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REFORMA DO ENSINO MÉDIO E ESCOLA SEM PARTIDO: O CONTEXTO

NELIBERAL DAS POLÍTICAS DE FORMAÇÃO DOCENTE


Paulo Augusto Mierjam1

INTRODUÇÃO
As discussões sobre o projeto do Escola Sem Partido – ESP tem sido alvo
de análise e estudo das pesquisas em educação. Entretanto, avaliamos como
necessário a discussão desses mecanismos da reforma educativa posta no país,
atentando-se especificamente ao que tange a atividade docente.
Assim, esse texto é parte dos estudos desenvolvidos no Programa de
Pós-Graduação em Educação nível de mestrado da Universidade Estadual do
Centro-Oeste – Unicentro, na linha de pesquisa: Políticas Educacionais, História
e Organização da Educação. Nesse interim, nosso objetivo principal é refletir
sobre o ESP no contexto da atividade docente e as políticas neoliberais.
Destacamos a necessidade de pensar a atividade docente em tempos de
mudanças no cenário educacional, uma vez, que o trabalho docente é que lidará
com as proposições advindas de toda a conjuntura social que aqui nos propomos
a discutir.
As propostas ora analisadas fazem parte de um conjunto maior de
medidas intituladas de “reformas” e que se desenvolvem como agentes
catalizadores da luta travada pelo capitalismo neoliberal pela retomada da
hegemonia política e econômica e a supressão das políticas de fomento ao
Welfare State implementadas nos governos do partido dos trabalhadores.
São medidas que como demonstraremos sob a lente das categorias dos
Marxismo visam um desmonte dos direitos adquiridos e uma retomada a pautas
conservadores e tradicionais que reportam à década de 1990 e agem na verdade
como instrumentos de “contrarreforma” e buscam para se firmar o apoio e
consenso social apelando para a fé e a religiosidade como pano de fundo
ideológico e às Leis como instrumentos de coerção e extração de direitos.
Sendo a escola – em sentido lato – o principal aparelho ideológico de
estado e elemento de produção da docilidade e servilidade e além disso uma
consagrada fonte de investimentos estatais, há sobre este ambiente um olhar
importante por parte dos governantes empresários e industriais, para
governantes com a redução de investimentos, para a apropriação de um novo
nicho de mercado com a privatização do ensino aos empresários e para a
formação do trabalhador conformado, dócil e servil interessa aos industriais.
Como fundamento teórico partimos dos pressupostos da teoria marxiana,
para entendermos as relações sociais da sociedade capitalista, bem como, as
relações entre trabalho, educação e políticas educacionais com foco na
formação humana com vistas a uma submissão decorrente da interpretação
religiosa do mundo e a prática docente sob o contexto do ESP.
Diante destes rudimentos fica evidenciado que este trabalho se propõe a
ter como método uma abordagem fundamentada na Teoria Crítica e que envolva
a produção da vida material e a história dialeticamente para análise dos objetos
ora em escopo.

