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Saúde Mental e o Novo Paradigma 711

Terra MG et al

SAÚDE MENTAL:
DO VELHO AO NOVO PARADIGMA - UMA REFLEXÃO

Mental Health:
From the Old to the New Paradigm - A Reflection

Salud Mental:
Del Viejo al Nuevo Paradigma - Una Reflexión

Marlene Gomes Terra Dorotéa Loes Ribas


Fernanda Sarturi Alacoque Lorenzini Erdmann

Resumo

O texto desenvolve idéias desencadeadas a partir de reflexões teóricas e das vivências das autoras diante da compreensão
histórica da psiquiatria e alguns pontos chave da desinstitucionalização com o objetivo de vislumbrar possibilidades de
um novo paradigma onde o ser humano possa ser visto como um cidadão em sofrimento e não mais como uma doença.
Em decorrência das mudanças da área da psiquiatria, a enfermagem buscou inserir-se de maneira a oferecer uma
assistência mais humanizada fundamentada nos princípios da Reforma Psiquiátrica. É necessário pensarmos as nossas
práticas a partir de uma perspectiva humana, sensível, reflexiva, crítica, criativa reconhecendo a especificidade e a
objetividade de cada ser humano com que interagimos. Portanto, a enfermagem necessita repensar os seus saberes e as
suas práticas reavaliando sua atitude, postura, trabalho em grupo e ética.

Pala vr
alavr as-c
vras-c ha
havve: Enfermagem Psiquiátrica. Saúde Mental. Desinstitucionalização.
as-cha

Abstract Resumen

The text develops unchained ideas from theoretical reflections El texto desenrolla ideas desencadenadas según
and the authors’ experiences before the historical reflexiones teóricas y de las experiencias de las autoras
comprehension of the psychiatry and some delante de la comprensión histórica de la psiquiatría y
desinstitucionalization key points with the objective of to algunos puntos llaves de la desinstitucionalización, con
glimpse possibilities of a new paradigm where the human objetivo de vislumbrar posibilidades de un nuevo
being can be seeing as a citizen in suffering and no more as paradigma donde el ser humano pueda ser visto como un
a person with a disease. Due to the changes in the area of ciudadano en sufrimiento y no más como una enfermedad.
psychiatry, the nursing searched a place in a way to offer a Según los cambios del área de psiquiatría, la enfermería
more humanized attendance based on the principles of the buscó añadirse de manera a ofrecer una ayuda más
Psychiatry Reform. It is necessary to think about our practices humanizada basada en los principios de la Reforma
under a human, sensitive, reflexive, critic and creative Psiquiátrica. Es necesario que repensemos nuestra
perspective recognizing the specificity and the objectivity of práctica según la perspectiva humana, sensible, reflexiva,
each human being which we interact with. Therefore, the nursing crítica y creativa reconociendo la espeficidad y la
needs to rethink its knowledge and its practices revaluing its objetividad de cada ser humano con el cual
attitude, posture, work in group and ethics. interaccionamos. Por lo tanto, la enfermería necesita
repensar sus saberes y sus prácticas revaluando su
actitud, postura, trabajo en equipo y con ética.

Keywords: Palabras clave:


Psychiatric Nursing. Mental Health. Desinstitutionalization. Enfermería Psiquiátria. Salud Mental. Desinstitucionalización

Esc Anna
Esc Anna Nery R Enferm 2006Nery
dez;R10
Enferm 2006
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CONSIDERAÇÕES INICIAIS como uma verdadeira máquina constituída de partes


