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Vitória, 2008
UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
MESTRADO EM EDUCAÇÃO
Vitória, 2008
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RESUMO
Este estudo objetivou revelar as possibilidades do trabalho colaborativo na escola
em um espaço-tempo de planejamento diferenciado. Assim, com o foco na ação
pedagógica, pretendeu favorecer os alunos com necessidades educacionais
especiais nas escolas de Educação Infantil. A questão central para o trabalho foi:
quais as possibilidades que tem o trabalho colaborativo na escola, utilizando-se de
instrumental da pesquisa-ação, de servir como caminho para o planejamento
coletivo das ações pedagógicas, sendo estas comprometidas de igual forma com o
fomento da autoria docente e o processo de inclusão dos alunos com necessidades
educacionais especiais? Para isto ele estava fundamentado em três conceitos-
noções: Educação Infantil que tenha o processo de inclusão escolar como uma ação
afirmativa de Direito da criança cidadã, buscando cuidar-educar a grande
diversidade humana; a emancipação docente por meio de um movimento de diálogo
reflexivo, a partir do investimento num ambiente de trabalho colaborativo; e, por
último, um trabalho com professores de Educação Infantil, sendo realizado no
coletivo, auxiliando a autoformação dos profissionais pela via da pesquisa-formação,
tendo em vista a permanência e a aprendizagem dos alunos. Como instrumento de
coleta de dados, utilizou-se da observação participante com os instrumentos: auto-
retrato dinâmico, documentos de referência do planejamento; áudio-gravação; diário
de campo e o roteiro de pesquisa-ação para tentar realizar a espiral reflexiva de
planejar, descrever, agir e avaliar (pesquisa-ensino-reflexão). Os depoimentos
coletados se transformaram em quatro movimentos representativos da trajetória da
pesquisa, sendo eles na ordem: medo, insegurança, resistência e vertigem; a ilha
“solidão”; refletir e dialogar; do exercício da fala reflexiva. Apresentando, a partir
desses movimentos, possibilidades de se criar outras práticas pedagógicas de
inclusão e, depois, na análise e discussão sobre os caminhos encontrados se
examinou os dados evidenciados nos encontros com um olhar apoiado basicamente
em Paulo Freire. Eles mostraram que, na escola, o espaço de planejamento deveria
ser este lugar/momento em que o povo de dentro e o de fora da escola se
encontrem para coletiva e colaborativamente se desafiarem à resposta em ação das
questões relativas ao processo de inclusão escolar.
ABSTRACT
This study aimed to reveal the possibilities of collaborative work in school on a
space-time planning differentiated. Thus, with the focus on pedagogical action,
intended to encourage students with special educational needs in schools in Child
Education. The central question for the study was: what are the possibilities that have
collaborative work in school, using tools of action research, to serve as way for
planning collective actions of teaching, being equally committed to fostering of
authorship and the teaching process of inclusion of pupils with special educational
needs? For this he was based on three concepts-concepts: Children's Education has
the process of school inclusion as an affirmative action law for the child's citizenship,
seeking care, educate the vast human diversity and the empowerment of teachers
through a movement of reflective dialogue from the investment in a collaborative
work environment, and finally, work with teachers of early childhood education, being
held in the collective, the self help of professionals through research and training in
order to stay and learning of students . As data collection instrument was used
participant observation with instruments: self-portrait, dynamic documents of
reference of the planning; audio-recording, a field diary and itinerary of action
research to try to achieve the reflective spiral of planning, describe, and evaluate
action (research, teaching and reflection). The evidence collected is transformed into
four movements representing the trajectory of research while they were in order: fear,
uncertainty, resistance and vertigo, the island "solitude", reflect and dialogue, the
pursuit of reflexive speech. Presenting from such movements, to create opportunities
for other teaching practices for inclusion, then the analysis and discussion of the
paths found are examined data highlighted in meetings with a look primarily
supported by Paulo Freire. They showed that in school, space planning should be the
place / time when the people from inside and outside the school are to collectively
and collaboratively is challenging the action in response to questions concerning the
process of school inclusion.
LISTA DE SIGLAS
EB – Educação Básica
EE – Educação Especial
EI – Educação Infantil
EF – Ensino Fundamental
SUMÁRIO
Ficha Catalográfica:
Dedico este trabalho para quem eu gosto. Aqueles que não vivem na indiferença.
Para aqueles aos quais me apeguei nesta trajetória de vida e ainda me ensinam a
viver:
Aos que me fizeram iniciar este caminho: a minha mãe, irmã e meus avôs maternos
(in memoriam). Aos meus amores, sendo eles aquela que escolheu viver comigo e
ao que não teve muita escolha, minha esposa Kátia e o meu filho Vítor.
Aqui neste primeiro capítulo faço uma espécie de profissão de fé 1 do meu ofício de
ser professor. Apoiado em Paulo Freire, posso dizer que é pela boniteza de ser
professor e pela manutenção disso em mim que desenvolvi este trabalho. Assim,
afirmo meu desejo de juntar-me àqueles profissionais que, depois de uma trajetória
de vida, resolvem devolver alguma coisa boa para pagar o tanto de bom recebido.
1
A profissão de fé não é um sacramento, mas um rito, um ofício que sinaliza visivelmente, pela
confissão pública da fé, a admissão de um novo membro da comunidade.
WWW.luteranos.com.br/profissao_de_fe.html
12
A partir dos primeiros anos de formado quis manter-me no trabalho com crianças
deficientes, mas a roda-viva me levou e não finquei raízes. Dez anos depois de
formado, depois de muitas escolas e já atuando no ensino superior, ancorei onde me
senti melhor: entre a formação de professores e o atendimento educacional às
pessoas com deficiência. Isto até 2002, quando migrei com minha família para o
Estado do Espírito Santo e a mudança me levou a conhecer outra realidade,
oportunizando um caminho que resgata e reconfigura os ideais do meu período
inicial de formação. Os ideais são diferentes, mas também eu não sou o mesmo e o
mundo mudou muito. Isto é a História.
de cada experiência (talvez, quem sabe, mais das ruins do que das boas) que tive e
serve para tentar interferir neste curso histórico de formação própria e daqueles
próximos a mim, daqui para frente. Confesso.
Como relatado por LOUVEN (2005), a própria história da educação escolar neste
município é nova e teve seu desenvolvimento lento. O início do processo de
escolarização registra a data de 1910. A oferta amplia-se em 1926, com aulas em
residências e dependências de igrejas, destinadas aos filhos de fazendeiros e de
descendentes dos imigrantes italianos. (ibidem). Mas, foi só em 1954 que primeira
escola, num prédio próprio, foi inaugurada. Em 1975, o município de Aracruz
inaugura a sua primeira escola municipal.
Durante todo aquele período (2005 e 2006), devido à dinâmica do trabalho dentro do
CREM e às mudanças já referidas, as minhas funções foram sendo ampliadas.
3
Para mim, naquele momento, se assemelhava a outro centro de referência em que havia
trabalhado: o Centro Integrado de Educação Especial Diogo Levenhargem, na cidade de Volta
Redonda, no Estado do Rio de Janeiro. Mas, posteriormente, compreendi que o funcionamento dos
dois estava em momentos históricos diferentes: no anterior buscava-se a integração e em Aracruz
perseguia-se o processo de inclusão.
15
Somada àquelas descritas nas quatro áreas, também coordenei duas equipes
multiprofissionais no atendimento às escolas e, como assinalado no item quatro,
passei a dividir com outros profissionais o trabalho de formação continuada do grupo
de professoras que trabalham nas turmas regulares das séries iniciais e de
professores de Educação Física do EF.
Para 2007, ano em se realizou esta pesquisa, o desafio posto para o setor de EE era
dar acompanhamento eficiente 4 às escolas. Percebeu-se logo que, para dar
respostas às questões sobre o processo de inclusão, o ideal seria constituir um
programa de trabalho organizado, com cronograma de encontros agendados nas
escolas entre os profissionais da equipe pedagógica e os profissionais de apoio e
suporte.
Dentro do possível foi feito. Mas como acontece em todas as escolas, o imprevisível
é fato comum fazendo com que esses espaços/tempos variassem muito e não
obedecessem a dias fixos para acontecerem, sendo confirmados de uma semana
para outra. Foi aproveitando estes encontros já marcados para dar assessoria às
5
escolas. E assim nasceu no pesquisador a idéia de oferecer o roteiro de pesquisa-
ação como ferramenta de orientação ao planejamento e acompanhamento do
trabalho com alunos NEE.
4
Eficiência pode ser medida pela relação positiva entre expectativas para o trabalho e resultados
alcançados.
5
Anexo n°.2
16
Ainda neste trabalho, pretende-se garantir algum tipo de retorno para a formação de
todos os profissionais envolvidos com o processo de inclusão escolar.
Principalmente para aqueles que não possuem na sua formação inicial um suporte
consistente para a docência com alunos NEE, mas estão envolvidos com essas
experiências, necessitando, portanto, de saberes bastante diferentes daqueles
conquistados no curso de magistério médio ou superior.
Este capítulo serve para expor um caminho possível para o processo de inclusão
escolar na EI preconizado por este trabalho, baseado num fazer diferente. Primeiro,
situa a exclusão/inclusão no contexto escolar como ação vivida de forma parecida
em outros níveis de ensino, guardando as devidas peculiaridades, e fazendo parte
de um processo macro-político de inclusão social. Depois, argumentar sobre este
processo na escola de EI, problematizando o lugar do aluno NEE nessas escolas, no
desenvolvimento desse processo de exclusão/inclusão. Ao final, destaca a
responsabilidade dos educadores neste processo, mas sem deixar de apontar no
texto algumas vias para superação tendo em vista a prática educativa dos
professores, como alertado por FREIRE:
Para não ficar neste lugar comum de que fala DUBET, da indignação estéril em
relação ao papel da escola no processo de exclusão/inclusão, deve-se vê-la também
20
A exclusão social abarca uma variedade muito grande de processos para ser
definida de maneira geral. JODELET (2002, p. 53) propõe um nível onde podemos
fazer uma abordagem comum: o nível das interações entre as pessoas e entre
grupos, que dela são agentes ou vítimas. Isso porque considera este processo
acontecendo nas relações interpessoais ou intergrupos, traduzindo-se em
segregação, marginalização, discriminação. Essa abordagem própria da psicologia
social contribui para que neste trabalho se veja a exclusão/inclusão como um
processo dialético socialmente construído.
A escola, por ser um local rico de possibilidades de interações, com certeza não está
fora deste contexto, tudo que se faz para e na escola não é neutro. Ela, como
22
Neste início de milênio, a escola vive a constante demanda por sua transformação
tanto na maneira de ensinar quanto na estrutura organizacional, uma vez que não
consegue mais dar conta de responder adequadamente a realidade. Porquanto,
neste momento em que ela está mais sensível, é necessário ter cautela com os
impulsos pela novidade.
Deve-se deixar claro que não parece ser possível isolar um elemento único para
6
representar o “novo” dentro de um sistema social complexo como a escola. Mas, é
realidade que as crianças NEE, enquanto elemento “novo”, provocaram mudanças
substanciais nas atividades educativas dentro da sala de aula, afetando diretamente
todo o conjunto de seus profissionais (da portaria à direção) e deles, da mesma
forma, emana o movimento provocador daquelas mudanças. São todos causa, efeito
e conseqüência (TESCAROLO, 2004).
Por conta desse movimento, percebe-se que a escola vem sendo impelida a se
organizar em torno das questões sobre o direito à cidadania, na direção de uma
reconstrução profunda dos seus ideais, provocando uma reformulação na maneira
de pensar e fazer os fins dessa instituição social. O problema que se configura a
partir daí: está na escola herdar do passado algumas demandas construídas durante
um longo processo histórico, sem hoje contar com nenhum manual pedagógico que
viesse junto para funcionar como bússola para guiá-la no caminho a seguir.
6
O adjetivo novo é escrito entre aspas porque o que parece ser realmente novo é a obrigação em
educá-los, pois na escola eles já estavam há muito tempo.
7
Sendo que na atualidade existe o agravo do embate entre as diversas tendências sobre o papel e o
tamanho do Estado no campo do atendimento às demandas sociais, isso frente ao paradigma
econômico dominante do neoliberalismo.
24
A educação escolar, de acordo com a época, teve razões válidas para mudar o seu
caminho e as suas crenças. Essas razões, que tinham fundamentação em instâncias
diferentes de fora dela, como a religião ou a ciência, levavam algum tempo,
recebiam algumas resistências, mas ao passar das gerações iam se estabelecendo
como uma diretriz culturalmente naturalizada para todo processo de educação
escolar (CARDELLI, DUHALDE e MAFFEI, 2003).
A escola que temos hoje, além de “filha da Modernidade”, nasce também dos ideais
republicanos liberais pós Revolução Francesa. Desde aquele momento vive-se das
contradições de um sistema de ensino que se pretende democrático e que prometeu
“benefícios sociais” a todos os ingressos, mas que dentro de si já trazia um processo
perverso de exclusão diluído pelos anos escolares, retendo esses alunos até
expulsá-los do processo de escolarização por um mecanismo para seleção de
sujeitos certificados, por meio de um movimento de promoção social, como se o fim
da escola fosse ela mesma.
