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1. O DISCURSO DA DISSOCIAÇÃO

São fortes os pensamentos que idealizam uma sociedade. Bem

como, são por vezes inflexíveis, permitindo o ponto de evitar quaisquer novos

conhecimentos, ou aprendizados, que venham a romper com o antigo pensamento,

com a velha tradição, ou apenas com um sutil hábito.

Repensar, re-elaborar, refazer caminhos é penoso, e o é,

principalmente, quando para voltar é necessário quebrar padrões, e assim re-

padronizar a si mesmo, e consequentemente o mundo ao seu redor.

Dissociar é separar o conjunto, romper partes, desestabilizar o todo.

Este é o quadro que a humanidade ocidental vem se emoldurando, tornando-se aos

poucos como uma equação matemática, e expressando-se como a divisão de uma

conta numérica.

Nesse contexto, o homem vê-se fadado a alguns conceitos lógicos,

enumerados, certos, e assim, permite ao próprio olhar, uma visão tripla de um ser

humano uno. Resumindo, olha para si e enxerga um corpo, uma mente e um

espírito.

No final do século XIX e início do próximo, várias foram os nomes e

linhas de pesquisa que iniciaram um trajeto de contraposição ao pensamento

cartesiano. Fortalecido por René Descartes, filosofo clássico, um pensamento que

desde a Grécia já veiculava por entre os pensadores, por intermédio do escrito


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“Fedon”1 de Platão, o discurso da dissociação exposto nesse capítulo traz um

primeiro instante de reflexão, a fim de mais adiante, ser exposto o outro discurso, o

da unificação, e com isso analisar a mudança de movimento possível a partir do

momento em que se dá vazão à consciência da unicidade humana.

1.1 O Renascimento

Em 1596 nasce em La Haye, região de Tourine centro da França, o

filósofo René Descartes. De educação cristã, que nada diferia dos burgueses de

sua época, Descartes cresce sob o seio da mãe Igreja, nas escolas, pensamentos e

crenças de um Deus uno, onipotente, onisciente, onipresente, e respondedor de

todas as questões que a humanidade poderia fazer. (Os Pensadores, 1983, p. XX)

O Racionalismo começa a vigorar entre os eruditos, que por

intermédio da supremacia da Razão, redimensionam o mundo até então enxergado

sob os olhos de Deus.

A história caminha a passos lentos; o domínio do clero cresce cada

vez mais pela Idade Média. As fortes influências do Catolicismo veiculam por entre

o povo, artistas e nobreza, os quais respondem em suas manifestações, o ardor

pelo que estava iminente a acontecer.

Pelo excesso de poderio concedido à Igreja, a nova burguesia e a

nobreza anseiam o partilhar desse poder, e o povo acompanha impassível o

desenrolar da trama. Porém, aos poucos, o ideal do Renascimento instaura-se, e o

homem ganha seu troféu à marcha minúscula, e precisa.

Com a perda do prestígio da Igreja, a arte e o teatro medievais,

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Fedon foi escrito por Platão antes de sua morte. Nesse livro, sua teoria sobre o mundo das idéias é elevada e
nele é transcrito o seu postulado sobre a alma.
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frágeis pela estrutura banalizada dos mistérios, moralidades (manifestações teatrais

de cunho religioso, que com o tempo começam a vulgarizarem) permite sem

perceber, o adentrar de autores que ironizarão o poderio Papal, e

consequentemente toda a estrutura da época; está formado o cenário apto ao

desenvolvimento da renascença racionalista. (OS PENSADORES, 1983, p.VIII)

A renascença traz de volta os valores greco-romanos, e junto o

espírito avassalador de um homem sobre o mundo, o seu mundo. O

antropocentrismo materializa-se, e é estimulada a necessidade da contestação. Os

humanistas2 se elevam, criando nesse período as maiores Universidades da Razão

que primavam pelo resgate do modelo antigo de civilização, junto delas, grandes

autores são “ressuscitados”, dentre eles Plauto, Terêncio, Sêneca e as obras de

Vitrúvio sobre arquitetura, preparadas por Sulpício Verolano; a maioria destes,

resgatados depois da queda de Constantinopla, tornando os escritos greco-

romanos acessíveis aos universalistas. (BERTHOLD, 2001, p.269)

Ainda na arte, artistas como Botticeli, Miguelângelo, Rafael e Da

Vinci, trazem do universalismo do conhecimento, já que estes eram conhecedores

das ciências, matemáticas e artes, subsídios para inserirem nas pinturas o novo

modelo de arte. Agora, o mundo não seria mais o retrato das obras de Deus, mas a

equalização das formas, e o rigor científico no construir de sua arte. Artifícios como

o “claro-escuro”, a uniformidade das formas, a perspectiva, o estudo anatômico e o

entendimento de algumas leis da física na constituição exata do objeto artístico,

começaram a ganhar importância no cenário do século XVII.

Enquanto Shakespeare encantava o Teatro Elisabetano, juntamente

com Ben Johnson e Chistopher Marlowe, o humanismo estabelece-se a todo vapor,


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Utilizo o termo “humanismo” dizendo respeito ao momento histórico, quando estudiosos retomaram o
conhecimento científico.
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principalmente na Itália, onde a maior quantidade das obras serão traduzidas e de

onde virão os últimos suspiros e o recobrar da Igreja Romana com a Contra

Reforma.

Nesse mesmo período, as ciências e filosofia incitam o homem no

desbravar do desconhecido; quando Portugal, Espanha e posteriormente Holanda,

França e Inglaterra sairão em direção ao novo continente. Ajudados pelas

inovações científicas, o astrolábio, a bússola e as modernas embarcações, o

homem expande seu mundo, horizontes e sua mente.

A relação macro e micro existente entre a expansão européia sobre

as águas do Atlântico, e a expansão da mente humana, prepararão campo para

René Descartes e outros pensadores como Michel Montaigne(1533-1592) e Pierre

Charron (1541-1603) na empreitada do pensamento do homem daquela época. (OS

PENSADORES, 1983, p.VIII)

Vale ressaltar que todos esses acontecimentos da história,

desenrolaram-se no período de quatro séculos, já que o início da Renascença é um

fato que fulgura ainda no período medieval.

1.2 Réne Descartes e o renascimento da razão

O sempre questionador Descartes cresceu em âmbito religioso. Sua

formação em escolas Cristãs, delimitou a obra cientifica deste autor que ansiava

discursar sobre o ser humano e suas paixões.

Não encontrando certezas dentro dos estudos das humanidades,


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nas quais iniciará suas pesquisas, Descartes julga encontrar nas matemáticas, o

caminho para a busca das certezas que tanto almejava. Com o discorrer de seus

estudos, as certezas que antes eram o maior objeto para o filósofo foram abolidas,

elevando a dúvida como novo objeto de estudo, ou quem sabe como a ferramenta

no encontro de alguma possível certeza.

Descartes aceita o desafio da dúvida que transpassava a atmosfera

cultural de sua época; aceita-a para combatê-la com suas próprias armas. Eis

porque duvida metodicamente de tudo. Adota em princípio a sugestão de Montaigne

:o decisivo campo de batalha entre a certeza e a incerteza é o próprio eu. (OS

PENSADORES, 1983, p.XIV)

Seu livro, Discurso do Método (1637), foi a tentativa de encontrar

uma metodologia para a ciência. Outros escritos como Regras Para a Direção do

Espírito (1628), Sobre o Movimento do Coração (1629), Meditações (1644), As

Paixões da Alma (1649), foram escritos ou publicados nas datas que constam aqui,

dado ao fato que Descartes calou-se de algumas idéias, tendo em vista seu

contemporâneo Galileu Galilei ser queimado na fogueira da Inquisição, e por isso o

atraso na publicação de seus artigos. (OS PENSADORES, 1983, p. XIII)

Contudo nosso ponto principal que faz com que chamemos René

Descartes para essa discussão é sua visão declarada em seus escritos, porém com

ênfase maior no escrito Tratado das Paixões ou As Paixões da Alma, de 1649.

Escrito para a princesa Elisabeth, filha de Frederico V, Rei da Boêmia, torna-se

nome presente nas dedicatórias do autor, que desde Meditações e Principios da

Filosofia já os dedicava à princesa exilada em Haia, Holanda.

Descartes então, nesse livro, traz uma reflexão sobre o corpo e a


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alma. É importante expor que a alma para Descartes é responsável pelas emoções,

o que aqui para nós poderia se transpor à palavra mente também.

Dentro de suas reflexões Descartes coloca enfaticamente a

distinção entre a alma e o corpo, dando ao corpo a mísera função de co-existir sob

o domínio de uma alma situada na glândula pineal, glândula essa que é

responsável pelos ciclos circadianos, os quais regulam a relação entre vigília e

sono, ou no caso de alguns animais como o camaleão, é ela quem ativa o

mecanismo de defesa que permite ao animal a camuflagem.

(...) Porque por um lado tenho uma clara e distinta idéia de mim
mesmo, na medida em que sou somente uma coisa que pensa e não
é extensa, e por outro lado tenho uma idéia distinta do corpo, na
medida em que ele é somente uma coisa extensa e que não pensa, é
certo que esse eu, isto é, minha alma, pela qual sou o que sou, é
inteiramente e verdadeiramente distinta do meu corpo, e que ela
pode ser ou existir sem ele. (DESCARTES apud D`Arcy, 2005,
p.XXVII

Totalmente dissociada das funções orgânicas, a alma estaria acima

do corpo, seria ela quem poderia existir sem o mesmo, ao ponto que o corpo estaria

fadado ao fracasso sem a alma que “viveria” na parte posterior do lobo frontal.

Assim, trocariam relações de interesses. A alma interessada no corpo e o corpo

interessado na alma, e por isso co-viveriam a fim de garantir a existência do

indivíduo.

Caberia à alma com suas emoções e pensamentos se expressar no

mundo, enquanto o corpo e todas as suas funções homeostáticas (regulagem de

PH, temperatura, e garantias de bom funcionamento em geral do organismo) seriam

organizadas pelos espíritos animais, corpos muitos pequenos e responsáveis

juntamente com os nervos de impulsionar as forças para a vida do corpo, ajudando

na manutenção do calor, e circulação sangüínea. Além disso, ressalta Descartes,


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que para nenhuma das funções fisiológicas, seria necessário lançar mão dos

pensamentos e emoções. Para o bombeamento de sangue do coração para o resto

do corpo, juntamente dos espíritos animais, o coração forneceria calor para

aumentar a pressão do sangue, o qual se dirigiria para as outras cavidades

corporais através das artérias, chegando aos órgãos dos sentidos “como sobre uma

alavanca de comando, os objetos externos desencadeiam assim movimentos

predeterminados, sem que seja necessário reportar-se à dimensão psíquica de uma

sensação ou de um desejo”. (DESCARTES apud D`ARCY, 2005, p. XXXI)

Ao contrário de Descartes, Thomás de Aquino, que mais tarde será

canonizado como santo, e também Aristóteles, grande filósofo grego e escritor do

primeiro tratado sobre dramaturgia, unificam a visão do corpo, e estabelecem não

como sendo uma troca puramente de interesses, mas sim, o fluxo da vida de um

organismo uno.

Se o olho fosse um animal completo, a visão seria sua alma: com


efeito, essa é a substância do olho; substância no sentido de forma.
Quanto ao olho, ele é a matéria da visão, e desaparecendo esta ele
não é mais olho, a não ser por homonímia, como um olho de pedra
ou desenhado. Assim, é preciso estender à totalidade do corpo vivo o
que vale para uma parte: a relação que existe entre a parte do ponto
de vista da forma e a parte do ponto de vista da matéria repete-se
entre o todo da faculdade sensitiva e o todo do corpo dotado da
sensibilidade tomado como tal. (ARISTÓTELES apud D`ARCY, 2005,
p. XXVIII)

Por fim, Descartes hesita em justificar concretamente as relações

que comprovariam a troca de interesses que há entre o corpo e a alma, já que são

considerados tão distintos pelo autor. O primeiro modelo que Descartes expõe no

Tratado do Homem e na Dióptrica, e retomado no Tratado das Paixões, diz da

relação causal que a glândula pineal e sua hospedeira, alma, produziriam com o

corpo. Os movimentos na glândula gerariam emoções e sensações, pre-


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estabelecidas por Deus.

