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Thiago Soares
If
refletissem a massificação da cultura popular capitalista.' Estávamos diante de u m destas experiências peiformáticas enunciadas em espaços codificados (como shows,
momento histórico em que a discussão implantada era a da existência de uma es- eventos ou rituais midiátícos), seus sentidos e linguagens gerando experiências.
tética das massas, tentando achar a definição do que seria a cultura pop, mas, neste Toma-se aqui a n o ç ã o de performance na música como a corporificação de sono-
momento, aproximando-a do que se costuma chamar de kitsch. Temos, e n t ã o , no ridades em espaços pré-definidos, espetáculos musicais nnidiatizados e em canções
contexto da língua inglesa, o "pop" como o "popular midiático" em c o n s o n â n c i a ou álbuns fonográficos ( A U S L A N D E R , 2012; F R I T H , 1996), reconhecendo que
com os ecos das premissas conceituais da "pop art". Estas aproximações norteiam a performance é a disposição material a ser investigada como princípio orientador
o uso do "pop" e t a m b é m fazem pensar que a principal característica de todas as das lógicas de géneros musicais e da indústria da música. O interesse sobre a per-
expressões é, deliberadamente, se voltar para a n o ç ã o de retorno financeiro e impo- formance encaminha os estudos para o debate em torno da d i m e n s ã o estética das
sições capitalistas em seus modos de p r o d u ç ã o e consumo. experiências performáticas, suas formas de p r o d u ç ã o e reconhecimento a partir de
Estas acepções se diferenciam quando chegamos ao contexto da língua por- premissas de ordens individuais ou coletívas.
tuguesa, em que t a m b é m se usa a expressão "pop", aqui t a m b é m se referindo à Indica-se o estudo, também, das territorialidades sônico-musicais
mesma ideia de "popular m i d i á t i c o " original, no entanto, ao nos referirmos ao ( H E R S C H M A N N , F E R N A N D E S , 2012); dos ambientes de circulação, fruição e
conceito de "popular", temos uma a m p l i a ç ã o do espectro de a t u a ç ã o das noções consumo de artistas da música pop; das cidades que emolduram cenários e cenas
semânticas: o "popular", na língua portuguesa, pode se referir tanto ao "popular musicais (STRAW, 2003 apud J A N O T T I ; SÁ, 2013) e das experiências de pas-
midiático" ao que nos referirmos anteriormente, mas t a m b é m - e de maneira mais sagens e espaços que orientam nomadismos na cultura das festas e dos eventos,
clara e detida - ao "popular" como aquele ligado à "cultura popular" (ou folclóri- desenhando-se uma geografia de desejos (PARKER, 2002; T H O R N T O N , 1995) e
ca) e que na língua inglesa n ã o se chama de "popular", mas sim de folk. E n t ã o , ao dexdres embalados por acordes musicais. Tem-se aqui a territorialidade e o cotidia-
mencionarmos a ideia de "cultura popular", em língua portuguesa, estamos nos no ( D E N O R A , 2000) como molduras teóricas capazes de pensar geopolíticas das
referindo a duas expressões: a da cultura folclórica, mas t a m b é m , aquela que cha- sonoridades e das indústrias da música; culturas que se encenam em corpos mu-
mamos de "cultura p o p " ou a "cultura popular m i d i á t í c a / m a s s i v a " . sicais e ambientes banhados por músicas; sexualidades e performances de géneros
Diante de u m quadro em que grande parte do que se entende sobre Cultura ( B U T L E R , 1993) em trânsito entre canções, espaços e afetos; estados emocionais
Pop se d á a partir de u m debate sobre a música pop, este texto p r o p õ e t r a ç a r per- que motivam deslocamentos numa cultura musical em contextos culturais. Pensa-se
cursos possíveis de investigação sobre a música pop a partir das problemáticas de territorialidade numa interface com géneros musicais ( N E G U S , 1992, 1996, 1999),
valor, performance e territorialidades. Destes três eixos conceituais, debate-se de sobretudo reconhecendo e n d e r e ç a m e n t o s genéricos como capazes de gerar estéti-
forma mais ampla, portanto, a Cultura Pop, e epicentros da problemática termino- cas que habitam lugares políticos nas metrópoles. A música pop é uma artículadora
lógica sobre o pop. Delineia-se como problema de investigação, como se constro- de tessituras urbanas reais e ficcionais, a partir de vozes e corpos que se materiali-
em valores p O U G H E R , 2004; F R I T H , 1996; P O W E R S , 2004; SANJEK, 2005) zam entre redes de sociabilidades.
nos sistemas da música pop, tendo como zonas de investigação performances e
territorialidades.