separadas e que funcionava mecanicamente. Essa visão
Hoje, refletindo sobre os pacientes que realizam levou-nos a aceitar o nosso corpo dissociado da mente,
acompanhamento nos diferentes serviços de saúde permitindo desta forma que muitos equívocos ocorressem.
mental, nos deparamos ainda com inúmeros percalços Sob esse prisma reducionista herdado do paradigma
a serem trabalhados e vencidos. A evolução histórica cartesiano-newtoniano, a prática assistencial da saúde
da psiquiatria e da sociedade possibilita percebermos foi influenciada em inúmeros aspectos, entre eles o
a pessoa em sofrimento psíquico em diferentes estabelecimento do diagnóstico pautado na
contextos sociais e familiares dentro da assistência classificação, no tratamento das doenças mentais com
integral a este ser, mesmo que amparados pela base na medicação e na hospitalização. Na ótica desse
Reforma Psiquiátrica Brasileira. modelo, prevalece o fenômeno do adoecimento mental,
A reflexão sobre a psiquiatria leva-nos a pensar que focaliza os sintomas, conflitos, problemas na
que esta é uma área na qual algumas pessoas comunicação e nas relações interpessoais. Esse
compor tam-se de um jeito bizarro e, às vezes nos contexto favoreceu o alicerce conceitual da ciência
assustam pela maneira como falam coisas desconexas biomédica, ou seja, centrado na doença e desviado do
e incoerentes. Podem ser incapazes de usar ser humano na sua totalidade. A insuficiência das
discernimento ou serem perseguidas por suas vozes. necessidades postas à psiquiatria, à proporção que
Conviver com pessoas que apresentam este dispõe a solucioná-las dentro desse modelo(1). Ainda,
compor tamento não é fácil, principalmente quando este paradigma está pautado na separabilidade ou na
manifestam atitudes agressivas e delirantes. disjunção que se fundou excluindo o sujeito do
A doença mental por longo tempo foi caracterizada conhecimento onde tudo é determinismo, não há
como uma falha que a pessoa apresentava em seu sujeito, não há consciência e não há autonomia(2).
compor tamento diante da sociedade, estando assim Na legislação atual, Lei nº 10.216, constatamos
fora das expectativas esperadas para o convívio social. expressivo avanço, legal, entretanto o mesmo não se
Inicialmente, pensava-se que as doenças mentais eram alcança na prática de muitos serviços de atenção à
causadas por maus espíritos, magias ou por doenças saúde da população, uma vez que a assistência aos
físicas responsáveis por alterações na mente, doentes mentais, no País, ainda é centrada no modelo
obser vadas exclusivamente como fenômenos hospitalocêntrico (3). Lembramos também que os
psicológicos e tendo suas causas desconhecidas. profissionais de saúde trabalham de maneira
Várias técnicas foram utilizadas com o intuito de dicotômica, ou seja, mesmo com a legislação vigente e
curar o mal dos doentes, porém, as causas desses os progressos terapêuticos realizam uma assistência
distúrbios não eram evidentes. Então, a fim de rígida e focada no transtorno mental, esquecendo a
esclarecer esses compor tamentos, o ser humano integridade e o contexto no qual o paciente está inserido.
necessitou de uma ciência capaz de investigar o Imbuídos por hábitos construídos em tempos nos quais
universo da mente. Essa investigação iniciou-se com o a melhora do paciente em sofrimento psíquico estava
objetivo de explicar que as doenças tinham influências na negação da sua autonomia encontram dificuldades
malignas e, por tanto, eram tratadas pela feitiçaria, em dialogar com outros saberes, não percebendo a
filósofos, magia ou pela religiosidade. Com o passar multidimensionalidade do ser humano no seu meio
do tempo, outros se dedicaram a estudar esse ambiente e na sua inserção familiar.
fenômeno como médicos, ar tistas, sacerdotes, Assim, este estudo é uma reflexão teórica aliada
cientistas e mais tarde os especialistas em psiquiatria. às nossas vivências como enfermeiras/docentes em
Embora considerada par te da Medicina e da saúde mental. Convivendo com pessoas em sofrimento
Enfer magem, a psiquiatria era mantida de lado, psíquico verificamos o sucateamento que persevera
deixando muitos doentes ao cuidado asilar, o qual na psiquiatria em algumas instituições, mesmo que a
estava fundamentado em princípios de vigilância e política de saúde mental existente no Brasil busque a
punição, e utilizava práticas terapêuticas como o descentralização, a desinstitucionalização e a
eletrochoque e a contenção física. A psiquiatria não ressocialização desse indivíduo.
visava à cura, mas manter os pacientes reclusos em Precisamos repensar a insuficiência de uma
manicômios isolados do mundo e de seu cotidiano. assistência fragmentada que persiste em não ver o
No decorrer da história, grandes estudiosos deram ser humano na sua integralidade da condição humana,
suas contribuições à psiquiatria, porém, à medida que seja na saúde ou na doença. Nesse sentido, faz-se um
a ciência progredia, o corpo humano foi se revelando aler ta sobre a impor tância de vê-lo em sua