Na outra visão, exposta também pelo hesitante Descartes, iniciada

em Meditações e parcialmente revelada no Tratado das Paixões, fala de uma

relação quase unívoca entre a alma e o corpo. A alma tomaria a forma do corpo e

atuaria em todas as partes do mesmo. Esse pensamento propõe quase uma união

entre os dois, embatendo-se com a visão que Descarte tanto defende da

dissociação e negação da conexão entre as duas.

Enxergamos a partir disso, a contradição que o próprio Descartes já

esboçava ao tentar explicar o homem e suas paixões. Imerso em seus

pensamentos, o filósofo que se tornou expoente ocidental, graças a suas teorias

que influenciaram as ciências exatas, humanas e biológicas, vê-se perdido entre

considerar a alma como maior, ou externa a existência do corpo, ou então, admitir

sua possível integração com o corpo humano.

Porém, para entender mais perfeitamente todas essas coisas, é


necessário saber que a alma está realmente unida a todo o corpo, e
não se pode dizer propriamente que esteja em alguma de suas
partes com exclusão das outras, porque ele é uno e, de certa forma,
indivisível, em razão da disposição de seus órgãos, que se
relacionam todos um com o outro de tal maneira que, quando algum
deles é retirado, isso torna defeituoso todo o corpo; e porque ela é de
uma natureza que não tem a menor relação com a extensão nem
com as dimensões ou outras propriedades da matéria de que o corpo
é composto, mas somente com todo o conjunto formado por esses
órgãos. Assim o demonstra o fato de que não poderíamos de
maneira alguma imaginar a metade ou a Terça parte da uma alma
nem qual extensão ela ocupa, e de que ela não se torna menos
quando se corta fora alguma parte do corpo, mas se separa
inteiramente dele quando se desagrega a conjunção de seus órgãos.
(DESCARTES, 2005, p. 48)

Confrontamos no mesmo ponto de sua hesitação os estudos em

Body-Mind Centering e o discurso da unificação.

A fim de se chegar a algum pensamento que defina o corpo e a


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mente interagindo constantemente, faz-se necessária a desconstrução das

máximas que desde o século XVI já veiculam no pensamento do ocidente.

Encontrar em Descartes a contradição, e por um breve momento a ratificação do

que aqui venho expor como pensamento necessário antecessor para a

compreensão do Body-Mind Centering, ajuda no esclarecimento sobre a

holisticidade humana, tema que, até por alguns instantes, o maior confrontado

parece concordar.
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“Andava eu pela casa, enquanto escura, percebia a luz que por fora entrecortada

nas hastes das janelas. Era eu num breu meu, no movimento que induzido por uma

música ia. O escuro tinha um toque lento, sutil, feito nuvem, nuvem que rarefazia

quando nela eu iniciava a transmutação. E assim era o momento meu, de olhar

para mim. Sentia que nada melhor que minha casa, minha, para encontrar os

cantos onde eu tinha medo de reencontrar. No meio do caminho encontrei uma

sombra. Não pude passar por ela. Ainda não.

Os acessos da vida se dão pela necessidade do encontro. As coisas ocorrem em

medidas exatas, num dinamismo histriônico, de momentos de inconsciência e

também de consciência.

No escuro, descobri também que meu movimento era plasmado com as sombras,

éramos quase unos num feixe de tempo que a luz não satisfazia. E ali era o

instante em que desejo se encontrava com necessidade, na composição harmônica

da presença, que meu ser expressava.

Neste mesmo instante, me deparei comigo, e com o movimento que meu espírito

fazia, pois meu espírito sou eu.

Neste mesmo instante, me deparei comigo, e com o movimento que minha mente

fazia, pois minha mente sou eu.

Neste mesmo instante, me deparei comigo, e com o movimento que minha meu

corpo fazia, pois meu corpo sou eu.

Nem tríade posso denominar, pois unicamente transporto-me, talvez em três

palavras, corpo, mente, espírito. Mas só. Encontrei o estado de consciência em

que sei de mim, ou pretendo descobrir voltando a casa, e aos cômodos na

tentativa de acendê-los, e apagá-los, no cíclico instante das descobertas tão

sonolentas e ralentadas.
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No tempo a demorar, premedito enfim o encontro. É impossível não estar, sentir

o momento oportuno da chegada das velhas novidades; sendo elas, nada mais que

antigos momentos, talvez de adolescente, criança, bebê. Momento que de velhos

tem o tempo, e de novos a sensação de tê-los revisto e encarado como

particularmente meus.

As velhas novidades, então, destroem as construídas sombras, revivendo o

momento calmo, numa espécie de estado uterino, que de hostil e amedrontado,

me revelo calmo, e brando.

Caídas as máscaras, sou atiçado a relembrar minhas mazelas e nadismos, na

esperança de fazer de mim, dono de minha casa.

Quem sabe não é hora de ser dono de casa? E retomar na sabedoria doméstica,

os afazeres de roupas, lavagens e limpezas. Arrumações.

E para a arte?

Se nada mais que artista sou.

O que fizer de mim homem, me fará, sempre, ator.”

Gustavo Torres
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2. O DISCURSO DA UNIFICAÇÃO

Uma das grandes colocações do discurso da dissociação está

relacionada à questões de separação das coisas no mundo ocidental. Nele, a

tabulação das matemáticas, as contas, o gráfico cartesiano, a enumeração (ponto

de referência na filosofia cartesiana), a disposição por critérios, enfim, a separação,

transcreve-se das áreas exatas ao pensamento do homem ocidental.

Cravado no cotidiano pessoal, o discurso setecentista que

favoreceu ao mundo, em uma possível organização, e enumeração das coisas, ao

contrário dos benefícios matemáticos, retirou dele a possibilidade de se enxergar

quanto uno, unívoco, sua unicidade, sua holisticidade.

Quanto ao foco deste estudo, venho abordar justamente o

pensamento de separação que o homem provocou em si próprio, e

conseqüentemente no mundo que estaria então, aos seus olhos, dicotomizado em

matéria e subjetivação.

“Eu estou fazendo uma distinção aqui, entre o conceito de mente


geralmente utilizado na terminologia Ocidental, e também das
funções mentais de armazenamento e processamento de
informações, pensar, raciocínio, visualizar, imaginar, relembrar,
atenção e os demais; da mente quanto consciência. Vamos primeiro
olhar na mente quanto função mental. A ciência e filosofia moderna
Ocidental tem a tendência de divorciar o funcionamento dos
processos mentais do corpo, associando-os com o cérebro e vendo o
cérebro como diferente do resto do corpo. O cérebro, composto de
bilhões de células, é claramente uma parte do corpo. Ele é
intimamente ligado com todas as partes do corpo, através da
complexa rede de fibras nervosas e das secreções hormonais e
outras substâncias que afetam o funcionamento celular.
Psicologicamente, a diferenciação do corpo e da mente acontece na
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experiência psicossomática infantil a qual é fundamental para o


processo de desenvolvimento; sem o qual ficaríamos imaturos,
porém fora essa situação, estamos assumindo o divórcio. Mas, nossa
mentalidade, orientada culturalmente, tem criado uma dualidade
entre mente e corpo e uma hierarquia de importância, na qual a
mente tenderia a dominar o corpo em detrimento de ambos.”
(HARTLEY, 1989, p.XXVII).

Diferente do homem ocidental, o oriente guarda uma cultura

holística. Seus tratamentos, suas religiões, seu comportamento, todo ele não se

embasa em diferenças, que a partir disso serão dissociadas, mas calca-se sim em

uma visão abrangente das coisas, de seu mundo, e primordialmente de si.

Isso pode ser visto na própria medicina oriental. Tratamentos como

o Reiki, técnica energética que se utiliza de alguns movimentos sensibilizadores no

corpo no paciente; a própria farmacologia chinesa, a qual não se utiliza de remédios

de ação na doença, no malefício, porém trata profundamente o paciente, em níveis

mais profundos que tenham causado aquela doença; isso sem contar a acupuntura,

e tantos outros métodos que o homem ocidental já introduz em sua rotina,

buscando como comento no início, encontrar sua ainda não entendida holisticidade.

Enquanto isso, no ocidente, a medicina alopática e farmacológica

exploram as doenças criadas muitas vezes por elas mesmas, fato que acontece

pelos inúmeros efeitos colaterais dos remédios desenvolvidos pelas indústrias,

tratando a doença, e por vezes esquecendo o doente e sua causa primordial, a qual

pode estar relacionada, como veremos adiante, ao fator emocional intimamente

ligado e nunca dissociado de seu físico.

Há diversas razões subjacentes a essa situação, e suponho que a


maior parte delas provém de uma visão cartesiana da condição
humana. Ao longo de três séculos, o objetivo da biologia e da
medicina tem sido a compreensão da fisiologia e da patologia do
corpo. A mente foi excluída, sendo em grande parte relegada para o
campo da religião e da filosofia, e, mesmo depois de se tornar tema
de uma disciplina específica, a psicologia, só recentemente lhe foi
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permitida a entrada na biologia e na medicina. (...) O resultado de


tudo isso tem sido uma amputação do conceito de natureza humana
com o qual a medicina trabalha. Não surpreende que, de um modo
geral, as conseqüências do corpo sobre a mente mereçam uma
atenção secundária, ou não mereçam mesmo nenhuma atenção. A
medicina tem demorado a perceber que aquilo que as pessoas
sentem em relação ao seu estado físico é um fator principal no
resultado do tratamento. (DAMÁSIO, 1996, p.287)

Nesse panorama, desenvolvem-se os seres humanos. No passar

dos anos, o oriente invariavelmente recebeu as influências ocidentais, da mesma

maneira que nos deixamos levar pelas influências milenares. Contudo, há a

necessidade de um aprofundamento para se entender essa milenaridade oriental, a

fim de uni-la com o que nos tornamos e quem sabe construirmos essa partilha e

trocas de conhecimentos entre as duas metades do globo.

É impossível, contudo, hoje dizer tão solidamente sobre as culturas

ocidental e oriental. Já comentada a influência que ambas exercem uma sobre a

outra, o desenvolver das duas inseridas no mundo globalizado, torna mais palpável

o contato e a disponibilidade de informações acerca delas, bem como a troca. Com

isso a identidade das culturas, que antes da pós-modernidade poderia talvez

considerar-se maior, hoje embora sustentada pelas grandes tradições de cada

região, abalam-se pelo abarcamento do mundo em um único relevo.

Com efeito, esse é o cenário propício para o homem pós-moderno

buscar seu entendimento, assim como o fazem desde os primórdios gregos.

Numa busca de auto-conhecimento, o homem pode deparar-se com

questões como o motivo de seu corpo reagir aos seus pensamentos, os calafrios

quando há uma situação de medo, ou o frio na barriga quando algo parece iminente

a acontecer, ou ainda como se dão as curas milagrosas de doenças como o câncer

com pacientes terminais recobrando energias, nessas vezes, por sutis mudanças de
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atitude.

São essas as perguntas, que a holisticidade do ser pretende

responder.

Feito à imagem e semelhança de Deus, o corpo humano é postulado


desde o princípio do texto bíblico como um território do sagrado. Não
se trata apenas de um monte de órgãos, vísceras, fluidos e funções.
Na língua hebraica, todas as partes do corpo humano são
hipostasiadas e dotadas de atributos psíquicos e espirituais. Cada
parte do corpo humano leva em si mesma uma consciência do
verdadeiro Eu e de sua unidade. (MIRANDA, 2002, p.11)

Atualmente respondemos ao poderio do corpo, a imagem do corpo.

Fadados a um ideal de perfeição, que permeia o homem desde sempre, nos dias

atuais, esse ideal é potencializado pelos meios de comunicação, que ditam as

novas tendências que o sistema de gorduras deve tomar.

Junto disso, a superexposição de corpos, e a não valorização dos

mesmos, confirma a idéia da dissociação do corpo, mente, espírito. Ao mesmo

tempo em que as pessoas expõem seus corpos, fica impossível raciocinar que as

mesmas estão expondo suas mentes, e seus espíritos. Todavia, esses são os

reflexos simples causados pela digressão do pensamento unívoco do homem.

