Sie sind auf Seite 1von 14

A GAVOTA: THE OPEN CALL

Peça para ser interpretada por alguém que não pareça uma gaivota (e nem uma atriz)

PRÓLOGO: A TRADIÇÃO

Uma cadeira no centro do palco; uma câmera de frente para a cadeira; uma televisão
de frente para o público. Ator ou atriz sentade no fundo da plateia:

Primeiro, nós entramos e nos sentamos diante de um espaço vazio. E observamos este
espaço vazio, por vezes preenchido por alguma mobília – uma mesa, num canto
esquerdo, uma cama ao centro. Vez ou outra, um alguém circulando pelo espaço. E
contemplamos um silêncio vazio, por vezes preenchido por alguma música ou canção.
Estamos diante do espaço da possibilidade. Estamos diante de anos, séculos e milênios
de tradição, tradição esta que foi ocupada pelos mais diversos. Supostamente, qualquer
um ou qualquer uma pode subir ali, naquele palco, e ser o que quiser. Alguém pode
subir, se prostrar no meio do palco e ser Medéia, por exemplo.

Alguém?

Alguém pode subir ali, se prostrar no meio do palco e ser Hamlet, talvez.

Alguém?

Alguém pode subir, despretensiosamente, se prostrar no meio do palco, e ser, quem


sabe, Julieta.

Alguém?

UNIDADE UM: A HISTÓRIA OU A MENTIRA

No palco:
Agora, estou diante de vocês e vocês estão diante de mim. Isto, talvez, demarque o
início de uma história. Quem sabe, isto demarque, na realidade, o início de uma mentira.
Acho que disse, há pouco, que este daqui é o espaço das possibilidades. Se não disse,
fica registrado agora. E, se aqui, tudo é possível, o que disser, diante de vocês nesta
noite, será a verdade pelo tempo que durar esta peça. Ou, pelo menos, pelo tempo que
aguentarem se defrontar com tamanho fingimento.

A história ou a mentira que tenho para compartilhar hoje, diante de vocês, é uma
história que vivi há pouco mais de um ano, portanto, uma auto ficção. Todos e todas
nós, atores e atrizes, sonhamos em interpretar grandes papéis, personagens complexos,
canônicos. Para mim, a personagem dos meus sonhos sempre foi a Nina, de ​A Gaivota​.
Um ano atrás, uma produtora de São Paulo abriu audições para uma superprodução de ​A
Gaivota, ​que deve estrear agora em novembro no Teatro Alfa. Corri, juntei tudo o que
tinha de material gravado, fotos, videobook e enviei para a produtora. Em pouco menos
de uma semana, fui chamado para fazer uma audição para o papel da Nina. A história
que contarei agora é desta audição.

Marcaram a audição para uma quinta-feira. Às quintas, eu trabalhava, mas, neste dia,
faltei ao trabalho e saí em busca deste meu sonho. Cheguei no estúdio em que seria
realizada a audição, que era um estúdio em uma ruazinha no bairro de Pinheiros, em
São Paulo. Recebi uma plaquinha, que era uma folha de papel sulfite na qual estava
escrito, com um canetão Piloto, meu nome e meu número de chegada. Sentei, esperei
uma, duas, três, quatro horas, até que, finalmente, me chamaram. A orientação é que
não levássemos nada preparado, pois tudo seria criado lá, na hora. Entrei suando frio no
estúdio, que tinha um fundo infinito, e me deparei com três elementos: uma cadeira,
uma câmera e uma televisão. O produtor de elenco estava diante da televisão e a cadeira
estava diante da câmera. O produtor pediu para que eu me sentasse na cadeira, diante da
câmera. Não vi, mas supus que a minha imagem estivesse sendo projetada na televisão.
Uma espécie de espelho ao contrário, porque eu tinha que me preocupar com a minha
imagem refletida, mas sem poder ver minha imagem. Mostrei minha placa de
identificação para a câmera e o produtor começou, então, a fazer algumas perguntas.
(toda a audição é gravada)
Produtor
Bom dia, Victor!

Ator ou atriz
Bom dia.

Produtor
Já tá esperando faz tempo?

Ator ou atriz
Cheguei aqui as 7h.

