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PSICOLOGIA

categoria foram demoradamente consultados. Este Código


PSICOLOGIA procura responder a um duplo movimento nascido de todo o
trabalho que o precedeu. De um lado, princípios gerais e
básicos fundamentam e ajudam a operacionalizar o desejo,
sendo uma proposta dentro da qual a criatividade de cada um
Código de Ética Profissional do Psicólogo encontra um convite ao próprio dinamismo criador. De outro
lado, apresenta a realidade, sugere normas que explicitam
Exposição de motivos do Código de Ética Profissional do situações profissionais indicando caminhos como soluções de
Psicólogo problemas.
O mundo vive constantes mudanças. A cada dia, torna-se Essas duas vertentes retratam uma muito antiga
mais difícil acompanhá-las, sobretudo devido à rapidez com preocupação do homem, dividido entre o ideal que deveria
que acontecem e à impossibilidade de ter uma idéia da gerar idéias ou comportamentos conseqüentes na realidade e
totalidade de significações que essas mudanças a própria realidade que precisa ser controlada, delimitada,
representam. seguida, para que o ideal não se perca. Assim, no idioma
Abre-se, portanto, um desafio à Psicologia como ciência que grego a palavra éthos está ligada à filosofia moral e êthos à
estuda e interpreta o comportamento humano, sujeito, ele ciência dos costumes.
próprio, à complexidade de contínuas e profundas Éthos, segundo Aristóteles, expressa um modo de ser, uma
transformações. atitude psíquica, aquilo que o homem traz dentro de si na
Se o homem é um ser de relação, sujeito a contínuas relação consigo próprio, com o outro e com o mundo. Indica
mudanças na sua luta por ocupar, a cada momento, o espaço as disposições do ser humano perante a vida. Ser ético é
que lhe compete no mundo e se, ao mesmo tempo, ele é o muito mais do que um problema de costumes, de normas
sujeito e o objeto do estudo da Psicologia, segue que práticas; supõe a boa conduta das ações, a felicidade pela
qualquer sistema ou Código só será real se sujeito, também ação feita e o prêmio ou a beatitude pela alegria da auto
ele, a essa transitoriedade que é própria do homem à procura aprovação diante do bem feito no dizer de Aristóteles.
de seu destino e significação. Nesse sentido, o Código deve refletir princípios gerais,
Dentro dessa dimensão, propor um Código de ética é pressupostos básicos que garantam à ação esses elementos
colocar-se, de um lado, numa reflexão constante do ser de gratificação, quando essa ação corresponda a esse ideal
humano como sujeito de mudanças e, de outro lado, ético, que permeia como energia de vida os apelos para uma
cristalizar com normas propostas de comportamento, ações ação transformadora. É a ética, enquanto Filosofia Moral, que
que por sua natureza são dinâmicas. impede um Código sem criticismo, e também uma visão
cristalizada do comportamento humano. É essa ética
Assim, um Código de ética deve expressar, de um lado, a filosófica que apela para uma reflexão e compreensão das
dinamicidade própria da liberdade, do risco e da criação e, de singularidades; é ela que faz um apelo à criatividade,
outro lado, mostrar um conjunto de ações ou liberdade e espontaneidade. É ela que faz o profissional ver
comportamentos que seja representativo da realidade e da seu cliente como pessoa, como um ser de relação no mundo,
relatividade do dia-a-dia, com os quais o homem se põe como um ser singular à procura de uma compreensão que
diariamente em contato. O Código, portanto, nasce de uma lhe é pertinente. É essa visão de totalidade existencial-
dupla fonte: da realidade e do desejo. Da realidade, enquanto filosófica que faz com que o profissional abra as janelas de
calcado no que existe, no que está aí, na prática das sua mente para ver o mundo como uma realidade social,
pessoas, no agir permanente dos que fazem psicologia. Do política, comunitária e perca a mesquinhez de só ver o
desejo, enquanto a Psicologia é uma preocupação com o indivíduo no seu imediatismo. É essa visão que o faz
amanhã do indivíduo, grupos e sociedade, na procura do transcender do indivíduo para o grupo, do momento para a
bem-estar e da saúde, como respostas do organismo às história, de soluções precárias para procuras mais globais.
exigências da vida como um todo.
O Código de Ética tem de ser fiel a esta visão, pois ela é a
O Código é a expressão da identidade profissional daqueles dimensão da ética do homem (da pessoa) e não do
que nele vão buscar inspirações, conselhos e normas de Psicólogo. Um Código será falho se fizer uma ética para o
conduta. Ele é, ao mesmo tempo, uma pergunta e uma Psicólogo, esquecendo-se da ética do homem. É essa ética
resposta. É um apelo-pergunta no sentido de ver o ser que fará do Psicólogo um profissional engajado social e
humano não apenas como uma Unidade isolada, mas como politicamente no mundo e não, um profissional a serviço
um subsistema de um grande sistema. É uma resposta exclusivo do indivíduo. Por outro lado, como Ciência dos
enquanto encarna uma concepção da profissão dentro de um Costumes, a ética trata dos deveres sociais do homem e de
contexto social e político, que lhe confere o selo da suas obrigações entre si na comunidade. Na realidade,
identidade, naquele momento histórico. Não é, entretanto, só ninguém pode viver ao sabor de suas paixões e desejos
o Código que confere identidade ao Psicólogo, mas sim, sua momentâneos de onipotência. A satisfação das aspirações
participação nas perguntas fundamentais do mundo moderno, morais faz parte integrante do conjunto dos desejos
sobretudo através do seu engajamento em propostas humanos, pois nenhuma sociedade ou grupo pode viver fora
concretas de uma visão aberta do mundo voltada para o de qualquer regra ou lei. A vida é uma contínua
social e o político. determinação, seleção e criação, não é apenas deixar-se
viver.
Este Código seguiu este caminho.
Na realidade, a conduta moral tem como base a disciplina, a
Assim, ele nasce de um longo estudo, de uma longa
adaptação à vida grupal e a autonomia da vontade.
pesquisa, em que durante quatro anos, Psicólogos de todos
os Conselhos Regionais de Psicologia se envolveram, O Código, portanto, deve refletir esse outro lado do agir
procurando fundamentar suas propostas. humano, reconhecendo ao mesmo tempo a importância do
sentimento pessoal perante a norma, a importância de uma fé
Foram ouvidas as necessidades e dificuldades de cada
no ideal de homem e de vida, permitindo um real encontro
Regional; formaram-se grupos para operacionalizar este novo
entre a norma e o homem, o qual dignifica o seu
Código: Filósofos, Sociólogos, Advogados, Antropólogos e a
comportamento ultrapassando a norma. É importante lembrar

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que o agir ético vai além do pensar bem e honestamente Art. 3º - Revogam-se as disposições em contrário, em
como uma ressonância de um mundo individual e pessoal, especial a Resolução CFP n º 002/87.
mas exige ao mesmo tempo que a consciência, que é "uma
síntese ativa e em perpétua realização", se manifeste de
modo explícito através de ações claras e visíveis.
Código de Ética Profissional do
Assim, ao mesmo tempo em que um Código de normas
explícitas se torna necessário, é bom lembrar que a Psicólogo
moralidade se concebe como atitude, qualidade e valores e PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS
que a ética não pode proporcionar soluções pré-fabricadas
sem que haja um trabalho interno de cada indivíduo que se I. O psicólogo baseará o seu trabalho no respeito e na
proponha a agir eticamente. "A letra mata, é o espírito que dá promoção da liberdade, da dignidade, da igualdade e da
vida". integridade do ser humano, apoiado nos valores que
O Código de Ética não pode ser fruto de uma mera embasam a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
teorização sobre o bem ou sobre o mal, ele deve resultar de
uma ação humana, de uma doutrina, de um sentido pleno de II. O psicólogo trabalhará visando promover a saúde e a
vida e de cultura. Ele não pode ser uma prisão, mas uma qualidade de vida das pessoas e das coletividades e
estrada assinalada para ajudar aos que querem ir devagar e contribuirá para a eliminação de quaisquer formas de
aos que necessitam depressa para chegar. Um Código é negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e
como um mapa de uma cidade, onde as grandes avenidas opressão.
assinalam os principais caminhos, de onde decorre a vida
para as ruas e praças, as quais, no seu conjunto, encerram o III. O psicólogo atuará com responsabilidade social,
cotidiano, o escondido, o familiar e o tipo da cidade. analisando crítica e historicamente a realidade política,
econômica, social e cultural.
Esse Código quer juntar as duas coisas: grandes princípios e IV. O psicólogo atuará com responsabilidade, por meio do
a prática do cotidiano; ele quer produzir e ser fonte de uma contínuo aprimoramento profissional, contribuindo para o
reflexão ética não dissociada da prática profissional. Ele não desenvolvimento da Psicologia como campo científico de
pretende impor, estigmatizar ou definir comportamentos conhecimento e de prática.
padrão, ele se oferece a uma reflexão mais ampla da
potencialidade de cada um, enquanto indivíduo e membro da V. O psicólogo contribuirá para promover a universalização do
comunidade, convidando-o a ser criativo e a correr o risco de acesso da população às informações, ao conhecimento da
ser fiel à realidade. ciência psicológica, aos serviços e aos padrões éticos da
profissão.
Nele se fala de um dever pessoal e de um modo de estar no
mundo, evitando-se privilegiar esta ou aquela área, para que
VI. O psicólogo zelará para que o exercício profissional seja
a ética se mantenha fiel à sua vocação de ser um convite,
efetuado com dignidade, rejeitando situações em que a
mais que uma imposição, à reflexão e à descoberta dos
Psicologia esteja sendo aviltada.
legítimos valores que devem guiar a ação do Psicólogo. Esta
proposta é um convite a uma reflexão mais ampla e aberta;
VII. O psicólogo considerará as relações de poder nos
ela não quer ser estática, mas dinâmica, como, de resto, é a
contextos em que atua e os impactos dessas relações sobre
vida e a sua expressão mais alta e mais bela: o ser humano.
as suas atividades profissionais, posicionando-se de forma
Nossa proposta expressa assim, um hoje de nossas crítica e em consonância com os demais princípios deste
esperanças e pensamentos. Também ela, sujeita às leis da Código.
mudança, deve estar aberta a reflexões que a atualizem
continuamente. DAS RESPONSABILIDADES DO PSICÓLOGO

RESOLUÇÃO CFP Nº 010/05 Art. 1º – São deveres fundamentais dos psicólogos:

Aprova o Código de Ética Profissional do Psicólogo a) Conhecer, divulgar, cumprir e fazer cumprir este Código;
b) Assumir responsabilidades profissionais somente por
O CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, no uso de suas atividades para as quais esteja capacitado pessoal, teórica e
atribuições legais e regimentais, que lhe são conferidas pela tecnicamente;
Lei no 5.766, de 20 de dezembro de 1971; c) Prestar serviços psicológicos de qualidade, em condições
de trabalho dignas e apropriadas à natureza desses serviços,
CONSIDERANDO o disposto no Art. 6º, letra “e”, da Lei no utilizando princípios, conhecimentos e técnicas
5.766 de 20/12/1971, e o Art. 6º, inciso VII, do Decreto nº reconhecidamente fundamentados na ciência psicológica, na
79.822 de 17/6/1977; ética e na legislação profissional;
d) Prestar serviços profissionais em situações de calamidade
CONSIDERANDO o disposto na Constituição Federal de pública ou de emergência, sem visar benefício pessoal;
1988, conhecida como Constituição Cidadã, que consolida o e) Estabelecer acordos de prestação de serviços que
Estado Democrático de Direito e legislações dela respeitem os direitos do usuário ou beneficiário de serviços
decorrentes; de Psicologia;
CONSIDERANDO decisão deste Plenário em reunião f) Fornecer, a quem de direito, na prestação de serviços
realizada no dia 21 de julho de 2005; psicológicos, informações concernentes ao trabalho a ser
realizado e ao seu objetivo profissional;
RESOLVE: g) Informar, a quem de direito, os resultados decorrentes da
prestação de serviços psicológicos, transmitindo somente o
Art. 1º - Aprovar o Código de Ética Profissional do Psicólogo. que for necessário para a tomada de decisões que afetem o
Art. 2º - A presente Resolução entrará em vigor no dia 27 de usuário ou beneficiário;
agosto de 2005.

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h) Orientar a quem de direito sobre os encaminhamentos o) Pleitear ou receber comissões, empréstimos, doações ou
apropriados, a partir da prestação de serviços psicológicos, e vantagens outras de qualquer espécie, além dos honorários
fornecer, sempre que solicitado, os documentos pertinentes contratados, assim como intermediar transações financeiras;
ao bom termo do trabalho; p) Receber, pagar remuneração ou porcentagem por
i) Zelar para que a comercialização, aquisição, doação, encaminhamento de serviços;
empréstimo, guarda e forma de divulgação do material q) Realizar diagnósticos, divulgar procedimentos ou
privativo do psicólogo sejam feitas conforme os princípios apresentar resultados de serviços psicológicos em meios de
deste Código; comunicação, de forma a expor pessoas, grupos ou
j) Ter, para com o trabalho dos psicólogos e de outros organizações.
profissionais, respeito, consideração e solidariedade, e,
quando solicitado, colaborar com estes, salvo impedimento Art. 3º – O psicólogo, para ingressar, associar-se ou
por motivo relevante; permanecer em uma organização, considerará a missão, a
k) Sugerir serviços de outros psicólogos, sempre que, por filosofia, as políticas, as normas e as práticas nela vigentes e
motivos justificáveis, não puderem ser continuados pelo sua compatibilidade com os princípios e regras deste Código.
profissional que os assumiu inicialmente, fornecendo ao seu
substituto as informações necessárias à continuidade do Parágrafo único: Existindo incompatibilidade, cabe ao
trabalho; psicólogo recusar-se a prestar serviços e, se pertinente,
l) Levar ao conhecimento das instâncias competentes o apresentar denúncia ao órgão competente.
exercício ilegal ou irregular da profissão, transgressões a
princípios e diretrizes deste Código ou da legislação Art. 4º – Ao fixar a remuneração pelo seu trabalho, o
profissional. psicólogo:

Art. 2º – Ao psicólogo é vedado: a) Levará em conta a justa retribuição aos serviços prestados
e as condições do usuário ou beneficiário;
a) Praticar ou ser conivente com quaisquer atos que b) Estipulará o valor de acordo com as características da
caracterizem negligência, discriminação, exploração, atividade e o comunicará ao usuário ou beneficiário antes do
violência, crueldade ou opressão; início do trabalho a ser realizado;
b) Induzir a convicções políticas, filosóficas, morais, c) Assegurará a qualidade dos serviços oferecidos
ideológicas, religiosas, de orientação sexual ou a qualquer independentemente do valor acordado.
tipo de preconceito, quando do exercício de suas funções
profissionais; Art. 5º – O psicólogo, quando participar de greves ou
c) Utilizar ou favorecer o uso de conhecimento e a utilização paralisações, garantirá que:
de práticas psicológicas como instrumentos de castigo,
tortura ou qualquer forma de violência; a) As atividades de emergência não sejam interrompidas;
d) Acumpliciar-se com pessoas ou organizações que exerçam b) Haja prévia comunicação da paralisação aos usuários ou
ou favoreçam o exercício ilegal da profissão de psicólogo ou beneficiários dos serviços atingidos pela mesma.
de qualquer outra atividade profissional;
e) Ser conivente com erros, faltas éticas, violação de direitos, Art. 6º – O psicólogo, no relacionamento com profissionais
crimes ou contravenções penais praticados por psicólogos na não psicólogos:
prestação de serviços profissionais;
f) Prestar serviços ou vincular o título de psicólogo a serviços a) Encaminhará a profissionais ou entidades habilitados e
de atendimento psicológico cujos procedimentos, técnicas e qualificados demandas que extrapolem seu campo de
meios não estejam regulamentados ou reconhecidos pela atuação;
profissão; b) Compartilhará somente informações relevantes para
g) Emitir documentos sem fundamentação e qualidade qualificar o serviço prestado, resguardando o caráter
técnico científica; confidencial das comunicações, assinalando a
h) Interferir na validade e fidedignidade de instrumentos e responsabilidade, de quem as receber, de preservar o sigilo.
técnicas psicológicas, adulterar seus resultados ou fazer
declarações falsas; Art. 7º – O psicólogo poderá intervir na prestação de serviços
i) Induzir qualquer pessoa ou organização a recorrer a seus psicológicos que estejam sendo efetuados por outro
serviços; profissional, nas seguintes situações:
j) Estabelecer com a pessoa atendida, familiar ou terceiro,
que tenha vínculo com o atendido, relação que possa a) A pedido do profissional responsável pelo serviço;
interferir negativamente nos objetivos do serviço prestado; b) Em caso de emergência ou risco ao beneficiário ou usuário
k) Ser perito, avaliador ou parecerista em situações nas quais do serviço, quando dará imediata ciência ao profissional;
seus vínculos pessoais ou profissionais, atuais ou anteriores, c) Quando informado expressamente, por qualquer uma das
possam afetar a qualidade do trabalho a ser realizado ou a partes, da interrupção voluntária e definitiva do serviço;
fidelidade aos resultados da avaliação; d) Quando se tratar de trabalho multiprofissional e a
l) Desviar para serviço particular ou de outra instituição, intervenção fizer parte da metodologia adotada.
visando benefício próprio, pessoas ou organizações Art. 8º – Para realizar atendimento não eventual de criança,
atendidas por instituição com a qual mantenha qualquer tipo adolescente ou interdito, o psicólogo deverá obter
de vínculo profissional; autorização de ao menos um de seus responsáveis,
m) Prestar serviços profissionais a organizações observadas as determinações da legislação vigente:
concorrentes de modo que possam resultar em prejuízo para
as partes envolvidas, decorrentes de informações §1° – No caso de não se apresentar um responsável legal, o
privilegiadas; atendimento deverá ser efetuado e comunicado às
n) Prolongar, desnecessariamente, a prestação de serviços autoridades competentes;
profissionais; §2° – O psicólogo responsabilizar-se-á pelos
encaminhamentos que se fizerem necessários para garantir a
proteção integral do atendido.

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Art. 9º – É dever do psicólogo respeitar o sigilo profissional a Art. 18 – O psicólogo não divulgará, ensinará, cederá,
fim de proteger, por meio da confidencialidade, a intimidade emprestará ou venderá a leigos instrumentos e técnicas
das pessoas, grupos ou organizações, a que tenha acesso no psicológicas que permitam ou facilitem o exercício ilegal da
exercício profissional. profissão.

Art. 10 – Nas situações em que se configure conflito entre as Art. 19 – O psicólogo, ao participar de atividade em veículos
exigências decorrentes do disposto no Art. 9º e as afirmações de comunicação, zelará para que as informações prestadas
dos princípios fundamentais deste Código, excetuando-se os disseminem o conhecimento a respeito das atribuições, da
casos previstos em lei, o psicólogo poderá decidir pela base científica e do papel social da profissão.
quebra de sigilo, baseando sua decisão na busca do menor
prejuízo. Art. 20 – O psicólogo, ao promover publicamente seus
serviços, por quaisquer meios, individual ou coletivamente:
Parágrafo único – Em caso de quebra do sigilo previsto no a) Informará o seu nome completo, o CRP e seu número de
caput deste artigo, o psicólogo deverá restringir-se a prestar registro;
as informações estritamente necessárias.
b) Fará referência apenas a títulos ou qualificações
Art. 11 – Quando requisitado a depor em juízo, o psicólogo profissionais que possua;
poderá prestar informações, considerando o previsto neste c) Divulgará somente qualificações, atividades e recursos
Código. relativos a técnicas e práticas que estejam reconhecidas ou
regulamentadas pela profissão;
Art. 12 – Nos documentos que embasam as atividades em d) Não utilizará o preço do serviço como forma de
equipe multiprofissional, o psicólogo registrará apenas as propaganda;
informações necessárias para o cumprimento dos objetivos e) Não fará previsão taxativa de resultados;
do trabalho. f) Não fará auto promoção em detrimento de outros
profissionais;
Art. 13 – No atendimento à criança, ao adolescente ou ao g) Não proporá atividades que sejam atribuições privativas de
interdito, deve ser comunicado aos responsáveis o outras categorias profissionais;
estritamente essencial para se promoverem medidas em seu h) Não fará divulgação sensacionalista das atividades
benefício. profissionais.

Art. 14 – A utilização de quaisquer meios de registro e DAS DISPOSIÇÕES GERAIS


observação da prática psicológica obedecerá às normas
deste Código e a legislação profissional vigente, devendo o Art. 21 – As transgressões dos preceitos deste Código
usuário ou beneficiário, desde o início, ser informado. constituem infração disciplinar com a aplicação das seguintes
penalidades, na forma dos dispositivos legais ou regimentais:
Art. 15 – Em caso de interrupção do trabalho do psicólogo,
por quaisquer motivos, ele deverá zelar pelo destino dos seus a) Advertência;
arquivos confidenciais. b) Multa;
c) Censura pública;
§ 1° – Em caso de demissão ou exoneração, o psicólogo d) Suspensão do exercício profissional, por até 30 (trinta)
deverá repassar todo o material ao psicólogo que vier a dias, adreferendum do Conselho Federal de Psicologia;
substituí-lo, ou lacrá-lo para posterior utilização pelo e) Cassação do exercício profissional, ad referendum do
psicólogo substituto. Conselho Federal de Psicologia.
§ 2° – Em caso de extinção do serviço de Psicologia, o
psicólogo responsável informará ao Conselho Regional de Art. 22 – As dúvidas na observância deste Código e os casos
Psicologia, que providenciará a destinação dos arquivos omissos serão resolvidos pelos Conselhos Regionais de
confidenciais. Psicologia, adreferendum do Conselho Federal de Psicologia.

Art. 16 – O psicólogo, na realização de estudos, pesquisas e Art. 23 – Competirá ao Conselho Federal de Psicologia firmar
atividades voltadas para a produção de conhecimento e jurisprudência quanto aos casos omissos e fazê-la incorporar
desenvolvimento de tecnologias: a este Código.

a) Avaliará os riscos envolvidos, tanto pelos procedimentos, Art. 24 – O presente Código poderá ser alterado pelo
como pela divulgação dos resultados, com o objetivo de Conselho Federal de Psicologia, por iniciativa própria ou da
proteger as pessoas, grupos, organizações e comunidades categoria, ouvidos os Conselhos Regionais de Psicologia.
envolvidas; Art. 25 – Este Código entra em vigor em 27 de agosto de
b) Garantirá o caráter voluntário da participação dos 2005.
envolvidos, mediante consentimento livre e esclarecido, salvo
nas situações previstas em legislação específica e Este Código de Ética Profissional é fruto de amplos debates
respeitando os princípios deste Código; ocorridos entre os anos de 2003 e 2005, envolvendo:
c) Garantirá o anonimato das pessoas, grupos ou
organizações, salvo interesse manifesto destes; - 15 fóruns regionais de Ética, que culminaram com o II
d) Garantirá o acesso das pessoas, grupos ou organizações Fórum Nacional de Ética;
aos resultados das pesquisas ou estudos, após seu - os trabalhos de uma comissão de psicólogos e professores
encerramento, sempre que assim o desejarem. convidados;
- os trabalhos da Assembleia das Políticas Administrativas e
Art. 17 – Caberá aos psicólogos docentes ou supervisores Financeiras do Sistema Conselhos de Psicologia, APAF, tudo
esclarecer, informar, orientar e exigir dos estudantes a sob a responsabilidade do Conselho Federal de Psicologia.
observância dos princípios e normas contidas neste Código.

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e colocando-se, portanto, no lugar do sujeito dominador.


Psicologia no Brasil Dessa forma, insinuou-se na cultura brasileira aquela divisão
Pode-se falar em história da psicologia no Brasil sem entre intelectual e realidade nacional, que ainda hoje a
entender com esta expressão uma mera projeção no contexto caracteriza.
brasileiro de conteúdos e métodos elaborados alhures
Esta é a causa remota de algumas atitudes de depreciação
(sobretudo na Europa e nos Estados Unidos)?
de tudo o que pode constituir elemento de originalidade, de
Esse texto quer fornecer uma resposta inicial a tal questão, diversidade, de não conformidade com os modelos prescritos
fundamental para a definição e a consolidação da identidade pelas ideologias dominantes, assuma ela a forma de
da psicologia brasileira, hoje. Procura-se contestar, ao saudosismo ou de progressismo, de rejeição aberta ou de
mesmo tempo, o juízo demasiado pessimista e superficial crítica sutilmente destruidora dos ideais e dos símbolos
que frequentemente se houve a respeito. Pode-se encontrar enraizados profundamente na mentalidade brasileira. A perda
uma expressão sintética de tal juízo nas palavras de Farias de memória constitui um aspecto particularmente grave desta
Brito acerca do desenvolvimento dos conhecimentos tendência, pois o esquecimento da própria história impede
psicológicos no seio da cultura brasileira: "Sobre este assunto um povo de reconhecer seus traços originais e elaborar, a
de tão alta significação, o que, entre nós, incentiva o partir destes, um projeto autônomo de vida social e cultural.
interesse dos homens mais eminentes de todos os países Além disso, o desconhecimento da psicologia brasileira com
cultos do mundo?, a resposta deve ser esta: Nada, relação às próprias origens tem razões específicas em uma
absolutamente nada... Realmente, o solo da intelectualidade abordagem metodológica, característica do positivismo
nacional não parece ser terreno propício para a semente da radical, que inspirou a histografia da psicologia tradicional,
nova ciência". Todavia, se a realidade correspondesse à pelo menos até os anos 60. Ao desvalorizar a contribuição da
visão do eminente filósofo, seria impossível explicar a grande cultura pré-científica à evolução do conhecimento humano,
expansão da psicologia experimental e de intervenção no essa corrente restringe a história da psicologia ao
Brasil do século XX. desenvolvimento da psicologia científica nos últimos dois
séculos. A exclusão do domínio historiográfico dos
O Brasil, com efeito, foi um dos primeiros países do mundo conhecimentos psicológicos difundidos no seio das diferentes
em que foi aprovada a regulamentação legal da profissão do tradições culturais e julgados não relevantes implica a
psicólogo (pela lei 4.119, de 27-8-62). Já em 1946, Margaret renúncia à memória das raízes dessa disciplina presente em
E. Hall, diferenciando a situação da psicologia brasileira do tais tradições e o esquecimento das questões originais que
mais amplo contexto latino-americano, afirma ser o Brasil determinaram o seu surgimento, ou favoreceram sua
uma nação particularmente receptiva à aplicação e ao estudo influência e seu desenvolvimento em específicos ambientes
dessa ciência. Em particular, "the city of São Paulo, Brazil, culturais. Outra consequência é a redução da psicologia
has probably the most extensive for psychological study of apenas à psicologia européia e norte-americana, revestidas
any South American city", devido ao seu rápido de uma pretensa universidade.
desenvolvimento tecnológico e urbano.
Se a tendência positivista podia se justificar, no início do
Portanto, a 'profecia' de Farias Brito parece não ter sido século, pela necessidade de garantir a autonomia da
verdadeira. Em suma, a difusão atual da psicologia no meio psicologia científica com relação ao seu passado filosófico ou
cultural e social brasileiro induz a procurar as raízes de tal médico, atualmente ela aparece como um empecilho para um
evolução na realidade do país, ao longo do tempo. A hipótese sério conhecimento histórico. Com efeito, a necessidade de
é a de que tais raízes não pertençam apenas à história se estabelecer relações entre a psicologia, memória e cultura
nacional recente (relacionadas, por exemplo, à rápida é hoje universalmente reconhecida, como atesta a
transformação da sociedade e à necessidade de recursos proliferação dos interesses e estudos acerca dos
para favorecer a adaptação da de indivíduos e grupos às conhecimentos psicológicos pré científicos e a ênfase nos
novas condições de vida), mas se insiram num processo desenvolvimentos históricos da psicologia no âmbito das
histórico mais antigo. A causa do desconhecimento dessas diferentes nações. Atualmente fica claro, para todos os
matrizes depende, em grande parte, da falta de memória que estudiosos do campo, que a retomada de consciência do
atinge a cultura brasileira como um todo e a psicologia valor da história e o aprofundamento do nexo entre saber
brasileira em particular. O esquecimento, por sua vez, nasce psicológico e identidades culturais são condições essenciais
de atitudes ideológicas tradicionalmente assumidas com para que haja um progresso efetivo da psicologia quanto à
relação à cultura do país, de um lado, e à história da consciência crítica e à utilidade social. Sem cair no
psicologia, de outro. relativismo, é preciso reconhecer que o esforço para alcançar
Com efeito, ao longo da história do Brasil, há uma tendência conhecimentos o mais possível objetivos, universais e
persistente em desvalorizar a originalidade da contribuição socialmente eficazes, não deve desconsiderar a presença de
nacional e a superestimar o que provém do exterior - ou, diferenças e peculiaridades próprias dos vários sujeitos e
como o define João Cruz Costa, uma "espécie de complexo identidades culturais.
de inferioridade" dos intelectuais autóctones, provável Tal enfoque permite encontrar as raízes do interesse pela
herança do processo de colonização. De fato, na época da psicologia no âmbito da cultura e da sociedade brasileiras;
dominação portuguesa, devido à proibição de se instituírem indicar o papel que este interesse assumiu ao longo da
escolas de nível superior na Colônia, os jovens brasileiros história da nação e as maneiras pelas quais se estruturou em
que quisessem dar continuidade aos seus estudos deveriam formas de conhecimento; avaliar, enfim, eventuais aspectos
emigrar para Portugal ou para outros países da Europa, dos da originalidade da psicologia brasileira.
quais incorporavam as ideias e a sensibilidade. Se, de um
lado, esta situação criava as condições para uma frutífera Psic. Marina Massimi
assimilação do patrimônio da civilização ocidental, de outro
Psicóloga formada pela Universidade de Padova (Itália);
lado, a experiência do desterro fazia com que a consciência
Mestra e Doutora em Psicologia (área de concentração:
da identidade nacional, nos jovens estudantes, se tornasse
Psicologia Experimental) pela USP
algo abstrata, idealista, distante das reais necessidades da
própria pátria. Em consequência, muitos estudantes
assumiram o Brasil como objeto de investigação científica, ou
A Psicologia Moderna
de ação política, tendo como ponto de referência a Metrópole

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FASE PRÉ-CIENTÍFICA (XVI – 1879) parcialmente o método científico (pois não teoriza), e propõe-
se a estudar comportamento humano, partindo de uma visão
Com a Modernidade veio a rejeição ao dogmatismo medieval, atomista pela qual o homem é produto e produtor de
a valorização da razão (inspirada nos moldes clássicos condicionamentos, e seu comportamento é um emaranhado
gregos), e o nascimento da Ciência. A Psicologia ainda era aprendido de respostas associadas a estímulos ambientais.
tratada como um ramo da Filosofia, porém nesta fase Estuda tão somente o comportamento observável e
recebeu influencias determinantes que a catapultaram para o quantificável (positivismo). Figura em vários campos de
status de Ciência. Toda essa fase caracteriza-se pela busca atuação, desde o educacional ao clínico. Tem por criadores e
da resposta a seguinte questão : “Como se dá o expoentes Watson e Skinner.
conhecimento? Como é possível ao homem conhecer algo?É
realmente possível?”. Psicanálise
Identifica-se cinco correntes filosóficas modernas que tiveram Considerada por muitos não como um escola psicológica,
importância chave para a cientifização da Psicologia. Os mas como algo a parte de toda a Psicologia. Criada pelo
métodos e escolas em Psicologia que apareceriam no século neurologista Sigmund Freud no início do século XX, parte do
seguinte (XX) se inspirariam em uma ou outra destas cinco pressuposto da existência de um compartimento da alma
tendências filosóficas : chamado “inconsciente”, que determina a vida psíquica do
sujeito, sendo parcialmente acessível. O inconsciente
1. EMPIRISMO CRÍTICO, (de Descartes, Locke e Kant), que freudiano é de natureza iminentemente sexual, sendo a libido
professava a importäncia de um método racional, a força motriz da alma. Freud criou teorias como o Complexo
quantificador e experimental para o estudo dos fenômenos de Édipo, as Tópicas da Alma (divisões dessa em
mentais, estipulava a interação entre idéias inatas e inconsciente, pré-consciente e consciente, bem como em
aprendizado pela experiência para a formação da mente ego, id e superego) e um método baseado na análise e
(termo que substituiu o aristotélico-medieval “alma”). hermenêutica de sonhos, atos falhos, etc. A psicanálise conta
2. ASSOCIACIONISMO (que teve Darwin, Mill e Spencer, com diversos dissidentes, que alteraram em vários pontos e
pensadores ingleses, como expoentes) pelo qual o todo níveis as idéias de Freud. Dentre os quais se destacam Jung,
consciente da mente era a somatória de idéias simples, que Adler, Reich, etc. Trata-se de uma escola inerentemente
se associavam gerando redes cada vez mais complexas. clínica.
(Note o atomismo presente). Com Darwin, essa idéia foi Gestalt
acrescida ainda do conceito de evolução.
Partindo de um arcobouço de informações sobre a
3. MATERIALISMO CIENTÍFICO. Pelo qual apenas o positivo neurofisiologia da percepção(Koehler), e somando-se ao
(isto é, o observável e quantificável) é alvo de estudo método fenomenológico (de Husserl e Merlau-Ponty) e a
científico. Buscava a objetivização do saber. Influenciou pressupostos da filosofia existencialista (Sartre), nasce a
pensadores como Marx e Comte. Gestalt (palavra em alemão que significa “Configuração”).
4. FENOMENOLOGIA. Foi o método de questionamento e Desenvolvimentistas
investigação intrapsíquica de Husserl, que usava a
instrospecção e eliminava dicotomias como objetivo subjetivo, Dois teóricos se destacam neste que, na verdade, é um ramo
observador observado, etc. e não propriamente uma escola psicológica : Piaget e
Vygotsky. Os dois tentaram responder, basicamente, as
5. ROMANTISMO. Trata-se de uma visão humanista, pela mesmas questões : “Como se dá o desenvolvimento
qual o homem é o essencialmente bom, sendo estragado cognitivo? Qual a relação entre maturação e
pela vida em sociedade, porém conservando uma alma que desenvolvimento? Qual o papel do social neste processo?
anseia ser amar e ser livre.Teve como expoente Rousseau, e Como se dá a aprendizagem?”. Partindo de dados
o seu famoso “Mito do Bom Selvagem”. neurocientíficos, porém divergindo em pressupostos
A Era das Escolas filosóficos, os dois criaram corpos teóricos que dão a essas
perguntas respostas um tanto diferentes. Par muitos
FASE CIENTÍFICA (1879 – atualidade) psicólogis, Piaget e Vygotsky se complementam, para outros,
O marco histórico do início da Psicologia Científica foi a são inconciliáveis.
criação do primeiro laboratório de Psicologia Experimental do Humanismo
mundo, por Wundt, em 1879, na Alemanha. No início, para
emancipar-se da Filosofia, a Psicologia se revestiu da Considerados por muitos mais uma Filosofia Aplicada,
terminologia da Fisiologia. Era a Psicofísica de Fechner, refletiu-se em autores como Carl Rogers, que criaram
repleta de fórmulas matemáticas para descrever e prever a métodos terapêuticos, pedagógicos e assistenciais baseados
percepção. na concepção humanista do homem, como sendo este o
autor maior de sua história e destino.
Duas abordagens marcam a fase científica da Psicologia. O
Estruturalismo, pelo qual os busca-se saber o “O Quê?” dos
fenômenos mentais, suas estruturas universais e imutáveis, A Era Temática
identificando-se com a Anatomia; e o Funcionalismo, que
A primeira parte da fase científica da Psicologia caracterizou-
busca o “Como?”, e identifica-se com a Fisiologia.
se pela pluralidade de escolas que, partindo de diferentes
Inicia-se a Fase das Escolas, que são como ramos métodos e pressupostos, criavam respostas constrastantes
divergentes de uma mesma árvore, que estipulam diferentes sobre as mesmas questões. Muito se falou da guerrilhas
métodos, pressupostos e objetos de estudo. Destacam-se escolástica presente nas faculdades de Psicologia e da
quatro : grande confusão epistemológica decorrente.
Behaviorismo Muitos historiadores da Ciência e psicólogos estão
apontando, porém, que essa era está se findando, e dando
Partindo de pressupostos da Filosofia Positivista, o lugar a outra, marcada pelo enfoque em temas, e não em
Behaviorismo se consolida como a primeira escola escolas. Isso se evidencia pelo surgimento de novos campos
organizada (posterior a Psicofísica de Wundt), usando de atuação profissional como Psicologia Jurídica, do Trânsito,

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PSICOLOGIA

da Educação, Ambiental, Social, Comunitária, etc. Dessa Objeto de estudo da Psicologia


forma, ocorre uma especialização no tema a ser
estudado/trabalhado pelo psicólogo. Escolhido o tema, o A Psicologia dedica-se ao estudo do homem, assim como
psicólogo ganha liberdade para obter saberes sobre este de outras ciências humanas, mas ela privilegia alguns
diversas fontes, (desde a Sociologia, Filosofia, Neurociência, aspectos específicos do ser humano: alguns psicólogos
Cibernética, Antropologia, etc; ou mesmo de diversas escolas definiriam o foco da atenção da Psicologia como sendo
psicológicas). o comportamento do homem, outros diriam que é a
personalidade, outros estudam a inteligência e a
A chamada Era Temática combina, então, um profissional aprendizagem. Enfim, podemos dizer que existem
especializado e generalista ao mesmo tempo. várias Psicologias (diferentes escolas psicológicas).
Mas os psicólogos concordam em utilizar o termo
O Que É Psicologia, Afinal? “subjetividade” para englobar todos estes aspectos da
experiência humana que a Psicologia estuda.
Em que forma de saber se enquadra a Psicologia? Por vezes
ela tende à Arte (como na Psicologia Analítica de Jung), por
vezes ao misticismo (como em seu uso nas terapias Subjetividade
alternativas), e ainda á Filosofia (Carl Rogers) e ao Senso
Comum (você já assistiu a Silvia Poppovic?). A subjetividade é o mundo de idéias, significados e emoções
Algumas de suas escolas são semi científicas (como o construído internamente pelo sujeito a partir de suas relações
Behaviorismo e a Gestalt), outras não o são (como o sociais, de suas vivências e de sua constituição biológica; é,
Psicanálise), outras se apóiam sobre dados científicos (como também, fonte de suas manifestações afetivas e
os desenvolvimentistas). Cada uma dessas escolas usa comportamentais. É o homem em todas as suas expressões,
métodos diferentes : ora o fenomenológico (Gestalt), ora o as visíveis (nosso comportamento) e as invisíveis (nossos
semi científico (Behaviorismo), ora a instrospeção sentimentos), é o homem-corpo, o homem-pensamento,
(Humanistas), etc. Cada uma dessas escolas concebe um homem-afeto, homem-ação: tudo isso está sintetizado pelo
diferente alvo de estudo da Psicologia : para os behavioristas termo subjetividade. É a maneira de sentir, de pensar,
é o comportamento, para os psicanalistas é alma através do fantasiar, sonhar, amar e fazer de cada um: o nosso modo de
inconsciente, para os Gestaltistas é o homem por meio de ser.
sua percepção; para os desenvolvimentistas é a relação O nosso modo de ser, ou seja, nossa subjetividade tem
desenvolviemento/aprendizagem; etc. elementos inatos, determinados biologicamente (pela
Mas, se lembrarmos que a Psicologia surgiu de uma Filosofia hereditariedade), e também aspectos culturalmente
Moderna que estava inteiramente interessada na questão do adquiridos, que nós aprendemos ao longo da vida através de
conhecimento, (ou seja, de como, por quê e se se nossas experiências.
conhecesse algo), podemos nos perguntar se não é, afinal, o Guimarães Rosa tem uma frase que define muito bem esta
CONHECIMENTO o alvo de estudo da Psicologia. Assim, característica psicológica que nos leva a ser mutáveis:
cada escola enfocou um aspecto diferente do fenômeno
CONHECIMENTO : ora os atos observáveis (Behaviorismo), “O importante e bonito do mundo é isso: que as pessoas não
ora a percepção(Gestalt), ora a imaginação e afetos estão sempre iguais, ainda não foram terminadas, mas que
(Psicanálise), ora a maturação fisiológica e as relações elas vão sempre mudando”.
sociais (Piaget e Vygostky). Contudo, todos são aspectos, É claro que cada escola psicológica vai apresentar sua
são partes do fenômeno-maior : o CONHECER. versão sobre como isso acontece, ou seja, como as pessoas
Dizer que a Psicologia estuda o CONHECER pressupõe que mudam, de que forma elas se tornam melhores, crescem ou
ela estuda tanto o conhecedor quanto o conhecido, quanto o ainda o que acontece quando a mudança é para pior, quando
processo em si. as pessoas adoecem.

Elucidada a questão do alvo de estudo, resta-nos refletir Ao buscar compreender os processos de desenvolvimento e
sobre seu método e pragmatismo. Sob o método, entende-se de transformação do homem, a Psicologia (ou ainda, as
que deve se tratar do Científico, conforme exposto no diferentes escolas psicológicas) contribui para o esforço das
primeiro parágrafo. Sob o pragmatismo, tenho a dizer que o organizações em compreender e gerenciar as relações entre
objetivo da Psicologia enquanto Ciência e Profissão é os homens no ambiente de trabalho, uma necessidade
compreender e manipular as relações de CONHECER, seja importante para as empresas que precisam tornar-se sempre
no campo clínico (auto conhecimento), escolar (didática), mais produtivas, eficazes e competitivas.
social (dinâmicas), experimental, etc; a fim de aumentar a Assim, as organizações preocupam-se em aprender a
qualidade de vida do homem. administrar os muitos momentos de seu relacionamento com
as pessoas que as constituem: a entrada de pessoas novas,
a aprendizagem ou treinamento ou mudanças necessárias à
adaptação ou ao melhor desempenho dos colaboradores, o
envolvimento afetivo e a motivação para o trabalho, as
avaliações dos processos de trabalho e de seus resultados, o
reconhecimento da importância dos colaboradores e as
políticas de salários e benefícios, os momentos de decisão e
de participação, entre outros, podem ser pensados e através
dos estudos da Psicologia que auxiliam a discussão destes
muitos procedimentos que objetivam construir um
relacionamento saudável e produtivo entre os indivíduos e as
organizações.
Para situar as contribuições da Psicologia para este campo
de aplicação nas organizações vamos conhecer as principais

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PSICOLOGIA

escolas psicológicas: a escola behaviorista (também homem desenvolve conhecimento mediante a sua
denominada comportamentalista), a escola psicanalítica e a possibilidade de interagir com o meio, podemos imaginar que
escola cognitivista. alguns meios são mais facilitadores da participação e
intervenção dos indivíduos estimulando sua capacidade
Behaviorismo criativa e cognitiva, outros são menos. As organizações,
Esta escola considera o que o objeto de estudo da Psicologia portanto, podem controlar o desenvolvimento cognitivo de
é o comportamento, que é observável diretamente e é seus membros, à medida que selecionam as ações dos
entendido como resultante das respostas do organismo (ser indivíduos e as orientam numa dada direção desejada por
humano ou animal) às modificações ambientais às quais ele elas.
busca adaptar-se (os estímulos). Assim, a compreensão dos A qualidade das relações sociais também foi foco dos
comportamentos humanos está centrada na lógica estímulo- estudos de Kurt Lewin, ele é outro teórico que aponta a
resposta, o que quer dizer que se quisermos prever ou importância do contexto social para o entendimento das
mesmo controlar o comportamento de um organismo dinâmicas dos grupos, o modo como cada grupo funciona e
podemos, através da manipulação dos estímulos do como cada indivíduo aprende e se modifica neste campo.
ambiente, leva-lo a agir sob um padrão de comportamento
que desejamos que ele manifeste. Essa manipulação dos A cultura também é um aspecto estudado por esta escola,
estímulos para gerar controle comportamental é denominada considerada como conjunto de valores, expectativas,
condicionamento. atitudes, crenças e costumes compartilhados pelos membros
de um grupo, que se modifica e altera também os indivíduos,
Os principais autores desta escola são Pavlov, Watson e atribuindo a eles diferentes papéis sociais, levando-os ao
Skinner. desenvolvimento de certos conhecimentos e
O modelo behaviorista foi amplamente aplicado às comportamentos.
organizações, conservando relação com o projeto taylorista
da gerência científica, que está baseado em princípios de Psicologia
condicionamento comportamental.
As antigas especulações sobre a alma e a capacidade
Os grupos organizacionais têm sido usados como eficientes intelectual do homem foram complementadas desde o século
instrumentos de controle de comportamento, gerando XIX por uma nova ciência, a psicologia, que estabeleceu
técnicas de reforçamento de comportamentos ou mesmo de métodos e princípios teóricos aplicáveis ao estudo e de
punição, levando os indivíduos a agirem de acordo com grande utilidade no estudo e tratamento de diversos aspectos
padrões comportamentais pré-planejados. da vida e da sociedade humana.
Psicanálise Psicologia é a ciência dos fenômenos psíquicos e do
Sigmund Freud foi um médico vienense que alterou, comportamento. Entende-se por comportamento uma
radicalmente, o modo de pensar a vida psíquica. Ele ousou estrutura vivencial interna que se manifesta na conduta. O
colocar os processos irracionais e misteriosos da vida mental termo psicologia origina-se da junção de duas palavras
(as fantasias, os sonhos, os esquecimentos a interioridade do gregas: psiché, "alma", e lógos, "tratado", "ciência".
homem, seu mundo afetivo) como problemas científicos. A teoria psicológica tem caráter interdisciplinar por sua íntima
Freud descobriu que grande parte dos nossos conexão com as ciências biológicas e sociais e por recorrer,
comportamentos e pensamentos obedecem a uma lógica dita cada vez mais, a metodologias estatísticas, matemáticas e
inconsciente, ou seja, que está fora do campo da nossa informáticas. Não existe, contudo, uma só teoria psicológica,
consciência. Os nossos desejos e fantasias podem, portanto, mas sim uma multiplicidade de enfoques, correntes, escolas,
gerar comportamentos incompreensíveis e indesejáveis para paradigmas e metodologias concorrentes, muitas das quais
nossa vontade consciente, mas que mesmo assim não apresentam profundas divergências entre si.
conseguimos controlar e acabamos manifestando Nos últimos anos tem-se intensificado a interação da
involuntariamente. Nossa vida mental estaria, segundo a psicologia com outras ciências, sobretudo com a biologia, a
Psicanálise dividida em uma parte consciente que se esforça lingüística, a informática e a neurologia. Com isso, surgiram
para adaptar-se às exigências da realidade e outra parte, campos de aplicação interdisciplinares, como a psicobiologia,
inconsciente, que obedece às leis do desejo e da fantasia a psicofarmacologia, a inteligência artificial e
(fazendo o movimento inverso: tentando adaptar a realidade psiconeurolingüística
que conhecemos ao modo como gostaríamos que ela fosse).
História
A teoria psicanalítica aplicada às organizações permite a
compreensão da constituição e da dinâmica do nosso mundo Períodos da história da psicologia. Há formas mais simples e
afetivo, dá subsídios para o entendimento de conflitos outras mais elaboradas de se distinguirem as fases na
relacionais e denuncia os instrumentos de manipulação e de história da psicologia. Uma forma simples consistiria em
repressão presentes nas estratégias gerenciais e suas considerar dois grandes períodos: o filosófico especulativo e
repercussões e problemas para os indivíduos no trabalho. o científico. O primeiro tem raízes no pensamento grego e se
estende até o final do século XIX ou princípio do XX,
Cognitivismo conforme o critério escolhido para delimitação do começo da
Muitos autores desenvolveram trabalhos nesta abordagem, psicologia científica.
centrada no estudo dos processos de cognição e de Como marco inicial do período científico poder-se-ia fixar um
aprendizagem mediante os quais nós aprendemos sobre o dentre dois momentos: a consagração do método
mundo e desenvolvemos estratégias para solucionar experimental como procedimento possível e adequado à
problemas e tomar decisões necessárias às nossas problemática psicológica -- caso em que Wilhelm Wundt seria
adaptações e interações com o ambiente. seu iniciador --, ou o uso sistemático do conceito de
Piaget, por exemplo, enfatiza que o meio sócio cultural pode comportamento como objeto da pesquisa -- e, nesse caso,
ser bloqueador ou estimulador dos processos de estaria em evidência John B. Watson.
desenvolvimento da estrutura cognitiva. Uma vez que o

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PSICOLOGIA

Os filósofos antigos, gregos e medievais procuravam, antes Muitos psicólogos europeus -- como Max Scheler, Frederick
de tudo, dar resposta aos problemas fundamentais acerca da J. Buytendijk e Maurice Merleau-Ponty -- seguem a corrente
natureza da alma, sua relação com o corpo, seu destino fenomenológica, cujos caminhos foram explorados por Franz
depois da morte, a origem das idéias etc. Somente com o Brentano e Edmund Husserl já no século XIX. A
advento do espírito científico e, principalmente, com a fenomenologia em psicologia consiste em captar a vivência
constatação de que há possibilidade de encontrar fórmulas do outro diretamente no comportamento onde está incluída a
suficientemente precisas entre variação do estímulo físico, significação do ato. Portanto, os psicólogos devem analisar
mudança fisiológica e reação psíquica, é que começou o tal comportamento sem procurar "atrás" dele o fenômeno
trabalho pioneiro de Gustav Fechner, Hermann Helmholtz e psíquico, mas tentando descobri-lo no próprio fenômeno, pois
Wilhelm Wundt: a psicofísica e a psicofisiologia. o mundo fenomenal pode ser analisado diretamente, por ser
um dado tão imediato quanto o "eu".
Para Wundt, o objeto da psicologia era a consciência;
entendia a ciência como estudo da estrutura ou das funções
detectáveis na experiência interior, nos processos psíquicos Métodos e técnicas
de sensação, percepção, memória e sentimentos. A essa
concepção da psicologia opuseram-se psicólogos científicos Os métodos científicos da psicologia podem ser divididos em
posteriores, em particular os behavioristas, para os quais só três grupos: experimentais, diferenciais e clínicos. Os
pode haver ciência a partir do que é externamente observável métodos experimentais, oriundos das ciências físicas, têm
(no caso, o comportamento). por princípio a variação de um fator, o fator causal também
chamado variável independente, mantendo constantes todas
Principais escolas de psicologia. Uma das maneiras de
as outras fontes de influência. Observar-se-ão, assim, as
classificar as especialidades em que se dividiu a psicologia é
modificações produzidas na variável dependente. A tarefa
segundo os conteúdos examinados por cada área. Assim, as
fundamental do psicólogo será, de um lado, encontrar
principais disciplinas psicológicas seriam a psicologia da
medidas precisas quanto às variações das variáveis
sensação, da percepção, da inteligência, da aprendizagem,
independente e dependente, e, de outro lado, controlar todas
da motivação, da emoção, da vontade e da personalidade.
as outras variáveis para que seu efeito possa ser considerado
Outra divisão possível se faz segundo o critério de examinar
como constante.
esses mesmos conteúdos quanto a sua relação com o
funcionamento do organismo (psicologia fisiológica); ou Em certos casos, como no estudo do desenvolvimento dos
quanto a sua manifestação no decorrer da evolução fatores da inteligência, da personalidade etc., o psicólogo não
(psicologia do desenvolvimento); ou quanto à comparação pode variar diretamente o fator que deseja estudar. Recorre
desses processos nos diversos graus de evolução animal então ao método diferencial. As diferenças individuais
pode esclarecer o comportamento humano (psicologia constituirão a variável propriamente dita; as outras condições,
comparada); ou, ainda, quanto ao condicionamento que e mesmo as provas às quais os indivíduos serão submetidos,
esses processos impõem à vida social do homem, ao mesmo ficam constantes.
tempo que as diversas formas da convivência social influem
na manifestação concreta dos mesmos (psicologia social). Enquanto os dois métodos citados permitem estabelecer leis
gerais, o método clínico se propõe compreender o indivíduo
Os pioneiros da psicologia científica, Wundt, William James e em sua situação particular ou pretende aplicar as diversas
Edward B. Titchener, se incluem na escola estruturalista, para leis gerais a casos individuais. Seu uso é indispensável no
a qual o importante é determinar os dados imediatos da diagnóstico da personalidade. Para o conhecimento preciso
consciência: as características principais e específicas dos de determinados fenômenos psicológicos, muitas vezes os
processos de consciência e seus elementos fundamentais. três métodos devem ser empregados conjuntamente.
A corrente funcionalista, à qual pertenciam os americanos
John Dewey, Robert S. Woodworth, Harvey A. Carr e James Psicologia do desenvolvimento
R. Angell, privilegia o estudo das funções mentais, em
detrimento de sua morfologia e estrutura. Em vez de O estudo longitudinal do desenvolvimento procura
investigar somente "o que é", o psicólogo estudará "para que compreender tanto a época do aparecimento dos processos
serve" e "como se efetua" o processo psíquico. psicológicos, quanto as características dos principais estágios
Na década de 1910, John B. Watson lançou a corrente da evolução psíquica. Iniciou-se com as pesquisas sobre a
behaviorista. Criticava tanto o funcionalismo quanto o psicologia da criança, mas os trabalhos de George Coghill, Z.
estruturalismo, que ele julgava serem demasiado subjetivos e Y. Kuo e outros mostraram a necessidade de levar em conta
imprecisos e propôs o estudo exclusivo do comportamento também os dados obtidos sobre o desenvolvimento psíquico
(em inglês behavior), ou seja, daquilo que é observável na dos animais, principalmente no terreno do desenvolvimento
conduta do homem. Segundo ele, seria cientificamente motor.
observável a ação de um estímulo sobre o organismo e a Alguns autores antigos consideravam o desenvolvimento
reação deste em face do estímulo. A relação entre estímulo e unicamente como um acréscimo em quantidade e
reação teria seu protótipo nos reflexos incondicionado e complexidade; teorias posteriores, ao contrário, afirmam que
condicionado. as modificações qualitativas e descontínuas surgem nos
Tanto o estruturalismo quanto o behaviorismo clássico vários níveis da evolução. Isto levou a caracterizar os níveis
procuravam reduzir o estudo da psicologia ao estudo dos de evolução em termos de "padrões de desenvolvimento".
elementos do comportamento. Contra essa dissecação da Admite-se que existam formas gerais comuns a todos os
vida psíquica insurgiu-se a corrente fundada por Max membros da mesma espécie, as quais durante certo período
Wertheimer, Kurt Koffka e Wolfgang Köhler, chamada caracterizarão seu comportamento psíquico.
psicologia da forma ou Gestaltpsychologie. Partindo da Estudos sobre a vida embrionária tanto do homem quanto
investigação das percepções, os gestaltistas formularam o dos animais mostram que os primeiros movimentos são
princípio segundo o qual o conjunto dos fenômenos psíquicos descoordenados e envolvem o organismo inteiro. Depois, por
apresenta características que não podem ser inferidas das individuação e por influência de fatores internos, na
partes isoladamente. concepção de Coghill, ou mais pela influência de fatores

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PSICOLOGIA

excitantes externos, na teoria de Kuo, as reações vão motoras, a evolução da linguagem e da inteligência, o
especificar-se em ordem precisa, definida. Assim, o ajustamento social e emocional. Um dos estudos mais
desenvolvimento motor vai de movimentos amplos que precisos sobre as características diferenciais de cada ano de
envolvem todo o membro até as atividades finas de vida foi realizado por Gesell e seus colaboradores. Outros,
coordenação motora. como Jean Piaget e Maurice Debesse, preferiram estudar
mais globalmente o desenvolvimento, ressaltando as próprias
Todas as teorias concordam que a regularidade do vivências internas das crianças e adolescentes.
desenvolvimento constitui uma prova da presença de fatores
internos, isto é, de fatores de maturação. Isso explica, no
dizer de Arnold L. Gesell, por que a criança senta-se antes de Psicologia social
ficar em pé, desenha um círculo antes de conseguir copiar
um quadrado e fabula antes de poder dizer a "verdade". A personalidade não se desenvolve nem se manifesta no
Influências externas desfavoráveis, como, por exemplo, ser vazio, mas em estreita interação com outras personalidades.
impedida de movimentar os membros, atrasam sua A disciplina científica que estuda a personalidade em
locomoção, mas, uma vez liberada, rapidamente recupera o interação é a psicologia social.
que perdeu e se iguala às outras crianças de mesma idade.
Autores antigos tiveram uma visão mais atomística da relação
O estudo do desenvolvimento da criança exige métodos entre a personalidade e a sociedade. Muitos consideravam
específicos pouco usados em outros ramos da psicologia. A que a psicologia social começa depois que a personalidade
análise dos jogos e desenhos infantis, a observação e análise se forma graças às forças internas e aos mecanismos de
cinematográfica são algumas das técnicas que permitem aprendizagem. Concepção mais recente, sem negar a
acompanhar sua evolução. importância desses fatores, ressalta que a personalidade, sob
todos os pontos de vista, desde o nascimento, está sendo
O desenvolvimento da personalidade humana pode ser
condicionada cultural e socialmente.
dividido em cinco etapas principais: vida intra uterina,
infância, adolescência, período maduro do adulto e velhice. A Outro tema preferido da psicologia social moderna é a
divisão ulterior da infância e da adolescência não é ainda investigação do status, isto é, a posição que alguém ocupa
uniforme entre os psicólogos. A maioria, contudo, destaca o no grupo, e do rôle, ou seja, o comportamento esperado do
primeiro ano de vida como fase especial. Depois vem a etapa indivíduo por um grupo humano. Para que uma pessoa seja
da primeira infância, até os seis anos aproximadamente. A bem ajustada, considerada como normal, é necessário que
segunda infância vai de 7 a 11 anos, seguida da fase da pré- saiba desempenhar seus rôles, seus "papéis sociais", e
puberdade. A adolescência se subdivide em dois períodos: a encontre suficiente grau de satisfação emocional na vivência
puberdade e a adolescência propriamente dita. Alguns desses papéis.
autores ainda distinguem, dos 18 aos 23 anos, o período da
juventude. Muitas pesquisas investigam não tanto a influência da cultura
e da sociedade sobre a personalidade, mas os processos que
O recém-nascido, apesar de estar já em contato com um caracterizam a organização comportamental dos grupos, a
mundo muito mais mutável do que as condições interação dos membros de um grupo. Especial atenção é
comparativamente constantes da vida intra uterina, consagrada ao estudo dos chamados pequenos grupos e
caracteriza-se ainda por uma dependência quase total do grupos primários, como seriam o grupo familiar, o grupo de
ambiente e pela aquisição das condições básicas de uma irmãos etc. Nessas circunstâncias, obtêm-se medidas
vida biológica independente: hábitos de alimentação, bastante precisas das diversas forças que interagem.
discriminação de estímulos e maturação do sistema nervoso.
Dentre os estudos das grandes coletividades, ocupa lugar
Na primeira infância, em conseqüência do desenvolvimento especial o do estudo da massa, que se caracteriza por certa
motor e verbal, a criança torna-se agente espontâneo de "homogeneidade mental", sensibilidade e excitabilidade de
atividades, por meio das quais buscará ativamente novos seus integrantes. A concepção mais aceita para explicar as
estímulos e começará a integrar-se, ainda que em boa parte reações muitas vezes violentas e mutáveis que ocorrem
somente na fantasia, ao mundo social de seus colegas e da nesse tipo de coletividade é a hipótese baseada em
família. Na segunda infância, a criança desenvolve a premissas freudianas: sob a pressão social, acumula-se o
capacidade de dissociar as qualidades dos objetos e se abre sentimento de frustração, mas as pessoas que,
ao mundo real por meio de generalizações, abstrações e individualmente, reprimiriam essa frustração, quando
manipulação livre dos símbolos verbais. Em alguns anos a reunidas em grupo, massa, sob a "ilusão da universalidade",
conquista intelectual transforma por completo sua atitude descarregarão sua agressividade.
para com o mundo externo.
A utilização de conhecimentos psicológicos para a resolução
As mudanças orgânicas e somáticas, principalmente o de problemas sociais é considerada como uma tecnologia
desenvolvimento dos caracteres sexuais secundários, social, onde os achados derivados de pesquisa pura e
acompanhados pela socialização da atividade intelectual, aplicada são empregados na construção de um produto
constituem verdadeira fase de transição, que começa aos 12- socialmente relevante. O cientista social dedicado à pesquisa
13 anos e vai até o fim da puberdade, por volta dos 15 anos. básica -- de modelos capazes de explicar a relação entre
Necessitando compreender-se nessa etapa, e, ao mesmo variáveis psicossociais -- poderá, por exemplo, estudar
tempo, sentindo a influência da sociedade que começa a experimentalmente qual a maneira mais eficaz de provocar
exigir dele uma responsabilidade, o adolescente assume mudanças de atitude em geral, ou em determinadas
progressivamente a direção ativa e pessoal de sua própria situações específicas. O cientista que utiliza conhecimentos
vida. Essa busca de auto afirmação às vezes fica só no teóricos e básicos em pesquisas diretamente ligadas à
mundo interno, mas costuma também manifestar-se em resolução de problemas sociais específicos poderá chegar a
rebeldia contra as autoridades, à procura de "novos estilos" tal conhecimento por meio de um trabalho relacionado a uma
de vida dentro dos quais possa sentir-se mais seguro. situação real, por exemplo, mudança da atitude do
preconceito de um grupo contra outro. O tecnólogo social
Dentro de cada um desses períodos, a psicologia do
utilizará esses conhecimentos na solução de problemas
desenvolvimento pesquisa especificamente o
específicos.
desenvolvimento corporal, a aquisição das habilidades

