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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO


MESTRADO EM EDUCAÇÃO

DIÁLOGOS REFLEXIVOS: busca por outras práticas pedagógicas inclusivas

LUIZ ANHAIA VASCONCELOS

Vitória, 2008
UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
MESTRADO EM EDUCAÇÃO

DIÁLOGOS REFLEXIVOS: busca por outras práticas pedagógicas inclusivas

LUIZ ANHAIA VASCONCELOS

Dissertação apresentada ao programa de Pós-


graduação da Universidade Federal do Espírito
Santo, como parte dos requisitos para
obtenção do título de Mestre em Educação. Na
linha de pesquisa: Diversidade e Práticas
Educacionais Inclusivas.
Orientadora: PROFª.DRª. Maria Aparecida
Santos Corrêa Barreto.

Vitória, 2008
2
3

Como epígrafe as lições que o trabalho de pesquisador deixou em mim:

De tudo ficaram três coisas: a certeza de que estava sempre


começando, a certeza de que era preciso continuar e a certeza de
que seria interrompido antes de terminar. Fazer da interrupção um
caminho novo, fazer da queda um passo de dança, do medo, uma
escada, do sonho, uma ponte, da procura, um encontro. (Fernando
Pessoa)

Tudo se reduz ao diálogo, à contraposição enquanto centro. Tudo é


meio, o diálogo é o fim. Uma só voz nada determina, nada resolve.
Duas vozes são o mínimo de vida. (BAKTHIN)

A vida se revela como um sistema de criação, de permanente tensão


e superação, de constante criação e combinação de novas formas de
comportamento. Assim, cada idéia, cada movimento e cada vivência
são uma aspiração de criar uma nova realidade, um ímpeto no
sentido de alguma coisa nova.

Assim, a vida só se tornará criação quando libertar-se definitivamente


das formas sociais que a mutilam e deformam. Os problemas da
educação serão resolvidos quando forem resolvidas as questões da
vida. (Vigotski, 2001)

A vida é arte do encontro


Embora haja tanto desencontro pela vida. (Vinicius de Moraes)
4

RESUMO
Este estudo objetivou revelar as possibilidades do trabalho colaborativo na escola
em um espaço-tempo de planejamento diferenciado. Assim, com o foco na ação
pedagógica, pretendeu favorecer os alunos com necessidades educacionais
especiais nas escolas de Educação Infantil. A questão central para o trabalho foi:
quais as possibilidades que tem o trabalho colaborativo na escola, utilizando-se de
instrumental da pesquisa-ação, de servir como caminho para o planejamento
coletivo das ações pedagógicas, sendo estas comprometidas de igual forma com o
fomento da autoria docente e o processo de inclusão dos alunos com necessidades
educacionais especiais? Para isto ele estava fundamentado em três conceitos-
noções: Educação Infantil que tenha o processo de inclusão escolar como uma ação
afirmativa de Direito da criança cidadã, buscando cuidar-educar a grande
diversidade humana; a emancipação docente por meio de um movimento de diálogo
reflexivo, a partir do investimento num ambiente de trabalho colaborativo; e, por
último, um trabalho com professores de Educação Infantil, sendo realizado no
coletivo, auxiliando a autoformação dos profissionais pela via da pesquisa-formação,
tendo em vista a permanência e a aprendizagem dos alunos. Como instrumento de
coleta de dados, utilizou-se da observação participante com os instrumentos: auto-
retrato dinâmico, documentos de referência do planejamento; áudio-gravação; diário
de campo e o roteiro de pesquisa-ação para tentar realizar a espiral reflexiva de
planejar, descrever, agir e avaliar (pesquisa-ensino-reflexão). Os depoimentos
coletados se transformaram em quatro movimentos representativos da trajetória da
pesquisa, sendo eles na ordem: medo, insegurança, resistência e vertigem; a ilha
“solidão”; refletir e dialogar; do exercício da fala reflexiva. Apresentando, a partir
desses movimentos, possibilidades de se criar outras práticas pedagógicas de
inclusão e, depois, na análise e discussão sobre os caminhos encontrados se
examinou os dados evidenciados nos encontros com um olhar apoiado basicamente
em Paulo Freire. Eles mostraram que, na escola, o espaço de planejamento deveria
ser este lugar/momento em que o povo de dentro e o de fora da escola se
encontrem para coletiva e colaborativamente se desafiarem à resposta em ação das
questões relativas ao processo de inclusão escolar.

Palavra-chave: Diálogo Reflexivo, Planejamento Colaborativo, Inclusão Escolar,


Educação Infantil
5

ABSTRACT
This study aimed to reveal the possibilities of collaborative work in school on a
space-time planning differentiated. Thus, with the focus on pedagogical action,
intended to encourage students with special educational needs in schools in Child
Education. The central question for the study was: what are the possibilities that have
collaborative work in school, using tools of action research, to serve as way for
planning collective actions of teaching, being equally committed to fostering of
authorship and the teaching process of inclusion of pupils with special educational
needs? For this he was based on three concepts-concepts: Children's Education has
the process of school inclusion as an affirmative action law for the child's citizenship,
seeking care, educate the vast human diversity and the empowerment of teachers
through a movement of reflective dialogue from the investment in a collaborative
work environment, and finally, work with teachers of early childhood education, being
held in the collective, the self help of professionals through research and training in
order to stay and learning of students . As data collection instrument was used
participant observation with instruments: self-portrait, dynamic documents of
reference of the planning; audio-recording, a field diary and itinerary of action
research to try to achieve the reflective spiral of planning, describe, and evaluate
action (research, teaching and reflection). The evidence collected is transformed into
four movements representing the trajectory of research while they were in order: fear,
uncertainty, resistance and vertigo, the island "solitude", reflect and dialogue, the
pursuit of reflexive speech. Presenting from such movements, to create opportunities
for other teaching practices for inclusion, then the analysis and discussion of the
paths found are examined data highlighted in meetings with a look primarily
supported by Paulo Freire. They showed that in school, space planning should be the
place / time when the people from inside and outside the school are to collectively
and collaboratively is challenging the action in response to questions concerning the
process of school inclusion.

Keyword: Reflexive Dialogue, Collaborative Planning, School Inclusion, Children's


Education
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LISTA DE SIGLAS

APAE – Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais

APHI – Auxiliar de Professores para higiene

CEMEB – Centro Educacional Municipal de Educação Básica

CEMEI – Centro Educacional Municipal de Educação Infantil

CREM – Centro de Referencia Educacional Multidisciplinar

EB – Educação Básica

EE – Educação Especial

EI – Educação Infantil

EF – Ensino Fundamental

EMEI – Escola Municipal de Educação Infantil

IDH – Índice de Desenvolvimento Humano

LDEBEN – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

NEE – Necessidade Educacional Especial

MEC – Ministério da Educação

PEI – Proposta de Ensino Individualizado.

SEMED/Aracruz – Secretaria Municipal de Educação de Aracruz

UFES- Universidade Federal do Espírito Santo

UNICEF - Fundo das Nações Unidas para a Infância

UNESCO - Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura


7

SUMÁRIO

O PESQUISADOR E O QUE TEM DELE NA PESQUISA -......................................11

1. O PROCESSO DE INCLUSÃO NA EDUCAÇÃO INFANTIL –........................... 19


1.1 – A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO PROCESSO DE EXCLUSÃO/INCLUSÃO
NA ESCOLA –............................................................................................................19
1.2 - A DIALÉTICA EXCLUSÃO/INCLUSÃO NA EDUCAÇÃO INFANTIL -.............. 28

2. A COLABORAÇÃO ENTRE PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO INFANTIL NO


PROCESSO DE INCLUSÃO ESCOLAR -................................................................ 39
2.1 - O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DO SABER DOCENTE: A BUSCA PELO
CAMINHO DO QUE SE NECESSITA SABER -........................................................ 40
2.2. – INCLUSÃO ESCOLAR COMO PROMOTORA DA PESQUISA-FORMAÇÃO
DOCENTE -................................................................................................................53
2.3 - UM MODO DE INVESTIGAÇÃO COM PROFESSORES NA EDUCAÇÃO
INFANTIL -.................................................................................................................60

3. TRILHAS DA PESQUISA –.................................................................................. 71


3.1 - O CONTEXTO METODOLÓGICO –................................................................. 71
3.2 – O DESENVOLVIMENTO METODOLÓGICO -................................................. 77
3.3 – O DIÁLOGO RELFEXIVO COMO FERRAMENTA DE PESQUISA-
FORMAÇÃO–............................................................................................................ 84
3.4 - CENÁRIOS DA PESQUISA –........................................................................... 91
3.5 – A EMERGÊNCIA DAS EXPERIÊNCIAS COLABORATIVAS -...................... 100

4. - DIALOGANDO COM OS ACHADOS NAS TRILHAS DA PESQUISA -.......... 107


4.1 – O TRABALHO DE PLANEJAMENTO E OS CICLOS REFLEXIVOS; UMA
ANÁLISE PRÉVIA –................................................................................................ 107
4.2 – A ABERTURA DO CAMINHO: O PLANEJAMENTO E A EXECUSSÃO DOS
ENCONTROS –....................................................................................................... 111
4.2.1 – Sobre a (não) participação daquelas professoras no processo de
pesquisa –.............................................................................................................. 112
8

4.3 – O SIGNIFICATIVO ENCONTRADO –............................................................ 114


4.3.1 – Os movimentos do percurso nas trilhas da pesquisa –........................ 114
4.4 – OS QUATRO MOVIMENTOS –..................................................................... 116
4.4.1– O primeiro movimento: medo, insegurança, resistência e vertigem -...116
4.4.2 – O segundo movimento: a ilha “solidão” -............................................... 120
4.4.3 – O terceiro movimento: refletir e dialogar -.............................................. 126
4.4.4 – O quarto movimento: do exercício da fala reflexiva –............................136

5. - ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS CAMINHOS PARA CONSTRUÇÃO DE


OUTRAS PRÁTICAS INCLUSIVAS -..................................................................... 143

REFERÊNCIAS –.................................................................................................... 163

ANEXOS -............................................................................................................... 177


9

Ficha Catalográfica:

VASCONCELOS, L. A. – Diálogos reflexivos: busca por outras práticas


pedagógicas inclusivas. 2008. 180 pp. Dissertação de Mestrado em Educação –
Programa de Pós-Graduação em Educação: UFES, Vitória, ES, 2008. Orientadora:
Prof.ª Dr.ª Maria Aparecida Santos Corrêa Barreto. Linha de Pesquisa: Diversidade e
Práticas Educacionais Inclusivas
10

Odeio os indiferentes. Como Friederich Hebbel, acredito que viver


significa tomar partido. Não podem existir os apenas homens,
estranhos à cidade. Quem verdadeiramente vive não pode deixar de
ser cidadão e partidário. Indiferença é abulia, parasitismo, covardia,
não é vida...
... Odeio os indiferentes também, porque me provocam tédio as suas
lamúrias de eternos inocentes. Sou militante, estou vivo; sinto nas
consciências viris dos que estão comigo pulsar a atividade da cidade
futura que estamos a construir (GRAMSCI, apud MPEES, 2002)

Dedico este trabalho para quem eu gosto. Aqueles que não vivem na indiferença.
Para aqueles aos quais me apeguei nesta trajetória de vida e ainda me ensinam a
viver:

Aos que me fizeram iniciar este caminho: a minha mãe, irmã e meus avôs maternos
(in memoriam). Aos meus amores, sendo eles aquela que escolheu viver comigo e
ao que não teve muita escolha, minha esposa Kátia e o meu filho Vítor.

Aos professores do curso de Mestrado em Educação da UFES que me ensinaram e


desensinaram tudo que precisei para este trabalho, especificamente às Profª. Drª.
Denise, Profª. Drª. Sônia e, principalmente pela paciência, minha orientadora Profª.
Drª. Mª. Aparecida. “Porque perfeito só com todo mundo junto!” (OSWALDO
MONTENEGRO).

Aos que me acolheram neste Estado do Espírito Santo, em especial a amiga


Marluce, ao povo do CREM e aqueles mais próximos que se tornam como uma nova
família. Este trabalho serve pouco como demonstração do quanto sou grato. Eu,
como um filho, irmão ou compadre adotado, desejo mostrar através do meu esforço
em incluir os alunos NEE na escola regular o meu carinho e o reconhecimento pela
guarida de um “estrangeiro” que escreve nas suas terras.

Além de todos aqueles inumeráveis ombros, mentes e corações que me apoiaram


até aqui, dedico, também, esta dissertação a todas as pessoas que, por serem
minhas amigas, nos últimos meses vêm perguntando: quando você defende? E,
ainda, emendam com a exclamação: “não se esquece de chamar!”
11

O PESQUISADOR E O QUE TEM DELE NA PESQUISA

O ser humano é ao mesmo tempo singular e múltiplo. Traz em si


multiplicidade interiores, personalidade virtuais, uma infinidade de
personagens quiméricos, uma poliexistência no real e no imaginário,
no sono e no secreto, balbucios embrionários em suas cavidades e
profundezas insondáveis. Cada qual contém em si galáxias de
sonhos e de fantasmas, impulsos de desejos e amores insatisfeitos,
abismos de desgraças, imensidões de ódio, desregramentos,
lampejos de lucidez, tormentas dementes... (MORIN, 2000, p. 57)

A pesquisa científica, como qualquer outra produção humana, carrega o peso da


mão e todo o suor de quem a construiu e, também, marca e reconstrói a vida
daqueles a passarem por ela. Não sou mais o mesmo do início deste trabalho. O
que fiz se inscreve nessa trajetória que é a minha história de vida.

Portanto, devo inicialmente apresentar o pesquisador. Aquele cuja trajetória de vida


se constitui na própria razão de este trabalho ser concebido e feito da maneira,
naquele local e, principalmente, com aqueles sujeitos professores, alunos e, iguais a
mim, esperançosos.

Antes de qualquer outra coisa, digo que:

Sou professor a favor da boniteza de minha própria prática, boniteza


que dela some se não cuido do saber que devo ensinar, se não brigo
por este saber, se não luto pelas condições materiais necessárias
sem as quais meu corpo, descuidado, corre o risco de se amofinar e
de já não ser o testemunho que deve ser do lutador pertinaz que
cansa, mas não desiste. Boniteza que se esvai de minha prática se,
cheio de mim mesmo, arrogante e desdenhoso dos alunos, não
canso de me admirar. (FREIRE, 2000a, p.115 e 116)

Aqui neste primeiro capítulo faço uma espécie de profissão de fé 1 do meu ofício de
ser professor. Apoiado em Paulo Freire, posso dizer que é pela boniteza de ser
professor e pela manutenção disso em mim que desenvolvi este trabalho. Assim,
afirmo meu desejo de juntar-me àqueles profissionais que, depois de uma trajetória
de vida, resolvem devolver alguma coisa boa para pagar o tanto de bom recebido.

1
A profissão de fé não é um sacramento, mas um rito, um ofício que sinaliza visivelmente, pela
confissão pública da fé, a admissão de um novo membro da comunidade.
WWW.luteranos.com.br/profissao_de_fe.html
12

Essa trajetória – acadêmica e profissional – está se construindo através de um


processo de refazer quase que diário por algumas das perturbações descritas neste
trabalho. A história da pesquisa e a minha própria são movidas pela prática refletida
e cutucada graças aos autores do início da década de oitenta (pedagogia crítica)
que me formaram e me alimentam por aonde vou desde quando fui licenciado como
professor, em 1987. Naquela época, os posicionamentos críticos eram os
verdadeiros e únicos caminhos a se seguir e hoje sei que, graças a essa quase
imposição, pude seguir com esperanças numa outra sociedade possível e, assim,
fazer-me um otimista resistente 2 .

A partir dos primeiros anos de formado quis manter-me no trabalho com crianças
deficientes, mas a roda-viva me levou e não finquei raízes. Dez anos depois de
formado, depois de muitas escolas e já atuando no ensino superior, ancorei onde me
senti melhor: entre a formação de professores e o atendimento educacional às
pessoas com deficiência. Isto até 2002, quando migrei com minha família para o
Estado do Espírito Santo e a mudança me levou a conhecer outra realidade,
oportunizando um caminho que resgata e reconfigura os ideais do meu período
inicial de formação. Os ideais são diferentes, mas também eu não sou o mesmo e o
mundo mudou muito. Isto é a História.

No presente, já como um especialista indo às escolas para cuidar que o processo de


inclusão aconteça, por perceber em mim uma espécie de incômodo em relação ao
momento da visita para avaliar, acompanhar os alunos NEE e me reunir com a
equipe pedagógica, construo este trabalho. Aquele momento mais parece um evento
cerimonioso onde se reúnem a sabedoria (especialista) de um lado com os
fazedores (escola) do outro para discutir e, às vezes, com as famílias tratadas em
alguns casos como os “ignorantes” sobre o que se fazer na escola. Sabendo eu que
ele, o deficiente, só entrou na escola para ser aluno...

Tal exposição não é só para localizar o pesquisador dentro da pesquisa e mostrar o


que deu impulso ao trabalho. Serve, também, para mostrar a longa gestação deste
estudo. Acompanhando-me durante todo o percurso profissional, ele tem um pouco
2
Resistente no sentido de que, embora vendo muitos colegas navegando à deriva dentro das
próprias aulas, mantive meu gosto pela esperança.
13

de cada experiência (talvez, quem sabe, mais das ruins do que das boas) que tive e
serve para tentar interferir neste curso histórico de formação própria e daqueles
próximos a mim, daqui para frente. Confesso.

Dito isso, vale também localizar a pesquisa e o pesquisador no trabalho que


acontece dentro da rede pública municipal de Educação de Aracruz, no Espírito
Santo, onde a história da EE é muito recente. Só a partir de 1998, obedecendo a
uma demanda organizada da sociedade, é que foram criadas classes especiais nas
escolas de ensino fundamental, para em 1999 iniciar o processo de inclusão no
ensino regular.

Como relatado por LOUVEN (2005), a própria história da educação escolar neste
município é nova e teve seu desenvolvimento lento. O início do processo de
escolarização registra a data de 1910. A oferta amplia-se em 1926, com aulas em
residências e dependências de igrejas, destinadas aos filhos de fazendeiros e de
descendentes dos imigrantes italianos. (ibidem). Mas, foi só em 1954 que primeira
escola, num prédio próprio, foi inaugurada. Em 1975, o município de Aracruz
inaugura a sua primeira escola municipal.

Ao final do ano de 2004, mesmo ano em que o sistema educacional do município


optou por se ocupar totalmente do Ensino Fundamental iniciando a municipalização
das escolas públicas, foi que assinei o meu primeiro contrato de trabalho com a
Prefeitura de Aracruz para aulas de Educação Física no EF, como professor em
escola regular, travando os primeiros contatos com essa realidade. Percebi, então, o
estado de carência em relação ao atendimento às crianças com NEE de maneira
geral nas escolas públicas. Acontecendo de forma bem parecida como no Brasil e,
guardada a devida distância, pelo mundo: a oferta de atendimento àqueles alunos
dentro das políticas públicas sempre foi muito limitada e qualitativamente precária
(PRIETO, 2001).

No período de chamada pela Secretaria Municipal de Educação para o trabalho no


ensino regular, no ano de 2005, tomei conhecimento da existência de um centro de
atendimento ao aluno NEE chamado CREM, em Aracruz. A idéia de como estava
14

organizado e de quais eram seus objetivos de atendimento me atraiu de imediato 3 .


Encaminhei meu currículo para apreciação dos profissionais daquele centro que, por
conta da nova gestão pública, estava ampliando sua rede de serviços e não havia
nenhum outro profissional com a minha especialização em Psicomotricidade.

Este centro fazia parte de um investimento da gestão municipal, feito para a


implementação de propostas educacionais inclusivas. Inaugurado como um setor da
SEMED, composto por profissionais das áreas de Saúde, Educação e Serviço
Social. Este projeto se transforma primeiro pela mudança na gestão e depois de
acordo com as necessidades da Secretaria de Educação, dando uma configuração
diferente a cada ano. Hoje, 2008, este centro está focado em um trabalho de
atendimento institucional às escolas.

A partir da minha vivência em outros espaços de atendimento, bem como baseado


nas experiências dos anos anteriores, ao ser contratado pelo Centro, apresentei
minha proposta de trabalho que estava focada em quatro áreas de atuação vistas
como possíveis:
1. A criança encaminhada com prescrição da área técnica, sendo ela atendida no
CREM e portadora de algum tipo de problema psicomotor.
2. Aos professores, promovendo um enriquecimento nas relações entre eles e os
alunos com NEE, a melhoria do ambiente físico-social e das possibilidades de
aprendizagem.
3. As escolas que, possuindo alunos em processo de inclusão, necessitam de apoio
à sua equipe de profissionais no tocante à compreensão acerca do desenvolvimento
e da aprendizagem motora das crianças atendidas.
4. Aos grupos de formação continuada, de dentro da Secretaria Municipal de
Educação, que atendam as áreas de EI e EF das séries iniciais e Educação Física.

Durante todo aquele período (2005 e 2006), devido à dinâmica do trabalho dentro do
CREM e às mudanças já referidas, as minhas funções foram sendo ampliadas.

3
Para mim, naquele momento, se assemelhava a outro centro de referência em que havia
trabalhado: o Centro Integrado de Educação Especial Diogo Levenhargem, na cidade de Volta
Redonda, no Estado do Rio de Janeiro. Mas, posteriormente, compreendi que o funcionamento dos
dois estava em momentos históricos diferentes: no anterior buscava-se a integração e em Aracruz
perseguia-se o processo de inclusão.
15

Somada àquelas descritas nas quatro áreas, também coordenei duas equipes
multiprofissionais no atendimento às escolas e, como assinalado no item quatro,
passei a dividir com outros profissionais o trabalho de formação continuada do grupo
de professoras que trabalham nas turmas regulares das séries iniciais e de
professores de Educação Física do EF.

Para 2007, ano em se realizou esta pesquisa, o desafio posto para o setor de EE era
dar acompanhamento eficiente 4 às escolas. Percebeu-se logo que, para dar
respostas às questões sobre o processo de inclusão, o ideal seria constituir um
programa de trabalho organizado, com cronograma de encontros agendados nas
escolas entre os profissionais da equipe pedagógica e os profissionais de apoio e
suporte.

Dentro do possível foi feito. Mas como acontece em todas as escolas, o imprevisível
é fato comum fazendo com que esses espaços/tempos variassem muito e não
obedecessem a dias fixos para acontecerem, sendo confirmados de uma semana
para outra. Foi aproveitando estes encontros já marcados para dar assessoria às
5
escolas. E assim nasceu no pesquisador a idéia de oferecer o roteiro de pesquisa-
ação como ferramenta de orientação ao planejamento e acompanhamento do
trabalho com alunos NEE.

Depois desses anos de caminhada pelo trabalho de formação, assessoria e


docência, algumas questões se mantêm presentes na minha atuação em uma
perspectiva de se ter o processo de inclusão escolar no município de Aracruz: qual
deveria ser a função dos profissionais especialistas nessa construção? Há
necessidade de se formar profissionais preparados para o atendimento direto a uma
população específica dentro do ensino regular? Será possível ao professor
desenvolver na sua prática um processo de autonomização sobre o seu fazer,
deixando de precisar tanto dos especialistas? Questões que provocam esta
necessidade de se pesquisar num município tão suigeniris por guardar tanta
semelhança com o resto do país.

4
Eficiência pode ser medida pela relação positiva entre expectativas para o trabalho e resultados
alcançados.
5
Anexo n°.2
16

Ainda neste trabalho, pretende-se garantir algum tipo de retorno para a formação de
todos os profissionais envolvidos com o processo de inclusão escolar.
Principalmente para aqueles que não possuem na sua formação inicial um suporte
consistente para a docência com alunos NEE, mas estão envolvidos com essas
experiências, necessitando, portanto, de saberes bastante diferentes daqueles
conquistados no curso de magistério médio ou superior.

Também, é desejo neste trabalho realizar uma pesquisa-formação em contexto que


não fique somente no momento e no local dos encontros, visto que este estudo, feito
em colaboração com os professores num pequeno percurso reflexivo, poderá
provocar mudanças na obra coletiva de ensinar, indo além do choque do
desvelamento e, se assim fazendo, auxilie a renovação do espaço de sala de aula.

Nesse movimento inclusivo em Aracruz surgem demandas das escolas em relação


aos alunos NEE que este trabalho se esforçou para tentar responder na trilha de um
processo de formação-investigação na EI, em função do atendimento diferenciado
nas classes comuns. Considerando tal contexto, foram objetivos deste trabalho:
✔ Delinear uma proposta de qualificação profissional feita num processo de
avaliação e planejamento de ensino que vise favorecer a emancipação docente.
✔ Propiciar, por meio da reflexibilidade sobre o processo de inclusão escolar, o
desenvolvimento profissional dos docentes a partir das experiências e dos
conhecimentos derivados das suas próprias práticas.
✔ Revelar as possibilidades do trabalho colaborativo na escola pela via da
pesquisa-formação, criando um espaço-tempo que servirá como caminho para o
planejamento de estratégias de ensino e formação continuada, sendo esse
comprometido com o processo de inclusão dos alunos NEE.

Por fim, poder acompanhar por meio de um trabalho de observação participante a


formação continuada em serviço num espaço colaborativo de planejamento para a
melhor qualificação profissional. Assim, com o foco na ação pedagógica, favorecer o
processo de inclusão dos alunos NEE nas escolas de EI. Beneficiando esses alunos
a partir da construção de proposta para orientação aos profissionais envolvidos,
17

avaliando a eficiência/eficácia da formação em pesquisa e reconhecendo a


necessidade de uma qualificação diferenciada para os profissionais no trabalho com
o processo de inclusão escolar.

Aqui cabe um esclarecimento, já que, de alguma forma na nossa sociedade, todos


estão excluídos ou incluídos dentro da ordem social vigente. Opta-se, então, por
escrever o processo “exclusão/inclusão” como ele ocorre na realidade: [...] Todos
estamos inseridos de algum modo, nem sempre decente e digno, no circuito
reprodutivo das atividades econômicas [...] Portanto, em lugar da exclusão, o que se
tem a “dialética exclusão/inclusão”. (SAMARA, 2006, p. 8). Por isso, neste trabalho
tem-se o cuidado de expor na sua base teórica a que tipo de “exclusão” se refere,
diminuindo a dificuldade de expressão do processo de exclusão/inclusão escolar na
EI.

O trabalho tem a sua fundamentação em três conceitos-noções: uma EI que tenha o


processo de inclusão escolar como uma ação afirmativa de Direito da criança
cidadã, buscando cuidar-educar a grande diversidade humana; a emancipação
docente através de um movimento de reflexibilidade crítica, a partir do investimento
em um ambiente de trabalho colaborativo; e, por último, em razão do que se espera
nesta pesquisa, o processo de um trabalho de ensinar ao aluno NEE exitoso, sendo
realizado colaborativamente, auxiliando a autoformação dos profissionais pela via do
diálogo num processo de planejamento coletivo.

Depois desta apresentação inicial do pesquisador e do contexto em que aparecem


alguns problemas geradores deste trabalho, encaminha-se para exposição, no
capítulo um das bases sobre as quais se pensa o processo de inclusão dos alunos
NEE para a EI. No capítulo dois é exposta a necessidade de colaboração entre os
profissionais e o diálogo reflexivo para promover o processo do saber docente, tendo
em vista o que este profissional aprende ao ensinar aquele aluno NEE em processo
de inclusão escolar, sem deixar de apontar a investigação sobre a própria prática
como um dos caminhos para a emancipação docente.

No capítulo terceiro, descreve-se estruturação das trilhas da pesquisa, o contexto


onde ela emerge, o seu arcabouço teórico-metodológico e da experiência
18

exploratória que dá origem ao movimento, criando condições para o trabalho de


pesquisa. Já no quarto capítulo o diálogo com o que aconteceu no campo do
experimento, propriamente dito, com os movimentos que emergiram nas narrativas e
a configuração do trabalho transpassada pela análise do que se aprendeu dando
coesão ao corpo da obra.

O último capítulo está construído sobre as considerações acerca dos sucessos e


fracassos de todo o caminho trilhado e, assim, pretende-se fundamentar questões
que serão capazes de servir para motivar outros trabalhos que se iniciam nessa
trajetória de pesquisa-formação em contexto e abrir outras trilhas para novas práxis
dentro do mesmo tema.

Estando eles impregnados por um compromisso bem de acordo com um trecho de


um livro que li logo no início da minha formação e ficou marcado na minha memória
como um dos mais belos e inspiradores daquele autor:

Se pretendermos a libertação dos homens não podemos começar


por aliená-los ou mantê-los alienados. A libertação autêntica, que é a
humanização em processo, não é uma coisa que se deposita nos
homens. Não é uma palavra a mais, oca, mitificada. É práxis, que
implica a ação e reflexão dos homens sobre o mundo para
transformá-lo. (FREIRE, 1978, p. 67).
19

1. O PROCESSO DE INCLUSÃO NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Este capítulo serve para expor um caminho possível para o processo de inclusão
escolar na EI preconizado por este trabalho, baseado num fazer diferente. Primeiro,
situa a exclusão/inclusão no contexto escolar como ação vivida de forma parecida
em outros níveis de ensino, guardando as devidas peculiaridades, e fazendo parte
de um processo macro-político de inclusão social. Depois, argumentar sobre este
processo na escola de EI, problematizando o lugar do aluno NEE nessas escolas, no
desenvolvimento desse processo de exclusão/inclusão. Ao final, destaca a
responsabilidade dos educadores neste processo, mas sem deixar de apontar no
texto algumas vias para superação tendo em vista a prática educativa dos
professores, como alertado por FREIRE:

Como aprender a discutir e a debater com uma educação que


impõe? Ditamos idéias. Não trocamos idéias. Trabalhamos sobre o
educando. Não trabalhamos com ele. Impomos-lhe uma ordem a que
ele não adere, mas se acomoda. Não lhe propiciamos meios para o
pensar autêntico, porque recebendo as fórmulas que lhe damos,
simplesmente as guarda. Não as incorpora porque a incorporação é
o resultado de busca de algo que exige, que quem o tenta, esforço
de recriação e de procura. Exige reinvenção. (FREIRE, 2003,
p.105)

1.1 A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO PROCESSO DE EXCLUSÃO/INCLUSÃO NA


ESCOLA

O tema da escola e da exclusão não é dos mais simples quando


evitamos facilidades como a de nos restringir à indignação moral ou
à longa descrição das dificuldades encontradas pelos alunos
excluídos da escola ou originários de meios já “excluídos”. O tema,
de fato, remete a toda uma série de problemas que é importante
distinguir se quisermos ver a questão de um modo um pouco mais
claro e não ceder à moda que busca explicar a exclusão por meio
das idéias mais consolidadas sobre a desigualdade das
oportunidades escolares. (DUBET, 2003, p. 30).

Para não ficar neste lugar comum de que fala DUBET, da indignação estéril em
relação ao papel da escola no processo de exclusão/inclusão, deve-se vê-la também
20

na sua condição produtora deste processo como qualquer outra instituição da


sociedade responsável pela seleção e classificação de pessoas. Isto pode ser
explicado pela história da educação, sendo esta entremeada pela visão – também
histórica – da sociedade sobre a infância.

Essa construção histórica se inicia junto ao nascimento da modernidade,


apresentando a idéia de igualdade como um dos elementos fundamentais dessa
escola moderna. Onde, desde seu início: os indivíduos são considerados cada vez
mais iguais e que suas desigualdades não podem encontrar justificativa no berço e
na tradição (DUBET, 2001, p. 6). Este pensamento serve de base para o modelo
meritocrático de escola no qual se vive até hoje.

O processo de evolução da escola para todos fica ligado ao desenvolvimento do


capitalismo e à sua expansão pelo mundo. E esses laços serão determinantes
enquanto constitutivos dos mecanismos de inclusão/exclusão, bem como nas outras
marcas das relações de poder que diferenciam as infâncias, principalmente a partir
do século XVI com o aparecimento de uma organização social em classes
economicamente definidas (LOPES e LADE, 2008).

A escola vai, a partir daquele contexto, se tornando um local de conformação dos


grupos sociais (BOURDIEU, 2001) para o mercado de trabalho, adequando os
indivíduos às necessidades do sistema capitalista em relação à condição da classe
social em que ele nasceu. Ao mesmo tempo em que silencia as diferenças
produzidas no bojo das relações de classe, gênero ou outras, pela meritocracia
fundada na normalização/homogeneização cria, por conseqüência, a discriminação
e produz desigualdades.

Com o capitalismo moderno, na sua meritocracia crescente, a idéia de igualdade


recebe um peso social muito grande, tornando-a um valor a ser perseguido, ao
passo que a desigualdade, como sinônimo de injustiça, é evitada por todos. Vive-se
essa realidade na escola ainda hoje como uma das barreiras ao trabalho
diferenciado a partir das diferenças individuais (diversidade), principalmente quando
o desacordo está no processo de avaliação para a promoção do aluno NEE.
21

É só a partir de Marx que se inaugura uma abordagem da vida social


tendo por base a desigualdade entre as pessoas e a oposição entre
as classes: As classes e as desigualdades de classes são não só
aquilo que precisa ser explicado, mas são, sobretudo, o que explica a
maior parte das condutas sociais e culturais. (DUBET, 2001, p. 6)

Essa perspectiva das desigualdades sociais acompanha as sociologias enquanto


objeto de estudo comum, por caracterizar a sociedade capitalista. E, é neste
encontro da igualdade moderna e liberal com a desigualdade do sistema capitalista
que a inclusão escolar está. Entre: uma aspiração fundamental à igualdade dos
indivíduos e por uma desigualdade estruturalizada a sua historicidade e aos
mecanismos de desenvolvimento do capitalismo (DUBET, 2001, p. 7). Todo este
movimento, entre igualdade e desigualdade, faz com que hoje no mundo a lista de
“novas” desigualdades seja bem maior do que antes e continue crescendo de acordo
com a força dos grupos identitários.

A inclusão social dos desiguais, na verdade, se fundamenta no forte questionamento


da suposta igualdade de oportunidades de tratamento aos diferentes na história das
civilizações. Como se sabe há muito tempo, ao que se refere às políticas sociais do
Estado, são freqüentemente favoráveis àqueles que são menos desfavorecidos
(DUBET, 2001, p. 12). O movimento se encontra mais na tentativa de se instituir
projetos políticos do que políticas públicas objetivando a eqüidade nas
desigualdades entre as pessoas. Fala-se que a educação é setor de muito discurso
e pouco recurso. (GOMES, 2008, p. 4)

A exclusão social abarca uma variedade muito grande de processos para ser
definida de maneira geral. JODELET (2002, p. 53) propõe um nível onde podemos
fazer uma abordagem comum: o nível das interações entre as pessoas e entre
grupos, que dela são agentes ou vítimas. Isso porque considera este processo
acontecendo nas relações interpessoais ou intergrupos, traduzindo-se em
segregação, marginalização, discriminação. Essa abordagem própria da psicologia
social contribui para que neste trabalho se veja a exclusão/inclusão como um
processo dialético socialmente construído.

A escola, por ser um local rico de possibilidades de interações, com certeza não está
fora deste contexto, tudo que se faz para e na escola não é neutro. Ela, como
22

produtora de desigualdades, desempenha um papel central tanto nessa produção


quanto na manutenção das desigualdades sociais, que são tão diversas na nossa
sociedade quanto as possíveis classificações dos sujeitos (gênero, idade, formação,
origem...). Assim, ela também dá grande força motriz ao processo de
exclusão/inclusão.

Para além da escola, nos sistemas escolares, também são montados os


mecanismos de exclusão a partir de um pensamento que recorta a realidade, que
permite subdividir os alunos em "normais" e com deficiência. A lógica dessa
organização é marcada por uma visão determinista, mecanicista, formalista e
reducionista própria do pensamento científico moderno, que ignora o subjetivo, o
afetivo, o criador, sem os quais não se consegue romper com o modelo de escola,
para produzir a reviravolta que a inclusão escolar impõe.

Esse movimento exige, em nível institucional e dos sistemas, a eliminação das


categorizações e das oposições excludentes – iguais/diferentes, normais/deficientes
– e em nível pessoal, que busquemos articulação, flexibilidade, interdependência
entre as partes que se conflitavam nos nossos pensamentos, ações, sentimentos.
Essas atitudes diferem muito das que são típicas das escolas tradicionais, ainda
existem dentro das atuais e em que fomos formados para ensinar.

Apesar da escola brasileira ter consolidado, nos últimos anos, um processo de


universalização do acesso, abrindo-se a todos os grupos sociais, não fez o mesmo
em relação aos novos conhecimentos carregados por eles para seu interior e nem
aos saberes/fazeres que esses alunos provocam dentro da escola. Ensurdecendo-
se frente à possibilidade de diálogo entre diferentes lugares epistemológicos
(SANTOS, 2007).

Enquanto pautada para atender a um aluno idealizado em projeto educacional


elitista, meritocrático e homogeneizador, a escola brasileira tem produzido
internamente situações de exclusão que têm, injustamente, prejudicado a trajetória
educacional de muitos estudantes, independentemente de serem deficientes ou não.
23

Neste início de milênio, a escola vive a constante demanda por sua transformação
tanto na maneira de ensinar quanto na estrutura organizacional, uma vez que não
consegue mais dar conta de responder adequadamente a realidade. Porquanto,
neste momento em que ela está mais sensível, é necessário ter cautela com os
impulsos pela novidade.

Deve-se deixar claro que não parece ser possível isolar um elemento único para
6
representar o “novo” dentro de um sistema social complexo como a escola. Mas, é
realidade que as crianças NEE, enquanto elemento “novo”, provocaram mudanças
substanciais nas atividades educativas dentro da sala de aula, afetando diretamente
todo o conjunto de seus profissionais (da portaria à direção) e deles, da mesma
forma, emana o movimento provocador daquelas mudanças. São todos causa, efeito
e conseqüência (TESCAROLO, 2004).

Por conta desse movimento, percebe-se que a escola vem sendo impelida a se
organizar em torno das questões sobre o direito à cidadania, na direção de uma
reconstrução profunda dos seus ideais, provocando uma reformulação na maneira
de pensar e fazer os fins dessa instituição social. O problema que se configura a
partir daí: está na escola herdar do passado algumas demandas construídas durante
um longo processo histórico, sem hoje contar com nenhum manual pedagógico que
viesse junto para funcionar como bússola para guiá-la no caminho a seguir.

Historicamente, essas demandas variam de acordo com os movimentos sociais,


organizados ou não, a partir de alguns ideais com força suficiente para se tornarem
verdades e crenças. Esses movimentos empurram desde as políticas públicas até as
práticas pedagógicas na direção de novos interesses. É nesse contexto que se dá o
embate, hoje, entre a gestão pública que se quer mínima e eficiente com os
cuidados básicos para a garantia dos direitos à educação das crianças com
7
deficiência.

6
O adjetivo novo é escrito entre aspas porque o que parece ser realmente novo é a obrigação em
educá-los, pois na escola eles já estavam há muito tempo.
7
Sendo que na atualidade existe o agravo do embate entre as diversas tendências sobre o papel e o
tamanho do Estado no campo do atendimento às demandas sociais, isso frente ao paradigma
econômico dominante do neoliberalismo.
24

A educação escolar, de acordo com a época, teve razões válidas para mudar o seu
caminho e as suas crenças. Essas razões, que tinham fundamentação em instâncias
diferentes de fora dela, como a religião ou a ciência, levavam algum tempo,
recebiam algumas resistências, mas ao passar das gerações iam se estabelecendo
como uma diretriz culturalmente naturalizada para todo processo de educação
escolar (CARDELLI, DUHALDE e MAFFEI, 2003).

A escola que temos hoje, além de “filha da Modernidade”, nasce também dos ideais
republicanos liberais pós Revolução Francesa. Desde aquele momento vive-se das
contradições de um sistema de ensino que se pretende democrático e que prometeu
“benefícios sociais” a todos os ingressos, mas que dentro de si já trazia um processo
perverso de exclusão diluído pelos anos escolares, retendo esses alunos até
expulsá-los do processo de escolarização por um mecanismo para seleção de
sujeitos certificados, por meio de um movimento de promoção social, como se o fim
da escola fosse ela mesma.

E fazem com que o sistema de ensino, amplamente aberto a todos e,


no entanto, estreitamente reservado a alguns, consiga a façanha de
reunir as aparências da ‘democratização’ com a realidade da
reprodução que se realiza em um grau superior de dissimulação,
portanto, com efeito acentuado de legitimação social. (BOURDIEU,
2001, p. 223)

Porém, a escola tem vivido um momento chave dentro do seu movimento contínuo
de mudança. Nesse contexto histórico que não se pode comparar com nenhum outro
anterior, devido às grandes diferenças que se encontram na sociedade atual, ela
está recebendo um forte “impulso” na sua inércia 8 aparente, representado pelo
processo de inclusão escolar dos alunos NEE, com ou sem deficiência, obrigando-a
a ver-se de repente pronta para ser democrática e verdadeiramente aberta para
todos.

O movimento que se percebe hoje fará com que a educação escolar caminhe numa
outra direção, nova e diferente de ser, que reconhece a diversidade na sua entrada,
mas persegue a realização da “mágica” da igualdade na sua saída. Sabe-se que é a

8
Não esquecer de que em movimento também se sofre com as leis da inércia.
25

pluralidade das idéias que dá força à democracia, então, negá-la é constituir um


regime autoritário e excludente, também na escola.

