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Estranho casamento (The man from Tripoli) Kay Thorpe

Sabrina no. 92

Estranho
casamento “THE MAN FROM TRIPOLI”

Kay Thorpe
Digitalização: Dores Cunha
Revisão: Fátima Tomás

CAPÍTULO 1

- E eu os declaro marido e mulher - falou o padre.


Lisa fechou os olhos. Agora era tarde demais. Já estava terminado. Ela era a
esposa de Bryn, para o que desse e viesse.
Lisa Venner. Era este o seu novo nome e ela achou que, com o tempo, se
acostumaria a ele. Era difícil acreditar que há poucos dias ela nem sabia da
existência de Bryn. Só cinco dias, mas já parecia uma vida inteira. Se ela
tivesse sido forte o suficiente para não ir ao casamento de Mark, seu ex-
namorado, nada teria acontecido. Mas não, ela achava que devia ir, para provar
a todo mundo que ele não tinha mais importância.
Tinha sido simples sair da igreja, na hora em que os noivos recebiam os
cumprimentos. Na rua, o sol havia ofuscado seus olhos. Ao atravessar, ouviu
uma forte buzina e, de repente, alguém agarrou seu braço e a puxou de volta
para a calçada, no momento exato em que um táxi passava raspando pelo seu
corpo.
- Você nunca olha antes de atravessar a rua? - perguntou o desconhecido.
Lisa tentou concentrar-se no que havia acontecido, deu um sorriso e disse:
- Estava pensando em outras coisas. Obrigada por me puxar.
- Sorte sua que eu estava por perto. Senão, a esta hora, você estaria indo para
o hospital. - Ele a soltou. Afastou-se um pouco e olhou-a, curioso.
- Eu vi você na igreja - comentou. - É amiga da noiva?
- Ex-namorada do noivo.
- Que coincidência. Eu sou ex-namorado da noiva. Acho que devemos afogar

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nossas mágoas juntos, tomarmos alguma coisa.
Lisa o olhou com atenção. Era um homem alto, bronzeado, de rosto anguloso e
talvez tivesse uns trinta anos. Não devia estar morando há muito tempo na
Inglaterra, ela pensou, pois seu bronzeado era recente. Tinha olhos verdes e
brincalhões.
- Sou Bryn Venner - ele se apresentou.
- Lisa Jordan. E acho que ainda é muito cedo para bebermos.
- Que tal um chá? Chá e simpatia. Acho que será agradável.
- Eu não sei... - começou Lisa, mas não terminou a frase.
- Você planeja ficar aqui e esperar para ver os noivos partirem juntos?
O orgulho dela se sentiu ferido.
- Não, não vou esperar.
- É melhor. O que está feito, está feito. Agora é tocar a vida para a frente.
Então, que tal um chá?
Ela decidiu aceitar. Quanto mais cedo afastasse seus pensamentos de Mark,
melhor. Aquele Bryn Venner logo desistiria de conversar, iria embora e pronto.
Ela poderia ficar sozinha para pensar sobre sua vida.
- Está bem, vamos ao chá.
Ele a segurou pelo braço para ajudá-la a atravessar a rua.
Era um homem magro, mas musculoso. Vestia um bonito terno cinza e fazia uma
leve pressão no seu braço. Era difícil imaginá-lo com a loirinha que Mark
acabara de escolher para esposa. Ela detestava ter que admitir, mas Mark e a
moça pareciam combinar muito bem. Eram até parecidos um com o outro. E
muito bonitos. Bryn Venner era másculo demais, mas não exatamente bonito. As
linhas do seu queixo e sua boca mostravam que era um homem decidido. Não
era o tipo de June. Não era também o seu. Parecia muito mais velho e
experiente. Oh!, Mark, que saudade, pensou Lisa.
Seu acompanhante chamou um táxi e pediu para ser levado ao Savoy.
- Já que vamos tomar um chá, será um chá de classe. Depois poderemos fazer
um outro programa.
O bom senso impediu que Lisa lhe desse uma resposta malcriada. Ela tinha ido
só tomar chá. Nada mais que isso. Quando tivesse terminado, iria embora.
Será?, perguntou a si mesma.
- Você não mora na Inglaterra? - perguntou ela.
- Moro na Líbia. Trabalho com petróleo. - Tirou um cigarro, ofereceu outro a
ela, mas Lisa recusou. - E você, mora em Londres? - perguntou ele.
- Moro. Trabalho para a Wrexhams.
Foi lá então que você encontrou Mark Williams?

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Encontrei e perdi. Ele achou que a filha do dono da empresa seria uma esposa
melhor do que uma simples secretária do escritório.
Ele é muito ambicioso - disse Bryn.
Acho que é como todos os outros. Não quero dizer com isso que ele não a ame.
Os dois combinam bem.
Não sei. Acho que vão acabar se metendo demais um na vida do outro. Foi o que
June fez comigo em Trípoli. Acho que ela ainda não está preparada para um
casamento.
- Você acha mesmo?
- Depende das condições. Lá na Líbia, temos muitos europeus trabalhando para
a Unilíbia. A maior parte é de casados. A companhia acha que os casados são
mais responsáveis.
- Por isso você pediu June Wrexham em casamento?
- Eu nunca pedi. O casamento dela já estava marcado há três semanas. Ela
estava só esperando que eu chegasse para me contar.
- Talvez ela mudasse de ideia se você tivesse pedido.
- Duvido, ela estava muito fascinada por aquele rapaz. Mas isso também não
tem muita importância. Como esposa, June não deve ser grande coisa e eu não
estava querendo discutir com ela.
- Não me parece que você esteja procurando uma esposa só para satisfazer a
companhia e suas regras.
- Não se trata realmente de uma regra. É apenas uma preferência. Na
realidade, lá um homem precisa mesmo de uma esposa. As noites são muito
frias - ele disse, brincando.
Do jeito que ele parecia indiferente ao casamento da ex-namorada, Lisa pensou
que June teve sorte de escapar.
- Ela não perdeu grande coisa por não casar comigo - disse ele -, mas acho que
também não fez bom negócio escolhendo um ambicioso como o Williams. Ele
deve ter pensado: é esta a minha grande oportunidade. Decidiu aproveitá-la.
Foi bom que você não estivesse muito apaixonada.
- O que faz você pensar isso?
- A sua atitude. Acho que seu orgulho não ficou muito ferido. Certo?
- Se você pensa assim, deve estar certo. - Por nada deste mundo ela o deixaria
perceber o seu sentimento real. Deixe que ele pense que somos iguais. Na
verdade, não vamos ficar muito tempo juntos.
- Quanto tempo vai durar o seu emprego na Líbia? - ela perguntou com frieza.
- É permanente, se eu quiser. Tenho um contrato de três anos, que pode ser
renovado. Já passou quase um ano.

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- E se você não quiser ficar?
- Depende do que aparecer. A Unital está abrindo novos campos de petróleo em
outros lugares do mundo.
- Mas um homem com família não deve estar mudando o tempo todo. É uma vida
difícil.
- Há muitas facilidades oferecidas pela companhia. Ela também cuida das
mudanças da família. Algumas vezes as esposas ficam alguns meses na
Inglaterra, até que tudo esteja resolvido.
- Favorecem a esposa, com isso?
- Há compensações. - Ele parecia espantado. - Na verdade o que você quer
dizer é que não vê a June como este tipo de esposa.
- Eu não a conheço pessoalmente. Não posso dizer do que ela gosta - disse Lisa,
tentando falar de um jeito neutro. - Ela parece que gosta de se divertir. Mas
posso estar enganada.
- Será? - Ele a olhou curioso. Ela tinha cabelos loiros, feições finas e pernas
longas, que pareciam bonitas sob a saia de seda. Você também gosta de se
divertir?
Lisa sorriu, decidida a não deixá-lo perceber que tinha ficado perturbada com
seus olhares.
- E o que há de errado com isso?
- Nada. Acho que é até uma boa coisa para fazermos juntos; agora.;
Não houve tempo para resposta. Haviam chegado ao hotel. Lisa não estava bem
certa sobre o tipo de resposta que deveria dar. Ele tinha feito apenas uma
observação. Nenhum convite. Apesar disso, havia uma sugestão implícita: eles
eram duas pessoas unidas por uma perda em comum - pelo menos era assim que
ele via a situação. De repente, ela se sentiu arrependida de ter aceitado o
convite para o chá.
Era a primeira vez que ela entrava no Savoy, mas não estava muito
impressionada com o salão e as portas giratórias. O ambiente era de luxo
discreto e tudo parecia calmo.
O chá não era servido geralmente naquele horário. Mas Bryn dirigiu-se ao
garçom de um modo que não deixou dúvidas quanto à sua vontade. Não
perguntou "podemos", mas simplesmente ordenou "queremos".
Era mesmo um homem acostumado às coisas feitas do jeito que queria - e
demonstrava isso.
O chá foi servido em xícaras de porcelana, acompanhadas de bonitos
guardanapos bordados. Lisa se sentiu como uma duquesa.
Bryn a olhou, sorrindo.

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Parece gostoso. O que você acha de morar aqui?
Acho que subiria numa cadeira e gritaria "fogo"! Só para ver alguma agitação.
- Quando é preciso, os garçons ficam agitados, bem rápidos.
- Você está hospedado aqui?
- Não desta vez. Não consegui arranjar vaga. Londres está cheia de turistas.
- É sempre assim, nesta época. Mas você também é um turista.
- Mas não do tipo que tira fotografias por aí... esses ridículos.
- Estou surpresa que você tenha ficado aqui tanto tempo, se não gosta da
paisagem.
- Não consegui passar três semanas inteiras na cidade. Fiz algumas viagens
para o interior. Fui visitar amigos.
- Quanto tempo ainda vai ficar?
- Cinco dias. Tenho passagem para a próxima segunda-feira à noite.
- Deve estar contente de voltar para lá.
- Estou.
- Mesmo sem uma esposa?
- Acho que vou pedir emprestada a de algum colega lá respondeu sorrindo,
tentando ser engraçado.
- Isso não me surpreenderia.
- Não mesmo? - Ele estava se divertindo com ela. - É estranho uma mulher
pensar assim. Conte mais alguma coisa sobre você.
- Para quê? Você só iria acreditar naquilo que quisesse.
- Muito bem. - Ele agora estava rindo alegremente. - Você é exatamente aquilo
que os médicos me receitaram: Lisa Jordan, para ficar mais satisfeito com a
vida, esquecer as mágoas. Onde você pretende jantar?
- Em casa.
- Tentar curar as mágoas sozinha? Acho que não faz o seu género. Você precisa
sair. Eu também.
Lisa o olhou longamente, surpresa pelo tom de voz dele. Ela estava fingindo; de
repente, achou que ele também poderia estar. Se estivesse, é porque havia
ficado tão ferido quanto ela pelo casamento de June.
Ele devolveu o olhar, mas agora tinha uma expressão diferente.
- Quero sair à noite com você, Lisa. Acho que será bom para nós dois.
- Está bem. - Ela própria ficou surpresa com a rapidez do consentimento. Agora
era muito tarde para voltar atrás. Sorriu e disse: - Como você falou, é isso que
nós precisamos.
Começaram a conversar, cada um falando dos seus interesses. Ela ficou
surpresa ao ver que, aos poucos, saía da enorme depressão em que estivera

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mergulhada nas últimas semanas. Estavam os dois no mesmo barco, precisando
de estímulo para superar uma fase difícil. Era muito melhor do que ficar
sozinha.
Quando ele sugeriu que fossem a outro lugar tomar um drinque, ela percebeu
que eram quase seis horas. Antes de saírem, foi à toalete e, no espelho, teve a
sensação de estar olhando para uma Lisa diferente. Espantoso como um pouco
mais de maquilagem e um penteado sofisticado podem mudar a aparência. Ela
parecia bem mais velha, mais segura de si.
Esta tinha sido a sua intenção. Não queria deixar a impressão de uma menininha
solitária e triste naqueles que a viram no casamento. Estava mudando de
emprego porque estava aborrecida com o antigo; tinha mudado de penteado
porque estava cansada do outro; não havia razão para que percebessem que
tudo era por causa de Mark. De qualquer forma, ele já tinha ficado para trás.
Oficialmente, ela tinha saído da Wrexhams na última sexta-feira. Possuía
quase duas semanas de férias antes de começar no emprego novo; ia tentar
uma vida nova.
Ela ia esquecer Mark. Tinha que esquecê-lo. Ele estava casado e fora do seu
alcance. Naquela noite ela estava disposta a fazer um bom programa e esquecê-
lo - com um homem que ela não iria ver nunca mais. Tentaria se divertir ao
máximo. E amanhã estaria sozinha.
Acordou tonta, com dor de cabeça. A cama parecia estranha, dura e muito
grande. Estava deitada com o rosto no travesseiro. Fez força para se virar e
procurou proteger os olhos da claridade. Uma pontada de dor atingiu sua
cabeça.
Pensamentos esparsos passavam por sua mente, conseguindo aos poucos fazer
algum sentido. Eles tinham ido a uma festa, ela se lembrava vagamente. Estava
muito cheio lá, muito barulhento. Só um rosto, na festa, lhe parecia familiar.
Demorou um pouco para perceber que era o mesmo rosto do homem que estava
sentado numa cadeira, do outro lado do quarto, as pernas esticadas. Ele
segurava um cigarro e soltava calmamente a fumaça pela boca. No cinzeiro já
estavam as pontas de muitos outros cigarros.
- Está se sentindo melhor? - perguntou ele.
Aos poucos ela o reconheceu. De repente, ficou em pânico, quando viu seus
olhos cinzentos. As lembranças estavam voltando e nenhuma era boa: tinha
dançado envolvida por braços fortes; tinham rido juntos, seu rosto perto da
face bronzeada dele; bolhas de champanha tinham borbulhado perto do seu
nariz.
Muito champanha. Demais. Lisa agora lembrava vagamente de ter entrado num

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carro, percorrido muitas ruas, com um braço a apoiando firme; de um quarto e
um homem que a havia carregado nos braços, sorrindo. Este quarto. Este
homem.
Oh, Deus!, pensou ela. Tomara que não seja verdade.
O lençol de algodão era macio. Ela tossiu, colocou a mão na frente da boca e
virou de bruços.
Bryn levantou-se e perguntou:
- Quantos anos você tem, Lisa?
- Vinte - ela disse, com a voz abafada pelo travesseiro. Espantado, ele
comentou:
- Parecia mais velha ontem. E agia como se fosse.
- Eu estava tentando parecer mais velha. Mas... não para isso.
- Ela não conseguia encará-lo.
O sorriso dele era quase imperceptível.
- Não estou tentando me desculpar. Eu precisava de uma mulher na noite
passada. Mas se soubesse que era a sua primeira vez, eu a teria levado para
casa e colocado você na sua própria cama. Onde é a sua casa? Alguém deve
estar preocupado com a sua ausência.
- Eu tenho- um quarto alugado em Putney. Ninguém está me esperando. - Ela
precisou se esforçar para falar.
- Isto é bom. Nos dá tempo para pensar. Lembro de você ter dito que seus pais
são divorciados.
- Sim.
- Eles moram por aqui?
- Minha mãe casou com um americano e foi para os Estados Unidos. Meu pai
mora em Surrey.
- Ele casou novamente?
- Sim.
- Você o vê sempre?
- Não. - A garganta dela estava doendo pelo esforço de controlar a vontade de
chorar. Mas era tarde para lágrimas, ou para qualquer outra coisa. Ela não
entendia por que ele fazia tantas perguntas. Nada podia alterar os fatos.
- Acho que você vai se sentir melhor quando se vestir. Desça para o salão
quando estiver pronta e conversaremos num cantinho calmo.
Ela ergueu a cabeça e sentiu náusea.
- Onde estamos? - perguntou.
- No meu hotel. É muito grande e bem discreto. Ninguém vai perguntar qual é o
seu quarto.