Porém, a escola tem vivido um momento chave dentro do seu movimento contínuo
de mudança. Nesse contexto histórico que não se pode comparar com nenhum outro
anterior, devido às grandes diferenças que se encontram na sociedade atual, ela
está recebendo um forte “impulso” na sua inércia 8 aparente, representado pelo
processo de inclusão escolar dos alunos NEE, com ou sem deficiência, obrigando-a
a ver-se de repente pronta para ser democrática e verdadeiramente aberta para
todos.
O movimento que se percebe hoje fará com que a educação escolar caminhe numa
outra direção, nova e diferente de ser, que reconhece a diversidade na sua entrada,
mas persegue a realização da “mágica” da igualdade na sua saída. Sabe-se que é a
8
Não esquecer de que em movimento também se sofre com as leis da inércia.
25
9
Cabe o alerta de que a carga pessimista na análise social que está presente nestes textos não é
característica de uma classe específica de intelectuais: “A meu ver, o ambiente pessimista que
envolve as análises sociológicas não é simplesmente uma reação defensiva diante da perda do poder
por parte dos que escrevem, como se o pessimismo fosse o sintoma que aflorasse à superfície de
quem sofreu o trauma da perda de emprego”. (SAVIANI, ALMEIDA E VALDEMARIM, 2004, p.37)
26
É desta época também que os direitos de todos (no caso do homem adulto, cidadão)
começam a ser respeitados e a visão acerca da criança começa a sofrer
transformações. [...] que talvez seja o único tema realmente essencial do
Renascimento, com seus “putti”, suas crianças, seus adolescentes, suas madames
secularizadas e seus retratos de mulheres. (ARIÉS, 1986, p. XXI, prefácio). O
respeito e a proteção à vida na infância; a guarda e o cuidado pela família e o
Estado vigiando e investindo na sua formação, tendo em vista a vida futura.
Mas esse conjunto de idéias, depois de uma longa história de lutas, só vai ganhar
força pelo mundo na metade do século passado, para combater outro ideário, aquele
que buscava o homem perfeito, de linhagem pura e, desta forma, de ser digno da
sua suposta superioridade. O principal marco desta época no ocidente foi a criação
da Organização das Nações Unidas que, em 1948, promulgou a Declaração
Universal dos Direitos do Homem. Naquele momento, muito pelo trauma europeu
das sucessivas guerras internas, a sociedade mundial começou a reivindicar outra
forma de convivência, uma maneira diferente de se conceber a questão social e,
lentamente, mecanismos legais de proteção são exigidos.
Esse quadro corresponde ao que aconteceu fora do Brasil. Lá, como aqui, o
processo de inclusão do aluno NEE também vai ganhando um desenho mais nítido a
partir da década de noventa, sendo que a referência dessa mudança é a Declaração
11
Temos como exemplo o Estatuto da Criança e do Adolescente, de 1990.
28
Mundial sobre a Educação Para Todos (DMEPT-1990), estando esta voltada para os
menos favorecidos pelo mundo, entre estes, aqueles com algum tipo de
necessidade educacional especial:
Esse ponto se refere à marca inicial da reflexão crítica sobre o trabalho pedagógico
na EI, ela revela que o contexto do processo inclusivo se dá no sentido de fora para
dentro da instituição, move-se da sociedade para a escola. Que esse complexo
processo de cunho político se constitui na evolução histórica da sociedade e
interfere na vida de todos os profissionais da escola. Por isso, nenhum desses
profissionais consegue ficar sem nenhum tipo de posicionamento crítico acerca do
processo de inclusão escolar dos alunos deficientes nas escolas de ensino regular
dentro das classes comuns.
Portanto, o professor pressionado pela situação nova pensa não saber e pergunta:
que fazer por aqueles alunos que têm necessidades especiais na sala comum? Essa
é pergunta tão comum que eles fazem a si mesmos e aos outros profissionais que
atuam como apoio e suporte à escola quando encontram uma criança deficiente na
sua frente. Esta dúvida reside no fato de as experiências que poderiam servir de
resposta serem demasiado recentes, não representando caminhos suficientemente
seguros e não oferecendo garantia para aqueles que estão com o problema na mão
para resolver.
No caso das escolas de EI a tradição está na visão de que a criança é uma "quase-
cidadã", alguém que só no futuro, e apenas lá, poderá exercer a cidadania
desqualifica sua voz, impossibilitando sua inclusão como sujeito pleno de direitos e,
assim, fortalecendo [...] uma compreensão da especificidade da criança como marca
de inferioridade. (ARAÚJO, 2005, p.111).
Essa compreensão por parte dos adultos acarreta uma grande dificuldade na
aceitação da eqüidade 12 como padrão de qualidade no trabalho pedagógico.
Conceber que algumas pessoas necessitam de mais direitos que outras de certo
modo “trava” algumas ações dos profissionais. Isso porque, apesar de os alunos
serem igualmente cidadãos, os adultos devem perceber que aqueles são
pertencentes a categorias diferentes de sujeitos, com modos particulares de ser e
estar no mundo e com diferentes formas de assimilar, expressar e produzir cultura
nos espaços e tempos da história humana.
Para entender a realidade da infância, é necessário estar presente, ouvir seu ponto
de vista e considerar a diversidade de vidas possíveis para essas crianças.
Essas colocações mostram um erro bem comum dos adultos que assim
desqualificam a experiência presente da criança, pensam nela como um ser a ser
construído a partir de um passado e este como um lugar melhor do que hoje.
Edificando um futuro sobre ideais de um passado inexistente. Desta maneira, os
adultos do passado são inocentados pelos de hoje e, paralelamente, os atuais
abrem mão da sua responsabilidade, colocando a culpa fora da escola.
12
Defino eqüidade baseado num conceito de Marx que diz: a todos segundo as suas necessidades e
a cada um de acordo com suas potencialidades.
31
Portanto, o problema não parece estar na relação dual entre profissional e criança,
mas sim na relação infância e adulto. Nem a resposta estaria na mudança da forma
de relação entre duas pessoas. É muito provável que ela se dê primeiro na
sociedade para depois se dar nas relações entre os indivíduos. O processo da
inclusão do deficiente na sociedade tem contribuído para isso se tornar realidade
dentro da escola também.
Mas, o que essa sociologia traz de mais importante para o trabalho com qualquer
criança é saber que pelo compartilhamento do mesmo espaço social elas constroem
suas identidades. Elas, em grupo, criam estratégias e conhecimentos que permitem
lidar com o mundo adulto e, em decorrência, um sentimento de pertencimento a um
grupo social. Isto tudo só acontecerá na medida em que elas participem de maneira
coletiva das experiências sociais, como no caso do processo de inclusão escolar.
Como esse nível de ensino no Brasil, por força da lei, é municipalizado e já que nos
municípios não há recursos para arcar com todos os custos 13 , a EI infelizmente
ainda pena sem ter como dar condições de trabalho qualitativamente eficientes, nos
anos seguintes à sua inserção no rol dos direitos do cidadão.
Com a mudança, tem-se a expectativa de que haverá uma reformulação nas ações
dos gestores públicos, possibilitando, assim, um aporte financeiro nos outros níveis
de ensino, além do fundamental, dando esperança de que, em contrapartida à
entrada maior de dinheiro, promova uma melhora da qualidade do ensino no país,
visto que a escola de EI sempre esteve à margem das ações de políticas públicas
porque carecia de um reconhecimento que agora parece estar se consolidando a
exemplo do próprio Ministério da Educação que vem lançando, nos últimos anos,
uma série de documentos objetivando a melhoria da qualidade do ensino na EI 14 .
13
Pela ausência de políticas públicas distributivas que atingissem esse nível de ensino.
14
Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil — Volumes 1 e 2.
33
Para nossas crianças de até seis anos, em realidade, sabemos que os nossos
gestores públicos não tem demonstrado muita preocupação com a igualdade de
oportunidades no início da vida dos diferentes sujeitos que a compõem e, muito
menos, com a necessária igualdade de resultados ao final entre eles. As ações
afirmativas fomentadas pela sociedade deveriam ser no sentido de criar condições
para que aquelas igualdades se estabeleçam. O difícil para se viver a concretude
dos Direitos é convencer a elite dominante, os opressores no sentido freireano, que
são os donos do poder, a perder uma parte de seus privilégios: Classicamente, os
projetos educacionais conservadores alicerçaram-se na naturalização da diferença,
especialmente tendo em conta distinções biológicas entre os grupos. (MACEDO,
2006, p. 335)
Nesse sentido, da forma como vê APPLE (1999), somente uma educação política
dentro de uma prática inclusiva – não no sentido teórico ou burocrático, mas de
promoção da cidadania – nos prepara para o resgate das mazelas que têm sido
15
Conceito assistencialista de amparo às populações desassistidas, abandonadas ou em situação de
risco social.
34
impostas ao Brasil, principalmente no que se refere aos problemas com sua escola
pública.
Uma prática inclusiva que tenha a criança real como base do seu fazer e do saber
fazer:
Não há ação educativa que possa ser mais adequada do que aquela
que tenha na observação da criança a base do seu planejamento. É
isso que permite ao adulto programar e atuar tomando como base a
tensão criativa entre uma perspectiva curricular teoricamente
sustentada e um conhecimento real dos interesses, das
necessidades, das competências e das possibilidades das crianças.
(ZABALZA, 1998, p.148)
Toda a estrutura da escola de EI deve ser revista para atender condição. Todos, os
de dentro e os de fora devem ser ouvidos e estar envolvidos no processo
educacional da criança com necessidades especiais. Todos os tempos-espaços 16 da
16
Da gestão ao planejamento pedagógico, passando pela formação em serviço.
35
Devendo a escola, a partir daí, possuir uma prática pedagógica diferenciada dos
outros níveis e para cada cultura escolar, desempenhada por profissionais com
formação específica neste nível de ensino, com saberes, fazeres e concepções
próprias para o currículo escolar e a infância, e, principalmente, com objetivos claros
para o seu trabalho na promoção de uma infância cidadã. Garantindo a participação
das crianças (voz e vez) por todo o processo.
Olhando pela perspectiva de Paulo Freire sobre as questões da escola cidadã, para
que essa crença se realize deve a escola reinventar-se, trocar esse modelo de EI
feito pela contenção, pelo não desejar por si mesmo, do ato pedagógico contido pelo
conteúdo que provoca o silêncio e o vazio para aqueles que estão num tempo da
vida em que o simbolizar, o sonhar está explodindo como melhor forma da
apropriação do mundo e conseqüente construção da sua personalidade, roubando
do aluno aquilo de melhor que ele pode ter, tanto a memória da infância para o
futuro adulto, quanto a memória futura tão bem trabalhada nas brincadeiras que ela
faz, no seu presente.
Ao contrário do que parece ser prática comum, deveria a escola deste nível de
ensino ser um espaço privilegiado de sociabilidade pelo diálogo entre as diferenças;
de encontro prazeroso com a realidade pelas brincadeiras; de ampliação das suas
redes de conhecimento pela descoberta da diversidade na sua vida que entra na
escola; de construção da individualidade através da auto-realização no processo de
inserção na sociedade humana.
Entretanto, não se devem confundir os meios e os fins. Ter iniciativas como nos
projetos pedagógicos para os alunos NEE serem incluídos e na gestão
compartilhada entre os profissionais pode ser ilusório, já que de verdade não é só
por essa trilha que se capacita a pessoa para viver em uma sociedade de Direito.
O acesso à escola para ter uma educação de qualidade deve permitir-lhes não só o
conhecimento dos bens culturais da humanidade, mas também, promover outros
espaços de participação, vencendo a indiferença ou a rejeição imposta pela falta de
oportunidades para a convivência entre as “diversidades” dos diferentes da nossa
sociedade.
Para garantir essa qualidade social na EI, o importante é que o trabalho dos
gestores públicos se volte para propiciar o acesso aos serviços de suporte e apoio,
para que o processo de inclusão escolar se efetive neste nível de ensino, assim
como as possibilidades posteriores de inclusão social, já que, quando se fala de
processo de inclusão se vai para além do mero acesso aos bens de consumo e a
capacidade de acumulá-los.
Neste momento no qual está a escola cheia dessas contradições pela passagem
entre modelos de sociedade, o conflito é lugar comum e soluções únicas são
bastante imperfeitas. Uma sociedade em que o velho, ao mesmo tempo em que é
envolvido, resiste ao novo com uma força oposta, impedindo, deste modo, que se
tenha clareza acerca do futuro, na incerteza do caráter transitório das verdades,
torna bastante difícil qualquer orientação fechada. E é esse novo movimento que
irrompe na sociedade e na vida particular dos sujeitos, que faz com que eles saiam
daquele lugar seguro anterior, mesmo para aquele que se nega à mudança, para
outra forma de sobrevivência, para caminhos ainda não trafegados.
Neste momento no qual se vive cheio de contradição pela passagem entre modelos
de sociedade, o conflito é lugar comum. Uma sociedade em que o velho, ao mesmo
tempo em que é envolvido, resiste ao novo com uma força oposta, impedindo, deste
modo, que se tenha clareza acerca do futuro na incerteza do caráter transitório das
verdades, tornando bastante difícil qualquer orientação. E é esse novo movimento
que irrompe na sociedade e na vida particular dos sujeitos, fazendo com que eles
saiam daquele lugar seguro anterior, mesmo para aquele que se nega à mudança.
