Na Baixa Idade Média o debate acerca de como o homem pode ser
justificado diante de Deus foi levantado por dois movimentos teológicos que, apesar de suas divergências radicais na soteriologia, foram ambos chamados de “nominalistas” O nominalismo tomou conta da maior parte das universidades europeias no final da Idade Média. Teólogos nominalistas como William de Ockham, Pierre d’ Ailly e Gabriel Biel pareciam afinados com as ideias de Pelágio, sugerindo que era possível ao ser humano tomar todos os passos necessário para ingressar num relacionamento com Deus. Essa visão otimista do homem não era compartilhada por outros teólogos nominalistas como Gregório de Rimini e Hugolino de Orvieto, que seguindo Agostinho, sustentavam que sem a graça de Deus o homem era totalmente incapaz de ingressar nesse relacionamento. Essa controvérsia, por fim, levou os estudiosos a reconhecer duas escolas diferentes de pensamento dentro do nominalismo. Embora as duas escolas adotassem uma posição nominalista com referência às questões de lógica e a teoria do conhecimento, tinham posições teológicas radicalmente distintas. Esse antagonismo entre essas duas escolas levaram os historiadores a encontrar dificuldade em manterem um conceito significativo de nominalismo para ambas escolas. Hoje essas escolas de pensamento são chamadas de via moderna aquelas associadas a Pierre d’ Ailly e Gabriel Biel e as escolas associadas a Gregorio de Rimini e Hugolino de Orviento como schola agostiniana moderna. Enquanto a schola agostiniana moderna desenvolveu uma Teologia da graça intensamente antipelagiana, os defensores da via moderna usando uma estrutura pactual, afirmavam que homens e mulheres são aceitos com base em seus próprios esforços e realizações e que as obras humanas colocavam Deus sob a obrigação de recompensá-las, deixavam claro seu comprometimento com uma doutrina da salvação pelagiana. A característica central da doutrina da salvação desses teólogos é uma aliança entre Deus e a humanidade. O professor Alister E. McGrath escreveu sobre o tema demostrando como se dava essa ideia:
O final da Idade Média testemunhou o desenvolvimento de teorias políticas e econômicas
baseadas no conceito de aliança (entre um rei e o seu povo, por exemplo) e os teólogos da via moderna perceberam logo o potencial teológico dessa ideia. Assim como uma aliança política entre um rei e o seu povo definia as obrigações do rei para com o povo, e vice e versa, também uma aliança religiosa entre Deus e seu povo definia as obrigações de Deus para com seu povo, e vice – versa. Evidentemente, não se tratava de uma aliança negociada, mas sim, imposta unilateralmente por Deus. Os teólogos da via moderna puderam desenvolver essa teoria – já conhecido para os leitores do Antigo Testamento – usando ideias emprestadas de seu próprio mundo político e econômico.De acordo com esses teólogos, a aliança entre Deus e os seres humanos definiam as condições necessárias para a justificação. Deus determinou que um indivíduo é aceito sob condição de cumprir, em primeiro lugar, certas exigências. Essas exigências foram resumidas na expressão em latim facere quod in se est, literalmente, “ fazer o que está dentro de ti” ou “fazer o seu melhor”. Quando os indivíduos cumpriam essa precondição, pelos termos da aliança Deus era obrigado a aceita-los. A máxima em latim usada com frequência para expressar essa ideia era: facienti quod in se est Deus non denegat gratiam: “Deus não negara sua graça àqueles que fizerem o que está dentro deles.1
Com essa ideia de uma aliança ou contrato entre Deus e a humanidade,
os teólogos da via moderna constituíram o ponto crítico da doutrina da justificação associada a eles. Segundo essa linha de raciocínio, Deus recompensa aquele que faz o seu melhor com a dadiva justificadora. Aqueles que preenchem esse pré requisito mínimo para justificação, serão justificados em função da fidelidade de Deus a aliança. Thomas Bradwardine, que em 31 de agosto de 1348 tornou-se Arcebispo de Canterbury, escreveu “The Case of God Against Pelagios” (O Caso de Deus Contra Pelagio) reagindo negativamente a ideia de justificação adotada pela via moderna. Nesse livro Bradwardine desenvolveu uma teoria da justificação que representa uma volta às ideias de Agostinho encontradas em seus últimos escritos antipelagianos. Mas, isolado em Oxford, Bradwardine não exerce grande influência fora da Inglaterra, embora suas ideias tenham sido adotadas por Gregório de Rimini que era membro da ordem religiosa “A Ordem dos Monge Eremitas de Santo Agostinho”. Gregório desenvolveu uma soteriologia que retratava as ideias características de Agostinho. A ordem agostiniana derivada de Gregório de Rimini veio mais tarde a ser chamada de schola augustiniana moderna. Gregório dava uma grande ênfase à necessidade da graça de Deus para a salvação em consequência da condição de decadência e pecado da humanidade. Ele entedia a salvação como uma obra exclusivamente divina, do início ao fim. Em contraste com os seguidores da via moderna, Gregório defendia que somente Deus poderia desencadear o processo de Justificação. Ele estava convencido de que os meios e recursos para a salvação do homem encontrava-se exclusivamente fora da natureza humana. O debate escolástico sobre justificação, em particular dessas duas escolas de pensamento, vai fixar as bases paras os debates da Reforma em torno deste tema.
Por Josué Marcionilo
1MCGRATH ALISTER E. Teologia Histórica Uma Introdução à História do Pensamento
Cristão. 1ª Ed. São Paulo. Cultura Cristã. 2007. p 169.