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Magias e Artes da

Fermentação
Selvagem
Transmutações

No alto do galho, ao fim da estação,


fermenta o pêssego temporão

Tomates maduros fermentam na rama,


jabuticabas caídas fermentam no chão

No oco do tronco,
o néctar que embriaga
é bebida de mel fermentada!

Em todo lugar, a todo momento,


álcool e vinagre se inventam
como por encantamento
-pelas mãos invisíveis
da Natureza e do Tempo!

(Lama Sababa)

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Índice

1. A Magia

A fermentação na História ........ p 05


Tipos de Fermentação ….............. p 11
Fermentação Alcoólica …................ p 15
Fermentação Acética .......................... p 23
Fermentação Ácido-Lática ..................... p 27
Fermentação Butírica ................................. p 29

2. A Arte

A Medida Certa…............... p 31
Cauim ................ p 33
Tucanaíra, Saburá, Hidromel …........... p 34
Puba ................ p 37
Chicha ................ p 39
Chucrute ................ p 41
Kimchi ................ p 43
Conservas em Geral ................ p 43
Cerveja Suméria ................ p 44
Aluá ................ p 46
Levain ................ p 48
Bichinho do Gengibre ................ p 49
Refrigerante e Sidra ................ p 50
Vinagre de Frutas e Ervas ................ p 51
Desinfetante e Amaciante Cítrico ................ p 52
Limpeza da Pele e dos Cabelos ................ p 53
E Agora? ................ p 54
Varinhas Mágicas ................ p 56
Truques e Materiais ................ p 57
Gratidão …...............p 62
Anotações …............... p 63

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I. A Magia

As bactérias já fermentavam, muito antes de existir vida


humana na terra!

Evolucionistas dizem que elas estavam na sopa coloidal,


nos dois primeiros bilhões de anos, transformando a
atmosfera para que outros organismos se
desenvolvessem.

Todos os seres evoluíram em simbiose com as bactérias,


elas foram parceiras perfeitas, por serem extremamente
adaptáveis e mutáveis.

A ciência recém começou a compreendê-las como seres


altamente evoluídos, como sofisticados sistemas que as
dotam de fascinantes capacidades - as bactérias podem,
por exemplo, trocar genes que não usam, por outros que
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tenham alguma utilidade. Elas são capazes de mudar o
próprio código genético a qualquer momento!

Apesar de complexa, a fermentação é uma reação química


que acontece espontaneamente na natureza!

Ela está por toda parte e bem por isso, foi logo
descoberta. Por animais, como elefantes e macacos, que
se deliciam com o sabor e a embriaguez das frutas
maduras, e também por seres humanos, que há 20mil anos
deviam beber hidromel nos ocos dos troncos das enormes
árvores africanas...

A prática de fermentar, cultivar colônias de


microorganismos, provavelmente se desenvolveu como
atividade junto com a agricultura, pois ambos os ciclos
são lentos, e acompanhá-los requer assentamento fixo à
terra.

Povos antigos de todos os cantos do mundo produziam


bebidas fermentadas para compartilhar nos rituais,
vinagres tônicos, conservas para o inverno, compostos
medicinais...

Há mais de 8 mil anos, a cerveja era um dos alimentos mais


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importantes da Mesopotâmia. Há mais de 2mil os chineses
fermentavam soja para fazer misô. Cada cultura
desenvolveu seus compostos de acordo com a
disponibilidade de ingredientes locais e sazonais.

Durante o feitio de bebidas cerimoniais, que hoje


chamamos alcoólicas, muitos povos tinham o costume de
mastigar e cuspir o alimento, para conferir à solução
propriedades mágicas. Atualmente sabemos que as
bactérias presentes na boca, e a pré digestão do amido
pela saliva, criam um ambiente bastante favorável à
fermentação.

O império Inca produzia chicha, uma bebida à base de


milho mastigado e fermentado.

Os Macuxi, na Amazônia, ainda mantêm a tradição milenar


de fazer caxiri, bebida fermentada à base de mandioca
mastigada por meninas e mulheres.

O saquê, apreciado há mais de 2mil anos pelos japoneses,


era originalmente feito de arroz mastigado e fermentado.
Hoje em dia a mastigação foi substituída por leveduras
inoculadas.

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A doutrina da esterilização, que se tornou hegemônica
desde a descoberta dos micro-organismos, ainda
predomina no imaginário coletivo. A crença na
necessidade de eliminar germes e bactérias, como se
fossem nocivos à saúde, é reforçada pela publicidade,
que anuncia diariamente produtos capazes de eliminar
99% dos micro-organismos. Mas os micro-organismos
nem sempre são agentes patogênicos!

Hoje temos ciência da fundamental importância dos seres


invisíveis, que auxiliam de inúmeras maneiras o
funcionamento do corpo humano.

Microbiota é o bioma formado por bactérias em simbiose


com o corpo humano, e microbiologistas estimam que de 2
a 3 kg somos pura bactéria!

Só no estômago, calculam que temos cerca de


inimagináveis cem trilhões de bactérias! Elas atuam no
processo digestivo, decompondo nutrientes para que
nosso organismo seja capaz de metabolizá-los. E ainda
produzem vitaminas do complexo B e K!

Os microorganismos aumentam a nossa imunidade,


eliminam toxinas, produzem vitaminas, nos põem em
contato e equilíbrio com o meio ambiente. 8
Atualmente, a ciência reconhece apenas uma ínfima parte
de todos os micro-organismos que existem dentro de nós,
mas comprova o que os povos antigos já sabiam: há
inúmeras vantagens no consumo de alimentos e bebidas
fermentadas!

Infelizmente, a invasão dos mercados por alimentos


industrializados, pasteurizados e esterilizados,
empobrece consideravelmente a alimentação
contemporânea.

O número de pessoas que sofrem por deficiências


microbiológicas, como problemas gástricos e intestinais, é
assustador. A carência de vitamina B12 (cianocobalamina,
sintetizada por bactérias), é gravíssima e acomete metade
da população, independente dos hábitos alimentares
serem vegetarianos, veganos ou onívoros.

É importante atentarmos para o fato de que


desequilíbrios no nosso microbioma, refletem em
desequilíbrios no organismo como um todo. Quando uma
pessoa toma antibióticos, não apenas as bactérias
invasoras são combatidas, mas também todas as
microfloras indispensáveis para o bom funcionamento do
corpo. A flora vaginal, por exemplo, mantém o ph local
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ácido, impedindo a colonização por microorganismos
patogênicos.

A cultura da alimentação fast-food, junto com o


abandono das antigas práticas, gerou a crença de que
fermentar é perigoso ou difícil, mas isso não é verdade.
Fermentar é espontâneo, como respirar!

São as leveduras presentes em toda parte que conferem


sabores complexos e texturas maravilhosas aos alimentos
(como queijo, iogurte, missô, chucrute), aumentam a
duração dos alimentos à temperatura ambiente,
produzem álcool que enleva e embriaga, e vinagre, que a
um universo de propósitos se aplica!

Um brinde aos seres invisíveis, que a tudo transformam!