Produtor
Ah, tá no tempo. O seu teste é um pouquinho mais demorado, mas daqui a pouco a
gente já te libera. Primeiro, eu vou te fazer algumas perguntinhas, tá? Quero que você
responda olhando aqui pra câmera.

Ator ou atriz
Tudo bem.

Produtor
Victor, qual é a sua idade?

Ator ou atriz
Eu tenho 23 anos.

Produtor
Bacana. E qual a sua ascendência, Victor? É italiana, russa, alemã?

Ator ou atriz
É libanesa e italiana.
Produtor
Árabe, que legal. Certo. Victor, conta pra mim um pouquinho das suas experiências
profissionais como ator ou atriz.

Ator ou atriz
Eu já me apresentei em algumas produções aqui em São Paulo. Foram produções
menores, em pequenos teatros da cidade, mas que tive um aprendizado muito bom.

Produtor
Legal. E tem algum personagem que você gostou mais de fazer?

Ator ou atriz
Sim. Gostei muito de interpretar a Úrsula, de uma produção de ​A Pequena Sereia, ​que
apresentamos no TUSP.

Produtor
Olha, que bacana. E você canta?

Ator ou atriz
Um pouco.

Produtor
Legal. E Victor, quando você decidiu que queria entrar para o teatro? ​(ou talvez: ... que
queria ser ator ou atriz¿)

Ator ou atriz
Tive um amigo muito querido, talvez até uma certa paixão da adolescência, que era
filho de uma atriz bastante renomada no teatro. Ele, diferente da mãe, resolveu ser
escritor do teatro, e me convidou para ser o ator ou atriz da primeira peça que escreveu.
A produção era pequena, também. Ele montou um palquinho na chácara da família e
apresentamos a peça somente para os familiares e para o amante de sua mãe, que era um
escritor também bastante renomado. A peça foi um fiasco, a mãe dele detestou, mas
desde então, essa ideia de ser ator ou atriz não sai da minha cabeça...

O ator ou atriz levanta-se da cadeira, e as duas últimas falas são repetidas, desta vez,
gravadas na televisão.

Produtor ​(gravado)
Legal. E Victor, quando você decidiu que queria entrar para o teatro? ​(ou talvez: ... que
queria ser ator ou atriz¿)

Ator ou atriz ​(gravado)


Tive um amigo muito querido, talvez até uma certa paixão da adolescência, que era
filho de uma atriz bastante renomada no teatro. Ele, diferente da mãe, resolveu ser
escritor do teatro, e me convidou para ser o ator ou atriz da primeira peça que escreveu.
A produção era pequena, também. Ele montou um palquinho na chácara da família e
apresentamos a peça somente para os familiares e para o amante de sua mãe, que era um
escritor também bastante renomado. A peça foi um fiasco, a mãe dele detestou, mas
desde então, essa ideia de ser ator ou atriz não sai da minha cabeça...

Para aqueles que já leram ou já viram ​A Gaivota,​ puderam perceber que meu início no
teatro é igual ao da Nina. Para quem nunca leu ou nunca viu, eu explico:

Nina é uma moça jovem, que mora em uma propriedade na zona rural de Moscou, ao
lado da propriedade de Tréplev, sua primeira paixão. Tréplev é filho de Arkádina, uma
atriz famosíssima. Tréplev escreveu uma peça para Nina atuar e montou, junto de seu
tio, um pequeno teatro em sua propriedade, para que realizassem a estreia da peça diante
de sua mãe, Arkádina e o amante dela, Trigórin, escritor também renomado.

(o ator ou atriz monta um pequeno palco) Tento sempre imaginar como estava Nina,
quando chegou na propriedade de Tréplev, horas antes de sua estreia no teatro, e se
deparou com ele, o autor das palavras que deslanchariam sua carreira, montando um
pequeno palco. Um palquinho xumbrega, que mal parava de pé, mas que, naquele
momento, significava o mundo para Nina. ​(o ator ou atriz dispõe cadeiras em frente ao
palco que montou, na direção oposta à do público e coloca fotos de artistas renomados
​ o público?! Loteria! Estrear diante de Arkádina... E Trigórin!
em cima das cadeiras) E
Que sonho!