Como sempre, a Escola exclui; mas a partir de agora, exclui de


maneira contínua, em todos os níveis de cursos, e mantém em seu
seio aqueles que exclui, contentando-se em relegá-los para os ramos
mais ou menos desvalorizados. (BOURDIEU, 2001, p. 224.)

Com base em visões diferentes (cf. em GENTILI e FRIGOTTO, 2001; PÉREZ


GÓMEZ, 2001; FREIRE, 2000), sabe-se hoje que a evolução da civilização humana,
pelo menos na segunda metade do século passado, caminhou para uma situação de
exclusão social sem precedentes na história. Vive-se num mundo repartido entre
aqueles pouquíssimos que tudo têm e aqueles muitíssimos que quase nada podem,
entre os milhares de ricos e os bilhões de pobres ou miseráveis. Uma situação cada
9
vez mais insustentável do ponto de vista humanitário.

Entidades da Sociedade Civil e alguns Governos, tendo pleno conhecimento desse


panorama mundial, da necessidade de mudança por conta das dificuldades da
maioria da população, vai se organizar em torno do movimento pelos direitos
humanos, resultando na esperança de uma Educação Para Todos. Mais
recentemente, nasce uma perspectiva nova em educação chamada de Inclusiva,
ainda em decorrência daquele processo que instituiu a Escola Moderna, que teve
como um dos marcos iniciais de referência, em agosto de 1789, a Declaração dos
Direitos do Homem.

Assim, a partir daquele momento histórico, com o estabelecimento do monopólio


pelo Estado (Liberal) dos saberes organizados e hierarquizados, é que a escola se
consagra como uma das instituições caracteristicamente iluministas, responsáveis
pela construção da civilidade e da cidadania, bem como da proteção à infância, ao
mesmo tempo em que servia como meio para seleção social. Destino que carrega
até os nossos dias.

9
Cabe o alerta de que a carga pessimista na análise social que está presente nestes textos não é
característica de uma classe específica de intelectuais: “A meu ver, o ambiente pessimista que
envolve as análises sociológicas não é simplesmente uma reação defensiva diante da perda do poder
por parte dos que escrevem, como se o pessimismo fosse o sintoma que aflorasse à superfície de
quem sofreu o trauma da perda de emprego”. (SAVIANI, ALMEIDA E VALDEMARIM, 2004, p.37)
26

É desta época também que os direitos de todos (no caso do homem adulto, cidadão)
começam a ser respeitados e a visão acerca da criança começa a sofrer
transformações. [...] que talvez seja o único tema realmente essencial do
Renascimento, com seus “putti”, suas crianças, seus adolescentes, suas madames
secularizadas e seus retratos de mulheres. (ARIÉS, 1986, p. XXI, prefácio). O
respeito e a proteção à vida na infância; a guarda e o cuidado pela família e o
Estado vigiando e investindo na sua formação, tendo em vista a vida futura.

Mas esse conjunto de idéias, depois de uma longa história de lutas, só vai ganhar
força pelo mundo na metade do século passado, para combater outro ideário, aquele
que buscava o homem perfeito, de linhagem pura e, desta forma, de ser digno da
sua suposta superioridade. O principal marco desta época no ocidente foi a criação
da Organização das Nações Unidas que, em 1948, promulgou a Declaração
Universal dos Direitos do Homem. Naquele momento, muito pelo trauma europeu
das sucessivas guerras internas, a sociedade mundial começou a reivindicar outra
forma de convivência, uma maneira diferente de se conceber a questão social e,
lentamente, mecanismos legais de proteção são exigidos.

O mundo a partir daqueles acontecimentos vê lentamente surgir um forte movimento


pelos Direitos Civis em praticamente todos os países que receberam um grande
fluxo imigratório pelo fim das colônias, como efeito do fenômeno que se
convencionou chamar de globalização. Essa conjunção de fatores vai acelerar os
processos sociais que vai democratizando os países e disseminando os ideais de
inclusão social, principalmente no que tange às discriminações étnico-raciais.

Tal influência, no fundamental, pode ser resumida à denúncia pública


e às lutas sociais contra a discriminação racial e o racismo enquanto
fatores geradores de desigualdades sociais. Os movimentos sociais
passaram a exigir medidas preventivas e compensatórias que
coibissem práticas discriminatórias e racistas. (SILVÉRIO, 2003,
p.57)

É, a partir da modificação na compreensão acerca dos Direitos Humanos 10 (a


educação, saúde e a dignidade, entre outros), que durante os anos seguintes à
declaração começou a ser gestado o nascimento de uma nova consciência acerca
10
Segundo Dallari: “A expressão ‘direitos humanos’ é uma forma abreviada de mencionar os direitos
fundamentais da pessoa humana.” (1998, p. 7)
27

do conceito de necessidade básica para todo ser humano, configurando outra


concepção de cuidados e de atendimento aos mais necessitados e criando, por
conseqüência, novos compromissos de realização.

No Brasil, ao final da década de 1970, inicia-se o processo de abertura democrática,


fato que se estende pela década de 1980, tendo seu ápice na promulgação da
constituição, em 1988. É a partir deste período que as políticas públicas voltam-se
para o favorecimento da universalização da educação, entre outras ações em defesa
dos Direitos Humanos.

Por conseqüência, deste movimento e graças à mobilização ativa dos mais


diferentes segmentos da sociedade, chega-se na década de 1990 e nos primeiros
anos deste novo século a uma evolução na concepção no atendimento educacional
às pessoas com necessidades especiais, que passa do conceito da integração
(válido nas décadas de cinqüenta e setenta) para o do processo de inclusão do
aluno com deficiência ao sistema regular de ensino.

A partir daí, torna-se uma obrigação legal a tarefa de todos os cidadãos, e em


especial do Estado, construir possibilidades de atendimento educacional com
qualidade social a todo brasileiro, independentemente de sua condição. Em
decorrência, foram criados muitos amparos legais para garantia desses direitos 11 ,
mas só a partir da LDBEN (lei- 9394/96), com a municipalização do ensino, é que o
modelo educacional brasileiro começa a marchar no sentido da mudança de
concepção do atendimento ao aluno NEE.

Considerando o cumprimento das diretrizes atuais que orientam a


educação no Brasil, as redes de ensino municipais deverão investir
para que as escolas contemplem em seus projetos pedagógicos o
conjunto das características de seus educandos, inclusive
organizando recursos educacionais especiais que dêem conta da
aprendizagem e do desenvolvimento de toda a demanda escolar que
depende de educação especial. (PIETRO, 2001, p.5)

Esse quadro corresponde ao que aconteceu fora do Brasil. Lá, como aqui, o
processo de inclusão do aluno NEE também vai ganhando um desenho mais nítido a
partir da década de noventa, sendo que a referência dessa mudança é a Declaração
11
Temos como exemplo o Estatuto da Criança e do Adolescente, de 1990.
28

Mundial sobre a Educação Para Todos (DMEPT-1990), estando esta voltada para os
menos favorecidos pelo mundo, entre estes, aqueles com algum tipo de
necessidade educacional especial:

Cada pessoa - criança, jovem ou adulto - deve estar em condições


de aproveitar as oportunidades educativas voltadas para satisfazer
suas necessidades básicas de aprendizagem. Essas necessidades
compreendem tanto os instrumentos essenciais para a aprendizagem
(como a leitura e a escrita, a expressão oral, o cálculo, a solução de
problemas), quanto os conteúdos básicos da aprendizagem (como
conhecimentos, habilidades, valores e atitudes), necessários para
que os seres humanos possam sobreviver, desenvolver plenamente
suas potencialidades, viver e trabalhar com dignidade, participar
plenamente do desenvolvimento, melhorar a qualidade de vida,
tomar decisões fundamentadas e continuar aprendendo. Declaração
Mundial sobre Educação para Todos: Satisfação das Necessidades
Básicas de Aprendizagem – Artigo 1º

1.2 A DIALÉTICA EXCLUSÃO/INCLUSÃO NA EDUCAÇÃO INFANTIL

A rigor, quando se preconiza o necessário ajustamento educacional para atender os


deficientes dentro das instituições, reivindicam-se as mudanças das políticas de
Estado para favorecer, em orçamento, a educação escolar de todos. Quando ainda
se exige que toda a criança, independentemente de sua idade ou condição, tenha
acesso, permanência e aprendizagem garantida na escola, estamos afirmando que
eles são sujeitos de Direito e que os seus problemas não são de exclusão, mas sim
do âmbito do embate pela sua inclusão.

É um peso muito grande para qualquer aluno o processo de escolarização, no caso


daquele com deficiência o esforço é bem maior. O professor, já no início do processo
dentro da EI, aprende a assumir o papel daquele que vai aferir o desempenho dos
alunos e a acreditar neste resultado do empenho, podendo, através dele, até prever
o local que o aluno ocupará na sociedade.

A fim de tentar explicar essas desigualdades no trabalho pedagógico, deve


encaminhar qualquer análise como um conjunto de processos sociais (DUBET,
2001, p. 5), ainda que, como salienta o autor, correndo o risco de sermos vagos,
29

mesmo tentando esclarecer certos aspectos da natureza das sociedades em que


vivemos. (ibidem, idem). O desafio posto é a aproximação, relacionada ao
reconhecimento das características específicas de cada um, do que está posto como
educação escolar e os objetivos sociais da escola. Deve-se fazer a ligação direta
entre a necessária igualdade e o reconhecimento das diferenças individuais.

[...] a escola meritocrática legitima as desigualdades sociais [...]. Isso


porque dentro da escola os desfavorecidos são tratados de forma
desigual, exercendo uma espécie de “seleção social”. (DUBET, 2003,
p. 542)

Esse ponto se refere à marca inicial da reflexão crítica sobre o trabalho pedagógico
na EI, ela revela que o contexto do processo inclusivo se dá no sentido de fora para
dentro da instituição, move-se da sociedade para a escola. Que esse complexo
processo de cunho político se constitui na evolução histórica da sociedade e
interfere na vida de todos os profissionais da escola. Por isso, nenhum desses
profissionais consegue ficar sem nenhum tipo de posicionamento crítico acerca do
processo de inclusão escolar dos alunos deficientes nas escolas de ensino regular
dentro das classes comuns.

No caso do professor, a presença dos alunos NEE cria um campo de tensões e o


desestabiliza no coletivo da sala de aula, aquele espaço que na sua perspectiva já
estava estável, seguro e caminhando sem dar muito trabalho além do esperado, do
comum, bem conhecido.

Portanto, o professor pressionado pela situação nova pensa não saber e pergunta:
que fazer por aqueles alunos que têm necessidades especiais na sala comum? Essa
é pergunta tão comum que eles fazem a si mesmos e aos outros profissionais que
atuam como apoio e suporte à escola quando encontram uma criança deficiente na
sua frente. Esta dúvida reside no fato de as experiências que poderiam servir de
resposta serem demasiado recentes, não representando caminhos suficientemente
seguros e não oferecendo garantia para aqueles que estão com o problema na mão
para resolver.

Questões como essas, relacionadas ao como trabalhar com as crianças com


deficiência, devem necessariamente estar ligadas ao conceito de infância. A escola
30

vem produzindo saberes que auxiliam nas respostas e elas se fundamentam em


outros saberes, constituídos historicamente no que é a infância.

No caso das escolas de EI a tradição está na visão de que a criança é uma "quase-
cidadã", alguém que só no futuro, e apenas lá, poderá exercer a cidadania
desqualifica sua voz, impossibilitando sua inclusão como sujeito pleno de direitos e,
assim, fortalecendo [...] uma compreensão da especificidade da criança como marca
de inferioridade. (ARAÚJO, 2005, p.111).

Essa compreensão por parte dos adultos acarreta uma grande dificuldade na
aceitação da eqüidade 12 como padrão de qualidade no trabalho pedagógico.
Conceber que algumas pessoas necessitam de mais direitos que outras de certo
modo “trava” algumas ações dos profissionais. Isso porque, apesar de os alunos
serem igualmente cidadãos, os adultos devem perceber que aqueles são
pertencentes a categorias diferentes de sujeitos, com modos particulares de ser e
estar no mundo e com diferentes formas de assimilar, expressar e produzir cultura
nos espaços e tempos da história humana.

Para entender a realidade da infância, é necessário estar presente, ouvir seu ponto
de vista e considerar a diversidade de vidas possíveis para essas crianças.

Num mundo social onde as experiências das crianças aparecem


minimizadas e classificadas como subalternas em relação às
populações adultas, fez-se necessário persistir na luta pelo
reconhecimento da criança como sujeito de direitos, portadora de
uma linguagem ética e estética que articula práticas individuais e
coletivas, cultura e história, particularidade e pluralidade. (ARAÚJO,
2005, p. 119)

Essas colocações mostram um erro bem comum dos adultos que assim
desqualificam a experiência presente da criança, pensam nela como um ser a ser
construído a partir de um passado e este como um lugar melhor do que hoje.
Edificando um futuro sobre ideais de um passado inexistente. Desta maneira, os
adultos do passado são inocentados pelos de hoje e, paralelamente, os atuais
abrem mão da sua responsabilidade, colocando a culpa fora da escola.

12
Defino eqüidade baseado num conceito de Marx que diz: a todos segundo as suas necessidades e
a cada um de acordo com suas potencialidades.
31

Portanto, o problema não parece estar na relação dual entre profissional e criança,
mas sim na relação infância e adulto. Nem a resposta estaria na mudança da forma
de relação entre duas pessoas. É muito provável que ela se dê primeiro na
sociedade para depois se dar nas relações entre os indivíduos. O processo da
inclusão do deficiente na sociedade tem contribuído para isso se tornar realidade
dentro da escola também.

A sociologia da infância ajuda na apresentação da criança como alguém que faz


interpretações sobre si, sobre os outros, sobre o mundo. É com base nessa
capacidade que o estudo das culturas infantis correspondem: a um conjunto
dinâmico de acontecimentos, saberes, competências e comportamentos partilhados
pelas crianças, que permite que elas desenvolvam atividades comuns e se
constituam como grupo social específico. (BORBA, 2008, p.79)

Mas, o que essa sociologia traz de mais importante para o trabalho com qualquer
criança é saber que pelo compartilhamento do mesmo espaço social elas constroem
suas identidades. Elas, em grupo, criam estratégias e conhecimentos que permitem
lidar com o mundo adulto e, em decorrência, um sentimento de pertencimento a um
grupo social. Isto tudo só acontecerá na medida em que elas participem de maneira
coletiva das experiências sociais, como no caso do processo de inclusão escolar.

Esta noção de criança produtora de cultura própria ajuda os profissionais da EI


evitarem o discurso adultocentrado quanto para contribuir com o desenvolvimento de
práticas sociais a partir do sujeito ao qual elas se destinam, assim, dando sentido
aos discursos e práticas para todos que as compartilham.

Este fator auxilia sobremaneira o reconhecimento efetivo da importância da EI para a


infância, algo ainda muito recente. Como exemplo, foi com a entrada em vigor da lei
9394/96 a LDBEN que a EI, passando a fazer parte da EB, tomou uma dimensão
maior, saindo de uma função assistencial que visava o cuidado extra-lar, para ter
uma função reconhecidamente educacional podendo, assim, servir como um dos
marcos iniciais do processo de educação para o exercício da cidadania para a
criança de zero a seis anos.
32

Na medida em que toda a sociedade se mobilizou em torno da necessidade de se


ter direito ao acesso à EI, os gestores públicos vêem-se obrigados pela demanda a
criarem mais vagas nas suas redes para acomodar essas crianças, infelizmente sem
ter o cuidado com um padrão de qualidade para o atendimento que correspondesse
devidamente aos ideais que moveram a sociedade civil no sentido de prover esse
Direito.

Como esse nível de ensino no Brasil, por força da lei, é municipalizado e já que nos
municípios não há recursos para arcar com todos os custos 13 , a EI infelizmente
ainda pena sem ter como dar condições de trabalho qualitativamente eficientes, nos
anos seguintes à sua inserção no rol dos direitos do cidadão.

Na prática, só atualmente é que as políticas públicas em nível nacional iniciaram um


processo de mudança, deixando de ter o EF como único foco e iniciando um
processo de maior investimento na EB como um todo, resultando na mudança no
Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização
do Magistério (FUNDEF, lei 9424/96), que entrou em vigor a partir de 1º de Janeiro
de 1997 e foi implantado, automaticamente, a partir de 1º de janeiro de 1998. Para,
em 2006, o governo federal criar outra proposta: o Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da
Educação (FUNDEB).

Com a mudança, tem-se a expectativa de que haverá uma reformulação nas ações
dos gestores públicos, possibilitando, assim, um aporte financeiro nos outros níveis
de ensino, além do fundamental, dando esperança de que, em contrapartida à
entrada maior de dinheiro, promova uma melhora da qualidade do ensino no país,
visto que a escola de EI sempre esteve à margem das ações de políticas públicas
porque carecia de um reconhecimento que agora parece estar se consolidando a
exemplo do próprio Ministério da Educação que vem lançando, nos últimos anos,
uma série de documentos objetivando a melhoria da qualidade do ensino na EI 14 .

13
Pela ausência de políticas públicas distributivas que atingissem esse nível de ensino.
14
Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil — Volumes 1 e 2.
33

Ainda em decorrência dessa mobilização da sociedade, a creche passa a ser vista


como direito dentro da educação do cidadão, reconhecido a partir da constituição de
1988. Mas quando se pensa a partir do progresso conseguido e se lembra daqueles
com NEE por deficiência vê-se que ainda não são atendidos nas escolas de EI. E
esta é uma parcela da população que, além de sofrer com a precariedade dos
serviços de atenção e cuidados em saúde, não pode nem fazer parte daquele grupo
15
que recebe uma "proteção social” como direito à cidadania.

A EI brasileira passou rapidamente (menos de 40 anos) de uma concepção


assistencialista-compensatória de "carências", modelo UNICEF/UNESCO
(ROSEMBERG, 2005), para hoje ter como ideal uma escola que respeite e promova
os direitos das crianças de zero a seis anos como um cidadão. Durante esse
período, transitou a EI, no plano administrativo, entre a assistência social, a saúde e
o trabalho, onde cada um desses pontos de vista fundamentava as ações dos
governos de uma forma muito diversa.

Para nossas crianças de até seis anos, em realidade, sabemos que os nossos
gestores públicos não tem demonstrado muita preocupação com a igualdade de
oportunidades no início da vida dos diferentes sujeitos que a compõem e, muito
menos, com a necessária igualdade de resultados ao final entre eles. As ações
afirmativas fomentadas pela sociedade deveriam ser no sentido de criar condições
para que aquelas igualdades se estabeleçam. O difícil para se viver a concretude
dos Direitos é convencer a elite dominante, os opressores no sentido freireano, que
são os donos do poder, a perder uma parte de seus privilégios: Classicamente, os
projetos educacionais conservadores alicerçaram-se na naturalização da diferença,
especialmente tendo em conta distinções biológicas entre os grupos. (MACEDO,
2006, p. 335)

Nesse sentido, da forma como vê APPLE (1999), somente uma educação política
dentro de uma prática inclusiva – não no sentido teórico ou burocrático, mas de
promoção da cidadania – nos prepara para o resgate das mazelas que têm sido

15
Conceito assistencialista de amparo às populações desassistidas, abandonadas ou em situação de
risco social.
34

impostas ao Brasil, principalmente no que se refere aos problemas com sua escola
pública.

Uma prática inclusiva que tenha a criança real como base do seu fazer e do saber
fazer:

Não há ação educativa que possa ser mais adequada do que aquela
que tenha na observação da criança a base do seu planejamento. É
isso que permite ao adulto programar e atuar tomando como base a
tensão criativa entre uma perspectiva curricular teoricamente
sustentada e um conhecimento real dos interesses, das
necessidades, das competências e das possibilidades das crianças.
(ZABALZA, 1998, p.148)

Toda a estruturação dos tempos-espaços da escola de EI está muito mais voltada ao


que o professor necessita para ensinar do que ao que o aluno necessita para
aprender. O enraizamento desta lógica pode ser uma das barreiras para o processo
inclusivo na EI, visto que a resistência imposta pelos alunos NEE ao modelo de
aprendizagem igual para todos faz com que o professor se esforce em querer
romper com o instituído. Coisa que na maioria das vezes eles não querem ou não
podem, pois não é fácil ousar fazer diferente.

Há possibilidade de se fazer diferente, mas para isso deve-se favorecer uma


organização da escola também diferente. Não é só dar suporte ao atendimento à
diversidade, mas assumi-la como essencial para a aprendizagem com qualidade. É
proporcionar modos diferenciados de se ensinar a todos. Isto porque as ações
pedagógicas e a concepção de criança são análogas dentro da prática cotidiana nas
escolas de EI.

Então, para se ouvir a criança e crer no que elas dizem é necessário


mudar. Ver nelas: uma criança que é sujeito de direitos, portadora e
construtora de saberes e cultura e que participa da vida da família,
da escola e da sociedade. Essa criança potente necessita de um
adulto e de uma escola diferente. (PICANÇO, 2008, p.157)

Toda a estrutura da escola de EI deve ser revista para atender condição. Todos, os
de dentro e os de fora devem ser ouvidos e estar envolvidos no processo
educacional da criança com necessidades especiais. Todos os tempos-espaços 16 da

16
Da gestão ao planejamento pedagógico, passando pela formação em serviço.
35

escola devem ser construídos e acompanhados pela comunidade escolar de


maneira colaborativa, garantindo, assim, a participação ativa de todos os envolvidos
no processo.

Devendo a escola, a partir daí, possuir uma prática pedagógica diferenciada dos
outros níveis e para cada cultura escolar, desempenhada por profissionais com
formação específica neste nível de ensino, com saberes, fazeres e concepções
próprias para o currículo escolar e a infância, e, principalmente, com objetivos claros
para o seu trabalho na promoção de uma infância cidadã. Garantindo a participação
das crianças (voz e vez) por todo o processo.

Uma estratégia para se trabalhar a inclusão neste modelo de EI é construir práticas


pedagógicas colaborativas em todos os momentos do processo, onde todos possam
ser ouvidos, enredados num espaço-tempo onde todos sejam reconhecidos como
atores/atores co-participantes das rotinas dentro do dia-a-dia da escola de EI. Todos,
de dentro e de fora, sujeitos válidos na realização do diálogo a partir dos seus
pontos de vista.

É necessário, portanto, investir em uma cultura escolar que valorize as diferentes


formas de ser dos sujeitos, tanto dentro da EI como também de fora da escola; criar
espaços de formação para que todos os seus profissionais discutam acerca da
diversidade; promover práticas pedagógicas no coletivo que levem a inclusão de
todos.

Em um coletivo espera-se conseguir uma resposta adequada à “nova situação” dos


alunos com deficiência em sala comum. E de forma contínua desmontar o que
estava estabelecido nesses anos de cultura excludente que se consolidou na escola.

Crer é que o papel da Escola é de fato contribuir para o desenvolvimento dos


valores essenciais ao convívio humano e, ao mesmo tempo, proporcionar
oportunidades que permitam o processo de inclusão de todas as nossas crianças e
jovens a fim de construir uma sociedade que se assente na justiça social, onde a
estratificação de classes ou a diferenciação de espaços sociais se diluirão, e em que
ela assuma um saber-fazer diferente. Até porque, mais do que processar pessoas,
36

ela processa os seus significados, através de um conhecimento que é construído


socialmente e não apenas recebido.

Olhando pela perspectiva de Paulo Freire sobre as questões da escola cidadã, para
que essa crença se realize deve a escola reinventar-se, trocar esse modelo de EI
feito pela contenção, pelo não desejar por si mesmo, do ato pedagógico contido pelo
conteúdo que provoca o silêncio e o vazio para aqueles que estão num tempo da
vida em que o simbolizar, o sonhar está explodindo como melhor forma da
apropriação do mundo e conseqüente construção da sua personalidade, roubando
do aluno aquilo de melhor que ele pode ter, tanto a memória da infância para o
futuro adulto, quanto a memória futura tão bem trabalhada nas brincadeiras que ela
faz, no seu presente.

Ao contrário do que parece ser prática comum, deveria a escola deste nível de
ensino ser um espaço privilegiado de sociabilidade pelo diálogo entre as diferenças;
de encontro prazeroso com a realidade pelas brincadeiras; de ampliação das suas
redes de conhecimento pela descoberta da diversidade na sua vida que entra na
escola; de construção da individualidade através da auto-realização no processo de
inserção na sociedade humana.

Entretanto, não se devem confundir os meios e os fins. Ter iniciativas como nos
projetos pedagógicos para os alunos NEE serem incluídos e na gestão
compartilhada entre os profissionais pode ser ilusório, já que de verdade não é só
por essa trilha que se capacita a pessoa para viver em uma sociedade de Direito.

Neste trabalho de reforma, a EI que se deseja concretizar é aquela que vê o


processo de inclusão educacional como promoção e garantia de um Direito. Mas,
também, a vê como uma maneira de se estabelecer uma escola onde todos (aluno,
família, professores,...) aprendam e ensinem, para se criar vínculos afetivos e
sociais, num lugar feito para se compartilhar saberes sobre a vida como ela é, e,
assim, não se buscará mais normalização ou a homogeneização dos indivíduos
muito diferentes como forma de produzir a socialização.
37

O acesso à escola para ter uma educação de qualidade deve permitir-lhes não só o
conhecimento dos bens culturais da humanidade, mas também, promover outros
espaços de participação, vencendo a indiferença ou a rejeição imposta pela falta de
oportunidades para a convivência entre as “diversidades” dos diferentes da nossa
sociedade.

Para garantir essa qualidade social na EI, o importante é que o trabalho dos
gestores públicos se volte para propiciar o acesso aos serviços de suporte e apoio,
para que o processo de inclusão escolar se efetive neste nível de ensino, assim
como as possibilidades posteriores de inclusão social, já que, quando se fala de
processo de inclusão se vai para além do mero acesso aos bens de consumo e a
capacidade de acumulá-los.

Mas tem-se a consciência de que a prática social do trabalho educacional é um


processo cheio de contradições e intimamente ligado às questões e aos eventos do
cotidiano; aos conflitos e à submissão de ordem sócio-econômica que atinge
igualmente a todos que na escola estão. Portanto, negar a condição histórica
(tempo/espaço) da escola impondo um caminho, seria fugir à realidade, esconder a
dimensão humana própria da instituição.

Neste momento no qual está a escola cheia dessas contradições pela passagem
entre modelos de sociedade, o conflito é lugar comum e soluções únicas são
bastante imperfeitas. Uma sociedade em que o velho, ao mesmo tempo em que é
envolvido, resiste ao novo com uma força oposta, impedindo, deste modo, que se
tenha clareza acerca do futuro, na incerteza do caráter transitório das verdades,
torna bastante difícil qualquer orientação fechada. E é esse novo movimento que
irrompe na sociedade e na vida particular dos sujeitos, que faz com que eles saiam
daquele lugar seguro anterior, mesmo para aquele que se nega à mudança, para
outra forma de sobrevivência, para caminhos ainda não trafegados.

Viver numa escola de EI democrática na realidade acontecerá quando os sistemas


de ensino (em todos os níveis) acolherem na sua responsabilidade de ensinar todos
os alunos com as suas diferenças, suas necessidades, nos seus modos de ser e
estar no mundo. Enquanto pensar em democratização como apenas acesso sem
38

uma permanência solidária e um aprendizado com qualidade, estará a escola


afirmando-se como mecanismo de exclusão social.

Em uma perspectiva freireniana, a educação na EI só pode ser definida como um


movimento de libertação em direção ao futuro, ligado a um contexto histórico de
sociedade específica que deveria servir para humanizar o homem e a sua realidade.
O educar-se em Paulo Freire, visto como ato de comunhão entre as pessoas livres
faz com que o sujeito deseje ser mais, cada vez mais...

Na EI, ter uma criança, no seu presente, qualitativamente esperançosa, no sentido


freireniana, e mais liberta no sentido dado por CHAUI:

Liberdade é a capacidade para darmos um sentido novo ao que


parecia fatalidade, transformando a situação de fato numa realidade
nova, criada por nossa ação. Essa força transformadora, que torna
real o que era somente possível e que se achava apenas latente
como possibilidade, é o que faz surgir uma obra de arte, uma obra de
pensamento, uma ação heróica, um movimento anti-racista, uma luta
contra a discriminação sexual ou de classe social, uma resistência à
tirania e a vitória contra ela. (CHAUI, 2000, p. 364-365)
39

2. A COLABORAÇÃO ENTRE PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO INFANTIL NO


PROCESSO DE INCLUSÃO ESCOLAR

Neste momento no qual se vive cheio de contradição pela passagem entre modelos
de sociedade, o conflito é lugar comum. Uma sociedade em que o velho, ao mesmo
tempo em que é envolvido, resiste ao novo com uma força oposta, impedindo, deste
modo, que se tenha clareza acerca do futuro na incerteza do caráter transitório das
verdades, tornando bastante difícil qualquer orientação. E é esse novo movimento
que irrompe na sociedade e na vida particular dos sujeitos, fazendo com que eles
saiam daquele lugar seguro anterior, mesmo para aquele que se nega à mudança.

Sabe-se que, para um determinado contexto histórico-cultural existe um modelo


educacional correspondente, tendo por objetivo dar resposta às necessidades de
uma sociedade no momento em que está inserido. Para cada visão de mundo e de
realidade futura aceita há um propósito definido para a educação. Portanto, de
acordo com a evolução da sociedade é que vão sendo construídas, por exemplo, as
rotinas pedagógicas, os programas educacionais e os projetos dos professores na
prática cotidiana em todas as escolas.

Desta forma, de tempos em tempos, revolucionam-se teorias e práticas da


educação, em “ondas” que criam novos conceitos e produzem novas palavras,
fundamentadas em novo ideário. São os movimentos que procuram responder aos
novos desafios apresentados pela dinâmica evolutiva da sociedade ou buscam
incorporar novas compreensões das relações humanas e de seus problemas.

Pode até parecer arbitrário procurar pontos de referência, como fatos ou eventos, no
curso da História para explicar a irrupção de alguma novidade. Entretanto, às vezes
surgem fenômenos sociais que parecem refletir tais movimentos. Um desses pode
ser o movimento pela inclusão escolar das pessoas com deficiência. Uma “onda”
que atingiu a escola – este processo de inclusão – faz com que a instituição Escola
torne-se diferente, transformando todo o cenário já bastante conhecido em um
ambiente novo, cheio de trilhas nunca antes trafegadas.
40

O desafio posto pela nova circunstância vai suscitar muitas reflexões acerca da
capacidade/incapacidade da escola em educar os “novos” alunos NEE que lá estão
se matriculando. A reboque deste novo contexto descobre-se que as condições para
os “velhos” alunos também não eram favoráveis.

Como o cotidiano escolar é bastante complexo, principalmente quando se buscam


os saberes docentes, este trabalho de pesquisa optou pelo recorte no foco de uma
nova interferência feita a partir da chegada dos novos “diferentes”, dos alunos que
não aprendem como os outros por terem alguma deficiência. Delimitando, assim, o
campo por essa busca em saber o que é necessário saber para o professor ser um
agente ativo dentro do processo de inclusão.

Neste capítulo explicita-se primeiro o que é necessário saber para ensinar ao


professor o que ensinar no processo de inclusão escolar. Depois, coloca-se um
caminho reflexivo possível para a profissionalização do docente com o uso de um
modelo de formação-investigação que objetiva a sua emancipação, tão fundamental
para o acolhimento do deficiente em sala de aula.

Ao final do capítulo, descreve-se o específico deste trabalho: a importância desses


“saberes-fazeres” dentro da EI. Este estágio da EB com maior riqueza de
possibilidades de inclusão do aluno com deficiência, ainda falta acesso, já que não
se universalizou nem para os ditos normais, condições internas para superação do
processo de exclusão dos deficientes por conta da histórica escassez de recursos
desse nível de ensino.

2.1 O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DO SABER DOCENTE: A BUSCA PELO


CAMINHO DO QUE SE NECESSITA SABER

De forma que, certo dia, à mesa ao cortar o pão, o operário foi


tomado de uma súbita emoção, ao constatar assombrado que tudo
naquela mesa - garrafa, prato, facão - era ele quem fazia. Ele, um
41

humilde operário, um operário em construção. (VINICIUS DE


MORAES, 1956) em Operário em Construção 17 .

Neste texto, Vinícius nos diz de um assombro do sujeito que se descobre autor, o
criador daquilo que utiliza para a sua sobrevivência cotidiana, sai do seu estado de
alienação e toma consciência, ou melhor, é tomado pela consciência sobre o seu
cotidiano. Ele sai do estado de embrutecimento e é tomado pela realidade.

Quão bom seria se o operário-professor em construção pudesse “de repente” abrir


os seus olhos e espantar-se com a percepção de que tudo aquilo que é utilizado por
ele na sua sobrevivência cotidiana pertencesse a sua autoria. Porém, para isso
acontecer, deveria ele ser sabedor de si próprio como profissional e ter autonomia
suficiente para apropriar-se das suas ferramentas de trabalho, dono do fruto do seu
suor, emancipado.

Contudo, o que se tem relatado em textos acadêmicos e pesquisas sobre a


formação (inicial e continuada) de professores (BARRETO et. al., 2006 e 2008;
PIMENTA et. al., 2002; ZEICHNER, 1992 e 2002; NÓVOA, 1992; entre muitos
outros) é uma prática de, partindo de pressupostos externos ao contexto de trabalho,
querer promover o sujeito a um grau superior de conhecimento, a uma qualidade de
profissional considerada pelos outros como a melhor para atender às novidades que
surgem continuadamente no cotidiano escolar.

Entende-se, pois, que não é só com os alunos nas escolas que acontece esse tipo
de formação do sujeito, provocadora do silenciamento, mas também é feito com os
professores no seu processo de formação inicial e continuada:

[...] No entanto, a maior parte das inovações situa-se apenas no


âmbito das discussões, sem conhecer os anseios e necessidades
dos professores, que deveriam indicar os pontos sensíveis, segundo
seus pontos de vista, e em decorrência da prática, necessitam de
novos caminhos. (BARRETO, et. al, 2008).

No mesmo sentido, ZEICHNER (2002) coloca que existe uma mudança na


perspectiva de ensino pelo mundo, crescem em número cada vez mais elevado os

17
Disponível na integra em: http://www.mensagensepoemas.com.br/engenheiros/operario-em-
construcao.html
42

esforços para assegurar um nível de qualidade na formação para todos. O


interessante é que o autor aponta para o fato da mudança neste aspecto: para
todos, seja requerida apenas para dentro da sala de aula, criando uma distância que
ele chama de “abismo” entre o esperado no trabalho do professor em sala de aula e
o que se faz desde o início, na construção do saber ser docente, na formação desse
profissional.

O professor, durante sua trajetória acadêmica/profissional, passa passivamente por


vários processos de formação que proclama como fundamental para a qualidade do
ensino, o envolvimento ativo do aluno no processo de ensino-aprendizagem. Assim,
demonstra claramente uma incongruência dentro do processo de formação do
sujeito que está sendo “formado” para ensinar, entre a formação inicial e continuada
de professores e a exigência atual na prática dentro das escolas, a concreta
distância entre o discurso do que se pensa fazer e o que efetivamente se faz.

Talvez isso ocorra porque ainda não se venceu, dentro da formação de professores,
a tradição de ensinar o sujeito passivo, confundido-o com um recipiente vazio:

[...] os transforma em “vasilhas”, em recipientes a serem “enchidos”


pelo educador. Quanto mais vá “enchendo” os recipientes com seus
“depósitos”, tanto melhor educador será. Quanto mais se deixarem
docilmente “encher”, tanto melhores educandos serão. Desta forma,
a educação se torna um ato de depositar, em que os educandos são
os depositários e o educador o depositante. (FREIRE, 1978, p. 66).

A opção apontada neste trabalho, como rota de fuga dessa armadilha, é de formar
professores em contexto colaborativo, pelo diálogo crítico e reflexivo, principalmente
quando se refere ao profissional para atuar no processo de inclusão escolar e este
com foco na criança deficiente. Caminhar na tentativa de auxiliar o professor a atingir
um nível maior de autonomia na sua construção do saber docente, na sua prática
refletida.

Essa formação-reflexão a partir da e na ação é um conceito que já vem sendo


trabalhado e criticado há muito tempo e por autores que são quase uma referência
obrigatória em Educação, como Dewey, Schön e Freire. Fazendo com que essa
atividade comum e necessariamente presente em todos que pensam – a reflexão –
43

seja forçosamente ponto de pauta em qualquer tipo de trabalho com formação de


docentes, com qualidade.

O conceito do professor como um profissional reflexivo parece


reconhecer a expertise que existe nas práticas de bons professores,
o que Schön denominou de "conhecimento-na-ação". Da perspectiva
do professor, isso significa que o processo de compreensão e de
melhoria de seu próprio ensino deve começar da reflexão sobre sua
própria experiência e que o tipo de saber advindo unicamente da
experiência de outras pessoas é insuficiente. (ZEICHNER, 2008,
p.539)

Mas, a formação dos professores numa prática reflexiva foi se tornando nos últimos
vinte anos muito mais um slogan contra a formação num perfil técnico do que uma
prática efetivada de construção de saberes nos cursos de formação inicial ou
continuada. Mesmo assim, expressa um desejo de ter uma formação a partir da
experiência do professor como também que continue em pesquisa continuadamente
na sua prática profissional.

Essas críticas se remetem ao dever de pensar nos fins desta reflexão no processo
de formação. Fazê-la sem que se tenha um objetivo referenciado pelo professor é
caminhar no vazio e leva a lugar nenhum. A reflexão deve ser do próprio sujeito 18 e
voltada para a modificação da sua realidade, gerando de alguma forma uma
corrente (pequena ou grande) de mudanças da ação pedagógica, partindo do
reconhecimento da realidade, tentar promover conhecimentos significativos para
todos os sujeitos envolvidos no processo de ensinar-aprender.

IBIAPINA (2008) sinaliza a partir de Zeichner que a conceituação feita por parte dos
pesquisadores do termo reflexão na formação de professores necessita de cuidado
no seu emprego para não se tornar um jargão vazio. O uso da reflexibilidade na
formação de professores vem desde as idéias de Dewey, expandindo-se atualmente
nos mais diferentes modelos de trabalho. Razão pela qual deve-se esclarecer qual é
o significado de “reflexão” para este trabalho num contexto de construção de
saberes sobre a prática, que está ligado à própria formação de professores.

18
Pode parecer incoerente, mas corre-se o risco de se receber uma reflexão pronta e não perceber.
Portanto, vale a afirmativa.
44

O modelo de formação inicial de professores articula-se entre dois componentes


(GÓMEZ PÉREZ, 1995): o conhecimento científico-cultural e o psicopedagógico,
acontecendo em dois momentos diferentes, sendo um como teoria e outro como
aplicação. O conceito de reflexibilidade na construção do saber docente neste
trabalho pensa o professor numa postura ativa e reativa no contexto do seu
cotidiano em aula, além de servir como meio de articulação entre o teórico e o
prático.

A diferença fundamental entre a reflexão proposta pela racionalidade


prática e a crítica está na forma questionada de compreensão do
contexto social no qual se desenvolve a ação educativa, pois, para
os críticos reflexivos, a reflexividade não pode se reduzir ao âmbito
dos problemas pedagógicos que geram ações particulares realizadas
em sala de aula Deve além de compreender esses problemas,
analisar as ações pedagógicas no contexto da realidade sócio-
histórica em que elas ocorrem [...] Nessa dialética, o indivíduo reflete,
torna-se consciente de suas ações e transforma as condições de
existência e de desenvolvimento profissional. (IBIAPINA, 2008, p.68)

Em ZEICHNER (2008) temos um alerta bastante interessante acerca do termo


reflexivo, da maneira como foi utilizado na prática cotidiana nas escolas e até que
ponto ele se tornou real no desenvolvimento de práticas formativas dos professores.
Como na realidade a reflexibilidade não se efetivou:

Existem diferentes modos nos quais a formação docente reflexiva


minou a intenção emancipadora freqüentemente expressa pelos
formadores de educadores. Primeiro, um dos usos mais comuns do
conceito de “reflexão” significou uma ajuda aos professores refletirem
sobre seu ensino, tendo como principal objetivo reproduzir melhor um
currículo ou um método de ensino que a pesquisa supostamente
encontrou como mais efetivo para elevar os resultados dos
estudantes nos testes padronizados. A pergunta que se faz aqui
sobre a “reflexão” é a seguinte: Em que medida a minha prática está
de acordo com aquilo que alguém deseja que eu faça? Em alguns
casos, permite-se que o professor use sua criatividade para intervir
em determinadas situações a fim de utilizar materiais e estratégias
de ensino de uma maneira mais apropriada, mas isso geralmente
não acontece. (ZEICHNER, 2008, p. 541)

O reflexivo, então, deveria ser como no sentido do termo: refletindo criticamente a


sua prática, o professor a teoriza, assim, depois de revê-la torna prática aquilo que
era a sua teoria. Desta forma, a reflexão a que este trabalho se referencia é aquela
que abre possibilidade de realização da práxis da maneira expressa pela abordagem
freireana, continuamente renovada e compromissada etnicamente com uma
45

mudança solidária com aqueles oprimidos, libertadora e humanizadora: [...] A práxis,


porém, é reflexão e ação dos homens sobre o mundo para transformá-lo. Sem ela, é
impossível a superação da contradição opressor-oprimidos. (FREIRE, 1978, p. 40).

