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(...) À minha pergunta sobre que tipo de odor a perseguia com mais
frequência, recebi a resposta: “Como o de torta queimada”. Assim, precisei
apenas supor que o odor de torta queimada realmente ocorrera no episódio de
efeito traumático. É mesmo bastante incomum que sensações olfativas sejam
escolhidas como símbolos da lembrança de traumas, mas parecia evidente o
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Entre aspas os trechos do caso na edição da Cia. Das Letras, em itálico meus comentários e em negritos
as partes importantes para o caso.
motivo dessa escolha. A doente padecia de uma rinite supurativa e por isso o
nariz e suas percepções estavam no primeiro plano de sua atenção. Sobre as
circunstâncias de vida da doente eu sabia apenas que na casa onde cuidava
de duas crianças, faltava a mãe, morta havia alguns anos em decorrência de
aguda e grave doença.
(...) é importante demarcar uma diferença entre os dois: se, com Lucy,
Freud não consegue fazer uso da hipnose, com Elisabeth a utilização desse
recurso ocorre com frequência. Isso faz com que, no Caso Lucy, malgrado a
curta duração, seja possível testemunhar o empenho mais acentuado de Freud
em desenvolver estratégias alternativas à hipnose. (RABÊLO, 2017)
Freud insistia em não estar satisfeito com a explicação obtida até agora,
achava insuficiente para uma jovem que recém havia “adquirido a histeria”.
E então Lucy: “Por que você não queria confessar essa inclinação? Você
se envergonhava de amar um homem?” — “Oh não, não sou tolamente pudica;
por sentimentos não somos de modo algum responsáveis. Isso me era
penoso apenas por ser ele o patrão a quem sirvo, em cuja casa vivo, em
relação ao qual não sinto em mim, como em relação a um outro, uma
independência total. E porque sou uma garota pobre e ele um homem rico de
família distinta; decerto as pessoas ririam de mim, se suspeitassem de alguma
coisa.”
Freud também conta que Lucy disse que numa certa conversa com seu
patrão Lucy começou a criar certas esperanças, devido aos elogios que
recebera, contudo, não havendo muito desenvolvimento, Lucy decidiu parar de
pensar nisso. A partir disso Freud pensou haver a dissolução dos sintomas de
Lucy, contudo, isso não ocorreu. O odor de torta não havia sumido por
completo, aparecendo mais em situações de inquietude.
Ressalta-se que alguns meses antes uma amiga da família fora visita-los
e ao despedir-se das crianças beijou-as na boca, fato que o pai não aprovava,
e responsabilizou Lucy, que ficou acoada e desesperançosa de ter outra
conversa calorosa com seu patrão
Diz Lucy, “Se por um assunto tão pequeno em que, além do mais, sou
completamente inocente, ele pode exasperar-se comigo desse modo e fazer-
me tais ameaças, então me enganei, ele nunca teve por mim um sentimento
mais cálido; este lhe teria ensinado a mostrar consideração” e Freud conclui
“Foi evidentemente a lembrança dessa cena penosa que lhe veio, quando o
contador-chefe quis beijar as crianças e o pai o repreendeu.”
Dois dias depois Lucy foi visitar Freud novamente e segundo ele, estava
transfigurada, pois estava de cabeça erguida e alegre e a mesma responde ao
espanto dele que esse seria seu estado normal. Ela reconheceu seu amor pelo
patrão mas adotando uma nova postura isso já não a afetava de forma
sintomática. “Todo o tratamento se estendera-se por nove semanas. Quatro
meses mais tarde, encontrei casualmente a paciente numa de nossas
estâncias de verão. Ela estava alegre e confirmou a persistência de seu bem-
estar.”
Referências Bibliográficas