Nina ​(o ator ou atriz veste-se de Nina, sobe no palco e fala com o público)
Sabe? Eu quase não vim. Agora que meu pai está casado de novo, ele quase não me
deixa sair de casa. Principalmente se eu quero vir pra cá... Acha que aqui vivem
boêmios, drogados e pervertidos. Que aqui não é lugar para uma mocinha como eu. Mas
tem algo que sempre me puxa para cá... A arte... O Teatro... ​(primeiro sinal)

Hoje, é minha estreia. Nunca pisei num palco antes e a sensação é de embriaguez. E eu
me sinto linda...! Estou nervosa, minhas mãos estão suando... Já se sentiram assim?
Com o coração na boca. E ainda nem me aqueci! ​(aquece-se) Preciso de aquecer,
sempre soube que eu era uma atriz do corpo... Energia, energia, energia! ​(segundo sinal)

Ah, meu deus! E se eu esquecer o texto...? O que eu faço? Improviso? Acho que sim.
Talvez seja até melhor que as palavras de Tréplev. Eu disse para ele que a peça parecia
morta, sem ação. As palavras dele não despertam emoção... Parece tudo tão seco... Meu
trabalho de atriz que vai dar vida pra esse texto ​(terceiro sinal) ​Eu preciso entrar. É a
minha vez... Obrigado por me ouvirem...

(Vira-se de costas para o público e de frente para as cadeiras que foram dispostas.
Produtor leva a câmera diante de ator ou atriz, que representa Nina na peça de
Tréplev. O produtor grava o ator ou atriz.)

Nina
Homens, leões, águias e perdizes, cervos de grandes chifres, gansos, aranhas, peixes
silenciosos que habitavam as águas, estrelas do mar e criaturas que os olhos não eram
capazes de ver — em suma, todas as vidas, todas as vidas, todas as vidas depois de
concluírem seu triste ciclo, se extinguiram… Há muitos milhares de anos não existe
mais uma única criatura viva sobre a terra e esta pobre lua acende sua lanterna em vão.
No prado, os grous já não despertam com um grito, nem se ouvem os besouros nos
bosques de tílias. Frio, frio, Frio. Deserto, deserto, deserto. Horror, horror, horror.

Pausa. O produtor grava as cadeiras com fotografias de atores e atrizes renomados.


Volta a gravar o ator ou a atriz no palco.

Os corpos dos seres vivos se desfizeram em pó e a matéria eterna os transformou em


pedra, água, nuvens, e as almas de todos os seres vivos fundiram-se em uma só. A alma
do mundo sou eu... eu... Em mim, habita a alma de Alexandre, o Grande, de César, de
Shakespeare, de Napoleão e a alma da mais reles sanguessuga. Em mim, as consciências
de todos fundiram-se com os instintos dos animais e eu me lembro de tudo, de tudo, e
sinto em mim todas as vidas viverem de novo.

Produtor
Isso está um tanto decadentista! Maravilhoso!

Nina
Estou só. Uma vez a cada cem anos, abro a boca para falar e a minha voz ressoa neste
deserto tristonho, mas ninguém escuta... E vocês, oh pálidas luzes dos fogos-fátuos, não
me escutam... De madrugada, o pântano pútrido as traz ao mundo e vocês, pálidas luzes,
vagueiam até a aurora, mas sem pensamentos, sem vontade, sem os tremores da vida.
Receoso de que a vida irrompa em vocês, o pai da matéria eterna, o diabo, promove um
fluxo incessante de átomos, como acontece com as pedras e a água, e vocês são
continuamente transformadas. No universo, só o espírito permanece constante e
invariável.

Pausa. O produtor grava as cadeiras. Em seguida, volta a gravar o ator ou a atriz.

Nina
Como um prisioneiro lançado num poço profundo e vazio, não sei onde estou e o que
me espera. Para mim, só é claro que, na batalha encarniçada e cruel contra o diabo,
origem das forças materiais, estou destinado a sair vencedor, e, depois disso, a matéria e
o espírito se fundirão em uma harmonia maravilhosa e terá início o reino da vontade
universal. Mas isso só acontecerá quando, pouco a pouco, ao fim de uma longa série de
milênios, a lua, a luminosa Sirius e a terra se houverem transformado em poeira... Até
lá, o horror, o horror...

