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Percursos para estudos sobre música pop

Thiago Soares

Procura-se O pop deseperadamente


N ã o é de hoje que se usa com frequência o termo "pop" para classificar pro-
dutos, fenómenos, artistas, lógicas e processos midiáticos. De maneira mais ampla,
a ideia de Cultura Pop sempre esteve atrelada a formas de p r o d u ç ã o e consumo de
produtos orientados por uma lógica de mercado, expondo as entranhas das indús-
trias da cultura e legando disposições miméticas, estilos de vida, compondo u m
quadro transnacional de imagens, sons e sujeitos atravessados por u m "semblante
pop". ( G O O D W I N , 1992) O termo pop tornou-se elástico, amplo, devedor de u m
detimento em torno de suas particularidades e usos por parte de pesquisadores das
Ciências Humanas. É na direção de u m enfrentamento conceituai e na tentativa
de demarcar balizas de diálogos com matrizes teóricas j á consagradas no campo da
C o m u n i c a ç ã o que este texto se delineia.
Reconhecemos que o termo "pop" j á é, em si, bastante problemático.
Primeiro, em função de seu caráter transnacional. Oriundo de língua inglesa como
abreviação do "popular", a d e n o m i n a ç ã o "pop" assume uma característica bas-
tante específica em sua língua de origem. C o m o abreviação de "popular" ("pop"),
a palavra circunscreve de maneira u m tanto quanto clara, as expressões aos quais,
de alguma forma, nomeia: são produtos populares, no sentido de orientados para o
que podemos chamar vagamente de massa, "grande público", e que são produzidos
dentro de premissas das indústrias da cultura {telcNasão, cinema, música, etc). Seria
o que, no Brasil, costuma-se chamar de "popular midiático" ou "popular massivo".
A título de exemplo, estamos falando de telenovelas, filmes produzidos dentro dos
p a d r õ e s de estúdio, artistas musicais ligados a um ideário de indústria da música,
entre outros.
Esta d e n o m i n a ç ã o t ã o específica do termo na língua inglesa t a m b é m se
avilta em função da abreviação do "popular" em "pop" fazer referência ao movi-
mento artístíco da "pop art", aquele surgido no final da d é c a d a de 1950 no Reino
Unido e nos Estados Unidos, que propunha a admissão da crise da arte que as-
solava o século X X e a d e m o n s t r a ç ã o destes impasses nas artes com obras que

