Beruflich Dokumente
Kultur Dokumente
PHILOSOPHIA ELEMENTAR
RACIONAL E MORAL
POR
JOSÉ S O R I A N O DE SOUZA
DOUTOR EM MEDICINA,
PERNAMBUCO
LIVRARIA ACADEMICA DE
JOÃO WALFRÈDO DE MEDEIROS, LIVREIRO -EDITOR
• 79, RDA DO IMPERADOR, 78
1871
LI ÇÕ E S
DE
PHILOSOPHIA ELEMENTAR
RACIONAL E MORAL
IA
PREFACIO
PH1L0S0PHIA ELEMENTAR
RACIONAL E MORAL
LIÇÃO PREAMBULAR
DA PHILOSOPHIA EM GERAL
LIÇÃO 1 DA
LOGICA KM GERAI..
LIÇÃO 11
DOS TERMOS MENTAES E ORAkS.
LIÇÃO III
DA DEFINIÇÃO E DIVISÃO E SUAS RESPECTIVAS LEIS.
LIÇÃO IV
DA PROPOSIÇÃO CONSIDERADA EM SI.
MCÂO V
58
DA PROPOSIÇÃO CONSIDERADA EM SUAS PROPRIEDADES.
SUMMAHTO. — 47. Propriedades da proposição, opposição, equipolenciu, con-
versibilidade. — 48. O que é opposição e de quantas espécies seja. — 49. Se
|_ nas subcontrarias ha verdadeira opposição. — 50. Kas subalternas não lia
opposição. — 51. Porque as contradictorias não podem ser a um tempo
verdadeiras e falsas. — 52. Propriedade das contrarias. — 53. O que é
equipolencia e de quantas espécies. — 51. Em .que consiste a conversão, e de
quantas espécies seja.
I
LOG1GA.
41
justo — teremos — não nenhum homem, isto é, algum homem não
é justo.
54. A conversão consiste em pôr o predicado de uma
proposição no lugar do sujeito, e vice-versa, conservando a
verdade ou qualidade da proposição; v. g. todo homem é animal
racional; todo animal racional é homem. A proposição que queremos
converter diz-se conversível, a que resulta da conversão conversa
ou convertida. Os logicos contão tres generos de conversão :
simples, accidental e por contraposição.
A conversão é simple, propria ou perfeita quando a proposição
conversa guarda a mesma quantidade, de sorte que se a
conversível é universal, a conversa tambem fira sendo, se era
particular fica sendo particular. Isto sómente se dá nas
universaes negativas e nas particulares affirmativas. Por ex. a
universal negativa — nenhum homem é pedra — converte-se
simplesmente — nenhuma pedra é homem; a particular 1
affirmativa — alguma substancia é vivente converte-se do
mesmo modo como nesta — algum vivente é substancia.
A conversão.accidental, menos propria ou perfeita da-se
quando para lazer a operação é preciso mudar a quantidade da
proposição. Isto se dá com todas as universaes affírmalivas
(excepto com as chamadas identicas como esta — todo o homem é
racional). Assim, a universal affirmativa — todo 4
o homem é racional, só pôde ser convertida
accidentalmente, passando a conversa a ser particular — algum
animal é homem, aliás a proposição perderia sua verdade, isto é,
mudaria de qualidade. A universal negativa tambem póde ser
convertida deste modo, v. g. Nenhum homem é pedra; alguma
pedra não é homem.
A conversão por contraposição, de todo desusada e um lanto
barbara, é a em que conservando-se a quantidade, o predicado e
o sujeito de lermos finitos que são, tomão-se infinitos, sendo
affectados da negação. (Em logica se chama termo infinito aquelle
que é affecta de uma partícula negativa, como não homem, não
pedra; o termo finito corpo tor-na-se infinito dizendo-se não corpo.)
Esta especie de conversão pôde dar-se na universal affirmativa e
na particular negativa, v. g. todo o homem é substancia, — logo
tudo não
42 LIÇÕES DE PHILOSOPHIA ELEMENTAR.
LIÇÃO VI
DO RACIOCINIO EM GERAL, E PARTICULARMENTE DO SYLL.OG1SMO.
LIÇÃO VII
DAS FIGURAS E MODOS SYLlOGiSTICOS. — ESPECIES E FORMAS DO
SYLLOGISMO.
SUMMARIO. — 66. 0 que é figura syllogislica. — 07. Quantas são as figuras. — 68.
Explicação das mesmas. — 00. 0 que é modo syllogistico, e quantos podem haver.