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PSICOLOGIA

Psicologia aplicada psicodiagnóstico. Criaram-se numerosos testes de


personalidade e de aptidão, que enriqueceram ainda mais o
Durante muito tempo a psicologia aplicada foi considerada acervo técnico e científico da psicologia clínica.
como um ramo da psicologia no qual os fatos e os métodos O emprego da estatística tornou possível a padronização e a
da ciência eram aplicados aos problemas práticos da vida verificação da fidedignidade e validade dos testes de
diária. Entretanto, o adjetivo "aplicado" conduz a uma aplicação coletiva e individual, com instruções escritas que
impressão errônea das relações entre a psicologia pura e a permitiam a auto aplicação e com apresentação especial que
aplicada, sugerindo que esta última toma de empréstimo à pedia o relacionamento e a comunicação com o examinador,
primeira seus princípios e leis. Na realidade, os princípios da modalidade mais apropriada ao exame individual do
psicologia aplicada são muitas vezes independentemente psicólogo clínico. A validade psicológica do teste, sua
derivados, a partir do esforço de solução de problemas consistência psicodiagnóstica nas aplicações sucessivas e a
práticos. natureza dos processos psicológicos investigados vincularam
A utilização dos métodos e resultados da psicologia científica cada vez mais a psicologia clínica à metodologia psicológica
na solução prática dos problemas do comportamento humano científica, evitando que ela se tornasse uma disciplina de
é chamada psicologia aplicada. Embora, desde o nascimento, aplicação prática rotineira, fundamentada apenas na
a psicologia científica tenha sido empregada nos diversos experiência empírica.
ramos da atividade humana, sua aplicação acelerou-se
principalmente a partir da segunda guerra mundial, durante a Psicologia educacional
qual os psicólogos foram solicitados a colaborar na seleção,
preparação e readaptação dos combatentes para as mais Também chamada psicologia escolar, a psicologia
variadas tarefas. Na atualidade, em todas as atividades educacional dedica-se ao exame psicológico do educando,
importantes aplicam-se os conhecimentos psicológicos. do educador e dos processos educativos, elabora e sugere
Existem, portanto, entre outras, psicologia clínica, a instrumentos e meios psicologicamente adequados para que
educacional, a do trabalho, a jurídica, a do esporte, a a educação possa ter melhor resultado. Apesar de se
ambiental, a hospitalar, a comunitária, a institucional, a do estender a qualquer situação educativa, ganhou terreno
lazer e a pastoral. As mais destacadas são sobretudo as três principalmente dentro dos limites da educação escolar. Seu
primeiras, tanto pelo número de psicólogos que se dedicam a desenvolvimento acelerou-se depois que Alfred Binet
elas, quanto pela influência que exercem na vida elaborou o primeiro teste de inteligência e Thorndike
contemporânea. investigou as leis de aprendizagem. Além dessas fontes, a
psicologia educacional alimenta-se ainda das técnicas do
aconselhamento e das técnicas da psicologia institucional.
Psicologia clínica
O exame psicológico dos alunos, para distribuí-los em
Conquanto a expressão psicologia clínica não seja a mais classes de acordo com suas capacidades reais, a análise das
adequada, trata-se de uma especialidade que veio atender a matérias lecionadas, a pesquisa dos sucessos e malogros
uma aguda necessidade social de ajustamento de crianças, escolares, a investigação das aptidões específicas das
adolescentes e jovens no lar, na escola e no trabalho. O crianças excepcionalmente bem-dotadas ou portadoras de
desenvolvimento educacional e econômico e a multiplicação dificuldades físicas e psíquicas são alguns dos campos em
de problemas profissionais da sociedade moderna que a psicologia educacional traz sua contribuição.
ressaltaram a importância do ajustamento psicológico em
todas as ocupações e relações humanas, desde a mais tenra Psicologia do trabalho
idade, incrementando a investigação científica no seu
domínio e o interesse por suas aplicações práticas. Também chamada de psicologia industrial, a psicologia do
A psicologia clínica colabora no diagnóstico e no tratamento trabalho visa a utilização, a conservação e o aprimoramento
das pessoas desajustadas ou com problemas emocionais. dos recursos humanos da indústria, desenvolve e aplica
Para o diagnóstico, os psicólogos empregam, além de testes, princípios e métodos psicológicos relativos ao aumento da
a entrevista clínica. O tratamento se efetua por meio das produção, ao incremento da satisfação e ajustamento
diversas técnicas psicoterápicas. A maior parte dos pessoal, e ao melhoramento das relações humanas dentro da
psicoterapeutas emprega a psicanálise ou técnicas derivadas comunidade de trabalho.
das diversas correntes analíticas; alguns empregam teorias O trabalho do psicólogo industrial começa antes da admissão
de aprendizagem, inclusive o condicionamento; outros, do trabalhador na empresa: a seleção de pessoal. A pessoa,
finalmente, elaboram seus métodos baseados na uma vez aceita por parte da direção da empresa, será
fenomenologia. Entre esse, sobressai Carl R. Rogers, que seguida pelo psicólogo em sua colocação, treinamento,
elaborou a técnica "não diretiva", ou "centrada no cliente". promoção, readaptação e na análise das causas de sua
No início da aplicação da psicoterapia, predominaram as eventual demissão. As investigações psicológicas relativas ao
técnicas psicoterapêuticas individuais, nas quais cada cliente trabalho mostram que o trabalhador deve executar sua tarefa
era atendido por um psicoterapeuta. A preparação dos em ambiente propício, o que diz respeito ao local de trabalho,
psicoterapeutas inclui conhecimento teórico sobre a suas cores, iluminação, temperatura e ventilação adequadas
personalidade normal e anormal, e estágio prático à natureza do trabalho e ao número dos trabalhadores, como
supervisionado. Em certas correntes, como na psicanálise, é também o mobiliário e as máquinas em disposição racional,
indispensável que o futuro psicólogo clínico se submeta à permitindo movimentos fáceis e seguros. As pesquisas
psicoterapia antes de aplicá-la aos outros. Nas décadas de relativas à prevenção de acidentes confirmaram a hipótese
1960 e 1970, cresceu sobremaneira o número das técnicas segundo a qual há certos indivíduos com maior predisposição
psicoterápicas de grupo. para sofrer acidentes e que testes e métodos apropriados de
seleção são capazes de identificar essas pessoas
A elaboração de várias baterias de testes de inteligência antecipadamente.
verbal e de desempenho viso-motriz (performance) equipou o
psicólogo clínico com recursos válidos para o exame e

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PSICOLOGIA

O rendimento do trabalhador pode ser muitas vezes (3) lei da simetria, que estabelece que os agrupamentos
aumentado graças à melhor coordenação de seus simetricamente organizados tendem a ser mais facilmente
movimentos. Para maior eficiência, estes devem ser os mais perceptíveis do que os agrupamentos assimétricos;
simples possíveis, dentro das condições particulares de
trabalho; devem seguir a coordenação natural dos músculos (4) lei do fechamento, que expressa a tendência de formas
e membros para evitar esforço inútil e devem manter imperfeitas ou incompletas de virem a se fechar ou completar
determinado ritmo. É inegável a importância da para alcançar maior grau de regularidade ou estabilidade;
racionalização do trabalho, de seu ambiente físico, assim (5) lei do destino comum, que expressa a preferência pelo
como da motivação econômica do trabalhador. Entretanto, as agrupamento de elementos que se movem ou se
pesquisas mais abrangentes evidenciam que são de igual ou transformam numa direção comum;
maior importância os fatores que influem e determinam as
relações humanas dentro da indústria: relações entre direção (6) princípio da proximidade, segundo o qual os estímulos de
e empregados, relações entre colegas, relações entre maior proximidade espacial ou temporal tendem a ser
supervisores e subordinados. Diversas técnicas foram agrupados;
elaboradas para melhorar essas relações dentro da situação (7) princípio da semelhança, que diz que em condições
de trabalho. A psicologia do trabalho desdobra-se em vários iguais, os estímulos mais semelhantes entre si, seja pela cor,
ramos, como a ergonomia, que procura adaptar os aparelhos tamanho, forma ou outra característica, mostram tendência a
e instrumentos da vida moderna às condições e capacidades agrupar-se.
humanas. Sua cooperação vem a ser solicitada tanto na
construção das cápsulas das viagens espaciais quanto na Novos rumos. Nas décadas de 1930 e 1940, os princípios da
distribuição adequada de todos os comandos necessários, psicologia da forma estenderam-se a novos domínios, como
instrumentos registradores e de controle automático. a motivação, a psicologia social, a estética e a economia. Os
principais nomes ligados a essa generalização das idéias da
Psicologia da Gestalt Gestalt foram Kurt Lewin, Solomon Asch, Rudolph Arnheim e
George Katona. Esse novo rumo, no entanto, determinou o
Surgida como reação ao elementarismo associacionista do fim da Gestalt como escola psicológica, pela fusão com
século XIX, a teoria da Gestalt enfrentou-se à afirmação outras idéias da época, sem que se negasse a importância de
segundo a qual a psicologia devia considerar analiticamente sua existência e o valor científico de suas descobertas e a
o fenômeno psicológico, decompô-lo em suas partes, chegar influência na história da psicologia.
ao elemento básico e, a partir deste, formular teorias
explicativas dos mecanismos psicológicos. A psicologia da Psicanálise
forma, ou Gestalt (termo alemão que significa configuração,
forma ou estrutura) se fundamenta na moderna teoria da A imagem de uma pessoa que, deitada num divã, conta seus
percepção, segundo a qual um dado é percebido como problemas pessoais a um psicanalista, representa uma
totalidade organizada e o todo tem características que não situação na qual o paciente tenta descobrir por si próprio a
podem ser inferidas das partes isoladamente. origem das angústias, fobias ou inseguranças em sua história
de vida e o analista desempenha o papel de instância
História. Em 1890, o psicólogo austríaco Christian von estimuladora e alvo de transferência.
Ehrenfels provocou um sério abalo na teoria psicológica
associacionista ao demonstrar teoricamente que uma forma é Psicanálise é a ciência dos processos mentais inconscientes.
mais que a simples soma das partes que a integram. Constitui ao mesmo tempo um método para a investigação
Exemplificou com uma melodia, que se compõe de sons, e dos processos mentais, de outro modo inacessíveis; uma
com uma figura, integrada por linhas e pontos. Em 1912, Max terapêutica, a psicoterapia, para tratamento das desordens
Wertheimer publicou os resultados de um trabalho neuróticas; e um arcabouço de concepções psicológicas
experimental sobre a percepção que foi considerado o marco estruturado a partir das duas práticas anteriormente citadas
inicial da escola psicológica da Gestalt. Sua pesquisa para constituir uma disciplina científica. A psicanálise pode
consistiu em exibir objetos estáticos em rápida seqüência, de ser entendida como uma técnica de interpretação.
modo a produzir no observador ilusão de movimento, que ele
A doutrina psicanalítica foi criada no final do século XIX pelo
chamou phi fenômeno. O experimento demonstrou que a
médico austríaco Sigmund Freud, cuja preocupação inicial foi
percepção se dá em relação ao todo e não quanto às partes
a de descobrir como minorar o sofrimento causado pelos
que o integram. Assim, Wertheimer estabeleceu o estudo da
distúrbios emocionais. Em lugar de aceitar que se devia
percepção como ponto de partida do gestaltismo, ou
amortecer esse sofrimento mediante a prescrição de
psicologia da forma, baseado na premissa segundo a qual
remédios, procurou descobrir quais fenômenos estavam em
uma totalidade é determinada por leis que lhe são próprias.
sua gênese. Concluiu que o desejo era o que estava
Princípios fundamentais. As funções psicológicas, como encoberto, e constatou também que a manifestação dessa
memória, percepção, inteligência e emoções foram verdade provocava efeitos positivos sobre os sintomas,
estudadas pela Gestalt de acordo com os seguintes principalmente sobre o sofrimento, cuja causa é o
princípios: desconhecimento do desejo. Ou seja, a revelação do desejo
reprimido eliminava o sofrimento.
(1) princípio da pregnância, ou lei da boa forma, que
expressa a tendência de cada estrutura de organizar-se Baseado nas investigações de Josef Breuer, bem como nas
psicologicamente da melhor maneira possível, segundo uma de Jean Martin Charcot e Pierre-Marie-Félix Janet, sobre a
forma tão completa e perfeita quanto as condições o aplicação de catarse hipnótica em pacientes com traumas
permitam; psíquicos e morbígenos, Freud supôs que o sintoma histérico
poderia ser o substitutivo de um ato mental omitido ou uma
(2) lei da boa continuidade, segundo a qual os elementos de reminiscência da ocasião em que o mesmo fora praticado.
um conjunto tendem a acompanhar uns aos outros, de Apesar dos excelentes resultados advindos da terapêutica
maneira a favorecer a continuidade de uma linha ou de um pela catarse hipnótica, rejeitou a inevitável relação de
movimento e a atingir a forma estruturalmente mais estável; dominação estabelecida entre médico e paciente por essa
técnica e, após amplas investigações, substituiu a hipnose
por um método de livre associação de idéias, feita

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PSICOLOGIA

espontaneamente pelo paciente em estado de vigília. Com ou narcísicas. Considerou também que os fatores genéticos
isso, estavam lançadas as bases da psicanálise. podem predispor as perturbações do comportamento.
Estrutura do aparelho psíquico. A perspectiva de Freud Do ponto de vista terapêutico, a psicanálise interessa-se em
centraliza-se na idéia do conflito. Distingue três regiões na remover as causas que determinam os sintomas. Visa ao
estrutura do psiquismo, que não correspondem a zonas desrecalcamento e à interpretação. O desrecalcamento
estritamente delimitadas: a consciente, a pré-consciente e a realiza-se pela revivência e não por meio da simples
inconsciente. A região do inconsciente incluiria todos os rememoração das experiências traumáticas. As dificuldades
processos e representações voluntariamente inacessíveis à que se observam no processamento do desrecalque
evocação, embora permeáveis à análise. O pré-consciente exprimem o fenômeno da resistência.
cobriria todas as representações acessíveis, a qualquer
momento, ao processo evocador. Por atuação da censura, as Resistência. As experiências penosas e inaceitáveis sofrem
três instâncias se polarizariam e viriam a compor dois um processo de repressão por parte dos escrúpulos e
sistemas antagônicos, o sistema consciente pré consciente e temores éticos, e são relegadas a áreas marginais e
o sistema inconsciente, este portador de certo grau de obscuras da consciência. Essas experiências recalcadas
incompatibilidade com as representações e processos tentam exteriorizar-se, mas as forças conscientes não o
integrantes do sistema consciente pré consciente. permitem e estabelecem uma rigorosa censura sobre o que
pode e o que não pode aflorar à consciência. Esse
Inicialmente, Freud identificou o sistema consciente pré mecanismo denomina-se resistência. Os impulsos instintivos
consciente com a instância do ego e conceituou o conflito reprimidos conseguem, em muitos casos, burlar a censura
como se opusesse esse sistema consciente pré consciente por um processo de disfarce, como por exemplo um sintoma
ao sistema inconsciente. Porém, em 1923, propôs outro neurótico que o substitui ou simboliza. Para a interpretação
esquema representativo do conflito, no qual distinguiu entre na neurose, portanto, o que se propõe é a descoberta do que
as instâncias do ego, do superego e do id. O id seria a zona subjaz reprimido e se manifesta por intermédio dela.
dos impulsos instintivos; o ego, ou seja, a porção mais
superficial do id, estaria sujeito a modificações por influência Tipos de neurose. Freud classificou as neuroses em dois
do meio exterior; e o superego, que domina o ego e grupos: as atuais ou narcísicas e as transferenciais ou
representa a inibição dos instintos. Assim, a camada mais psiconeuroses. As primeiras se caracterizam pelo caráter
externa do ego agiria no plano consciente, enquanto as somático. Como não são determinadas por fatores psíquicos,
zonas profundas do id permaneceriam mergulhadas na seus sintomas não comportariam interpretação, pois não
inconsciência. teriam significado. A neurastenia, a neurose de angústia e a
hipocondria constituem os três tipos de neuroses atuais ou
Aspecto dinâmico das situações conflitivas. A noção de narcísicas. As neuroses transferenciais podem ser
conflito implica a existência de forças antagônicas. Essas significativas e curáveis pela técnica terapêutica da
forças logo se revelaram representadas, de um lado, pelas psicanálise. Caracterizam-se estas neuroses transferenciais
pulsões sexuais; de outro, pelo impulso de autoconservação por serem produzidas psicologicamente em função das
do ego, vinculado às funções orgânicas (nutrição, respiração experiências infantis e por serem significativas, isto é, por
etc.). Esse esquema permaneceu até 1915, quando Freud serem a manifestação de desejos recalcados. Suas formas
iniciou um processo de revisão e acabou por adotar o são a histeria, a neurose de ansiedade e a neurose
conceito de narcisismo. Desde então, a libido -- emanada das obsessiva.
pulsões sexuais -- centraliza-se no próprio ego e dele deriva,
parcialmente, para os objetos externos, de onde reflui para o Teoria da sexualidade. A originalidade de Freud se revela na
ego. As funções de autoconservação e sobrevivência teoria da sexualidade, principalmente na forma inversa com
passam, então, a ser conceituadas como decorrências do que a entendeu: em lugar de partir das fases inferiores do
investimento libidinoso do próprio ego. O conflito não aparece processo genético, tomou as formas superiores como ponto
mais representado pela oposição entre pulsões sexuais, de de partida. Examinou as fases que antes teriam sido
um lado, e, do outro, pelo instinto de autoconservação do vencidas, mediante o exame dos processos de regressão.
indivíduo. Revela-se então como expressão de uma mesma Com essa técnica, determinou melhor a própria noção de
energia libidinal que se bifurca, centralizando-se em parte nos sexualidade, fixou suas formas infantis e precisou o
objetos e, em parte, investindo-se no próprio ego. verdadeiro sentido das perversões, vendo nelas formas de
um processo de regressão. Quanto à caracterização da
Em 1920, no entanto, Freud publicou Jenseits des sexualidade, Freud ampliou-lhe o significado em duas
Lustprinzips (Além do princípio do prazer), com nova direções: (1) mostrou a presença de manifestações sexuais
concepção dualista, que opõe de um lado as pulsões de vida na infância; e (2) mostrou o caráter sexual de certas formas
e, de outro, as pulsões de morte. A idéia de um instinto de de conduta, aparentemente desvinculadas de significado
morte implica a presença -- em todos os seres vivos -- de um sexual.
impulso que visa ao retorno ao estado inanimado. O impulso
de morte visa à autodestruição. O instinto de vida será então Essa incorporação de manifestações aparentemente não
o conjunto de forças que operam contra o processo de sexuais à sexualidade foi, também, conseqüência da própria
autodestruição. A libido, assimilada ao instinto de vida, teria reestruturação do conceito de instinto. Para Freud, o instinto
por função neutralizar a tendência autodestrutiva. Freud é o conjunto dos atos psíquicos necessários à realização de
destaca a freqüência com que comportamentos são repetidos uma função fisiológica. O instinto visa à conservação do
compulsoriamente sem que haja vestígios de satisfação indivíduo ou à conservação da espécie e apresenta quatro
libidinal. características: (1) uma fonte; (2) uma finalidade; (3) um
objetivo; (4) um impulso. A fonte é caracterizada como uma
Teoria da neurose. O estudo das neuroses envolve dois condição ou necessidade do corpo e sua finalidade é remover
aspectos básicos: o etiológico e o terapêutico. a excitação. O objetivo é aquilo que satisfaz uma
necessidade. O impulso é a sua força. O instinto é
Sobre o aspecto etiológico, ou seja, das causas das conservador e regressivo, pois ao ser reduzida a sua tensão,
neuroses, Freud enfatizou as determinações de ordem volta o organismo ao estado de tensão anterior. Ao caráter
psicológica, embora os fatores somáticos sejam reconhecidos cíclico do instinto Freud denomina repetição compulsiva.
em certos tipos de neuroses, especialmente as ditas atuais

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PSICOLOGIA

A sexualidade infantil tem, para Freud, duas fases básicas: mencionar: (1) a facilidade com que ele é esquecido; (2) o
(1) auto erótica; (2) heteroerótica. A primeira é constituída da predomínio das imagens e, em particular, das imagens
fase oral-sádica e da fase anal-sádica. Nesse período inicial, visuais sobre os elementos de natureza conceitual, o que o
a libido se volta difusamente para o próprio corpo. A segunda caracteriza como expressão do processo regressivo; (3) seu
fase, heterossexual, define-se como fálica e se caracteriza conteúdo significativo redigido em nível metafórico, que
por uma fixação libidinal transitória denominada complexo de impõe trabalho de interpretação; (4) sua natureza
Édipo, que consiste na fixação da libido no genitor de sexo hipermnésica, no sentido de que nele se mobilizam
oposto, num sentido evidentemente incestuoso. A essas duas experiências inacessíveis à evocação quando em estado de
fases básicas sucede o período de latência, que termina na vigília.
puberdade, quando a libido toma direção sexual definida e se
instala a sexualidade genital. Há, no sonho, um conteúdo manifesto e um conteúdo latente,
que são as idéias oníricas encobertas. O conteúdo manifesto
Por motivos de ordem cultural, recai sobre os instintos é o sonho tal como ele é relatado. O conteúdo latente é o seu
sexuais a mais intensa repressão, mas, paradoxalmente, sentido oculto, sentido que justifica o processamento da
nesses casos os mecanismos repressivos tornam-se mais análise interpretativa. Os pensamentos latentes e o conteúdo
falhos e permitem o aparecimento de sintomas neuróticos. manifesto do sonho aparecem como dois relatos dos mesmos
fatos, em línguas diferentes ou em níveis diversos.
Transferência. A teoria freudiana da sexualidade permitiu à
psicanálise a formulação do conceito de transferência, Teoria do chiste. O chiste ou trocadilho representa produção
mecanismo por intermédio do qual desejos inconscientes se psíquica muito próxima, em sua estrutura e em suas funções,
atualizam no contexto da relação entre analista e analisando. dos processos do sonho.
A transferência é um dos principais instrumentos de trabalho
da psicoterapia analítica, pois permite a repetição de A diferença decorre do sentido social do chiste, por oposição
protótipos infantis, vivida com sentimento de atualidade, ao sonho, marcado por caráter estritamente individual. Freud
facilitando a solução de traumas e conflitos neurotizantes. A distinguiu dois tipos fundamentais de chiste: o inofensivo e o
possibilidade de evocação desse mecanismo prova que o tendencioso. Este, por sua vez se divide nos que se
adulto não superou a dependência infantil. Por meio da caracterizam pelo sentido agressivo e os que se definem
sugestão, o terapeuta induz o paciente a superar suas como obscenos, ambos processamentos catárticos, que
resistências internas e internas e trazer os conflitos à possibilitam redução de tensão. Quanto aos chistes
superfície. inofensivos, o que os caracteriza é o fato de que neles a
gratificação é intrínseca.

Psicopatologia da vida cotidiana Teoria da cultura. A problemática sociocultural foi estudada


por Freud, fundamentalmente, em três obras: Totem und Tabu
(1912-1913; Totem e tabu), onde o tema é a origem da
Os lapsos, os esquecimentos, os erros etc. são estudados na
sociedade; Massenpsychologie und Ich-Analyse (1921;
obra Zur Psychopathologie des Alltagslebens (1904;
Psicologia coletiva e análise do ego), na qual faz a análise
Psicologia da vida cotidiana). Freud atribui-lhes um
das razões que determinam a formação e a persistência dos
significado, por não aceitar que sejam acidentais. Com isso,
grupos humanos; e Das Unbehagen in der Kultur (1930; O
generalizou o princípio do determinismo psicológico, que
mal-estar na civilização), em que considera a possibilidade da
caracteriza todos esses atos como padrões expressivos de
felicidade, levando em conta o fato de que a sociedade impõe
motivações inconscientes.
uma drástica redução das satisfações individuais.
A classificação dos atos falhos compreende três grupos: (1)
atos sintomáticos; (2) atos perturbados; (3) atos inibidos. Movimento psicanalítico
Entende-se por ato sintomático aquele que se cumpre sem
recalque. O ato perturbado caracteriza-se como o que se
cumpriu só parcialmente, em face de um recalque Os primórdios da psicanálise podem ser determinados por
incompleto. O ato inibido é o que resulta de uma situação de duas datas: 1895, ano da publicação do trabalho conjunto de
conflito, na qual ocorre recalcamento completo. Dentro da Freud e Breuer, intitulado Studien über Hysterie (Estudos
perspectiva psicanalítica, que sustenta a continuidade entre o sobre a histeria); e 1900, quando apareceu a obra de Freud
normal e o patológico, afirma-se que os atos sintomáticos são Die Traumdeutung (A interpretação dos sonhos). Em 1907,
comuns no homem normal. Seriam os gestos involuntários, psiquiatras suíços, sob orientação de Eugen Bleuler e Carl
que revelam aquilo que o sujeito pretende não revelar. Já os Gustav Jung, começaram a introduzir novos conceitos na
atos perturbados são resultado de uma intersecção de forças teoria psicanalítica. Um ano depois, em Salzburgo, houve
e expressam uma situação de conflito. Estes podem ser de uma reunião de adeptos da psicanálise oriundos de vários
visão, de audição e de gesto, assim como podem estar países. Em 1909, as conferências feitas por Freud e Jung na
presentes em erros de memória. O ato inibido pode se universidade americana de Clark despertaram interesse entre
manifestar no domínio cognitivo -- esquecimento -- como no os europeus. As principais críticas dos médicos visavam a
domínio motor -- paralisia. Esse último situa-se na esfera questão da valorização dos dados psíquicos em detrimento
patológica, ou seja, nas manifestações histéricas. dos fatores físicos. Do ponto de vista filosófico, criticou-se a
prioridade dada à atividade mental inconsciente na
Teoria do sonho. "O sonho é a realização de um desejo." No formulação dos conceitos universais.
livro Die Traumdeutung (1900; A interpretação dos sonhos),
Freud tornou possível o estudo interpretativo do sonho e Diretrizes freudianas. A despeito de tudo, porém, surgiram
introduziu o método da associação. Esse estudo é definido inúmeras organizações psicanalíticas internacionais. Um
por ele como a estrada real para o inconsciente. Acreditava artigo de Freud, publicado em 1926, mostra as linhas gerais
que diversas pressões motivacionais, além daquelas de do desenvolvimento técnico e teórico da psicanálise nos anos
natureza sexual, podem provocar sonho. Do ponto de vista que se seguiram. Segundo suas diversas diretrizes, o
fisiológico, o sonho constitui condição indispensável ao movimento pode ser assim dividido:
processamento do sono. Sonha-se para que se possa dormir. (1) o esquema da organização psicológica teve sua
A tendência perturbadora é o desejo a se reduzir ou se importância limitada pelo fato de, em seus últimos escritos,
satisfazer. Entre as propriedades do sonho, é preciso

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PSICOLOGIA

ter Freud se concentrado no estudo dos problemas fenômenos psíquicos, em especial entre um estímulo físico e
psicodinâmicos; a sensação que ele produz. Seu método consiste em
determinar a intensidade das sensações por meio da
(2) o papel da ansiedade, bem como o dos processos avaliação rigorosa dos estímulos. Dentro da evolução da
conscientes e inconscientes de que se vale o ego para psicofísica podem-se definir dois períodos: o clássico,
controlar seus impulsos, ganhou importância na pesquisa dominado pelo médico alemão Gustav Theodor Fechner, que
analítica; cunhou a expressão psicofísica, e o atual, em que surgiram
(3) o incremento do interesse pelo estudo da psicoterapia teorias que visam a precisar os métodos utilizados na fase
aplicada à criança, pois a partir das observações de Freud, anterior e a ampliar os objetivos dessa ciência.
Hermind von Hug-Hellmuth e Jung, a análise infantil foi A psicofísica clássica, que tem raízes na obra do fisiologista
ampliada por Anna Freud, Melanie Klein e outros; Ernst Heinrich Weber, dedicou-se ao estudo sistemático dos
(4) os problemas da sexualidade feminina tornaram-se o limiares de sensibilidade, que se classificavam em absolutos
principal objeto de estudos por parte de Freud, Ernest Jones, e relativos. Limiar absoluto é a menor intensidade com que
Helene Deutsch, Ruth Mack Brunswick, Sándor Radó, Karen pode atuar um estímulo, de modo a provocar resposta; limiar
Horney e outros; relativo é a menor diferença que se pode registrar entre um
estímulo e outro de maior ou menor intensidade. Com base
(5) a técnica e a teoria psicanalíticas passaram a ser nesses conceitos, Weber enunciou a lei segundo a qual as
aplicadas ao estudo da fisiologia e patologia orgânicas, o que menores diferenças de sensibilidade perceptíveis são
culminou na nova diretriz terapêutica da interpretação relativamente constantes. Fechner pretendeu conferir maior
psicossomática de doenças; e rigor à lei de Weber e introduzir a medida em psicologia,
(6) outro direcionamento importante ocorreu nos setores outorgando-lhe a condição de saber científico rigoroso. Em
antropológico e sociológico, onde se destacaram Geza Elemente der Psychophysik (1860; Elementos de psicofísica),
Roheim, Margaret Mead, B. Malinowski, Abram Kardiner, definiu a ciência que surgia como "a teoria exata das relações
John Dollard e outros. entre o corpo e a alma, e, de modo geral, das relações entre
o mundo físico e o mundo psíquico". Foi Fechner quem
Evolução da psicanálise. O movimento psicanalítico formulou a lei clássica da psicofísica: "Enquanto o estímulo
apresentou sérias divergências. Assim, enquanto Freud cresce em progressão geométrica, a sensação cresce em
atribuía importância capital ao aspecto biológico nos progressão aritmética."
processos do psiquismo humano, Jung seguiu diretriz
mística; já Otto Rank se referia à psicologia facultativa do Na pesquisa dos limiares absolutos e relativos, a psicofísica
século XVIII, ao passo que Alfred Adler enfatizava um poder consagrou três métodos: o dos limites, o do estímulo
agressivo artificialmente isolado. Controvérsias mais recentes constante e o do ajustamento. O primeiro consiste na
dizem respeito a detalhes da técnica e da teoria apresentação ao sujeito da experiência de uma série
psicanalíticas. Os líderes desse movimento podem ser graduada de intensidades, que se estende de níveis não
agrupados em duas facções, os chamados "neofreudianos" e detectáveis até níveis suscetíveis de discriminação. Os
"antifreudianos". estímulos são apresentados em ordem regular e em ensaios
alternadamente ascendentes e descendentes. Considera-se
Outras tendências divergentes no movimento psicanalítico que está no limiar o estímulo que pode ser percebido em
são representadas por Sándor Ferenczi, que a partir de 1927 cinqüenta por cento das apresentações. O método do
se afastou da ortodoxia freudiana e cujas experiências estímulo constante é semelhante ao anterior, mas os
inspiraram a análise em grupo e o psicodrama; Wilhelm estímulos são apresentados ao acaso e não em seqüência
Stekel, que preconizou terapia ativa e tratamento mais curto; ordenada. No método de ajustamento, é o próprio sujeito
e Wilhelm Reich, que rompeu com Freud por considerar a quem controla a intensidade dos estímulos, de modo a situá-
psicanálise ortodoxa reacionária do ponto de vista social. O la em níveis detectáveis.
movimento crítico deu origem a novas tentativas de revisão
no seio da psicanálise, cujo objetivo era uma aproximação A partir de 1880, se multiplicaram as críticas à psicofísica. O
com a psicologia experimental, apesar da diferença de filósofo Henri Bergson, em Essai sur les donnés immédiates
perspectivas entre as duas disciplinas. de la conscience (1889; Ensaio sobre os dados imediatos da
consciência), afirma que os fenômenos psíquicos são
Influência cultural. A psicanálise determinou novos rumos realidades apenas qualitativas, sem dimensão quantitativa e,
para as ciências humanas -- sociologia, antropologia e portanto, não suscetíveis de medição. A partir de 1950, os
demais disciplinas --, para a arte e para a religião. Sobretudo, americanos Stanley Smith Stevens e Eugene Galanter
influenciou o próprio estilo de vida e costumes do homem do provaram que a detecção de sinais não se produz como
século XX, principalmente quanto à liberdade para a mostravam os métodos fechnerianos e que, neles,
discussão das questões ligadas à sexualidade. percepção e sensação não se distinguiam de forma
adequada. Segundo Galanter, as oscilações na percepção
Psicofísica dos limiares são alteradas pelos estados de motivação do
sujeito.
Na época do pleno florescimento do experimentalismo e
afirmação do pensamento positivista, para o qual só é Na atualidade, os métodos da psicofísica são usados no
verdadeiro o que é empiricamente comprovável, tangível e estudo das sensações e aplicados à comparação e avaliação
útil, a psicologia assimilou os métodos próprios das ciências de produtos industriais e em testes pessoais.
exatas. Em meados do século XIX, quando surgiu a
psicofísica, acreditava-se que os fenômenos psíquicos Psicofisiologia
deviam ser abordados da mesma forma que os objetos
materiais, pois seriam regidos por leis análogas. Nesses A base fisiológica das funções motoras faz delas objeto de
termos, a psicofísica pode ser entendida como precursora da máximo interesse para a psicofisiologia, especialmente no
psicologia experimental. que se refere aos reflexos, à postura, ao equilíbrio, à
coordenação motora e ao mecanismo de execução dos
Psicofísica é a ciência que procura estabelecer relações movimentos. Psicofisiologia é a ciência que estuda os
quantitativas exatas entre os dados do mundo físico e os fundamentos anatômicos e fisiológicos do comportamento.

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PSICOLOGIA

Tem por objeto estabelecer a correlação entre os fenômenos mecanismos neuro-hormonais se alteram e exercem sobre
sensoriais de origem fisiológica e os fenômenos psicológicos órgãos e tecidos uma pressão superior à que se requer para
correspondentes. As correntes psicofisiológicas mais radicais seu funcionamento normal. Daí o grande número de afecções
propõem a substituição da psicologia pela fisiologia, numa degenerativas -- cardiovasculares, digestivas, neurológicas
posição reducionista. No extremo oposto estão os psicólogos etc. -- ligadas a atividades cujo exercício sujeita os
que entendem ser dispensável a base fisiológica para a profissionais a múltiplas tensões, ansiedade e estresse,
psicologia. Considera-se a publicação de Rapports du freqüentemente associados ao excesso de trabalho.
physique et du moral de l'homme (1796-1802; Relações entre
o físico e a moral do homem), obra de Georges Cabanis, Além das complicações já mencionadas, muitas outras
precursor da psicofisiologia que viveu na segunda metade do podem ser causadas pela sobrecarga de preocupações, tais
século XVIII, como o marco inicial da psicofisiologia. Essa como hipertensão, flatulência, obesidade, enxaquecas,
disciplina progrediu lentamente até que em 1929 o cientista dermatites, impotência, frigidez, dores musculares etc.
alemão Hans Berger inventou a eletroencefalografia, técnica Terapia farmacológica, psicanálise, ioga, meditação,
que permite registrar e interpretar as variações elétricas com exercícios de relaxamento e massagens são alguns dos
sede no cérebro, cujos resultados são de utilidade para a recursos utilizados para tratar as doenças psicossomáticas.
medicina e para a cirurgia. Psiconeuroimunologia. No início da década de 1980, surgiu
O surgimento da psicocirurgia e o avanço da uma nova especialidade médica, a psiconeuroimunologia,
psicofarmacologia marcaram o progresso da psicofisiologia, encarregada de investigar as interações entre o sistema
cujas contribuições mais importantes enfocam temas como nervoso central e o sistema imunológico. Verificou-se que
níveis de vigilância, sono e sonho; motivação e emoção; distúrbios de natureza psicológica estão freqüentemente
memória e aprendizagem; personalidade e suas associados a fenômenos fisiológicos, como alterações na
modificações. A evolução dos estudos sobre alterações de chamada "química do cérebro", que consistem em mudanças
personalidade e mudança de comportamento determinou a na concentração dos neurotransmissores, mensageiros
substituição da intervenção cirúrgica chamada lobotomia, químicos que atuam na transmissão dos impulsos nervosos.
praticada com o objetivo de alterar a personalidade e conter Os primeiros estudos nesse campo concentraram-se nas
assim a agressividade do paciente, pelo uso de drogas que relações entre o estresse e os distúrbios imunológicos.
atuam no cérebro. Essas drogas se classificam em três Pesquisas realizadas no final da década de 1980
categorias: psicolépticas, que diminuem a atividade mental; comprovaram que alguns componentes do sistema
psicoanalépticas, que estimulam a atividade mental; e imunológico responsáveis por estimular a ação dos linfócitos
psicodislépticas, que apresentam efeitos perturbadores. O T (as chamadas células assassinas) tinham sua atividade
primeiro grupo compreende os hipnóticos; os tranqüilizantes, diminuída após uma exposição do organismo a fatores
de ação suave; e os neurolépticos, de ação vigorosa. O estressantes. Demonstrou-se, assim, que o estresse reduz os
segundo grupo compreende as anfetaminas, drogas que anticorpos naturais do organismo e, portanto, a resistência às
atuam sobre o sistema de vigilância; e os antidepressivos, doenças.
que operam sobre o humor. No terceiro grupo situam-se as
drogas alucinógenas e despersonalizantes Outros trabalhos nessa área voltaram-se para o estudo da
imunoestimulação -- o aumento da resposta imunológica aos
Doenças Psicossomáticas agentes agressores -- por meio de técnicas de hipnose,
meditação e relaxamento. As primeiras pesquisas indicaram
Diversos tipos de problemas gastrointestinais, afecções que essas técnicas são capazes de estimular o organismo a
dermatológicas e alterações neurovegetativas são alguns dos produzir mais células de defesa.
transtornos orgânicos que têm origem em desequilíbrios dos
processos mentais. Psicolingüística
Doenças psicossomáticas são todos os processos orgânicos O vocábulo psicolingüística começou a ser usado
patológicos de origem psicológica, causados por estresse, internacionalmente na década de 1940. O desenvolvimento
ansiedade, depressão etc. Esses fatores determinam uma da nova disciplina acompanhou o das ciências humanas em
ativação inadequada do sistema neurovegetativo e das geral e da lingüística em particular.
glândulas endócrinas. Sua repetição pode levar a alterações
crônicas, tanto funcionais como anatômicas, dos sistemas Psicolingüística ou psicologia da linguagem é a ciência que
orgânicos. se propõe estudar as relações entre a estruturação lingüística
e a atividade cognitiva. Pretende que as mensagens emitidas
A medicina moderna passou a estudar a estreita relação pelos seres humanos sejam estudadas como índices do
existente entre a esfera psíquica e o funcionamento do comportamento, em suas características universais e
organismo no início do século XX, com a patologia funcional particulares. Ocupa-se, também, do estudo dos processos de
de Ernest von Bergmann e as correntes personalistas e aquisição da linguagem e dos distúrbios da linguagem.
antropológicas de Ludolf von Krehl, Richard Siebeck e Viktor
Weizsäcker. A tendência a considerar o homem de forma Nos Estados Unidos, a psicolingüística apresentou duas
global opôs-se à crescente especialização da medicina e sua orientações: a racionalista ou mentalista e a neobehaviorista
tendência ao mecanicismo. ou comportamentalista. Os racionalistas da psicologia da
linguagem utilizam especialmente sistemas teóricos e
Do ponto de vista fisiológico, verifica-se que, durante os modelos de descrição pautados nas gramáticas filosóficas
estados de excitação, medo, raiva etc., produz-se de forma dos séculos XVII e XVIII e se filiam ao pensamento dos
imediata uma modificação nas constantes vitais: a pressão psicólogos introspectivos e gestaltistas do século XIX,
sangüínea se eleva, o ritmo respiratório se acelera e principalmente Wilhelm Wundt. O lingüista americano Noam
produzem-se secreções, como a transpiração e a descarga Chomsky resgatou as idéias de Wundt em sua gramática
de adrenalina. Tal preparação fisiológica para situações de gerativa e transformacional, criada no final da década de
emergência constitui uma resposta transitória, que atua até 1950, na qual afirma que a linguagem -- cuja unidade básica
que as circunstâncias externas adversas ou ameaçadoras de análise seria a oração e não a palavra -- uma das áreas
tenham deixado de existir. Entretanto, se o estado de estudo também da psicologia.
biopsíquico perdura a ponto de se tornar habitual, os

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PSICOLOGIA

Os estudos neobehavioristas ou neocomportamentalistas especialmente na área da educação. Os franceses Alfred


foram iniciados por B. F. Skinner, com Verbal Behavior (1957; Binet e Théodore Simon apresentaram, no início do século
Comportamento verbal), que aplicou a metodologia empírica XX, a primeira escala de inteligência para crianças em idade
nas pesquisas de psicolingüística. Skinner começou a escolar. Após uma revisão dessa escala, determinou-se a
estudar o comportamento verbal utilizando categorias inteligência média para cada idade específica e se
empregadas em outros tipos de comportamento: estímulo, denominou "idade mental" o mais alto nível de desempenho
reforço, resposta, privação, condicionamento etc. Essa apresentado por uma criança de cada idade. Mais tarde,
orientação foi seguida posteriormente por Orval Hobart William Stern sugeriu que a idade mental fosse dividida pela
Mowrer e Charles Egerton Osgood. idade cronológica, tese que deu origem ao conceito de
quociente de inteligência, ou QI.
Na França, Jean Piaget -- da corrente da epistemologia
genética -- discute problemas vinculados à psicolingüística. Nos Estados Unidos, a expressão "teste mental" apareceu
Para Piaget, pensamento e linguagem são complementares. pela primeira vez num artigo de James McKeen Cattell, em
A linguagem tem a função de estruturar e educar o 1890. Durante a primeira guerra mundial, a necessidade de
pensamento, de modo a permitir também sua evolução. O rápida classificação de recrutas fez com que um comitê da
psicanalista francês Jacques Lacan mostrou as possíveis American Psychological Association, coordenado por Robert
contribuições do instrumental da ciência lingüística para a Mearns Yerkes, adotasse testes coletivos de inteligência,
psicanálise, mediante a identificação da estrutura psíquica do denominados Army Alpha e Army Beta. Aperfeiçoados por
ser humano com sua própria linguagem. Para Lacan, o Arthur Otis, geraram outros testes coletivos para crianças e
processo psíquico do homem é organizado segundo uma adultos. Na mesma época, surgiram os testes ditos "de
linguagem e a função do psicanalista consiste em verificar o personalidade" e o teste de psicodiagnóstico, elaborado em
uso que o indivíduo faz dos elementos reais. Dessa maneira, dez manchas de tinta e popularizado com o nome de
poder-se-ia associar a loucura a uma atividade lingüística Rorschach, criado pelo psiquiatra suíço Hermann Rorschach.
negativa, que não se destina à comunicação, à transferência
de experiência ou emoções do indivíduo que fala ou escreve Uma contribuição decisiva para a utilização racional dos
para o indivíduo que ouve ou lê. métodos matemáticos em psicologia foi dada pelo
matemático britânico Ronald Fisher, que criou procedimentos
A psicolingüística recorre a técnicas estatísticas e utiliza experimentais que permitem verificar várias hipóteses
métodos quantitativos para verificar a validade das hipóteses simultaneamente. A construção, validação e aplicação
que levanta sobre o problema da linguagem e o nível de rotineira dos testes psicológicos se basearam nos progressos
confiabilidade dos resultados. De modo geral, emprega da matemática e da estatística.
técnicas tomadas de empréstimo à psicologia e à lingüística
para estudar a comunicação humana e a natureza dos Métodos e técnicas. A psicometria implica basicamente duas
códigos que permitem essa comunicação. Como tanto a atividades: a quantificação de fenômenos psicológicos, sob
linguagem quanto a vida mental se estruturam em torno de forma de variáveis descritivas correspondentes às
signos, a psicolingüística também os estuda: analisa as características dos indivíduos estudados, e a manipulação
mensagens transmitidas pelos seres humanos em sua desses dados para obtenção de resultados numéricos. As
atividade de comunicação e as relações que se podem inferir relações entre os dados quantificados devem manter
dessas mensagens correspondência com as relações empiricamente verificáveis,
uma vez que toda aplicação psicométrica supõe adoção
prévia de enfoque experimental e de interpretação
Psicometria psicológica da linguagem matemática.
A maturidade de uma ciência se mede, em grande parte, por Entre os métodos de mensuração adotados encontra-se a
sua capacidade de expressar leis em linguagem matemática escala de medida, seqüência numérica cujos elementos se
e de estabelecer mecanismos dedutivos. Assim, a aplicação encontram em correspondência biunívoca com traços
dos testes psicométricos, iniciada no início do século XX, psicológicos dos sujeitos estudados, detectados
contribuiu para que a psicologia ascendesse à categoria de empiricamente. Dentre os diversos tipos de escala destacam-
ciência. se as seguintes: (1) escalas nominais, utilizadas para
Psicometria é a área da psicologia que trata do quantificar dados que mantêm seu caráter qualitativamente
desenvolvimento e da aplicação de técnicas de mensuração singular e não permitem, por si mesmos, inferências
aos fenômenos psíquicos. As medições se fazem mediante a matemáticas, como lugar de nascimento, por exemplo; (2)
atribuição de valores numéricos aos comportamentos, de escalas ordinais, que permitem ordenação dos sujeitos
maneira que as diferenças de comportamento sejam quanto a traços determinados; (3) escalas de intervalos,
representadas por variações nesses valores numéricos. utilizadas para comparar a diferença que existe entre os
distintos níveis de uma determinada característica manifesta
Abordagem histórica. Os primeiros estudos sistemáticos de em cada sujeito estudado; e (4) escalas de razão, mediante
mensuração psicológica datam do final do século XIX e se as quais são medidas essas diferenças com alguma unidade
desenvolveram com base na matemática das probabilidades, arbitrária de medida. Existe ainda a técnica estatística
sob influência de duas correntes: a primeira delas -- que deu chamada correlação, usada para verificar o grau com que
origem à psicofísica -- constituiu uma tentativa de aplicação dois traços psicológicos, ou quaisquer duas outras
dos métodos das ciências físicas à mente humana. A qualidades, variam juntos.
segunda, que levou à criação dos testes psicológicos, visava
à criação de métodos de mensuração da estabilidade
emocional e da inteligência. Outra técnica usada é a análise fatorial, que constitui um
Inicialmente, os testes foram desenvolvidos no Reino Unido, ramo da estatística e surgiu com a finalidade de fornecer
Alemanha, França e Estados Unidos. No Reino Unido, foram modelos matemáticos para a explicação de teorias do
aplicados para estudo científico da relação existente entre as comportamento e da capacidade. Consiste no estudo
diferenças individuais e a hereditariedade e, mais tarde, para estatístico de fatores como a compreensão e fluência verbal,
pesquisar a natureza da inteligência. Na Alemanha, serviram capacidade de operar números, memória associativa, rapidez
de instrumento para estudos experimentais de psicopatologia, na percepção e raciocínio lógico. Todo esse trabalho teórico
de construção e validade dos testes conduziu a sua aplicação

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PSICOLOGIA

em diversos campos, como educação, defesa, empresas as psicoses se devem à regressão do paciente a estados de
industriais e de serviços, orientação profissional, seleção de desenvolvimento anteriores, nos quais sofreram frustrações
pessoal, qualificação para funções de chefia, exame clínico e ou perdas traumáticas que afetaram seu senso de realidade.
muitos outros fins. Por essa razão, os psicóticos procurariam criar um novo
mundo interior que os compensasse de alguma forma pela
Psicose perda.

Em clínica psiquiátrica, dá-se o nome de psicose a uma Psicoses orgânicas. Existem alguns estados psicóticos cuja
ampla variedade de perturbações graves do comportamento causa orgânica é conhecida. Os mais importantes são os que
que revelam a existência de profundas alterações mentais. correspondem à psicose senil, à que aparece por vezes nos
Muitos autores identificam psicose com doença mental em alcoólatras crônicos e às psicoses puerperais, ou do pós-
sentido estrito e estudam à parte as neuroses, as psicopatias parto. A psicose senil caracteriza-se por estados de confusão
de inadaptação e as anormalidades de origem genética ou mental, perda de memória e, por vezes, pela aparição de
traumática. sintomas paranóicos. Costuma ser associada a fases
avançadas de degeneração cerebral, provocada pela falta de
O termo psicose designa genericamente os processos irrigação sangüínea nesse órgão, que pode resultar, por sua
mórbidos de desintegração da personalidade, com grave vez, de um quadro de arteriosclerose grave. Os alcoólatras
desajustamento do indivíduo ao meio social. Corresponde, em situação de abstinência podem sofrer tremores, estados
até certo ponto, ao conceito popular de loucura. O juízo -- de ansiedade e alucinações. O álcool danifica os tecidos
operação pela qual se afirma ou se nega a relação entre duas cerebrais, o que provoca no doente uma perda de memória e
idéias, ou se aplicam os conceitos de falso e verdadeiro -- é a das capacidades intelectuais, assim como uma progressiva
função mental tipicamente alterada em todas as psicoses. deterioração da capacidade de estabelecer relações sociais
Nos psicóticos, essa função está tão alterada que suas normais e a manifestação da tendência a exibir condutas
elaborações se tornam evidentemente absurdas, extravagantes e, por vezes, agressivas.
grosseiramente divergentes não só das experiências e idéias
das demais pessoas, mas também daquelas que o paciente As psicoses do pós-parto são do tipo orgânico, mas tão
apresentava antes de adoecer. É o que se observa, por semelhantes às psicoses funcionais que às vezes é difícil
exemplo, nas idéias delirantes, sintomas dos mais distingui-las. Contribui para aumentar essa dificuldade o fato
caracteristicamente psicóticos: o paciente, conforme o caso, de que um leque de perturbações orgânicas, como a ingestão
acredita-se vazio, de outro sexo, o maior pecador do mundo, de tóxicos, os traumas cerebrais, a sífilis, a epilepsia e os
culpado das guerras e revoluções, perseguido por selenitas tumores cerebrais, podem provocar a aparição de sintomas
ou marcianos, chefe de estado ou dono de fabulosos parecidos com os da neurose. Trata-se, nesses casos, de
tesouros. síndromes cujo tratamento corresponde mais ao âmbito
neurológico que ao psiquiátrico.
São também sintomas psicóticos as alucinações, ou
percepções sem objeto: o doente vê animais nas paredes Psicoses funcionais. As psicoses de caráter funcional
brancas e nuas do quarto, ouve vozes de perseguidores compreendem várias síndromes diferentes: a esquizofrenia, a
inexistentes e sente o sabor do veneno que seus inimigos lhe paranóia, as psicoses afetivas e as psicoses involutivas. A
administram. Os psicóticos têm absoluta e irredutível esquizofrenia é a variedade mais freqüente de psicose.
convicção da verdade de suas irreais percepções internas. Caracteriza-se por um isolamento do mundo exterior, que
Não lhes reconhecem o caráter mórbido, ao contrário dos concorre com perturbações do pensamento, da percepção do
neuróticos, que têm exata consciência do caráter patológico meio externo e da percepção da própria personalidade.
de seus distúrbios e não negam flagrantemente a realidade Embora a remoção dos sintomas seja sempre possível, nos
objetiva. pacientes crônicos a esquizofrenia chega a produzir uma
grave degenerescência geral.
Nem sempre, no entanto, as psicoses determinam caos
mental flagrante ou desarrazoados tão óbvios. Certas A paranóia, que é por vezes considerada uma variedade da
funções podem permanecer íntegras, ao lado do juízo esquizofrenia, abrange a elaboração de um mundo de
perturbado. A inteligência, a memória, o cabedal de fantasias que é internamente coerente e lógico. É freqüente
conhecimentos adquiridos, por exemplo, conservam-se que ocorra a identificação do doente com um personagem
inalterados em alguns tipos de psicoses. Mesmo o juízo, em famoso, assim como que apareça um sentimento de ameaça
alguns casos, só apresenta desvarios em relação a contínua ou perseguição.
determinados temas. Em todos os casos, existe As psicoses afetivas incluem a depressão psicótica e a
transformação radical das relações entre o indivíduo e o psicose maníaco-depressiva. Esta caracteriza-se pela
mundo, de tal modo que a personalidade total se desintegra. periodicidade e se manifesta sob as formas de crises,
Essa desintegração pode ser episódica ou permanente, separadas por intervalos mais ou menos longos, às vezes
reversível ou irreversível, progressiva ou estacionária e com uma ou duas em toda a vida do paciente. Em cada
completa ou parcial. intervalo entre as crises pode haver perfeita normalidade,
Os psicóticos tornam-se incapazes, em grau maior ou menor, manifestações dissimuladas da doença ou peculiaridades
de ajuste social. Não podem viver sem conflito, dependência temperamentais mais ou menos acentuadas (temperamento
ou proteção incomuns nos grupos sociais. Tornam-se, na ciclóide). As crises se caracterizam por estados de intensa
maioria das vezes, alienados mentais, isto é, incapazes de tonalidade afetiva, que dominam toda a vida psíquica. Há
reger a própria pessoa e seus próprios bens, e irresponsáveis dois tipos de crises: (1) crises maníacas (humor exaltado,
diante das leis penais. com alegria exagerada ou cólera, excitação psíquica e
motora); (2) crises melancólicas (humor deprimido, tristeza,
Costuma-se dividir as psicoses em dois grupos fundamentais: inibição psíquica e motora, auto-recriminação, tendência ao
orgânicas, que são as psicoses derivadas de anormalidades suicídio). Os dois tipos de crises sucedem-se ou combinam-
físicas conhecidas, embora também possam ser produto de se, no mesmo indivíduo, sob diversas formas -- alternadas,
transtornos psicológicos ou comportamentais; e funcionais, intermitentes, circulares, mistas etc. As psicoses involutivas
que compreendem as demais psicoses. Os partidários da às vezes são estudadas como psicoses afetivas. Aparecem
abordagem psicanalítica das doenças mentais sustentam que em geral entre os cinqüenta e os sessenta anos sob a forma

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PSICOLOGIA

de intensa melancolia e depressão, sobretudo em mulheres, A partir do século XIX, adotou-se uma perspectiva
ou com sintomas paranóides. essencialmente anátomo-clínica, ou seja, voltada para a
descrição clínica e a busca de lesões orgânicas causadoras
As psicoses funcionais se manifestam em indivíduos do quadro mórbido. Nessa linha de pensamento, François-
organicamente sadios e suas causas ainda não estão bem Broussais formalizou em De l'irritation et de la folie (1828;
esclarecidas ou provadas. São provavelmente determinadas Sobre a irritação e a loucura) a proposição de Evalyn B.
por causas múltiplas e resultam de fórmulas individualizadas. Bayle, referente à conexão entre as lesões meningo-
Entre os fatores que exercem influência na sua gênese, encefálicas e as perturbações intelectuais típicas da
apontam-se a predisposição hereditária e a constituição demência. Fase diversa se inicia com o advento da
somatopsíquica e, de outro, as carências de todo tipo, as psicanálise, na qual se consagra uma posição, adotada pelos
atmosferas emocionais e educativas inadequadas e discípulos de Freud, que descarta os fundamentos somáticos
traumatizantes (inclusive a superproteção materna) e os das perturbações mentais. Outro tipo de abordagem é a do
conflitos intensos no interior da família. Todos esses behaviorismo de John B. Watson, para quem grande parte
elementos foram vividos durante a infância e a adolescência, dos quadros mórbidos ou patológicos admite interpretação
acrescidos, em muitos casos, com desencadeantes atuais, de em termos de aprendizagem. Daí deriva a prática de
traumatismos psíquicos ou situações externas de grave implantar controles que visam à inibição da conduta
tensão. Conforme as diversas posições doutrinárias sobre desajustada.
quais desses fatores têm maior importância geral, as
psicoses funcionais são chamadas também endógenas, A corrente fenomenológica se caracteriza metodologicamente
hereditárias, constitucionais ou psicogênicas. Os mais pela intenção de captar o significado da relação assumida
prudentes preferem o termo "psicoses criptogenéticas", ou entre o paciente e o mundo. Nessa abordagem, omite-se a
psicoses de causas ocultas ou desconhecidas. referência aos processos neurofisiológicos e se considera
básica a noção de referência intencional, numa dimensão
Tratamento. Na tentativa de ressocializar o doente psicótico, existencial.
diversos meios de tratamento são utilizados de maneira
conjugada, tais como a administração de psicofármacos, A dificuldade em identificar os sintomas das alterações
combinados se possível à psicoterapia e o eletrochoque no mentais tornou necessária a delimitação dos conceitos de
caso de psicoses agudas. Em algumas situações, como normalidade e anormalidades, que permitiriam definir o
último recurso, no caso de pacientes violentos e patológico, no qual prevalece a perspectiva estatística. Para
irrecuperáveis, empregam-se técnicas de neurocirurgia. A esta, mórbido é o que se distancia do normal, definido e
hospitalização é quase sempre necessária, com um período caracterizado pelo critério de freqüência. O patológico é o
de isolamento muitas vezes benéfico para o paciente, embora incomum. Todavia, esse conceito de normal sofre restrições
algumas correntes psiquiátricas defendam a permanência do por originar-se da norma, estar impregnado de valor e
paciente no ambiente familiar. funcionar como o que é bom, modelar etc. O tema foi
analisado por Georges Canguilhem, em Essai sur quelques
Psicopatologia problèmes concernant le normal et le pathologique (1943;
Ensaio sobre alguns problemas concernentes ao normal e ao
Dois momentos revolucionários na história da psicopatologia patológico).
se relacionaram mais à atitude da sociedade em relação ao
psicopata do que aos progressos intrínsecos dessa ciência. O A tentativa de caracterizar ou definir o patológico ou mórbido
primeiro se verificou à época de Philippe Pinel, estudioso que pode-se resumir em três aspectos: o da integração, o da
lutou por demonstrar a inexistência de relação entre doença autonomia e o da adaptação. O mórbido, no primeiro caso,
mental e possessão demoníaca. O segundo ocorreu no final configura-se como o que se revela desintegrado. A segunda
do século XX, quando tendências agrupadas sob a perspectiva refere a perda de autonomia peculiar ao estado
denominação genérica de antipsiquiatria passaram a sadio, sendo a autonomia vista como a capacidade do
recomendar o fim dos manicômios e a integração do indivíduo de se revelar como tal, de se conduzir de acordo
psicopata à sociedade, mediante técnicas específicas. consigo mesmo, conscientemente e independentemente dos
outros. A adaptação abrange situações designadas pelos
Psicopatologia é a ciência que descreve as alterações da conceitos de inadaptação (ausência de adaptação) e
conduta provocadas por perturbações de índoles e níveis desadaptação (perda de uma adaptação já consumada).
diversos. Visa à formulação de leis gerais mas não à
aplicação de tratamento, procedimento que compete à A descoberta de psicofármacos e a análise de tipos de
psiquiatria e à psicoterapia, a partir dos dados fornecidos pela personalidade complexos, estudados do ponto de vista da
psicopatologia. psicologia do processamento da informação e da
neurociência, abrem caminhos para a pesquisa dos
Pode-se dividir a psicopatologia em duas partes: a geral e a processos psicopatológicos e a descoberta de novas
especial. Na primeira discutem-se os conceitos básicos da terapias. A abertura da psiquiatria tradicional em relação à
disciplina e se estudam as manifestações anormais nas áreas psicologia científica possibilitou a participação de
cognitivas, afetivas e conativas, bem como no domínio da profissionais de psicologia clínica no diagnóstico e tratamento
personalidade. A psicopatologia especial se dedica aos das doenças mentais.
grandes quadros em que se distribui a patologia do
comportamento, desde os menos graves, como as neuroses, Classificação das doenças mentais. Existem vários sistemas
até os mais graves, como as psicoses. Nesse caso, a de classificação das psicopatologias, que são periodicamente
pesquisa se centraliza nos sinais que permitem estabelecer o revistos. Cada um deles atende a distintos sistemas
diagnóstico.Histórico. Dentre as etapas que a psicopatologia fenomenológicos e a diversas escolas ou tendências teóricas.
atravessou em sua evolução, são consideradas relevantes A classificação mais difundida é a proposta pela Associação
aquelas que tiveram lugar a partir do século XIX, a partir dos Psiquiátrica Americana. Outras de influência são a britânica e
estudos de Philippe Pinel, que abordou as doenças mentais a da Organização Mundial de Saúde.
como resultado da exposição excessiva ao estresse A maioria dessas classificações coincide em distinguir
psicológico e social, em oposição às opiniões tradicionais alterações provocadas por deterioração das funções
eivadas de misticismo e discriminação. cerebrais e alterações psicogênicas. As de origem cerebral
podem ser agudas -- provocadas por infecções, intoxicações,

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PSICOLOGIA

traumatismos, perturbações circulatórias, perturbações do Pavlov e nos princípios da psicologia da aprendizagem,


metabolismo etc. -- ou crônicas, causadas por fatores tentam obter a cura de estados emocionais patológicos
constitucionais inatos ou de causas semelhantes às que específicos pelo estudo das circunstâncias em que estes se
provocam as perturbações agudas. Também se incluem produzem. Assim, a recriação de cenas relacionadas com
nesse grupo as alterações provocadas por tumores cerebrais situações angustiantes pode fazer com que desapareçam os
e as oligofrenias ou deficiências mentais. sintomas, quando essas cenas são evocadas em estado de
completo relaxamento.
Dentro das alterações psicogênicas, costuma-se distinguir
entre alterações psicóticas (psicose maníaco-depressiva, As terapias individuais têm em geral como objetivo a
esquizofrenia, paranóia), viscerais, psiconeuróticas (fobias, reorganização da personalidade global do paciente, com o
estados de ansiedade etc.) alterações prolongadas da que se pretende que ele modifique a percepção que tem de si
personalidade (compulsão, inadaptação, vício e mesmo e dos demais. Nessas técnicas, o papel do terapeuta
dependências de drogas) e alterações transitórias (como a e o estabelecimento de um clima de compreensão na relação
provocada pelo estresse). transferencial são essenciais para ajudar o paciente a chegar
ao conhecimento pleno de seus sentimentos e de sua
Psicoterapia conduta.