If
refletissem a massificação da cultura popular capitalista.' Estávamos diante de u m destas experiências peiformáticas enunciadas em espaços codificados (como shows,
momento histórico em que a discussão implantada era a da existência de uma es- eventos ou rituais midiátícos), seus sentidos e linguagens gerando experiências.
tética das massas, tentando achar a definição do que seria a cultura pop, mas, neste Toma-se aqui a n o ç ã o de performance na música como a corporificação de sono-
momento, aproximando-a do que se costuma chamar de kitsch. Temos, e n t ã o , no ridades em espaços pré-definidos, espetáculos musicais nnidiatizados e em canções
contexto da língua inglesa, o "pop" como o "popular midiático" em c o n s o n â n c i a ou álbuns fonográficos ( A U S L A N D E R , 2012; F R I T H , 1996), reconhecendo que
com os ecos das premissas conceituais da "pop art". Estas aproximações norteiam a performance é a disposição material a ser investigada como princípio orientador
o uso do "pop" e t a m b é m fazem pensar que a principal característica de todas as das lógicas de géneros musicais e da indústria da música. O interesse sobre a per-
expressões é, deliberadamente, se voltar para a n o ç ã o de retorno financeiro e impo- formance encaminha os estudos para o debate em torno da d i m e n s ã o estética das
sições capitalistas em seus modos de p r o d u ç ã o e consumo. experiências performáticas, suas formas de p r o d u ç ã o e reconhecimento a partir de
Estas acepções se diferenciam quando chegamos ao contexto da língua por- premissas de ordens individuais ou coletívas.
tuguesa, em que t a m b é m se usa a expressão "pop", aqui t a m b é m se referindo à Indica-se o estudo, também, das territorialidades sônico-musicais
mesma ideia de "popular m i d i á t i c o " original, no entanto, ao nos referirmos ao ( H E R S C H M A N N , F E R N A N D E S , 2012); dos ambientes de circulação, fruição e
conceito de "popular", temos uma a m p l i a ç ã o do espectro de a t u a ç ã o das noções consumo de artistas da música pop; das cidades que emolduram cenários e cenas
semânticas: o "popular", na língua portuguesa, pode se referir tanto ao "popular musicais (STRAW, 2003 apud J A N O T T I ; SÁ, 2013) e das experiências de pas-
midiático" ao que nos referirmos anteriormente, mas t a m b é m - e de maneira mais sagens e espaços que orientam nomadismos na cultura das festas e dos eventos,
clara e detida - ao "popular" como aquele ligado à "cultura popular" (ou folclóri- desenhando-se uma geografia de desejos (PARKER, 2002; T H O R N T O N , 1995) e
ca) e que na língua inglesa n ã o se chama de "popular", mas sim de folk. E n t ã o , ao dexdres embalados por acordes musicais. Tem-se aqui a territorialidade e o cotidia-
mencionarmos a ideia de "cultura popular", em língua portuguesa, estamos nos no ( D E N O R A , 2000) como molduras teóricas capazes de pensar geopolíticas das
referindo a duas expressões: a da cultura folclórica, mas t a m b é m , aquela que cha- sonoridades e das indústrias da música; culturas que se encenam em corpos mu-
mamos de "cultura p o p " ou a "cultura popular m i d i á t í c a / m a s s i v a " . sicais e ambientes banhados por músicas; sexualidades e performances de géneros
Diante de u m quadro em que grande parte do que se entende sobre Cultura ( B U T L E R , 1993) em trânsito entre canções, espaços e afetos; estados emocionais
Pop se d á a partir de u m debate sobre a música pop, este texto p r o p õ e t r a ç a r per- que motivam deslocamentos numa cultura musical em contextos culturais. Pensa-se
cursos possíveis de investigação sobre a música pop a partir das problemáticas de territorialidade numa interface com géneros musicais ( N E G U S , 1992, 1996, 1999),
valor, performance e territorialidades. Destes três eixos conceituais, debate-se de sobretudo reconhecendo e n d e r e ç a m e n t o s genéricos como capazes de gerar estéti-
forma mais ampla, portanto, a Cultura Pop, e epicentros da problemática termino- cas que habitam lugares políticos nas metrópoles. A música pop é uma artículadora
lógica sobre o pop. Delineia-se como problema de investigação, como se constro- de tessituras urbanas reais e ficcionais, a partir de vozes e corpos que se materiali-
em valores p O U G H E R , 2004; F R I T H , 1996; P O W E R S , 2004; SANJEK, 2005) zam entre redes de sociabilidades.
nos sistemas da música pop, tendo como zonas de investigação performances e
territorialidades.
Neste sentido, cabe pensarmos, de maneira mais detida, sobre pontos de Música pop, cultura pop, entretenimento
partida para estudos sobre a música pop. O u seja, as performances de artistas emble- Compreende-se por música pop, as expressões sonoras e imagéticas que são
máticos da música pop; de fàs destes artistas articulados em comunidades ífandoms) e produzidas dentro de p a d r õ e s das indústrias da música, do audioNasual e da mídia;
tendo como lastro estético a filiação a géneros musicais h e g e m ó n i c o s nos endere-
çamentos destas indústrias (rock, sertanejo, pop, dance music, entre outros); a partir
1 A defesa do popular traduz uma atitude artística ad\'crsa ao hermetismo da arte moderna. Nesse sentido, a
*'pop art" operava com signos estéticos dc cores massifícados pc!a publicidade e pelo consumo, usaiido tinta de orientações económicas fortemente marcadas pela lógica do capital, do retorno
acrílica, poliéster, látex, produtos com cores iniensa.s fluorescentes, brilhantes e \ibrantes, reproduzindo ob-
financeiro e do que Frédéric Martel chama de "mainstream" - ou seja "a p r o d u ç ã o
jetos do cotidiano cm tamanho considcra\'clmente grande fazendo referência a uma estética da .sociedade de
consumo. (UPPARD, 1998, p. 16) de bens culturais criados sob a égide do capitalismo tardio e cognitivo que ocupa