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Ele se dirigiu para a porta, sem fazer ruídos, pisando sobre o grosso carpete.
- Estarei esperando na frente dos elevadores. Portanto, não tente fugir.
Temos que encarar os fatos, nós dois.
Que fatos ele tinha que encarar, pensou, ao ver a porta fechada. Ela tinha tudo
a perder. Se tivesse passado a noite com Mark, pelo menos sabia que teria sido
por amor. Mas Bryn era um completo estranho - um homem que tinha
encontrado pela primeira vez no dia anterior. Não havia nenhuma desculpa.
Jogou fora as cobertas e levantou, sentindo enjoo. Pela primeira vez na vida
tinha bebido demais. Seria a última, ela jurou.
Foi ao banheiro. No espelho viu que seu rímel havia se espalhado em volta dos
olhos, dando a impressão de que eles estavam machucados. Seu cabelo estava
em desordem, embaraçado e pedindo um pente.
O modo como se comportou na noite anterior fez com que sentisse vergonha.
Bryn não era tão culpado. Ela pressionou as têmporas, tentando evitar a dor de
cabeça. Na verdade, não lembrava de todos os detalhes. Eram apenas vagas
impressões. Não havia como escapar aos fatos. Agora tinha um homem
esperando por ela lá embaixo. O homem com quem passara uma noite de amor.
Amor? Nem disso poderia ser chamada. Não tinha sentido emoções.
O chuveiro quente a ajudou a colocar as ideias no lugar. Primeiro queria chegar
em casa e se ver livre daquele vestido novo. Ao pensar no seu quarto solitário,
ficou triste. Agora não tinha mais Mark para ir buscá-la, levá-la a passeios.
Como seria a vida sem ele?
Tinha batom na bolsa, mas decidiu não usá-lo. Penteou os cabelos e deixou-os
soltos. Que importava sua aparência? Já tinha causado impressões demais no
homem que estava esperando lá embaixo.
Não conseguia imaginar sobre o que ele queria conversar. Talvez se sentisse
culpado com o que tinha acontecido. Mas não precisava. Ela já estava preparada
para levar toda a culpa. com seu comportamento da véspera, poucos homens não
teriam feito o mesmo. Principalmente se estivessem tentando se consolar. Ela
tinha sentido tanta saudade de Mark! Por isso bebeu demais. Então não
conseguiu evitar o que tinha acontecido. Mas não era uma boa desculpa.
Desviou os olhos da cama, pegou o casaco, fechou a porta e pensou que agora
teria de viver sabendo que Mark estava casado. Poderia desculpá-lo, mas não
podia desculpar a si própria. Nunca.
Percebeu que estava no quinto andar. Tomou o elevador e esperou que pudesse
sair do hotel sem que ninguém a visse. Não queria encontrar novamente aquele
homem. Como iria encará-lo?
Quando a porta do elevador abriu no térreo, ele estava sentado bem na frente.

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Sem parecer apressado, ficou de pé e dirigiu-se ao caminho que ela tinha
escolhido para sair, interceptando-a.
- Vamos tomar café? Precisa comer alguma coisa.
- Eu não posso. Prefiro... Por favor...
- Só um café. - Ele não admitia recusas. Pediu uma mesa perto da janela. Foram
servidos.
- Beba o café. Prove uma torrada. Já tive muitas ressacas, por isso sei como
você se sente.
Nada poderia deixá-la pior. Lisa obedeceu, tomou alguns goles de café e aos
poucos sentiu-se melhor. Terrível era ter de olhar nos olhos cinzentos dele.
- Se você queria parecer mais velha e experiente, conseguiu. Meu próprio
julgamento foi errado. Mas agora você parece ter dezessete anos.
- O que ainda é uma idade de falta de juízo - disse ela. - Não poderia ter feito
pior. Mas não se preocupe. Não posso culpá-lo pelo que aconteceu. Acho que dei
a impressão de que... - A voz dela foi sumindo.
- Eu me culpo. Devia ter percebido. Você disse que vai começar em um novo
emprego. Quando?
- Na próxima segunda-feira. Estou de férias no momento. E pensou: resolvi sair
do emprego antigo na semana passada para não ter que encarar os colegas,
antes e depois do casamento de Mark. Mas não disse esta última frase, pois
não queria que ele sentisse compaixão.
- Então, no momento você não tem nenhum compromisso. Será que tem um
passaporte válido?
- Para quê? - perguntou ela, surpresa.
- Você tem?
- Tenho, mas...
- Isso simplifica as coisas.
- Não compreendo. - Lisa olhou-o, espantada. - Que diferença faz eu ter um
passaporte?
- Economiza o tempo de tirar um. Acho que já falei que embarco para Trípoli na
próxima semana. Temos tempo.
- Para quê? - A dor de cabeça estava de novo nas têmporas.
- Para casar.
As vozes das outras pessoas pareciam muito distantes. Lisa sentiu como se o
seu corpo estivesse pesado, sem pensamentos.
- Casar? - repetiu.
- Sim. Acho que é a única forma de contornarmos a situação. Tenho que
embarcar na segunda-feira. Não posso esquecer disso. E também não posso

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esquecer o que aconteceu conosco. Acho que você provavelmente não tem
muitos motivos para querer ficar aqui.
- Mas nós somos dois desconhecidos. Como podem duas pessoas que nunca se
viram antes...
Os lábios dele se abriram num sorriso.
- Eu não diria que somos assim tão desconhecidos. Muitos casamentos começam
com menos do que isso. Você pode dizer que se sente atraída fisicamente por
mim.
- Eu nem mesmo me lembro direito o que aconteceu ontem à noite. Só da
bebida.
- Só mesmo?
- Sim.
O sorriso dele foi rápido.
- Pelo menos não temos complicações; é só aceitar a minha palavra e conto o
que aconteceu.
- Não posso, casar com você. É... impossível!
- E eu não posso deixar você. Imagine se estiver grávida.
- Nem tinha pensado nisso - confessou Lisa, baixinho.
Não foi uma noite para pensamentos deste tipo. Acho que atualmente os
homens pensam que as mulheres têm tudo sob controle. -- Não é o meu caso.
Mas acho difícil estar grávida. -- Pode estar, há uma chance. E eu não vou me
arriscar.
- Você não vai se arriscar? E eu, não tenho opinião?
- Você pode ser só um número nas estatísticas. Mais outra mãe solteira.
- Você está fazendo pouco de mim.
- Não estou. E não vou passar o resto da minha vida imaginando coisas. Não
tenho o hábito de deixar os meus filhos abandonados. Quero casar com você,
Lisa.
- Mas suponha que eu não queira.
- Não vai fazer nenhuma diferença. Eu quero casar.
- Só porque você foi o primeiro homem?
- Este é um motivo, mas há outros.
- Ah! Já sei, a companhia. Eles estão esperando que você leve uma esposa?
Ele procurou ignorar a ironia e respondeu:
- Não dei nenhum motivo para a minha viagem. Só alguns amigos sabiam que eu
me correspondia com uma garota da Inglaterra. Mas é só. Eles podem até
pensar que você é essa garota.
- Mas eu não sou. E não quero ser. Bryn, não vai dar certo. Você tem que

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perceber isso. Nenhum casamento dá certo desse jeito.
- Sem amor, você quer dizer? No Oriente ninguém se importa com isso. Os
casamentos são arranjados pelas famílias e muito bem-sucedidos. O amor surge
com a convivência. Quem pode provar que não?
- Você parece que já planejou tudo - disse ela.
- Passei algumas horas pensando, antes de você acordar. O que você estava
imaginando fazer na vida? Provavelmente passar o resto dela sofrendo por
causa de Mark. Ou então provar a si mesma que ele não teve tanta importância.
- Quero ir para casa. - A voz dela estava trémula.
- Um quarto alugado em Putney. Isso não é uma casa. Sou onze anos mais velho
que você, Lisa. Tive tempo de atingir uma posição sólida na vida e poderei
mantê-la bem.
- Na Líbia?
- Para começar. Tenho mais dois anos de contrato. Depois podemos planejar
outra coisa.
Ela olhou desesperada para ele. Não conseguia acreditar no que estava
acontecendo. Casar com um homem que quase não conhecia parecia impossível.
Mas, dentro de si, teve de confessar que sentia vontade de aceitar. Também
não era qualquer homem que estava disposto a casar apenas por causa de uma
noite de prazer, da qual ela nem se lembrava bem. Isso poderia fazer parte do
jogo dele. Lisa podia até prever uma vida com um relacionamento falso, frio.
Estava indecisa. Soltou as mãos no colo, trémulas. Lembrou-se das mãos dele
percorrendo seu corpo e procurou afastar o pensamento.
- Confie em mim, Lisa. Vai dar tudo certo.
A aliança parecia bonita e estranha no dedo dela. Estavam esperando um carro
do lado de fora do hotel, onde o almoço do casamento tinha se realizado. Lisa
acenou para o pai e a segunda esposa dele. Não sentia nenhuma emoção. Ele a
acompanhara no casamento, um pouco tímido. Nunca tinham sido bons amigos e
desde que se casara pela segunda vez, ela o tinha visto poucas vezes. Ele tinha
um filhinho, com Marie, que adorava. Se Lisa tivesse nascido menino, talvez ele
tivesse se dado bem com ela. Não que isso fizesse muita diferença, agora. Ela
tinha sua própria vida.
Por vontade dela, o casamento tinha sido na igreja, com um vestido branco
simples. Bryn convidara um velho amigo para padrinho. No almoço, todos
conversaram animadamente e, na toalete, Marie havia comentado que ela era
uma garota de muita sorte por ter conseguido um homem como Bryn.
- É realmente tranquilizador para o seu pai saber que ele cuidará bem de você -
disse ela, em tom sério. - A sua mãe sabe que você casou?

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- Mandei um telegrama. Acho que ela vai me escrever quando eu lhe der o
endereço em Trípoli.
- Também queremos o seu endereço. Seu vestido é muito bonito. Gostei
também do conjunto que comprou para a viagem. Acho que não terá problemas
de dinheiro, casada com um executivo do petróleo. Acho que ele é um homem
importante, lá.
O homem importante agora estava com ela. Juntos, atravessavam as ruas,
dentro do carro.
- Você mal falou nas últimas horas. Acho que as coisas não estão assim tão mal
Estou só cansada. - Lisa forçou um sorriso. - Foi um dia cheio.
E o voo vai deixá-la mais cansada. Pena que não possa ser diferente.
- Não tem importância. Posso dormir no avião. A que horas vamos chegar em
Trípoli?
- De madrugada. E o aeroporto é longe da cidade. Mas, assim que chegarmos em
casa, você vai direto para a cama e recupera o seu sono.
Ela pensou se ele estaria dizendo aquilo com alguma intenção oculta. Mas não
havia jeito de saber. Mesmo depois de cinco dias de contato, aquele homem,
com quem havia casado, ainda era um desconhecido. Mas não tinha importância.
Até o momento ele não a havia beijado com nenhuma paixão. Apenas um beijo
leve na testa, quando lhe dissera boa-noite. A situação toda parecia ridícula.
Porém, ela não - sabia o que fazer para mudar. Todo o relacionamento deles
parecia desequilibrado.
Conhecendo-o ou não, ela havia percebido que gostava de certas coisas nele.
Bryn podia fazê-la rir, quando queria. Podia ter uma conversa interessante. Até
que não era tão mau. E, além deles dois, ninguém mais parecia perceber que as
coisas não estavam realmente perfeitas. No futuro, o que poderia acontecer?

CAPÍTULO II

Ainda estava escuro quando eles aterrissaram. A viagem tinha sido cansativa e
Lisa mal conseguia olhar a paisagem em volta. Um enorme carro branco os levou
do aeroporto até a cidade, que ficava a vinte e sete quilómetros de distância.
Tomaram a direção oeste, para os lados onde estava a casa de Bryn. Não
tiveram necessidade de cruzar inteiramente a cidade.
O carro rodava suavemente pela estrada e, em poucos minutos, Lisa caiu no
sono, com a cabeça balançando ligeiramente, até que a encostou no banco.

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Quando chegaram, ela estava com dor no pescoço. Esfregando-o, desceu do
carro e parou na calçada de pedras, em frente a uma casa de dois andares,
branca, que seria seu lar nos próximos dois anos. Havia grades nas janelas de
baixo e, na parte superior, uma sacada coberta que ocupava toda a frente da
casa. Árvores e plantas subiam por uma coluna perto da porta e um pequeno
muro separava a casa da calçada.
Uma pessoa apareceu em um dos lados, correndo para abrir o portão duplo de
ferro, cujo ruído deixou Lisa arrepiada. Era um homem e estava vestido com
uma camisa larga, solta, de cor indefinida. Tinha o rosto escuro e triste.
Cumprimentou Bryn numa língua que parecia árabe, mas as palavras eram
totalmente incompreensíveis para ela.
- Fale inglês - disse Bryn, um tanto autoritário. E, dirigindo-se a Lisa:
- Este é Mukhtal. Ele e a esposa, Hawa, tomam conta da casa.
- Querem tomar café? - perguntou o líbio, sorrindo para sua nova patroa.
Bryn fez que não.
- Traga a nossa bagagem. Vamos comer mais tarde. Agora só queremos dormir
um pouco.
Abriu a porta e entrou numa sala grande, onde o chão era todo ladrilhado em
branco e preto. Lisa teve a vaga impressão de que os arcos e portas eram a
entrada de um outro mundo. Dirigiram-se a uma escada, no canto da sala. O
corrimão era todo em madeira trabalhada. As paredes eram totalmente
brancas, enfeitadas com tapeçarias e objetos de cobre.
Em cima, um corredor, com portas nos dois lados, completava a casa. Bryn abriu
a primeira e ajudou-a a entrar. Havia duas camas grandes, ambas com colchas
iguais, de renda. O resto dos móveis era de madeira pesada, trabalhada em
baixo-relevo e com incrustações. Também o chão do quarto era de ladrilhos,
com alguns tapetes.
- O banheiro é na porta ao lado - disse Bryn, jogando a mala na cama mais
próxima. Passou a mão pelos cabelos, tirou a gravata e abriu o colarinho. - Você
tem tudo o que precisa nesta mala, ou quer abrir as outras?
- Posso ficar só com essa. - A voz era fraca e ela sentia o peito oprimido. Essa
era sua noite de núpcias e o único sentimento que tinha era de depressão. Tudo
parecia tão estranho, principalmente o fato de saber que estava casada com
este homem, que se despia com tanta naturalidade. De repente, quis
desesperadamente voltar para a Inglaterra, onde todas as coisas eram
familiares. Como iria se acostumar com ele, dividir suas intimidades se, como
filha única, nunca tinha dividido nada com ninguém? Era muito complicado estar
casada. Muito mais do que tinha imaginado. Começou a pensar: muitas pessoas

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têm algo familiar entre si, não interessa o quê. Ela tinha apenas passado uma
noite com Bryn. E isso não ajudava muito. Na verdade, tornava tudo pior.
Saiu rapidamente, à procura do banheiro, sentindo que os olhos dele a seguiam.
Ia ter que voltar para o quarto, naturalmente. Quando chegou, ele estava na
sacada, em pé, com os cotovelos apoiados no parapeito, olhando o mar à
distância. Na porta, havia uma tela de correr, para evitar a entrada de insetos.
Através dela, Lisa pôde ver que ele usava apenas as calças do pijama, seus
ombros eram largos e fortes, formando uma bela silhueta, tendo o céu como
fundo.
Ele se virou quando a ouviu. Ficou olhando-a por alguns momentos antes de
afastar a tela e entrar. Observou a camisola fina que ela usava e, fitando-a no
rosto, parecia impaciente.
- Pelo amor de Deus, pare de se fazer de vítima. Parece que é uma mártir na
hora do sacrifício. Eu não espero que você cumpra os deveres Me esposa esta
noite. Foi um dia cansativo e estamos exaustos. Esqueça isso.
Ela não fez nenhum movimento quando ele passou, apenas engoliu em seco. Bryn
podia ter feito uma tentativa para compreender seus sentimentos, pensou,
aborrecida, mas sabia que para ele isso era impossível. Era um homem e os
homens vêem as coisas de outro modo. Do ponto de vista dele, todas as
barreiras entre ambos já tinham caído naquela noite, no quarto do hotel.
Ficou deitada, imóvel, na cama perto da janela. Quando ele voltou do banheiro,
virou o rosto para a porta. Ele apagou as luzes e Lisa ouviu o outro colchão
fazer barulho, com o peso do corpo que deitava. O silêncio parecia pesado.
Dava para ouvir o barulho de insetos voando lá fora. Bryn foi o primeiro a falar,
mais gentil do que ela esperava.
- Você sabe, mesmo que não consiga se lembrar do que aconteceu, a primeira
vez não é muito agradável para uma moça. Se eu tivesse tido oportunidade,
teria levado você a alguns passeios, onde poderíamos nos conhecer melhor,
antes de trazê-la para cá. Mas não foi possível. Agora temos que fazer o
melhor que pudermos. Durma bem. Vai dar tudo certo.
O sol já estava alto quando Lisa acordou. Ficou deitada quieta por alguns
momentos, olhando o teto, até que virou a cabeça em direção à outra cama.
Estava vazia e as cobertas tinham sido jogadas no chão. Mais longe, viu as três
malas, esperando para serem abertas.
Sentou-se, afastou o cabelo do rosto e pensou que horas seriam. Seu relógio
estava na gaveta do pequeno móvel entre as duas camas. Olhou-o e ficou
desanimada. Dez e meia. Por que Bryn não a tinha chamado?
com o dia claro, o quarto parecia maior, fresco, com uma cor agradável