Tipos de Fermentação

Chamamos Selvagem a
fermentação que acontece
espontaneamente, com micro-
organismos capturados direto
do meio ambiente, sem
necessidade de inoculação.

A fermentação selvagem gera riqueza, porque é simples,


barata e completamente acessível. Gera saúde, porque
multiplica os nutrientes dos alimentos e as interações
microbiológicas. Gera saber coletivo e autonomia, porque
perpetua práticas ancestrais valiosas.

A fermentação inoculada também pode ser artesanal, mas


a grande maioria dos produtos disponíveis nos mercados
é feita por grandes industrias, requer equipamentos e
normas que a tornam mais cara e inacessível. Processos
de esterilização reduzem a microbiodiversidade e os
nutrientes dos alimentos.

Além disso, muitas empresas fazem uso indiscriminado de


conservantes, corantes, estabilizantes, espessantes,
anticoagulantes, floculantes etc, promovendo doença e
dependência. 11
Também é sempre bom pensar se estamos gerando
recursos para pequenes produtores e suas famílias, ou
para multinacionais que deveriam estar sendo boicotadas,
porque poluem os rios e compram todas as nascentes de
água. Como diz um amigo meu: “não confunda micróbio
com bactéria!”.

Seja selvagem ou inoculada, a fermentação é uma reação


química, promovida por micro-organismos especializados
em transformar cadeias de carbono. O ambiente da
fermentação determina que espécies podem atuar, que
tipo de fermentação são destinadas fazer, e o
subprodutos dessas reações podem ser álcoois, gases,
ácidos etc.

Na fermentação selvagem, o tipo da fermentação


depende da substância que está sendo fermentada, e
dos micro-organismos disponíveis no ambiente. A
temperatura, a umidade, a acidez, a presença ou ausência
de determinados nutrientes, garantem que a colonização
seja feita por micro-organismos bem específicos.

Por este motivo, não precisamos nos preocupar se nossos


fermentados capturarão as colônias certas, o próprio
ambiente faz essa seleção.
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Assim como as sementes podem passar longos períodos
adormecidas e germinar somente quando as condições
do ambiente se apresentem favoráveis, os micro-
organismos da fermentação também ficam à espera do
momento certo para despertar e multiplicar.

As cascas das uvas, por exemplo, estão repletas das


leveduras que farão a fermentação alcoólica, no momento
propício. A maioria das frutas, legumes e cereais, e até
mesmo o mel cru (não aquecido) já contém os micro-
organismos em estado latente.

Por isso, é importante que as vasilhas e os alimentos


usados para fermentar estejam limpos, mas não é
necessário que sejam esterilizados. A fermentação
precisa de micro-organismos!

Sempre que possível, devemos escolher ingredientes


orgânicos, de produtores locais que não usam
agrotóxicos. Como nem sempre os temos à disposição, e
muitos dos alimentos provenientes dos supermercados
estão contaminados, é compreensível, e mesmo
recomendável, que sejam cuidadosamente lavados.

Depois, para dar início ao processo da fermentação,


esses alimentos precisarão ficar em contato com o ar,
para serem novamente colonizados.

A esterilização só é necessária se pretendemos evitar a


fermentação selvagem, para inocular micro-organismos
específicos, ou se desejamos interromper o processo de
fermentação em alguma etapa.

Também devemos dar atenção especial à origem e


qualidade da água que usamos, pois em muitas regiões a
água que chega às casas contém cloro em proporção
suficiente para matar e impedir a existência de micro-
organismos.

Algumas formas de cloro empregadas no tratamento de


água são voláteis à temperatura ambiente, e podem ser
removidas. Outras, como a cloramina, são mais estáveis e
não evaporam, apenas são neutralizadas com pastilhas de
metabissulfito de sódio ou potássio, vendidas em lojas
especializadas.

Será que você já leu isso em algum rótulo de vinho ou


picles? Pela ciência, o metabissulfito está associado a
câncer, alergia e rinite severa, embora pela indústria
alimentícia seja considerado conservante e antioxidante.

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A melhor água para fermentar é mineral e fresca, sem
nenhum tratamento adicional além da filtragem.

Fermentação Alcoólica

Indispensáveis em rituais, cerimônias e


celebrações, religiosas ou pagãs,
benditas sejam as leveduras que
realizam a fermentação alcóolica!
Também a elas devemos agradecer pelo
pãozinho que comemos a cada manhã.

Elas são um reservatório inesgotável de biodiversidade e


estão presentes por toda parte! Vivem em estado latente,
à espera das condições adequadas para se multiplicarem.

A imersão em meio aquoso propicia as condições


perfeitas para as leveduras que produzem álcool, pois
elas são anaeróbias.

A solução pronta para fermentar se chama mosto, que em


latim significa jovem. O mosto precisa ser mexido
diariamente, para oxigenar e aumentar as chances de
colonização. 15
Embora as leveduras sejam microscópicas, assim que o
mosto começa a fermentar, algumas reações químicas
podem ser observadas, como a formação de bolhas de
CO2 e a produção de calor.

São as enzimas das leveduras transformando os


carboidratos simples em álcool etílico (etanol) e gás
carbônico (CO2).

Esses carboidratos podem ser encontrados no mel, na


cana de açúcar e seus derivados, xaropes de frutas,
agave, maple, frutas doces em geral, beterraba etc, e são
chamados simples, porque suas cadeias curtas podem ser
facilmente aproveitadas pelas leveduras, e também pelo
nosso organismo.

O etanol também pode ser produzido a partir de cereais


e tubérculos amiláceos, como milho, aveia, trigo, sorgo,
aipim, batata, inhame etc. Esses alimentos são ricos em
carboidratos complexos, de cadeias longas, e mais
difíceis de serem assimilados pelo nosso organismo.

Nesses casos, para as leveduras da fermentação atuarem,


precisam da ajuda de enzimas, que quebram as cadeias
longas em cadeias curtas.
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Essas enzimas podem ser obtidas de diversas fontes. Há
tradições asiáticas de produção de álcool a partir de
cereais, em que as enzimas tem origem fúngica. Em
diversas culturas ancestrais, usava-se a mastigação, pois
a amilase salivar inicia a transformação enzimática do
amido.

Germinar os grãos antes de fermentar também é uma


técnica ancestral, e foi tão amplamente difundida, que
vigora até os dias de hoje. É a maltagem, que faz parte do
processo de fabricação de qualquer cerveja.

Para fazer o malte, deixe os grãos de molho em água pura


por 8hs. Depois lave-os e deixe em uma peneira ou voal,
em local arejado, por mais 8hs. Repita essa prática por 2
ou 3 vezes, até os brotos atingirem 1/3 do tamanho dos
grãos. Depois eles devem ser totalmente secos ao sol, ou
ao vento, e podem ser armazenados por meses antes de ir
para o mosto.

Quando os grãos germinam, reiniciam a atividade


bioquímica e produzem várias enzimas, que quebram as
paredes celulares, decompõem o amido e as proteínas no
interior das célula do endosperma, e permitem que as
leveduras produzam álcool.
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Ao serem transformados por esses processos
enzimáticos, os cereais também tornam-se melhor
assimilados pelo nosso organismo, pois In natura eles
contém o que chamamos de antinutrientes.