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lugar de destaque dentro dos circuitos de consumo midiático". ( M A R T E L , 2012, p e r c e p ç ã o e sensibilidade e nos convoca igualmente à avaliação empírica das su-
p. 11) A discussão em torno da música pop, está ancorada diante de, pelo menos, gestões de pensamento de Walter Benjamin, de que as formas comunicativas criam
duas retrancas (ou subtemas): a) Cultura Pop e b) Estéticas do Entretenimento. novos modos de ver e compreender o mundo. Trata-se de "uma nova sensibilidade,
1. Cultura Pop: O debate se faz oportuno na medida em que desenha-se uma u m novo raciocínio, mais estético, mais visual e sonoro, que implicam uma nova
tentativa que c o m p r e e n s ã o das particularidades sonoras e imagéticas em produtos forma de p e r c e p ç ã o do mundo, característica da era audiovisual". ( G O M E S , 2008,
e performances que encenam modos de viver, habitar, afetar e estar no mundo. A p. 110)
Cultura Pop estabelece formas de fruição e consumo que permeiam u m certo senso
de comunidade, pertencimento ou compartilhamento de afetos e afinidades que
situam indivíduos dentro de u m sentido transnacional e globalizante. (BENNET,
Para além da estética da mercadoria
2000; REGEV, 2013; S H U K E R , 1994) Importante definir que, nas abordagens dos U m lugar de debate de perspectivas teóricas que alicercem u m olhar par-
Estudos Culturais, considera-se os fruidores/consumidores da Cultura Pop n ã o só ticularizado sobre música pop (em sentido mais restrito) e à culmra pop e do en-
como agentes produtores de cultura, mas t a m b é m como intérpretes desta. Os sujei- tretenimento (de forma mais ampla) parece ser a base de pensamento da Escola dc
tos dentro do contexto da Cultura Pop interpretam, negociam, se apropriam de ar- Frankfurt. Neste sentido, reivindica-se aqui uma tradição de estudos sobre a relação
tefatos e textos culturais ressignificando suas experiênciíis. Descortina-se a questão tensa entre cultura e capital, no entanto, apontando rotas de fuga para olhares ex-
de que produtos/performances/artistas da Cultura Pop ajudam a articular normas cessivamente apocalípticos sobre tais produtos. Cabe pensarmos em problematizar
de diferenciação dentro dos contextos c o n t e m p o r â n e o s , a partir de aportes como as inclinações analíticas que insistem em cristalizar a ideia de que estamos diante
raça, género, faixa etária, classe social, entre outros, e acabam sendo forjados em de fenómenos de baixa qualidade estética, dotados de fórmulas, excessivamente
função das premissas do capitaUsmo. ( K L O S T E R M A N , 2004; W E I S B A R D , 2004) clichés. A q u i , retiramos de cena, na a p r o p r i a ç ã o conceituai, uma tradição da críti-
2. Estéticas do Entretenimento: A Cultura Pop pode se conectar às ideias ca da estética da mercadoria ( H A U G , 1997), que aponta a tal estética "do capital"
de lazer, diversão, frivolidade, superficialidade e a proposta é tensionar o j á proble- como u m modo "nocivo" de experienciar os objetos que estariam excessivamente
m á t i c o termo: a premissa de reconhecimento do contexto do entretenimento e dos codificados pelas relações mercantis e capitalistas.
agenciamentos das indústria da cultura em análises de produtos, performances e H á o reconhecimento, portanto, de u m lugar da experiência e das práticas
encenações midiáticas. U m a das orientações metodológicas que trazemos à tona é dos indivíduos que são permeadas por produtos, gerados dentro de p a d r õ e s norma-
a de que como qualquer expressão midiática, os produtos de entretenimento devem tivos das indústrias da cultura, que se traduzem em modos de operações estéticas,
ser analisados a partir das proposições/funções prescritas em seus programas de profundamente enraizados nas lógicas do capitalismo, mas que encenam u m certo
p r o d u ç ã o de sentido. lugar de estar no mundo que tenta conviver e acomodar as premissas e imposições
mercantis nestes produtos com uma necessidade de reconhecimento da legitimida-
Mas isso, não deve obliterar o fato de que cntreter-se também significa de de experiências que existem à revelia das consignações do chamado capitalismo
algo mais, não se pode confundir a presença massiva, e por que não,
tardio.
muitas vezes maçante, da música no cotidiano com a capacidade que
• certas peças musicais do mundo pop têm de possibilitar fruições esté- Lança-se luz ao fato de que, embora seja claro e evidente que os produtos
tica.s. OANOTTI J Ú N I O R , 2009, p. 5) e as formas culmrais em circulação na música e da cultura pop estejam profun-
damente enraizados pela configuração mercantil, pelas imposições do capital (de
O que parece estar em jogo é o que Itania Gomes (2008) aponta com o fato modo de p r o d u ç ã o , formas de distribuição e consumo), n ã o se invalidam abor-
de que o prazer, a corporalidade, a fantasia, o afeto e o desejo cooperam para o dagens sobre a pesquisa neste segmento da cultura que reconhece noções como
entendimento de que a relação entre a m í d a e seus fruidores n ã o se restringe a u m inovação, criatividade, reapropriação, entre outras, dentro do espectro destes pro-
problema de i n t e r p r e t a ç ã o de uma mensagem, mas remete t a m b é m a questões de dutos midiátícos. Menciona-se a ideia de que estamos n u m estágio do capitalismo
em que n ã o podemos trabalhar análises binárias sobre as relações entre capital e