Retomando a medicina, os tratamentos se focam nas doenças, nos

corpos. No entanto, muitas vezes esquece-se que se estará tratando do paciente

como um todo, e tal remédio que induz à liberação de tal hormônio estará, também,

atuando na mente do paciente.

Estudos atuais comprovam que o estado de humor da pessoa influi

em sua recuperação, fato esse que aos poucos consegue se introduzir na profilaxia

hospitalar. A psiconeuroimunologia, responsável por esses estudos, legará aos

hormônios e secreções que o organismo produz, a expressão das emoções. Isso


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entrará em um grande processo de auto-cura e farmacologia do próprio organismo

para suas próprias doenças.

Desde a antigüidade, físicos e grandes pensadores de cada era têm


pensado que o corpo influencia a alma, e a alma influencia o corpo.
Nossa cultura está apenas começando a reconhecer e aceitar essa
verdade novamente; além disso, a ciência tem se deparado com
muitos casos que comprovam o efeito da mente sobre o corpo na
cura de doenças. Em qualquer visão sobre cuidados na saúde para o
futuro, estão se inserindo o ampliar da consciência da mente para a
cura, e o conhecimento da totalidade da pessoa, e de todo o
potencial que existe em nós. Nisso, o indivíduo pode começar a
retomar a autoridade e a responsabilidade sobre si e de sua saúde,
que tem sido totalmente legada à profissão médica. (HARTLEY,
1989, p.300)

Assim, este trabalho, introduz informações que calcam esse

pensamento de holisticidade, os quais me embasam a fim de discursar sobre o ser

humano uno que se expressa no mundo contemporâneo. Para isso, uso os

conceitos da neurobiologia, e das recentes descobertas acerca dos neuropeptídios

e a inteligência celular, os quais ganham ênfase nessa discussão. Adiante,

introduzo os conceitos sobre Body-Mind Centering e relaciono o como essas

descobertas e estudos influenciam o indivíduo, e o indivíduo artista, dado ao fato

que essas mudanças de pensamentos refletem-se nos padrões de movimentos dos

seres, e conseqüentemente no modo de expressar-se perante a vida. Traço então

um paralelo, entre o ser que se expressa na vida, e o que se expressa na arte,

unindo artista e pessoa, em uma relação não dissociada.

2.1Body-Mind Centering e a busca pela holisticidade

“E eu perguntei para Bonnie: O que são todos esses bloqueios no


corpo? De onde eles vêm? Ela respondeu: É a mente observando ela
mesma.” (COHEN, 994, p. VII)
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Em 1973, Bonnie Baindbridge Cohen, terapeuta ocupacional e

professora de dança, funda a Escola de Body-Mind Centering, em Massachussets,

Estados Unidos. Formada em Nova Iorque pela Erick Hawkins School of Dance e

pela Hunter College, Cohen passa a desenvolver no período entre 1962 e 1972,

trabalhos nos centros de reabilitação de hospitais, onde verificou que as pessoas

vinham procurá-la com problemas físicos e psicológicos. Essas constatações

fizeram com que fosse dado inicio às suas pesquisas sempre pensando: “perceber,

e ajudar as pessoas a se ajudarem” – nas palavras de Cohen.

O Body-Mind Centering (BMC) não é uma técnica. Não é codificada

e padronizada em seqüências prontas a serem repetidas. O seu assunto é o

movimento, e todo o trabalho é feito a partir da análise desse movimento, pois,

assistindo aos movimentos do corpo é possível ver o movimento da mente, através

da qualidade que aquele movimento expressar. “Há alguma coisa na natureza que

forma padrões. Nós, como partes da natureza, também formamos padrões. A mente

é como o vento e o corpo é como um areal; se você quiser saber como que o vento

sopra, você pode olhar o areal.” (COHEN, 1993, p.1)

Além disso, todo o seu arsenal de conhecimentos é mutável, com

intuito de acompanhar as mudanças da vida. O BMC é um processo experimental.

Para isso usa os conhecimentos das tradicionais anatomia e fisiologia, bem como,

conhecimentos da física, mecânica e neurociência. Partindo desses conhecimentos,

e unindo-os às descobertas pessoais, os conceitos tradicionais podem ser

reinterpretados.

“Body-Mind Centering tem grande relevância em oferecer a esse


respeito, com base nos princípios observados, as funções da
anatomia, psicologia e desenvolvimento infantil. É também baseado
nas leis da física e mecânica, e no como elas são expressas no
corpo humano. Entretanto, é fortemente arraigado no conhecimento
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e sabedoria que se encontra no subjetivo mais profundo. Body-Mind


Centering permite que a nossa sabedoria fale com seus próprios
termos, através de nossa voz. (...) trabalhando desse jeito, nós
aprendemos a acreditar no valor de nosso próprio conhecimento
sobre nós mesmos. A teoria e princípios desse trabalho, de fato,
continuam a evoluir com nossas coletivas experiências”. (HARTLEY,
1953, p. XXX)

Há um diálogo direto entre o BMC e a nossa experiência.

Para o Body-Mind Centering, nosso corpo se move de acordo com

o movimento de nossa mente. As qualidades serão, a expressão dessa mente, e

consequentemente, a mudança da qualidade de movimento se refletirá na mudança

de algum padrão do nosso corpo/mente.

Fazendo um elo com a citação da expressão corpo/mente no

parágrafo acima, o nome Body-Mind Centering traduzido ao português, nos coloca

uma reflexão do que todo o processo proporá. “Body-Mind” já expõe a expressão

corpo/mente, enquanto “Centering”, que usualmente quereria dizer centro, ou um

movimento concêntrico, das periferias em direção ao centro, aqui reforça as

relações do corpo mente, ratificando que não se trata de uma dissociação, mas sim

de uma união.

O objetivo principal do Body-Mind Centering é a busca de um

estado que permita a espontaneidade, a abertura e a ampliação de percepções, a

fim de que possamos estabelecer um contato mais profundo com nós mesmos, se

auto-conhecer, e com isso liderar a transformação e o desenvolvimento pessoal.

Por intermédio da análise do movimento, dos padrões e qualidades

que este movimento expressa, e buscando a transformação dos padrões que

estiverem inibidos, como será explicado no segundo capítulo, por somatizações, as

quais impedem o livre fluxo do movimento, o trabalho tem a intenção de


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repadronizar essas áreas, sempre na tentativa do encontro do movimento fluente e

pleno.

Mudanças em qualidades de movimento indicam que a mente está


mudando de foco no corpo. Quando nós direcionamos a atenção a
diferentes áreas do corpo e iniciamos o movimento a partir dessas
áreas, nós mudamos a qualidade do nosso movimento. Então nós
descobrimos que o movimento pode ser um caminho de observar a
expressão de nosso corpo/mente, e pode também ser um jeito de
encontrar mudanças na relação existente entre corpo e mente.
(COHEN, 1993, p.VII)

É importante observar no trabalho com o BMC, a relação que existe

entre a menor estrutura do corpo e sua atividade, o movimento celular, com o maior

movimento que o corpo possa executar. Cohen comenta a necessidade do

estreitamento de relações entre os sistemas do corpo para se entender o todo. A

importância de compreender que o movimento, por maior que seja, está partindo ou

simplesmente é formado pela menor estrutura do organismo, a célula.

“Isso envolve identificação, articulação, diferenciação, e integração


de vários tecidos com o corpo, descobrindo que suas qualidades
contribuem para um movimento, no como ele estava envolvido no
processo de desenvolvimento, e no como ele acontece sendo
expressão da mente. Assim quanto mais estreita a relação, mais
eficientemente nós poderemos entender as funções do organismo e
tudo o que a isso está implicado.” (COHEN, 1993, p.VII)

Os caminhos para o encontro desse estreitamento entre corpo,

mente e movimento pode ser feito de várias maneiras. O toque, através do trabalho

de “hands on”, a visualização, a voz, a música, a meditação, conversas e tantas

outras formas que busquem estimular o processo de sensibilização.

“A prática do Body-Mind Centering permite a nós que gentilmente


voltemos para a nossa casa ao adentrar no corpo e re-experienciar a
sensação da integração harmônica, o sentimento, da mente e do
espírito, que é a nossa natureza. Nós aprendemos a escutar o corpo
através do silencioso trabalho de sensibilizar, nossa respiração, e o
uso do imaginário guiado, no permitir que essa sabedoria nos guie na
exploração de nossas necessidades. Nós aprendemos a acreditar no
21

corpo e em seu intuitivo conhecimento. Através do toque focado e do


sensível movimento guiado, áreas de tensão e bloqueio são
liberadas e o núcleo da força e sustentação interna poderá ser re-
experienciado. Como o corpo torna-se mais balanceado e integrado,
nós podemos experimentar mais concentração e clareza da mente,
assim como mais abertura e espontaneidade no ser e perceber.
Livrados dos padrões habituais, nós podemos acessar e mais
plenamente expressar a criatividade que existe em nós. Este trabalho
realça a capacidade natural de cura do corpo.” (HARTLEY, 1989,
p.XXXI).

Dentro desses processos, artista e obra se confundem. O

pesquisador é ao mesmo tempo agente e passivo da pesquisa, já que a pesquisa é

a respeito de sua própria experiência. Os princípios do BMC serão construídos a

partir das experiências coletivas, fazendo emergir do pessoal, da história individual,

o universal, e deste mesmo universal, retirar-se-á o específico. Como explica

Cohen, “essa é parte da natureza do trabalho. Assim como nós vamos da

experiência do nível celular até os sistemas do corpo, e até as relações familiares,

com a sociedade e eventualmente com a cultura a que estamos inseridos, nós

sempre estamos olhando no como esses princípios viajam ao longo de um contínuo

ciclo.” (COHEN, 1993, p.2)

“Existem maiores implicações culturais com a perspectiva do Body-


Mind Centering e seu modelo de organização celular. Como nós
temos visto cada sistema anatômico ou estrutura do corpo tem sua
qualidade de expressão, sua própria função, importância,
necessidade e lugar no todo corporal. Cada uma, é igualmente
importante no saudável funcionamento do organismo como um todo.
As relações internas entre os sistemas e suas funções, oferecem um
belo modelo do microcosmo, na relação entre o indivíduo e o grupo,
os subgrupos e a sociedade e as nações com o mundo. Pelo corpo,
nós percebemos que se um sistema, órgão, por exemplo, for
sobrecarregado, abusado, ou danificado de algum jeito, a saúde do
todo estará comprometida. Apenas quando a função natural de cada
um é acessada plenamente e igualmente, é que as relações
saudáveis entre as partes são mantidas. Competição ou conflito
entre eles, resultam em desordem; cada célula e tecido do corpo têm
sua vital parte nas relações e pretende trabalhar em
complementação com todas as outras partes.” (HARTLEY, 1979,
p.301).
22

Portanto, os conceitos trabalhados nos processos em BMC,

chamados de repadronizações, visam justamente o desbloqueio do fluxo de energia


3
que possa vir a impedir o livre fluir do movimento.

Por hora, é necessária a compreensão inicial dos conceitos

apresentados por Bonnie Baindbridge Cohen sobre o Body-Mind Centering, a fim de

debatermos a holisticidade e sua importância no entendimento deste trabalho.

2.2 O renascimento do ser

Duas são as maiores mudanças que o discurso da unificação traz

em relação ao da dissociação. A primeira delas refere-se ao vigente pensamento da

supremacia do cérebro sobre o seu vassalo corpo humano; e a segunda se coloca

na relação da separação entre o corpo e a mente, a qual legará cada um deles

funções isoladas e não integradas dentro de suas atividades.

Ambas as visões compõem uma bela canção que não pára de

entoar no pensamento do homem ocidental, que diferentemente da realidade do

oriente, enxerga cada coisa desempenhando sua determinada função, como em

uma fábrica que obedece a padronização da linha de montagem. Assim, é permitido

ao coração apenas bombear, aos rins apenas filtrar, ao estômago apenas digerir e

aos intestinos o sujo trabalho de expelir o desagradável. Sendo essa a verdade tão

defendida, porque todas as partes interagem entre si, e uma simples falha no

funcionamento renal afeta o todo e inclusive o humor da pessoa?

