planejamento eficaz para estabilizá-las, pois apresentam evolução ao logo dos anos.
Porém a recuperação dessas áreas gera um custo econômico muito alto aos
municípios em estudo e o poder público pouco tem feito para melhorar a situação.

Considerações finais
Com base em pesquisa bibliográfica, pode-se inferir que os processos
erosivos nos municípios estudados foram intensificados a partir de sua colonização.
Tais práticas deixaram consequências irreversíveis até os dias atuais, com o
assoreamento de córregos, rios e nascentes. Com verificação em campo realizada
na área de estudo constata-se que os processos erosivos têm provocado grande
impacto ambiental, com prejuízo acentuado principalmente para o solo e os cursos
d´água.
Nos municípios em questão percebe-se que o poder público e a sociedade
em geral têm responsabilidade pelos processos erosivos em curso, sendo que a
ocupação desordenada da terra ocorreu sem o devido cuidado de ambas as partes,
tais como a abertura de loteamentos sem planejamento adequado e os
desmatamentos excessivo em áreas rurais que ocorreram no passado e continuam
a ocorrer.
Assim, consideramos que a sociedade deve estar atenta a degradação
ambiental, pois se observa mudanças consideráveis em um curto espaço de tempo,

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principalmente nos leitos de córregos e rios, onde em alguns casos afeta de forma
significativa a vida aquática. Políticas de conscientização da população sobre a
importância e a preservação do meio ambiente, seria a forma mais eficaz para a
recuperação e a prevenção de áreas propicias a processos erosivos.

Referências

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