— 70. Os dezanove modos chamados uteis: — 71 O syllo-
LOGICA. 51
gismo composto; ha delle tres especies — 72. Syllogismo condicional ou
hypolliclico. — 73. Syllogismo disjunctivo. — 71. Syllogismo copulativo. —
75. Seis fórmas de raciocínio reduziveis a syllogismo. — 76. Enthy-
mema, o que é. — 77. Sorites, o que é. — 78. Epicherema. — 79. Prosyl-
logismo.— 80. Dilemma. — 81 Exemplo. Demonstração e suas especies.
Sub prae prima; sed altera bis prae; tertia bis sub.
LIÇÃO VIII
DA INDUCÇÃO, ANALOGIA E HYPOTHESE.
LIÇÃO IX
DA VERDADE E SUAS DIFERENTES ESPECIES.
LIÇÃO X
DOS DIVERSOS ESTADOS DO ESPIRITO EM RELAÇÃO Á VERDADE, OU
DA CERTEZA, EVIDENCIA, OPINIÃO E DUVIDA.
LIÇÃO XI
DO CRITERIO DA VERDADE OU CERTEZA.
LIÇÃO XII
DA AUTORIDADE DO TESTEMUNHO HUMANO, E DAS REGRAS DE
CRITERIO HIISTORICA.
LIÇÃO XIII
DAS CAUSAS E REMEDIOS DOS ERROS.
LIÇÃO XIV
DOS SOPHISMAS.
LIÇÃO XV
DOS SIGNAES EM GERAL, E EM PARTICULAR DA PALAVRA EH SUAS
RELAÇÕES COM O PENSAMENTO.
LIÇÃO XVI
LIÇÃO XVII
DA METAPHYSICA EU GERAL , E PARTICULAMENTE DA ONTOI.OGIA. NOÇÃO
DO ENTE.
LIÇÃO XVIII
DO PRIMEIRO PRINCIPIO ONTOLOGICO DE CONHECIMENTO.
LIÇÃO XIX
DOS PRINCIPIOS METAPHYSICOS DO ENTE. — DA ESSENCIA,
SUAS PROPRIEDADES E COGNOSCIBILIDADE.
LIÇÃO XX
DA CAUSALIDADE DO ENTE, OU DAS CAUSAS.
LIÇÃO XXI
DO ENTE POSSÍVEL OU DA POBILIDADE DAS COUSAS.
LIÇÃO XXII
DO ENTE GREADO E INCREADO, OU DA CREAÇÃO.
LIÇÃO XXIII
LIÇÃO XXIV
DO ENTE FINITO £ INFINITO, OD DA INFINIDADE. — DA SIMPLICI-
CIDADE E COMPOSIÇÃO DO ENTE.
SUMMARIO . — 82. Valor da idéa do infinito; se temos essa idéa. — 85. O que
é o infinito e finito. — 81. O infinito não é o indefinido. — 85. O finito
não é completamente negativo; o infinito é positivo. — 86. A infinidade
ou a plenitude do ser só a Deos compete. — 87. É impossível uma quanti-
dade continua infinita. — 88. Semelhantemente a respeito da quantidade
discreta. — 80. Ha infinitos potenciaes, mas só Ha um infinito actual. —
00. Ser composto e ser simples. — 91. Composto real e logico ou metaphy-
sico. —• 92. Substancial ou modal. — 95. Esssncial e integral.
LIÇÃO XXV
DA SUBSTANCIA, DA SUBSISTENCIA E DA PERSONALIDADE.
LIÇÃO XXVI
DO ENTE ABSOLUTO E RELATIVO, OU DA RELAÇÃO. — DO ENTE
DE RAZÃO.
Summario . —101. Seis modos do ser. — 102. O que é ente absoluto e rela-
tivo. — 103. 0 que é relação, e quantos elementos encerra. — 104. Funda-
mentos da relação. —105. Relações reaes e logicas. —106. Se todas as re-
lações são logicas. —107. O que é ente de razão, e de quantas especies seja.
— 108. Entes negativos e privativos; negação e privação.
LIÇÃO XXVII
DAS PROPRIEDADES DO ENTE, UNIDADE, VERDADE, BONDADE;
E DA BELLEZA.
SUMMARIO — 109. O que são propriedades do ente. —110. Quaes sejão cilas.
—111. O que é unidade. — 112. Varias especies de unidade. —113. Por-
que todo ente é verdadeiro. — 114. Relação diversa dos entes com o enten-
dimento divino e o humano. — 115. Porque todo ente é bom; definição da
bondade. — 116. Em que differe o bom do verdadeiro; notavel resultado
dessa differença. — 117. Tres especies de bondade. — 118. Noção do bello
segundo S. Thomaz. — 119. Differença entre o bello e o verdadeiro. —
120. A verdade fundamento da belleza. —121. A proporção requisito dn
belleza no objecto. —122. Semelhança causa da faculdade deleitar-se no
bello. — 125. Faculdade cognoscitiva do bello. — 124. Divisões do bello.