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cultura. Os produtos culturais, hoje, t ê m em sua génese, a ingerência de u m sentido qualquer a m b i ç ã o significativa, com exceção de lucros e recompensa comercial.
dc capital, aquele atrelado ao marketing e às formas de posicionamento de marcas E m termos musicais, é essencialmente conservadora". ( M I D D L E T O N , 1991, p. 67)
dentro de uma cultura. Interessa-nos aqui pontuar este momento de ruptura do pop com o rock diante de
A relação entre marcas e produtos culturais precisa ser pensada n ã o somen- formas de rotulações que apelam para diferenças estratégicas, uma vez que, ainda
te a partir de retrancas estanques (como o produto é "distorcido" pela ingerência hoje, u m dos cernes do debate em torno da Cultura Pop reside numa certa lógica
dc marketing na sua génese, por exemplo), mas diante de u m quadro em que se binária em relação ao rock.
leve em consideração que as ações de organizações, de marcas, de posicionamentos Por sua tradição de rebeldia, luta contra o establishment, histórico de vincu-
de empresas, se aproximam das expressões da cultura de forma a gerar produtos/ lação a uma lógica underground, a p r e c i a ç ã o estética que evoca noções de autoria,
processos que n ã o são, necessariamente, tolhidos de qualquer verve de criatividade estilo, e t c , o rock acabou ocupando u m lugar de destaque dentro das abordagens
e inovação. A questão n ã o é obliterar as experiências em que, de fato, a ingerência sobre Cultura Pop dentro dos Estudos Culturais. Sublinha-se que o campo de i n -
de disposições mercantis agem de forma a reestruturar propostas estéticas. Mas, re- vestigação aqui apontado dialoga com a tradição culturológica, ampara-se numa
conhecer brechas na lógica de p r o d u ç ã o das indústrias da cultura e na cibercultura revisão das premissas da Teoria Crítica, mas traz, em si uma lógica de atritos e
que p e r m i t a m o questionamento de ordem estética e cultural destes produtos. (des)encaixes. O trabalho proposto é a n á l o g o a u m cartógrafo de tensões dentro do
que chamamos de Cultura Pop, este invólucro de fenómenos midiáticos, nomeados
como u m " à parte" dentro da cultura da m í d i a quase sempre de valor duvidoso,
Música pop como género musical questionável ou deliberadamente generalista.
De acordo com Roy Shuker (1994, 1999), o termo "música p o p " passa a ser Dentro da Cultura Pop, o rock sempre ocupou u m lugar hegemónico. A o
utilizado nos anos 1950, tentando circunscrever as expressões originárias do rock and pop, coube a carga de contra-hegemonia, de sempre querer ser, almejar u m lugar
roil e, naturalmente, seu apelo para as massas e a caracterização inicial de fazer u m de legitimação, de destacamento, de tentar se aproximar das lógicas do rock como
tipo de música que se propusesse "universal", para todos os públicos (muito embora uma possibilidade de angariar reconhecimento e legitimidade. A música pop den-
saibamos que, por uma p r ó p r i a lógica de mercado, a descoberta do público ado- tro da Cultura Pop é o lugar dos artistas "fabricados", da emergência da figura do
lescente como consumidor de música tenha delineado aportes de e n d e r e ç a m e n t o produtor, das poéticas que se ancoram em questões j á excessivamente tratadas, de
bastante significativos). retomar uma parcela de vivências biográficas sobre fenómenos midiáticos e de, de-
Partindo para concepções estritamente musicais, a "música p o p " como u m liberadamente, entender que estamos diante de performances, camadas de sentido
género, opera sob a égide do ecletismo, mas aponta para lugares comuns na sua que envolvem produtos. O jogo proposto pelos produtos pop é o de perceber que
formatação: as canções de curta e m é d i a d u r a ç ã o , de estrutura versos-pontes, bem h á a engrenagem d i n â m i c a de u m sistema produtivo em ação; que o produto, em
ccmo do emprego comum de refrãos e estruturas melódicas em consonância com si, é parte integrante deste processo; que a e n u n c i a ç ã o se d á a partir da suspensão
um certo senso sonoro pré-estabelecido. Mais uma vez, detectamos zonas de inter- de certos p a d r õ e s normatizados de valores e que a fruição é parte integrante do
seção dos termos: o uso c o n t e m p o r â n e o da "pop art" e da Cultura Pop, cunhou que chamamos de estilo de vida. ( F E A T H E R S T O N E , 1995) Debater música pop
uma certa ideia de uma música que reverbera u m sentido disseminado pela cultura significa, portanto, discutir o valor, como se constitui, como se formam cânones.
norte-americana, forjada da indústria e ancorada t a m b é m pela televisão e o cinema
de Hollywood.
O alargamento do termo " m ú s i c a pop", a partir da d é c a d a de 1960, foi O valor na música pop
passando a operar em atrito com a d i n â m i c a do rock. Segundo Richard Middleton, É possível reconhecer que nas m á x i m a s em torno dos objetos da música pop
ccnsiderando que o rock aspirava a autenticidade e uma expansão das possibilida- que trazem, em seu bojo, a discussão sobre valor, o questionamento sobre as noções
des da música popular, seria preciso diferenciá-lo do pop - mais comercial, efémero de alta e baixa cultura e o embaralhamento das formas culturais. O debate que
e acessível. Como atesta Middleton, a música pop " n ã o seria impulsionada por propomos encenar sobre valor diz respeito a lógicas de legitimação e encenações