O arsenal terapêutico do psiquiatra e do psicólogo conta com Psicoterapia analítica. Com uma participação importante do
dois recursos básicos: a administração de psicofármacos e a terapeuta, as técnicas centradas na psicanálise dirigem-se
psicoterapia. fundamentalmente para a reestruturação do eu, de forma que
o paciente possa resolver seus conflitos e abandonar os
Psicoterapia é qualquer método de tratamento de distúrbios mecanismos patológicos de defesa. A terapia psicanalítica
psicológicos ou emocionais baseado numa relação tem como propósito trazer à consciência os conteúdos
deliberadamente estabelecida entre terapeuta e paciente, ou inconscientes dos conflitos, com a destruição dos
grupo de pacientes, com o objetivo de remover sintomas ou mecanismos anormais cristalizados desde a infância e sua
estimular o desenvolvimento da personalidade. Os recursos substituição por outros mais maduros. A descoberta dos
empregados são os mais diversos: hipnose, sugestão, conteúdos inconscientes se dá por meio da livre associação
reeducação psicológica, persuasão etc. É no contato humano de idéias, pela análise dos sonhos e pelo estudo dos
entre terapeuta e paciente que reside a chave da ação sintomas e da conduta do paciente.
psicoterápica, que não se limita apenas ao tratamento de
estados psicopatológicos. A terapia psicanalítica adota técnicas muito diversas,
dependendo da escola em questão. Na escola jungiana --
Os métodos psicoterapêuticos modernos, individuais ou de criada por Carl Gustav Jung --, o analista auxilia o paciente
grupo, são aplicáveis a todas as formas de sofrimento na elaboração dos ideais de vida, a exemplo do que ocorre
emocional e incluem o tratamento de transtornos de conduta na escola adleriana, fundada por Alfred Adler, na qual o
em crianças e adultos; reações emocionais às dificuldades analista se transforma em orientador. Algumas escolas
rotineiras ou às crises existenciais; psicoses, que se acreditam que o "olhar positivo incondicional" do terapeuta
caracterizam por desorganização mental tão severa que em relação ao paciente produz por si só importantes
muitas vezes requerem internação; psiconeuroses, ou mudanças.
distúrbios emocionais crônicos baseados em conflitos
remotos; vícios, como a toxicomania e o alcoolismo; doenças Todas as terapias incluídas na tradição psicanalítica
psicossomáticas, em que distúrbios de ordem emocional enfatizam a importância da relação terapeuta-paciente e
causam ou agravam lesões físicas; obsessões e estresse. tentam levar o paciente a reconhecer e compreender seus
próprios sentimentos. A psicanálise tradicional dá prioridade à
Histórico. Foi o médico francês Philippe Pinel o primeiro a análise dos sonhos como meio de conhecimento dos
utilizar uma terapia baseada no contato pessoal, orientada sentimentos profundos, e se empenha em ajudar o paciente a
por um programa de atividades destinadas a conquistar o redescobrir, reviver e "trabalhar" as emoções traumáticas das
bem-estar do paciente. Com o Traité médico-philosophique primeiras etapas da vida, quando supostamente os conflitos
sur l'aliénation mentale ou la manie (1801; Tratado médico- tiveram origem. Todas as escolas concordam em que, na
filosófico sobre a alienação mental ou a mania), Pinel pôs fim íntima e prolongada relação com o terapeuta, o paciente
à crença tradicional na possessão demoníaca dos doentes finalmente vai alimentar em relação a ele os sentimentos que
mentais e ao tratamento brutal a que eram submetidos nos perturbam suas relações com as pessoas emocionalmente
hospitais. próximas, na vida passada e presente. Quando terapeuta e
Durante o século XIX, a hipnose foi o principal método de paciente reconhecem o estabelecimento dessa "reação de
tratamento psicoterápico das doenças mentais. A análise do transferência", abre-se o caminho para a solução dos
fenômeno da hipnose e o estudo de seus efeitos catárticos conflitos.
formaram a base sobre a qual Sigmund Freud e Josef Breuer Terapias alternativas. Existem muitas outras formas de
estruturaram a psicanálise, ciência dos mecanismos terapia, como a terapia bioenergética, o psicodrama, a terapia
inconscientes, que é também uma psicoterapia. Tipos de gestaltista, a análise transacional etc. Nessas atividades,
psicoterapia. Entre as modernas técnicas psicoterapêuticas estão presentes elementos psicanalíticos e atividades de
incluem-se os tratamentos por sugestão, fundados no fato de relaxamento, de grupo etc., algumas delas de inspiração
que determinadas pessoas são permeáveis às idéias que oriental e naturalista. Essas terapias se filiam a múltiplas
outros lhes transmitem; tratamentos por persuasão e apoio, orientações e tendências. Seu desenvolvimento é multiforme
nos quais a relação entre terapeuta e paciente ocorre no e sua sobrevivência depende, em grande parte, da aceitação
plano verbal, com vistas a um efeito catártico ou de descarga por parte da comunidade clínica.
emocional de um conflito interno; e de treinamento em
atividades capazes de exercer efeitos benéficos sobre o Behaviorismo
psiquismo do paciente, como a laborterapia, a musicoterapia
etc. No fim do século XIX, os psicólogos começaram a
desenvolver novas concepções e novos métodos. A
As terapias comportamentais, com base na teoria do reflexo expressão máxima da nova tendência impôs-se na década de
condicionado do médico e fisiologista russo Ivan Petrovitch

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PSICOLOGIA

1920, quando se consolidaram diferentes formas de entender era o estudo do comportamento que exerce algum efeito
a construção da teoria psicológica. A mais ampla e influente, sobre o ambiente onde se acha e, em especial, daquele que
sobretudo no mundo anglo-saxão, foi o behaviorismo. produz uma realimentação ou retroalimentação (feedback)
capaz de influir sobre o comportamento futuro. Em outras
Behaviorismo radical. Coube ao americano John B. Watson palavras, é preciso estudar a aprendizagem e os mecanismos
dar o grande impulso à psicologia behaviorista. Num artigo de de adaptação.
1913, "Psychology as the Behaviorist Views It" ("A Psicologia
como o behaviorista a vê"), ele já apresentava as linhas Para Skinner, as leis empíricas da psicologia devem
fundamentais de seu pensamento. Mas foi em Psychology descrever da forma mais exata possível as relações que
from the Standpoint of a Behaviorist (1919; A psicologia do ocorrem com regularidade entre as variáveis dependentes --
ponto de vista de um behaviorista) que as teses de Watson controladas pelo cientista -- e as independentes. Devem
encontraram sua mais nítida formulação. Nessa obra, ele também mostrar como uma reação concreta é função de um
definiu a psicologia como uma "ciência do comportamento" dado tipo de estímulo. Diante de um determinado estímulo, o
que devia omitir o estudo da consciência e da introspecção e psicólogo tem que ser capaz de prever a resposta
basear-se apenas nos dados fisiológicos observáveis. subseqüente do organismo.
O behaviorismo radical watsoniano fundamentou-se em Neobehaviorismo. Diante das teses radicais dos autores
grande parte na escola reflexológica russa, particularmente citados, outros behavioristas consideraram que a teoria do
na teoria do condicionamento de Ivan Pavlov, que explicava a reflexo não bastava para explicar o comportamento humano.
forma como os estímulos se encadeavam com as reações O primeiro deles foi o americano Edward C. Tolman, que, em
para produzir o comportamento. Os dois conceitos Purposive Behavior in Animals and Men (1932;
fundamentais do behaviorismo foram, na verdade, a conexão Comportamento proposital nos animais e nos homens),
estímulo-reação (reação do organismo diante de um sustentou que o comportamento se volta para um objetivo e,
determinado estímulo físico) e o reflexo condicionado. Este portanto, não é possível reduzi-lo a uma mera conexão entre
último baseou-se na descoberta de que um reflexo não estímulos e reações.
condicionado a um estímulo natural -- por exemplo a
secreção de saliva diante de um alimento -- podia ser Coerente com essa tese, Tolman introduziu o conceito das
associado a um estímulo diferente. Assim, em suas "variáveis intervenientes". Tais variáveis seriam
experiências com cachorros, Pavlov fazia uma campainha representações, não de algum estado mental, mas de
tocar antes de lhes dar comida. Ao cabo de certo tempo, os propriedades funcionais que supostamente se encontram no
animais salivavam ao simples soar da campainha. A partir organismo e atuam como mediadoras entre os estímulos e as
desta base, Watson considerou que todo comportamento respostas. Isto não significou o abandono do behaviorismo,
humano podia ser explicado como uma sucessão de pois não se pretendeu definir essas variáveis como
condicionamentos. Não haveria necessidade de recorrer a conteúdos concretos de consciência, mas sim estudá-las em
conceitos introspectivos como consciência, emoção ou termos operacionais para modificar o comportamento, o que
sentimento. só pode ser feito a partir de dados objetivos. Outro
americano, Clark L. Hull, autor de The Principles of Behavior
O principal discípulo de Watson foi outro norte-americano, (1943; Princípios do behaviorismo) também se afastou do
Karl Spencer Lashley, que contribuiu de forma notável para behaviorismo radical e ortodoxo e, assim como Tolman,
desenvolver a teoria comportamental. Suas experiências defendeu a ação das variáveis intervenientes. Hull sustentou
apoiavam-se diretamente na tese de Watson segundo a qual que o organismo mantém com o meio uma relação dinâmica
a conduta é composta por reações simples, como os reflexos, que a psicologia tem condições de estudar, descobrindo leis
sejam eles condicionados ou não. Por meio dessas do comportamento que, em última análise, remetem à física e
experiências, ele tentava correlacionar o grau de perda de à fisiologia. Para Hull, a maior parte da atividade animal e
uma habilidade adquirida pelos ratos e a destruição de humana volta-se para a satisfação de necessidades básicas.
determinada zona cortical. Essa correlação era estudada com Esses "impulsos" (drives) constituem autênticas variáveis
métodos experimentais e quantitativos. Lashley comprovou intervenientes, assim como o hábito, que é uma disposição
que as reações perduram após eliminar-se a base fisiológica para reagir de um modo específico, fixado mediante uma
do reflexo. determinada configuração do sistema nervoso em dadas
condições do ambiente externo. Nem os impulsos nem os
Na década de 1930, o americano Edwin R. Guthrie hábitos podem ser observados, mas é possível inferi-los a
desenvolveu as teses comportamentais de forma radical e partir da ciência física e fisiológica e da observação das
afirmou que o complexo comportamento do homem, em conexões estímulo-resposta.
última instância, pode ser explicado como resultado de um
desenvolvimento evolutivo que o levou a aprender Repercussões do behaviorismo. As teses behavioristas
determinados padrões de reação muscular diante de exerceram grande impacto sobre a vida intelectual,
estímulos recebidos em dadas circunstâncias. Caberia aos especialmente nos países anglo-saxões. Como atitude
psicólogos, portanto, estabelecer as regras mais gerais que metodológica e ideológica, ultrapassaram os limites da
descrevessem as condições observáveis em que se psicologia e projetaram-se na filosofia, na literatura (Skinner
produzissem comportamentos concretos, selecionando foi autor do romance utópico Walden Two) e, de modo geral,
também os estímulos e as reações observáveis. Para em todos os campos de debate ideológico. Junto com a
Guthrie, um estímulo é "qualquer mudança de energia física psicanálise, representam a tendência psicológica mais
que ativa um receptor e cria impulsos condutores no sistema difundida.
nervoso". Reação, por sua vez, é o movimento de qualquer
músculo ou grupo de músculos, ou a secreção de qualquer Todos os psicólogos empíricos, bem como especialistas de
glândula. Assim, não se descreveriam "ações", mas só outras disciplinas, acreditam, em comum com o
movimentos. behaviorismo, em um ponto básico: o único modo científico
de estudar o comportamento consiste no estudo objetivo de
Burrhus Frederic Skinner, em suas obras The Behavior of suas alterações. Assim, negou-se toda teoria especulativa.
Organisms (1938; Comportamento dos organismos) e No entanto, a maior parte das escolas psicológicas
Science and Human Behavior (1953; Ciência e abandonou a tentativa de reduzir os conteúdos mentais a
comportamento humano), afirmou que o objeto da psicologia meros produtos da reação estímulo-resposta. Nesse sentido,

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PSICOLOGIA

cabe afirmar que o behaviorismo radical foi de certo modo ciência encontrou aplicação na área de recursos humanos
superado pela própria audácia de suas afirmações. Por outro das empresas, em psicoterapia, como método de
lado, porém, contribuiu de forma decisiva para dar à aprendizagem e como técnica auxiliar no treinamento
psicologia o caráter de ciência autêntica, fornecendo-lhe uma esportivo.
metodologia indispensável e um critério de objetividade.
Psicopatologia
Modificação do comportamento. O behaviorismo constitui um O termo Psicopatologia é de origem grega — psykhé, alma, e
corpo teórico específico da psicologia. As técnicas de patologia. Literalmente seria uma patologia do espírito. Essa
modificação de comportamento, derivadas sobretudo da concepção poderia levar a uma conceituação errônea do
psicologia da aprendizagem e centradas no condicionamento problema. A alma, o psíquico, no sentido de espírito, não
reforçado, pressupõem a aplicação prática desse corpo pode adoecer e, desse modo, é impróprio falar de
teórico. Mediante os métodos de modificação de enfermidades da alma, o que constituiria uma "metáfora
comportamento, o terapeuta tenta reforçar as manifestações inaudita", conforme a enigmática expressão de Kronfeld. Só
comportamentais que deseja fixar e debilitar as não existe enfermidade no biológico, ou melhor, no antropológico.
desejadas. Por essa razão, Binswanger nos fala de uma "antropose",
Tanto em tarefas de recuperação como de treinamento com o objetivo de indicar a preponderância dos sintomas
comportamental, utilizam-se meios específicos, de modo a psíquicos. É mais ou menos o conceito de Kurt Schneider,
reforçar ou inibir certos comportamentos. Como reforços quando afirma que só existe enfermidade no corporal: "Os
positivos, aplicam-se estímulos agradáveis imediatamente fenômenos psíquicos são patológicos somente quando sua
após a obtenção da reação desejada. Como reforços existência está condicionada por alterações patológicas do
negativos, eliminam-se estímulos desagradáveis tão logo se corpo".
apresenta o comportamento visado. Jaspers fez a primeira tentativa de conceituar a
O progresso rumo ao comportamento desejado pode partir do Psicopatologia. Desde a primeira edição de sua famosa
exercício dos comportamentos mais elementares (formação Allgemeine Psychopatologie que procurou conceituá-la como
passiva do comportamento), ou limitar-se a sua progressiva ciência pura que visa exclusivamente o conhecimento. Com
modelagem. Para tanto, empregam-se por vezes técnicas de essa orientação, a Psicopatologia tem por objetivo estudar a
autocontrole que implicam por parte do paciente a clara vida psíquica anormal independentemente dos problemas
noção de todas as regras e contingências a cumprir para clínicos. Para Jaspers, a Psicopatologia "não tem a missão
obter o reforço. Quando se pretende suprimir um de recapitular todos os resultados, senão de formar um todo,
comportamento, tenta-se eliminar os reforços obtidos pela sua função visa o esclarecimento, a ordenação, a cultura.
pessoa com sua realização ou reforçar os comportamentos Tem de esclarecer o saber nos tipos básicos dos fatos e na
opostos. Em casos extremos, recorre-se a técnicas de multiplicidade dos métodos, resumi-los numa ordenação
dessensibilização, relaxamento, exclusão, isolamento etc. natural e, finalmente, levá-los ò autoconsciência no todo
cultural do homem. Cumpre uma tarefa específica que vai
Neurolingüística além da investigação especial do conhecimento".

Na busca pela excelência na atuação num mercado cada vez No sentido de completar o pensamento de Jaspers, diz
mais competitivo, as empresas utilizam técnicas baseadas Gabriel Deshaies que, na medida em que aspira ao
em conhecimentos científicos ainda embrionários a fim de conhecimento científico, "a Psicopatologia não se define por
selecionar pessoal para admissão ou promoção. Algumas dogmas consagrados, senão pelo objetivo de certa
técnicas aplicadas nas últimas décadas do século XX se investigação sobre o homem enfermo". A psiquiatria clínica
baseavam na neurolingüística para avaliar a forma como o constitui uma ciência aplicada às alterações psíquicas e seus
candidato processa as informações no cérebro e as transmite problemas correlatos, como o diagnóstico, o tratamento e a
por meio da linguagem. profilaxia das doenças mentais. Enquanto a Psicopatologia
tem um âmbito mais restrito, visando conhecer os fenômenos
Neurolingüística é o estudo dos mecanismos neurológicos psíquicos patológicos e, assim, oferecer à psiquiatria as
envolvidos no armazenamento e processamento da bases para a compreensão de sua origem, mecanismo íntimo
linguagem. Embora seja certo que o centro da linguagem, em e futuro desenvolvimento. Compete à Psicopatologia reunir
pessoas destras, encontra-se no hemisfério esquerdo do os materiais para a elaboração -da teoria do conhecimento
cérebro, ainda se discute se aspectos individuais da dos fenômenos com os quais a psiquiatria possa coordenar
linguagem estão associados a diferentes áreas sua ação curativa e preventiva.
especializadas do cérebro.
Segundo Eugen Minkowski, o termo psicopatologia
As pesquisas sobre afasia -- perda parcial ou total da corresponde mais a uma "psicologia do patológico" do que a
capacidade de expressão pela fala -- provêem de valiosos uma "patologia do psicológico". Em sua opinião, a psicologia
dados o estudo da neurolingüística. A fim de determinar a do patológico se refere à descrição global da experiência
localização das várias funções da linguagem, especialistas vivida pelo enfermo, como expressão original da vida interior
usaram estímulos elétricos para induzir afasia temporária em tal como o doente a constitui. Minkowski admite que uma
pacientes conscientes. Constatou-se a existência de centros parte das pesquisas de L. Binswanger e de V. von Gebsattel
gerais da linguagem, mas não a de centros altamente representam um exemplo desse tipo, como também as
especializados. Registraram-se vários casos de pacientes concepções de Blealer quando estuda o conjunto da
que, após a suspensão da atividade do hemisfério esquerdo, existência do paciente como forma de adaptação original à
adaptaram ao hemisfério direito a função da linguagem. Mas, enfermidade. Neste sentido, a psicopatologia procura
apesar dos progressos, há poucas certezas científicas sobre compreender os elementos específicos do Erlebnisse
os aspectos neurológicos da linguagem. patológico do enfermo psíquico, permanecendo aberta a
questão de determinar qual o tipo de compreensão que se
Baseados na teoria segundo a qual o cérebro humano
torna pertinente.
funciona como um computador programado conforme a
vontade do próprio indivíduo, os americanos John Grinder, A preocupação por esses problemas data de mais de meio
lingüista, e Richard Bandler, analista de sistemas, criaram, século. Já em 1914, o psicólogo e médico francês Charles
em 1975, a programação neurolingüística (PNL). A nova Blondel, em sua obra "La conscience morbide" chamava a

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PSICOLOGIA

atenção para o fato de que, em sua opinião, os psiquiatras seu relacionamento com o meio, entendendo-se por meio
não compreendiam o que se passava com os doentes tanto os objetos como as pessoas. Essas condutas,
mentais. Considerava que, quando se define a alucinação denominadas reflexos do recém-nascido, entram em
como "uma percepção sem objeto" ou quando se diz que "o funcionamento quando ocorrem certas situações internas ou
delírio é um juízo falso ao qual se aferra o enfermo apesar de externas. Muitas das respostas da criança se dão diante de
todas as provas em contrário", recorre-se a fórmulas verbais estimulações internas, como mal-estar, fome, sono, etc.,
que, sem serem tecnicamente falsas, não levam à outras ocorrem diante de estímulos externos, como
compreensão do que significa de fato, para o paciente, a alterações do meio, objetos, etc. Entre esses reflexos
experiência alucinatória ou delirante e o que realmente encontramos os de sucção, preensão, micção, defecação,
experimenta no curso de tais experiências. Blondel mostra espirro, reptação, marcha reflexa, reflexo de Moro, de
que o enfermo psíquico vive em um mundo diferente, Babinski, etc. Alguns deles são complexos de reflexos, por
inacessível aos métodos de experimentação e introspecção. exemplo, na sucção podemos distinguir vários, como a
Considerava ainda que isto se aplica não só às psicoses procura de alimento, os reflexos dos lábios, desencadeados
maiores, como também aos sutis sentimentos de vagas com o toque no lábio, os de sucção e deglutição, etc.
ameaças e de desperpersonalização que ocorrem nos
estados iniciais da esquizofrenia. A partir dessas poucas condutas reflexas iniciais será
construído todo o desenvolvimento psicológico posterior.
Foram essas dificuldades que levaram os psiquiatras a Nesse desenvolvimento os reflexos têm importância desigual;
procurar apoio na fenomenologia, método de investigação alguns são muito importantes ~ dão lugar a desenvolvimentos
que possibilita penetrar no mundo subjetivo dos enfermos muito complexos, enquanto outros têm uma influência muito
psíquicos. pequena para o desenvolvimento psicológico posterior. A sua
Para Jaspers, por exemplo, as vias de acesso ao fato evolução é, então, muito diversa: alguns são mantidos quase
psicopatológico são a compreensão e a explicação: a inalterados durante toda a vida, como os relativos à micção
primeira é um método subjetivo; a segunda, um procedimento ou ao espirro; outros sofrem enormes modificações, como a
objetivo. A compreensão consiste num esforço de penetração preensão ou a locomoção, enquanto outros desaparecem
e de intuição do fenômeno mórbido com seu significado, tal poucos meses após o nascimento, e o fato de que isso não
como o considera o enfermo. A explicação é uma ação venha a ocorrer se constitui num sinal de patologia, como
intelectual que completa a compreensão, por sua acontece com os reflexos de Moro ou Babinski.
interpretação e ao estabelecer laços de causalidade entre os
diferentes dados proporcionados pela observação. Jaspers EM QUE CONSISTEM OS REFLEXOS
centraliza a sua atenção no estudo do fenômeno psíquico
fundamental: a vivência. Para alcançar a vivência, é
São condutas que surgem diante de variações externas ou
necessário fazer uma descrição minuciosa das experiências
internas e têm uma estrutura bastante fixa, ou seja,
subjetivas do enfermo e classificá-las, depois do examinador
processam-se sempre de forma parecida. No entanto, os
ter interpretado os fenômenos observados. Como as
desencadeantes, às vezes, são variados e os reflexos entram
vivências do paciente são subjetivas e inacessíveis à
em ação diante de estímulos muito diversos, alguns dos
observação direta, o observador procura estudar "diretamente
quais não parecem guardar relação com a conduta à qual
as suas próprias vivências". É através da comparação entre
dão origem. Por exemplo, a sucção inicia-se quando um
as próprias vivências e aquelas captadas no indivíduo
objeto é introduzido na boca da criança, mas também quando
examinado que se pode chegar a uma verdadeira
se produzem estimulações intensas tais como ruídos
investigação fenomenológica. A essa metodologia, Jaspers
próximos à criança, ou quando perde o equilíbrio, ou outras
denomina "penetração empática".
alterações do meio, e também existe uma sucção no vazio,
Para isso, é necessário interpretar os gestos, e ou seja, sem objeto. Os reflexos, provavelmente, estão
comportamento, as expressões do enfermo. Não se trata de controlados pelas partes mais primitivas do sistema nervoso.
registrá-los, de maneira objetiva, mas de ensaiá-los, como faz
um ator. Além disso, o interrogatório dirigido pelo examinador A partir do nascimento, os reflexos começam a ser
conduz à captação de confidências, autodescrições, através consolidados. Embora sejam condutas inatas,
das quais se revelam as suas vivências. desencadeadas quando se produz uma estimulação,
precisam de um certo tipo de exercício para que possam ser
O estudo desses elementos contribui para o conhecimento de consolidadas, e assim a criança tem, de certa forma, que
três espécies de fenômenos: a) aqueles que conhecemos por aprender a sugar logo após o nascimento e muitos desses
nossa própria experiência; b) fenômenos que são reflexos, se não forem exercitados, acabam sendo extintos ou
acentuações, diminuições ou contaminações de experiências alterados.
pessoais; c), fenômenos que se caracterizam pelo fato de
não poderem ser representados no espírito de maneira O primeiro mês após o nascimento é dedicado,
compreensiva. Só podem ser abordados, no máximo, por principalmente, à consolidação desses reflexos e,
analogia. A esse grupo pertencem as experiências que se posteriormente, começam a modificar-se e diversificar-se,
denominam de "primárias", em que se podem incluir muitos dando inicio a um processo que terminará na vida adulta.
dos fenômenos psicopatológicos aqui estudados. (Este texto Veremos agora como vai acontecer esse processo e para
é a introdução ao livro "Curso de Psicopatologia", de Isaias isso devemos compreender por que se produz o
Paim.) desenvolvimento, quais são as forças que estimulam um
organismo a iniciar esse longo período de desenvolvimento
PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO psicológico que terminará muitos anos mais tarde. E
indispensável tentarmos compreender como e por que esse
O NASCIMENTO processo acontece e, para isso teremos que nos remeter à
biologia e aos processos de adaptação do organismo ao
Ao nascer, a criança é incapaz de se valer por si mesma e meio.
precisa constantemente da ajuda dos adultos para sobreviver.
Possui, no entanto, uma série de condutas que permitem o A ADAPTAÇÃO

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PSICOLOGIA

A origem de toda a atividade dos seres vivos deve ser sobre ele, movimentando-o, batendo-o, agitando-o e
procurada na adaptação do organismo ao meio que, por sua acomoda-se às suas propriedades, forma, textura, tamanho,
vez, pressupõe uma modificação deste. Desde Darwin, o superfície, de tal maneira que, se o objeto for grande como
mecanismo de seleção natural é realizado através da uma bola precisará pega-lo com as duas mãos e não com
sobrevivência dos mais aptos e do desaparecimento uma, se for escorregadio terá de segurá-lo de uma maneira
daqueles que estão menos adaptados. Por isso, qualquer diferente do que se for áspero. Assim, um conjunto de ações
variação que se produzir em um organismo facilitando a sua vai se formando, ações que chamaremos de esquema,
sobrevivência tende a ser mantida e transmitida à sua produto da preensão da bola, por exemplo, o que supõe uma
descendência. Partindo desse ponto de vista, precisamos assimilação e uma acomodação do organismo a esse objeto
considerar que o desenvolvimento mental que se processou novo. Desse momento em diante, a criança poderá pegar
no homem e que o diferencia dos animais é um resultado da objetos redondos e grandes aplicando o mesmo esquema de
adaptação, é uma modificação que facilita a sobrevivência da preensão com duas mãos, que supõe uma acomodação
espécie e que justamente deu ao homem possibilidades nova, que não existia antes.
inimagináveis em outros animais. Por isso, deve-se entender
que o desenvolvimento psicológico é o prolongamento do O exemplo anterior fazia referência à área da atividade
desenvolvimento biológico: os mesmos mecanismos que motora, dominante na criança nos seus dois primeiros anos.
atuam na evolução das outras espécies vegetais e animais Podemos dar outro exemplo numa área mais abstrata.
aplicam-se ao caso do homem. O homem constitui-se numa Suponhamos que estamos lendo um livro como este e que
espécie que foi capaz de adaptar-se ao seu meio (se não estamos estudando a relação do organismo com o meio e
fosse assim, teria desaparecido), e de adaptar-se com muito lemos o que se diz sobre a adaptação. O que estamos
sucesso, pois cada vez controla mais a natureza, usando, fazendo é incorporar uma noção nova, ou seja, assimilá-la, e
para isso, seus mecanismos psicológicos. A adaptação o fazemos a partir dos nossos conhecimentos anteriores.
humana é mais rica que a de outras espécies porque é mais Precisamos saber o que é um organismo, o que é um
flexível, o que significa que pode adaptar-se a um maior processo, fazer uma representação da ação do organismo
número de situações. Enquanto que em outras espécies, bem sobre o meio e os intercâmbios que estabelece com ele, etc.
adaptadas ao meio, uma variação intensa no meio pode Assim, adquirimos uma nova noção que vai modificar nossos
provocar a extinção da espécie ou, pelo menos, o conhecimentos anteriores, os quais terão que acomodar-se
desaparecimento de um grande número de indivíduos, o ao novo conhecimento. A partir deste momento podemos
homem tem conseguido adaptar-se a situações bastante aplicar essa noção quando tentarmos explicar outros
mutáveis e variadas pelo uso da sua inteligência. fenômenos, produzindo assim novas assimilações e
acomodações.
A adaptação não é um processo passivo, mas ativo, o que
significa que o organismo, ao se adaptar, está se Assim, então, no processo de adaptação parte-se de um
modificando, mas, ao mesmo tempo, modifica o meio. A organismo que, como o seu próprio nome indica, possui uma
adaptação nunca é somente uma modificação do organismo organização e, agindo sobre o meio, seja de forma física
ou uma submissão deste ao meio, seja ele natural ou social, (com as mãos, a boca, o estômago, etc.) ou psíquica
mas há, ao mesmo tempo, uma modificação desse meio em (aplicação de esquemas simbólicos anteriores), será ele
maior ou em menor grau. (Neste aspecto há uma distinção do próprio modificado. A incorporação, como modificação do
uso corrente do termo adaptação e do uso na biologia.) meio, é o que denominamos de assimilação e a modificação
do organismo é o que chamamos de acomodação.
Em um processo adaptativo podemos distinguir, com fins de
exposição, dois aspectos que são, na verdade, A assimilação somente é possível quando uma organização
indissociáveis, ou seja, fazemos a distinção para dar um anterior a permite e, por exemplo, não podemos alimentar-
maior esclarecimento, já que um não pode ocorrer sem o nos com um pedaço de madeira porque não dispomos de um
outro. Por um lado, podemos falar de assimilação ou sistema digestivo adequado, nem tampouco uma pessoa que
incorporação do meio ao organismo, ação do meio sobre o nunca estudou física poderá entender noções sobre a teoria
organismo e, por outro lado, de acomodação, que supõe uma da relatividade se não adquirir previamente outras muitas
modificação do organismo como resultado da influência do noções. Mas, uma vez adquirida uma nova capacidade, uma
meio. A adaptação é, então, uma modificação do organismo vez formado um novo esquema, pode ser aplicado a novas
em função do meio que favorece a conservação desse situações e ser modificado. Essa é, então, uma forma de
organismo. O organismo relaciona-se com o seu ambiente, adaptação que facilita a sobrevivência.
age sobre ele e o modifica, mas, com o passar do tempo, ele
mesmo se modifica, de tal forma que os novos contatos com O problema que poderão nos apresentar é o de por que é
o meio já não serão exatamente iguais. Um exemplo simples necessária a adaptação do organismo ao meio. Todos os
é o da nutrição: um organismo incorpora uma parte do meio, organismos vivos tendem a sobreviver e lutam pela sua
por exemplo, um cachorro come um pedaço de carne, sobrevivência em condições normais. Podemos considerar
incorpora-o, assimila-o. A carne não permanece igual, mas é que, em um momento determinado, o organismo encontra-se
transformada, triturada, misturada com saliva, digerida, em equilíbrio com seu meio e então esse organismo pode
eliminada. Essa incorporação, ao mesmo tempo, supõe uma estar inativo, mas, no momento em que ocorre uma
modificação do cachorro, uma acomodação àquilo que modificação no meio, tanto externo quanto interno, isso
incorporou, o alimento transformou-se em sangue, em provoca uma desadaptação e o organismo precisa agir para
tecidos, em produtos residuais e o organismo se regenera ou compensá-la. Uma criança de poucos meses alimentou se e
se desenvolve se estiver no período de crescimento, etc. está descansando no seu berço, com tranqüilidade, No
Essa forma de intercâmbio, com esses dois aspectos de entanto, o sol que entra pela janela vai se deslocando e os
assimilação e acomodação, aparece não só nas trocas raios caem sobre o seu rosto, incomodando-a. Isso
materiais com o meio, mas também nas trocas mentais. representa uma modificação no meio que o organismo vai
Quando nos situamos na área da conduta e da sua tentar superar. Para isso pode usar diversos procedimentos:
explicação, a incorporação e a modificação do meio não são pode tentar movimentar-se e sair fora do alcance do raio de
de natureza material, mas sim mental, seja ela motora ou sol, ou então chora expressando o seu mal-estar e um adulto
simbólica. A criança, por exemplo, pega um objeto, agindo desloca o berço ou fecha a janela, ou pega a criança no colo.

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PSICOLOGIA

Dessa forma se restabelece o equilíbrio, embora com urna porta de correr, não poderá aplicar o esquema que
temporariamente, pois logo haverá um novo desequilíbrio. usa para abrir uma porta com dobradiças. Inicialmente
tentará usar o mesmo esquema sem sucesso e tentará pôr
Assim, quando o organismo não está sujeito a nenhuma em funcionamento novos esquemas, ou se lembrará de ter
forma de tensão não precisa agir, mas, no momento em que visto uma outra pessoa abrir uma porta de correr e tentará
surge uma modificação, faz-se necessária uma ação que a fazê-lo apoiando-se em esquemas anteriores. Quando
compense. Para resolver o desequilíbrio, aplica os meios que finalmente conseguir fazê-lo, terá formado um novo esquema
estão a sua disposição e que já usou em situações para abrir portas, que será aplicado quando se encontrar
anteriores, mas a situação pode ser diferente e isso o leva a diante de portas de correr.
procurar novas soluções que irão representar um progresso.
Por meio deste procedimento vão sendo formados esquemas No exposto anteriormente, podemos ver que é conveniente
que por sua vez vão permitindo uma adaptação, ou seja, a distinguir dois elementos em um esquema: um elemento
possibilidade de estabelecer o equilíbrio em situações novas - desencadeante e um elemento efetivador. Acontece que
nisso se constitui o desenvolvimento intelectual. diante de uma porta não aplicamos os mesmos esquemas
que diante de um velocípede. Isto se deve a que a visão da
OS ESQUEMAS porta constitui-se num elemento desencadeante do esquema
de girar o trinco e abri-la, enquanto que o velocípede
desencadeia o esquema de subir ou empurrá-lo, ou seja,
Salientamos que após o nascimento havia um período no deslocá-lo. Assim, nas diferentes situações reconhecemos
qual ocorria uma consolidação dos reflexos, mas o problema que devemos aplicar um esquema determinado. O esquema
é como se dá a passagem desses reflexos, ações rígidas, propriamente dito é o elemento efetuador e o reconhecimento
para ações mais complexas e flexíveis, ações novas. da situação é o elemento desencadeante.
Examinaremos o caso da preensão.
Quando nos encontramos diante de uma situação nova,
O recém-nascido exerce o reflexo de preensão quando algo tentamos aplicar esquemas anteriores e o fazemos enquanto
estimula a palma de sua mão, nesse caso a fecha. Após podemos, combinando vários deles ou modificando algum até
algum tempo, variável, mas não muito longo, a preensão encontrarmos uma forma de ação que seja mais prática para
sofre um relaxamento e ele solta o objeto. Durante os dias e o objetivo que pretendemos alcançar. Mais um exemplo: a
meses após o seu nascimento, o bebê exercita o reflexo e o criança nos seus primeiros meses pega um chocalho que cai
aplica a muitos objetos que caem acidentalmente em sua ao alcance da sua mão. Ela mantém mais firmemente quando
mão. A preensão vai se transformando cada vez mais numa o segura pelo cabo e essa ação que inicialmente produziu por
conduta voluntária, pois a criança procura objetos para pegá- acaso tentará reproduzi-la sistematicamente. Chegará um
los. Inicialmente, a preensão é de toda a mão e pouco a momento em que a visão do chocalho desencadeará a ação
pouco vai se aperfeiçoando, será estabelecida a posição de segurá-lo pelo cabo de forma precisa. Começará a aplicar
polegar-indicador, de fundamental importância para o ao chocalho diversos esquemas, como esfregar, sacudir,
desenvolvimento humano, já que permite a preensão fina, e bater, etc. Se um objeto parecido, por exemplo, um martelo
assim a criança aprende a pegar de forma diferente objetos de brinquedo, dos que fazem ruído quando batemos, cai ao
diferentes: o chocalho, a manta, o travesseiro, o peito da mãe alcance de suas mãos, aplicará os mesmos esquemas, mas
ou a mamadeira. Cada um deles possui características chegará um momento em que descobrirá que o martelo se
diferentes e a criança ao pegá-los, assimilá-los, acomoda-se presta melhor a ser batido e produz efeitos mais
a eles, levando em consideração tais características. No interessantes, e lhe aplicará preferencialmente esse
início, pega todos os objetos da mesma forma, mas aos esquema, enquanto que para o chocalho ficará reservado o
poucos vai sendo capaz de antecipar o tipo de preensão que de sacudir, que é o que produz os melhores resultados.
precisa fazer dependendo de que objeto se trata. Os reflexos
iniciais vão dando lugar a condutas muito diferentes que são Imaginemos agora que encontra um objeto muito diferente:
executadas de acordo com os objetos de interesse. A partir um pedaço de fio elétrico de uns 20 cm ou uma bola. A
desse reflexo inicial são processados diversos esquemas de conduta será diferente. A criança tentará pegar os dois
preensão, que vão se diferenciando constantemente em objetos e, no primeiro caso, pega o pedaço de cabo, mas
novos esquemas, como caminhos que partem de um ponto e este não se presta bem à aplicação dos esquemas
vão se ramificando cada vez mais. Diante de um objeto anteriores; não é interessante nem bater, nem sacudir, nem
determinado, age de uma certa forma; sacode o chocalho esfregar, mas pode aplicar outros esquemas, como segurar
para fazê-lo soar, bate nele, esfrega-o na borda do berço; as duas pontas e esticar, ou enrolá-lo em volta de outro
entretanto, chupa o urso de pelúcia, encosta-o no rosto ou objeto. Assim são introduzidos novos esquemas que são uma
bate com ele na borda do berço, segurando-o por uma diferenciação dos anteriores, e se cair nas mãos da criança
orelha. A cada objeto aplica uma série de ações diferentes um pedaço de elástico de borracha ser-lhe-ão aplicados os
que estabelecem categorias de objetos. Essas formas de esquemas usados para o fio e não os empregados com o
ação, essas sucessões de condutas são os denominados martelo. Dessa forma, constrói uma espécie de preconceito,
esquemas. Um esquema é uma sucessão de ações que já que a cada objeto aplica preferencialmente um tipo de
possuem uma organização e que são suscetíveis de esquemas, o que significa que aplica uma série de ações
repetição em situações semelhantes. determinadas.
Diante de uma porta, uma criança de três anos tenta
movimentar o trinco e empurrá-la para abri-la, enquanto que O PRINCÍPIO DE DISCREPÂNCIA
diante de um velocípede tentará subir e fazê-lo movimentar-
se. São dois esquemas diferentes que se aplicam em O importante de tudo isso é que se constitui num exemplo de
situações diferentes. Quando a criança se encontra pela como se processa o progresso psíquico. A criança assimila o
primeira vez diante de uma porta que se abre para ela e não mundo circundante atuando sobre ele e, ao mesmo tempo, se
na direção contrária terá que modificar sua situação, acomoda produzindo novos esquemas por diferenciação dos
deslocando-se para poder abrir a porta, e assim terá esquemas anteriores. Ao agir, seus esquemas se multiplicam,
aprendido a resolver um problema novo. Quando se deparar

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PSICOLOGIA

se diversificam e o seu número cresce sem cessar enquanto vai para o trabalho, pode distrair-se e seguir a rota habitual
o sujeito aprende. ao invés de fazer o caminho que previa ao sair de casa. Os
diferentes lugares pelos quais vai passando são elementos
Quando a criança se encontra em uma situação idêntica à desencadeadores de novas ações, como as voltas do volante
outra anterior, a única coisa que faz é aplicar os esquemas de que, estando automatizadas, vão se desencadeando sem
que já dispõe. O aspecto desencadeante põe em ação esses que o indivíduo tenha consciência disso.
esquemas e os aplica até que chega um momento no qual o
processo se automatiza completamente. Nesse caso, falamos Os problemas que nos dão trabalho para resolver são
que houve a formação de um hábito. Entretanto, quando a aqueles para os quais não dispomos de esquemas
situação é nova, o sujeito tem que fazer coisas diferentes, previamente estabelecidos e temos que formar outros novos.
mas começará usando também os esquemas de que dispõe. Estamos aprendendo a pintar paredes com um rolo, mas
O aspecto desencadeante colocará em funcionamento alguns sempre ocorrem pingos e a pintura escorre para baixo. Como
esquemas que pudessem ser apropriados e o sujeito resolver o problema? Notamos, então, que pintamos de baixo
selecionará uns ao invés de outros. Se a situação for para cima e quando o rolo está muito encharcado de tinta é
parecida com outra anterior, o indivíduo tentará aplicar um justamente quando pintamos para baixo, caso em que a tinta,
esquema introduzindo alguma modificação: se, ao invés de excessiva nesse momento, escorre. Nossos conhecimentos
querer abrir a porta de uma peça, tentar abrir a porta de um sobre o deslocamento de líquidos por superfícies e da
armário com chave ao invés de trinco, tentará aplicar os situação na qual nos encontramos nos levam a mudar a
movimentos que realiza com o trinco à chave e talvez depois técnica e, então, tentamos pintar de cima para baixo,
de algumas tentativas o consiga. Em situações futuras, acompanhando o deslocamento da tinta que sobra e
adaptará a sua preensão à forma da chave e moverá a mão evitando, assim, que a pintura se solte e escorra.
de forma adequada para fazê-la girar. Resolvemos, dessa forma, um problema novo, o que se
constitui num ato de inteligência. Para nós constitui-se num
Se a situação for muito diferente, como diante de uma janela problema uma situação nova onde existem alguns elementos
de “guilhotina”, das que se deslocam verticalmente, o diferentes de outras situações já conhecidas, mas que não
indivíduo pode não encontrar no seu repertório de esquemas são totalmente novos, pois nesse caso estaríamos perdidos e
nenhum adequado e, por isso, será incapaz de resolver a não saberíamos por onde começar. A inteligência é,
situação. Nesse caso não haverá formação de novos justamente, o que permite a nossa adaptação a essas
esquemas, nem terá se produzido nenhum progresso no situações novas.
indivíduo porque não pode assimilar a situação nem,
portanto, acomodar-se a ela. Evidentemente, a situação que descrevemos mostra um
único momento da pintura, não é um problema novo para um
Então, o indivíduo aprende principalmente em situações que pintor experiente e, para ele, é somente uma questão de
diferem um pouco de situações anteriores e que, ao contrário, aplicar esquemas completamente automatizados que se
não aprende em situações idênticas às anteriores, nas quais desencadeiam de forma apropriada na situação, mas para
somente repete esquemas anteriormente formados, nem um amador que está se iniciando na pintura de paredes há
tampouco em situações totalmente novas para as quais não muitos aspectos problemáticos que precisam ser resolvidos
dispõe de esquemas adequados, nem mesmo parecidos. por modificação de esquemas anteriores. A possibilidade de
adaptar-se a novas situações cada vez mais complexas é o
Assim, quando a discrepância entre a situação nova e uma resultado do processo de desenvolvimento.
situação anterior é intermediária se produz o maior
progresso, enquanto que se a discrepância for mínima ou Os esquemas aos quais fizemos referência eram esquemas
máxima o progresso não será possível. Em experiências com principalmente do tipo motor, mas o mesmo acontece com
crianças de poucos meses, comprovou-se que se interessam outros esquemas mais abstratos, por exemplo, com a solução
principalmente por objetos parecidos com outros que já de problemas de matemática. Se aprendemos a calcular a
conhecem e que mostram um interesse muito menor por área de um retângulo, podemos considerar que dispomos de
objetos muito conhecidos ou por objetos totalmente novos. um esquema que se aplica quando encontramos uma figura
desse tipo. Mas se tivermos um paralelogramo não retângulo,
Os esquemas vão se combinando entre si ao longo do nos encontramos diante de um problema novo, uma situação
desenvolvimento, dando lugar a sucessões de ações cada discrepante na qual teremos que experimentar nossos
vez mais complexas. Um adulto diante da porta de sua casa esquemas anteriores. Logicamente, se não sabemos calcular
realiza automaticamente uma sucessão de ações sem estar áreas de superfícies o problema será muito difícil ou
consciente disso, ou seja, enquanto pensa em algo impossível de resolver. Pelo contrário, se a diferença entre o
totalmente diferente. Tira do bolso um molho de chaves, tipo de área que temos que calcular e outras que calculamos
seleciona a adequada, enfia-a na fechadura, faz a chave antes for muito pequena, o problema será muito simples.
girar, abre a porta, torna a fecha-la, guarda novamente a
chave, etc. Cada uma dessas ações poderia ser, inicialmente Chegaremos a formar um esquema novo. Há também a
- e possivelmente foi - um esquema independente, mas, ao possibilidade de que recebamos instruções verbais sobre a
final, foram combinadas em um esquema único que foi forma de resolver esse problema, como e feito geralmente na
automatizado. Da mesma forma, uma pessoa que está escola. Isso facilita a nossa tarefa, mas, muitas vezes não
aprendendo a dirigir precisa concentrar-se intensamente em supõe a formação de um novo esquema que possa ser
pisar na embreagem e colocar a marcha quando quer mudar generalizado para outras situações, por isso é conveniente
e isso exige dela uma atenção que dificulta o domínio do deixar que o indivíduo explore suas próprias soluções, o que
volante, a atenção à circulação dos outros carros, ou olhar será abordado mais adiante.
pelo espelho retrovisor; um motorista experiente, ao contrário,
automatizou os diversos esquemas da direção e pode ir da OS ESTAGIOS DO DESENVOLVIMENTO
sua casa para o trabalho de uma forma totalmente
automática, sem pensar em momento algum no que está
fazendo. Pode havê-lo automatizado a tal ponto que, se Embora o procedimento de formação de esquemas novos
quiser ir a outro lugar e iniciou o mesmo caminho que quando seja idêntico em todas as idades, há diferenças marcantes

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PSICOLOGIA

nas condutas entre crianças de 1 ano, por exemplo, e de 7 Assim, quando a criança vai para a escola, o fato de que
anos. Por isso podemos dizer que o mecanismo do tenha tido um desenvolvimento inicial adequado será um
desenvolvimento, o princípio pelo qual se produz o progresso ponto de partida positivo para o trabalho escolar e para sua
psicológico, é o mesmo em todas as idades, mas o repertório integração afetiva dentro da escola. Mas não é esse u
de esquemas vai mudando e vai dando origem a estruturas aspecto ao qual queremos fazer referência agora, e sim,
diferentes nas diferentes idades. Por isso, para entender principalmente, à influência que os pais possam ter sobre a
melhor o progresso das condutas é conveniente distinguir criança durante a etapa escolar e sobre o que a criança faz
estádios no desenvolvimento. na escola.

Até 1 ano e meio ou 2 anos, a criança relaciona-se com o No momento em que a criança chega à escola, estabelece
meio através dos seus sentidos e agindo sobre ele. As trocas novas relações com professores e colegas, relações que,
são principalmente materiais e limitadas à situação atual e a como afirmamos, são influenciadas pelo desenvolvimento
esse lugar. Em torno dessa idade, fins do segundo ano, anterior da criança. Quando os pais enviam a criança à
começam a aparecer a linguagem e a representação, ou seja, escola, criam uma série de expectativas sobre o que ela fará
a possibilidade de usar um significante ao invés de um ali e estabelecem comparações com outras crianças. Até
significado. Isso abre enormes perspectivas e uma nova então, se existem diferenças entre a criança e as outras à
etapa no desenvolvimento. A primeira é denominada de sua volta, os pais são considerados os responsáveis e, por
período sensório-motor devido às características isso, se a comparação era desfavorável para a própria
predominantes, ou seja, atividade sensorial e motora, criança, produz-se uma certa tendência a ignorá-la ou a
enquanto que depois entramos numa fase representativa. justificá-la de alguma forma (“ele é muito distraído, mas muito
carinhoso”, “é um chato, mas vivo como ninguém”, etc.). No
Entre a idade de 2 e 7 anos, a criança reconstrói, pela entanto, no momento em que a criança começa a freqüentar
linguagem, muitos dos seus conhecimentos anteriores. A sua a escola, tende-se a passar a responsabilidade pelos
capacidade de atenção, no entanto, continua ainda sendo progressos satisfatórios ou menos satisfatórios do filho aos
limitada e permanece dominada pelo que se denomina professores a à organização escolar.
egocentrismo. É a etapa do pensamento intuitivo, ou
subperíodo pré-operatório no qual a criança se mostra muito Quando a criança vai à escola e à medida que vai crescendo,
apegada aos aspectos externos das situações. os pais projetam uma série de expectativas sobre o trabalho
de seu filho. É freqüente, também, que projetem suas
Dos 7 aos 11 anos, em média, transcorre o período das frustrações pessoais ou profissionais e que desejem que seu
operações concretas, no qual a criança organiza as suas filho chegue mais longe que eles. Aqui aparece uma atitude
ações em sistemas de conjunto e realiza grandes progressos ambígua na qual o pai apresenta-se como modelo idealizado
na aplicação de noções lógicas, mas ainda continua apegada com quem o filho deve parecer-se e, ao mesmo tempo, de
à situação concreta na qual se encontra. uma forma mais real, como uma meta que deve ser
superada, esperando que a criança chegue mais longe. Estas
Dos 11 aos 15 ou 16 anos, transcorre a etapa das operações expectativas submetem o filho a uma certa pressão que, em
formais, na qual o indivíduo começa a raciocinar de forma alguns casos, pode ser muito forte e dificilmente suportável.
hipotético dedutiva e a aplicar os conceitos básicos do
pensamento científico. Com esta etapa termina o As expectativas dos pais diante do trabalho dos filhos
desenvolvimento intelectual. costumam referir-se aos aspectos mais facilmente
observáveis do trabalho escolar. Nos primeiros níveis, fazem
Esses diferentes estádios definem distintas maneiras de referência quase exclusivamente aos progressos na leitura,
resolver os problemas que se apresentam e, portanto, a na escrita e nas primeiras noções de matemática;
adaptação à realidade. A ordem em que transcorrem esses posteriormente, muitos pais já não são capazes de avaliar
estádios parece ser invariável, mas as idades são mais esses progressos e limitam-se às notas. Se a pressão dos
flexíveis e dependem do meio onde se encontra o indivíduo. pais para que a criança obtenha boas notas for muito grande,
Não podemos dizer, portanto, que um sujeito de 12 anos se esta pode chegar a detestar o trabalho escolar e a fugir dele,
encontra no período das operações formais, senão que, para já que se constitui numa fonte de conflitos com a sua família.
fazermos tal afirmação, precisamos analisar a sua conduta. Por isso, uma excessiva pressão, principalmente se for
Os diferentes fatores do desenvolvimento sobre os quais referente somente às notas, é sempre negativa porque, ao
falaremos mais adiante podem introduzir grandes variações invés de estimular a criança, o que consegue é impedi-la de
na velocidade com que este se processa. avançar.

OS PAIS E A ESCOLA Os pais costumam prestar muito menos atenção a outros


aspectos do desenvolvimento, àqueles aos quais fizemos
referência, que são menos visíveis, porém, mais importantes
Os pais desempenham um papel muito importante, embora e que traduzem melhor os progressos da criança, por
não necessariamente benéfico, na educação dos filhos. Essa exemplo, os seus avanços na área das relações lógicas, das
influência tem início, naturalmente, antes do nascimento. Em noções de conservação ou no domínio do pensamento
geral, a influência continua sendo particularmente importante hipotético-dedutivo e das formas de pensamento racional.
durante os primeiros anos de vida, quando a criança Como estes aspectos são mais difíceis de serem observados,
permanece grande parte do tempo, ou todo o tempo, em casa principalmente por pessoas não especializadas, os pais não
tendo contato com a sua família. Como sabemos, essa etapa costumam dar-lhes a atenção que merecem e, desse ponto
determina em grande parte o desenvolvimento posterior. O de vista, é comum que os pais sejam uma das principais
ambiente da criança proporcionado pela família deve ser rico dificuldades para a introdução de melhorias e reformas nas
em estímulos, não só em quantidade mas também escolas. Afirma-se, com freqüência, que muitas experiências
qualitativamente, apresentados da forma adequada e no inovadoras realizadas na escola têm sido frustradas pela falta
momento oportuno; a relação afetiva com os pais e com os de colaboração ou até pela oposição encontrada nos pais,
irmãos e, antes de mais nada, a relação com a figura materna que esperam que seus filhos saibam o que sabem os filhos
será um determinante de relações sociais posteriores. dos seus vizinhos ou o que eles sabiam com essa idade. Os

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PSICOLOGIA

relatos de grandes pedagogos inovadores contêm, externo que pode ser conseqüência de muitas causas. O
freqüentemente, alusões a estes problemas. Quando as importante é, então, tentar detectar quais são essas causas e
mudanças são devidas a reformas gerais do sistema encontrar a sua solução.
educacional, ainda são capazes de aceitá-las, mas quando
se referem ao trabalho experimental realizado em uma Podemos dizer que os exames e as reprovações são uma
determinada escola, a oposição é muito maior e isso obriga forma de controle social e de ordenação dos indivíduos. Não
os professores não somente a realizar um trabalho criativo e analisaremos agora o valor e a necessidade da existência de
de busca, mas realizá-lo num ambiente, em última análise, exames, assunto que já tem sido muito abordado. O que
hostil. queremos dizer é que por trás de cada reprovação há um
problema cognitivo ou afetivo, e geralmente ambos, e que o
A partir desse ponto de vista, é muito conveniente que os pais que precisamos fazer é tentar encontrar esse problema se
conheçam as fases de desenvolvimento dos seus filhos e quisermos que o sujeito progrida. Mas o que não costuma ser
possam ser mais compreensivos com o ritmo de progresso uma solução é fazê-lo repetir o ano ou dar-lhe algumas aulas
destes e com os problemas que eventualmente possam complementares. Se um aluno for capaz de ser aprovado em
surgir. Por isso, seria muito conveniente realizar um trabalho uma disciplina recebendo algumas aulas suplementares fora
de formação dos pais através de diversos meios, incluindo a da escola, isso pode ser devido a três causas. Ou o
televisão. procedimento de ensino na escola é decisivamente mau, e
então deveria ser mudado; ou essa criança precisa de um
Esta cegueira dos pais diante do desenvolvimento dos filhos contato mais pessoal e direto com uma pessoa, e isso
e a projeção de frustrações que tentam resolver através deles consegue com um professor particular, mas, então, não é o
é um motivo para não deixar a educação somente em mãos que ele ensina, mas sim a atenção que lhe é dada nessa
dos pais. As crianças pertencem a toda a sociedade, pois situação e que provavelmente não recebe em outros lugares
representam o seu futuro e, por isso, da mesma maneira que o que o ajuda na aprendizagem; ou, finalmente, o que lhe é
não se permite que os pais maltratem ou até matem os seus exigido na escola é puramente uma aprendizagem
filhos, tampouco se deve permitir que façam coisas que são memorística ou de receitas e o professor particular ensina
negativas na área do desenvolvimento psicológico e, assim, a justamente essas receitas. Em qualquer um dos três casos a
participação dos pais nas decisões sobre a educação dos solução deveria ser procurada dentro da escola.
filhos deve ser limitada. Mesmo falando de pais normais, não
se pode dizer que desejem sempre o melhor para seus filhos As repetições de ano, e, mais ainda, as aulas de
se considerarmos as coisas do ponto de vista objetivo e não recuperação, são em geral totalmente inúteis se o que
subjetivo. Ou seja, podem pensar que estão desejando o esperamos é que os estudantes aprendam realmente e se
melhor para seu filho e, na realidade, o que estão desejando desenvolvam. Se a nossa pretensão é somente que decorem
é o que mais satisfaz a eles próprios, o que melhor lhes uma matéria determinada, é evidente que, quanto mais horas
possibilita realizar suas fantasias sobre o que não forem dedicadas a uma aprendizagem memorística mais
conseguiram atingir em sua juventude, fantasias que podem provável será que se consiga isso, mas os resultados não
perturbar o desenvolvimento dos filhos. serão bons porque rapidamente serão esquecidos. O que
acontece é que, nesse meio tempo, o exame já terá passado
Inclusive, se realmente existirem problemas, se a criança e teremos a ilusão de que a criança aprendeu alguma coisa.
apresentar atrasos reais, o pior é sempre angustiar-se em Se quisermos conseguir um autêntico avanço de nossos
relação a eles e pressionar ou forçar a criança para que os alunos, o que precisamos é detectar as causas pelas quais
supere. Se a criança não aprende a escrever, o que se deve eles não aprendem e tentar solucioná-las. Em alguns casos
fazer não é recrimina-la ou dar-lhe mais horas de aula, mas talvez não haja solução porque o aluno não seria capaz de
sim tentar descobrir os motivos pelos quais não aprende ou aprender aquilo que lhe é ensinado mas essa é uma situação
tentar eliminá-los. Muitos pais somente desejam que seus excepcional e, na maioria das vezes, os atrasos devem-se a
filhos progridam na escola, mas não manifestam o mínimo defeitos na maneira de ensinar ou nas relações em classe ou
interesse pela tarefa que as crianças realizar aí ou pelos em casa. Ter consciência disso é um primeiro passo para
verdadeiros interesses de seus filhos. Certos pais inclusive encontrar a solução.
menosprezam profundamente o trabalho dos professores e
até o manifestam diante dos filhos. Por isso é normal que OS PSICÓLOGOS NA ESCOLA E OS TESTES
estes pensem (de uma forma geralmente não consciente)
que, já que seus pais têm tão pouco interesse por aquilo que Os testes de inteligência estiveram ligados, na sua origem, a
eles fazem na escola e apreciam tão pouco os professores, problemas escolares. O criador dos primeiros testes de
não vale muito a pena preocupar-se com o trabalho escolar. A inteligência que respondiam a necessidades práticas, o
atenção e a preocupação sensatas dos pais pelo trabalho da psicólogo francês Alfred Binet (1857-1911), tinha como
criança e pela tarefa que é realizada na escola são um dos objetivo elaborar um instrumento de diagnóstico que
fatores que mais podem contribuir para o progresso da permitisse determinar se uma criança estava adiantada ou
criança. atrasada em relação às de sua idade, sem analisar se o seu
atraso era adquirido ou devido a causas congênitas. Binet
Assim, um pai que se interessa pelos avanços que seu filho não considerava, absolutamente, que os resultados no teste
realiza na escola, que não é exigente demais, que não fossem fixos e não pudessem ser modificados. O que ele
pretende comparar constantemente o filho com outras pretendia era, justamente, determinar o nível em que se
crianças, que é sensível aos esforços inovadores realizados encontrava um aluno para, caso não fosse suficiente,
na escola e ao trabalho dos professores, pode ser um contribuir para o seu progresso.
estímulo positivo para a aprendizagem da criança, mas
atitudes contrárias ou simplesmente a falta de interesse, que Entretanto, o desenvolvimento posterior dos testes de
são muito freqüentes, são altamente negativas e são, sem inteligência, principalmente nos Estados Um dos, levou a
dúvida, uma das causas dos fracassos escolares. pensar que os testes medem realmente a inteligência e que
esta é algo fixo que acompanha o sujeito ao longo da sua
A reprovação é considerada como a medida do sucesso ou vida. Diante disto é preciso dizer que as pontuações dos
do fracasso na escola. Mas não é mais do que um índice testes indicam muito pouco sobre a inteligência da criança e,