O ácido fítico (fitato), por exemplo, é uma forma de


fósforo antinutriente que se une a minerais essenciais,
como cálcio, magnésio, cobre, ferro e zinco, tornando-os
total ou parcialmente indisponíveis para a absorção.

A fermentação transforma os fitatos, e também outros


compostos tóxicos encontrados nos cereais,
neutralizando seus efeitos prejudiciais. No caso da
mandioca brava, que contém cianeto de hidrogênio, a
fermentação foi indispensável para torná-la uma das
principais fontes de alimento indígena, eliminando a
toxicidade letal das raízes!

Imaginem que, sem ter conhecimento de todas essas


reações químicas, nossos antepassados descobriram
tudo intuitivamente ou por observação!

Uma técnica chamada nixtamalização, originada nas


culturas pré-hispânicas da América Central, ainda é muito
popular para transformar o milho antes de moer ou
fermentar. 18
A nixtamalização alcaliniza o grão, através do seu
cozimento com cinzas de árvores. Esse processo remove
a camada externa dura dos grãos, altera a cor, apura o
sabor, e afeta significativamente o valor nutricional, pois
aumenta a biodisponibilidade de aminoácidos, niacina,
cálcio, ferro e fósforo, por exemplo. Hoje em dia, algumas
pessoas que nixtamalizam substituem as cinzas por uma
pitada de cal virgem.

Um dos fatores determinantes para a velocidade da


fermentação é a temperatura. Entre 18ºC e 25ºC as
leveduras estão ativas, porém trabalhando lentamente. O
ambiente ideal para a as leveduras produzirem álcool deve
estar entre 25ºC e 30ºC. Em temperaturas mais elevadas,
acima de 32ºC, ou até 35ºC, as leveduras morrem.

O que determina a graduação alcoólica máxima da bebida


é a tolerância da levedura ao álcool metabolizado por ela
mesma. Algumas bactérias continuam produzindo álcool
em ambientes 20% alcoólicos, outras em apenas 3,5%. A
tolerância da maioria das leveduras selvagens está entre
esses dois extremos.

O etanol, que inibe a colonização por outras bactérias,


em alta concentração mata também as leveduras
pioneiras. 19
Nesse momento, quando a atividade bacteriana cessa, se
o fermentado tiver contato com o ar, será novamente
colonizado. Dessa vez, pelas chamadas Acetobacter,
especializadas em produzir poderosos Vinagres!

Caso esteja protegido do ar, o fermentado pode durar


por muitos anos. Podemos realizar trasfegas,
transferências de um recipiente a outro, para eliminar a
borra residual depositada no fundo, e reativar a atividade
microbiana através da oxigenação.

Também podemos deixar o fermentado amadurecendo em


um recipiente com air lock, um mecanismo simples e
barato, que permite a saída do gás carbônico, ao mesmo
tempo que impede a entrada do ar.

Ou podemos simplesmente engarrafar, tampar com rolha,


e armazenar em lugares escuros e frios, para desestimular
a atividade microbiana. Com as garrafas deitadas, o
líquido veda a entrada de ar e das Acetobacter através
dos microporos da rolha.

Ao envasar, podemos optar por carbonatar a bebida, o


que resulta em um maravilhoso espumante! Isso significa
adicionar uma pequena quantidade de carboidratos
simples (mel, açúcar, xarope), e a atividade microbiana vai
ser estimulada a produzir mais álcool e mais gás
carbônico.

É importante que essa quantidade seja bem pequena,


uma colherinha de chá de mel por litro, pois a pressão
dentro da garrafa aumentará proporcionalmente à
quantidade de carboidrato adicionada.

Caso a bebida seja excessivamente carbonatada, a


garrafa pode explodir! A pressão crítica pode ser
atingida ao fermentar jaca, por exemplo, por uma noite
em um pote de vidro fechado (aconteceu comigo).

Além de perder feitios inteiros, garrafas de vidro


explodindo são o maior riscos da fermentação alcoólica!

Os estilhaços podem voar por mais de 10 metros, então


além do perigo de ferimentos graves, imaginem como é
catar vidro pela casa toda! Para evitar acidentes, cuidado
com a carbonatação excessiva!

Se ainda assim quiser experimentar algo novo e correr os


riscos, pode enrolar bem suas garrafas com lençóis
velhos, de forma que o vidro não se espalhe caso estoure,
e armazenar em locais seguros.
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Garrafas plásticas toleram maior pressão e são menos
perigosas ao explodir. Não as recomendo, entretanto,
porque há pesquisas que relacionam várias doenças à
ingestão de substâncias liberadas por materiais plásticos,
como bisfenóis e dioxinas.

Alguns anos atrás, quando minha filha tinha 5 anos, ela


colocou umas cascas e frutas mastigadas em uma garrafa
PET. Uma semana depois, a garrafa foi aberta e
explodiu! O conteúdo voou pelos ares, mais alto que a
casa em que a gente morava!

Ela estava impressionada, assustada, disse: “mamãe, eu


queria fazer um desinfetante e fiz uma bomba!”. Foi um
bom momento para conversarmos um pouco sobre
fermentação...

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Fermentação Acética

A mistura alcóolica, quando


exposta ao ar, será colonizada
especialmente pelas bactérias
aeróbias Acetobacter.

Latentes por toda parte,


estão sempre à espera de uma
oportunidade para
metabolizar álcool em ácido
acético - o famoso Vinagre!

Assim como o álcool, o vinagre nos acompanha desde


tempos imemoriais e tem tantas utilidades, que é comum
nos surpreendermos com as virtudes deste ingrediente
tão trivial.

O vinagre conserva os alimentos, quando não se tem


acesso a freezers e geladeiras, e permite que alimentos
sazonais possam ser consumidos ao londo de todas as
estações.

Segundo a Embrapa, as primeiras referências ao uso do


vinagre datam de mais de 10mil anos atrás. No Antigo
Egito, o vinagre era amplamente empregado como
alimento e medicina.

Muitos povos adicionavam vinagre à água, como forma de


purificá-la. Nas guerras, sua ingestão era recomendada
aos soldados, como forma de prevenir contaminações
microbiológicas.

Nas epidemias de cólera, o vinagre era utilizado para


desinfecção das mãos e dos alimentos. Estudos
posteriores mostraram que um vinagre com concentração
de ácido acético a 5% é letal para os vibriões da cólera,
quando em contato por cinco minutos.

Ele está incluído na lista de medicamentos essenciais da


Organização Mundial de Saúde, como medicamento
genérico eficaz e seguro contra causadores bacterianos e
fúngicos de feridas, úlceras e infecções.

Na limpeza, o vinagre pode ser utilizado como


desinfetante de uso geral, e também para amolecer e
remover sujeiras difíceis ou encrustadas. Serve como
amaciante de roupas e, dentre os usos cosméticos,
destaca-se como excelente produto para limpar e
amaciar a pele e os cabelos.