Livros Florzinha - 14 -
Estranho casamento (The man from Tripoli) Kay Thorpe
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proporcionada pela cortina azul que ia de uma parede à outra. Ela afastou a tela
e foi para a sacada, sentindo que o calor era mais forte do que tinha esperado.
Outras casas como aquela se espalhavam pela vizinhança. Ao longe, dava para
ver o mar e as praias de areias douradas.
Ficou um pouco mais alegre, gostou do cheiro do ar e do calor na pele. Depois
de três dias de chuva sem parar, na Inglaterra, o sol parecia uma delícia, e
percebeu que teria de ser cuidadosa, para não pegar queimaduras. Lembrou um
pouco do que havia deixado para trás, mas agora esta era a sua nova casa - pelo
menos nos próximos dois anos.
Havia barulho lá fora, mas a casa era quieta como um túmulo. Lisa abriu uma
das malas e tirou uma calça comprida de algodão, uma blusa que combinava e um
par de sandálias. O banheiro era todo de ladrilhos brancos e muito bem
equipado. Depois do banho, enxugou-se numa toalha felpuda, passou a escova no
cabelo e sentiu que já estava suando. Ligou o ar condicionado e percebeu que o
quarto refrescava. Bryn tinha razão sobre as boas condições de vida
oferecidas pela companhia. Aparentemente, os empregados tinham tudo o que
precisavam.
Quando ela desceu para a sala, Mukhtal apareceu em uma das portas. Ele
estava vestido com calças escuras e uma camisa branca, parecia mais velho do
que no dia anterior. Parou quando viu Lisa, sorriu e ela percebeu que lhe faltava
um dente, bem na frente.
- Quer o café agora, senhora?
- Só café e uma torrada - disse, meio na dúvida. - O sr. Venner está lá fora?
- O sr. Venner foi trabalhar. Disse para a senhora esperá-lo aqui, até ele voltar
- falou com um sotaque árabe.
Lisa pensou com ironia que dificilmente iria sair sozinha em uma cidade
estranha. E onde mais poderia esperar? Agradeceu ao homem e dirigiu-se para
a porta mais próxima. Encontrou-se em um salão amplo, decorado com mesas
baixas e sofás. Também o chão era de ladrilhos brancos e pretos, só que tinha
muitas almofadas grandes, espalhadas. Três tapeçarias com motivos
geométricos decoravam as paredes. A mobília era enfeitada com madrepérola.
Através de uma outra porta, viu uma pequena sala de jantar que dava para um
pátio, com um jardim cheio de ciprestes e flores. Lisa saiu e viu a piscina, e
logo sentiu vontade de mergulhar na água. Tinha um biquini na mala, lá em cima.
Precisava só de alguns minutos para se refrescar.
Ouviu o barulho de um carro parando na frente e cancelou a ideia do mergulho.
Pensou contente que Bryn havia voltado e saiu depressa em direção à entrada
da casa. Mas imediatamente percebeu que havia algo errado, quando viu o outro

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Estranho casamento (The man from Tripoli) Kay Thorpe
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homem com ele.
- Pensei que você ainda não tivesse descido - disse Bryn. Venha conhecer Dan
Anders.
O homem estava surpreso, mas apertou a mão dela com firmeza. Era tão alto
quanto Bryn, mas um pouco mais jovem. Seu sorriso era aberto e jovial.
- Mukhtal tem falado há dias que ia haver um aumento de pessoas na casa, mas
ninguém acreditava nele. Bem-vinda a Trípoli. Esse homem que casou com você
devia ter-nos avisado antes, assim poderíamos preparar uma comemoração.
- Não às duas horas da madrugada - respondeu Bryn secamente.
- Acho que nossos planos mudaram, querida. Dan e eu temos que ir a Serdeles,
há problemas com a perfuração. Má sorte, mas podemos dar um jeito.
Lisa controlou-se para não protestar, por causa da presença de Dan, e
perguntou:
- Quanto tempo você vai ficar fora?
- Acho que dois dias. Não deve ser mais que isso.
Ela precisou de toda sua força de vontade para não gritar com ele. Achou que
era um abuso ficar ausente dois dias, quando tudo ali era completamente
estranho para ela. Ele mesmo tinha dito que agora iam se conhecer melhor.
Quando iriam conseguir isso?
Dan estava olhando com admiração e falou:
- Gostaria que a minha esposa fosse assim compreensiva. Ela vai ficar furiosa
quando eu der a notícia. Pelo menos vou contar sobre o casamento de vocês e
ela ficará entusiasmada. Não se preocupe, não ficará sozinha nestes dois dias.
Todas as nossas mulheres virão aqui vê-la.
- Você quer dizer... as esposas dos funcionários? - perguntou Lisa, tentando
sorrir.
- Exatamente. Elas usam bastante a piscina de Bryn, porque esta é a única casa
com piscina que a companhia paga. É melhor do que ir à praia; lá é muito quente
nesta época do ano e faz mal às crianças.
- Você tem filhos? - perguntou ela.
- Não. Pam e eu estamos casados há poucos meses. Ela veio comigo, para ver se
gosta. Os Mallinson, os Beavers e os O'Rourker têm dois filhos cada. As
crianças são a única coisa que proporcionam animação por aqui. Você e Bryn vão
ser uma novidade por algum tempo em nosso círculo de amizades. Pam vai logo
contar para todas como você é. - Ele sorriu e piscou para ela.
Bryn parecia impaciente olhando para o relógio.
- Temos que ir. Quer subir comigo enquanto pego algumas roupas? Não vou
demorar mais do que alguns minutos.

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Estranho casamento (The man from Tripoli) Kay Thorpe
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- Espero no carro - respondeu Dan.
- Certo. - Os olhos cinzentos de Bryn se voltaram para Lisa, um pouco sombrios.
- Venha me ajudar - pediu ele. Ela o acompanhou passivamente e quando
chegaram ao quarto ficou observando-o pegar as coisas e colocá-las em uma
pequena mala.
- Por que os dois precisam ir? - perguntou de repente. - Dan não poderia
resolver o problema sozinho?
A resposta foi curta e rápida:
- Não. É problema meu. Estou levando o Dan apenas para o caso de precisar de
alguém que permaneça lá durante mais tempo.
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- Você vai dizer isso à esposa dele?
O que Dan vai dizer à esposa é problema dele. - A frase foi dita em tom frio.
Ele encarou-a, passou a mão nervosamente pelos cabelos e continuou: - Lisa, sei
que isso não é nada agradável, mas é parte do trabalho. Volto logo que puder e
teremos um fim de semana só nosso.
- Grande coisa! - Ela nem tentou disfarçar o tom amargo da voz. - Um fim de
semana inteiro... tem certeza de que irão dispensá-lo?
A fisionomia dele endureceu.
- Pare de ser malcriada. Eu não vou aguentar isso. Você acha que eu não evitaria
a viagem, se pudesse? Você não é a única em lua-de-mel. Eu também estou!
Ela sentiu que o sangue subia para o rosto.
- Não foi isso que eu quis dizer.
- Eu sei muito bem o que você quis dizer. Deixou bem claro ontem" à noite que
estava detestando a idéia de que eu me aproximasse. Vamos conversar sobre
isso, logo que eu voltar. Se tem uma coisa que eu não quero é um casamento só
na aparência.
- Você não precisava casar comigo. Ninguém obrigou.
- Não obrigou com um revólver.
-- Ah! Você quer que eu acredite que foi uma obrigação moral. Que o seu código
de ética o forçou a me levar até o altar! - Ela não estava mais se importando
com a reação dele. - Ora, não me amole!
Bryn deixou cair a roupa que estava segurando, agarrou a mão dela e a puxou
para si, fazendo com que ficasse de joelhos sobre a cama. Colou seus lábios nos
dela, rudemente, tentando abri-los. Seus braços a esmagaram contra o peito e
o beijo foi tão longo que ela não pôde respirar. De repente, abriu os braços e
empurrou-a, fazendo com que ela caísse sobre a colcha.
- É assim que você quer? - disse, áspero. -- Se for malcriada, vou tratá-la mal.

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É claro que não senti nenhuma obrigação moral. Já discutimos as minhas
razões, - Olhou para ela, caída e pálida, e sua raiva desapareceu. Sorriu,
sentou-se ao lado dela, e colocou a mão em seu queixo, gentilmente. - Lisa, não
fique me irritando. Já fiz um julgamento errado e não quero fazer outros.
Estes dois dias longe de mim podem ser bons. Vai dar tempo para você se
adaptar.
Ela olhou friamente. Queria dizer algo que não piorasse a situação, mas não
sabia o quê. Depois de um momento, Bryn levantou-se e continuou fazendo a
mala. Ela permaneceu quieta, incapaz de se dirigir a ele.
- Então fique aí, com sua raiva - disse ele. - Espero que ela já tenha acabado
quando eu voltar, porque não gosto de garotinhas raivosas. Já existem muitas
crianças irritadas por aqui, para eu querer uma na minha casa.
- Eu não estou com raiva - disse ela, apoiando-se sobre um cotovelo e tentando
falar sem que a voz saísse rouca. - Bryn, não vamos nos separar assim. Desculpe
se não sou o tipo de esposa que você queria.
Ele disse qualquer coisa imperceptível. Depois, mais alto, para que ela
escutasse, falou:
- As minhas preferências não vêm ao caso. Acho melhor descer antes que Dan
venha me buscar. Vamos conversar melhor quando eu voltar. - Antes de fechar
a porta explicou: - Olhe, eu disse a Dan que nós casamos logo que eu cheguei à
Inglaterra, de modo que ele pensa que já terminamos a lua-de-mel.
Lisa sentou-se enquanto ele saía do quarto. Ouviu os passos descendo as
escadas, as portas abrindo e fechando e o som do carro se afastando. Não
chorou. Achava que nunca mais choraria em sua vida.
Pam Anders apareceu em menos de uma hora, dirigindo um Renault trombado.
Tinha vinte e poucos anos, era bem magra e seu rosto demonstrava uma intensa
alegria de viver, o que atraiu Lisa imediatamente.
- Não acreditei quando Bryn nos contou. Ele era um solteirão inveterado... Quer
dizer que ninguém está livre do casamento! Dan, por exemplo, acha que me
conquistou. Mal sabe ele o quanto eu o persegui.
Lisa riu. Era impossível ficar séria perto de Pam.
- Achei seu marido simpático, mesmo conhecendo-o tão rapidamente.
- Sim, ele é simpático. É pena que tenha precisado viajar. Para você também
não está sendo bom. Está ainda em lua-de-mel.
- Acho que as luas-de-mel terminam um dia - disse Lisa, procurando parecer
alegre. - Dan falou que eu não ia me sentir só.
- Vai ser difícil, quando eu contar para as outras que você já chegou! - Virando
para a extensão do telefone, ela perguntou: posso usar? Não posso esperar

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mais!
Lisa disse que sim, apesar de ter sentido um impulso para pedir que não
chamasse ninguém até que Bryn voltasse.
A moça discou um número, esperou alguns momentos e falou alegremente:
- Oi, Marje! Tenho uma surpresa para você. - Fez uma pausa.
- Não, não é isso. Já disse que Dan e eu vamos esperar mais um pouco, pelo
menos uns três anos. - Outra pausa. - Claro que não se pode planejar tudo, mas
estamos fazendo o possível. Quer ouvir ou não a novidade? Sabe, estou na casa
de Bryn e imagine o que ele trouxe da Inglaterra? Não, sua boba, não é um novo
aparelho de som... é uma esposa.
Segurou o telefone longe da orelha de Lisa para ela poder ouvir os comentários
que Marje fazia. Pam olhou sorrindo, depois convidou Marje para visitar Lisa e
despediu-se.
- Hoje você vai conhecer só algumas, o resto encontrará no sábado. Nós
sempre programamos jantares, cada vez na casa de uma.
Acho que é o único divertimento que temos aqui. Telefonou para mais algumas
amigas e comunicou a Lisa:
- Em meia hora a casa vai estar cheia! Que tal nadarmos enquanto esperamos?
Lisa não parecia disposta, sentia-se suada e não estava com vontade de
receber tanta gente, mas talvez um mergulho ajudasse.
Pam estava de biquini por baixo do vestido. Quando Lisa chegou, ela já estava
na água. Pam ficou admirada.
- Você tem um belo corpo. Ótimo para usar biquini. Eu sou muito magra. Ainda
bem que meu marido gosta de pernas compridas - disse ela, esticando uma
perna para fora da água, magra, longa e bem-feita.
Lisa sorriu.
- As magrinhas não precisam se preocupar com regimes.
- É verdade. É uma compensação.
Sorriram e nadaram juntas. Lisa percebeu que já não se sentia tão triste como
há poucos minutos. Pam seria uma boa amiga e as coisas não seriam tão
terríveis como tinha parecido a princípio. Ela e Bryn poderiam se entender, se
realmente começassem a tentar.
As outras esposas chegaram todas juntas, conversando alto e rindo muito. Lisa
foi apresentada informalmente, mas não conseguiu guardar todos os nomes.
Marjorie O'Rourker era a mais velha, tinha mais ou menos trinta anos, era
baixa, um pouquinho gorda, o rosto redondo e o olhar curioso. Jean Beavers
tinha o corpo parecido com o de Lisa e era mais velha uns três anos, tinha
cabelos escuros e compridos, que combinavam com seu rosto bonito. Stella era

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loira, com quase trinta anos, algumas rugas e um ar de descontentamento.
Marjorie foi a primeira a falar:
- Imagine, você é quase uma criança. Não sabia que Bryn escolheria uma esposa
tão jovem.
- Posso pedir a Mukhtal para nos trazer alguma coisa? Já passa do meio-dia e
não almoçamos.
- Claro que pode - disse Lisa, envergonhada por não ter pensado nisso antes.
Sorriu, desculpando-se. - Vocês têm que me ajudar, nunca bati palmas para
chamar empregados. Nunca tive empregados antes.
- O que você fazia antes de casar com Bryn? - perguntou Stella Mallinson.
- Era secretária-júnior. - Lisa preparou-se para as outras perguntas e durante
alguns minutos passou a fornecer detalhes da sua vida. Ansiosa, esperava o
momento em que alguém perguntasse como tinha conhecido Bryn. Quando a
pergunta veio, a resposta saiu com relativa facilidade:
- Nos encontramos em um casamento. - E era verdade. Parecia que fora há
anos.
- Bem, nós sabíamos que ele escrevia para alguém, na Inglaterra, mas ninguém
imaginou que fosse casar nesta viagem - disse Marjorie.
- Seu marido é muito imprevisível.
- Já contei para Lisa sobre os nossos jantares de sábado disse Pam. - Esta
semana será na casa de Marje, na outra será na minha. Você ainda vai ter muito
tempo antes de chegar a sua vez. Não é nada complicado. Apenas uns dois ou
três pratos e alguns drinques. E um café depois para o pessoal não ficar de
ressaca.
- Pensei que o álcool fosse proibido aqui - disse Lisa.
- Oficialmente é. Mas existe em todo lugar. Ninguém incomoda os europeus,
desde que eles mantenham a ordem e não dêem álcool para os empregados.
Geralmente nem temos empregados nos fins de semana. A maioria de nós faz
piqueniques, churrascos ou visitas. Nesta parte do mundo você nem precisa se
preocupar com o clima. É sempre bom. É uma das vantagens deste emprego.
- Uma das poucas - disse Stella, passando bronzeador nos braços e pernas. -
Pois ninguém lhe contou das moscas e mosquitos que chegam no fim do ano.
Nem do mau cheiro das ruas quando o lixeiro esquece de passar.
- Oh, fique quieta, Stella - disse Jean Beavers. - Não é tão mau assim. O seu
problema é que você nunca vê o lado bom das coisas.
- Quero é voltar para casa. Só de pensar que preciso ficar aqui mais dois anos,
sinto arrepios - a voz de Stella era de impaciência.
- Está bom para vocês, que podem tomar sol e aguentam este calor. Eu uso um