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PSICOLOGIA

principalmente, sobre o seu futuro. Os testes estão mais professores as condições e o ambiente adequado de
relacionados com o rendimento escolar, considerado nesse trabalho, tanto do ponto de vista intelectual como social.
sentido limitado de obter resultados facilmente visíveis mas
pouco indicativos do desenvolvimento intelectual real da Para realizar essas tarefas de planejamento e profilaxia,
criança. deveria haver psicólogos nas escolas, nos centros de ensino
e nos centros de atualização de professores. Mas,
Na verdade, a utilização de testes na escola é muito mais naturalmente, deveriam ser psicólogos com uma formação
prejudicial do que benéfica devido à forma como são diferente daquela que possuem muitos deles mais inclinados
aplicados e à utilização que se faz deles. Freqüentemente os a realizar diagnósticos ou a considerar o aluno como um
testes são mal aplicados, por pessoas não qualificadas, de paciente.
forma coletiva e com poucos cuidados. As pessoas que
analisam os resultados não sabem como devem ser Psicodiagnóstico
interpretados. Mesmo tomando todas as precauções e
O QUE É
aplicado por um especialista, um teste não é nada além de
mais um elemento dentro de um diagnóstico, que deve ser A utilização de testes assume um papel importante no
complementado com outras provas e com entrevistas. A psicodiagnóstico, uma vez que constitui uma ferramenta
utilização dos testes nas escolas deveria estar sujeita a fundamental no auxílio deste processo. Cada vez mais
controles muito rígidos e deveriam ser usados apenas em percebe-se a sua utilização, principalmente num diagnóstico
casos excepcionais. diferencial, ou para a obtenção de dados que de início as
entrevistas e anamneses não puderam detectar.
Mas além da falta de garantias com que são obtidos os dados
dos testes, há outro problema igualmente grave, que é o da OBJETIVOS
interpretação dos resultados. Com freqüência, o próprio Os objetivos dos testes são múltiplos: podemos avaliar a
professor e também os pais atribuem aos resultados dos estrutura da personalidade, modos de funcionamento mental,
testes um valor muito maior do que estes realmente possuem produção intelectual, funções cognitivas, entre outros.
e formam, então, uma idéia sobre a criança que pode
influenciar decisivamente seu rendimento na escola. Diversas TIPOS
experiências têm manifestado que as atitudes e expectativas
Poderíamos qualificar os testes como psicométricos e
do professor em relação ao aluno se constituem num fator
projetivos. O primeiro diz respeito a testes cujos resultados
muito importante para o aproveitamento escolar,
são obtidos de forma quantitativa e métrica, como é o caso
independentemente da capacidade medida pelos testes. Ou
dos testes de inteligência, por exemplo (WISC, WAIS). Os
seja, a convicção de um professor de que um aluno tem
testes projetivos, por não serem estruturados (manchas de
capacidade determina mais o seu bom rendimento do que
tinta do Rorschach, prancha com figuras do TAT), estimulam
sua inteligência medida pelos testes, e o mesmo ocorre no
as projeções de vivências internas, preocupações e conflitos.
sentido inverso, um aluno que o professor considera como
Ao falarmos de psicodiagnóstico, não podemos considerar
um mau aluno facilmente obterá maus resultados. Segundo
um teste isolado como forma de avaliar o sujeito como um
esta visão, o uso dos testes nas escolas pode ser algo
todo. Um processo psicodiagnóstico implica a utilização de
extremamente prejudicial, pois pode determinar atitudes do
várias técnicas de avaliação, dentre elas a entrevista, pois
professor ou de outros adultos que se transformariam em
devemos considerar sempre a limitação que o próprio
realidade devido a que consideram os resultados como
instrumento impõe.
autêntica expressão da inteligência de um aluno.
O psicodiagnóstico tem uma finalidade clínica. Porém seus
De qualquer maneira, a função do psicólogo numa escola instrumentos vêm sendo utilizados em outras áreas, não só a
pode e deve ser muito importante, independentemente dos clínica, mas também na área organizacional (admissões,
testes. Ao longo de todo este livro, tentamos mostrar a promoções), na área criminal (perícia forense) e na área
necessidade de conhecer o desenvolvimento psicológico do educacional.
aluno e adequar ao mesmo o ensino, a fim de que este seja
eficaz. Para realizar essa tarefa, para planejar e desenvolver O PSICODIAGNÓSTICO
o trabalho em aula, o psicólogo pode ser um excelente apoio O psicodiagnóstico traz para a sociedade civil o benefício da
para o professor. Este deve conhecer o desenvolvimento da prevenção e tratamento de distúrbios mentais. Ele pode ser
criança, mas não tem por que ser um especialista. O aplicado:
psicólogo pode ajudá-lo em sua tarefa, mas, para isso,
precisa trabalhar dentro da escola em íntima cooperação com - na Seleção de Profissionais em Empresas;
os professores. Isto requer uma grande modificação na - na Orientação Vocacional;
função do psicólogo escolar. Não será uma pessoa que vem - no Diagnóstico Clínico;
de vez em quando examinar as crianças, diagnosticar as que - na Antropologia;
apresentam algum tipo de problema, nem será a pessoa à - na Indicação Seletiva de Tratamento;
qual são encaminhados os alunos difíceis; essa será, em - na Orientação Pedagógica;
todo caso, uma tarefa excepcional. Tampouco será aquele - no Diagnóstico Neuropsicológico;
que diz ao aluno o que ele tem que ser ou quais são suas - na Orientação da Família;
tendências, servindo como orientador. Cada vez está sendo - no Laudo Jurídico;
mais debatida essa idéia da orientação, pois sabe-se que - na Reestruturação do quadro de profissionais atuantes
serve para pouco. Sua tarefa principal dentro da escola será dentro da empresa,
a de planejar atividades, analisar o rendimento dos alunos, etc.
mas não de cada aluno, ou de um aluno, e sim de todos, pois Histórico:
o que é preciso avaliar é o método de trabalho. O psicólogo
deve visitar a sala de aula e não trabalhar em uma gabinete O Psicodiagnóstico de Rorschach foi criado em 1921 pelo
isolado. Só excepcionalmente se ocupará dos alunos com psiquiatra suíço Hermann Rorschach. Desde sua criação
problemas, pois o que ele tem que fazer é contribuir para que provocou grande impacto em diferentes meios científicos,
esses alunos não existam, planejando junto com os

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PSICOLOGIA

culminando com a criação da Sociedade Internacional de possibilidades e necessidades daquele cliente, até para que
Rorschach. ele escolha as melhores técnicas de intervenção, ou ainda,
as possíveis. Mesmo em um caso de lesão, o indivíduo pode
Esta prova é composta por 10 pranchas, cada uma delas ser estimulado e conseguir progressos, proporcionais as suas
apresenta manchas de tinta ambíguas, mas que na realidade possibilidades, desde que estas sejam conhecidas. Portanto,
reúnem os inúmeros estímulos psicofísicos que nenhum laudo é para sempre. A relação do indivíduo com o
continuamente afluem ao cérebro humano, no curso das mundo altera bastante seu desempenho nele.
relações que o indivíduo mantém com o ambiente. Nas
diferentes pranchas, esses estímulos se estruturam de modo Mas quando devo encaminhar alguém para psicodiagnóstico?
diferente facilitando a evocação de diferentes imagens
mentais. Olhando para cada uma delas, o examinando Nunca por curiosidade como, por exemplo, saber qual o QI
deverá elaborar respostas à partir das imagens que lhe do indivíduo. Sempre que surgir uma dificuldade em chegar a
ocorrem, em função de suas experiências passadas e de seu um diagnóstico médico: quando toda a medicação já foi
modo pessoal de reagir e organizar as situações. Desse prescrita e não funcionou. Ou quando nada há que justifique
modo, o Rorschach permite o exame dos processos um comportamento bizarro ou compulsivo... Ou ainda por
psíquicos superiores tais como memória, atenção, percepção, dificuldades de aprendizagem.
pensamento, emoção e comunicação (mímica e verbal). A E o que se faz com o diagnóstico?
combinação específica desses processos na prova indica a
dinâmica de personalidade. Os campos de aplicação desta O psicólogo ético devolve o cliente ao profissional que o
prova são inúmeros, cada um deles exigindo procedimento e encaminhou. Este cliente tem direito de conhecer seu
avaliação específica dos processos mobilizados pela prova: resultado: por lei o psicólogo tem que informá-lo. O psicólogo
estudo da visão de mundo e das mentalidades em diferentes relata por escrito o que foi observado e faz as indicações
culturas, na Antropologia; dos distúrbios mentais e níveis de necessárias, que podem ser: tratamento psiquiátrico,
comprometimento do psiquismo, na Clínica; dos processos fonoaudiologico, neurológico ou de outra especialidade. Ou
envolvidos em diferentes fases do desenvolvimento, na apenas para psicoterapia, caso só sejam percebidas
Psicologia Genética; da ocorrência de distúrbios cognitivos, questões emocionais.
motores ou emocionais que afetam o julgamento de realidade Como é o processo de psicodiagnóstico?
e provocam desvios de comportamento, nos Laudos
Judiciários; e, dos recursos e interesses pessoais do Sendo um cliente adulto , faz-se inicialmente uma entrevista
examinando, na Orientação Vocacional e na área de Seleção individual onde se pesquisam os motivos que o levaram a
e Integração Profissional. Para a orientação e Seleção pedir um psicodiagnóstico. Investiga-se o histórico do sujeito
Profissional, o examinador deverá levar em conta os recursos e suas relações no mundo. Se tudo tiver claro na primeira
individuais desejáveis ao exercício de cada profissão, e aos entrevista, já na segunda pode-se começar a testagem. Caso
diferentes cargos exercidos em cada uma delas. Considerar seja um psicodiagnóstico infantil, a primeira sessão será
ainda os desvios de personalidade ou as carências cognitivas preferencialmente com os dois pais, ou pelo menos, com o
e práticas que interditam o exercício eficiente de uma tarefa. responsável com quem morar a criança. A segunda deverá
Partindo dessas informações, deve-se buscar na Prova de ser uma sessão livre. Na terceira, em geral, se começa a
Rorschach os indicadores do estilo pessoal de inteligência testagem, a partir de hipóteses levantadas a partir das duas
(tipo de observação, raciocínio e expressão verbal), de primeiras entrevistas. É claro que não há uma receita de bolo
aptidão motora (coordenação, seletividade, iniciativa) e o e tudo isto é definido em função de cada caso clínico. Após o
modo particular do examinando expressar os sentimentos e final da testagem (em média 10 sessões), o psicólogo redige
estabelecer relações interpessoais. Nesse caso, a Prova de uma síntese diagnóstica e a apresenta ao cliente e ao
Rorschach não apenas será útil para a seleção de candidatos responsável (em caso de menor de idade).
à um cargo, ou profissão específica, como ainda, para
Não há um paradoxo entre ser existencialista e fazer
orientar um potencial candidato para o aperfeiçoamento de
psicodiagnóstico?
determinados recursos pessoais e para a aquisição de
mecanismos de controle mais desejáveis ao convívio Não, nenhum. A psicopatologia nesta abordagem apresenta
interpessoal, ou quando for o caso, para o encaminhamento a quatro níveis: descritivo (ver Karl Jaspers), genético-estrutural
um tipo particular de psicoterapia. (Ibor Lopez), categorial (Biswanger e Gebsatel) e analítico-
existencial (Heidegger). Em "O Inquilino do Imaginário" , de
Psicodiagnóstico Diferencial Emílio Romero, muito se esclarece acerca da visão de
psicopatologia nesta abordagem, sintetizando com clareza os
O que vem a ser o Psicodiagnóstico? princípios existencialistas. THAYS BABO
Psicodiagnóstico é um procedimento adotado, a partir de uma BRUXISMO, SONO E ASPECTOS EMOCIONAIS
solicitação ao psicólogo, para esclarecer determinada dúvida
a respeito de um cliente. Consiste em uma série de O Bruxismo do sono no homem é conhecido de longa data,
entrevistas e em testagem para confirmar ou refutar registrado nos episódios bíblicos há mais de 400 anos a.C.
hipóteses levantadas ao longo das entrevistas. (Telles e Gikovate, 2001). É uma das desordens funcionais
mais prevalecentes, complexas e destrutivas (Oliveira, 2002).
De quem vem o pedido para a realização do A sua taxa epidemiológica é controvertida, variando de 6% a
psicodiagnóstico? 20% (Telles e Gikovate, 2001; Chapotat, 2001), atingindo até
O encaminhamento pode vir tanto de médicos, quanto de um 90% (Oliveira, 2002). A prevalência de outras parassônias
profissional de fonoaudiologia ou do ensino (querendo (sonolóquio, enurese noturna) nas crianças com bruxismo é 3
entender uma dificuldade de aprendizagem, por exemplo) ou vezes maior (Oliveira, 2002) e não há diferenças entre os
ainda de de um juiz... É uma função exclusiva do psicólogo. sexos.

O diagnóstico é para sempre? Chama-se de Bruxismo a uma atividade sonora dos dentes,
mais freqüente no período noturno que pode ser observado
À luz do existencialismo, acreditamos que o homem está em sujeitos dentro de um contexto emocional, principalmente
sempre em processo de autoconstrução. Assim, o com manifestações de ansiedade e de estresse ou com uma
psicodiagnóstico esclarece o profissional acerca das doença dentária.

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PSICOLOGIA

O Bruxismo pode se manifestar tanto em vigília como no alta freqüência no segundo e terceiro períodos de transição
sono (Reimão, 1985). O hábito parafuncional diurno é entre estágios não Rem (NREM) para o REM.
voluntário ou semivoluntário, é silencioso; no noturno,
observa-se uma contração com força três vezes maior que a Segundo a Classificação Internacional dos Distúrbios do
natural, provocando um atrito em ruído forte de ranger Sono), o bruxismo relacionado ao sono é um distúrbio com
(Reimão, 1997) e não são reproduzidos nos períodos de movimentos estereotipados de ranger ou apertar os dentes
consciência (Gouveia, et, 1999).O bruxismo surge em durante o sono, sendo classificado dentro das parassônias.
qualquer idade, sendo mais comum na infância e Quanto ao estágio de sono que ocorre o ranger os dentes,
adolescência (Reimão, 1985; Gouveia, et al.; 1996; Souza, estudos recentes sugerem que possa ocorrer tanto no REM
1999; Chapotat et al. 2001). Sendo que 10% das crianças, na como nos estágios NREM (Lavigne, et al., 1996).
idade de 7 anos apresentam bruxismo todos os dias, Em uma revisão extensa sobre o bruxismo (Oliveira, 2002)
causando dor de cabeça, dificuldades para engolir e falar, diferentes autores demostraram que o bruxismo que ocorre
sonolência diurna e insônia à noite (Souza, 1999). na fase REM é mais destrutivo e com mais sintomatologia;
Shinkai et al.(1998) estudaram a prevalência de bruxismo quadros de bruxismo acentuada durante o sono, estão
excêntrico noturno e suas características em 213 crianças de associados á redução do estágio REM; a posição de dormir
2 a 11 anos. Entre os bruxômanos (N=61) 27, 8% eram pode exercer força lateral na mandíbula, rangendo mais
crianças ansiosas, 31,1% eram hiperativas e 51% tinham quando dorme de lado do que de costas, contribuindo
afecções alérgicas respiratórias. Em relação a idade fortemente para a gravidade do bruxismo noturno; 10% dos
observou-se uma maior prevalência em crianças de 2 a 5 bruxistas relataram a síndrome das pernas inquietas e 15 %
anos e de 10 a 11 anos. dos indivíduos que se queixam de movimentos das pernas na
síndrome das pernas inquietas rangiam os dentes.
As causas do bruxismo são multifatoriais principalmente em
situações de estresse em que ocorre alterações nos padrões Molina et al. (2000) evidenciaram que os portadores de
habituais do sono (Inocente e Reimão), um aumento do grau bruxismo podem ser caracterizados como indivíduos que
de ansiedade, nas quais as emoções experimentadas apresentam uma forte tendência ao uso de analgésicos,
durante o dia se transformam em espasmos musculares antiinflamatórios, miorrelaxantes, antidepressivos e placas de
durante a noite (Chapotat et al. 2001), podendo ser mordida antes da consulta inicial para diagnóstico e
considerado um hábito parafuncional (Telles e Gikovate, tratamento mais racional. Constataram que seus pacientes
2001) e haver alterações neurológicas. Devido o seu caráter acreditavam que os sinais e sintomas podiam ser eliminados
multifatorial necessita de tratamento com dentista, psicólogo com o uso de medicaçäo; apresentaram uma idéia vaga
ou fonoaudiólogo e neurologista. sobre seus distúrbios e sobre os profissionais que devem ser
consultados para obter-se um diagnóstico, plano de
O bruxismo, quando exacerbado, pode desencadear sinais e tratamento e, finalmente, apresentaram dor como queixa
sintomas da disfunção temporomandibular e acometer as principal, confirmando achados prévios da literatura.
estruturas do sistema estomagnático como os músculos,
dentes, periodonto e articulação temporomandibular (ATM) Os aspectos psicológicos tais como o estresse são objetos de
(Oliveira, 2002). Alguns autores (Gouveia, et al., 1996; uma atenção particular pois observa-se um aumento
Chapotat et al., 2001) referem que os sintomas biológicos considerável da tensão e pode estar relacionado a
mais freqüentes são hipersensibilidade, desgaste, mobilidade dificuldades psicossociais mais severos, principalmente
dental, comprometimento gengival, mialgias mastigatórias; quando o bruxismo ocorre todas as noites (Telles e Gikovate,
mímica facial com limitação da abertura da boca, trismo 2001).
mandibular pela manhã, dificuldades na mastigação dos Nóbilo et al. (2000) afirmam que a agressão reprimida, a
alimentos duros, fadiga muscular, algias, zumbidos no ouvido, tensão emocional e a frustração são citados continuamente
otalgias reflexas, estalos, ruídos na ATM, cefaléias e como os fatores mais importantes na etiologia do bruxismo.
cervicalgias; sintomas emocionais como alto grau de Concluíram em seus estudos que, tanto o Bruxismo como as
ansiedade, estresse e depressão; sintomas comportamentais contraçöes isométricas da musculatura do sistema
como absenteísmo no trabalho, baixo rendimento escolar e estomatognático, têm como causa primária os conflitos
ocupacional, incômodo ao companheiro de quarto que pode psíquicos oriundos das emoções reprimidas, que näo tiveram
comprometer as relações familiares. possibilidades de exteriorizar-se.
A literatura indica nos poucos estudos clínicos (Chapotat, et Ruela et al., (2001) investigaram a prevalência de bruxismo
al., 2001 ), o caráter multifatorial, provavelmente em razão de em 277 pacientes de 8 a 73 anos, sintomáticos quanto aos
seu aspecto complexo. Tal caráter multifatorial que pode ser aspectos etiológicos relativos a condição psicológica, saúde
agrupado em fatores como (Telles e Gikovate, 2001): fator geral e padrão oclusal de cada paciente. Observou-se que o
mecânico; fator neuromuscular, e fator psicofisiológico, sendo fator emocional interferiu, significativamente nas faixas
esse último objeto do nosso interesse na presente etárias compreendidas entre 26 a 73 anos.
atualização.
De maneira semelhante, Chapolat et al. (2000) afirmam que a
Os pacientes com bruxismo do sono, geralmente mostram compressão dos dentes aumenta em função do estresse
uma incidência mais elevada da atividade rítmica dos ressentido durante o dia e há uma correlação positiva entre o
músculos mastigatórios (RMMA) durante o sono do que bruxismo e ansiedade, hostilidade e hiperatividade que é
grupos de controles normais e são considerados bons evidenciado em estudantes, notadamente próximos a exames
dormidores. A macroestrutura do sono (tempo do sono, escolares.
latência do sono, número de despertares, latência do estágio
REM e a duração do estágio de sono) é similar entre grupos. O bruxismo é um mecanismo indispensável na liberação do
As diferenças de microestrutura do sono entre pacientes com estresse no qual o sistema mastigatório entra em ação em
bruxismo e normais foram investigadas somente em poucos situações de angústia (Chapolat, et al., 2001), a taxa de
estudos. Lavine et al. (2002) investigaram a microestrutura adrenalina aumenta o nível de ansiedade correlata a
do sono em 10 pacientes com bruxismo e 10 pacientes atividade noturna dos músculos masseteres.
normais. Os pacientes com bruxismo mostraram seis peródos Diversos autores salientam mais a influência da
a mais de RMMA por hora do que os normais (p<0.001), com personalidade do indivíduo que tem predisposição ao

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PSICOLOGIA

bruxismo do que o estresse que ele enfrenta. Os bruxistas Treinamento em assertividade: a resposta assertiva é uma
seriam perfeccionistas, exigentes consigo mesmos, resposta social apropriada para as situações, envolvendo a
competindo com o tempo. Outras características de expressão direta, honesta e adequada de sentimentos e
personalidade, salientadas sugerem que seriam mais pensamentos. O treinamento assertivo consiste em analisar
introvertidos, apresentam dificuldade em reagir a situações com o paciente diferentes formas de expressão de
de frustrações, dirigem a hostilidade para si, são mais sentimentos e/ ou pensamentos e as conseqüências
irritáveis, agressivos, possuem uma tendência maior a pessoais, biológicas, emocionais e comportamentais para a
desenvolver quadros depressivos, doenças psicossomáticas, não expressão ou a expressão inadequada e suas
instabilidade emocional do que os sujeitos assintomáticos repercussões no bruxismo. O paciente é orientado a engajar-
(Thaller et al., 1967; Kail, 1985; Gouveia, et al., 1997; se progressivamente em comportamentos mais assertivos e a
Chapotat, et al. 2001; Oliveira, 2002). discriminar a redução de respostas de ansiedade e dor e os
efeitos benéficos sobre o bruxismo.
Uma vez que o bruxismo é um distúrbio complexo e
multifacetado requer um tratamento multifatorial. O O bruxismo acrescido ao alto grau de ansiedade, estresse e
tratamento odontológico requer uma correção da oclusão dor reduz á qualidade de vida, exigindo medidas preventivas
dentária com a utilização de placas para proteção dos dentes. e tratamento eficazes.
Somado ao tratamento médico para outras condições
associadas. É recomendável a psicoterapia comportamental, Personalidade
na qual a avaliação cognitiva do evento afeta a relação entre De persona, "máscara" ou "personagem de teatro", veio a
o mundo e o modo como as pessoas se sentem. O palavra personalidade, o conjunto de qualidades que definem
pensamento consciente desempenha um papel básico na uma pessoa. A psicologia estuda as diferenças e
emoção e comportamento humano. semelhanças entre as pessoas e busca terapias para corrigir
A psicoterapia cognitiva comportamental enfatiza as mal- os transtornos de personalidade.
adaptações na estrutura cognitiva do indivíduo em um Personalidade é o termo utilizado para designar a
determinado distúrbio, principalmente com relação ao organização dinâmica do conjunto de sistemas psicofísicos
bruxismo e o grau de ansiedade encontrado nestes que determinam os ajustamentos do indivíduo ao meio em
pacientes. As principais técnicas comportamentais (Caballo, que vive. Tem, pois, várias características: (1) é única, própria
1999; Inocente e Reimão, 2001) recomendadas são: a um só indivíduo, ainda que este tenha traços comuns a
Reestruturação Cognitiva: produzir mudanças no pensamento outros indivíduos; (2) é uma integração das diversas funções,
e sistema de crenças do paciente, com o propósito de e mesmo que esta integração ainda não esteja concretizada,
promover mudanças emocionais e comportamentais existe uma tendência à integração que confere à
duradouras (Beck, 1997). O paciente é orientado quanto a personalidade o caráter de centro organizador; (3) é
natureza do distúrbio, à relação entre seus pensamentos, temporal, pois é sempre a de um indivíduo que vive
emoções e conseqüências comportamentais como as historicamente; (4) não é estímulo nem resposta, mas uma
respostas de ansiedade e dor no caso do bruxismo. variável intermediária que se afirma, portanto, como um estilo
pela conduta.
Enfoque Psicoeducativo que consiste em informar o paciente
sobre o que é o bruxismo para aumentar o grau de No estudo da personalidade registram-se duas teorias
informação e aderência ao tratamento. opostas: a caracterologia e a psicologia das personalidades,
ou personologia, na terminologia de Henry Alexander Murray.
Biblioterapia que consiste em apresentar ao paciente leituras Para a primeira, personalidade é um conjunto de traços mais
específicas sobre o que é o bruxismo para desenvolver maior ou menos fundamentais que, agrupados, formam tipos em
autocontrole. número limitado, aos quais podem ser reduzidos todos os
indivíduos. A personalidade será então uma estrutura
Técnicas de Relaxamento que visam diminuir ansiedade e fundamental estável, analisada em seu comportamento atual.
maior relaxamento dos grupos musculares, principalmente Já a personologia busca os fatores dinâmicos da conduta, as
aos que correspondem a cabeça, pescoço, ombros. motivações, os complexos centrais que influem na integração
Biofeedback proporcionar ao cérebro uma bioinformação da personalidade. No que tange à psicologia da
biológica, facilitando ao paciente aprendizagem ou auto personalidade, a teoria volta-se para sua função integrativa,
regulação de tais respostas. considerando-a de um ponto de vista histórico, num esquema
evolutivo.
Hipnoterapia empregar em paciente motivados com uma boa
capacidade para o transe e que podem beneficiar-se da Aspectos. No estudo da personalidade devem ser
sugestão direta para a diminuição da dor, redução da observados quatro aspectos:
ansiedade e eliminação dos sintomas. (1) Dados psicofisiológicos, provenientes da hereditariedade
Controle de estresse consiste em analisar o nível de estresse e maturação em relação constante com o adquirido. O ponto
e das condições internas e externas geradoras de estresse de vista mais aceito quanto à relação entre hereditariedade e
presentes no momento na vida dos pacientes e utilização de meio é o de uma interação. Os efeitos da hereditariedade e
técnicas de manejo do estresse como o relaxamento e do ambiente não são meramente somados, mas a extensão
mudanças no estilo de pensamento. da influência de um fator depende da contribuição do outro.
Os dados psicofisiológicos podem ser considerados como
Treino de Inoculação de estresse o paciente é treinado em produto da hereditariedade e do meio. Assim, uma pequena
responder a situações estressantes pensando racionalmente, diferença de hereditariedade e uma ligeira modificação do
controlando emoções fortes e comportando-se ambiente podem produzir uma enorme diferença da
adaptativamente. A tensão emocional e fisiológica são personalidade.
descritas em termos da falta de habilidades de auto
regulação emocional. Segue-se uma fase de aquisição de (2) Transformações da conduta e fixação de tipos de
habilidades que contemplem mudanças fisiológicas, comportamento. As transformações dependem de diversos
cognitivas, emocionais e comportamentais. fatores: (a) tendências elementares ou adquiridas, inatas ou
surgidas com a maturação, que suscitam e dirigem o

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PSICOLOGIA

comportamento; (b) operações já existentes, instintivas ou interações com o meio conduz à formação do superego, ou
adquiridas, que formam o fundamento da transformação, seja seja, a internalização do julgamento moral, em que atuam o
por assimilação a um novo todo, seja por dissociação; (c) eu ideal e a consciência. O eu ideal se manifesta por meio de
obstáculos sociais ou modelos culturais, cuja influência foi injunções a respeito de como a pessoa deve agir em relação
valorizada pela psicanálise; (d) variabilidade pessoal, a a suas aspirações e a consciência estabelece o que ela não
personalidade em formação, que proíbe ou facilita certas pode fazer.
possibilidades, na qual se destaca o funcionamento da
autodeterminação. A fixação das condutas mais complexas Personalidade básica. O conceito de personalidade básica
que substituem as condutas inadequadas pode ser explicada surgiu da colaboração entre o antropólogo Ralph Linton e o
pelo que a psicologia experimental chama de lei do efeito, e a psicanalista Abraham Kardiner. Com base em trabalhos de
psicanálise de princípio da realidade: permanecem as Linton sobre populações de Madagascar e das ilhas
condutas que levam a um resultado favorável. Marquesas, Kardiner realizou análises para verificar a
existência de correlações entre as instituições da cultura e a
(3) Determinismo social e cultura. Observações de psicólogos personalidade. Desses primeiros estudos, base de trabalhos
e antropólogos dão exemplos de diversidade de posteriores sobre cultura e personalidade, surgiu o conceito
comportamento com referência à percepção, memória e (mais produto de reflexão teórica que de trabalho de campo)
julgamento estético, segundo o tipo de grupo social. As de personalidade-base, ou personalidade básica, para definir
diferenças culturais também interferem no conceito de condutas e atitudes comuns à maioria dos integrantes de um
comportamento normal e anormal, que exigem referência a grupo.
um tipo determinado de norma social. Mesmo
comportamentos anteriormente considerados básicos da Só após as primeiras idéias formuladas por Kardiner é que se
natureza humana são entendidos, na atualidade, como fizeram experiências de campo, na década de 1940. Kardiner
produtos de determinado tipo de cultura. compreendia a existência de certos padrões fixos de
pensamento e ação, aceitos em geral por um grupo de
(4) Condições de unidade do ego e de identidade pessoal. indivíduos e que podem causar distúrbios a estes, quando
Tais condições são estudadas pela psicologia evolutiva e pela violados. As instituições primárias são formadas por certos
psicanálise. A tarefa principal do indivíduo será manter essa desejos do indivíduo, independentemente de seu controle
unidade, apesar das modificações do tempo e das situações (como apetite, sensualidade etc.), e vão compor a estrutura
dispersivas. A história individual deve ser vista em seu quadro da personalidade-base. Esta estrutura dá origem a outras
social, no âmbito do movimento evolutivo das sociedades. instituições, de caráter secundário, que atuam para aliviar
tensões. É exemplo de uma instituição secundária a maneira
Métodos experimentais. São estes os principais métodos pela qual os membros de uma cultura solicitam a proteção
experimentais empregados no estudo da personalidade: (1) divina. Se bem que o conceito de divindade seja universal, o
escalas de avaliação, nas quais os traços aparecem numa modo de solicitar sua proteção varia enormemente de povo
escala e o examinador deve classificar o examinado pela para povo, em geral como decorrência de experiências
cotação dos diversos traços: (2) questionários, série de criadas na mentalidade da criança e dos objetivos definidos
perguntas ao examinado, sobre motivações, atitudes, pela sociedade. Esta variação de experiências indica que a
interesses etc.; (3) técnicas projetivas, com estímulos pouco estrutura da personalidade-base é formada de elementos
estruturados, algumas mais sujeitas que outras a alguma comuns à personalidade da maioria dos membros individuais
correção. de uma cultura dada.
De todos esses métodos, o mais utilizado é o da entrevista, Surgida na década de 1930, a formulação do conceito de
raramente dispensada pelo avaliador da personalidade de um personalidade-base teve seu mais amplo desenvolvimento na
indivíduo. Existem vários tipos de entrevista e os dados década seguinte, quando foi comprovado por experiências de
obtidos por esse meio com freqüência modificam a avaliação campo. Cora Dubois estudou os nativos da ilha de Alor, na
final da personalidade cujos dados haviam sido indicados Melanésia, e encontrou três componentes da personalidade:
anteriormente por outros métodos. Durante muito tempo, a uma estrutura básica que pode ser fisiológica e comum a
psicologia atribuiu grande importância aos métodos ditos toda a humanidade; tendências individuais da personalidade;
morfológicos de descrição da personalidade, tais como os e formas culturais que atuam sobre os dois primeiros
elaborados por especialistas como William Herbert Sheldon e componentes e ocasionam certas tendências centrais, que
Ernst Kretschmer, ambos proponentes de tipologias em que podem ser denominadas personalidade modal. Nesse mesmo
determinadas características de personalidade eram período, Linton realizou estudos que comprovaram sua
associadas a tipos físicos. A relação entre biótipo e tipo hipótese de que a estrutura básica da personalidade se refere
psicológico não é mais considerada tão importante pelos mais a certos denominadores comuns da personalidade de
especialistas, embora não deixe de fornecer subsídios ao todos os membros de um grupo.
estudo da personalidade humana.
Teorias psicanalíticas. Para Sigmund Freud, a estrutura da
personalidade é formada por três instâncias: id, ego e A teoria da personalidade-base trouxe considerável avanço
superego. O id é inato, e dele deriva a energia necessária à para as relações entre antropologia e psicologia, e sua
formação do ego e do superego. Tanto o que é herdado aplicação por especialistas de uma ou de outra dessas
psicologicamente quanto os instintos já existem no id no disciplinas conduziu a uma soma de dados e de material
momento do nascimento. As necessidades do id são científico valiosa para o desenvolvimento das ciências
atendidas pelos processos primários e pelos atos reflexos. sociais. Com a segunda guerra mundial, aumentaram os
estudos sobre diferentes culturas, e o conceito de
À medida que a criança entra em interação com o ambiente, personalidade-base tomou a denominação de caráter
atos reflexos e processos primários passam a ser nacional. Os estudos sobre o caráter nacional
insuficientes para reduzir a tensão psicológica provocada por desenvolveram-se principalmente a partir de uma unidade
agentes internos e externos, e o ego se estrutura para psíquica da humanidade, diferenciando-se cada cultura como
estabelecer contato com a realidade exterior. Por intermédio resultado de escolhas e rejeições operadas sobre os dados
dos processos secundários, encontra então na realidade os culturais comuns a uma certa área geográfica. Foi este o
objetos adequados à reestruturação do equilíbrio método utilizado por Ruth Benedict ao estudar o caráter
desestabilizado por tensões psíquicas. O prosseguimento das

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PSICOLOGIA

nacional japonês, em seu livro The Chrysanthemum and the BEHAVIORISMO como vocês já devem saber é uma palavra
Sword (1946; O crisântemo e a espada). Além de descrever a de origem inglesa, que se refere ao estudo do
cultura japonesa, a autora conceituou o princípio da comportamento:"Behavior", em inglês. O Behaviorismo surgiu
configuração única de cada cultura e de cada conjunto de no começo deste século como uma proposta para a
tradições históricas. Psicologia, para tomar como seu objeto de estudo o
comportamento, ele próprio, e não como indicador de alguma
O comportamento de cada grupo nacional pode ser analisado outra coisa, como indício da existência de alguma outra coisa
em relação a situações particulares e a atitudes e que se expressasse pelo ou através do comportamento.
comportamentos de outros grupos nacionais. Este é o caráter
nacional, que a rigor é o mesmo conceito de personalidade- Na Idade Média, a igreja explicava a ação, o comportar-se
base, ou seja, uma configuração psicológica particular própria pelo homem pela posse de uma alma. No início deste século,
dos membros de uma sociedade dada, que se manifesta por os cientistas o faziam pela existência de uma mente. As
um certo estilo de vida sobre o qual os indivíduos limitam faculdades ou capacidades da alma causavam e explicavam
suas variantes singulares. Esta configuração é formada por o comportamento deste homem. Os objetos e eventos
um conjunto de traços. É a personalidade-base não porque criavam idéias em suas mentes e estas impressões mentais
constitua exatamente uma personalidade, mas por ser a base ou idéias geravam seu comportamento. Vejam que ambas
da personalidade dos membros do grupo, a matriz sobre a são posições essencialmente dualistas: o homem é
qual os traços de caráter se fixam e se desenvolvem. concebido como tendo duas naturezas, uma divina e uma
material, ou uma mental e uma física, como quiserem.
Personalidade múltipla É uma posição difícil, conflitante, porque devo demonstrar
Uma vivência traumática na primeira infância pode, em casos como essas naturezas contatuam, já que estão em planos
muito raros, perturbar o equilíbrio psíquico do indivíduo a diferentes. Notem além disso, a circularidade do argumento:
ponto de dar lugar a uma dissociação que aparece sob a ao mesmo tempo em que essa alma ou mente causavam e
forma de personalidade dupla ou múltipla. explicavam o comportamento, esse comportamento era a
única evidência desta alma ou desta mente.
Personalidade múltipla é a organização anormal do
psiquismo que se manifesta pela ocorrência de dois ou mais No mentalismo, o acesso às idéias ou imagens se faria
sistemas independentes e distintos de personalidade numa somente através da introspecção, que seria então revelada
mesma pessoa, em momentos alternados ou em sucessão. através de uma ação, gesto ou palavra. Temos aqui um
Resulta de um processo de dissociação da consciência, do modelo causal de ciência: (a) o indivíduo passivo recebe
pensamento, dos sentimentos e de outros componentes da impressões do mundo; (b) estas impressões são impressas
organização psíquica. Em geral, predomina uma na sua mente constituindo sua consciência; (c) que é então a
personalidade primária que controla a vida consciente. Sob o entidade agente responsável por, ou local onde ocorrem
domínio da personalidade primária, o indivíduo não recorda processos responsáveis por nossas ações.
os acontecimentos vividos enquanto estava dominado por É preciso destacar que os processos cognitivos, tão falados
uma das personalidades secundárias, mas quando aflora hoje em dia, são uma forma de animismo ou mentalismo, em
uma personalidade secundária, ele é capaz de ter presente a suas origens. A cognição é algo a que não tenho acesso
personalidade primária ou predominante e criticá-la como se direto mas que fica evidente no comportamento lingüístico
comentasse os atos de outra pessoa. As várias das pessoas, no seu resolver problemas, no seu lembrar,
personalidades apresentam comportamentos e mesmo etc., esquecendo que linguagem é produto de
características físicas diferentes, como gestos, caligrafia, comportamento verbal; que solução de problemas é produto
registro eletroencefalográfico e resposta a testes projetivos. de contingências alternativas, e que lembrar é produto de
A formação da personalidade múltipla pode ser vista como manipulação de estímulos discriminativos.
fuga a conflitos psíquicos recônditos produzidos por situações O cognitivista recupera o conceito de consciência quando
profundamente dolorosas, perturbadoras ou de qualquer afirma estados disposicionais e/ou motivacionais que
forma inaceitáveis. O tratamento consiste na integração das poderiam ser modificados de fora (instruções) ou de dentro
diversas personalidades. A personalidade dominante deve (auto controle) através de reestruturações cognitivas
tomar consciência gradual da existência das demais, alcançadas por trocas verbais (ou seja, o comportamento
processo que só é possível depois que o trauma original é verbal do outro é decodificado por mim e meu relato verbal,
reconhecido e superado. versão moderna da introspecção, dá acesso ao outro às
Testes de Personalidade minhas cognições). Estes estados disposicionais assim
modificados, agiriam então afetando e modificando
Teste psicológico que visa revelar as características pessoais comportamentos expressos. Não estou negando que existam
do indivíduo, como sociabilidade, autodomínio, tolerância, crenças, sugestões, representações etc., mas estas são
criatividade e capacidade de liderança. formas de se comportar, são classes de respostas, não
Psicologia das Personalidades eventos mediacionais, não causas diretas do comportamento.
Aceito consciência como uma metáfora, um resumo de
Teoria psicológica segundo a qual a personalidade é minhas experiências passadas (assim também aceito
resultado de fatores dinâmicos de conduta, motivações e personalidade, como um conceito equivalente a repertório
complexos centrais. Estabelecida por Henry Alexander comportamental). Mas rejeito consciência como self, como
Murray, opõe-se à teoria da caracterologia. Também agente decisor, causador, ou mediador do comportamento.
denominada personologia.
De qualquer modo, o Behaviorismo surgiu em oposição ao
mentalismo e ao introspeccionismo. Em fins do século
passado a ciência de modo geral começou a colocar uma
BEHAVIORISMO METODOLÓGICO E BEHAVIORISMO
forte ênfase na obtenção de dados ditos objetivos, em
RADICAL
medidas, em definições claras, em demonstração e
Maria Amélia Matos - (Dept. Psicologia - USP) experimentação. Esta influência se fez sentir na Psicologia,
no começo deste século, com a proposta behaviorista feita
por Watson em 1924:

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PSICOLOGIA

"Por que não fazemos daquilo que podemos observar, o mecanicista da época, todo fenômeno devia ter uma causa
corpo de estudo da Psicologia?" Ou, em outras palavras: (uma concepção funcionalista falaria em condições), e dentro
da rejeição mentalista a causa do comportamento não
- estudar o comportamento por si mesmo; poderia ser a mente, seria então algo externo ao organismo e
- opor-se ao mentalismo; observável, o ambiente, o estímulo. Vejam que afinal a
concepção behaviorista é tão dualista quanto a posição
- aderir ao evolucionismo biológico; mentalista: o corpo precisa ser animado pela alma tanto
- adotar o determinismo materialístico; quanto o comportamento é expressão da mente ou produto
da instigação do estímulo. A palavra "estímulo" veio de
- usar procedimentos objetivos na coleta de dados, rejeitando Pavlov (outra influência sofrida por Watson e os behavioristas
a introspecção; da época e da qual também Skinner não conseguiu se livrar),
e referia-se à troca de energia entre o ambiente e o
- realizar experimentação;
organismo, quanto à operação realizada pelo experimentador
- realizar testes de hipótese de preferência com grupo em seu laboratório, uma parte ou mudança em parte do
controle; mundo físico que causava uma mudança no organismo ou
parte do organismo, a resposta. Essa mudança observável no
-observar consensualmente. organismo biológico seria o comportamento. A manipulação
* Com exceção das duas últimas características, as demais experimental por excelência seria a reprodução desse
também se aplicam ao que mais tarde veio a se chamar modelo, a operação S-R. E é por isso que esta forma de
behaviorismo Radical. behaviorismo ficou sendo conhecida por muitos como "a
Psicologia da contração muscular e da secreção glandular".
Notem que estamos aqui diante de duas vertentes: uma
filosófica (expressa nas quatro primeiras frases) e uma Diante deste quadro vamos parar um pouco e analisar cinco
metodológica (expressa nas quatro últimas). Elas refletem a frases:
influência de várias tendências sobre o pensamento científico 1. Eu estou falando.
desde o final do século passado até o começo deste:
- O Positivismo Social de Auguste Comte, considerando que 2. Eu escrevi esta palestra.
a ciência é uma atividade do homem, e o homem um ser
social, postula a natureza social do conhecimento científico, 3. Eu vejo vocês.
rejeita a introspecção e estabelece como critério de verdade
o observável consensual, isto é, o observável partilhado e 4. Eu estou com sede.
sancionado pelo outro.
5. Eu estou com dor dente.
-O Positivismo Lógico do Círculo de Viena, considerando que
eu só tenho acesso à informação que meus sentidos me Enquanto falo, vocês estão vendo mudanças em meu
trazem, não posso ter informações sobre minha consciência, organismo e ouvindo o produto destas mudanças, os sons da
cuja natureza difere da de meu corpo. É verdade que não minha fala.
posso negá-la, mas também não posso estudá-la. (É
interessante que esta influência também levou ao idealismo e Vocês não viram meu comportamento de escrever, mas se
ao subjetivismo: já que não tenho acesso a nada senão concordarmos sobre a operação que define o escrever
minhas sensações, o mundo não existe, somente minhas (deslocamento de minha mão segurando um objeto por sobre
impressões dele, só minhas idéias são reais). uma superfície deixando nela inscrições), vocês também
concordarão que o produto do escrever, este papel, é sua
-O Operacionismo, derivado da influência do Positivismo evidência.
Lógico sobre a Física: se somente tenho acesso às
informações que meus sentidos trazem, então a linguagem Qual a evidência consensual da frase 3? Ninguém vê ou ouve
pela qual expresso e estruturo essas informações é o mais o meu "ver", e o meu ver só tem produtos para mim, não para
importante em ciência. A definição dos conceitos é vocês. No entanto o behaviorista metodológico aceitaria esta
fundamental, e definir é descrever as operações envolvidas frase como um bom exemplo de descrição do comportamento
no processo de medir o conceito. Essa descrição deve ser de ver, assim como aceitaria meu registro da salivação de
objetiva e referir-se a termos observáveis. cão como evidência dessa salivação. Meu registro equivale a
dizer que eu vi o cão salivar! Este registro seria aceito porque
"Observação", pois, tornou-se um termo e uma operação outras pessoas também poderiam relatar ter visto o cão
fundamental para o Behaviorismo: ela define a categoria salivar, a salivação do cão é observável consensualmente.
"comportamento", seu objeto de estudo. Comportamento é o Mas o que está em pauta aqui não é o salivar, e sim o meu
observável e, por definição, observável pelo outro, isto é, ver. Esta contradição não foi resolvida pelo Behaviorismo
externamente observável. Comportamento, para ser objeto Metodológico. E se várias pessoas relatarem que viram o cão
de estudo do behaviorista, deve ocorrer afetando os sentidos salivar, isto será considerado um relato válido. Assim, um
do outro, deve poder ser contado e medido pelo outro. Dai comportamento que em si não é observável e não poderia ser
dizer-se que em observação o que importa é a concordância objeto de estudo do behaviorista metodológico, torna-se não
de observadores, e portanto, a necessidade de um treino obstante, fonte de dados para a construção da ciência deste
rigoroso nos procedimentos de registro e análise. Esta ênfase behaviorista!
no procedimento de medida, na operação de acessamento
levou mais tarde a que se comunicasse a aderência a estas Já a frase 4 não apresenta evidência observável exatamente,
características de BEHAVIORISMO METODOLÓGICO. nem produto, nem referencial externo acessível por todos.
Neste momento o Behaviorismo Metodológico se deixou
Mas o que é comportamento? E é aqui que as coisas contaminar pela fisiologia, versão na qual subsiste até hoje.
começam a rachar. Comportamento não era visto como mais "Eu posso invadir o organismo e medir o equilíbrio hídrico dos
uma função biológica, isto é, própria do organismo vivo, e que tecidos, esta medida é um indicador da minha sede." Esta
se realiza em seu contato com o ambiente em que vive, como medida é um indicador do equilíbrio hídrico dos tecidos do
o respirar, o digerir. Dentro de uma Física newtoniana meu corpo, não da minha sensação! Não do meu

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PSICOLOGIA

comportamento de sentir! (a linguagem é insuficiente, eu psicologia S-R. Para ele não existe Comportamento (no
deveria dizer simplesmente "do meu sentir", mas sentir está sentido de não "podemos entender") sem as circunstâncias
vinculado a sentir emoção, sentir estados afetivos). em que ocorre; e não tem sentido falarmos em circunstâncias
sem a especificação do comportamento que circunstanciam.
Vocês notam como o behaviorista metodológico começa a
escorregar nas frases 3 e 4 e a apresentar rachaduras em Mas, porque afinal, o behaviorista metodológico rejeita
seu modelo. Ele muda seu objeto de estudo para não mudar estudar eventos internos se reconhece sua existência?
sua insistência num critério social de verdade. Mas a verdade Porque dá importância filosófica à diferença na localização
é que eu sinto dor de dente! Assim como vocês não podem -interna/externa- de eventos; porque praticamente equaciona
observar o "meu ver", não podem observar "meu sentir sede", eventos internos com eventos mentais; por que rejeita a
e não podem observar "meu sentir dor de dente". Isto introspecção?
contudo não torna estas sensações menos reais para mim. E
é aqui que começa a ficar evidente uma primeira e Para o behaviorista metodológico, a evidência de que vejo
fundamental diferença entre o behaviorismo proposto por vocês é que os outros vêem vocês. A evidência que vocês
Skinner e aquele praticado pelos behavioristas existem é que outros vêem vocês. A existência do mundo e
metodológicos: o homem é a medida de todas as coisas, não do comportamento, a natureza do conhecimento que tenho
o social. deles é a experiência partilhada. Para o behaviorista radical,
a evidência de que vejo vocês é meu comportamento, a
Influenciado pelo Positivismo Lógico, Skinner aceita que o evidência de que vocês existem também é meu
que existe para o indivíduo, existe! (daí aceitar e defender comportamento. Para o behaviorista metodológico, o louco e
uma metodologia do N=1). Mas, para não cair no subjetivismo o mentiroso são associados por não partilharem das
e idealismo, é importante analisar as evidências desta experiências do outro. Para o behaviorista radical, o louco se
existência. E aqui estamos diante de um ponto importante (e comporta na ausência da coisa vista (como eu o faço em
difícil) que aproxima Skinner e os fenomenólogos: a evidência sonhos, nas minhas rememorações etc.) com mais
da existência do mundo, de um evento, etc. É a experiência freqüência do eu que faço, mas de acordo com as mesmas
do observador. A tarefa pois da ciência é analisar esta leis. Está sob controle de outras contingências, não as do
experiência, e ele inclui aqui, como essencial, a análise da aqui e agora, o mentiroso também.
experiência do cientista como parte do processo de
construção do conhecimento científico (daí a importância do Mas atenção! Ao observar eventos internos não estou
estudo do comportamento verbal para Skinner. A análise do observando nem minha mente nem minha personalidade, e
comportamento verbal me permitiria estudar as sim meu próprio corpo.
circunstâncias em que essa experiência se deu, e assim Dizer que tenho dor de dente não é evidência da existência
entendê-la). de uma dor de dente; não é relato da dor de dente (ou seja, o
Ora, ocorre que a experiência que alguém tem de uma equivalente verbal da dor); é uma verbalização que precisa
situação é um evento privado. E Skinner assim a aceita. Para ser explicada, entendida, interpretada, é um comportamento
Skinner, os estudos de eventos internos inclui-se que eu digo que ocorre na presença de determinadas
legitimamente dentro do campo de estudos da Psicologia, de sensações internas; que um dentista diz que ocorre na
uma ciência do comportamento. Assim ele é radical em dois presença de determinada condição da minha gengiva/dente,
sentidos: por negar radicalmente (i.e., negar absolutamente) etc., mas que pode também ocorrer na presença de uma
a existência de algo que escapa ao mundo físico, que não tarefa aborrecida que não desejo executar. Dizer que tenho
tenha uma existência identificável no espaço e no tempo dor de dente pode ser considerado um meio, assim como as
(mente, consciência, cognição); e por radicalmente aceitar descrições minhas e do meu dentista, das condições
(i.e., aceitar integralmente) todos os fenômenos existentes, para começar a entender minhas sensações. Mas
comportamentais. como sua natureza é verbal, esse entendimento não se dará
enquanto não entendermos melhor o que é comportamento
O behaviorista metodológico não nega a existência da mente, verbal e como é adquirido.
mas nega-lhe status científico ao afirmar que não podemos
estudá-la pela sua inacessibilidade. O behaviorista radical Evento privado é um objeto de estudo válido para a ciência,
nega a existência da mente e assemelhados, mas aceita sua existência não precisa ser colocada sob critérios sociais,
estudar eventos internos. Esta posição de Skinner se insere basta um observador, mas seus dados precisam ser
dentro da tradição do Positivismo Lógico, mas ao mesmo replicáveis, preciso entender melhor suas variáveis.
tempo se constitui num desvio desta forma de positivismo, Acredito que evento interno é o protótipo da concepção
talvez por ter sido mais influenciado por Mach que por skinneriana de comportamento como unidade interativa: nele
Bridgman, e mais por Wittgenstein que por Carnap. Já que só mais que em qualquer outro exemplo, definitivamente não
temos informação do mundo pelos sentidos, porque excluir posso separar comportamento e ambiente. Evento interno
sensações do mundo interno e privilegiar as do mundo pode ser uma mudança no ambiente interno, pode ser uma
externo? Porque o critério de objeto da ciência deveria ser reação a essa mudança, ou pode ser o efeito interno de
dado pela natureza do sistema sensorial envolvido? mudanças externas. Algumas vezes posso identificar seu
(proprioceptivo, interoceptivo e exteroceptivo). Nesse sentido, antecedente remoto externo, mas o imediato interno se
Skinner (embora reconhecendo a dificuldade de se ter acesso mescla irremediavelmente com o evento comportamental.
ao primeiro) não separa mundo interno de mundo externo. E
é por isso que para ele não existem estímulos e respostas, Vou agora voltar atrás e falar do Behaviorismo Radical de
existe uma unidade interativa Comportamento-Ambiente (não uma forma um pouco mais sistemática. O Behaviorismo
esquecendo que Ambiente é tudo aquilo que é externo ao Radical é uma forma de behaviorismo praticada por
Comportamento, não importando se é um piscar de luz, um B.F.Skinner e adotada por vários outros psicólogos: Ferster,
desequilíbrio hídrico, um derrame de adrenalina, ou um Sidman, Schoenfeld, Catania, Hineline, Jack Michael, etc.
objeto ausente associado a um evento presente; não Constitue-se numa interpretação filosófica (isto é, baseada
importando se sua relação com o comportamento é de numa ideologia) de dados obtidos através da investigação
contiguidade espaço/temporal (o que é exigido pelo sistemática do comportamento (o corpo desta investigação
mecanismo metodológico para a troca de energias) ou não. É propriamente dita é a Análise Experimental/Funcional do
por isso que a psicologia proposta por Skinner não é uma Comportamento).

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PSICOLOGIA

Esta interpretação descreve basicamente relações funcionais 1 Palestra apresentada no II Encontro Brasileiro de
entre Comportamento e Ambiente (isto é, relações entre Psicoterapia e Medicina Comportamental, Campinas, out/93.
discriminações de mudanças na realidade observada e Versão revisada encontra-se publicada em: Bernard Rangé
descrições das condições em que essas mudanças se dão) (org) Psicoterapia comportamental e cognitiva: pesquisa,
(como produto temos, não explicações realistas, não relações prática, aplicações e problemas. Campinas, Editorial Psy,
de causa-efeito, não leis baseadas no modelo da Física 1995.
Mecânica de troca de energia, e sim a construção de
seqüências regulares de eventos que eventualmente poderão A Psicologia Holística
ser descritas por funções matemáticas). O behaviorista
radical rejeita o mentalismo por ser materialista, e acaba com Teorias Organísmicas da Personalidade Humana
o dualismo por acreditar que o comportamento é uma função Carlos Antonio Fragoso Guimarães
biológica do organismo vivo. Não preciso da mente para
respirar, não explico a digestão por processos cognitivos,
porque explicaria o comportamento por um ou outro?
O behaviorista radical propõe que existam dois tipos de
transações entre o Comportamento e o Ambiente:
a) conseqüências seletivas (que ocorrem após o
comportamento e modificam a probabilidade futura de
ocorrerem comportamentos equivalentes, i.e., da mesma
classe);
b) contextos que estabelecem a ocasião para o
comportamento ser afetado por suas conseqüências (e que
portanto ocorreriam antes do comportamento e que
igualmente afetariam a probabilidade desse comportamento).

Estas duas classes possíveis de interações são denominadas


"contingências" e constituem as duas classes conceituais
fundamentais para a análise do comportamento. Relações
funcionais são estabelecidas na medida em que registramos
mudanças na probabilidade de ocorrência dos
comportamentos que procuramos entender em relação a
mudanças quer nas conseqüências, quer nos contextos, quer
em ambos.
Por lidarmos com explicações funcionais e não causais, o
importante é coletar informações ao longo do tempo,
repetidas do mesmo evento, com os mesmos personagens (o
behaviorista metodológico prefere observações pontuais em
diferentes sujeitos, ou seja, o estudo em grupo, o que leva à
estatística para descrever e/ou anular a variabilidade. Para o
radical isto é uma heresia, de vez que estou tentando estudar
a experiência daquele sujeito. Ao coletarmos registros ao
longo do tempo devemos comparar o sujeito consigo mesmo,
sua história passada é sua linha de base.
Mas, por outro lado, indivíduos de uma mesma espécie
partilham de um mesmo conjunto de contingências
filogenéticas, e indivíduos com histórias passadas
semelhantes podem partilhar de contingências ontogenéticas
semelhantes e, portanto, para certas variáveis é possível
descrever funções semelhantes para diferentes indivíduos.
Para sua rejeição do mentalismo/cognitivismo como
explicação do comportamento, e por sua posição não
reducionista diante de eventos neurais (Skinner não aceita
que eventos fisiológicos/neurológicos expliquem o
comportamento, estas são outras tantas funções biológicas a
serem explicadas. O comportamento é um campo de estudo
em si mesmo. Evidentemente que há interação entre essas
funções do organismo, mas essa relação não é de
causalidade.) O behaviorismo radical é considerado um
ambientalista e acusado de esvaziar o organismo, de estudar
uma caixa preta... Não! Estas críticas se originam de uma
postura pré galileica, do que poderíamos chamar
organocentrismo em Psicologia. O homem é o fenômeno de
interesse, é a origem de todas as coisas, não sua interação
com o universo. Para Skinner, o organismo não é nem
gerente nem iniciador de ações, é o palco onde as interações
Comportamento-Ambiente de dão.

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PSICOLOGIA

Desde que René Descartes estabeleceu seu método de Formulada entre fins do século passado e início do nosso
análise como um instrumento cientificamente eficaz no século, a Psicologia dos Padrões de Totalidade ou de
estudo dos fenômenos físicos e humanos, exaltando o Totalidades Significativas(Gestalten, em alemão) surgiu como
reducionismo e as relações causais entre as partes que um protesto contra a tentativa de se compreender a
constituem um todo complexo, no século XVII, e postulou experiência psíquico-emocional através de uma análise
uma divisão estrita entre corpo e mente - ou entre a res atomística-mecanicista tal como era proposto por Wundt -
extensa e a res cogitans -, que as diversas disciplinas análise esta no qual os elementos de uma experiência são
acadêmicas tentam se adaptar a um esquema cartesiano de reduzidos aos seus componentes mais simples, sendo que
explicação dos diversos fenômenos a que se dedicam. Assim cada um destes componentes são peças estudadas
sendo, na esteira da tradição biomédica, a Psicologia foi, sioladamente dos outros, ou seja, a experiência é entendida
desde Wundt, moldada como uma disciplina voltada para a como a soma das propriedades das partes que a
análise do comportamento humano de acordo com preceitos constituiriam, assim como um relógio é constituído de peças
acdemicamente aceitos de reducionismo e mecanicismo. Tal isoladas. A principal caraterística da abordagem mecanicista
bagagem referencial vem dificultando o entendimento das é, pois, a de que a totalidade pode ser entendida a partir das
relações complementares e a maneira como a mente e o características de suas partes constituivas. Porém, para os
corpo interagem. psicólogos da Gestalt, a totalidade possui características
muito particulares que vão muito além da mera soma de suas
Wundt, que é considerado o pai da Psicologia experimental partes constitutivas. Como exemplo, poderíamos tomar uma
moderna, seguindo a tradição empírica tão cara ao século fotografia de jornal é que constituída por inúmeros pontinhos
XIX - tradição esta que advém dos enormes sucessos da negros espalhados numa área da folha de jornal. Nenhum
Física Clássica de Issac Newton, que, por seu turno, foi desses pontinhos, isoladamente, pode nos dizer coisa
precedida pela preparação de uma filosofia racionalista alguma sobre a fotografia. Apenas quando tomamos a
apropriada e em grande parte desenvolvida por René totalidade da figura, é que percebemos a sua significação. A
Descartes - estabeleceu uma orientação atômica ou própria palavra Gestalt significa uma disposição ou
elementarista dos processos mentais, a qual sustentava que configuração de partes que, juntas, constituem um novo
todo o funcionamento do nosso psiquismo poderia ser sistema, um todo significativo. Sendo assim, o princípio
analisado em elementos básicos, elementares e indivisíveis fundamental da abordagem gestáltica é a de que as partes
( como os átomos elementares e indivisíveis que constituiriam nunca podem proporcionar uma real compreensão do todo,
o universo mecânico imaginado por Newton), e que seriam os que emerge desta configuração de interações e
tijolos constituintes das nossas sensações, sentimentos, interdependências de partes constituintes. O todo se
memória, etc. Esta abordagem reducionista e mecanicista, fragmenta em meras partes e/ou deixa de ter um significado
muito simplória para dar conta de toda a imensa e complexa quando é analisado ou dissecado, ou seja, deixa de ser um
riqueza do psiquismo humano, logo suscitaram uma forte todo. Esta escola teve como principais expoentes Max
oposição entre muitos psicólogos e filósofos europeus, que Wertheimer, Wolfgang Kohler e Kurt Koffka. Posteriormente,
não aceitavam a natureza extremamente fragmentária da Kurt Lewin elaboraria uma teoria da personalidade com base
psicologia de Wundt. Estes críticos europeus enfatizavam na compreensão gestáltica da totalidade significativa, onde se
uma compreensão unitária entre a cônsciência e a estipula que o comportamento do indivíduo é a resultante da
percepção, e, em parte, de sua interelação com o organismo configuração de elementos internos num "espaço vital", que é
como um todo. Esta pioneira abordagem holística em a totalidade da experiência vivencial do indivíduo num dado
Psicologia deu origem a uma importante escola na Alemanha: momento ( ou seja, todo o conjunto de experiências que se
a Gestalt. faz sentir num dado momento, de acordo com a
A Psicologia da Gestalt percepção/interpretação do indivíduo ). Estas idéias foram,
em parte, adotadas por Carl Rogers em sua teoria da
personalidade, conhecida como Abordagem Centrada na
Pessoa já que é o cliente que dirige o andamento do
processo psicoterapêutico, trazendo e vivenciando o material
pessoal exposto nas sessões. Já o psicoterapeuta Frederick
S. Perls desenvolveria uma corrente de psicoterapia baseada
nos fundamentos da escola da gestalt, pondo em prática uma
ação terapêutica voltada aos padrões vivenciais significativos
do indivíduo. Esta corrente é conhecida como Gestalt-
Terapia.
A Psicologia Organísmica de Kurt Goldstein

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PSICOLOGIA

Jan Smuts, militar e estadista inglês, que se tornou uma Goldstein acreditava que os sintomas patológicos eram uma
figura importante na história da África do Sul, é interferência do meio sobre a organização do todo, ou eram,
frequentemente reconhecido e citado como o grande pioneiro em menor grau, consequencias de anomalias internas. Mas,
e precursor filosófico da moderna teoria organísmica ou de qualquer forma, a tendência intrínseca ao equilibrio
holística do século XX. Seu livro seminal intitulado Holism dinâmico poderia levar o indivíduo a se adpatar à nova
and Evolution, de 1926, exerceu uma grande influência sobre realidade, desde existam os meios que sejam apropriados
vários cientistas e pensadores, muito embora, na época de para isso. Assim, Goldstein via em todo o ser vivo uma
seu lançamento, tenha passado quase despercebido da elite tendência de auto-realização que significaria uma esforço
intelectual da primeira metada do século, tendo só aos constante para a realização das potencialidades inerentes
poucos ganhando seu merecido espaço nos meios dos seres vivos, mesmo que haja um meio hostil. É assim
acadêmicos e filosóficos, principalmente graças ao impacto que, mesmo em ambientes não propícios, vemos nascerem
que exerceu em pensadores e teóricos do porte de um Alfred plantas que, mal grado, não consigam se desenvolver
Adler, famoso teórico da personalidade e discípulo dissidente totalmente, mesmo assim teimam em nascer, mesmo que
de Sigmundo Freud; ou de um Adolf Meyer, psicobiólogo; ou venham morrer ou a se atrofiarem em breve, mas a ânsia de
na recente e menos mecanicista linha médica, dentro da viver é mais forte. Esta idéia de auto realização ou de auto
alopatia, chamada de psicossomática, etc. Smuts cunhou o atualização foi, posteriormente, adotada por teóricos vários,
termo holismo da raiz grega holos, que significa todo, inteiro, desde Carl Rogers até biólogos, como Maturana.
completo. Mas as verdadeiras bases da concepção holística,
ou do pensamento holístico, vêm verdadeiramente de muito Andras Angyal e o conceito de
antes, desde Heráclito, Pitágoras, Aristóteles e Plotino até Biosfera
Spinoza, Goethe, Schelling, Flammarion e Willian James (Hall
e Lindzey, 1978; Crema, 1988; Guimarães, 1996). Assim como Goldstein, Andras Angyal, húngaro naturalizado
americano, não poderia conceber uma ciência que não fosse
Um dos maiores expoentes do pensamento holístico em holística, alcançando a pessoa e a vida como um todo. Mas,
psicologia e em psiquiatria é Kurt Goldstein. Ele formulou a ao contrário de Goldstein, Angyal não podia admitir numa
sua teoria holística da psique a partir de seus estudos e distinção entre o organismo e o meio-ambiente, assim como
observações clínicas realizados em soldados lesionados no um físico relativista não pode acreditar numa sepação rígida
cérebro durante a I Guerra Mundial, e de estudos sobre entre matéria e energia. Angyal afirma que organismo e meio
distúrbios de linguagem. Deste leque de observações, ambiente se interpenetram de uma forma tão complexa que
Goldstein chegou à conclusão (hoje mais ou menos óbvia) de qualquer tentativa para separá-lo expressa uma visão
que um determinado sintoma patológico não pode ser mecanicista do mundo que destrói a unidade natural de todas
compreendido ou reduzido a uma mera lesão orgânica as coisas (unidade sutil, é verdade, mas bem visível na
localizada, mas como tendo características e/ou fortes interdependência bio ecológica e social de todos os seres
reforços ou abrandamentos do organismo como um todo, vivos), o que cria uma diferenciação artificial e patológica
como um conjunto integrado, como um holos e não como um entre o organismo e o meio (Hall e Lindzey, 1978; Capra,
conjunto de partes mais ou menos independentes. 1986), o que estimula todo o tipo de crime social e ecológico
Segundo Goldstein, o corpo e a mente não podem ser vistos que vemos em nosso século. Se, na história da humanidade,
como entidades separadas, tais como separamos o software houve grandes desastres naturais e grandes genocídios
do hardware, pois ambos só se expressam na conjunção, na através da mão humana em nome da religião, por exemplo,
união e íntima conexão de ambos. O organismo é uma só mesmo assim nunca se matou tanto como em nossos dias,
unidade e o que ocorre em uma parte afeta o todo, como já em nome de uma concepção de mundo mecanicista-
era reconhecido pela da medicina Homeopática e pelas artes racionalista e capitalista, onde tudo foi separado de tudo, e os
da cura não ocidentais, como na medicina chinesa, e na seres vivos são vistos como máquinas e nada mais.
sabedoria das tradições populares e xamanísticas de povos Angyal criou o termo biosfera para traduzir uma concepção
ditos "primitvos" (Capra, 1986; Eliade, 1997; Guimarães, holística ou ecológica que compreenda o indivíduo e o meio
1996). "não como partes em interação, não como constituintes que
Qualquer fenômeno, quer seja positivo ou não, se passa tenham uma existência independente dos demais, como
tanto ao nível fisiológico quanto psicológico, ou seja, se peças de um relógio, mas como aspectos de uma mesma
passa sempre no contexto do organismo como um todo, a realidade, que só podem ser separados realizando-se uma
menos que se tenha isolado artificialmente este contexto, abstração" (Angyal, cit. em Hall e Lindzey, 1978, p. 43).
como se fez nas ciências e nos meios acadêmicos desde A biosfera, portanto, em seu sentido mais amplo seria mais
Descartes, com as esferas da Res Cogitans, que é a esfera ou menos como a atual concepção de Gaia, ou da Terra viva.
do mental, e da Res Extensa ou a esfera do físico, e a A biosfera pode ser vista em vários níveis, inclusive no nível
ramificação entre ciências naturais e ciências humanas. Ora, humano, onde um indíviduo constitui uma biosfera particular
não existe real diferencianção (no sentido de mensuração) em relação ao seu conjunto orgânico e psíquico, assim como
entre estes dois ramos. Assim, qualquer redução ou uma sociedade, etc. Assim, a Biosfera inclui tanto os
caracterização em um ou outro destes critérios (físico e processos somáticos quanto os psicológicos (individuais e
mental) é um isolamento artificial e, conseqüentemente, coletivos) e os sociais, que podem ser estudados assim,
parcial. separadamente, mas só até certo ponto.
As leis do organismo são as leis de uma totalidade dinâmica, Segundo Hall e Lindzey (1978), embora seja a Biosfera um
que harmoniza as "diferentes" partes que constituem esta todo indivisível, ela é composta e organizada por sistemas
totalidade. Portanto, é necessário descobrir as leis pelas estruturalmente articulados. A tarefa do cientista seria, assim,
quais o organismo inteiro funciona, para que se possa de identificar as linhas de demarcação determinadas na
compreender a função de qualquer de seus componentes, e biosfera pela estrutura natural do todo em si mesmo. Assim,
não o inverso, como se tem feito até hoje (Hall e Lindzey, um homem se diferencia de outro homem, mas ambos
1978). É este o princípio básico da teoria organísmica ou possuem características que nos permitem classificá-los
holística em saúde, principalmente em Psicologia. como homens e não como peixes, etc.

