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Abstract: The work analyses the social and spatial organization of the African religions in the
city of Belem (PA) in the three firsts decades in the twentieth century, realizing one
comparative analyze of the distribution of terreiros in Belem in the present time. Using
literature columns and news about repression to “pajelanças”, “batuques” and “feitiçarias”,
searches to delineate such practices for the comprehension how the changes and
transformations of the urban development in this period interfere in the organization and
utilization of the several city spaces by the afro-amazônicas religions practitioners.
Consequently, searches to delineate the elements and the spaces in these practices in the
present situation, furnishing elements for the actions of SR-IPHAN/PA and AP for the
recognition of the afro-amazônicas religions while meaningful cultural references for the
society.
Buscando situar o objeto de estudo dentro das atuais questões relacionadas às recentes
demandas da Superintendência Regional do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) no Pará, o presente trabalho se propôs a realizar um mapeamento histórico
das religiões de matriz africana nas três primeiras décadas do século XX, buscando perceber
as relações mantidas com o espaço urbano e com a própria sociedade. A escolha do tema
partiu do interesse da unidade em atender a uma solicitação informal dos praticantes dos
cultos de matriz africana de Belém, os quais desejavam ser contemplados pelas políticas de
valorização e reconhecimento cultural pelo IPHAN.
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ANPUH – XXV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – Fortaleza, 2009.
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para a constituição das religiões de matriz africana, bem como sobre a organização destes
cultos pela cidade, entendendo este processo de organização, como distribuição, interação e
exclusão destes sujeitos no espaço urbano, que também foi ressignificado a partir dos novos
paradigmas da modernidade.
A reforma urbanística da cidade de Belém foi realizada sob os auspícios da rica
produção gomífera na Amazônia na transição do século XIX para o XX; sendo vivenciada
com maior intensidade nas primeiras décadas do século XX a partir de uma série de
regulamentações impostas à cidade e à vida social da população. Regulamentações que
tinham como desígnio transformar a cidade em um modelo de desenvolvimento, progresso e
“civilização”. Assim, o desígnio de transformar Belém em uma “Paris nos Trópicos” previa
não só o embelezamento da cidade como diversas regulamentações dispostas a manter a
ordem e a disciplina na urbe. Foram elaborados Códigos de Postura, Reformas Sanitárias,
Políticas Higienistas, além de outras várias leis que buscaram expurgar a população pobre do
centro da cidade. Tudo isto, por sua vez, implicava não só no embelezamento da cidade como
também na criação de toda uma estrutura urbana de pavimentação das ruas, habitação,
transporte e saneamento, fazendo-se imperativo a exclusão de indivíduos indesejáveis e de
suas moradias das áreas mais privilegiadas da urbe (SARGES, 2000).
Assim foi que os diversos sujeitos históricos que contribuíram para a constituição das
religiões afro-amazônicas também tiveram suas atividades completamente marginalizadas,
tornando-se alvos privilegiados das políticas públicas que passaram a enfatizar a salubridade
urbana e privilegiar a medicina oficial em detrimento das suas práticas “mágico-religiosas”.
Contudo, embora fossem constantes as perseguições policiais aos pajés e às “casas de
feitiçaria”, estes continuavam a disputar áreas centrais da cidade de Belém com nobres
residências e estabelecimentos comerciais (FIGUEIREDO, 2003). Isto porque as opiniões
sobre estes sujeitos e suas práticas eram as mais variadas. E não só entre a população como
também entre a intelectualidade, que em alguns momentos clamava em favor da civilização e
da racionalização dos costumes do povo repletos de superstições e em outros tomava a defesa
das suas crenças tradicionais sob o discurso do folclore e da preservação da cultura popular.