Cabe então, nesse momento, discorrer sobre o corpo, a mente e

3
Fluxo de energia nesse caso se refere à fluência do movimento.
23

esse discurso da unificação que nos coloca um corpo/mente agindo sobre o mundo,

e a partir de então, façamos a ligação desse pensamento com o que o Body-Mind

Centering nos propõe, e mais tarde, aliemos esses pensamento à filosofia do ator

em busca de sua expressividade.

Os mistérios do cérebro humano sempre foram assuntos intrigantes

para as pessoas e principalmente para os interessados na área da neurociência.

Desvendar a mente e suas obscuridades na tentativa de compreendê-la se tornou

mote para vários pesquisadores, os quais ao longo da história da ciência trouxeram

à luz descobertas essenciais para o entendimento do ser humano.

O cérebro é usualmente conhecido como o centro da grande

máquina corporal. Responsável por funções básicas como a homeostasia

(regulação de ph, temperatura, e bom funcionamento do organismo), e também

pelas funções da mente (imaginação, raciocínio, lógica, visualização); esse órgão é

tido como o grande motor humano, a placa mãe, o organizador dos nossos

sistemas orgânicos. Entretanto, retirando os exageros, essas são as reais funções

do cérebro.

“Eu estou fazendo uma distinção aqui, entre o conceito de mente


geralmente utilizado na terminologia Ocidental, e também das
funções mentais de armazenamento e processamento de
informações, pensar, raciocínio, visualizar, imaginar, relembrar,
atenção e os demais; da mente enquanto consciência.” (HARTLEY,
1989, p. XXVII)

A problemática está em considerá-lo parte exclusiva, superior, e

também em considerá-lo como responsável único pela consciência, tanto a

consciência do self, quanto a consciência autobiográfica (serão discorridas no

terceiro capítulo), dando a responsabilidade da consciência do ser no mundo e os

outros níveis de consciência, unicamente para o cérebro, e consequentemente,


24

ignorando a mesma existente no organismo todo.

Nessa visão, o cérebro sozinho é dono de um corpo que obedece

aos comandos, recebe informações, e que inexiste sem a presença de seu mestre,

além disso, esse mesmo pensamento sustenta a imagem de um cérebro que

guarda de forma solitária a inteligência e a consciência do organismo, o que se

traduziria pela comum frase: “O problema de tal pessoa é psicológico, na cabeça”.

Realmente a vida não existiria sem ele, mas há outro dissidente desse pensamento.

Junto dele, a terminologia cartesiana a respeito da maquinaria que

seria o corpo ganha força, já que Descartes reduz o corpo a uma coisa nada mais

interessante que as fábricas da pré-revolução industrial; traga a visão de unicidade

humana e dissocia a mente do corpo e do próprio cérebro, tomando ainda o

cérebro, como um álibi para esconder a alma humana, visto que para o filósofo o

cérebro também é só uma parte do corpo, e apenas seria o lugar do repouso dessa

alma (alma essa que seriam as emoções).

Por esse pensamento é possível entender como a sociedade

contemporânea ainda abarca o modelo de Descartes, destituindo a alma (mente) do

corpo. Vale ainda ressaltar que para Descartes, a alma são as emoções como

amor, ódio, tristeza, felicidade; o que aqui serão abordadas como atributos da

mente integrada ao corpo.

Porém, não negando a importância do cérebro para todo o

organismo, cientistas da década de oitenta, como António Damásio, começaram a

fazer experiências relevantes para o estudo da neurociência e especialmente das

relações corpo/mente.

Através desses estudos e comprovações, conseguiu-se estabelecer


25

cientificamente o elo entre o corpo e a mente, compreendendo-os como um só,

integrados e não dissociados em nenhum dos processos fisiológicos do organismo.

A intrínseca relação que se descobriu, diz respeito às moléculas de

neuropeptídeos encontradas no sistema imunológico e em outros vários pontos do

corpo. (DOSSEY apud ANDREWS, 2006, p.8)

“Neuropeptídios e seus receptores são a chave para entender como


a mente e o corpo estão interconectados e como emoções podem
ser manifestadas através de todo o corpo. Certamente, quanto mais
sabemos dos neuropeptídeos, mais difícil é pensar nos termos
tradicionais da mente e do corpo. Faz mais e mais sentido falar de
uma única mente integrada, uma “mente do corpo”. (HARTLEY,
1989, p.XXVIII).

Os neuropeptídeos são um longo cordão de aminoácidos que se

unem aos receptores espalhados por todas as células do corpo provocando a

sinapse e liberando a mensagem.

Como comenta Hartley na citação acima, o entendimento dos

neuropeptídeos nos leva a entender a integração da mente e do corpo, e também

nos ajuda na compreensão de um corpo que agora não somente tem um cérebro,

mas um corpo que é um cérebro em um constante fluxo de pensamentos e

emoções, na fluência de uma inteligência não somente associada ao raciocínio dos

circuitos localizado no cérebro, mas sim, uma inteligência celular.

Experimentadores do movimento do século XX, como Rudolf Laban,

F.M Alexander, Mabel Todd, Moshe Feldenkrais, já iniciaram seus trabalhos pela

ótica que enxerga o corpo como um corpo pensante, o corpo como cérebro. Seus

trabalhos em recuperação de pessoas assoladas pelas guerras mundiais, o que

hoje se inserem na linha de educadores somáticos, foram essenciais para se

entender o que a mudança de consciência no trabalho com os “pacientes”, refletiria


26

nos movimentos dos mesmos, atuando não somente em seus corpos, mas sim, em

seus corpos e em suas mentes.

Com uma série de trabalho que visavam reintegrar o homem em

sua holisticidade, ou seja, conscientizá-lo de sua unicidade enquanto ser, esses

teóricos foram pontos chave para o trabalho que Bonnie Baindbridge Cohen

desenvolverá nos anos setenta com o Body-Mind Centering.

Através dessas idéias, derrubamos um pouco da supremacia

cartesiana, e instauramos um momento do novo discurso, em que o corpo e a

mente conjuntamente trabalham na regulação de nossas vidas, e não mais, como

Descartes tentou pregar, uma alma (mente) trabalhando pelos seus próprios

interesses.

2.3 Os neuropeptídios e a inteligência celular

Para compreender o que até agora está sendo exposto sobre o

tema da holisticidade do ser humano, como comenta Linda Hartley, é necessário o

entendimento do que viriam a ser os neuropeptídios, e o que alguns cientistas irão

chamar de inteligência celular.

Os neuropeptídios são a chave para as relações corpo/mente, já

que eles serão os justificadores do outro discurso, possibilitando explicar o que se

quer dizer do “corpo como cérebro”, e de uma “anatomia consciente”.

Segundo o Dr. Larry Dossey, um dos pioneiros da medicina

corpo/mente, há uma complexidade que envolve esse assunto, pois para entendê-lo

é necessário abrir mão dos hábitos de apontar a cabeça como região da mente.

(DOSSEY apud ANDREWS, 2006, p.7)


27

O médico afirma que ao considerar o corpo todo como lugar de

pensamento e inteligência, o colocamos como um grande cérebro, e assim,

chegamos à conclusão que nossa pele, células e glândulas pensem, um corpo vivo

em pensamento, e entendemos o que viria a ser a inteligência celular- comenta

Dossey. (DOSSEY apud ANDREWS, 2006, p.7).

Isso ocorre, principalmente, devido aos neurotransmissores ou

polipeptídios, um longo cordão de aminoácidos que se unem aos receptores

espalhados por todas as células do corpo provocando a sinapse e liberando a

mensagem. Vale ressaltar que os receptores são moléculas espalhadas por todo o

organismo, células do sistema imunológico, as quais têm número muito superior

que o de neurotransmissores ou neuropeptídios. Com isso o número de ligações

que podem ser feitas, e a quantidade que poderiam vir a ocorrer são enormes.

Esses neurotransmissores estão sendo liberados de um ponto e


distribuindo-se por todo o corpo. Quando uma célula nervosa
esguicha os neuropeptídeos, os peptídeos podem agir “quilômetros”
de distância em outras células nervosas, dizendo às células se elas
devem dividir-se ou não dividir-se, se deve fazer mais dessa ou
daquela proteína, se devem “ligar ou ativar” esse ou aquele gene.
Tudo no seu corpo está sendo gerado por essas moléculas
mensageiras que estão em todos os lugares, e isso é que realmente
impressionou a todos. Nos anos oitenta começamos a achar
peptídeos no sistema imunológico e em todos os demais pontos do
corpo. (Dossey apud Andrews, 2006, p.7).

Em 1989, Joan Kroc, viúva do fundador do Mcdonald`s, doou dois

milhões de dólares à Universidade de Los Angeles, a fim de que eles pesquisassem

a influência da alma sobre o corpo, no quesito cura de doenças. Com o tempo, têm-

se criado um ramo de estudos, o qual usará os neurotransmissores como forte

aliado em suas pesquisas: a psiconeuroimunologia.

Qual é a relação entre a alma de uma pessoa, seus pensamentos,


emoções, comportamento e o seu sistema imunológico, responsável
fundamental por sua saúde? Durante décadas foram concentrados
28

esforços internacionais em desvendar detalhadamente os segredos


das células imunológicas (as responsáveis pela defesa do
organismo, como os glóbulos brancos). A conclusão dos
especialistas, no final, foi de que o sistema imunológico, depois do
cérebro, é o sistema mais complicado do corpo e desenvolveu, a
partir de sua relação com inúmeros germes hostis, uma precisão
letal. De resto - assim pensava - ele era autônomo. Todas as células
entendiam tão bem o seu serviço que nenhuma delas precisava de
conselhos de ninguém. De acordo com essa linha de raciocínio,
pensamentos, emoções e tudo que acontecia na cabeça não tinham
nada a ver com o sistema imunológico. Esse conceito estava em
completa consonância com o paradigma racionalista cartesiano da
ortodoxa medicina alopática. Até pelo menos 400 anos o dualismo
corpo-alma era um axioma, segundo o qual as moléstias surgem
apenas por causa de deslizes no plano físico e não relação nenhuma
com a consciência. (ANDREWS, 2006, p.6)

Como podemos observar na citação acima, escrita pela antropóloga

Susan Andrews, a dualidade instituída pela renascença racionalista, que vigora até

hoje no pensamento do homem do ocidente, afeta também os rumos que a

medicina toma. Contudo, os últimos estudos na linha da psiconeuroimunologia,

retratam um avanço nas pesquisas em considerar o ser humano em sua inteireza,

em sua holisticidade.

É importante esclarecer, que por uma questão didática, a palavra

alma e a palavra mente estão sendo usadas com a mesma intenção.

Para o nosso trabalho de Body-Mind Centering, o que mais nos

interessa a respeito dos neuropeptídios, é vê-los como a resposta para a

compreensão do corpo/mente. A partir desse entendimento, é possível para o

trabalho com o BMC, enxergar o movimento de todo o organismo, e perceber que

todo ele se move: glândulas, órgãos, músculos, fluidos. Outro ponto a se entender,

será nos trabalhos de ampliação de percepções, exemplo os exercícios de

sensibilização do “Hands on”, o qual é um trabalho em que uma pessoa sensibiliza

a outra através do toque na busca do despertar de percepções naquele local e

assim ampliação do vocabulário de movimento.


29

Essas e outras relações do trabalho com o BMC serão mais

esmiuçadas no terceiro capítulo. Por ora, o primeiro capítulo buscou o encontro do

discurso da dissociação com o Body-Mind Centering. Nesse segundo momento, o

discurso da unificação, pretendeu expor a compreensão do que viria a ser esse

corpo/mente. Essas definições são suficientes para darmos o próximo passo:

analisar esse corpo/mente no mundo, em seu desenvolvimento e em seus

processos de aprendizagem. Com isso, compreenderemos como ocorre o processo

de auto-formação e auto-conhecimento do indivíduo, e depois, unido aos processos

de auto-conhecimento do ator, veremos o BMC como ativador de processos

criativos.
30

“Antes de qualquer coisa gostaria de introduzir a todos os interessados na vida,

um caminho de importância pessoal, contudo de possível partilha para com

aqueles que se identificarem com minha biografia.