No caso do momento de encontro onde este trabalho acontece, concorda-se com o


que propõe PIMENTA a partir do pensamento de SCHÖN:

[...] baseada numa “epistemologia da prática”, ou seja, na valorização


da prática profissional como momento de construção de
conhecimento, através da reflexão, análise e problematização desta,
e o reconhecimento tácito, presente nas soluções que os
profissionais encontraram em ato. Esse “conhecimento na ação” é
tácito, implícito, interiorizado, que está na ação e que, portanto, não a
precede. É mobiliado pelos profissionais no seu dia-a-dia,
configurando um hábito. (2002, p.19)

Acredita-se, então, que se pode formar o docente em um trabalho a partir da


reflexão no contexto da sua realidade, para que ele utilize criticamente de
estratégias de ensino com segurança e autonomia, avançando no processo de
inclusão escolar dos alunos NEE em sua sala de aula. Possibilitar ao professor
encontrar, naquele momento novo e único dado pela permanência do aluno NEE na
escola, frente aqueles que viviam de alguma forma excluídos 19 , um caminho que
leve a todos com e por ele aprender.

O respeito à reflexão crítica, numa trilha de formação-pesquisa, não é só para


possibilitar o aparecimento de uma consciência ativa frente à realidade. Também é
um compromisso ético de um trabalho para a reformulação de práticas profissionais
daqueles que estão lidando com sujeitos implicados ao processo de inclusão escolar
de alunos NEE, estes vindos geralmente de uma camada da população já tão mal
atendida. Para Paulo Freire, a reflexão e a pesquisa são partes inerentes na
construção da profissionalidade do docente para ele: Não há ensino sem pesquisa e
pesquisa sem ensino. E em nota de pé-de-página esclarece:

Fala-se hoje, com insistência, no professor pesquisador. No meu


entender, o que há de pesquisador no professor não é uma

19
Vivemos numa sociedade onde a exclusão é a regra e se apresenta com muitas formas. Ela pode
ser justificada de diferentes maneiras e dar pertencimento ou não a algum grupo, entre elas o mérito,
o dom, desejo divino... Estabelecendo-se as diferenças e atribuindo valor. Portanto, este trabalho se
refere aos excluídos e incluídos no plural.
46

qualidade ou uma forma de ser ou de atuar que se acrescente à de


ensinar. Faz parte da natureza da prática docente a indagação, a
busca, a pesquisa. O que se precisa é que, em formação
permanente, o professor se perceba e se assuma, porque professor,
como pesquisador. (FREIRE, 2000, p: 32)

Assim, a atividade de reflexão dentro de um processo de formação docente


pressupõe que a ação pedagógica seja problematizada e organizada no sentido de
resolver as questões da prática da sala de aula, aproximando-se da atividade de um
pesquisador. No caso deste trabalho, a importância reside no fato de que a
qualidade profissional esperada ao final é que o professor tenha autonomia
suficiente para ser crítico da própria prática.

Porém, há de se precaver, como MEIRIEU (2002) nos adverte, sobre os conceitos


de “educação crítica” e de “espírito crítico”. Como eles são perigosos (efeito
bumerangue) e difíceis de serem manipulados, fugazes, podendo servir de slogans
para encobrir “realidades pedagógicas medíocres”, como instrumentos de seleção.
Mas, não é porque há perigo que se deve abandoná-los. Eles oportunizam ao
professor examinar, por exemplo, os seus preconceitos:

E é somente à medida que ele é capaz de se objetivar a si mesmo


que pode, ficando no lugar que lhe é inexoravelmente destinado no
mundo social, transportar-se em pensamento ao lugar onde se
encontra seu objeto (que é também, ao mesmo em uma certa
medida, um alter ego) e tomar, assim, seu ponto de vista, isto é,
compreender que se estivesse, como se diz, no seu lugar, ele seria e
pensaria, sem dúvida, como ele. (BOURDIEU, 1997, p. 713).

A saída apontada por MEIRIEU (2002) está na constante metacrítica da prática


educativa desse professor por ele mesmo: [...] mas, tal emancipação só é efetiva se
a própria relação que a constitui é questionada (idem, p.80), num movimento político
para fugir do impasse criado pela opção de fazer dos seus professores em formação
seres críticos. O professor questionar-se falando enquanto aluno, a pedagoga
enquanto professora, ou em sentido oposto. Estar no lugar do outro, na palavra dos
outros, como sugere o autor: é inserir sua palavra, tanto quando possível, em uma
situação que permita dar a ela seu verdadeiro sentido, [...] demarcando a distância
que permitirá ao outro tomar sua própria distância (ibidem, idem).
47

Essa postura notadamente questionadora preserva, por um lado, as convicções do


sujeito e possibilita outro ponto de vista, sem negar-se. Evita que se abdique da
verdade e, assim, se perca na multiplicidade de situações cotidianas. O que parece
ser melhor para este trabalho. Portanto, o falar e agir enquanto é a abertura que
possibilita ao professor questionar-se enquanto autoriza-se, arriscando suas próprias
palavras e reafirmando sua identidade dentro da instituição escolar na medida em
que a reconhece como instância da sua autonomia.

No caso do professor que também está implicado no processo de inclusão escolar, o


questionamento deve ser constante. Movimento reflexivo serve para auxiliá-lo na
identificação dos significados adormecidos, dos conceitos escondidos resultantes de
um processo histórico, de um lento abafamento que afeta a interpretação do real,
permitindo uma leitura diferente daquela que se naturalizou o suficiente a ponto de
crer como verdade o preconceito.

Em decorrência dessa tarefa é que surge hoje diante dos profissionais da escola,
refletindo acerca da novidade que representa o processo de inclusão, outro conjunto
de crenças e valores na comunidade escolar, dando um golpe na sua “solidez”. A
Educação Escolar hoje é obrigada a acordar para aqueles que sempre estiveram lá,
expondo então o que se escondia no conforto do não-há-como-ensinar este aluno,
aquilo que se mantinha inerte no cotidiano da sala de aula.

Também em Merieu (2005) encontramos o conceito de momento pedagógico que


serve para pensar “o que” planejar para sair da paralisia frente ao processo de
inclusão. Já que este conceito é o encontro entre o professor e seu aluno, quando o
primeiro não ignora o segundo, e este se mostra ao primeiro através de um
questionamento, de uma interrupção ou só pela sua presença, criando um vetor de
resistência do outro a provocá-lo a ensinar. É na leitura dessas resistências, no
interrogar o porquê o aluno aprende ou não, que se fundamentará o planejamento.

Esse conceito tem também algumas reflexões importantes para quem trabalha com
formação de professores (continuada e inicial) e sua orientação em serviço: o que
representa para a autonomia docente apresentar algo pronto para se fazer, ou
ainda, nada. Colocando-se por trás da famosa sentença “não existe receita pronta”.
48

Existindo aí uma espécie de dilema ético no caminho entre esses sujeitos,


apontando a necessidade de abrir-se uma relação verdadeiramente pedagógica.
Para isso, nenhum dos dois lados deve experimentar a solidão.

O que é mais significativo dessa relação ética está no fato de que: [...] não se pode
esperar conhecer os alunos para agir, pois é justamente a observação dos efeitos de
nossa ação que nos permite ter acesso ao conhecimento dos alunos (MEIRIEU,
2002, p. 83). Portanto, essa relação deve ser pedagogicamente provocativa entre
ambos, rompendo com a estabilidade do conhecido.

Não se opor à resistência do outro, ir ao encontro sem confirmá-lo no próprio desejo,


autorizando a palavra do outro no seu processo de formação; assim se encaminha a
emancipação: [...] É por isso que toda verdadeira pedagogia é, acima de tudo, uma
pedagogia da coragem. (ibidem, 213).

Por este caminho, o movimento de reflexão-crítica-reflexão no encontro entre


professores para o processo de inclusão pode ser apresentado como algo
significativo para a melhoria da qualidade da educação escolar, criando um espaço
de mobilização das energias adormecidas, de trocas entre os profissionais, local
privilegiado para descobrir novas alternativas, permitindo transformar o
relacionamento um-para-outro em um-com-outro.

Há um sinal dos tempos, entre outros, que me assusta: a insistência


com que, em nome da democracia, da liberdade e da eficácia, se
vem asfixiando a própria liberdade e, por extensão, a criatividade e o
gosto da aventura do espírito. (FREIRE, 2000, p.128).

Em favor ao colocado por Freire, para dar sustentação às aventuras do espírito


temos hoje algumas proposições 20 que vão fundamentar os projetos de mudança na
formação de professores, propostas de saída para responder, na formação, ao
desafio de se processar a inclusão escolar.

A necessidade de propor novos tipos de intervenção diferenciados para ensinar


aqueles que não só aprendem de forma diferente, mas também têm um estereótipo

20
Contidas tanto em legislações quanto em declarações internacionais e nacionais.
49

“estranho” aos outros da turma, faz com que sejam reforçados alguns conceitos que
já vinham sendo trabalhados há pelo menos duas décadas e, ao mesmo tempo em
que reconfigura outros para prática de formação docente, como o de professor
reflexivo.

BRITO resume o que para ela SCHÖN caracteriza como professor reflexivo:

Ser um profissional reflexivo, nesta acepção, traduz-se na


capacidade de ver a prática como espaço/momento de reflexão
crítica, problematizando a realidade pedagógica, bem como
analisando, refletindo e reelaborando, criativamente, os caminhos de
sua ação, de modo a resolver os conflitos, construindo e
reconstruindo seu papel no exercício profissional. (2006, p.2)

Mas, por precaução, cabe alertar que a reflexão é atributo dos seres humanos
(PIMENTA, 2002, p.18). Portanto, há de cuidar-se, com discernimento, quando se
denomina professor reflexivo. Se falo de um atributo comum aos humanos, refiro-me
a uma adjetivação ou falo de um conceito a ser trabalhado dentro do processo de
formação profissional de um professor?

A reflexão de que trata este trabalho serve para tirar o professor daquela posição de
transmissor de conhecimentos, um simples reprodutor de tarefas previamente
estabelecidas por outros. A função do estar em pesquisa tem sido apontada como
um caminho nesse sentido. O estudo das funções e das possibilidades da pesquisa
na formação do docente tem ocupado espaço considerável na produção acadêmica
nos programas de pós-graduação em educação (VENTURINI, 2005).

Para este trabalho, deve-se ver a oportunidade extraordinária que o processo de


inclusão escolar dá à reflexibilidade para emancipar profissionalmente os
professores pelos caminhos da pesquisa.

Temos muito a aprender com o que se faz lá, à margem. Como toda
a história da educação nos ensina, é nos “subúrbios da Escola”,
quando educadores e professores se empenham na educação de
crianças consideradas ineducáveis, que se inventam soluções que
acabam beneficiando todo o sistema. (MEIRIEU, 2005, p.129)

Assim visto como nos diz RANCIÈRE sobre a reflexão para emancipar:
50

[...] trata-se necessariamente de uma interação cognitiva. Como no


Mestre Ignorante que submete a vontade do outro à sua, mas não a
outra inteligência à sua, o formador de professores que se faz
emancipador não é a verdade e, sim, um agente encaminhador do
conhecimento. (2005, p. 51)

Desta maneira, a experiência de se fazer emancipador depende de dois saberes


para que este processo se inicie: [...] deve o professor saber suspender seus
impulsos e abandonar a onipotência [...] associando ao saber formar o aluno para
correr o risco de enfrentar o desconhecido (MEIRIEU, 2005, p.120). Portanto, para
se fazer um processo de formação de professor na perspectiva emancipadora, pelo
menos nesta visão, a aposta é na crença do mestre que se faz pelo processo de
conscientização.

Para emancipar a outrem, é preciso que se tenha emancipado a si


próprio. É preciso conhecer-se a si mesmo como viajante do espírito,
semelhante a todos os outros viajantes, como sujeito intelectual que
participa da potência comum dos seres intelectuais. (RANCIÈRE,
2005, p.57).

Que a partir da intervenção de outro mestre emancipador (o formador de


professores, por exemplo) e também ignorante, não se permita que o aluno-
professor embruteça a ponto de não saber exercer outro tipo de prática profissional.
Assumindo uma conduta essencialmente ética:

Ir ao encontro e não aniquilá-lo, pois nisso está em jogo a própria


ética [...] quando a resistência do outro não me remete ao poder que
me caberia exercer sobre ele, mas ao que ele deve exercer sobre
mim. Quando não procuro quebrar a resistência do aluno, mas
quebrar em mim aquilo que suscita tal resistência [...] a nuance
poderá parecer insignificante: na realidade, ela é essencial.
(MEIRIEU, 2002, p: 78)

A prática da formação continuada de professores que o processo de inclusão


escolar necessita é, assim, entendida como uma conscientização freireana, portanto,
emancipadora, uma (re) elaboração dos saberes iniciais em relação direta com as
próprias experiências cotidianas embrutecedoras, criando a possibilidade de uma
nova prática profissional.

Eles haviam aprendido sem o mestre explicador, mas não sem


mestre [...]. Entre o mestre e o aluno se estabelecera uma relação de
vontade à vontade [...] Ela se torna embrutecida quando liga uma
51

inteligência a uma outra inteligência. No de ensinar e de aprender, há


duas vontades e duas inteligências. (RANCIÈRE, 2005, p. 31)

Assim, há emancipação nesta relação quando no processo de ensinar-aprender


acontece [...] o ato de uma inteligência que não obedece senão a ela mesma, ainda
que a vontade obedeça a uma outra vontade (idem, p. 32). A partir daí,
fundamentada no ato pedagógico do professor: “transmitir os conhecimentos do
mestre ao aluno”, reconhecer a mudança na relação ética entre o embrutecimento
para a emancipação, a troca do mestre sábio: “embrutecedor”, pelo mestre
emancipador: “ignorante”.

A pergunta que mais provoca incomodo de se responder, por quem educa, nesta
situação é apresentada por RANCIÉRE: Mas como admitir que um ignorante possa
ser causa de ciência para um outro ignorante? (p. 34) Nesta perspectiva, em
resumo, admitir ou permitir essa possibilidade é caminhar para a relação
emancipadora. E desta forma “forçar” o outro a se utilizar, antes, da própria
inteligência e aquele que educa ter crença no “verdadeiro poder do espírito
humano”.

Em resposta à questão, emancipar seria abrir mão do poder regulador/embrutecedor


do mestre sábio. Seria, ainda, investir na potência do aluno, na medida em que este
descobre a própria capacidade de aprender por si: [...] Quem ensina sem emancipar
embrutece [...] Ele saberá que pode aprender ‘porque’ a mesma inteligência está em
ação em todas as produções humanas, que um homem sempre pode compreender
a palavra de outro homem (RANCIÈRE, 2005, p. 37).

Enfim, visto desta maneira, percebe-se que não é só respeitar a inteligência do


outro, mas, principalmente, não tirar a liberdade da marcha do aluno, por vê-lo como
alguém de menor valor, vigiar o caminho juntos, mestre e aluno, crendo que a
diferença não impossibilita nem desvaloriza o sujeito, como crêem os
embrutecedores. [...] Ele crê inferior porque crê em inferiores e superiores. Em
suma, seu duplo argumento e, mais ou menos, o seguinte: há seres inferiores e
superiores; os inferiores não podem o que podem os superiores (ibidem, p. 45).
52

Se assim: [...] A consciência só se torna consciência quando se impregna de


conteúdo ideológico (semiótico) e, conseqüentemente, somente no processo de
interação social (BAKHTIN, 2002, p. 34). Entendo que, desta forma, qualquer prática
profissional, para ser desvelada, implicaria a atuação coletiva de todos os
profissionais sobre suas condições de trabalho, incitando-os a se colocarem em
outro patamar de compromisso com o coletivo da sua profissão.

Essa prática de ensinar passa, então, pela crença na impossibilidade concreta de


um professor só, isolado na sua própria prática, desenvolver um processo de
emancipação profissional e autoria docente, ele estará constantemente em risco de
ser vencido pelo seu próprio ponto de vista. Na prática cotidiana, somente no
debate, no diálogo entre pontos de vista é que o professor poderá relativizar o seu
fazer e o seu saber, refletindo-os. Acredita-se na possibilidade do diálogo como mais
que um método de trabalho pedagógico, ele é um princípio ético pessoal, humano.

[...] Esse ideário inclusivo trata da mudança no modo de se viver em


sociedade: estabelecer entre os homens relações de amor e
solidariedade, realizar a plenitude do desenvolvimento material,
moral e intelectual, não para o indivíduo isolado, não para os
membros de certa classe ou de certo partido, mas para todos os
seres humanos. Esta transformação não é medida que se possa
impor pela força; deve surgir da consciência esclarecida de cada um,
para se manifestar, de fato, pelo livre consentimento de todos.
Nossa primeira tarefa deve ser, portanto, persuadir as pessoas. É
necessário atrair a atenção dos homens para os males que sofrem, e
para a possibilidade de destruí-los. É preciso que suscitemos em
cada um a simpatia pelos sofrimentos alheios, e o vivo desejo pelo
bem de todos (ERRICO MALATESTA – Escritos Revolucionários –
1903).

Essa concepção fala para os formadores de professores de uma nova postura


quanto à diferença entre as pessoas, a mesma que o professor deve assumir na
relação com o aluno na prática de ensinar, por acreditar que: Quem estabelece a
igualdade como ‘objetivo’ a ser atingido, a partir da situação de desigualdade, de
fato a posterga até o infinito. (RANCIÈRE, 2005, p.11) Vê-lo na sua diferença é tê-lo
concreto à sua frente. E, pensar em torná-lo igual aos outros ao final do trabalho é,
de fato, embrutecê-lo, negá-lo como sujeito válido na relação.
53

De tal modo que, para os formadores de professores, o mais desafiador nesta forma
de propor os papéis na relação de ensino é o fato de abrir o poder à potência do
outro.

Em resumo, emancipar é abrir mão do poder regulador embrutecedor


do mestre sábio. Sendo, ainda, que se investe no aluno na medida
em que este descobre a própria capacidade de aprender por si:
Chamar-se-á emancipação à diferença conhecida e mantida entre
duas relações, o ato de uma inteligência que não obedece senão a
da mesma, ainda que a vontade obedeça a uma outra vontade.
(idem, p: 32)

Visto desta maneira, percebe-se que não é só respeitar a inteligência do outro que o
faz ser emancipado, mas é essencialmente dar liberdade à vontade em marcha do
outro que antes de você não podia. É, antes de iniciar o caminho juntos (mestre e
aluno), crer que a diferença não impossibilita nem desvaloriza o sujeito. Assim, as
diferenças não devem gerar desigualdades no valor das pessoas.

Há desigualdade nas manifestações da inteligência [...], mas não há


hierarquia de “capacidade intelectual”. É a tomada de consciência
dessa igualdade de “natureza” que se chama emancipação e que
abre caminho para toda aventura no país do saber (ibidem, p.49)

Portanto, tudo isso obriga os formadores de professores a trabalharem para construir


saberes e fazeres diferentes. Um caminho sem certezas prontas antes de se dar o
primeiro passo. Partir para um movimento de formação de professores
investigadores da sua prática, no sentido dialético. Como conseqüência, reconhecer
a sua demanda real, visto que o vivenciado até o momento na formação de
professores mais representa um descaminho do que a possibilidade de outros
caminhos.

2.2. INCLUSÃO ESCOLAR COMO PROMOTORA DA PESQUISA-FORMAÇÃO


DOCENTE

E aqui podemos começar a incluir os deficientes na escola quando pensamos o


processo de formação docente. Apesar de ser física e/ou sensorial a definição de
deficiência, como todas as outras definições, é socialmente constituída, ou seja,
54

deve-se relativizar a condição social do sujeito para categorizar corretamente o


deficiente, assim, pensar em formação mais específica e realista. Sabe-se que duas
pessoas com a mesma deficiência não são iguais nas suas necessidades
educacionais e, em cada sala, o professor necessita ser diferente. A escola,
portanto, também é meio tanto para se constituir uma deficiência, como para a
especialização do docente pela pesquisa.

Contudo, deve-se ter o cuidado para não misturar num mesmo estatuto o trabalho de
formação docente, os saberes e fazeres do professor no cotidiano e o processo de
construção da pesquisa científica, como se fossem uma coisa só e bem linear. Não
são. Nem parece possível fazer uma ligação direta entre qualquer uma das partes.

Como exemplo, o debate sobre a formação dos docentes (inicial e continuada) e a


dos pesquisadores são processos diferentes. Não por acaso, nesta proposta de
trabalho caminham em um único curso, mas de maneira distinta, pela promoção de
uma qualidade diferente de profissional.

Acredita-se que toda pesquisa feita por professores na sua prática produz
conhecimentos relevantes para os saberes sobre a docência, sendo as dificuldades
para realizá-la bastante conhecidas: pela razão da dependência dos saberes não
aprendidos no curso acadêmico; pela falta de tempo disponível; pela indisposição
pessoal em investir na própria formação, entre outras tantas razões pertinentes.

Então, por prudência, deve-se questionar o que é para o trabalho dos formadores de
professores o conceito de pesquisar? Por que não considerar a pesquisa como
possível dentro da atividade docente? E, o que é necessário saber para torná-la
instrumento da própria formação?

De modo singular, as investigações em torno da formação


profissional docente têm desconstruído certezas e, principalmente,
vêm revelando diferentes possibilidades de estudos e de pesquisas,
pois, na medida em que questionam a formação meramente técnica,
indicam novos paradigmas de formação assentados na compreensão
de que o processo formativo por si só não assegura a efetiva
preparação profissional do professor/a. (BRITO 2006, p.01)
55

Como já foi dito, um forte fator que promove os questionamentos, gerando a


desconstrução de certezas, reside na necessidade de se ensinar para a diversidade
e nela, os alunos NEE. A escola tem se desestabilizado pela dificuldade em
encontrar conhecimentos que fundamentem as conceituações de justiça no
processo de ensino e na avaliação, entre outras. Achar uma boa razão que seja
adequada ao uso nas suas práticas, particularmente com vistas à utilização no
processo de formação dos professores, favorecendo a gradativa redução das
desigualdades no trato dessas diversidades na escola. E isso ainda é uma tarefa em
construção (DUBET, 2001 e 2003).

As necessidades do processo de inclusão mexem com a escola desde os seus


pilares construídos sobre o solo da modernidade até as questões do caminho que
deve ser engendrado para o seu futuro. Passando, obrigatoriamente, pela
necessidade da reformulação da profissionalidade do professor para ensinar o aluno
em inclusão e, concomitantemente, pela da preparação de todo sistema de ensino
para favorecer este processo.

Por ser recente na história, a escola regular com alunos NEE requer para todos os
profissionais que lá atuam uma relativização das práticas e a construção de novos
saberes, a partir da sua atualização teórica. A escola aberta a todos implica, por
parte dos profissionais, a busca de conhecimentos específicos e recursos
diferenciados que auxiliem sua prática.

Referenciando-se no que foi colocado por NÓVOA (1995) para entender o que
realmente está sendo demarcado ao se discutir esses outros saberes, deve-se falar
do que é específico na ação profissional do professor, isto é, o conjunto de
conhecimentos, destrezas, atitudes e valores que constituem a especificidade de ser
profissional. Além desses, também os saberes práticos ou saberes da experiência,
referentes aos conhecimentos e habilidades adquiridos pelo professor no seu
desempenho.

Para definir melhor, quando se coloca como idéia central da prática de uma
pesquisa-formação os saberes profissionais, será utilizado o que Tardif encaminha
enquanto compromisso a favor de certas posturas, assim como vetor para definir o
56

objeto: [...] Chamamos de epistemologia da prática profissional o estudo do conjunto


dos saberes utilizados realmente pelos profissionais em seu espaço de trabalho
cotidiano para desempenhar todas as suas tarefas (TARDIF, 2002, p.255).

A formação de professores neste caminho tem a idéia de um processo continuo, que


se dá ao longo da vida profissional e, por isso mesmo, é marcado por sobressaltos,
pelo inesperado, pelo inusitado. Desse modo, a formação passa a ser olhada como
um percurso, uma viagem aberta, uma viagem que não pode estar antecipada, e
uma viagem interior (...) em que através da relação com as formas mais nobres,
fecundas e belas da tradição cultural alguém é levado até si mesmo (LARROSA,
1999, p.53) pela paixão que se rompe a cada movimento da vida, pela descoberta,
neste encontro consigo mesmo e com os outros.

Para apresentar melhor esta perspectiva, TARDIF (2002) situa o saber do


profissional, buscando alguns fios condutores como: saber e trabalho que é o saber
em íntima relação com o trabalho; diversidade do saber que permiti assinalar a
natureza social desse saber; temporalidade do saber que é adquirido no contexto de
uma história de vida e de carreira profissional; experiência de trabalho enquanto
fundamento do saber que admite a existência de várias fontes e diferentes
momentos da história de vida e de carreira profissional. E é daí que provém o saber.
Saberes humanos a respeito de seres humanos fundado na idéia de que o
trabalhador se relaciona com seu objeto de trabalho fundamentalmente através da
interação humana; e saberes e formação dos professores que buscam uma nova
articulação entre os saberes produzidos pelas universidades e os saberes
desenvolvidos em sua prática cotidiana.

Todos são fios condutores relevantes para qualquer trabalho de formação do


professor, como também o de fazer pesquisa sobre a prática docente. Em
decorrência dessa perspectiva de investigação-formação de professores, o que se
torna necessário saber, dos saberes pontuados até aqui, é: quais são esses saberes
sobre a prática docente apropriados pelos professores envolvidos no processo de
inclusão escolar?
57

A trilha pela qual a resposta é encaminhada, vai ao encontro do sentido dado pela
literatura da última década sobre a formação do docente como profissional reflexivo.
Segundo PIMENTA, GARRIDO E MOURA (2001), os trabalhos têm se deslocado do
foco excessivamente nos aspectos metodológicos e curriculares para outro que vai
ao encontro dos contextos das organizações escolares, a sua cultura interna
(formada pela soma das crenças e valores dos seus membros) e a vê como
promotora de práticas sociais à procura de soluções para os seus problemas.

Assim entendida, a formação constitui não só um processo de


aperfeiçoamento profissional, mas também um processo de
transformação da cultura escolar, em que novas práticas
participativas e de gestão democrática vão sendo implementadas e
consolidadas. Neste sentido, a formação de professores reflexivos
configura um projeto pedagógico emancipatório. (KINCHELOE, 1997;
PIMENTA, 1998 e 1999). (PIMENTA; GARRIDO; MOURA, 2001, p.
1)

O fato de adentrar a cultura escolar é significativo para a possibilidade de reflexão,


no encontro com a realidade prática do professor (SACRISTÁN, 2002). Mas não se
devem criar ilusões nem expectativas difíceis de concretizar, pois qualquer processo
participativo requer tempo, com constância para amadurecer e solidificar-se: há
muito menos participação do que boa vontade de fazê-lo, bem como há mais
sofisticações da opressão por meio de processos pretensamente participativos do
que efeitos reais participativos (DEMO, 2004, p. 12 e 13).

Como fazer o professor caminhar na direção da possibilidade de ser autor da sua


própria formação como meio para sua emancipação profissional? Assume-se como
caminho para resposta a realização do diálogo no contexto educativo, no
tempo/espaço de trabalho onde os docentes constroem ou reconstroem os saberes
da prática pedagógica. O coletivo dos profissionais pode ser utilizado no processo
de formação, onde, na realidade, o ensino acontece de fato.

Independentemente da sua vontade, o processo de inclusão na sala de aula é de


responsabilidade do professor, mas não única. Justificando-se, assim, a
necessidade de tomar consciência dos próprios erros e preconceitos; de se abrir às
infinitas possibilidades de ensinar existentes. Cabendo, ainda, lembrar que sozinho
58

não faz a inclusão, ela se faz junto e para isto tem que se ter um espaço coletivo de
diálogo.

Mas, para acontecer o diálogo na diversidade, é provável que todos tenham a


consciência da necessidade de retomar constantemente as suas crenças, seus
pressupostos teóricos e práticas docentes para relativizá-las, analisá-las medindo
até que ponto elas estão ou não sendo formativas dentro da sala de aula, que este
trabalho entende ser um espaço e um tempo estruturados por um projeto específico
que alia, ao mesmo tempo e indissociavelmente, a transmissão de conhecimentos e
a formação de cidadãos (MEIRIEU, 2006, p.68).

Neste caminho busca-se, na aproximação com a realidade, vencer a dificuldade em


definir a forma de fazer-se profissional docente frente à diversidade, estando a
escola no meio de uma crise de parâmetros e de modelos educacionais, antes
dominantes, no que se refere ao tratamento das igualdades entre os alunos. Crise
expressa principalmente no que se refere ao como, o que planejar e,
conseqüentemente, na maneira de ensiná-los.

Imagina-se que estando os formadores de professores tão próximos aos


acontecimentos das salas de aula, através da visão dos professores, aconteça o
acolhimento do docente e das suas inquietações, falando junto a eles como
profissional bastante questionado em relação às mudanças cada vez mais rápidas,
nos seus referenciais teóricos e nos modelos educacionais. Para esses formadores,
faz-se necessário responder também pela entrada na escola daquele aluno que
aprende de forma muito diferente 21 .

Com esta necessária proximidade, reafirma-se mais uma vez o diálogo reflexivo
como a principal ferramenta neste tipo de formação. A reflexibilidade pressupõe que
a ação pedagógica seja problematizada e organizada no sentido de resolver as
situações do cotidiano. Aproximando-se, desta maneira, da atividade própria de um
pesquisador (LÜDKE, 2005).

21
Principalmente na escola pública ouve-se muito que essa carga maior de trabalho é um grande
empecilho, visto que o professor, em condições normais, não deseja ter nenhum trabalho a mais.
59

Essa atividade, sendo feita dentro de um processo de formação de professores,


torna-se relevante pelo fato de o profissional aprender a ser crítico da sua própria
prática e, assim, perceber que ela está inserida numa rede de relações muito maior,
visto que estar em diálogo reflexivo favorece a promoção de um estado de maior
sensibilidade frente ao contexto de sala de aula. Junto ao fato de que o professor
aprendendo a ser um pesquisador 22 da sua prática, como foi proposto até aqui
também, favorece a abertura de um espaço/tempo dentro da escola para a reflexão
individual, para vencer desafios no coletivo.

Os professores, dadas certas condições, produzem conhecimento a partir da sua


prática, se feita de forma reflexiva. Se as teorias explicativas que eles têm no seu
“reservatório de saberes” são conservadoras, sua ação reflexiva será de acordo com
essas crenças. Assim, não é só porque a ação reflexiva exige que a práxis do
professor seja transformadora, da mesma forma que nem toda teoria é científica, por
vezes não sai nem do “senso comum”, ficando no âmbito do “bom senso”.

O desejo expresso nesta maneira de trabalhar para a promoção da reflexão crítica e


transformadora é a aposta de que a contaminação ocorra entre os profissionais e,
pela mobilização na investigação-formação, uma espécie de efeito dominó
desencadeie naturalmente novas/outras práticas de organização do trabalho que
favoreçam o processo de inclusão escolar:

Por isso é que, na formação permanente dos professores, o


momento fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática. É
pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode
melhorar a próxima prática. O próprio discurso teórico, necessário à
reflexão crítica, tem de ser de tal modo concreto que quase se
confunde com a prática. O seu “distanciamento” epistemológico da
prática enquanto objeto de sua análise e maior comunicabilidade
exercer em torno da superação da ingenuidade pela rigorosidade.
Por outro lado, que quanto mais me assumo como estou assim, mais
me torno capaz de mudar, de promover-me, no caso, do estado de
curiosidade ingênua para o de curiosidade epistemológica. Não é
possível a assunção que o sujeito faz de si numa certa forma de
estar sendo sem a disponibilidade para mudar. Para mudar e de cujo
processo se faz necessariamente sujeito também. (FREIRE, 1996, p.
43 e 44)

22
Não se deve polemizar, como alerta André (2005), juntando o pesquisador com o reflexivo, senão
cria-se uma adjetivação muito grande que o trabalho de formação pode não dar conta de realizar.
60

O processo de inclusão não é só discurso. É uma prática alterada pelo


reconhecimento da diferença e nesse reconhecer emergem questões de foro
pessoal, criando barreiras ao desenvolvimento de todos se não houver
disponibilidade para a mudança. Pois, o processo de inclusão escolar é movimento
em aberto, uma invenção do coletivo em que todos são autores e atores ao mesmo
tempo e, desta forma, donos de saberes e poderes decorrentes desses saberes.

Por fim, quando a formação-investigação de professores toca na possibilidade de se


ter uma experiência de inclusão bem-sucedida, na procura da forma como ocorre a
transformação nos diferentes níveis da intervenção docente, estará ela fomentando
novas questões (mesmo porque ela não será conclusiva), abrirá novos e múltiplos
horizontes de ação-reflexão-ação. Porque: quanto mais progride a problematização,
mais penetram os sujeitos na essência do objeto problematizado e mais capazes
são de ‘desvelar’ esta essência (FREIRE, 1980, p. 89).

Remetendo-nos à utopia freireana da esperança, que diz ser necessário sonhar,


enquanto houver o sonho haverá possibilidade de outro cotidiano e, inversamente,
também é verdade que enquanto houver a possibilidade é necessário sonhar. Sendo
assim, também como a esperança de futuro que se referencia na Sociologia das
Emergências de SANTOS: [...] futuro concreto de utopias realistas, suficientemente
utópicas para desafiar a realidade que existe, mas realista para não ser descartada
facilmente (2007, p. 37).

2.3 UM MODO DE INVESTIGAÇÃO COM PROFESSORES DA EDUCAÇÃO


INFANTIL

Reconhecer as diferenças é um passo fundamental para a promoção


da igualdade, sem a qual a diferença poderá vir a se transformar em
desigualdade. (SANTANA, 2006, p.30)

A educação escolar é um Direito da pessoa e faz parte da construção do processo


de reconhecimento do sujeito como cidadão. Assim entendida, a trajetória do aluno
na EI torna-se meio para a emancipação social do sujeito e tem como fim o seu
61

preparo para a convivência na sociedade de maneira autônoma, mesmo não tendo


ainda idade para exercê-la em sua plenitude.

Vive-se num período onde o movimento de inclusão escolar dentro da EI acontece


ainda de maneira muito precária e com avanços e retrocessos constantes, além de
comparecer pouco na pauta do discurso sobre o futuro desse nível de educação.
Esse processo ainda caminha margeando as ações pela inclusão social nas políticas
afirmativas de Direito que, mesmo constatando a falta de acesso, não gera
condições para superar o processo de exclusão/inclusão (PACHMAN e AMORIM,
2004).

A dialética exclusão/inclusão escolar manifesta-se das mais diferentes, às vezes


perversas maneiras e quase sempre o que está em jogo é o que falta no aluno
diante dos padrões descontextualizados do saber escolar. Excluindo dentro da
escola os que “não aprendem” aquele conhecimento valorizado por ela e, assim, a
democratização, a abertura da escola a todos se traduz em uma massificação de
ensino, impossibilitando o diálogo entre as diferentes maneiras de ser, entre os
novos conhecimentos que não couberam, até então, dentro dela.

A EI, da mesma forma que todos os níveis de ensino, está organizada de maneira
excludente, a partir de um pensamento que recorta e categoriza a realidade
(MORIN, 2001 e 2003), que permite a classificação e hierarquização dos alunos em
com e sem deficiência, entre os ditos normais e os especiais. Um modelo bem
tradicional, no sentido histórico do termo, que se desenrola na escola desde o seu
nascimento.

Salienta-se que, ao expor criticamente esse momento atual, buscando uma relação
com os saberes docentes, não se estará afirmando que os profissionais de hoje
responsáveis pelo movimento de inclusão escolar estão equivocados nos seus
conceitos ou práticas de intervenção ou estudo, mas que o conhecimento até hoje
acumulado pode ainda não ser suficiente para explicar o que está acontecendo na
escola, sendo importante continuar por um bom tempo ainda o estudo sobre o
processo de ensino aos alunos NEE e a formação docente para este trabalho.
62

Tendo em vista que o problema é muito amplo, com muitas possibilidades e no


futuro será preciso recorrer a outros modelos de formação inicial e continuada no
campo de estudo do processo de inclusão escolar.

Mas, se nem sempre as sombras ideológicas são deliberadamente


forjadas, programadas pelo poder de classe, a sua força opacizante
da realidade serve indiscutivelmente aos interesses dominantes. A
ideologia do poder não apenas opaciza a realidade, mas também nos
torna míopes, para não ver claramente a realidade. O seu poder é
domesticante e nos deixa, quando tocados e deformados por ele,
ambíguos e indecisos. (FREIRE, 97, p.10)

Portanto, é indispensável para a instituição Escola no futuro tornar-se inclusiva


repensar constantemente os procedimentos de ensino e os processos de formação
docente para o aperfeiçoamento da prática em sala de aula (BORGES, 2007).
Principalmente para aqueles que estão no início da sua trajetória de escolarização
na EI. Sabe-se que não é possível prescrever uma única receita padrão para o
cotidiano da escola e da sala de aula (MEIRIEU, 2005), com a qual, tudo pode dar
certo, ou não, na ação pedagógica. Mas, acredita-se neste caminho como uma das
muitas possibilidades de qualificar o profissional para, a partir do seu contexto e na
sua realidade, saber utilizar um rol de conhecimentos teóricos e práticos de ensino
que permitirá o processo de inclusão escolar.

Para o profissional da educação, tendo em vista o processo de inclusão, a sua


formação inicial e continuada devem estar associadas ao novo papel que vem sendo
construído para a escola de EI. Com uma nova concepção do como se aprende e de
infância, geram-se também novas concepções sobre o desenvolvimento do aluno e
do profissional (OLIVEIRA, 2007, p.113).

A formação de professores para a EI, então, deve basear-se na idéia de um


processo que se dá ao longo da vida do sujeito, dentro e fora da escola, com todos
os inesperados que podem haver no caminho, tornando impossível prever os
resultados das ações coletivas que compõem este processo, fazendo do ato de
refletir teoricamente a sua prática no coletivo da escola cada vez mais
imprescindível.
63

Em resumo, neste processo de constituir-se professor, fica evidente a importância de


os conhecimentos adquiridos durante a formação guardarem relação de proximidade
entre a teoria e a prática. A prática deve ser colocada como trilha para a reflexão
sobre um fazer profissional refletido e a teoria daria o suporte para a compreensão,
interpretação e atribuição de novos sentidos e significados para essa mesma prática.

Construir um espaço-tempo que possibilite a autonomia no seu fazer não é tarefa


para o indivíduo, é projeto de escola. Um projeto de pesquisa-formação é
potencialmente gerador de autonomia profissional, abre um veio enorme de
interrogações sobre o que se deve fazer, quais posturas adotar por todos, entre
tantas outras questões dentro dessa empreitada. Ainda assim, há o risco de um
grande erro na resposta caso ela seja dada solitariamente, como em toda
interrogação, mesmo que ela tenha sido construída pelo diálogo.

Apesar da falta do tempo e do isolamento do profissional sem espaço para o


diálogo, não se pode garantir o processo reflexivo. Como alerta PIMENTA (2002),
sem a necessária contextualização do sujeito em relação ao meio em que se
processa a sua reflexão, pois, por melhor e/ou maior que seja o seu potencial para a
mudança, a sua prática não ultrapassa, de imediato, a sua sala de aula. No máximo
movimenta com o segmento da escola que esse profissional intervém.

Para provocar este movimento maior de mudança, reflexibilidade feita dentro de um


momento de diálogo coletivo é vista como fundamental. É critério para aferir
qualitativamente o trabalho docente, se bem-sucedido, como qualquer trabalho que
se realize no processo de formação continuada. Porém, não se deve colocar só o
professor reflexivo no centro do movimento de mudança na escola. Arrisca-se a
gerar uma supervalorização do indivíduo, esperando-se que a partir da reflexão de
um único profissional seria possível fazer a mudança acontecer numa instituição. Na
realidade, nem mesmo o próprio profissional por si só muda sua conduta só pela
reflexão.
64

Assim, quando se trabalha na formação profissional, principalmente na EI,


preparando para o processo de inclusão, é necessário reavaliar a sua práxis 23 ,
buscando subsídios e orientações suficientes para que os docentes, com os seus
saberes pedagógicos, possam dar minimamente conta de assegurar uma prática
com qualidade para todos. Dentro das situações encontradas numa sala, com a sua
diversidade.

O fato, porém, de que ensinar ensina o ensinante a ensinar um certo


conteúdo não deve significar, de modo algum, que o ensinante se
aventure a ensinar sem competência para fazê-lo. Não o autoriza a
ensinar o que não sabe. A responsabilidade ética, política e
profissional do ensinante lhe coloca o dever de se preparar, de se
capacitar, de se formar antes mesmo de iniciar sua atividade
docente. Esta atividade exige que sua preparação, sua capacitação,
sua formação se tornem processos permanentes. Sua experiência
docente, se bem percebida e bem vivida, vai deixando claro que ela
requer uma formação permanente do ensinante. Formação que se
funda na análise crítica de sua prática. (FREIRE, 1993, p.27)

Deste modo, em consonância com a visão de educação defendida neste trabalho,


surge a necessidade de uma redefinição do próprio conceito de EI e do profissional
que nela atua. Inicialmente, é necessário enfatizar que a formação adequada do
professor e sua atuação são fatores determinantes do padrão do atendimento na
base do processo educacional que é a EI. As crianças precisam de educadores
qualificados, articulados, capazes de explicitar a importância, o como e o porquê de
sua prática, gozando de status, assim como de condições de trabalho e
remuneração condigna.