Estas idéias vão influenciar diretamente na forma como os cultos de matriz africana
vão ser representados nos jornais e, por conseguinte, na forma como vão ser tratados pelos
grupos dominantes que estão à frente das reformas urbanísticas e que estão buscando o ideal
de civilização e modernidade. A partir das notícias de repressão policial, percebeu-se que o
que era comumente chamado e repreendido como pajelança, incluía algumas vezes, práticas e
elementos de tradições religiosas africanas. Embora a pajelança não fosse aceita e comumente
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fosse coagida como uma prática ilegal e supersticiosa que contrastava com a racionalidade e
modernidade almejada por aqueles grupos do poder que buscavam um padrão de civilização
europeu, pior seria assumir a existência de religiões africanas na cidade.
Vivendo a tensão entre a valorização das diferentes feições e elementos que
compunham o povo brasileiro e o desígnio de se fazer estabelecer uma sociedade branca
conforme os padrões europeus, os intelectuais do início do século estavam empenhados em
desvendar as bases da identidade regional da Amazônia a partir da valorização da cultura
indígena. Construiu-se, deste modo, um tipo racial ideal para o homem amazônico a partir de
suas feições indígenas, rejeitando, por outro lado, a figura do negro como um dos
componentes étnicos da população local. Neste sentido, os intelectuais paraenses procuraram
ressaltar apenas a genuína herança cultural indígena em detrimento da influência das práticas
culturais africanas e da própria presença do negro, compreendida como irrelevante perante a
predominância histórica, cultural e social do índio na Amazônia (FIGUEIREDO, 1996).
De tal modo, quando eram evidenciados aspectos da herança cultural africana na
pajelança, havia todo um discurso para justificar estes elementos, sendo o principal o da
degeneração da pura pajelança amazônica pelos imigrantes nordestinos que vieram para
Belém à época da exploração da borracha e que traziam reminiscências de tradições culturais
alheios, como as heranças africanas dos escravos negros por exemplo (FIGUEIREDO,
1996). 2
As práticas religiosas que diferiam do tradicional catolicismo e que eram também
entendidas como práticas de feitiçaria, pajelança, de cura etc. enfrentavam neste período,
grande perseguição por parte das autoridades, mas apesar de todas as políticas de perseguição
instituídas pelo poder, continuavam a ocupar o centro da cidade, disputando lugares nobres da
cidade com consultórios médicos, hospitais, casarões e prédios públicos. Fazendo-se
firmemente presente na cidade, a repressão aumentava cada vez mais. No entanto, é
importante destacar que tal resistência só era possível porque também contava com o apoio de
pessoas influentes na cidade, por isso alguns dificilmente eram presos, o que também não
deixou de causar a indignação de outros indivíduos, especialmente aqueles que estavam
preocupados com a imagem de atraso da cidade perante outras cidades, ou seja, àqueles que
estavam muito mais próximos dos ideais de civilização propostos pelos grupos que ocupavam
o poder.
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Durante o I Ciclo da Borracha (1870-1912), a idéia do fausto vivenciado pelas capitais amazônicas a partir das
riquezas geradas pela exportação da borracha trouxe uma grande leva de imigrantes nordestinos, que fugindo
da seca eram atraídos pela oferta de trabalho e enriquecimento rápido.
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Financiada pelo Departamento de Cultura de São Paulo, a Missão de Pesquisas Folclóricas foi idealizada e
orientada por Mário de Andrade. A equipe era formada por Luís Saia, Martin Braunwieser, Benedicto
Pacheco e Antônio Ladeira. Deixou São Paulo em fevereiro de 1938 rumo ao Ceará, Pernambuco, Paraíba,
Piauí, Maranhão e Pará.
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Alicerçado no ideário romântico europeu, o romantismo brasileiro buscou delinear um caráter nacional para o
Brasil através da valorização da imagem heroicizada do índio, tomado como símbolo da origem do povo
brasileiro e, por conseguinte, elemento fundador da nacionalidade. No entanto, embora o índio figurasse como
símbolo da nacionalidade brasileira, essa imagem romantizada não foi desenvolvida no sentido de integrá-lo a
sociedade, servindo muito mais aos interesses de uma elite intelectual e política que procurava um traço de
originalidade que distinguisse o Brasil de outras nações.
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