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vidro inteiro de bronzeador em cada fim de semana e fico toda queimada. Se
soubesse que seria asssim, nunca teria deixado Keith aceitar este emprego.
- Você pode voltar para casa com as crianças - disse Pam.
- E deixar Keith aqui, sozinho? Nunca!
- Vai ter que escolher. Ou o deixa aqui, ou fica se queimando. E considere-se
feliz de não ter que ficar aqui para sempre. Já pensou se você fosse líbia?
Sabe que, entre todos os países maometanos, a Líbia é um dos menos
emancipados no que diz respeito às mulheres? A maior parte delas usa
barracan, uma espécie de manta branca que deixa aparecer apenas um olho.
Mesmo as mulheres dos países mais ocidentalizados às vezes usam um véu
sobre o rosto quando estão em público. Os homens que não são da família não
podem ver o rosto delas. É considerado pior do que ver a...
- Pam! - gritou Jean, rindo. - Se Dan ouve você falar...
- Ele já está acostumado. E, no momento, está atravessando as areias do
deserto, junto com o chefe, para resolver um problema bem longe daqui! Não se
espante, Lisa, nós somos um grupo meio estranho.
Lisa achou graça. Sentiu que já pertencia ao grupo. Pareciam divertidas, umas
dispostas a ajudar as outras.
Durante o dia foi se acostumando com a cidade. Cinco vezes ouviu o canto
distante, vindo dos minaretes, sentiu o cheiro forte dos temperos e tentou
imaginar o que eram. Pam ficou com ela as duas noites, deixando sua própria
casa entregue a uma empregada.
- Não sei como Bryn conseguiu um casal para morar aqui. Nós só conseguimos
empregadas às vezes e elas voltam para suas casas antes do anoitecer. A minha
cozinha muito bem, mas se recusa a ficar, mesmo quando vou receber visitas.
Você tem muita sorte de ter Hawa morando aqui. Ela poderá tomar conta dos
bebés quando for preciso.
Lisa olhou-a demoradamente, tentando adivinhar o que a outra estava
pensando. Mas não percebeu nada. Pam não poderia saber nada, naturalmente.
Ninguém poderia. Ela mesma nem pensava nesta possibilidade.
De repente a ideia a atingiu em cheio. Sentiu necessidade de colocar a mão
sobre o estômago, para ver se ele havia aumentado. Não percebeu nada. Tentou
fazer mentalmente uma conta. Ainda teria de esperar dez dias para ter
certeza. Se Bryn não estivesse com tanta pressa de voltar, talvez nem
precisassem ter casado.
O pensamento a deixou envergonhada. Havia outros motivos. Bryn precisava de
uma esposa e ela ia tentar dar a ele o que ele precisava. O respeito mútuo era
uma boa base para novas emoções surgirem. O fato de ele ter ficado magoado

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com as respostas que lhe dera mostrava que já estava um pouco envolvido. E ele
podia despertar sensações estranhas nela. De repente sentiu vontade que ele
estivesse ali perto, grande, forte, protetor. A vontade era quase dolorosa,
dentro dela.
No dia seguinte, Pam levou-a para ver a cidade, fazendo antes alguns avisos.
- Sabe, as mulheres na Líbia passam muito tempo dentro de casa, embrulhadas
até os olhos. Por isso os homens se espantam com as estrangeiras. A companhia
sempre avisa para não irmos à cidade de calças compridas ou shorts. Pedem
também que não usemos saias curtas. Ainda bem que a minissaia já saiu de
moda, senão nem poderíamos entrar no país.
Lisa percebeu que ela era sempre brincalhona. Na cidade, os edifícios eram
quase todos brancos. Trípoli era um dos lugares mais bonitos do Mediterrâneo.
Começaram a visita pelo bairro antigo e pediram uma autorização ao
departamento de turismo para visitar as mesquitas. Em Caramanli tiraram os
sapatos, respeitando o costume, e visitaram o local, admirando as obras de arte
da Renascença, as colunas esculpidas e os ladrilhos pintados que cobriam todas
as paredes. Um guia as levou até o telhado, onde podiam ver o castelo e a
cidade. Apontando e gesticulando muito, ele indicou os lugares que deveriam
ser visitados.
Em Suq-al-Mushir, o mercado, uma porção de turcos tentava vender objetos de
cobre e artesanato. Lisa levou uma bolsa toda trabalhada, depois de ter pago
exatamente o preço pedido. Sofreu uma repreensão de Pam.
- A gente tem que pechinchar. Eles gostam. Geralmente pedem um preço alto
para depois diminuí-lo. É o jeito de negociar, aqui.
O único incidente foi quando um jovem, usando roupa bem suja e surrada,
começou a segui-las, perto do arco de Marco Aurélio. Tiveram que andar
depressa e entrar por ruas desconhecidas para despistá-lo.
- É o seu cabelo, tão longo e bonito. Atrai muito as pessoas. E também o fato
de sermos estrangeiras e não estarmos acompanhadas de nenhum homem. Acho
que é melhor voltarmos para casa, se conseguirmos achar o caminho. Senão,
vamos perguntar. A maior parte do pessoal fala um pouco de inglês e eu falo um
pouco de árabe - disse Pam.
Chegaram muito cansadas e Pam pediu:
- Eu, se fosse você, não contaria a Bryn o que aconteceu. Ele vai dizer que nós
procuramos encrencas, saindo por aí sozinhas. Estou só procurando nos
defender.
- De Bryn ou de Dan?
- Dos dois. Dan pediu para eu tomar conta de você. Disse para que eu nunca

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fosse ao mercado sem ele. Mas esperá-lo é como esperar Papai Noel, nunca
aparece.
- Você é incrível - disse Lisa, rindo.
Estava cansada, mas satisfeita. Não conseguia imaginar como teria conseguido
enfrentar aqueles dois dias sem a ajuda de Pam. À tarde, ela voltou para casa,
a fim de esperar pelo seu amo e senhor, como ela definiu Dan. Lisa nadou,
tomou sol e pegou um livro para se distrair. Aos poucos o sono foi chegando,
deixou o livro cair e, de repente, percebeu que havia uma outra pessoa na sala.
Abriu os olhos e viu uma mulher alta, bonita, sofisticada, de olhos azuis e
cabelos loiros curtos. Parecia escandinava, mas quando falou seu sotaque era
bem inglês.
- Desculpe. Não pude vir com as outras. Estava ocupada quando Marjorie me
telefonou. Sou Andrea Farron. Meu marido é Mark, o encarregado da refinaria.
O nome de "Mark" fez Lisa estremecer. Mas disfarçou, para que nada fosse
percebido pela elegante mulher toda vestida em seda creme.
- Não precisava ter-se incomodado - respondeu, pensando por que Pam não
havia mencionado esta esposa. - Pena que Bryn não esteja aqui. Ele foi até
Serdeles com Dan Anders. Espero que volte esta noite. Você quer tomar
alguma coisa? vou chamar Mukhtal.
- Quero um chá gelado - pediu Andrea. - É a única coisa que bebo durante o dia.
- Olhou espantada para Lisa, que tentava pegar as sandálias. - Você não tem
que ir atrás dos empregados. Chame-os. Se forem bons e estiverem
trabalhando bem, virão logo.
- Desculpe - disse Lisa, sem saber o que mais poderia responder. Ergueu a voz e
chamou Mukhtal, ficando contente quando ele apareceu logo.
- Queremos um chá gelado, por favor - pediu. O criado sacudiu a cabeça.
- A geladeira não está funcionando. Está tudo morno.
- E você já avisou a companhia? - perguntou Andrea, antes que Lisa pudesse
falar. Ele negou. - Por que não avisou? É melhor esta geladeira estar
funcionando antes que o sr. Venner volte, senão ele vai ficar furioso. E traga
chá quente, então.
- Sim, senhora - respondeu ele, indiferente.
Andrea sentou-se confortavelmente numa poltrona.
- Desculpe eu ter falado assim com ele, mas este pessoal precisa um pouco de
dureza de vez em quando, se quiser que façam um bom serviço. Bryn vai ficar
furioso se não achar gelo para o uísque, à noite. Mas é claro que você já sabe
das preferências dele.
- Nem todas - disse Lisa, tentando evitar a antipatia que a visitante provocava.

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- Estamos casados há pouco tempo.
- Mas pelo que entendi da conversa de Marjorie, vocês já se conheciam antes
de ele vir para a Líbia. Não é?
- Bem... sim. - Era a primeira mentira deslavada que ela pregava, mas achou que
não tinha escolha. - Ora, não se conhece tudo sobre as pessoas através de
cartas.
- Tem razão. É verdade. Sabe, você é muito mais jovem do que eu imaginava.
- E o que você imaginava? - falou Lisa, devolvendo o olhar penetrante.
A moça riu.
- Na verdade, foi uma completa surpresa saber que Bryn estava casado. Ele
nunca deu a impressão de ser do tipo que casa.
- Mas a companhia prefere casados.
- É, acho que sim. Eles pensam que os casados são mais estáveis!.- Ela falava
com ironia. - Bryn nunca aceitou as regras completamente. A companhia teve
que aceitá-lo como é.
- Você já o conhecia antes de vir para cá?
- Não. Mas, nesta situação, as pessoas tendem a ficar juntas. Somos todos
estrangeiros numa terra estranha. Por isso ficamos juntos.
Lisa tentou afastar a suspeita desagradável que insistia em martelar sua
mente. A cada palavra dessa mulher, mais ela se lembrava de que, no táxi, Bryn
dissera que, se não arranjasse uma esposa, ia pedir emprestada a de um colega.
Seria a esposa de Mark Farron?
- Você já está casada há muito tempo? - perguntou em um tom de voz neutro.
- Muito tempo. Mark e eu estamos apenas fazendo o que se chama "manter as
aparências". Ainda não sei por quanto tempo. Ele vai ficar triste ao saber que
Bryn caiu nas redes do casamento. Sempre invejou a habilidade dele para se
afastar de complicações. Por outro lado, vai gostar de você, assim que conhecê-
la.
Lisa não sabia se aquilo era um cumprimento ou não. Achava que não. Andrea
Farron não era do tipo de mulher que distribuía elogios espontaneamente.
O chá chegou. Mukhtal estava silencioso e sério, mostrando a antipatia que
sentia por Andrea. Também, depois do jeito como ela tinha falado com ele, era
de se esperar isso. O homem tinha muito orgulho e dignidade.
Beberam e Lisa ficou espantada ao perceber que, mesmo quente, o chá era uma
bebida muito refrescante. Analisando a outra, achou que teria por volta de
vinte e sete anos, ou um pouco mais. Era loira como June Wrexham. Bryn devia
preferir as loiras. Toda a sua segurança pareceu abandoná-la de repente, ao se
lembrar que ele tinha sido forçado a casar - e tudo por culpa dela.

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Mas, se era verdade que estava tendo um caso com esta mulher, por que tinha
ido à Inglaterra para pedir June em casamento? Teria Andrea ido muito longe
com seus modos autoritários? Lisa estava em dúvida. Daria a ele pelo menos as
vantagens desta dúvida.

CAPÍTULO III

Andrea saiu às três e meia, deixando Lisa com a sensação de que ela tinha
vindo apenas para causar confusão. Às quatro, o telefone tocou. Era Dan
Anders, em tom de desculpas:
- Lisa, chamei para avisar que Bryn precisou ficar lá. Acho que volta no sábado
de manhã. Só ele pode resolver o problema. Disse que está muito aborrecido
com tudo isso. Pam pediu para você vir ficar conosco alguns dias. Vamos adorar
fazer alguns programas juntos.
- Obrigada - disse Lisa, fazendo força para manter a voz firme.
- Acho que casar com um homem do petróleo tem estas desvantagens. Preciso
ir me acostumando, não acha?
- Concordo. O trabalho dele precisa de muitas viagens, constantemente. Você
precisa aprender a dirigir o mais breve possível. Assim, Bryn aluga um carro
para você e pronto. É a única maneira das mulheres não precisarem depender
de ninguém, aqui. Pam pode começar a ensiná-la amanhã.
Lisa forçou o riso.
- Acho que sou um perigo, solta nas estradas. Mas vou pensar no assunto, Dan.
Obrigada por me avisar sobre o Bryn. Você fez um voo agradável, na volta?
- O avião balançou um pouco, mas foi tudo bem. Olhe, estamos esperando você
para jantar esta noite. vou apanhá-la às seis e meia, está bem?
Ela, na verdade, não queria ir. Mas achou que seria gentil aceitar.
- Está ótimo. vou me aprontar e espero você. Assim poderemos conversar
bastante. Au revoir
Ele riu.
- Nós, aqui, falamos beslama para dizer "até logo". Passo por aí daqui a pouco.
Ela colocou o telefone no gancho. Uma depressão enorme a atingiu. Bryn não
tinha nem se incomodado em escrever um bilhete, como qualquer marido faria,
mesmo que não estivesse em lua-de-mel. O que Dan estaria pensando disso? Ou
será que conhecia Bryn o suficiente para saber que ele não era dado a
bilhetes? Alguns homens não gostam de mostrar seus sentimentos.

Livros Florzinha - 25 -
Estranho casamento (The man from Tripoli) Kay Thorpe
Sabrina no. 92
Provavelmente Dan ia achar que o problema era este.
Não que isso importasse muito. Quem sentia a falta de atenção de Bryn era ela.
Como ficar sozinha mais dois dias?
Dan foi pontual. Ajudou-a a entrar no carro, fazendo elogios pelo bonito
vestido azul que estava usando. Ele estava com uma roupa bem esportiva, que
acentuava o seu bronzeado. Lisa sentiu-se bem em sua companhia. Que
diferença entre a conversa alegre e solta de Dan e os estranhos diálogos com
Bryn. É que, com Dan, não havia sexo envolvido, refletiu ela cinicamente. Talvez
seja esta a única forma de um homem e uma mulher serem amigos, pensou.
Divertiu-se durante o jantar com os Anders. Gostou de observar como os dois
pareciam à vontade, juntos. O casamento até que podia ser divertido, pensou,
quando as duas pessoas combinam, como Pam e Dan. Ele com seu senso de
humor um tanto sóbrio e Pam cheia de alegria de viver.
- Tenho que ir, agora - avisou. Pam protestou, pedindo que ela passasse a noite
com eles. - Você já me fez companhia durante dois dias e hoje à noite. Tenho
coisas a fazer até o sábado - disse Lisa.
- Então, não esqueça, sábado à noite temos o jantar dos O'Rourke -- avisou
Pam. - Bryn não gosta muito de Marjorie, como você já deve ter imaginado, mas
vai sempre lá por causa do Malcolm. Ele é muito simpático. Você vai gostar. Não
é nada muito importante, apenas uma pequena reunião.
No carro, Dan ficou calado. Quando já estavam próximos da casa, disse:
- Sabe, eu fiquei surpreso ao ver como você era jovem, mas agora estou
percebendo que é uma pessoa muito amadurecida. Mais equilibrada do que
muitas outras garotas mais velhas. Achei que é exatamente o que Bryn
precisava. Ele já estava virando um solteirão cínico; acho que agora vai entrar
na Unha.
- Eu também - disse ele. - Você está muito bonita de biquini. Espetacular!
Ela ficou ainda mais corada.
- Nós fomos convidados para jantar com os O'Rourke esta noite
- disse rapidamente.
- Isso já é rotina. Não se preocupe, nós iremos. Não vou privá-la da pouca
distração que há por aqui.
Lisa mordeu o lábio. Ele entrou, deixando a impressão de ter entendido tudo
errado. Ela queria ficar sozinha com ele algum tempo. Queria, mas tinha medo
do momento em que isso acontecesse. Queria ir ao jantar, mas também tinha
medo. Sabia que Andrea Farron ia estar lá.
Eles saíram às oito. A casa dos O'Rourke era perto. Passaram por alguns
bairros com muitas casas alugadas pela companhia. A casa de Marjorie era

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Estranho casamento (The man from Tripoli) Kay Thorpe
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parecida com a sua, mas o jardim era menor e não tinha piscina. Ela os recebeu
com entusiasmo, puxando Lisa para apresentá-la.
- Quero que conheça o meu marido - disse Marjorie, ao chegar perto de um
homem claro de óculos. - Malc, esta é a esposa de Bryn. Não é linda?
Malc tinha o rosto fino e tímido. Sua mão era firme e o sorriso aberto.
- Que bom ter gente nova entre nós. Pensei que Bryn nunca fosse casar. Você
está gostando da Líbia?
- Ela ainda não teve tempo. Chegou há cinco minutos - disse alguém, rindo alto.
Lisa foi apresentada a grupos de pessoas que não paravam de chegar. Sabia que
depois não ia lembrar o nome de ninguém. Mas a pessoa que esperava ainda não
tinha chegado. Será que viria?
No fim do jantar, quando alguns convidados já estavam saindo, viu a loira em um
canto. Andrea estava linda, toda de branco, os ombros nus e um profundo
decote. Os lábios estavam pintados com batom vermelho e sorriam. Bryn estava
com ela, de costas. Por isso Lisa não podia observar seu rosto ao conversar com
Andrea.
- Nós ainda não nos encontramos - disse uma voz atrás de Lisa. - Eu sou Mark
Farron. Aquela lá, com o seu marido, é a minha esposa. Você é como uma brisa
refrescante, neste deserto. Bonita como uma flor.
- Elas logo murcham. Acho que preciso ser muito mais resistente do que as
flores - disse Lisa.
- Você é. - Colocou as mãos nos bolsos da jaqueta e ficou observando-a,
interessado. - Acho que Bryn é um cara de sorte. Como ele a encontrou?
- Por acidente. Acho que foi o destino.
- Agarrou-a na rua?
- É, acho que foi isso mesmo. Você é o encarregado de toda a refinaria?
- Apenas até que ela esteja terminada. Depois a operação passa a ser feita
pelos líbios. É uma sociedade. Unilíbia quer dizer que nós construímos e eles
fazem funcionar. Estamos aqui apenas para ensinar como se faz, depois vamos
embora.
- Só que Bryn fica?
- O trabalho dele é diferente. É muito bom no que faz. Toma conta também dos
campos de petróleo da Tunísia. bom, acho que você já sabe tudo sobre ele.
Sabe que conseguiu dissolver uma greve há alguns dias?
- Não sabia que tinham problemas desse tipo!
- Os homens não contam tudo às suas esposas. Eu devia ter ficado de boca
fechada.
- Oh, não! Conte mais.