Neste sentido, cabe pensarmos, de maneira mais detida, sobre pontos de Música pop, cultura pop, entretenimento
partida para estudos sobre a música pop. O u seja, as performances de artistas emble- Compreende-se por música pop, as expressões sonoras e imagéticas que são
máticos da música pop; de fàs destes artistas articulados em comunidades ífandoms) e produzidas dentro de p a d r õ e s das indústrias da música, do audioNasual e da mídia;
tendo como lastro estético a filiação a géneros musicais h e g e m ó n i c o s nos endere-
çamentos destas indústrias (rock, sertanejo, pop, dance music, entre outros); a partir
1 A defesa do popular traduz uma atitude artística ad\'crsa ao hermetismo da arte moderna. Nesse sentido, a
*'pop art" operava com signos estéticos dc cores massifícados pc!a publicidade e pelo consumo, usaiido tinta de orientações económicas fortemente marcadas pela lógica do capital, do retorno
acrílica, poliéster, látex, produtos com cores iniensa.s fluorescentes, brilhantes e \ibrantes, reproduzindo ob-
financeiro e do que Frédéric Martel chama de "mainstream" - ou seja "a p r o d u ç ã o
jetos do cotidiano cm tamanho considcra\'clmente grande fazendo referência a uma estética da .sociedade de
consumo. (UPPARD, 1998, p. 16) de bens culturais criados sob a égide do capitalismo tardio e cognitivo que ocupa
20 j Thiago Soares
Percursos pare estudos sobre música pop { 21
lugar de destaque dentro dos circuitos de consumo midiático". ( M A R T E L , 2012, p e r c e p ç ã o e sensibilidade e nos convoca igualmente à avaliação empírica das su-
p. 11) A discussão em torno da música pop, está ancorada diante de, pelo menos, gestões de pensamento de Walter Benjamin, de que as formas comunicativas criam
duas retrancas (ou subtemas): a) Cultura Pop e b) Estéticas do Entretenimento. novos modos de ver e compreender o mundo. Trata-se de "uma nova sensibilidade,
1. Cultura Pop: O debate se faz oportuno na medida em que desenha-se uma u m novo raciocínio, mais estético, mais visual e sonoro, que implicam uma nova
tentativa que c o m p r e e n s ã o das particularidades sonoras e imagéticas em produtos forma de p e r c e p ç ã o do mundo, característica da era audiovisual". ( G O M E S , 2008,
e performances que encenam modos de viver, habitar, afetar e estar no mundo. A p. 110)
Cultura Pop estabelece formas de fruição e consumo que permeiam u m certo senso
de comunidade, pertencimento ou compartilhamento de afetos e afinidades que
situam indivíduos dentro de u m sentido transnacional e globalizante. (BENNET,
Para além da estética da mercadoria
2000; REGEV, 2013; S H U K E R , 1994) Importante definir que, nas abordagens dos U m lugar de debate de perspectivas teóricas que alicercem u m olhar par-
Estudos Culturais, considera-se os fruidores/consumidores da Cultura Pop n ã o só ticularizado sobre música pop (em sentido mais restrito) e à culmra pop e do en-
como agentes produtores de cultura, mas t a m b é m como intérpretes desta. Os sujei- tretenimento (de forma mais ampla) parece ser a base de pensamento da Escola dc
tos dentro do contexto da Cultura Pop interpretam, negociam, se apropriam de ar- Frankfurt. Neste sentido, reivindica-se aqui uma tradição de estudos sobre a relação
tefatos e textos culturais ressignificando suas experiênciíis. Descortina-se a questão tensa entre cultura e capital, no entanto, apontando rotas de fuga para olhares ex-
de que produtos/performances/artistas da Cultura Pop ajudam a articular normas cessivamente apocalípticos sobre tais produtos. Cabe pensarmos em problematizar
de diferenciação dentro dos contextos c o n t e m p o r â n e o s , a partir de aportes como as inclinações analíticas que insistem em cristalizar a ideia de que estamos diante
raça, género, faixa etária, classe social, entre outros, e acabam sendo forjados em de fenómenos de baixa qualidade estética, dotados de fórmulas, excessivamente
função das premissas do capitaUsmo. ( K L O S T E R M A N , 2004; W E I S B A R D , 2004) clichés. A q u i , retiramos de cena, na a p r o p r i a ç ã o conceituai, uma tradição da críti-
2. Estéticas do Entretenimento: A Cultura Pop pode se conectar às ideias ca da estética da mercadoria ( H A U G , 1997), que aponta a tal estética "do capital"
de lazer, diversão, frivolidade, superficialidade e a proposta é tensionar o j á proble- como u m modo "nocivo" de experienciar os objetos que estariam excessivamente
m á t i c o termo: a premissa de reconhecimento do contexto do entretenimento e dos codificados pelas relações mercantis e capitalistas.