Pode até parecer arbitrário procurar pontos de referência, como fatos ou eventos, no
curso da História para explicar a irrupção de alguma novidade. Entretanto, às vezes
surgem fenômenos sociais que parecem refletir tais movimentos. Um desses pode
ser o movimento pela inclusão escolar das pessoas com deficiência. Uma “onda”
que atingiu a escola – este processo de inclusão – faz com que a instituição Escola
torne-se diferente, transformando todo o cenário já bastante conhecido em um
ambiente novo, cheio de trilhas nunca antes trafegadas.
40
O desafio posto pela nova circunstância vai suscitar muitas reflexões acerca da
capacidade/incapacidade da escola em educar os “novos” alunos NEE que lá estão
se matriculando. A reboque deste novo contexto descobre-se que as condições para
os “velhos” alunos também não eram favoráveis.
Neste texto, Vinícius nos diz de um assombro do sujeito que se descobre autor, o
criador daquilo que utiliza para a sua sobrevivência cotidiana, sai do seu estado de
alienação e toma consciência, ou melhor, é tomado pela consciência sobre o seu
cotidiano. Ele sai do estado de embrutecimento e é tomado pela realidade.
Entende-se, pois, que não é só com os alunos nas escolas que acontece esse tipo
de formação do sujeito, provocadora do silenciamento, mas também é feito com os
professores no seu processo de formação inicial e continuada:
17
Disponível na integra em: http://www.mensagensepoemas.com.br/engenheiros/operario-em-
construcao.html
42
Talvez isso ocorra porque ainda não se venceu, dentro da formação de professores,
a tradição de ensinar o sujeito passivo, confundido-o com um recipiente vazio:
A opção apontada neste trabalho, como rota de fuga dessa armadilha, é de formar
professores em contexto colaborativo, pelo diálogo crítico e reflexivo, principalmente
quando se refere ao profissional para atuar no processo de inclusão escolar e este
com foco na criança deficiente. Caminhar na tentativa de auxiliar o professor a atingir
um nível maior de autonomia na sua construção do saber docente, na sua prática
refletida.
Mas, a formação dos professores numa prática reflexiva foi se tornando nos últimos
vinte anos muito mais um slogan contra a formação num perfil técnico do que uma
prática efetivada de construção de saberes nos cursos de formação inicial ou
continuada. Mesmo assim, expressa um desejo de ter uma formação a partir da
experiência do professor como também que continue em pesquisa continuadamente
na sua prática profissional.
Essas críticas se remetem ao dever de pensar nos fins desta reflexão no processo
de formação. Fazê-la sem que se tenha um objetivo referenciado pelo professor é
caminhar no vazio e leva a lugar nenhum. A reflexão deve ser do próprio sujeito 18 e
voltada para a modificação da sua realidade, gerando de alguma forma uma
corrente (pequena ou grande) de mudanças da ação pedagógica, partindo do
reconhecimento da realidade, tentar promover conhecimentos significativos para
todos os sujeitos envolvidos no processo de ensinar-aprender.
IBIAPINA (2008) sinaliza a partir de Zeichner que a conceituação feita por parte dos
pesquisadores do termo reflexão na formação de professores necessita de cuidado
no seu emprego para não se tornar um jargão vazio. O uso da reflexibilidade na
formação de professores vem desde as idéias de Dewey, expandindo-se atualmente
nos mais diferentes modelos de trabalho. Razão pela qual deve-se esclarecer qual é
o significado de “reflexão” para este trabalho num contexto de construção de
saberes sobre a prática, que está ligado à própria formação de professores.
18
Pode parecer incoerente, mas corre-se o risco de se receber uma reflexão pronta e não perceber.
Portanto, vale a afirmativa.
44
19
Vivemos numa sociedade onde a exclusão é a regra e se apresenta com muitas formas. Ela pode
ser justificada de diferentes maneiras e dar pertencimento ou não a algum grupo, entre elas o mérito,
o dom, desejo divino... Estabelecendo-se as diferenças e atribuindo valor. Portanto, este trabalho se
refere aos excluídos e incluídos no plural.
46
Em decorrência dessa tarefa é que surge hoje diante dos profissionais da escola,
refletindo acerca da novidade que representa o processo de inclusão, outro conjunto
de crenças e valores na comunidade escolar, dando um golpe na sua “solidez”. A
Educação Escolar hoje é obrigada a acordar para aqueles que sempre estiveram lá,
expondo então o que se escondia no conforto do não-há-como-ensinar este aluno,
aquilo que se mantinha inerte no cotidiano da sala de aula.
Esse conceito tem também algumas reflexões importantes para quem trabalha com
formação de professores (continuada e inicial) e sua orientação em serviço: o que
representa para a autonomia docente apresentar algo pronto para se fazer, ou
ainda, nada. Colocando-se por trás da famosa sentença “não existe receita pronta”.
48
O que é mais significativo dessa relação ética está no fato de que: [...] não se pode
esperar conhecer os alunos para agir, pois é justamente a observação dos efeitos de
nossa ação que nos permite ter acesso ao conhecimento dos alunos (MEIRIEU,
2002, p. 83). Portanto, essa relação deve ser pedagogicamente provocativa entre
ambos, rompendo com a estabilidade do conhecido.
20
Contidas tanto em legislações quanto em declarações internacionais e nacionais.
49
“estranho” aos outros da turma, faz com que sejam reforçados alguns conceitos que
já vinham sendo trabalhados há pelo menos duas décadas e, ao mesmo tempo em
que reconfigura outros para prática de formação docente, como o de professor
reflexivo.
BRITO resume o que para ela SCHÖN caracteriza como professor reflexivo:
Mas, por precaução, cabe alertar que a reflexão é atributo dos seres humanos
(PIMENTA, 2002, p.18). Portanto, há de cuidar-se, com discernimento, quando se
denomina professor reflexivo. Se falo de um atributo comum aos humanos, refiro-me
a uma adjetivação ou falo de um conceito a ser trabalhado dentro do processo de
formação profissional de um professor?
A reflexão de que trata este trabalho serve para tirar o professor daquela posição de
transmissor de conhecimentos, um simples reprodutor de tarefas previamente
estabelecidas por outros. A função do estar em pesquisa tem sido apontada como
um caminho nesse sentido. O estudo das funções e das possibilidades da pesquisa
na formação do docente tem ocupado espaço considerável na produção acadêmica
nos programas de pós-graduação em educação (VENTURINI, 2005).
Temos muito a aprender com o que se faz lá, à margem. Como toda
a história da educação nos ensina, é nos “subúrbios da Escola”,
quando educadores e professores se empenham na educação de
crianças consideradas ineducáveis, que se inventam soluções que
acabam beneficiando todo o sistema. (MEIRIEU, 2005, p.129)
Assim visto como nos diz RANCIÈRE sobre a reflexão para emancipar:
50
A pergunta que mais provoca incomodo de se responder, por quem educa, nesta
situação é apresentada por RANCIÉRE: Mas como admitir que um ignorante possa
ser causa de ciência para um outro ignorante? (p. 34) Nesta perspectiva, em
resumo, admitir ou permitir essa possibilidade é caminhar para a relação
emancipadora. E desta forma “forçar” o outro a se utilizar, antes, da própria
inteligência e aquele que educa ter crença no “verdadeiro poder do espírito
humano”.
De tal modo que, para os formadores de professores, o mais desafiador nesta forma
de propor os papéis na relação de ensino é o fato de abrir o poder à potência do
outro.
Visto desta maneira, percebe-se que não é só respeitar a inteligência do outro que o
faz ser emancipado, mas é essencialmente dar liberdade à vontade em marcha do
outro que antes de você não podia. É, antes de iniciar o caminho juntos (mestre e
aluno), crer que a diferença não impossibilita nem desvaloriza o sujeito. Assim, as
diferenças não devem gerar desigualdades no valor das pessoas.
Contudo, deve-se ter o cuidado para não misturar num mesmo estatuto o trabalho de
formação docente, os saberes e fazeres do professor no cotidiano e o processo de
construção da pesquisa científica, como se fossem uma coisa só e bem linear. Não
são. Nem parece possível fazer uma ligação direta entre qualquer uma das partes.
Acredita-se que toda pesquisa feita por professores na sua prática produz
conhecimentos relevantes para os saberes sobre a docência, sendo as dificuldades
para realizá-la bastante conhecidas: pela razão da dependência dos saberes não
aprendidos no curso acadêmico; pela falta de tempo disponível; pela indisposição
pessoal em investir na própria formação, entre outras tantas razões pertinentes.
Então, por prudência, deve-se questionar o que é para o trabalho dos formadores de
professores o conceito de pesquisar? Por que não considerar a pesquisa como
possível dentro da atividade docente? E, o que é necessário saber para torná-la
instrumento da própria formação?
Por ser recente na história, a escola regular com alunos NEE requer para todos os
profissionais que lá atuam uma relativização das práticas e a construção de novos
saberes, a partir da sua atualização teórica. A escola aberta a todos implica, por
parte dos profissionais, a busca de conhecimentos específicos e recursos
diferenciados que auxiliem sua prática.
Referenciando-se no que foi colocado por NÓVOA (1995) para entender o que
realmente está sendo demarcado ao se discutir esses outros saberes, deve-se falar
do que é específico na ação profissional do professor, isto é, o conjunto de
conhecimentos, destrezas, atitudes e valores que constituem a especificidade de ser
profissional. Além desses, também os saberes práticos ou saberes da experiência,
referentes aos conhecimentos e habilidades adquiridos pelo professor no seu
desempenho.
Para definir melhor, quando se coloca como idéia central da prática de uma
pesquisa-formação os saberes profissionais, será utilizado o que Tardif encaminha
enquanto compromisso a favor de certas posturas, assim como vetor para definir o
56
A trilha pela qual a resposta é encaminhada, vai ao encontro do sentido dado pela
literatura da última década sobre a formação do docente como profissional reflexivo.
Segundo PIMENTA, GARRIDO E MOURA (2001), os trabalhos têm se deslocado do
foco excessivamente nos aspectos metodológicos e curriculares para outro que vai
ao encontro dos contextos das organizações escolares, a sua cultura interna
(formada pela soma das crenças e valores dos seus membros) e a vê como
promotora de práticas sociais à procura de soluções para os seus problemas.
não faz a inclusão, ela se faz junto e para isto tem que se ter um espaço coletivo de
diálogo.
Com esta necessária proximidade, reafirma-se mais uma vez o diálogo reflexivo
como a principal ferramenta neste tipo de formação. A reflexibilidade pressupõe que
a ação pedagógica seja problematizada e organizada no sentido de resolver as
situações do cotidiano. Aproximando-se, desta maneira, da atividade própria de um
pesquisador (LÜDKE, 2005).
21
Principalmente na escola pública ouve-se muito que essa carga maior de trabalho é um grande
empecilho, visto que o professor, em condições normais, não deseja ter nenhum trabalho a mais.
59
22
Não se deve polemizar, como alerta André (2005), juntando o pesquisador com o reflexivo, senão
cria-se uma adjetivação muito grande que o trabalho de formação pode não dar conta de realizar.
60
A EI, da mesma forma que todos os níveis de ensino, está organizada de maneira
excludente, a partir de um pensamento que recorta e categoriza a realidade
(MORIN, 2001 e 2003), que permite a classificação e hierarquização dos alunos em
com e sem deficiência, entre os ditos normais e os especiais. Um modelo bem
tradicional, no sentido histórico do termo, que se desenrola na escola desde o seu
nascimento.
Salienta-se que, ao expor criticamente esse momento atual, buscando uma relação
com os saberes docentes, não se estará afirmando que os profissionais de hoje
responsáveis pelo movimento de inclusão escolar estão equivocados nos seus
conceitos ou práticas de intervenção ou estudo, mas que o conhecimento até hoje
acumulado pode ainda não ser suficiente para explicar o que está acontecendo na
escola, sendo importante continuar por um bom tempo ainda o estudo sobre o
processo de ensino aos alunos NEE e a formação docente para este trabalho.
62
Ainda há dentro desse movimento, que empurra as políticas públicas para a abertura
de vagas como forma de possibilitar o acesso de todos que necessitam desse nível
de ensino, um processo legítimo de inclusão escolar amplo que vai fazer pressão no
que se refere às condições de atendimento com qualidade para aquele que, com
dificuldades muito diferenciadas para aprender, requer formas bem melhores de
ensinar.
O processo de inclusão escolar nos últimos anos vai aumentar a demanda por
investimentos na melhoria da qualidade social do ensino em todos os níveis, não
23
“Práxis expressa, justamente, a unidade indissolúvel de duas dimensões distintas, diversas no
processo de conhecimento: a teoria e a ação.” (FRIGOTTO, 2000, p. 81)
65
sendo mais somente nas condições de acesso pela garantia de vagas (CORREIA,
2006, p.51). Isso se deve, em grande parte, à pressão política que a sociedade
como um todo exerceu sobre as suas instituições, dando por conseqüência outra
forma de se perceber as necessidades educacionais das pessoas com deficiência.