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Estranho casamento (The man from Tripoli) Kay Thorpe
Sabrina no. 92
- Não há nada mais para contar. Era algo ligado ao pagamento, como sempre.
Bryn tem autoridade para aceitar o que eles pedem. Não sei se aceitou ou se os
convenceu de que ganhavam o suficiente. Ele já fez isso antes. Ah! Seu copo
está vazio. Quer beber alguma coisa?
- Um gim-tônica, bem fraquinho.
- É a única coisa que temos aqui. Malcolm não aprova o desrespeito à lei da
bebida. Uma vez em Roma... - Sacudiu a cabeça, procurando afastar o
pensamento. - Eu não me incomodaria que todos esses líbios permanecessem
fiéis ao Alcorão. Você precisa ver como ficam as praias aqui quando eles dão
uma festa de garrafas. Só para homens, naturalmente. E dizem que os
cirenaicos não bebem... Acho que não bebem pouco. Espere um pouco, já volto.
Lisa o observou, sorrindo. Havia algo em Mark que a atraía. Ele era um pouco
mais baixo do que Bryn. Tinha a mesma idade e era mais magro. O cabelo
castanho caía na testa e seu olhar era o de um homem bem inteligente. Caso
contrário não poderia estar no emprego que ocupava. Andrea devia se julgar
uma mulher de sorte.
Lisa passou mais de uma hora com ele. Como Bryn, Mark parecia ser forte e
gostar de observar as pessoas, em vez de se misturar com elas. Uma hora,
percebeu Bryn olhando Mark e ela. Andrea tinha se afastado por alguns
momentos. Lisa acenou com a mão e sorriu, mas não parou de conversar com
Mark. Por que faria isso? Resolveu deixar Bryn vir procurá-la, se estivesse
interessado.
Mais tarde, resolveu ir lá em cima, à toalete. Na casa dos O'Rourke, o banheiro
ficava num longo corredor, para o qual davam as portas dos quartos. Ao passar
na frente de uma delas, Lisa ouviu risos e vozes. Prestou atenção e ouviu uma
mulher dizendo:
- Querido, feche a porta. Quer que sua esposa nos pegue?
Se houve uma resposta, ela não ouviu, mas a porta se fechou sem ruídos.
No banheiro, Lisa viu que estava com um ar preocupado. Decidiu afastar o
pensamento dos problemas. Ao voltar, a porta ainda estava fechada, - mas o
silêncio era absoluto. Talvez ela tivesse se enganado com as palavras que
escutara. E, se houvesse alguém lá dentro, o que estavam fazendo não era
problema dela.
Embaixo, procurou novamente Mark, com um sorriso. Viu que Bryn e Andrea não
se encontravam no meio da multidão. Poderiam estar em outra sala... ou naquele
quarto...
A festa chegou ao fim. Bryn apareceu imperturbável. Nenhuma mancha de
batom, como nos filmes; nenhum fio de cabelo loiro e curto. Mas, na verdade,

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Estranho casamento (The man from Tripoli) Kay Thorpe
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isso só acontece em filmes.
Mark olhava para ela com curiosidade,
- Sente-se abandonada? - perguntou baixinho.
- Como poderia? com você por perto... Não tive tempo respondeu Lisa.
- Não era de mim que eu estava falando. Bryn esteve longe toda a noite. Foi
uma surpresa. Principalmente porque ele agora tem uma esposa, e só voltou de
viagem esta tarde. Se você fosse minha, este seria o último lugar onde
estaríamos. Mas talvez as coisas que são importantes para mim, não sejam para
ele. Ou talvez eu esteja enganado. Olhe, acho que vocês já vão embora.
Lisa viu que Bryn se aproximava.
- É hora de irmos - disse ele. - Estou de pé desde as cinco da manhã. - Sua voz
parecia distante e fria. - Obrigado por tomar conta da minha esposa.
- Não foi difícil. O tempo passou depressa. Espero que nos encontremos na
próxima semana. Ela é uma ótima garota.
Despediram-se de todos e saíram. Bryn, no carro, não falou. Parecia distante,
quase um estranho. Era um estranho. Lisa não tinha a menor ideia do que se
passava na cabeça dele. Talvez estivesse aborrecido por não estar ao lado de
Andrea.
Ficou revoltada. Sabendo o que sabia, não ia conseguir dormir com ele no
mesmo quarto. Podia encará-lo? Estava resolvida a avisar que não ia aceitar
este tipo de situação. E se ele negasse tudo? Ela não tinha visto quem estava
no quarto. Nem tinha escutado a voz com clareza, para saber se era Andrea.
Mas podia pressentir que tinham estado lá juntos.
Quando chegaram em casa, ele disse que precisava fazer algumas coisas e ela
subiu sozinha. Deitou com o rosto virado para a janela. Ficou lá, quieta, até que
ele entrou.
- Você não está dormindo, por isso, pare de fingir. Teve quatro dias para se
acostumar com esta vida nova, de modo que, quanto mais cedo conversarmos,
melhor.
Atravessou o quarto e sentou na beirada da cama, virando para si o rosto dela.
Tinha uma expressão indefinida. Ela baixou os olhos e viu o seu peito nu,
observou os músculos que mexiam conforme ele respirava.
- Eu sei - disse.
A mão dele acariciou o pescoço dela, por baixo da gola de algodão fino. Falou,
baixinho:
- Tenho que concordar que Farron tem muito bom gosto. Você estava linda
hoje.,
Lisa não conseguiu responder. Ele a olhou durante um longo tempo.; Abaixou o

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Estranho casamento (The man from Tripoli) Kay Thorpe
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rosto e colou gentilmente seus lábios aos dela, tentando separá-los e fazendo
com que a circulação dela se acelerasse. Vendo que não era correspondido,
ficou mais carinhoso, suas mãos desceram pela curva dos ombros dela, até os
braços. Ela sentia que os dedos de Bryn pareciam fogo tocando seu corpo.
Percebeu que estava perdendo o controle. Lembranças começaram a surgir
novamente. Ela já tinha sido beijada assim antes. Os lábios fazendo um
movimento leve e quente; ele já a tinha abraçado deste jeito, acariciando todas
as curvas do seu corpo, acariciando os seios por cima da camisola,
- Você é perfeita - murmurou ele. - Cada pedacinho é lindo. Deixe-me abraçá-
la.
Foi então que ela sentiu uma repulsa repentina. Queria magoá-lo, atingi-lo
profundamente. Colocou as mãos no peito dele e empurrou-o com força.
- Não quero! Não quero! Você não pode...
Ele não fez nenhuma tentativa para segurá-la. Quando falou, sua voz estava
rouca e diferente.
- Por que você fez isso? Você estava querendo tanto quanto eu. Por quê?
- Eu estava fingindo que queria. Estava vendo se conseguia aguentar novamente.
Mas não posso. Não suporto que você me toque! O rosto dele parecia uma
máscara.
- Não vou aceitar isso, Lisa. Você está agindo como uma adolescente histérica.
Queria que eu a amasse há poucos minutos. Queria muito, eu pude perceber
isso. Pelo amor de Deus, vamos parar agora com esta estupidez.
- É verdade! Eu estava fingindo! - Ela estava sentada na outra ponta da cama,
bem distante dele. - Mas, pelo menos tentei!
- Então tente outra vez. - Ele a puxou para si, abraçou-a com força, o rosto e o
corpo colado no dela. Lisa esperneou, esforçou-se para se soltar. - Pare com
isso, você está sendo ridícula - disse ele.
A dor que ele provocava era grande. Ela abaixou a cabeça e afundou os dentes
nas costas da mão de Bryn. Manteve a mordida mesmo quando sentiu o sangue
na boca.
Ouviu que Bryn gemia enquanto a segurava pelos cabelos, puxando-os com
força, para que ela soltasse sua mão. Os olhos estavam cheios de raiva.
- Sua víbora danada!
- Não me amole. Não toque em mim, quando eu não quiser. Ela estava com a
garganta seca. - Você não pode me forçar a fazer nada que eu não queira.
- Sou o seu marido. Tenho meus direitos e espero que você cumpra os seus
deveres, em vez de agir como uma colegial. - A mão dele ainda segurava os
cabelos dela. Largou-a e empurrou-a com força, fazendo com que ela caísse

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Estranho casamento (The man from Tripoli) Kay Thorpe
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sobre os travesseiros.
Ficou lá deitada, quieta. Ele se levantou e atravessou o quarto. Foi ao banheiro
e ela ouviu o barulho da água correndo, depois o abrir e fechar da porta do
armário. Ainda não tinha se movido quando Bryn voltou ao quarto..
- Tente fazer isso outra vez, e não me responsabilizo pela minha reação - disse
ele.
Sentou na outra cama, procurou o maço de cigarros e acendeu um. Lisa sentia
que a tensão era imensa. A raiva que havia provado já tinha desaparecido. O
que ia acontecer daqui para diante, ela não sabia dizer. Só sabia que não podia
suportar a ideia dele tocá-la. Não, depois de ter estado com Andrea.
- Desculpe ter mordido você - conseguiu dizer, finalmente. Pensei que fosse me
forçar com violência.
- Talvez eu fosse - respondeu ele. - Você me pegou de surpresa. - A voz dele
estava novamente rouca. - Sabe o que é ser chutado assim? Você pode se
desligar de um momento para o outro. Mas um homem normal não é capaz disso.
- Não pude evitar.
- Espero então que Deus nos ajude.
Ele jogou fora o cigarro, deitou e ficou olhando o teto.
- Vamos ter que conversar - disse, depois de alguns momentos.
- Não podemos continuar desse jeito. O que amedronta você?
- Não é medo - ela respondeu, baixinho.
- O que lhe causa repugnância? Eu não fiz nada que já não tivesse feito antes.
Você queria as minhas carícias. Queria mesmo...
- Não. Eu tinha bebido muito naquela noite. Não sabia o que estava fazendo.
- Você sabia muito bem. Só não sabia com quem era. Queria que fosse com
Mark? E agora, também?
- Eu só o conheci hoje à noite - veio a inesperada resposta dela. Bryn parecia
gelado; seu corpo tornou-se rígido. Ela percebeu a bobagem que dissera e
tentou corrigir:
- Eu não queria, não era isso...
- Sei exatamente o que é. - A calma dele era aterrorizante. Estou lhe avisando:
fique longe de Farron!
Ela queria dizer que aceitava a proposta, mas de outra forma, isto é, que os
dois ficassem longe dos Farron. Mas não conseguiu pronunciar as palavras. Ele
podia negar tudo, tudo aquilo que seu coração confirmava. Tinha que aceitar os
fatos.
Nenhum dos dois falou. Nada mais havia para dizer. Estavam separados por
alguns metros de distância, mas podia-se dizer que estavam em mundos

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Estranho casamento (The man from Tripoli) Kay Thorpe
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diferentes.

CAPÍTULO IV
Na semana seguinte, a vida entrou na rotina. com os homens trabalhando a
maior parte do tempo, as mulheres passavam o dia nas praias, ou nas casas
umas das outras. Levavam pratos de saladas e faziam churrasco nos jardins.
A companhia se encarregava da educação das crianças, que ficavam na escola
com uma professora inglesa, esposa de um dos engenheiros. As mais velhas iam
para os colégios internos na Inglaterra em aviões pagos pela companhia, que as
traziam de volta nas férias. Como viajavam muito, Lisa pensou que deveria ser
difícil ensinar a estas crianças uma vida estável, com relacionamentos sólidos.
Ela e Pam eram as únicas esposas que não tinham filhos. Geralmente ficavam
fora da conversa das outras, que sempre falavam em crianças.
- Você e Bryn são muito inteligentes. Terão filhos inteligentes também - disse
Pam um dia. - Será que planejam esperar muito tempo, como Dan e eu?
- Nunca discutimos este assunto. Não sei o que ele pensa disse Lisa, forçando
um sorriso.
- É um assunto importante.
- Será mesmo? - Lisa tentou dar um tom de brincadeira à sua pergunta. -
Financeiramente estamos muito bem. Acho que podemos começar logo uma
família.
- Eu não estava falando sobre problema de dinheiro. Dan e eu achamos que
aprender a viver juntos já é algo muito difícil para termos ainda mais uma
complicação. Quando tivermos filhos, quero estar numa situação em que isso
não perturbe o nosso relacionamento. Além do mais, você já imaginou ficar
grávida neste calor?
Lisa não tinha imaginado, "Nem queria tentar. Mesmo que estivesse grávida,
achava que seu relacionamento não poderia ficar em pior situação do que já
estava. Existiam Coisas impOrtantes sobre as quais ainda não haviam
conversado. E havia também suas suspeitas, isso é que era pior. Suspeitas? Na
verdade eram muito mais que isso. Eram quase uma certeza, um sentimento que
crescia cada vez que encontrava Andrea Farron.
Na rua, um ruído de freios assustou Lisa e pam. era um camelo que se recusava
a andar. Dois árabes usando a djellaba tradicional, discutiam em meio a
multidão de jum'entos. Gesticulavam exageradamente e falavam muito alto.
Uma porção de gente tinha se juntado para ver e, no meio, uma criança olhava
intrigada.
Pam tocou a buzina do velho Renault, mas o camelo nem se moveu. Na segunda

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Estranho casamento (The man from Tripoli) Kay Thorpe
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tentativa, o garotinho descalço apareceu. Estendeu a mão e pediu uma esmola.
Lisa procurou uma moeda na bbolsa e entregou ao menino. Ele imediatamente
pegou o camelo por uma corda e tentou puxá-lo. O animal não se moveu. Um dos
comerciantes se aproximou e afastou o garoto.
- Vamos sair daqui antes qUe apareça mais confusão - disse Pam, e tentou
passar com o carro por trás do animal. Um grito agudo do camelo mostrou que
ela tinha esbarrado nele. Mas conseguiram passar. - Eles pensam que são Os
donos da estrada - gritou Pam alegremente. - Na verdade, são mesmo. Nós é
que somos os estrangeiros aqui.
Lisa não tinha esquecido disSo As pessoas e o calor eram o bastante para
lembrá-la de que estava longe de casa. Sentia saudade da chuva fria caindo
sobre seu rOsto do vento fresco nos cabelos. Agora o vento sempre soprava do
Sul trazendo muita areia do deserto. Achou que devia ficar agradecida por
estarem perto da praia e não em alguma cidade quente do interior como as
famílias de outros funcionários.
- Não esqueça que nós quatro vamos jantar fora hoje - disse Pam. - Você gosta
de comida grega ou italiana?
- Por que não podemos comer comida líbia?
- Não conhecemos nenhum restaurante típico daqui. É uma comida que se faz
somente nas casas de família. Veja se Bryn leva você na casa de Majid Shalhi. É
o homem que vai tomar COnta da refinaria, quando chegar a hora. A esposa
dele é uma boneca. Não vive como nós, quase não sai. Também, não precisa, tem
um marido que é a cópia do Omar Sharif. Eu não me aborreceria se ele me
obrigasse a ficar em casa, desde que também ficasse. Vejo você mais tarde,
está bem?
Às quatro, fazia tanto calor, que Lisa não queria se movimentar mais. Bryn
estava na refinaria e só ia voltar dali a duas horas. Mukhtal e Hawa estavam
ocupados lá dentro. Lisa preparou um drinque e foi tomá-lo no pátio. Surpresa,
viu que Mark Farron já estava deitado em uma das espreguiçadeiras.
- Espero que você não se importe por eu aproveitar da sua piscina. Cheguei e
não havia ninguém em casa. Fiquei aqui, esperando.
- Fique à vontade - ela respondeu automaticamente. Ele havia saído da água
naquele momento, seu corpo ainda estava molhado. Era magro e não tinha pêlos
no peito, ao contrário de Bryn. Tinha as sobrancelhas com um desenho perfeito
e um belo sorriso.
- Já vim preparado. Costumo usar a piscina.
- É claro que pode usar. Fiquei surpresa por causa do horário. Bryn fica
trabalhando quase até a noite.