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PSICOLOGIA

O organismo individual, um sujeito, portanto, constitui um confirmação do Self e, por outro, a preservação do
pólo da biosfera, e o meio ambiente, natural e social, o outro organismo, facultando assim, a consonância entre a
polo. Toda a dinâmica essencial da vida está fundada na experiência vivida e a sua simbolização.
interação entre estes dois pólos. Angyal postula que não são
os processos de um ou de outro que determinam ou refletem Segundo o autor, sempre que esta consonância não se
a realidade, mas a interação contínua de ambos. Assim, a verifique, a pessoa entra em estado de incongruência, ou
vida como um todo unitário nos daria uma nova visão e a seja, gera-se um desequilíbrio entre a experiência real e a
possibilidade de percebermos fenômenos e detalhes que nos simbólica, o que se traduz num comportamento desajustado,
escapam no estudo polar de ambos os níveis da realidade. conduzindo a estados de ansiedade, angústia e depressão,
os quais, por sua vez, afetam a personalidade e o seu
Abordagem Centrada na Pessoa e Abordagem respectivo desenvolvimento.
Sistémica Condições Facilitadoras
O presente trabalho é fruto de uma pesquisa bibliográfica que Finalmente, a terceira premissa considera que estas
teve como pano de fundo a obra de Carl Rogers, no âmbito situações só podem ser ultrapassadas mediante de um
da Abordagem Centrada na Pessoa. Pretende-se evidenciar conjunto de atitudes relacionais por parte do outro, que são,
a determinante importância do contributo deste autor, da nomeadamente, a aceitação positiva incondicional, a
corrente humanista da Psicologia, e compará-lo com a compreensão empática e a congruência.
Abordagem Sistémica, no sentido de encontrar pontos
comuns nas duas abordagens bem como as diferenças mais
significativas.
Aceitação positiva incondicional
Assim, o objetivo fundamental deste trabalho, será o de tentar
Esta traduz-se pela aceitação incondicional da pessoa por
estabelecer uma ponte entre os princípios enunciados por
parte da outra, tal como ela é, sem juízos de valor ou críticas
Carl Rogers, no âmbito da Abordagem Centrada na Pessoa e
a priori (Rogers, 1985:65). Desta forma, a pessoa pode
os fundamentos da Abordagem Sistémica.
sentir-se livre (liberdade experiencial) para reconhecer e
Para a concretização desta pesquisa foram utilizadas elaborar as suas experiências da forma como entender e não
referências a quadros teóricos como a Teoria Geral dos como julga que ser conveniente para o outro. Poderá então
Sistemas, Cibernética e Teoria da Comunicação da Escola de sentir que não é necessário abdicar das suas convicções
Pallo Alto, partindo do pressuposto que é nestes quadros que para que os outros a aceitem.
assentam os princípios da Abordagem Sistémica.
Compreensão empática
Como propostas para este trabalho são apresentadas as
Processo no qual a pessoa se sente não só aceite, mas
atitudes fundamentais do modelo da Abordagem Centrada na
também compreendida enquanto pessoa na sua globalidade
Pessoa, assim como os princípios e pressupostos da
(Rogers, 1985:64). É um processo dinâmico que significa a
Abordagem Sistémica.
capacidade de penetrar no universo perceptivo do outro, sem
I - A Abordagem Centrada na Pessoa: Atitudes Fundamentais julgamento, tomando consciência dos seus sentimentos, sem
no entanto, deixar de respeitar o seu ritmo de descoberta de
Psicólogo americano, Carl Rogers viria a fundar a si próprio.
Psicoterapia Centrada no Cliente e mais tarde a Abordagem
Centrada na Pessoa, cujos princípios tentou aplicar a Congruência
diversas áreas, como os grupos, as organizações e a
Finalmente, a congruência pretende indicar o estado de
educação.
coerência interna e de autenticidade de uma pessoa, a qual
Foi pioneiro no desenvolvimento de métodos científicos no se traduz na sua capacidade de aceitar os sentimentos, as
estudo dos processos psicoterapêuticos, integrando-se estes atitudes, as experiências do outro e comunicá-los (Rogers,
na chamada corrente da psicologia humanista. A sua 1985: 63).
proposta parte de três premissas fundamentais para a
Rogers defende que, se estas atitudes, que designou
compreensão do seu modelo e que são: Natureza Positiva do
condições facilitadoras, estiverem presentes na relação, a
Homem, Tendência Atualizante e Condições Facilitadoras,
pessoa entra num processo de aceitação de si própria e dos
que passaremos a explicitar:
seus sentimentos, tornando-se por isso na pessoa que deseja
Natureza Positiva ser, mais flexível nas suas percepções, adaptando objetivos
mais realistas para si própria e, simultaneamente, torna-se
Assenta no princípio de que o homem é intrinsecamente mais capaz de aceitar os outros (Rogers, 1985: 253). Por
positivo, ou seja, tem em si potencialidades de outro lado, ao modificar as suas características pessoais
desenvolvimento desde que facilitadas pelo meio social. básicas de modo construtivo, a pessoa adapta um
Tendência Atualizante comportamento mais ajustado à sua realidade (Idem).

Considera que todo o ser humano tem a capacidade de auto- Desta forma, uma relação fundada nas atitudes acima
direcionar-se, ou crescer, a que Rogers designou por descritas pode sintetizar-se nos termos seguintes:
"Tendência Atualizante", traduzindo-se esta, por um lado, na Autenticidade
capacidade de o ser humano procurar a adequação à
realidade em cada situação e, por outro, na capacidade de Respeito
auto regulação, em relação à avaliação da experiência vivida
e correção posterior à mesma (Dias, 1998: 57). Confiança
A noção de "Tendência Atualizante" é para Rogers o
postulado fundamental da Abordagem Centrada na Pessoa, Aceitação
na medida em que conduz não só à satisfação das
necessidades básicas do organismo, como também às mais Tolerância
complexas. A "Tendência Atualizante" permite, por um lado, a

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PSICOLOGIA

Dado o exposto, fácil nos é deduzir que para Rogers o valor (Bertrand, 1994: 31, 32). Wiener (cit por Bertrand,
da pessoa humana é inquestionável, independentemente da 1994:32)justifica assim o aparecimento da Cibernética:
sua cultura, dos seus valores, dos seus sentimentos e das
suas experiências. "Há aproximadamente quatro anos (1943), o grupo de
cientistas, constituído à volta do doutor Rosenblueth e de
Em qualquer situação, seja na terapia, na educação ou em mim próprio, deu-se conta da unidade essencial do conjunto
grupos, a pessoa tem direito a um tratamento que respeite a dos problemas referentes à comunicação, ao controlo e à
dignidade humana e que a valorize enquanto tal. mecânica estatística, tanto na máquina como no ser vivo (...)
Decidimos designar todo o campo da teoria do controlo e da
II - Abordagem Sistémica: Origens e Fundamentos comunicação, quer nas máquinas quer nos seres vivos pelo
A Abordagem Sistémica teve origem no inicio do Século XX, nome de cibernética, que fomos buscar ao grego kubernétes
mais precisamente nos anos 30, com conjunto de cientistas a sinônimo de piloto (...) Queríamos também lembrar que os
que se designou Cibernéticos. Estes desenvolveram a órgãos de governo de um navio são, com efeito, uma das
chamada Teoria Geral dos Sistemas e a Cibernética. formas mais precisas e mais desenvolvidas dos mecanismos
de ação em regresso."
Aparecem em oposição à tendência positivista da época em
"cortar" em pequenos pedaços o conhecimento e a ciência. Norbert Wiener desenvolveu o conceito de feedback
Assim, estes investigadores fizeram um esforço no sentido de juntamente com um conjunto de cientistas, nomeadamente,
nos lembrar que é necessário ter uma visão global de um Rosenblueth, Kurt Lewin, Margaret Mead, Gregory Bateson,
fenômeno (Bertrand, 1994: 26). entre outros.

A este propósito L. Von Bertalanffy (cit por Bertrand, 1994: O conceito de feedback pretende traduzir o efeito de
26), fundador da Teoria Geral dos Sistemas justifica assim o retroação ou ação em regresso, entre dois ou mais
aparecimento desta teoria: organismos, vivos ou não vivos.

"Uma especialização cada vez mais pormenorizada O quadro conceptual dos cibernéticos tem como base dois
caracteriza a ciência moderna (...) Por consequência, o físico, pressupostos, por um lado, consideram que "os mecanismos
o biólogo, o psicólogo e o investigador em ciências sociais podem ser regulados por processos de retroação" (Prado,
encontram-se por assim dizer encerrados no seu próprio 1996: 31), e por outro, que é possível descrever formalmente
universo; é difícil trocar uma palavra de um casulo para esses processos, independentemente dos suportes materiais
outro." utilizados (Ibidem). Desta forma, a Cibernética considera que
independentemente da estrutura material utilizada (orgânica
Aparece deste modo uma tendência para a visão sistémica, ou mecânica), no tratamento da informação e da energia o
que olha para o todo sem o dividir, em oposição a uma visão conceito de Máquina é válido (Ibidem).
analítica, que corta o todo em partes sem conseguir uma
visão holística. III - Abordagem Sistémica: Princípios e Pressupostos

Bertalanffy funda em 1954 uma associação, a Society for A Abordagem Sistémica assenta num conjunto de princípios
General Systems Research. Esta sociedade teve um papel da Teoria Geral dos Sistemas e da Cibernética, que são
muito importante no desenvolvimento do pensamento fundamentais para a compreensão do modelo e que são
sistémico na medida em que promoveu o "desenvolvimento nomeadamente os conceitos de Sistema, de Comunicação,
dos sistemas teóricos aplicáveis a vários sectores tradicionais Interação e Informação.
do conhecimento" (Bertrand, 1994: 30) com o objetivo de De acordo com Bertrand (1994:44) a Teoria Geral dos
unificar a ciência e facilitar as relações entre os especialistas. Sistemas seria um conjunto organizado de leis que se podem
Segundo o referido autor o "organismo é um todo maior que a aplicar a todos os sistemas, enquanto que a Abordagem
soma das partes" (Idem:29) e como tal não é suficiente Sistémica seria por um lado, uma arte de modelização na
estudar os fenômenos isoladamente, pois o processo que os medida em que fabrica modelos e, por outro, uma
une e organiza (aos fenômenos) é fundamental para a sua metodologia porque se preocupa em encontrar soluções para
compreensão, e tornam-se diferentes quando estudados problemas específicos. Neste sentido utiliza determinados
isoladamente. Os fenômenos resultam assim, da interação instrumentos, os sistemas que serão o retrato resultante das
entre as partes que compõem o todo "porque a característica operações elaboradas.
fundamental de uma forma viva é a sua organização, a Sistema
análise das partes e dos processos isolados uns dos outros
não pode dar-nos uma explicação completa do fenômeno da O conceito de Sistema foi genericamente definido por
vida"(Bertalanffy, cit por Bertrand, 1994:29). Bertalanffy (cit por Bertrand, 1994,:46) como "um conjunto de
elementos em interação", no entanto encontramos outras
Mais recentemente a Abordagem Sistémica foi definida por definições como a de Edgar Morin (cit por Bertrand, 1994:
Isabel Prado e Castro (1996: 33) como "a capacidade de 46)que afirma que "Um sistema é um conjunto de unidades
perceber as coisas em movimento, na sua dinâmica própria e em inter-relação mútuas" e Schoderbeck (cit por Bertrand,
na sua interdependência;(...) a contemporaneidade, a 1994:47) que afirma que "um sistema define-se como um
horizontalidade do conhecimento, enquanto referência à conjunto de objetos e das suas relações entre eles, dos seus
transdisciplinariedade e portanto ao domínio da complexidade atributos assim como do meio, de maneira a formar um todo".
e da complementariedade do conhecimento.", considerando
ainda que a Abordagem Sistémica "põe em diálogo os nossos Bertrand (idem:46) define o sistema como "um todo dinâmico
saberes parciais, sem que estes tomem conta da nossa cujos elementos estão ligados entre si e que tem interações".
ignorância" (Ibidem).
Os Sistemas podem, por sua vez, apresentar-se em duas
A Cibernética, do grego Kubernétes e que significa pilotagem, formas ou modalidades. A primeira consiste no "Sistema
surge no final da 2ª. Guerra Mundial, quando um professor no fechado", que se caracteriza pelo isolamento face ao meio e
Massachussets Institute of Tecnology, Norbert Wiener publica a outra é o "Sistema Aberto" que tem como característica
um livro "The Human Use of Human Beings" onde define a principal a interação com o meio (Morgado, 1990:30).
Cibernética como a ciência que estuda a comunicação e os
processos de controlo nos organismos vivos e nas máquinas

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PSICOLOGIA

Foi partindo do conceito de Sistema Aberto que Bertalanffy harmonia entre todos os seu subsistemas. Para descrever o
propõe o seu quadro conceptual, apresentando um conjunto equilíbrio são normalmente utilizados dois conceitos:
de características que o definem, que são nomeadamente a Estabilidade dinâmica e homeostasia. O primeiro permite que
abertura, a complexidade, a finalidade, o tratamento, a haja uma combinação entre mudanças, crescimento e
globalidade, o fluxo, a regulação, a retroação, o equilíbrio e a estabilidade, tendo sido Bertalanffy que enunciou a lei da
entropia . estabilidade dinâmica quando fez pesquisas no âmbito dos
fenômenos de assimilação no metabolismo. O segundo foi
A Abertura proposto por Cannon, em 1939 e pretende descrever a
Considera-se que um sistema é aberto quando existem capacidade que o sistema dispõe para poder assegurar as
trocas ou interacções com o meio envolvente. Estas trocas variações críticas em limites aceitáveis, quando acontecem
traduzem-se em energia, informação, matéria (Idem:.48) perturbações inesperadas (Idem: 54).

A Complexidade A Entropia

De uma forma geral os sistemas são complexos e formados Finalmente, a última característica de um sistema pretende
por subsistemas. A interação entre os subsistemas indicar um certo estado de desordem interna que é muita
fundamenta a hierarquia e podem explicar as mudanças que vezes denominado por caos. A 1ª lei da Termonidâmica
os sistemas sofrem ao longo dos tempos (Ibidem). afirma que a entropia aumentará na razão inversa da energia.
Isto significa que quanto menor é a energia que um sistema
A Finalidade dispõe, maior será a entropia. Pode também dizer-se que a
Os sistemas agem em função de um objetivo ou um estado entropia tende a avaliar o grau de desorganização do sistema
final. Assim as diferentes partes que compõem o sistemas e que todos os sistemas tem entropia porque se degradam
possuem fins ou objetivos cujas interacões entre eles com o tempo (Bertrand, 1994: 55).
procuram atingir essa finalidade. A este propósito Bertrand Comunicação
(idem:49) lembra o conceito de equifinalidade que indica que
os objetivos podem ser os mesmos mas a forma de os atingir Comunicar significa por em comum, o que pressupõe uma
pode ser diferente e que essa é uma característica dos relação. Significa que se reconhece o outro. À luz da
sistemas aberto, pois não existe uma relação direta causa- Abordagem Sistémica apareceram diversas Teorias da
efeito. Comunicação que incidem sobretudo na comunicação
interpessoal, intergrupal e intragrupal. A Escola de Pallo Alto
O Tratamento e o seu trabalho fundamentado no estudo da Pragmática da
Um sistema aberto está sempre em interação com o meio Comunicação Humana, desenvolveu um conjunto de axiomas
envolvente e a essas trocas constantes chamam-se inputs e que têm implicações ao nível interpessoal e que são
outputs, entradas e saídas. Isto significa que para haver uma utilizados pela Abordagem Sistémica na medida em que é
entrada terá sempre que acontecer uma saída. Neste sentido uma abordagem relacional e não individual. O que em termos
todos os sistemas são transformadores ou preparadores de terapêuticos significa que será sempre uma abordagem
inputs e outputs. alargada ao sistema em que o indivíduo está inserido e não
uma terapêutica individual.
A Totalidade
O Axiomas da Comunicação apresentados pela Escola de
Significa que o sistema é mais que a soma das suas partes. Pallo Alto são cinco e pretendem explicar aquilo que é visível
Morin considera que essa mais qualquer coisa é a própria na comunicação, não havendo preocupação com aquilo que
unidade global (Bertrand, 1994:50, 51). Isto significa que um não se pode ou não se consegue ver.
sistema não é uma simples associação de componentes, mas
que tenderá a comportar-se como um todo coerente. Assim O 1º. Axioma diz que "Todo o comportamento é comunicação
sendo, as relações que se estabelecem entre os diversos e toda a comunicação é comportamento", o que significa que,
subsistemas tenderão a estabelecer uma organização que de acordo com este quadro conceptual não se pode não
lhes confere propriedades de conjunto, apesar da comunicar, ou seja é impossível não comunicar (Waatzlawick,
especificidade de cada componente (Morgado, 1990: 30). 1993: 47). Existem quatro comportamentos possíveis de
resposta à comunicação: a rejeição, significa que de uma
O Fluxo forma mais ou menos indelicada informamos o outro da
nossa intenção de não conversar (por exemplo através do
Caracteriza-se pelas trocas que se desenrolam no sistema,
silêncio), a aceitação, significa que aceitamos conversar, a
os canais que permitem a circulação da informação, da
desqualificação, significa que se comunica de modo a
matéria e da energia (Ibidem).
invalidar a comunicação do outro (por exemplo mudança de
A Regulação assunto bruscas, frases incompletas) e o sintoma, em que a
pessoa finge que tem um defeito ou uma incapacidade que
Significa que os sistemas dispõem de mecanismos que justifica a impossibilidade da comunicação (por exemplo,
regulação ou controlo que lhes permitem corrigir eventuais finge que é surda ou que tem sono, ou até que desconhece o
desvios. A regulação não é mais nem menos que um idioma) (Idem: 69-72).
mecanismo de controlo dos objetivos do sistema. Este
mecanismo pode intervir nos subsistemas, nos inputs e nos O 2º. Axioma considera que toda a relação implica um
outputs do próprio sistema (Ibidem). conteúdo e uma relação, ou seja o conteúdo será a
informação, enquanto que a relação será o modo como a
A Retroação informação deve ser entendida, uma metacomunicação. Esta
É definida como "a informação encaminhada para uma é uma capacidade fundamental para uma comunicação bem
unidade de controlo no sistema a fim de modificar, se for sucedida (Idem: 49).
necessário, o comportamento de um sistema" (Idem: 53) O 3º. Axioma afirma que a natureza da relação entre, pelo
O Equilíbrio menos dois indivíduos, está ligada à pontuação das
sequências comunicacionais. (Idem: 54) Existem três formas
Significa que todos os sistemas tentam encontrar e preservar de "olhar" o outro: uma é a confirmação do conceito de "Eu",
o equilíbrio, o que significa que tenta conseguir uma

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PSICOLOGIA

que provoca desenvolvimento e estabilidade mental (Idem: não considerar o homem como não positivo, acaba por ter
77); a segunda é a rejeição, não há negação do conceito de uma visão fria do homem.
"eu" por muito penoso que possa ser o sentimento de ser
rejeitado, pode até ser construtivo em alguns casos em que o Pensamos que o conceito de Tendência Atualizante da
conceito do "Eu" é desadequado (Idem: 78) e a terceira é a Abordagem Centrada na Pessoa é idêntico aos conceitos de
desconfirmação, que provoca a perda do "eu" e leva á Auto Regulação e Homeostasia da Abordagem Sistêmica, na
alienação, enquanto que na rejeição a mensagem é "você medida em que ambos visam a adequação ao meio, embora
está errado", na desqualificação a mensagem é "você não a primeira se refira à pessoa e a segunda se refira ao
existe" (Idem: 79). A patologia da desqualificação leva àquilo sistema.
que Watzlawick denominou de comportamento de Shut-Of, Parece interessante verificar como estes conceitos tem a sua
que é um comportamento de resposta ou sintoma e que origem na mesma área de conhecimento - a Biologia.
pretende cortar a desqualificação. Este comportamento pode
assumir diversas formas, como o abandono, o desmaio, o Como conclusão mais alargada podemos dizer que as duas
homicídio, a loucura e o suicídio. Abordagens procuram o bem - estar do homem, mas
encontraram formas diferentes de o fazer.
Como patologia da desqualificação pode também acontecer a
comunicação paradoxal ou Double-bind, que significa que o Assim, não nos parece adequado para este trabalho defender
emissor envia duas mensagens em simultaneo, em que uma uma em detrimento da outra, pois o objetivo era precisamente
é afirmativa ou positiva e outra é negativa. O contacto encontrar pontos comuns e divergentes nas duas
frequente com este tipo de comunicação tenderá a levar o abordagens. Nesse ponto pensamos ter atingido o objetivo,
indivíduo a perturbações pois não consegue distinguir qual na medida em que procuramos focar os conceitos principais
das mensagens é a verdadeira ou a correta. dos "dois olhares" face ao homem e tentamos fazê-lo de
forma sintetizada.
O 4º. Axioma considera que o homem comunica digitalmente
e analogicamente, o que significa que a digital terá uma Psicomotricidade
lógica informacional e a analógica terá uma lógica afetiva Definições:
(Idem: 61).
Gª Núñez y Fernández Vidal (1994):
Finalmente o 5º. Axioma afirma que todas as trocas
comunicacionais ou são simétricas ou são complementares O psicomotricidade é a técnica ou grupo de técnicas que
conforme se baseiam na igualdade ou na diferença (Idem: tendem a interferir no ato intencional significativo, para
64). estimular ou modifica-lo, usando como mediadores a
atividade corporal e sua expressão simbólica. O objetivo, por
Informação conseguinte, é aumentar a capacidade de interação do
O conceito de informação tem sido utilizado como sinônimo sujeito com o ambiente.
de comunicação. Tal não é correto, na medida em que Berruezo (1995):
comunicar implica que o emissor terá um feed back do efeito
da mensagem no receptor, ou seja que este descodificou a O psicomotricidade é um foco da intervenção educacional ou
mensagem. Só existe comunicação quando há um receptor terapia cujo objetivo é o desenvolvimento da capacidade
No caso da informação, não existe esse efeito de retorno ou motriz, expressivas e criativas a partir do corpo, o que o leva
regresso. A informação pode ser dada sem existir o efeito de centrar sua atividade e se interessar pelo movimento e o ato,
retroação, como é o caso da televisão ou da rádio, em que que é derivado da: disfunções, patologias, excitação
quem informa não tem qualquer tipo de feed back de quem (estímulos), aprendizagem, etc.
recebe a informação.
Muniáin (1997):
Interação
O psicomotricidade é uma disciplina
É um processo através do qual pelo menos dois fenômenos educativa/reeducativa/terapêutica. Concebeu como diálogo
se influenciam reciprocamente. Tem a suas bases no Inter que considera o ser humano como uma unidade
racionismo Simbólico que "concebe a Sociedade como um psicossomática e que atua sobre sua totalidade por meio do
sistema de interações e de comunicações inter individuais e corpo e do movimento no ambiente, por meio de métodos
significantes, sem realidade independentemente das ativos de mediação principalmente corporal, com o propósito
interações sociais" (Prado, 1996:32). É neste sentido que as de contribuir a seu desenvolvimento integrante.
abordagens terapêuticas de inspiração sistêmica tem
De Lièvre y Staes (1992):
privilegiado o conceito de interação com vista ao estudo das
relações familiares. O psicomotricidade é a posição global do sujeito. Pode ser
entendido como a função de ser humano que sintetiza
Conclusão
psiquismo e motricidade com o propósito de permitir ao
Da pesquisa desenvolvida apresentamos um quadro indivíduo adaptar de maneira flexível e harmoniosa ao meio
comparativo onde podemos ver de forma sintética as grandes que o cerca. Pode ser entendido como um olhar globalizado
oposições das duas abordagens estudadas. que percebe a relação entre a motricidade e o psiquismo
como entre o indivíduo global e o mundo externo. Pode ser
Efetivamente torna-se difícil comparar duas formas de olhar entendido como uma técnica cuja organização de atividades
um homem, o mundo, tão antagônicas. possibilite à pessoa conhecer de uma maneira concreta seu
Os quadros teóricos em que cada uma se insere são disso a ser e seu ambiente de imediato para atuar de maneira
prova. Enquanto que a Abordagem Centrada na Pessoa se adaptada.
situa na Psicologia Humanista, em que o homem é visto Psicomotricidade
como algo de muito positivo, a Abordagem Sistêmica assenta
na Teoria Geral dos Sistemas e na Cibernética, que por sua É a ciência que tem como objeto de estudo o homem através
vez têm origem em áreas do conhecimento como a do seu corpo em movimento e em relação ao seu mundo
Termodinâmica, a Biologia, a Matemática, em que a interno e externo, bem como suas possibilidades de perceber,
preocupação surge da máquina para o homem. Apesar de atuar, agir com o outro, com os objetos e consigo mesmo.

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PSICOLOGIA

Está relacionada ao processo de maturação, onde o corpo é comunitário, mas que eram majoritariamente orientados por
a origem das aquisições cognitivas, afetivas e orgânicas. uma postura positivista de sociedade, que levava a
(S.B.P.1999) intervenções paternalistas. Escovar (1979) e Montero (1984)
apontam que o nome Psicologia Comunitária surgiu em 1965
Psicomotricidade portanto, é um termo empregado para uma nos Estados Unidos, com a proposta de formar uma disciplina
concepção de movimento organizado e integrado, em função que se dedicasse a trabalhar com a saúde mental das
das experiências vividas pelo sujeito cuja ação é resultante populações excluídas. Contudo, seu enfoque partia da
de sua individualidade,sua linguagem e sua socialização. premissa de que os problemas sociais existem porque as
instituições sociais existentes são insuficientes para socializar
QUEM É PSICOMOTRICISTA
a toda a população. Assim, o que se presume é que o
É o profissional da área de saúde e educação que pesquisa, sistema social, em si, está bem. São as instituições sociais as
ajuda, previne e cuida do Homem na aquisição, no que, devido ao grande número de pessoas às quais devem
desenvolvimento e nos distúrbios da integração prestar serviços, ou a problemas em suas organizações
somapsíquica. internas, não conseguem "integrar" a um número plural de
membros da sociedade, criando assim uma classe social de
QUAIS SÃO SUAS ÁREAS DE ATUAÇÃO? marginados que sofrem de um déficit de socialização.
Educação, Clínica (Reeducação, Terapia), Consultoria e (Escovar, 1979, p. 2).
Supervisão. Na América Latina, apesar de existirem enfoques baseados
QUAL A CLIENTELA ATENDIDA? Crianças em fase de no norte-americano (denominados "saúde mental
desenvolvimento; bebês de alto risco; crianças com comunitária" ou "psicologia em comunidade"), a psicologia
dificuldades/atrasos no desenvolvimento global; pessoas comunitária partiu de uma premissa que contra argumenta a
portadoras de necessidades especiais: deficiências anteriormente citada: os problemas sociais são causados
sensoriais, motoras, mentais e psíquicas; pessoas que pela estrutura social desigual, na qual a imensa maioria das
apresentam distúrbios sensoriais, perceptivos, motores e pessoas é excluída do acesso aos recursos que por direito
relacionais em conseqüência de lesões neurológicas; família lhe correspondem. Esta base, compartilhada pelos
e a 3ª idade. EM QUAL MERCADO DE TRABALHO ATUA O representantes da nova disciplina que estava surgindo, fez
PSICOMOTRICISTA? Creches; escolas; escolas especiais; com que ela adquirisse maior força a partir da década de 70,
clínicas multidisciplinares; consultórios; clínicas geriátricas; quando os pesquisadores de vários países começaram a
postos de saúde; hospitais; empresas. interagir cada vez mais e, ao descobrirem seu interesses
comuns, foram influenciando-se mutuamente na criação de
REFLEXÕES SOBRE AUTOGESTÃO E PSICOLOGIA novos conhecimentos e ações comunitárias. Em tais
SOCIAL COMUNITÁRIANA AMÉRICA LATINA tentativas havia um interesse geral por relacionar
dialeticamente a teoria com a prática, sendo que uma
Nas últimas décadas, a Psicologia Social latino-americana
modificaria a outra, ao mesmo tempo que era por ela
tem construído um fecundo terreno teórico e metodológico no
modificada.
estudo das influências que as relações sociais, econômicas e
políticas exercem sobre a esfera psicológica nos cidadãos Esta psicologia se nutriu de trabalhos latino-americanos de
destes países (Almeida, 1998). Em meio ao "colonialismo outras áreas, como o do educador brasileiro Paulo Freire,
intelectual", ao qual as ciências do continente estão sobre alfabetização de adultos e educação popular; o do
submetidas em relação ao conhecimento europeu e norte- sociólogo colombiano Orlando Fals Borda, acerca de
americano, uma representação significativa das ciências desenvolvimento comunal num povoado campesino; o do
sociais na América Latina e em particular da psicologia social assistente social argentino Ezequiel Ander Egg, em relação a
tem feito sérios esforços -desde o final dos anos 50 e a trabalho social, educação e autogestão, ou o do padre jesuíta
década de 60 – para construir uma "ciência própria", com um e psicólogo social Ignacio Martín-Baró, de El Salvador, sobre
corpo teórico coerente com as condições de vida destes as desigualdades do sistema salvadorenho, a tortura, e o
países, e que ademais visa contribuir com sua transformação trabalho com grupos por uma "psicologia da libertação". Isto
social. sem excluir, claro está, as influências de autores estrangeiros
como Lewin, Seligman, Berger e Luckmann ou o próprio
Os primeiros trabalhos autóctones na área psicossocial,
Marx, além de psicólogos comunitários norte-americanos
assim como em áreas vizinhas como a sociologia militante e
como Rappaport e Newbrough. Importantes representantes
a educação popular, se caracterizaram pela realização de
desta disciplina se encontram em diferentes países: Maritza
práticas "subversivas", devido aos regimes ditatoriais que
Montero na Venezuela, Sílvia Lane no Brasil, Irma Serrano-
existiam praticamente em todo o continente. Tais trabalhos
García em Porto Rico, Luis Escovar no Panamá, Eduardo
eram feitos de forma clandestina, ou muito discreta, razão
Almeida no México, só para citar alguns.
pela qual foram surgindo de forma simultânea porém isolada.
Eram produções teórico práticas que tinham em comum a Uma das primeiras definições da Psicologia Comunitária, que
tentativa de dar resposta a problemas de exploração e foi amplamente divulgada, é a de Montero (1982, p. 16),
opressão, buscando comprometer-se com a modificação da afirmando que esta disciplina constitui a "área da psicologia
situação que vivia a população empobrecida. cujo objeto é o estudo dos fatores psicossociais que
permitem desenvolver, fomentar e manter o controle e poder
O trabalho em comunidades foi uma prática que caracterizou
que os indivíduos podem exercer sobre seu ambiente
estas iniciativas, constituindo uma maneira de aproximar-se
individual e social, para solucionar problemas que os afetam
da população oprimida, ao mesmo tempo que se rompia com
e lograr mudanças nestes ambientes e na estrutura social".
a aridez, os limites e os rigores da psicologia que imperava
Seus princípios básicos são os de: 1) união entre teoria e
naquele momento -experimentalista, individualista, que ao
prática; 2) transformação social como meta; 3) poder e
legitimar a ordem social existente acabava sendo um
controle dentro da comunidade; 4) conscientização e
instrumento a serviço da dominação. É neste contexto que
socialização; 5) autogestão e participação. A produção da
nasce a psicologia comunitária.
autora, desde os seus trabalhos iniciais, incorpora, então, a
Segundo Lane (1996), já na década de 40 existiam no Brasil - autogestão nesta disciplina.
e em outros países da América Latina- programas de trabalho
A AUTOGESTÃO ENTRA NA HISTÓRIA

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PSICOLOGIA

O termo "autogestão" tem uma importância fundamental "A comunidade se ocupa dos seus próprios problemas e se
dentro deste enfoque, pois segundo diversos autores constitui organiza para resolvê-los ela mesma, desenvolvendo seus
o objetivo central perseguido na ação junto com a próprios recursos e potencialidades e utilizando os alheios"
comunidade (Montero, 1984; Almeida, 1998; León Cedeño, (Fals Borda, 1959). Esta noção exclui toda idéia de
Montenegro, Ramdjan e Villarte, 1997). No dizer da própria paternalismo, cujos efeitos são contrários ao mesmo conceito
Montero (1984), "a Psicologia Comunitária se apresenta de desenvolvimento comunal. Significam que a comunidade
então como uma via de interação, geradora de tecnologia deve gerar autodeterminação e ser autogestora, para o qual é
social, cujo objetivo é lograr a autogestão para que os claro que o primeiro passo, e nele a ação do psicólogo social
indivíduos produzam e controlem as mudanças em seu é muito importante, deve ser colocar suas necessidades,
ambiente imediato"(p. 397). Ou em palavras de Rivera- suas potencialidades e motivar-se para seu logro e utilização
Medina e Serrano-García (1985-b), "a organização comunal (Montero, 1979).
encaminhada a promover a autogestão é provavelmente a
atividade (da psicologia comunitária) mais freqüente nos Nos usos que a autora faz a este substantivo, parece haver
nossos países" (p. 12). traços do uso entusiasta que foi dado ao termo autogestão
nos anos 60 e 70, época da sua "explosão" e expansão (e
A relevância da autogestão, entretanto, não é exclusiva desta começo dos seus múltiplos sentidos). Além de relacionar a
área: a dupla "autogestão/comunidade" é o centro de palavra à Freire e Fals Borda emprega-a para referir-se a
múltiplas atividades e programas sociais na América Latina experiências de Porto Rico: as de Serrano-García e Irizarry
cujo enfoque não é, necessariamente, o da psicologia (apud Montero, 1984), que não nomeiam o termo, ou a
comunitária. Áreas como por exemplo a sociologia, o serviço propostas de Escovar (1979), que tampouco fala sobre
social, a medicina, a ecologia ou a religião se utilizam autogestão para colocar o controle nos sujeitos ante a
também da palavra autogestão no âmbito comunitário, e o desigualdade estrutural na América Latina e a falta de
próprio nome de vários destes empreendimentos deixa ver controle sobre o próprio ambiente, que geram alienação,
um interesse pela promoção da autogestão e a visão desta desesperança aprendida e foco de controle externo. E,
como um objetivo central a alcançar 2. inclusive, ao falar dos antecedentes desta psicologia e o
surgimento mais formal da mesma no final dos anos 60 e na
Mas como aparece a palavra autogestão na psicologia década de 70, afirma que "em uma primeira etapa (anos 50 e
comunitária? Não achamos até o momento nenhuma versão 60), mais que de uma psicologia comunitária deve falar-se de
escrita desta "história da autogestão". Porém, podem desenvolvimento comunitário, de participação, de autogestão,
apontar-se alguns elementos históricos sobre o surgimento somente. Trata-se de uma estratégia, de uma metodologia,
do termo no âmbito da comunidade e que, portanto, podem na qual o aporte psicossocial não tem sido clarificado ainda"
ajudar a entender os usos que dele são feitos. (Montero, 1984, p. 389). Ou seja, a autogestão era uma
"Autogestão" é uma palavra que não aparece em textos prática relacionada com trabalhos realizados por profissionais
psicossociais comunitários anteriores à década de 70, o que em comunidades, que existia antes da aparição mais clara
é lógico, pois este vocábulo criado na Europa, apareceu nas desta disciplina, não se sabe se utilizando-se ou não deste
línguas românicas (francês, espanhol, italiano, português) na nome. Vale ressaltar que nestes textos não se faz referência
década de 60 3, e, embora parece ter chegado à América à fonte da qual se tomou emprestado o termo ou ao
Latina por várias vias como o anarquismo, a democracia significado original do mesmo, e que em diversas ocasiões
cristã e a experiência iugoslava, Lane (1998) sugere que ela ele é nomeado sem uma explicação de como ele está sendo
entrou com força a partir dos acontecimentos do maio francês entendido: é como se naquela época fosse claro para todos o
em 1968 4. que autogestão significava.

Visando mostrar como é usado este vocábulo por diferentes Mas Montero escreve sobre a palavra. Ela reafirma,
psicólogos sociais comunitários latino-americanos, mostrar- praticamente em todos seus textos comunitários dos anos 70
se-ão a seguir algumas referências à autogestão em países e 80, que a autogestão é um objetivo primordial da psicologia
caribenhos (Venezuela, Porto Rico, México) e no Brasil, comunitária, a ser atingido nos âmbitos individual e social
nações importantes quanto à produção de conhecimento para favorecer o desenvolvimento comunal. O que seria
nesta área. Esta não pretende ser uma revisão completa da autogestão? Nem sempre esta palavra é definida: quase
história e usos do termo, mas revisa textos e falas de autores sempre é apenas nomeada pela autora. Mas em textos sem
reconhecidos na área, que podem estar tendo influência nas data, ela escreve que é "decidir, controlar e realizar a ação
práticas comunitárias em grande parte do continente, e cujas transformadora. Significa autodeterminação, autodireção e
posturas sobre autogestão vale a pena conhecer. identidade produto de uma tomada de consciência enquanto
grupo". Implica em organização e participação (Montero, sem
AUTOGESTÃO COMUNITÁRIA NO CARIBE: data-a., p.1; sem data-b, p. 1).
O TERMO EM AUTORES DA VENEZUELA No âmbito individual, autogestão significa a psicologia
Partindo dos textos latino-americanos revisados até o comunitária trabalhar com os sujeitos para eles atingirem o
momento, as primeiras menções do nome autogestão controle sobre seu próprio ambiente, exercendo
pertencem a Maritza Montero. A autora se utiliza do termo já transformações no mesmo; "autogestão dos indivíduos
nos seus primeiras publicações em psicologia comunitária porque a psicologia trata com pessoas e com grupos
(1979, 1980, 1982, 1984, s/d a, s/d b). Naqueles trabalhos primários, que em última instância são os construtores da
iniciais, ela não apenas o nomeia como o utiliza para sociedade" (Montero, 1982, p. 17). No espaço do coletivo,
interpretar trabalhos do educador Paulo Freire ou do que deve trabalhar-se junto com o individual, o psicólogo
sociólogo Orlando Fals Borda, anteriores ao advento do trabalha como agente de mudança com um grupo, induzindo
termo, e que portanto não se utilizavam dele. A respeito de a tomada de consciência, a identificação de problemas e
Freire, por exemplo, diz: "(A psicologia comunitária) se necessidades, a eleição de vias de ação, a tomada de
enriquece com o aporte teórico metodológico dos postulados decisões e, com isto, a mudança na relação entre indivíduo e
de Paulo Freire, referentes ao logro da consciência possível seu ambiente, que é transformado (Montero, 1984). Mas a
na comunidade autogestora" (Montero, 1984, p. 395). ação coletiva empreendida, mesmo que esteja centrada no
grupo, não significa que os objetivos comunitários serão
Ou, no caso de Fals Borda, ela cita o autor e comenta: sempre alcançados pela ação exclusiva do mesmo. Em

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PSICOLOGIA

certos casos, pelo menos a curto e médio prazo, precisar-se- comunidade, como principal protagonista, e dos distintos
á da colaboração governamental ou de agências atores envolvidos, para que estes assumam o controle das
financiadoras, que devem estar sujeitas à direção e suas ações em todas as fases (...) do projeto, e decidam as
administração do grupo em questão (Montero, 1979). estratégias que lhes resultem mais adequadas para atingir
estes fins. Contudo, o processo de autogestão não significa
Tal processo, então, implicaria em clara autonomia respeito fazer as coisas sozinhos, por si mesmos sem o apoio de
do governo ou financiadores que, caso participarem em outros; se bem a responsabilidade fundamental para criar os
algum projeto do grupo, seria seguindo as propostas e meios idôneos parra a satisfação de uma necessidade é de
pedidos do mesmo 5. Mas para que esta capacidade de quem a sofre, os outros agentes atuam de forma ilimitada e
negociação e exigência seja fortalecida, a assessoria do temporária, "subsidiária", para facilitar aos principais
psicólogo parece ser bastante importante. O conceito de responsáveis a possibilidade de que sua ação seja efetiva. (p.
autogestão, então, estaria atrelado ao papel do profissional 26).
comunitário, e este, em vez de ser paternalista ou autoritário,
deve ser facilitador e treinador do grupo, administrando as A autora conclui que a autogestão é possível se forem
técnicas e procedimentos mais adequados para o logro da cumpridas seis condições: 1) participação ativa dos sujeitos;
solidariedade grupal, para sua melhor comunicação e 2) capacitação dos agentes interventores; 3) assistência
discussão de objetivos, para esclarecer as metas. De tal técnica integral e seguimento; 4) respaldo financeiro; 5)
maneira, que o grupo pode continuar e realizar a labor, ainda apoio, coordenação e compromisso interinstitucional e 6)
em ausência do facilitador. Uma comunidade terá se procedimentos burocráticos expeditos. Como se vê, apesar
desenvolvido como tal, quando do seu seio puderem surgir os de que se pretende que o "peso final" esteja na comunidade,
líderes capacitados para mantê-la unida no logro das suas apenas uma destas seis condições se refere aos
metas. E é este um aspecto fundamental: o psicólogo deverá "protagonistas" da autogestão: o resto depende de atores
detectar os líderes e treiná-los para o trabalho grupal, para externos. E partindo da necessidade de seis passos, dos
que eles por sua vez possam realizar a mesma labor respeito quais apenas um depende dos moradores, é bastante
de outros membros" (Montero, 1979, p. 13). provável que aconteçam processos de tomada e execução de
decisões sem que sejam discutidas com os mesmos e
Uma primeira diferença com o uso clássico do termo, refere- aprovadas por eles 6. É preciso, então, muito senso crítico
se a importância do profissional que não pertence à para utilizar este conceito em meio a tantos agentes externos
comunidade, mas se constitui em facilitador da mesma. Em diferentes e com pesos desiguais no momento de tomar as
vez de referir-se à ação autônoma dos operários (ou, no decisões.
caso, dos moradores de um bairro), para organizar-se
seguindo práticas autóctones de produção, autogestão é uma Nota-se que, nos casos resenhados, a autogestão é um
palavra utilizada para referir-se ao objetivo de um grupo de objetivo procurado pelo profissional desta disciplina antes do
profissionais que espera que outros - "a comunidade", sua seu contato com as comunidades em questão, e não parece
população alvo – a atinjam, para o qual lhes brindam surgir da própria população interessada -ou pelo menos não
assessoria. O termo parece, assim, estar sendo entendido fica claro- o que indica a necessidade de estar alerta para o
como um processo no qual um grupo comunitário se "auto" da gestão não ser sutilmente imposto (sem ter essa
autodetermina, após ser treinado para tal fim por intenção) em vez de constituir-se como um exercício de
profissionais, para o que Montero (s/d a) denomina como autonomia.
tomar consciência da situação que o afeta, motivar-se para a
autogestão que for desenvolvida, informar e envolver a outras A postura de León Cedeño, Montenegro, Ramdjan e Villarte
pessoas para o trabalho comunal (socialização) e melhorar (1997) é mais explícita em relação à figura do facilitador ou
seu desempenho grupal. Também é verdade que, em curso "catalisador social" (Fals Borda, 1959). Afirmando que os
de 1992, aquela psicóloga vinculou o nome autogestão ao aportes da psicologia comunitária no tema da autogestão são
estudo de Tomasetta (1972), que faz uma revisão crítica das incipientes, elas esboçam uma definição do termo como
diferentes experiências autogeridas na Europa, mas isto não "processo por meio do qual as pessoas pertencentes a uma
se reflete em nenhum dos textos da autora achados até o comunidade satisfazem autonomamente necessidades
momento. sentidas através da identificação, potenciação e obtenção de
recursos" (p. 70). Desse conceito se deriva uma implicação
Em trabalhos venezuelanos mais recentes sobre psicologia relacional: os membros da comunidade atuam de forma
comunitária (Caro, 1997; León Cedeño, Montenegro, autônoma em relação aos agentes externos a ela, pelo que a
Ramdjan e Villarte, 1997) pode observar-se também a idéia autogestão seria um objetivo comum a ambas as partes, que
de autogestão como objetivo desta disciplina, assim como a vai se construindo na sua interação. Assim, este objetivo
importância do facilitador, assessor ou agente externo. É precisaria da participação voluntária e crescente dos
desde a perspectiva deste último que o tema da autogestão é moradores do local, assim como da revisão das atividades
abordado -nem sempre de maneira explícita. Tampouco há dos/as agentes externos para promover uma independência
nestes textos referência alguma à palavra autogestão como cada vez maior na formulação, gerência, execução e
sendo utilizada desde muito tempo atrás, para referir-se a avaliação dos projetos que eles se proponham realizar. Seria,
formas de produção autônomas, autóctones e igualitárias em então, um processo gradual que se atinge na negociação
lugares e âmbitos distintos -e que posteriormente foi -"um complexo ir e vir no qual os membros da comunidade
adquirindo múltiplas implicações. tomam iniciativas próprias em certas ocasiões e, em outras,
delegam a tomada de decisões" (p. 70)- e não uma meta que
Caro (1997) narra um processo de autogestão na moradia a se atinge a partir de uma aprendizagem linear.
partir da parceria entre uma ONG (que desenhou e
coordenou o projeto), o governo (que o financiou) e diversas O texto propõe a avaliação da particularidade de cada
comunidades venezuelanas que empreenderam um processo processo no desenho de estratégias para atingi-la, apontando
de autoconstrução com a formação e apoio permanente de elementos obstaculizadores -relativos aos agentes internos
diversos profissionais capacitados por esta ONG. O objetivo (como a desesperança aprendida, submissão e falta de
final era a autogestão dos moradores na solução dos seus iniciativa, relações pessoais conflitivas, incapacidade de
problemas habitacionais, definindo autogestão como um planejar a mediano prazo, condições sócio econômicas
processo que vai além da tradicional autoconstrução e que se adversas) e aos externos (paternalismo, imposição,
refere a motivação, capacitação e participação ativa da preconceito, etnocentrismo, entre outros). Ante isto se

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PSICOLOGIA

propõem possíveis soluções no dia-a-dia: analisar e explicitar latino-americanos e exemplifica-se o que a respeito é feito em
as relações de poder no grupo, definir e revisar Porto Rico, bastante parecido com as propostas de Montero
periodicamente as "regras" do mesmo, propiciar que desde o na Venezuela:
primeiro dia de trabalho todas as pessoas opinem a partir da
discussão em duplas ou pequenos grupos antes das reuniões A organização comunal encaminhada a promover a
plenárias, formular perguntas para que os membros do grupo autogestão é provavelmente a atividade mais freqüente nos
construam suas propostas de solução aos problemas, nossos países. Conhecemos exemplos de Cuba, Porto Rico,
trabalhar as relações interpessoais, por exemplo. México e Venezuela. Neste tipo de projeto se tenta facilitar
mediante diversas estratégias e técnicas o desenvolvimento
Esta parece ser uma primeira tentativa de sistematização das de uma comunidade marginada, de extrema pobreza (rural,
relações das pessoas "internas" com as "externas" na urbana, indígena). Esta atividade, como apontamos antes,
autogestão, ainda que preliminar e com pouco embasamento tem uma longa tradição na América Latina. Os/as psicólogos
teórico. Chama a atenção, porém, que esta escrita, mesmo comunitários nas suas recentes incursões aportam ao
propondo estudar as relações de poder no grupo, não faz desenvolvimento comunal conhecimentos e técnicas da
referência às raízes do termo autogestão e portanto não psicologia tais como os derivados da dinâmica de grupo, os
nomeia um ponto crucial nas primeiras iniciativas deste tipo: a estudos de liderança e a análise de organizações comunais.
proposta de igualdade das pessoas que participam em um Em Porto Rico têm se realizado alguns esforços desta índole.
projeto desta natureza; a organização sem líderes, sem Estes se iniciam geralmente com uma identificação de
favoritos ou iluminados. Este tema tampouco é tratado nos necessidades, recursos e expectativas na comunidade, e são
textos citados anteriormente. Montero, de certa forma, afasta- seguidos pelo desenvolvimento de atividades que a
se desta postura quando propõe que o psicólogo detecte e comunidade estima necessárias para a solução de problemas
treine os líderes do local, que deverão trabalhar, por sua vez, identificados. Os projetos têm se concentrado em problemas
com outros moradores, correndo o risco de reproduzir, de índole social versus estrutural ou político, porque ao
mesmo sem querer, uma certa estrutura hierárquica, se bem empenhar-se neste tipo de esforço têm encontrado que as
que os líderes por ela propostos parecem responder a uma ferramentas que proporciona a psicologia são limitadas para
liderança democrática. Caro (1997), não dá informação sobre lograr a mudança transformadora desejada. (p. 12-13).
este ponto em um caso de relação entre muitos entes:
assessores, financiadores, promotores, facilitadores, Assim, a noção de autogestão empregada faz referência,
capacitadores e formuladores do projeto. também, a algo que deve ser promovido nas comunidades
marginalizadas; algo no qual o profissional facilitador tem
É este um aspecto fundamental que sem dúvida deve ser grande inerência. Os textos apontam que esta noção já era
aprofundado, pois se relaciona enormemente com o exercício praticada antes do advento mais sistematizado da psicologia
da autonomia cidadã na tomada e realização de ações comunitária (e de fato continua aparecendo em outras áreas,
comunais por parte de um agrupamento. tal como se viu na nota de rodapé número 2). Mas o uso que
aqui se faz do termo, sem maiores referências ao significado
ALGUNS USOS DO TERMO EM PORTO RICO do conceito, não permite deduzir detalhes sobre a
Os dois textos porto-riquenhos que nomeiam autogestão, e particularidade da sua prática nas diferentes experiências
foram achados nesta revisão, datam de 1985 e se relacionam mencionadas. Ainda mais porque estes autores, tampouco,
com Irma Serrano-García. Ela, junto com outros autores, dizem de onde ou com que sentido adquiriram a palavra –
apresenta dois trabalhos cujo tema é a história e revisão fato comum nos textos psicossociais comunitários: é como se
crítica da psicologia comunitária entre 1960 e 1985. No apenas o nome "autogestão" fosse claro e transparente para
primeiro deles (Serrano-García e Álvarez Hernández, julho de todos.
1985) fala-se desta psicologia como desenvolvida com mais A impressão que dá é que, desde o momento em que
especificidade na Venezuela e em Porto Rico, e coloca Montero e provavelmente outros pesquisadores "batizam"
Montero e Ocando (1980) como autores de um marco com o nome autogestão uma série de experiências que
conceitual baseado em vários pressupostos, no primeiro dos estavam sendo desenvolvidas com o intuito de promover
quais aparece o desejável que é a autogestão. Já no autonomia e não paternalismo, ou ações concretas em vez
segundo, apresentado três meses depois (Rivera-Medina e de fatalismo, os autores foram se identificando com o termo e
Serrano-Garcia, outubro de 1985), o termo deixa de fazer empregando-o para tudo que parecesse ter estas
exclusiva referência a Montero: seu uso se generaliza quando características. O que era visto como uma abordagem
os autores dizem que a promoção da autogestão é a interessante ou boa no trabalho -que se contrapunha aos
atividade mais freqüentemente desenvolvida pela psicologia métodos "importados", de cunho positivista, e ao pressuposto
comunitária em países latino-americanos, especialmente, de que as bases do sistema social estão bem - passa, em
segundo os autores, nos caribenhos. É interessante notar maior ou menor medida, a identificar-se com um termo como
que os trabalhos do Brasil, de grande peso na área, não são autogestão e a constituir-se em um objetivo para os
aí nomeados. Destaca-se nesta escrita a existência de dois profissionais comunitários. Esta denominação autogestão,
pólos conceituais (Saúde Comunitária e Mudança Social), o então, parece ser um dever: a "comunidade" (sem especificar
primeiro dos quais estaria relacionado com empreendimentos quem são seus integrantes) deve funcionar por ela mesma,
norte-americanos e o segundo, contrariamente aos trabalhos independentemente de atores externos, mas apoiada por
dos Estados Unidos, "parece ter maior vitalidade através dos profissionais comprometidos. Há que se repetir que isto não é
esforços de autogestão e desenvolvimento comunal" (p. 13). uma afirmação e sim uma suposição a partir das narrativas
Rivera-Medina e Serrano Garcia (1985), destacam o caso de destes textos.
Cuba como sendo particular, já que, apesar de o modelo ALGUNS USOS DO TERMO NO MÉXICO
clínico comunitário prevalecer na ilha, o psicólogo exerce
uma função de autogestão assessorando os representantes Almeida (1998, 1999), o único autor mexicano a que se teve
dos policlínicos de saúde que operam nos Comitês de Defesa acesso quanto ao tema referido, apresenta uma visão da
da Revolução, ajudando assim a manter a transformação que psicologia comunitária coerente com as anteriormente
se dera em Cuba (p. 13). apresentadas. Ao referir-se ao trabalho de Quintal de (apud
Almeida, 1998), ele aponta que o psicólogo "colabora com a
Neste segundo texto de 1985, argumenta-se que as práticas comunidade na compreensão e análise das influências que
de desenvolvimento da autogestão são comuns em países

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as condições sociais, políticas e econômicas (o macrossocial) Quando Almeida (1998) disserta sobre a importância de
exercem sobre a esfera psicológica (o microssocial) e na incluir a psicologia social dentro das políticas públicas, fala
desmitificação desses influências que produzem fatalidade e sobre as políticas que os psicólogos comunitários poderiam
conformidade nas relações cotidianas" (Almeida, 1998, p. 7). estar contribuindo para criar. Em duas delas se utiliza do
Nesta formulação acrescenta um ponto de vista inovador: a nome autogestão: 1) nas políticas habitacionais -"participando
possível ação do psicólogo comunitário na formulação de na construção de organizações que fomentem a autogestão
políticas públicas e na gestão para o desenvolvimento de moradores para solucionar seus problemas de moradia"
sustentável. (Almeida, 1998, p. 14, citando a venezuelana Caro, 1997, e
suas ações de apoio à autogestão, já mencionadas); e 2) na
Nota-se nos textos de Almeida, bem mais recentes que a criação de uma política propriamente comunitária, que
maioria dos já citados, uma maior integração e intercâmbio ressalte que o objetivo primordial de qualquer processo
entre diversos autores latino-americanos; além de citar comunitário é a autogestão, e na qual os psicólogos ajudem a
investigadores mexicanos, ele se refere ao trabalho de remover obstáculos individuais e contextuais dos agentes
brasileiros, porto-riquenhos e venezuelanos, além dos internos e externos (a respeito, cita as também venezuelanas
europeus e norte-americanos. Vale ressaltar que entre os León Cedeño, Montenegro, Ramdjan e Villarte, 1997, cujo
autores citados aparecem todos os nomeados até agora. artigo foi comentado em páginas anteriores). Ou seja,
Os usos da palavra autogestão nos textos deste mexicano também este autor vê a autogestão como um objetivo
(Almeida e Sanches, 1996, apud Almeida, 1998, 1999) se dão fundamental nesta disciplina, que deve ser promovido pelos
basicamente para estudar e propiciar a organização das profissionais. Se o conceito é tão importante, é preciso
pessoas. Isto dentro de uma prática que tenta relacionar esclarecer como ele está sendo entendido e, se é possível
determinantes sócio econômicos (nível de vida), étnico- que um agente externo estimule um processo deste tipo,
culturais (estilo de vida) e tecnológico-ecológicos (qualidade pesquisar quais as bases do seu relacionamento com os
de vida) com categorias psicossociais como participação, moradores.
organização, conhecimento e poder. No caso da participação, ALGUNS USOS DO TERMO NO BRASIL
ela é relacionada com os conceitos de identidade versus
alienação. Para entender e promover a organização, enfoca Na bibliografia brasileira sobre psicologia comunitária
os processos de autogestão vs. dependência; na categoria encontramos poucas referências à palavra autogestão. Em
"conhecimento", refere-se aos conceitos de consciência textos de Lane (1996) e Sawaia (1996), por exemplo,
crítica vs. microvisão e com relação ao poder, maneja os nomeiam-se os substantivos "autonomia" e "auto
termos democracia vs. imposição. organização", referendo-se ao poder de decisão de um grupo
no contexto comunitário, à organização de "grupos que se
O autor não explica diretamente o que entende como tornem conscientes e aptos a exercer um autocontrole de
autogestão quando propõe uma educação para o situações de vida através de atividades cooperativas" e
desenvolvimento sustentável: uma educação que permita transformadoras, para o qual é necessário o entendimento
aumentar o nível de vida das regiões, dinamizar os estilos de das relações de poder que se constituem no cotidiano e o
vida das mesmas - abrindo espaço para a pluralidade - e resgate da subjetividade (Lane, 1996, p. 25). Isto parece
melhorar a qualidade de vida resolvendo a crise ecológica. fazer alusão ao que em outros casos estaria sendo
Tal educação incluiria: 1) Capacitação para a autogestão denominado como autogestão - e incorpora domínios como
econômica e política, fomentando a criação de organizações subjetividade e relações de poder.
de base e de ONGs e respeito ao município (Paas apud
Almeida, 1999); 2) Capacitação para a autogestão cultural e a Campos (1996), ao caracterizar o que entende por psicologia
promoção de uma educação formal a partir do respeito à comunitária, nomeia o termo autogestão sem explicá-lo :
cultura local e regional; e 3) Capacitação da autogestão
ecológica e para a introdução dos avanços tecnológicos que Tipicamente, os trabalhos comunitários partem de um
não deteriorem o ecossistema (Almeida, 1999, p. 95). levantamento das necessidades e carências vividas pelo
grupo - cliente, sobretudo no que se refere às condições de
O que está sendo entendido como autogestão, então, poderia saúde, educação e saneamento básico. A seguir, utilizando-
estar presente em uma grande diversidade de áreas e, para se métodos e processos de conscientização, procura-se
atingi-la, as pessoas passariam por um processo de trabalhar com os grupos populares para que eles assumam
capacitação. A idéia de "promoção da autogestão", nomeada progressivamente seu papel de sujeitos de sua própria
nos autores anteriores, aqui se diversifica e se faz mais história, conscientes dos determinantes sócio políticos de sua
complexa, dando-se através de instâncias tais como situação e ativos na busca de soluções para os problemas
organizações de base e ONGs, e sendo aliada de uma enfrentados. A busca do desenvolvimento da consciência
postura crítica. Resulta interessante que este psicólogo inclui crítica, da ética da solidariedade e de práticas cooperativas
de forma explícita a importância do autóctone e do respeito à ou mesmo auto gestionárias, a partir da análise dos
particularidade, o que não aparecia de forma explícita em problemas cotidianos da comunidade, marca a produção
textos psicossociais comunitários prévios (que enfatizavam a teórica da psicologia comunitária. (p. 10).
importância de alcançar autonomia, mas ao mesmo tempo
propunham que o psicólogo empregasse os meios e técnicas No texto desta autora aparecem mais duas alusões à palavra.
de dinâmica de grupos "mais adequadas" para promover Uma diz "em termos políticos, questionam-se todas as formas
essa autonomia no grupo, correndo o risco de padronizar as de opressão e de dominação, e busca-se o desenvolvimento
ações para comunidades diferentes sem tomar em de práticas de autogestão cooperativa" (Bomfim apude
consideração as especificidades locais). Campos, 1996, p. 11). A outra, também mencionando o
trabalho de Bomfim, resenha que "as principais estratégias de
Considerando a história do termo, porém, é mais fácil ação detectadas foram: reuniões com os moradores para
imaginar o que seria uma autogestão econômica e política análise das necessidades e possíveis soluções, inclusive com
neste caso, mas... o que seria autogestão ecológica? E o incentivo à formação de grupos de autogestão..." (Campos,
cultural? Existem experiências a respeito? Como funcionam 1996, p. 12).
ou de que maneiras poderiam funcionar? Seria preciso um
esclarecimento maior para não cair na impressionante Infelizmente, ainda não tivemos acesso às obras da própria
diversidade atual deste termo, que de certa forma o banaliza. Bomfim, de modo que estas citações não dizem muito sobre
o que está sendo entendido como autogestão no caso dela e