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que apontam lugares de fala pouco investigados na discussão sobre música. Atesta a tradição do c â n o n e na literatura ( C O M P A G N O N , 2009), por exemplo, remonta-
Simon Frith (1996, p. 6, t r a d u ç ã o nossa): mos ao estabelecimento do c â n o n e enquanto instituição, "escolarização" do gosto
e das escolhas. O conceito de c â n o n e adquiriu visibilidade na critica literária orga-
H á um real desdém valorativo quando dois músicos reagem de manei- nizada como disciplina e emergiu como c o n d i ç ã o de problema central, n ã o só do
ra oposta à mesma fonte.'Como você pode amar/odiar Van Morrison, campo de conhecimentos, como t a m b é m da estrutura institucional que o suporta.
Lou Reed, Springsteen, Ste\ie Wonder, Kraftwerk?' Estes artistas são/
Debater o c â n o n e na música pop remonta a noções de disputas: valoriza-
não são 'ótíma música pop'. Como você pode dizer o contrário? Eu
tenho sofrido (e infringido) a pior altivez estética, quando eu e meu ç ã o / desvalorização de correntes estéticas, capitais culturais das sociedades p ó s -
oponente'embatemo.s'em nossas posições fundamentalistas.^ -modernas, reivindicações de representatixadades por parte de estratos específicos
de fruidores, repercussão critica, de fãs e de haters (aqueles que odeiam) ( A M A R A L ;
O que Simon Frith parece colocar em debate é a constituição dos gostos e M O N T E I R O , 2013), entre outros aspectos. Esta linha de raciocínio nos encaminha
como emergem as posições sobre "bons músicos", "boa música" ou da constituição para o debate em torno do que Douglas Kellner (2001) chama de valores políticos
de discursos dissonantes diante de u m quadro relativamente estático de uma deter- da "cultura da m í d i a " evidenciando interesses e jogos de posicionamento e poder
minada área. Esta d i m e n s ã o estética a que o autor se refere talvez esteja sugerida que fazem com que produtos midiáticos habitem a ordem midiática. Assegura-se o
nas "posições fundamentalistas" a que Frith aponta, de maneira irónica, ao final debate sobre como os discursos que unem objetos, disposições midiáticas e contex-
da passagem. Se no exemplo trazido por Simon Frith, substituíssemos Eutistas ligei- tos se engendram.
ramente hegemónicos na música como Van Morrison e L o u Reed por Madonna, Chamo a t e n ç ã o para uma espécie de invólucro simbólico de modelização
Britney Spears, Pet Shop Boys ou Donna Summer? Como se constitui uma proble- do cotidiano a partir dos produtos da Cultura Pop. É de nosso interesse debater a
m á t i c a de valor acerca destes artistas, especificamente no que chamamos aqui de construção da n o ç ã o de que u m produto midiático segue relevante dentro de u m
" M ú s i c a Pop"? De maneira bastante pessoal, Frith (1996, p. 6, t r a d u ç ã o nossa) se determinado contexto em função da p e r m a n ê n c i a de seus usos e construtos de atri-
coloca como fã de música pop e atesta: buição de sentido. E m outras palavras, é no terreno da cultura, do consenso e das
lógicas de a p r o p r i a ç ã o que reconhecemos a longevidade de u m objeto da cultura
Como fãs do pop, nós continuamente mudamos nosso pensamento so- midiática.
bre o que é bom ou o que é i-uim, relevante ou irrelevante, 'incrível' ou
'trivial'(nosso julgamento em parte determinado pelo que acontece ao
som no mercado musical, o quanto de sucesso ele se torna, o quanto
Performance e potência dos clichés
envolve outros ouvintes.'
Neste quadro de imagens dinâmicas atestamos a p o t ê n c i a dos clichés. O u