agenciamentos das indústria da cultura em análises de produtos, performances e H á o reconhecimento, portanto, de u m lugar da experiência e das práticas
encenações midiáticas. U m a das orientações metodológicas que trazemos à tona é dos indivíduos que são permeadas por produtos, gerados dentro de p a d r õ e s norma-
a de que como qualquer expressão midiática, os produtos de entretenimento devem tivos das indústrias da cultura, que se traduzem em modos de operações estéticas,
ser analisados a partir das proposições/funções prescritas em seus programas de profundamente enraizados nas lógicas do capitalismo, mas que encenam u m certo
p r o d u ç ã o de sentido. lugar de estar no mundo que tenta conviver e acomodar as premissas e imposições
mercantis nestes produtos com uma necessidade de reconhecimento da legitimida-
Mas isso, não deve obliterar o fato de que cntreter-se também significa de de experiências que existem à revelia das consignações do chamado capitalismo
algo mais, não se pode confundir a presença massiva, e por que não,
tardio.
muitas vezes maçante, da música no cotidiano com a capacidade que
• certas peças musicais do mundo pop têm de possibilitar fruições esté- Lança-se luz ao fato de que, embora seja claro e evidente que os produtos
tica.s. OANOTTI J Ú N I O R , 2009, p. 5) e as formas culmrais em circulação na música e da cultura pop estejam profun-
damente enraizados pela configuração mercantil, pelas imposições do capital (de
O que parece estar em jogo é o que Itania Gomes (2008) aponta com o fato modo de p r o d u ç ã o , formas de distribuição e consumo), n ã o se invalidam abor-
de que o prazer, a corporalidade, a fantasia, o afeto e o desejo cooperam para o dagens sobre a pesquisa neste segmento da cultura que reconhece noções como
entendimento de que a relação entre a m í d a e seus fruidores n ã o se restringe a u m inovação, criatividade, reapropriação, entre outras, dentro do espectro destes pro-
problema de i n t e r p r e t a ç ã o de uma mensagem, mas remete t a m b é m a questões de dutos midiátícos. Menciona-se a ideia de que estamos n u m estágio do capitalismo
em que n ã o podemos trabalhar análises binárias sobre as relações entre capital e
Constituições mercadológicas, disposições institucionais, hegemonia do o lugar de potência de corpos utópicos, ideais, edificados pelas imagens midiáti-
gosto e disputas em torno do que é b o m / m a u sob a observação de fãs é uma das d i - cas, cenas de filmes, shows, atos performáticos ao vivo. Queremos aqui nos afastar
re trizes investigativas. O pop que nos referimos é t a m b é m uma negociação de gos- das perspectivas que enxergam estes processos como "fugas do real", deliberadas
to, afetos, compartilhamento de fenómenos. Por isso, o interesse, t a m b é m , na cons- "válvulas de escape" ou qualquer premissa que se utilize de uma lógica b i n á r i a de
tituição de u m debate sobre constituição de cânones na música pop. Se retomamos tratamento entre realidade e ficção. A nossa perspectiva trata o cotidiano como
uma invenção e, portanto, passível de agenciamentos ficcionais, e de u m certo grau
2 Thcrc i.s a real e\-aluativc dlsclain whcn two mu.sicians rcact opposingly To thc same .source. "How can you orgânico existente nos enlaces das teorias dos jogos e da fantasia.