LIÇÃO XXVIII
LIÇÃO XXIX
LIÇÃO XXX
LIÇÃO XXXI
LIÇÃO XXXIII
LIÇÃO XXXIV
I*
PSYCHOLOGIA.
24
3
LIÇÃO XXXV
LIÇÃO XXXVI
LIÇÃO XXXVII
LIÇÃO XXXVIII
DAS IDEAS EM GERAL E PARTICULAMENTE DAS FALSAS THEORIAS
IDEOLOGICAS.
mens enim est quod naluralis operatio alicujus rei totaliter im-
pediatur per id quod est sibi secundum naturam. (I p., q. 84,
a. 3.) Logo supposto que a alma tem idéas innatas, deve-
ramos cnlender desde que nascemos. Mas a experiencia
mostra que assim não é: logo não ha idéas innatas.
Por outro lado nenhum ente pôde ter inclinação natural para
uma cousa que obsta a sua operação essencial, e da qual
resulta a sua perfeição; e de facto qual é o ente que é
inclinado ao que é contrario á sua perfeição? Ora, dado que a
alma tenha ideas innatas, e que se não podemos logo usar
delias, c porque a sua união com o corpo o impede, esta união
longe de ser natural seria contra a natureza do homem; o que
deveras ninguem póde admittir.
A supposta impossibilidade de explicar, como o espirito
forme certas idéas, pelo unico auxilio de suas faculdades, é o
maior apoio que tem em seu favor a theoria das idéas innatas.
Ora, veremos de outra vez como o espirito pôde formar ditas
idéas, e então ficará de todo refutada a innas-cibilidade das
idéas.
128. Descartes admittia tres sortes de idéas, adventícias,
factícias e innatas. As primeiras são as que procedem dos
objectos exteriores, como a idéa de sol; as segundas o
espirito as forma compondo as idéas adventicias, como a
de um monte de ouro; as terceiras são as que nascem com-
nosco, como a idéa de Deos, do infinito, etc. Mas como
é a esta ultima classe que pertencem as idéas propria
mente ditas, todas estas vem a ser innatas na opinão de
Descartes.
129. Leibnitz refutando a fa raosa maxima Nihil est in
intellectu, quod prius non fuerit sub sensu, maxima que
como interpretara Locke, tornou-se formula do materia
lismo, incluio-lhe uma excepção que contem o seu systema
sobre a origem das idéas. Se os sensualistas, disse o grande
philosopho allemão, querem que no entendimento nada
exista sem ter primeiro passado pelos sentidos, devemos
fazer uma excepção em favor do entendimento : Excipe,
nisi ipse intelleclus. Mas como no entendimento existem as
idéas universaes que os sentidos não podem dar, segue-se
que essas idéas são preexistentes ou performadas n'alma,
270 LIÇÕES DE PHILOSOPHIA ELEMENTAR.
isto é, são innatas. Entretanto Leibnitz diz que essas idéas
não preexistem n'alma completas e perfeitas, mas somente
como germens de idéas, que depois se aperfeiçoão. São
ellas em seu primitivo estado como fios de uma teia que ha
de ser tecida depois pelo entendimento; ou como schema,
ou fórma representativa do universo, a qual o espirito logo
desenvolverá convertendo em idéas perfeitas e determi-
nadas.
130. Como Descartes, Leibnitz admittio idéas innatas,
não só pela razão que já deixamos dita de ser impossível a
explicação do como se formão certas idéas, mas também
porque acreditava que o pensamento é essencial á alma. «
Sendo o pensamento essencial á alma segue-se que ella
sempre pensou, desde o primeiro instante de sua creação;
mas como sem idéas não ha pensamento possível, resulta
que a alma possue em si, desde o primeiro instante de seu
ser, algumas idéas que forçoso é denominar innatas. »
Tendo já tocado este ponto, e dito que para diante mostra-
remos se de facto é impossível que o espirito possa formar
ditas idéas, agora só diremos que aquelle raciocínio parte
de um principio inadmissível, qual é, a essencialidade do
pensamento. Com effeito, se o pensamento fosse a essencia
d'alma, como elle póde se extender a todas as cousas, (que
todas podem ser pensadas) seguir-se-ha que a essencia
d'alma comprehenderia em si todas as cousas que podem
ser pensadas, as quaes são como que infinitas; ora a essen-
cia de uma creatura não póde comprehender em si cousas
infinitas, pois assim seria a mesma essencia divina. De mais
o pensamento é uma operação do espirito humano, ora, a
operação de uma creatura não póde ser a sua mesma essen-
cia, porque então esta seria uma pura actualidade sem
mistura de potencialidade, e conteria, a plenitude do ser; o
que é absurdo. {Sutn. theol., I p., q. 5, a. 1.)