Mesmo sabendo de todo o avanço no que se refere aos aportes teóricos sobre as
necessidades das crianças e ao acesso dos alunos NEE à classe comum, de certa
forma já consolidado dentro do movimento acerca da inclusão escolar, ainda há
necessidade do aprofundamento do debate no que tange aos mecanismos de
implementação e efetivação desse processo para além do "abrir as portas" para
aqueles muito mais diferentes do que os que já estavam lá dentro. Fazendo, assim,
deste momento atual em que se inicia o processo de universalização do ensino na
EI a hora de se investir na passagem para outro patamar, direcionando as políticas
públicas para ações que provoquem o processo de inclusão escolar.
São essas opções conceituais construídas na trajetória de vida do sujeito que regem
o trabalho do professor, mesmo que por vezes não tenha a consciência dos critérios
que balizam o certo e errado, ou o bom e o mau, para a sua ação dos professores.
Esses conceitos, como o de infância, o de deficiência são utilizados como
parâmetros relativos para se atingir um padrão de qualidade do ensino às diferenças
encontradas nas escolas de EI.
Para ter esta consciência freireana da realidade, é preciso estar em diálogo entre
todas as instâncias, com este levando o sujeito à reflexão. Mas para se utilizar da
categoria diálogo, busca-se no pensamento freireano o lastro necessário na sua
apresentação como elemento imprescindível na formação do profissional dentro da
perspectiva educacional inclusiva.
Para esse autor, não se pode compreender o diálogo como uma simples conversa.
Ele o compreende como fenômeno humanizador que se constitui de ação e reflexão,
então:
67
Sobre este poder, quando está em trabalho de colaboração dentro das escolas,
DEMO (2004) avisa para ter sobriedade evitando, assim, encher-se do próprio
discurso e, conseqüentemente, evocar um pretenso poder que não nos pertence.
Umas boas doses de realismo científico misturadas com humildade no saber escutar
servem como preparação do espírito crítico do profissional em pesquisa, contra o
mal do poder manipulativo embrutecedor em relação à todos os participantes da
pesquisa-formação.
Desta maneira, a partir dessa exposição de motivos pelo qual se crê que o trabalho
de emancipação do profissional da EI deve estar focado no desenvolvimento da
pessoa e na potencialização da criança e do adulto, indo muito além da
instrumentalização teórica e prática, supõe-se que: a construção coletiva de uma
prática colaborativa e crítica poderá produzir mudanças significativas na maneira de
ensinar dos professores que, por estarem em diálogo, abriram-se para a
reflexibilidade.
No processo de interação que pressupõe este tipo de trabalho, fica claro que está
acontecendo um processo com mudanças profundas na instituição escola e o que
encontramos não é mais aquele processo de escolarização que conhecíamos e com
o qual achávamos que poderíamos lidar. Então, o nó que temos hoje é que o aluno
que fomos de pouco ou nada serve ao professor que somos no enfrentamento dos
desafios do processo de inclusão.
24
Comunicação aqui vista como processo complexo de interações, não simplesmente como troca de
informações.
69
Este trabalho, da mesma forma que outros recentes feitos em contextos parecidos
(CORREIA, 2006; GIVIGI, 2007; BORGES, 2007; SOUZA, 2007; OLIVEIRA, 2007;
VIEIRA, 2007 e DEVENS, 2007), vêm apontando para o movimento de educação
inclusiva como promotor da qualidade educacional para todos. Enquanto proposta
de modificação curricular que objetiva atender às necessidades educacionais
70
3. TRILHAS DA PESQUISA:
Tendo em vista que ao fazer a opção pela pesquisa no cotidiano dos profissionais de
EI envolvidos com o processo de inclusão, sabe-se que este trabalho enfrenta o
desafio, quando intervém sobre a prática das professoras, de conhecer as interações
significativas entre os indivíduos numa instituição social como a escola e como
essas interações vão determinar seus modos de pensar e agir, requerendo um
trabalho de tradução da realidade que a constitui (PÉREZ GÓMEZ, 2001).
Isso tudo acontece para responder aos anseios de uma nova sociedade, que vinha
evoluindo desde o Renascimento, com outras formas de organização social nas
cidades que cresciam com o desenvolvimento do comércio, com a movimentação da
população e, conseqüentemente, a ampliação da visão de mundo(s) na realidade,
provocando uma transformação nas concepções acerca da relação sujeito com a
realidade, com os outros e com o mundo físico conhecido. Assim, estava sendo
estruturada a ciência moderna, a partir do desenvolvimento de uma “nova” forma de
encarar os problemas, dentro de modelos analíticos e conceituais diferentes e com
instrumentos revolucionários, para aquela época como o telescópio, expressos pela
objetividade da linguagem matemática na idéia de um mundo mecânico.
Mesmo com todo o esforço, o meio científico apresenta ainda dificuldades para
chegar a um acordo sobre o que é científico e o que não é. As polêmicas em torno
de determinadas questões que perduram como se vivêssemos ainda no século XIX
(SANTOS, 2004) apesar da necessidade de se renovar os argumentos. O que torna
realmente uma pesquisa científica, ainda não encontrou o seu consenso (OLIVA,
2003). Apesar das afirmativas contundentes que geralmente costuma-se ouvir das
diversas áreas de conhecimento.
Cabe esclarecer que a ciência, vista como qualquer outra ferramenta humana, é
amoral. É o sujeito que utiliza a ferramenta que precisa ser animado por um senso
de moral, dando, assim, sentido e direção à execução da tarefa. No caso do sujeito
pesquisador, é necessária a construção racional de um código de conduta (DEMO,
2004) para controlar/disciplinar qualquer “mão” que manipulará os instrumentos
científicos.
26
Como a sociologia, a psicologia, a história entre outras.
75
Essa abordagem parte para uma análise detalhada de um processo provocado [...]
de modo a configurar sua gênese social e as transformações do curso de eventos
[...] introduzindo de forma intencional provocações para se estudar o processo de
interesse, que é decorrente da tese de Vygotsky [...] segundo a qual os processos
humanos têm gênese nas relações que devem ser investigadas ao se examinar o
curso da ação do sujeito (GÓES, 2000, p. 11). Entende-se que, nesta abordagem, o
estudo é focado no processo em que o objeto, em evolução, está envolvido e não o
produto final: inclui nessas diretrizes a importância de se identificar relações
dinâmico-causais, devendo o investigador buscar distinguir a aparência e os
processos da dinâmica subjacente. (Ibidem, p. 13).
Além de se realizar em grupo, a riqueza desta pesquisa reside no fato dela estar na
escola, tendo uma variedade de possibilidades de fazeres para os pesquisadores. A
escola é uma instituição, como qualquer outra, conservadora; só que, ao mesmo
tempo, em constante movimento. Responsável por conservar e transmitir a cultura
acumulada de uma geração para a seguinte, sofrendo, por isso, constantes
embates, durante o percurso histórico das sociedades, pela melhor forma de educar
para o futuro.
Toda essa tensão faz com que a Escola seja alvo preferencial dos desejos de
mudança ou conformação da sociedade. Insistentemente, ela é colocada como
ponta-de-lança, é chamada à “responsabilidade” para dar a sua contribuição na
resposta a “qualquer” tipo de problema que atualmente queira ser resolvido dentro
da sociedade. Entre estes, na atualidade temos como exemplo as drogas, a gravidez
precoce, a promoção do desenvolvimento econômico-social etc., questões tão
díspares que não parecem guardar nenhuma relação, mas na escola elas têm.
76
A Escola, pelas razões apresentadas, merece sim essa posição de destaque, pois
quase todas as questões pertinentes e relevantes para as Ciências Humanas no
mundo atual devem obrigatoriamente passar por ela. Entrar pelos seus portões,
ocupando todos os seus espaços de vivência. Só que essa dinâmica faz com que a
contextualização do cotidiano escolar torne-se uma obra bastante complexa, como
sinalizada por GADOTTI:
Para quem faz este tipo de trabalho há uma tensão constante. Porque para falar a
partir do local onde fala e para onde vai a intelectualidade acadêmica é necessário
dizer da distância existente entre os saberes teóricos e os seus saberes práticos.
Principalmente, é por-se frente à dificuldade de unir os dois no cotidiano escolar. É
posicionar-se sobre uma fronteira que divide aqueles que cobram a prática para
fazer dos seus formadores: o professor; e aqueles que cobram o rigor na maneira de
77
Nesse discurso, frente ao Collège de France, Foucault traz um conceito bem familiar
aos nossos dias atuais, justificando a mobilização em torno dos ideais daqueles que
pregam o compartilhamento do saber. Fala de um modelo de exclusão que se
consolida num processo de educação e que se dá através da negação da existência
78
do outro enquanto sujeito histórico; com um saber que tem proposições para si; do
direito à sua “verdade”, ao seu saber que quando fala o liberta. Tudo isso nos é
constrangedoramente comum.
Por este motivo, a pesquisa realizada dentro desta metodologia, mesmo sem ser
uma pesquisa-ação, tem quase a obrigação de se constituir de maneira colaborativa
e, provavelmente, por criar espaço para o debate acerca das visões sobre as
realidades e abre uma possibilidade de se exercitar a crítica em sentido
transformador.
Porém, frente a uma forma de pesquisa mais clássica esta proposta apresenta
alguns riscos:
27
Digo isso apoiado na experiência exploratória feita no ano anterior dentro da pesquisa exploratória.
80
Esta postura questionadora serve, antes de tudo, como defesa contra a grande
proximidade entre o pesquisador, os professores em pesquisa e o objeto da
pesquisa, fato que sem alguns cuidados pode tornar confuso o trabalho de campo,
tornando bem difícil a separação da subjetividade dos sujeitos em pesquisa da
concretude de se pesquisar.
Assim, pode-se dizer que neste momento onde as ciências se abrem às novas
possibilidades, “amolecendo” suas fronteiras na necessidade decorrente da
humanização, deve-se perceber que fazemos parte desse movimento. Então, ouvir
não só a nossa própria fala, mas também as outras falas que compõem o discurso
coletivo. Sem dúvida, os modelos de organização de tempo e espaço na escola
dificultam em muito este tipo de reflexão para o sujeito, assim como alguns métodos
de pesquisa podem facilitar.
Não é possível para este trabalho, que prega a possibilidade do professor reflexivo,
a utilização da ciência positiva como caminho. Tendo em vista o que diz MORIN
(2000), referenciando em Husserl, essa forma de pensar ciência que elimina por
princípio o sujeito observador torna a reflexão do sujeito científico sobre si mesmo
impossível e potencialmente perigosa.
Como este trabalho tem a sua força na aposta, no poder da reflexão entre os
sujeitos em diálogo – pesquisadores em pesquisa sobre os sujeitos – há de se evitar
o estabelecimento de uma grande distância, impedidora da troca de saberes entre
os sujeitos. Consciente de que alguma distância é inevitável e desejável para se
respeitar as regras do jogo da ciência: não é o da posse e do alargamento da
verdade, mas aquele em que o combate pela verdade se confunde com a luta contra
o erro (MORIN, 2000, p. 23).
É por conta da experiência de interação, trilha deste trabalho, que se faz necessária
a escolha quase obrigatória do diálogo como caminho metodológico a ser utilizado
neste processo de construção de uma prática profissional em contexto, já que eles,
os saberes, são questionados no seu processo de construção no percurso
profissional dentro do cotidiano escolar e servem para justificar as ações
pedagógicas de formar professor, a partir do estão aprendendo como pesquisadores
na sua prática com a reflexão cotidiana da própria ação pedagógica.
É necessária uma postura dialógica para esta pesquisa que é sobre os sujeitos
professores que estão em um processo de pesquisa. Assim, BEILLEROT (2005)
afirma que existe diferença entre o “fazer” e o “estar em” pesquisa. Neste segundo
caso, o sujeito inserido no processo também como objeto, reflete sobre os
problemas e as dificuldades, assim: [...] os sistemas de educação e de formação, [...]
ou ainda a confrontação cotidiana com outras pessoas podem ajudar nesse trabalho
(Ibidem, p. 73). É esse o trabalho desenvolvido e narrado neste estudo. São
atividades para a qualificação de profissionais em um processo de planejamento
servindo de base na formação continuada em prol do atendimento ao aluno NEE.
Que fique bem claro, a intenção é auxiliar na qualificação melhor do professor por
meio do ensino em pesquisa e não objetivaria formar pesquisadores para atuarem
como professores.
84
Para este trabalho, feito dentro do contexto de uma escola pública, através de uma
pesquisa colaborativa, o movimento de inclusão dos alunos NEE nas escolas de EI
está em período inicial, acontecendo em grande parte de forma não consensual.
Ainda necessitando de mais tempo para que se apresente como fenômeno social
concreto para estudo mais profundo, de acordo com o cotidiano escolar.
Tendo em vista esta necessidade apontada por SANTOS o que se quis foi criar no
chão da escola um espaço de colaboração, a partir de um arcabouço teórico flexível
e aberto o suficiente para, na medida do possível, dialogar sobre a variedade de
práticas e de saberes que estão aparecendo nas escolas, neste caso em EI, com o
85
Com base na literatura acerca dos fatores que facilitam a inclusão escolar, SILVA
(2003) diz que: atitudes que passam por saber trabalhar em equipe, em cooperação
com os outros atores que intervêm no processo educativo e pela aceitação da
diferença [...] (p. 59) são de fato muito significativas nesse processo. Essa análise
mostra uma necessidade da formação diferenciada de professores, tendo em vista
que dificilmente nos cursos de formação inicial alguns desses fatores puderam ser
trabalhados em razão de a inclusão dos alunos NEE no ensino regular ainda ser
assunto recente.