Não tenho grandes pretensões em direcionar estradas, rumos, ou vertentes

novas de ganho para a humanidade, na busca de uma cura das realidades pessoas.

Não. A proposta daqui é bem menos intensa e ambiciosa. Trata-se de explanar-

me, e ponto final.

Nas minhas buscas, que com certeza tantas pessoas se equipararão, farei aqui um

tracejo simples e talvez até mal rebuscado de andanças pela vida e pelos

Olimpos, querendo ser simplesmente eu, eu e minha busca, eu e minha pulsão, eu

embrenhando e desembrenhando, eu esporadicamente arrebatando-me e

transportando-me em um universo tão eloqüente e ao mesmo tempo tão rústico e

estranho.

Assim, quando não mais conhecer nada, estarei pronto para conhecer e isso é o

que basta a fim de que me torne mais que fui no momento antecessor, menos do

que serei no momento posterior, e inimaginavelmente estranho aos olhos do que

sou agora. Serei espécie de desconhecido, estrangeiro, forasteiro, escondido nas

mesmas mascaras e proporções, quem sabe maior, mais gordo, menos feio, mais

robusto, porém, desconhecido, desencontrado. Serei então feliz, pois mudarei,

transmutarei de sombras, na finalidade de encontrar nos novos ares do dia

seguinte repouso e desequilíbrio, em um ciclo que tende a continuar até que a

morte nos separe.

Desconhecido e plurisignificado, já que não mais conseguirei atribuir a mim os

mesmos quesitos de que hoje atribuo, encontrarei algo mais que o momento,
31

encontrarei o momento anterior unindo-se ao momento posterior, e juntos me

formando.

Certa vez ouvi uma história, contada não sei por quem que dizia sobre os castelos

de areia em uma praia. Ao construí-los a criança sempre fica com um punhado de

areia entre os dedos, entre as roupas. Quem sabe, quando a água do mar vier pela

noite, as ondas levem o castelo e a criança triste tentará agarrá-lo a fim de que

ele não corra, morra, perca-se. Fundida à pele da criança ela chorará, contudo

guardará em seu bolso aquele ultimo punhado que restou da construção antiga. Na

nova casa, unira o castelo construído e destruído de ontem, ao castelo construído

e destruído de hoje, de amanha e assim por diante. E no mesmo saquinho onde

guardou o restou do passado, colocará o presente. As areias se misturarão, os

dias se misturarão, os ossos crescerão, e choro virá a tona. A criança crescerá; e

crescendo verá que precisara constantemente de um veredicto para seus grãos,

precisa de vez em quando esvaziar o que tinha para que coisas novas surjam. Será

ela, a criança, sozinha, sem pai nem mãe, a escolher quais grãos deverão sair e

quais ficar, e assim ela crescerá, florescerá e será até o fim de sua vida,

trocando com o mundo grãos, pegando dos outros e das coisas e entregando os

seus em um processo de escambo vital, na sabedoria de arrumar a melhor

maneira possível de quem sabe em outro tempo voltar ao primeiro castelo, ao

primeiro punhado, à primeira emoção, ao primeiro sorriso, ao primeiro suspiro,

antes da onda se aproximar e levar o seu primeiro e ultimo castelo.

Amplo de sentidos, a história traz até àqueles que compreendem o momento do

momento, do momento, do momento. Em qual momento estou, e para onde vou?

Para onde vou?

Se assim como eu, vive a mesma pergunta, e ainda não lembra onde construiu seu

primeiro castelo, bem como quando, como e porque, então a nossa busca é

parecida, e vale a pena refletirmos sobre a vida, a expressão da vida e o puro

momento.
32

Voltando para casa, depois de uma ida à praia, faz-se a hora de limpar os pés,

sacudir das roupas as areias que não queremos e deitar um pouco na cama ou colo

de alguém. Já que a vida é grande jornada, já que somos capazes de caminhar por

entre as paisagens, já é hora de pensar e pensar e pensar.

Limpo de todas as sujeiras do dia, o que fica em nós somatiza um pouco do que

serei amanhã, e me revela através de minhas emoções como sou diante das coisas.

O dia já vai amanhecer, e aquela criança precisa descansar, amanhã será um novo

dia. Com novas histórias e novos castelos. Novos castelos.”

Gustavo Torres
33

3. BMC: O DISCURSO DE AUTO-CONHECIMENTO

Este é o terceiro momento necessário para trazer à tona os

conhecimentos que o BMC abrange.

No primeiro deles, o primeiro capítulo deste trabalho, busquei

explanar os conceitos relativos ao discurso da dissociação. No segundo capítulo,

pretendi analisar questões relativas à holisticidade e unicidade dos seres humanos.

Isso se faz necessário, pelo motivo de que o BMC utiliza dessa consciência de um

ser uno para fazer com que o trabalho aconteça.

Após esse momento de discussão sobre o corpo/mente, trazendo

para o diálogo Descartes, Bonnie Baindbridge Cohen, Linda Hartley, Susan

Andrews, Larry Dossey, partimos para o terceiro ponto do trabalho, o qual tem a

intenção de analisar alguns momentos do ser humano no mundo, suas emoções,

sentimentos, incorporações e somatizações, convergindo tudo isso para seu

desenvolvimento, seu auto-conhecimento.

O BMC é um estudo que, como já dito, trabalha com o indivíduo e

sua experiência no mundo. É um trabalho de empirismo, pois é no cotidiano que se

estabelece qual é o próprio método de trabalho da pessoa, a partir do conhecimento

individual, de uma sabedoria que pretende brotar desse conhecimento de si. Sendo

assim, o Body-Mind Centering estabelece uma ponte estreita e declarada com a

vida, pois é com ela que ele irá evoluir, e por ela que serão criados mais e mais
34

materiais no estudo coletivo do Body-Mind Centering.

É claro que os trabalhos em psicologia, e principalmente em arte,

trabalham com a pessoa e sua vida, e sempre será uma pesquisa sobre o ser

humano. Contudo, friso a questão do esclarecimento que o BMC propõe a partir de

seu trabalho com a vida, já que para entendê-lo devemos compreender-nos, afinal,

o trabalho não é nada mais que olhar para si na busca de um estado de pleno

movimento, de fluência, sem couraças, e desinibido das somatizações que a vida

nos encarou.

Portanto, nas pesquisas em Body-Mind Centering e em todo o

trabalho prático, o objetivo principal será o de desinibir o movimento, afim da

ampliação do vocabulário da pessoa, e consequentemente, trará uma nova

consciência sobre si, e sobre a anatomia a qual se estiver trabalhando.

Gostaria também de ressaltar a palavra consciência, processo de

auto-percepção e sensações que o organismo identifica e registra. Para nós, será

de extrema relevância entendê-la, já que o autoconhecimento pede a auto-

consciência.

Nesse ponto, retomo a importância de se entender o cérebro como

parte do corpo e desempenhando suas funções de controle do organismo, e retomo

também, o pensamento do BMC que frisa que o cérebro não é lugar uno da

consciência humana. Assim como podem pensar que o cérebro é o lugar isolado da

mente, ele também não é o lugar isolado da consciência.

Trago de volta essa discussão do parágrafo acima, somente para

deixar claro o ponto em que partimos para explanar o segundo capítulo.

António Damásio será novamente um forte aliado. Suas pesquisas


35

em neurobiologia sobre consciência e emoções serão de grande valor para esse

momento. Em seus escritos: O Erro de Descartes, e O Mistério da Consciência, fica

claro o ponto de vista que ele e o Body-Mind Centering estarão colocando para

esse século XXI. Damásio dá uma definição simples, porém esclarecedora a

respeito do que seria a consciência e da importância de seu aparecimento na

evolução dos animais.

Embora eu não veja a consciência como o ápice da evolução


biológica, penso que é um momento decisivo na longa história da
vida. Mesmo quando recorremos à simples e clássica definição de
consciência encontrada nos dicionários - que apresenta como a
percepção que um organismo tem de si mesmo e do que o cerca -, é
fácil imaginar como a consciência provavelmente abriu caminho na
evolução humana, para um novo gênero de criações, impossível sem
ela: consciência moral, religião, organização social e política, artes
ciência e tecnologia. De um modo ainda mais imperioso, talvez a
consciência seja a função biológica crítica que nos permite saber que
estamos sentindo tristeza ou alegria, sofrimento ou prazer, vergonha
ou orgulho, pesar por um amor que se foi ou por uma vida que se
perdeu. O páthos, individualmente vivenciado ou observado é um
subproduto da consciência, tanto quanto o desejo. Jamais teríamos
conhecimento de nenhum desses estados pessoais sem a
consciência. Não culpe Eva por conhecer; culpe a consciência, e
agradeça a ela. (DAMÁSIO, 1999, p.18)

O importante de entendermos por ora, é como se dão os processos

de auto-formação e de autoconhecimento, a fim de que nos próximos sub-capítulos

sejam esmiuçados os desvios que podem acontecer ao indivíduo em seu processo

de vida.

Dentro dos níveis de consciência, dois são os mais relevantes para

nós nesse momento: a consciência central, da qual emanará o self central, e a

consciência autobiográfica, da qual virá o self autobiográfico.

O self central corresponde à parte da consciência que se recria todo

momento, com a finalidade de interagir com os objetos à que o organismo

estabelece quaisquer relações, enquanto o self autobiográfico é responsável pela


36

parcela imutável de nós que se forma ao longo da vida pelas nossas experiências e

vivências sociais.

Tomar conhecimento disso agora irá nos ajudar a compreender os

processos de incorporações que o organismo fará, processos estes que podem

gerar somatizações no organismo, as quais serão as principais responsáveis pelo

bloqueio do movimento. Tudo isso assistido pelos nossos sentimentos e emoções,

autores de nossas relações com o mundo, de nossas perguntas e respostas ao

ambiente externo, e também, assistido pela nossa consciência, presente em todo o

organismo.

Em tabela feita por Damásio a qual exemplifica a regulação da vida

e as necessidades para o desenvolvimento do ser, o neurocientista trata essa

tabela de níveis básicos de regulação da vida pelo nome de kit de sobrevivência.

Tabela- Níveis de Regulação da vida


Razão superior Planos de ação complexos, flexíveis e específicos
para cada situação formulados em imagens
conscientes e podem ser executados como
comportamento.

Consciência
Sentimentos Padrões sensoriais indicativos de dor ,prazer e
emoções tornam-se imagens.

Emoções Padrões de reação complexos, estereotipados, que


incluem emoções secundárias, emoções primárias.

Regulação básica da vida Padrões de reação complexos, estereotipados que


incluem regulação metabólica, reflexos, o mecanismo
biológico subjacente ao que se tornará dor e prazer,
impulsos e motivações.

O nível básico de regulação da vida - o kit de sobrevivência - inclui os


estados biológicos que podem ser percebidos conscientemente como
impulsos e motivações e como estados de dor e de prazer. As
emoções encontram-se em um nível mais elevado e complexo. As
setas duplas indicam relação causal ascendente ou descendente.
Por exemplo, a dor pode induzir emoções, e algumas emoções
podem incluir um estado de dor. (DAMASIO, 1999, p.79)
37

A partir de agora, analisemos essa tabela, a fim de compreender

como funcionam os padrões de regulação da vida, percebendo assim, como o

organismo se forma através de sua vida e de suas experiências, e como isso influirá

em seu movimento.

Entretanto, primeiro façamos uma clarificação no vocabulário,

tirando dúvidas acerca das expressões usadas na tabela, tais como: emoções

primárias, secundárias, como também, a diferenciação de emoção e sentimento.

Com isso daremos um passo importante nesse momento, buscando esclarecer

como se dá o processo de desenvolvimento, compreendendo como que os

indivíduos retêm algumas informações, descartam outras, e como é feita a síntese

dessas informações na formação do self autobiográfico de cada um de nós.

As emoções primárias são aquelas responsáveis por respostas

imediatas, inatas dos organismos. Reações que não são necessárias a elas

nenhum tipo de informação prévia, ela já está aderida a nós desde que nascemos.