131. Agora chegamos ás theorias do mtkismo allemão.
Partindo do facto da mutabilidade e individualidade da sen-
sação, e do falso supposto de ser ella uma cega modificação
d'alma, não quiz Kant admittir a sensação como a unica
fonte dos conhecimentos, visto haver alguns que trazem
em si o duplo caracter de immudabilidade e universalidade.
PSYCIIOLOGIA. 271
LIÇÃO XXXIX
DA VERDADEIRA THEORIA IDEOLOGICA, OIT DA THEORIA ESCHOLAST1CA.
LIÇÃO XL
LIÇÃO XLI
LIÇÃO XLII
LIÇÃO XLIII
DA LIBERDADE DA VONTADE.
LIÇÃO XLIV
LIÇÃO XLV
LIÇÃO XLVI
DA IMMORTALIDADE D'ALMA
LIÇÃO XLVI1
DA UNIÃO D'A LMA COM O CORPO. — SEDE D' ALMA.
SUMMARIO . — 252. Maravilha da união d'alraa com o corpo. — 233. Duas espe-
cies de união e de composto, substancial e accidental. — 254. A união
d'alma com o corpo é substancial; de que modo. — 235. O que é forma
substancial. — 236. União sem confusão, distincção sem separação é a for-
mula expressiva do composto humano; ella é de applicação universal. —
237. A doutrina da união substancial seguida universalmente até Descartes.
—238. Os tres systemas modernos. —239. O occasionalismo; sua refuta-
ção. — 240. A harmonia preestabelecida de Leibnitz; sua refutação. — 241.
O influxo physico; porque não é admissível. — 242. Em que sentido póde
ser admittido. — 243. A alma está toda no corpo inteiro, e em cada uma
de suas partes. — 244. Texto de S. Agostinho.
LIÇÃO XLVIII
THEOLOGIA NATURAL
LIÇÃO XLIX
DA THEOLOGIA NATURAL EM GERAL. — DEMONSTRABILIDADE DA
EXISTENCIA DE DEOS. — PROVAS DESSA EXISTENCIA.
LIÇÃO L
LIÇÃO LI
LIÇÃO LU
LIÇÃO LIII
SUMMARIO . —44. Tres altributos relativos. — 45. 0 que é o pantheismo suas duas
fórmas principaes. — 46. Causas do pantheismo. — 47. Os pbiloso-plios gregos e
Spinosa. — 48. Objecto da lição. — 49. O mundo é cousa essencialmente
distincta de Deos; provas. — 50. O pantheismo radical
95
386 LIÇÕES DE PHILOSOPHIA ELEMENTAR.
mente absurdo. — 51. O mundo foi tirado do nada; provas. —52 Objecção
tirada do ex nihilo nihi fit; resposta. — 53. Objecção tirada dos aitribu-tos
de Deos; resposta.
LIÇÃO LIV
LIÇÃO LV
DA DIVINA PROVIDENCIA.-
causa ou principio de tal mal; mas não quer isto dizer que
desse existencia ao mal, pois em verdade só deo existencia
ao seu acto; mas como devera na qualidade de ente livre
dar ao seu acto direcção diversada que lhe deo, o acto tor-
nou-se máo e ao resultado do acto por habito chamamos mal,
como se o mal fora uma entidade. 0 mal não é uma natu-
reza, a perda do bem é que chamamos mal, como diz S. Agos-
tinho : Mali nulla natura est sed amissio boni, mati nomen ac-
cipit. (De Civ. D«i,l. XI, c. a.) Por isto, se o bem póde exis-
tir sem o mal, o mal não póde existir sem o bem, Bona nine
malis esse possint... mala atitem sine bonis esse non possint.
(Md., 1. XIV, c. XI.) 0 mal accusa portanto a existencia do
bem no sujeito; o ente privado de todo bem, é o nada; logo
a privação do todo bem aniquila.
75. Conhecida nesses concisos termos a natureza e ori-
gem do mal, podemos agora bem conhecer o valor de algu-
mas das objecções que se levantão contra a Providencia.