lovc/liatc Van Morrison, Lou Reed, Springsteen, Sic\ie Wonder, Krafrwcrk? These artists are/are not "grcat
popular music". How can you say other«ise? I havc suITcrcd (and inflictcd) thc worst acsihetic hauteur, as my
Aproximamos Michel De Certeau (2014) e Gregory Bateson (2006), para
oponente and 1 push cach oiher to our fundamentalist positions pensar como a ideia de "seriedade" e "brincadeira" precisam ser vistas n ã o como
3 As pop fans \vc we continually changc our minds about what is good or bad, relc\-ant or irrelcvani, "awe-
instâncias binárias afastadas e estanques, mas sim como estados performáticos que
some" or "trinai" (our judgcraent in part determined by what liappcns to a sound in the markctplace, how
successfull it becomes, what other listcncrs it im-olvcs) ensejam uma organicidade e uma m e t a c o m u n i c a ç ã o - ou a consciência de que no
da performance: seja de artistas emblemáticos do pop e suas retóricas, corporalida- BUTLER, J. Bodies ThatMatter. On the Discursive Limits of Sex. Nova York: Roudedge,
des, encenações. Toma-se o palco de u m espetáculo pop como extensão e proble- 1993.
m a t i z a ç ã o da biografia dos artistas musicais. A vida é palco, o palco é vida. Estende- CARLSON, M . Performance: uma introdução crítica. Belo Horizonte: Editora da UFMG,
se, portanto, para o reconhecimento de que o ordinário é pop. "Quando se coloca 2010.
o fone de ouvido e vai-se caminhando pela cidade, a vida vira u m videoclipe", nos CERTEAU, M . de. Arks defazer, a invenção do cotidiano. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994.
diz a escritora Bianca Ramoneda. O cotidiano é inventado, ocupado por devires, CHRJSTGAU, R. U.S. and Them: Are American Pop and Semi-Pop Still Exceptional?
imagens que se constituem como potentes. In: WEISBARD, E. This is Pop. Cambridge: Harvard University Press, 2004.
Aponta-se aqui as territorialidades da música pop como geopolíticas da i n - COMPAGNON, A. O demónio da teoria. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2009.
dústria e dos circiútos de p r o d u ç ã o e consumo; os espaços deslizantes da cultura da CRUZ, D. T. O Pop: literatura, mídia e outras artes. Salvador: Quarteto, 2003.
noite, as geografias do desejo de festas e as i n ú m e r a s apropriações periféricas do
DENORA, T. Music in Eueryday Life. Cambridge: Cambridge University Press, 2000.
pop: o brega, ofunk, o kuduro, o tecnobrega, n u m diálogo cosmopolita com acentos
DOUGHER, S. Authenticity, Gender and Personal Voice. In: WEISBARD, E. This is Pop.
locais. Pensar a música pop significa, antes de tudo, debater: indústrias, mercados
Cambridge: Harvard University Press, 2004. p. 145-154.
e estéticas de produtos da música pop; matrizes históricas da música pop e da cul-
FEATHERSTONE, M . Cultura de consumo e pós-modemismo. São Paulo: Studío Nobel, 1995.
tura do entretenimento; corpo, performance e sexualidade em espaços musicais;
sociabilidade, lazer e entretenimento no tecido urbano; jornalismo cultural, crítica FISKE, J. Understanding Popular Culture. Boston: Unwin Hyman, 1989.
e valor; itinerários midiátícos e circulação de produtos culturais e as implicações da FISKE, J. Television Culture. London: Routledge, 1995.
tecnologia na cultura do entretenimento. Situa-se, portanto, a música pop como FRITH, S. Performing Rites: On the Value of Popular Music. Cambridge: Harvard
foco possível para debater a c o m u n i c a ç ã o e a cultura c o n t e m p o r â n e a s em dinâmi- University Press, 1996.
cas globalizantes. FRITH, S. And I Guess It Docsn't Matter Anymore: European Thoughts on American
Music. In: WEISBARD, E. This is Pop. Cambridge: Harvard University Press, 2004.
GOFFMAN, E. A representação do eu na vida cotidiana. 13.ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2006.