Por exemplo: um pinto no alto de um ninho, após avistar uma águia vindo em sua

direção, sabe exatamente que tem de abaixar ou fugir da mesma, sem mesmo

nunca ter visto uma. Enquanto as emoções secundárias são aquelas que causam

uma mudança em nossa paisagem corporal, como exemplo o encontro de um

grande amigo, ou da morte do mesmo; o frio na barriga, o rubor nas bochechar, a

sensação de um aperto no peito, e tantas outras, são as reações recorrentes que

caracterizam uma emoção secundária.

Trago também a essa discussão vocabular as palavras emoção e

sentimento, tão comumente usadas no nosso dia a dia. Contudo, é necessário

compreender como a utilizaremos nesse trabalho.


38

Primeiro devemos entender as emoções como a própria etmologia

da palavra nos induz: movimento para fora. A partir de então, podemos

compreender que as emoções são as nossas reações externas, reações àquilo que

sentimos e, portanto, externalizamos. Contudo, o sentimento, caracteriza-se por um

estado interno, algo que somente a pessoa saberá e sentirá. Por exemplo: ao

sentir-se triste, o ato e a vontade de chorar são atributos da emoção, bem como a

paisagem corporal que aquela emoção transformará no corpo da pessoa; mas,

somente ela saberá qual é o sentimento, de dor ou de prazer, enquanto os outros

somente verão a emoção.

3.1 Somatizações e desenvolvimento

As duas palavras que nomeiam esse subcapítulo serão necessárias

para traçar o caminho que o BMC trabalha. São elas: somatizações e

desenvolvimento. A primeira, fruto da última: desenvolvimento.

No processo de desenvolvimento ou auto-formação, o indivíduo

estabelece trocas com o meio, e também, reafirma as informações genéticas já

estabelecidas em si; confrontando a todo instante, por intermédio das emoções e

sentimentos, seu repertório com o repertório que o mundo irá propor todo momento.

As emoções são a chave para compreender como as incorporações

(somatizações) são afirmadas no panorama do nosso corpo/mente. Como dito nas

explicações sobre emoções primárias, secundárias e sentimentos, elas serão os

nossos veículos sensoriais e medidores das relações do interno com o externo.

Tanto as emoções e os sentimentos alteram a nossa paisagem

corporal, trazendo posturas, movimentos, tensões determinadas pela emoção ou


39

sentimento que está acontecendo.

No caso das emoções, que darão forma para os sentimentos por

meio das tensões na paisagem corporal, elas serão as respostas dos nossos

sentimentos, alterando todo o nosso organismo.

O processo funciona da seguinte maneira, segundo o neurobiólogo

António Damásio. O confronto com o mundo gera imagens acerca das informações

coletadas, as quais confrontadas com nossos anteriores repertórios, bem como,

com nossas informações calcadas de antigas gerações, acabam por formar uma

reposta, uma emoção, e também um sentimento. No final desse processo, os

resquícios que sobrarem, ou seja, o aprendizado a respeito do confronto de

informações, fundirão ao corpo/mente do indivíduo, resultando em incorporações; o

que nos leva a concluir que a todo momento estamos incorporando o mundo e nos

confrontando com o mesmo.

Isso responde a questões referentes às diferenças de povos, de

costumes e hábitos, já que, inseridos cada qual em seu espaço, formarão suas

formas de socialização, reprimindo partes e liberando outras, de acordo com o

modo de vida de sua comunidade.

Desde criança, o indivíduo sofre “incorporações” (no sentido de


receber os condicionamentos impostos inconscientemente) por parte
da cultura em que está inserido, que o impedem de manifestar-se por
inteiro, criando aquilo que se pode denominar de hábitos
inconscientes, e que, ao longo de seu desenvolvimento, são
gravados nas partes mais profundas de seu ser. A criança aprende
rapidamente a parar de agradar a si mesma com sua exploração
concreta de movimento para agradar àqueles que estão à sua volta.
Um poderoso sistema bio-anato-fisiológico humano, cheio de
potenciais e capacidade de exploração, é repentinamente cortado
pela imposição de limites dos mais variados; terreno que se torna
extremamente fértil para o desenvolvimento de hábitos e padrões.”
(Vine, 2005, p.84).
40

Assim, todo momento que as incorporações ou somatizações

acontecem, estamos concomitantemente respondendo a elas, de acordo com

nossos pré-conceitos. Estas informações são capitadas pelos órgãos dos sentidos,

os quais enviam sinais nervosos a pontos no cérebro chamados córtices sensoriais

iniciais. O interessante é que esses pontos não são ligados entre si, criando então a

problemática de entender a imagem como uma reunião das respostas sensoriais

nos canais de saída do cérebro. Isso nos leva ao conceito de “sincronicidade” das

informações externas, chegando à conclusão de que a união das mesmas é apenas

temporal.

Com isso quero esclarecer que, as incorporações chegam através

de vários canais sensoriais, os quais entram no organismo por vias diferentes e se

confrontam com informações diferentes, vindas de várias coisas do ambiente

externo e se encontrando, apenas temporalmente em nós. Essas informações

podem tanto vir do externo como de outras partes do corpo, e isso gerará o

confronto, que através dos córtices de saída, gerarão a resposta, gerarão a

emoção.

O conceito de imagem é muito importante para nosso trabalho, pois

ela é a base da mente, como postula Damásio. Através das imagens, serão

codificadas e decodificadas as informações, trazendo-as a uma prévia

materialização que acontecerá no ato da emoção.

É importante saber, que as informações inatas do corpo, com as

quais as informações irão se confrontar são aquelas oriundas de nossas pré-

disposições, e estão localizadas no hipotálamo, no tronco cerebral e no sistema

límbico (essas informações inatas, correspondem as funções homeostáticas e

instintivas). Já o conhecimento adquirido é representado nos córtices de alto nível e


41

em núcleos abaixo do nível do córtex, núcleos chamados de massa cinzenta. Esse

conhecimento novo se forma na modificação contínua das representações

dispositivas, ou seja, no nosso cotidiano das incorporações.

A genética dentro de todo esse esquema ajuda a revelar um quadro

apto de comparação aos dois tipos de conhecimento humano: inato e adquirido.

Enquanto o genoma humano corresponde a aproximadamente 100 mil genes, as

ligações sinápticas podem esbarrar em 10 trilhões de possibilidades. Isso

demonstra a capacidade genética de garantir o conhecimento inato, além do inicial,

o qual será apurado com o decorrer da vida e das aprendizagens incorporadas.

Define-se então que muitas atividades do organismo são efetivadas pela condução

genética. Contudo, a maior parte das especificidades é revelada no decorrer da

vida. (DAMASIO, 1996, p.138)

A intercomunicação, então, dos dois momentos do conhecimento,

inato e adquirido, deve ser constante e harmônica, já que uma depende da outra

para o bom funcionamento do organismo.

Isso nos leva a uma das questões mais relevantes para esse

entendimento. O organismo funciona por necessidade.

Essa sentença me leva a debater a própria regulação biológica do

organismo, já que a necessidade e a regulação, equilíbrio e harmonia do corpo

estão totalmente interligadas.

Como citado acima, a palavra “quantidade de ligações sinápticas”,

essas mesmas, serão um conceito essencial para entender a regulação.

Ao mesmo tempo em que as sinapses (ver capítulo um, sub-

capítulo “neuropeptídios e inteligência celular”, está explanado o conceito de


42

sinapse) podem liberar uma reação a acontecerem, elas podem inibir alguma das

funções do organismo de suceder. Dois são os tipos de sinapse: inibidora e

estimuladoras. O próprio nome já sugere a função de uma que seria estimular

algum processo, e da outra inibir algum processo.

Essa função aconteceria então da seguinte maneira: uma

informação vinda do meio externo como exemplo uma ofensa, seria captada pelos

órgãos dos sentidos e a resposta a essa emoção, uma talvez raiva, refletiria no

corpo uma paisagem. Essa paisagem poderia vir a ser a tensão nos músculos do

corpo, ou até sentir como se “a cabeça estivesse fervendo”. Essa informação da

ofensa percorre todo o corpo através dos canais nervosos (nervos motores e

sensoriais periféricos), ou da corrente sanguínea, que transporta sinais químicos

(hormônios neurotransmissores e neuromoduladores, os chamados neuropeptídios)

liberando em algum momento a resposta do organismo, que é chamada sinapse, a

mensagem que é liberada da acoplagem dos neuropeptídios com algum receptor.

Essas ligações geram a resposta, no caso a emoção, e tudo isso ao mesmo tempo

acontece para que simplesmente tenhamos a sensação de estar “fervendo”.

No meio disso, algo fica em nós, marcado, gravado em nosso

corpo/mente, e serão essas as somatizações ou incorporações.

No momento desse acontecimento da ofensa, muita coisa

aconteceu. No meio dessa explicação, a pessoa que teria sofrido essa suposta

ofensa estaria se desregulando a partir do acontecido. A resposta que o organismo

teve, de se sentir “fervendo”, ou tensionar os músculos, foi a resposta do

corpo/mente que permitiu ao mesmo encontrar o caminho menos danoso ao

organismo.
43

Como comenta Damásio, através de um “mecanismo pré-

organizado” de ações bioreguladoras do organismo (estados corporais), ele busca

manter a sua plena atividade, sintonizando-se ao mundo externo e tanto recebendo

quanto emitindo estímulos a fim de não se instabilizar. Dessa relação, a nossa

disposição orgânica se direciona e redireciona, de acordo com as necessidades de

padronização a qual aquele indivíduo está inserido, ou seja, o organismo se auto-

regula a fim de continuar seu processo harmônico em sua comunidade. (DAMÁSIO,

1996.p. 145)

Retomando o exemplo do “kit de sobrevivência” tabelado no início

desse capítulo, o processo de auto-formação no desenvolvimento do ser humano,

permite a socialização e a construção de uma paisagem favorável diante do meio

onde vive. Ao nascer, a pessoa lança mão se seu “kit de sobrevivência”, uma

espécie de ações fisiológicas instintivas, as quais regem involuntariamente o

organismo. Com o tempo, os processos de aprendizagem e aculturação elevam os

índices de estratégias para a sobrevivência. O vocabulário instintivo amplia-se

diante do repertório adquirido, e juntos armam o planejamento mais eficaz dentro

das possibilidades, e almejando o funcionamento regular ou próximo de, do

organismo. (DAMÁSIO,1996, p. 154)

A evolução pessoal garante bons e maus resultados na cotidiana

construção de nosso organismo. Momentos que nos sentimos em alta, e outros

cabisbaixos por determinada situação. Numa hora como essa, o momento

desagradável causa certa agitação visceral, e por ser uma reação corporal, utiliza-

se nesses casos a palavra somático. Isso então serão os processos de

desenvolvimento e auto-formação, bem como, somatizações.

Do grego “soma”, que quer dizer corpo, um estado somático


44

imprime sobre nosso organismo a informação adquirida sob determinada forma.

Damásio irá chamar de “o marcador somático”, referindo-se às situações em que

absorvemos tal sensação na nossa constituição e na manutenção da harmonia do

organismo.

A harmonia será o objetivo do corpo, na busca da menor lesão para

seus sistemas durante a vida. Por isso, o trabalho com o Body-Mind Centering será

o de buscar essa harmonia, através da livre fluência do movimento, e desinibição

das tensões somatizadas no decorrer da vida.

No último subcapítulo deste capítulo, explanarei por quais vias que

o BMC trabalha, e buscarei paralelo com o trabalho do ator, a fim de ser ele, o

BMC, processo e treinamento para a dança e o teatro.

3.2 O BMC e a arte

Até agora, o trabalho tinha uma característica de analisar o ser

humano em sua integridade. A responsabilidade inicial era essa, expor o ser

humano e seu confronto diário com o mundo que o cerca, em uma competição de

aliados e inimigos, os quais eram decididos todo momento, transformando aliados

em informações positivas e inimigos em somatizações inibidoras.

Ainda falando do que já fora discursado, o primeiro capítulo buscou

sintonizarmos com a freqüência que o Body-Mind Centering se situa, descobrindo

então, a linha na qual está inserido o trabalho, e a partir disso, poder discursar e

refletir sobre um trabalho que venha a desenvolver o BMC como estimulador de

consciência e de processos criativos.