O produtor derruba as imagens uma a uma das cadeiras. Resta uma fotografia, que
deve representar um escritor. Nina olha dramaticamente para a imagem.

Produtor ​(desligando a câmera)


Muito bacana seu teste, Victor. Muito bacana.

Ator, atriz ou Nina​ ​(pegando a fotografia que restou na cadeira)


Este daqui é Trigórin. Por quem Nina se apaixonou. Por quem me apaixonei. A causa do
ciúme de Tréplev. E o início de nossa decadência.

UNIDADE DOIS: A GAIVOTA

Ator ou atriz
A primeira vez de Nina no palco foi um fiasco, assim como a minha. Arkádina ​(levanta
uma das fotos na cadeira) d​ etestou. Tréplev, quando viu que nem sua mãe tinha gostado
da encenação, se retirou, frustrado.

Nina
E eu conheci Trigórin. Ele era um homem… peculiar. Os moscovitas são estranhos.
Essa gente da metrópole me intimida e me fascina. Imagina, eu? A vida toda nesse
bucolismo partir direto para a cidade grande, brilhar no teatros, subir naqueles palcos
enormes, me sentir linda! Eu e Trigórin nos conectamos de uma maneira muito especial
em muito pouco tempo. Disse a ele, citando uma frase de um de seus romances, que eu
seria dele, se ele quisesse. Eu duvidava, a todo instante, se eu deveria partir para
Moscou…

Nina senta-se na cadeira, de frente para a câmera. O produtor posiciona-se de frente


para a televisão, como no início. A imagem é projetada na televisão.

Nina
Eu ainda estava na propriedade de Tréplev, depois do desastre premeditado da peça.
Senti um furor e uma adrenalina por pouco tempo; quando vi Arkádina chorando na
cama porque ninguém queria lhe trazer cavalos e Trigórin pescando eu entendi que
gente famosa também é gente comum. Trigórin aproximou-se de mim, conversamos um
pouco - ele, sempre com aquele caderninho, anotando ideias para contos e romances.
Trigórin saiu - e eu vi Tréplev se aproximar. Não tínhamos nos visto depois da
apresentação, ele saiu enfurecido. E aproximou-se enfurecido, enciumado de estar
conversando com Trigórin. Ele chegou perturbado, com uma gaivota morta na mão.
Louco. Ele matou a gaivota. Um animal tão lindo. Inocente. Ele matou. E jogou aquele
bicho morto nos meus pés. Disse que faria consigo a mesma coisa que tinha feito com a
gaivota…

Produtor
Muito bacana. Muito bom. Da pra ver que você, de fato, fez uma boa escola de teatro,
Victor. O seu teste está ficando com uma ótima qualidade. Agora, vamos para a última
parte do teste, ok? Muito simples, como foi até agora. Sei que você vai tirar de letra. A
diretora do espetáculo foi bem enfática em dizer que queria atores e atrizes que
transformassem a realidade, certo. Ela quer ver a capacidade dos atores e atrizes de
transformarem essa realidade através da imaginação e da atuação. Estamos fazendo o
seguinte jogo. ​(o produtor entrega para ator ou atriz uma galinha de borracha) O seu
objetivo é transformar esse brinquedo na gaivota da peça. Você tem você, o brinquedo e
a câmera. Você pode fazer o que quiser, improvisar, ir além do texto, se joga. Mas a
gente precisa ver uma gaivota. Eu não posso ver o brinquedo, eu tenho que ver a
gaivota. Combinado? A câmera tá rodando. Quando você quiser.

Ator, atriz ou Nina ​(pegando a galinha e tentando manuseá-la para a câmera)


Ultimamente, o senhor se irrita à toa…

Produtor
Eu tenho que ver a gaivota!

Ator, atriz ou Nina ​(mostrando a galinha para a câmera)


Se expressa de um modo totalmente incompreensível, como se usasse símbolos.

Produtor ​(gritando)
Gaivota!

Ator, atriz ou Nina ​(colocando a gaivota sobre o rosto, esfrega ela sobre o corpo)
Veja aqui esta gaivota, também deve ser um símbolo, ao que parece, mas, me desculpe,
eu não entendo...

Produtor
Boa! Isso aí! Ótimo!

Ator, atriz ou Nina ​(joga a galinha longe)


Sou simples demais para compreender o senhor.