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da mesma Campos, mas a nomeação sem maiores Ao lembrar de casos concretos que conhecera no Peru, Lane
explicações já é algo interessante. Olhando apenas o nomeou especificamente um deles, uma empresa de ônibus
contexto onde a palavra é nomeada, pode-se supor que o que pretendia ser auto gestionária, mas que enfrentou sérias
sentido dado à palavra é semelhante aos já discutidos, ou dificuldades para competir com os concorrentes capitalistas e
seja, o conceito visto como um objetivo da psicologia finalmente não conseguiu subsistir. Segundo Mendonça
comunitária, que pode ser estimulado pelo psicólogo no seu (1998), este foi o destino de praticamente todos os casos
trabalho com grupos. Observando de perto, as formas de vinculados a esta palavra, com perdas substanciais para o
"estimular" a autogestão e a concepção sobre o que este Estado peruano e amargas lembranças para os envolvidos 7.
"importante objetivo" significa podem ser muito diferentes
entre um/a autor/a e outro/a, mas ao ver apenas a Como experiências brasileiras de satisfação de necessidades
generalidade parece que está se fazendo a mesma coisa: básicas que pretendem trabalhar de forma auto gestiva, ela
declarar a importância de algo sem explicar o que é. menciona as áreas de ensino, postos de saúde e mutirões.
Se bem que, em relação a estes últimos, vinculados à
Guareschi (1996) é mais claro nos seus argumentos. Para autogestão em textos brasileiros e em movimentos como o
ele, todo projeto empreendido junto com grupos de uma MST, questiona "até que ponto a idéia de mutirão é
comunidade (seja esta de qualquer classe social, religião, exploração de mão de obra e assumir a obrigação do
raça etc.) deve incluir além do diálogo e a partilha de Estado?" É esta uma discussão chave, que vale a pena fazer
saberes, a garantia de autonomia e autogestão das próprias comentando experiências específicas, observando a
comunidades. Afinal, são eles que lá vivem, e que vão participação de todos os entes envolvidos e as circunstâncias
continuar a viver. Quem vai por um tempo, para prestar um do contexto, e não generalizando ao dizer que "os mutirões
serviço, para partilhar seu saber, não pode retirar das são bons" ou "são maus".
comunidades essa prerrogativa fundamental de liberdade e
autonomia. A autogestão é o ápice de relações genuinamente Comentando este tipo de processos autogeridos, que ela
democráticas, onde há participação de todos. (p. 99). vincula com a necessidade da cooperação (mesmo que,
como já se disse, diferencie autogestão de cooperativas),
Guareschi aponta aqui que o processo de intervenção deve Lane indica que nos nossos países, contrariamente a outros
assegurar a autonomia dos indivíduos para tomar tomar as como o Japão, não se educa para cooperar. A lógica da
próprias decisões. A autogestão envolveria todos os cooperação não é entendida pela população, o que faz
implicados em um contexto de igualdade de direitos e prevalecer é a concorrência de preços: se os produtos são
responsabilidades, e participação. Esta é uma concepção que mais baratos no mercado do que numa iniciativa comunitária
se aproxima das noções libertárias que caracterizaram a autogerida, as pessoas compram no mercado.
autogestão na segunda metade do século passado e no
começo deste século. É uma perspectiva diferente das A concepção da autora faz com que ela afirme que "para ter
propostas dos autores anteriores, que enfatizam a uma sociedade autogestionária, é preciso trabalhar a
necessidade da autonomia e do profissional assessor sair consciência social, a consciência política e o não abdicar do
dos locais em que trabalha, e não diferenciam autonomia de direito de decidir. Se isto não for feito, a ideologia é minada
autogestão. Além disso, sugerem que a autogestão seja pelo capital". E, adjudicando uma imensa dificuldade para
atingida através da formação de líderes comunitários. atingir isto, ela finaliza dizendo: "a autogestão é uma utopia".
Guareschi, diferentemente, já coloca a importância das A consideração de tamanhas dificuldades é o que
relações democráticas, em que cada membro seja aparentemente leva a Reboredo a dizer, em 1998 que na
considerado como ente chave para o processo de instituição psicologia comunitária brasileira, o termo "autogestão" foi
da autogestão. substituído por "organização", e que provavelmente isso seja
Lane (1998) também disserta neste sentido ao afirmar que na o mais correto. Spink, em diálogo com Reboredo, responde
autogestão, a cooperação é um tópico de grande importância; que seria interessante investigar por que a palavra
isto, contudo, não significa que autogestão e cooperativas autogestão se mantém na língua espanhola com densidade,
sejam sinônimos. Enquanto as segundas se relacionam pois isso não acontece, com a mesma intensidade na
basicamente com a prestação de serviços, podendo ter portuguesa. Ele sugere que ambas as línguas têm diferentes
princípios claramente capitalistas ou autoritários, na formas de lidar com o tema do poder, a partir da forma como
autogestão todos têm direito a voz e voto e participam a história de Espanha e Portugal, e suas respectivas ex-
diretamente das decisões. O trabalho realizado em conjunto é colônias, foi se configurando.
de todos. ALGUMAS REFLEXÕES
A própria Lane (1998), pioneira da psicologia social brasileira Como em outras áreas, na psicologia comunitária latino-
e latino-americana, foi bastante esclarecedora em conversa americana tem sido empregado o nome autogestão
sobre autogestão, sua história e seus problemas. Segundo atribuindo-se a ele uma grande importância. Nos textos
ela, o conceito chegou à América Latina provavelmente a revisados, especialmente nos de língua espanhola, há uma
partir do movimento francês de maio de 68. Depois daquele tendência a ver a autogestão como objetivo chave do
momento, e principalmente na década de 70, diversos trabalho comunitário, que deve ser promovido no mesmo.
psicólogos sociais brasileiros tiveram contato com Porém, a teorização a respeito do termo, ainda incipiente,
experiências práticas a respeito em visitas ao Peru. Durante o não vai muito além disso.
mandato do Governo Revolucionário das Forças Armadas,
dirigido por J. Alvarado, um militar nacionalista, entre 1968 e O foco psicossocial comunitário ao usar a palavra autogestão
1975, formaram-se nesse país muitas cooperativas e sai do sentido clássico do conceito, atrelado à esfera da
iniciativas autogeridas, assim como um Centro de Estudos produção, à tomada dos meios de produção por parte dos
Superiores sobre Cooperativas e Autogestão, com o qual os trabalhadores, e entra mais no campo da movimentação
brasileiros passaram a se relacionar. A autogestão peruana, sócio política, ou talvez caberia dizer micropolítica, pois
vale ressaltar, não teve uma participação importante de refere-se às ações cotidianas empreendidas por moradores
psicólogos comunitários e sim de assistentes sociais, partidos de um bairro, usualmente pobre, para transformar
de esquerda e pessoas ligadas ao governo, além dos coletivamente as condições em que vivem (e, ainda que não
próprios trabalhadores e camponeses. esteja suficientemente explícito em muitos textos, implicando
no estudo dos conflitos e relações de poder entre os

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diferentes atores do processo). Por que usar a palavra revisada e na Internet, o nome autogestão é trazido a esta
autogestão e não outra? Talvez pelo termo "gestão", pois o prática por agentes externos, sendo que em muitas ocasiões
substantivo auto gestionário parece ser usado como também são trazidas, junto com o nome, formas de trabalhar
concretização da possibilidade de exercer a autonomia e de entender o mundo que são sutilmente impostas aos
individual e coletiva participando nas decisões que afetam a moradores (León Cedeño, 1998). É preciso tomar este ponto
própria comunidade. "Autônomo" seria algo "decidido com extremo cuidado para refletir sobre a ação do psicólogo
livremente", e "autogerido" seria uma ação decidida e comunitário em relação à autogestão que, segundo as
executada autonomamente. Isto não pode ser uma noções da sua área, deve ser o seu principal objetivo de
afirmação, pois existem na literatura diferentes relações entre ação. Frente este panorama, não é à toa que os conceitos de
os termos autogestão e autonomia, mas é o que pode se autogestão e autonomia relacionados aos agentes externos
deduzir da leitura de muitos textos que aqui aparecem. se relacionem em diversos textos.
Da mesma forma, é possível deduzir que a grande relação do Com respeito à estimulação de um processo autogerido por
conceito de autogestão comunitária com o de autonomia, parte de um agente externo, ou seja, da autogestão como um
vincula-se ao fato da autogestão ter saído do campo da auto processo que se quer induzir na comunidade, volta aqui a
produção coletiva e igualitária, para centrar-se na pergunta: pode ser a autogestão um processo no qual o
possibilidade de moradores de um bairro agirem poder se transfere do "facilitador" à "base"? Se isto é
conjuntamente, e no relacionamento deles com pessoas que possível, é preciso pesquisar continuamente quais são as
tentam colaborar neste trabalho sem fazer-se bases de um relacionamento deste tipo para obter, como diria
imprescindíveis. Talvez por isso vários autores nomeiam a Almeida, a autonomia e não a dependência, a valorização e
autonomia e autodeterminação junto com autogestão, e quiçá dinamização do autóctone e não a submissão a modelos
porque o tema é importante para esta disciplina, mas tem alheios de desenvolvimento comunal, a consciência crítica e
sido definido com pouco detalhe, autonomia e autogestão se não a microvisão, a democracia e não a imposição. É
vinculam de diferentes formas. Alguns autores usam as duas verdade que a psicologia social tem trabalhado estes temas
palavras de forma equivalente, quase como sinônimas; outros ao postular que se deve facilitar e não dirigir, devolver as
empregam "autonomia" em vez de "autogestão" para perguntas para o grupo e deixar que ele decida. Entretanto,
denominar o que é considerado o objetivo das ações parece-nos que esta questão deve estar sempre perto
comunitárias, relativo à autodeterminação do grupo. Outros, daqueles que atuam nesta área, e ser discutida com as
por último, falam de autonomia e autogestão como estando pessoas junto com as quais for empreendida uma ação
relacionados, mas sendo a autonomia o exercício de comunal, para não idealizar o nome autogestão nem assumir
liberdade nas decisões, liberdade referente a agentes que se está fazendo um processo denominado
externos (Guareschi, 1996; Sánchez, 1997; Sawaia, 1997) e autogestionário (sejam quais forem as implicações deste
a autogestão "o ápice das relações genuinamente nome, pois já se mencionou que autogestão poderia significar
democráticas, onde há participação de todos" (Guareschi, praticamente qualquer coisa), este necessariamente é bom e
1996, p. 99). Por outro lado, vale a pena mencionar que, no o psicólogo com certeza está contribuindo com a
âmbito de estudo dos movimentos sociais, Sandoval (1997) comunidade.
conceitua estes de maneira quase oposta. A autonomia se
referiria à relação do grupo em relação com forças sociais e Ainda mais, seguindo a León Cedeño e Montenegro (1997),
políticas externas, e a autogestão diria respeito à dinâmica quem seria ou não um agente externo? As autoras apontam
interna de relações. Assim, existiriam grupos absolutamente para um processo comunitário desenvolvido em uma favela
autogeridos que não são autônomos, e vice-versa. A de Caracas (1993-97), orientado pelos princípios da
autonomia, contudo, seria mais difícil de atingir, pois os psicologia comunitária proposta por Montero, no qual por
grupos não atuam em um vazio social nem político. Nesse momentos se perde a "clara linha divisória" entre quem é de
sentido, o autor aponta que os detentores do poder podem dentro e quem é de fora. São as relações dinâmicas que se
conviver com grupos autogestionários, mas não com grupos dão ao longo do processo as que definem e redefinem
muito autônomos. A partir deste panorama plural e não continuamente quem é ou não externo nos diferentes
unânime, vê-se a necessidade de esclarecer a que nos momentos e contextos. Por exemplo, um padre estrangeiro
estamos referindo ao empregar o vocábulo autogestão ou que mora na comunidade, conhece-a bem, mas apesar dos
autonomia, em lugar de limitar-nos à mera nomeação. anos ali ainda fala o idioma do lugar de forma errada,
pertence ao bando dos externos ou dos moradores? E o
Mas apesar dos poucos detalhes com que o conceito ainda é presidente de uma associação de moradores que atrapalha
abordado, os textos mostram que a autogestão comunitária constantemente o trabalho do grupo? León Cedeño e
está sendo concebida de forma relacional: sempre se é Montenegro concluem que se há ou não autogestão é algo
autogestionário em relação a alguém (os próprios agentes que se definirá uma e outra vez na história de um
externos que trabalham com a comunidade, o governo, ou a agrupamento que atue em conjunto. Isto serve para ver
idéia de opor autogestão a dependência econômica, política, continuamente a autogestão enquanto processo e não
cultural, educativa ou ecológica. Dependência de outros, enquanto estado cristalizado, pois ao estabelecer um rótulo
outros que de certa forma têm poder sobre nós, nos do tipo "tal grupo é autogestionário" corre-se o risco de
dominam). O curioso é que aparece a figura dos "agentes assumir que ele é bom "por natureza" e perder de vista o que
externos", pertencentes a universidades, ONGs, outras acontece no dia-a-dia de tal agrupamento, as desigualdades
instituições sociais ou o próprio governo, que colaboram para que podem estar acontecendo em nome da autogestão e
que seja possível atingir esta autogestão. Tal traço é novo em com a melhor das intenções.
relação às denominações clássicas, onde os trabalhadores
resistiam ao capitalismo e exerciam sua autonomia através Quanto à questão da liderança é preciso colocar que este
de modelos autóctones de participação (no caso, seriam conceito, visto numa perspectiva histórica na forma de
autogestionários em relação à maioria das práticas fabris ou práticas que funcionam em pequena escala, transita em um
camponesas, caracterizadas por brutais relações de amplo território com muitas fronteiras. De um lado, o conflito
dominação, mas não respeito de "agentes externos"; esta libertário entre natureza e sociedade e a crítica à noção de
idéia não parecia existir). E além deste ser um traço novo, é ser governado; de outro, as idéias de grupo sem líder e
forte. Na imensa maioria de atividades, programas e projetos gestão coletivizada; de outro, ainda, formas culturais
autogestionários latino-americanos registrados, na literatura tradicionais de autoajuda, e finalmente a crítica ao Estado

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PSICOLOGIA

marxista enquanto mecanismo intermediário para a dele. Isto inclusive porque a atual polissemia do termo indica
sociedade sem estado (Spink, 1998). Desta forma, a proposta que não podemos simplesmente nomeá-lo como se todas as
de detectar e formar líderes para o trabalho em comunidade pessoas se referissem ao mesmo conceito.
não corresponde às primeiras práticas denominadas
autogestionárias, especialmente as de caráter anarquista. Esta posição em nenhum momento coloca em cheque o valor
Mas dar uma resposta generalizada, uma "receita a seguir", da psicologia social comunitária. O surgimento desta
seria um contra senso neste trabalho. Existem diversas disciplina foi uma mudança feliz: ajuda a construir uma
formas de organização quanto à liderança em iniciativas psicologia deselitizada, procurando contribuir com o logro de
deste tipo; por exemplo, as pessoas se revezam na uma vida mais justa para a população através do seu
coordenação e todas passam por ela, ou cada pessoa tem trabalho autônomo e digno. Considerando a história de
maior poder de decisão em uma área específica. Talvez opressão e expropriação dos recursos deste continente
convenha lembrar, a este respeito, as palavras de Chauí (em desde seu "descobrimento", iniciativas como estas são
entrevista de 1999) ao descrever ao chefe das tribos louváveis. Porém, vale a pena conferir o que está sendo
guaranís: "uma organização pode ter alguém no papel de entendido como autogestão nestes processos, o que está se
chefe, desde que ninguém o escute". fazendo e por quê, em uma análise crítica e cuidadosa para
alertar sobre os perigos de o profissional comunitário
O que vai ficando claro nos diferentes tópicos aqui discutidos contribuir com a criação de novas e mais sutis formas de
é a necessidade de trabalhar com a noção de multiplicidade, exploração através da "autogestão comunitária", gerando o
e não unidimensionalidade, e de recuperar noções "colonialismo intelectual" que a própria psicologia social
autóctones que em diversos casos (óbvio, não em todos, pois comunitária superou ao desenvolver trabalhos autóctones
a autogestão não é uma panacéia sob cujos princípios todas que se contrapunham à psicologia social dominante - norte-
as organizações devem funcionar) facilitam o avanço para americana e européia.
uma gestão não hierarquizada, que respeite a subjetividade
ao tempo que se constrói em termos de igualdade de direitos A PSICOLOGIA PODE SER UMA CIÊNCIA DA MENTE?
e responsabilidades. Muitos psicólogos, assim como os filósofos antes deles,
E nesse sentido observam-se mudanças interessantes. procuraram dentro de si mesmos explicações sobre o seu
Enquanto os primeiros textos da psicologia comunitária comportamento. Eles têm sentido sentimentos e observado
tendem a focalizar-se nas coletividades (o que o psicólogo processos mentais através da introspecção. Entretanto, a
comunitário deve ou não fazer, quase que "passo a passo"), introspecção nunca foi muito satisfatória. Os filósofos têm
os mais recentes se centram mais nas interrelações (alusão à reconhecido suas inadequações mas insistem que, de
particularidade de cada processo, diversidade cultural, qualquer maneira, trata-se do único método de auto-
recuperação crítica da história de cada comunidade, conhecimento. Psicólogos já tentaram aperfeiçoá-lo utilizando
necessidade do espaço para o conflito e a divergência de observadores treinados e técnicas de se expor sem nenhuma
opiniões, recuperação da subjetividade e da busca da censura, pelas quais William James tinha pouca
felicidade, entre outros - Almeida, 1998; Wiesenfeld, 1997; consideração. Introspecção já não é muito mais usada. Os
Giuliani, 1997; León Cedeño, Montenegro, Ramdjan e psicólogos cognitivistas podem ver representações e podem
Villarte, 1997; Montenegro, 1998; Sawaia, 1996; Lane, 1996). até defender que são as únicas coisas que podem ser vistas,
Consideramos esta tendência como importante no que se mas eles não afirmam que podem ver a si mesmos
refere ao estudo da autogestão, pois a perspectiva da processando-as. Em vez disso, assim como os psicanalistas,
particularidade permite observar com mais clareza o uso do que enfrentam o mesmo problema com os processos que não
termo autogestão na prática e possíveis relações autoritárias podem ser vistos porque são inconscientes, eles têm que se
encobertas sob o uso deste termo. Igualmente, esta voltar para a teoria. Entretanto, teorias necessitam de
abordagem facilita a aceitação de que existem diferentes confirmação, e para isso muitos recorreram à ciência do
formas de funcionar eficientemente, que um conjunto ou cérebro, onde pode-se dizer que os processos são
agrupamento de pessoas pode ter diferentes formas examinados (inspected) e não introspecionados
organizativas e não necessariamente a noção de grupo usual (introspected). Se a mente é "o que o cérebro faz", o cérebro
na psicologia social: entre 7 e 15 pessoas que se reúnem em pode ser estudado como se pode fazer com qualquer outro
um lugar e atuam dirigidos por um facilitador, podendo ser órgão. Eventualmente, então, a ciência do cérebro poderia
representados graficamente com um círculo que delimita "os nos dizer o que significa construir uma representação da
de dentro" e "os de fora", em vez de considerar a realidade, guardar uma representação na memória, converter
possibilidade de vê-lo enquanto rede social que muda uma intenção em ação, sentir alegria ou tristeza, chegar a
constantemente (Spink, 1988). uma conclusão lógica e assim por diante.

Finalizando, então, reafirma-se que é preciso esclarecer ao Mas o cérebro origina o comportamento assim como se diz
que está-se referindo com o termo autogestão. A psicologia que a mente ou self o fazem? O cérebro é parte do corpo e o
comunitária, ou talvez o conjunto das ciências sociais, parece que ele faz é parte do que o corpo faz. O que o cérebro faz é
ter criado, mesmo que implicitamente, uma definição parte do que precisa ser explicado. De onde vem a relação
particular. Ela deve fazer-se explícita, inclusive para entre o corpo e o cérebro e porque ela muda sutilmente de
diferenciar-se de definições qualificadas com este rótulo na momento a momento? Não podemos encontrar resposta a
Internet e que se referem a "como fazer-se rico em pouco questões desta natureza na relação entre o corpo e o cérebro
tempo" ou "como controlar o stress", ou, no mesmo campo da em si mesmo, observada, quer pela introspecção, quer com
psicologia, norte-americana no caso, autocontrole individual instrumentos e métodos da fisiologia.
atingida pelos sujeitos a respeito do tratamento clínico a que O comportamento do organismo como um todo é produto de
são submetidos (PsycLIT Journal Articles, 1990-95). Quando três tipos de variação e seleção. A primeira, a seleção natural,
desprovido de sua história e significados originais, a palavra é responsável pela evolução da espécie e consequentemente
autogestão, que parece "politicamente correta", fica tão pelo comportamento específico dela. Todos os tipos de
ampla que ninguém sabe muito bem o que ela quer dizer, e variação e seleção tem certas falhas, e uma delas é
isto não ajuda na prática comunitária. Se a importância da especialmente crítica para a seleção natural: ela prepara a
mesma vai continuar sendo postulada na disciplina, é preciso espécie somente para um futuro que se assemelhe com o
passar de um tratamento "lato sensu" a um "stricto sensu" passado que a selecionou. O comportamento da espécie é

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PSICOLOGIA

eficaz somente num mundo que assemelhe-se bastante ao Dar modelos (modeling), dizer, (telling) e ensinar, são as
mundo em que a espécie evolui. funções dos meios sociais chamados culturas. Diferentes
culturas surgem de diferentes contingências de variação e
Essa falha foi corrigida pela evolução de um segundo tipo de seleção, e diferem pela amplitude através da qual ajudam
variação e seleção, o condicionamento operante, através do seus membros a solucionar seus problemas. Membros que
qual variações no comportamento do indivíduo são os solucionam têm mais probabilidade de sobreviver, e com
selecionadas por características do meio ambiente que não eles sobrevivem as práticas da cultura. Em outras palavras,
são estáveis o suficiente para ter um papel na evolução. No as culturas evoluem, numa terceira forma de variação e
condicionamento operante, o comportamento é reforçado, no seleção. (Culturas que modelam e mantém comportamento
sentido de ser fortalecido ou tornado mais provável de operante são exclusivamente humanas. Sociedades animais
ocorrer, por certos tipos de consequências, as quais têm características muito semelhantes, mas somente como
adquiriram inicialmente o poder de reforçar através da produto de contingência.) A evolução cultural não é um
seleção natural. processo biológico, mas como um tipo de variação e seleção
Uma segunda falha na variação e seleção é fundamental tem as mesmas falhas. O fato de que uma cultura prepara um
para o condicionamento operante: a seleção deve esperar até grupo somente para um mundo que se assemelha ao mundo
a variação. O processo, consequentemente, é em geral lento. no qual a cultura evoluiu é a fonte da nossa preocupação
Isto não foi um problema para a seleção natural porque a atual com uma Terra futuramente habitável.
evolução poderia levar milhões de anos, mas um repertório O processo de variação e seleção tem uma terceira
de comportamento tem que ser construído durante o espaço imperfeição: variações ocorrem ao acaso e as contingências
de uma vida. O condicionamento operante deve solucionar o de seleção são acidentais. O que evoluiu não é uma única
"problema da primeira ocorrência": como e porque as espécie em vagaroso desenvolvimento, mas milhões de
respostas ocorrem antes delas serem reforçadas? espécies diferentes competindo entre si por um lugar no
O problema foi solucionado em parte pela evolução de mundo. O produto do condicionamento operante não é um
processos através dos quais os indivíduos tiram proveito de repertório único e coerente, mas milhões de repertórios
comportamentos já adquiridos por outras pessoas. Imitação é menores, que se confrontam e cujos conflitos de alguma
um exemplo. Ela frequentemente coloca o imitador em maneira terão de ser resolvidos. A evolução de meios sociais
contato com as consequências reforçadoras responsáveis produziu não uma única cultura, mas muitas que
pelo comportamento imitado. O comportamento do imitador é frequentemente se conflitam.
"imprimido" no sentido de ter sido produzido pela primeira vez ______________________________
e usualmente quando tem possibilidade de ser reforçado.
Embora o controle operante da musculatura vocal seja
Nesse ponto a espécie humana parece ter dado um passo exclusivamente da espécie humana, ele é raramente ou
evolucionário único. Outras espécies imitam, mas se dão nunca citado como seu traço característico. A presença ou
modelo de comportamento a ser imitado isso ocorre apenas ausência de "consciência" ou "inteligência consciente" é mais
como produto de seleção natural. A consequência de dar o frequentemente citada. O papel desempenhado pelo
modelo (modeling), o comportamento do imitador, é muito cérebro/mente tem sempre sido um problema na comparação
remota para servir como reforçador operante. Apenas na das espécies. Descartes excluiu o "homem" do seu modelo
espécie humana o comportamento do imitador reforça dar o mecânico de um organismo, e Wallace, distintamente de
modelo ( modeling). Darwin, não aceitava que a evolução pudesse explicar a
As espécies experimentaram uma outra mudança mente humana. Cientistas do cérebro expressaram reservas
evolucionária única quando sua musculatura vocal ficou sob similares. Teóricos da evolução sugeriram que a "inteligência
controle operante e quando o comportamento vocal começou consciente" é um traço evolutivo, mas eles nunca mostraram
a ser modelado e mantido por suas consequências como uma variação não física poderia surgir para ser
reforçadoras. As pessoas puderam então iniciar (prime) o selecionada por contingências físicas de sobrevivência. (A
comportamento de outros dizendo-lhes o que fazer, bem sugestão simplesmente desloca a aborrecida distinção física-
como mostrando-lhes como fazer (presumivelmente numa metafísica para um passo adiante a perder de vista). Tem
etapa posterior, consequências reforçadoras temporárias sido dito que nós provavelmente jamais saberemos como a
foram acrescentadas para tornar mais provável que o mente consciente evoluiu porque nada iria sobreviver para os
comportamento se mantivesse fortalecido até que a paleontologistas descobrirem, mas o controle operante da
consequência para a qual ele foi iniciado pudesse vir a atuar. musculatura vocal e o mostrar (showing), dizer (telling) e
Neste sentido, ensinar é adicionar reforçamentos ensinar que o acompanham sobreviveram, e é possível que
temporários). eles expliquem a introspecção e também o que é "visto" com
sua ajuda.
Conselho pode ser útil em mais do que uma ocasião, e ele
então é frequentemente dado ou ensinado de tal forma que é A raíz da palavra "spect" sugere visão. Dizemos que nós
passado de pessoa para pessoa ou de geração para "olhamos para" e "vemos" o que está acontecendo dentro de
geração. Máximas ("grandes dizeres") e provérbios são nós mesmos, mas nenhum olho interno jamais foi descoberto.
exemplos. Eles descrevem mais propriamente contingêngias Podemos evitar especificar um tipo de órgão dizendo:
gerais de reforçamento - um tostão ( assim como muitas observe (observe), note (notice), repare (note) ao invés de
outras coisas) poupado é um tostão ganho. Regras são veja (see), e é significativo que observar (observe), notar
dizeres transmitidos por grupos, usualmente com (notice), e reparar (note), e menos comumente fazer uma
consequências reforçadoras mais fortes. As leis dos governos observação ou comentário (remark), significam tanto ver
e religiões descrevem as contingências de reforçamento (see) como dizer (say). Depende muito do que significa sentir
(usualmente negativo) mantidas por estas instituições. Elas qualquer parte do mundo com qualquer tipo de órgão. As
têm o efeito de avisos: pela obediência à lei uma pessoa se teorias de input-output, bem como nos modelos estímulo-
esquiva de comporta-se de maneiras que poderiam ser resposta ou de processamento de informação, fazem uma
punidas. As leis da física e química ("regras de ação efetiva") nítida distinção entre sentir e fazer. Diz-se que nós sentimos
descrevem as contingências de reforçamento mantidas pelo o mundo antes de agir sobre ele. Entretanto, a análise
meio ambiente físico. experimental do comportamento atribuiu um papel muito
diferente para o estímulo. Uma resposta operante tem mais

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PSICOLOGIA

probabilidade de ocorrer na presença de um estímulo que mundo interno, mas o "vemos". Não é surpreendente que os
estava presente quando ela foi reforçada. Sentir (sensing) é gregos tenham chamado isto de metafísico.
tanto um produto de seleção e variação quanto fazer (doing).
É uma parte de fazer. Por razões similares, a seleção natural Infelizmente, o que eles viram ocorreu exatamente a tempo e
explica a prontidão com a qual certos animais respondem local para serem confundidos com uma causa do que tenham
instantâneamente a características do meio que têm sido feito, e portanto foi fácil supor que eles tinham descoberto um
cruciais para a sobrevivência de suas espécies, como a self ou mente que lhes deu origem. Se o que eles viram foi
aparência, o som ou cheiro da comida ou da oportunidade simplesmente uma parte inicial do que eles tinham feito,
sexual, ou de uma ameaça de perigo, incluindo o perigo entretanto isso não era mais causa do resto que tinham feito
daquilo que não lhe é familiar. Os animais pressimivelmente do que o movimento do jogador de golfe pode ser chamado
"recebem" todos os estímulos que impingem sobre eles, mas de causa do choque que movimenta a bola. As partes iniciais
é possível que respondam somente àqueles que tenham tido do comportamento afetam as partes superiores, mas é o
um papel nas contingências de seleção. (Não podemos saber comportamento como um todo que é produto da variação e
se animais não verbais vêem estímulos que nunca tiveram seleção.
este papel, porque teríamos que mostrar contingências que Tal análise de introspecção e da consciência introspecionada
incluíssem tais estímulos, a fim de descobrir isso). Nós necessita de uma consideração cuidadosa, com certeza, mas
próprios podemos ver coisas em relação às quais nós não todo esforço deve ser feito para preservá-la porque ela
tivemos nenhuma ação prática (vemos coisas que estão fora dispersa qualquer necessidade de apelo a um tipo especial
de alcance, por exemplo), mas, possivelmente, somente de conhecimento ou a um tipo especial de coisa conhecida.
porque tenhamos falado a respeito delas. Ver coisas sem se Ela permanece dentro do mundo da física e da química e das
engajar em uma ação é estar ciente (aware) delas. (A raíz da ciências de variação e seleção. Ela afasta qualquer sugestão
palavra ciente -aware- é também encontrada na palavra de uma quebra nos processos de variação e seleção.
prevenido -wary-; nós estamos prevenidos a respeito de
coisas que tenham sido parte de contingências negativas de Duas ciências estabelecidas, cada uma com um objeto de
seleção). A palavra consciente (conscious) usada mais estudo claramente definido, têm uma relação com o
frequentemente que ciente (aware), significa coconhecimento comportamento humano. Uma delas é a fisiologia da relação
(latin:con-science) ou "conhecendo com outros", uma alusão entre o corpo e cérebro - uma questão de órgãos, tecidos,
às contingências verbais necessárias para estar consciente. células e as mudanças elétricas e químicas que ocorrem
dentro delas. A outra é um grupo de três ciências
Tudo isso é particularmente importante quando o que vemos preocupadas com a variação e seleção que determinam o
está dentro de nosso corpo, o tipo de visão para o qual nós estudo da condição corpo e cérebro em dado momento: a
usualmente reservamos a palavra introspecção. Mas o que seleção natural do comportamento das espécies (etologia), o
nós realmente vemos? Psicólogos que estão preocupados a condicionamento operante do comportamento do indivíduo
respeito da natureza matafísica da vida mental (análise do comportamento) e a evolução dos meios sociais
frequentemente dizem que o que vemos através da que geram o comportamento e expandem muito seu alcance
introspecção deve ser o cérebro, mas isso é impossível. Não (uma parte da antropologia). As três poderiam estar
temos nervos sensoriais indo até importantes partes do relacionadas da seguinte forma: a fisiologia estuda o produto
cérebro: um cirurgião pode operar um cérebro sem anestesia. enquanto as outras ciências da seleção e variação estudam a
Nenhuma contingência de seleção teria promovido a produção. O corpo trabalha como o faz por causa das leis da
evolução de tais nervos antes do advento do comportamento física e química: e faz o que faz por causa de sua exposição
verbal, e isto aconteceu tardiamente na evolução da espécie. às contingências de variação e seleção. A fisiologia nos conta
É muito mais provável que o que vemos através da como o corpo funciona: as ciências da variação e seleção nos
introspecção sejam os estágios iniciais do nosso conta porque aquele corpo trabalha daquela maneira.
comportamento, os estágios que ocorrem antes do
comportamento começar a agir sobre o meio. As duas ciências observam princípios causais muito
diferentes. A relação entre o corpo e cérebro obedece às leis
Sentir (sensing) é tal estágio: nós vemos coisas antes que da física e química. Ela não tem liberdade e não faz escolhas.
respondamos a elas de qualquer outra forma e nós vemos Nenhuma outra visão do "homem como máquina" (neste caso
que as estamos vendo quando não estamos fazendo nada uma máquina bioquímica) esteve tão bem apoiada. Alguns
além. As contingências necessárias são supridas pelas cientistas do cérebro difundem que o cérebro deve possuir
pessoas que nos perguntam se vemos coisas. O comecinho características estruturais que possibilitam a liberdade de
da ação é um outro estágio inicial. Isto não suscita nenhuma escolha, a criatividade e assim por diante, mas argumentando
questão sobre a disponibilidade de nervos sensoriais porque assim estão, de fato, falando sobre o que o cérebro faz e não
deveríamos ser capazes de ver os estágios iniciais com os sobre sua estrutura. Tem sido dito também que a variação e
mesmos nervos necessários para a ação completa. (É seleção podem ocorrer no cérebro, mas embora o cérebro,
também possível que em certos momentos não estamos como qualquer outra parte do corpo, sofra variações, as
introspeccionando de forma alguma, mas respondendo à uma contingências de seleção estão no meio.
situação externa, como se "Eu estou indo para..." significasse
"em situações como esta eu usualmente fui..."). Quanto mais sabemos sobre a relação corpo e cérebro como
uma máquina biológica, menos se torna interessante, como
Diz-se que os gregos teriam descoberto a mente, mas é mais base para o comportamento. Se há liberdade, é para ela ser
provável que tenham sido os primeiros a falar mais achada no acaso das variações. Se novas formas de
extensamente sobre o que viram dentro deles mesmos e comportamento são criadas, elas serão criadas pela seleção.
assim construir as contingências necessárias para a As falhas na variação e seleção são fontes de problemas
introspecção. Os "Diálogos" da academia de Platão devem fascinantes. Nós devemos nos adaptar à novas situações,
ter criado contingências sob as quais mais e mais dos resolver conflitos e achar soluções rápidas. Uma estrutura
estágios iniciais do comportamento poderiam ser vistos. Deve bioquímica regida por leis não faz nada do gênero.
ter sido um mundo enigmático. Nós vemos um mundo público
sobre nós, mas também o sentimos, o escutamos, sentimos Simulações de computador do comportamento humano são
seu gosto e o cheiramos. Nós não fazemos nada com o máquinas eletrônicas planejadas para se comportar como a
máquina bioquímica do corpo se comporta. Nós sabemos
como elas são programadas e construídas, e portanto, não

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PSICOLOGIA

fazemos questões a respeito de sua origem. Por esta mesma que as referências dizem respeito a uma mente iniciadora
razão, as simulações não apresentam um interesse particular mas, como vimos, as alusões úteis se referem às
para os analistas do comportamento. As coisas interessantes contingências anteriores de seleção, ou aos primeiros elos
da vida vêm dos caprichos da variação e seleção presentes (beginnings) de ação. A partir da frase "Eu estou faminto"
na construção da máquina. inferimos que uma pessoa não come há algum tempo e
provavelmente irá comer quando o alimento estiver
A análise do comportamento é a única das três ciências de disponível. Por "estamos pensando em arranjar alguma coisa
variação e seleção a ser estudada intimamente no para comer" inferimos uma probabilidade de fazer algo que
laboratório. Os etologistas observam o comportamento em torne o alimento disponível.
campo, reconstroem a evolução a partir de evidências que
sobreviveram dos tempos remotos. A etologia é apoiada por Através do vernáculo com suas alusões à história pessoal e
uma ciência de laboratório, a genética, mas ninguém até hoje probabilidade de ação, a psicologia emergiu como uma
produziu uma nova espécie com um repertório de profissão efetiva, essencial e altamente respeitada. A
comportamento inato em condições de laboratório. A tentativa para usar as referências aparentes a uma mente
evolução de uma cultura é também principalmente uma iniciadora e para converter o vernáculo em linguagem de uma
questão de interferências da história. É a velocidade que faz ciência foi um equívoco. Watson e outros antigos
a diferença; somente o condicionamento operante ocorre behavioristas pensavam que o equívoco estava em utilizar a
suficientemente rápido para ser observado do começo ao fim. introspecção. Com que eficiência os sentimentos poderiam
Pela mesma razão, é a única das três ciências a ser muito ser sentidos ou os processos mentais serem vistos?
usada para propósitos práticos na vida diária. Antecipando o positivismo lógico eles argumentaram que um
evento visto por uma pessoa apenas não tem lugar na
Portanto, é difícil entender porque o condicionamento ciência. Entretanto, o problema não era a introspecção. Era a
operante não tem chamado mais atenção. O papel da mente ou self iniciador ao qual a introspecção parecia
seleção e variação no comportamento do indivíduo é conseguir acesso.
frequente e simplesmente ignorado. A sociobiologia, por
exemplo, pula do sócio - para o bio -, passando sobre o elo No contato face a face com outra pessoa, referências a um
individual. Muitos dos psicólogos que estudaram o self iniciador são inevitáveis. Há um "você" e um "eu". "Eu"
comportamento também negligenciaram a variação e vejo o que "você" faz e ouço o que "você" diz, e "você" vê o
seleção. A lei do efeito de Thorndike chegou perto, mas seu que "eu" faço, e ouve o que "eu" digo. Nós não vemos as
experimento sugere que as variações eram tentativas e as histórias de seleção responsáveis pelo que é feito e, portanto,
consequências erros. Watson, Lashley e Hull apelaram para a inferimos uma origem interna, mas o bem sucedido uso do
formação dos hábitos e estímulos e resposta. O propósito de vernáculo na prática da psicologia não oferece suporte para o
Tolman, como orientação para uma meta ou a utilidade seu uso em uma ciência. Numa análise científica, histórias de
subjetiva esperada, projetou cópias das consequências variação e seleção desempenham o papel do iniciador. Não
passadas no futuro como atrações que pareciam empurrar o há lugar numa análise científica do comportamento para uma
comportamento. mente ou self.
A análise do comportamento é a mais jovem das três ciências O que, então, deveremos fazer com o fato de que por cem
(teorias da seleção natural e da evolução das culturas datam anos, os psicólogos tentaram construir justamente tal ciência
do meio do século XIX, e a análise do comportamento da mente? O que fazer com as brilhantes análises que têm
somente do fim do primeiro terço do século XX), mas a sido feitas de inteligência, ou com as reivindicações do
imaturidade não explica por que ela é negligenciada. Uma conceito de utilidade subjetiva esperada ou com as equações
explicação melhor poderia ser a de que o seu campo de que foram escritas para descrever o espaço psicológico?
estudo foi ocupado por muito tempo por aquela teoria Terão sido partes de uma procura por alguma coisa que não
extraordinariamente intrigante sobre a origem interna da existe?. Parece que assim é, mas não está tudo perdido. A
mente e do self. inteligência, nunca introspecionada, é claramente uma
inferência do comportamento amostrado em testes de
Nós não falamos as linguagens da ciência do cérebro e da inteligência, e uma análise de diferentes tipos de inteligência
análise do comportamento na nossa vida diária. Nós não é uma análise de diferentes tipos de comportamento. A
podemos ver o cérebro e sabemos muito pouco a respeito de espectativa, outro tipo de "visão" (spection), não pode
variação e seleção responsáveis por uma dada instância de possivelmente significar estar vendo o futuro e deve ser o
comportamento. Em vez disso, nós usamos uma linguagem produto de contingências passadas de reforçamento.
que existe desde muito antes da existência de qualquer tipo Utilidade significa proveito ou uso, o ato ou meios de fazer
de filósofos ou cientistas. É propriamente chamada de alguma coisa de tal forma que seja seguido por
vernáculo. A palavra significa, como sua raíz significava para consequências. O espaço psicológico é um espaço real que
os romanos, a linguagem doméstica, utilizada na vida diária. entra no controle das contingências de reforçamento; o ponto
Todos nós a falamos. É a linguagem dos jornais, revistas, é até que grau um estímulo presente quando uma resposta é
livros, rádio e televisão. Quando falamos do comportamento reforçada, generaliza-se de tal forma que estímulos similares
do indivíduo é a linguagem dos cientistas comportamentais que não estavam presentes exercem controle. Em suma,
que utilizamos: psicólogos, sociólogos, antropólogos, embora sem intenção, os psicólogos têm analisado
cientistas políticos e economistas. William James escreveu contingências de reforçamento, exatamente aquelas
"Os Princípios de Psicologia" de forma vernacular. Os responsáveis pelo comportamento, equivocadamente
behavioristas falam-na em sua vida diária (e os jovens atribuídas a um originador interno.
behavioristas devem aprender a fazê-lo sem
constrangimento). Mas que dizer sobre os ilustres filósofos que atravessaram os
séculos e tentaram seguir a determinação do oráculo de
O vernacular se refere a muitos sentimentos e estados da Delpho e conhecer a si mesmo através da introspecção? Há
mente. Em inglês nós dizemos que fazemos o que nós temos uma justificativa similar ou tem eles perseguido uma meta
vontade de fazer (we feel like doing), ou o que nós ilusória ou indefinível? Dizer isto pareceria um tanto quanto
precisamos fazer (we need to do) a fim de satisfazer nossos arrogante se não houvesse um paralelo esclarecedor.
desejos. Nós dizemos que estamos famintos e estamos Igualmente homens e mulheres ilustres procuraram por muito
pensando em arranjar alguma coisa para comer. É fácil supor tempo e com grande dedicação por um outro Criador. (escrito

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PSICOLOGIA

com a letra "C" maiúscula) cujos feitos relatados tem sido Sociologia é a ciência que estuda a natureza, causas e
também questionados pela ciência. Darwin assinalou a efeitos das relações que se estabelecem entre os indivíduos
diferença. Vale para a origem do comportamento aquilo que organizados em sociedade. Assim, o objeto da sociologia são
vale para a origem das espécies. Após quase um século e as relações sociais, as transformações por que passam
meio, a evolução ainda não é totalmente compreendida. Ela é essas relações, como também as estruturas, instituições e
vigorosamente contestada pelos defensores de um criador. E, costumes que têm origem nelas. A abordagem sociológica
como resultado disso é virtualmente impossível ensinar das relações entre os indivíduos distingue-se da abordagem
biologia de maneira adequada em muitas escolas biológica, psicológica, econômica e política dessas relações.
americanas. Uma ciência da criação tem sido proposta para Seu interesse focaliza-se no todo das interações sociais e
ser ensinada no seu lugar. O papel da seleção e variação no não em apenas um de seus aspectos, cada um dos quais
comportamento do indivíduo sofre a mesma oposição. A constitui o domínio de uma ciência social específica. As
ciência cognitiva é a ciência da criação da psicologia, na preocupações de ordem normativa são estranhas à
medida em que luta para manter a posição de uma mente ou sociologia e não lhe cabe a aplicação de soluções para
self. problemas sociais ou a responsabilidade pelas reformas,
planejamento ou adoção de medidas que visem à
A história da psicologia é instrutiva. Ela começou há cem transformação das condições sociais.
anos atrás com a busca introspectiva da mente. Watson
atacou a introspecção em seu manifesto behaviorista de Vários obstáculos impediram a constituição da sociologia
1913, e por esta ou outras razões a introspecção foi como ciência, desde que ela surgiu, no século XIX. Entre os
essencialmente abandonada. Os behavioristas voltaram-se mais importantes citam-se a inexistência de terminologia
para o estudo do comportamento em si mesmo, puro; e os clara e precisa; a tendência a subjetivar os fatos sociais; a
psicólogos não behavioristas voltaram-se para o multiplicidade de temas de seu interesse e aplicação; as
comportamento de professores, estudantes, terapeutas, afinidades partilhadas com outras ciências sociais; a
clientes, crianças em desenvolvimento, pessoas em grupos e dificuldade de experimentação, já que os elementos com que
assim por diante. lida são seres humanos; e a proliferação de métodos,
técnicas e escolas que tentaram elaborar uma teoria
Psicólogos cognitivistas tentaram reestabelecer o status quo. sociológica unificada como instrumento adequado de análise,
Eles declararam: o behaviorismo está morto. Eles descrição e interpretação dos fenômenos sociais.
possivelmente não queriam dizer que os psicólogos não mais
estavam estudando comportamento de animais em Antecedentes. O interesse pelos fenômenos sociais já existia
laboratórios, de professores, terapeutas, estudantes, clientes, na Grécia antiga, onde foram estudados pelos sofistas. Os
etc. O que eles esperavam que estivesse morto era a filósofos gregos, porém, não elaboraram uma ciência
proposta da seleção por consequências para a explicação do sociológica autônoma, já que subordinaram os fatos sociais a
comportamento. A mente, ou na falta dela, o cérebro, deveria exigências éticas e didáticas. Assim, a contribuição grega à
ser recolocado para a sua posição correta. sociologia foi apenas indireta.
Por causa da sua similaridade com o vernáculo, a psicologia Um pensamento social existiu na Idade Média, mas sob uma
cognitivista foi facilmente entendida, e a tão falada revolução forma não sistemática de raciocínio e análise dos fenômenos
cognitiva foi bem sucedida por um tempo. Isto deve ter sociais, pois se baseava na especulação e não na
acelerado a velocidade com a qual os analistas do investigação objetiva dos fatos. Além disso, nesse período
comportamento retiraram-se das instituições psicológicas, anulou-se a distinção entre as leis da natureza e as leis
fundaram suas próprias associações, prepararam seus humanas e impôs-se a concepção da ordem natural e social
próprios periódicos. Eles foram acusados de construir seu como decorrência da vontade divina, que não seria passível
próprio gueto, mas estavam simplesmente aceitando o fato de transformação. Assim, eivado de conotações ideológicas,
de que tinham pouco a ganhar com o estudo da mente éticas e religiosas, o pensamento social medieval pouco
criativa. evoluiu.
A psicologia cognitiva foi abandonada como a companheira As profundas modificações econômicas, sociais e políticas
científica de uma profissão e como o suporte científico nas ocorridas na sociedade européia nos séculos XVIII e XIX, em
áreas da educação, da clínica, do desenvolvimento, social, e decorrência da revolução industrial, permitiram o surgimento
muitos outros campos da psicologia. A ajuda que lhes deu do capitalismo e libertaram pensamento dos dogmas
não foi notável. Uma versão refinada do vernáculo para o medievais. Assim, as ciências naturais e humanas fizeram
estudo da vida mental não é mais útil do que a versão leiga, rápidos progressos.
principalmente quando a teoria começa a substituir a
introspecção. Muito mais útil seria a análise do Os principais antecedentes da sociologia são a filosofia
comportamento. Ela poderia ajudar de duas maneiras: pela política, a filosofia da história, as teorias biológicas da
clarificação das contingências de reforçamento às quais o evolução e os movimentos pelas reformas sociais e políticas,
vernáculo se refere, e por tornar possível o delineamento de que ensaiaram um levantamento das condições sociais
ambientes melhores: ambientes pessoais que poderiam vigentes na época. Nos primórdios da sociologia, foram mais
solucionar os problemas existenciais e ambientais maiores ou influentes a filosofia da história e os movimentos reformistas.
culturas nas quais haveria menos problemas. Uma melhor A história permitiu o acesso ao conhecimento de dados
compreensão da variação e seleção significará uma profissão objetivos sobre a sociedade, acumulados ao longo do tempo.
melhor sucedida, mas se a análise do comportamento será Além disso, a evolução da historiografia contribuiu em parte
chamada de psicologia é o problema para o futuro decidir. para o aperfeiçoamento dos métodos empíricos de
Sociologia compilação de dados e a análise dos fatos sociais. Em
relação aos movimentos reformistas, a sociologia partilhou
Disciplina que se distingue das demais ciências sociais pela com eles sua preocupação com os problemas sociais e não
abrangência de seu objeto, a sociologia busca conhecer, mais aceitou como fato natural condições como a pobreza,
mediante métodos científicos, a totalidade da realidade social seqüela da industrialização. Incorporou também os
como tal, sem proposta de transformação. procedimentos dos reformistas, que se basearam nos
métodos das ciências naturais para fazer levantamentos

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PSICOLOGIA

sociais, numa tentativa de classificar e quantificar os entanto, e apesar de terem sido criados muitos conceitos, as
fenômenos sociais. definições existentes continuam ainda insatisfatórias, o que
impede a classificação adequada das sociedades, dos grupos
A pré-história da sociologia situa-se, assim, num período e das relações sociais, assim como o descobrimento de
aproximado de cem anos, de 1750 a 1850, entre a publicação conceitos centrais que permitam a elaboração de uma teoria
de L'Esprit des lois (O espírito das leis), de Montesquieu, e a sistemática. Verifica-se que numerosos conceitos foram
formulação das teorias de Auguste Comte e Herbert Spencer. utilizados com significados distintos por diferentes sociólogos.
Sua constituição como ciência ocorreu na segunda metade Mais ainda, tentativas recentes de aperfeiçoar a base da
do século XIX. conceituação atribuíram importância excessiva à definição do
O termo sociologia foi consagrado por Auguste Comte na conceito e relegaram a segundo plano sua finalidade
obra Cours de philosophie positive (1839; Curso de filosofia fundamental, a utilização.
positiva), em que batizou a nova "ciência da sociedade" e As teorias de explicação dividem-se em dois tipos principais,
tentou definir seu objeto. No entanto, a palavra sociologia a causal e a teleológica. A primeira, que seria uma ciência
continuou suscetível de inúmeras interpretações e definições natural da sociedade, indaga o porquê dos fenômenos
no que diz respeito à delimitação de seu objeto, pois cada sociais, qual a causa de sua ocorrência. A segunda indaga a
escola sociológica criou suas próprias definições, de acordo finalidade dos fenômenos sociais, com que objetivo eles
com as perspectivas teóricas, filosóficas e metodológicas ocorrem, e tenta interpretar o comportamento humano em
adotadas. Todas essas definições, no entanto, partilhavam termos de propósitos e significados.
um substrato comum: o estudo das relações e interações
humanas. Métodos sociológicos. Distinguem-se sete métodos na
sociologia: histórico, comparativo, funcional, formal ou
Abrangência. As ciências sociais se constituem a partir de sistemático, compreensivo, estatístico e monográfico. O
dois pilares: a teoria e o método. A teoria se ocupa dos método histórico ocupa-se do estudo dos acontecimentos,
princípios, conceitos e generalizações; o método proporciona processos e instituições das civilizações passadas para
os instrumentos necessários para a pesquisa científica dos proceder à identificação e explicação das origens da vida
fenômenos sociais. social contemporânea.
A sociologia subdivide-se em disciplinas especializadas: a O método comparativo, considerado durante muito tempo o
sociologia do conhecimento, da família, dos meios rurais e método sociológico por excelência porque permitia a
urbanos, da religião, da educação, da cultura etc. A essa lista realização de correlações tanto restritas como gerais,
seria possível acrescentar um sem-número de novas estabelece comparações entre diversos tipos de grupos e
especializações, como a sociologia da vida cotidiana, do fenômenos sociais com o fim de descobrir diferenças e
teatro, do esporte etc., já que os interesses do pesquisador semelhanças.
se orientam para a compreensão e explicação sistemática,
mediante a utilização das teorias e dos métodos mais O método funcional estuda os fenômenos sociais do ponto de
adequados, dos aspectos sociais de todos os setores e vista de suas funções. O sistema social total de uma
atividades da vida humana. comunidade seria integrado por diversas partes inter-
relacionadas e interdependentes e cada uma delas
Teorias sociológicas. Na sociologia, a teoria é o instrumento desempenharia uma função necessária à vida do conjunto.
de entendimento da realidade, dentro da qual se enunciam as Nessa abordagem são evidentes as analogias entre a
leis gerais. Difere, por isso, da doutrina social, de cunho sociedade e um organismo, o que levou seus partidários a
normativo e ideológico, e a ela se opõe. tentativas de diferenciar o funcionamento normal das
As teorias sociológicas enunciadas ao longo dos séculos XIX instituições e sistemas sociais de seu funcionamento
e XX centralizaram-se em algumas questões básicas. Entre patológico.
elas distinguem-se a determinação do que representam a O método formal, ou sistemático, analisa as relações sociais
sociedade e a cultura; a fixação de unidades elementares existentes entre os indivíduos, sobretudo no que diz respeito
para seu estudo; a especificação dos fatores que às diversas formas que essas relações podem assumir
condicionam sua estabilidade ou sua mudança; a descoberta independentemente de seu conteúdo. Em completa oposição
das relações que mantêm entre si e com a personalidade; a ao formal, o método compreensivo atribui uma importância
delimitação de um campo; e a especificação de um objeto e fundamental ao significado e aos motivos das ações sociais,
de métodos de estudos próprios à sociologia. isto é, a seu conteúdo. O método estatístico enfatiza a
O desenvolvimento da teoria sociológica pode ser analisado medição matemática dos fenômenos sociais. No entanto,
de acordo com três grandes temas: os tipos de generalização como a maior parte dos dados sociológicos é do tipo
empregados, os conceitos e esquemas de classificação e os qualitativo, não se pode adotar tratamento estatístico rígido.
tipos de explicação. Por último, o método monográfico centraliza-se no estudo
São seis os tipos de generalização geralmente aceitos: (1) aprofundado de casos particulares: um grupo, uma
correlações empíricas entre fenômenos sociais concretos; (2) comunidade, uma instituição ou um indivíduo. Cada um dos
generalizações das condições sob as quais surgem as objetos de estudo deve necessariamente representar vários
instituições e outras formas sociais; (3) generalizações que outros para que seja possível estabelecer generalizações.
afirmam que as mudanças que determinadas instituições Técnicas sociológicas. Antes de mais nada, é preciso
experimentam estão regularmente associadas às mudanças estabelecer a diferença entre métodos e técnicas
que ocorrem em outras instituições; (4) generalizações sobre sociológicas. Os métodos representam uma opção
a existência de repetições rítmicas de vários tipos; (5) estratégica e não devem ser confundidos com os objetivos da
generalizações que enumeram as principais tendências investigação, enquanto as técnicas constituem níveis de
evolutivas da humanidade; e (6) elaboração de leis sobre as etapas práticas de operação limitada, ligadas a elementos
repercussões e hipóteses relacionadas ao comportamento concretos e adaptadas a uma finalidade determinada. O
humano. método é, portanto, uma concepção intelectual que coordena
A sociologia se mostrou mais fecunda no campo da um conjunto de técnicas.
elaboração de conceitos e esquemas de classificação. No

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PSICOLOGIA

Entre as principais técnicas utilizadas na investigação Spencer, o segundo grande pioneiro, negou a possibilidade
sociológica figuram as entrevistas, as experiências de grupo, de atingir o progresso pela interferência deliberada nas
as histórias de vida ou de caso e os formulários ou relações entre o indivíduo e a sociedade. Para ele, a lei
questionários, que podem ser de tipo fechado, que oferecem universal do progresso é a passagem da homogeneidade
alternativas prévias de resposta, ou aberto, que permitem ao para a heterogeneidade, isto é, a evolução se dá pelo
entrevistado uma liberdade maior de expressão. Tais técnicas movimento das sociedades simples (homogêneas), para os
não são necessariamente excludentes, pois permitem a diversos níveis das sociedades compostas (heterogêneas).
utilização simultânea e complementar. Individualista e liberal, partidário do laissez-faire, Spencer deu
mais ênfase às concepções evolucionistas e usou com
Principais correntes sociológicas. De acordo com as largueza analogias orgânicas. Distinguiu três sistemas
classificações geralmente aceitas, são cinco as correntes principais: de sustentação, de distribuição e regulador. As
principais da sociologia: organicismo positivista, teorias do instituições são as partes principais da sociedade, isto é, são
conflito, formalismo, behaviorismo social e funcionalismo. os órgãos que compõem os sistemas. Seu individualismo
Organicismo positivista. Primeira construção teórica expressou-se numa das diferenças que apontou: enquanto no
importante surgida na sociologia, nasceu da hábil síntese que organismo as partes existem em benefício do todo, na
Comte fez do organicismo e do positivismo, duas tradições sociedade o todo existe apenas em benefício do individual.
intelectuais contraditórias. Ward compartilhou das idéias de Spencer e Comte mas não
O organicismo representa uma tendência do pensamento que incorreu em seus extremos -- individualismo e
constrói sua visão do mundo sobre um modelo orgânico e conservadorismo utópico. Deu grande ênfase, porém, ao
tem origem na filosofia idealista. O positivismo, que aperfeiçoamento das condições sociais pela aplicação de
fundamenta a interpretação do mundo exclusivamente na métodos científicos e a elaboração de planos racionais,
experiência, adota como ponto de partida a ciência natural e concebidos segundo uma imagem ideal da sociedade.
tenta aplicar seus métodos no exame dos fenômenos sociais. Depois da fase dos pioneiros, surgiu o chamado período
Assim, os primeiros conceitos da nova disciplina foram clássico do organicismo positivista, caracterizado por uma
elaborados de acordo com analogias orgânicas, três das primeira etapa, em que a biologia exerceu influência muito
quais são fundamentais para a compreensão dessa corrente forte, e uma segunda etapa em que predominou a
sociológica: (1) o conceito teleológico da natureza, que preocupação com o rigor metodológico e com a objetividade
implica uma postura fatalista, já que as metas a serem da nova disciplina.
alcançadas estão predeterminadas, o que impede qualquer
tentativa de alterá-las; (2) a idéia segundo a qual a natureza, O organicismo biológico, inspirado nas teorias de Charles
a sociedade e todos os demais conjuntos existentes perdem Darwin, considerava a sociedade como um organismo
vida ao serem analisados e por isso não se deve intervir em biológico em sua natureza, funções, origem, desenvolvimento
tais conjuntos. Essa noção leva, em conseqüência, à adoção e variações. Segundo essa corrente, praticamente extinta, o
de uma atitude de laissez-faire; e (3) a crença de que a que é válido para os organismos é aplicado aos grupos
relação existente entre as diversas partes que compõem a sociais. A segunda etapa clássica do organicismo positivista,
sociedade é semelhante à relação que guardam entre si os também chamada de sociologia analítica, foi marcada por
órgãos de um organismo vivo. grandes preocupações metodológicas e teve em Ferdinand
Tönnies, Émile Durkheim e Robert Redfield seus expoentes
Os fundadores da nova disciplina adaptaram essa síntese ao máximos.
ambiente social e intelectual de seus países: Auguste Comte,
na França, Herbert Spencer, no Reino Unido, e Lester Frank Para Tönnies, a sociedade e as relações humanas são fruto
Ward, nos Estados Unidos. Os três eram partidários da da vontade humana, manifesta nas interações. O
divisão da sociologia em duas grandes partes, estática e desenvolvimento dos atos individuais permite o surgimento
dinâmica, embora tenham atribuído importância maior à de uma vontade coletiva. A Tönnies deve-se a distinção
primeira. Algumas diferenças profundas, porém, marcaram fundamental entre "sociedade" e "comunidade", duas formas
seus pontos de vista. básicas de grupos sociais que surgem de dois tipos de
desejo, o natural e o racional. Segundo Tönnies, não são
Comte propôs, para o estudo dos fenômenos sociais, o apenas tipos de grupos mas também etapas genéticas -- a
método positivo, que exige a subordinação dos conceitos aos comunidade evolui para a sociedade.
fatos e a aceitação da idéia segundo a qual os fenômenos
sociais estão sujeitos a leis gerais, embora admita que as leis O núcleo organicista da obra de Durkheim encontra-se na
que governam os fenômenos sociais são menos rígidas do afirmação segundo a qual uma sociedade não é a simples
que as que regulamentam o biológico e o físico. Comte soma das partes que a compõem, e sim uma totalidade sui
dividiu a sociologia em duas grandes áreas, a estática, que generis, que não pode ser diretamente afetada pelas
estuda as condições de existência da sociedade, e a modificações que ocorrem em partes isoladas. Surge assim o
dinâmica, que estuda seu movimento contínuo. A principal conceito de "consciência coletiva", que se impõe aos
característica da estática é a ordem harmônica, enquanto a indivíduos. Para Durkheim, os fatos sociais são "coisas" e
da dinâmica é o progresso, ambas intimamente relacionadas. como tal devem ser estudados.
O fator preponderante do progresso é o desenvolvimento das
idéias, mas o crescimento da população e sua densidade Provavelmente o sociólogo que mais se aproximou de uma
também são importantes. Para evoluir, o indivíduo e a teoria sistemática, Durkheim deixou uma obra importante
sociedade devem atravessar três etapas: a teológica, a também do ponto de vista metodológico, pela ênfase que deu
metafísica e a positiva. ao método comparativo, segundo ele o único capaz de
explicar a causa dos fenômenos sociais, e pelo uso do
Comte não aceitou o método matemático e propôs a método funcional. Afirmou que não basta encontrar a causa
utilização da observação, da experimentação, da comparação de um fato social; é preciso também determinar a função que
e do método histórico. Para Comte, a sociedade era um esse fato social vai preencher. Sociólogos posteriores, como
organismo no qual a ordem não se realiza apenas Marcel Mauss, Claude Lévi-Strauss e Mikel Duffrenne,
automaticamente; é possível estabelecer uma ordem retomaram de forma atenuada o realismo sociológico de
planejada, baseada no conhecimento das leis sociais e de Durkheim.
sua aplicação racional a problemas e situações concretas.