Constituições mercadológicas, disposições institucionais, hegemonia do o lugar de potência de corpos utópicos, ideais, edificados pelas imagens midiáti-

gosto e disputas em torno do que é b o m / m a u sob a observação de fãs é uma das d i - cas, cenas de filmes, shows, atos performáticos ao vivo. Queremos aqui nos afastar

re trizes investigativas. O pop que nos referimos é t a m b é m uma negociação de gos- das perspectivas que enxergam estes processos como "fugas do real", deliberadas

to, afetos, compartilhamento de fenómenos. Por isso, o interesse, t a m b é m , na cons- "válvulas de escape" ou qualquer premissa que se utilize de uma lógica b i n á r i a de

tituição de u m debate sobre constituição de cânones na música pop. Se retomamos tratamento entre realidade e ficção. A nossa perspectiva trata o cotidiano como
uma invenção e, portanto, passível de agenciamentos ficcionais, e de u m certo grau
2 Thcrc i.s a real e\-aluativc dlsclain whcn two mu.sicians rcact opposingly To thc same .source. "How can you orgânico existente nos enlaces das teorias dos jogos e da fantasia.
lovc/liatc Van Morrison, Lou Reed, Springsteen, Sic\ie Wonder, Krafrwcrk? These artists are/are not "grcat
popular music". How can you say other«ise? I havc suITcrcd (and inflictcd) thc worst acsihetic hauteur, as my
Aproximamos Michel De Certeau (2014) e Gregory Bateson (2006), para
oponente and 1 push cach oiher to our fundamentalist positions pensar como a ideia de "seriedade" e "brincadeira" precisam ser vistas n ã o como
3 As pop fans \vc we continually changc our minds about what is good or bad, relc\-ant or irrelcvani, "awe-
instâncias binárias afastadas e estanques, mas sim como estados performáticos que
some" or "trinai" (our judgcraent in part determined by what liappcns to a sound in the markctplace, how
successfull it becomes, what other listcncrs it im-olvcs) ensejam uma organicidade e uma m e t a c o m u n i c a ç ã o - ou a consciência de que no