Produtor
Boa. Acha que conseguiremos ver uma gaivota?

UNIDADE TRÊS: A ATRIZ

Ator ou atriz
O teste, neste dia, acabou. No fim das contas, eu não passei no teste. Mas cheguei até a
fase final e só perdi o papel para a Fernanda Torres. O que, pra mim, já é uma grande
honra. Mas acho que não seria justo terminar essa história ou essa mentira por aqui, sem
contar qual o destino de Nina. Não posso deixar este teatro, hoje, sem contar o final
dessa história que é tão parecida com a minha. Nina, o amor da vida de Tréplev, aquele
que matou uma gaivota em seu nome. Nina, aquela cujo sonho era ser atriz,
apaixonou-se por Trigórin. Nina, aquela que largou a vida do campo, a única vida que
conhecia, para ir para Moscou, casar-se com um escritor e ir atrás de seu sonho.
Imagino como foi a noite anterior à mudança de Nina para Moscou. ​(toca “gracias a la
vida”, de Mercedes Sosa) No que ela pensava, o que ela colocou em sua mala de
viagem. ​(o ator ou atriz traz para a cena uma mala e uma arara com algumas roupas,
começa a colocar as roupas na mala) Uma decisão tão rápida - ir encontrar-se com
Trigórin em Moscou logo após Tréplev ter jogado uma gaivota morta sob os seus pés. A
dúvida - eu sou uma gaivota? eu sou uma gaivota? eu sou uma gaivota…? Toca, ao
fundo, Mercedes Sosa. Talvez, uma intervenção um pouco latina em uma história tão
europeia.

Essas roupas… Não são como as de Arkádina. Ela… Ela vive com casacos belíssimos,
vestidos maravilhosos, luvas, cachecóis. As roupas que vestem diferenciam as boas
atrizes ​das atrizes medíocres de Moscou. E essas roupas que tenho, com certeza, seriam
usadas pelas atrizes medíocres. Mas são as únicas que eu tenho, são as que tem pra
comprar aqui. ​(coloca as roupas na mala).​ Assim que chegar na cidade, comprarei os
vestidos mais lindos, os casacos mais luxuosos. ​(coloca um chapéu e um manto, fecha a
mala, segura-a, dirige-se à saída da cena, pela plateia.)

(de costas para o palco) O pai de Nina. A madrasta. Tréplev. O campo. O lago que
dividia a propriedade de Nina da propriedade de Tréplev. Tudo ficava para trás. A
certeza de um sonho se prostava frente a frente com ela. Menina do campo. Partiu no
próximo trem para Moscou. Encontrou-se com Trigórin. Casou-se com ele. Mas ele
parece que não se casou com ela. Tiveram um filho. Mas Trigórin continuou se
encontrando com Arkádina, continuou amando Arkádina. E Nina viu seu sonho escorrer
pelos bueiros de uma cidade imunda. Tornou-se uma péssima atriz. Apresentava-se nos
piores teatros da Rússia - e Tréplev, sabendo de suas apresentações, comparecia a todas.
Mas Nina nunca queria recebê-lo.

(vira-se para o palco) Dois anos depois que partiu para Moscou, Nina voltou para a
propriedade onde cresceu e conheceu Tréplev. Hospedou-se num hotel próximo por
uma semana e, em todos os dias dessa semana, andou pelas propriedades, contornou o
lago que as dividiam, contemplou o teatro que Tréplev montou e onde tinha feito sua
primeira apresentação como atriz. Em nenhum dia dessa semana toda ela quis
econtrar-se com Tréplev.

(dirige-se de volta ao palco) A não ser no último dia de sua estadia, minutos antes de
partir. Foi até a propriedade de Tréplev, encontrou-se com ele.