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O vinagre pode simplesmente surgir espontaneamente,
plim!, da fermentação alcoólica. Um vinho de frutas
originará um vinagre de frutas, assim como uma bebida
alcoólica de cereais originará um vinagre de cereais.

O vinagre também pode ser perpetuado a partir de sua


madre, aquela placentária associação de bactérias e
leveduras, como kombusha e jum, que flutua na superfície
do vinagre, para comunicar seletivamente as bactérias do
líquido com o ar.

Para acelerar a produção do ácido acético, podemos


adicionar um pouco de um vinagre maduro como starter,
porém é essencial que o vinagre seja caseiro, pois os que
lotam as prateleiras estão todos esterilizados e sem vida.

A temperatura ideal para as Acetobacter é entre 25ºC e


30ºC, embora suportem temperaturas mínimas de 4ºC e
máximas de 43ºC . No entanto, abaixo de 15ºC e acima de
35ºC, a ação bacteriana é significativamente reduzida e a
fermentação torna-se muito lenta.

A maior parte das Acetobacter suporta concentrações


alcoólicas de 11% e acéticas de 10%. Como regra geral, uma
solução alcoólica a 10% originará um vinagre 10%. Para
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determinar a concentração de uma solução, ela pode ser
destilada.

Produtores que comercializam, costumam aquecer o


vinagre a 60ºC para matar as Acetobacter e conferir
estabilidade ao produto. Mas lembre-se: Acima de 71ºC o
ácido acético volatiliza!

Quando todo o álcool for convertido em ácido acético, o


vinagre deve ser envasado hermeticamente. Podemos usar
um densímetro para determinar o momento do envase, ou
simplesmente podemos prová-lo.

As garrafas podem ser fechadas com rolhas ou cera de


abelha para impedir o contato do vinagre com o ar, pois
se as Acetobacter tiverem acesso ao oxigênio,
metabolizarão o ácido acético em água e dióxido de
carbono. Quando o nível de ácido acético diminui até 2%,
a colonização por outros microorganismos se torna
propícia.

A madre, quando permanece unida ao vinagre maduro, se


recolhe ao fim da fermentação e repousa em forma de
pequenos grãos ou farelos, no fundo do pote.

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Fermentação Ácido-Lática

Vegetais, frutas e leite são


naturalmente abundantes em
bactérias ácido-láticas
(bals), que repousam em
estado latente por toda
parte.

Esse tipo de fermentação dá origem aos chucrutes,


picles, kimchis e outras conservas, além de iogurte,
queijo, tofu e uma enorme diversidade de alimentos,
todos muito nutritivos e benéficos ao nosso organismo.

Além dos sabores que se criam, a fermentação lática dos


alimentos ajuda a conservá-los, mantendo a vitamina C e
outros nutrientes por mais tempo. Muitos navios
transportavam barris de chucrute, para evitar o
escorbuto entre a tripulação.

O grupo das bactérias ácido-láticas é composto por


bactérias homoláticas, que produzem, como resultado da
fermentação, apenas ácidos acético e lático, ou
heteroláticas, que além dos ácidos, produzem dióxido de
carbono e uma pequena quantidade de etanol, de até 1%.
27
Quando submersas, as bals encontram as condições
adequadas para fazer a fermentação. Uma concentração
de sal de 2% não é estritamente necessária, mas ajuda a
criar um ambiente mais seletivo para as bactérias ácido-
láticas, que têm maior tolerancia ao sal que a maioria dos
demais microorganismos.

O sal também ajuda a murchar os vegetais, o que facilita a


imersão em água, mantém a crocância das conservas e
aumenta a durabilidade.

As conservas podem ser condimentadas doces, salgadas


ou picantes, de acordo com cada paladar.

Há muita desinformação, atribuindo às conservas de


vegetais o risco de conterem salmonella, uma bactéria
patogênica, que pode ser perigosa se ingerida por
humanos.

No entanto, a salmonella não se desenvolve em um


ambiente já colonizado por bactérias ácido-láticas , de
modo que apenas nas prateleiras dos supermercados é
que corremos o risco de encontrar conservas
contaminadas por ela.

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A explicação é que as conservas enlatadas passam por
aquecimento ao serem esterilizadas. Embora as
temperaturas sejam altas o suficiente para matar as
bactérias ácido-láticas, podem não matar as salmonellas,
que são mais resistentes ao calor. Nesse cenário sem bals,
as salmonellas podem se desenvolver no ambiente sem
concorrência.

Fermentação Butírica

Geralmente acontece quando bactérias


anaeróbias indesejáveis, do gênero
Clostridium butyricum, provenientes do solo ou de fezes
de animais, contaminam fermentações lácticas,
convertendo o ácido lático em ácido butírico (ou
butanóico), hidrogênio e dióxido de carbono.

O sal inibe fortemente a colonização dessas bactérias,


que atribuem odor pútrido e aspecto rançoso aos
fermentados, em especial aos queijos e manteigas.

Os esporos desses micro-organismos são resistentes ao


calor, porém podem ser eliminados através da
centrifugação ou da microfiltragem. A temperatura ótima
para seu desenvolvimento é de 37ºC.

O ácido butírico é irritante aos olhos, pele, mucosas,


aparelho respiratório e, caso seja ingerido, provoca
irritação gastrointestinal agressiva, vômitos, diarréia e
queimaduras. Pode provocar danos irreversíveis à córnea.
É corrosivo ao alumínio e outros metais leves, e instável à
luz solar.

Apesar de parecer um vilão, o ácido butírico também tem


usos na culinária e na medicina . Ele está presente em
pequenas quantidades em manteigas, queijos, e no suor
humano, pois é produzido em nossos intestinos.

Na medicina, em doses adequadas, o ácido butírico pode


ajudar a tratar diversas doenças dos intestinos, diabetes
e câncer de cólon, por exemplo.

Como dizia a vovó, a


diferença entre o veneno e
a cura, é a dose.

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II. A Arte

Com as técnicas que aprendemos e as ferramentas que


dispomos, podemos criar receitas infinitas!

Compreendendo a magia da fermentação, somos capazes


de manipular a matéria com labor e criatividade, nos
tornamos artistas!

Não há limites para a imaginação, mas quem cultiva micro-


organismos sabe que fermentar é uma arte cheia de
segredos. Algumas leveduras são transmitidas de geração
em geração, como herança de família, enquanto outras
são capturadas de improviso, na fermentação do
momento.
31
Ainda que compartilhemos as receitas, é importante
experimentarmos frequentemente nossos fermentados,
para adequá-los ao meio ambiente em que serão
produzidos e ao nosso gosto particular.

São muitos os fatores que influenciam na fermentação. A


temperatura, o tipo de recipiente, a umidade do ar, a
pressão atmosférica... as fases da lua, segundo algumas
tradições!

Portanto, lembrem-se sempre de experimentar as


receitas, trocar os ingredientes por outros, aproveitar as
frutas da estação, as verduras locais...

Para alcançarmos os resultados desejados, é crucial


dosarmos em nossos compostos uma grande pitada de
intuição!

Há uma simbiose
entre quem fermenta
e quem é fermentada!
Cauim

Os indígenas conhecem profundamente as artes e magias


da fermentação. Cada variedade de raíz, fruta, farinha ou
semente fermentada possui um nome.