Ainda há dentro desse movimento, que empurra as políticas públicas para a abertura
de vagas como forma de possibilitar o acesso de todos que necessitam desse nível
de ensino, um processo legítimo de inclusão escolar amplo que vai fazer pressão no
que se refere às condições de atendimento com qualidade para aquele que, com
dificuldades muito diferenciadas para aprender, requer formas bem melhores de
ensinar.

O processo de inclusão escolar nos últimos anos vai aumentar a demanda por
investimentos na melhoria da qualidade social do ensino em todos os níveis, não
23
“Práxis expressa, justamente, a unidade indissolúvel de duas dimensões distintas, diversas no
processo de conhecimento: a teoria e a ação.” (FRIGOTTO, 2000, p. 81)
65

sendo mais somente nas condições de acesso pela garantia de vagas (CORREIA,
2006, p.51). Isso se deve, em grande parte, à pressão política que a sociedade
como um todo exerceu sobre as suas instituições, dando por conseqüência outra
forma de se perceber as necessidades educacionais das pessoas com deficiência.

Mesmo sabendo de todo o avanço no que se refere aos aportes teóricos sobre as
necessidades das crianças e ao acesso dos alunos NEE à classe comum, de certa
forma já consolidado dentro do movimento acerca da inclusão escolar, ainda há
necessidade do aprofundamento do debate no que tange aos mecanismos de
implementação e efetivação desse processo para além do "abrir as portas" para
aqueles muito mais diferentes do que os que já estavam lá dentro. Fazendo, assim,
deste momento atual em que se inicia o processo de universalização do ensino na
EI a hora de se investir na passagem para outro patamar, direcionando as políticas
públicas para ações que provoquem o processo de inclusão escolar.

Quando um verbo é transformado num substantivo, nos parece de


repente como se fosse um objeto. Se estamos ante um processo que
pode converter-se numa coisa, vamos no caminho errado. Muitas
das nossas dificuldades para compreender se devem a que
constantemente tratamos como objetos o que, na realidade, são
processos. (VON FOERSTER, 1996, p. 62).

Portanto, percebe-se a necessidade de uma outra visão acerca da escola de EI,


uma escola renovada que deverá nascer para possibilitar o surgimento de uma outra
qualidade de profissionais e de alunos para atuarem de forma bem diferente na
relação com aqueles que não aprendem. Diferente no sentido oposto daquela que
até agora excluiu mais do que possibilitou a inclusão.

Essa percepção evidencia o fato de que quanto mais se trabalha no processo de


inclusão escolar dos deficientes, mais se mostra os mecanismos existentes na
sociedade pelos quais se processam os modos de se excluir o diferente. A idéia de
incluir parece, então, junto com os preconceitos bem guardados ao lado das crenças
discriminatórias que se dizia não ter. Esse movimento de inclusão insiste em mostrar
para a escola que ela faz parte de um mundo e que este sempre foi bastante
diversificado de espécies de pessoas. Ele levanta a necessidade de se questionar o
modelo de formação profissional existente.
66

A pesquisa-formação busca o desenvolvimento do profissional que, tornando-se


consciente do fato da mudança, saiba buscá-la na reflexão sobre a sua prática. Pelo
trabalho fundamentado no diálogo com os outros profissionais e na pesquisa como
meio para incluir-se no coletivo, desta forma, pondo em jogo suas convicções
individuais.

São essas opções conceituais construídas na trajetória de vida do sujeito que regem
o trabalho do professor, mesmo que por vezes não tenha a consciência dos critérios
que balizam o certo e errado, ou o bom e o mau, para a sua ação dos professores.
Esses conceitos, como o de infância, o de deficiência são utilizados como
parâmetros relativos para se atingir um padrão de qualidade do ensino às diferenças
encontradas nas escolas de EI.

Na perspectiva dessa pesquisa-formação, é o professor crítico e reflexivo quem


trabalha como pesquisador da sua ação pedagógica. É aquele que, questionando o
seu fazer profissional, constrói novos conhecimentos, reconstruindo a sua própria
realidade. Professor-pesquisador é aquele que tem por trabalho a busca de novos
conhecimentos para construir situações de aprendizagem apropriadas à realidade
da escola, da sua sala de aula, ditados pelo aluno real.

[...] A questão da coerência entre a opção proclamada e a prática é


uma das exigências que educadores críticos se fazem a si mesmos.
É que sabem muito bem que não é o discurso o que ajuíza a prática,
mas a prática que ajuíza o discurso. (FREIRE, 1997, p. 25)

Para ter esta consciência freireana da realidade, é preciso estar em diálogo entre
todas as instâncias, com este levando o sujeito à reflexão. Mas para se utilizar da
categoria diálogo, busca-se no pensamento freireano o lastro necessário na sua
apresentação como elemento imprescindível na formação do profissional dentro da
perspectiva educacional inclusiva.

Para esse autor, não se pode compreender o diálogo como uma simples conversa.
Ele o compreende como fenômeno humanizador que se constitui de ação e reflexão,
então:
67

[...] o diálogo é uma exigência existencial. E, se ele é o encontro em


que se solidarizam o refletir e o agir de seus sujeitos endereçados ao
mundo a ser transformado e humanizado, não pode reduzir-se a um
ato de depositar idéias de um sujeito no outro, nem tão pouco tornar-
se simples troca de idéias a serem consumidas pelos permutantes.
(FREIRE, 1978, p. 79).

Exercer esse diálogo-formador de maneira crítica, na concepção freireana, requer a


reflexibilidade como conscientizadora sobre os diferentes discursos (o próprio e o do
outro) e, também, considerar as contradições existentes nesses discursos, mesmo
sem o poder de eliminá-las. Assim, a categoria diálogo deve vir atrelada à
consciência.

Sobre este poder, quando está em trabalho de colaboração dentro das escolas,
DEMO (2004) avisa para ter sobriedade evitando, assim, encher-se do próprio
discurso e, conseqüentemente, evocar um pretenso poder que não nos pertence.

Umas boas doses de realismo científico misturadas com humildade no saber escutar
servem como preparação do espírito crítico do profissional em pesquisa, contra o
mal do poder manipulativo embrutecedor em relação à todos os participantes da
pesquisa-formação.

A verdadeira escuta não diminui em mim, em nada, a capacidade de


exercer o direito de discordar, de me opor, de me posicionar. Pelo
contrário, é escutando bem que me preparo para melhor me colocar,
ou melhor, me situar do ponto de vista das idéias. [...] Precisamente
porque escuta, sua fala discordante, em sendo afirmativa, porque
escuta, jamais é autoritária. (FREIRE, 2000, p: 135)

Desta maneira, a partir dessa exposição de motivos pelo qual se crê que o trabalho
de emancipação do profissional da EI deve estar focado no desenvolvimento da
pessoa e na potencialização da criança e do adulto, indo muito além da
instrumentalização teórica e prática, supõe-se que: a construção coletiva de uma
prática colaborativa e crítica poderá produzir mudanças significativas na maneira de
ensinar dos professores que, por estarem em diálogo, abriram-se para a
reflexibilidade.

O profissional, motivado pelo grupo ou por crença pessoal, pela tensão de se


perceber dentro de um novo ambiente, pela clareza em ver o que acontecia ao seu
68

redor, move-se na direção de um novo patamar. Essa tensão existe na euforia do


sucesso, quando a pedagoga da escola pesquisada do aluno Lucas diz: estamos
fazendo a diferença! Como também, no medo do fracasso, do vazio que não foi
preenchido na formação da professora da aluna “R” que não participou diretamente
da pesquisa e diz: o que é que eu posso fazer nesta situação? Eu não aprendi a
ensinar esse tipo de criança! É neste movimento inseguro que, talvez, se processará
a mudança pelo encontro das diferentes qualidades de pessoas que em diálogo se
escutam, ou por causa dele.

Se num dos muitos momentos/espaços coletivos dentro da escola, em vez de ouvir


isoladamente cada profissional para trabalhar as questões do fazer docente,
baseando-se em conceitos estranhos ao sujeito, se favorecesse uma prática
solidária de trabalho no cotidiano, em um campo de parcerias colaborativas entre
todos os envolvidos, rico em formas de comunicação 24 estaria a escola tendo:

[...] um sucesso maior na preparação de professores que tenham


compromisso e sejam capazes de educar todos os alunos de modo
que tenham padrões acadêmicos elevados. Qualquer coisa inferior a
isso é moralmente inaceitável em uma sociedade que se propõe
democrática. (ZEICHNER, 2002, p. 71).

Isto porque, esta proposta de diálogo reflexivo contribui para a configuração de um


ambiente colaborativo entre os profissionais na compreensão do processo de
inclusão escolar, favorecendo a abertura de possibilidades de o professor se
desenvolver continuadamente em todas as mudanças necessárias na sua docência
(ALARCÃO, 2004) e onde quem lá estiver seja verdadeiramente acolhido.

No processo de interação que pressupõe este tipo de trabalho, fica claro que está
acontecendo um processo com mudanças profundas na instituição escola e o que
encontramos não é mais aquele processo de escolarização que conhecíamos e com
o qual achávamos que poderíamos lidar. Então, o nó que temos hoje é que o aluno
que fomos de pouco ou nada serve ao professor que somos no enfrentamento dos
desafios do processo de inclusão.

24
Comunicação aqui vista como processo complexo de interações, não simplesmente como troca de
informações.
69

Não apenas a sociedade à sua volta, a instituição escolar ou as


políticas educacionais mudam; naturalmente, isso também ocorreu,
ocorre ou ocorrerá com os professores. Basta nos distanciarmos um
pouco da experiência imediata para abarcar um, dois ou mais
decênios no transcurso da profissão para constatarmos importantes
transformações em sua composição, suas estratégias coletivas e sua
idéia de si mesma, todas elas prenhes de conseqüências não apenas
para a instituição escolar, para a educação como serviço público e,
em última instância, para a sociedade que servem. (ENGUITA, 2004,
p.107)

Em dois aspectos a formação de professores hoje está abaixo do necessário no que


se refere às exigências das mudanças provocadas pelo processo de inclusão
escolar (BARRETO, 2006). Primeiro, por ser o mais urgente, a falta de professores
especialistas para trabalhar nas escolas, no serviço de apoio aos alunos com
alguma deficiência expressa. Esse número insuficiente para trabalhar com o
atendimento pedagógico serve, de certo modo, como impeditivo ao processo de
inclusão do aluno com deficiência na sua progressão.

O segundo aspecto, que também é causa de barreira no processo de inclusão, não


toca no quantitativo, mas sim no qualitativo da formação profissional, tanto inicial
quanto continuada, para o trabalho com a grande diversidade de sujeitos em sala de
aula. Essa novidade toda, toda essa “obrigação” em reconhecer a diferença e a
partir dela ensinar com qualidade, gerou alguns abalos no “chão da escola”, com
conseqüências para a profissionalidade docente.

Quando se tem um sistema de ensino de má qualidade para todos, como se pode


querer que o processo de inclusão escolar aconteça? O próprio processo de
inclusão talvez seja um caminho resposta para melhoria da qualidade do ensino
público. Para se fazer a inclusão, é necessário uma outra qualidade de escola.
Então, é razoável pensar que esse processo de estar pronto para educar o
deficiente na escola favorecerá a todos os alunos em sala de aula.

Este trabalho, da mesma forma que outros recentes feitos em contextos parecidos
(CORREIA, 2006; GIVIGI, 2007; BORGES, 2007; SOUZA, 2007; OLIVEIRA, 2007;
VIEIRA, 2007 e DEVENS, 2007), vêm apontando para o movimento de educação
inclusiva como promotor da qualidade educacional para todos. Enquanto proposta
de modificação curricular que objetiva atender às necessidades educacionais
70

específicas das deficiências, incorpora também as necessidades dos alunos com


ritmos diferentes de aprendizagem, daqueles que estão defasados na aprendizagem
e muito provavelmente, daqueles que nem seriam notados se não fosse uma das
características principais desse movimento: o fato de chamar a atenção para os
diferentes modos de ensinar-aprender.

A inclusão, abrangendo conceitos como respeito mútuo,


compreensão, apoio, eqüidade e autorização, não é uma tendência,
um processo ou um conjunto de procedimentos educacionais
passageiros a serem implementados. Ao contrário, a inclusão é um
valor social que, se considerado desejável, torna-se um desafio no
sentido de determinar modos de conduzir nosso processo
educacional para promovê-la. Não haverá um conjunto de práticas
estáticas, e sim uma interação dinâmica entre educadores, pais,
membros da comunidade e alunos para desenvolver e manter
ambientes e oportunidades educacionais que serão orientadas pelo
tipo de sociedade na qual queremos viver. (SAINBACK, 2002, p17)
71

3. TRILHAS DA PESQUISA:

A proposta deste capítulo é de explicar o contexto no qual se desenrolou o trabalho.


Inicia-se pela exposição do contexto atual das ciências sociais (campo deste
trabalho), para fundamentar a necessidade do uso das ferramentas utilizadas.
Depois, o desenvolvimento do como foi se construindo o trabalho dentro das trilhas,
seus cenários e os sujeitos participantes, até o momento no qual ele se encontrava
pronto para estabelecer possibilidades de sínteses.

Tendo em vista que ao fazer a opção pela pesquisa no cotidiano dos profissionais de
EI envolvidos com o processo de inclusão, sabe-se que este trabalho enfrenta o
desafio, quando intervém sobre a prática das professoras, de conhecer as interações
significativas entre os indivíduos numa instituição social como a escola e como
essas interações vão determinar seus modos de pensar e agir, requerendo um
trabalho de tradução da realidade que a constitui (PÉREZ GÓMEZ, 2001).

(...) a realidade é uma construção social da qual o pesquisador


participa e, portanto, os fenômenos só podem ser compreendidos
dentro de uma perspectiva holística, que leve em consideração os
componentes de uma dada situação em suas interações e influências
recíprocas, o que exclui a possibilidade de se identificar relações
lineares de causa e efeito e de se fazer generalizações de tipo
estatístico. (ALVES, 1991, p. 55)

Deste modo, a explicitação da função de uma determinada metodologia e do campo


onde ela será empregada num estudo, dentro da narrativa da pesquisa auxilia a
compreensão da gênese do problema, já que é dele que nascem as opções teóricas
que guiam o pesquisador pelo campo.

3.1 O CONTEXTO METODOLÓGICO

Assistimos o surgimento de uma ciência que não mais se limita a


situações simplificadas, mas nos põe diante da complexidade do
mundo, uma ciência que permite que se viva a criatividade humana
como a expressão singular de um traço fundamental comum a todos
os níveis da natureza. (PRIGOGINE, 1996, p. 14).
72

A partir do século XV, o pensamento científico querendo fugir do domínio do


obscurantismo imposto pelos dogmas da Igreja Romana na Idade Média, que agia
contra sua evolução, torna-se arrogante. Dando origem às universidades que eram
isoladas do mundo e da vida das pessoas, em razão de se defender da igreja
católica que, naquele tempo, através da inquisição, caçava aqueles produtores de
um tipo de conhecimento não desejado.

Assumindo contornos mais nítidos a partir do Iluminismo, a ciência se consolida pela


coerência da lógica cartesiana, instalando a crença de que só pela razão pode-se
conhecer o mundo. Cercando-se de certezas, leis, causalidades e opondo-se
fortemente à preocupação com abstrações, a intuição e ao imaginário, passando,
daquele momento em diante, a se concentrar no entendimento do concreto, daquilo
que pode ser mensurado e reproduzido segundo normas aceitas pela racionalidade.
Supõe-se, assim, pelo conhecimento racional e do cálculo reto, seria possível atingir
a objetividade integral e plena, a verdade.

Isso tudo acontece para responder aos anseios de uma nova sociedade, que vinha
evoluindo desde o Renascimento, com outras formas de organização social nas
cidades que cresciam com o desenvolvimento do comércio, com a movimentação da
população e, conseqüentemente, a ampliação da visão de mundo(s) na realidade,
provocando uma transformação nas concepções acerca da relação sujeito com a
realidade, com os outros e com o mundo físico conhecido. Assim, estava sendo
estruturada a ciência moderna, a partir do desenvolvimento de uma “nova” forma de
encarar os problemas, dentro de modelos analíticos e conceituais diferentes e com
instrumentos revolucionários, para aquela época como o telescópio, expressos pela
objetividade da linguagem matemática na idéia de um mundo mecânico.

Dado que, segundo este, só há duas formas de conhecimento


científico – as disciplinas formais da lógica e da matemática e as
ciências empíricas segundo o modelo mecanicista das ciências
naturais – as ciências sociais nasceram para serem empíricas.
(SANTOS, 2002, p. 18 e 19)

Hoje, do Renascimento à Modernidade, passados cinco séculos de quando as


“velhas” verdades começaram a ser substituídas por outra forma de se conhecer, vê-
se a tentativa em alguns campos da ciência de modificar a forma de pensamento
73

(paradigma) que ainda é dominante na nossa sociedade. A modernidade começou a


ser contestada no início do século passado, mas só a partir do fim da segunda
guerra mundial é que as críticas a esse modelo tornaram-se cada vez mais
contundentes e generalizadas.

Mesmo com todo o esforço, o meio científico apresenta ainda dificuldades para
chegar a um acordo sobre o que é científico e o que não é. As polêmicas em torno
de determinadas questões que perduram como se vivêssemos ainda no século XIX
(SANTOS, 2004) apesar da necessidade de se renovar os argumentos. O que torna
realmente uma pesquisa científica, ainda não encontrou o seu consenso (OLIVA,
2003). Apesar das afirmativas contundentes que geralmente costuma-se ouvir das
diversas áreas de conhecimento.

Em ciência, quando se leva em conta o momento atual 25 , descortina-se para a


humanidade um horizonte de maravilhas, constituindo-se para o futuro num
admirável mundo novo habitado por seres perfeitos. Por isso, antes de tudo, cabe a
qualquer pesquisa, em qualquer área de conhecimento, assumir uma postura ética
pela vida, partindo da consciência do que representam potencialmente esses
“milagres” para a manutenção da dignidade humana e até mesmo para a
sustentabilidade da comunidade humana neste planeta. Essa posição se torna
obrigatória para um trabalho como este que se dá entre humanos que interferem na
formação de outros humanos.

Cabe esclarecer que a ciência, vista como qualquer outra ferramenta humana, é
amoral. É o sujeito que utiliza a ferramenta que precisa ser animado por um senso
de moral, dando, assim, sentido e direção à execução da tarefa. No caso do sujeito
pesquisador, é necessária a construção racional de um código de conduta (DEMO,
2004) para controlar/disciplinar qualquer “mão” que manipulará os instrumentos
científicos.

O senso moral procede do conhecimento científico só que, por vezes, de acordo


com as necessidades do homem, esses conhecimentos evoluem muito rapidamente
e, por isso, as condutas éticas, dependendo da época, não conseguem responder à
25
Principalmente nos campos da biologia molecular e das neurociências.
74

realidade dos fatos comprovados cientificamente. Neste momento toda reflexão é


demasiadamente necessária, como alertou SAGAN aos admiradores da ciência que
o tinham como referência no final do século passado. Os erros estão se tornando
caros demais. (2006, p.28)

Como conseqüência de toda essa preocupação, o pesquisador deve buscar a


consistência interna nas suas produções, mas para que isso ocorra as ferramentas
para compreender e operar meu objeto de pesquisa devem ser coerentes entre si.
Assim, chama-se de coerência a necessidade de cada noção, conceito e categoria
de análise aceitos dentro do trabalho carregarem termos específicos que são
correlatos àqueles que fundamentam todo o projeto.

Outro ponto a se atentar é que quando se está fazendo pesquisa no campo da


Educação os aspectos teórico-metodológicos devem ser bem explicitados, pois,
estamos trabalhando em um campo multirreferenciado, com cem números de
entradas 26 . Parecendo, por vezes, que não há limites para a geração de
conhecimentos nesta área.

Para esse tipo de trabalho, feito de dentro de um grupo, formular um problema a


priori é errado. Devemos, sim, expor a problemática da pesquisa, apontando os
possíveis recortes. Isso, sem esquecer-se de, ao iniciar o trabalho, não nos
situarmos num marco zero. Em vez disto, estamos entrando num processo histórico
em movimento, com condições pré-existentes à própria pesquisa.

Pode-se, para a realização da pesquisa, abrir mão de ter pressupostos como as


hipóteses próprias a priori, mas não há como deixar de construir um forte arcabouço
teórico como base sobre a qual a narrativa irá ser assentada. No caso desta o
conceito de reflexibilidade é elemento que amálgama o trabalho que, para a
construção das trilhas, usa de instrumental da pesquisa-ação para abrir canais ao
diálogo na ação colaborativa de planejar, como meio de abordagem (GÓES, 2000).

Coerente com a tradição hermenêutica, é sabido que esta abordagem, mediante a


presença direta ou indireta do investigador, privilegia as inter-relações do contexto e

26
Como a sociologia, a psicologia, a história entre outras.
75

a conseqüente emergência de dimensões e categorias de análise do próprio campo


investigado, estando, assim, tanto orientada para os detalhes da ação quanto para
os “cenários socioculturais”. Mostra-se, desta forma, como abordagem sócio-
interacionista adequada a esse trabalho, visto que ele vai ter sua força no “como
aconteceu” e não no que aconteceu durante o processo de investigação-ação na
formação continuada através da prática da orientação às professoras e pedagogas.

Essa abordagem parte para uma análise detalhada de um processo provocado [...]
de modo a configurar sua gênese social e as transformações do curso de eventos
[...] introduzindo de forma intencional provocações para se estudar o processo de
interesse, que é decorrente da tese de Vygotsky [...] segundo a qual os processos
humanos têm gênese nas relações que devem ser investigadas ao se examinar o
curso da ação do sujeito (GÓES, 2000, p. 11). Entende-se que, nesta abordagem, o
estudo é focado no processo em que o objeto, em evolução, está envolvido e não o
produto final: inclui nessas diretrizes a importância de se identificar relações
dinâmico-causais, devendo o investigador buscar distinguir a aparência e os
processos da dinâmica subjacente. (Ibidem, p. 13).

Além de se realizar em grupo, a riqueza desta pesquisa reside no fato dela estar na
escola, tendo uma variedade de possibilidades de fazeres para os pesquisadores. A
escola é uma instituição, como qualquer outra, conservadora; só que, ao mesmo
tempo, em constante movimento. Responsável por conservar e transmitir a cultura
acumulada de uma geração para a seguinte, sofrendo, por isso, constantes
embates, durante o percurso histórico das sociedades, pela melhor forma de educar
para o futuro.

Toda essa tensão faz com que a Escola seja alvo preferencial dos desejos de
mudança ou conformação da sociedade. Insistentemente, ela é colocada como
ponta-de-lança, é chamada à “responsabilidade” para dar a sua contribuição na
resposta a “qualquer” tipo de problema que atualmente queira ser resolvido dentro
da sociedade. Entre estes, na atualidade temos como exemplo as drogas, a gravidez
precoce, a promoção do desenvolvimento econômico-social etc., questões tão
díspares que não parecem guardar nenhuma relação, mas na escola elas têm.
76

A Escola, pelas razões apresentadas, merece sim essa posição de destaque, pois
quase todas as questões pertinentes e relevantes para as Ciências Humanas no
mundo atual devem obrigatoriamente passar por ela. Entrar pelos seus portões,
ocupando todos os seus espaços de vivência. Só que essa dinâmica faz com que a
contextualização do cotidiano escolar torne-se uma obra bastante complexa, como
sinalizada por GADOTTI:

A ciência é uma criação humana, histórica e social. Por isso mesmo


é que todo conhecimento que surge e é produzido agora, por
exemplo, ao nascer já traz o “testamento” que ele faz ao outro
conhecimento que cedo ou tarde virá a superá-la. Sempre vai haver
uma outra novidade amanhã que supera o novo que emerge hoje e
que terá então envelhecido. Ora, o rigor está exatamente nos
procedimentos com os quais nos acercamos do objeto para dele
alcançarmos um conhecimento mais e mais exato. (GADOTTI, 1995,
p.45)

Apresenta-se, desta forma, o desafio de se achar a melhor sustentação teórica para


a metodologia de pesquisa em Educação e, em achando, quais as ferramentas para
operar com a realidade e como utilizá-las. Isso, para não tornar as questões que nos
perturbam durante o trajeto algo assemelhado ao labirinto, onde se tateia a procura
do fio de Ariadne.

Portanto, é uma grande responsabilidade se fazer uma pesquisa no campo de


Educação. É estar engajado em um projeto de sociedade, tê-la voltada para a escola
é se desejar outro futuro e quando se destaca neste estudo o papel da pesquisa
tanto no processo de formação do professor numa perspectiva reflexiva quanto no
da produção acadêmica. Isto porque espera-se fazer algo concreto no sentido de se
garantir que esse profissional, compreendendo a realidade, tente superá-la e a partir
daí gerar conhecimento que seja aproveitado para dentro do espaço escolar.

Para quem faz este tipo de trabalho há uma tensão constante. Porque para falar a
partir do local onde fala e para onde vai a intelectualidade acadêmica é necessário
dizer da distância existente entre os saberes teóricos e os seus saberes práticos.
Principalmente, é por-se frente à dificuldade de unir os dois no cotidiano escolar. É
posicionar-se sobre uma fronteira que divide aqueles que cobram a prática para
fazer dos seus formadores: o professor; e aqueles que cobram o rigor na maneira de
77

pensar e estruturar uma teoria e a quem primeiramente se dirige esse trabalho: a


academia.

Assim, este trabalho se vê obrigado a assumir algumas convicções e intenções


quando rejeita ou aceita proposições metodológicas que, a partir de crenças
pessoais e de pensamentos teóricos, apreendidos no estudo, localizam a trilha por
onde caminha esta narrativa.

Porém, esse confronto supõe renunciar ao dogmatismo que compartilham, apesar


de sua diferença aparente, aquele para quem “não há verdade que não seja de lugar
nenhum” e aquele para quem “não há verdade que não do seu lugar”. De fato,
ambos recusam-se a descentrar-se para submeter seu ponto de vista ao horizonte
de um acordo possível (MERIEU, 2002). Abrir-se de forma ética o trabalho aos
olhares e aos pilares críticos dos sujeitos que compartilham saberes diferentes no
mesmo roteiro de viagem.

3.2 O DESENVOLVIMENTO METODOLÓGICO

E, em relação a esses saberes, encontramos com diferentes verdades constituídas


de fora para dentro da escola:

Ora esta vontade de verdade, tal como os outros sistemas de


exclusão, apoia-se numa base institucional: ela é ao mesmo tempo
reforçada e reconduzida por toda uma espessura de práticas como a
pedagogia, claro, o sistema dos livros, da edição, das bibliotecas, as
sociedades de sábios outrora, os laboratórios hoje. Mas é também
reconduzida, e de um modo mais profundo, sem dúvida, pela
maneira como o saber é disposto numa sociedade, como é
valorizado, distribuído, repartido e, de certa forma, atribuído.
(FOUCAULT, 2002. p.4)

Nesse discurso, frente ao Collège de France, Foucault traz um conceito bem familiar
aos nossos dias atuais, justificando a mobilização em torno dos ideais daqueles que
pregam o compartilhamento do saber. Fala de um modelo de exclusão que se
consolida num processo de educação e que se dá através da negação da existência
78

do outro enquanto sujeito histórico; com um saber que tem proposições para si; do
direito à sua “verdade”, ao seu saber que quando fala o liberta. Tudo isso nos é
constrangedoramente comum.

É por ter esses procedimentos de limitação e validação do discurso do outro que a


sociedade aposta na escolarização como mecanismo poderoso de socialização.
Assim, pela escola se vê o exercício direto do poder e do desejo sobre o outro
confundindo com o processo de educação. Isso também acontece com aqueles que
trabalham fora de perspectiva mais “tradicional” em que só o conteúdo da disciplina
tem “peso” de verdade. Na escola esse exercício é cotidiano, já faz parte íntima do
trabalho docente. Quando se dá voz, não se dá a escuta.

Com o método científico enquanto procedimento de validação da verdade, o recorte


de um objeto possibilita a emergência de uma disciplina. E é a disciplinarização a
origem da ciência como conhecemos hoje. A disciplinarização pedagógica é
conseqüência da disciplinarização epistemológica, desenvolveu-se pela “vontade de
verdade” segue com uma “vontade de ser ciência”. Nesse contexto cientificista da
pedagogia, a organização curricular se baseia na disciplinaridade rígida que exclui o
saber do outro.

Neste tipo de trabalho com o uso de um roteiro de pesquisa-ação, não se quer


simplesmente melhorar o que já se faz, mas pelo diálogo tornar o lugar em que se
faz e as pessoas que fazem qualitativamente melhores, ou seja, o que se quer é
promover grandes ou pequenas mudanças a partir do reconhecimento cotidiano
daqueles sujeitos em pesquisa para que, colaborativamente, transformem aquele
mundo juntos.

Pode-se não conseguir uma dissertação mediante a realização de


uma pesquisa-ação, mas sim completar um estudo de caso da
pesquisa-ação realizada. Isso significa que há na verdade duas
metodologias a serem descritas e justificadas numa proposta de
pesquisa-ação: os processos de pesquisa-ação a serem utilizados
em campo e o método de estudo de caso (narrativo) que será
empregado para contar a história do projeto e de seus resultados.
Uma proposta de pesquisa-ação é, pois, diferente de outros tipos de
proposta na medida em que uma proporção muito maior dela é mais
metodológica do que substantiva, o que é o contrário de uma
proposta de pesquisa tradicional. (TRIPP, 2005, p. 459).
79

Por este motivo, a pesquisa realizada dentro desta metodologia, mesmo sem ser
uma pesquisa-ação, tem quase a obrigação de se constituir de maneira colaborativa
e, provavelmente, por criar espaço para o debate acerca das visões sobre as
realidades e abre uma possibilidade de se exercitar a crítica em sentido
transformador.

Porém, frente a uma forma de pesquisa mais clássica esta proposta apresenta
alguns riscos:

[...] porque não é possível especificar com antecedência qual


conhecimento será obtido nem quais resultados práticos serão
alcançados. Isso porque os resultados de cada ciclo determinarão o
que acontecerá a seguir e não há como dizer de saída aonde o
processo levará. (TRIPP, 2005, p. 459).

A partir dessas colocações, vê-se a importância de se clarificar bem o conceito de


diálogo na pesquisa utilizado no trabalho, procurando, por exemplo, nomear as
intenções iniciais em vez de propor pressupostos fechados para o curso da
pesquisa.

Outra preocupação neste trabalho é o fato de ele se apresentar entre duas


metodologias: uma do desenvolvimento da pesquisa-formação na escola, como um
estudo de caso pela pesquisa-participante. E a outra é a pesquisa construída em
torno do roteiro de pesquisa-ação, realizada em conjunto com os profissionais em
momentos de planejamento nas escolas pesquisadas.

Sendo assim necessário se precaver fazendo, no momento inicial, antes mesmo da


intervenção propriamente dita, um esclarecimento sobre o processo de se pesquisar:
a importância dela em Educação, a necessidade de fazê-lo, e as possibilidades
acesas na formação e no trabalho do professor. Visto que, nesta pesquisa-
intervenção, mesmo não querendo com ela formar pesquisadores num sentido mais
restrito, é necessário um mínimo de rigor para não gerar confusões no decorrer do
27
processo.

27
Digo isso apoiado na experiência exploratória feita no ano anterior dentro da pesquisa exploratória.
80

Conseqüentemente, dentro deste trabalho, a explicitação da função de uma


determinada teoria dentro da pesquisa auxiliará na compreensão da gênese do
problema, sabendo-se que é dele que nasce a opção teórico-metodológica, vindo
como um grande apoio teórico que, de certa maneira se casará com o caminho
escolhido: a utilização de uma postura do estranhamento. Que segundo ANDRÉ
(2000): é uma atitude de policiamento contínuo do pesquisador para transformar o
familiar em estranho. (p. 43).

Esta postura questionadora serve, antes de tudo, como defesa contra a grande
proximidade entre o pesquisador, os professores em pesquisa e o objeto da
pesquisa, fato que sem alguns cuidados pode tornar confuso o trabalho de campo,
tornando bem difícil a separação da subjetividade dos sujeitos em pesquisa da
concretude de se pesquisar.

Assim, pode-se dizer que neste momento onde as ciências se abrem às novas
possibilidades, “amolecendo” suas fronteiras na necessidade decorrente da
humanização, deve-se perceber que fazemos parte desse movimento. Então, ouvir
não só a nossa própria fala, mas também as outras falas que compõem o discurso
coletivo. Sem dúvida, os modelos de organização de tempo e espaço na escola
dificultam em muito este tipo de reflexão para o sujeito, assim como alguns métodos
de pesquisa podem facilitar.

Não é possível para este trabalho, que prega a possibilidade do professor reflexivo,
a utilização da ciência positiva como caminho. Tendo em vista o que diz MORIN
(2000), referenciando em Husserl, essa forma de pensar ciência que elimina por
princípio o sujeito observador torna a reflexão do sujeito científico sobre si mesmo
impossível e potencialmente perigosa.

A investigação se fará tão mais pedagógica quanto mais crítica e tão


mais crítica quanto, deixando de perder-se nos esquemas estreitos
das visões parciais da realidade, das visões ‘focalistas’ da realidade,
se fixe na compreensão da totalidade. (FREIRE, 78, p137)

Para o desenvolvimento de um trabalho reflexivo dentro de um contexto cada vez


mais excludente como o da sociedade atual, para aceitar essa forma de buscar a
81

verdade que se precisa, Boaventura de Souza Santos sugere um procedimento


epistemológico:

A crítica à racionalidade indolente que não dá conta de ver a


diversidade pelas suas categorias que são muito reducionistas [...] E
o que vou lhes propor é uma estratégia oposta: expandir o presente e
contrair o futuro. Ampliar o presente para incluir nele muito mais
experiências, contrair o futuro para prepará-lo. (SANTOS, 2007, p.
26)

Propondo, nesse caminho epistemológico, resolver um problema criado pela própria


ciência quando se põe a tentar transformar uma realidade sem a adequada
compreensão que leva a “situações de desastre” (ibidem, p. 27) e, assim, dando
respostas “rasas”. Deve-se, pois, antes de fazer a pergunta, se perguntar sobre os
fundamentos dela.

Como este trabalho tem a sua força na aposta, no poder da reflexão entre os
sujeitos em diálogo – pesquisadores em pesquisa sobre os sujeitos – há de se evitar
o estabelecimento de uma grande distância, impedidora da troca de saberes entre
os sujeitos. Consciente de que alguma distância é inevitável e desejável para se
respeitar as regras do jogo da ciência: não é o da posse e do alargamento da
verdade, mas aquele em que o combate pela verdade se confunde com a luta contra
o erro (MORIN, 2000, p. 23).

Assim, o fato dos enunciados desta pesquisa estarem fora da possibilidade de


quantificação dos dados e o fato de estar o observador incluso na sua observação,
trazem uma dupla responsabilidade ao trabalho. Primeiro faz com que ele seja muito
criterioso nas análises e, depois, busque relativizar a fala do outro com uma
concepção teórica assumida como crítica ao seu ponto de vista.

Assumindo essas responsabilidades, encaminha-se o reconhecimento da realidade


ancorado na perspectiva de Bakhtin, onde ela é percebida como uma manifestação
da consciência, do ponto de vista ideológico, sem poder ser reduzido à sua natureza
psicológica. O autor procura superar o reducionismo mecanicista-positivista que
campeava na época para desenvolver seu pensamento dentro do espírito filosófico
marxista.
82

Como ferramenta de trabalho, Bakhtin usa o signo, que se confunde com a


ideologia: tudo que é ideológico possui significado e remete a algo situado fora de si
mesmo. Em outros termos, tudo que é ideológico é um signo. Sem signos, não
existe ideologia (BAKHTIN, 2002, p. 31). Então, de forma encadeada, a consciência
passa a ser um fenômeno ideológico: essa cadeia ideológica estende-se de
consciência individual, ligando uma às outras. Os signos só emergem,
decididamente, do processo de interação entre uma consciência individual e uma
outra. E a própria consciência individual está repleta de signos. A consciência só se
torna consciência quando se impregna de conteúdo ideológico (semiótico) e,
conseqüentemente, somente no processo de interação social (ibidem, p. 34).

Por conseqüência desta corrente definidora da consciência individual pela


possibilidade do diálogo entre os diferentes, diz que para o reconhecimento da
realidade, ela deve ser explicada a partir do meio ideológico e social que a constitui.
A única definição objetiva possível da consciência, então, é de ordem social. E é
este ponto que mais interessa à pesquisa entre sujeitos, como a desenvolvida neste
trabalho.

A consciência adquire forma e existência nos signos criados por um


grupo organizado no curso de relações sociais [...]. A lógica da
consciência é a lógica da comunicação ideológica, da interação
semiótica de um grupo social [...]. A imagem, a palavra, o gesto
significante etc., constituem seu único abrigo. Fora desse material,
há apenas ato fisiológico (ibidem, p. 36).

No diálogo entre os sujeitos, no local das interações cotidianas, a palavra se torna


um campo rico em ideologias, havendo, para ele, também, outra propriedade de
grande importância: é que ela neste local se torna um meio para o desenvolvimento
da consciência individual. Na verdade, a consciência não poderia se desenvolver se
não dispusesse de um material flexível, veiculável pelo corpo. E a palavra constitui
exatamente esse tipo de material (ibidem, p. 37).

As manifestações verbais, neste caso, estão implicadas nas outras manifestações –


a idéia de corrente – e todas estão vinculadas às condições de uma situação social
83

dada e reagem de maneira muito sensível a todas as flutuações da atmosfera social


(ibidem, p. 43).

Portanto, qualquer forma de comunicação entre humanos é carregada de intenções,


explícitas ou não, de valorização de acordo com a experiência de interação que está
ocorrendo entre eles. Destrói, assim, o sujeito cartesiano de identidade rígida e
universal.

Em decorrência desse dialogismo bakhtiniano, entende-se que é pelo processo de


construção do “exterior” que o “interior” do sujeito se faz consciente e, desta forma,
dá novas dimensões à realidade, ampliando-a em níveis de consciência: [...] toda
ação verbal toma forma socialmente essencial de uma interação. (DAHLET, 97, p.
61)

É por conta da experiência de interação, trilha deste trabalho, que se faz necessária
a escolha quase obrigatória do diálogo como caminho metodológico a ser utilizado
neste processo de construção de uma prática profissional em contexto, já que eles,
os saberes, são questionados no seu processo de construção no percurso
profissional dentro do cotidiano escolar e servem para justificar as ações
pedagógicas de formar professor, a partir do estão aprendendo como pesquisadores
na sua prática com a reflexão cotidiana da própria ação pedagógica.

É necessária uma postura dialógica para esta pesquisa que é sobre os sujeitos
professores que estão em um processo de pesquisa. Assim, BEILLEROT (2005)
afirma que existe diferença entre o “fazer” e o “estar em” pesquisa. Neste segundo
caso, o sujeito inserido no processo também como objeto, reflete sobre os
problemas e as dificuldades, assim: [...] os sistemas de educação e de formação, [...]
ou ainda a confrontação cotidiana com outras pessoas podem ajudar nesse trabalho
(Ibidem, p. 73). É esse o trabalho desenvolvido e narrado neste estudo. São
atividades para a qualificação de profissionais em um processo de planejamento
servindo de base na formação continuada em prol do atendimento ao aluno NEE.
Que fique bem claro, a intenção é auxiliar na qualificação melhor do professor por
meio do ensino em pesquisa e não objetivaria formar pesquisadores para atuarem
como professores.
84

Para este trabalho, feito dentro do contexto de uma escola pública, através de uma
pesquisa colaborativa, o movimento de inclusão dos alunos NEE nas escolas de EI
está em período inicial, acontecendo em grande parte de forma não consensual.
Ainda necessitando de mais tempo para que se apresente como fenômeno social
concreto para estudo mais profundo, de acordo com o cotidiano escolar.

Por estas razões é que se escolheu a narrativa do diálogo entre os sujeitos em


planejamento coletivo como local do desenvolvimento metodológico a ser utilizado
na investigação-formação:

[...] é traduzir saberes em outros saberes, traduzir práticas de


sujeitos de uns aos outros, é buscar inteligibilidade sem
‘canibalização’, sem homogeneização. [...] Traduzir porque é preciso
criar inteligibilidade sem destruir a diversidade. (SANTOS, 2007, p.
39-40)

Neste trabalho, nomeia-se o processo de planejamento coletivo narrado como


pesquisa-formação baseada no paradigma da resolução do problema, orientado pelo
modelo sócio-interacionista. Porque nesta via se quer o fortalecimento do professor,
a partir da sua própria análise das necessidades pela investigação da própria
prática, como também colocá-lo no lugar de agente ativo pelas mudanças e
resultados sociais da escola (BAUMEL, 2003, p. 38).

3.3 O DIÁLOGO REFLEXIVO COMO FERRAMENTA DE PESQUISA-FORMAÇÃO

Agora temos de tentar uma construção teórica em que as duas


estejam presentes, e saber que a luta pela igualdade tem de ser
também uma luta pelo reconhecimento da diferença, porque o
importante não é a homogeneização, mas diferenças iguais
(SANTOS, 2007, p. 62 e 63).