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PSICOLOGIA

Um dos principais teóricos do organicismo positivista, interessado em determinar as condições que tornam possível
Redfield analisou a diferença existente entre as sociedades o surgimento da sociedade, e Leopold von Wiese, que
consideradas em sua totalidade e sugeriu a utilização da renovou a divisão kantiana entre forma e conteúdo quando a
dicotomia sagrado/secular. Em suas análises utilizou, de substituiu pela idéia de relação.
forma mais avançada e profunda, a grande tipologia do
organicismo positivista clássico, basicamente Em oposição à interpretação positivista e objetiva do
sociedade/comunidade, e suas diversas configurações. formalismo kantiano, o ramo fenomenológico contribuiu com
uma perspectiva subjetivista. Concentrou-se não nas formas
Teorias do conflito. Segunda grande construção do ou relações que a priori determinam o surgimento de uma
pensamento sociológico, surgida ainda antes que o sociedade e sim nas condições sociopsicológicas que a
organicismo tivesse alcançado sua maturidade, a teoria do tornam possível. Tem grande importância, portanto, o estudo
conflito conferiu à sociologia uma nova dimensão da dos dados cognitivos, isto é, das essências que podem ser
realidade. A partir de seus pressupostos, o problema das diretamente intuídas, para cuja análise o filósofo alemão
origens e do equilíbrio das sociedades perdeu importância Edmund Husserl propôs um método de redução a fim de
diante dos significados atribuídos aos mecanismos de conflito alcançar diversos níveis de profundidade.
e de defesa dos grupos e da função de ambos na
organização de formas mais complexas de vida social. O Behaviorismo social. Surgida entre 1890 e 1910, o
grupo social passou a ser concebido como um equilíbrio de behaviorismo social se dividiu em três grandes ramos --
forças e não mais como uma relação harmônica entre órgãos, behaviorismo pluralista, interacionismo simbólico e teoria da
não suscetíveis de interferência externa. ação social -- e legou à sociologia preciosas contribuições
metodológicas. O behaviorismo pluralista, formado a partir da
Antes mesmo de ser adotada pela sociologia, a teoria do escola de imitação-sugestão representada pelo francês
conflito já havia obtido resultados de grande importância em Gabriel Tarde, centralizou-se na análise dos fenômenos de
outras áreas que não as especificamente sociológicas. É o massas e atribuiu grande importância ao conceito de imitação
caso, por exemplo, da história; da economia clássica, em para explicar os processos e interações sociais, entendidos
especial sob a influência de Adam Smith e Robert Malthus; e como repetição mecânica de atos.
da biologia nascida das idéias de Darwin sobre a origem das
espécies. Dentro dessas teorias, cabe destacar o socialismo Os americanos Charles Horton Cooley, George Herbert Mead
marxista, que representava uma ideologia do conflito e Charles Wright Mills são alguns dos teóricos do
defendida em nome do proletariado, e o darwinismo social, interacionismo simbólico que, ao contrário do movimento
representação da ideologia elaborada em nome das classes anterior, centralizou-se no estudo do eu e da personalidade,
superiores da sociedade e baseada na defesa de uma assim como nas noções de atitude e significado para explicar
política seletiva e eugênica. Ambas enriqueceram a os processos sociais.
sociologia com novas perspectivas teóricas. O alemão Max Weber foi o expoente máximo do terceiro
Os principais teóricos do darwinismo social foram o polonês movimento do behaviorismo, a teoria da ação social. Com
Ludwig Gumplowicz, que explicava a evolução sociocultural seu original método de "construção de tipos sociais",
mediante o conflito entre os grupos sociais; o austríaco instrumento de análise para estudo de situações e
Gustav Ratzenhofer, que utilizou a noção do choque de acontecimentos históricos concretos, exerceu poderosa
interesses para explicar a formação dos processos sociais; e influência sobre numerosos sociólogos posteriores.
os americanos William Graham Sumner e Albion Woodbury Funcionalismo. A reformulação do conceito de sistema foi o
Small, para os quais a base dos processos sociais residia na centro de todas as interpretações que constituem a
relação entre a natureza, os indivíduos e as instituições. contribuição do funcionalismo, última grande corrente do
O darwinismo social assumiu conotações claramente racistas pensamento sociológico e integrada por dois importantes
e sectárias. Entre suas premissas estão a de que as ramos: o macrofuncionalismo, derivado do organicismo
atividades de assistência e bem-estar social não devem sociológico e da antropologia, e o microfuncionalismo,
ocupar-se dos menos favorecidos socialmente porque inspirado nas teorias da escola psicológica da Gestalt e no
estariam contribuindo para a destruição do potencial biológico positivismo. Entre os adeptos do funcionalismo estão os
da raça. Nesse sentido, a pobreza seria apenas a antropólogos culturais Bronislaw Malinowski e A. R. Radcliffe-
manifestação de inferioridade biológica. Brown.

Formalismo. A terceira corrente teórica do pensamento O macrofuncionalismo se caracteriza pela unidade orgânica
sociológico, que definiu a sociologia como o estudo das que considera fundamental: os esquemas em larga escala.
formas sociais, independente de seu conteúdo, legou à Foi o italiano Vilfredo Pareto quem permitiu a transição entre
sociologia um detalhado estudo sobre os acontecimentos e o organicismo e o funcionalismo, quando concebeu o
as relações sociais. Para o formalismo, as comparações conceito de sistema, conferindo-lhe correta formulação
devem ser feitas entre as relações que caracterizam qualquer abstrata. A forma da sociedade, segundo ele, é determinada
sociedade ou instituição, como, por exemplo, as relações pela interação entre os elementos que a compõem e a
entre marido e mulher ou entre patrão e empregado, e não interação desses elementos com o todo, o que implica a
entre sociedades globais, ou entre instituições de diferentes existência de uma determinação recíproca entre diversos
sociedades. O interesse pela comparação entre relações elementos: a introdução de qualquer mudança provoca uma
permitiu à sociologia alcançar um nível mais amplo de reação cuja finalidade é a recuperação do estado original
generalização e conferiu maior importância ao indivíduo do (noção de equilíbrio sistêmico).
que às sociedades globais. Essa segunda característica abriu O microfuncionalismo desenvolveu-se na área de análise dos
caminho para o surgimento da psicologia social. grupos em sua dinâmica e não na área do estudo da
Os dois ramos principais dessa corrente são o formalismo sociedade como um sistema. O americano Kurt Lewin, com a
neokantiano e o fenomenológico. O primeiro, baseado na teoria sobre os "campos dinâmicos", conjuntos de fatos
divisão kantiana do conhecimento dos fenômenos em duas físicos e sociais que determinam o comportamento de um
classes -- o estudo das formas, consideradas a priori como indivíduo na sociedade, abriu novos caminhos para o estudo
certas, e dos conteúdos, que seriam apenas contingentes -- dos grupos humanos.
teve grandes teóricos nos alemães Georg Simmel,

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PSICOLOGIA

Grupo social Ferdinand Tönnies distingue comunidade, correspondente ao


grupo primário, e sociedade, associada ao secundário.
A sociologia divide as sociedades humanas em diversos
níveis, segundo critérios como seu grau de coesão ou seu Nesses conceitos se baseia o estudo das classes sociais dos
tamanho, entre muitos outros. A menor dessas divisões -- e sociólogos funcionalistas, criticados pelos de linha marxista
uma das mais importantes, por sua influência na vida porque partem do pressuposto segundo o qual a
cotidiana -- é o grupo, conjunto estruturado de pessoas. desigualdade social é funcionalmente necessária e por
Todos os homens pertencem, de modo voluntário ou reduzirem o problema das classes sociais a uma questão
involuntário, consciente ou inconsciente, a vários grupos meramente descritiva. Para os marxistas, as classes sociais
sociais. sequer podem ser consideradas grupos sociais típicos, pois
se cristalizam a partir de relações de produção. A análise
Características dos grupos. Como em qualquer outra marxista se concentra na estrutura social de classes
classificação sociológica, os grupos são estudados determinadas pelas relações de produção
fundamentalmente segundo critérios como dimensão,
coesão, interesses comuns, dinâmica, normas internas e Classes sociais
papéis que seus membros desempenham.
Embora os romanos já denominassem "classes" os diferentes
Embora não exista um critério exato para decidir grupos de contribuintes de impostos, só na segunda metade
quando se pode considerar como tal um agrupamento do século XVIII a palavra adquiriu seu significado moderno,
humano, o grupo possui sempre dimensão reduzida, que tornando-se conceito primordial da sociologia e da ciência
pode ser de duas ou três pessoas até várias centenas. À política.
medida que o número de indivíduos aumenta, diminui a
coesão estrutural do conjunto. Os termos usados em Denominam-se classes sociais os grupos econômica e
sociologia para designar grupamentos maiores são politicamente distintos em que se divide cada sociedade. Sua
coletividade, categoria ou população. Os dois últimos diferenciação depende, pois, das relações que mantêm
apresentam inter-relações muito mais fracas e são dentro do sistema produtivo vigente e de sua respectiva
considerados sobretudo como categorias estatísticas. divisão de trabalho. De modo geral, todas as sociedades
civilizadas apresentaram alguma forma de divisão em
A coesão é uma das características fundamentais do grupo classes, cada qual com atribuições, ofícios, oportunidades,
sociológico, pois identifica os membros do grupo entre si ao ganhos e interesses diversos, de modo que também se
mesmo tempo que os diferencia de outros indivíduos. Cada distinguem no plano do poder e contrapõem-se como
membro de um grupo pode fazer parte de outros, dominantes e dominadas.
organizados em torno de interesses diferentes e não
contraditórios. Assim, por exemplo, o membro de uma família Do fim do Império Romano até as revoluções burguesas dos
pode fazer parte também de um clube esportivo ou de uma séculos XVII e XVIII, o sistema feudal imperou na maior parte
instituição política ou cultural. A coesão que surge das inter- da Europa, com rígida divisão em três classes sociais: a
relações entre os diversos membros de um grupo ocorre nobreza, o clero e o campesinato. Não havia em sua
porque todos têm um objetivo comum, e faz do grupo algo estrutura nada do que os sociólogos viriam a chamar de
diferente da simples soma de indivíduos. Cada membro tem "mobilidade social", isto é, a possibilidade de que membros
consciência de pertencer ao grupo e é reconhecido pelos de uma classe se deslocassem para outra: a diferença era
demais como parte do mesmo. Outra característica comum a legitimada pela lei dos homens e pela lei de Deus,
todos os grupos é a existência de normas próprias -- determinada pelo nascimento e herança familiar.
explícitas ou tácitas -- que devem ser observadas por todos Com o desenvolvimento do sistema capitalista e a ascensão
os seus membros. Quem as segue é premiado com o da burguesia, politicamente consumada na Inglaterra e na
reconhecimento coletivo; quem as transgride é castigado com França dos séculos XVII e XVIII, a estratificação social
censura ou afastamento. alterou-se, adquirindo uma mobilidade que se consagrará nas
Cada grupo possui também uma dinâmica interna própria. As constituições parlamentaristas e republicanas. A posição
relações interpessoais constituem campos de forças social de cada um passou a depender de sua participação
psicológicas e psicossociais, que configuram a dinâmica no processo produtivo, e seu poder a ter como referencial
particular de cada grupo e repercutem tanto na evolução dos predominante o capital que souber acumular.
próprios membros como na atividade coletiva. Finalmente, é Essa mudança ocorreu no quadro socioeconômico que se
preciso levar em conta o papel desempenhado dentro do estendeu do início da revolução comercial, em que a
grupo por cada um de seus integrantes: nem sempre a burguesia emergiu e se organizou como classe, até a
liderança e o comando, por exemplo, são exercidos por uma primeira etapa da revolução industrial, em que tiveram origem
mesma pessoa, pelo menos nos grupos informais. tanto a classe operária como as classes médias das
Grupo primário e secundário. Tornou-se clássica em modernas sociedades industriais.
sociologia a distinção estabelecida pelo americano Charles Teoria das classes sociais. A diferenciação social só passou a
Horton Cooley entre grupo primário e grupo secundário. O ser objeto de estudos sistemáticos com Thomas Hobbes,
primário caracteriza-se por relações interpessoais diretas, John Locke e Jean-Jacques Rousseau. Inspirados na
estáveis e íntimas, como as que se dão, por exemplo, em insurreição burguesa contra a aristocracia monárquica,
uma família ou entre amigos. Todos os demais são grupos defenderam, cada um a seu modo, os direitos naturais do
secundários, baseados em outras relações, especialmente as homem e o contrato social, mesmo nos casos em que o
relações formais ou legais, como os grupos criados no monarca acumulasse todo poder, o que Hobbes preconizou
trabalho. Nos grupos primários, as relações são emotivas, ou em seu Leviathan (1651). Também os economistas ingleses
seja, surgem espontaneamente, enquanto nos secundários Adam Smith e David Ricardo, que já usavam a expressão
são neutras e se regem por princípios estabelecidos. "classe trabalhadora", destacaram em suas análises do
Várias outras classificações são aceitas pelos estudiosos e capitalismo que o conflito entre os fatores de produção (terra,
muitas delas, em termos práticos, têm sentido semelhante à trabalho e capital) acarretaria por si mesmo o antagonismo
de Cooley, como a divisão entre grupos informais (primários) entre os grupos sociais correspondentes. Os franceses
e formais (secundários). A classificação do sociólogo alemão François Fourier e Pierre Proudhon ocuparam-se igualmente

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PSICOLOGIA

do problema e tentaram resolvê-lo com as soluções ditas Classificação mais difundida. A diferenciação social mais
utópicas. empregada pela sociologia dos países de capitalismo
avançado na segunda metade do século XX baseia-se não
Coube, porém, ao marxismo aprofundar o conceito de classe no conceito marxista da relação com os meios de produção,
social, embora seus teóricos iniciais, os alemães Karl Marx e mas nos níveis de renda, e dispõe as classes sociais em três
Friedrich Engels, não tenham desenvolvido o estudo grandes grupos: alta, média e baixa, por sua vez subdivididas
específico da questão. Marx morreu justamente quando em alta e baixa, do que resultam seis subdivisões: alta-alta e
escrevia o terceiro livro de Das Kapital (O capital), onde alta-baixa, média-alta e média-baixa, baixa-alta e baixa-baixa.
deveria tratar das classes sociais. Para Marx e Engels, a Os componentes mais prósperos de uma classe confundem-
história demonstra que a determinado estado de se com os da classe superior e os mais pobres com os da
desenvolvimento das forças produtivas corresponde um tipo inferior.
concreto de relações de produção, criadas pelos homens
para prover a satisfação de suas necessidades e que A PSICOLOGIA NA EDUCAÇÃO
envolvem a propriedade, a interação entre exploradores e
explorados, e entre classe dominante e classe dominada. 1- A construção social do sujeito
Segundo o marxismo, tais relações não são determinadas "Na índia, onde os casos de meninos-lobos foram
pela vontade dos indivíduos, nem por um contrato social - relativamente numerosos, descobriram-se, em 1920, duas
como afirmara Rousseau - mas impostas pelas condições crianças, Amala e Kamala, vivendo no meio de uma família
materiais do processo produtivo. Para Marx, a luta de classes de lobos. A primeira tinha uma ano e meio e veio a morrer um
desempenha papel essencial na evolução histórica. A classe ano mais tarde. Kamala, de oito anos de idade, viveu até
capitalista, detentora dos bens de produção, domina a 1929. Não tinha nada de humano, e o seu comportamento
sociedade e apropria-se da força de trabalho da classe era exatamente semelhante àquele dos seus irmãos lobos.
operária, autêntica criadora da riqueza.
"Elas caminhavam de quatro, apoiando-se sobre os joelhos e
Como conseqüência e reflexo dessa dominação econômica, cotovelos para os pequenos trajetos e sobre as mãos e os
a classe capitalista controla também o estado e a produção pés para os trajetos longos e rápidos.
dos valores espirituais (idéias, artes, religião) e, nessa
"Eram incapazes de permanecer em pé. Só se alimentavam
perspectiva, o próprio sistema conteria em si o germe de sua
de carne crua ou podre, comiam e bebiam como os animais.
destruição, ou seja, tornaria inevitável a rebelião dos
Na instituição onde foram recolhidas, passavam o dia
trabalhadores e a criação de uma sociedade sem classes, em
acabrunhadas e prostradas numa sombra; eram ativas e
que desaparece a ideologia, representação do mundo forjada
ruidosas durante a noite, procurando fugir e uivando como
pela classe dominante, de acordo com sua posição e seus
lobos. Nunca choravam ou riam. Kamala viveu oito anos na
interesses vitais. Para Marx, até o advento da sociedade
instituição que a acolheu, humanizando-se lentamente. Ela
comunista a história da humanidade não seria mais do que a
necessitou de seis anos para aprender a andar e pouco antes
história da luta de classes.
de morrer só tinha um vocabulário de 50 palavras. Atitudes
Apoiado nesses alicerces da teoria marxista da estratificação afetivas foram aparecendo aos poucos.
social, Lenin mais tarde definiu as classes sociais como os
"Ela chorou pela primeira vez por ocasião da morte de Amala
grandes grupos de pessoas que, dentro de uma sociedade,
e se apegou lentamente às pessoas que cuidaram dela e ás
se diferenciam: (1) pelo lugar que ocupam em um sistema de
outras com as quais conviveu.
produção histórica e socialmente determinado; (2) pelas
relações em que se encontram no que se refere aos meios de "A sua inteligência permitiu-lhe comunicar-se com outros por
produção existentes (relações que, em grande parte, são gestos, inicialmente, e depois por palavras de um vocabulário
estabelecidas e formalizadas mediante leis); (3) pelo papel rudimentar, aprendendo a executar ordens simples."
que desempenham na organização social do trabalho; e,
conseqüentemente, (4) pelo modo e proporção segundo os A partir do relato acima poderemos entender em que medida
quais desfrutam de parte da riqueza social de que dispõem. as características humanas dependem do convívio social.
Amala e Kamala, as meninas-lobos da índia por terem sido
Embora a teoria clássica marxista constitua sempre a privadas do contato com outras pessoas, não conseguiram se
principal referência para qualquer estudo do tema, muitos humanizar: não aprenderam a se comunicar através da fala,
estudiosos a criticaram e elaboraram teorias diferentes. O não foram ensinadas a usar determinados utensílios e
sociólogo alemão Max Weber, por exemplo, apesar de dividir instrumentos sociais, não desenvolveram processos de
a sociedade capitalista fundamentalmente em "possuidores" pensamento lógico.
e "não-possuidores", censurou a ênfase dada por Marx aos
fatores econômicos e incluiu, como outros elementos de Esse caso Amala e kamala representa, no entanto, uma
estratificação social, o status e o prestígio. Outras tendências, exceção. Em geral, o bebé nasce, cresce, vive e atua em um
como a dos sociólogos da corrente funcionalista (para a qual mundo social. É por intermédio do contato humano que a
cada componente do todo societário exerce uma função útil e criança adquire a linguagem e passa, por meio dela, a se
necessária), contestaram o conceito de luta de classes e comunicar com outros seres humanos e a organizar seu
afirmaram que estas contribuem para estabelecer o equilíbrio pensamento.
da organização social, pelo que nunca deixariam de existir. Como cita DAVIS, C. e OLIVEIRA, Z. (1997), é no convívio
No século XX, a partir da implantação das sociedades social, através das atividades práticas realizadas, que se
socialistas, pensadores marxistas negaram que também elas criam as condições para o aparecimento da consciência, que
fossem constituídas de classes sociais, mas autores como o é a capacidade de distinguir entre as propriedades objetivas e
iugoslavo Milovan Djilas, que escreveu The New Class (1957; estáveis da realidade e aquilo que é vivido subjetivamente.
A nova classe), sustentaram que passara a haver nesses Através do trabalho, os homens se organizam para alcançar
países um novo sistema de classes sociais dominado por determinados fins, respondendo aos impasses que a
poderosa burocracia política, cujo melhor exemplo foi a natureza coloca á sobrevivência. Para tanto, usam do
nomenklatura soviética. conhecimento acumulado por gerações e criam, a partir do
trabalho, outro conhecimentos.

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PSICOLOGIA

O papel da Psicologia é investigar as modificações que A Psicologia da Aprendizagem estuda o complexo processo
ocorrem nos processos envolvidos na relação do indivíduo pelo qual as formas de pensar e os conhecimentos existentes
com o mundo (cognitivos, emocionais, afetivos, etc), numa sociedade são apropriados pela criança. Para que se
analisando os seus mecanismos básicos. Para realizar sua possa entender esse processo é necessário reconhecer a
proposta, a Psicologia interage com outras ciências tais como natureza social da aprendizagem. Como já foi dito, as
a Medicina, a Biologia, a Filosofia, a Genética, a Antropologia, operações cognitivas (aquelas envolvidas no processo de
a Sociologia, além da Pedagogia. Estes ramos do conhecer) são sempre ativamente construídas na interação
conhecimento estão imbricados uns aos outros, de tal forma com outros indivíduos.
que, muitas vezes, é difícil saber em que domínio se está
atuando. Reconhece-se, dessa maneira, que as pessoas, em especial
as crianças, aprendem através de ações partilhadas
Ao se dedicar ao estudo de tantos e diferentes aspectos, a mediadas pela linguagem e pela instrução. A interação entre
Psicologia acaba por desenvolver campos de investigações adultos e crianças, e entre crianças, portanto, é fundamental
mais específicos e delimitados. na aprendizagem. A Psicologia da Aprendizagem, aplicada à
educação e ao ensino, busca mostrar como, através da
Importam, para a educação, os conhecimentos advindos da interação entre professor e alunos, e entre os alunos, é
Psicologia do desenvolvimento e da aprendizagem, áreas possível a aquisição do saber e da cultura acumulados,
específicas da ciência psicológica. E é disto que se tratará a sendo o papel do professor fundamental neste processo.
seguir.
A Psicologia na Educação
A Psicologia do Desenvolvimento
Como comenta DAVIS, C. e OLIVEIRA, Z. (1997), comete-se
Segundo DAVIS, C. e OLIVEIRA, Z. (1997), desenvolvimento o erro de pensar que a aprendizagem começa apenas na
é o processo através do qual o indivíduo constrói ativamente, idade escolar. Consequentemente, parte-se do princípio de
nas relações que estabelece com o ambiente físico e social, que os ensinamentos que ocorrem na escola principiam na
suas características. sala de aula.
Ao contrario de outras espécies, as características humanas Na verdade muitos anos antes de entrar na escola, a criança
não são biológicamente herdadas, mas historicamente já vem desenvolvendo hipóteses e construindo um
formadas. De geração em geração, o grau de conhecimento sobre o mundo, o mesmo mundo que as
desenvolvimento alcançado por uma sociedade vai sendo matérias ditas escolares procuram interpretar. No início da
acumulado e transmitido, indo influir, já desde o nascimento, alfabetização, por exemplo, ela já tem uma concepção de
na percepção que o indivíduo vai construindo sobra a escrita, uma idéia do que se pode ou não escrever, uma
realidade, inclusive no que se refere às explicações do concepção sobre o sistema de representação gráfica. Coisa
eventos e fenômenos do mundo natural. semelhante ocorre com a Matemática. Antes de entrar na
Para que a apropriação das características humanas se dê, é escola, a criança já se deparou inúmeras vezes com a noção
preciso que ocorra atividade por parte do sujeito: é de quantidade, realizando, inclusive, operações de cálculo.
necessário que sejam formadas ações e operações motoras Um conjunto de noções e de conceitos já se encontra,
e mentais. portanto, estabelecido.

A formação dessas habilidades se dá ao longo da interação Deste modo, a tarefa de ensinar, em nossa sociedade, não
do indivíduo como o mundo social, Ele deve dominar o uso está concentrada apenas nas mãos dos professores. O aluno
de um numero cada vez maior de objetos e aprender a agir não aprende apenas na escola, mas também através da
em situações cada vez mais complexas, buscando identificar família, dos amigos, de pessoas que ele considera
os significados desses objetos e situações. significativas, dos meios de comunicação de massa, da
experiência do cotidiano, dos movimentos sociais. Entretanto,
O que pretende estudar a Psicologia do desenvolvimento, é a escola é a instituição social que se apresenta como
como se desenvolvem as funções psicológicas que responsável pela educação sistemática das crianças, jovens
distinguem o homem de outras espécies. Ela estuda a e até mesmo de adultos.
evolução da capacidade perceptual e motora, das funções
intelectuais, da sociabilidade e da afetividade do ser humano. Daí a importância de se colocar a serviço da educação e do
Descreve como essas capacidades se modificam e busca ensino o conjunto de conhecimentos psicológicos sobre as
explicar tais modificações. bases do desenvolvimento e da aprendizagem. Com eles, o
professor estará em posição mais favorável para planejar a
A Psicologia da Aprendizagem sua ação.
Segundo DAVIS, C. e OLIVEIRA, Z. (1997), a aprendizagem A CRIANÇA ENQUANTO SER EM TRANSFORMAÇÃO
é o processo através do qual a criança se apropria
ativamente do conteúdo da experiência humana, daquilo que Concepções de desenvolvimento: correntes teóricas e
o seu grupo social conhece. Para que a criança aprenda, ela repercussões na escola.
necessitará interagir como outros seres humanos As diversas teorias de desenvolvimento apresentadas a
especialmente com os adultos e com outras crianças mais seguir apoiam-se em diferentes concepções do homem e do
experientes. Nas inúmeras interações em que se envolve modo como ele chega a conhecer. Tais teorias , como em
desde o nascimento, a criança vai gradativamente ampliando qualquer estudo científico, dependem da visão de mundo
suas formas de lidar com o mundo e vai construindo existente em uma determinada situação histórica e evoluem
significados para as suas ações e para as experiências que conforme se mostram capazes ou incapazes de explicara
vive. Com o uso da linguagem, esses significados ganham realidade.
maior abrangência, dando origem a conceitos, ou seja,
significados partilhados por grande parte do grupo social. A A visão de desenvolvimento enquanto processo de
linguagem, além disso, irá integrar-se ao pensamento, apropriação pelo homem da experiência histórico-social é
formando uma importante base sobre a qual se desenvolverá relativamente recente.
o funcionamento intelectual. O pensamento pode ser
entendido, desta forma, como um diálogo interiorizado. Durante longos anos, o papel da interação de fatores internos
e externos no desenvolvimento não era destacado.

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PSICOLOGIA

Enfatizava-se ora os primeiros , ora os segundos. Os filósofos sobretudo, pessimista para a educação de crianças e
e os cientistas criaram, assim, teorias ou abordagens adolescentes. Como , na concepção inatista, o homem "já
denominadas inatistas - que salientam a importância dos nasce pronto", pode-se apenas aprimorar um pouco aquilo
fatores endógenos - e teorias ou abordagens chamadas que ele é ou, inevitavelmente, virá a ser. Em consequência,
ambientalistas - onde especial atenção se dá à ação do meio não vale a pena considerar tudo o que pode ser feito em prol
e da cultura sobre a conduta humana. do desenvolvimento humano. O ditado popular "pau que
nasce torto morre torto" expressa bem a concepção ¡natista,
A Condição Inatista que ainda hoje aparece na escola, camuflada sob disfarce
Essa concepção parte do pressuposto de que os eventos que das aptidões, da prontidão e do coeficiente de inteligência.
ocorrem após o nascimento não são essenciais e/ ou Tal concepção gera preconceitos prejudiciais ao trabalho em
importantes para o desenvolvimento . As qualidades e sala de aula.
capacidades básicas de cada ser humano - sua A concepção Ambientalista
personalidade, seus valores, hábitos e crenças, sua forma de
pensar, suas relações emocionais e mesmo sua conduta Essa concepção atribui um imenso poder ao ambiente no
social - já se encontrariam basicamente prontas e em sua desenvolvimento humano. O homem é concebido como um
forma final por ocasião do nascimento, sofrendo pouca ser extremamente plástico, que desenvolve suas
diferenciação qualitativa e quase nenhuma transformação ao características em função das condições presentes no meio
longo da existência . O papel do ambiente (e, portanto, da em que se encontra. Esta concepção deriva da corrente
educação e do ensino) é tentar interferir o mínimo possível no filosófica denominada empirismo, que enfatiza a experiência
processo do desenvolvimento espontâneo da pessoa. sensorial como fonte do conhecimento. Ainda segundo o
empirismo, determinados fatores encontram-se associados a
As origens da posição inatista podem ser encontradas, de um outros, de modo que é possível, ao se identificar tais
lado, na Teologia: Deus, de um só ato, criou cada homem em associações, controlá-las pela manipulação.
sua forma definitiva. Após o nascimento, nada mais haveria a
fazer, pois o bebe já teria em si os germes do homem que Na psicologia , o grande defensor da posição ambientalista é
viria a ser. O destino individual de cada criança já estaria um norte-americano, B.F. Skinner. A teoria proposta por ele
determinado pela "graça divina". preocupa-se em explicar os comportamentos observáveis do
sujeito , desprezando os seus desejos e fantasias, os seus
Do outro lado, a posição inatista apoia-se num entendimento sentimentos. Na concepção do comportamento defendida por
erróneo de algumas contribuições importantes ao Skinner e seus seguidores, o papel do ambiente é muito mais
conhecimento biológico, tais como a proposta evolucionista importante do que a maturação biológica. Na verdade, são os
de Darwin, a Embriologia e a Genética. estímulos presentes numa dada situação que levam ao
A evolução para Darwin, biólogo inglês que viveu no século aparecimento de um determinado comportamento.
passado, resulta de mudança graduais e cumulativas no Segundo os ambientalista , os indivíduos buscam maximizar
desenvolvimento das espécies. Essas mudanças, por sua o prazer e minimizar a dor. Manipulando-se os elementos
vez, decorrem de variações hereditárias que fornecem presentes no ambiente - que por, esta razão, são chamados
vantagens adaptativas em relação às condições ambientais de estímulos - é possível controlar o comportamento: fazer
prevalecentes. O papel do ambiente é bastante limitado. com que aumente ou diminua a frequência com que ele
Cabe-lhe apenas determinar, dentre as possibilidades aparece; fazer com que ele desapareça ou só apareça em
naturais de variação, quais são as mais adaptativas para a situações consideradas adequadas; fazer com que se atribui
espécie, isto é, as que melhor permitem à espécie sobreviver à concepção ambientalista urna visão do indivíduo enquanto
num ambiente específico. Só os mais aptos de uma ser extremamente reativo à ação do meio.
determinada espécie - aqueles capazes de se adaptar ao
meio - sobreviveram. Mudanças no comportamento podem ser provocadas de
diversas maneiras. Uma dela requer uma analise das
Aplicada ao desenvolvimento humano, essa teoria foi consequências ou resultados que o mesmo produz no
frequentemente mal interpretada. A teoria darwiniana acabou, ambiente. As consequências positivas são chamadas de
sendo erroneamente entendida como postulando aquilo que reforçamento e promovem um aumento na frequência com
nunca pretendeu: que os fatores ambientais eram incapazes que o comportamento aparece. Por exemplo, se após
de exercer um efeito direto tanto na espécie quanto no arrumar os seus brinquedos (comportamento), a criança ouvir
organismo. elogios da mãe (consequência positiva), ele procurará deixar
Em relação à espécie, deixou-se de lado a influência da os brinquedos arrumados mais vezes, porque estabeleceu
experiência individual de cada pessoa; equiparou-se, uma associação entre esse comportamento e aquele da sua
conseqüentemente, o complexo comportamento sócio- mãe. Já em consequências negativas recebem o nome de
cultural do homem àquele que é típico de organismos punição e levam a uma diminuição na frequência com que
inferiores, onde se observa pouca ou nenhuma diferenciação. certos comportamentos ocorrem. Por exemplo, se cada vez
Os primeiros conhecimentos produzidos na embriologia que João quebrar uma vidraça ao jogar bola
também forneceram subsídios para as teorias ¡natistas. Na (comportamento ), ele for obrigado a pagar pelo estrago
verdade, esses primeiros dados apontaram para sequências (consequência negativa), ele passara a tomar mais cuidado
de desenvolvimento praticamente invariáveis que seriam, em ao jogar , diminuindo os estragos em janelas.
grande parte, reguladas por fatores endógenos, ou seja, de Quando um comportamento é absolutamente inadequado e
origem interna. se considera desejável eliminá-lo totalmente do repertório de
Dados mais recentes da Embriologia indicam que o ambiente comportamentos de um certo indivíduo, usa-se o
interno tem um papel central no desenvolvimento do embrião, procedimento dito de extinção. Nele o objetivo é quebrar o elo
assim como o ambiente externo é fundamental para o que se estabeleceu entre o comportamento visto como
desenvolvimento pós-natal. Não há, pois, bases empíricas ou indesejável e determinadas consequências do mesmo. Para
teóricas que sirvam de apoio para a visão inatista no âfnbito tanto, é preciso que se retire do ambiente as consequências
da Psicologia. Tal visão, no entanto, gerou uma ideia de que o mantém.
homem que produziu uma abordagem rígida, autoritária e, Mais recentemente , outros teóricos afirmaram que o

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PSICOLOGIA

comportamento humano também se modifica em função da especificação dos reforçadores que serão utilizados. A
observação de como agem outras pessoas, que se tornam concepção ambientalista da educação valoriza o papel do
modelos a serem copiados. Quando os comportamentos dos professor, cuja importância havia sido minimizada na
modelos são reforçados, tende-se a imitá-los e quando são abordagem inatista. Coloca em suas mãos a
punidos , procura-se evitá-los. Na visão ambientalista, a responsabilidade de planejar, organizar e executar - com
atenção de uma pessoa é, portanto, função das sucesso - as situações de aprendizagem.
aprendizagens que realizou ao longo de sua vida , em
contato com estímulos que reforçaram ou puniram seus Por outro lado, as teorias ambientalistas tiveram também
comportamentos anteriores. efeitos nocivos na prática pedagógica. A educação foi sendo
entendida como tecnologia, ficando de lado a reflexão
Para explicar o surgimento de novos comportamentos ou filosófica sobre a sua prática. A ênfase na tecnologia
daqueles valorizados em uma dada sociedade é preciso educacional exigia do professor um profundo conhecimento
prestar atenção aos estímulos que provocam o aparecimento dos fatores a serem considerados numa programação de
do comportamento desejado. De igual modo, a eliminação de ensino, contudo tal conhecimento não era transmitido a eles.
modos de ser visto como impróprios também exige atenção Programar o ensino deixou de ser uma atividade cognitiva de
aos estímulos que desencadeiam a conduta tida como pesquisar condições de aprendizagem para se tornar uma
inadequada. Pode-se assim , dizer que o comportamento é atividade meramente formal de colocar os projetos de aula
sempre o resultado de associações estabelecidas entre algo numa fórmula-padrão. A principal crítica que se faz ao
que provoca ( um estímulo antecedente) e algo que segue e ambientalismo é quanto à própria visão de homem adotada: a
o mantém (um estímulo consequente ). seres humanos como criaturas passivas face ao ambiente,
que podem ser manipuladas e controladas pela simples
Quando um comportamento for associado a um determinado alteração das situações em que se encontram. Nesta
estímulo, ele tende a reaparecer quando estiveram presentes concepção , não há lugar para a criação de novos
estímulos semelhantes. Este fenómeno é chamado de comportamentos.
generalização. Quando os estímulos são objetos, a cor, a
forma e o tamanho são aspectos importantes para que haja Na sala de aula, ela acarretou um excessivo diretivismo por
percepção de semelhança e generalização de parte dos adultos. Deixou-se de valorizar e fazer uso de
comportamentos. situações onde a aprendizagem pode se dar de modo
espontáneo, como aquelas onde as crianças cooperam entre
Após a aquisição da linguagem pela criança, as palavras si para alcançarem um fim comum..
tornam-se a base para generalizações. Mas não só isso.
Além de a criança aprender a perceber semelhanças entre Não há, na concepção ambientalista, preocupação em
estímulos e a generalizar comportamentos, ela também explicaros processos através dos quais a criança raciocina e
aprende o inverso, ou seja, a discriminar estímulos a partir que estariam presentes na forma como ela se apropria de
das suas diferenças. Uma criança que aprendeu a palavra conhecimentos.
"cachorro" associando-a a um animal de quatro patas, pode
usa-la, inicialmente, para nomear outros animais de quatro A Concepção Interacionista: Piaget e Vygotski
patas, como gatos e coelhos. Rapidamente, contudo, ela Para os psicólogos interacionistas o organismo e o meio
aprende a distinguir as características definidoras de um exercem ação recíproca. Um influencia o outro e essa
cachorro - como o latido - e passa a discriminar corretamente interação acarreta mudanças sobre o indivíduo. É, pois, na
as várias espécies de animais. interação da criança com o mundo físico e social que as
A aprendizagem na concepção , pode assim ser entendida características e peculiaridades desse mundo vão sendo
como o processo pelo qual o comportamento é modificado conhecidas. Para cada criança, a construção desse
com resultado da experiência. Além das condições já conhecimento exige elaboração , ou seja, uma ação sobre o
mencionadas para que a aprendizagem se dê mundo.
-estabelecimento de associações entre um estímulo e uma A concepção ¡nteracionista de desenvolvimento apoia-se ,
resposta e entre uma resposta e um reforçador - é importante portanto, na ideia de interação entre organismo e meio e vê a
que se leve em conta o estado fisiológico e psicológico do aquisição de conhecimento como um processo construído
organismo. Para que a aprendizagem ocorra é preciso, pelo indivíduo durante toda a sua vida, não estando pronto ao
portanto, que se considere a natureza dos estímulos nascer nem sendo adquirido passivamente graças às
presentes na situação, tipo de resposta que se espera obter e pressões do meio. Tomaremos duas correntes teóricas no
o estado físico e psicológico do organismo. É ainda interacionismo: a elaborada por Piaget e seus seguidores e a
importante aquilo que resultará da própria aprendizagem: defendida por teóricos soviéticos, em especial por Vygotski.
mais conhecimento , elogios, prestígios , notas altas etc. Estas duas correntes serão brevemente analisadas,
Na visão ambientalista, a ênfase está em propiciar novas apontando-se suas semelhanças e diferenças.
aprendizagens, por meio da manipulação dos estímulos que A TEORIA DE JEAN PIAGET
atendem e sucedem o comportamento. Para tanto, é preciso
uma análise rigorosa da forma como indivíduos atuam em Jean Piaget (1896-1980) é o mais conhecido dos teóricos que
seu ambiente, identificando os estímulos que provocam o defendem a visão interacionista de desenvolvimento.
aparecimento do comportamento-alvo e as consequências Formado em biologia e Filosofia, dedicou-se a investigar
que o mantém. A esta análise dá-se o nome de análise cientificamente como se forma o conhecimento. Ele
funcional do comportamento. Nela defende-se o considerou que se estudasse cuidadosa e profundamente a
planejamento das condições ambientais para a aprendizagem maneira pela qual as crianças constróem as noções
de determinados comportamentos. fundamentais de conhecimento lógico - tais como as de
tempo, espaço, objeto, causalidade, etc. - poderia
A introdução de teorias ambientalistas na sala de aula teve o compreender a génese ( ou seja, o nascimento) e a evolução
mérito de chamar a atenção dos educadores para a do conhecimento humano.
importância do planejamento de ensino. A organização das
condições para que a aprendizagem ocorra exige clareza a Inicialmente, Piaget trabalhou com dois psicólogos franceses,
respeito dos objetivos que se quer alcançar, a estipulação da Binet e Simón, que, por volta de 1905, tentavam elaborar um
sequência de atividades que levarão ao objetivo proposto e a instrumento para medir a inteligência das crianças que

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PSICOLOGIA

frequentavam as escolas francesas. Tal instrumento - o teste esquemas sensoriomotores para se relacionar e conhecer
de inteligência Binet-Simon - foi o primeiro teste destinado a outros seres humanos.
fornecer a idade mental de um indivíduo e é o primeiro teste
destinado a fornecer a idade mental de um indivíduo, e é até Dentre as principais aquisições do período sensoriomotor,
hoje utilizado, depois de ter sofrido sucessivas adaptações. destaca-se a construção da noção de "eu", através da qual a
Ao analisar as respostas das crianças do teste, Piaget criança diferencia o mundo externo do seu próprio corpo. O
começou a se interessar pelas respostas erradas das bebé o explora, percebe suas diversas partes, experimenta
crianças, salientando que estas só "erravam" porque as emoções diferentes, formando a base do seu autoconceito.
respostas eram analisadas a partir de um ponto de vista do Mas não é só isso. Ao longo desta etapa, a criança irá
adulto. elaborar a sua organização psicológica básica, seja no
aspecto motor, no perceptivo, no afetivo, no social e no
Na verdade as respostas infantis seguiam uma lógica própria. intelectual.
Piaget concebeu, então, que a criança possui uma lógica de Além de perceber a diferença entre si mesma e os objetos ao
funcionamento mental que difere - qualitativamente - da seu redor, a criança será capaz de estabelecer também
lógica do funcionamento mental do adulto. Propôs-se diferenças entre tais objetos, chegando, finalmente, à
conseqüentemente a investigar como, através de quais concepção de uma realidade estável, onde a existência dos
mecanismos, a lógica infantil se transforma em lógica adulta. objetos é independente da percepção ¡mediata. Esta é uma
Nessa investigação, Piaget partiu de uma concepção de grande conquista . Após ter sido capaz de identificar um
desenvolvimento envolvendo um processo contínuo de trocas objeto, separando-o dos demais, o bebé, todavia, age em
entre o organismo vivo e o meio ambiente. relação a esse objeto apenas se ele estiver visível à sua
frente . Se um bebé de cinco meses de idade estiver
EQUILÍBRIO / EQUILIBRAÇÂO brincando com um objeto e se este for coberto por um pano,
A noção de equilíbrio é o alicerce da teoria de Piaget. Para ¡mediatamente ele volta sua atenção para outra coisa, agindo
este autor, todo organismo vivo procura manter um estado de como se o primeiro objeto, por ter sido coberto, tivesse
equilíbrio ou de adaptação com seu meio, agindo de forma a deixado de existir. Só mais tarde, aos oito meses, o bebé se
superar perturbações na relação que ele estabelece com o apercebe que o objeto está ali, debaixo do pano. Experimenta
meio. O processo dinâmico e constante do organismo buscar grande satisfação com este fato, escondendo o objeto com o
um novo e superior estado de equilíbrio é denominado pano e descobrindo-o , varias vezes.
processo de equilibraçâo majorante. Nesse mesmo período, as concepções de espaço, tempo e
Para Piaget, o desenvolvimento cognitivo do indivíduo ocorre causalidade começam a ser construídas , possibilitando à
através de constantes desequilíbrios e equilibrações . O criança novas formas de ação prática para lidar com o meio.
aparecimento de uma nova possibilidade orgânica no Aos poucos, o período sensoriomotor vai-se modificando.
indivíduo ou na mudança de alguma característica do meio Esquemas cada vez mais complexos são construídos, de
ambiente, por mínima que seja, provoca a ruptura do estado forma a preparar e dar origem ao aparecimento da função
de repouso - da harmonia entre organismo e meio -causando simbólica, portanto, do universo restrito do aqui-e-agora. O
um desequilíbrio. aparecimento da função simbólica altera drasticamente a
forma como a criança lida com o meio e anuncia uma nova
Dois mecanismos são acionados para alcançar um novo etapa, denominada pré-operatória.
estado de equilíbrio. O primeiro recebe o nome de
assimilação. Através dele o organismo sem alterar suas II - A etapa pré-operatória
estruturas - desenvolve ações destinadas a atribuir A etapa pré-operatória é marcada, em especial, pelo
significações , a partir da sua experiência anterior, aos aparecimento da linguagem oral, por volta dos dois anos. Ela
elementos do ambiente com os quais interage. O outro permitirá à criança dispor - além da inteligência prática
mecanismo, através do qual o organismo tenta restabelecer construída na fase anterior - da possibilidade de ter
um equilíbrio superior com o meio ambiente, é chamado de esquemas de ação interiorizados , chamados de esquemas
acomodação. Agora , entretando, o organismo é impelido a representativos ou simbólicos, ou seja, esquemas que
se modificar, a se transformar para se ajustar às demandas envolvem uma ideia preexistente a respeito de algo. É capaz
impostas pelo ambiente. de formar, por exemplo, representações de avião, de papai,
As etapas do desenvolvimento cognitivo: de sapato, de que não se deve bater em outra criança etc.

I - A etapa sensoriomotora A partir dessas novas possibilidades de lidar com o meio ,


dos dois anos em diante a criança poderá tomar um objeto ou
Vai do nascimento até, aproximadamente, os dois anos de uma situação por outra, por exemplo, pode tomar um boneco
idade. Nela, a criança baseia-se exclusivamente em por um bebé ou pode tomar uma bolsa, colocando-a no braço
percepções sensoriais e em esquemas motores para resolver e agindo como se fosse sua mãe preparando-se para sair de
seus problemas, que são essencialmente práticos; bater casa.
numa caixa, pegar um objeto, jogar uma bola etc. Nesse
período, muito embora a criança tenha já uma conduta O pensamento pré-operatório indica, portanto, inteligência
inteligente, considera-se que ela ainda não possui capaz de ações interiorizadas, ações mentais. Ele é,
pensamento. Isto porque, nessa idade, a criança não dispõe entretanto , diferente do pensamento adulto, como é fácil de
ainda da capacidade de representar eventos, de evocar o se constatar. Em primeiro, depende das experiências infantis,
passado e de referir-se ao futuro está presa ao aqui-e-agora refere-se a elas, sendo portanto um pensamento que a
da situação. Para conhecer, portanto, lança mão de criança centra em si mesma. Por esta razão, o pensamento
esquemas sensoriomotores: pega, balança, joga, bate, morde pré-operatório recebe o nome de pensamento egocêntrico. É
objetos e atua sobre os mesmos de uma forma "pré-lógica" um pensamento rígido, que tem como ponto de referência a
colocando um sobre o outro, um dentro do outro . Forma, própria criança. Outra característica do pensamento desta
assim, "conceitos sensoriomotores" de maior, de menor, de etapa é o animismo. Este termo indica que a criança
objetos que balançam e objetos que não balançam etc. empresta a "alma" ("anima" em latim ) às coisas e animais,
Ocorre, como consequência, uma "definição" do objeto por atribuindo-lhes sentimentos e intenções próprios do ser
intermédio do seu uso. A criança pequena também aplica humano. Assim, é frequente ouvi-la dizer que a mesa é má

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PSICOLOGIA

quando ela machuca a sua cabeça, de que o vento "quer" pensamento operatório-formal, irá afirmar que o animal em
embaraçar o seu cabelo penteado. questão poderia receber qualquer nome, à exceção de
cavalo, uma vez, por definição (e não concretamente),
O pensamento da criança de dois a sete anos apresenta, "cavalo" é o nome que, na situação, se convenciou dar à uma
ainda, uma outra característica, bastante similar ao animismo. coruja.
É o antropomorfismo ou a atribuição de uma forma humana a
objetos e animais. As nuvens, por exemplo, podem ser A libertação do pensamento das amarras do mundo concreto,
concebidas como grandes rostos que sopram um hálito forte. adquirido no operatório - formal, permitirá ao adolescente
As ações no período pré-operatório, embora internalizadas, pensar e trabalhar não só com a realidade concreta, mas
não são ainda reversíveis. também com a realidade possível. Como consequência, a
partir de treze anos, o raciocínio pode, pela primeira vez,
Ill - A etapa operatório-concreta utilizar hipóteses, visto que estas não são, em princípio, nem
Por volta dos sete anos de idade, as características da falsas nem verdadeiras: são apenas possibilidades. Uma vez
inteligência infantil, a forma como a criança lida com o mundo de posse dessa faculdade de produzir e operar com base em
e o conhece, demonstram que ela se encontra numa nova hipóteses, é possível derivar delas todas as consequências
etapa de desenvolvimento cognitivo: a etapa operatório- lógicas cabíveis. A construção típica da etapa operatório-
concreta. Ao se comparar as aquisições deste período com o forma é, assim, o raciocínio hipotético-dedutivo: é ele que
anterior, observa-se que grandes modificações ocorreram. permitirá ao adolescente estender seu pensamento até o
infinito.
Essa etapa é a etapa do pensamento lógico, objetivo, adquire
preponderância. Ao longo dela, as ações interiorizadas vão- Ao atingir o opertório-formal, o adolescente atinge o grau
se tornando cada vez mais reversíveis e, portanto, móveis e mais complexo do seu desenvolvimento cognitivo. A tarefa, a
flexíveis. O pensamento se torna menos egocêntrico, menos partir de agora, será apenas a de ajustar, solidificar e estofar
centrado no sujeito. Agora a criança é capaz de construir um as suas estruturas cognitivas.
conhecimento mais compatível com o mundo que a rodeia. O Piaget acredita que existem, no desenvolvimento humano,
real e a fantástico não mais se misturarão em sua percepção. diferentes momentos: um pensamento, uma maneira de
O pensamento é denominado operatório porque é reversível: calcular, uma certa conclusão, podem parecer absolutamente
o sujeito pode retornar, mentalmente, ao ponto de partida. A corretos em um determinado período de desenvolvimento e
criança opera quando tem noção, por exemplo, de que absurdos num outro. As etapas de desenvolvimento do
2+3=5, pois sabe que 5-3=2. De igual modo, a compreensão pensamento são, ao mesmo tempo, contínuas e
de que uma dada quantidade de argila não se altera, se eu descontínuas. Elas são contínuas porque sempre se apoiam
emprego a mesma porção para fazer uma salsicha e a seguir na anterior, incorporando-a e transformando-a. Fala-se em
para transformar a salsicha em bola, também constitui uma descontinuiade no desenvolvimento, por outro lado, porque
operação. A construção das operação possibilita, assim a cada nova etapa não é mero prolongamento da que lhe
elaboração da noção de conservação. O pensamento agora antecedeu: transformações qualitativas radicais ocorrem no
baseia-se mais no raciocínio que na percepção. modo de pensar das crianças. As etapas de desenvolvimento
encontram-se, assim, funcionalmente relacionadas dentro de
Neste período de desenvolvimento o pensamento operatório um mesmo processo. As diferentes etapas cognitivas
é denominado concreto porque a criança só consegue pensar apresentam, portanto, características próprias e cada uma
corretamente nesta etapa se os exemplos ou materiais que delas constitui um determinado tipo de equilíbrio. Ao longo do
ela utiliza para apoiar seu pensamento existem mesmo e desenvolvimento mental, passa-se de uma para outra etapa,
podem ser observados. A criança não consegue ainda pensar buscando um novo e mais completo equilíbrio que depende,
abstratamente, apenas com base em proposições e entretanto, das construções passadas.
enunciados. Pode então ordenar, seriar, classificar, etc.
Não é possível passar, por exemplo, da etapa sensoriomotora
IV- A etapa operatório-formal para a operatório-concreta, "pulando" a pré-opera-tória. A
A principal característica da etapa operatório-forma, por sua sequência das etapas é sempre invariável, muito embora,
vez, reside no fato de que o pensamento se toma livre da como já foi visto, a época em que as mesmas são alcançadas
limitações da realidade concreta. O que significa isso? Como possa não ser a mesma para todas as crianças. De igual
já foi assinalado, a criança que se encontra no período modo, as etapas do desenvolvimento cognitivo não são
operatório-concreto só consegue pensar corretamente, com reversíveis: ao se construir uma determinada capacidade
lógica, se o conteúdo do seu pensamento estiver mental, não é mais possível perdê-la.
representado fielmente a realidade concreta. Por exemplo, a Temos quatro fatores básicos responsáveis pela passagem
partir de diversas situações envolvendo observações de de uma etapa de desenvolvimento mental para a seguinte - a
cavalos, fotos de cavalos e histórias sobre cavalos, a criança maturidade do sistema nervoso, a interação social (que se dá
constrói a noção de cavalo como sendo um animal de porte através da linguagem e da educação), a experiência física
grande, de quatro patas, que gosta de comer capim e que é com os objetos e, principalmente, a equilibração, ou seja, a
utilizado no transporte de coisas e pessoas. necessidade que a estrutura cognitiva tem de se desenvolver
No nível operatório-forma, a partir dos 13 anos de idade, a para enfrentar as demandas ambientais - o do menor peso,
criança se torna capaz de raciocinar logicamente mesmo se na teoria piagetiana, é a interação social. Desta maneira, a
o conteúdo do seu raciocínio é falso. Por exemplo, é possível educação - e em especial a aprendizagem - tem, no entender
combinar com duas crianças de idades diferentes, uma no de Piaget, um impacto reduzido sobre o desenvolvimento
período operatório-concreto e outra no operatório-formal, que intelectual. Desenvolvimento cognitivo e aprendizagem não
a figura de uma coruja desenhada em um papel receberá o se confundem: o primeiro é um processo espontâneo, que se
nome de "cavalo". A seguir, pede-se a elas que identifiquem apoia predominantemente no biológico. Aprendizagem, por
oralmente qual é o nome de um animal de porte grande, que outro lado, é encarada como um processo mais restrito,
comem capim e transporta pessoas e coisas. A criança do causado por situações específicas (como a frequência à
período operatório-concreto irá ignorar o que foi escolar) e subordinado tanto à equilibração quanto a
anteriormente combinado e dirá que o nome do animal maturação.
proposto é cavalo. Já a mais velha, que já apresenta um

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PSICOLOGIA

A TEORIA DE VYGOSTSKI capacidade de solucionar problemas, o armazenamento e o


uso adequado da memória, a formação de novos conceitos, o
Um outro tipo de interacionismo é proposto por Lev desenvolvimento da vontade - aparecem, inicialmente, no
Seminovitch Vygostski (1896-1934). Nascido na Rússia, ele plano social (ou seja, na interação envolvendo pessoas) e
escreveu, em sua curta vida, uma ampla e importante obra, apenas elas surgem no plano psicológico (ou seja, no próprio
da qual apenas alguns livros foram traduzidos para o indivíduo). A construção do real pela criança, ou seja, a
português. apropriação que esta faz da experiência social, parte, pois, do
Em seu trabalho e nos dos seus seguidores, especialmente social (da interação com os outros) e, paulatinamente, é
no dos seus compatriotas Luria e Leontiev, encontra-se uma internalizada por ela.
visão de desenvolvimento baseado paulatinamente num Segundo Vygostski, a aquisição de um sistema linguístico
ambiente que é histórico e, em essência, social. Nessa teoria reorganiza, pois, todos os processos mentais infantis. A
é dado destaque às possibilidades que o indivíduo dispõe a palavra dá forma ao pensamento, criando novas modalidades
partir do ambiente em que vive e que dizem respeito ao de atenção, memória e imaginação.
acesso que o ser humano tem a "instrumentos" físicos (como
a enxada, a faca, a mesa, etc) e simbólicos (como a cultura, Vygostski adota a visão de que pensamento e linguagem são
valores, crenças, costumes, tradições, conhecimentos) dois círculos interligados. É na interseção deles que se
desenvolvidos em gerações precedentes. produz o que se chama pensamento verbal, o qual não inclui,
assim, nem todas as formas de pensamento, nem todas as
Vygostski defende a ideia de contínua interação entre as formas de linguagem. Existem, portanto, áreas do
mutáveis condições sociais e a base biológica do pensamento que não têm relação direta com a fala, como é o
comportamento humano. Partindo de estruturas orgânicas caso da inteligência prática, em geral. Por outro lado,
elementares, determinadas basicamente pela maturação, Vygostski dá uma importância tão grande ao pensamento
formam-se novas e mais complexas funções mentais, a verbal que chega a afirmar que as estruturas de linguagem
depender da natureza das experiências sociais a que as dominadas pela crianças passam a constituir as estruturas
crianças se acham expostas. básicas de sua forma de pensar.
A forma como fala é utilizada na interação social com adultos Ao reconhecer a imensa diversidade nas condições histórico-
e colegas mais velhos desempenha um papel importante na sociais em que as crianças vivem, Vygotski não aceita a
formação e organização do pensamento complexo e abstraio possibilidade de existir uma sequência universal de estágios
individual. O pensamento infantil, amplamente guiado pela cognitivos, como propões Piaget. Para Vygotski, os fatores
fala e pelo comportamento dos mais experientes, biológicos preponderam sobre os sociais apenas no início da
gradativamente adquire a capacidade de se auto-regular. Por vida das crianças e as oportunidades que se abrem para
exemplo, quando a mãe mostra a uma criança de dois anos cada uma delas são muitas e variadas, adquirindo destaque,
um objeto e diz "a faca corta e dói", o fato de ela apontar para em sua teoria, as formas pelas quais as condições e as
o objeto e de assim descrevê-lo provavelmente provocará interações humanas afetam o pensamento e o raciocínio.
uma modificação na percepção e no conhecimento da
criança. O gesto e a fala materna servem como sinais A CONSTRUÇÃO DO PENSAMENTO COMPLEXO E DO
externos que interferem no modo pelo qual o menino ou a ABSTRATO
menina age sobre seu ambiente: com o tempo, ocorre uma
interiorizaçào progressiva das direções verbais fornecidas à Para Vygotski, o processo de formação de pensamento é,
criança pêlos membros mais experientes de uma ambiente portanto, despertado e acentuado pela vida social e pela
social. constante comunicação que se estabelece entre crianças e
adultos, a qual permite a assimilação da experiência de
O processo de interiorização progressiva das orientações muitas gerações.
advindas do meio social é um processo ativo, no qual a
criança apropria-se do social de uma forma particular. Reside Como foi citado por DAVIS, C. e OLIVEIRA, Z. (1997), a
aí, na verdade, o papel estruturante do sujeito: interiorização linguagem segundo Vygotski intervém no processo de
e transformação se integra no social, é capaz de posicionar- desenvolvimento intelectual da criança praticamente já desde
se frente ao mesmo, ser seu crítico e seu agente o nascimento. Quando os adultos nomeiam objetos,
transformador. Assim, à medida que as crianças crescem, indicando para a criança as várias relações que estes
elas vão internalizando a ajuda externa que se torna cada vez mantêm entre si ela constrói formas mais complexas e
mais necessária: a criança mantém, agora, o controle sobre sofisticadas de conceber a realidade. Sozinha, não seria
sua própria conduta. Através da fala, o ambiente físico e capaz de adquirir aquilo que obtém por intermédio de sua
social pode ser melhor apreendido, aquilatado e interação com os adultos e com as outras crianças, num
equacionado: a fala modifica, assim a qualidade do processo em que a linguagem é fundamental.
conhecimento e pensamento que se tem do mundo em que DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM
se encontra.
Vygotski considera três teorias principais que discute a
Ao interiorizar instruções, as crianças modificam suas relação entre desenvolvimento e aprendizagem. Na primeira,
funções psicológicas: percepção, atenção, memória, desenvolvimento é encarado como um processo maturacional
capacidade para solucionar problemas. É dessa maneira que que ocorre antes da aprendizagem, criando condições para
formas historicamente determinadas e socialmente que esta se dê. É preciso haver um determinado nível de
organizadas de operar com informação influenciam o desenvolvimento para que certos tipos de aprendizagem
conhecimento de mundo e as consequentes formas de sejam possíveis. Esta é, em essência, a posição defendida
interagir com as crianças adotadas pelos adultos no século por Piaget. Na segunda teoria, a comportamentalista ou
XV diferem substancialmente das utilizadas hoje em dia, behaviorista, a aprendizagem é desenvolvimento, entendido
especialmente se as comparamos com as do mundo urbano como acúmulo de resposta aprendidas. Nessa concepção, o
moderno, fortemente influenciado pêlos meios de desenvolvimento ocorre simultaneamente à aprendizagem,
comunicação de massa. Traduzem formas diferentes de ao invés de precedê-la. O terceiro modelo teórico sugere que
organizar, planejar e atuar sobre a realidade. desenvolvimento e aprendizagem são processos
Deste modo, as funções mentais superiores - como a independentes que interagem, afetando-se mutuamente:

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PSICOLOGIA

aprendizagem causa desenvolvimento e vice-versa. relação entre linguagem e pensamento


Para Vygotski, no entanto, nenhuma das propostas acima é Segundo Piaget, o pensamento aparece antes da linguagem,
satisfatório, muito embora ele reconheça que aprendizagem e que apenas é uma das formas de expressão. A formação do
desenvolvimento sejam fenómenos distintos e pensamento depende, basicamente, da coordenação dos
interdependentes, cada um tornando o outro possível. esquemas sensoriomotores e não da linguagem. Estasó pode
Questionando a interação entre estes dois processos, ocorrer depois que a criança já alcançou um determinado
Vygotski aponta o papel da capacidade do homem de nível de habilidades mentais, subordinando-se, pois aos
entender e utilizar a linguagem. Assim vê a inteligência como processos de pensamento. A linguagem possibilita à criança
habilidade para aprender, desprezando teorias que concebem evocar um objeto ou acontecimento ausente na comunicação
a inteligência como resultado de aprendizagens prévias, já de conceitos. Piaget, todavia, estabeleceu uma clara
realizadas. Para ele, as medidas tradicionais de separação entre as informações que podem ser passadas por
desenvolvimento, que se utilizam de testes psicológicos meio da linguagem e os processos que não parecem sofrer
padronizados, focalizam apenas aquilo que as crianças são qualquer influência dela. Este é o caso das operações
capazes de realizar sozinhas. Para Vygotski, o processo de cognitivas que não podem ser trabalhadas por meio de
desenvolvimento nada mais é do que a apropriação ativa do treinamento específico feito com o auxílio da linguagem. Por
conhecimento disponível na sociedade em que a criança exemplo, não se pode ensinar, apenas usando palavras, a
nasceu. É preciso que ela aprenda e integre em sua maneira classificar, a seriar, a pensar com reversibilidade.
de pensar o conhecimento da sua cultura. O funcionamento
intelectual mais complexo desenvolve-se graças a regulações Já para Vygotski, pensamento e linguagem são processos
realizadas por outras pessoas que, gradualmente, são interdependentes, desde o início da vida. A aquisição da
substituídas por auto-regulações. Em especial, a fala é linguagem pela criança modifica suas funções mentais
apresentada, repetida e refinada, acabando por ser superiores: ela dá uma forma definida ao pensamento,
internalizada, permitindo à criança processar informações de possibilita o aparecimento da imaginação, o uso da memória
uma forma mais elaborada. e o planejamento da ação. Neste sentido, a linguagem,
diferentemente daquilo que Piaget postula, sistematiza a
PIAGET E VYGOTSKI: DIFERENÇAS E SEMELHANÇAS experiência direta das crianças e por isso adquire uma função
central no desenvolvimento cognitivo, reorganizando os
Do ponto de vista de DAVIS, C. e OLIVEIRA, Z. (1997), tanto processos que nele estão em andamento.
Piaget com o Vygotski concebem a criança como um ser
ativo, atento, que constantemente cria hipóteses sobre o seu 2. Crescimento e desenvolvimento: o biológico em
ambiente. Ha, no entanto, grandes diferenças na maneira de ¡nteração com o psicológico e o social
conceber o processo de desenvolvimento. As principais
delas, em resumo, são as seguintes: Peter Pan (O menino que não queria crescer), sabia que
crescer significava tornar-se adulto, implicava ter que mudar
a) Quanto ao papel dos fatores internos e externos no sua aparência física e assumir novos papéis. Por isso Peter
desenvolvimento Pan queria continuar menino. Essa era a maneira de não
enfrentar as mudanças que necessariamente viriam com o
Piaget privilegia a maturação biológica; Vygotski, o ambiente crescimento. Ora, quando se fala em crescimento, em geral
social. Piaget, por aceitar que o fatores internos preponderam as pessoas estão se referindo ao aspecto quantitativo da
sobre os externos, postula que o desenvolvimento segue uma evolução humana.
sequência fixa e universal de estágios. Vygotski, ao salientar
o ambiente social em que a criança nasceu, reconhece que, As razões que provocam o crescimento e ocasionam tantas
em se variando esse ambiente, o desenvolvimento também modificações não são de todos conhecidas. Até hoje, pôr
variará. Neste sentido, para este autor, não se pode aceitar exemplo, não há consenso entre os biólogos a respeito de
uma visão única, universal, de desenvolvimento humano. pôr que as células crescem e se organizam. No entanto toda
matéria viva tem necessidade de manter um equilíbrio entre
b) Quanto à construção real meio interno e meio externo, o crescimento pode ser
Piaget acredita que os conhecimentos são elaborados entendido como uma das consequências das trocas entre
espontaneamente pela criança, de acordo com o estágio de organismo e meio. A alimentação, a luz, a temperatura e a
desenvolvimento em que esta se encontra. A visão particular composição química do meio contribuem para a dinâmica de
e peculiar (egocêntrica) que as crianças mantêm sobre o crescimento. De igual maneira, também os hormõnios são
mundo vai, progressivamente, aproximando-se da concepção importantes para o equilíbrio dos diferentes órgãos e tecidos.
dos adultos; torna-se socializada, objetiva. Vygotski discorda O crescimento humano não é, desta maneira, mera
de que a construção do conhecimento proceda do individual manifestação do biológico, mas também expressão da
para o social. Em seu entender a criança já nasce num condições existentes no mundo social, em especial, dos
mundo social e, desde o nascimento, vai formando uma avanços técnicos e das conquistas culturais.
visão desse mundo através da interação com adultos ou
crianças mais experientes. A construção do real é, então, O crescimento humano ocorre dentro de um espaço em
mediada pelo interpessoal antes de ser internalizada pela contínua transformação pela ação social. Nele, o psíquico e o
criança. Desta forma, procede-se do social para o individual, biológico estão em constante interação, de modo que o
ao longo do desenvolvimento. primeiro impulsiona o segundo em direção a constantes e
sucessivas modificações. Na criança, as possibilidades de
c) Quanto ao papel da aprendizagem crescimento existem como capacidade biopsicológicas
Piaget acredita que a aprendizagem subordina-se ao potenciais. Dessa maneira, a realização efetiva dessas
desenvolvimento e tem pouco impacto sobre ele. Com isso, capacidades depende das condições sócio-culturais
ele minimiza o papel da interação social. Vygotski, ao disponíveis. É diferente se a mesma criança for colocada
contrário, postula que desenvolvimento e aprendizagem são para viver num ambiente com boa alimentação e condições
processos que se influenciam reciprocamente, de modo que, sanitárias adequadas, onde existem oportunidades para viver
quanto mais aprendizagem, mas desenvolvimento. situações de trabalho e de prática de esportes, ou em outro
ambiente onde estas características não se encontram
d) Quanto ao papel da linguagem no desenvolvimento e à presentes.