Caium é a denominação genérica, usada por várias etnias


tupi, para se referir às bebidas fermentadas feitas com
raízes, cereais e frutas.

A produção do cauim é tarefa das mulheres e meninas,


que se reúnem ao redor da panela para mastigar e cuspir
a mandioca cozida. Depois a pasta é cozida novamente, e
colocada em potes de argila para fermentar.

Em três ou quatro dias, a mistura densa, opaca e de


sabor azedo está pronta para ser servida às convidades,
podendo ser misturada com frutas e sucos. O cauim é
servido frio ou quente, em festas, cerimonias e
pajelanças.

Atualmente, um farmacêutico empreendedor batizou


“Cauim” uma variedade da sua cerveja que se chama
Colorado, feita com lúpulo tcheco e fermento alemão!
0.o 33
Tucanaíra, Saburá, Hidromel

Para quem está se iniciando nas artes y magias da


fermentação, talvez pareça mais atraente começar
fazendo tucunaíra e saburá.

Tucanaíra corresponde ao que conhecemos como


hidromel, e saburá é quase a mesma bebida, porém
incluindo no mosto os opérculos (favos de mel).

Essa bebida maravilhosa ainda é servida em rituais de


muita festa, com música e dança em algumas aldeias
amazônicas.

O ideal é usarmos moringas, cabaças, tonéis ou


recipientes orgânicos, mas também podemos fermentar
em galões e garrafas de vidro ou plástico (se você não
tiver nada contra o plástico), baldes, bacias etc.

É altamente recomendado o uso do mel cru, pois além de


manter suas melhores qualidades, ele preserva em estado
latente as leveduras necessárias para fermentá-lo. Já vem
tudo pronto!

A dosagem do mel vai depender do objetivo do


fermentado. Para cada parte de mel, acrescente 6 partes
de água, se deseja um fermentado levemente alcoólico.

Para cada parte de mel, acrescente 3 partes de água, se


deseja uma graduação alcoólica maior.

Se quiser fazer Saburá e usar os favos inteiros, o que eu


recomendo, pois eles contêm o maravilhoso pólen, as
medidas de mel devem ser quase dobradas, já que vem
junto uma grande quantidade de cera.

Misture bem, dissolvendo todo o mel, e deixe descansar


ao abrigo da luz, a temperaturas entre 25ºC e 30ºC. Pode
cobrir com um pano fino ou voal, para impedir a entrada
de mosquinhas e formigas.

Se o mel for esterilizado, é importante acrescentar uma


fonte de leveduras (frutas silvestres, por exemplo), ou
capturar leveduras do ar. Para capturá-las, basta deixar
o mosto exposto.

Durante três dias, misture com uma colher de pau e


coloque novamente para descansar. Você também pode
adicionar mais água ou mel à mistura a qualquer momento.

Quando a efervescência diminuir, a bebida pode ser


envasada. Também pode ser feita a trasfega, passagem
para outro recipiente, que reativa e renova as leveduras,
usando apenas uma mangueirinha.

Caso opte por envasar, seu fermentado pode durar


muitos meses ou anos. A escolha do recipiente deve ser
cuidadosa, principalmente se fizer a carbonatação, pois
há liberação de gás carbônico suficiente para explodir
galões de vidro!

Caso opte por não envasar, sua bebida deve ser


consumida, de preferência, entre 3 e 15 dias, dependendo
do seu gosto pessoal.

Nos primeiros dias, a bebida será mais leve e refrescante,


mais doce e borbulhante. Depois de três meses, estará
seca e embriagante. Depois de três anos, será uma
bebida madura, com místicos sabores...

Experimente com ervas, frutas, raízes, e prove


diariamente suas poções, para conhecer todos os
sabores e surpresas da fermentação!
Puba

Mais uma tradição indígena maravilhosa, que perdura na


cultura do norte-nordeste brasileiro e está sendo
redescoberta pelo sul-sudeste, através de pessoas como
nós, que incorporamos o hábito de comer puba no dia a
dia, em vez de pãozinho.

A mandioca brava, que antigamente era predominante,


precisava de um bom tempo de molho para se curar de
seus ácidos cianídricos. A mandioca foi amansando, pela
seleção das melhores espécies, e hoje se tornou esse
aipim que a gente come, que é ainda mais simples de
fermentar.

(Não vou falar de novo sobre mastigar e cuspir, prometo)

Descasque a mandioca, ou raspe apenas a casca escura,


pois aprendi com uma sábia agricultora que podemos
aproveitar o amido abundante da entrecasca.

Corte as raízes em pedaços confortáveis, e acomode-as


em um recipiente. Pode ser um balde grande com tampa,
ou um pote menor com tampa. Cobrir com voal também
funciona, mas a tampa evita que o odor da fermentação
37
se espalhe pela casa, e ele pode parecer desagradável
para algumas pessoas. Não se parece em nada com o
gosto da puba pronta!

A água pode ser trocada diariamente, ou não trocada até


o fim. Se você é do grupo que se incomoda com o cheiro,
melhor trocar a água.

Deixe a mandioca de molho por alguns dias, entre 1 e 15. O


ideal é experimentar diariamente para conhecer todos os
pontos da massa e suas características. Nos primeiros
dias as raízes são duras, e devem ser raladas em ralo fino.
A partir do quarto ou quinto dia as raízes já estarão bem
macias, e com 8-10 dias está pronta a puba, que pode ser
amassada com garfo ou espremida com a mão.

O ponto da massa puba depende da temperatura


ambiente, da qualidade das raízes... com o tempo a gente
aprende a sentir a massa.

Ela pode ser assada em uma frigideira quente, feito


panqueca (unte se achar necessário). Sirva com sua
pastinha preferida, e repare como a tapioca feita com
essa massa terá a cada dia um sabor diferente!

A puba também pode ser temperada com sal, ervas, 38


grãos, e assada em forma de bolinhos. Ou misturada com
banana, maçã, melado e preparada como torta. De todas
as formas, e em todas as fôrmas, a puba fica maravilhosa!

Chicha

Essa bebida à base de milho é tradicional dos povos


indígenas da Cordilheira dos Andes, e da América Latina
em geral.

Desde os Maya, nossos ancestrais cultivadores de milho


vêm selecionando naturalmente as melhores sementes:
Amarela, branca, roxa, preta, vermelha... a cor da chicha
vai depender da cor do milho com que foi feita.

Apesar de todas as ameaças que o agronegócio e as


sementes transgênicas representam para a
biodiversidade, ainda podemos encontrar (e multiplicar!)
uma imensa variedade de cores de milho na Bolívia e no
Peru! No Brasil, ainda há muito milho crioulo amarelo,
branco, roxo, laranjado... apesar do que, a maioria de nós
só conheceu o amarelinho transgênico básico.

Naturalmente, cada região desenvolveu técnicas


diferentes para fermentar seu milho. Em alguns lugares os
grãos podem ser mastigados, cuspidos e armazenados
com água, em potes de argila, hermeticamente fechados,
durante 1 mês.