« Se ha uma Providencia, attributo de um ente infinita-
mente santo e poderoso, como é que o homem, obra desse
ente, e objecto dessa Providencia, vive sujeito a tantos ma-
les, ás molestias, ao frio, á fome, á sede, ás dôres, ás tem-
pestades e terremotos? Como é possível que o poder infinito,
reunido á bondade infinita não afãstão de sua obra toda
sorte de mal? » Os males de que aqui se trata são physicos
os quaes, como já sabemos, ou consistem na destruição de
certos entes, ou são consequencia do peccado; e quer em
um, quer em outro caso têm a Deos por autor de modo con-
sequente e accidental ex consequenti et quasi per accidens. Se
consistem na destruição dos entes, são necessarios á ordem
universal que Deos se propoz creando os seres; ora essa
ordem exige que certos entes se destruão, para que outros
existão, pois segundo o velho axioma generatio unius est
comiptio alterius. Portanto longe da destruição de certos
entes ser mal, é pelo contrario um meio necessario para o
bem da ordem universal. Se são consequencias do peccado,
da intemperança, da gula e de outras paixões, aquel-les
males tambem longe de derogarem a bondade divina, pelo
contrario a abonão. A ordem que reina no universo exige
que a justiça seja satisfeita, e a justiça pede que
408 LIÇÕES DE PHIL0SOPHIA ELEMENTAR.
aquelles que infrigirão a lei moral, e se deixarão vencer das
paixões, recebão o castigo que merecem. Portanto os males
de que tratamos depõem a favor da Providencia, e tem a
Deos por autor. Só o mal moral, o mal da culpa repugna
com a bondade divina, porque destroe o bem que se refere
á bondade divina; mas não assim a respeito do mal da na-
tureza, e o da pena, aos quaes Deos quer, porque produzem
bens que elle deseja; querendo a justiça, quer o castigo,
querendo a conservação da ordem universal, quer a des-
truição de certos entes. É portanto com exactidão que S.
Thomaz diz que Deos é autor do mal que pune ou do mal
da pena, mas não do mal que suja, do mal da culpa : Et
secundum hoe Deus est auctor medi quod est paena, non
atitem mali quod est culpa. (I p., q. 42, a. 2.) Convenhamos
portanto em que aquelles males longe de impugnarem a
Providencia, a confirmão e esclarecem, fazendo sobresahir
a ordem e belleza universal, como as sombras fazem so-
bresahir as côres na pintura, e o silencio a harmonia das
vozes na musica.
76. « Se ha Providencia ella repugna com a justiça di-
vina, pois como póde a justiça permittir que os bons soffrão
tantas adversidades, pobreza, perseguição, doenças, etc, e
os máos vivão cheios de riquezas, de honras, gozando de
saude, etc. Que Providencia é esta que sancciona taes des-
ordens? » Não ha quem seja tão bom. que alguma vez não
delinqua, nem tão mão que não faça alguma cousa boa. Deos
não deixa nenhum bem sem remuneração, nem mal algum
sem punição; os delictos dos bons castiga neste mundo com
penas temporaes, aos bens dos máos remunera com a pros-
peridade temporal, reservando a uns e outros mais digna
recompensa na outra vida. A objecção não prova que não
haja Providencia, mas que existe outra vida na qual mais
exactamente a virtude receberá o premio, e o vicio o cas-
tigo. E de mais com que direito chamais injusto a Deos por
não distribuir egualmente os seus bens? Sómente ha viola-
ção da justiça quando se prejudica o direito de outrem;
portanto para que na distribuição dos bens deste mundo hou-
vesse injustiça da parle de Deos, seria preciso suppôr que
o homem tem direito aos bens de Deos. Mas que direito póde
THEOLOGIA NATURAL. 409
LIÇÃO LVI
DA ETHICA OU MORAL EM GERAL.
..
ETHICA OU DIREITO NATURAL.
41
5
objecto formal da sciencia, segue-se que toda sciencia é
uma pela unidade de seu objecto. Portanto onde houver
diversidade de objecto formal, ahi haverá tambem scien-
cias diversas. (Logica, II.) Por outro lado, a unidade formal
de objecto requer identidade de princípios; onde pois hou-
ver diversidade de princípios, haverá tambem diversidade
de sciencia. Em uma palavra, da identidade ou diversidade
de objectos e princípios das sciencias é que devemos in-
ferir a identidade e a diversidade dellas.