Tendo em vista esta necessidade apontada por SANTOS o que se quis foi criar no
chão da escola um espaço de colaboração, a partir de um arcabouço teórico flexível
e aberto o suficiente para, na medida do possível, dialogar sobre a variedade de
práticas e de saberes que estão aparecendo nas escolas, neste caso em EI, com o
85

processo de inclusão. E, isso tudo, a respeito de se desenvolver qualitativamente


uma docência de sucesso 28 .

Com base na literatura acerca dos fatores que facilitam a inclusão escolar, SILVA
(2003) diz que: atitudes que passam por saber trabalhar em equipe, em cooperação
com os outros atores que intervêm no processo educativo e pela aceitação da
diferença [...] (p. 59) são de fato muito significativas nesse processo. Essa análise
mostra uma necessidade da formação diferenciada de professores, tendo em vista
que dificilmente nos cursos de formação inicial alguns desses fatores puderam ser
trabalhados em razão de a inclusão dos alunos NEE no ensino regular ainda ser
assunto recente.

Deve-se compreender os limites de qualquer teoria, já que sozinha ela não dá conta
de um processo de mudança. Principalmente em um momento como o atual, quando
se vive uma acentuada desconfiança perante as tentativas de enunciar sistemas
globais de explicação do mundo e da sociedade (SANTOS, 1995, p.302). A teoria
está sendo definida como arena em que jogam as tensões entre os impulsos
regulatórios e emancipatórios (ibidem, idem) neste momento de transição
paradigmática, por isso devendo, antes de tudo, ser prudente.

Sabe-se que a teoria não fornecerá de imediato a prática, as ferramentas para


responder as questões que estão postas dentro da escola pelos alunos em processo
de inclusão. Faz-se necessário um esforço, um aprimoramento dos instrumentos
para que, assim, ela funcione de acordo com o esperado num processo de
investigação-formação. A proposta metodológica de uma pesquisa colaborativa é a
que se melhor adéqua a essa intenção. Ela utiliza nas suas trilhas ferramentas da
pesquisa-ação, já que cria, pelo seu modelo de espiral, condições para a
reflexibilidade-crítica.

A escolha, então, recai sobre um instrumento de pesquisa-ação, pelo fato deta


pregar a atuação sobre a realidade para transformá-la, colocando esse
conhecimento a serviço da experiência provocada pela intervenção, encaixando-se
bem nesta proposta. O ciclo que representa essa metodologia de pesquisa abre o
28
Esse sucesso deve ser pensado dentro de parâmetros de qualidade socialmente referenciados.
86

caminho à produção de resultados, podendo ser comparados cientificamente com o


de outros procedimentos (MOUCEAU, 2005), mas com o cuidado de não se
confundir o sujeito da pesquisa com o sujeito da prática dentro da relação que se
estabelece, narrar os resultados do que ocorreu na prática é muito pouco para
conferir um estatuto científico à pesquisa-ação.

O ciclo utilizado neste trabalho pode ser representado por um círculo sem-fim que
contêm quatro momentos: planejar; descrever; agir; e avaliar. Já que esses
momentos não aconteceram de forma estanque, descolados do movimento
crescente e contínuo dos acontecimentos. Conseguindo organizar muito bem a
expressão dos resultados da espiral reflexiva:

Planejar Deessccrreevveerr
d

ESPIRAL REFLEXIVA

Avaliar

Agir

Para dar partida a esse ciclo, representado como um movimento em espiral auto-
reflexiva, devem as questões que dão início ser significativas e concretas para o
grupo. Portanto, como primeiro passo, ou no início da caminhada, avaliar no coletivo
o contexto que suscitou o problema. Para TRIP (2005), a configuração do trabalho
pode ser representada através de algumas etapas: questão problema; planejamento;
ação/observação; reflexão; replanejamento; ação/observação; e reflexão. Sendo o
elemento disparador o próprio problema, para depois haver a delimitação coletiva
deste e, assim, sucessivamente o grupo vai estabelecendo as demais fases do
processo reflexivo.
87

Percebe-se a exigência de uma espiral de revisões para a ação e para o


pensamento, o qual não exclui as zonas esmaecidas ligadas à criatividade coletiva.
Neste caso, a ação não precede necessariamente à teoria, o inverso pode ser eficaz
sob a condição de que o processo em espiral permaneça presente. Não se trata tão
somente de uma pesquisa sobre a ação ou para a ação, mas de uma pesquisa em
ação, segundo a expressão da Henri Desroche (1981, p.20-21) (BARBIER, 2004,
p.81)

Este movimento, num contínuo de investigação-ação, tem se configurado como uma


forma de trabalho coletivo. Esse tipo trabalho colaborativo oferece a oportunidade de
articulação entre os sujeitos na ação de teorizar a prática e praticar a teoria,
promovendo conjuntamente a emancipação dos sujeitos envolvidos pela
interlocução dos participantes, já que todos participam e se percebem dentro
daquela a espiral.

O reconhecimento da sensibilidade da ação humana pela pesquisa-ação leva o


pesquisador a ter uma conversão epistemológica (BARBIER, 2004, p.32). Em outras
palavras, faz com que a forma de se pensar as ciências do Homem seja
transformada junto com a atitude do próprio pesquisador frente ao mundo, buscando
uma postura mais coletiva para sua atuação na sociedade. Uma virada que, se
coerente, leva a uma junção entre o evento e o motivo; entre o pensamento e a
ação; entre os acontecimentos sociais e a responsabilidade do pesquisador.

Sem que se radicalize, deve o professor, aprendendo a ser pesquisador, pautar o


seu trabalho no questionamento crítico durante o processo de construção do seu
conhecimento, na interação dos processos de intervir, compreender, julgar e decidir
realizar a mudança. Impelindo, desta forma, todos os envolvidos no processo da
pesquisa a terem uma atitude ativa e reflexiva desde o início, não deixando margem
para os pressupostos a priori.

A reflexibilidade no diálogo é importante como critério, pois:


88

Reflexão implica, também e principalmente, considerar o cotidiano


humano – as crenças, expectativas, lembranças, incertezas e
critérios de julgamento –, bem como emergir esse cotidiano em um
mundo cheio de ‘conotações, valores e intercâmbios simbólicos,
correspondências afetivas, interesses sociais e cenários políticos
(NÓVOA, 1992, p.103 apud: TESCAROLO, 2005, p.18)

É, então, através deste processo de engajamento de sujeitos afetados por um


problema comum que se pode começar a olhar para o que nos ocorre dentro da
escola, dialogar com as realidades dos implicados nos encontros para a
investigação-ação, criando com o grupo um novo espaço para o questionamento,
atualmente tão imperativo, das nossas percepções da realidade e, principalmente,
abrir-se com alguma segurança no desconhecido representado pelo aluno NEE.

É pela condição de potencialização do sujeito, pelo fato de que sua fala é ouvida e
que faz sentido no trabalho de transformação da realidade que essa perspectiva
pode ser considerada emancipatória.

Não fazemos esta afirmação ingenuamente. Já temos afirmado que a


educação reflete a estrutura do Poder, daí, a dificuldade que tem um
educador dialógico de atuar coerentemente numa estrutura que nega
o diálogo. Algo fundamental, porém, pode ser feito: dialogar sobre a
negação do próprio diálogo. (FREIRE, 1978, p.71).

Não se deve esquecer que o local do estudo é dentro da escola, onde se sabe que,
por tradição, os professores não conseguem se apropriar adequadamente da teoria
para explicar sua prática (EL ANDALOUSSI, 2004). E quando eles têm a
oportunidade, a dificuldade reside no como fazer diferente, como realizar um diálogo
construtivo e produtivo ao mesmo tempo, favorecendo a reflexão mútua no turbilhão
que é o interior da escola.

Estes desafios postos para pesquisa em ambiente escolar têm base uma
metodologia de resolução de problemas, chamada de pesquisa-ação, um meio para
resolver, ou pelo menos encaminhar algumas soluções. Tendo LEWIN como
referência sobre a pesquisa-ação, MONCEAU diz:

[...], pois ela visa à transformação dos comportamentos. Dentro


dessa lógica, esse pesquisador mostrará que, para otimizar essa
transformação no sentido pretendido, é necessário obter a
participação dos sujeitos do processo de mudança e que a
89

organização de discussões coletivas centradas no problema a


resolver constitui um procedimento de bons resultados. (2005 p.471)

Os chamados “bons resultados”, no caso desse tipo de trabalho, pressupõem a


realidade como eixo orientador para reflexão sobre o fazer profissional e a teoria
atua como suporte para a sua crítica e criação de novas formas para essa mesma
prática, que agora se faz consciente. Então, o trabalho se torna uma estratégia para
fugir da armadilha do excessivo distanciamento teoria e prática, evitando que na
medida em que se faz a reflexão sobre a prática, afaste-se demasiadamente o
sujeito da própria prática.

Porém, há armadilhas para a reflexão feita neste modelo. É muito fácil achar que um
modelo qualquer de pesquisa-intervenção se encaixou no espaço criado pela
desvinculação entre teoria e prática do trabalho docente. Isto é o caminho mais
rápido para cair em armadilhas de praticismo (MIRANDA; RESENDE, 2006). Não só
por caberem nela concepções diferentes de pesquisa qualitativa (ANDRÉ, 2000),
mas porque ela é eminentemente uma intervenção no cotidiano a fim de provocar
nele uma mudança, um meio de solucionar em conjunto problemas coletivos (EL
ANDALOUSSI, 2004).

Sem o devido cuidado, a armadilha apontada por MIRANDA e RESENDE (2006)


reside no [...] fato de o investimento na resolução de um problema prático criar um
apagamento da mediação teórica da realidade (p. 516). Mesmo sabendo que teoria
e prática têm uma consangüinidade, elas não são faces de uma mesma moeda, nem
coincidentes em tudo já que uma não pode reduzir a condição da outra. Se assim
fosse, no caso da armadilha, a teoria seria subordinada à prática e orientada pelos
seus interesses.

Outra armadilha apontada pelas autoras é incorrer num voluntarismo messiânico


(ibidem, p. 517), pensando que os sujeitos envolvidos na ação podem mudar tudo, é
só querer. E o erro seria achar que os problemas não obedecem a uma
complexidade muito do que os sujeitos podem dar conta no seu processo de
resposta através da pesquisa-intervenção.
90

Em resumo, existem alguns limites para se posicionar este tipo de pesquisa como
modelo de trabalho ou estratégia metodológica, no caso deste trabalho: é desta
interação que se organiza a pesquisa e encaminha as soluções dos problemas; é
pela ação social e pelos problemas que se constrói o objeto; que a ação seja em
torno de um problema que necessite de investigação para a sua solução. São três
aspectos a serem alcançados: resolução de problemas; tomada de consciência e
produção de conhecimentos; e, por fim, o pesquisador pretende desenvolver um
papel ativo e efetivo na própria realidade.

Em vista disso, são esses parâmetros que dão força a este modelo de pesquisa-
formação para o trabalho colaborativo que vise à reflexão entre os sujeitos:

Nesse processo, pesquisador e professores se tornam mais


autoconscientes a respeito das situações em que estão inseridos,
fundamentados pela visão e compreensão crítica do que-fazer
educativo. (IBIAPINA, 2008, p.11)

Quando se parte de uma reflexão crítica, centrada no sujeito, fruto da interação ativa
e produtiva entre ele e outros, o processo de contextualização deve estar
permeando todos os momentos da relação – já apontada neste texto – dizendo para
aquele que está em experiência saiba de que lugar se fala, se produz e a quem se
destina os pensamentos e as ações expressas nos diferentes momentos do trabalho
investigativo.

IBIAPINA (2008) aponta como recurso metodológico para impulsionar essa trajetória
investigativa de desvelamento da prática dos professores a triangulação entre: a
reflexão, o dialogismo e a colaboração, para produzir as circunstâncias que
favoreceriam o aparecimento dos caminhos para um processo de mudança, criando
um espaço apropriado para um processo de pesquisa colaborativa.

Os indivíduos se tornam mais conscientes em processos reflexivos,


preferencialmente colaborativos, que motivem o diálogo entre
professores e entre professores e pesquisadores (ibidem, p.55).
Grifos meu.

Considerando que, comumente, é muito difícil debater dentro da escola com os


professores sobre a educação regular para o sujeito comum, fica muito mais
complicado quando passamos para o âmbito da EE na perspectiva do processo de
91

inclusão escolar do sujeito com deficiência expressa. Fica diferente porque, para a
escola, ele surgiu há pouco tempo, tudo é muito novo e lá dentro dela tudo tem que
mudar. Infelizmente, para alguns tudo piora.

Também, há de se chamar atenção para o cuidado ético desse tipo de pesquisa que
é desenvolvida a partir de um projeto coletivo, quando se entra em uma instituição
como a escola trazendo algo de novo, não se deve de forma alguma impor uma
perspectiva fechada. Antes de qualquer oferecimento deve-se esperar que os
sujeitos sintam a demanda pela formação como algo concreto, mesmo sendo criada
contra a sua vontade 29 , aceita por todos e que, de alguma forma, todos sintam-se
beneficiados ao final com o produto resultante da pesquisa-formação 30 .

Assim, determinados a viver o tempo também pela magia do


instante, será possível engendrar uma pedagogia onde a esperança
deixe de ser apenas uma palavra de efeito. Mais do que isso, a
esperança do educador supõe construção de um território de crenças
compartilhadas, onde a igualdade de oportunidades ancore a livre
manifestação dos talentos; onde a solidariedade e a fraternidade
sejam os ternos contrapontos à necessária inscrição da identidade
individual como preceito metodológico da sociedade cidadã. (BOTO,
2001 p.140)

3.4 CENÁRIOS DA PESQUISA

Digo: o real não está na saída nem na chegada, ele se dispõe para a
gente é no meio da travessia. (João Guimarães Rosa, Grande
sertões: Veredas)

Este trabalho tem uma grande dívida com o município de Aracruz, pois foi por conta
das suas características históricas e possibilidades de realização que ele se deu.
Toda a pesquisa narrada se inicia dentro de outro trabalho, com outros objetivos,
mas envolvendo os mesmos sujeitos. Por isso, antes de expor a pesquisa
propriamente dita este capítulo resgata um pouco do contexto peculiar em que ela
aconteceu.

29
Como no caso da entrada dos alunos NEE, ninguém perguntou aos professores se eles gostariam
de recebê-los.
30
Sabendo que num projeto colaborativo, como esse, é provável que se encontre mais do que se
precisa.
92

O município em si guarda grande diversidade de sujeitos e muitas peculiaridades,


apesar de representar somente 3,15% do território do Estado, o município é o quinto
no ranking IDH do Espírito Santo 31 . Ele nasce em 1556 a partir de uma pequena
aldeia na foz do Rio Piraquê-Açú formada por padres jesuítas e os índios da região.
Em 1832, chega à região de Santa Cruz, o imigrante Italiano Pietro Tabacchi,
fundando a Fazenda Nova Trento em homenagem a sua terra natal. Em 1873, ele
recebe autorização para trazer da Itália 70 famílias de colonos para sua fazenda, se
tornando a primeira grande imigração italiana ao Brasil.

A partir daí, formando uma comunidade com características diferenciadas em


relação ao restante do Estado. Com demandas tão diversas, tanto quanto a
diversidade das pessoas que formam sua população. Porém, só entre o final do
século passado e o início deste é que as gestões públicas vão implementar ações
para atender essa diversidade.

Em decorrência dessa evolução histórica do contexto social, a comunidade vai se


organizando e, assim, compelindo a SEMED/Aracruz a criação de novos projetos de
atendimento ao grande número de alunos com necessidades educacionais especiais
que estavam nas creches e nas escolas de ensino regular do município, mas que
ainda não recebiam a atenção devida.

Foi impulsionado por estas demandas que o município aderiu ao Paradigma de


Suporte em 2005, como resposta ao atendimento dos alunos NEE. Este tem se
caracterizado pelo pressuposto de que a pessoa com deficiência tem direito à
convivência não segregada e ao acesso aos recursos disponíveis aos demais
cidadãos. Para tanto, fez-se necessário identificar o que poderia garantir tais
prerrogativas. Foi assim que a Secretaria Municipal de Educação buscou a
disponibilização de suportes e instrumentos que viabilizassem a garantia de que a
pessoa com deficiência pudesse acessar todo e qualquer recurso da comunidade.

Assim, dentro desse processo de busca de respostas aos pedidos dos diferentes
segmentos que estão envolvidos com a Educação, o Município de Aracruz investiu
31
Fonte site oficial do município:
93

naquele momento nos serviços de apoio especializado, suporte e de orientação e


acompanhamento aos alunos NEE nas escolas de ensino regular da EI e do EF.

Já em 2006 e estando o pesquisador como aluno regular do curso de mestrado em


Educação na UFES, inicia-se uma nova forma de atuação numa nova proposta de
trabalho dentro do município. Isto ocorreu a partir da demanda surgida de dentro das
EMEIs pelo acompanhamento das crianças e suporte às professoras, que se
chamou à época de “estimuladoras”. Assim, recomeçamos com a construção de um
projeto de trabalho na primeira semana do mês de abril daquele ano.

No caso da EI, o profissional de apoio estava atuando na estimulação (neuromotora


e essencial) das crianças, dentro dos núcleos de atendimento, e também, quando
solicitado, nas escolas para acompanhar e orientar o trabalho pedagógico a ser
desenvolvido com crianças NEE. Além deste trabalho direto, o professor estimulador
periodicamente participava de todo o processo de planejamento das instituições nas
quais eles têm alunos em atendimento continuado.

Para dar início a esse trabalho, foi marcada uma reunião com o objetivo de, em
conjunto 32 , formular uma proposta para qualificação e orientação dos profissionais
que estariam continuadamente nas escolas. Nesta reunião, ficou estipulado que o
profissional psicomotricista seria o responsável pelo acompanhamento do trabalho
dessas professoras nas escolas.

Mas, só na segunda quinzena do mês de abril é que se conseguiu um espaço de


tempo para os estudos com o objetivo de planejar a proposta de intervenção, a
escolha das profissionais 33 , fazer a divisão delas por grupo de escolas e organizar a
qualificação para o trabalho que se iniciaria no início do mês seguinte.

Alguns pressupostos já estavam fechados para servir de arcabouço do estudo-


pesquisa que viria a dar forma a toda a proposta, tais como:

32
Profissionais responsáveis pelo processo de inclusão nas escolas de EI do setor de EE da
Secretaria de Educação.
33
Inicialmente, somente estavam inscritas professoras de EI para o trabalho, posteriormente um
profissional do sexo masculino com psicopedagogia foi incorporado no grupo.
94

3 Criar instrumentos que possibilitariam a reflexão do trabalho cotidiano;


3 Que a proposta favorecesse a colaboração entre todas as partes;
3 Que a escola devesse reconhecer o lugar do profissional e assumi-lo, também
para si;
3 Que dentro da proposta o profissional tivesse também a possibilidade de
autoformar-se em serviço, sem deixar de ter um ambiente colaborativo de trocas de
conhecimentos entre os diversos profissionais envolvidos com as escolas;
3 Que cada profissional trabalhasse com uma proposta de intervenção
diferente, adequada e de acordo aos contextos diversos, contento as orientações
para a sua efetivação.

O primeiro desafio foi achar um formato de acompanhamento do trabalho


profissional e formação continuada que se encaixaria nas crenças, pensadas e
apresentadas pelo psicomotricista e aceitas pelo grupo, e que também permitisse
um tipo de planejamento e orientação com certa distância da prática e pouco tempo
para sentar junto uma vez por semana.

Frente ao contexto que se encontrava o trabalho, onde, depois de quatro meses de


espera deveríamos rapidamente entrar em ação nas escolas de EI, sendo que o
psicomotricista (o profissional que elaborou a formação) deveria acompanhar e
orientar o planejamento e a implementação das atividades dos professores
estimuladores.

Foi neste ínterim que, a partir de um artigo de JESUS (2005), sobre o uso da
pesquisa-ação colaborativa no processo de inclusão como metodologia de trabalho
que parecia adequar–se às proposições do projeto, e após realizar pesquisa pela
Internet, encontrou-se no texto de TRIPP (2005) um caminho possível de resolução
das necessidades dos profissionais que estariam atuando no suporte as EMEIs e
CMEIs.

Este caminho parecia resolver um grande dilema que afligia desde o início do
trabalho, como articular os fundamentos da proposta de trabalho (histórico-cultural)
com o meio de planejamento e acompanhamento que era realizado até aquele
95

momento nas escolas: a proposta de ensino individualizado – PEI. A forma utilizada


era pragmático-empirista, centrada na “normalização” da deficiência do aluno NEE, e
comportamentalista, desta maneira muito distante de tudo que se preconizava
naquele novo trabalho.

Para não contrariar totalmente uma prática que vinha sendo aceita, buscou-se
adaptar um roteiro de pesquisa-ação apresentado por TRIPP (2005) em relação ao
formato de PEI a fim de que, aproveitando daquilo que era conhecido, se pudesse
partir para um modo reflexivo de se fazer, superando a forma anterior, com outra
prática.

Em maio daquele ano, o trabalho se inicia, já idealizado como um projeto de estudo


exploratório para o curso de mestrado. Focando-o na orientação aos profissionais
nas escolas sem ainda os professores estimuladores, que estavam em compasso de
espera na dependência da possibilidade de dotação para iniciar o trabalho direto
com as crianças. Mas naquele mês, depois de algum estudo e pesquisa foi
consensada e aceita a proposta que, na época, pensou-se ser a mais coerente às
crenças que tínhamos em comum.

É, foi este estudo exploratório, servindo como ensaio do trabalho, que ajudou a
eleger e afinar 34 os instrumentos apropriados a serem utilizados na pesquisa no ano
posterior e, no que concerne ao pesquisador e aos outros participantes, reforçou-se
a crença de que os alunos NEE, a família e toda a escola necessitam fortemente de
assistência de uma rede de apoios especializados, atuando em colaboração para
efetivar uma prática exitosa de aprendizagem na escola 35 .

Apreendeu-se também do estudo exploratório que: nenhuma técnica de


estudo/pesquisa deve ser escolhida antes de se formular o problema, a não ser que
a técnica seja o objeto de estudo (LUNA, 2000, p. 30). Como no caso deste trabalho,
onde a técnica se transforma em instrumento para o planejamento e
acompanhamento do trabalho de um profissional, pressupondo-se baseado em

34
No sentido de regular um instrumento musical.
35
Pelo menos por enquanto, ou até surgir uma massa de conhecimentos (práticos e teóricos) que dê
um relativo equilíbrio e segurança a todos envolvidos no processo de inclusão escolar dos alunos
NEE.
96

“evidências” de outros trabalhos, que ela surtirá o efeito esperado dentro do


processo.

Sendo assim, o que se pretendeu com aquele trabalho foi avaliar os limites e as
potencialidades de um instrumento da pesquisa-ação, como suporte técnico-didático
para proceder ao desenvolvimento de uma conduta autônoma do docente,
assumindo sua autoria da ação pedagógica frente ao processo de inclusão das
crianças NEE nas classes comuns das escolas regulares. Isto acontece a partir de
um espaço de planejamento em serviço.

O trabalho que serviu como pesquisa exploratória se iniciou com o processo de


formação continuada, em que o primeiro passo foi um curso de qualificação para os
profissionais que iriam atuar como professores estimuladores. Os objetivos
formulados para essa capacitação dos profissionais, a partir do estipulado para a
prática deles, servem como base de sustentação para explicação do que foi
desenvolvido após essa etapa:

ª Desenvolver atividades pedagógicas de estimulação voltadas à promoção da


criança de 0 a 6 anos, possibilitando, assim, uma evolução continua para um grau
cada vez maior de autonomia;
ª Criar um ambiente colaborativo, a partir de um projeto pedagógico, entre os
profissionais estimuladores e os da escola, dentro do seu processo de intervenção;
ª Compreender como se diferencia o processo de aprendizagem da criança que
apresenta algum tipo de necessidade educacional especial;
ª Atuar, através de atividades pedagógicas diferenciadas, como estimulador do
desenvolvimento de crianças com algum tipo de deficiência (expressa ou não) no
contexto da EI;
ª Avaliar, continuamente, através de instrumental apropriado, as necessidades
e as potencialidades das crianças, do próprio profissional, no processo de
atendimento;
ª Montar, em conjunto com os outros profissionais da escola de EI, um plano de
atendimento individual, de acordo com a avaliação inicial e, na medida em que o
trabalho se desenvolve, revê-lo continuamente;
97

ª Problematizar a sua prática, através de um roteiro de pesquisa-ação, no seu


processo de intervenção cotidiana, visando à superação de um trabalho
“mecanizado” e fora de um contexto apropriado.

Esses objetivos surgiram a partir de duas fontes de inspiração: a primeira foram os


sentidos sobre como se devem encaminhar as práticas de formação de professores,
construídas ao longo de alguns anos de trabalho como formador; a segunda fonte
decorreu de várias leituras que serviram de esteio onde se assentou o pensamento
(cheio de dúvidas iniciais) e, com o desenho pronto, passou-se a tentar responder as
demandas que deram origem ao trabalho.

Depois do curso de qualificação para os professores estimuladores, mesmo crendo


no instrumental por eles mesmos avaliados como adequado para o trabalho, a
sensação de insegurança era grande, tanto que a dependência ao orientador
(psicomotricista) estava evidente quando o esperavam para o deslocamento para
uma escola ou para simplesmente passar a limpo uma conversa com os pais. Como
primeiro dado significativo o fato de que se deve, ainda que no início do trabalho,
propiciar o empoderamento dos professores para o desenvolvimento da sua prática
com mais autonomia, mesmo que, como no nosso caso, seja algo totalmente novo
para todos os envolvidos.

A partir daquela experiência do pesquisador durante o estudo exploratório, não


pareceu haver para os professores dificuldade na aceitação da pesquisa-ação. Ela
rapidamente passa a ser desejada, visto que é uma forma de pesquisar muito
próxima da suscetibilidade e do saber do docente, como diz LÜDKE (2005).

Mas, apesar da aparente facilidade, no decorrer do trabalho alguns entraves foram


aparecendo, sendo que o maior sentido já no início do processo de ensino, foi o fato
de os professores não saberem se relacionar com a pesquisa enquanto
pesquisadores, como se dissessem que aquele lugar não era deles, principalmente
quando eles pediam para serem ensinados a preencher o roteiro corretamente e
questionavam, por nunca terem tido acesso à prática da pesquisa (palavras do
sujeito): “como vamos fechar isso?”
98

Outra questão recorrente e que sinceramente não era esperada foi a falta de
conhecimentos no que se refere ao processo de desenvolvimento humano, as
experiências necessárias para cada tempo de vida. Foi preciso um tempo para
trabalhar com os professores a sua “consciência” enquanto especialistas em
desenvolvimento e aprendizagem humanas, principalmente para quebrar a relação
idade-série-conteúdo, que é crença comum também entre as professoras da EI.

No decorrer do estudo a compreensão acerca do nosso trabalho nas escolas foi se


encaixando e mesmo com a rotatividade de profissionais no atendimento 36 , neste
momento vê-se maior segurança por parte dos profissionais. Outro dado se
evidenciou: a falta de condições prévias em relação a tempos/espaços de encontro,
e por isso a necessidade de ser ter condições objetivas para se estabelecer diálogos
produtivos entre os profissionais que atendem as crianças NEE que estão nas
escolas.

Esse dado começa a ser evidenciado depois do segundo mês de trabalho, quando já
produzindo resultados na prática, os professores passam a divergir dos outros
profissionais 37 e o que era esperado era que a colaboração entre eles naturalmente
aparecesse. Visto que tanto no preenchimento do roteiro de pesquisa-ação do
estimulador quanto no planejamento para o PEI dentro das escolas, os grupos
estariam voltados para um objetivo único.

Em vista disto, o que se sentiu claramente naquele ensaio de pesquisa foi que a
escola não quer sonegar a aprendizagem. O que se vê ainda é a forte tradição em
ensinar a criança a ser normal. Por conseqüência, o processo de inclusão escolar só
poderá ser realizado a partir de uma transformação um pouco mais profunda do que
só se preocupar em dar acesso ao aluno NEE e de ter um ensino exitoso para ele.

Percebeu-se, a partir daquele estudo, a necessidade de valorizar esse processo de


inserção do aluno NEE nas classes comuns, em qualquer nível de ensino. Ele deve
ser pensado como um marco dentro do processo histórico de inclusão social.
Também deve ser visto, por parte dos educadores, como força propulsora a favor

36
Daqueles seis profissionais que começaram, só dois permaneceram até o final.
37
Pelo menos nesses casos invariavelmente com alguma, se não toda, razão.
99

das mudanças profundas na educação, não como fins esperados para ela ou
somente para dentro da escola.

Essa virada, como percebido na experiência do estudo com os professores em


colaboração, ficaria como promotora de um fazer e entender melhor a educação
numa perspectiva freireana, unindo-nos a uma ação coletiva para trabalhar a favor
do processo de inclusão de todos. Teremos a escola Educando a Todos enquanto
humanizadora dos indivíduos.

Articular, em diversos momentos, o ensino com a pesquisa é uma das possibilidades


que esse trabalho apontou, e utilizando-se de uma metodologia de pesquisa para o
trabalho de planejamento das ações de forma colaborativa, favorecer a
autoformação profissional no coletivo. É nada mais do que os profissionais
aprenderem sobre o que se faz ao mesmo tempo em que constroem um saber sobre
aquele fazer.

Deste modo, aprendeu-se que é possível utilizar no cotidiano da pesquisa enquanto


meio gerador de uma organização de trabalho com a finalidade de, reconhecendo a
realidade, criar condições para responder as questões que o chão da escola impõe
aos profissionais. Se não todas, mas ao menos aquelas que se tornaram possíveis a
partir do seu encaminhamento dentro do diálogo em grupo.

Mesmo tendo se utilizado só de uma ferramenta da pesquisa-ação ligada à


elucidação e transformação de uma prática, como em qualquer pesquisa, ela
mostrou-se como uma fonte potencial geradora de novos conhecimentos, além de,
por possuir uma organização didática suficiente, auxiliar o professor a se qualificar
melhor no seu processo de aprender com criticidade, a ser investigativo da sua
prática, sem que para isso seja necessário ter outra formação profissional específica.

Por mais difícil que possa parecer esse exercício, essa maneira de pensar e fazer
pesquisa, ela parece essencial para que possamos nos colocar no lugar do outro e,
na construção do conhecimento, fazê-lo “com” o outro. Na construção da ciência da
Educação o desafio seria construir a pedagogia de sala de aula como ferramenta
geradora de conhecimento. Embora o pedagogo/professor já seja formado, em tese,
100

para conhecer o como qualquer um aprende, como também “generalizar” princípios


universais na educação.

3.5 A EMERGÊNCIA DAS EXPERIÊNCIAS COLABORATIVAS

Ao final dessa experiência exploratória em 2006, feita com os professores


estimuladores na rede municipal de Aracruz, que buscava estruturar um processo de
implementação de um serviço de apoio profissional à inclusão de alunos NEE na EI,
restaram aos participantes, além de algumas boas questões de pesquisa, uma
vontade de continuar no mesmo sentido. A sensação foi de que se abria um
horizonte de possibilidades de se refazer o mesmo trabalho, desde o projeto de
qualificação dos docentes até a consolidação/estabilização dos atendimentos nas
escolas via o processo de colaboração entre especialistas e equipe pedagógica.

Após todo o trabalho realizado, inicia-se o ano de 2007 novamente sem nenhuma
perspectiva fechada para o trabalho com alunos NEE. O que se sabia é que o
trabalho não teria continuidade, nenhuma professora estimuladora seria
recontratada e o serviço de apoio na EI não sobreviveria. Havia agora novas
diretrizes da SEMED/Aracruz e nelas o trabalho passava mais para as mãos dos
professores, sem muitos apoios.

Para a reformulação do trabalho, pensou-se a partir do material produzido nos


encontros com os profissionais dentro da pesquisa exploratória em 2006. Como
ponto inicial, o que se aprendeu com os profissionais das escolas e com os das
equipes multiprofissionais: eles não são só reprodutores mecânicos dos saberes dos
outros. Eles se posicionam de acordo com suas visões de mundo, se
autodeterminam de acordo com suas crenças e constroem o seu saber-fazer de
forma única em cada cotidiano específico de um local.

Outro ponto anotado a partir do trabalho anterior, que serviu de referência para
projetar esta pesquisa, foi que o processo de exclusão/inclusão nas escolas passa
por duas situações construídas na relação com os professores: a invisibilidade e a
101

imputabilidade. No caso da primeira, a inferiorização do deficiente vem da não


admissão dele como aluno, provocando a impossibilidade da relação com o
processo de ensino-aprendizagem. Por não vê-lo (invisível) como alguém possível
de educar, o professor deixa-o no lugar do “só está aqui para socializar”. E, no
segundo caso, quando começa a ser visto como aluno, por ser diferente, fica em
nível qualitativo inferior, já que “só” para ele as normas, leis e regras do ensino não
são iguais ou não podem ser aplicadas da mesma forma.

Percebeu-se que as escolas de todos os níveis, da mesma forma que algumas


famílias, têm a tendência a desqualificar os alunos NEE, desautorizando a sua
produção e por conseqüência inibindo o desenvolvimento da sua subjetividade e
autonomia. Então, quando eles estão em sala de aula, se deve questionar: para que
os alunos NEE vão à escola? Qual o lugar social ocupará aqueles que tendo
passado pelo sistema educativo não conseguiram ser “educados”? E a escola que
“deixa ele ir passando”, serviu para o quê?

Assim, foi a partir dos questionamentos daquele estudo exploratório que surgiu uma
forte demanda em ampliar o trabalho realizado anteriormente com um grupo
reduzido. O sucesso sentido motivou o oferecimento de outro modo de planejar a
atuação docente. Optando-se pela ferramenta oriunda da pesquisa exploratória
como caminho da autoformação, na perspectiva crítica e reflexiva, para o trabalho de
pesquisa que originou esta dissertação.

Nesta perspectiva, toda pesquisa sobre o ensino tem, por


conseguinte, o dever de registrar o ponto de vista dos professores,
ou seja, sua subjetividade de atores em ação, assim como os
conhecimentos e o saber-fazer por eles mobilizados na ação
cotidiana. De modo mais radical, isso quer dizer também que a
pesquisa sobre o ensino deve se basear num diálogo fecundo com
os professores, considerados não como objetos de pesquisa, mas
como sujeitos competentes que detêm saberes específicos ao seu
trabalho. (TARDIF, 2002, p. 230)

Obedecendo a TARDIF e por conta da reconfiguração do trabalho no CREM sem as


professoras estimuladoras, mudou-se também a proposta de pesquisa. O objeto de
estudo foi para a prática pedagógica do planejamento coletivo do professor que tem
aluno NEE em processo de inclusão. E, os sujeitos da pesquisa voltaram-se para os
profissionais da equipe pedagógica, das equipes multi e mais os professores.
102

Ainda como resultante da experiência anterior, ficou delimitada uma primeira


pergunta: como a colaboração entre os profissionais da escola no processo de
planejamento coletivo poderá contribuir para o movimento de inclusão, para que
essa virada nas crenças ocorra, sabendo-se que o dia-a-dia atribulado das escolas
dificulta a assimilação de maneira autônoma e de formas renovadas de fazer o seu
trabalho?

Sendo que se espera encontrar, ao final, um profissional reflexivo, crítico e


autônomo, então: como uma proposta colaborativa e reflexiva, dentro de um
momento especial de planejamento coletivo, pode dar conta de preparar
profissionais para atuarem na docência, no apoio e no suporte ao processo de
inclusão escolar dos alunos NEE na EI?

Neste processo, é fundamental lembrar o que se quer quando se inclui. SILVÉRIO


(2003, p.60) nos apresenta uma questão que para ele é aparentemente central:
como incorporar a diferença que faz diferença? O que, para este trabalho,
acrescenta um complemento: e incorporando as diferenças, como fazê-lo sem
provocar desigualdades?

As questões levantadas (e no seu decorrer as outras também foram) por este


trabalho estão voltadas para a crença de que este é o momento de reinventar a
Educação, da necessidade de uma esperança freireana, alertando para se dar
autonomia ao docente, que [...] no fundo, é forma de dependência menos
dependente, constituída por sujeitos que convivem (FREIRE 1997, apud DEMO,
2005, p. 41).

São inúmeras as indagações que se desdobram, entre elas, o que ecoa pelos
discursos dos profissionais da Educação, enquanto desafio nas práticas cotidianas e
frente às ações coletivas que lutam por uma cidadania ativa para todos: como
encaminhar esse processo? Por que não acontece a inclusão já que está garantido
por lei? Até que ponto a escola poderia contribuir para a solução do problema
humano que é o tamanho da nossa diferença (entre indivíduos e grupos) e a
conseqüente falta de modelos para lidar com elas?
103

Na reunião de todas essas questões apresentadas e pela interação do pesquisador


com o campo, o que ficou como problema prévio a ser respondido neste trabalho foi:
Quais as possibilidades que tem o trabalho colaborativo na escola de EI, utilizando-
se de instrumental da pesquisa-ação, de servir como caminho para o planejamento
coletivo das ações pedagógicas, sendo estas comprometidas de igual forma com o
fomento da autoria docente e o processo de inclusão dos alunos NEE?

Porém, este trabalho não foi iniciado logo no começo do ano. Da mesma forma que
no ano anterior houve uma demora nas tomadas de decisão acerca da forma de
organização dos serviços, muitas barreiras apareceram, mas só depois da
qualificação do projeto é que se iniciou o processo de implementação do trabalho de
pesquisa nas escolas.

Uma das barreiras foi a aceitação em participar da pesquisa. Ela aparece na


constatação de que no processo de inclusão, o professor sabe que precisa fazer
diferente do que faz todo dia com qualquer aluno – às vezes com certa dificuldade –
para que isso ocorra deverá modificar sua forma de pensar sobre o que faz 38 . Mas,
sem que esse profissional se “re-volte” sobre suas próprias crenças, sobre sua visão
de mundo, não haverá como permitir fazer de outro modo, sendo assim necessários
outros fundamentos.

Marcadamente, um momento bastante significativo é à entrada do aluno NEE na


escola. A demanda mais comum apresentada aos profissionais especialistas durante
a pesquisa exploratória foi que eles promovessem condições para que o aluno
começasse a aprender igualmente aos outros. Visto que, mesmo estando já no
segundo semestre, o aluno que todo mundo gostava e cuidava, ficava dentro da sala
sem conseguir aprender nada.

Quando da chegada de outro profissional, quase que imediatamente, o professor


transfere o sujeito aluno para o profissional especialista que chega. Para esse
trabalho seja feito de forma colaborativa é necessário um empoderamento mútuo.
38
No meio de toda a atribulação que há dentro da escola, o fato de conseguir parar para pensar já é
um grande passo.
104

Portanto, o primeiro passo é o do esclarecimento acerca da dinâmica do trabalho,


lembrando que os profissionais são da docência e que o aluno é um só. Em
conseqüência, o planejamento não deve ser reservado a um só profissional, a um só
espaço-tempo, muito menos pensado de maneira restrita na deficiência, a um
conteúdo específico.

A questão da pesquisa científica na prática pedagógica e na formação do professor


parece ser mais presente no início do processo de se fazer docentes, e muito pouco
se vê acompanhá-lo durante a sua carreira. LÜDKE (2005), a partir do seu estudo,
sinaliza que a predominância da conceituação acadêmica da pesquisa por parte dos
professores acaba por restringir o uso, dificultando a percepção das diversas
possibilidades do seu uso na prática docente.

Deixando outra questão pronta para construção do projeto de trabalho em 2007:


Sem que se rebaixe o estatuto da pesquisa, que tipo de investigação serve para dar
condições aos professores de enfrentar as dificuldades dentro da escola na
realização de outras práticas de trabalho, para os alunos NEE?

Outra grande barreira foi a falta de uma escola modelo na rede municipal de
Aracruz. A escola que se queria neste tipo de trabalho vivenciaria uma relação
colaborativa entre os profissionais e com um engajamento na realidade dos alunos
(MONTOAN, 2004). Assim colocado pela autora, que defende como meta para se
fazer uma escola inclusiva o investimento maciço em qualificação dos professores,
já que nesta concepção o papel central no processo de construção dessa escola é
exercido pelo professor da turma regular, sem deixar de marcar com a mesma
veemência a inter-relação de comunidade escolar. Mesmo não sendo inteiramente
adeptos dessa linha, vê-se a necessidade desse investimento.

Visto que hoje, devido principalmente ao aporte da diversidade (não só os alunos


NEE) somado ao processo de universalização da EI, a qualificação e o processo de
formação nos espaços intra-escolares dos profissionais que atendem a esse nível de
ensino passou a suscitar muitas questões dentro das escolas públicas da rede do
município em Aracruz.
105

O município de Aracruz tem uma característica peculiar nessa relação com a


diversidade, por exemplo, uma parte dos gestores públicos está vinculada a algum
tipo de movimento religioso evangélico e levam isto para dentro das instituições
públicas. Como exemplo a resistência em colocar como conteúdo curricular nas
escolas as questões ligadas à história dos afro-descendentes, já que não deveriam
se tratadas para não ensinar “macumba” para as crianças (fala de uma diretora da
escola de EF)

Da mesma forma que, enfrentando o desafio dessas questões, esse trabalho de


pesquisa aventurou-se na busca pelo entendimento das novas características da
instituição social escola, tendo em vista as transformações causadas pelo processo
de inclusão dos alunos NEE nas classes comuns das EMEIS, no caso em Aracruz.
Desta forma, ele serve de base para pontuar como a escola deve estar organizada
de maneira diferente daquela que se encontra hoje, porque vivemos momentos bem
diferentes daqueles que vivíamos até pouco tempo atrás.