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- Eu sei. É por isso que estou aqui. Não tive chance de conversar direito com
você desde que nos encontramos. Gostei muito de conhecê-la no último fim de
semana.
Ela não sabia como reagir.
- Mukhtal sabe que você está aqui? - perguntou.
- Sabe. Ele me deu refrigerantes. Mas você não precisa se preocupar. Ele não
vai contar para Bryn que eu estive aqui. Já expliquei a ele.
- Você não tinha o direito de fazer isso.
- Quer dizer que Bryn não se importaria por eu ter vindo aqui visitar você?
Sozinha?
- E o que faz você ter tanta certeza de que eu queria a sua visita?
- Podemos chamar de intuição. Observando você e Bryn juntos, POSSO dizer
que o seu casamento é só de aparência, como o meu. Mas talvez tenham razões
diferentes. Por que você casou com ele, Lisa? Uma moça tão bonita.,. Deve ter
tido muitas propostas.
A voz dela saiu rouca e sombria:
- Você está certo. Não sei como descobriu.
- Cheguei perto da verdade, então. - Ele não se moveu. Fique descansada, não
precisa fingir comigo. Fingiu durante toda a noite no fim de semana passado.
Você está com algum problema. Só quero saber qual é, para ajudá-la.
- Por que está interessado? - perguntou Lisa.
- É a minha educação de bom rapaz. Quero ajudar todo mundo. E, na sua idade,
não se deve ter problemas, apenas alegrias. Não devia estar enfiada aqui com
um marido do tipo de Bryn. Tem que concordar que ele é velho demais.
- Você deve ter a mesma idade dele - disse ela, baixinho.
- com a diferença de que eu nunca fui rude com as pessoas. E ele sempre é.
Ela concordava um pouco com isso, mas perguntou:
- Não acha que devo tentar fazer meu casamento dar certo?
- Não vejo muitas possibilidades. Andrea e eu chegamos a um acordo. Ficamos
longe do caminho um do outro.
- Então, por que ficam juntos?
- Ela acha bom ter segurança e eu gosto de ter uma companheira em quem
possa confiar, quando preciso. - Viu que a expressão dela mudava. - Não fique
tão chocada. Duas pessoas podem não se amar,, mas ainda assim sentir atração
física uma pela outra. Devia saber disso.
- vou buscar outro drinque - disse ela, levantando.
- Não precisa. Não vou demorar mais. Não tenho a intenção de esperar a volta
de Bryn. Fique sossegada.

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Estranho casamento (The man from Tripoli) Kay Thorpe
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- Por que você veio, Mark?
- Para confirmar minhas suspeitas. Você é uma romântica que não devia ter
aceitado a primeira proposta de casamento que ouviu. Mas, também, não é
nenhuma tola. Por isso, acho que deve ter tido suas razões.
- Tive. E muito boas. Amor, por exemplo.
- Você não está apaixonada por ele. Pode-se perceber isso claramente. Você é
do tipo que mostra os sentimentos no rosto.
- Você está brincando!
- Não, geralmente não brinco. É o meu lema. E geralmente não me envolvo muito
com as pessoas. Você é diferente. Percebi isso assim que a vi.
- Não quero ser diferente. Mark, por favor, deixe-me em paz. Não quero que
venha aqui outra vez.
- Está bem. Eu não pretendia mesmo vir. Mas, quando precisar conversar com
alguém, confie em mim. Não estou falando em nada comprometedor. Aqui,
poderia ter um caso com qualquer mulher que quisesse.
- Você quer ser apenas meu amigo?
- Sim, se você quiser.
- Mas nós dois somos casados.
- E com pessoas erradas. - A mão dele acariciou levemente o queixo dela. -
Você precisa conversar com alguém de vez em quando. Alguém que fale sobre
coisas agradáveis e não pense que a vida é só trabalhar.
- E você, o que precisa? - perguntou ela.
- Alguém que tome conta de mim, talvez... Ficaram alguns momentos em
silêncio. Ela falou:
- Não pensei que fosse tão vulnerável.
- Somos todos vulneráveis. De um modo ou de outro.
- Até Bryn?
- Mesmo ele, apesar de ser difícil encontrar o seu ponto fraco. Será que ele
sabia que sua esposa estava tendo um caso com Bryn?, pensou ela. Será que se
importava com isso? Tinha confessado que não sentia nada por Andrea, a não
ser uma certa atração, de vez em quando, o que Andrea também parecia sentir
por ele. Em outras épocas só o pensamento desse tipo de união a teria deixado
revoltada. Agora não estava em posição de julgar os outros. Não estava
apaixonada por Bryn, mas quase se entregou a ele na noite passada. Já tinha se
entregado antes, apesar das circunstâncias terem sido outras.
Mark se vestiu e pegou as chaves do carro.
- Parei bem longe daqui. Não quero chamar atenção.
- Isso não tem importância. vou contar a Bryn que você veio.

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- Vai nada - disse ele, confiante. - Nem Mukhtal. Vai ser o nosso segredo. Não
fará mal a ninguém.
Lisa percebeu que Mark estava certo; ela não ia falar sobre a visita. Por que
iria? Tudo o que tinham feito não era importante. Apenas uma conversa, e Bryn
não poderia reclamar. Não depois dos encontros com Andrea.
- Lembre-se do que eu disse: sempre que precisar... vou ficar esperando.
Ela não respondeu. Era o segredo deles, Mark havia dito. E não haveria outros
encontros. Estava casada com Bryn e ia fazer o melhor possível para tudo dar
certo. Os dois iriam tentar.
Bryn chegou em casa às sete e meia. Ela estava sentada na sala escura. Ele
acendeu a luz e cumprimentou:
- Como foi o dia?
Ela o olhou por alguns momentos, sem falar. Ele parecia cansado, não era hora
de dar as notícias do dia. Não tinha certeza nem do que falaria.
- Quer um drinque? - Lisa perguntou. - vou buscar gelo.
- Não precisa. vou tomar banho. Nós vamos jantar fora com os Anders hoje. Ou
você esqueceu?
- Não esqueci. Pensei que não íamos mais, por causa da hora.
- Não há pressa. Vamos buscá-los às nove. Pare de ter pena de si mesma. vou
levá-la a todos os lugares.
- Bryn, não vamos discutir esta noite. Quero ir, mas só se você também quiser.
- Discutir? É isso que nós fazemos?
- Talvez nem sempre com palavras. Há outras formas. Até agora Pam e Dan não
suspeitam de nada, não vamos desiludi-los.
- Está bem. Vamos manter as aparências a todo custo. Mas que tal algum
esforço da sua parte?
Lisa fechou os olhos e inclinou a cabeça. Queria se libertar da vontade de fugir
dele. Se a tocasse agora, só sentiria repulsa. Sentiu que caíra numa armadilha,
incapaz de evitá-la. As palavras saíram, rápidas:
- Bryn, não estou grávida.
- Então, você não está grávida... E o que devo deduzir disso?
- Pensei que fosse óbvio. Não havia necessidade de casar comigo.
Ele colocou as mãos nos ombros dela e apertou com força, como se fosse
sacudi-la. Depois, soltou-a abruptamente. Procurou um drinque e bebeu antes
de falar novamente:
- Casar... pelo menos no papel. Acho que isso está funcionando psicologicamente
a nosso favor, e não contra nós.
- Não, não é verdade. Você não vê o problema. Era a única coisa que nos

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mantinha unidos. Você não teria casado comigo se as circunstâncias fossem
outras. Estava apenas interessado em June. Talvez com ela você quisesse
casar.
- Isso é o que você pensa.
- Mas você disse! - exclamou, espantada.
- Não era isso. Eu procurei June porque estava de licença e já fazia tempo que
não tinha notícias dela. Queria saber se estava bem- Mas era só. Fui à igreja
para cumprimentá-la e não para lamentar o fato de não ser o noivo.
- Você disse que era um ex-namorado.
-- É verdade, me correspondia com ela. Foi o jeito que tive para começar a
conversar com você.
- Quer dizer que você me seguiu fora da igreja para conversar comigo?
- Não exatamente. Se não fosse aquele táxi que quase a atropelou,
provavelmente teríamos seguido caminhos diferentes. Uma coisa puxou a outra.
Eu estava sozinho, gostei do seu jeito, foi assim que começou. Você foi muito
convincente, fingindo ser mais velha, e parecia estar interessada.
- E poupei o tempo de você procurar outra para passar a noite.
- Isso não foi planejado, não como você pensa. Poucos homens não teriam
reagido da mesma forma, com um comportamento como o seu. Está bem, eu
sabia que muito daquilo tudo era causado pelo excesso de bebida e porque você
tinha perdido o homem que realmente a interessava. Mas não sou nenhum santo.
Por que não iria aproveitar?
O silêncio entre os dois foi grande. Novamente ele falou:
- Não faça as coisas parecerem trágicas, eu já tinha dito quase tudo isso.
Cometi um erro quando decidi dar o passo que iria acertar tudo, pelo menos na
minha opinião.
- Não havia necessidade. Se você tivesse esperado...
- Não podia esperar. Que tipo de homem você pensa que eu sou, para partir
cheio de dúvidas?
- Não sei. Qualquer coisa teria sido melhor do que isso.
- Você acha? E se você estivesse grávida? Havia chances... E agora, o que acha
que devemos fazer?
- Vamos anular o casamento?
- Anular? Não podemos anular um casamento facilmente.
- Parece difícil, mas pode ser conseguido. Podemos alegar que uma das partes
se recusou a consumar o casamento. No nosso caso, eu faço a petição.
- Não vai dar certo.
- Por quê? - perguntou ela. - Porque você não quer que outras pessoas saibam

Livros Florzinha - 37 -
Estranho casamento (The man from Tripoli) Kay Thorpe
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que foi incapaz de persuadir sua própria esposa E cumprir os seus deveres?
O rosto dele mostrou que a discussão estava ficando perigosa.
- Se não consegui persuadi-la, é porque não tive chance. Não vamos ter
anulação nem divórcio e, quanto mais cedo você se acostumar com a ideia,
melhor. Se nós dois nos interessarmos pelo nosso casamento, ele vai funcionar.
Você queria tentar, quando aceitou a minha proposta.
- Ainda não conhecia você muito bem.
- E o que acha de mim agora?
A resposta veio penetrante como uma agulha.
- Ainda não o conheço. Pelo menos, não tão bem quanto Andrea Farron.
Se ela estava esperando que ele assumisse a culpa, sentiu-se desapontada. Por
alguns momentos ficaram ali, um olhando para o outro. Então ele disse:
- O que eu fiz antes de casar não tem nenhuma importância.
- E depois? - perguntou ela.
- O que você quer dizer?
- Não finja que não entendeu.
- Você quer dizer que ainda tenho alguma coisa com ela, neste momento? - Bryn
deu um passo em direção a ela, mas parou.
- Não poderia esperar que você admitisse tudo. Posso parecer jovem e
inexperiente nestes assuntos. Mas não sou cega, nem boba. Sei que estavam no
quarto, na casa dos O'Rourke. Escutei vocês conversando.
- Você reconheceu a minha voz?
- Não a sua, mas a de Andrea.
- Um momento, vamos esclarecer isso tudo. Você deve ter ouvido alguns
boatos, enquanto eu estava em Serdeles. Juntou as coisas e, quando ouviu a voz
de Andrea com alguém no quarto, achou que esse alguém era eu. Certo?
- Procurei você lá embaixo e não encontrei.
- Olhou do lado de fora também? - Ela percebeu que ele tinha no rosto uma
incrível expressão de cinismo.
- Não olhei... estava muito calor. Onde você estava?
- Não sei. Podia estar lá fora. Saí muitas vezes. Uma das vezes fiquei no jardim
mais de meia hora, ajudando um dos convidados que tinha perdido as chaves do
carro e tentava achá-las. Foi por volta das onze horas.
Lisa estava agradecida, mas não conseguia olhá-lo nos olhos.
- Bryn, desculpe se tirei minhas próprias conclusões.
- Nós sempre fazemos isso. Talvez você tivesse suas razões. Lisa, seja honesta
comigo. Naquela noite em que você disse sentir repulsa quando eu a tocava...
era mesmo verdade ou só estava reagindo motivada pelas suas suspeitas?

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Estranho casamento (The man from Tripoli) Kay Thorpe
Sabrina no. 92
- Não tenho certeza. Estava confusa.
- Está bem. Chega de problemas por hoje. Tenho que viajar amanhã para Túnis
e vou ficar fora alguns dias. Enquanto estiver ausente, quero que você pense
bem sobre o nosso casamento. Quando voltar espero que esteja preparada para
me receber. Vamos superar isso tudo juntos. Pelo menos nosso relacionamento
físico será completo.
- Isso é muito importante para você? Ele fez que sim com a cabeça.
- Não vou passar noite após noite com você ao meu lado, sem tocá-la. É um
tormento muito grande. Venha cá, Lisa.
Ela o seguiu, mas não tinha conseguido afastar completamente os pensamentos
de Andrea. Precisava esquecer tudo o que tinha acontecido entre Bryn e aquela
mulher. O importante é que estava enganada sobre o episódio do quarto,
naquele fim de semana. Agora, quando ele a beijasse, não iria afastá-lo. O
toque das mãos dele fez com que Lisa estremecesse.
- Está melhorando - disse ele, sorrindo. - Está ficando mais sensível aos meus
carinhos. Não vai brigar mais? É assim tão difícil?
- Bryn... eu...
- Esqueça tudo. Vamos sair para jantar e quero que se divirta. Como se sente?
Animada?
- Estou bem. Parece que tirei um peso das costas.
- Sei o que quer dizer. Nos próximos dias vamos evitar os convites e ficaremos
juntos só nós dois. Vamos recuperar o tempo perdido.
Ela estava quase sentindo amor por ele. As duas últimas semanas tinham sido
muito difíceis, porque ele era um homem que escondia as emoções. Mas agora
estava tudo bem. O casamento ia dar certo. Como não poderia dar, se os dois
estavam dispostos a conseguir uma harmonia verdadeira?

CAPÍTULO V

A noite foi espetacular. Quando voltaram para a casa dos Anders, depois de um
jantar delicioso, Pam sugeriu que tomassem café e convidou Lisa para ir até a
cozinha, ajudar. Deixaram os dois homens sozinhos, com licores e cigarros.
- Aposto que eles vão falar sobre empregadas e crianças brincou Pam,
procurando as xícaras e- pires. - Que pena Bryn ter que viajar amanhã. Mas
acho que você não está perturbada com isso.
Lisa riu.