Escola sem Partido


1
Licenciado em Pedagogia. Mestrando em Educação pela Universidade Estadual do Centro-Oeste –
Unicentro/Guarapuava – Pr. E-mail: paulomierjan@gmail.com
Como pretenso instrumento legal, o primeiro projeto de lei surge em 2014
quando o então deputado estadual do Rio de Janeiro Flavio Bolsonaro (PSC-RJ)
solicita a Miguel Nagib, procurador do Estado de São Paulo e idealizador do
Movimento Escola sem Partido (MESP) que confeccione um modelo de projeto
de Lei que tão logo confeccionado foi apresentado por Flávio naquela casa de
leis.
Logo em seguida o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ) apresenta
projeto de mesmo teor na câmara municipal. A partir de então, envoltos pelo
caldo de cultura proporcionado pelas manifestações populares de 2013 e o ódio
ao lulopetismo, preposições com finalidade de tornar Lei o projeto ou programa
do Movimento Escola Sem Partido (MESP) ganham notoriedade e em 2015
passam a ser apresentados nas câmaras municipais, assembleias estaduais e
congresso nacional quando então passa a ser divulgado e discutido na mídia e
nas redes sociais de forma abrangente.
Quanto ao MESP este surge oficialmente em 2004 a partir da indignação
do Advogado Miguel Nagib contra o que ele chamou de doutrinação marxista.
Segundo Nagib, sua filha estudante de uma escola particular teria recebido de
seu professor durante uma aula de história a comparação por similaridade de
Ernesto Chê Guevara à Santo Agostinho, fato que para Nagib soou como abuso
constitucional contra seus filhos, motivando-o a reportar sua indignação à escola
bem como confeccionar uma carta de repudio e distribui-la aos pais e alunos no
estacionamento da referida escola. Na carta o católico, advogado e procurador
do Estado de São Paulo com a intensão de refutar a comparação do professor
de sua filha contesta: "Che Guevara era tão parecido com Francisco de Assis
quanto um discípulo de satanás se parece com um discípulo de nosso Senhor"2
Não satisfeito e motivado a denunciar e combater a ideologização de
esquerda nas escolas cria o site intitulado escolasempartido.org no qual busca
denunciar a referida doutrinação marxista promovida em todo o sistema
educacional por professores “doutrinadores” e pelo qual orienta pais e
legisladores a expor a suposta doutrinação e por onde também torna público
pseudo denúncias contra professores e pelo qual disponibiliza materiais de base
como notificação extrajudicial, modelos de projetos de lei e cartazes.
Desta forma, aludimos que tanto o projeto do ESP é um dos mecanismos
complementares de uma reforma educativa em curso no país que é coordenada
em um conjunto de ações que visam promover a adoção de medidas de
mercantilização e busca do consenso, medidas que afetam não somente o
ambiente educacional, mas todo o tecido social e que acarretarão
consequências nefastas para o futuro. Caminhamos para a anomia – ausência
de lei e regra que defendam trabalhadores e minorias. Desta forma cabe-nos
entender a reforma do ensino médio e a implementação do PL do MESP como
uma reformulação proposta no contexto de mudanças gerais que estão
acontecendo no capitalismo contemporâneo.

ESCOLA SEM PARTIDO: Um fenômeno de retrocesso

2
http://www.escolasempartido.org/sindrome-de-estocolmo/114-caso-sigma
Atualmente Escola sem Partido possui3:
126 projetos apresentados em âmbito municipal
25 projetos apresentados em âmbito estadual
14 projetos apresentados em âmbito federal

Após eleito, o presidente Jair Bolsonaro anuncia um “recado a toda


garotada do Brasil”, mas principalmente e subliminarmente a todos os docentes:
o ideário do movimento escola sem partido já está em prática, mesmo antes da
sua aprovação na câmara e no senado.

“Vamos filmar o que acontece na sala de aula e vamos divulgar isso daí.
Pais, adultos, homens de bem têm o direito de saber o que esses “professores”
(gesticulando e falando entre aspas) ficam fazendo na sala de aula. Entrem em
contato com a gente”. 4

Trata-se da luta pela hegemonia travada no plano cultural que se


desenvolve velada, revestida de aparência cívica. Defensores do neoliberalismo
e seus intelectuais atuam promovendo o MESP sob diversas frentes tendo como
elementos principais a conquista do consenso e a coerção. A luta pelo consenso
é travada nas redes e mídias sociais e televisivas através de um forte empenho
em reforçar a ideia de família em seu modelo tradicional e cristão, fomentam o
medo pela proposição de instrumentos de coerção por meio das propostas de
Lei que mesmo antes de sua aprovação já atuam como ato de coerção e
violência simbólica direcionados à atividade dos docentes.
Sob o pretexto da ideologização, tanto dos materiais didáticos quanto das
aulas, agem denunciando e repudiando uma conjecturada doutrinação marxista
que estaria pautada em uma estratégia gramsciana de dominação cultural
através da inclusão de discussões relativas às questões de gênero, orientação
sexual e a contestação do modelos tradicionais de família, bem como nas aulas
que conteriam perspectivas críticas ao capitalismo, racismo, machismo,
homofobia e a educação conservadora, temas estes problematizados nas
escolas e universidades do Brasil.