Já no segundo semestre de 2007, inicia-se a busca pelas escolas em que o


processo de pesquisa se daria e, com o auxílio dos profissionais que estavam
trabalhando nos serviços de suporte a EI, delimita-se em quatro as escolas em que a
pesquisa participante se daria: duas em região periférica e duas em bairros centrais,
do município.

Os critérios de escolha estavam centrados na expectativa de saber: o que acontece


quando se reúnem os profissionais na escola para dialogando planejar práticas
diferenciadas em função de um aluno NEE dentro da sala de aula? É possível ir
além do pragmatismo do: e agora o que se faz com ele? Mesmo não querendo a
escola para um só aluno e sim para todos, ele deve ser visto na sua especificidade.
Em razão de que nesse todos deve se incluir necessariamente aquele aluno.

A mobilização em torno de um aluno só é muito grande, isto por ser necessário


possuir muitos profissionais diferentes no serviço de apoio para poucos alunos, fica
difícil justificar frente a uma perspectiva mais pragmática. Mas no caso daquelas
escolas, de alguma forma já acontecia e, segundo os relatos, havia dificuldade na
implementação das ações.
106

Daí que seja tão fundamental conhecer o conhecimento existente


quanto saber que estamos abertos e aptos à produção do
conhecimento ainda não existente. Ensinar, aprender e pesquisar
lidam com esses dois momentos do ciclo gnosiológico: o em que se
ensina e se aprende o conhecimento já existente e o em que se
trabalha a produção do conhecimento ainda não existente. (FREIRE,
2000a, p. 31)

Sendo assim, torna-se emergente 39 relatar o que acontecia com os professores e os


outros profissionais da escola em relação aos alunos NEE que passavam pela
experiência do processo de exclusão/inclusão na sua escola. E, usando como
encaminhamento para responder as dificuldades de um roteiro de pesquisa-ação já
testado anteriormente em outro contexto com sucesso.

Pode-se dizer que foi o percurso da pesquisa que impôs a metodologia ao trabalho
desta forma. As contingências do contexto político da rede municipal naquele
momento, somadas às crenças do pesquisador, deixaram como possibilidade uma
trilha aberta que levava à intervenção pelo diálogo reflexivo entre os profissionais,
para a criação de um ambiente colaborativo, num momento especial de
planejamento coletivo a ponto de ser apresentado como dissertação de mestrado.

39
Nos dois sentidos para a palavra: ato de emergir ou caso de urgência.
107

4. DIALOGANDO COM OS “ACHADOS” NAS TRILHAS DA PESQUISA

4.1 O TRABALHO DE PLANEJAMENTO E OS CICLOS REFLEXIVOS: UMA


ANÁLISE PRÉVIA

A questão da coerência entre a opção proclamada e a prática é uma


das exigências que educadores críticos se fazem a si mesmos. É que
sabem muito bem que não é o discurso o que ajuíza a prática, mas a
prática que ajuíza o discurso (FREIRE, 1997, p.25)

O resultado de toda a experiência de pesquisa apontou alguns fatores que podem se


constituir como elementos comuns às duas professoras das escolas pesquisadas.
Assim, a luz da base teórica, apresentação da análise do caminho percorrido no
trabalho de campo terá como referência quatro movimentos significativos
emergentes dentro do percurso, nos momentos de encontro e que brotaram a partir
do diálogo reflexivo.

Essa opção didático-metodológica de apresentar dentro dos quatro movimentos


interdependentes: primeiro o medo, insegurança e vertigem; o segundo, a “ilha”
solidão da sala de aula; no terceiro, refletir e dialogar, e por último, do exercício da
fala reflexiva. É coerente com a preocupação fundamental do trabalho em conceber
a atividade de planejar como ação contínua. Tendo em vista que nele buscou-se
constituir uma prática social onde os profissionais estão convidados a refletir suas
práxis como autoformativas pelo diálogo entre eles.

Agora, como salienta SANTOS (2005), a garantia da relevância da pesquisa no


cotidiano dos professores está intimamente ligada a como e de que forma é
facultado ao profissional participar desse processo. Essa autora, com referência em
ZAICHNER, aponta que, mesmo para diferentes tendências, a formação de
professores pela pesquisa na prática é considerada como válida para o
desenvolvimento da sua profissionalidade desde que seja assegurada sua
participação ativa.

A trilha seguida estava baseada na idéia de que a análise discursiva da prática, a


partir da visão do professor, abre a possibilidade de fazer evoluir a própria prática. E,
108

como dispositivo de análise da prática, a reflexibilidade pode ser considerada como


ferramenta de produção dessa evolução no sentido para novas subjetividades
profissionais. Porque se acredita na possibilidade de ultrapassar essas dificuldades
práticas por meio da consolidação de um espaço para o diálogo. É, por fim, é esse
próprio diálogo na perspectiva bakhtiniana que permite neste trabalho analisar a
ação que é a aprendizagem dos professores de outras práticas. Não em si, mas
entre nós na trilha.

Lembrando que o elemento disparador de todo este movimento reflexivo foi o próprio
caso do aluno NEE em processo de inclusão. Sendo no desenrolar do caminho as
delimitações aconteceram de maneira coletiva e assim, sucessivamente o grupo na
ação de planejar, colaborativamente pelo diálogo, foi estabelecendo as demais fases
do processo reflexivo provocado pelo instrumento de planejamento utilizado (o
roteiro de pesquisa-ação).

Depois de transcorridos os encontros, gravados num pequeno aparelho tocador de


MP3, foram transcritos para um caderno visando a sua posterior análise, mas não foi
possível reproduzir em texto exatamente o que ocorreu – os rostos, os silêncios, a
ansiedade etc., o que é possível fazer em relação à descrição dos diálogos é:

[...] constituí-lo como tal, re-situando-o no espaço social, senão a


partir deste ponto de vista singular (e, num sentido, muito
privilegiada) onde deve se colocar para estar pronto a assumir (em
pensamento) todos os pontos de vista possíveis. (BOURDIEU, 1997,
p. 713).

Observa-se por este caminho que:

[...] transcrever é necessariamente escrever, no sentido de


reescrever: como a passagem do escrito para o oral que o teatro faz,
a passagem do oral ao escrito impõe, com a mudança de base,
infidelidades que são, sem dúvidas, a condição de uma verdadeira
fidelidade. As antinomias bem conhecidas da literatura popular
lembram que dar realmente a palavra àqueles que habitualmente não
a têm é apenas lhes dar a palavra tal qual. Existem as demoras, as
repetições, as frases interrompidas e prolongadas por gestos,
olhares, suspiros ou exclamações, há as digressões laboriosas, as
ambigüidades que a transcrição desfaz inevitavelmente, as
referências a situações concretas, acontecimentos ligados à história
singular. (ibidem, p. 710)
109

Neste processo todo de longa e solitária transcrição das 11 horas e 26 minutos de


conversas fica claro que é o próprio ponto de vista de quem ouve, a partir do que se
queria saber, que vai dar ritmo e sentido do caminho do texto, mesmo com as falas
no coletivo. Como disse BOURDIEU com toda a razão, parece impossível cobrir
todos os pontos de vista possíveis, então, tentou-se neste trabalho apresentar um
ponto de vista sobre um ponto de vista (ibidem, p. 713).

No que se refere às descrições dos sujeitos participantes, dos alunos atendidos e


das outras pessoas relacionadas, optou-se primeiro por trabalhar, no caso daquelas
que não entraram no processo, considerando as iniciais dos nomes dos alunos NEE
em lugar de dar novos nomes, isto pelo fato de que essas pessoas não haviam dado
nenhum tipo de autorização para a troca e nem haveria como contatá-las. Já no
caso daquelas que permaneceram caminhando juntos, a opção foi pelo próprio
nome da criança, sem outras referências diretas, assim, ao mesmo tempo em que
dá um rosto ao aluno foco deste trabalho, também não se invade a privacidade, uma
vez que, ao final de tudo, são eles os destinatários deste trabalho.

Neste trabalho, a bússola da trilha foi o roteiro de pesquisa-ação. Este instrumento


criado a partir de uma experiência em conjunto feita no ano anterior, com
profissionais diferentes, mas também num processo de planejamento coletivo. Pelo
fato de aquela experiência ter sido tão frutífera, buscou-se reproduzi-la em um
ambiente escolar diferente do utilizado na primeira experiência: local segregado e
sem a participação de todos os profissionais envolvidos no processo de ensino do
aluno.

Mas, antes de partir para a análise e discussão das possibilidades de se criar outras
práticas pedagógicas de inclusão presentes nos encontros, vale apresentar o
contexto das escolas onde a pesquisa se desenrolou, através de um quadro
sinóptico. Em razão de que as práticas pedagógicas e as relações intersubjetivas
entre os diferentes sujeitos estão relacionadas às características e à forma de
funcionamento das escolas. O quadro apresenta algumas informações relevantes
sobre cada uma das instituições escolares estudadas, que possibilitará uma visão
mais precisa sobre o desenho das relações analisadas.
110

Quadro sinóptico:
Escola Escola do aluno Israel Escola do aluno Lucas
Tipo EMEI – Pré-escola. CEMEB – Creche e Pré-
escola.
Número de alunos Aproximadamente 170 720 alunos em dois turnos
alunos em dois turnos.
O trabalho com os A diversidade na escola Na prática o trabalho vem
alunos NEE 40 tem suas questões acontecendo, sendo que
trabalhadas no dia-a-dia, carece de registro para o
permeando as ações seu acompanhamento,
pedagógicas. coisa que não se faz. No
Necessitando, no caso que se refere ao trabalho
das equipes multi, uma das equipes multi não se
maior cobertura dos vê o funcionamento, pois
diferentes setores e de não recebe atendimento.
outras secretárias da Vê a necessidade de uma
prefeitura. Crê que o maior aproximação com o
trabalho institucional é o setor diversidade.
melhor caminho.

Equipe Escolar Diretora, uma pedagoga e Diretora, duas pedagogas,


oito professoras. dois professores
articuladores, dezoito
professoras e quatro
monitoras.
Situação/ Estrutura Bairro na região central; Bairro da periferia pobre
alunos de diversas próximo à região
classes sociais (inclusive portuária; alunos das
a média alta); quatro classes D e E; dez salas
salas, fundada em 1999. de aula e um berçário;
fundada em 2007.

40
Fontes consultadas para o preenchimento do quadro: a direção das Escolas e a pesquisa avaliativa
realizada pelo setor de gestão da SEMED ao final do ano de 2007.
111

4.2 A ABERTURA DO CAMINHO: O PLANEJAMENTO E A EXECUÇÃO DOS


ENCONTROS

Como visto, foi a partir da participação de uma experiência colaborativa com outros
profissionais no ano anterior a este que os primeiros passos para a realização deste
trabalho surgiram: 1° a escolha da escola, indicação da professora participante e
aceitação dos procedimentos; 2° apresentação do termo de consentimento 41 ; 3°
instituir um momento de planejamento colaborativo para compartilhar dentro da
escola; 4° os encontros para a realização da coleta de dados, esta sendo feita
através da observação do participante com os instrumentos: auto-retrato dinâmico,
documentos de referência do planejamento; audiogravação; diário de campo e o
roteiro de pesquisa-ação para tentar realizar a espiral reflexiva de planejar,
descrever, agir e avaliar (pesquisa-ensino-reflexão).

O primeiro passo, já no mês de agosto, foi entrar em contato com as professoras


indicadas para o trabalho de pesquisa e expor as razões do trabalho, os fins
esperados e a tarefa de cada um dentro do processo de planejamento colaborativo.
Para melhor compreensão, a professora e a equipe pedagógica da escola ficaram
com uma cópia do roteiro e do termo de consentimento livre e esclarecimento para
que, a partir de um debate entre elas, o grupo aderisse à pesquisa, ou não.

Nas semanas seguintes, o pesquisador inicia o retorno aos locais para receber as
respostas acerca da aceitação ou não e, em caso positivo, fazer a marcação dos
primeiros encontros. Primeiramente, só a professora da escola da aluna “R” não
aceitou. Logo depois, a professora de aluna “S” também preferiu não iniciar o
processo. Restando até o fim duas professoras, uma do aluno Lucas e a outra do
aluno Israel.

41
Anexo n°. 1
112

4.2.1 Sobre a (não) participação daquelas professoras no processo de


pesquisa

Quem já teve a oportunidade de entrar numa piscina sem saber nadar sabe muito
bem como é difícil ter coragem para sair da borda. Esta é a imagem que vem a partir
da fala das professoras convidadas que, “por querer ficar como estava” (professora
da EMEI da aluna “R”) ou “acho que é muita responsabilidade fazer isso com você”
(professora da EMEI da aluna “S”), se recusaram a entrar no processo de pesquisa.

A professora da EMEI da aluna “S” que, no 2° encontro, sentindo-se “sem condições


de acompanhar o trabalho”, recusou-se a continuar, disse: “era muita coisa para eu
fazer”. A professora da aluna “R” foi a primeira que, depois de ter aceitado participar,
recuou deixando a pedagoga da escola muito frustrada, pois segundo esta “essa
professora precisava muito”.

Ocorrendo, então, que uma desistiu antes de começar pela razão de “que ficaria
confusa no meio de muitas orientações e afazeres”, sendo que se sentiria “mais
tranqüila em ficar do jeito que estava”. Já a outra professora não quis iniciar mesmo
depois de ter aceitado porque estava “muito preocupada com o que ia acontecer” e
“não sabia se ia dar certo”, assim, não gostaria de ter “trabalho a mais”.

Em comum entre elas o fato de que essa experiência seria “muito nova” e “mexeria
com o que já estava certo”. Aparece aí na fala dessas professoras, também, certa
inabilidade de teorizar a prática: “é muita orientação diferente para mim” (professora
da aluna “R”). Aparece também certa tendência a uma espécie de inércia, de se
esperar receber o que já estava pronto.

Muito poderia ser dito acerca da recusa das professoras que não ficaram na
pesquisa. Na verdade, daria para se fazer outro trabalho de pesquisa, mas pela
impossibilidade de num tempo curto do mestrado narrar tudo que aconteceu, ou
deixou de acontecer, não há como aprofundar mais a análise do processo de
pesquisa-intervenção nos seus diversos tempos/espaços da pesquisa e
principalmente em um sistema complexo como a escola, tornando como fonte a
novidade do processo de inclusão.
113

Mesmo quando se reconhece que cada escola tem uma vida própria peculiar,
resultado das ações dos sujeitos que lá habitam, sabe-se que as relações
estabelecidas entre os sujeitos ultrapassam em muito aquele cotidiano, envolvem a
todos em uma rede maior, implica-os de uma forma que torna difícil separar a escola
dos fatores políticos e sociais característicos da sociedade. A escola e o mundo
externo não se constituem como instâncias separadas, sem articulação. Quando o
mundo real de fora da escola entra para fazer parte dela, sofre algum processo de
rejeição ou temor, como no caso dos alunos com deficiência.

Das quatro professoras que se apresentaram como possíveis sujeitos em pesquisa


só duas restaram, mas todas expressaram um sentimento comum, uma espécie de
vertigem frente a um compromisso que poderia gerar uma mudança e esta
aparentemente assusta, dá uma insegurança que beira o medo, fato que gerou o
primeiro ponto de análise dos dados.

Em contrapartida, as duas que aceitaram participar usando argumentos semelhantes


àqueles, mas no caso destas o desconhecido e o estudo sobre o desconhecimento
mais motivava do que amedrontava. Sendo que uma destas (professora de Lucas),
quando do encontro para o aceite, tinha as mãos suadas pela: “ansiedade em
começar” e poder “fazer diferente”. E a outra, bem mais calma, se propôs: “querer
encontrar respostas a suas angústias”, respostas próprias. Elas, desta forma,
estavam nos dizendo (talvez) que para vencer a inércia, para se ter a coragem de
começar, não basta desejar fazer. É necessário um diferencial, é preciso um
professor que não se sinta desautorizado 42 no e pelo seu processo de formação,
que o promova a uma qualidade melhor.

Hoje sabemos que, na formação, o educador aprende quando se


sente ‘tocado’, quando encontra espaço para que sua experiência se
converta em fonte de saber – um saber que lhe permita reconhecer-
se, descobrir o outro e ser reconhecido; um saber que vá além da
ação imediata, e que se projete em uma atividade que o ajude a
aprender consigo mesmo e, sobretudo, que o comprometa.
(HERNÁNDEZ; SANCHO, 2006/2007, p. 9)

42
Aqui no sentido de não poder, ou querer assumir a autoria de sua formação, portanto, estando, ou
querendo estar fora dela (HERNÁNDEZ; SANCHO, 2006/2007).
114

E assim, vendo dessa maneira, a proposta deste trabalho não conseguiu adesão de
todas as professoras a que foi apresentado da mesma maneira, mesmo elas
recebendo alunos NEE em sala. Fica evidenciado, então, que para se iniciar o
processo de inclusão, em relação aos professores, requer no mínimo uma mudança
de atitude na prática de ensinar.

4.3 O SIGNIFICATIVO ENCONTRADO

4.3.1 Os movimentos do percurso nas trilhas da pesquisa

O trabalho de campo se inicia com o uso de uma ferramenta apresentada por


JOSSO (2007) os “auto-retratos dinâmicos”. Ela propõe um processo de pesquisa-
formação pelas histórias de vida dos sujeitos, acontecendo pela narrativa, como
meio para encaminhar uma formação qualitativamente melhor. O trabalho de
pesquisa usa desse instrumento reflexivo na busca de como foi a entrada das
professoras no trabalho com os alunos NEE. E ele representou um ganho
significativo para a orientação da reflexiva inicial.

Ainda para JOSSO (2007), esta ferramenta de pesquisa contribui para a formação
dos participantes no plano das aprendizagens reflexivas (idem, p. 18). Confiando na
base que a experiência exploratória do ano anterior deu para a pesquisa de campo,
esperou-se que as professoras, quando expusessem antes as suas preocupações,
os seus sentimentos, o percurso seria mais fácil posteriormente e elas se
permitissem a parada para a reflexão, o que havia se mostrado tão difícil naquela
experiência de 2006.

Não há projeto de formação que não cruze, à sua maneira, com a


questão da identidade. Um dispositivo de formação que, no mínimo,
integre a reflexão sobre esse projeto a partir, por exemplo, de uma
análise da história de vida, pode penetrar nas preocupações
socioculturais dos aprendentes adultos. (JOSSO, 2007, p.15)
115

Se o processo de construção do saber ser professor está implicado com o


desenvolvimento da história de vida do profissional, então o estudo, num contexto
reflexivo e crítico sobre este processo, deverá desde o seu início permitir que os
professores, no coletivo, exponham o que pensam sobre si, sua formação e a
evolução do seu trabalho como dispositivo do processo autoformador.

A forma de execução foi: no primeiro momento, apresentou-se o tema ligado à


condição do acolhimento do aluno NEE em sala e o que ele representou na sua
formação neste ano, para reflexão coletiva. Depois, convidou-as para que
expusessem seus sentimentos em relação ao aluno, à medida que a narrativa se
desenrolava, mantendo naqueles pontos do seu percurso de vida. Questionava-se o
que elas consideram como elemento formador dentro da sua relação com o aluno.

Ao final, colocou-se uma questão que falava sobre o aluno NEE no processo de
formação da professora. A partir daí, a professora passa a redigir a sua própria
história, propondo-se a que a escrita seja reflexiva, agrupando-se em quatro
categorias as aquisições dos saberes, que são: existenciais, instrumentais,
relacionais e reflexivas.

A questão foi: O que o aluno (nome do aluno) representou para sua vida profissional
neste ano?

Auto-retrato dinâmico da professora do aluno Lucas:


Ao receber um aluno com NEE ficou evidenciado em mim o medo de
não conseguir avançar e trabalhar com esse sujeito. Hoje me sinto
fortalecida e confiante na capacidade de busca novos conhecimentos
e novas formas de se trabalhar com essa criança, o que gerou uma
confiança muito grande entre professor e aluno. O que Lucas
mostrou-me que as diferenças devem ser entendidas como forma de
enriquecimento. As possibilidades e potencialidades de crescimento
é possível a cada indivíduo dentro de suas perspectivas e são os
mecanismos usados que deverão propiciar um ambiente estimulador
e potencializador para que o conhecimento seja produzido. O
crescimento de Lucas me fez acreditar na capacidade individual e
coletiva do sujeito como ser que aprende e interage proporcionando
novas reflexões e avaliações para trabalhar o próprio saber.

Auto-retrato dinâmico da professora do aluno Israel:


116

Apesar de toda a insegurança inicial. O Israel representa para mim


um desafio e um grande ganho na minha vida profissional como ser
humano e espero adquirir muito mais conhecimento e aprendizado
para melhor desenvolver meu trabalho a cada dia. Ele não é um
aluno só meu e sim da escola e vejo que todos podem crescer com o
desenvolvimento do Israel.

Meus alunos tiveram um grande avanço em relação ao


relacionamento com o outro por exemplo: solidariedade, respeito,
amizade, cooperação. Quem mais me ajudou desde o primeiro
momento foi minha turma.

4.4 OS QUATRO MOVIMENTOS

4. 4. 1 - O primeiro movimento: Medo, insegurança, resistência e vertigem

As professoras (incluindo aqui as duas que não continuaram no processo)


apontavam deste os primeiros encontros nas suas falas os sentimentos de angústia,
insatisfação e medo, ligados principalmente a um ideal de aluno a ser alcançado que
passava ao longe daqueles com deficiência, comparativamente aos outros sem. Este
movimento é visto como ponto comum mais forte no relato do auto-retrato reflexivo:
Ao receber um aluno com NEE ficou evidenciado em mim o medo de não conseguir
avançar e trabalhar com esse sujeito (professora do Lucas); Apesar de toda a
insegurança inicial (professora do Israel).

Como primeira questão a ser abordado dentro do planejamento, dentro do roteiro de


pesquisa-ação, está a situação do aluno na escola. Em razão de que para se pensar
o trabalho com o aluno NEE, há de conhecê-lo a partir do contexto que o cerca. Para
isso é necessário ouvir as vozes daqueles envolvidos no processo.

O primeiro movimento, neste momento, aparece novamente na clara necessidade de


acomodá-lo e nos melindres no medo da não aceitação mútua:

Professora: Pois é, nesta questão de socialização no ambiente


escolar e tudo o mais, Lucas assim, se mostrou uma criança
altamente disposta a seguir determinadas regras de convivência.
Convivência dentro do ambiente escolar, convivência com o próprio
117

colega, com o comportamento dele com o próprio professor. Eu era


uma desconhecida, porque ele me via, mas ele não tinha contato
comigo, era desconhecida pra ele. E assim, como ele me aceitou, eu
aceitei ele. O que foi bom na nossa relação foi isso: a aceitação dele,
porque, imagina se eu aceito ele e ele não me aceita,..., também
tinha esta questão. Que poderia acontecer, poderia dizer: professora
de cá é brava, é isso...

Pedagoga: Ninguém fala isso.

Professora: ninguém diz que a cara não condiz com o coração...

A novidade em relação ao aluno NEE parece ser marca comum em quase todos os
momentos de planejamento. Durante a fala nota-se que a pedagoga vê com euforia
a novidade da narrativa da professora, tanto que dá seguidamente conselhos sobre
o que deve ser feito. Mesmo ali, algum tempo depois do acontecimento, o momento
pedagógico (MERIEU, 2005) ainda vive nas falas sobre o passado ainda presente
na sala de aula.

Do mesmo modo quando a professora do Israel inicia dizendo que o aluno chegava
à sala com medo e ela sem saber o que fazer, então foi procurando trabalhar com
ele dentro da sala. Relata que mesmo para entrar e sair da sala em fila, algo
absolutamente comum na EI, era um grande problema.

Professora: Só comecei a fila depois que a coordenação pediu.

Ela relata um caso dela quando era criança ficando na cadeira do pensamento. Ela
enganava a professora para sair, e agora, por isso não vê sentido em fazer o
mesmo. A conversa gira em torno desse tema: a pedagoga fala da professora que
leva seus alunos como carneirinhos. Coloca, também, que esse modelo não serve
mais porque o mundo mudou.

Pesquisador: Se sobreviveu, apesar do modelo, mas muitos ficaram


pelo caminho.

Pedagoga: na época que eu comecei existia o moderno e o


antiquado e isso dá medo hoje “eu vou ficar assim daqui algum
tempo? Por mais que se corra atrás, vai ficar ultrapassado”.

De novo aparece a novidade e, juntamente a ela, o sentimento de vertigem pelo


medo do não saber fazer constante. Mesmo quando os diálogos giram sobre a
118

constatação de que a escola está cheia de “novidades” diariamente, em todos os


níveis de ensino.

O pesquisador dá o exemplo da escola que não deixava entrar de boné e walkman


ou celular ligado, mas no futuro vai pedir ao aluno para se desconectar da internet
e/ou desligar a TV para prestar atenção no livro didático. Mesmo assim o aluno NEE
parece trazer uma insegurança maior:

Pedagoga: Assim as coisas vão mudando, vão mudando... Isso dá


medo mesmo,.., e o desenvolvimento do Israel? Com o filho da gente
é a mesma coisa. Antigamente queríamos ser liberais, agora dá um
certo medo falar vai.

Os profissionais, quando esvaziados, não enxergam o potencial do seu trabalho, não


se sentem capazes de relatar, não possuem confiança na própria fala. A pedagogia
da ausência, que aplica no outro, é um sucesso nele mesmo. Fazendo sua prática
vazia da sua própria inteligência, isso pela força do convencimento fundado na
tradição do modelo profissional “prático” para um professor embrutecido.

Assim, é no diálogo que se percebe (pedagoga do Israel) o peso carregado pelo


grupo na hora de proceder alguma mudança. A presença dos alunos NEE gera uma
reorganização dentro do seu cotidiano fazendo, com isso, que sentimentos como
desamparo e insegurança apareçam nas falas de todos lá de dentro.

O pesquisador questionando acerca da insegurança do aluno e da professora:

Professora: É pelo sentimento de incapacidade.

Pesquisador: é incapacidade, ineficiência, insegurança, de “in”!

Professora: e essa situação é às vezes colocada pela própria


família, essa situação de “in”. Lucas veio com essa situação muito
enraizada dentro dele.

Pesquisador diz que isso é construção coletiva maior que a própria família

Professora: se deve dar assessoramento à família?...


119

Anotação no diário de campo: A diferença entre o professor e o especialista: para o


segundo é mais fácil por que vai à escola pensar um caso. Em contrapartida o
professor pensa àquele e mais vinte e cinco alunos juntos...

Também, fica evidente para o pesquisador que, apesar da disponibilidade das duas
(professora e pedagoga do Israel) em constituir um espaço coletivo para o
planejamento, a escola não tem o hábito de sentar para o diálogo reflexivo entre os
profissionais, algo comum nas duas escolas. Diálogo como fenômeno humanizador,
freiriano, que se constitui de ação e reflexão

Professora: é, eu tô pensando aqui, você tá , talvez eu não tenha,...


talvez por ter outros problemas em sala de aula, a gente não fica
focado só em um pb, às vezes está acontecendo tudo muito rápido e
tudo ao mesmo tempo... E é situação dentro de sala de aula. Às
vezes não é só na escola não. Às vezes é de fora da escola mesmo.
Em sala de aula é muita coisa que a gente vivencia. Até porque esse
é um ano “piloto”, tá todo mundo junto... muita coisa veio e aí... talvez
eu tenha pecado em algumas coisas, e a própria escola, no
direcionamento do trabalho às vezes... (enche o peito e desabafa) E
porque eu fiquei sozinha mesmo, eu tive que me virar do jeito que
tava a cada dia...

Neste ponto começa-se a perceber a falta do espaço para refletir coletivamente


sobre os alunos e a forte marca do medo coletivo em integrá-lo à escola. Portanto,
se aqui entre as profissionais (professora e pedagoga) que se respeitam, que tem
momentos juntas de planejamento e são amigas há estranhamento e insegurança
frente à novidade quando se fala no passado, é porque não faz parte do diálogo
diário o movimento de reflexibilidade coletiva.

Pesquisador: o que falta para avançar com o Lucas?

Professora: Eu penso que é todo mundo. Abordar com é essa


questão, como um aluno da escola, não como um aluno só de um
professor, tal. Abordar como aluno que é capaz como uma criança
que tem as suas limitações, mas pode ser avançado se tiver um
olhar e tiver um direcionamento de trabalho que ajude ele a se
libertar dessas inquietações. E eu penso assim.

Para se estabelecer à práxis coletiva é necessário muito mais do que saber ouvir ou
falar em grupo. É necessário que, concomitantemente ao aprendizado do diálogo,
rompa-se com as relações duais (Meirieu, 2002) dentro da instituição escolar, com
120

os embates entre dois lados (grupos, pessoas, ideologias...) impedindo que se


estabeleça a cooperação e a colaboração no processo socializador da escola.

[...] na co-laboração, exigida pela teoria dialógica da ação, os sujeitos


dialógicos se voltam sôbre a realidade mediatizadora que,
problematizada, os desafia. A resposta aos desafios da realidade
problematizada é já a ação dos sujeitos dialógicos sôbre ela, para
transformá-la. (FREIRE, 1978, p. 198).

4.4.2 O segundo movimento: A Ilha “Solidão”

Quando na prática da pesquisa se questionou os profissionais: em que momento


nós nos encontramos na escola para decidir o que fazer em sala com o aluno NEE?
Na produção de conhecimento ficou evidente a impossibilidade de colaboração
nesta empreitada pela absoluta falta do hábito de se estabelecer contato entre os
membros da equipe multi e os da equipe da escola, ainda, também dentro dessas
equipes no cotidiano escolar. Aparece a falta de espaço/tempo para o trabalho
coletivo, apesar de que não se conhecia nenhuma ferramenta de planejamento que
possibilitaria a junção desses profissionais em torno do caso. Que já seria um indício
de colaboração.

Então, a partir dessa evidência, percebe-se o isolamento do professor, da mesma


forma com que os outros profissionais da escola, cada um para dentro da sua ilha
em que a sala de aula se transforma em relação ao continente que é a escola. É um
fato incomodo perceber que com tanta gente indo à escola para ajudar como no
caso de Aracruz, o profissional se sinta tão só ou por vezes relute para apropriar-se
do que recebe dos alunos NEE, resistindo à entrada de novos conhecimentos na
sua prática.

Professora: Desde que o Lucas chegou aqui, quem está envolvida,


como profissional com ele é só eu, sozinha.

Pesquisador: dessa forma (apontando para o relatório) já é uma


forma de troca em que durante um período no ano passado estive
com outras pessoas realizando essa experiência.
121

Professora: Lucas não freqüentou o CREM, só a APAE, e do


período em que ele ficou na APAE, para falar a verdade eu não
recebi nada. Eu não tenho nada do que era trabalhado com ele lá,
nada, nada.

Pesquisador: Cheguei a vê-lo lá.

Professora: Até então, 2004/2005 ele freqüentou, mas foi em 2006


que ele veio para nós lá no antigo prédio. Agora, ele só começou a
ser visto esse ano.

Pesquisador: Não foi no final do ano passado?

Professora: Foi no finalzinho do ano passado.

Lembro de um momento em visita a uma escola onde a monitora (APHI) queria


acompanhar o aluno NEE para casa em agosto do ano anterior. Quando se chegou
à escola a professora dele disse: “graças a Deus vocês chegaram, porque eu ainda
não consegui chegar nesse aluno para trabalhar com ele”.

Aquele momento pareceu dizer que é mais fácil receber pronto do que fazer por si.
Esta perspectiva se traduz na contradição de ter que dar daquilo que não possui; de
ter que produzir um algo sem nenhuma referência, sem “receitas” e nem
conhecimento dos “gostos” de quem vai consumir... Criando, aparentemente, certa
“imobilidade” pelo sentimento de que é muito difícil realizar a tarefa e, talvez,
também de realizar-se na tarefa.

É dever lembrar neste processo de acolhimento que o aluno não pertence ao


professor, nem aos profissionais das equipes multi, muito menos à pedagoga no
momento do planejamento. O aluno deve ser pensado dentro de uma trajetória
escolar para não correr o risco de ele não ser responsabilidade de ninguém, de se
isolar, excluído dentro do ambiente escolar.

Pesquisador: Agora a situação de aluno-escola-aluno? Ele chegou


inaugurando, inaugurou o Lucas junto com a escola.

Professora: na questão da escola só mesmo as pessoas que estão


envolvidas com o Lucas é que têm notado esse crescimento do
Lucas porque para o restante é indiferente, você sabe aqueles
professores que são assim: “eu tomo conta só da minha turma e o
resto que se vire!” Nós temos muito isso aqui. Então são poucas as
vezes que você fala assim (faz um gesto com as duas mãos no ar
juntando toda a escola).
122

A não ser quando ele faz alguma coisa que chama a atenção no
momento compartilhado e aí falam: “Nossa! Ele tá fazendo assim,
entende. Mas é só naquele espanto inicial e depois volta a rotina.
Meu medo no fundamental é esse, porque as crianças correm muito
neste corredor, o professor nem sempre vai estar acompanhando, vai
deixar ele um pouco mais livre, até para ele mesmo crescer em
relação a este ambiente escolar.

Anotação no diário: no ano anterior essa mesma professora (do mesmo modo que
as outras) deixou o aluno NEE por conta de uma professora só.

Se fosse de outra forma, em decorrência do trabalho dos profissionais especialistas


junto às professoras e a equipe pedagógica, o aluno passaria a ser da escola.
Quando elas trabalham em colaboração, se responsabilizam coletivamente pelo
aluno, com todos assumindo o compromisso de ensiná-lo com qualidade social,
crendo na sua educabilidade e no seu futuro o processo de inclusão escolar terá
início.

Parece que a escola ainda não descobriu que apesar de cada professora construir
sua trajetória profissional de forma única tem, quando considerada em conjunto,
histórias muito semelhantes. Então, uma experiência vivida “socialmente” pode ser
vista como possível de ser vivenciada com igual intensidade por outros indivíduos do
grupo.

A educação escolar que se propõe democrática deveria ser aquela em que qualquer
sujeito, respeitada sua cultura, o seu local e momento histórico, teria acesso a todos
os tipos de discurso no coletivo da escola, em um processo de apropriação para si,
como mecanismo de libertação, como FREIRE dizia:

Assim, a vocação do homem é ser sujeito e não abjeto. Pela


ausência de uma análise do meio cultural, corre-se o perigo de
realizar uma educação pré-fabricada, portanto, inoperante, que não
está adaptada ao homem concreto a que se destina.

Por outra parte, não existem senão homens concretos (“não existe
homem no vazio”). Cada homem está situado no espaço e no tempo,
no sentido em que vive numa época precisa, num lugar preciso, num
contexto social e cultural preciso. O homem é um ser de raízes
espaço-temporais. (80, p.34)
123

A educação celular ainda parece ser predominante nas escolas, fazendo com que
alguns relatos fiquem meio sem sentido no meio de uma educação inoperante.
Como o daquela professora que diz necessitar da ajuda de todos, mas tranca-se na
sua sala, tranqüilamente, mantendo-se isolada. A solução é propor alternativas, em
conjunto, para vencer a situação de isolamento: professores reflexivos. Para fugir do
lugar-comum do não encontrar espaço para o diálogo e nem com quem conversar e
aprender: o trabalho colaborativo.

Os conceitos de professor reflexivo e prática reflexiva 43 surgem como uma reação


ao fato de os professores terem sido considerados meros executores de propostas
e ações pensadas e determinadas por estranhos ao cotidiano das salas de aula.
Todo esse movimento acontece para se reconhecer no professor o sujeito de sua
própria profissão e fazer da prática pedagógica algo significativo.

[...] A prática reflexiva consiste no compromisso a favor da reflexão


enquanto prática social [...] Este compromisso tem um importante
valor estratégico para criar as condições que permitam trocas entre
instituição escolar e meio social. (ZEICHNER, 1992, p.49).

Porém, na escola são poucas as oportunidades para os professores aprenderem


com a própria experiência em conjunto com os outros professores em diálogo
reflexivo. Depois que se sabe trabalhar em um determinado contexto, não se
movimenta mais. Ou quando se tem muita experiência acumulada, procura-se a
turma “mais fácil” de se trabalhar.

Professora: não sei não, mas eu acho que aqui foi feito, não sei no
fundamental, mas da El, eu sei que sim. Eu, como sou quase caduca
de pré III, não sei como vai ser o ano que vem. Nem pensei no ano
que vem qual é a turma que eu quero... Tô podendo escolher, em??
(rs).

Pesquisador: o que está falando parece muito comum.

Professora: É não deveria ser.

Pesquisador: É não deveria ser, porque aqueles que, às vezes, sem


experiência nenhuma, quando chegam vão para onde?

Professora: aqui já tem uma professora de 1º ano que disse que


quer o 5º ano.

43
Para este trabalho, a reflexão pedagógica é elemento que une a prática com a teoria.
124

Pesquisador: por que?

Professora: ela disse que é para descansar. E... esse é nosso


problema, se todo mundo sofreu junto, um pouquinho... E o que é
mais triste é você ouvir um professor dizer pro aluno: você o ano que
vem vai estudar com ela, e o aluno chora, é isso que mata! É pior
ainda!

No caso do outro aluno:

Professora: Eu entendia assim, onde a professora falhar, quem é


que tem que dar o suporte?... eu entendo desse jeito e não que a
professora tinha que fazer tudo. Se as coisas andassem mal, se não
fosse do jeito que eu queria, não seria culpa única e exclusiva
daquele professor, né? Eu não me ausentava da minha parcela de
culpa. Então para mim não tem professor bom ou ruim, tem é uma
parceria de família com escola... eu entendo assim! Muitos pais,
infelizmente acreditam que a responsabilidade de ler é única e
exclusiva do professor e tem que sair lendo do pré.

Pedagoga: Que não é a nossa compreensão hoje.

Professora: então é esse ano...

Anotação no diário: A preocupação com o rendimento é contagioso. Propaga-se


pelos corredores... O fantasma da Educação Bancária vive também dentro da EI.

Neste momento, inicia-se uma crítica a outra professora quando se especula qual
turma o aluno ficaria no ano seguinte, pois aquela profissional não teria “paciência
para o maternal nem para a criança com deficiência”. Procuro retornar ao foco,
comentando da aula do curso de estimulação e o material que será utilizado pode
servir de apoio ao grupo.

Professora: Era bom para essa ter uma equipe.

Continuo mostrando o material para elas se motivarem a usá-lo em grupo.

Professora: O Luiz é assim, fala tanta coisa, se não registrar vai...


Esse estudo deveria servir para a formação e feito no início do ano,
você tá recebendo aluno sem antes saber...

Na solidão da ilha existe também necessidade de ter nela todas as condições de


trabalho, para maior conforto no isolamento. Tanto que foi comum a reclamação da
falta de um armário melhor e da distância entre a sala e os materiais:
125

Professora: Antes, quando a educação infantil era separada (antes


de ser CMEB), tínhamos todos os materiais aqui, agora temos que
pedir á coordenação...

Pesquisador: É longe?

Professora: muito longe...

Pedagoga: quando você quiser alguma coisa, você vem aqui pegar...

Pesquisador: O material está até entre a direção e a coordenação?

Professora: Sim! Toda vez que preciso alguma coisa tinha que vir
aqui para pegar, porque nós estávamos acostumados a ter os
nossos papéis para as nossas aulas, as nossas canetinhas, nossas
tesourinhas, nossos gizes-de-cera, tudo isso... Nosso chamex, tudo
isso estávamos acostumados a ter em nossa sala de aula... Lá no
armário era coisa nossa, nossos brinquedos em sala de aula, tudo!
Eu tinha brinquedos excelentes para trabalhar. Pergunta onde estão
esses brinquedos. Não sei onde foi parar... Misturou tudo, tudo,
tudo... Misturaram tudo. Então muita coisa se perdeu...

A escola se transforma em um “estranho” espaço de sociabilidade para os


professores, como se o trabalho feito numa sala fosse posse exclusivo do dono
daquela ilha – sala de aula. Essa estrutura da instituição escolar silencia e os
afastam profissionalmente, bem mais do que promove a fala e a aproximação entre
as pessoas que a habitam.

Dentro do contexto encontrado e pelo processo histórico de constituição da


instituição escolar, não se deve culpar somente os profissionais pela distância entre
eles. Por exemplo, os responsáveis pela criação e planejamento das obras de
construção de escolas de EI não parecem identificar este espaço como próprio para
o uso dos professores e das crianças. Os projetistas e os executores das obras
mostram desconhecer as necessidades, desejos e interesses dos habitantes. Uma
reforma nas plantas escolares deveria ser feita pelas crianças e professores antes
da execução.

O que deveriam todos aprender a fazer é como nos diz FREIRE:

[...] o que temos a fazer é repor o ser humano que atua, que pensa,
que fala, que sonha, que ama, que odeia, que cria e recria, que sabe
e ignora, que se afirma e que se nega, que constrói e destrói, que
tanto o que herda quanto o que adquire, no centro de nossas
preocupações. Restaurar assim a significação de meu ser, enquanto
126

gente e enquanto mistério, não permite, porém, a inteligência de mim


na estreiteza da singularidade de apenas um dos ângulos que só
aparentemente me explica. (FREIRE, 2002, p.15).