Deve-se compreender os limites de qualquer teoria, já que sozinha ela não dá conta
de um processo de mudança. Principalmente em um momento como o atual, quando
se vive uma acentuada desconfiança perante as tentativas de enunciar sistemas
globais de explicação do mundo e da sociedade (SANTOS, 1995, p.302). A teoria
está sendo definida como arena em que jogam as tensões entre os impulsos
regulatórios e emancipatórios (ibidem, idem) neste momento de transição
paradigmática, por isso devendo, antes de tudo, ser prudente.
O ciclo utilizado neste trabalho pode ser representado por um círculo sem-fim que
contêm quatro momentos: planejar; descrever; agir; e avaliar. Já que esses
momentos não aconteceram de forma estanque, descolados do movimento
crescente e contínuo dos acontecimentos. Conseguindo organizar muito bem a
expressão dos resultados da espiral reflexiva:
Planejar Deessccrreevveerr
d
ESPIRAL REFLEXIVA
Avaliar
Agir
Para dar partida a esse ciclo, representado como um movimento em espiral auto-
reflexiva, devem as questões que dão início ser significativas e concretas para o
grupo. Portanto, como primeiro passo, ou no início da caminhada, avaliar no coletivo
o contexto que suscitou o problema. Para TRIP (2005), a configuração do trabalho
pode ser representada através de algumas etapas: questão problema; planejamento;
ação/observação; reflexão; replanejamento; ação/observação; e reflexão. Sendo o
elemento disparador o próprio problema, para depois haver a delimitação coletiva
deste e, assim, sucessivamente o grupo vai estabelecendo as demais fases do
processo reflexivo.
87
É pela condição de potencialização do sujeito, pelo fato de que sua fala é ouvida e
que faz sentido no trabalho de transformação da realidade que essa perspectiva
pode ser considerada emancipatória.
Não se deve esquecer que o local do estudo é dentro da escola, onde se sabe que,
por tradição, os professores não conseguem se apropriar adequadamente da teoria
para explicar sua prática (EL ANDALOUSSI, 2004). E quando eles têm a
oportunidade, a dificuldade reside no como fazer diferente, como realizar um diálogo
construtivo e produtivo ao mesmo tempo, favorecendo a reflexão mútua no turbilhão
que é o interior da escola.
Estes desafios postos para pesquisa em ambiente escolar têm base uma
metodologia de resolução de problemas, chamada de pesquisa-ação, um meio para
resolver, ou pelo menos encaminhar algumas soluções. Tendo LEWIN como
referência sobre a pesquisa-ação, MONCEAU diz:
Porém, há armadilhas para a reflexão feita neste modelo. É muito fácil achar que um
modelo qualquer de pesquisa-intervenção se encaixou no espaço criado pela
desvinculação entre teoria e prática do trabalho docente. Isto é o caminho mais
rápido para cair em armadilhas de praticismo (MIRANDA; RESENDE, 2006). Não só
por caberem nela concepções diferentes de pesquisa qualitativa (ANDRÉ, 2000),
mas porque ela é eminentemente uma intervenção no cotidiano a fim de provocar
nele uma mudança, um meio de solucionar em conjunto problemas coletivos (EL
ANDALOUSSI, 2004).
Em resumo, existem alguns limites para se posicionar este tipo de pesquisa como
modelo de trabalho ou estratégia metodológica, no caso deste trabalho: é desta
interação que se organiza a pesquisa e encaminha as soluções dos problemas; é
pela ação social e pelos problemas que se constrói o objeto; que a ação seja em
torno de um problema que necessite de investigação para a sua solução. São três
aspectos a serem alcançados: resolução de problemas; tomada de consciência e
produção de conhecimentos; e, por fim, o pesquisador pretende desenvolver um
papel ativo e efetivo na própria realidade.
Em vista disso, são esses parâmetros que dão força a este modelo de pesquisa-
formação para o trabalho colaborativo que vise à reflexão entre os sujeitos:
Quando se parte de uma reflexão crítica, centrada no sujeito, fruto da interação ativa
e produtiva entre ele e outros, o processo de contextualização deve estar
permeando todos os momentos da relação – já apontada neste texto – dizendo para
aquele que está em experiência saiba de que lugar se fala, se produz e a quem se
destina os pensamentos e as ações expressas nos diferentes momentos do trabalho
investigativo.
IBIAPINA (2008) aponta como recurso metodológico para impulsionar essa trajetória
investigativa de desvelamento da prática dos professores a triangulação entre: a
reflexão, o dialogismo e a colaboração, para produzir as circunstâncias que
favoreceriam o aparecimento dos caminhos para um processo de mudança, criando
um espaço apropriado para um processo de pesquisa colaborativa.
inclusão escolar do sujeito com deficiência expressa. Fica diferente porque, para a
escola, ele surgiu há pouco tempo, tudo é muito novo e lá dentro dela tudo tem que
mudar. Infelizmente, para alguns tudo piora.
Também, há de se chamar atenção para o cuidado ético desse tipo de pesquisa que
é desenvolvida a partir de um projeto coletivo, quando se entra em uma instituição
como a escola trazendo algo de novo, não se deve de forma alguma impor uma
perspectiva fechada. Antes de qualquer oferecimento deve-se esperar que os
sujeitos sintam a demanda pela formação como algo concreto, mesmo sendo criada
contra a sua vontade 29 , aceita por todos e que, de alguma forma, todos sintam-se
beneficiados ao final com o produto resultante da pesquisa-formação 30 .
Digo: o real não está na saída nem na chegada, ele se dispõe para a
gente é no meio da travessia. (João Guimarães Rosa, Grande
sertões: Veredas)
Este trabalho tem uma grande dívida com o município de Aracruz, pois foi por conta
das suas características históricas e possibilidades de realização que ele se deu.
Toda a pesquisa narrada se inicia dentro de outro trabalho, com outros objetivos,
mas envolvendo os mesmos sujeitos. Por isso, antes de expor a pesquisa
propriamente dita este capítulo resgata um pouco do contexto peculiar em que ela
aconteceu.
29
Como no caso da entrada dos alunos NEE, ninguém perguntou aos professores se eles gostariam
de recebê-los.
30
Sabendo que num projeto colaborativo, como esse, é provável que se encontre mais do que se
precisa.
92
Assim, dentro desse processo de busca de respostas aos pedidos dos diferentes
segmentos que estão envolvidos com a Educação, o Município de Aracruz investiu
31
Fonte site oficial do município:
93
Para dar início a esse trabalho, foi marcada uma reunião com o objetivo de, em
conjunto 32 , formular uma proposta para qualificação e orientação dos profissionais
que estariam continuadamente nas escolas. Nesta reunião, ficou estipulado que o
profissional psicomotricista seria o responsável pelo acompanhamento do trabalho
dessas professoras nas escolas.
32
Profissionais responsáveis pelo processo de inclusão nas escolas de EI do setor de EE da
Secretaria de Educação.
33
Inicialmente, somente estavam inscritas professoras de EI para o trabalho, posteriormente um
profissional do sexo masculino com psicopedagogia foi incorporado no grupo.
94
Foi neste ínterim que, a partir de um artigo de JESUS (2005), sobre o uso da
pesquisa-ação colaborativa no processo de inclusão como metodologia de trabalho
que parecia adequar–se às proposições do projeto, e após realizar pesquisa pela
Internet, encontrou-se no texto de TRIPP (2005) um caminho possível de resolução
das necessidades dos profissionais que estariam atuando no suporte as EMEIs e
CMEIs.
Este caminho parecia resolver um grande dilema que afligia desde o início do
trabalho, como articular os fundamentos da proposta de trabalho (histórico-cultural)
com o meio de planejamento e acompanhamento que era realizado até aquele
95
Para não contrariar totalmente uma prática que vinha sendo aceita, buscou-se
adaptar um roteiro de pesquisa-ação apresentado por TRIPP (2005) em relação ao
formato de PEI a fim de que, aproveitando daquilo que era conhecido, se pudesse
partir para um modo reflexivo de se fazer, superando a forma anterior, com outra
prática.
É, foi este estudo exploratório, servindo como ensaio do trabalho, que ajudou a
eleger e afinar 34 os instrumentos apropriados a serem utilizados na pesquisa no ano
posterior e, no que concerne ao pesquisador e aos outros participantes, reforçou-se
a crença de que os alunos NEE, a família e toda a escola necessitam fortemente de
assistência de uma rede de apoios especializados, atuando em colaboração para
efetivar uma prática exitosa de aprendizagem na escola 35 .
34
No sentido de regular um instrumento musical.
35
Pelo menos por enquanto, ou até surgir uma massa de conhecimentos (práticos e teóricos) que dê
um relativo equilíbrio e segurança a todos envolvidos no processo de inclusão escolar dos alunos
NEE.
96
Sendo assim, o que se pretendeu com aquele trabalho foi avaliar os limites e as
potencialidades de um instrumento da pesquisa-ação, como suporte técnico-didático
para proceder ao desenvolvimento de uma conduta autônoma do docente,
assumindo sua autoria da ação pedagógica frente ao processo de inclusão das
crianças NEE nas classes comuns das escolas regulares. Isto acontece a partir de
um espaço de planejamento em serviço.
Outra questão recorrente e que sinceramente não era esperada foi a falta de
conhecimentos no que se refere ao processo de desenvolvimento humano, as
experiências necessárias para cada tempo de vida. Foi preciso um tempo para
trabalhar com os professores a sua “consciência” enquanto especialistas em
desenvolvimento e aprendizagem humanas, principalmente para quebrar a relação
idade-série-conteúdo, que é crença comum também entre as professoras da EI.
Esse dado começa a ser evidenciado depois do segundo mês de trabalho, quando já
produzindo resultados na prática, os professores passam a divergir dos outros
profissionais 37 e o que era esperado era que a colaboração entre eles naturalmente
aparecesse. Visto que tanto no preenchimento do roteiro de pesquisa-ação do
estimulador quanto no planejamento para o PEI dentro das escolas, os grupos
estariam voltados para um objetivo único.
Em vista disto, o que se sentiu claramente naquele ensaio de pesquisa foi que a
escola não quer sonegar a aprendizagem. O que se vê ainda é a forte tradição em
ensinar a criança a ser normal. Por conseqüência, o processo de inclusão escolar só
poderá ser realizado a partir de uma transformação um pouco mais profunda do que
só se preocupar em dar acesso ao aluno NEE e de ter um ensino exitoso para ele.
36
Daqueles seis profissionais que começaram, só dois permaneceram até o final.
37
Pelo menos nesses casos invariavelmente com alguma, se não toda, razão.
99
das mudanças profundas na educação, não como fins esperados para ela ou
somente para dentro da escola.
Por mais difícil que possa parecer esse exercício, essa maneira de pensar e fazer
pesquisa, ela parece essencial para que possamos nos colocar no lugar do outro e,
na construção do conhecimento, fazê-lo “com” o outro. Na construção da ciência da
Educação o desafio seria construir a pedagogia de sala de aula como ferramenta
geradora de conhecimento. Embora o pedagogo/professor já seja formado, em tese,
100
Após todo o trabalho realizado, inicia-se o ano de 2007 novamente sem nenhuma
perspectiva fechada para o trabalho com alunos NEE. O que se sabia é que o
trabalho não teria continuidade, nenhuma professora estimuladora seria
recontratada e o serviço de apoio na EI não sobreviveria. Havia agora novas
diretrizes da SEMED/Aracruz e nelas o trabalho passava mais para as mãos dos
professores, sem muitos apoios.
Outro ponto anotado a partir do trabalho anterior, que serviu de referência para
projetar esta pesquisa, foi que o processo de exclusão/inclusão nas escolas passa
por duas situações construídas na relação com os professores: a invisibilidade e a
101
Assim, foi a partir dos questionamentos daquele estudo exploratório que surgiu uma
forte demanda em ampliar o trabalho realizado anteriormente com um grupo
reduzido. O sucesso sentido motivou o oferecimento de outro modo de planejar a
atuação docente. Optando-se pela ferramenta oriunda da pesquisa exploratória
como caminho da autoformação, na perspectiva crítica e reflexiva, para o trabalho de
pesquisa que originou esta dissertação.
São inúmeras as indagações que se desdobram, entre elas, o que ecoa pelos
discursos dos profissionais da Educação, enquanto desafio nas práticas cotidianas e
frente às ações coletivas que lutam por uma cidadania ativa para todos: como
encaminhar esse processo? Por que não acontece a inclusão já que está garantido
por lei? Até que ponto a escola poderia contribuir para a solução do problema
humano que é o tamanho da nossa diferença (entre indivíduos e grupos) e a
conseqüente falta de modelos para lidar com elas?
103
Porém, este trabalho não foi iniciado logo no começo do ano. Da mesma forma que
no ano anterior houve uma demora nas tomadas de decisão acerca da forma de
organização dos serviços, muitas barreiras apareceram, mas só depois da
qualificação do projeto é que se iniciou o processo de implementação do trabalho de
pesquisa nas escolas.