Noutra técnica, que não envolve mastigação, o milho pode


ser moído e misturado com água, até virar uma pasta, que
seca ao sol e depois descansa em potes de barro.

Ou podemos maltar o milho, isso é germinar os grãos,


para depois serem cozidos, triturados, e deixados para
fermentar com suco de frutas. Esse é o mais fácil de
agradar, então podemos experimentar uma bebida assim:

Faça malte com grãos de milho de qualquer cor,


alternando períodos de 12hs submersos em água pura,
com 12hs espalhado em peneira ventilada, ao abrigo da
luz. Por serem muito duros, esse processo pode demorar
até 4 ou 5 dias.

Depois de germinados, rale os grãos em uma peneira,


para quebrar os brotos e interromper o crescimento, e
seque-os bem sequinhos ao sol. Se puder, guarde o malte
por 30 dias antes de usar.

Triture o malte grosseiramente e separe ¼ para usar cru,


como fonte de leveduras. Toste a outra parte em fogo 40
bem baixo, misture quatro partes de água e cozinhe em
fogo baixo, entre 60 e 70ºC. Adicione mais água ou
mosto, conforme o gosto.

Especiarias como cravo, canela e gengibre podem ser


acrescentadas ao cozimento. As frutas podem ser
picadinhas ou maceradas, cozidas junto com o milho ou
adicionadas cruas ao mosto, como fonte de leveduras.

Deixe a mostura descansar, coberta, até esfriar. A


bebida pode ser coada e saboreada no dia seguinte, ou
deixada em infusão por 3 a 5 dias. Se estiver bem doce,
pode ser deixada fermentando até 8 ou 10 dias. Depois
de coada em um pano ou voal, a chicha pode ser
clarificada através da trasfega, carbonatada e colocada
para fermentar por mais 4 ou 5 dias.

Chucrute

É a conserva de legumes mais famosa na Europa e na


América do Norte. Os mais simples são feitos apenas com
repolho, água e sal, mas as receitas podem ser tão
diversas quanto a criatividade permite!

41
As folhas de repolho podem ser picadas, ou cortadas, do
tamanho que preferir. Depois de salgadas a gosto,
aperte-as dentro do recipiente onde irão fermentar.
Podemos usar um peso que force as folhas a soltarem
água e ficarem submersas.

Podemos usar a folha externa do repolho inteira, para


cobrir e manter o chucrute submerso. Tampe e deixe a
mistura descansar em local fresco, ao abrigo da luz, pelo
tempo que achar melhor.

Algumas pessoas preferem consumir o chucrute depois


de 3 ou 4 dias, ainda crocante, enquanto outras preferem
depois de 3 ou 4 meses, mais amolecidos. Bem envasados
e armazenados a temperatura abaixo de 13ºC, os
chucrutes podem durar anos!

Experimente acrescentar condimentos ao seu chucrute,


fazer camadas de repolho roxo, misturar uva-passas,
espalhar purê de batatas entre as folhas do repolho...
liberte a criatividade e transforme seu chucrute em arte!
Kimchi

É um tipo de chucrute coreano, muito apreciado e


presente na culinária do dia a dia. Pode ser preparado de
infinitas maneiras, e é comum que seja bastante picante e
condimentado.

Os repolhos são misturados a outros ingredientes, que


vão de cascas de melancia a flores e cogumelos, e passam
pelo mesmo processo de fermentação que o chucrute.

Uma forma de preparo bem tradicional do kimchi é


condimentá-lo com pimentas picantes frescas e em pó,
alho esmagado e cebolinha.

Conservas em geral

Salmoura é a solução de água e sal, que cobre os


vegetais. Ela pode ser condimentada a gosto e usada
para fazer conservas de cenoura, pepino, nabo, maxixe,
couve-flor...

A salmoura cria um ambiente seletivo para as bactérias


ácido-láticas (bals), que são mais resistentes ao sal e
mantém os vegetais crocantes por mais tempo. 43
A concentração da salmoura varia de acordo com as
receitas e as regiões. Você pode experimentar com pouco
sal, uma concentração de 5%, ou com muito sal, por volta
de 15%. No caso de uma salga concentrada, as
transformações químicas são mais lentas e os vegetais
devem ser dessalinizados antes do consumo.

Em climas quentes, as conservas devem ser consumidas


depois de apenas alguns dias fermentando, ou
transferidas para um local mais fresco.

Cerveja Suméria

Aos sumérios são atribuídas muitas das invenções que


revolucionaram a história da humanidade. A escrita
pictográfica, as cidades-estado, as tábuas de impressão
em argila e a cerveja, por exemplo.

Se foi inventada, ou descoberta, na Suméria, isso não


podemos saber. Ao menos são sumérios os primeiros
registros da arte cervejeira. Considerada o pão líquido da
Mesopotâmia, essa bebida era consagrada aos deuses e
ofertada às visitas.

44
No código de Hamurabi, um dos primeiros conjuntos de
leis da humanidade, havia três cláusulas regulamentando
o feitio e o consumo da cerveja. A primeira dizia que a
todos os visitantes de uma residência, devia ser ofertada
cerveja, em sinal de hospitalidade; A segunda, garantia a
todas as pessoas o direito a uma ração diária de cerveja,
que variava de 2 a 5 litros, dependendo do cargo que a
pessoa ocupava; E de acordo com a terceira, uma pessoa
que fabricasse cerveja ruim deveria ser afogada em um
barril da sua própria bebida.

Alguns mil anos depois, podemos experimentar fazer


cerveja como nos velhos tempos, porém com a segurança
de que não seremos afogades, caso nossa bebida
desagrade a alguém.

É importante lembrar que as cervejas feitas a partir de


leveduras selvagens, dependendo de como são feitas,
podem ser mais encorpadas e azedinhas do que as
cervejas industrializadas, mas essas características não
significam que elas são de uma qualidade inferior. Assim
como algum dia aprendemos a apreciar cervejas amargas,
é apenas uma questão de desenvolver o paladar e
expandir os horizontes.

45
Faça o malte da cevada. Depois de moído grosseiramente,
misture com água e asse. Esse pão, deixado na água,
fermenta e faz a cerveja, que pode ser aromatizada com
frutas e ervas.

O tempo de maturação da cerveja varia de acordo com a


temperatura, o ideal é provar diariamente para testar seu
paladar. Entre 3 e 5 dias o mosto já pode ser coado, e a
cerveja está perfeita para ser bebida pelos próximos 4 ou
5 dias. As opções de envasamento e trasfegas são
idênticas às já comentadas.

Aluá

O Aluá feito em Portugal era derivado da garapa de uva,


residual da destilação. Os índios da Amazônia faziam uma
bebida muito parecida, “Aroá”, porém com menor teor
alcóolico, e à base de abacaxi fermentado. Os árabes,
por sua vez, fabricavam um doce chamado “ heluon” a
partir do arroz misturado à manteiga e ao açúcar de coco.
Os escravos, que deixavam a mistura descansar “ao luar”,
misturaram garapa ou açúcar à receita. Assim originou-se
essa bebida genuinamente brasileira, que todo mundo
adora, sem saber quem é o pai!
46
O Aluá foi muito apreciado por índios, escravos e
portugueses, inclusive era famoso na corte de D. Pedro I.
Ainda hoje está presente nas culturas nortista e
nordestina e, segundo a tradição, é servido em
celebrações, festas juninas, igrejas, e nos terreiros é
oferecido à Yemanjá.