No terceiro capítulo, a reflexão sobre o homem e seu percurso


45

natural pelo mundo, trouxe o parecer acerca do desenvolvimento humano, como

ocorria, e quais eram as reações do organismo ao se deparar com as situações

cotidianas. Entendendo os conceitos de incorporações, somatizações, auto-

formação e desenvolvimento é possível tracejar um elo entre tudo isso e a palavra

auto-conhecimento, auto-consciência, as quais nos levarão ao contato direto com a

filosofia do ator.

Esses dois momentos então, nos condicionam a refletir sobre a

conscientização sobre si que esse trabalho propõe, ou seja, a consciência sobre

nós enquanto seres humanos, e consequentemente, nos leva a discursar sobre o

ator, que nada mais é que um indivíduo em constante trabalho e busca sobre si

mesmo.

“O Trabalho do Ator sobre si mesmo”, marca o parecer de

Constantin Stanislavski sobre o ator e seu trabalho no mundo e sobre si. Teórico

teatral, que dá início à reforma que os seus seguidores continuarão a propagar, o

russo Stanislavski, declarou a vida do ator como sendo seu material de expressão,

da onde tiraria quaisquer repertórios e informações para guiá-lo em seus processos

artísticos.

Na dança, Isadora Duncan e Rudolf Laban, já introduziam

sincronicamente à Stanislavski, um percurso parecido, o qual, daria vazão à

singularidade humana no fazer artístico. Assim, a expressão individual, unida à

consciência una, holística, seriam os mestres do movimento, e mais uma vez a vida

seria material único de manifestação artística.

Mais tarde, o caminho que Laban já começara a trilhar, dará

seguimento com a linha da Educação Somática, cabendo aos artistas, o uso da


46

mesma como referência em seus processos criativos.

O Body-Mind Centering, calcando-se no discurso da unificação,

sugerirá para os artistas, um veículo, um estímulo, uma forma livre de olhar para si,

bastando simplesmente através de seus próprios materiais (o seu próprio

movimento) encontrarem caminhos de liberar a expressividade plena e fluida do

movimento.

Como colocado neste capítulo, as somatizações e incorporações,

impedem o livre fluir do movimento.

Dentro da teoria em Body-Mind Centering, vários são os padrões de

desenvolvimento, iniciando já no útero materno, e “terminando” na fase do

caminhar, são eles: padrões uterinos (que se desenvolvem no útero materno),

simetria “navial” (pontos de consciência como os da estrela do mar), o padrão da

boca (esse já fora do útero, nos primeiros momentos de nascimento), o padrão pré-

espinhal (buscando o sustentar da coluna), os padrões espinhais (alcançando a

sustentação e travando as zonas como pescoço e lombar, a fim de iniciar os

movimentos de sustentação e troca de pesos que o caminhar exige), Padrão de

empurrar (já buscando ligação com o solo), padrão de puxa e empurrar, padrão

homólogo (já caminhando, membros superiores desenvolvem um movimento e

inferiores outro), padrão homolateral (simetria bilateral, membros esquerdos

desenvolvem um movimento, e membros direitos outro), padrão contralateral

(membros opostos se alinham, direito e esquerdo, o caminhar), padrão espiral,

(consciência de trocas de peso e movimento ordenado).

Esses padrões podem ser revivenciados através de explorações em

cima dos mesmos. Alguns exercícios já utilizados nas Escolas de Body-Mind


47

Centering podem ajudar a estimular a vivencia dos mesmos, descobrindo como

“uma sessão terapêutica” se há bloqueio nessa área da anatomia. Caso haja, o

trabalho contínuo visará liberar essa tensão, e consequentemente livrar o

movimento e permitir o livre acesso e fluxo da energia por aquele local, alcançando

a expressividade plena daquela região que o movimento passar.

Para o trabalho do ator, o que liberar o fluxo de energia daquela

região do indivíduo, ajudará o ator a encontrar a expressividade daquele

movimento, e assim a fluência daquela região do organismo.

Além da possibilidade do trabalho com os padrões de

desenvolvimento do indivíduo, o Body-Mind Centering faz o trabalho com os

sistemas do corpo, são eles: a pele, o sistema músculo-esquelético, os órgãos, o

sistema nervoso, sistema digestório, sistema respiratório, sistema endócrino,

sistema reprodutor, sistema circulatório, sistema linfático, sistema urinário e sistema

vocal.

Trabalhando com a consciência voltada para cada um desses

sistemas, é possível chegar à mesma condição, a de desbloquear as células que

estiverem inibidas durante o processo de desenvolvimento.

O trabalho então partiria da visualização da anatomia particular. O

ator se concentraria em algum sistema ou órgão, passando a se movimento focado

no mesmo, buscando as características, a densidade e a forma que o mesmo tem

para influenciar o movimento.

O processo então caberia a dois lados, ao terapêutico e ao de

processo criativo, mesclando-se e acontecendo ao mesmo tempo, não dissociados,

além disso, indivíduo e ator comporiam, como sempre foram, a mesma coisa, a
48

mesma vida a mesma arte, quebrando de vez a comum frase que rotula “a partir do

momento que entra na sala de ensaio, seus problemas ficam para fora”.

Essas são algumas das vias já trabalhadas pelo Body-Mind

Centering, tanto para processos terapêuticos, quanto para processos artísticos.

Contudo, são várias as formas já trabalhadas, e infinitas as que ainda estão por se

descobrir. Ao afirmar que o Body-Mind Centering é um trabalho empírico, e mais,

um trabalho que cresce com as descobertas de cada pessoa que trabalha com essa

pesquisa, é possível constatar que muitas são e ainda serão os caminhos de se

compreender, afinal, na vida, cada pessoa se descobre de um jeito e por isso,

descobre um mundo a sua maneira.

No último capítulo dessa pesquisa, tentarei expor meus processos

em Body-Mind Centering na construção de uma cena. Como, através desse estudo,

adquiri a consciência de mim, e de meu trabalho, chegando momentaneamente a

uma pequena parcela dele, uma construção cênica.

Com o título de “Orações”, a prática é um caminho vocacionado

meu para com a arte, numa tentativa de orar todo momento que me movimento, e

todo momento que tomo consciência da partícula cósmica inserida no manto

celeste.
49

4. ORAÇÕES: UM DISCURSO PESSOAL

Abordar-me como matéria prima da arte é motivo para uma reflexão

sobre o meu discorrer perante a vida. A fim de compreender a fusão da expressão

diária com a expressão no palco, necessito encontrar um canal, um veículo que

direcione minha expressividade rumo ao espaço cênico, ao movimento cênico, ao

momento expressivo.

Aqui, insiro minha pesquisa em Body-Mind Centering, no instante

em que preciso de um movimento que atualize minhas vivências da vida e as

transportem para a cena de maneira tão expressiva e suficientemente verdadeira

como na vida.

Equivalentes à emoção das ruas, casas, dias felizes e tristes, o meu

movimento cênico carrega, então, todas essas particularidades, da minha fusão do

mundo, do meu embaralhar do mundo, a partir das experiências que eu concateno

para a criação de uma particularidade, de um movimento com tônus, força,

dinâmica, determinados pela minha história de vida.


50

“Corpespiriente” resume bem a tentativa contemporânea de vida.

Cunhado pela professora Doutora e performer Margarida Vine, esse termo vem

estabelecer o corpo holístico e suas transformações perante a vida, para enfim

expressar-se de acordo com o repertório. Um ser convergido, resultado de uma

vida, de uma individualidade a qual será a mesma transcrita à cena, com todas as

complexidades e diretrizes. (VINE, 2005, p.23)

A partir desse corpo, dessas experiências embutidas, o artista se

faz uno e único em cena, criando de acordo com suas vivências um elo entre si e o

próximo, ou seja, a partir de suas experiências, confronta-as com as experiências

do outro artista ou do público, criando assim os significantes e a decodificação de

sua vida no palco.

Contudo, retomando a questão do Body-Mind Centering e o

movimento expressivo, encontrei por meio desse trabalho um potencializador de

meus processos criativos. Se para a arte o conhecer-se avança fronteiras de

desvendamentos no palco, o BMC é um ativar do meu processo de conhecer-me,

pelo qual desenvolvo meus conhecimentos sobre mim e consequentemente sobre a

arte.

Olhar-me e enxergar-me através de minha anatomia, bem como

sentir-me, reconhecer o pulsar das artérias, a localização de cada ponto interno, e

com isso descobrir o potencial expressivo ali existente, tornou-se um caminho que

me auxilia no encontro com a expressividade na cena.

Com esse trabalho, exploro questões de tônus, flexibilidade,

equilíbrio, força, por intermédio de meus sistemas anatômicos, percebendo

empiricamente, que os mesmos podem garantir tais padrões de movimento quando


51

ativados conscientemente.

Por exemplo: ao ativar conscientemente (quando digo ativar

conscientemente estou me referindo a trabalhar com aquele sistema diretamente,

pensar no sistema circulatório é o trazer à consciência e assim trabalha-lo por

visualização, um dos processos em BMC) um sistema como a exemplo do sistema

circulatório, temos as possibilidades de ativar o arterial, e o venoso. Ao pensar no

sangue arterial, e em suas qualidades como cor, textura, caminhos, podemos

encontrar referências que nos ajudem a percebê-los em nós mesmos. Então,

empiricamente e através da improvisação, podemos ampliar os movimentos que o

sangue arterial passa, com exemplo da força da pulsação com a qual ele é

bombeado. Ao ampliar esse movimento, temos um movimento pulsante, que nos

eleva do chão e nos ajuda em saltos, ou então nos ajuda no deslocamento, no

primeiro deslocamento direto no espaço.

Esse é um exemplo possível de se descobrir com o trabalho em

BMC. Por ser uma busca pessoal, empírica e que se estenderá pela vida toda, o

BMC é um conhecimento sensível sobre si, e particular. Por isso, dependendo das

somatizações de cada pessoa, o sistema soará diferente e consequentemente o

movimento também o será.

“Orações” então, são os meus movimentos com destino a arte, com

destino ,o que para mim seria, a Deus. Elas serão reflexões em movimento, pedidos

em movimento, agradecimentos em movimentos.

Cada sistema então, refletirá o seu desejo de orar a Deus, e assim,

purgará suas mazelas, suas somatizações com o movimento que o mesmo

exprimir.
52

Assim como a busca da vida pode ser um retorno à sabedoria

primordial, ao momento de plenitude e onipotência, minha busca primordial será o

encontro com a vida-arte, com Deus-arte, não dissociados também, no desvendar

do meu estado uterino, do meu estado de onipotência.

4.1 O Início do meu Discurso

Minhas pesquisas na área de educação somática tiveram inicio em

2005, quando entrei no projeto de Doutoramento da Professora Margarida Morini

Vine. Nele tive contato com diversas áreas e teorias que abordam o movimento

expressivo: Moshe Feldenkrais, Improvisação por Contato, Práticas Meditativas,

Biopsicologia, F.M. Alexander, Rudolf Laban, Dança Vocal, e Body-Mind Centering.

Todas as teorias citadas acima contribuíram para o

desenvolvimento do meu pensamento, que viria a se encontrar com o BMC. A partir

de então, o trabalho de visualização, “Hands on”, improvisação, sensibilizações,

busca de consciência celular, entre outros exercícios começaram a compor o meu

repertório e o meu pensamento sobre esse processo de estudo.

Em 2007, com a apresentação do trabalho “Somos Todos Anjos

Caídos ou Não”, já havia me envolvido com várias vertentes que contribuem na

pesquisa em Body-Mind Centering, como exemplo, tive contato com o Instituto

Visão Futuro em Porangaba, São Paulo, onde fui beneficiado com uma bolsa

integral para cursar Biopsicologia. Além disso, o contato com outros profissionais

como o bailarino, Jovair Longo, como também com um dos licenciados da escola de

Body-Mind Centering dos Estados Unidos, Mark Taylor, favoreceram o meu

amadurecimento quanto aos conhecimentos necessários para se compreender o


53

BMC.

Contudo, o contato com a performer e professora Margarida Morini

VIne, foi essencial para me ajudar a compor as informações em um processo

pessoal, me auxiliando no percurso e na compreensão do Discurso da Dissociação

e o da Unificação.