Outra grande barreira foi a falta de uma escola modelo na rede municipal de
Aracruz. A escola que se queria neste tipo de trabalho vivenciaria uma relação
colaborativa entre os profissionais e com um engajamento na realidade dos alunos
(MONTOAN, 2004). Assim colocado pela autora, que defende como meta para se
fazer uma escola inclusiva o investimento maciço em qualificação dos professores,
já que nesta concepção o papel central no processo de construção dessa escola é
exercido pelo professor da turma regular, sem deixar de marcar com a mesma
veemência a inter-relação de comunidade escolar. Mesmo não sendo inteiramente
adeptos dessa linha, vê-se a necessidade desse investimento.
Pode-se dizer que foi o percurso da pesquisa que impôs a metodologia ao trabalho
desta forma. As contingências do contexto político da rede municipal naquele
momento, somadas às crenças do pesquisador, deixaram como possibilidade uma
trilha aberta que levava à intervenção pelo diálogo reflexivo entre os profissionais,
para a criação de um ambiente colaborativo, num momento especial de
planejamento coletivo a ponto de ser apresentado como dissertação de mestrado.
39
Nos dois sentidos para a palavra: ato de emergir ou caso de urgência.
107
Lembrando que o elemento disparador de todo este movimento reflexivo foi o próprio
caso do aluno NEE em processo de inclusão. Sendo no desenrolar do caminho as
delimitações aconteceram de maneira coletiva e assim, sucessivamente o grupo na
ação de planejar, colaborativamente pelo diálogo, foi estabelecendo as demais fases
do processo reflexivo provocado pelo instrumento de planejamento utilizado (o
roteiro de pesquisa-ação).
Mas, antes de partir para a análise e discussão das possibilidades de se criar outras
práticas pedagógicas de inclusão presentes nos encontros, vale apresentar o
contexto das escolas onde a pesquisa se desenrolou, através de um quadro
sinóptico. Em razão de que as práticas pedagógicas e as relações intersubjetivas
entre os diferentes sujeitos estão relacionadas às características e à forma de
funcionamento das escolas. O quadro apresenta algumas informações relevantes
sobre cada uma das instituições escolares estudadas, que possibilitará uma visão
mais precisa sobre o desenho das relações analisadas.
110
Quadro sinóptico:
Escola Escola do aluno Israel Escola do aluno Lucas
Tipo EMEI – Pré-escola. CEMEB – Creche e Pré-
escola.
Número de alunos Aproximadamente 170 720 alunos em dois turnos
alunos em dois turnos.
O trabalho com os A diversidade na escola Na prática o trabalho vem
alunos NEE 40 tem suas questões acontecendo, sendo que
trabalhadas no dia-a-dia, carece de registro para o
permeando as ações seu acompanhamento,
pedagógicas. coisa que não se faz. No
Necessitando, no caso que se refere ao trabalho
das equipes multi, uma das equipes multi não se
maior cobertura dos vê o funcionamento, pois
diferentes setores e de não recebe atendimento.
outras secretárias da Vê a necessidade de uma
prefeitura. Crê que o maior aproximação com o
trabalho institucional é o setor diversidade.
melhor caminho.
40
Fontes consultadas para o preenchimento do quadro: a direção das Escolas e a pesquisa avaliativa
realizada pelo setor de gestão da SEMED ao final do ano de 2007.
111
Como visto, foi a partir da participação de uma experiência colaborativa com outros
profissionais no ano anterior a este que os primeiros passos para a realização deste
trabalho surgiram: 1° a escolha da escola, indicação da professora participante e
aceitação dos procedimentos; 2° apresentação do termo de consentimento 41 ; 3°
instituir um momento de planejamento colaborativo para compartilhar dentro da
escola; 4° os encontros para a realização da coleta de dados, esta sendo feita
através da observação do participante com os instrumentos: auto-retrato dinâmico,
documentos de referência do planejamento; audiogravação; diário de campo e o
roteiro de pesquisa-ação para tentar realizar a espiral reflexiva de planejar,
descrever, agir e avaliar (pesquisa-ensino-reflexão).
Nas semanas seguintes, o pesquisador inicia o retorno aos locais para receber as
respostas acerca da aceitação ou não e, em caso positivo, fazer a marcação dos
primeiros encontros. Primeiramente, só a professora da escola da aluna “R” não
aceitou. Logo depois, a professora de aluna “S” também preferiu não iniciar o
processo. Restando até o fim duas professoras, uma do aluno Lucas e a outra do
aluno Israel.
41
Anexo n°. 1
112
Quem já teve a oportunidade de entrar numa piscina sem saber nadar sabe muito
bem como é difícil ter coragem para sair da borda. Esta é a imagem que vem a partir
da fala das professoras convidadas que, “por querer ficar como estava” (professora
da EMEI da aluna “R”) ou “acho que é muita responsabilidade fazer isso com você”
(professora da EMEI da aluna “S”), se recusaram a entrar no processo de pesquisa.
Ocorrendo, então, que uma desistiu antes de começar pela razão de “que ficaria
confusa no meio de muitas orientações e afazeres”, sendo que se sentiria “mais
tranqüila em ficar do jeito que estava”. Já a outra professora não quis iniciar mesmo
depois de ter aceitado porque estava “muito preocupada com o que ia acontecer” e
“não sabia se ia dar certo”, assim, não gostaria de ter “trabalho a mais”.
Em comum entre elas o fato de que essa experiência seria “muito nova” e “mexeria
com o que já estava certo”. Aparece aí na fala dessas professoras, também, certa
inabilidade de teorizar a prática: “é muita orientação diferente para mim” (professora
da aluna “R”). Aparece também certa tendência a uma espécie de inércia, de se
esperar receber o que já estava pronto.
Muito poderia ser dito acerca da recusa das professoras que não ficaram na
pesquisa. Na verdade, daria para se fazer outro trabalho de pesquisa, mas pela
impossibilidade de num tempo curto do mestrado narrar tudo que aconteceu, ou
deixou de acontecer, não há como aprofundar mais a análise do processo de
pesquisa-intervenção nos seus diversos tempos/espaços da pesquisa e
principalmente em um sistema complexo como a escola, tornando como fonte a
novidade do processo de inclusão.
113
Mesmo quando se reconhece que cada escola tem uma vida própria peculiar,
resultado das ações dos sujeitos que lá habitam, sabe-se que as relações
estabelecidas entre os sujeitos ultrapassam em muito aquele cotidiano, envolvem a
todos em uma rede maior, implica-os de uma forma que torna difícil separar a escola
dos fatores políticos e sociais característicos da sociedade. A escola e o mundo
externo não se constituem como instâncias separadas, sem articulação. Quando o
mundo real de fora da escola entra para fazer parte dela, sofre algum processo de
rejeição ou temor, como no caso dos alunos com deficiência.
42
Aqui no sentido de não poder, ou querer assumir a autoria de sua formação, portanto, estando, ou
querendo estar fora dela (HERNÁNDEZ; SANCHO, 2006/2007).
114
E assim, vendo dessa maneira, a proposta deste trabalho não conseguiu adesão de
todas as professoras a que foi apresentado da mesma maneira, mesmo elas
recebendo alunos NEE em sala. Fica evidenciado, então, que para se iniciar o
processo de inclusão, em relação aos professores, requer no mínimo uma mudança
de atitude na prática de ensinar.
Ainda para JOSSO (2007), esta ferramenta de pesquisa contribui para a formação
dos participantes no plano das aprendizagens reflexivas (idem, p. 18). Confiando na
base que a experiência exploratória do ano anterior deu para a pesquisa de campo,
esperou-se que as professoras, quando expusessem antes as suas preocupações,
os seus sentimentos, o percurso seria mais fácil posteriormente e elas se
permitissem a parada para a reflexão, o que havia se mostrado tão difícil naquela
experiência de 2006.
Ao final, colocou-se uma questão que falava sobre o aluno NEE no processo de
formação da professora. A partir daí, a professora passa a redigir a sua própria
história, propondo-se a que a escrita seja reflexiva, agrupando-se em quatro
categorias as aquisições dos saberes, que são: existenciais, instrumentais,
relacionais e reflexivas.
A questão foi: O que o aluno (nome do aluno) representou para sua vida profissional
neste ano?
A novidade em relação ao aluno NEE parece ser marca comum em quase todos os
momentos de planejamento. Durante a fala nota-se que a pedagoga vê com euforia
a novidade da narrativa da professora, tanto que dá seguidamente conselhos sobre
o que deve ser feito. Mesmo ali, algum tempo depois do acontecimento, o momento
pedagógico (MERIEU, 2005) ainda vive nas falas sobre o passado ainda presente
na sala de aula.
Do mesmo modo quando a professora do Israel inicia dizendo que o aluno chegava
à sala com medo e ela sem saber o que fazer, então foi procurando trabalhar com
ele dentro da sala. Relata que mesmo para entrar e sair da sala em fila, algo
absolutamente comum na EI, era um grande problema.
Ela relata um caso dela quando era criança ficando na cadeira do pensamento. Ela
enganava a professora para sair, e agora, por isso não vê sentido em fazer o
mesmo. A conversa gira em torno desse tema: a pedagoga fala da professora que
leva seus alunos como carneirinhos. Coloca, também, que esse modelo não serve
mais porque o mundo mudou.
Pesquisador diz que isso é construção coletiva maior que a própria família
Também, fica evidente para o pesquisador que, apesar da disponibilidade das duas
(professora e pedagoga do Israel) em constituir um espaço coletivo para o
planejamento, a escola não tem o hábito de sentar para o diálogo reflexivo entre os
profissionais, algo comum nas duas escolas. Diálogo como fenômeno humanizador,
freiriano, que se constitui de ação e reflexão
Para se estabelecer à práxis coletiva é necessário muito mais do que saber ouvir ou
falar em grupo. É necessário que, concomitantemente ao aprendizado do diálogo,
rompa-se com as relações duais (Meirieu, 2002) dentro da instituição escolar, com
120
Aquele momento pareceu dizer que é mais fácil receber pronto do que fazer por si.
Esta perspectiva se traduz na contradição de ter que dar daquilo que não possui; de
ter que produzir um algo sem nenhuma referência, sem “receitas” e nem
conhecimento dos “gostos” de quem vai consumir... Criando, aparentemente, certa
“imobilidade” pelo sentimento de que é muito difícil realizar a tarefa e, talvez,
também de realizar-se na tarefa.
A não ser quando ele faz alguma coisa que chama a atenção no
momento compartilhado e aí falam: “Nossa! Ele tá fazendo assim,
entende. Mas é só naquele espanto inicial e depois volta a rotina.
Meu medo no fundamental é esse, porque as crianças correm muito
neste corredor, o professor nem sempre vai estar acompanhando, vai
deixar ele um pouco mais livre, até para ele mesmo crescer em
relação a este ambiente escolar.
Anotação no diário: no ano anterior essa mesma professora (do mesmo modo que
as outras) deixou o aluno NEE por conta de uma professora só.
Parece que a escola ainda não descobriu que apesar de cada professora construir
sua trajetória profissional de forma única tem, quando considerada em conjunto,
histórias muito semelhantes. Então, uma experiência vivida “socialmente” pode ser
vista como possível de ser vivenciada com igual intensidade por outros indivíduos do
grupo.
A educação escolar que se propõe democrática deveria ser aquela em que qualquer
sujeito, respeitada sua cultura, o seu local e momento histórico, teria acesso a todos
os tipos de discurso no coletivo da escola, em um processo de apropriação para si,
como mecanismo de libertação, como FREIRE dizia:
Por outra parte, não existem senão homens concretos (“não existe
homem no vazio”). Cada homem está situado no espaço e no tempo,
no sentido em que vive numa época precisa, num lugar preciso, num
contexto social e cultural preciso. O homem é um ser de raízes
espaço-temporais. (80, p.34)
123
A educação celular ainda parece ser predominante nas escolas, fazendo com que
alguns relatos fiquem meio sem sentido no meio de uma educação inoperante.
Como o daquela professora que diz necessitar da ajuda de todos, mas tranca-se na
sua sala, tranqüilamente, mantendo-se isolada. A solução é propor alternativas, em
conjunto, para vencer a situação de isolamento: professores reflexivos. Para fugir do
lugar-comum do não encontrar espaço para o diálogo e nem com quem conversar e
aprender: o trabalho colaborativo.
Professora: não sei não, mas eu acho que aqui foi feito, não sei no
fundamental, mas da El, eu sei que sim. Eu, como sou quase caduca
de pré III, não sei como vai ser o ano que vem. Nem pensei no ano
que vem qual é a turma que eu quero... Tô podendo escolher, em??
(rs).
43
Para este trabalho, a reflexão pedagógica é elemento que une a prática com a teoria.
124
Neste momento, inicia-se uma crítica a outra professora quando se especula qual
turma o aluno ficaria no ano seguinte, pois aquela profissional não teria “paciência
para o maternal nem para a criança com deficiência”. Procuro retornar ao foco,
comentando da aula do curso de estimulação e o material que será utilizado pode
servir de apoio ao grupo.
Pesquisador: É longe?
Pedagoga: quando você quiser alguma coisa, você vem aqui pegar...
Professora: Sim! Toda vez que preciso alguma coisa tinha que vir
aqui para pegar, porque nós estávamos acostumados a ter os
nossos papéis para as nossas aulas, as nossas canetinhas, nossas
tesourinhas, nossos gizes-de-cera, tudo isso... Nosso chamex, tudo
isso estávamos acostumados a ter em nossa sala de aula... Lá no
armário era coisa nossa, nossos brinquedos em sala de aula, tudo!