4.4.3 O terceiro movimento: Refletir e dialogar

Não tenho caminho novo.


O que tenho de novo é o jeito de caminhar.
(THIAGO DE MELLO)

No decorrer do processo de planejamento, dentro desta trilha que procurava a


colaboração entre os profissionais, sentiu-se que a fala das professoras estava
fluindo cada vez melhor. E, principalmente, é neste momento que aparece nas falas
a necessidade de expandir a reflexão e o diálogo:

Pedagoga – Mas será que não seria bom, por exemplo, no ano que
vem – ele tem que interagir com todo mundo – no ano que vem
deixar uma recomendação, por exemplo, a respeito disso? Porque as
pessoas não sabem como é isso. O Israel andava pra todo lado, e
agora não vou prender ele, e ele vai andar, continuar andando? Ou
ele vai entrar no ritmo, igual todo mundo?

Professora – Eu acho que quando tem a APHI, se ficar uma pessoa


pelo menos um período maior, aí ele enjoou dessa brincadeira, ele
vai brincar lá, mas só que [...]

Pedagoga – Independente de ter uma outra pessoa dentro da sala


ou não, da pessoa tá ali, porque a pessoa às vezes demora pra
chegar, né? Contrato... Eu penso que uma coisa importante era
definir isso. Assim, de tudo o que ele não conseguiu alcançar hoje, a
independência dele, a evolução [...] eu penso que ele não é uma
criança dependente que precisa de um apoio.

Professora – E de repente foi esse resultado, que o Luiz está


fazendo, esse resultado. Seria assim: a equipe, né, que está
tentando, e não só aquele professor que está responsável pra estar
vendo o que é que a gente pode fazer melhor pro Israel. Entendeu?
Além de só o professor da sala, o que a gente pode fazer mais?
Estar envolvendo assim toda a escola, né, já estar fazendo uma
coisa diferente, eu sinto essa necessidade, né? Porque é mais gente
pensando, é mais gente com mais experiência, um tem, uma troca,
outro tem, pra estar fazendo assim: além de ele estar nessa sala, na
sala que ele estiver, ter algum assim, uma coisa diferente pro Israel.

Anotação no diário: esse relato da professora parece ser um sentimento comum


naquele que se dedica à inclusão. O desejo em compartilhar o desenvolvimento dos
trabalhos com os colegas e, recebe, em reconhecimento um sentimento de solidão.
127

A pergunta é: eu não quero ser mais sozinho? Ou será que só agora me percebi
sozinho?

O refletir sobre o seu saber-fazer no momento de planejamento coletivo e na


perspectiva da construção de novos saberes e fazeres oportuniza aos profissionais a
possibilidade de questionar a sua própria formação de professor. Por vezes, até
enquanto pessoa, na forma pela qual construiu a sua identidade.

Por princípio, acredita-se que o poder de crítica que a prática reflexiva no diálogo
propicia é essencial em qualquer tipo de trabalho para a inclusão, mesmo dentro do
olho do furacão que é o cotidiano da escola. Por vezes, é tamanho o desejo de fazer
valer o direito de acesso à classe comum das escolas regulares que se esquece de
refletir devidamente sobre os porquês de a escola, historicamente, não conseguir
incluir todos.

Nos escritos de BAKHTIN aparecem algumas idéias que servem para dar força ao
uso do diálogo como meio para reflexibilidade. Já que ele propõe que a consciência
do sujeito sobre a sua condição social se dá na relação entre os “nós” pelo diálogo,
como foi perseguido nas trilhas deste trabalho.

Sabemos que cada palavra se apresenta como uma arena em


miniatura onde se entrecruzam e lutam os valores sociais de
orientação contraditória. A palavra revela-se, no momento de sua
expressão, como produto da interação viva das forças sociais
(BAKHTIN, 2002 p. 67).

Acontece no momento em que o pesquisador passa a explicar o plano de ação, a


partir do que já havia sido feito no quadro-resumo 44 , sobre o caso do Lucas para:
Ver o que está sendo feito e fazer a crítica do que está no quadro.

Pesquisador: Então você fala algo que você sente, você não pode
afirmar isso num planejamento formal, você não pode dizer que isso
tem que ser feito para ele aprender! Não tem base racional, são
coisas que passam pelo seu coração.

Professora: Estou preocupada com os professores que vão pegar o


Lucas ano que vem. Porque até então, todo mundo olha o Lucas
como: O Lucas é aluno da tia. Mas quem é o Lucas? E aí ficam

44
Parte integrante do roteiro de pesquisa-ação utilizado como ferramenta de planejamento coletivo.
128

falando: o Lucas já consegue isso? Que bom, né? (Ela mesmo


responde) Lógico! Ele é uma criança normal!

Ficamos em silêncio.

Pesquisador: na dúvida se podemos chamá-lo de ‘normal’, se


alguém pode!

Professora: A escola não foi acessível a ele. [...] A minha


preocupação é querer enquadrar o Lucas só na questão da escrita,
leitura e esquecer o resto, ou melhor, ou pior, é esquecer ele. Na
aquisição de leitura e escrita deixar ele assim, ó... por conta. Aí nem
uma coisa, nem outra. (fala com voz triste).

O pesquisador levanta a suspeita de que os serviços de apoio e suporte, bem como


a formação continuada, devem ser pensados para todos os profissionais,
independentemente de terem alunos NEE sobre sua responsabilidade: Há falta de
diálogo? Ou há falta do que falar?

Professora - [...] Tinha dia que eu falava, agora espera um


pouquinho, né, porque eu fazia algumas perguntas, aí ele vinham
com outras, com outras, achando assim, agora ele vai ter que
responder à minha, vai ter que me ouvir [...]

Eticamente, a função socializadora da escola deveria caminhar no sentido do


processo abertura ao outro, provocar diálogo entre os sujeitos que habitam aquele
espaço, na medida em que passam o seu tempo se relacionando, como aluno ou
profissionalmente, dentro dela.

Sendo democrática, a escola deveria favorecer pelo diálogo o desenvolvimento da


consciência crítica do e sobre os sujeitos, sem que eles estejam separados das suas
condições objetivas de vida, dentro e fora dela. Assim, pronta para sempre ouvir as
falas sobre tudo e de todos, a Escola terá a aprendizagem fazendo sentido para os
alunos e para os professores.

Um trabalho de planejamento como este, os seus objetivos não devem ser apenas
para produzir novas consciências sobre aquilo que se faz. É, também, para gerar
conhecimentos novos, sendo eles úteis para a vida profissional desses participantes
da pesquisa, na medida em que promove reflexão qualifica os profissionais para
129

atuação com um novo tipo de aluno, os com NEE, num ambiente bastante
conhecido.

No caso deste trabalho, foi dada a partida na busca de caminhos para um professor
reflexivo, em uma escola aberta para todos, sinta-se confiante, como todos os outros
profissionais, no diálogo, na procura constante de conhecimentos específicos e
recursos educativos que beneficiem a sua prática. Para isso, se aposta na criação
de uma estrutura de Escola desenvolvida no sentido de criar condições para que o
educador tenha uma atitude autônoma frente ao desafio do processo de inclusão.

De acordo com Kemmis (1987), a forma de realizar a investigação


baseada na perspectiva da emancipação não consiste em melhorar o
debate educativo e depois melhorar a educação. Esses aspectos
estão entrelaçados e devem acontecer, concomitantemente, por
meio de ação emancipatória [...] dessa forma, torna-se mais claros os
elos que interligam o pensamento e a atividade dos professores.
(IBIAPINA, 2008, p.11)

Como quando se fala de avaliação e pouco se fala no caso do aluno NEE:

Pedagoga – Agora, da forma que já teve uma evolução do que


vinha... Agora com a forma que ele vem [...] só [...] Já mudou alguma
coisinha, mas nós estamos com uma proposta seguinte: da gente
fazer diferente pra eles [...] Alguns vão querer fazer primeiro, outros
não, mas fazer de outra maneira [...]

Pesquisador – Se é dessa forma, aqueles quadros de sim, não, às


vezes, [...] aquele blá-blá-blá todo, isso você não precisa abandonar,
desde que aquilo não seja o único pra você. Aquilo é pra ver o nível
de desenvolvimento atual do garoto, o que o garoto faz, e o que o
garoto não faz. Igual aquela que a gente fez ontem. A partir daquilo,
encaminhar o que é pra fazer, e narrar o caminho que o sujeito fez.
Mas serve pra quem a avaliação? Pra você!

Pedagoga – Mas é por isso que a gente quer diferente [...]

Pesquisador – Para o acompanhamento do seu relatório...

Professora – Mas como é que isso vai entrar num diário, se ela é
mais pro professor [...]

Pedagoga – Por isso que ela deveria...

Professora – Porque a outra pessoa que vai ler, de repente não vai
ver validade pra ela, ela não tá entendendo o que eu tô querendo,
Agora... né?
130

Anotação no diário: A pedagoga vê a possibilidade, a professora vê a necessidade,


mas não se tem o hábito de fazer ou então não se tem os recursos (espaço, tempo,
instrumental...) para realizar?

Como exemplo da falta de reflexibilidade na ausência do diálogo se tem na fala


preconceituosa que existe comumente neste processo de aceitação do diferente em
sala de aula. Este processo se forma pela construção sócio-histórica dos sujeitos e
ganha significados novos dependendo do como ele vai se legitimando através do
não reconhecimento do outro em seus valores, justificando a sua exclusão. Tanto na
escola como também fora dela.

Um grupo exclui o outro das chances do poder. Essa exclusão pode variar em modo
ou grau, mas, estigmatizando o outro com menor valor. O processo de
estigmatização se dá pelo reconhecimento do pertencimento do outro a um grupo de
valor inferior. A consciência devida do preconceito nasce na reflexão coletiva e só
possível num diálogo (BAKTHIN, 2007)

Professora: ele é um menino que quanto a conteúdo de escola


agente só vai saber se ele vai dar resposta quando ele começar a
aprender a ler e escrever. Porque ele escrevendo, ele já está
escrevendo de quadro, na folhinha, o que a gente põe no quadro,
letrinha, palavra, e vai instigando de nossa construção da palavra. E
ele é assim: ele olha, viu, eu digo assim: Lucas, você aqui vai colocar
a letra tal. Ele coloca a letra. E é interessante que ele conhece as
letras.

Pesquisador: Em relação ao relacionamento afetivo?

Professora: Ele é bom de toque, ele gosta muito de estar na cabeça.


E tem também aquilo assim: “eu vou casar com fulano, eu vou casar
com menino”. Eu falo não, seu pai casou com uma mulher, não foi
com menino que seu pai casou, você vai ter que casar com mulher!
(ela ri, sem graça) Olha só... vai ter!

Pesquisador: por que ele fala isso?


(pausa)

Professora: Mas depois ele falou: é, eu vou casar com Raiane. Eu


digo: nossa logo quem você escolheu (ri com graça). Mas é menina.
E não sei se é assim já preferência... cria uma imagem negativa.

Para pensar e falar sobre o aluno, mas com o aluno:

Pesquisador – Voltando ao relatório, vamos falar dos resultados?


131

Professora - ele teve um bom desenvolvimento, porque tem muita


coisa que a gente consegue entender com a fala, principalmente
depois do fono: a permanência na fila [...] da merenda, ele sabe que
ele tem que ficar na fila e esperar, não é muito tempo, não, de
permanência, mas ele entra, aguarda uns quatro ou cinco na frente
dele, né? Ele já sabe aguardar a vez dele na hora da merenda,
porque geralmente ele ia na frente, né? [...] Era um custo, ele
chorava. Agora, não, ele já fica. A fala, né? Muitos gestos, né, que
ele tem ainda, mas descer degrau já consegue, subir e descer do
escorregador, sozinho...

Pesquisador - [...] Até que você falou isso, eu ia até te perguntar:


como é que a gente tem que duvidar sempre das crianças? [...] não
achar com tanta facilidade [...] isso acontece sempre [...] ah, ele deve
estar com isso, ele deve estar com aquilo [...] porque tem uma coisa
nele que a gente não tem muito pra saber. Como é que é ele? Ele
tem dor de barriga?

Professora – Ontem a gente estava até conversando sobre isso,


porque ele chegou [...]

Anotação no diário: Os diálogos sobre os alunos NEE mostram que a escola e os


seus profissionais estão aos poucos realizando uma transformação no seu modelo
educacional. A presença dos alunos NEE gera uma reorganização dentro do seu
cotidiano fazendo com isso que aqueles sentimentos como desamparo e
insegurança apareçam nas falas de todos lá de dentro.

Por isso, um dos motivos para o trabalho de planejamento nesta perspectiva de


colaboração é documentar o que ocorre neste processo de transformação do
cotidiano escolar, na relação entre a sociedade e a escola e, dentro delas, com os
seus profissionais para exercer sua autonomia crítica na organização escolar.
Servindo de subsídio para eles em pesquisas próprias as quais se deterão sobre
essas questões.

Então, a organização se desenvolve, evolui para responder as


necessidades e oportunidades mutáveis. Para isso, requer de seus
membros, naturalmente, uma atitude de disposição à cooperação
(em vez de puramente individualista ou ritual), proativa (em vez de
estática ou reativa) e de compromisso com seus fins (não de apego
às suas posições ou às suas rotinas). (ENGUITA, 2004, p.104)

No momento de planejamento na escola do aluno Israel, a pedagoga chega e


falamos sobre a distância entre o realizado e o documento para a SEMED...
132

Pesquisador – hum hum, pra ocupar um espaço só, né?

Professora: Na verdade ele tem é dificuldade de pegar na tesoura e


nós, medo, porque tudo que ele pegava colocava na boca, então
tínhamos um pouco de receio. No início eu nem trabalho com as
crianças com receio de Israel colocar na boca, me senti insegura.
Mas ele sente muita dificuldade, ele não consegue, já coloquei para
ele usar, mas de repente eu tivesse dado mais oportunidade, talvez...
com isso ficou um pouco limitado.

Pesquisador: uma forma de estimular é não entender a criança e


deixar que a criança se faça entender, no sentido de que ela tem que
procurar [...].

Professora: A preocupação da gente acaba não deixando ele fazer,


né? [...] a gente tem medo do que pode vir a acontecer, você acaba
podando a criança, pondo numa caixa [...] então às vezes tem umas
coisas assim que a família não entende, as professoras falam. [...]
Elas diziam que não entendiam uma criança estudando aqui desse
jeito?!

Pesquisador: E o desse jeito é a deficiência do aluno.

O sentimento de acolhimento que o professora expressa parece estar ligado,


historicamente, à consolidação da tradição judaico-cristã e pelo movimento de
reforma protestante que serviu, e ainda serve por ser dominante, como uma fonte
poderosa de inspiração para a prática da compaixão, para o desenvolvimento da
empatia ao sofrimento alheio, fixando o foco da relação entre ela e o aluno no
cuidado pelo amor, assim como um pano de fundo do próprio preconceito.

Em decorrência dessa nova forma de ver a criança, a sociedade foi se organizando


em instituições para proteger e preparar os futuros adultos, assim, investindo mais
fortemente na família e na escola como responsáveis por essa formação, na
esperança de se ter no futuro um cidadão. Apesar do curto tempo, um pouco mais
de três séculos, o caminho percorrido era longo, sendo que algumas promessas,
desde aqueles dias, não foram concretizadas e que hoje deveriam parecer
ultrapassadas, com os preconceitos vencidos.

Existe nesse relato também um movimento aprendido na formação inicial do


professor, aparentemente bem comum, de pensar a reflexão como teorização e a
ação pedagógica como uma prática técnica, e as duas dissociadas entre si.
Persistindo, assim, durante o processo de trabalho um cenário de contradições não
percebidas enquanto se discute o aluno, sendo NEE ou não.
133

Falar de infância, portanto, não é algo simples como pode parecer.


Ao contrário, é bastante complexo, marcado por paradoxos: infância
como objeto de paparicação, mas também de moralização, controle e
dominação por parte dos adultos; lugar idílico e ao mesmo tempo
agonizante, de prazer absoluto e sofrimento, de esperança e medo,
de redoma e barbárie, de vida e morte. (BORBA, 2008, p.74)

Em outro momento, antes de continuar a anotação sobre as práticas realizadas


agora com o aluno Lucas, a pedagoga emenda com o caso de outro aluno que vai
chegar que, apesar de ter 2 anos e 6 meses, está com atraso considerável e por isso
ela acha que deve matriculá-lo no berçário.

Professora contrapõe: Negativo, olha o ganho que Lucas teve!

A pedagoga ainda se posiciona pela falta, a ausência é mais significativa, portanto


deve-se colocá-lo na turma anterior. A professora interrompe dizendo que não se
deve colocar o aluno de cá para lá o tempo todo, mantê-lo próximo à turma que seria
a dele de verdade.

Anotação no diário: Será que o diálogo sobre a sua vivência com aluno NEE já não
proporcionou as essas professoras um saber diferenciado?

Professora: É muita pressão cedo nas crianças.

Pesquisador: É como se você dissesse que tipo de conteúdo que


ele “pode” ou “deve”. Você está dizendo isso: o que preciso saber
para trabalhar com ele. Alguém disse isso para você quando
começou?

Professora: Não...

Pesquisador: Mas quando alguém pode te dar algumas indicações,


isso também eu posso depois rasgar ou dizer não posso começar
logo aqui! Ou pior, isso aqui pode ficar complicado, porque às vezes
você dá a lista e a pessoa fica só nisso e não vai avançar.

Professora: professor sabe como o outro vai ser. Não muda não.
(rs)

São essas opções conceituais que regem o trabalho do professor, mesmo que por
vezes não se tenha a consciência desses critérios que balizam o que é certo e
errado para a sua ação docente. Os professores numa prática irrefletida e solitária
não percebem o alcance daquilo que estão fazendo, mesmo naquelas escolas que
134

supõe ter parâmetros relativos a um padrão de qualidade usado para se atingir o


atendimento às diferenças na EI.

Para se iniciar o trabalho pedagógico que caminha nesta perspectiva da inclusão na


EI devem buscar nos profissionais um conceito coletivo para definir o que seria um
padrão de qualidade e, desta maneira, cumprir sua função social de ensinar. O
diferencial desta qualidade seria a adequação aos interesses dos alunos com eles
participando, assim, buscando nas ações coletivas a transformação da realidade e,
principalmente, fornecendo aprendizagens significativas para o conjunto das
pessoas envolvidas.

Construir uma educação a partir da infância, a partir da criança e


com a criança muda o foco de análise para uma educação que se
deseja inclusiva. Além de pensarmos que esta criança deva ser
incluída fisicamente na escola no sentido de seu acesso e
permanência, a legitimidade desta inclusão se dá, sobretudo, no
reconhecimento da criança como sujeito de direitos e não a partir dos
estigmas de suas carências, falta ou incompletude. (ARAÚJO, 2005,
p.73)

A partir dessas colocações, pode-se dizer que o primeiro trabalho pedagógico para a
escola com esse aluno NEE é torná-lo bem conhecido através de estratégias que o
façam ser reconhecido como membro da turma, tornando-o familiar; um habitante
daquela sala de aula, não mais um estrangeiro. Ensinando que qualquer sujeito
deve ser compreendido como um cidadão de direito, mesmo com tão pouca idade,
incluindo aí o de aprender quando vai para a escola.

Pedagoga – Mas aqui já mudou muita coisa. Assim... Já mudou


muita coisa, assim, o que eu penso. Assim... aqui, eu tô falando aqui,
porque eu conheço aqui [...] mas eu penso no que era a educação
infantil antigamente, na minha visão, porque antes, assim tinta e
papel... [...] a gente sabe que tem um monte de criança que fica
estimulada, e já acontece o estímulo, o respeito, a vez dele, as
diferenças, né? Isso tudo, gente, eu penso assim que é uma... o
ouvir...

Pesquisador – Isso eu acho que você tem. Não sei, mas você tem
todo o relato do que foi planejado pra ele com relação ao tema e ao
espaço de trabalho com ele, com o Israel?

Professora – Eu acho assim: como trabalhar um jeito diferente pra


ele estar, como é que se fala, desenvolvendo assim, se ajudando
mais, desenvolvendo, eu não sei por que [...]

Pesquisador – Os termos?
135

Professora – [...] a oralidade, tipo assim. Ele não fala, mas ele
entende muito bem o que a gente fala e guarda muito bem tudo o
que ele vivencia, tudo o que...

Pesquisador – Como qualquer pessoa normal.

Professora – É, isso!

Pedagoga – Hum, hum..

Professora – Tem outra criança que é normal e que não guarda


como ele guarda. Você vê assim? Que está ali, que não... né? Que
não liga, e tem aqueles que estão brincando e conseguem ver outra
coisa, e ele é assim, ele sempre está atento.

Pedagoga – É. [...] A Sandra falou alguma coisa dos meninos, aí ele


olhou pra ela e fez assim. [...] o chega pra lá que ele dá na gente [...]
quando a gente faz [...] ele não gosta [...] tem perguntar a ele alguma
coisa [...] tem que te dar a resposta [...]

Professora – Não, ele dá as costas. Ele não responde. É tipo assim,


eles estão me testando, né, pra ver se eu [...] se ele é bobo [...]

Pedagoga – Risos

Por estar ele no campo da crítica ao cotidiano, o processo de diálogo vai deixando
de ser do já-dado para aos poucos nos tornarmos ignorantes (RANCIÉRE, 2005)
dentro de uma conversa onde persisti o estranhamento. Colaborativa e aberta como
deve ser a metodologia neste tipo de estudo, procurou-se a compreensão das
respostas dos profissionais participantes que dialogaram dentro e com este tipo de
planejamento. [...] Vemos, então, que não existe educação crítica que não se articule
a uma crítica da educação, uma crítica instituída no próprio funcionamento do lugar
onde ela se exerce. (MEIRIEU, 2002, p. 189).

Pesquisador – O caso... Do Israel...

Professora – Falando em dificuldade, eu tenho muita dificuldade pra


escrever. Se for para falar eu falo [...]

Pesquisador – Que é engraçado, né?

Pedagoga – [...] A gente consegue fazer bons serviços aqui, né?


Mas, por que? Porque um tem o dom de falar, fala muito bem, e o
outro escreve. Eu sou mais de escrita [...]

Professora – Pra gente falta muita leitura...


136

Anotação no diário: O aluno NEE é um grande dinamizador de aprendizagem para o


professor. Pena o que ele aprende com aluno não dá tempo de utilizar com o
próprio, já que o ano terminou e não permanece ou não volta com o mesmo.
Percebe-se como o conhecimento de uma determinada situação também é
significativo em outros contextos. Será que ela fica mais inteligente quando mais
experiências difíceis vivencia?
O que foi feito foi uma avaliação que suscitou problema. O que é ético fazer de
agora para o fim?

4.4.4 O quarto movimento: Do Exercício da fala reflexiva

É, assim, pelo autoconhecimento e sensibilização das professoras em um espaço


colaborativo, no momento do planejamento estariam elas mais desenvoltas e
seguras para refletir coletivamente sobre o que falta em nós para ser inventado. Isto
a fim de que o processo de inclusão dos seus alunos NEE se estabelecesse.

Aqui chegamos ao ponto de que talvez devêssemos ter partido. O do


inacabamento do ser humano. Na verdade, o inacabamento do ser
ou sua inconclusão é próprio da experiência vital. Onde há vida, há
inacabamento. Mas só entre mulheres e homens o inacabamento se
tornou consciente. (FREIRE, 2000a, p. 55)

Mas quais são as transformações percebidas nas e pelas professoras ao final desse
período em que estivemos todos juntos, em planejamento coletivo, num processo de
aprendizagem mútua? O pesquisador pergunta sobre o aluno: qual foi o resultado
que vocês vêem ao final do ano do trabalho com Lucas? (Item 3.3 do relatório de
pesquisa-ação)
Pesquisador lê: Aos poucos foi evidenciando respostas próprias nas
atividades propostas pelo professor; seu equilíbrio melhorou, sua
sociabilidade e a comunicação ampliam-se, principalmente no que
diz respeito às outras crianças da turma, as expressões do seu
desejo, resposta aos limites e regras pré-estabelecidas; e com outros
profissionais da escola. Apresenta boa qualidade nas respostas
motoras apesar da limitação dos movimentos no seu lado esquerdo.
É importante salientar que a criança necessita de acompanhamento
neurológico e fisioterapêutico, como também do assessoramento da
equipe multidisciplinar pertencente à escola. Os pais são necessários
para interagir junto ao professor, a fim de facilitar a sua
aprendizagem, na formulação de questões estratégicas de ensino na
137

promoção do aluno. Essa foi a nossa resposta da questão 3.3.


Fechando essa parte...

Professora: A maioria dessas coisas estão superadas, exceto que


ele não teve acompanhamento neurológico e pouco em relação à
equipe multi.

Pesquisador: E o que me coloca em relação ao desenvolvimento


dele?

Professora: Eu penso que normal Lucas conseguiu se desenvolver


normalmente como as outras crianças... Alcançou mesmo... Porque
olha só: ele sabe as letras do alfabeto, ele sabe cores, ele está com
aquela dificuldade porque eu não trabalhei muito ele estar fazendo
escrita do quadro... não se trabalha isso...

Pesquisador: O que, em sua opinião pode deixar para o ano que


vem para realizar um projeto com ele?

Professora: que nós jamais vamos desistir do Lucas. Se tiver algum


problema, buscar a causa, buscar saber o que acontece, porque ele
é um menino que tem uma potencialidade muito grande... Porque
penso que a hidrocefalia não é aquela severa... que tirou dele aquela
maneira de ser normal... Quando a gente é normal, a gente sofre um
acidente e manca e não faz diferença.

Pesquisador: Como você olhar para ele?

Professora: eu olho para ele, enxergo como uma criança normal.

Pesquisador: exatamente, quando as pessoas olham ficam


estranhando com o olhar?

Professora: Falo, não olhem para o Lucas como se fosse um


coitadinho e se tá muito bom se ele aprender, ficar satisfeita se ele
não conseguia alcançar 50% do que precisa acontecer de
aprendizagem para ele no 1º ano. Não vou concordar! Por que é um
menino que tem condições de aprender sim! Eu não vou ficar
satisfeita se o professor disser assim: é porque ele tem problema,
não vou ligar muito, eu vou deixar de escanteio. Até porque ele não
vai conseguir mesmo. Essa fala eu não vou concordar, é uma fala
que eu vou estar questionando...

Anotação no diário: Como seria bom para a escola essa professora passar a sua
experiência por meio de uma formação continuada dentro da escola, mas de
maneira coletiva. Assim, dividindo com os outros esse saber e conseqüente
responsabilidade, sem culpa.

O Ideal para a escola é valorizar o profissional por meio de sua qualificação,


respeitando a experiência acumulada na sala de aula e objetivando a geração de
138

novos conhecimentos advindos da reflexão desta prática, mas necessita de espaço-


tempo adicional dentro do seu período de trabalho. Sem essa condição esse
processo de formação continuada cai para o pragmatismo do “só quero saber do
que pode dar certo”. Sem a possibilidade de reflexão, pelo menos naquela sala de
aula, nada se muda, o mesmo permanece.

Pesquisador: O único pecado, o que realmente é pecado é o não


fazer... Esse que o ano passado a gente encontrou...

Professora: Eu já falei meu medo no ano que vem com Lucas lá no


fundamental... A mãe me perguntou assim: já sabe quem é o
professor? Eu disse, não. Não sei quem é o professor (rs) Não
sabemos de nada no ano que vem... nada, nada... A minha grande
preocupação é que Lucas vai estar lá só ocupando um espaço...
Será que esse menino vai ser trabalhado, será que esse professor
que pegar essa criatura vai estar disposto a fazer um trabalho com
ele... Vai crer em que? Ela daria a vez? Ou pior! Vê-lo como uma
pessoa sem capacidade de se desenvolver com os outros... Minha
preocupação maior é essa! Será que, se vier um professor do apoio
para essa criança, ela vai largar tudo para esse professor de apoio...
Ainda tem isso...

Pesquisador: algumas escolas de EF estão fazendo avaliação...

Professora: Falo sobre como a escola pouco vê os seus talentos,


tanto quanto relega as necessidades dos alunos por querer um
rendimento igual para todos. Eu estou preocupada, sim, porque tem
professores que não têm condições de estar num primeiro ano e
insistem em deixar lá. Podia fazer experiência de poder colocar em
outras turmas, para poder ver como se sai em outras turmas.
Justifico dizendo que o que se diz quando questionamos isso é que
quem escolhe o 1º ano são os efetivos com mais tempo e depois o
que sobra vai para quem vem depois. E esses, que vão chegando...
Aqui até foi diferente.

Qualquer instituição de ensino quer que todos os alunos aprendam, mas para
criação de um contexto de eqüidade de direitos e de oportunidades que valorize a
diversidade humana, será preciso alterar algumas crenças e impedimentos/avanços
em relação aos saberes da prática dos profissionais.

[...] os professores de profissão possuem saberes específicos que


são mobilizados, utilizados e produzidos por eles no âmbito de suas
tarefas cotidianas. Noutras palavras, o que se propõe é considerar os
professores como sujeitos que possuem, utilizam e produzem
saberes específicos ao seu ofício, ao seu trabalho. (TARDIF, 2002,
p.228).

Professora – É, eu vejo até assim, entendeu? Mas depois dá aquela


coisa assim: será que é isso mesmo? Que eu vejo [...] as pessoas
139

assim, que tão bem por dentro, falam assim, ó: é o tempo que ele tá
precisando... ele tá no tempo dele... ninguém é igual a ninguém. E
pras crianças de sala também, cada um tem seu jeito, cada um tem...
né? Aí é igual quando questionam a atividade do outro, né, e tudo,
uma pintura... e falam: cada um faz do seu jeito, cada um tem o seu
jeito de ser. Tem uma aluna assim que usou essa sala, né, no ano
passado e hoje em dia ela fica... é a última a entregar uma atividade,
caprichando, e ela não queria fazer porque ela não sabia, não sabia.
Depois, com o tempo alguém falou alguma coisa do outro e ela falou
assim: não é tia, que cada um tem o seu jeito de ser e cada um faz
do jeito que quer?

Pesquisador - [...] do jeito que pode, né, cada um é do jeito que


pode.

Professora – É... isso! Cada um faz do seu jeito? Eu falei: é, cada


um tem o seu jeito, ninguém é igual a ninguém. O que eu achei
bacana foi ela defender, aquilo realmente ela faz até hoje isso
assim...

O que ficou consolidado nos participantes é que o processo de inclusão dos alunos
com deficiência representa, hoje, uma possibilidade de reinvenção da escola, uma
renovação e uma valorização da profissão docente. Ele não é só mais uma nova
onda que atingiu a escola, modificou o cenário fazendo com que ela seja hoje como
nunca foi antes, necessitando, pois, de professores emancipados (RANCIÉRE,
2005) e prontos para refletir sobre conhecimentos novos, gerados em outros campos
e áreas de conhecimento.

Para a perspectiva de inclusão escolar deste trabalho, a linha confiada de formação


de professores é aquela que pressupõe uma idéia de um processo contínuo e, em
decorrência disto, marcado por rupturas, desvios e contradições. A formação deve
ser vista como processo evolutivo cultural (como qualquer outro dentro da nossa
espécie) que não pára. Que o momento histórico atual representa mais uma etapa,
uma passagem, na transição.

Somado a tudo que já foi dito, percebeu-se que no trabalho do professor, para que o
processo de inclusão se efetive, algumas condições concretas são necessárias,
faltam alguns recursos que hoje ainda não existem como próprios da escola e alguns
profissionais que ainda não são da educação escolar devem dar apoio e suporte aos
professores e gestores, além da consolidação de um ambiente colaborativo
140

(CAPELLINI, 2004). Tudo isso vai ter que ser incorporado ao cotidiano para que a
Escola tenha qualidade e caminhe na perspectiva inclusiva.

Professora – [...] Eu fico preocupada com quem que vai pegar, mas
confio em Israel. Deus sempre mostra um caminho, Deus te ilumina.
Você não precisa ficar preocupada qual é o aluno. Eu nunca quis
olhar isso [...] Ah, deixa eu olhar se fulaninho está aqui... Se ele for
meu, eu vou enfrentar aquilo que eu tenho que enfrentar, né. E
graças a Deus, nunca, assim, entendeu?... Israel acho que foi o
desafio maior [...] sem saber o que fazer, né? [...].

Pesquisador – O que é? São só duas coisas: - é o que foi


aprendido, é o que você aprendeu, tudo que você aprendeu , como
se você escrevesse uma carta [...] Você quer deixar pra mim?

Professora - É, pode ser, se ele for meu no ano que vem, eu quero
novos caminhos, assim, outras coisas, entendeu? [...] novas coisas
pra eu trabalhar com ele, porque eu acho assim, que no fim desse
ano, tinha que ter mais, não é?

Desta forma, abrir discussão para os limites da escola enquanto instituição


formadora de professores.
Professora– Acho que é tudo o que eu te falei, eu acho que a gente
pode trabalhar com o Israel e tentar colocar um pouco assim de limite
na sala, tentar trabalhar mais esse negócio de guardar o brinquedo,
que eu não consegui...

Pesquisador – E como que se faz isso com ele?

Professora – Olha, acho que... um pouco... eu não sei ainda,


entendeu? Algumas tentativas, mas eu ainda não consegui, né...
trabalhando com o grupo, entendeu? eu sei que isso aí ajuda muito,
né, que o outro vai fazer e ele também, né?... Mas ainda não sei...
Igual outro dia eu falei que eu acho que a próxima pessoa que
pegar... Pra não ficar muito sozinho, ele, entendeu? Sentar, poder
ficar um grupo onde tivesse um estudo, tá? Pensando como que a
gente pode fazer melhor pro Israel, né, em grupo, decidindo assim,
né, várias opiniões, experiências, porque cada um pensa de um jeito,
né?...

E continua um pouco mais à frente, mas dentro do mesmo tema:

Professora – É, eu, assim, senti muito, entendeu? Até, eu senti que


alguém falou assim: ah, eu não quero pegar... Não é assim pegar.
Todo mundo tem que trabalhar junto, né? Sentar, fazer um estudo,
vamos ver, né? Que é que você acha, que é que a gente pode fazer?
[...] E ajudar! Né? A equipe! A escola toda! [...] do que ficar só é
aluno de fulano amanhã é que vai, porque às vezes a pessoa fica um
pouco perdida, insegura, né?
141

Ao final dos encontros foi pedido para as professoras participantes relatarem como
foi o processo a partir da questão avaliativa contida no roteiro de pesquisa-ação:
O que descobri que precisa saber?

Caso 1 – Lucas

No início do ano letivo, demonstrou um certo desconforto por não ter


afinidade como a professora e alguns colegas. Aos poucos ele
adapta-se à rotina da sala e mostra-se uma criança esperta que
gosta de bater na mesa, cantar, brincar e conversar como os
colegas. Sua pintura não respeita limites e apresenta-se na
rabiscação. Lucas consegue ir ao banheiro sozinho, beber água e
merendar. Precisa de atividades que envolvam estimulação.

No 2° bimestre, Lucas já está mais desinibido. Gosta de conversar


com a professora e demonstra carinho para com a mesma. Respeita
as regras de permanecer em sala quando preciso e o uso das
demais dependências da escola. Gosta de relatar fatos ocorridos no
seu cotidiano. Os desenhos começam a ter forma, demonstrando a
fase de superação da rabiscação. Precisa nas atividades extraclasse
ser trabalhado na sua autonomia e confiança. Em atividades que
precisam ser utilizadas as mãos, o mesmo utiliza a mão direita,
dificultando movimentos que envolvam dobrar, amassar, subir,
agarrar...

3° bimestre
Aprecia leitura através de imagens e ilustrações. Gosta de recitar
poesias. Gosta de desenhar com canetinha e o seu desenho já
começa a se fazer “entendível”. Já reconhece várias letras do
alfabeto. Escreve seu nome com a professor ditando as letras para o
mesmo fazer. Consegue pular com os dois pés. Usa ambas as mãos
para bater palmas, segurar a folha de papel para pintar e desenhar,
segura potes de materiais.

4° Bimestre
Dos movimentos que consegue realizar, Lucas os utiliza como
linguagem expressiva. Participa de algumas brincadeiras. Utiliza a
música como meio de comunicação. Utiliza-se da voz, corpo e
objetos sonoros para produzir sons. Utiliza o desenho para
representar situações. Realiza atividades de escrita com orientações
do professor.

Apesar da apresentação feita de forma descritiva pouco demonstra a verdadeira


história da criança e da professora juntos durante o ano (Amorim, 2005), mas salta
aos olhos o fato de que depois que começamos a nos reunir no 2° semestre a
professora (provocada) muda a visão sobre o aluno, passando ele de alguém com
barreiras no seu desenvolvimento para um aluno cheio de possibilidades.
142

No que se refere ao preenchimento do relatório da pesquisa, essa forma de


apresentação é insatisfatória, mas procurou-se corrigir durante a gravação da
conversa com a professora onde ela entendendo melhor e fugindo do lugar comum
da ficha descritiva diz mais sobre a trajetória do aluno enquanto processo.

Caso 2 – Israel

No início me senti um tanto assustada, porém no decorrer do


processo de ensino-aprendizagem fui adquirindo habilidades e
confiança que me fez sentir mais segura no trabalho desenvolvido
com o aluno. Portanto posso assegurar que tanto meu aprendizado
quanto o aprendizado do aluno possibilitou amplo espaço de trocas
de conhecimento.

Se continuarmos juntos no próximo ano letivo pretendo trabalhar


junto com a equipe, dando continuidade ao processo, alcançando
assim novos avanços com o aluno.

Na colocação da professora, ao final do preenchimento do relatório, se percebe


alguns pontos decorrentes da trajetória difícil, porém transformadora. Se ao iniciar o
processo de maneira solitária (não relatado por ela, mas sabido por mim) ela tem um
forte sentimento de insegurança, quando começa a ser apoiada deslancha e, pela
reflexão vai descobrindo em si habilidades e conhecimentos para o trabalho com o
aluno e com ela mesma, já que essa professora se auto-referia como alguém que
não sabe escrever.

No caso desta professora o diálogo parece ter desempenhado a sua função


emancipatória. Tanto que ao final ela se coloca com mais segurança no
entendimento sobre o aluno NEE e no seu relato aparentemente passa a valorizar o
coletivo pela redundância da palavra “junto”.
143

5 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS CAMINHOS PARA CONSTRUÇÃO DE OUTRAS


PRÁTICAS INCLUSIVAS

Minha última anotação no diário:

Esse momento do planejamento é uma grande oportunidade para a


formação dos especialistas também. Pena, por infelicidade, não há
nenhum dos agentes das equipes multi acompanhando de perto este
trabalho. Deveriam estar continuamente aprendendo com os
professores.

Em progresso: a inauguração do Israel como aluno; a conquista dele


na turma e da turma com ele; mais cuidado no início; maturidade da
turma; carinhoso. É feliz por ter dado certo na aceitação. O que é
avançar com Israel? Paixão pelo saber da sua professora.

O vazio (falta saber): dúvida no nível de compreensão (organização,


permanência e concentração). O institucional do psicólogo e da fono,
a escola é boa para todos? Por que há distância entre os
profissionais dentro da escola se ela é tão pequena? Falta o coletivo
na escola? Faltam momentos para relatar os questionamentos?

Esta última anotação, feita na agenda do pesquisador que servia como diário de
campo mostra como em um pequeno percurso de quase cinco meses
(agosto/dezembro) o quão ele foi intensamente rico de possibilidades de estudo. A
partir da primeira linha já surge outro ponto para pesquisa: por que não havia
nenhum dos profissionais prontos para ficar e ouvir o chão da escola? E, depois, a
cada linha escrita via-se outros pontos para se questionar ou refletir acerca do que o
processo de inclusão dos alunos NEE provoca na Escola.

Sabe-se agora, a partir da vivência do diálogo entre nós os profissionais, que


necessitamos na escola romper com o modo de pensar dominante, aquele que nos
povoa e chamamos de “bom-senso”, para, se possível, criar um ambiente
colaborativo onde se estabeleça uma relação dialética entre os professores que
queremos fazer reflexivos e pesquisadores da sua própria prática. A escola
144

precisaria romper com a verdade que mascara para encontrar na compreensão


sobre a realidade concreta e pensada, uma prática continuadamente renovada.

Desde o seu passado, a escola tem sido pautada para atender a um aluno
idealizado e de um projeto educacional elitista, meritocrático, homogeneizador, num
sentido conservador-reacionário, assim não se ensina a professora a fazer inclusão.
Por essa razão a escola tem produzido situações de exclusão que têm,
injustamente, prejudicado a trajetória educacional de muitos estudantes,
independentemente de ser deficiente ou não.