Nina ​(fala para a câmera, que projeta a imagem na televisão, tira o chapéu e o manto.)
Já fazia dois anos que eu não chorava. Ontem, tarde da noite, fui ao jardim, ver se o
nosso teatro ainda estava de pé. E ele está lá até hoje. Chorei pela primeira vez, em dois
anos. e me senti aliviada, minha alma ficou mais serena. Veja, já não estou mais
chorando. ​(segura na mão de Tréplev) Mas quer dizer que você agora já é um escritor...
Você é um escritor e eu, uma atriz... Caímos nós dois no mesmo turbilhão… Eu vivia
alegre, como uma criança... acordava de manhã e começava a cantar; amava você,
sonhava com a glória, e agora? Amanhã, bem cedo. partirei para Iêlets, num vagão de
terceira classe... junto com os camponeses, e em Iélets os comerciantes que se julgam
instruídos vão me importunar com as suas atenções. Que vida sórdida! ​(Nina,
​ eus cavalos estão à minha espera, na
rapidamente, põe o chapéu e veste o manto) M
porteira. Não me acompanhe, irei sozinha... (entre lágrimas) Por que você disse que
beijava a terra em que eu pisava? O certo seria me assassinar. Estou tão esgotada! Quem
me dera poder descansar... Eu sou uma gaivota... Não, não é isso. Eu sou uma atriz. É
isto! (ouve o riso de Arkádina e de Trigórin, põe-se à escura) Trigórin também está
aqui... Ora... Não é nada... Sim... Ele não acreditava no teatro, sempre ria dos meus
sonhos. e assim, pouco a pouco. eu também Fui deixando de acreditar e cai num
desânimo... E então vieram as aflições do amor, os ciúmes, os receios incessantes com o
bebê... Eu me tornei mesquinha, fútil, representava de forma leviana... Não sabia o que
fazer com as mãos, não sabia como me postar no palco, não dominava a minha voz.
Você nem pode imaginar o que é isso, um ator perceber que está representando
pessimamente. Eu sou uma gaivota. Não, não é isso… Lembra que você matou uma
gaivota com um tiro? Um homem chegou por acaso, viu uma gaivota e, por pura falta
do que fazer, matou a gaivota... O tema para um pequeno conto. Mas não é isso…
(esfrega a testa com a mão) Do que eu estava falando?... Falava sobre o teatro. Agora
não sou mais assim... Sou uma atriz de verdade, represento com satisfação, com
entusiasmo, urna embriaguez me domina no palco e eu me sinto linda. Agora, enquanto
estou aqui, caminho o tempo todo, caminho e penso, o tempo todo, caminho e sinto que
meu espírito se torna mais forte a cada dia... Agora eu sei, agora eu compreendo que no
nosso trabalho, representando no palco ou escrevendo, o que importa não é a glória, não
é o esplendor, não é aquilo com que eu tanto sonhava, mas sim a capacidade de
suportar. Aprenda a carregar a sua cruz e acredite. Eu acredito e, assim, nem sofro tanto
e, quando penso na minha vocação, não sinto medo da vida.

Ator ou atriz
Os cavalos de Nina chegaram. Ela, uma vez mais, partiu. Ela e Tréplev nunca mais se
encontraram.

EPÍLOGO: A ANTITRADIÇÃO

No palco:

Desde já, gostaria de agradecer a presença de todos aqui. Gostaria de já pedir imensas
desculpas por ter forçado algumas mentiras aqui, nesta noite. A primeira delas, a de que
a minha história no teatro e a de Nina são parecidas. Isso é mentira: eu comecei a fazer
teatro na escola. Até hoje, nunca me apresentei para nenhuma atriz famosa. A segunda,
a de que eu participei de uma audição e concorri ao papel de Nina - essa, talvez, seja a
mais estapafúrdia mentira de todas. Peço imensas desculpas, também, por ter escrito e
interpretado essa peça só para realizar o meu sonho de ser a Nina no teatro - que talvez
seja a única verdade contada durante toda essa noite.

Resta uma cadeira no centro do palco. Ator ou atriz senta no fundo da plateia:

Este palco talvez não esteja mais vazio. O fim dos espetáculos é um momento curioso:
não há mais nada no palco, mas ele permanece preenchido.

Dizem que a deusa da oportunidade tem cabelo só na frente da cabeça, porque é


possível agarrá-la apenas quando ela chega. Se ela passa, não tem cabelo nas costas para
agarrarmos. A deusa da oportunidade está aqui, chegando. Se alguém quiser, pela última
vez, subir naquele palco, prostar-se no meio dele, sentar naquela cadeira e ser quem
quiser: Nina, Julieta, Hamlet, Ofélia, Geni… A hora é agora.

Alguém?

Das könnte Ihnen auch gefallen