O Aluá pode ser feito de abacaxi, de milho, e mais


raramente de arroz. As receitas variam de acordo com a
região, e com a mão de quem se engaja nas artes do
caldeirão.

Aluá de Milho (muito parecido com a chicha, reparem))

½ k de milho maltado
4,5 L de água
250g de rapadura ou mel
1 colher de sopa de gengibre amassado

Torre o malte em fogo baixo, deixe esfriar e depois triture


grosseiramente, com um pilão. Junte a água, o gengibre e
o açúcar/mel, tampe e deixe em infusão de 1 a 10 dias.

Mexa todos os dias e tampe a jarra. No dia de servir,


acrescente suco de limão e adoce a gosto.
47
Aluá de Abacaxi

1 abacaxi bem maduro e perfumado


1 L de água
½ xícara de mel ou rapadura
3 cravos-da-índia
½ colher de sopa de gengibre ralado

Descasque o abacaxi, deixando as cascas grossas. Corte


as cascas e misture aos outros ingredientes. Deixe
descansar de 1 a 10 dias em um recipiente com voal fino ou
tampa, porém não hermeticamente fechado, para prevenir
explosões!

Coe e sirva gelado ou à temperatura ambiente.


Acrescente suco de limão, mel ou rapadura, a gosto.

Levain

Até dois séculos atrás, todos os pães eram fermentados


com leveduras cultivadas em casa. À massa que abriga as
leveduras, chamamos starter ou levain. Essa massa pode
ser passada de geração em geração, contanto que seja
alimentada regularmente.
48
A maneira mais simples de começar seu levain, é misturar
uma pequena quantidade de farinha e água em um
recipiente, na proporção de 1:1. Misture bem, até ficar
homogênea, e deixe descansar.

Mexa ao menos uma vez por dia, durante 3 ou 4 dias, até


notar que se formam bolhas na superfície. Acrescente
mais farinha e água, numa proporção de de 3 a 4 vezes o
volume da massa anterior.

Para seu fermento ficar sempre ativo, renove-o


diariamente, reduzindo de 50% a 70% do seu volume,
depois alimente-o com a mesma medida de água e farinha
frescas. Essa prática deixa o fermento vigoroso e evita
que os pães fiquem com gosto azedo.

A massa retirada do levain pode ser usada para fazer


panquecas. Para fazer os pães, a medida de fermento
utilizada não deve ultrapassar 25% do total da massa.

Bichinho do gengibre

Para fazer ginger beer, ou cerveja de gengibre, é preciso


cultivar um starter apelidado carinhosamente como
bichinho do gengibre. 49
Rale um pouco de gengibre com casca em um recipiente,
adicione um pouco de água com açúcar ou mel e mexa.
Misture todos os dias, durante 3 ou 4 dias, até começar a
borbulhar.

Prepare uma decocção de gengibre forte, dilua com um


pouco de água fria e, quando a temperatura estiver
próxima à do corpo, acrescente mel e o bichinho do
gengibre.

Deixe em um recipiente aberto até começarem as


borbulhas da fermentação. Se deseja uma bebida mais
leve, com baixo teor alcoólico, pode envasar e beber
rapidamente. Se quer maior graduação alcoólica, observe
a mistura até notar que as borbulhas diminuíram a
intensidade, e então envase.

Pode servir gelado e com limão, é sucesso garantido!

Refrigerante e Sidra

Para fazer refrigerantes e sidras, basta deixar frutas


maceradas, ou suco de frutas, em um recipiente aberto,
coberto com voal, para capturar leveduras do ar.
50
Caso as frutas ou o suco estejam diluídas em água, um
pouco de mel ou açúcar extra pode ser bem-vindo. Mexa
diariamente, até começar a fermentação.

Depois de três dias, envase. No caso das frutas doces,


como jabuticaba, uva, maçã, pêra, pêssego etc, não é
necessário carbonatar. Se o suco estiver diluído, adicione
uma colherinha de mel ou açúcar por litro, para garantir
bastante gás na bebida.

Os refrigerantes ficam prontos rápido, de 1 a 3 dias já


estão prontos para beber. Caso continue a fermentação,
o teor alcoólico aumentará, e a cidra também ficará
pronta em 7 ou 10 dias. Prove bastante!

Vinagre de Frutas e ervas

Todo fermentado alcoólico se transformará em vinagre,


caso mantenha contato com o ar por tempo prolongado.

Coloque as frutas, ou o seu sumo, para fermentar


naturalmente. Pode acrescentar ervas frescas ou o chá
feito com elas. Se achar necessário, acrescente açúcar ou
mel.
51
Deixe a mistura fermentar, apenas coberta com voal, e
depois de 4 semanas o vinagre estará pronto, com aroma
e sabor característicos. Caso ainda haja borbulhas ou
esteja doce, deixe fermentar mais um pouco. Pelo paladar
você irá perceber o momento certo de envasar.

Com o tempo, o vinagre vai ficando mais claro e pode ser


sifonado para eliminar a borra do fundo. É comum
formar-se uma película em suspensão, é a mãe do vinagre.

A mãe do vinagre, ou um pouco de vinagre caseiro, podem


ser adicionados para acelerar a fermentação, mas não é
necessário.

Desinfetante e Amaciante Cítricos

Sabemos que o vinagre tem propriedades germicidas e


emolientes. Ele amacia as roupas e ajuda a retirar as
sujeiras, ao mesmo tempo que impede a proliferação de
micro-organismos.

Para a limpeza da casa e das roupas, podemos fabricar


um vinagre à base de cascas de cítricos, como limão,
laranja e tangerina. O processo de produção é o mesmo
que o de um vinagre com fins alimentícios.
52
Podemos acrescentar cravo, lavanda, citronela, eucalipto
ou outros ingredientes que tornem a mistura ainda mais
aromática. Podemos fazer trasfegas para retirar a borra.

Limpeza da pele e dos cabelos

O vinagre é altamente indicado para usos cosméticos.


Além de limpar, ele amacia a pele, clareia manchas e
diminui a oleosidade. Aplique com um algodão ou gaze,
deixe agir por alguns minutos e depois lave.

Em escalda pés, ajuda a amolecer e remover os calos. No


couro cabeludo, o vinagre também ajuda a controlar a
oleosidade, diminui problemas de caspa e queda de
cabelos, além de deixar os fios muito macios e brilhantes.
Aplique diretamente, deixe agir por alguns minutos e
depois enxague.

53
E Agora???

Surgiram bolores e fungos na


superfície!

Tudo bem, eles se desenvolvem


apenas na parte que ficou
descoberta, e podem ser removidos sem nenhum prejuízo
para a mistura. Por baixo, o fermentado estará intacto!