Para dar curso ao propósito de coibir a abordagem desses temas, a


organização e os segmentos que com ela se ramificam atuam em
diversas frentes simultâneas, inserindo variados tipos de materiais de
opinião em variados meios de comunicação; fomentando a
apresentação de projetos de lei que proponham as medidas restritivas
reivindicadas pela organização e que instituam mecanismos de
vigilância, controle, denúncia e criminalização; e realizando debates e
audiências nos âmbitos acadêmico, jurídico, religioso e parlamentar,
dentre outras estratégias. (Algebaile/Frigotto. 2017. p.67)

Desta forma, não obstante a tentativa de alcançar o consenso da


sociedade através de seus intelectuais e protagonistas que proclamam
necessária “neutralidade” educativa como instrumento, o MESP não se inibe ao
utilizar da coerção e do medo a fim de alcançar de seus objetivos.
3
Fonte: Projetos escola sem partido pelo Brasil. Pesquisa realizada em 23/05/2019. Link:
https://www.google.com/maps/d/u/0/viewer?mid=1AbaBXuKECclTMMYcvHcRphfrK9E&ll=-
25.414196599999997%2C-49.266423599999996&z=8
4
Vídeo aqui: https://www.youtube.com/watch?v=c_Sw9LVcJpo
ANTONIO GRAMSCI e o conceito de hegemonia

A fim de fundamentarmos nossas analises e de compreendermos que na


verdade o modelo ideológico combatido assim como o modelo ideológico
desejado pelo MESP digladiam-se na luta pela hegemonia na sociedade ou seja,
na posição de pensamento aceito por todos, para isto, cabe-nos recorrer ao que
seria portanto a hegemonia e assim recorremos aos fundamentos apresentados
pelo pensador e politico Sardenho Antônio Gramsci (Ales, 22 de janeiro de 1891
— Roma, 27 de abril de 1937)
O termo hegemonia deriva do grego eghesthai conduzir, guiar, chefiar; ou
talvez do verbo eghemoneno que significa conduzir, guiar, preceder e do qual
deriva estar à frente, comandar, governar. Por hegemonia o grego na
antiguidade entendia a condução do exército, portanto, trata-se de um termo
militar, assim, egemone era o condutor, o guia e o comandante do exército.
Para o pensador italiano, o homem da massa atua de forma prática e sem
uma clara consciência teórica da sua ação no mundo, podendo inclusive que a
sua ação esteja em contradição com sua própria consciência teórica. Desta
forma, Gramsci atribui-lhe uma consciência teórica – implícita na própria ação e
responsável por unir a todos os homens na transformação prática da realidade -
e uma consciência contraditória - superficialmente explicita ou verbal herdada do
passado e aceita sem crítica, desta forma a

concepção “verbal” não é inconseqüente: ela liga a um grupo social


determinado, influi sobre a conduta moral, sobre a direção da vontade,
de uma maneira mais ou menos intensa, que pode até mesmo atingir
um ponto no qual a contraditoriedade da consciência não permita
nenhuma ação, nenhuma escolha e produza um estado de passividade
moral e política. (Gramsci, 1999, p.103)

Esta falta de consciência teórica do mundo força-lhe a aderir à


interpretação de mundo comum e aceita pelo senso coletivo. Essa aceitação do
pensamento comum e hegemônico é histórico e historicamente reforçado pelas
filosofias tradicionais e a religião, ou seja, a concepção de mundo dos
intelectuais e a alta cultura.