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complexidade, pois o ser é ao mesmo tempo biológico todos aqueles que entram na instituição. (...) é
e cultural e traz em si caracteres antagonistas de sábio construído um conjunto de formas de lidar, olhar, sentir
e louco, trabalhador e lúdico, econômico e consumista, o doente, a partir daquilo que se supõe ser louco e sua
mas que inclusive também se dedica a danças, mitos, loucura”(6:79). Esse autor enfatiza em seus estudos que
magias, crê nas virtudes, nutre-se dos conhecimentos a instituição nega a subjetividade e a identidade do ser
comprovados, mas também de ilusões(4). humano. O profissional não vê a pessoa doente, mas a
Nessa per spectiva, objetivamos vislumbrar doença e hábitos adquiridos. Somando-se a isto, esse
possibilidades de um novo paradigma onde o ser modelo é “(...) centrado no problema-solução, doença-
humano possa ser visto como um cidadão em cura é desconstruída no sentido de uma reinvenção da
sofrimento psíquico e não mais como uma doença. saúde, da existência sofrimento dos pacientes buscando
Respaldados pela compreensão histórica da psiquiatria, a produção de vida”(7:21).
realizaremos algumas reflexões sobre os modelos No Brasil, no final da década de 70, esse modelo de
tradicionais de assistência, ainda tão hegemônicos no assistência à saúde mental fundamentado na exclusão
país, bem como o fazer do enfermeiro, de maneira do ser humano do convívio social já apresentava sinais
que possamos construir novas práticas na assistência de esgotamento. Nesse sentido, faz-se necessário
ao indivíduo com transtorno mental. lembrarmos que os seres humanos são seres sociais
DO VELHO AO NOVO e vivem o ser cotidiano em contínuas experiências
PARADIGMA DA PSIQUIATRIA individuais intransferíveis com o ser de outros. O que nos
faz seres humanos é a maneira particular de vivermos
Até a década de 70 do século passado, o sofredor juntos e sermos indivíduos, pessoas, somente enquanto
psíquico foi rotulado como louco, agressivo e incapaz somos seres sociais na linguagem. Para esse autor, o
de conviver em sociedade. Em conseqüência disso, amor é fundamental porque nos permite escapar da
quando necessitava de cuidados, era encaminhado à alienação anti-social criada por nós através das nossas
internação hospitalar. Isso acontecia porque o modelo racionalizações. Recorda que é por meio da razão que
vigente de tratamento nesse período era realizado justificamos a tirania ou o abuso sobre outros seres
exclusivamente no hospital, sem a par ticipação da humanos. Vivemos na existência social, e sem o amor
família e da sociedade que não estavam inseridas no não ocorre socialização. Então, o fenômeno social humano