Eu tinha brinquedos excelentes para trabalhar. Pergunta onde estão
esses brinquedos. Não sei onde foi parar... Misturou tudo, tudo,
tudo... Misturaram tudo. Então muita coisa se perdeu...
[...] o que temos a fazer é repor o ser humano que atua, que pensa,
que fala, que sonha, que ama, que odeia, que cria e recria, que sabe
e ignora, que se afirma e que se nega, que constrói e destrói, que
tanto o que herda quanto o que adquire, no centro de nossas
preocupações. Restaurar assim a significação de meu ser, enquanto
126
Pedagoga – Mas será que não seria bom, por exemplo, no ano que
vem – ele tem que interagir com todo mundo – no ano que vem
deixar uma recomendação, por exemplo, a respeito disso? Porque as
pessoas não sabem como é isso. O Israel andava pra todo lado, e
agora não vou prender ele, e ele vai andar, continuar andando? Ou
ele vai entrar no ritmo, igual todo mundo?
A pergunta é: eu não quero ser mais sozinho? Ou será que só agora me percebi
sozinho?
Por princípio, acredita-se que o poder de crítica que a prática reflexiva no diálogo
propicia é essencial em qualquer tipo de trabalho para a inclusão, mesmo dentro do
olho do furacão que é o cotidiano da escola. Por vezes, é tamanho o desejo de fazer
valer o direito de acesso à classe comum das escolas regulares que se esquece de
refletir devidamente sobre os porquês de a escola, historicamente, não conseguir
incluir todos.
Nos escritos de BAKHTIN aparecem algumas idéias que servem para dar força ao
uso do diálogo como meio para reflexibilidade. Já que ele propõe que a consciência
do sujeito sobre a sua condição social se dá na relação entre os “nós” pelo diálogo,
como foi perseguido nas trilhas deste trabalho.
Pesquisador: Então você fala algo que você sente, você não pode
afirmar isso num planejamento formal, você não pode dizer que isso
tem que ser feito para ele aprender! Não tem base racional, são
coisas que passam pelo seu coração.
44
Parte integrante do roteiro de pesquisa-ação utilizado como ferramenta de planejamento coletivo.
128
Ficamos em silêncio.
Um trabalho de planejamento como este, os seus objetivos não devem ser apenas
para produzir novas consciências sobre aquilo que se faz. É, também, para gerar
conhecimentos novos, sendo eles úteis para a vida profissional desses participantes
da pesquisa, na medida em que promove reflexão qualifica os profissionais para
129
atuação com um novo tipo de aluno, os com NEE, num ambiente bastante
conhecido.
No caso deste trabalho, foi dada a partida na busca de caminhos para um professor
reflexivo, em uma escola aberta para todos, sinta-se confiante, como todos os outros
profissionais, no diálogo, na procura constante de conhecimentos específicos e
recursos educativos que beneficiem a sua prática. Para isso, se aposta na criação
de uma estrutura de Escola desenvolvida no sentido de criar condições para que o
educador tenha uma atitude autônoma frente ao desafio do processo de inclusão.
Professora – Mas como é que isso vai entrar num diário, se ela é
mais pro professor [...]
Professora – Porque a outra pessoa que vai ler, de repente não vai
ver validade pra ela, ela não tá entendendo o que eu tô querendo,
Agora... né?
130
Um grupo exclui o outro das chances do poder. Essa exclusão pode variar em modo
ou grau, mas, estigmatizando o outro com menor valor. O processo de
estigmatização se dá pelo reconhecimento do pertencimento do outro a um grupo de
valor inferior. A consciência devida do preconceito nasce na reflexão coletiva e só
possível num diálogo (BAKTHIN, 2007)
Anotação no diário: Será que o diálogo sobre a sua vivência com aluno NEE já não
proporcionou as essas professoras um saber diferenciado?
Professora: Não...
Professora: professor sabe como o outro vai ser. Não muda não.
(rs)
São essas opções conceituais que regem o trabalho do professor, mesmo que por
vezes não se tenha a consciência desses critérios que balizam o que é certo e
errado para a sua ação docente. Os professores numa prática irrefletida e solitária
não percebem o alcance daquilo que estão fazendo, mesmo naquelas escolas que
134
A partir dessas colocações, pode-se dizer que o primeiro trabalho pedagógico para a
escola com esse aluno NEE é torná-lo bem conhecido através de estratégias que o
façam ser reconhecido como membro da turma, tornando-o familiar; um habitante
daquela sala de aula, não mais um estrangeiro. Ensinando que qualquer sujeito
deve ser compreendido como um cidadão de direito, mesmo com tão pouca idade,
incluindo aí o de aprender quando vai para a escola.
Pesquisador – Isso eu acho que você tem. Não sei, mas você tem
todo o relato do que foi planejado pra ele com relação ao tema e ao
espaço de trabalho com ele, com o Israel?
Pesquisador – Os termos?
135
Professora – [...] a oralidade, tipo assim. Ele não fala, mas ele
entende muito bem o que a gente fala e guarda muito bem tudo o
que ele vivencia, tudo o que...
Professora – É, isso!
Pedagoga – Risos
Por estar ele no campo da crítica ao cotidiano, o processo de diálogo vai deixando
de ser do já-dado para aos poucos nos tornarmos ignorantes (RANCIÉRE, 2005)
dentro de uma conversa onde persisti o estranhamento. Colaborativa e aberta como
deve ser a metodologia neste tipo de estudo, procurou-se a compreensão das
respostas dos profissionais participantes que dialogaram dentro e com este tipo de
planejamento. [...] Vemos, então, que não existe educação crítica que não se articule
a uma crítica da educação, uma crítica instituída no próprio funcionamento do lugar
onde ela se exerce. (MEIRIEU, 2002, p. 189).
Mas quais são as transformações percebidas nas e pelas professoras ao final desse
período em que estivemos todos juntos, em planejamento coletivo, num processo de
aprendizagem mútua? O pesquisador pergunta sobre o aluno: qual foi o resultado
que vocês vêem ao final do ano do trabalho com Lucas? (Item 3.3 do relatório de
pesquisa-ação)
Pesquisador lê: Aos poucos foi evidenciando respostas próprias nas
atividades propostas pelo professor; seu equilíbrio melhorou, sua
sociabilidade e a comunicação ampliam-se, principalmente no que
diz respeito às outras crianças da turma, as expressões do seu
desejo, resposta aos limites e regras pré-estabelecidas; e com outros
profissionais da escola. Apresenta boa qualidade nas respostas
motoras apesar da limitação dos movimentos no seu lado esquerdo.
É importante salientar que a criança necessita de acompanhamento
neurológico e fisioterapêutico, como também do assessoramento da
equipe multidisciplinar pertencente à escola. Os pais são necessários
para interagir junto ao professor, a fim de facilitar a sua
aprendizagem, na formulação de questões estratégicas de ensino na
137
Anotação no diário: Como seria bom para a escola essa professora passar a sua
experiência por meio de uma formação continuada dentro da escola, mas de
maneira coletiva. Assim, dividindo com os outros esse saber e conseqüente
responsabilidade, sem culpa.
Qualquer instituição de ensino quer que todos os alunos aprendam, mas para
criação de um contexto de eqüidade de direitos e de oportunidades que valorize a
diversidade humana, será preciso alterar algumas crenças e impedimentos/avanços
em relação aos saberes da prática dos profissionais.
assim, que tão bem por dentro, falam assim, ó: é o tempo que ele tá
precisando... ele tá no tempo dele... ninguém é igual a ninguém. E
pras crianças de sala também, cada um tem seu jeito, cada um tem...
né? Aí é igual quando questionam a atividade do outro, né, e tudo,
uma pintura... e falam: cada um faz do seu jeito, cada um tem o seu
jeito de ser. Tem uma aluna assim que usou essa sala, né, no ano
passado e hoje em dia ela fica... é a última a entregar uma atividade,
caprichando, e ela não queria fazer porque ela não sabia, não sabia.
Depois, com o tempo alguém falou alguma coisa do outro e ela falou
assim: não é tia, que cada um tem o seu jeito de ser e cada um faz
do jeito que quer?
O que ficou consolidado nos participantes é que o processo de inclusão dos alunos
com deficiência representa, hoje, uma possibilidade de reinvenção da escola, uma
renovação e uma valorização da profissão docente. Ele não é só mais uma nova
onda que atingiu a escola, modificou o cenário fazendo com que ela seja hoje como
nunca foi antes, necessitando, pois, de professores emancipados (RANCIÉRE,
2005) e prontos para refletir sobre conhecimentos novos, gerados em outros campos
e áreas de conhecimento.
Somado a tudo que já foi dito, percebeu-se que no trabalho do professor, para que o
processo de inclusão se efetive, algumas condições concretas são necessárias,
faltam alguns recursos que hoje ainda não existem como próprios da escola e alguns
profissionais que ainda não são da educação escolar devem dar apoio e suporte aos
professores e gestores, além da consolidação de um ambiente colaborativo
140
(CAPELLINI, 2004). Tudo isso vai ter que ser incorporado ao cotidiano para que a
Escola tenha qualidade e caminhe na perspectiva inclusiva.
Professora – [...] Eu fico preocupada com quem que vai pegar, mas
confio em Israel. Deus sempre mostra um caminho, Deus te ilumina.
Você não precisa ficar preocupada qual é o aluno. Eu nunca quis
olhar isso [...] Ah, deixa eu olhar se fulaninho está aqui... Se ele for
meu, eu vou enfrentar aquilo que eu tenho que enfrentar, né. E
graças a Deus, nunca, assim, entendeu?... Israel acho que foi o
desafio maior [...] sem saber o que fazer, né? [...].
Professora - É, pode ser, se ele for meu no ano que vem, eu quero
novos caminhos, assim, outras coisas, entendeu? [...] novas coisas
pra eu trabalhar com ele, porque eu acho assim, que no fim desse
ano, tinha que ter mais, não é?
Ao final dos encontros foi pedido para as professoras participantes relatarem como
foi o processo a partir da questão avaliativa contida no roteiro de pesquisa-ação:
O que descobri que precisa saber?
Caso 1 – Lucas
3° bimestre
Aprecia leitura através de imagens e ilustrações. Gosta de recitar
poesias. Gosta de desenhar com canetinha e o seu desenho já
começa a se fazer “entendível”. Já reconhece várias letras do
alfabeto. Escreve seu nome com a professor ditando as letras para o
mesmo fazer. Consegue pular com os dois pés. Usa ambas as mãos
para bater palmas, segurar a folha de papel para pintar e desenhar,
segura potes de materiais.
4° Bimestre
Dos movimentos que consegue realizar, Lucas os utiliza como
linguagem expressiva. Participa de algumas brincadeiras. Utiliza a
música como meio de comunicação. Utiliza-se da voz, corpo e
objetos sonoros para produzir sons. Utiliza o desenho para
representar situações. Realiza atividades de escrita com orientações
do professor.
Caso 2 – Israel
Esta última anotação, feita na agenda do pesquisador que servia como diário de
campo mostra como em um pequeno percurso de quase cinco meses
(agosto/dezembro) o quão ele foi intensamente rico de possibilidades de estudo. A
partir da primeira linha já surge outro ponto para pesquisa: por que não havia
nenhum dos profissionais prontos para ficar e ouvir o chão da escola? E, depois, a
cada linha escrita via-se outros pontos para se questionar ou refletir acerca do que o
processo de inclusão dos alunos NEE provoca na Escola.
Desde o seu passado, a escola tem sido pautada para atender a um aluno
idealizado e de um projeto educacional elitista, meritocrático, homogeneizador, num
sentido conservador-reacionário, assim não se ensina a professora a fazer inclusão.
Por essa razão a escola tem produzido situações de exclusão que têm,
injustamente, prejudicado a trajetória educacional de muitos estudantes,
independentemente de ser deficiente ou não.
Difícil processo este de inclusão escolar dos alunos com deficiência, pois pressupõe
a geração de uma desigualdade entre os sujeitos. A dificuldade na realização de um
projeto de escola inclusiva está na aparente injustiça do caminho, na maioria os
profissionais não entendem a desigualdade de oportunidades preexistentes naquele
sistema competitivo. Não percebem que a injustiça realmente estaria em tratar os
sujeitos desiguais desde o berço como iguais só porque eles estão na mesma sala
de aula. (DUBET, 2001)
A escola para ser justa começa na universalização do acesso, este entendido como
“todos” na escola, sem exceções, passa para a questão de se ter uma escola
acessível também para todos, e por último, a escola ensinar com qualidade social. E
é aí que começam as dificuldades em se instituí-la. DUBET (2003) nos apresenta a
idéia de que as desigualdades sociais pesam muito nas desigualdades escolares (p.
542). Mas, apesar de impertinentes pela constância em que se mantêm na pauta,
essas questões são agudas o suficiente para evidenciar uma grande barreira
construída durante o caminho histórico feito pela escola nos últimos dois séculos e
que aparece fortemente durante todo o percurso do trabalho.
A igualdade como valor se mantém forte porque, mesmo depois de mais de 200
anos, vê-se mais claramente essa situação quando os profissionais de apoio ou
suporte à inclusão vão às escolas pedir um tratamento desigual aos alunos
diferentes, que se dêem oportunidades diferentes aos desiguais, a resistência
aparece. Sendo ainda quase um crime pensar em dar aos sujeitos inseridos
diferentes oportunidades para aprender.