Estes sistemas influem sobre as massas populares como força política


externa, como elemento de força coesiva das classes dirigentes, e,
portanto, como elemento de subordinação a uma hegemonia exterior,
que limita o pensamento original das massas populares de uma
maneira negativa, sem influir positivamente sobre elas, como fermento
vital de transformação interna do que as massas pensam, embrionária
e caoticamente, sobre o mundo e a vida. Os elementos principais do
senso comum são fornecidos pelas religiões e, conseqüentemente, a
relação entre senso comum e religião é muito mais íntima do que a
relação entre senso comum e sistemas filosóficos dos intelectuais.
(Gramsci,1999, p.115)

Toda cultura atua como forma de expressão de um determinado grupo


social que atinge seu ápice de plena hegemonia simultaneamente ao seu
momento especulativo ou religioso tornando-se o pensamento hegemônico uma
“fé” ao que Gramsci chama de fase hegemônica ou fase de consenso ativo 5.

5
Gramsci, 1999, p.128
Esta dominação ideológica ou hegemonia se traduz através da cultura
pela qual cimenta a dominação escondendo a luta de classes e constituindo um
“bloco intelectual e moral”. Por ela há uma adesão espontânea da visão de
mundo e sociedade da classe dominante desde seus valores e compromissos
morais, sua maneira de viver e de pensar, costumes, religião e princípios
políticos, através de um emaranhado de concepções difundido e propagado
tanto na esfera publica quanto privada e nos quais as instituições educacionais
(escola) teriam a função basal de selecionar dentro desta mesma cultura e suas
possibilidades “o passado” e “a tradição” a serem repassados às novas
gerações.
Este impregne opera como forma de perpetuação do pensamento e da
conduta mais conveniente à classe dominante, destacando significados e
práticas uteis a preservação do status quo e ignorando todos aqueles axiomas
que possam contradizê-los, homogeneizando a todo tecido social a “sua” forma
(burguesa, dominante) de conceber o mundo e estabelecendo desta maneira o
senso comum da sociedade.
A cultura estaria assim constituída através de formas ideológicas pelas
quais os homens tomam consciência dos conflitos e da realidade social. Neste
sentido, o caráter político da cultura constituiria a chave de sua interpretação da
realidade e a hegemonia seria a cultura difundida em uma sociedade de classes.

A novidade gramsciana consiste em considerar que o conceito de


hegemonia inclui o de cultura como processo social global que constitui
a 'visão de mundo' de uma sociedade e de uma época, e o conceito de
ideologia como sistema de representações, normas, e valores da
classe dominante que ocultam sua particularidade numa
universalidade abstrata. Todavia, o conceito de hegemonia ultrapassa
aqueles dois conceitos: ultrapassa o de cultura porque indaga sobre as
relações de poder e alcança a origem do fenômeno da obediência e da
subordinação; ultrapassa o conceito de ideologia porque envolve todo
o processo social vivo percebendo-o como práxis, isto é, as
representações, as normas e os valores são práticas sociais e se
organizam como e através de práticas sociais dominantes e
determinadas. Pode-se dizer que, para Gramsci, a hegemonia é a
cultura numa sociedade de classes (Chauí, 1986, p.21)