tratamento e na manutenção da saúde mental. está na aceitação e no respeito pelo outro(8).
Os familiares, por descaso ou falta de suporte profissional Imbuídos da necessidade de mudança, os
e social, abandonavam seus entes na instituição. Com o trabalhadores de saúde mental e de outros segmentos
passar do tempo, houve uma superlotação em vários indignaram-se e divulgaram as péssimas condições às
hospitais psiquiátricos, levando os pacientes a dormirem quais eram submetidos os pacientes nos hospitais
onde encontrassem um lugar para deitar, sendo muitas
psiquiátricos e solicitaram reformas urgentes no modelo
vezes em condições inadequadas, precárias.
assistencial. Mas foi em 1978 que se deu início a um
Esse fato pode ser comprovado em um estudo relatado
movimento onde se buscava articular ações contra esse
na Revista Brasileira de Enfermagem, em 2003, onde as
autoras descrevem a história vivenciada pelos pacientes modelo de assistência ficando conhecido como
em uma instituição psiquiátrica de saúde no Estado de Movimento de Trabalhadores em Saúde Mental. A partir
Santa Catarina, entre as décadas de 40 e 60. Relatam que dessa época, iniciaram-se algumas propostas de
os pacientes dormiam em enfermarias com mais de cem alterações no sistema asilar de assistência em saúde
leitos e, na falta dos mesmos, dormiam dois pacientes no mental buscando locais alternativos de tratamento.
mesmo leito. Também era comum encontrá-los dormindo Em decorrência das transformações na área da
no chão, o qual era denominado leito chão(5). As autoras psiquiatria, a enfermagem buscou inserir-se de maneira
assinalam que, no período em que realizaram este estudo, a oferecer um cuidado mais humanizado fundamentado
foi possível perceber a forma de tratamento dispensada nos princípios da Reforma Psiquiátrica, com base nos
aos pacientes nessa instituição, bem como as condições pressupostos da Reforma Sanitária e da Psiquiatria
de trabalho oferecidas aos funcionários que estavam aquém Democrática Italiana. Essa reforma iniciou a partir da
do ideal, pois perpetravam a política nacional assinalada seguinte pergunta: o que fazer com esses doentes
pelo Governo Federal. Essa instituição, como muitas mentais que passaram a vida dentro do hospital(9}?
existentes no Brasil, mais asilava os pacientes e os excluía Partindo desta questão, a Reforma Psiquiátrica é um
da sociedade do que os cuidava. movimento que vem acontecendo a par tir das
Nesse âmbito, “a institucionalização da doença transformações sociais e políticas no campo da
mental produz a homogeneidade, objetiva e serializa psiquiatria desde 1980, principalmente na Itália, nos