145
Ainda neste mesmo texto, DUBET (2003) mostra que, apesar de tudo que já foi
debatido dentro dos momentos de planejamento entre os profissionais, o modelo
baseado no mérito não deve ser abandonado, pois é o único capaz de construir
“desigualdades justas”. Só que no caso da escola brasileira (pelos dados do MEC,
2006) nem a igualdade de acesso para os alunos NEE está garantida.
Vê-se que o caminho, a partir do apontado por DUBET, passa pela redução das
desigualdades sociais de fora da escola. E que é preciso procurar outros princípios
de justiça para reformar esse modelo (2003, p. 545) 45 . Uma justiça distributiva deve-
se cuidar de alguns pontos para criar condições à mudança: a garantia de
competências mínimas; uma escola eficaz, as esferas da justiça e como tratar os
vencidos.
Essa aferição de valor (FREIRE, 1978) pela meritocracia escolar (DUBET, 2001 e
2004) vitimiza os alunos “menos eficientes”, no caso do aluno que visivelmente não
vai participar desse modelo educativo em que o professor tem fé – como no caso do
aluno com deficiência – chega a ser perverso e o torna desprezado. Faz do aluno
aquele digno de pena, ou ainda, merecedor apenas do “amor” do seu professor, na
especificidade da EI: o cuidar-educar, ele só mereceria o cuidado.
Por isso, a partir do apontado neste trabalho, é necessário fugir da “ilha solidão” em
que todas as professoras daquelas instituições se aprisionaram. É preciso que
todos, neste novo contexto, saíam do espaço restrito das salas de aula, das
instituições especiais, das associações familiares filantrópicas, e ganhem proporções
comunitárias de um espaço de sociabilização. Depois desse despertar das pessoas
de dentro da escola, incorporando progressivamente toda a comunidade escolar,
engajada no processo de inclusão é que a diversidade/diferença começará a habitar
o espaço da instituição escolar.
própria escola e que os principais interessados parecem não ser politicamente tão
bem articulados para esses ideais avançarem.
Outro ponto emergente, a partir do diálogo nesta pesquisa foi que construção de
uma escola eficaz faz parte da construção da escola justa. Aparece também no que
se apreende do texto de Dubet, que a escola participa do processo de exclusão
quando não se preocupa com a trajetória do aluno para fora dela. Encaminhando,
por exemplo, para o mercado de trabalho o jovem com uma formação acadêmica
desqualificada socialmente, sem condições de alcançar bons postos de trabalho 46 .
Dubet, assim, nos seus textos, vai tocando em pontos bastante sensíveis para
aqueles que militam dentro do movimento de inclusão escolar: o sucesso para
‘todos’ é um slogan vazio, por contradizer os princípios meritocráticos sobre os
quais a escola se funda (p. 550, grifo do autor). Em outros termos, como sentido
pelas profissionais que participaram do trabalho, a escola em que estamos não foi
feita para incluir, além de não saber como tratar dos seus vencidos, principalmente
quando eles são os seus professores.
Nos discursos das professoras e pedagogas das escolas, aparece muito comumente
nos enunciados a concepção de que aprender é adquirir conhecimento, o que
estaria atrelado ao bom ou mau desempenho do aluno e, portanto, ao fracasso em
aprender. Este fracasso acaba sendo entendido como um fracasso do aluno,
raramente ligado ao processo de “ensinagem” ligado à prática pedagógica dos
professores.
46
“desprovidos de utilidade social” (DUBET, p. 549).
147
Com isso, não quero dizer que o novo ou aquilo que ainda não se
pôs em prática seja sempre melhor, mas sim que a organização em
si é melhor quando é capaz de decidir sobre a manutenção ou a
47
As dúvidas, no caso deste trabalho, tiveram também como função delimitar a discussão, porque se
sabe que quanto mais variedade de assuntos, maior seria a dificuldade de aprofundar os conceitos.
148
Dentro desse espaço comum, um grande problema encontrado neste trabalho feito
no diálogo foi a dispersão dos sujeitos em conversa. Cada um move o “papo” de
acordo como os seus desejos e interesses pessoais, ficando o foco muitas vezes
fora do motivo principal que nos uniu: o aluno NEE. Tudo é motivo para se lembrar
do que está fora da escola, dos alunos que já teve, do que precisa fazer em casa,
com as crianças e etc.
Portanto, não está se afirmando que o roteiro de pesquisa-ação sirva para a escola
toda se organizar em função do atendimento educativo e pedagógico ao aluno NEE.
O que se percebeu é que o processo realizado pela pesquisa aponta caminhos
diferentes para a auto-formação profissional e para atender ao aluno NEE no
processo de inclusão à escola.
150
Dentro das falas das professoras, elas sem refletir, não parecem reconhecer a
existência da questão de um envolvimento moral na sua ação pedagógica, pois
atuaram com preconceito e, às vezes, legitimaram o processo de exclusão e de
segregação fundamentadas no conhecimento científico. No caso das escolas foi
para aqueles que lá estão e tinham sucesso na sua aprendizagem.
O processo de inclusão escolar está colocado neste contexto como uma questão de
valor moral e não, também, como um imperativo legal devendo ser considerado no
bojo das políticas afirmativas de Direito, como uma ação de cidadania, de justiça
social, na construção de uma sociedade democrática.
Esses debates pela inclusão dos alunos NEE, nos nossos momentos de encontro,
atravessaram todas as instâncias da escola – do currículo à gestão – até mesmo em
relação à sua estrutura física. O caso que apareceu neste estudo como o ponto de
maior tensão foi a prática docente (por vezes na falta dela) em relação ao aluno e na
151
Desta forma, dentro das experiências de inclusão escolar realizadas neste trabalho,
as deficiências podem ser de certa forma entendidas como fatos sociais, visto que
independem dos sujeitos que as têm, sendo constituídas em seu significado nos
processos de mudança na estrutura da sociedade em cada momento histórico. Deve
o professor desenvolver formas de valorização das diferenças no seu cotidiano e
estimular o diálogo em prol da diversidade dos alunos na sala de aula, desenvolver
práticas pedagógicas que permitam a extinção de uma cultura excludente.
Dentre essas razões, a que mais importou, tanto no período de estruturação inicial
do trabalho quanto durante todo o seu processo de confecção, é ele servir para o
estudo futuro dos processos de planejamento diferenciado e de formação em
pesquisa relacionada ao processo de inclusão escolar, e aquele que venha a se
utilizar do trabalho possa compreender o relatado, mas, em caso de dúvida, tenha
um grande e fácil manancial teórico para consulta.
Por isso como nos ensinou as falas das professoras, o processo inclusão escolar por
si só também não garante o reconhecimento do outro como sujeito válido. O portão
153
aberto não reduz as desigualdades daqueles que por ele passam. Elas os
acompanham. O aluno mais favorecido pelo meio que se origina tem maior
probabilidade de ser um bom aluno.
Para o processo de inclusão dos alunos com deficiência, que ainda passa pela
universalização no acesso, essa barreira é muito difícil de transpor. Na realidade: o
sistema meritocrático cria enormes desigualdades entre alunos bons e os “menos
bons” (DUBET, 2003, p. 542) marginalizando e excluindo dentro do sistema e mais,
carregando uma contradição: se o mérito realmente existe, como responsabilizar
unicamente o aluno pela sua condição de nascimento ou mesmo pelo desempenho
inicial da sua vida?
A ideologia da inclusão não pressupõe a falta dos preconceitos por parte dos
profissionais, como foi várias vezes discutido nos momentos de planejamento na
pesquisa, mas a consciência do que eles representam para o trabalho pedagógico
na escola e, por conseqüência, nas inter-relações na sala de aula. Pela reflexão no
coletivo da escola deve-se fomentar ações afirmativas do Direito para a redução ou
a eliminação total dos efeitos discriminatórios. Bem visíveis na intolerância ao
diferente e à diversidade.
Com a entrada e permanência dos alunos deficientes nas turmas comuns das
escolas regulares vive-se um instante de esperança renovada, sentindo que outra
sociedade é possível. Da mesma forma que, enfrentando o desafio a pesquisa
aventurou-se na busca pelo entendimento das novas características da instituição
social escola, tendo em vista as transformações causadas pelo processo de inclusão
dos alunos NEE nas classes comuns das EMEI’s, no caso em Aracruz.
Hoje se sabe que esse processo de inclusão escolar não depende mais tanto de
garantias legais, elas já estão prescritas. O que falta agora para os alunos NEE é
que esse processo embale, tome maior força. Ele precisa ser concretizado em nome
daquelas crianças que viviam muito longe da história da escola, agora estavam na
sala, encarnadas no papel de alunos que requerem, desses profissionais, saberes
que, na maioria das vezes, foram sido negados, como dito pelas professoras, pela
provável razão do preconceito contra o diferente.
48
Da mesma forma acontece em outras redes de ensino, deste que nelas o processo de inclusão
escolar seja visto como proposta política de uma gestão. Quando deveria ser vista como uma ação
maior que ultrapassa uma gestão, como política pública para o município.
157
Mas vale dizer que se deve ter a consciência de que existem várias possibilidades
de respostas e caminhos a trilhar, por isso não se deve simplificar demasiadamente
e colocar todo o peso num ponto só como, por exemplo, na falta de recursos
(materiais ou humanos) adequados para acolher e ensinar os alunos NEE dentro da
escola. Se assim fosse, bastaria voltar-se para a construção dos recursos
necessários, principalmente os financeiros, e qualificar os profissionais para que
essa nova realidade pudesse existir.
As professoras já foram crianças selvagens como aquelas que estão na sua sala de
aula e, assim domesticadas, aprenderam que cada uma cuida sozinha do que é sua
responsabilidade, dentro do espaço coletivo que é a sociedade.
Uma vez que existe uma dimensão cultural condicionante na construção das práticas
pedagógicas em sala de aula, fazendo com que a população atendida pela escola e
a visão que a escola tenha sobre si mesma, entre outras características sócio-
históricas, configurem o modelo de instituição. E, é esse que em última instância
deve ser renovado.
A entrada do aluno NEE na classe comum, de certa forma altera o conceito histórico
de infância e com o ideal de aluno da escola burguesa, dominante até hoje. Aquela
escola que preconizava que, para os alunos que não se encaixavam ao formato,
restava a normalização (normatização) ou a marginalização (exclusão) LOPES e
LADE (2008).
que isto ocorra alguns requisitos são indispensáveis. Como o acolhimento desse
aluno, ele pertence àquela professora, à turma, à escola e a ele mesmo
conjuntamente; também a vontade de ensiná-lo, uma motivação (ou seria uma
crença) pedagógica na possibilidade de ele aprender; e, em decorrência dos dois
primeiros, um desejo em saber mais sobre ele.
Por fim, neste trabalho, viu-se como é benéfico examinar os impasses, barreiras e
sucessos vividos pelos professores no seu cotidiano, bem como indicou, na medida
do possível, os direcionamentos das novas perspectivas emergentes na escola, nas
ações pedagógicas, tentando ver, com esta mudança de sentido, a aproximação
(entrada) do professor neste processo pela valorização do trabalho pedagógico.
A inclusão escolar não espera que alguém de fora venha e dê aula para o aluno
NEE no lugar do professor. Portanto, algumas questões devem ser pontuadas como
provocadoras da reflexão para esses profissionais: A escola quer parceria ou
dependência em relação aos profissionais especialistas? Se a gente aprende de
verdade a ser professor dentro da escola, então de que serve a formação inicial?
REFERÊNCIAS:
17 BARRETO, V. - Paulo Freire para educadores . São Paulo: Arte & Ciência,
1998. 138p.
http://apache.camara.gov.br/portal/arquivos/Camara/internet/comissoes/cec/Fundam
entos%20da%20Lei.pdf
69 H E R N Á N D E Z , F . e S A N C H O , J . M . - A formação a partir da
experiência vivida. Revista Pátio, ano X, n. 40, nov.2006/jan.2007.
78 LUDKE, M. - O professor, seu saber e sua pesquisa. Educ. Soc., Abr. 2001,
vol.22, n°.74, p.77-96. ISSN 0101-7330
101 OLIVA, A. - Filosofia da Ciência. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003, 75p.
português. No: Fórum Mundial de Educação Porto Alegre, Brasil 24-27 de Outubro
de 2001.
109 PRIGOGINE, I. O Fim das Certezas - tempo, caos e as leis da natureza. São
Paulo: UNESP, 1996, 199p.
147 ZITKOSKI, J. J. – Paulo Freire & Educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2006,
120p.
177
ANEXOS
Anexo 1:
Você receberá uma cópia deste termo onde consta o telefone e o endereço
eletrônico do pesquisador e do seu orientador, podendo a qualquer momento tirar
dúvidas sobre o projeto ou no que se refere a sua participação. É importante
salientar que em qualquer momento se alguma escola ou profissional não queira se
submeter a qualquer condição desta pesquisa fica livre para desistir de participar e
retirar o seu consentimento.
________________________________________
Anexo 2:
“Pesquisa-ação”
2 - Reconhecimento do caso:
3 - Planejamento:
4 – Avaliação:
4.2 – Listar o que foi aprendido no processo (pelo profissional e pelos outros),
indicações e recomendações para o “fazer” no trabalho no futuro.