A prática que apresento com esse trabalho, então, molda-se a partir

desses contatos e encontros que tive a felicidade de ter no alongar da minha

graduação. Em quatro anos, pude ter a sensação de ter encontrado um caminho

para o meu movimento.

4.2 Orações: A Prática

Tantos foram os discursos, e este para mim é o encontrado.

Orações foram as maneiras mais condizentes com minha vida para expressar-me

nesse momento, e gostaria de compartilhar este trabalho e este termo com àqueles

que interessarem-se em se juntar a mim.

Numa tentativa de a todo instante elevar-me, tocar o que para mim

é o divino, Deus, através do movimento, pude identificar esse instante. O instante

em que busco, desejo, agradeço, anseio, contradigo, expresso. Da mesma maneira

que sempre me ajoelhei e rezei, agora escolho outro repertório para me religar, uso

outros movimento, a fim de encontrar o sagrado.

Na busca de um estado expressivo, e deste movimento expressivo,

utilizo minha anatomia e o trabalho com o BMC, sensibilizando-me e buscando

essas orações, em palavras, ruídos, gestos, cores, intenções: movimentos. Tudo

em movimento.
54

Com o conhecimento do Body-Mind Centering, busco o meu motivo

de expressão, o qual esse trabalho, tenta retratar, principalmente nesse capítulo,

em que minhas indagações, e meus pensamentos estão mais expostos.

Assim, conhecer o trabalho, me inserir nessa pesquisa, e permitir

que ela pulse em mim, foi um caminho de me deparar com minha prática, que assim

como o BMC, representa não só um tema, mas sim uma filosofia, ou o que já

postulei como “o meu motivo de expressão”.

Portanto, durante os processos, quis encontrar esse ponto. Utilizar-

me dos conhecimentos de minha holisticidade e do BMC, para encontrar a

expressividade, e por meio da prática, meu motivo de expressão.

Traduzidos então pelas orações, elevo meus motivos subjetivos.

Todos os meus exercícios foram como já citados, calcados no BMC.

Aqui gostaria de relatar meu momento subjetivo. Escrever apenas o que é possível

de se escrever, e durante a cena, expressar-me na verdade de minha vida, no

motivo de meu movimento.

4.3 Orações

“Tenho o costume de prestar contas à arte do que sou, afinal, nada

mais encaro de material expressivo do que a mim mesmo. Colocado como matéria

tão sôfrega do horário da criação, introduzo para a arte o meu vocabulário que

necessita ser ampliado para o grande encontro que me fui designado.

Tenho uma dúvida pairada no ar: Qual será esse encontro?

No fim de minhas histórias, reconheço nos momentos de

exploração, que tenho contato com uma parcela de novidades, as quais ressurgem
55

naquele momento, como fala de outro nível de consciência, senão aquele a que

acostumamo-nos a tratar tão usual.

Num outro nível do pensar, a consciência de minha anatomia

resolve criar gritos, já que não tenho a decência de permitir que tais vozes (que

nada mais são que a minha única voz) emanem para completo entendimento do

que sou.

A calmaria se desfaz, e o momento enérgico do processo criativo

me chama a atenção. Ao adentrar no momento de criação, quando preparado estou

para alterar minha cotidianeidade e encontrar-me com um estado de presença

cênica, ali, tão somente, embrenho até fronteiras antes nunca conhecidas, a fim de

estabelecer contato com minhas zonas mais recônditas. Como por sorte as

encontro, ora como queira, ora como não as quisesse ter visto, sou para a arte um

encontro e reencontro de razões tão esquecíveis por mim mesmo.

A criação, que Michelangelo descreveu tão bem no encontro das

pontas do homem com as de Deus, me leva ao pensar gênico. Se houver tão

grande contato da divindade com o ser humano, na criação, apontamos o dedo á

Deus, ser grande criador e onipotente sobre a sua.

Assim, o simples momento de criatividade, leva-nos ao escuro

abismo do desconhecido existente dentro de nós, no qual, inseridas as mais

estranhas realidades criadas ao longo da existência, faz brotar a arte.”

“A cada passo, pássaro, passo, pássaro, que pássaro a um passo.

Porque de repente falta chão, e cada passo, pássaro, ai... passo, pássaro. Um dia

pássaro, outro passo, dia pássaro, outro passo, e mais outro, mais e mais. Quando
56

sem mais nem menos um passo passa; depressa. Pássaro na verdade é cada

passo, por menos passo que passe, um pássaro.

A vida é pequenininha.

Por isso, Deus, me faça assim: que meus passos atinjam mais que

a mim mesmo. A ponta dos meus pés estejam longe, bem longe, e eu não mais as

veja. Assim, estarei eu a ponto de sempre desvendar, mas nunca de saber. Estarei

isento de qualquer maldade, de qualquer malefício.

Pai, eu tenha olhos para olhar por onde ando, e sentidos para saber

realmente. Que não comece a contar do dois, mesmo sabendo dos perigos do

primeiro passo. Pássaro, passo, pássaro. Ele voou.

Na segunda feira tive um sentido vago.

Que eu consiga ter menos sentidos vagos e mais embutidos. Minha

carne seja sólida, e saiba que nela reside a existência. Quando meus olhos se

fecharem, serei eu perdido num outro devaneio, pois o mundo acabou-se. Fechou-

se, calou-se. Mundo fechado, mundo calado. Calado.

Ontem limpei minha tranqueiras. Os cantos mais escuros deixei

para outros. Deixei para quem realmente fosse tinhoso. Porque eu, não sou assim

não. Eu sou destemido, desencanado.

Tenho em mim uma espécie de sonolento atrito de pedaços. Meus

pedaços ao se atritarem causam o movimento.

Meu Deus, meu movimento é tão simples, sujo quase casado com a

desesperança. Ele não sabe para onde vai, só sabe que vai ao longe, como num

passo gigante. No encontro com dívidas traiçoeiras. Não as pago, pois não tenho

como.
57

Aonde consigo meu Pai? Aonde? Em que instância posso desistir

disso tudo e re-encenar minhas próprias criações?

Quem disse que seria diferente.

Há tantos por aí.

Eu sou um deles. Um deles que caiu de amor.

Que eu tenha a medida exata de um amor, a distância mais

aparente de duas pessoas, para no final de tudo não ser sozinho.”

“Somos um marcapasso, incutidos no mundo pelas batidas,

pulsações, lampejos. Cada movimento, vivo. Expresso então o sangue, a cor, o

divino.

Que eu tenha sangue o bastante para existir, linfa suficiente para

amar, células ágeis para movimentarem-se. Para enfim, me reconhecer, no mundo

meu, no sangue meu.

Saber então, que nada mais sou que a versão humilhada dos céus,

pois abaixo dele percebo que o toco com meus olhos, mesmo sabendo que meu

coração nunca deixou de estar lá.

Deitado no mundo, coberto pelas minhas inquietudes, posso eu

entrar e ver que o mundo e eu somos, coração que marca cada passo em direção

ao existir. Poesia.”

“Para habilitar minhas contradições que se respondem em meus

artigos escritos a corpo, me desfaço de plantas sub-humanas que tomam minhas


58

entranhas; lá elas arregaçam meu verdadeiro momento, o que é verdadeiro entre

gemidos e gritos que dão prazer e selvageria para ser.

Começo a transubstanciar-me em rugidos anti-sonoros, não posso

ser ouvido. Respondo um gemido assim: Ai desfaça! Sou recomeço de mim.

Expresso o sentido exato entre mim e mim de outro. O mim de outro é a parte que

me atraio e que me faço homem. Perante sim, tenho receios de desbravar a não

região incabível de movimentos.

Venham todos os que acreditam em cinética resolução do acaso.

Penso por acaso em variar de vez enquanto minhas sombras. Cubram-se, quero

vergonha, mas aceito, pois preciso. Quero caminhar em outro.aceito, preciso. Vento

que voa que se vai que come, tenho fogo aonde não preciso de nada, ou sim. Sou

certo em pensar em movimentos?

Tenho a contradição de ser para todos os efeitos meu dividendo,

porque quando sou demais, peco na vertente que me leva. Suspiro, para fins

enérgicos, nessa hora recobro a consciência de que nada sou senão aquele que

age em subjetividades. A escolha do momento nada mais é que expressão exata de

quem eu sou. Não nego, pois caso negue, negarei o que me tornei: um pé calmo.

Chute a reflexão desajeitada. No âmago do tempo, reencontro calma. Enfim, ar.

A oportunidade que retive, em ver sombras, é um pedaço

quebrantado de inérticos vazios. Esqueço de hora, por tempo que sou vivifico. Com

efeito, não sigo a padronização que me dissessem, palavras calam, num próximo

momento de questão oculta. Reconheço a cálida e gélida fronteira, aplainada de

cima a baixo, no volver das colunas que me sustentam. Pego um requinte de

novidade, e re-sonho questões menos valorosas. Eu só queria encontrar


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expressões. Manifesto para sempre, o legado de pouco ser, já que muito penso

sobre minha expressão. Ela é mais que simples progresso de minha alma, ela é

complexo progresso de minha alma.

Regressivo progresso?

Expresso na manhã, o que a noite me incumbiu, a fim de quem não

cessasse o ciclo expressivo da vida. Levanto. Num calmo sentido de frente para o

espelho da reconhecida falha. Nada mais do que a ultima me dissesse.

Expresso.

Dois por favor.

É do tamanho que surjo.

Em meio a águas turbulentas, tenho a visão de que ponho no lugar

a coluna do mundo.

Meu coração então pulsa. Ele pulsa do lado esquerdo, mas isso não

quer dizer que não tenho coração do outro. Coração contou-me outro dia que

reconhecia a bela donzela que não me agradava. E eu, por assim pensar agrado

àqueles que querem por um sequer sentido expressar-se.

E no turbilhão da vida gigante, ela roda. E lá de cima, a vida menina

enxerga o presente futurista que condiz com minhas articulações do passado.

Ganho em dúvidas e perco em certezas.

O que á para mim no dia de amanhã? Senão um pequeno leque de

hojes?

A mão redonda, de pontas afiadas aponta sua ponta para o ponto

culminante da tragédia. No ápice das coisas a vida gigante dá outra volta. Suspiro,
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respiro, transpiro. Em ordem contratante.

Vem.”

CONCLUSÃO: Voltando Para Casa

“A prática do Body-Mind Centering nos permite que gentilmente


voltemos para casa, dentro de nossos corpos, e reexperienciemos a
harmonia da integração, da sensação, sentimentos, mente e espírito,
os quais são nossos por natureza.” (HARTLEY, 1989, p.XXXI)

Voltar para casa. Voltar para a casa depois de um trabalho, depois

de uma festa, depois de um encontro, depois de um exame, depois de um dia

atribulado, depois de um beijo, depois de um soco, depois de um parto, depois de

um cansaço, depois de uma chuva, depois de uma vida. Voltar para o mesmo

estado de onipotência que um dia já sentimos em nossa primeira casa, no útero,

durante o estágio celular.

O estado de ser que uma célula pode experienciar é como um


sentimento de descanso, paz, simplicidade. Mas lá também pode ser
haver o sentimento de poder, onipotência; a célula original é o centro
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do universo - e é o próprio universo. (HARLEY,1989, p.14)

No respirar de uma célula, na pulsação da mesma, é ali que se

encontra um estado livre de fluência. Desvendar então a mim mesmo, é isso que

me possibilito com esse trabalho.

Ao saber qual o motivo de meu movimento, descobrir sua

expressão através de sua anatomia, vejo o caminho a percorrer, de minhas

somatizações, de minhas membranas que precisam ser quebradas, retiradas, afim

de que eu flua, e pulse como uma célula, em um estado divino, um estado artístico.

Reconhecer minha criação. E a mim, como uma espécie de Deus,

que olha para ela com respeito.

É hora de assumir-me como holístico, enxergar. Trabalhar

arduamente, e procurar, mesmo que seja por milésimos de segundos, provar dessa

fluência, dessa onipotência, desse Deus. E disso retirar a minha arte.

E disso retirar a minha arte.


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BIBLIOGRAFIA

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