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Estranho casamento (The man from Tripoli) Kay Thorpe
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- Não adiantaria nada me perturbar. É parte do trabalho dele. E logo vai voltar.
- E isso resolve tudo, não é? Como se você tivesse uma festa de Natal várias
vezes por ano. Sabe que percebi alguma coisa diferente entre vocês esta
noite? Antes parecia haver uma espécie de tensão entre os dois. Agora já não
existe, ou pelo menos não está tão acentuada. Estão se acostumando um com o
outro?
- Você é muito observadora - disse Lisa, sorrindo.
- Eu já passei por isso. Dan mudou muito depois que nos casamos. Sabe qual foi
o nosso maior problema? A pasta de dentes. Eu sempre apertava o tubo pela
metade. Ele ficava louco! Não dê risada, foi sério.
- Desculpe - disse Lisa, fazendo um esforço para ficar séria. Qual a solução que
encontraram?
- Cada um agora tem seu tubo. Só que eu esqueço e, às vezes, uso o dele. Aí,
então, temos dois tubos apertados no meio.
Os homens olharam curiosos quando elas entraram com o café.
- Parece que estiveram se divertindo. Podemos saber com quê?
- Você não ia entender - disse Pam. - Temos o direito de ter alguns segredos.
Lisa viu que Bryn a olhava e esperou que ele não tivesse conversado nada sobre
o casamento dos dois. Parecia descansado. Impulsivamente, sentou-se ao lado
dele. Precisava ficar perto dele. Este homem grande, cheio de energia, era seu
marido e a desejava muito. Tudo de bom que pudesse proporcionar a ele, seria
pouco. Mas, no íntimo, Lisa ficou contente com a viagem. Teria tempo de pensar
melhor sobre os problemas deles.
Chegaram em casa por volta de meia-noite. Pela primeira vez Lisa achou que
seria capaz de enfrentar a solidão do quarto, sem ressentimentos, mas
continuou com o hábito de trocar de roupa no banheiro.
Quando ela voltou, Bryn estava parado no terraço, como naquela primeira noite.
Convidou-a para se aproximar, passou um braço pelos ombros dela e puxou-a
para si. Ficaram muito próximos, lado a lado, observando a cidade e o mar.
- Será que você vai aguentar mais dois anos aqui? - perguntou.
- Sei que não é fácil para uma mulher ficar sem nada para fazer o dia inteiro, a
não ser conversar com outras mulheres. Principalmente quando tem a sua idade.
Você devia participar de jogos e se divertir. Sente falta das suas antigas
amizades?
- As vezes. Não tinha muitos amigos.
- Mas deve ter tido muitos namorados.
- Alguns. Nada sério.
- Até que encontrou Mark Williams?

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Estranho casamento (The man from Tripoli) Kay Thorpe
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- Exatamente. - Ela estava impressionada por não sentir nenhuma emoção ao
ouvir o nome de Mark.
- Ele queria fazer amor com você?
- Sim, mas...
- Não precisa se desculpar, é um sentimento muito natural. Seu problema é que
você ainda acredita que um homem despreza a mulher que permite o sexo fora
do casamento. Talvez ele despreze se ela for promíscua. O que não impede que
ele também tira vantagem disso. É diferente, no seu caso. Na primeira noite eu
pensei que você já tivesse experiência, mas nunca achei que fosse uma garota
fácil.
Lisa sentiu que engolia em seco.
- Não mesmo? Nem quando eu permiti tudo, algumas horas depois de nos
conhecermos?
Ele sorriu, manso.
- Não vejo as coisas assim. Tudo o que lembro é a emoção que um homem sente
quando consegue excitar a mulher que o interessa. Está bem, havia outros
fatores na ocasião e eu sabia disso. Mas sei que não eram suficientes para
deixá-la daquele jeito.
Era fascinante conversar assim. Aquela intimidade! O ar morno.. Lisa não queria
que ele parasse.
- Deve ter sentido um choque terrível quando... percebeu...
- disse, baixinho.
- Fiquei surpreso, mas contente. Só depois é que fui pensar em todas as
consequências. Você me deu uma coisa que nunca mais teria de volta e não
consegui tirar isso da cabeça. Vendo você lá, deitada na minha cama, com os
cabelos soltos, a maquilagem desfeita... Achei que você não tinha idade
suficiente para tomar conta de si mesma. O casamento me pareceu a solução
ideal.
- Foi tudo culpa minha - disse Lisa sem olhar para ele.
- Não. Se alguém tem culpa, sou eu. Mas isso não tem mais importância. Vamos
construir um relacionamento sólido, Lisa. Temos muito tempo. - A mão dele
acariciou o pescoço dela, depois subiu para os cabelos. - Você é muito bonita.
Tive sorte que aceitasse casar comigo.
- Não sei se me escolheria, se as circunstâncias fossem diferentes,
- Não foi isso que eu disse. Você é muito jovem. Nunca imaginei que escolheria
uma esposa tão nova! Não sou um homem muito tolerante, mas posso me
dominar e você verá que não vai ser difícil conviver comigo. Gosto da juventude
e vou fazer tudo para ser um bom companheiro, tentando ser mais jovial.

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- Não, Bryn. Não quero que faça isso. Se vamos cuidar do nosso relacionamento,
temos que começar agora. Não posso envelhecer cinco anos em uma noite. Mas,
se você me tratar como se eu fosse mais madura, vou conseguir um bom
equilíbrio. E vinte anos não é tão pouca idade assim.
- Posso tratá-la como se fosse mais velha. - Ele a puxou para si, olhando o rosto
dela que estava bem próximo do seu. - Então, quer mesmo ser tratada como
uma mulher?
- Sim.
- Você sab- qual é a diferença entre uma mulher e uma garotinha, se é que
existe mesmo esta diferença?
- Sim! E isso é uma resposta para as duas perguntas. O coração dela batia
forte, mas estava decidida a levar a coisa adiante. Estarei pronta para você
quando voltar de Túnis. Não vai precisar usar luvas quando ficar perto de mim.
Serei mais adulta.
- Fico contente. Vão ser longos os dias desta viagem.
Ele já tinha partido quando ela acordou. Três dias sozinha parecia toda uma
vida. Deixe-o voltar para casa, vai encontrar uma verdadeira esposa, pensou
Lisa. com o tempo, o amor pode nascer entre duas pessoas. Não com a mesma
paixão que alguns casais sentem logo no início, mas verdadeiro e durável.
Impulsivamente, telefonou a todas as esposas e convidou-as, junto com as
crianças, para o café e para nadarem. Pam foi a primeira a chegar, franzindo o
nariz quando percebeu que tipo de festa ia ser.
- Você merece ser punida por convidar as crianças. Ainda bem que os filhos de
Marje estão na escola. De qualquer jeito, ela não vai parar de falar sobre eles.
- Ela é igual a todas as outras mães - disse Lisa. - E não vai ser fácil mudar o
assunto. Elas nos acham aborrecidas com os nossos problemas.
A manhã passou rapidamente com quatro crianças correndo em volta da piscina.
Pam preferiu ler calmamente na sombra, parando apenas para pedir mais café
com doces e pastéis.
Depois que todos foram embora, Pam ainda ficou por alguns momentos.
- Dan pediu que eu fizesse companhia a você. Que tal darmos um passeio?
- Fiquei acordada até tarde na noite passada, com Bryn. Estou um pouco
cansada e tenho algumas roupas para consertar.
- Por que você não pede a alguém que costure suas roupas?
- Gosto de ter alguma coisa para fazer, enquanto Bryn está viajando. Estou
também pensando no fim de semana em que vamos convidar os amigos para
jantar. Quando será?
- Pode ser este fim de semana mesmo. Acho que Andrea não vai voltar em

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Estranho casamento (The man from Tripoli) Kay Thorpe
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tempo de preparar tudo na casa dela.
- Voltar de onde?
- Ela viaja de vez em quando, ninguém sabe para onde. Nem mesmo Mark. Você
não acha que ele devia fazer alguma coisa a respeito? Mas não faz. Eles
preferem levar a vida assim.
Lisa tentou colocar de lado suas novas suspeitas. Seria apenas coincidência que
Andrea viajasse exatamente nestes dias? Pam olhou para ela.
- Você parece interessada no casal...
- Mark me contou muitas coisas. Ele esteve aqui ontem à tarde quando voltei do
passeio... - Lisa parou de repente, percebendo que não devia ter falado sobre
aquilo.
- Ele estava bem? Não acho que Bryn aprovaria esta visita. Não disse nada a
ele, não é?
- Mark ficou apenas alguns minutos. Não falei nada com Bryn, porque não achei
que fosse importante.
- Nenhum homem pensaria assim. Você pode me pedir para ficar quieta, mas
vou lhe avisar que Mark Farron não é do tipo que simplesmente aparece para
uma visitinha informal. Percebemos que ele estava muito interessado em você.
Na verdade, ninguém entendeu por que Bryn deixou vocês ficarem juntos na
festa o tempo todo. Ele e Mark não são bons amigos.
- Por isso não quis dizer a Bryn que Mark esteve aqui. Ele não virá mais. Deixei
bem claro que não quero vê-lo. Sou suficientemente forte para controlar Mark
Farron - disse Lisa, nervosa.
- Está bem, acredito. Se você falou com ele deste jeito, acho mesmo que não
vai voltar mais.
- Desculpe se falei alto demais agora... É que às vezes fico um pouco cansada.
Acho que sou a esposa mais jovem de todas aqui, mas isso não faz com que eu
seja incapaz de cuidar de mim mesma. Honestamente, Pam, não há motivos para
preocupações. E também nada que possa preocupar Bryn.
- Ótimo. Muito bem!
Lisa de repente achou que devia ter aceitado o convite de Pam para passear e
jantar na casa dela. Não queria ficar sozinha. Mas agora era tarde.
Depois que Pam partiu, tentou se ocupar com alguma coisa. Ela precisava ter
confiança em Bryn. Qualquer coisa que tivesse acontecido entre ele e Andrea
Farron, já era coisa do passado. O homem que a abraçara no terraço na noite
anterior parecia muito honesto. Pedia que ela confiasse nele e queria só isso.
Quando anoiteceu Lisa sentiu-se muito sozinha. Hawa tinha preparado seu
prato favorito, o doulma, mas mesmo assim não sentia apetite.

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Tentou ler um pouco, mas não conseguiu. Queria falar com alguém.
O número do telefone dos Farron estava em uma caderneta que Pam lhe havia
dado. Discou com os dedos trémulos, sem ter a certeza de quem atenderia.
Depois de algumas chamadas, ouviu a voz:
- Aqui é Farron.
- Alo, Mark. Soube que você também está sozinho. Houve uma longa pausa
antes que ele respondesse:
- Bryn deixou você aí jogada novamente? Quando ele partiu?
- Esta manhã. Foi para Túnis passar três dias. E Andrea, foi para onde?
- Não sei, ela não me conta. Eu também não pergunto.
- Mas ela é sua esposa. Você tem o direito de saber onde Andrea vai.
- Já lhe expliquei a nossa situação. Nós não temos direitos e deveres. Cada um
é dono de si mesmo. Lisa, você acredita mesmo no que está tentando me
sugerir? Que Andrea e Bryn... - disse ele, depois de uma breve pausa.
- Não! - disse ela. - É absurdo!
- Tão absurdo que nem consegui entender bem. vou aí. - E desligou o telefone
sem dar tempo para ela protestar.
Lisa ficou esperando para abrir a porta no momento em que ouvisse o carro.
Não queria que Mukhtal acordasse e visse o visitante.'
- Você não devia estar aqui. Não pedi que viesse - disse, assim que viu Mark.
- É claro que você precisa de alguém. E como estou envolvido no caso, sou a
escolha óbvia. Acho que nós dois podemos tomar um drinque.
Preparou a bebida e colocou na frente de Lisa. Ela disse:
- Tentei afastar este tipo de pensamento, mas não consegui. Acho que estou
me comportando como uma idiota, neste caso. Não estou?
- Não sei. Na verdade, no que você baseia as suas suspeitas? Os boatos aqui
são muitos.
- Mas têm um fundo de verdade. Já que você não se importa com nada, vou lhe
contar: Bryn confessou que teve um caso com Andrea antes de casar comigo.
- Ele fez isso? Que honesto!
- Você sabia de tudo?
- Sabia - disse ele, encolhendo os ombros com indiferença. Se não fosse com
ele, seria com qualquer outro.
- Como você deixa que ela faça isso?
- Como eu deixo? Veja bem, um divórcio levaria grande parte do meu dinheiro,
sem me trazer nenhuma vantagem. Houve uma época em que eu pensei que ela
ia pedir o divórcio, mas isso não aconteceu.
- Você quer dizer que Bryn quis casar com sua esposa?

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- Não tenho ideia do que Bryn queria. Só sei que Andrea levou o maior susto da
vida quando ele apareceu aqui casado com você. Foi uma surpresa para todos
nós. Ele não parecia do tipo que se entusiasma por...
- Por uma pessoa simples como eu - disse ela, terminando a frase com
amargura. - Está certo. Mas não quero falar sobre isso. Mark, você tem uma
ideia de onde ela possa ter ido, não tem? Não minta para mim, por favor.
- Andrea levou o passaporte. Portanto, suponho que vai cruzar a fronteira. Há
um modo de saber se está com Bryn.
- Qual é?
- Telefone para ele. Na companhia sempre usamos o mesmo hotel em Túnis.
Eles fazem a ligação para o quarto.
- Ele pode não estar lá, a esta hora da noite.
- São só oito e meia. Diria que estão se trocando para o jantar. Ela parecia
assustada, porém sentia a tentação de fazer o que Mark tinha sugerido.
- O que podemos descobrir? Posso falar com ele, mas não vai me dizer se está
sozinho ou não.
- Você saberá - disse Mark, com a mais absoluta certeza. As esposas sempre
sabem. É um tipo de instinto delas, além de uma certa culpa que aparece no tom
de voz do homem. Posso pedir a ligação?
Lisa não respondeu. Viu Mark se dirigir ao telefone, falar com a telefonista e
olhar para ela.
- Estamos com sorte, há linha. Podemos falar agora. Você vem?
Pegou o aparelho e encostou-o no ouvido. Ouviu um barulho distante e alguém
falou com ela em árabe. Não entendeu e pediu, em inglês:
- O quarto do sr. Venner, por favor.
Esperou algum tempo, já pensando que alguém ia dizer que o sr. Venner tinha
saído. Mas, de repente, um ruído mostrou que alguém havia atendido. A voz veio
clara, um pouco rouca. Era de mulher e inconfundível:
- Aywa? - perguntou.
Lisa colocou o fone no gancho como um autómato. Sua mente não podia mais
raciocinar. Mark segurou-a pelo braço e fez com que ela sentasse ali perto.
- O que foi? - perguntou ele.
- Ela está lá. Atendeu o telefone.
- Oh, meu Deus! Desculpe-me. Não devia ter sugerido isso.
- Estou contente de ter telefonado. Assim, não preciso passar mais três dias
aqui, imaginando coisas.
- O que vai fazer?
- Não sei. Acho que vou tomar um drinque.

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- Não deve beber neste estado emocional. Não fará bem a você.
- Fará, sim. Foi bebendo que eu entrei nessa confusão toda. É assim que vou
sair.
A confissão deixou Mark espantado.
- Você quer dizer que Bryn casou só porque dormiram juntos quando você
bebeu?
- Muito nobre da parte dele, você não acha? Principalmente considerando que
não conhecia nada de mim.
- Não compreendo. Ele estava se correspondendo com você, não estava?
Entendi que já se conheciam antes.
- Não era eu. Ele escrevia para uma outra garota. Ele me encontrou na igreja,
no dia do casamento dela. Então passamos a noite juntos. Ele só casou comigo
porque achou que eu podia estar grávida.
- E você está?
- Não. - Só então Lisa percebeu que estava fazendo uma série de confissões
por causa dos aborrecimentos do momento. - Não devia estar dizendo estas
coisas a você. É problema meu e de Bryn. De mais ninguém.
- Ele a deixa sozinha. Por que você deve permanecer fiel? Mark segurou a mão
dela e a puxou para o divã em que estava. Sabe, algumas vezes um homem pode
ser melhor confidente do que uma mulher. Não direi a ninguém o que você me
contou, Lisa. Fique descansada sobre isso. Estou contente que me chamasse
hoje.
- Você era o único que podia me dizer onde Andrea estava. Eu precisava saber a
verdade, mesmo que ficasse aborrecida. Agora não tenho mais confiança nele.
- bom, não precisa perder a confiança para sempre. Isso é apenas o que você
está sentindo a respeito dele agora.
- Eu o odeio. É a sua esposa que está com ele, Mark. Você não sente nada?
- Eu parei de sentir há muito tempo. Só agora, que alguém como você está
envolvida, é que fico chocado. As responsabilidades de Bryn não terminaram no
altar. Você merece ser mais bem tratada do que está sendo.
Será que merecia? Ela devia ter recusado casar com Bryn desde o começo. Um
homem do tipo dele precisa de liberdade. Mas, então, por que ele havia dito
todas aquelas coisas no terraço sobre o relacionamento dos dois e a confiança
mútua? Como podia esperar que conseguissem ter um casamento sólido, quando
ele fazia todas estas coisas?
- Se eu tivesse dinheiro suficiente, partiria no primeiro avião, amanhã - disse
ela.
Depois de alguns momentos, Mark respondeu:

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Estranho casamento (The man from Tripoli) Kay Thorpe
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- O dinheiro não é problema, mas acho que deve esperar.
- Esperar o quê?
- Para vê-lo pessoalmente, encontrar com ele. Acho que Bryn não vai deixar
você partir assim sem mais nem menos. Não, depois de ter conseguido trazê-la
até aqui. Se for embora, ele irá atrás de você.
- Ele não pode me forçar a voltar.
- Não pode. Mas o que você vai fazer sozinha, na Inglaterra?
- O mesmo que fazia antes. Arranjar um emprego... depois procurar um
advogado.
- O divórcio é um processo muito demorado...
- E a anulação?
- Você tem motivos? - perguntou ele, espantado.
- Eu... não tenho certeza. - De repente, sentiu-se desanimada. - Mark, como vou
ficar com ele depois de tudo isso? Eu não o amava antes, mas sentia respeito.
Agora só sinto desgosto. Ninguém mais leva o casamento a sério. Meus próprios
pais se apaixonaram por outras pessoas enquanto estavam casados um com o
outro.
- Não fale assim. A vida não é como nos livros. Eu mesmo casei com Andrea
achando que ficaríamos juntos para sempre. Até descobrir que tipo de pessoa
ela era.
- Até descobrir que tipo nós dois éramos. Ora, quando um não quer, dois não
brigam, já diz o velho provérbio! Cada um de nós quer uma coisa que o outro não
pode oferecer. O erro foi não perceber isso antes de casar.
Lisa ficou silenciosa, pensando no que ele havia dito.
- Ontem, quando você veio me ver - disse ela -, na verdade não tinha nenhum
motivo oculto?
- Tentei me convencer de que não tinha. Mas, para dizer a verdade, eu não pude
ficar longe.
- Você me viu como um modo de se vingar de Bryn? - perguntou Lisa.
- Na base do ladrão que rouba ladrão? Não foi isso. Qualquer que tenha sido o
motivo, não quis magoá-la. Você foi como uma brisa refrescante aqui no nosso
pequeno e sórdido mundo.
- Você acha que o fato de Bryn e eu permanecermos juntos vai beneficiar-você,
ou não?
- Pela primeira vez na minha vida, não estou interessado só em mim. Você deve
ficar, se quiser. Se fugir das coisas agora, pode se arrepender. Pessoalmente,
acho que não tem certeza se quer mesmo ficar com Bryn,
- Tenho certeza de que não quero. Eu o odeio.

