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A brasilidade que faz falta

by Isadora Mendes Dezembro 6, 2018 15 5129

Há alguns dias assisti a um vídeo no qual pacientes de hemodiálise de um hospital na Bahia, junto com
enfermeiros, dançavam animados uma coreografia de forró, diretamente de suas cadeiras com suas veias
conectadas a aparelhos. Foi só abrir o Youtube pra descobrir que o hit “solta a pisadinha” do vídeo virou febre, dando
início a uma série de outros vídeos pelo Brasil inteiro e inclusive de outros hospitais.

Ao terminar de assistir aquele vídeo, naturalmente me comovi. Tenho certeza que compartilhei deste sentimento
com outros que viram o vídeo – não há como não se encantar com a alegria daquelas pessoas dentro de um
ambiente hospitalar nem tão alegre assim. No entanto, o meu sentimento talvez tenha sido um pouco diferente dos
demais. Ao terminar aquele vídeo, na verdade, me dei conta que aquilo resumia exatamente tudo que eu sinto falta
do Brasil.

Pois bem, nada como morar numa cidade polonesa para perceber a falta que as brasilidades fazem no dia a dia.
Moro numa cidade grande, mas com um grupo pequeno de brasileiros. As raríssimas festas brasileiras que
acontecem por aqui são, na maioria, organizada por poloneses, com DJs que acham que música brasileira se resume
a clichês e qualquer outra música latina do momento.

Os contrastes são grandes. São longas e antigas as raízes culturais e históricas que moldaram poloneses e
brasileiros de formas bem diferentes. De um lado, a contenção e o receio, do outro a espontaneidade e a interação
instantânea. Aqui, tenho tudo que é necessário para uma vida tranquila, mas tem coisas únicas do Brasil que me
fazem lembrar o quanto gosto de ter nascido brasileira. Não é necessariamente saudade da comida, ou da música,
ou da língua, porque é só juntar dois brasileiros que satisfazemos essa vontade. Minha saudade é outra, de uma
característica única que nos torna o que somos, do sentimento de brasilidade que ainda é difícil definir, mas que eu
posso identificar pela falta que ele me faz.

Eu sinto saudade das piada de tiozão, tão ruins que só nós brasileiros achamos graça. Sinto falta de falar alto,
abraçar desconhecidos, puxar conversa sobre a vida, de criar laços instantâneos com qualquer um, de ser a versão
mais espontânea de mim. De contar minha vida pro taxista gente boa e ouvir seus relatos de como a vida tá difícil,
mas que o importante é seguir. Saudade de me sentir sempre acolhida em qualquer canto, de fazer amizade até com
o pessoal da fila do banco. De chamar os outros de seu Antônio, dona Maria e tio João. De apelidar os outros com
palavras nada similares ao seu nome – eu chamo carinhosamente meu melhor amigo de Pneu.

Sinto saudade do verdadeiro boteco e do vocabulário extenso para chamar um garçom: amigo, camarada,
campeão – aqui, até em bar chulé a formalidade nos limita para “senhor, uma cerveja por favor’” Saudade daquele
empreendedorismo brasileiro, do sushi de leite condensando ao hambúrguer de metro – aqui isso é quase sempre
limitado ao que o senso de normalidade permite.

A brasilidade que eu sinto falta está naqueles que celebram o aniversário dentro do ônibus com pessoas que
compartilham dele todas as manhãs. Daquele coletor de lixo atleta que entoa uma música feliz enquanto o sol nasce.
De dar tchau e desejar um “tudo de bom”. De fazer amigos de verdade no trabalho e conversar toda segunda sobre
futebol e a última polêmica do Fantástico. De ir em três aniversários por semana e entoar cinco tipos de canções de
parabéns. Sinto saudade até do bolo de metro na praça quando tem aniversário da cidade. Sinto falta dessa união,
daquilo que chamamos de popular, do calor humano que transcede naturalmente, da música por todos os cantos.
Essas, entre mil outras, são brasilidades que me deixam saudosista. Mas, na verdade, há uma outra, que eu não
necessariamente sinto falta, pois acredito que ela me acompanha sempre. Essa é a brasilidade que eu admiro e que
me emociona, aquela que mantém esse povo alegre em meio a tantas adversidades. Um traço de personalidade
inimitável, que se aprende unicamente sendo brasileiro. A perseverança inabalável por trás de um país que não
perservera tanto. Essa brasilidade que cava aqui e ali uma maneira de sorrir, de esquecer por um tempo a própria
tragédia que nos cerca e transformar isso em combustível para continuar vivendo, pois, afinal, o show tem que
continuar. Se existe algo mais incrível do que saber deixar esse show continuar, eu desconheço. Do Titanic
afundando, certamente somos os violinistas.

É daqui de longe, cercada pelos meus privilégios, que pude observar como pessoas com condições muito
inferiores à minha sabem compartilhar com amor o pouco, ou quase nada, daquilo que tem. Me ensinaram a ser uma
eterna embaixadora dessa brasilidade, algo que um dia eu já rejeitei. Aqui do outro lado há tudo – emprego,
segurança, desenvolvimento e viagens, mas há também contenção de sorrisos, conformação exagerada, retenção de
espontaneidade, temor ao desconhecido.

Esse tudo que eu tenho ainda não preenche um certo vazio de relações humanas, da espontaneidade e do
acolhimento que só o Brasil consegue me dar.

Sei que o momento atual exige crítica e não é por estar distante que romanceio a situação. Acometidos pela baixa
autoestima típica do brasileiro, há quem interprete isso como enaltecer o tal povo que só festeja. Reforçar essa
imagem é nos colocar em um lugar tão inferior daquilo que merecemos, deixando que outros se apropriem dessa
imagem destorcida, para que um dia sejamos discriminados aqui fora por ser brasileiro, pelo que nós mesmos um dia
desmerecemos.

Da mesma forma que tenho aprendido grandes valores desses amigos poloneses, estar aqui é a oportunidade de
reforçar que nós, brasileiros, temos muito a ensiná-los. Ainda, acredito que temos algo em comum, pois a mesma fé
que um dia impulsionou poloneses a reconstruir um país em cinzas é a mesma que ainda faz o brasileiro seguir em
frente. Seja por trás de caras fechadas ou de sorrisos, a origem é a mesma, e ela é nossa única arma em tempos
difíceis.

Bom, certamente as diferenças culturais exigem respeito e adaptar-se à vida aqui é, também, saber conter as
brasilidades. No entanto, não há contenção que nos impeça a entoar um coro no meio de um metrô lotado de Berlim
para cantar “Evidências” ou ouvir a playlist “Molejão” e rir incontrolavelmente de memes brasileiros num ônibus
silencioso e de caras indiferentes.

Escrevo esse texto sabendo que daqui a exatamente uma semana estarei aterrissando na minha cidade. A
chegada no aeroporto será à brasileira e promete a presença de toda a família, incluindo meu cachorro. A vodca
polonesa vai na mala e o bom prato de feijão com arroz me espera na mesa. Pra noite, a playlist pagode anos 90 está
preparada e o litrão no boteco da esquina lá de casa me espera.

É minha chance de reencontrar algo que só existe lá, de conviver e resgatar aquilo que tanto me faz falta mas que,
na verdade, nunca se perdeu.

Te vejo logo, Brasil

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