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ato de performatizar está contida a p r ó p r i a d i n â m i c a da natureza performática, Esta, digamos, vivência pop, no entanto, é ainda mais interessante do p o n -
como u m pacto que leva em consideração jogo e fantasia. Estamos, aqui, tratando to de wsta teórico e conceituai se pensada nas tensões e atritos com os contextos
da n o ç ã o de performance. de origem dos sujeitos. E m outras palavras, é preciso pensar e investigar onde se
As performances ao vivo, os videoclipes, os shows musicais, as performances encontram os vestígios, os traços, os indícios das relações existentes entre a cultura
íntimas dos fãs nos quartos, nos vídeos de celulares que dispõem na internet seriam local e u m desejo, uma ânsia pop e cosmopolita e de que forma estas tensões origi-
um ponto de partida para o que podemos chamar de estilo de vida vanculado a uma nam materialidades interpretativas.
lógica pop. Como forma de posicionamento de u m artista no mercado da música, o O imaginário das cidades pop (mencionei Nova York, mas t a m b é m pode-
x^deoclipe se impõe como uma extensão de u m tempo de lazer do indivíduo e mode- mos pensar em Londres, Paris, Los Angeles, Rio de Janeiro, entre outras) parece
la, com isso, apontamentos e pontos de vista dentro de uma vivência na cultura pop. nos convocar para uma certa territorialidade comum, uma espécie de lugar que
Performances ao vivo, clipes e shows fornecem material simbólico para que gostaríamos de estar em tensão com o local em que, verdadeiramente, estamos, que
indi\áduos forjem identidades e modelem comportamentos sociais extensivos aos vemos em filmes, seriados, programas de T V , etc. Desta geografia real e difundida
propostos pelas instâncias da indústria musical. Os clipes seriam, desde a sua gé- midiaticamente t a m b é m nasce o anseio por lugares que, de fato, n ã o existem, mas
nese, nos anos 80, u m dos instrumentais de ensinamento de uma vivência pop, são simulacros deste desejo de pertencimento.
revelando uma maneira particular de encarar a vida a partir da relação deliberada De alguma forma, estou me referindo ao que Mare Auge (1994) chamou de
entre a vida real e os produtos midiáticos. Videoclipes, com suas narrativas e ima- não-lugares (aeroportos, parques de diversão, parques temáticos, etc), ambientes
gens disseminadas, fornecem símbolos, mitos e recursos que ajudam a construir criados para n ã o trazerem traços, digamos, locais, para traduzirem o senso de que
uma cultura comum para a maioria dos indivíduos em muitas regiões do mundo, estamos neste espaço transnacional, c o n t í n u o em que podemos codificar e decodifi-
de forma transnacional e globalizante. car sem atritos de cognição em função de uma certa "marca local". É do encontro
•' • As performances da música pop acionam u m senso de pertencimento trans- entre esta n o ç ã o de pertencimento global e cosmopolita, com as marcas específicas
nacional que se alinha à p r ó p r i a perspectiva que as indústrias da cultura operam: a locais e ainda diante das p r ó p r i a s filigranas dos indivíduos que emergem esta sen-
de que h á uma espécie de grande comunidade global que, a despeito dos aspectos sibilidade pop a que me refiro; sensibilidade esta que parece conectar indivíduos
locais e da valorização de questões regionais, aponta para normas distintivas e de do mundo inteiro seja sob a retranca daqueles que se fantasiam de personagens de
valores que estão articuladas a ideias ligadas ao cosmopolitismo, à u r b a n i z a ç ã o , à histórias em quadrinho ou de cinema, os cosplajs; ou mesmo em função da cultura
cultura noturna. ,<., dos fãs, da ideia de uma comunidade específica que pode ignorar territorialidades,
marcas das línguas diferentes, mas existe diante de uma marca simbólica ancorada
no midiátíco.
Sobre territorialidades pop
C a n ç õ e s são t a m b é m espaços imaginados, cenários em que se desenvolvem
Descortina-se o fascínio que a m ú s i c a pop nos lega diante de espaços, c i - narrativas. As sonoridades das canções inscrevem ambientes que são, muitas vezes,
dades e contextos que parecem, de alguma forma, traduzir o senso cosmopolita: traduzidos em videoclipes, performances ao vivo. Artistas da música pop evocam
percebamos o quanto a cidade de Nova York aciona um imaginário permeado pela territorialidades: o Brasil de Carmen M i r a n d a , a Liverpool dos Beades, a Nova
Cultura Pop. Seja em espaços excessivamente fotografados e documentados como Yoric de Beyoncé, o Sertão de Luiz Gonzaga, entre outros. Imagens atravessadas
a Times Square, num certo senso de estar no "centro do mundo" ao transitar pela por clichés, elementos de linguagem que potencializam adesões, formas de perten-
Broadway, com todas as peças musicais em cartaz ou mesmo de estar em locais que cimento e atravessamento que atam experiências no sentir musical.
j á tbram excessivamente filmados e exibidos nos cinemas ou na televisão, circular Pensar as territorialidades do pop significa reconhecer zonas de fricção en-
por aqueles espaços parece nos legar a premissa de que, de alguma forma, somos tre espaços reais e imaginários. Entre aquilo que se vive e como é imaginado pelos
"cidadãos do mundo", pertencemos, vivemos de forma comum atrelados a outros artistas. A territorialidade da música pop parece t a m b é m acionar lugares distintivos
sujeitos t a m b é m situados em outras partes do mundo. em que o noções como exotismo e diferença funcionam como eficientes chaves de