Ora, a moral e o direito natural partem dos mesmos
princípios, e têm o mesmo objecto formal. Com effeito, a
moral estuda as acções humanas, para dirigi-las de con-
formidade com a rectidão moral, isto é, de conformidade
com a honestidade, e não estuda essas acções sómente na
ordem individual, mas tambem na ordem social, e por
isto comprehende tanto os actos humanos internos e pes-
soaes, como os externos e sociaes, os quaes estão intima-
mente vinculados com os primeiros. Sobre essas mesmas
acções versa o direito natural, e nem outra cousa se propõe
que dirigi-las conforme os princípios da natureza racional;
e por isto não só estuda as relações mutuas dos seres ra-
cionaes, e os seus actos externos, mas tambem as suas in-
tenções, e tudo mais que respeita ao individuo como ser
moral. E seria possível que o direito natural, sendo como
incontestavelmente é sciencia moral, desprezasse a inten-
ção? Sem a intenção pergunta o douto Rosmini, a que
ficarião reduzidas as acções externas? Indubitavelmente ás
cousas meramente materiaes, que não podem merecer ou
desmerecer, precisamente por estarem privadas d'aquelle
caracter moral e pessoal de que as acções recebem o seu
merito. Que direito poderá haver em uma acção unicamente
externa? Que outra cousa será semelhante acção que um
facto de ordem material, que como tal só vale quando é
forte, e deixa de valer quando se encontra com uma força
maior? Por consequencia podemos concluir que a moral
tem o mesmo objecto que o direito natural.
Tem tambem os mesmos princípios. Faze o bem; dá a
cada um o que é seu; não faças a outro o que não queres
que fação a ti, etc, são princípios que tanto pertencem á
416 LIÇÕES DE PHILOSOPHIA ELEMENTAR.
moral como ao direito natural. Temos pois entre as duas
sciencias identidade de objecto e de princípios logo ontoló-
gica e essencialmente considerados o direito natural e a
moral não são sciencias diversas.
41. Entretanto podemos assignar-lhes algumas distinc-
ções logicas, derivadas da diversa consideração de seu ob-
jecto. 1.ª Dissemos que o objecto formal da moral erão as ac-
ções livres do homem, estudadas sob o ponto de vista da
rectidão moral. Mas como o homem é naturalmente socia-
vel, a razão diz-lhe que dirija as suas acções não só como
em geral convem á creatura racional, e é exigido pelo fim
particular da mesma, mas tambem de modo a não pertur-
bar a ordem social em que vive. Ora, quando a acção hu-
mana é considerada sob o primeiro ponto de vista; isto é,
como conveniente em si mesma e conforme ao fim particu-
lar do homem, chama-se boa ; e quando considerada como
conforme á ordem social diz-se justa Se contemplamos a
acção em geral como devendo ser praticada, porque é boa
e consentanea á natureza racional, temos a sciencia do bem,
a moral; se porém a contemplamos como congruente á or-
dem social e á justiça natural, a qual exige que dita acção
guarde uma certa igualdade e proporção com os outros te-
mos a sciencia do justo e do injusto o direito natural. 2.ª A
moral por uma precisão mental considera o homem como
individuo, fóra do estado social, em que naturalmente vive;
o direito natural estuda o homem vinculado aos outros pe-
los laços sociaes. Mas esse processo, como o precedente, é
puramente logico e não quer dizer que na realidade o ho-
mem umas vezes viva como individuo solitario, e outras
vezes em estado social, assim como o que é justo em rela-
ção aos outros, não deixa de ser bom em si e objectiva-
mente considerado. 5a Emfim, a moral considera os ac-
tos livres do homem mais sob o ponto de vista formal c ab-
stracto, em relação com as condições que os podem tornar
bons ou mãos; o direito natural estuda os mesmos actos,
mais sob o ponto de vista material e concreto, investigando
em particular o que elles têm de conformes ou desconfor-
mes á ordem social.
12. Conhecidos o objecto e natureza da philosophia mo-
ETHICA OU DIREITO NATURAL. 417
LIÇÃO LVII
SUMMARIO —15. Objecto da lição. —16. O que é acto ou acção. —17 Relação
do acto com a faculdade ou potencia. — 18. Do fim da acção ; differentes
especies de fim. —19. Bem honesto,uútil e deleitavel, ou honestidade
utilidade e deleitação. — 20. Como as creaturas tendem a cumprir os de-
sígnios do Creador. — 21. Qual é o verdadeiro bem de um ente. — 22. 0
que constitue a rectidão do acto da creatura. — 23. Senhorio da vontade
sobre as outras faculdades do homem ; actos elicitos e imperados. — 24. O
bem objecto primitivo da vontade. — 25. 0 bem absoluto do homem é o
bem raciona;; como o bem sensível póde ser bem do homem.