Apenas o confronto de hegemonias torna possível a compreensão crítica


de si mesmo e isto só é possível através de um longo e difícil processo de criação
de intelectuais ligados dialeticamente à massa e especializados na ligação
teoria-prática organizando-a em busca de sua própria hegemonia.
A compreensão crítica de si mesmo é obtida, portanto, através de uma
luta de “hegemonias” políticas, de direções contrastantes, primeiro no
campo da ética, depois no da política, atingindo, finalmente, uma
elaboração superior da própria concepção do real. A consciência de
fazer parte de uma determinada força hegemônica (isto é, a
consciência política) é a primeira fase de uma ulterior e progressiva
autoconsciência, na qual teoria e prática finalmente se unificam.
Portanto, também a unidade de teoria e prática não é um dado de fato
mecânico, mas um devir histórico, que tem a sua fase elementar e
primitiva no sentimento de “distinção”, de “separação”, de
independência quase instintiva, e progride até a aquisição real e
completa de uma concepção do mundo coerente e unitária. É por isso
que se deve chamar a atenção para o fato de que o desenvolvimento
político do conceito de hegemonia representa, para além do progresso
político-prático, um grande progresso filosófico, já que implica e supõe
necessariamente uma unidade intelectual e uma ética adequada a uma
concepção do real que superou o senso comum e tornou-se crítica,
mesmo que dentro de limites ainda restritos. (Gramsci, 1999, p.103-
104)

Trata-se de um duro processo de formação cultural de filósofos das


massas, condutores, organizadores e dirigentes, “um estrato de pessoas
especializadas na elaboração conceitual e filosófica”6 que através de uma
filosofia da práxis formularia o repertorio teórico e prático dialeticamente
desenvolvendo a ciência política útil e necessária aos dominados.

Desta forma, chega-se também à igualdade ou equação entre “filosofia


e política”, entre pensamento e ação, ou seja, a uma filosofia da práxis.
Tudo é política, inclusive a filosofia ou as filosofias, e a única “filosofia”
é a história em ato, ou seja, a própria vida. (Gramsci, 1999, p.246)

A filosofia da práxis, enquanto superestrutura, distingue-se das demais


filosofias pois, enquanto “as outras ideologias são criações inorgânicas porque
contraditórias, porque voltadas para a conciliação de interesses opostos e
contraditórios;”7 em sentido contrário, como afirma o pensador italiano, a filosofia
da práxis:
não tende a resolver pacificamente as contradições existentes na
história e na sociedade, ou, melhor, ela é a própria teoria de tais
contradições; não é o instrumento de governo de grupos dominantes
para obter o consentimento e exercer a hegemonia sobre as classes
subalternas; é a expressão destas classes subalternas, que querem
educar a si mesmas na arte de governo e que têm interesse em
conhecer todas as verdades, inclusive as desagradáveis, e em evitar
os enganos (impossíveis) da classe superior e, ainda mais, de si
mesmas. (Gramsci, 1999, p.388)

Neste sentido, a própria crítica das ideologias afirma a decrepitude dos


conjuntos das superestruturas na medida em que tendem a esconder a
realidade, ou seja, a luta e a contradição, propagadoras de meras ilusões,
engano sofrido aos governados e engano desejado e consciente aos
governantes. Tais fatos devem ser combatidos e revelados como ferramentas de
dominação dentro do contexto de luta política com a única finalidade de tornar
os governados intelectualmente independentes dos governantes. Para isso
serve a escola, para proporcionar através da práxis uma formação capaz
fornecer ao educando elementos pelos quais possa identificar-se enquanto ser
social, um espaço aberto, propício, fecundo ao debate e capaz de formar o
cidadão para o debate, para a discussão e para a identificação dos princípios
que deseja respeitar, um espaço que prepare o indivíduo para a participação
social e política, atrelado a valores humanos e universais, de respeito às
diferenças e de combate a todas as formas de opressão, inclusive religiosas.