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Estados Unidos e no Brasil. Esse movimento recebeu isso acontecesse eram necessárias profundas mudanças
tal denominação por desencadear intensas na equipe que atendia nos serviços de saúde mental.
transformações no contexto social, político, cultural e Esses profissionais, preocupados com a qualidade da
jurídico. Também porque busca a desinstitucionalização assistência ao paciente, começaram a modificar as suas
ou a desconstr ução gradativa dos manicômios concepções no que tange ao respeito e ao direito destes
(instituições fechadas) e, portanto, a construção de pacientes de viverem em sociedade.
novas alternativas de atenção à saúde mental pautada A desinstitucionalização já começava a apontar para
na lógica da cidadania. a desconstr ução do manicômio por meio de
No Brasil, os trabalhadores de saúde mental, questionamentos do saber médico e da exclusão da
sentindo a necessidade de discutir esse modelo psiquiatria, buscando alternativas no saber-fazer em saúde
excludente, organizaram-se e realizaram sucessivas mental. A ação consistia numa desospitalização com
Conferências de Saúde Mental em nível nacional, fechamento gradativo dos hospitais psiquiátricos e a
estadual, municipal e distrital, tendo como objetivo a construção de serviços alternativos nos municípios e regiões.
inserção da Saúde Mental nas ações gerais de saúde. Entretanto, foi somente após dez anos que a Lei nº
É impor tante salientar que nessas conferências o 10.216 proposta pelo Deputado Paulo Delgado foi
processo de municipalização, a criação dos conselhos sancionada pelo Presidente da República em 06 de
de saúde e os dispositivos legais previstos para a abril de 2001. Essa lei dispõe sobre a proteção e os
efetivação do Sistema Único de Saúde (SUS) foram direitos dos portadores de doença mental, redireciona
considerados como mecanismos na extinção do modelo o modelo assistencial em saúde mental não centrado
asilar dos hospitais psiquiátricos. no hospital psiquiátrico e também não permite a
Em 1987, os profissionais de saúde mental construção de novos hospitais. Para tanto, propunha
reuniram-se para realizar a I Conferência de Saúde a extinção progressiva dos manicômios e sua
Mental. Ainda não satisfeitos lançam nesse mesmo ano substituição por instituições aber tas, tais como:
o tema Por uma sociedade sem manicômios no II Unidades de Saúde Mental em Hospital Geral,
Encontro Nacional de Trabalhadores em Saúde Mental. Emergência Psiquiátrica em Pronto-Socorro Geral,
Para muitos profissionais de saúde, gestores e Unidade de Atenção Intensiva em Saúde Mental em
familiares desistir de pensar que as doenças mentais regime de Hospital-Dia, Centro de Atenção Psicossocial
eram causadas somente por fatores naturais e excluir (CAPS), Núcleos de Atenção Psicossociais (NAPS) que
os fatores sociais foi a maior dificuldade encontrada. funcionariam por vinte e quatro horas, pensões
A II Conferência de Saúde Mental, em 1992, foi protegidas, lares abrigados, centros de convivência,
construída pela mobilização de distintos atores sociais. cooperativas de trabalho e outros ser viços que
Os trabalhadores da área da saúde mental convencidos preservem a integridade do cidadão. Ainda, identificamos
pela Luta Antimanicomial e articulados com a sociedade nessa lei alguns benefícios em relação aos diferentes
cívil e outros segmentos em nível nacional sentiram a tipos de internação: a voluntária, quando é solicitada
necessidade de leis voltadas para as questões sociais pelo paciente: a compulsória, quando é determinada
de maneira a proporcionar um ambiente adequado pelo poder judiciário; a involuntária, quando necessita
para organizarem a reforma do sistema psiquiátrico. de um posicionamento por parte dos profissionais de
Eles buscavam uma assistência nor teada pelos saúde contrário ao desejo do paciente(3).
princípios da universalização, integralidade, eqüidade Dessa for ma, os objetivos desses ser viços
e da descentralização. alternativos contrapõem-se ao modelo assistencial até
Nessa Conferência, foi resgatada a proposta do então hegemônico, propondo-se a mudanças efetivas
projeto do Deputado Paulo Delgado, de 1989, que já tanto no que se refere à organização de serviços quanto
sinalizava a substituição progressiva do modelo à assistência promovida em saúde mental. Desse modo,
hospitalocêntrico por ser viços descentralizados, a ênfase está no sujeito e nas atividades coletivas
hierarquizados e diversificados nas práticas terapêuticas. priorizando grupos e oficinas terapêuticas onde as
Esse modelo preconiza a diminuição de internações e relações passam a ser individualizadas respeitando a
reinserção dessas pessoas à família e comunidade. história de cada um. As atividades terapêuticas
A partir destas conferências, vislumbram-se outras constituem-se em fator de aglutinação das relações
modalidades terapêuticas de trabalhar com o doente interpessoais, pois minoram a sintomatologia clínica
mental. O novo modelo, ou seja, a desinstitucionalização, do paciente. Todavia, esses serviços precisam ter
deve estar sustentado nos princípios de inclusão, condições necessárias para o funcionamento, como
solidariedade, cidadania e da ética. Contudo, para que espaço, recursos materiais e humanos, bem como