Para evitá-los, deixe todos os ingredientes imersos, tampe


suas conservas láticas e misture seus fermentados
alcoólicos quando estiverem abertos.

A fermentação está empacada!

Se a água não estiver com cloro, ou o alimento com


agrotóxicos, o motivo para a fermentação empacar pode
ser apenas falta de oxigenação e leveduras. Nesses
casos, a trasfega pode ajudar a reativá-la.

O vinho ficou ácido!

Se você queria vinho, provavelmente sua fermentação foi


longe demais. Em contato com o ar, acolheu algumas
54
Acetobacter e virou vinagre, não há como reverter esse
processo. Caso esteja levemente ácido, pode adicionar
mais um pouco de água e carboidratos simples, para
fermentar mais um pouco, expandir os outros sabores e
disfarçar a acidez. Ou simplesmente aproveite seu vinagre
para cozinhar, higienizar, amaciar... e comece outro vinho!

A conserva ficou rosa!

Tudo bem, não jogue


nada fora! Conservas
com concentração de
sal acima de 3%
estimulam as bactérias
a produzir pigmentos
rosa. É perfeitamente
normal e saudável
consumir conservas
assim.

A conserva ficou azul!

Tudo bem também. Se a sua receita tem alho, ele pode


reagir com vestígios de cobre na água e ficar azulado. A
conserva permanece a mesma.
55
Varinhas Mágicas

Quando o feitio da cerveja era uma arte praticada em


quase todas as casas, era comum usarem varinhas
mágicas na fermentação.

Essas varinhas, ou gravetos, eram usadas para mexer o


mosto, ou a própria bebida nos rituais. Também podiam
ficar dentro da cerveja enquanto fermentava. Depois
eram retiradas e secavam à temperatura ambiente.

No próximo lote, as varetas eram reintroduzidas no mosto,


pois em suas ranhuras repousavam as leveduras que
seriam usadas para fermentá-lo.

As varinhas servem também para selecionar naturalmente


as melhores leveduras selvagens, que conferem
determinadas qualidades desejáveis à cerveja, como
maior graduação alcoólica, menor acidez etc.

56
Truques e materiais

Para fermentar, em geral, não precisamos de


utensílios caros ou muito específicos, embora
possamos encontrá-los às centenas, nas lojas
especializadas.

Fermentar é uma arte intuitiva e a escolha do material


também deve ser. Podemos usar potes de argila, vasos de
vidro, jarros de porcelana... a maioria dos equipamentos
pode ser encontrada na nossa própria cozinha. Centros
de reciclagem, brechós e antiquários também são ótimos
lugares para encontrar tudo o que precisamos!

Moringas de barro são uma boa opção, pois além de


serem baratas, acrescentam muito ao sabor. Recipientes
de plástico, especialmente garrafas PET, não são
indicados, pois liberam ftalatos - substâncias nocivas à
nossa saúde e relacionadas a cânceres e distúrbios
hormonais.

Recipientes de metal também não são adequados para


armazenar conteúdos ácidos pois, assim como o sal, os
ácidos corroem os metais e essa corrosão contamina os
alimentos. O aço inox de uso industrial teoricamente é
57
imune à corrosão, mas o aço inox de uso doméstico,
muitas vezes é apenas uma fina camada, que se for
arranhada, já expõe outros metais ao conteúdo ácido.

Para envasar, é importante saber que as garrafas


suportam diferentes pressões internas. As de vinho
explodem mais facilmente, as de cerveja são mais
resistentes, e as de champanhe são especialmente
projetadas para aguentar maior pressão.

Válvulas air-lock são muito úteis para evitar explosões e


contaminações por Acerobacter, garantindo a
conservação por um longo tempo. A tecnologia é tão
simples, que pode ser improvisada em diversos tipos de
recipientes.

Atravesse um caninho transparente na


tampa, de 20-30cm de comprimento e
maizoumenos 1cm de diâmetro. Dobre o
cano em 3 partes, e amarre-o de forma
que consiga colocar um pouco de água
dentro da extremidade solta.

Essa água deve ficar presa na curva do


cano, impedindo o contato do fermentado com
o ar, e permitindo a liberação do gás carbônico. 58
Um voalzinho amarrado na saída do cano evita que
entrem bichinhos. Cera de abelha aquecida, ou pingada,
veda o buraco da tampa onde se encaixa o cano.

Caninhos também são úteis para filtrar o


mosto, pois com eles podemos fazer a
sifonagem, ou trasfega. Posicione o
recipiente que vai receber o líquido um
pouco abaixo do recipiente que vai ser
esvaziado. Com uma ponta do cano
imersa no líquido de cima, sugue a outra
ponta do cano e direcione para o
recipiente de baixo.

Balões de encher, esses de festa mesmo, depois de


lavados por fora e por dentro, pra tirar aquele pozinho
branco, podem ser colocados no gargalo das poções
fermentando. Eles impedem o contato com o ar, evitam
explosões, indicam quando a fermentação está mais ou
menos ativa, além de serem muito lúdicos e divertidos de
ver!

Densímetros servem para medir a densidade de uma


solução. Podem indicar o potencial alcóolico e determinar
a graduação de um fermentado. A graduação também
pode ser medida através da destilação. 59
“Teste com um ovo” era uma expressão comum em
receitas da Idade Média. Naquela época, um ovo no
mosto fazia as vezes de densímetro e indicava a
graduação alcoólica. Sendo a água mais densa que o
álcool, é natural que o ovo afunde mais em água pura.

Em lugares muito frios, bacias ou panelas são boas para


manter temperaturas mornas por mais tempo.

Termômetros ajudam a manter a temperatura ideal de


cada etapa da fermentação. São bastante úteis, mas
também podemos testar com as mãos.

Indispensáveis, mesmo, são a fita adesiva e a caneta.


Rotular, anotando os ingredientes e as datas de
fabricação, é importante para acompanhar os processos
de fermentação e aprender com eles.

Quantas vezes repeti para mim mesma que não


esqueceria, e depois de semanas ou meses, estava de
novo me perguntando o que diacho é que tem dentro
dessa garrafa?!

Para quem fermenta muito e gosta de experimentar,


manter um diário de alquimias é um ritual de grande ajuda!
Anote não apenas as datas e os ingredientes, como
também os procedimentos, os materiais, a fase da lua...
registre todas as variáveis que considerar relevantes para
uma análise posterior.

Pilão para pilar, moedor para moer, peneira para


peneirar, ralador para ralar, voal para voar! Sua forma de
fazer as coisas é que vai dizer o que é indispensável para
fazê-las.

Com o tempo e a prática, cada feiticeire se ajusta ao seu


caldeirão :)

61
Gratidão

Amigues e familha, por serem a melhor parte


de mim

Sandor Ellix Katz, por suas pesquisas


publicadas em “The Art of Fermentation” e
“Wild Fermentation”, que muitas vezes
serviram como inspiração para minhas
experiências e fonte de tantas informações!

A todas as pessoas que compartilham conhecimento na


roça, na feira, na internet... e contribuem para ampliar o
saber coletivo.

Aos seres invisíveis, que a tudo transformam!

CopyLeft!
Anotações

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