Difícil processo este de inclusão escolar dos alunos com deficiência, pois pressupõe
a geração de uma desigualdade entre os sujeitos. A dificuldade na realização de um
projeto de escola inclusiva está na aparente injustiça do caminho, na maioria os
profissionais não entendem a desigualdade de oportunidades preexistentes naquele
sistema competitivo. Não percebem que a injustiça realmente estaria em tratar os
sujeitos desiguais desde o berço como iguais só porque eles estão na mesma sala
de aula. (DUBET, 2001)

A escola para ser justa começa na universalização do acesso, este entendido como
“todos” na escola, sem exceções, passa para a questão de se ter uma escola
acessível também para todos, e por último, a escola ensinar com qualidade social. E
é aí que começam as dificuldades em se instituí-la. DUBET (2003) nos apresenta a
idéia de que as desigualdades sociais pesam muito nas desigualdades escolares (p.
542). Mas, apesar de impertinentes pela constância em que se mantêm na pauta,
essas questões são agudas o suficiente para evidenciar uma grande barreira
construída durante o caminho histórico feito pela escola nos últimos dois séculos e
que aparece fortemente durante todo o percurso do trabalho.

A igualdade como valor se mantém forte porque, mesmo depois de mais de 200
anos, vê-se mais claramente essa situação quando os profissionais de apoio ou
suporte à inclusão vão às escolas pedir um tratamento desigual aos alunos
diferentes, que se dêem oportunidades diferentes aos desiguais, a resistência
aparece. Sendo ainda quase um crime pensar em dar aos sujeitos inseridos
diferentes oportunidades para aprender.
145

Ainda neste mesmo texto, DUBET (2003) mostra que, apesar de tudo que já foi
debatido dentro dos momentos de planejamento entre os profissionais, o modelo
baseado no mérito não deve ser abandonado, pois é o único capaz de construir
“desigualdades justas”. Só que no caso da escola brasileira (pelos dados do MEC,
2006) nem a igualdade de acesso para os alunos NEE está garantida.

Vê-se que o caminho, a partir do apontado por DUBET, passa pela redução das
desigualdades sociais de fora da escola. E que é preciso procurar outros princípios
de justiça para reformar esse modelo (2003, p. 545) 45 . Uma justiça distributiva deve-
se cuidar de alguns pontos para criar condições à mudança: a garantia de
competências mínimas; uma escola eficaz, as esferas da justiça e como tratar os
vencidos.

Essa aferição de valor (FREIRE, 1978) pela meritocracia escolar (DUBET, 2001 e
2004) vitimiza os alunos “menos eficientes”, no caso do aluno que visivelmente não
vai participar desse modelo educativo em que o professor tem fé – como no caso do
aluno com deficiência – chega a ser perverso e o torna desprezado. Faz do aluno
aquele digno de pena, ou ainda, merecedor apenas do “amor” do seu professor, na
especificidade da EI: o cuidar-educar, ele só mereceria o cuidado.

Por isso, a partir do apontado neste trabalho, é necessário fugir da “ilha solidão” em
que todas as professoras daquelas instituições se aprisionaram. É preciso que
todos, neste novo contexto, saíam do espaço restrito das salas de aula, das
instituições especiais, das associações familiares filantrópicas, e ganhem proporções
comunitárias de um espaço de sociabilização. Depois desse despertar das pessoas
de dentro da escola, incorporando progressivamente toda a comunidade escolar,
engajada no processo de inclusão é que a diversidade/diferença começará a habitar
o espaço da instituição escolar.

Porém, como na França de Dubet, aqui no Brasil essas idéias encontram


resistências daqueles que têm vantagens no modelo meritocrático que parte de uma
sociedade de iguais. Como lá, aqui os dispositivos compensatórios são limitados à
45
Estudos dirigidos, estabilidade e qualidade das equipes educacionais... (p. 545).
146

própria escola e que os principais interessados parecem não ser politicamente tão
bem articulados para esses ideais avançarem.

Outro ponto emergente, a partir do diálogo nesta pesquisa foi que construção de
uma escola eficaz faz parte da construção da escola justa. Aparece também no que
se apreende do texto de Dubet, que a escola participa do processo de exclusão
quando não se preocupa com a trajetória do aluno para fora dela. Encaminhando,
por exemplo, para o mercado de trabalho o jovem com uma formação acadêmica
desqualificada socialmente, sem condições de alcançar bons postos de trabalho 46 .

Dubet, assim, nos seus textos, vai tocando em pontos bastante sensíveis para
aqueles que militam dentro do movimento de inclusão escolar: o sucesso para
‘todos’ é um slogan vazio, por contradizer os princípios meritocráticos sobre os
quais a escola se funda (p. 550, grifo do autor). Em outros termos, como sentido
pelas profissionais que participaram do trabalho, a escola em que estamos não foi
feita para incluir, além de não saber como tratar dos seus vencidos, principalmente
quando eles são os seus professores.

Dentro dos encontros, pensando na deficiência dos alunos, o pensamento expresso


pelos professores participantes em relação aos outros (família e colegas de trabalho)
e que eles parecem estar calçados ainda naquele modelo médico da deficiência que
diz que o aluno é um problema. Bastaria “consertá-lo” para ele ser aceito como
participante ativo na sociedade, tirando da instituição qualquer ônus no sentido de
sua responsabilidade em adequar-se às necessidades das pessoas que têm o
direito de acesso, de ir e vir livremente e aprender com qualidade.

Nos discursos das professoras e pedagogas das escolas, aparece muito comumente
nos enunciados a concepção de que aprender é adquirir conhecimento, o que
estaria atrelado ao bom ou mau desempenho do aluno e, portanto, ao fracasso em
aprender. Este fracasso acaba sendo entendido como um fracasso do aluno,
raramente ligado ao processo de “ensinagem” ligado à prática pedagógica dos
professores.

46
“desprovidos de utilidade social” (DUBET, p. 549).
147

Reconheço que para mudar as práticas pedagógicas, bem como as


práticas de pesquisa, é necessário acrescentar novos elementos de
significação, um significado radicalmente novo que ressoei na
academia e na escola, fazendo emergir modos de pensar e de atuar
radicalmente diferentes daqueles já instituídos. Reconheço também
que essa mudança não é fácil. É desafio que exige progressivas
aprendizagens, que envolvem tanto a reconstrução de pensamentos,
o que implica em grandes riscos, quanto demanda por valores e
atitudes pessoais e profissionais que necessitam de rupturas na
pesquisa e na formação docente. (IBIAPINA, 2008, p.52)

Parece ter havido uma espécie de vertigem durante o processo de aprendizagem


realizado pelas pessoas que empreenderam o caminho desta pesquisa. Dar passos
em um terreno pouco ou nada conhecido é difícil. Provavelmente, porque não se
desenvolve com a mesma fluidez do que naquele já tantas vezes percorrido, no qual
se criou uma profissionalidade e, deste modo, construiu um pensar, fazer, sentir e
relacionar-se na prática de sala de aula que agora está bem diferente por conta do
aluno NEE.

Com o percorrer da trilha, a problemática dessa pesquisa se ligou à procura coletiva


de um caminho de renovação da prática dos profissionais que atuam nesta
inteiramente nova condição de ensino dada pelo processo de inclusão dos alunos
NEE nas escolas regulares. Possivelmente, nos momentos em que se indagou 47 em
grupo sobre os conceitos que cada profissional tem acerca daquilo que faz e para
quem faz, deve-se ter provocado seus preconceitos e clarificado-os frente à
realidade.

Essa passagem pelo novo jeito de caminhar iniciou-se no momento em que,


reconhecendo que se estava num novo caminho, a necessidade impôs se seguir por
ele. Para aquele professor que refletiu, houve a relativização das bases da sua
condição profissional. No caso deste trabalho, percebeu-se claramente que essa
necessidade teve de ser “produzida” por circunstâncias alheias à vontade dos
participantes.

Com isso, não quero dizer que o novo ou aquilo que ainda não se
pôs em prática seja sempre melhor, mas sim que a organização em
si é melhor quando é capaz de decidir sobre a manutenção ou a

47
As dúvidas, no caso deste trabalho, tiveram também como função delimitar a discussão, porque se
sabe que quanto mais variedade de assuntos, maior seria a dificuldade de aprofundar os conceitos.
148

modificação de sua estrutura, em vez de simplesmente recebê-la e


considerá-la irremovível. (ENQUITA, 2004, p. 101)

Este caminhar provocador de rupturas numa investigação-ação fez com que, ao


mesmo tempo em que se respondeu o como fazer, se descobriu o quanto e o que é
preciso saber para fazer melhor no decorrer do processo. Isto, além de favorecer a
auto-formação dos professores, mostrou como a escola tem uma tendência
conservadora no que se refere ao sentido que ele dá ao seu trabalho em aula.

Este contexto conservador é reforçado cotidianamente pelo fato de que as escolas


ainda se organizam/estruturam em tempos/espaços estanques e segregados,
naquelas ilhas das salas de aula. Sendo difícil implicar profissionalmente todos,
mesmo quando se anseia muito por isso.

Como exemplo, a pedagoga da escola do aluno Israel, antes de iniciar a nossa


gravação do terceiro dia, fala do relacionamento entre ela e as outras professoras e
da dificuldade em estabelecer um trabalho coletivo: Depois do planejamento coletivo
cada um vai para sua sala de aula e faz o que quer... É difícil... (chorando) elas
sentam em cima do que querem, cruzam os braços e não fazem outra coisa...

A finalidade de se discutir acerca da construção desse grande conjunto de saberes


direcionados para a experiência coletiva de uma escola para ser inclusiva reside no
fato de, descobrindo o que se tem, poder posteriormente indagar o que ficou
faltando na sua formação inicial, para assim se obter mais sucesso na sua
intervenção.

Enquanto os profissionais das escolas sentirem a necessidade de saber junto com o


fazer e este num coletivo, todo o processo de aprendizagem continuará, apesar do
final deste trabalho. Espera-se que não se quebre a relação, mesmo que por vezes
distante, entre a pesquisa e o que o profissional vai ensinar. Que o vínculo maior
com o planejamento semanal permaneça se o coletivo falhar.

É na possibilidade da prática reflexiva no planejamento num espaço comum entre os


diferentes profissionais, que se abre um caminho de diálogo e de criação, num
149

espaço de sociabilidade para todos, e, através deste, chega-se à conscientização


no/pelo coletivo. Em um ciclo contínuo de desvelamentos da condição dos sujeitos.

Dentro desse espaço comum, um grande problema encontrado neste trabalho feito
no diálogo foi a dispersão dos sujeitos em conversa. Cada um move o “papo” de
acordo como os seus desejos e interesses pessoais, ficando o foco muitas vezes
fora do motivo principal que nos uniu: o aluno NEE. Tudo é motivo para se lembrar
do que está fora da escola, dos alunos que já teve, do que precisa fazer em casa,
com as crianças e etc.

[...] qualquer processo participativo demanda muito tempo para


amadurecer e solidificar-se [...] há muito menos participação do que
boa vontade de fazê-la, bem como há mais sofisticação da opressão
por meio de processos pretensamente participativos do que efeitos
reais participativos (DEMO, 2004, pp. 12 e 13)

A proposta é, a partir dessa barreira, aproveitar-se do roteiro de pesquisa-ação como


guia e não deixar a conversa fluir livremente. Antes mesmo de começar o trabalho
naquele dia, deve-se estipular a rota do encontro, não se privando do diálogo livre,
mas lembrando-se do motivo que os trouxe ao espaço de planejamento – aquele
grupo.

Seria errado pensar no roteiro de pesquisa-ação como modelo fechado de


investigação e acompanhamento do realizado no cotidiano da escola, dando um
direcionamento quase ditatorial ao encaminhamento dos encontros entre os
profissionais em planejamento. É restringir em muito as possibilidades da relação
educativa que essa ferramenta pode estabelecer entre os profissionais à custa de
provar que é um processo de pesquisa científica e que deve ser feito de qual e tal
forma.

Portanto, não está se afirmando que o roteiro de pesquisa-ação sirva para a escola
toda se organizar em função do atendimento educativo e pedagógico ao aluno NEE.
O que se percebeu é que o processo realizado pela pesquisa aponta caminhos
diferentes para a auto-formação profissional e para atender ao aluno NEE no
processo de inclusão à escola.
150

Há possibilidade deste processo de inclusão escolar desdobrar-se de forma positiva


no amanhã bem próximo, mas isso só ocorrerá se houver a permanência na luta
pela esperança, bem ao estilo freireano. Vê-se, por essa razão, este processo de
inclusão como político e ideológico e, também, dentro dessa lógica considera-se
tanto a resistência quanto o que o impulsiona nas escolas dependentes das
condições em que os profissionais compreendem o homem e a sociedade.

Dentro das falas das professoras, elas sem refletir, não parecem reconhecer a
existência da questão de um envolvimento moral na sua ação pedagógica, pois
atuaram com preconceito e, às vezes, legitimaram o processo de exclusão e de
segregação fundamentadas no conhecimento científico. No caso das escolas foi
para aqueles que lá estão e tinham sucesso na sua aprendizagem.

O processo de inclusão escolar está colocado neste contexto como uma questão de
valor moral e não, também, como um imperativo legal devendo ser considerado no
bojo das políticas afirmativas de Direito, como uma ação de cidadania, de justiça
social, na construção de uma sociedade democrática.

Esse movimento de inclusão escolar visto neste trabalho pareceu provocar


resistências quando reconceitua o trabalho docente, ou pelo menos abale com o
sistema de valores no quais ele se apóia. Principalmente para aqueles que
pressupõem como referência de justiça uma sociedade puramente meritocrática,
desorganizando a sua compreensão do que é ser professor, impondo novas/outras
reflexões sobre a sua formação em sentido bem amplo.

Aqui estamos: Nós e a profissão. E as opções de cada um de nós


têm de fazer como professor, as quais cruzam a nossa maneira de
ser com a nossa maneira de ensinar e desvendam na nossa maneira
de ensinar a nossa maneira de ser. É impossível separar o eu
profissional do eu pessoal. (NÓVOA, 2000, p.17)

Esses debates pela inclusão dos alunos NEE, nos nossos momentos de encontro,
atravessaram todas as instâncias da escola – do currículo à gestão – até mesmo em
relação à sua estrutura física. O caso que apareceu neste estudo como o ponto de
maior tensão foi a prática docente (por vezes na falta dela) em relação ao aluno e na
151

necessária formação continuada para o seu acolhimento pelos profissionais da


escola e do professor dentro de sala.

Os processos formadores da escola (todos) são questionados pela escola PARA


TODOS e, no que tange ao professor, este movimento parece provocar uma
ampliação/renovação do seu papel, tornando desta forma necessária a introdução
de inovações/reformulações (BAUMEL, 2003), visto que o processo de inclusão se
direciona para a descategorização (na visão da autora) das deficiências, passando,
todos eles, para uma categoria única de alunos com necessidades educacionais
especiais e, na maioria das vezes, sob a responsabilidade de um único profissional.

Independentemente da sua vontade, o processo de inclusão na sala de aula é de


responsabilidade do professor, mas não unicamente dele. Justifica-se, assim, a
necessidade de tomar consciência dos próprios erros e preconceitos; de se abrir às
infinitas possibilidades de ensinar existentes. Cabendo, ainda, lembrar que sozinho
não faz a inclusão, ela se faz junto e para isto tem que se ter coletivo.

Desta forma, dentro das experiências de inclusão escolar realizadas neste trabalho,
as deficiências podem ser de certa forma entendidas como fatos sociais, visto que
independem dos sujeitos que as têm, sendo constituídas em seu significado nos
processos de mudança na estrutura da sociedade em cada momento histórico. Deve
o professor desenvolver formas de valorização das diferenças no seu cotidiano e
estimular o diálogo em prol da diversidade dos alunos na sala de aula, desenvolver
práticas pedagógicas que permitam a extinção de uma cultura excludente.

[...] A inclusão, em contrapartida, estabelecia que as diferenças


humanas eram normais, mas ao mesmo tempo reconhecia que a
escola estava provocando ou acentuando desigualdades associadas
à existência das diferenças de origem pessoal, social, cultural e
política, e por isso pregava a necessidade de reforma educacional
para prover uma educação de qualidade para todas as crianças.
(MENDES, 2006, p. 395)

Na caminhada pela trilha desta pesquisa sentiu-se que, para a construção do


processo de inclusão escolar, o desafio seria tornar a prática pedagógica um
instrumento gerador de conhecimento não só dentro da sua sala de aula, mas pela
escola toda. Pensando assim, o professor deve saber como promover a
152

aprendizagem de qualquer um, como também generalizar princípios científicos do


ensino em sala de aula trabalhando coletivamente com os outros profissionais.

Dentre essas razões, a que mais importou, tanto no período de estruturação inicial
do trabalho quanto durante todo o seu processo de confecção, é ele servir para o
estudo futuro dos processos de planejamento diferenciado e de formação em
pesquisa relacionada ao processo de inclusão escolar, e aquele que venha a se
utilizar do trabalho possa compreender o relatado, mas, em caso de dúvida, tenha
um grande e fácil manancial teórico para consulta.

Não se descarta a afetividade no trabalho de formação profissional para o processo


de inclusão escolar. Ele é um fator que aparece persistentemente nos encontros.
Sabe-se que a inclusão escolar deve caminhar no sentido da conquista das mentes
e dos corações. Porque, quando algo deve se tornar uma crença, para que isso
ocorra, é necessário mobilizar o sujeito para além da sua razão.

O que se mostrou como motor do funcionamento do processo de inclusão escolar foi


o somatório do afetivo (acolhimento de todos), mais o desenvolvimento de um saber
pedagógico para lidar com o aluno (a prática pedagógica refletida) e, mais o saber
sobre aquele aluno (um aporte teórico diferenciado).

Os professores devem, sim, empreender a viagem de “olhos bem abertos” para


poder, por vezes, refazer o conceito que se tem acerca do que é o aluno, mas
também é necessário acolhê-lo. O trabalho com os componentes afetivos da
profissionalidade do professor é um dentre os vários aspectos a serem considerados
na prática formadora em serviço para o processo responder às demandas ligadas à
dialética exclusão/ inclusão dentro da escola.

[...] necessitamos construir a emancipação a partir de uma nova


relação entre respeito da igualdade e o princípio do reconhecimento
da diferença [...] Toda a energia emancipatória teórica foi orientada
pelo princípio da igualdade, não pelo princípio do reconhecimento da
diferença. (SANTOS, 2007, p. 62 e 63).

Por isso como nos ensinou as falas das professoras, o processo inclusão escolar por
si só também não garante o reconhecimento do outro como sujeito válido. O portão
153

aberto não reduz as desigualdades daqueles que por ele passam. Elas os
acompanham. O aluno mais favorecido pelo meio que se origina tem maior
probabilidade de ser um bom aluno.

Para o processo de inclusão dos alunos com deficiência, que ainda passa pela
universalização no acesso, essa barreira é muito difícil de transpor. Na realidade: o
sistema meritocrático cria enormes desigualdades entre alunos bons e os “menos
bons” (DUBET, 2003, p. 542) marginalizando e excluindo dentro do sistema e mais,
carregando uma contradição: se o mérito realmente existe, como responsabilizar
unicamente o aluno pela sua condição de nascimento ou mesmo pelo desempenho
inicial da sua vida?

É para se questionar sempre em todos os momentos de trabalho dentro da escola,


não só no de planejamento, o não reconhecimento da diferença como constitutiva e
afirmativa dos indivíduos quando se quer fazer uma inclusão real. Assim, se não se
faz a reflexão sobre diferença/desigualdade, provoca-se, na medida em que se dá o
processo de auto-afirmação da sua deficiência, a abertura de uma distância
impeditiva do reconhecimento e, por conseqüência, da convivência (ARENDT,
1985).

A ideologia da inclusão não pressupõe a falta dos preconceitos por parte dos
profissionais, como foi várias vezes discutido nos momentos de planejamento na
pesquisa, mas a consciência do que eles representam para o trabalho pedagógico
na escola e, por conseqüência, nas inter-relações na sala de aula. Pela reflexão no
coletivo da escola deve-se fomentar ações afirmativas do Direito para a redução ou
a eliminação total dos efeitos discriminatórios. Bem visíveis na intolerância ao
diferente e à diversidade.

A construção deste trabalho de pesquisa se constituiu na reflexão compartilhada


entre os profissionais que se dispuseram a falar sobre todos os assuntos pertinentes
ao aluno NEE foco do planejamento, dentro da prática diária de um coletivo
trabalhando pelo processo de inclusão e dentro da equipe de profissionais docentes
e especialistas.
154

Desta forma, os diálogos que primeiramente sugeriram uma insegurança gerada


pelo novo, pelo ônus devido no processo da inclusão escolar. Pareceu trazer
consigo novas e grandes possibilidades de valorização e desafios à prática
pedagógica do professor e espera-se que a tendência provocada pela mudança seja
a de elevar a qualidade da Educação e, particularmente, da escola pública.

Com a entrada e permanência dos alunos deficientes nas turmas comuns das
escolas regulares vive-se um instante de esperança renovada, sentindo que outra
sociedade é possível. Da mesma forma que, enfrentando o desafio a pesquisa
aventurou-se na busca pelo entendimento das novas características da instituição
social escola, tendo em vista as transformações causadas pelo processo de inclusão
dos alunos NEE nas classes comuns das EMEI’s, no caso em Aracruz.

A contribuição positiva é que, ao final de tudo, descobrirá a escola que esse


encontro será um momento único de resignificação e talvez passe a ser colocado
como marco de passagem, de rompimento com o que chamaremos, no futuro, de
uma nova utopia. Isso porque se crê no nascimento de uma ideologia da inclusão, e
a partir dela a escola se abrirá, finalmente e incondicionalmente, a todo e qualquer
aluno, tornando-se tanto parte quanto mola propulsora de uma sociedade plural e
livre, de acordo com os ideais que a constituíram pública, há mais de 200 anos.

Para que a diversidade humana possa se fazer presente como valor


universal, a escola precisa assumir uma postura de desconstrutora
das igualdades, incluindo a todos nas suas diferenças, indo ao
encontro de cada um e de todos os alunos, buscando quebrar em si
aquilo que suscita resistência. (JESUS, 2002, p.94)

Como essas condições hoje são completamente diferentes daquelas do início da


escola moderna é justificável este medo. Ela está passando por um momento de
questionamento da sua posição na sociedade. Isto, por conta de que a sociedade
fez a opção pela caminhada numa direção inclusiva, principalmente a partir da
década de 50 do século XX, a escola vem sendo provocada a realizar algumas
mudanças, principalmente pelo aumento das vezes que clamam por direitos
humanos para todos.
155

Hoje se sabe que esse processo de inclusão escolar não depende mais tanto de
garantias legais, elas já estão prescritas. O que falta agora para os alunos NEE é
que esse processo embale, tome maior força. Ele precisa ser concretizado em nome
daquelas crianças que viviam muito longe da história da escola, agora estavam na
sala, encarnadas no papel de alunos que requerem, desses profissionais, saberes
que, na maioria das vezes, foram sido negados, como dito pelas professoras, pela
provável razão do preconceito contra o diferente.

Se boa parte da profissão docente já é conhecida pelo estudante,


mesmo antes da entrada nos cursos de habilitação profissional,
também é certo afirmar que a formação inicial não basta para revelar
todo o resto da profissão, o qual não é possível conhecer sob o ponto
de vista do aluno. A socialização profissional, dessa forma, continua
no estabelecimento de ensino em que o professor vier a trabalhar.
Somente a prática dará consistência ao repertório pedagógico que os
professores foram assimilando ao longo de sua formação. Assim,
não se pode falar de profissionalização docente sem se referir ao
estabelecimento de ensino. (LÜDKE e BOING, 2004, p. 1174)

De maneira geral, a entrada dos alunos com necessidades educacionais especiais


na escola comum tem suscitado muitas dúvidas sobre a prática do professor frente à
sua turma, mas pode-se apontar como ponto positivo dessa discussão toda (que não
se restringe somente aos aspectos da prática do professor, mas também a outros
fatores) é que ela vem provocando pesquisas em todos os níveis de ensino e nos
diferentes campos das Ciências da Educação (GONÇALVES, 2008, p.12).

No lugar de pesquisador, percebeu-se que cada escola tem um processo de


exclusão/inclusão com características próprias. Como ele se engendra dentro de
cada espaço da instituição depende diretamente da forma que se dão as relações
entre os sujeitos. Já que em cada lugar a configuração/conformação das relações se
dá de uma forma diferente, as maneiras pelas quais se exclui e se difere em termos
de expectativa da outra.

Acreditamos que, assim como os demais conceitos e valores, o


modo como as pessoas se vêem – ou, em outras palavras, significam
sua existência – também se dá circunscrito socialmente, na tensão
entre diferentes vozes, que aos poucos vão encontrando ou não
ressonância no indivíduo. (KASSAR, 2000, p.44)
156

Apesar de ver que há especificidades em cada contexto estudado, existe um termo


comum permeando as falas dos participantes deste processo. É que o movimento
social da inclusão escolar vai dar sentido de pertencimento para o diferente, de
acolhimento às desigualdades como algo culturalmente construído no sistema que
também cria integração social e da afirmação do sentimento de “disponibilidade”
para a realização do trabalho político-social de ensinar, esses sempre ocorrendo no
coletivo.

A importância do coletivo reside na necessidade do diálogo, pois, ele na perspectiva


bakhtiniana, pressupõe a negociação e sendo feito dentro em um momento de
planejamento, pôde promover o professor a um patamar de consciência superior
acerca do seu trabalho, num movimento contínuo de autocrítica. Por outro lado, no
caso do pesquisador, no encontro da pesquisa, o diálogo se traduz na questão: o
que tenho que ensinar como especialista (pedagogia, terapia ocupacional, serviço
social etc.) ao professor para ele saber o que ensinar aos alunos com NEE? Se não
assim, então, não haveria a emancipação, e sim o embrutecimento.

Nessas reflexões, aprende-se também sobre essas idas e vindas do projeto


municipal de EE, verifica-se que o movimento de inclusão escolar no município de
Aracruz depende de fatores que excedem aos aspectos internos das escolas da
rede 48 . Aspectos legais ou de ordem política e econômica condicionam qualquer
projeto de inclusão escolar, independentemente da vontade dos profissionais
envolvidos nos projetos.

De verdade, o movimento de inclusão necessita de um regime de colaboração


político e social bem maior que essa proposta de trabalho pode dar conta, ele se
fundamenta em uma lógica bem simples:

Se o sujeito dos direitos é um só, um aluno que termina o ensino


fundamental na escola de um município precisa ter a possibilidade de
acesso a uma escola média. A criança de quatro anos, em vez de
permanecer na rua, precisa de uma pré-escola que facilitará o seu
sucesso na escola fundamental, seja ela do município ou do estado.
O aluno jovem ou adulto, que se escolarizou precisa de

48
Da mesma forma acontece em outras redes de ensino, deste que nelas o processo de inclusão
escolar seja visto como proposta política de uma gestão. Quando deveria ser vista como uma ação
maior que ultrapassa uma gestão, como política pública para o município.
157

oportunidades de formação profissional para exercer plenamente a


sua cidadania, que pode ser encontrada em outra esfera
administrativa. Por tudo isso, o poder público precisa agir em
conjunto, por seus diversos níveis e integrantes, construindo pontes
e passarelas. (GOMES, 2008, p.12)

Mas vale dizer que se deve ter a consciência de que existem várias possibilidades
de respostas e caminhos a trilhar, por isso não se deve simplificar demasiadamente
e colocar todo o peso num ponto só como, por exemplo, na falta de recursos
(materiais ou humanos) adequados para acolher e ensinar os alunos NEE dentro da
escola. Se assim fosse, bastaria voltar-se para a construção dos recursos
necessários, principalmente os financeiros, e qualificar os profissionais para que
essa nova realidade pudesse existir.

O processo de inclusão escolar caminha na direção de se construir uma sociedade


mais justa. Neste momento histórico, onde a discriminação ainda é regra, sentiu-se a
partir da vivência neste trabalho que cada vez mais a abertura ao outro estará posta
como marco fundamental, cabendo a escola de EI assumir esse debate também
para si, construindo trilhas próprias para favorecer a inclusão do sujeito diferente
dentro da sociedade de iguais.

Os movimentos nascidos na reflexibilidade dos encontros, do diálogo na busca pela


emancipação profissional que construíram as trilhas dessa pesquisa permitiram, a
partir desta análise do trabalho realizado, pensar em algumas outras práticas
pedagógicas e possibilidades de sínteses que podem ser assim relatadas:

1 - Essa relação de distanciamento entre os profissionais quando o assunto é


trabalho pedagógico dentro da escola, e o conseqüente pouco diálogo, costuma ser
reproduzida em sala de aula, principalmente no silenciamento imposto pelas tarefas
individualizadas dos estudantes. No futuro, já como professores, tendem a manter as
mesmas reações: passivos, inseguros e desmotivados com as suas próprias
aprendizagens, conformados em receber algo pronto e a cumprir ordens.

Todos sabem que o objetivo da educação é executar a terrível


transformação: fazer com que as crianças se esqueçam do desejo de
prazer que mora nos seus corpos selvagens, para transformá-las em
patos domesticados, que bamboleiam ao ritmo da utilidade social.
Filosofia silenciosa: cada criança é um meio para esta coisa grande
158

que é a sociedade. (ALVES, 2000, p. 169 apud STOER e


MAGALHÃES, 2003, p.1189)

As professoras já foram crianças selvagens como aquelas que estão na sua sala de
aula e, assim domesticadas, aprenderam que cada uma cuida sozinha do que é sua
responsabilidade, dentro do espaço coletivo que é a sociedade.

Este ponto sugere que o processo de formar-se professor(a), inicial ou


continuadamente, requer muito tempo, espaço e disponibilidade de todos aqueles
que habitam a escola. Este processo de formação se inicia muito antes de o
profissional entrar na escola, ainda na condição de aluno.

2 - Outro aspecto visível é que o processo de exclusão/inclusão fica instituído na


própria cultura escolar, portanto, para se trabalhar em prol da inclusão escolar, um
dos artifícios para o seu sucesso, como visto fortemente na trajetória deste trabalho,
é a participação ativa e consciente de todos.

Uma vez que existe uma dimensão cultural condicionante na construção das práticas
pedagógicas em sala de aula, fazendo com que a população atendida pela escola e
a visão que a escola tenha sobre si mesma, entre outras características sócio-
históricas, configurem o modelo de instituição. E, é esse que em última instância
deve ser renovado.

3 - Também se percebeu que, para o exercício da autonomia pedagógica do


docente, é necessária uma reflexão sobre o discurso que é realmente seu e qual é o
discurso do outro, vendo nas contradições existentes dentro desses discursos mais
um caminho da descoberta do problema, não eliminando as contradições, mas
fazendo surgir a partir delas vias para a solução. Para a realização de um projeto de
autonomia docente, o professor deve se abrir para as interrogações sobre que deve
(num dialogismo coletivo) adotar como prática profissional.

4 - Apresentar-se em conformidade com a ideologia da inclusão não significa


considerar todas as especificidades dos comprometimentos oriundos dos alunos que
encontram barreiras em sua aprendizagem. O trabalho pedagógico deve ter por
base a compreensão da diversidade e o respeito às necessidades dos alunos. O
159

professor que domina as ferramentas básicas do seu trabalho e tem capacidade de


tematizar a própria prática numa reflexão crítica a respeito dela, potencialmente, tem
também a condição de se sair muito bem na arena educacional em prol da inclusão,
desvencilhando-se da produção e manutenção dos mecanismos de exclusão
escolar.

5- A dificuldade de alguns profissionais em entender a inclusão escolar reside no


aparente contra-senso de que, politicamente, o processo de inclusão na escola
caminha no sentido da descontinuidade dos direitos iguais para todos, como
também pedagogicamente trabalha para o reconhecimento dos alunos com base
nas suas diferenças.

6 - Para cada entendimento que se tem sobre a infância, tem-se um modelo de


escola correspondente e, como boa parte dessa compreensão é subjetiva, o que se
faz com os alunos deve ser refletido continuadamente. Se houver alterações nessas
concepções de infância e de aluno, então, necessariamente o modelo de escola vai
se modificar.

A entrada do aluno NEE na classe comum, de certa forma altera o conceito histórico
de infância e com o ideal de aluno da escola burguesa, dominante até hoje. Aquela
escola que preconizava que, para os alunos que não se encaixavam ao formato,
restava a normalização (normatização) ou a marginalização (exclusão) LOPES e
LADE (2008).

7 - A escola, para ser um local de enriquecimento cultural das crianças, deveria


buscar a diversidade como valor a ser perseguido. A criança com deficiência em
processo de inclusão escolar, quando aprende ensina a todos, como via de mão-
dupla, formas diferentes de construção de conhecimentos, auxiliando na
desconstrução de práticas de segregação e favorecendo o aparecimento de outro
modelo de escola a partir de outra visão sobre a infância, como aconteceu na sala
de aula do aluno Israel.

8 - O trabalho apontou que o aluno NEE em processo de inclusão é um bom


“provocador” de formação continuada para os profissionais da escola. Porém, para
160

que isto ocorra alguns requisitos são indispensáveis. Como o acolhimento desse
aluno, ele pertence àquela professora, à turma, à escola e a ele mesmo
conjuntamente; também a vontade de ensiná-lo, uma motivação (ou seria uma
crença) pedagógica na possibilidade de ele aprender; e, em decorrência dos dois
primeiros, um desejo em saber mais sobre ele.

Por fim, neste trabalho, viu-se como é benéfico examinar os impasses, barreiras e
sucessos vividos pelos professores no seu cotidiano, bem como indicou, na medida
do possível, os direcionamentos das novas perspectivas emergentes na escola, nas
ações pedagógicas, tentando ver, com esta mudança de sentido, a aproximação
(entrada) do professor neste processo pela valorização do trabalho pedagógico.

Provavelmente, esses desejos todos juntos não garantem o processo de inclusão do


aluno NEE e nem o movimento de formação continuada dentro da escola em
Aracruz ou em outro lugar qualquer, mas sem eles, mesmo tendo condições
objetivas, essas ações não acontecem. Percebeu-se claramente isso na fala da
fonoaudióloga que atendia a escola do aluno Israel, quando comparando aquela
com outra: A escola “S. C.”, mesmo tendo apoio, não dá condições adequadas ao
bom funcionamento da equipe multi, não está organizada para receber e nem para
atender o aluninho dentro da sala.

A inclusão escolar não espera que alguém de fora venha e dê aula para o aluno
NEE no lugar do professor. Portanto, algumas questões devem ser pontuadas como
provocadoras da reflexão para esses profissionais: A escola quer parceria ou
dependência em relação aos profissionais especialistas? Se a gente aprende de
verdade a ser professor dentro da escola, então de que serve a formação inicial?

Talvez a resposta esteja na falta de contextualização na formação inicial, ou como


expresso na fala feita pela APHI do aluno Israel na porta do parquinho em relação à
forma pela qual suas colegas tratam o seu aluno: Atitudes positivas já resolvem boa
parte dos problemas que se têm dentro das escolas com os alunos especiais.

O desafio de se pesquisar a ação educativa, num contexto inclusivo, está em


conseguir decifrar as realidades tão diversas e as sensações depois dessa
161

experiência, provavelmente qualquer tipo de pesquisa dentro daquelas escolas


enfrentará este desafio. Não parece haver como isolar o processo de pesquisar
daquilo que acontece a todos no chão da escola. Essa certeza traz junto à humilde
convicção de que este trabalho não é a única interpretação válida.

Pretendeu-se indagar se a criação de um espaço colaborativo para o planejamento


pedagógico serviria como estratégia para favorecer dois processos: o de inclusão
dos alunos NEE e, concomitantemente, a emancipação dos profissionais envolvidos
como forma de possibilitar intervenções mais eficazes.

Almejamos que os indivíduos participantes da pesquisa incluindo pesquisador e


pesquisadas estejam envolvidos na criação de compromissos com a formação
continuada de professores e o desenvolvimento de procedimentos críticos-reflexivos
sobre a realidade, sobre o contexto escolar, e com o desenvolvimento de uma
dinâmica coletiva que permitam o estabelecimento de referências contínuas com o
coletivo, no sentido de apreensão dos significados construídos e em construção para
efetivarmos uma proposta de EI de fato PARA TODOS.

Neste caminho, ou noutro semelhante, poderá se preparar a escola de EI para que o


processo de inclusão do aluno NEE, investindo em momento de planejamento
pedagógico especial com os seus profissionais, na perspectiva crítico-reflexiva,
criando um ambiente colaborativo, que busque como horizonte a emancipação dos
sujeitos envolvidos no projeto educativo.

O que temos que fazer, na verdade, é propor ao povo, através de


certas contradições básicas, sua situação existencial, concreta,
presente, como problema que, por sua vez, o desafia e, assim, lhe
exige resposta, não só no nível intelectual, mas no nível de ação.
(FREIRE, 1978, p.86)

O espaço de planejamento deveria ser este lugar/momento em que o povo de dentro


e o de fora da escola se encontre para coletiva e colaborativamente se desafiarem à
resposta em ação das questões relativas ao processo de inclusão dos alunos NEE.
Não dá para afirmar, mas confia-se nesta trilha para a libertação dos profissionais
das armadilhas de uma formação embrutecida, para o aparecimento de uma práxis
162

no sentido freireano de reflexão e ação verdadeiramente transformadora de pessoas


em sujeitos qualitativamente melhores.

[...] ninguém educa ninguém, como tão pouco ninguém se educa a si


mesmo: os homens se educam em comunhão, mediatizados pelo
mundo, pelos objetos cognoscíveis que na prática “bancária” são
possuídos pelo educador que os descreve ou os deposita nos
educandos passivos. (FREIRE, 1983, p. 79).
163

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147 ZITKOSKI, J. J. – Paulo Freire & Educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2006,
120p.
177

ANEXOS

Anexo 1:

CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIMENTO

Tendo em vista o cumprimento de preceitos éticos em pesquisa que envolva seres


humanos, apresenta-se, para o aceite em participar dos sujeitos da pesquisa desta
instituição, o projeto de pesquisa para dissertação de Mestrado em Educação junto a
Universidade Federal do Espírito Santo sobre o tema: “PLANEJAMENTO
COLABORATIVO NA EDUCAÇÃO INFANTIL: caminho para construção de outras
práticas inclusivas”

O objetivo deste estudo é indicar as possibilidades do trabalho de planejamento


colaborativo na escola numa perspectiva da pesquisa-formação, servindo, assim,
como outro caminho para construção de práticas pedagógicas diferenciadas, sendo
esta comprometida de igual forma com o fomento da autoria docente e o processo
de inclusão dos alunos NEE.

A pesquisa será realizada no período que compreenderá o segundo semestre letivo


de 2007, das escolas de Educação Infantil da Rede Pública Municipal de Aracruz. A
coleta dos dados será por meio de diversos procedimentos como; a observação
participante, áudio-gravação nas reuniões de planejamento, registro em diário de
campo e os documentos elaborados pelos grupos nos planejamentos colaborativos
em pesquisa-ação.

O seu compromisso com a pesquisa estará relacionado com a sua participação,


servirá para apontar uma proposta de aprimoramento da formação continuada em
serviço dos docentes nas escolas da Rede Municipal de Educação Infantil a que
pertencemos, favorecendo, assim, o crescimento profissional de todos nós,
professores, pedagogos, gestores e, principalmente, a melhora na qualidade do
atendimento educacional às crianças com deficiência cada vez mais aportam as
escolas.
178

Os dados serão divulgados de forma a não possibilitar a identificação dos sujeitos e


das escolas participantes, a não ser pelos envolvidos na pesquisa. E cada
participante da pesquisa terá acesso ao que será publicado e aos nomes fictícios
que serão utilizados para garantir o tratamento ético dos dados. Podendo, assim,
concordar ou não com a sua publicação. Sendo que se não houver concordância à
opinião do participante será excluída da dissertação.

Você receberá uma cópia deste termo onde consta o telefone e o endereço
eletrônico do pesquisador e do seu orientador, podendo a qualquer momento tirar
dúvidas sobre o projeto ou no que se refere a sua participação. É importante
salientar que em qualquer momento se alguma escola ou profissional não queira se
submeter a qualquer condição desta pesquisa fica livre para desistir de participar e
retirar o seu consentimento.

Solicitamos desta forma o seu consentimento em participar desta pesquisa.

Assinatura do participante da pesquisa:

________________________________________

Pesquisador: Luiz A. Vasconcelos – Tel: 81428355 – E-mail: vascoluiz@oi.com.br

Orientadora: Dra. Maria A. S. Corrêa Barreto – Tel: E-mail: cida67@terra.com.br


179

Anexo 2:

Roteiro de Acompanhamento do Desenvolvimento do Planejamento

“Pesquisa-ação”

Profissional: Local: Horário:


Criança: Nasc: Turma:

1 – Histórico do aluno (antecedentes, indicações para a intervenção e fins


esperados):

2 - Reconhecimento do caso:

2.1 – Da situação do aluno (avaliação inicial)

2.2 – Da situação do aluno na escola (o próprio aluno e os outros)

2.3 – Das práticas atuais (profissionais que interagem com o aluno)

2.4 – Das intenções e dos temas iniciais (do trabalho)

3 - Planejamento:

3.1 – Planejar os temas e os primeiros passos:

3.2 – Relato do que foi implementado:


Quem O que Quando Onde Como Por que

3.3 – Relato sobre os resultados:


180

3.3.1 – Resumo (apresentação de base racional)

3.3.2 – Análise (apreciação / expressão crítica)

3.3.3 – Discussão dos resultados (opinião / posicionamento)

4 – Avaliação:

4.1 – Listar quais foram às melhorias (práticas), implicações e recomendações para


a prática futura (do próprio profissional e do outros).

4.2 – Listar o que foi aprendido no processo (pelo profissional e pelos outros),
indicações e recomendações para o “fazer” no trabalho no futuro.

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