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liberdade de expressão, respeitando as condições e ela que eles se opõem, mas a uma situação imposta
escolhas do paciente(10). por lei ou pela própria instituição. Percebemos que seus
No entanto, as internações psiquiátricas continuam, processos naturais de mudança diferem das
apesar dos incentivos à desospitalização e dos benefícios modificações ordenadas por leis ou reformas. Por isso,
no pagamento de procedimentos extra-hospitalares cremos que como enfermeiros/docentes possamos
pelo SUS. Por tanto, é desnecessária uma análise auxiliar a Enfermagem na medida em que
minuciosa para presumir que esse modelo ainda é compreendemos seus processos intrínsecos de mudança
encontrado em alguns municípios, mesmo naqueles em espaços que reflitam a diversidade e a criatividade
onde já existem esses serviços alternativos. Com este em grupos de apoio e de estudos, para que juntos
enfoque, têm-se buscado criar e estruturar os diferentes possamos avançar na qualidade dos serviços, seja ao
tipos de serviços que podem ser oferecidos ao sofredor grupo de profissionais, seja ao paciente e sua família.
mental, bem como formar e reorientar uma prática Mesmo reconhecendo que o profissional da
assistencial direcionada para a reinserção social. enfer magem necessita do conhecimento técnico
Assim, compreendemos que o ser humano é um ser cognitivo-instrumental tão importante para desenvolver
ativo e reflexivo. A reflexão e a ação são duas dimensões sua prática, compreendemos que isto não é tudo. A
fundamentais da humanidade concreta. Através do pensar/ enfermagem precisa repensar os seus saberes e suas
refletir as idéias vão sendo elaboradas e reelaboradas num práticas. Devemos reavaliar nossa atitude, postura,
emergir de múltiplos entendimentos(11). ética, trabalho em grupo e valores. Por tanto, é
indispensável avaliarmos as nossas práticas a partir
ROMPENDO O SILÊNCIO E RECONSTRUINDO
de uma perspectiva humana, sensível, reflexiva, crítica,
SABERES EM ENFERMAGEM
criativa reconhecendo a especificidade e a objetividade
Na nossa trajetória profissional acompanhamos a de cada ser humano com quem interagimos. Nesse
evolução, de forma gradativa, da assistência em saúde sentido, a assistência de enfermagem está atrelada
mental prestada em diversas instituições de saúde. ao conceito de doença à visão que se tem do homem
Reconhecemos hoje como aspectos positivos (sadio ou não) na sociedade (12:19).
prestados ao cuidado as atividades sociorecreativas e Para tanto, essa mudança requer dos profissionais
culturais realizadas diariamente com os pacientes. Elas de saúde uma visão que consiga fazer a relação entre a
auxiliam na redução do preconceito existente acerca parte e o todo e do todo à parte. Porém não é uma
dessas pessoas e reforçam a idéia de que podem tarefa fácil e também não é individual, pois necessita do
realizar diferentes atividades de acordo com as suas intercâmbio entre todas as áreas que se encontram
capacidades individuais. Destarte, com essa maneira desagregadas para que se possa aprender
de agir, produz-se a consciência da possibilidade do concomitantemente a reunir o parcial ao global, o um
retorno ao convívio social e familiar. ao múltiplo, a ordem à desordem, o observador ao
Todavia, ainda notamos que a Enfer magem observado. Portanto, esta é uma atitude que se opõe ao
continua realizando uma assistência fragmentada, reducionismo e determinismo, mas associa as ações
apresentando dificuldades em desenvolver atividades isoladas e compar timentadas trazendo um novo
com os pacientes que não sejam aquelas realizadas paradigma, o qual está pautado na ética da
dentro dos serviços psiquiátricos e de preferência que solidariedade, ou seja, numa ética que reúne o que está
não tomem muito tempo. Por vezes, o profissional de separado denominada complexidade(13).
enfermagem esquece que a estabilidade emocional Como profissionais de enfermagem da área de saúde
do paciente será construída com a contribuição de mental, percebemos ser ainda insuficiente as modificações
todo o grupo multiprofissional e da família. ocorridas até o momento no Brasil. É necessário vislumbrar
Cabe ressaltar que a nossa experiência profissional uma assistência que conceba o ser humano como um
cotidianamente no ensino e na assistência evidencia todo integrado e não como partes dissociadas, pois o
que muitos dos profissionais de enfer magem modelo biomédico desconsidera os elementos físicos,
percebem a melhora dos pacientes, porém relutam psicológicos, sociais, culturais, ambientais, entre outros.
em integrar-se a esse novo paradigma do cuidado. Isto se coaduna, pelo menos com as idéias de que no
Um dos fatores determinantes desta situação está na âmbito do conhecimento, a mudança de um estado do
rotina dos trabalhadores de enfermagem em conviver saber a outro acontece com a incorporação de novos
quase que diariamente nos serviços de saúde mental saberes, contemplando ou refutando os anteriores(...)(14:45).
e estarem expostos a diversos estressores. Os Corroborando essa idéia, denotamos que a saúde
trabalhadores resistem à mudança, todavia não é a mental deve reunir os elementos desejados de bem-