DEUS E A RELIGIÃO COMO FERRAMENTAS DE CONCENSO

A Escola historicamente é conservadora e doutrina moralmente com base


em um cristianismo dogmático e patriarcal, Estado e igreja possuem elos

6
Gramsci, 1999, p.104
7
Ibid., 388
históricos pelos quais promovem certa simbiose pela qual o sistema dominante
navega rumo à sua perpetuação “na medida em que mantém a própria fé,
repetindo infatigavelmente a sua apologética [...] e mantendo uma hierarquia de
intelectuais quem emprestem à fé pelo menos a aparência de dignidade do
pensamento”8. Ao professarem uma política e um modo de governar
fundamentado nos preceitos divinos suprem a necessidade das massas por uma
interpretação da vontade divina, a necessidade de determinada forma de
racionalidade do mundo e da vida, fornecendo os quadros gerais para a atividade
prática real. Desta forma é necessário a fim de que compreendamos esta matriz
cristã evangélica que move o escola sem partido um entendimento de como este
deus e seus desígnios são uteis na condução das massas e como ele (deus) é
uma ferramenta poderosa na adesão e no consenso. Assim, falemos um pouco
d’ele.
Para Feuerbach (2007, p.212), o homem necessita de uma crença9 que o
transcenda a fim de justificar sua vida no mundo material. Feuerbach sugere que
o homem inventou Deus10 a fim de racionalizar sua existência e sua
materialidade, sendo este deus consequência estrita da necessidade humana
que diante de uma natureza dura procura fora de si esta explicação, fora da
natureza, em deus.
Marx afirma que a religião é o ópio do povo11, nesta perspectiva também
o homem inventou Deus, inventou-lhe ainda um culto bem como
comportamentos que indicariam a vontade desse deus. Tais comportamentos
foram catalogados como adequados e inadequados e representariam em cada
momento histórico, a vontade desse deus. Distinguindo-se desta perspectiva,
para o marxismo toda a realidade, tudo o que acontece no plano real, visível às
8
Ibid.,110

9
A crença na revelação é uma crença infantil e só respeitável enquanto é infantil. Mas a criança é
determinada por fora. E a revelação tem por objetivo exatamente efetuar, através da ajuda de Deus, o que
o homem não consegue atingir por si mesmo. Por isso chamou-se a revelação de educação da espécie
humana. Isto é certo; apenas não se deve transportar a revelação para além da natureza humana. Assim
como o homem é movido interiormente para expor doutrinas morais e filosóficas em forma de narrações
e fábulas, da mesma forma exterioriza ele necessariamente como revelação o que lhe é dado por dentro.
O fabulista tem um objetivo, o objetivo de tornar os homens bons e devotos; ele escolhe intencionalmente
a forma da fábula como o método mais objetivo e figurativo; mas ao mesmo tempo é ele mesmo impelido
a esta didática pelo seu amor à fábula, pela sua própria natureza interior. Assim se dá também com a
revelação em cujo ápice está um indivíduo. Este tem um objetivo, mas ao mesmo tempo vive ele mesmo
nas concepções através das quais ele realiza este objetivo. O homem projeta espontaneamente através da
imaginação a sua essência interior; ele a mostra fora de si. Esta essência da natureza humana contemplada,
personificada, que atua sobre ele através do poder irresistível da imaginação como lei do seu pensar e agir
- é Deus.

10
Deus é o espelho do homem (Feuerbach, 2007, p.89)
A personalidade de Deus é então o meio através do qual o homem transforma as determinações e
concepções da sua própria essência em determinações e concepções de outra essência, de uma essência
fora dele. A personalidade de Deus não é em si mesma nada mais que a personalidade do homem
exteriorizada, objetivada. (Feuerbach, 2007, p.228)

11
A miséria religiosa constitui ao mesmo tempo a expressão da miséria real e o protesto contra a miséria
real. A religião é o suspiro da criatura oprimida, o ânimo de um mundo sem coração, assim como o espírito
de estados de coisas embrutecidos. Ela é o ópio do povo. (Marx, 2010, p.134)
pessoas, incluindo a religião, a moral, a política e a educação só podem ser
explicados a partir de uma matriz material e social que é exatamente a forma
como os bens são produzidos em uma determinada sociedade e em um
determinado período da história, em outras palavras, são as forças de produção
e as relações de produção a causa última do divino.
Sendo assim, para entendermos a sociedade e a invocação de deus e
seus desígnios nesta sociedade precisamos partir de uma análise que vá além
da religião ou da teologia, vá além de “seus” discursos, além de “sua” doutrina
ou de “sua” teoria a respeito de deus.
Para Marx, somente olhando-se no subterrâneo, ao que chama de
“infraestrutura” é que poderemos entender a maneira pela qual o homem a partir
da produção de bens materiais molda o seu comportamento em sociedade.
Sendo a sociedade uma sociedade capitalista e, portanto, uma sociedade
dívida em classes, existe uma divisão entre proprietários dos meios de produção
e não proprietários dos meios de produção. Neste sentido, a compreensão de
todos os fenômenos sociais como direito, como a moral ou como a educação,
depende do entendimento de como os bens materiais são produzidos, ou seja,
da relação entre proprietários e não proprietários dos meios de produção,
burgueses e proletários.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para os burgueses o objetivo último em um sistema capitalista é aumentar