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PSICOLOGIA

É importante salientar que um menino ou menina desnutrida, pode ser enganoso. Tais testes não vau além de quantificar
pôr sofrer uma diminuição sensível em seu tônus muscular, comportamentos e atitudes ausentes aparentes: não medem
apresentem características tais como apatia, menor disposições complexas em constante transformações, nem o
capacidade de concentração e de atenção etc. Como significado cultural das mesmas, ou seja, a sua utilidade num
consequência, o padrão de interação estabelecido com determinado grupo social.
ele/ela é menos estimulante do que aquele que se mantém
com uma criança robusta, alerta e atenta. Com isto, as trocas É importante que o professor não exponha a criança
cognitivas e efetivas que a criança desnutrida poderia ter com prematuramente a tarefas que ela ainda não é capaz de
seu ambiente empobrecem-se, perdem o vigor. dominar, pois isto redundaria em fracasso da aprendizagem
ou em aprendizagem à custa de grandes sacrifícios e
Pôr isso é possível considerar que o crescimento e o sofrimentos. Mas o educador pode (e deve) aproveitar ao
desenvolvimento são processos praticamente inseparáveis, máximo as oportunidades de aprendizagem, não adiando as
ainda que distintos. A curva do crescimento nem sempre mesmas indefinidamente, em busca do "estado ideal" de
coincide com o do desenvolvimento. A primeira tende a atingir prontidão. Fundamental é conhecer como o aluno age um
seu ponto mais alto quando a maturação biológica é determinada situação, propor-lhe sucessivos desafios e
alcançada. A curva do desenvolvimento, pôr outro lado, é participar, com ele, da tarefa de solucioná-los. Neste trabalho
contínua, acompanhando o homem durante toda a sua vida. o professor dá pistas aos estudantes para que eles percebam
seus comportamentos e aquilo que lhes é exigido.
O processo de crescimento culmina com o aparecimento de
um tipo de adulto previsto geneticamente. Já o processo de A falta de prontidão para realizar determinadas atividades
desenvolvimento propicia a construção do padrão de muitas vezes acaba se transformando em justificativa
individualidade que caracteriza cada sociedade. Ambos os convincente para alguns professores, sempre que as crianças
processos produzem, no indivíduo, mudanças físicas, "não aprendem" na medida do esperado. Como resultado,
mentais, emocionais e sociais. Compreender o crescimento e quem ensina tende a se isentar de toda e qualquer
o desenvolvimento humano exige, assim que se pense no responsabilidade pelo insucesso dos alunos. Não avalia a
homem - e em si mesmo - não apenas do ponto de vista atuação docente, não se condena a prática pedagógica em
biológico mas, principalmente, como alguém que é sala de aula.
historicamente determinado.
Já o termo inteligencia também recebe tratamento próprio na
3. Questionando o caráter inato da aptidão, prontidão e visão inatista. Tal termo se refere a uma noção complexa e de
inteligência difícil definição. Até o começo do século atual, a inteligencia
era encarada como um potencial finito, herdado por ocasião
A teoria da aptidão é amplamente defendida pela ideologia da concepção e que não sofria, ao longo do tempo, quaisquer
das diferenças individuais. A aptidão é vista como um "dom", mudanças qualitativas. Nessa visão, a inteligência era tida
uma certa habilidade inata, que se refere a um estado com imutável: o ambiente não causava sobre ela nenhum
específico presente no ser humano. Todavia, muito embora impacto.
seja verdade que existem diferenças no potencial biológico
dos indivíduos, não se pode aceitar a noção de que aptidão Contudo, mais recentemente, essa posição foi revista. Sem
seja uma "disposição natural", inata e herdade. se desprezar o papel da herança biológica na inteligência,
reconhece-se, hoje, que esta pode ser afetada drasticamente
Na verdade, se os educadores adotarem essa visão, estarão pelo ambiente. Nesse sentido, ela pode ser melhor entendida
prejudicando as crianças e adolescentes que frequentam a como uma interação complexa entre a hereditariedade e a
escola numa sociedade desigual como é a brasileira, onde as experiência. Assim, o fato de uma criança ir bem na escola,
oportunidades de se desenvolver através da educação ser criativa, resolver satisfatoriamente certas situações-
escolar não são uniformes. Justificar o fracasso ou o sucesso problemas e pôr isso ser tida como inteligente, não pode ser
dos alunos através da teoria da aptidão - da crença de que atribuído exclusivamente a uma herança biológica. O sucesso
uns são mais capazes do que outros para o estudo - é dessa criança deve ser explicado, sobretudo , pela
desconsiderar o grande peso exercido pelas condições de oportunidade que tem de interagir em ambientes
vida da família e pela própria instituição escolar sobre a estimulantes, seja em casa, na escola, seja na vizinhança. Se
aprendizagem. Defender tal visão significa, sobretudo, ocultar ela vivesse em condições diferentes - em um ambiente
a determinação económica que se encontra na base do apático, pouco rico ou motivador - dificilmente ela seria
desenvolvimento humano. percebida como inteligente e criativa.
É mais adequado entender a aptidão como uma disposição Daí a necessidade de se investigar mais de perto o principal
vaga e imprecisa do indivíduo, sobre a qual a educação atua resultado dos esforços para se medir a inteligência: os teste
no sentido de promover o desenvolvimento cognitivo, afetivo, de Ql. Entende-se pôr Ql (quociente de inteligência) o
motor, social, linguístico, etc. Vista dessa ótica, a aptidão não resultado alcançado em testes de nível mental, onde uma
passa de uma tendência para adquirir e aprofundar novos série de tarefas, em ordem crescente de dificuldades, é
padrões de ação e de pensamento. Indica possibilidades de apresentada a crianças, adolescentes ou adultos. Cada uma
aprendizagem, onde preferências naturais se mesclam e se das tarefas do teste está posicionada dentro do nível previsto
complementam com preferências adquiridas, garantindo os para uma determinada idade. Imagine-se que uma criança de
refinamentos e mobilidades necessárias à vida em oito anos respondeu corretamente todos os itens que se
sociedade. Assim, só se deve considerar as aptidões à luz do supunha que uma criança de nove anos pudesse responder.
meio físico e social em que as crianças vivem, uma vez que Quando ela chegou aos quesitos da idade de dez anos ela só
este pode ser favorável ou desfavorável àquelas. acertou metade deles e, naqueles destinados aos onze anos,
A teoria da aptidão não serve, pois, para orientar uma prática só se saiu bem em um quarto. Todos os itens dos doze anos
que beneficie os alunos, auxiliando-os a dominar e a superar foram errados. A idade mental dessa criança, pois, é de 9
as suas dificuldades de aprendizado. Pelo contrário, ela tem anos + 6 meses (1/2 de um ano) + 3 meses (1/4 de um ano) +
sido usada muitas vezes para esconder atuações O, o que dá, como resultado, 9 anos e 9 meses (ou seja, 9
inadequadas da escola, deslocando um problema, que é do anos + 75% de 1 ano). O quociente de inteligência é obtido
ensino, para a aprendizagem. Além do mais, quem decide se dividindo-se a idade mental pela idade cronológica e
a aptidão está ou não presente? O uso de "testes de aptidão" multiplicando-se o resultado pôr 100.

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PSICOLOGIA

No exemplo dado, o Ql dessa criança é: Ql = 9.75 (idade o indivíduo se defronta são percebidos como um todo dotado
mental) X 100 = 121.8 8 (idade cronológica) de sentido. É importante ter claro que a percepção é parte do
sistema dinâmico do comportamento humano. Ela depende
O fato que deve ser questionado, quando se discute a ação de outras atividades intelectuais do indivíduo, ao mesmo
da escola, é que o Ql não costuma ser encarado como aquilo tempo que as influencias. Daí o fato de a percepção e o
que é - o resultado de um teste de inteligência - mas, muitas raciocínio serem processos que se apoiam mutuamente.
vezes, é tomado com sinónimo da própria inteligência. Essa Segundo Piaget a percepção se refere ao conhecimento que
concepção circular ("O que é inteligência? - É resultado que se tem dos objetos ou dos movimentos, obtidos através do
se obtém no teste de Ql. - E o que é Ql? - É aquilo que mede contato direto e atual com os mesmos.
a inteligência.") chega mesmo a existir entre profissionais .
Estes, muitas vezes, não deixam claro nem mesmo o teste A inteligência, por sua vez, possibilita o conhecimento de
ou instrumento no qual o Ql se baseia. Como o Ql tende a ser outros aspectos dos objetos e movimentos e que subsiste
encarado com algo estável, pouco ênfase é colocado nos mesmo na ausencia de contato direto com eles. Dessa forma,
processos que servem de base às modificações qualitativas pode-se perceber que uma criança é alta mesmo sem tornar-
no modo intelectual de se operar. Equiparar a inteligência a lhe a medida de altura.
uma propriedade inata significa rotular algumas crianças de
"incompetentes" sem nenhuma base para tal. As Piaget estudando o desenvolvimento perspectivo, considera
consequências - como no caso da aptidão - são desastrosas, que, durante todo o período sensoriomotor, a percepção não
na medida em que se supõe que pouco resta para a escola se separa da ação.
fazer, pois, quando se supõe que o desempenho insatisfatório Nesse sentido, a percepção é global, sincrética,
é culpa das próprias crianças, não se avalia - pôr não se indiferenciada. O bebé percebe um objeto que já conhece
considerar ser este o foco do problema - a atuação do reproduzindo o gesto que habitualmente emprega quando o
professores. usa. Gradativamente, pôr intermédio do processo de
Em síntese, pôr todas as razões acima levantadas, acredita- equilíbrio, a criança pequena passa a diferenciar os aspectos
se que as teorias inatistas de desenvolvimento tenham-se mais ¡mediatos do objeto de outros significados mais gerais
prestado mais a rotular os alunos como "incapazes" do que a do mesmo. Assim, age diante do objeto de forma cada vez
promover um real entendimento daquilo que, na verdade, mais distanciada da sua experiência imediata, corrigindo
dificulta a aprendizagem. Daí a ênfase dada à visão possíveis deformações perceptivas através de ajustes
¡nteracionista do desenvolvimento humano, pois ela não variados, possibilitados pôr sua estrutura cognitiva: analisa,
acredita numa rotulação estática dos alunos. Antes, procura sintetiza, relaciona, antecipa dados acerca do objeto em
aprendê-los dinamicamente, na sua relação com o mundo, questão, avaliando-os.
em especial com os elementos do ambiente escolar: Já Vygotiski chama atenção para o papel da fala na
pessoas, tarefas, concepções. Sobretudo, na visão modificação das percepções iniciais da crianças pequeña
interacionista, os conceitos de aptidão, prontidão e Pelas palavras, aprendidas na interação com outros membros
inteligência sofrem drásticas transformações: são encarados da sua cultura, as crianças ¡solam certos atributos dos
como construções contínuas do indivíduo em sua relação objetos e formam novas categorias explicativas para os
com o meio. mesmos. Podem então perceber o objeto por rótulos verbais
como "é grande", "é pequeno", "está bem perto", graças à
O DESENVOLVIMENTO COGNITIVO E sua experiência anterior com este e com outros objetos, em
AFETIVO função do grau de domínio que têm sobre a linguagem.
1- O desenvolvimento da sensação, da percepção e da A imaginação é a habilidade que os indivíduos possuem de
imaginação formar representações, ou seja, de construir imagens mentais
acerca do mundo real ou mesmo de situações não
Na construção do conhecimento e fundamentando uma diretamente vivenciadas. A imaginação não pode ser
porção básica da relação do indivíduo com o mundo, considerada, entretanto, como uma cópia fiel de objetos ou
encontram-se a sensação, a percepção e a imaginação. situações, nem como uma invenção, entretanto, como uma
Esses processos, tais como os demais processos cópia fiel de objetos ou situações, nem como uma invenção
psicológicos humanos, desenvolvem-se através da absolutamente livre da influência do real. Antes, a imaginação
experiência da criança em seu ambiente, dependendo das é um reflexo criativo da realidade, como é notar nos
atividades que realiza em seu grupo social. desenhos, histórias e jogos de faz-de-conta das crianças e
A sensação se refere ao reconhecimento dos estímulos também nos filmes, livros, quadros de grandes autores e nos
presentes num ambiente, feito pelo aparato sensorial trabalhos de inventores de vulto.
humano, ou seja, pêlos órgãos dos sentidos. Ela possibilita Todo ser humano pode desenvolver grande capacidade
ao indivíduo informar-se de algumas características e imaginativa, desde que sejam garantidas condições para tal:
propriedades de coisas e fenómenos de seu meio, como, pôr um ambiente acolhedor, que promova a liberdade de
exemplo, a presença de determinadas formas, cores, sons, pensamento, que incentive a ousadia nas formas de
temperatura ambiente, objetos ou pessoas. O ser humano expressão, que valorize a descoberta do novo. Daí a
dispõe, também, de outras coisas, ter noção de equilíbrio e preocupação em fazer da escola também um local onde os
desequilíbrio do próprio corpo. outros possam aperfeiçoar seus processos sensoriais,
A percepção, pôr sua vez, diz respeito ao processo de percetivos e imaginativos. Isso pode ser alcançado pôr meio
organização das informações obtida pôr meio da sensação de experiências que estimulem a exploração, a
em determinadas categorias. Estas se referem aos atributos experimentação e a criação. Esta postura contribui para que
dos estímulos como forma, peso, altura, distância, tamanho, a escola confirme sua função de instituição social voltada
localização espacial, localização temporal, tonalidade, para a ação que leve as crianças a¡construírem
intensidade, textura e outros. A tais características e conhecimentos cada vez mais complexos e também a se
propriedades são atribuídos significados como: grande, engajarem em novas possibilidades de ação. E conhecendo,
rugoso, liso. Tais significados, porém, não são vistos explorando e criando que as crianças se constituem enquanto
isoladamente, pois cada objeto, pessoa ou situação com que sujeitos.

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PSICOLOGIA

2- O desenvolvimento linguístico linguagem, diferentes da verbal. Uma dessas modalidades é


dada pelo uso de imagens visuais, outra pêlos sons, outra
As funções da linguagem pelo tato, pelo movimento etc. Dessa forma, pode-se dizer
Quando, pôr volta dos dois anos de idade, uma criança que não existe uma linguagem única e universal para o
começa a falar, as pessoas à sua volta não se dão conta de pensamento. Parece mais defensável supor que várias
que algo fantástico está acontecendo. Em geral, os adultos modalidades de linguagem sejam utilizadas, ainda que em
ficam fascinados com os esforços que as crianças fazem graus diversos, no pensamento de diferentes pessoas: umas
para nomear algo presente em seu ambiente - um objeto, um podem usar predominantemente o pensamento verbal,
animal, uma pessoa ou mesmo uma ideia, divertindo-se com outras o visual, outras o pensamento que se apoia no som ou
as trocas e confusões que inevitavelmente ocorrem. Passa, no movimento.
no entanto, despercebido um fato fundamental, que se refere, Um exemplo prático pode ¡lustrar essa situação. Quando
justamente, ao impacto que a aquisição da linguagem tem estudam, preparam um trabalho científico ou artístico, ou
sobre a vida da criança e daqueles que interagem com ela. quando organizam uma agenda, as pessoas fazem
A linguagem é um fator de interação social, é ela que permite anotações verbais e não-verbais sobre aquilo que estão
a comunicação entre os indivíduos , a troca de informações e pensando. Isto parece ocorrer porque o pensamento tem uma
de experiências. Neste sentido a linguagem é, sem dúvida, configuração peculiar e bem conhecida: é rápido, dinâmico,
um fenómeno que diferencia os homens dos animais. Estes mutável.
últimos só ganham informações através do contato direto Para não perde-lo, frequentemente se registra - de forma
com o ambiente. Os seres humanos, no entanto, são capazes telegráfica e condensada, com palavras e sinais - a
de fazer uso da linguagem para se apropriarem da avalanche de ideias que se tem ao pensar. Tais registros
experiências significativas de gerações precedentes. servem exclusivamente para o pensador. Somente após
A linguagem permite, assim, que as conquistas alcançadas trabalho sistemático sobre as anotações, de modo a expandi-
ao longo de milhares de anos sejam assimiladas. las e torná-las comunicáveis, é que o pensamento se
completa, adquirindo permanência e estabilidade.
Quando a criança passa a frequentar a escola, ao aprendera
ler, a escrever e a manejar números, ela está apropriando-se O fato de existirem diferentes formas de se registrar o
de toda uma experiência humano-social que levou séculos pensamento indica que este pode ser representado,
para ser construída e que está sendo continuamente armazenado e transmitido de várias maneiras. A forma de
modificada pelo conjunto dos homens. Esta é, portanto, a pensar que acaba pôr se impor ao longo do desenvolvimento
primeira das funções da linguagem: permitir a comunicação, intelectual da criança depende das condições oferecidas pelo
a transmissão de informações produzidas ao longo de muitos mundo a sua volta: as atividades culturais disponíveis no
séculos de prática histórico-social e, consequentemente, a ambiente, os interesses da família e da escola, os bens
assimilação de uma infinidade de conhecimentos que de materiais aos quais se tem aceso e o papel desempenhado
forma alguma poderia resultar da atividade individual isolada. pôr adultos e professores. Aos poucos, o aprendiz vai
construindo os conteúdos do seu pensamento e
A linguagem também tem outra importante função: ela desenvolvendo uma forma de pensar que nada mais é do que
organiza, articula e orienta o pensamento. Quando a criança o produto da ação conjunta de todos estes fatores.
começa a designar objetos e eventos do mundo exterior com
palavras isoladas ou combinação de palavras, está Dessa forma o pensamento, enquanto busca constante de
descriminando esses objetos, esta prestando atenção em significados e que permeia, contribui e dá forma a todas as
suas características , podendo guardá-las na memória. Com atividades humanas, pode se amparar em diferentes
isso, a criança está livre do aqui-e-agora: pode, com a ajuda linguagens. Nota-se, no entanto, que, qualquer que seja ela,
da linguagem, relembrar situações passadas e prever os conteúdos do pensamento e sua forma de se expressar
eventos futuros. Pode lidar com objetos , pessoas e não constituem meros reflexos do mundo que rodeia a
fenómenos do ambiente, mesmo quando eles não se criança.
encontram presentes. A linguagem permite, assim, que o ser A apreensão de novos conhecimentos requer, sobretudo,
humano se distancie da experiência ¡mediata, fato que apoio em estruturas e processos internos já desenvolvidos .
assegura o aparecimento da imaginação e do ato criativo. Sobre esta base , noções e relações novas entrelaçam-se
Um outro aspecto essencial da linguagem é a palavra. com relações e noções antigas, num processo ativo e
dinâmico. Nesse sentido, todas as modalidades de linguagem
As palavras não servem apenas para representar coisas e utilizadas pelo pensamento são importantes, na medida em
eventos. Na verdade, atuam no sentido de abstrair as que se promovem sua organização, orientação e
propriedades e características fundamentais das coisas e comunicação, ao longo da interação social.
eventos a quais referem. Com isso, tornam possível
relacionar elementos semelhantes entre si e agrupá-los em A LINGUAGEM NA ESCOLA
categorias. Dessa forma, propicia processos de abstração e A linguagem , tanto oral quanto escrita, é fundamental na
generalização que são muito importantes para o raciocínio. escola. Em especial, o ensino destinado aos meninos e
A linguagem pode ser também considerada como um meninas das camadas de baixa renda, majoritários da
elemento central no processo de regulação do população brasileira, deve dar especial atenção a linguagem.
comportamento humano. Mas logo ela aprende a organizar e Geralmente, a escola exige das crianças que falem e
controlar seu próprio comportamento e a prever as escrevam de acordo com o padrão "culto", estigmatizando e
consequências da sua ação futura, analisando-a à luz da censurando as variações linguísticas utilizadas pêlos alunos,
experiencia anterior, seja ela transmitida ou vivida. Desta ou seja, suas formas específicas de falar. Esse padrão "culto"
forma, na base do comportamento voluntário, encontra-se de linguagem, entretanto, corresponde à forma de falar dos
sempre a palavra, ainda que não manifesta, evocando grupos sociais privilegiados , parte do fracasso escolar pode
eventos passados e regulando ações futuras. ser atribuído ao tratamento que a escola dá à questão da
AS VÁRIAS LINGUAGEM DO PENSAMENTO linguagem.

O pensamento pode fazer uso de outras modalidades de A LINGUAGEM E O FRACASSO ESCOLAR

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PSICOLOGIA

Para alguns, as crianças provenientes de famílias de baixa presença de alguém que conhece - o sujeito - e de algo a ser
renda fracassam na escola pôr terem uma linguagem "pobre", conhecido - o objeto. Entre o sujeito e o objeto do
pouco elaborada e com vocabulário reduzido. Essa conhecimento estabelecem-se relações que requerem um
linguagem "pobre", ""deficiente" seria resultado da ""pobreza" elemento mediador. Esta ideia fica mais clara quando
do contexto cultural em que tais crianças vivem e não serviria fazemos uma comparação entre trabalho material e o
para expressar o pensamento lógico ou formal, trabalho intelectual.
conseqüentemente, a necessidade de programas para
"remediar" essa situação, fornecendo a essas crianças uma Ambos exigem, para a sua realização, o emprego de
educação "compensatoria" das deficiências causadas pôr seu instrumentos que atuem como mediadores na relação
ambiente familiar e cultural. Tal teoria da "deficiência" sujeito/objeto . No trabalho material realizado sobre a
linguística deve ser criticada. Em primeiro lugar, ela não natureza, a enxada, o serrote, o torno, o tear são
procura as causas do fracasso escolar nas relações que se instrumentos "físicos" que permitem ao sujeito (lavrador,
estabelecem entre educação e sociedade no sistema marceneiro, ceramista e tecelão) atuar sobre a matéria-prima.
capitalista. No trabalho intelectual, os principais instrumentos são os
conceitos, ou seja, propriedades abstraias apreendidas a
Nele, a função da escola não é a de eliminar as diferenças partir da interação com objetos ou eventos, em situações
sociais, mas adaptar os alunos às mesmas. Em segundo variadas. A partir da aquisição da linguagem pela criança,
lugar, admitir a existência de uma deficiência cultural nas os conceitos se expressam através das palavras, que
populações de baixa renda significa acreditar que elas representam generalizações de objetos, eventos ou
possuem uma cultura inferior, fato já bastante contestado fenómenos. A palavra "gato" pôr exemplo, refere-se a
pela Antropologia: todas as culturas possuem integridade e diferentes raças , cada uma com as suas peculiaridades, as
coerência , não sendo possível, portanto, estabelecer quais são abstraídas e resumidas no conceito "gato", que é
comparações( negativas ou positivas) de umas em relação a expresso pôr essa palavra. Entretanto, à medida que as
outras. Finalmente, todas as línguas atendem às crianças se desenvolvem, os conceitos expressos pelas
necessidades e características da cultura a que servem, palavras vão aos poucos ganhando graus cada vez maiores
constituindo instrumentos efetivos de comunicação social. de abstração e, consequentemente , de generalização. Isto
Assim, não há pôr que considerar que existam linguagens significa que o sujeito aprende sempre novas propriedades
"deficientes". ou características do objeto, evento ou fenómeno,
aumentando o seu conhecimento sobre ele e, em razão
Uma outra teoria - a da "diferença" linguística - surge para se disso, expandindo o alcance do conceito que exprime tal
contrapor àquela que se acabou de expor. Nesta nova conhecimento. Gato, mamífero, vertebrado, animal, ser vivo,
abordagem a linguagem das crianças das classes sociais constituem uma sequência de palavras que partindo do
desfavorecidas é reconhecida como diferente daquela objeto concreto "gato", adquirem cada vez maior
empregada pelas crianças das classes privilegiadas , mas abrangência, dependendo do grau de abstração e
não como deficiente. Diferenças encontradas em testes de generalização oferecido pelo conceito. Pôr exemplo, "ser
linguagem realizados com crianças dos dois grupos sociais vivo", pôr ser mais abstraio e geral do que "gato", abrange
não se explicariam, nessa nova ótica, pôr inferioridade mais elementos: pessoas, plantas e animais.
linguística dos mais pobres. O problema estaria na forma
como eles encaravam a situação de testarem. As crianças Como a criança consorte os conceitos, enquanto
das famílias trabalhadoras tenderiam a senti-la como uma instrumentos do seu pensamento? A resposta a essa
ameaça e pôr isso se retrairiam. pergunta é apenas uma: os conceitos são construídos tanto a
partir da experiência individual da criança como a partir dos
Ha ainda uma terceira teoria para explicar a questão, do conhecimentos transmitidos na interação social, em especial
"capital" linguístico. Essa nova proposta questiona os na escola. Os conceitos adquiridos pela experiência individual
pressupostos das teorias anteriores, segundo os quais a são chamados de espontâneos, pois se referem a objetos ou
escola poderia ajudar a superar as diferenças sociais. Para situações em que a criança observa, manipula e vivência
ela, tanto a teoria da deficiência quanto a da diferença diretamente. Os conceitos alcançados na e pela atuação da
linguística pecam pôr não investigarem as causas estruturais escola denominam-se científicos pôr se referirem a eventos
-de natureza socio-económica - que se encontram na base não diretamente acessíveis 'a observação ou ação imediata.
das diferenças entre as diferentes classes sociais. Tais Assim, conceitos espontâneos e científicos diferem entre si
causas se refletem nas diferentes modalidades de linguagem pôr se pautarem ou se distanciarem da experiência concreta,
que as diferentes classes sociais utilizam e que terminam fato que implica, necessariamente, processos da construção
tendo peso distinto para o sucesso escolar. A desvalorização também distintos.
dos padrões linguísticos e culturais das classes dominadas,
que perpassa tanto a teoria da "deficiência" como a da Na escola, diferentemente das situações de experiência
"diferença" linguistica, as levou, portanto, a contribuir para direta da criança, a relação entre cada conceito e o objeto,
manter as desigualdades sociais. fenómeno ou evento a que se refere, se dará sempre
mediante outros conceitos. A criança aprende, pôr exemplo,
Para combater a seletividade escolar, defendendo o direito de que "a Terra é um planeta que gira em trono do Sol". Esta
todos à educação e à apropriação dos conhecimentos, é definição implica conceitos de "planeta" e de "movimento de
preciso assumir uma postura política em relação à linguagem. translação" que não são providos pela vivência imediata da
Para tanto, o "dialeto" de prestígio falado pelas classes criança. Como tais conceitos científicos se relacionam
sociais privilegiadas deve ser colocado a serviço da classes formando um sistema conceituai, é a possibilidade de serem
desfavorecidas. Isso pode ser feito criando-se situações nas apreendidos como algo integrado que lhes confere corpo,
quais os alunos, dialogando com o professor acerca do consistência e sistematicidade. Isso significa que a formação
mundo, do livro, deles mesmos etc., possam ir-se desse sistema conceituai está em estreita dependência da
apropriando da variante linguística privilegiada pela escola, aprendizagem de conceitos científicos veiculados na escola,
ao mesmo tempo em que a sua cultura e o modo de estendendo-se , só posteriormente, aos conceitos
expressão próprio dela não deixam de ser reconhecidos. espontâneos adquiridos na vida cotidiana.
3- A apropriação dos conceitos científicos Devemos considerar, que esses dois tipos de conceitos
No processo de conhecimento é preciso considerar a ( espontâneos e científicos) , emborca distintos, são

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PSICOLOGIA

mutuamente relacionados. Os conceitos científicos possuem vão aprendendo a lidar com elas, formando a sua
maior sistematicidade, mas faltam-lhes a riqueza e personalidade.
diversidade de detalhes advindos da experiência pessoal. Os
conceitos espontâneos, pôr sua vez, embora .iam plenos de Na teoria freudiana, o que leva o indivíduo a agir é sua
significados , carecem de consciência e, portanto, de poder excitação energética, os seus instintos. A energia biológica,
ser empregados voluntariamente. A despeito, pois, de ou seja, o instinto - fonte de todos os impulsos básicos do
desenvolverem-se em sentidos opostos, os conceitos indivíduo - e o aspecto que se encontra na base de todos os
científicos e espontâneos se encontram intimamente comportamentos, motivos e pensamentos. Todos eles seriam
relacionados. De fato, é possível entender que os conceitos governados a partir de três fontes energéticas: a sexualidade
espontâneos da criança se desenvolvem "de baixo paia (libido), os impulsos de autoconservação e a agressão.
cima"( em direção a níveis cada vez mais abstratos), Freud enfatizou a qualidade instintiva das ligações afetivas
enquanto os científicos o fazem "de cima para baixo" (em que seriam manifestações do instinto sexual da criança. Pôr
direção a níveis cada vez mais concretos). intermédio da sua experiência com o meio em que vive e
Finalizando , os conceitos espontâneos e científicos dependendo de sua maturação orgânica, a criança atravessa
influenciam-se mutuamente, um dependendo para .se vários estágios de desenvolvimento que, para Freud,
desenvolverem na consciência da criança. estariam ligados aos lugares do corpo que servem como
fonte primária de prazer. O desenvolvimento da
4- O desenvolvimento afetivo personalidade seguiria um padrão fixo, com estágios
determinados, de um lado, pelas mudanças maturacionais no
Algumas crianças enfrentam sérias dificuldades em seu corpo e, de outro , pelo tipo de relacionamento que a criança
desenvolvimento cognitivo e emocional. Não lhes é fácil estabelece com adultos significativos do seu meio, em
abstrair e generalizar, sofrem inúmeros medos e problemas especial com o pai e a mãe. A construção da identidade
de relacionamento com outras crianças e adutos. É prudente, ocorre através da construção de significados a respeito das
todavia, não se concluir que todas as crianças com ligações que o indivíduo estabelece com o mundo,
problemas de aprendizagem escolar são crianças difíceis ou significados esses que podem ser conscientes ou
anormais. Sobretudo, não é possível pensar que os 40% dos inconscientes para ele, num determinado momento.
alunos que não se alfabetizam na primeira série da escola
brasileira não o façam devido a desajustes emocionais. AFETIVIDADE E COGNIÇÃO
Além disso, mesmo reconhecendo a importância dos fatores As emoções estão presentes quando se busca conhecer,
emocionais e afetivos na aprendizagem , o objetivo da ação quando se estabelece relações com objetos físicos,
da escola não é resolver dificuldades nesta área. O concepções ou outros indivíduos. Afeto e cognição
específico na instituição escolar é propiciar a aquisição e constituem aspectos inseparáveis, presentes em qualquer
reformulação dos conhecimentos elaborados pôr uma dada atividade, embora em proporções variáveis. A afetividade e a
sociedade. Cabe a escola esforçar-se pôr propiciar um inteligência se estruturam nas ações e pelas ações dos
ambiente estável e seguro, onde a crianças se sintam bem, indivíduos . O afeto pode, assim, ser entendido como energia
porque nestas condições a atividade intelectual fica facilitada. necessária para que a estrutura cognitiva passe a operar, ele
Nesse sentido, alguns pontos que se julga centrais para a influencia a velocidade com que se constrói o conhecimento,
compreensão do desenvolvimento afetivo e de seu papel na pois, quando as pessoas se sentem seguras, aprendem com
aprendizagem devem ser discutidos. mais facilidade.
A IMPORTÂNCIA DAS LIGAÇÕES AFETIVAS Na interação que o professor e aluno estabelecem na escola,
os fatores afetivos e cognitivos de ambos exercem influência
Especialistas afirmam que o bebé humano nasce com uma decisiva. Para que essa ¡nteração possa levar à construção
predisposição para interagir. Ele dispõe de certas estruturas de conhecimentos , a interpretação que o professor faz do
orgânicas que o levam a privilegiar certos estímulos na sua comportamento dos alunos é fundamental. Ele precisa estar
relação com o meio. Com isso, o bebé responde, sobretudo, atento ao fato de que existem muitas significações possíveis
a estímulos associados a outros seres humanos, como a face para os comportamentos assumidos pôr seus alunos,
e as vozes. Assim é que desde cedo, o recém-nascido buscando verificar quais delas melhor traduzem as intenções
distingue a voz humana do conjunto de sons presentes no originais. Além disso, o professor necessita compreender que
ambiente e rapidamente orienta-se para os traços do rosto aspectos da sua própria personalidade - seus desejos,
humano colocado à sua frente. Suas estruturas perceptuais, preocupações e valores - influem em seu comportamento, ao
pôr outro lado, são ativadas pelas ações dos adultos ao lhe longo de interaçôes que ele mantém com a classe.
responderem, estabelecendo assim uma interdependência
comportamental, desde o início, entre adulto e bebe. MOTIVAÇÃO E APRENDIZAGEM
A presença do adulto dá à criança condições físicas e A motivação para aprender nada mais é do que o
emocionais que a levam a explorar mais o ambiente e, reconhecimento, pelo indivíduo, de que conhecer algo irá
portanto, a aprender. Pôr outro lado, a interação humana satisfazer suas necessidades atuais ou futuras. Ela também
envolve também a afetividade, a emoção, como elemento pode ser encarada como um processo psicológico em
básico. Assim, é através da interação com os indivíduos mais construção.
experientes do seu meio social que a criança constrói as suas
funções mentais superiores, como afirma Vygotski, ou forma A motivação humana deve ser compreendida na relação
a sua personalidade, como defende Freud. entre os aspectos cognitivos e afetivos da personalidade,
ambos largamente dependentes do meio social. A motivação
A TEORIA DE FREUD está ligada à autoconsciência do indivíduo ( seus ideais, seus
projetos, sua visão de mundo) e também aos aspectos
Sigmund Freud (1856 -1939) foi um neuropsiquiatra austríaco inconscientes de sua personalidade.
que estudou o desenvolvimento emocional humano, criando
um método de tratar os distúrbios psíquicos, chamado Para o professor um dos trabalhos mais importantes a serem
Psicanálise. Segundo Freud o bebé e a criança tem pouco desenvolvidos é motivar os alunos, procurar fazer com que o
controle sobre as poderosas forças biológicas e sociais que processo de aprendizagem seja motivador em si mesmo: as
agem sobre eles. E somente através da experiência que eles crianças devem ser levadas a colocar toda a sua energia

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PSICOLOGIA

para enfrentar o desafio intelectual que a escola lhes coloca. suficiente que os municípios tenham Fundo de Saúde,
Conselho de Saúde e Conferência de Saúde.
O prazer vem assim, da própria aprendizagem, do sentimento
de competência pessoal, da segurança de ser hábil para 08. A Norma Operacional Básica da Assistência à Saúde –
resolver problemas. NOAS-SUS 01/01 - considera que a estratégia da Saúde
A AUTO-AVALIAÇÃO da Família encontra-se em expansão e vem se
consolidando como um eixo estruturante para a
A aprendizagem é facilitada quando o indivíduo conta com organização da atenção à saúde. Os Programas de Saúde
informações sobre o próprio desempenho. Conhecendo a da Família (PSF) e os Programas de Agentes
natureza dos erros cometidos ou dos acertos realizados, ele Comunitários de Saúde (PACS), compõem o modelo
pode colocar-se novas metas, buscar auxílio específico, assistencial, na perspectiva de:
modificar o comportamento que tem face a uma disciplina.
Desse ponto de vista, a avaliação do professor leva o aluno a A) garantir os cuidados suficientes às necessidades da
se auto-avaliar, a perceber quais são os seus pontos fortes e população, privilegiando a atenção básica e simplificando o
quais são os pontos fracos que devem ser superados. modelo assistencial.
PROVAS SIMULADAS B) privilegiar o modelo assistencialista de atenção à saúde,
tendo o médico como sujeito central e fundamental no
06. São princípios do Sistema Único de Saúde (SUS): processo de saúde.
1) universalidade de acesso aos serviços de saúde, em todos C) funcionar como porta de entrada do sistema de saúde,
os níveis de assistência. articulando-se com a atenção secundária e terciária.
2) participação da comunidade. D) responder ao perfil epidemiológico predominante no país,
pelo qual o adoecimento deve-se a problemas de saúde
3) igualdade de assistência à saúde, sem preconceitos ou coletiva.
privilégios de qualquer espécie.
E) estruturar os sistemas municipais de saúde, com base na
4) integralidade da assistência, entendida como conjunto predominância de níveis secundários de atenção.
articulado e contínuo de ações e serviços preventivos e
curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso, em 09. De acordo com a Lei 8080/90, são da competência das
todos os níveis de complexidade do sistema. três esferas de governo as ações abaixo citadas, exceto
aquelas relacionadas:
5) descentralização político-administrativa, com direção única
em cada esfera de governo. A) ao saneamento básico.
Estão corretas: B) à vigilância sanitária.
A) 1, 2 e 4 apenas C) à saúde do trabalhador.
B) 3, 4 e 5 apenas D) à vigilância epidemiológica.
C) 2 e 4 apenas E) ao controle da natalidade.
D) 1, 3 e 5 apenas 10. A vigilância sanitária consiste em um conjunto de
ações:
E) 1, 2, 3, 4 e 5
A) capazes de eliminar, diminuir e prevenir riscos à saúde e
07. A Lei Orgânica da Saúde, Lei 8.080 de 19 de setembro de intervir nos problemas sanitários
de 1990, e a Lei 8.142 de 28 de dezembro de 1990
estabelecem, com relação ao financiamento e à gestão decorrentes do meio ambiente.
financeira do SUS, que:
B) destinadas à detecção de determinadas doenças que
A) o orçamento da Previdência Social destinará ao SUS, de afetam as comunidades da periferia urbana.
acordo com a receita estimada, os recursos necessários à
realização de suas finalidades. C) voltadas exclusivamente à fiscalização de alimentos
destinados aos centros de distribuição.
B) os valores a serem transferidos pelo Governo Federal aos
municípios obedecerão à lógica do pagamento por produção, D) programadas para avaliação e controle do valor nutricional
aliado à consideração do perfil epidemiológico da população. dos alimentos hortigranjeiros.
C) as transferências intergovernamentais para a saúde serão E) destinadas à fiscalização do meio ambiente, sobretudo em
distribuídas proporcionalmente ao número de habitantes. regiões afetadas por grandes estiagens.
D) os recursos financeiros do SUS serão depositados em 11. As ações previstas pela vigilância epidemiológica
conta especial, em cada esfera de atuação, e movimentados visam:
sob fiscalização dos respectivos conselhos de saúde.
A) obter a participação da comunidade na detecção dos
E) a fim de receberem os recursos do Fundo Nacional de problemas regionais de saúde.
Saúde, para cobertura de ações e serviços de saúde, é

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PSICOLOGIA

B) avaliar o impacto que as tecnologias provocam na saúde B) 1, 2 e 3 apenas


da população mais carente.
C) 1, 3 e 4 apenas
C) recomendar e adotar medidas de prevenção de controle
das doenças ou agravos. D) 3 apenas

D) registrar e divulgar a descentralização dos serviços para E) 1, 2, 3 e 4


os municípios.
15. A interdisciplinaridade, atualmente, condição básica
E) divulgar o potencial dos serviços de saúde existentes nas na assistência aos portadores de transtornos mentais faz
comunidades urbanas. parte do modelo:

12. Em relação à saúde do trabalhador, a Lei 8080/90 A) hospitalocêntrico/hospíciocêntrico.


contém atividades que abrangem:
B) de terapêutica exclusivamente sintomática.
1) recursos humanos destinados à proteção permanente do
ambiente de trabalho. C) de promoção e reabilitação biopsicossocial.

2) estudos, pesquisas, avaliação e controle de riscos e D) de terapêutica exclusivamente ocupacional.


agravos potenciais à saúde presentes em situações de
trabalho. E) de terapêutica analítica.

3) assistência ao trabalhador vítima de acidente de trabalho. 16. Uma septuagenária, de estrutura histérica, com
alguns episódios bipolares no passado e alterações
4) avaliação do impacto que as tecnologias causam à saúde. psicossomáticas, refere ser pessoa sofredora e sem
sorte, colocando-se no contexto familiar e de vida, em
5) participação do Sindicato dos Trabalhadores na defesa dos geral, numa mesma posição de vítima. Nesse contexto é
mesmos, quando existir risco iminente de agravo à saúde. avaliada a necessidade psicoterápica do tipo:

Estão corretas apenas: A) terapia de Skinner.

A) 1, 3, 4 e 5 B) terapia cognitiva.

B) 1, 2 e 5 C) terapia psicanalítica.

C) 1 e 4 D) terapia de apoio.

D) 2, 3 e 4 E) terapia reichneana.

E) 2, 3, 4 e 5 17. Relacione as alterações psíquicas com suas


respectivas expressões.
13. O que define a caracterização da dependência do
álcool é: 1) Abulia

A) a quantidade da ingesta. 2) Elação

B) a freqüência da ingesta. 3) Fobia

C) a personalidade esquizóide do indivíduo alcoólatra. 4) Bulimia

D) o comprometimento das funções de vida do indivíduo. 5) Hiperfagia

E) a freqüência aos locais da ingesta, por exemplo: bares, 6) Sordice


festas, domicílio.
7) Sentimento de beatitude
14. Deve fazer parte das entrevistas de avaliação para
anamnese do paciente com alterações psíquicas: ( ) Medo não justificado racionalmente

1) a psicopatologia do paciente. ( ) Estado de euforia acentuada

2) o significado do adoecer para o paciente; suas fantasias e ( ) Alteração da volição


concepções a respeito de tais comprometimentos.
( ) Aumento do apetite
3) a biografia do paciente.
( ) Necessidade incontrolável de comer
4) a constelação familiar.
( ) Sentimento de graça
Está(ão) corretas:
( ) Tendência, atração à sujeira
A) 1 e 2 apenas
A seqüência correta é:

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PSICOLOGIA

A) 1, 2, 4, 3, 5, 7, 6 E) pulsão de vida.

B) 3, 2, 1, 4, 5, 7, 6 20. Correlacione os conceitos teóricos necessários à


fundamentação para a prática psicoterapica na
C) 3, 1, 2, 5, 4, 6, 7 psicoteparia de inspiração psicanalítica, com suas
respectivas definições
D) 7, 1, 3, 2, 5, 6, 4
1) Interpretação
E) 4, 6, 7, 5, 2, 3, 1
2) Insight
18. Correlacione os tipos de alterações com as suas
respectivas caracterizações. 3) Transferência

1) Taquipsiquismo ( ) Relação emocional do paciente com o terapeuta,vivida na


situação analítica.
2) Bradipsiquismo
( ) Comunicação que o terapeuta faz ao paciente com o
3) Acoasmas propósito de promover mudança psíquica.

4) Amnésia lacunar ( ) Compreensão emocional da comunicação pretendida.

5) Ecminésia A seqüência correta é:

6) Ageusia A) 3, 1, 2

7) Anosmia B) 1, 2, 3

8) Amnésia seletiva C) 3, 2, 1

( ) Pensamento lento D) 1, 3, 2

( ) Pensamento acelerado E) 2, 1, 3

( ) Redução da olfação 21. Os pacientes com transtornos mentais já


cronificados, e com os elos familiares perdidos, a partir
( ) Distúrbio da percepção da Reforma Psiquiátrica serão assistidos
em......................................................., devendo
( ) Audição alucinatória de ruídos serdescredenciado igual número de leitos de
hospitaispsiquiátricos do SUS. (Sistema Único de
( ) Dificuldade de memória em relação a conteúdos Saúde).
específicos
Complete a lacuna do trecho acima.
( ) Amnésia em relação a certo período ( ) Evocação de
situações passadas como fatos atuais A) hospitais gerais.

A seqüência correta é: B) ambulatórios.

A) 2, 1, 6, 4, 3, 8, 5, 7 C) residências terapêuticas.

B) 2, 1, 7, 6, 3, 8, 4, 5 D) clínicas de repouso.

C) 1, 2, 7, 6, 3, 8, 4, 5 E) NAPS.

D) 1, 2, 7, 5, 6, 4, 8, 3 22. Faz parte da Política de Saúde Mental garantir que os


serviços substitutivos aos manicômios sejam
E) 2, 1, 6, 8, 7, 4, 3, 5 essencialmente e estritamente públicos. Quando for
necessário parceria com prestadores da sociedade civil,
19. Com referência às noções da teoria psicanalítica, há esta deverá ser, obrigatoriamente, submetida, aprovada e
compreensão de que as relações humanas se fazem fiscalizada pelo:
basicamente através de dois mecanismos mentais, que
operam desde o início da formação do psiquismo: A) Poder Legislativo.
introjeção e projeção. Assim, é através da introjeção que
se dá o importante processo de: B) Ministério da Saúde.

A) identificação. C) Poder Estadual.

B) forclusão. D) Senado.

C) formação reativa. E) Controle Social.

D) sublimação.

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PSICOLOGIA

23. Com relação ao desenvolvimento infantil, as crianças D) Demografia.


evoluem do pensamento:
E) Saúde Coletiva.
A) concreto para o abstrato.
27. As campanhas educativas que tratam do abuso do
B) abstrato para o concreto. álcool, associado ao trânsito, têm como perspectiva a
prevenção:
C) fantasmático para o fictício
A) unicamente pessoal.
D) fantasmático para o concreto.
B) unicamente de acidentes.
E) simbólico para o concreto.
C) primária.
24. Na oligofrenia, retardo mental ou deficiência mental, a
capacidade intelectual sofre uma parada ou D) secundária.
umalentificação em seu desenvolvimento. Na demência,
há perda progressiva e, freqüentemente, irreversível E) terciária.
dacapacidade intelectual. Nessa descrição:
A educação reflete as circunstâncias sociais e materiais do
A) ambas as afirmações estão corretas. início da vida que são reproduzidas de uma geração para
outra. O acesso à escola reflete melhor a classe social do
B) a primeira afirmação é correta e a segunda é incorreta. que a ocupação e renda por ser igualmente acessível a
ambos os sexos e superar as dificuldades decomparação
C) a primeira afirmação é incorreta e a segunda écorreta. internacional das diferentes estruturasocupacionais. A
educação tem um efeito direto na saúde emocional, pois ...
D) ambas as afirmações estão incorretas.
28. De acordo com o texto acima, podemos dizer que a
E) a primeira afirmação está parcialmente correta. educação:

25. Relacione as colunas tomando com referência tipos 1) aumenta a possibilidade de escolhas na vida.
dedebilidade mental e suas possibilidades
psicopedagógicas com as respectivas 2) influencia as aspirações.
possibilidadespsicossociais.
3) eleva a auto-estima.
1) leve: educável.
4) estimula a aquisição de novos conhecimentos.
2) moderada: treinável.
5) influencia atitudes e comportamentos mais saudáveis.
3) severa: semitreinável.
Estão corretas:
4) profunda: ineducável.
A) 1 e 2 apenas
( ) necessita supervisão.
B) 1, 2 e 3 apenas
( ) dependente.
C) 1, 2, 3, 4 e 5
( ) autonomia.
D) 1 e 4 apenas
( ) relativa autonomia.
E) 3 e 5 apenas
A seqüência correta é:
29. “A fronteira entre o normal e o patológico é
A) 4, 3, 2, 1 imprecisapara diversos indivíduos
consideradossimultaneamente, mas é precisa para um
B) 4, 1, 2, 3 único e mesmo indivíduo considerado sucessivamente”
(Canguilhem, G. - “O normal e o patológico”). Para o
C) 3, 4, 1, 2 autor em questão, a noção de patológico é avaliada, num
determinado indivíduo pelo(a):
D) 2, 4, 1, 3
A) momento de eclosão do sintoma.
E) 3, 2, 1, 4
B) forma de eclosão do sintoma.
26. O estudo das determinantes das doenças e de sua
distribuição numa população, visando medidas C) caráter repetitivo do sintoma.
preventivas, é definido como:
D) interpretação que o indivíduo elabora do sintoma.
A) Territorialidade.
E) que o psicólogo avalia ser patológico.
B) Epidemiologia.
30. A etiologia da palavra ética vem do grego éthos, que
C) Fenomenologia. denota assento, morada. Assim o princípio básico que

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PSICOLOGIA

norteia o exercício do psicólogo é função ética, 33. O fato de o paciente estar pessimista, abatido,
caracterizado pelo(a) __________________ ao indivíduo prostrado no leito, sem ânimo para nada indica:
ou grupo a quem assiste. Assinale a alternativa que
completa corretamente o trecho acima. A) síndrome de pânico.

A) aconselhamento B) sentimento de êxtase.

B) ensinamento C) depressão.

C) padrão de comportamento que oferece como modelo D) distúrbio bipolar.

D) acolhimento E) sadomasoquismo.

E) persuasão segundo seus referenciais 34. O fato de o paciente não saber há quanto tempo lhe
ocorreram tais perturbações nem qual a data atual indica:
Leia atentamente a descrição que se segue:
A) desorientação alopsiquíca.
Um homem de 30 anos foi levado ao serviço de saúde contra
a sua vontade. Ele dizia não estar doente e que o lhe B) amnésia de evocação.
acontecia, ao seu ver, era inevitável como castigo merecido
por seus erros e pecados imperdoáveis. Sabia que estava C) amnésia de fixação.
transformando-se em lobisomem. Já não se reconhecia como
a pessoa que fora antes de experimentar tal desgraça. D) desorientação amnéstica.

Conforme relato de seus familiares, o que tem sido E) desorientação espacial.


permanente, desde o início da doença e o que mais tem
preocupado todos da família, são o pessimismo e o 35. A declaração do paciente de que nada lhe interessa
abatimento do paciente, prostrado no leito, sem ânimo para indica:
nada.
A) síndrome dissociativa.
O homem sabe estar em um serviço de saúde, mas não sabe
há quanto tempo lhe ocorrem tais perturbações e nem a data B) síndrome de Korsakov.
atual:
C) hipocinesia.
- Nada me interessa, com exceção de comidas que ardem na
boca, dizia o homem, que de fato, segundo o relato de D) distúrbio afetivo.
familiares, ingeria apenas alimentos bem picantes.
E) distúrbio da conduta.
Com relação à descrição acima, analise as questões de 31 a
36. 36. A preferência por comidas que ardem na boca sugere:

31. O trecho “era inevitável como castigo merecido por A) litofagia.


seus erros e pecados imperdoáveis.” indica:
B) malacias.
A) conduta impulsiva.
C) situofobia.
B) satiríase.
D) alotriofagia.
C) alucinação.
E) dromania.
D) idéia delirante secundária.
37. Segundo os estudos Gröen, correlacione as formas
E) delírio expansivo. como os grupos humanos sofrem influências e as
modificações socioculturais que as provocam.
32. O trecho “Sabia que estava transformando-se em
lobisomem. Já não se reconhecia como a pessoa que 1) De forma gradual
fora antes de experimentar tal desgraça.” indica:
2) De forma súbita.
A) distúrbio da motricidade.
3) Em movimentos constantes.
B) alteração da consciência do eu/distúrbio da identidade.
( ) Crescimento econômico de uma região, modificação das
C) personalidade astênica. condições políticas de um povo, da lenta transformação de
uma cultura em outra.
D) personalidade lábil de ânimo.
( ) Emigração e imigração.
E) personalidade anancástica.
( ) Modificações catastróficas conseqüentes de guerras,
genocídios, revoluções e outros conflitos.

A seqüência correta é:

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PSICOLOGIA

A) 1, 3, 2 A) o psicólogo, no exercício de sua profissão, está isento de


cumprir os princípios estabelecidos pela Declaração
B) 1, 2, 3 Universal dos Direitos Humanos.

C) 3, 2, 1 B) a quebra de sigilo não será admissível, mesmo que se


trate de fato delituoso.
D) 3, 1, 2
C) é dever do psicólogo, apenas no setting terapêutico, velar
E) 2, 1, 3 pela dignidade de cada criança e do adolescente.

38. Atendendo ao _______________, é necessário incluir D) nada fazer é compactuar com a violência. O psicólogo
a atenção aos portadores de sofrimento psíquico nas colaborará na criação de condições que visem eliminar a
ações básicas de saúde e, também, incorporar as ações opressão e a marginalização do ser humano.
de saúde mental no Programa de Saúde da Família.
Assinale a alternativa que completa corretamente o E) ao psicólogo cabe tão somente utilizar argumentos
trecho acima. psicoterápicos para eliminar a ansiedade e a angústia da
criança ou do adolescente.
A) Fundo de Ações Estratégicas e Compensação
42. O abuso sexual é uma situação em que a criança ou o
B) Conselho Nacional de Saúde adolescente são usados para a gratificação sexual de
alguém de mais idade ou socialmente superior. Com
C) Núcleo Operacional de Assistência à Saúde freqüência, as práticas assumem caráter sádico, buscam
satisfações econômicas, ou têm efeito perverso, devido
D) Princípio de Isonomia ao prazer narcísico que provoca. Nos casos de
gratificações materiais, a sexualidade, sob a forma mais
E) Princípio da Integralidade degradante, é associada ao “interesse imediato”.

39. Objetivando a melhoria da qualidade de vida, a Todo o estado emocional perturbador em que ficam as
inclusão social e a construção da cidadania da vítimas, agrava-se pela conotação sensacionalista que é
população, faz parte da Política de Saúde Mental, dada.
orientada pelos princípios da Reforma Psiquiátrica,
implementar ações de saúde mental do trabalhador, Em relação a análise feita acima, é correto afirmar que:
assegurando que as empresas causadoras de algum mal
psíquico aos seus funcionários, devem prestarlhes total A) É dever de todos velar pela dignidade da criança e do
assistência, indenizando-os e garantindo seus empregos. adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento
Isto faz parte: desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou
constrangedor.
A) da Lei Orgânica de Assistência Social.
B) O psicólogo jamais se colocará à disposição da justiça, no
B) das Normas Operacionais de Assistência à Saúde. sentido de promover e aprofundar uma maior compreensão
da lei e do agir humano.
C) do princípio da Integralidade.
C) É conveniente ressalvar que o psicólogo deve revelar tudo
D) do princípio da Intersetorialidade. que sabe sobre seu paciente à Justiça.

E) dos objetivos do Fundo de Amparo ao Trabalhador. D) O psicólogo não deve comunicar à criança ou ao
adolescente todo o seu posicionamento na Justiça.
40. Uma estrutura de personalidade adicta, usa, por
exemplo, ingestão de drogas, no momento em que E) Invariavelmente, as crianças sofrem efeitos perversos pela
percebe a angústia insuportável de ter de ficar “sozinho, gratificação narcísica.
sem a droga”, para se anestesiar. Em última análise, esse
indivíduo obedece ao impulso de: 43. Nos contextos que envolvem limitação e impotência,
segundo a compreensão psicanalítica, somos remetidos
A) preservação. a uma situação de angústia. Uma das primeiras situações
de angústia demonstrada pela criança decorre do
B) dependência. afastamento da mãe, que, por mais breve que seja, é
encarado como perda definitiva.
C) autoconservação.
Assim também a angústia de castração. Esta permanece
D) heteroagressividade. estreitamente ligada a situações de doenças, de
hospitalizações etc. Sobre esta análise, avalie as afirmativas
E) autodestrutividade. a seguir.
41. A etiologia e os fatores que determinam o abuso 1) O medo da morte é análogo ao medo da castração.
sexual contra a criança e o adolescente dificultam a
notificação e perpetuam o silêncio. Questões da 2) A angústia da castração pode ser traduzida como uma
sexualidade (dentro da dinâmica familiar) são o esteio de reação a situações de perigo e ameaça à integridade do
tal violência. Segundo o Código de Ética do Psicólogo: indivíduo.

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3) A experiência da morte representa a “castração por 42-A


excelência”, pois é irreversível e não compensada por
substitutos. 43-E

Está(ão) correta(s):

A) 2 e 3 apenas

B) 1 e 3 apenas

C) 3 apenas

D) 2 apenas

E) 1, 2 e 3

GABARITO:

6-E
7-D
8-C
9-E
10-A
11-C
12-E
13-D
14-E
15-C
16-D
17-B
18-B
19-A
20-A
21-C
22-E
23-A
24-A
25-C
26-B
27-C
28-C
29-C
30-D
31-D
32-B
33-C
34-A
35-D
36-B
37-A
38-E
39-D
40-E
41-D

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