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estar das pessoas e das ações imprescindíveis que CONSIDERAÇÕES FINAIS


possam gerar essa condição. Nesse sentido, a
compreensão sobre a saúde mental passa a ser A nossa vivência como enfermeiras/docentes
complexa à medida que contempla as dimensões reporta-nos ainda a uma realidade hospitalocêntrica,
psicológicas, sociais e psicossociais que determinam apesar dos inúmeros progressos com a Reforma
o processo saúde-doença(15). Psiquiátrica. Esta realidade propicia percebermos a
Sob essa perspectiva, a saúde na visão dos importância do enfermeiro voltado pra a compreensão
profissionais descentraliza-se da doença do indivíduo das pessoas dentro do seu contexto social e familiar,
e faz-se um resgate de aspectos positivos, isto é, a assistindo-a na sua multidimensionalidade.
atenção deixa de ser a doença e passa a ser o da O profissional precisa rever a maneira de lidar com
reconstrução da vida. Com esse entendimento, o novo os seres em sofrimento psíquico. Destacamos que se
paradigma necessita de profissionais que dialoguem faz preciso um comprometimento constante dos
com outros atores, que sejam abertos a um novo saber trabalhadores de saúde mental em relação à
e a uma nova abordagem no tratamento, valorizem o desinstitucionalização, um cuidado centrado no ser
ser humano resgatando a sua história e sua vida
humano que tem direito de ser assistido sem exclusão
cotidiana. Além disso, é imprescindível saber
e a importância da consolidação da nossa prática em
interpretar as diferentes linguagens que o corpo utiliza
serviços alternativos para que efetivemos os princípios
ao exteriorizar seus sentimentos.
da universalização, integralidade, eqüidade e a
O enfermeiro é desafiado constantemente quando se
descentralização. Portanto, exige-se dos profissionais
posiciona diante da necessidade de rever conceitos,
de enfermagem novas formas de assistir as pessoas
métodos e maneiras de lidar com o paciente com
transtorno mental além da instituição manicomial. O em sofrimento psíquico.
abandono de certezas, verdades e conceitos para a O louco tem carregado o estigma da periculosidade
solução dos problemas dá lugar à compreensão dos e da exclusão durante todos esses anos e como
mesmos e conseqüentemente se evita a redução e a conseqüência obteve o isolamento e daí o asilamento.
simplificação. Isso requer dos enfermeiros, além do O resultado dessa maneira de lidar com a loucura foi
conhecimento, a sensibilidade, criatividade e reflexão. Para por muitos anos a reprodução de sujeitos para os quais
tanto, (re)pensar a saúde mental urge compreendermos foi negado o direito de serem cuidados como cidadãos.
os princípios da complexidade, pois eles permitem o Assim, o novo paradigma implica abandonar os
exercício da reflexão fundada na causalidade, princípios de separabilidade, ordem e lógica, porém
contradição, ordem/desordem, cer tezas/incer tezas, unir as partes à totalidade, ou seja, integrá-lo(²).
ambigüidade, interdisciplinaridade, autonomia, parte/ Precisamos de um pensamento que trate com a
todo, singular/geral, responsabilidade, solidariedade, incer teza, que seja apto a reunir, contextualizar,
liberdade, emoções, sensibilidade, cidadania, qualidade globalizar, mas também saiba reconhecer o singular,
de vida, entre outros. Por conseguinte, esse o individual e o concreto. Portanto, o pensamento que
entendimento possibilita ao enfermeiro ampliar afronta a incerteza pode esclarecer a ética da reunião,
conhecimentos sem que haja reducionismo. da solidariedade e da compreensão humana.

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Enfermeira, Especialista em Administração dos Serviços de Saúde,
à cidadania possível. Belo Horizonte(MG): Te Cora; 1999.
Professora Substituta do Departamento de Enfermagem e Membro
do Grupo de Estudos e de Pesquisas em Gestão em Enfermagem e
Saúde da Universidade Federal de Santa Maria – UFSM/RS. E-mail:
Sobre as Autoras fernandasarturi@yahoo.com.br

Mar lene Gomes Ter r a Alacoque Lorenzini Erdmann


Enfermeira, Mestre em Educação, Professora Assistente da Professora Titular do Departamento de Enfermagem da Universidade
Universidade Federal de Santa Maria – UFSM, Santa Maria-RS. Membro Federal de Santa Catarina - UFSC, Docente do Programa de Pós-
do Grupo de Pesquisa Cuidado, Saúde e Enfermagem – UFSM. Graduação e do Departamento de Enfermagem, Doutora em Filosofia
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da da Enfermagem. Pesquisadora e Representante da Área de
Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, Florianópolis. Membro Enfermagem no CNPq. Coordenadora do Grupo de Estudos e
do Grupo de Estudos sobre Cuidado e Saúde de Pessoas Idosas - Pesquisas em Administração de Enfermagem e Saúde GEPADES –
GESPI. Bolsista CAPES/PQI. E-mail: martesm@terra.com.br. UFSC. E-mail: alacoque@newsite.com.br

Recebido em 27/03/2006
Reapresentado em 10/08/2006
Aprovado em 10/09/2006

Esc Anna Nery R Enferm 2006 dez; 10 (4): 711 - 7.

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