o seu lucro através da máxima extração da mais-valia, todas mediações
desenvolvidas pelo capitalismo foram formas de aperfeiçoamento da extração
da mais-valia12. Já os proletários buscam aumentar a renda da venda da força
de trabalho e a diminuição da jornada. Burgueses e proletário se relacionam
conflituosamente, tem apetites excludentes, e assim burgueses e proletários se
enfrentam em uma luta de classes e como explicaremos a seguir deus é o
resultado desta luta de classes, deus é uma consequência entre outras da luta
de classes, deus é um deus burguês e à religião é o ópio do proletariado, uma
espécie de anestésico que convenientemente para a burguesia age provocando
a dormência e a docilidade, a alienação dos proletários frente a todas as mazelas
a que é exposto.
O burguês explora o trabalho do proletário, detém as condições materiais
de venda da força de trabalho, ao proletário só resta sucumbir às condições
impostas pelo burguês ou tentar recobrar alguma dignidade através a resistência
de classe. Organizando-se, sindicalizando-se, conscientizando-se, educando-
se, politizando-se a fim de subverter o sistema burguês e a dominação, portanto
a luta de classe é uma dominação de classe.
Para se contrapor a possibilidade de subversão, o burguês desenvolve
mecanismos de defesa, mecanismos que defendam sua maneira de interpretar
a vida e o mundo das coisas, lança mão de uma série de subterfúgios a fim de
evitar a organização de classe dos proletários e evitar a alteração do status quo.
Estes mecanismos como vimos no decorrer deste artigo ocupam-se da coerção