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fruição. N ã o à toa, é possível pensar o fascínio que a indústria fonográfica tem por Referências
alguns países: a Suécia dos grupos Abba, Ace of Base e t a m b é m do heavy metal; o AMARAL, A.; MONTEIRO, C. Esses roquero não curte!: performance de gosto e fãs de
Caribe de artistas como Buena Vista Social Club (Cuba), Rihanna (Barbados) e música no unidos contra o rock do Facebook. Revista da Famecos, Porto Alegre, v. 20, n. 2,
Nicki Minaj (Trinidad e Tobago). Desenha-se uma geopolítica da música incorpora- p. 446-471, maio/ago. 2013. Disponível em: <http://revista.seletronicas.pucrs.br/ojs/
index.php/rexistafamecos/ article/viewArticle/15130>. Acesso em: 13 out. 2014.
da pela indústria da música como u m valor na maneira de conduzir afetos musicais.
AUGE, M . Não-lugares: introdução a uma antropologia da supermodernidade. São Paulo:
Papií-us, 1994.
Considerações finais AUSLANDER, P. Liveness: Performance in a Mediatized Culture. Londres: Routledge,
2012.
A constituição da música pop traz à tona problemáticas em torno da
Cultura Pop: matrizes expressivas, atravessamentos estéticos, lógicas de p r o d u ç ã o e BATESON, G. A Theory of Play and Fantasy In: SALEN, K.; Z I M M E R M A N , E. Tlie
Game Designer Reader. The Rules of Play Anthology Cambridge: M I T Press, 2006. p. 314-
consumo. Aponta-se como oportuno o debate em torno da constituição de valores
128.
na música pop: o questionamento do que se constitui como "baixo valor estético"
BAUDRILLARD, J. Simulações e simulacros. Lisboa: Relógio D'Água, 1991.
(para quem? A p a i t i r de que parâmetro?), a constituição do c â n o n e na música pop
(mecanismos de consagração, distinção, empatia, cristalização), entraves valorativos BENNETT, A. Popular Music and Touth Culture: Music, Identity and Flace. Londres:
Macmillan, 2000.
nas relações possíveis entre o rock e o pop e as lógicas valorativas dos fãs.
Postula-se como percurso de estudos sobre a música pop, o foco em torno BOURDIEU, R A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 1974.

da performance: seja de artistas emblemáticos do pop e suas retóricas, corporalida- BUTLER, J. Bodies ThatMatter. On the Discursive Limits of Sex. Nova York: Roudedge,
des, encenações. Toma-se o palco de u m espetáculo pop como extensão e proble- 1993.
m a t i z a ç ã o da biografia dos artistas musicais. A vida é palco, o palco é vida. Estende- CARLSON, M . Performance: uma introdução crítica. Belo Horizonte: Editora da UFMG,
se, portanto, para o reconhecimento de que o ordinário é pop. "Quando se coloca 2010.

o fone de ouvido e vai-se caminhando pela cidade, a vida vira u m videoclipe", nos CERTEAU, M . de. Arks defazer, a invenção do cotidiano. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994.
diz a escritora Bianca Ramoneda. O cotidiano é inventado, ocupado por devires, CHRJSTGAU, R. U.S. and Them: Are American Pop and Semi-Pop Still Exceptional?
imagens que se constituem como potentes. In: WEISBARD, E. This is Pop. Cambridge: Harvard University Press, 2004.
Aponta-se aqui as territorialidades da música pop como geopolíticas da i n - COMPAGNON, A. O demónio da teoria. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2009.
dústria e dos circiútos de p r o d u ç ã o e consumo; os espaços deslizantes da cultura da CRUZ, D. T. O Pop: literatura, mídia e outras artes. Salvador: Quarteto, 2003.
noite, as geografias do desejo de festas e as i n ú m e r a s apropriações periféricas do
DENORA, T. Music in Eueryday Life. Cambridge: Cambridge University Press, 2000.
pop: o brega, ofunk, o kuduro, o tecnobrega, n u m diálogo cosmopolita com acentos
DOUGHER, S. Authenticity, Gender and Personal Voice. In: WEISBARD, E. This is Pop.
locais. Pensar a música pop significa, antes de tudo, debater: indústrias, mercados
Cambridge: Harvard University Press, 2004. p. 145-154.
e estéticas de produtos da música pop; matrizes históricas da música pop e da cul-
FEATHERSTONE, M . Cultura de consumo e pós-modemismo. São Paulo: Studío Nobel, 1995.
tura do entretenimento; corpo, performance e sexualidade em espaços musicais;
sociabilidade, lazer e entretenimento no tecido urbano; jornalismo cultural, crítica FISKE, J. Understanding Popular Culture. Boston: Unwin Hyman, 1989.
e valor; itinerários midiátícos e circulação de produtos culturais e as implicações da FISKE, J. Television Culture. London: Routledge, 1995.
tecnologia na cultura do entretenimento. Situa-se, portanto, a música pop como FRITH, S. Performing Rites: On the Value of Popular Music. Cambridge: Harvard
foco possível para debater a c o m u n i c a ç ã o e a cultura c o n t e m p o r â n e a s em dinâmi- University Press, 1996.
cas globalizantes. FRITH, S. And I Guess It Docsn't Matter Anymore: European Thoughts on American
Music. In: WEISBARD, E. This is Pop. Cambridge: Harvard University Press, 2004.
GOFFMAN, E. A representação do eu na vida cotidiana. 13.ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2006.

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