LIÇÃO LVIII
SUMMARIO . — 26, 0 homem obra sempre por amor de um fim. — 27. Forçosamente
ha de ter um fim ultimo wue o faça feliz. — 28. Importancia da questão da
felicidade do homem; opiniões dos antigos philosophos. — 29. Natureza e
propriedades do soberano bem. — 30. Felicidade objectiva e subjectiva. — 31. O
objecto de felicidade não póde estar no homem, —32,
424 LIÇÕES DE PHILOSOPHIA ELEMENTAR.
Nem em nenhum outro ser creado. — 55. Só Deos é o soberano hem e a
verdadeira felicidade do homem. — 34. Se o homem póde ser feliz neste
mundo.
LIÇÃO L1X
DA MORALIDADE DOS ACTOS HUMANOS.
LIÇÃO LX
DA MORALIDADE SUBJECTIVA DOS ACTOS HUMANOS.
LIÇÃO LXI
DA LEI EM GERAL, E PARTICULARMENTE DA LEI ETERNA E DA
NATURAL.
Summario. — 61. Objecto da lição. —62. Definição da lei. — 63. Diversas es-
pecies de lei. — 64. Effeitos da lei. — 65. Natureza, existencia e absoluto
domínio da lei eterna. — 66. Natureza da lei natural; em que se differença
da eterna. — 67. Provas da existencia da lei natural, -r 68. O que é sanc-
ção, e se á lei natural estA anneXa uma sancção. — 69. Provas da saneção da
fei natural. — 70. Essa sancção sendo imperfeita nesta vida será perfeita
na outra; em que consiste essa saneção perfeita.
LIÇÃO LXII
DAS PRINCIPAES PROPRIEDADES DA LEI NATURAL E DE SEU
PRIMEIRO PRINCIPIO.
LIÇÃO LXIII
DA LEI HUMANA E DA CONSCIENCIA MORAL.
SUMMARIO — 83. O que é a lei humana. — 84. Divisão desta lei. — 85. Sua
necessidade. — 86. Seu fundamento. — 87. Suas condições. — 88. Sua
força obrigatOria. — 89. o que é a consciencia moral. — 90. Da syndere-
sis. — 91. Syllogismo moral. — 92. Effeitos da consciencia — 93. Varie-
dades da consciencia. — 94. A consciencia recta, regra dos actos. — 95.
Leis do syllogismo moral.
LIÇÃO LXIV
LIÇÃO LXV
LIÇÃO LXVI
DOS DEVERES NATURAES DO HOMEM PARA COMSIGO.
SUMMARIO . —122. Porque logo depois dos deveres para com Deos se trata dos
deveres para com nós mesmos. —123. Do primeiro principio dos deveres para
com nós mesmos. — 124. Divisão desses deveres, — 125. Dever de aperfeiçoar o
entendimento pelo conhecimento da ordem moral. — 126.
480 LIÇÕES DE PHILOSOPHIA ELEMENTAR.
Restricção necessaria. —127. Dever de aperfeiçoar a vontade. —128. De-
ver de conservação e seus derivados. —129. O suicídio é illicito, contrario
á natureza, â sociedade e à lei de Deos. —130. Falsas razões era abono do
suicídio. — 131. A mutilação do corpo póde ser licita.
LIÇÃO LXVII
DOS DEVERES NATURAES DO HOMEM PARA COM 08 OUTROS.
SUMARIO. — 132. O primeiro dever para com os outros, ama-los como a nós
mesmos. —133. inclusive os proprios inimigos. —134. O amor qne deve-
mos aos outros é semelhante, mas não igual ao amor proprio. — 135. Tres
especies de deveres derivados do precedente, aperfeiçoar a intelligencia do
proximo pela verdade, a vontade pelo bem e zelar a integridade de seu
corpo. — 136. O dever de nunca, mentir; o que é a mentira; sua maldade
intrínseca e essencial. — 137. O equivoco é licito, — 138. O dever de não
fazer o mal e de fazer o beM; distincção necessaria. — 139. Deveres de
humanidade, de beneficencia e de gratidão. —140. Criterio de nossos de-
veres para com os outros.
LIÇÃO LXVIII
LIÇÃO LXIX
DO DIREITO DE PROPRIEDADE E SEUS CONSECTARIOS .
;
504 LIÇÕES DE PHILOSOPHIA ELEMENTAR.
tranquillidade e progresso da sociedade desapparecerião.
Ora, se não fosse a lei da prescripção, succederião os males
de que falíamos : logo essa lei tem seu fundamento do di-
reito natural.