12
O desenvolvimento da força produtiva do trabalho no interior da produção capitalista visa encurtar a
parte da jornada de trabalho que o trabalhador tem de trabalhar para si mesmo precisamente para
prolongar a parte da jornada de trabalho durante a qual ele pode trabalhar gratuitamente para o capitalista.
Em que medida esse resultado também pode ser obtido sem o barateamento das mercadorias será
mostrado nos métodos particulares de produção do mais-valor (Marx, 2013, p.492)
e o consenso. A coerção através da utilização da força, violência física,
econômica e moral, através de instrumentos de coerção como a polícia e a
justiça, algo fácil de perceber se prestarmos atenção quem a polícia prende,
espanca e persegue, logo veremos que a polícia é uma polícia de classe, uma
polícia burguesa, age em favor de uma classe e em detrimento de outra, quanto
à justiça vale a mesma máxima, basta uma rápida olhada para os presídios e
veremos que a justiça é uma justiça burguesa.
Mas não a força a chave de uma dominação eficaz. O consenso é a
ferramenta mais valiosa de um sistema de dominação, a burguesia controla o
proletariado não porque detém a polícia, a justiça, o governo, o exército, etc, até
porque o uso reiterado da força e da violência acaba por gerar a revolta instintiva
do dominado, não são pela força ou a violência que se propaga a submissão, a
docilidade e a ordem a todo o sistema produtivo.
Para cada confronto emergido dos proletários tem-se décadas de
submissão sem revolta, e isto é um claro sinal de que o proletário muito
largamente se incorpora ao sistema pacificamente, proletários e burgueses
alinham-se ideologicamente, concordam com uma certa ideia de como o mundo
deveria funcionar, uma certa lógica de como a sociedade deve acontecer, sobre
o que é certo e o que é errado, sobre o direito sagrado da propriedade privada e
muitas outras coisas do mundo da vida, o proletário acredita que a maneira
burguesa de ver o mundo é a mais correta. E naturalmente, a dominação
ideológica é a única explicação plausível para explicar tanta concordância diante
de tamanhas discrepâncias materiais explicitas e abissais na sociedade.
Há muito pouco em que discordam burgueses e proletários, pois ambos
participam de uma mesma matriz ideológica de definição do que é certo e do que
é errado e por isso, os poucos e pequenos pontos de discordância jamais põem
em risco a sociedade em questão. Deus regula o certo e o errado, a escola
reforça o bem e o mal, o bom e o ruim, o belo e o feio, o adequado e o
inadequado, e na falha destes, a Lei, a força, a violência.
Ante a este pensamento de que Estado, escola e religião participam de
uma mesma base de formação do trabalhador dócil e servil e que a fé é constante
e rotineiramente uma necessidade educativa pautada pelos dominadores, é que
acreditamos que deus vem a contribuir e muito para que as pessoas suportem a
vida que lhes toca, para que as pessoas não se insurjam contra as discrepâncias
materiais evidentes, para que milhares de miseráveis não se rebelem contra uns
poucos privilegiados, deus contribuir muito para garantir que é mais fácil passar
um camelo pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus13,
a promessa de um paraíso vindouro vem contribuir muito para que não haja
maiores exigências sobre uma repartição mais equivalente dos bens materiais
sobre a terra, portanto deus é junto com o seu culto e às suas instituições, o ópio
do povo, o anestésico, que impede a reivindicação do que obviamente seria
reivindicável isto é menos privilégios e mais igualdade.
Assim, a ideia ou o pensamento hegemônico de uma sociedade é
reforçado reiteradamente pelos mecanismos de coerção e consenso disponíveis
à classe dominante e o movimento escola sem partido através de todas as suas
exposições, seu discurso e suas intenções vem atuar frente a disputa pela
hegemonia na educação valendo-se da coerção através de seu projeto de Lei
com vistas a coibir a atuação docente em sentido emancipatório e ao abarcar

13
Bíblia. Mateus Capítulo 19 – Versículo 24
em si a representação divina do cidadão de bem, do homem branco, hetero,
honrado, pai de família que preocupado com os rumos da sociedade, o futuro
das crianças lança nos preceitos religiosos aquilo que deve ser tomado por todos
como correto valendo da fé, de deus e de suas instituições como mecanismo
validador de seu discurso e como tática na luta pelo consenso.
O caráter retrogrado e conservador do movimento escola sem partido fica
evidente no ódio ao comunismo, às religiões de origem africana e às questões
de gênero e sexualidade segundo a qual só existe homem e mulher através de
uma leitura evangélica, dogmática e conservadora da bíblia aplicada a
educação.

"tudo ou nada, acreditar em tudo ou desacreditar tudo [...] se o sino se


romper em algum lugar, também não soa mais e para nada serve". Oh!
Quanta verdade! Como os sons dos sinos da fé atual ofendem a
sensibilidade musical! E, de fato, quão rachado está também o sino! 14

REFERÊNCIAS

BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. Cidadania e democracia. Disponível


em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
64451994000200002#nt03 Acesso em 08 jul 2019

BIBLIA. Português. Disponível em https://www.bibliaonline.com.br/acf Acesso


em 16 jul 2019.

CHAUÍ, Marilena. Conformismo e resistência: aspectos da cultura popular


no Brasil. Editora Brasiliense. São Paulo. 1986.

FEUERBACH, Ludwing. A essência do cristianismo. Editora Vozes.


Petrópolis/RJ. 2007.

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