De mais essa lei baseia-se na collisão entre o direito di-
rimido que um particular tem sobre um objecto, e o direito
actual que a sociedade tem á paz e tranquillídade; ora o di-
reito do particular é mais fraco do que o da sociedade: logo
a lei civil assignando certas condições, fóra das quaes nin-
guem pôde revendicar mais um bem, nada mais faz que
declarar, que um direito é mais fraco e dirimido por outro
mais forte e actual; o que é razoavel e consentaneo ao di-
reito natural.
LIÇÃO LXX
DA SOCIEDADE EM GERAL.
Summario . —164 Como logicamente a sociedade deverá ser estudada antes dos
deveres individuaes. — 105. 0 homem è naturalmente sociavel e tende a
viver effectivamente em sociedade. — 166. Fabula do homem solitario. —
167. Elementos constitutivos da sociedade; definição da sociedade. — 168.
0 bem social e a perfeição da sociedade. — 169. A sociedade é meio e não
fim para o homem. — 170. A sociedade humana e os resultantes deveres
de humanidade não procedem de pactos; não ha relações extra sociaes. —
171. A justiça social. — 172. É commutativa e distributiva. — 173. A desi-
gualdade dos direitos individuaes constitue a verdadeira igualdade perante
a lei social. — 174. 0 que é a autoridade social; sua indispensabilidade. —
175. Em que differe da superior. — 176. Soberania e soberano. —177.
Propriedades da soberania. —178 Sociedades particulares. — 179. Suas
differentes especies, necessaria e livre, completa e incompleta, domestica e
civil, material, espiritual, militar, igual e desigual. — 180. Naturaes e
artificiaes.
LIÇÃO LXXI
| LIÇÃO LXXII
DA SOCIEDADE POLITICA.
LIÇÃO LXXIII
DA SOCIEDADE RELIGIOSA OU DA IGREJA, E DE SUAS RELAÇÕES
COM O ESTADO.
DECLARAÇÃO DO AUTOR.
FIM.
INDICE DAS MATERIAS
SUMMARIO . — 82. Valor da idéa do infinito; se temos essa idea. —85. O que
I o infinito e o finito. — 81.0 infinito não é o indefinido. — 85. 0 finito
não 6 completamente negativo; o infinito é positivo. — 86. A infinidade
ou a plenitude do ser sò.a Deos compete. — 87. E impossível uma quanti-
dade continua infinita. — 88. Semelhantemente a respeito da quantidade
552 INDICE DAS MATERIAS.
concreta. — 89. Ha infinitos potenciaes, mas só ha um infinito actual. —
90. Ser composto c ser simples. — 91. Composto real e logico ou metaphy-
sico. — 92. Substancial ou modal. — 93. Essencial e integral. . . . 169
SUMMARIO — 101. Seis modos de ser. — 102. O que é ente absoluto e rela-
tivo. — 103. O que é relação, e quantos elementos encerra. — 104. Funda-
mentos da relação. —105. Relações reaes e logicas. —106. Se todas as re-
lações são logicas. — 107. O que é ente de razão, e de quantas especies seja.
— 108. Entes negativos e privativos; negação e privação. . . . 178
SUMMARIO — 232. Maravilha da união d'alma com o corpo. — 233. Duas espé-
cies de união e de composto, substancial e accidental. — 234. A união
d'alma com o corpo é substancial: de que modo. — 235. O que é forma
558 INDICE DAS
MATÉRIAS.
substancial. — 236. União sem confusão, distincção sem separação é a for
mula expressiva do composto humano; ella é de applicação universal. —
257. A doutrina da união substancial seguida universalmente até Descartes.
— 238. Os tres systemas modernos. —239. O occasionalismo; sua refuta
ção. — 240. A harmonia preestabelecida de Leibniti; sua refutação. — 241.
O influxo physico; porque não é admissível. — 242. Em que sentido póde
ser admittido. —• 243. A alma está toda no corpo inteiro, e em cada uma
de suas partes. — 244. Texto de S. Agostinho. .................................. 340
"I
ÍNDICE DAS MATERIAS. 559
dade 25. Pela unidade do mundo. — 24elo texto de Tertuliano. —
25. Razões contra o manichismo. — 26, O que é eternidade, e como e
consequência da aseidade. — 27. Se a eternidade é successiva ou simulta
nea. — 28. Como Deos é physica e moralmente immudavel. — 20. Gomo
Deos é simples, — 50. É a unica substancia siples rigorosamente fal
tando. — 51. Por isto 6 substancia eminentemente espiritual. — 32. 0 in
finito é positivo. — 35. Razões da infinidade de Deos ...................... 372