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- Quer dizer que ele a magoou. Se conseguiu isso é porque você está
emocionalmente envolvida. Andrea não pode me magoar porque eu não me
importo com o que ela faz. O dia em que você sentir esta indiferença, então
estará livre de Bryn.
- Queria ter casado com alguém como você, Mark.
- Eu também. - Ele tocou de leve o rosto dela. Tinha uma expressão romântica e
disse: - Quero merecer o seu respeito, assim como o seu amor, Lisa. Acho que
tenho sorte de ter esta oportunidade.
Ela não tentou evitá-lo quando Mark se abaixou para beijá-la. Comparado com
Bryn, o beijo dele não a deixou excitada. Mas não era este tipo de excitação
que ela procurava. Abraçou-o com desespero, enterrando o rosto no peito dele.
- Desculpe - disse com a voz abafada. - Sou uma boba.
- Não, você não é! Lisa, vou ter algumas folgas nos próximos dias. Posso levá-la
a Sabratha amanhã. Você não pode ficar aqui sentada sozinha, esperando Bryn
voltar.
- vou preparar a festa de sábado, no lugar de Andrea. Preciso de tempo para
organizar tudo.
- Não muito. É só dizer a Hawa quantas pessoas virão.
- Ninguém sabe que a festa vai ser aqui. Pam sugeriu isso hoje à tarde.
- Então ela já deve ter avisado as outras. Não se preocupe, ninguém vai se
esquecer. Principalmente quando souberem que Hawa fará a comida. Ela é
famosa pelos seus hlalims e kajtaji dejari, uma espécie de almôndegas. E
então? Vamos passear? Precisa se distrair.
- Está bem, eu vou. E obrigada por me convidar.
- É o mínimo que posso fazer. Tome um calmante agora e tente dormir. Ficar
preocupada não vai resolver as coisas. Eu pego você amanhã, às sete, quando
ainda não está fazendo muito calor. Assim, vai gostar do passeio. Podemos
almoçar em Sabratha, visitar as ruínas, depois ir para Zwara e nadar um pouco.
Há praias maravilhosas por lá. Não precisa me acompanhar agora. Sei onde fica
a porta.
Só depois que ele saiu Lisa pensou seriamente em por que tinha aceitado o
convite para o dia seguinte. Percebeu que Mark tinha um certo senso de humor.
Seria divertido sair com ele. Como diz o ditado: emprestar não é roubar.
Gostaria que Bryn sentisse também o mesmo que ela estava sentindo por ele
estar com outra.

CAPÍTULO VI

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Durante os dois dias seguintes, houve momentos em que Lisa até esqueceu seus
aborrecimentos. Divertiu-se e apreciou a companhia de Mark. Visitaram as
ruínas de Sabratha juntos, nadaram, fizeram um piquenique com coisas
preparadas por Hawa e nenhum dos dois mencionou o nome de Bryn ou de
Andrea.
Na tarde de sexta-feira, Lisa começou a ficar preocupada com a volta do
marido. Ela e Mark tinham ido passear em Tarhuna, pela estrada costeira, de
onde se podia avistar o oásis de Beni Walid, perto da entrada do deserto. Lá o
calor era quase insuportável. Decidiram ficar dentro do hotel onde haviam
almoçado, por causa do ar condicionado. Preferiram esperar o pôr-do-sol para
voltar a Trípoli. Já estava escuro quando chegaram na cidade. A brisa noturna
era muito agradável e penetrava no carro pelas janelas abertas. Mark riu
quando Lisa levantou os cabelos para que o ventinho acariciasse o seu pescoço.
- Gostaria de tirar uma foto sua, assim - disse ele. - Mostra toda a liberdade
da juventude. Você tem um corpo muito bonito, Lisa.
- Não sabia que você se interessava por fotografias - disse ela, abaixando os
braços.
- Interesso-me de vez em quando. Já fotografei muito por aqui.
- E, mudando de assunto: - Gostei muito destes dois últimos dias.
- Eu também.
- Você já pensou no que vai dizer quando Bryn voltar?
- Sim. vou acusá-lo e ele provavelmente negará tudo.
- Ainda sente ódio dele?
- Não sinto nada por ele. Meu orgulho ficou ferido naquela noite, mas já passou.
Se ele voltar amanhã e disser que quer sua liberdade de volta, vou ficar
aliviada.
- Não acho que ele vá fazer isso.
- Então vou ter que pedir a minha. Ele não pode me forçar a ficar.
- Se eu fosse ele, faria alguns esforços.
- Mesmo se já tivesse outra mulher?
- Eu lhe disse que ele está só usando Andrea. Minha esposa é do tipo que
muitos homens gostam de possuir, mas poucos gostariam de casar com ela.
- Você diz isso agora, mas já sentiu outra coisa há seis anos.
- É verdade. Sabia que não era o primeiro, mas tinha confiança suficiente em
mim mesmo para achar que poderia satisfazê-la. O que não sabia é que Andrea
gosta de ter sempre uma conquista nova para fazer. Uma vez que consegue o

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homem, ela perde o interesse. Casando com você, Bryn despertou nela uma
espécie de desafio. Não vai ficar satisfeita enquanto não desmanchar o
casamento de vocês.
- Por mim, ela pode ficar com ele quando quiser. Acho que um merece o outro.
Desculpe Mark, ela ainda é sua esposa.
- E você não entende por quê. Nós ficávamos separados a maior parte do tempo
quando aceitei este emprego. Naquela época havia dois candidatos para a vaga.
O outro era solteiro. A companhia deu preferência a mim porque eu tinha uma
esposa para trazer.
- E Andrea concordou em vir?
- Ela estava aborrecida com a vida que levava e quis mudar. Bryn já estava aqui
quando chegamos. Aqui começou o jogo da conquista, para ela.
- Há quanto tempo isso estava acontecendo, antes que eu chegasse?
- Não sei realmente quando eles passaram a dormir juntos.
- Mark, mas você já sabia o que estava acontecendo entre eles e, mesmo assim,
ainda continuava dormindo com ela? Como você conseguia?
- Só um outro homem me compreenderia. O que Andrea e eu sentimos um pelo
outro é pura atração física. Por isso, vivemos bem, os dois juntos. O que você
sugeriu ela também já tinha proposto: que eu tivesse um caso com a esposa de
alguém. Todas as mulheres europeias que estão aqui são casadas e não sinto
atração pelas líbias. Tenho trinta anos, sou uma pessoa normal e muito
ajustada. Passar três anos sozinho é muito tempo. Não me condene por algo que
você não sabe exatamente o que é.
- Estou tentando. Não sei... Você vai querê-la quando ela voltar?
- Acho que sim. Estou sendo honesto. Qualquer coisa que eu faça será sempre
uma repetição de algo anterior.
Ele dirigiu o carro para o acostamento e parou. O silêncio ficou pesado entre os
dois, acentuado pela escuridão que os rodeava. Sem o movimento do carro, o ar
quente tornou-se insuportável.
- Você provocou uma mudança - disse ele, sem olhá-la. - O que pensa de mim
passou a ter mais importância do que qualquer outra coisa. Você é jovem, tem
ideais, queria casar com um homem e viver bem com ele.
- Queria pelo menos tentar. Ninguém é perfeito. Nem espero que seja.
- Lisa, neste momento eu quero desesperadamente fazer amor com você, mais
do que desejei com qualquer mulher. Mas não vou correr o risco de estragar o
nosso relacionamento, que foi tão bem construído nestes últimos dois dias.
Quando Mark beijou Lisa, ela não correspondeu, mas também não se afastou.
Ficou ali sentada calmamente, esperando que ele parasse.

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Estranho casamento (The man from Tripoli) Kay Thorpe
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- Desculpe - disse ele.
- Não é que eu não goste de você, Mark...
- Eu sei. É que ainda está casada com o Bryn e isto faz com que qualquer
intimidade entre nós esteja fora das suas regras de comportamento. Está bem.
Não devia tê-la tocado e não a culpo por sentir indiferença. Não queria magoá-
la. Confie em mim, Lisa. Não vou nunca mais tentar beijá-la, a não ser que você
queira.
- Eu não sei quando isso... vai acontecer. Mark, eu...
- vou esperar. Espero o tempo que for preciso para você terminar tudo com
Bryn. Se quiser volto com você para a Inglaterra, no momento que decidir.
- E abandona o seu emprego'?
- Sim.
Ela não podia acreditar nele. Mas a oferta era sedutora.
- Acho melhor voltarmos. Está ficando tarde.
Pam chegou às nove da manhã, dizendo que queria ajudar nos preparativos para
o jantar. Hawa já tinha cuidado de tudo e nenhuma ajuda era necessária.
Esperou até que as duas estivessem tomando café na beira da piscina e
perguntou:
- Corre um boato de que você tem saído com Mark Farron enquanto Bryn
esteve viajando. É verdade?
- Sim - disse Lisa, indiferente, sem levantar os olhos.
- Mas por quê? Naquela noite você parecia tão feliz com Bryn.
- Eu estava... depois...
- Você quer dizer que aconteceu alguma coisa antes dele viajar? Algo que
mudou as coisas?
- Não foi antes. Foi depois. - Lisa não queria continuar. Além disso, que outras
explicações poderia dar para o seu comportamento? Pam não entenderia nada. -
Você lembra que me contou sobre Andrea ter viajado também? - ela perguntou.
- Sim... mas... Lisa, isso foi apenas uma coincidência; Andrea sempre viaja.
- E Bryn também. Eu gostaria de saber quantas vezes aconteceu esta
coincidência. Você não vai me dizer que não sabe de nada entre os dois, não é?
Dan sabe.
- Ele falou com você sobre isso?
- Ele não precisou falar. Ficou gaguejando e pouco à vontade, quando mencionei
o nome de Andrea, em relação a Bryn.
- Acho que você andou tirando suas próprias conclusões.
- Não é bem isso. Bryn confessou tudo.
- Então... - disse Pam, com os olhos arregalados, espantada.

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- Está bem. Eu sabia. Mas faz muito tempo. Tenho quase certeza de que
atualmente ele não tem mais nada com Andrea.
- Só porque casou comigo? Eu é que sou a inocente por aqui. Pam, tenho provas
de que eles ainda continuam juntos. -
- Que provas?
- Telefonei para o hotel em Túnis. Andrea atendeu no quarto dele.
- Tem certeza de que era ela? - perguntou Pam.
- Não faria nenhuma diferença se fosse outra mulher. Bem, tenho quase
certeza. Ela tem uma voz bem diferente, mesmo quando está falando árabe.
- Ela não fala nada de árabe. Não que eu saiba.
- Foi só uma palavra. Não faz diferença.
- Você deve dar a Bryn uma chance de se defender.
- Nada do que ele disser vai mudar os fatos.
- Quer dizer que você não vai acreditar em nada que ele diga?
- Que explicação ele pode dar? Que estava com uma mulher de Túnis. Só isso?
- Recuso-me a acreditar que ele tenha feito isso.
- Você não o conhece.
- Acho que conheço melhor que você. Se não confiava nele, por que casou?
Vocês se corresponderam durante longo tempo.
Lisa mordeu o lábio. Não queria falar mais mentiras. Seu ódio por Bryn já havia
diminuído um pouco.
- Pam, por favor, não quero ficar discutindo este assunto com você. Vamos
esquecer tudo agora, está bem?
- Claro que não vamos esquecer nada. Lisa, quero só ajudá-la. O que você vai
fazer?
- Não sei. vou esperar que ele chegue.
- Ainda acho que deve dar a Bryn uma chance de se explicar. Você pode estar
errada. Podia ser uma empregada, falando no telefone!
- Gostaria que você estivesse certa.
- Então, controle-se até conseguir provas de que estou errada. Ele vai dar uma
explicação.
- Depois, devo desculpá-lo, porque os homens sempre conseguem arrumar boas
explicações, não é?
- Você parece o Mark Farron falando - disse Pam. - Ele está apenas tirando
vantagem da situação, não percebe?
- Você está fazendo um julgamento superficial. Mark não tentou tirar
vantagem de nada. Ele apenas está aborrecido porque a esposa está envolvida.
- Ele nunca se importou com o que ela costuma fazer.

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Estranho casamento (The man from Tripoli) Kay Thorpe
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- Agora ele se importa, porque isso me afeta.
- Ah, sei... Ele disse isso? Deve ter dito também que vai ficar de braços
abertos esperando você terminar com Bryn?
- Acho que não há motivo para continuarmos discutindo. Nós vemos as pessoas
de ângulos completamente diferentes.
- É claro. E nem adiantaria nada. Ele virá aqui à noite?
- Não sei. Não perguntei.
- Se tiver bom senso deve ficar afastado até que você e Bryn acertem as
coisas. Alguém pode contar que viu vocês juntos. Eu não contaria, nem passei
por perto de onde vocês estavam.
- Bryn não pode reclamar.
- É o que você pensa. Eu não aposto nisso. Em onze meses só vi Bryn irritado
uma vez, e não quero ver de novo. Espero que Mark não esteja por perto
quando Bryn voltar.
Lisa, lembrando os momentos de raiva que tinha passado com Bryn, achou
melhor fazer tudo para evitar que a situação se repetisse. Esperou que Mark
não aparecesse. Na verdade, sabia que Bryn não iria gostar dela ter saído com
outro. Mas sabia também que ele não se atreveria a dizer uma palavra na
frente de outras pessoas.
Bryn chegou alguns minutos antes da hora combinada para o jantar.
- É sempre assim - disse ele. - Alguma coisa quebra na hora da saída e me
atraso. Não sabia que o jantar seria em nossa casa...
- Não era. Devia ser na casa dos Farron. - Será que os olhos dele tinham
brilhado mais ao ouvir aquele nome? - Pedi a Mukhtal para ligar o som na
piscina, caso o pessoal queira dançar. Está bem?
- Tudo o que você quiser está bem. Você é a anfitriã. Não está nervosa por
receber tanta gente?
- Não. São apenas pessoas, como nós.
- vou tomar um banho. Desço dentro de alguns minutos.
Pam e Dan foram os primeiros a chegar. Lisa disse a eles:
- Já sabem onde estão as coisas. Sirvam-se de tudo. Bryn acabou de chegar e
foi tomar um banho.
- É típico dele. Já perdeu boa parte do fim de semana e nem se divertiu
comentou Dan.
- Não tem importância. Vamos começar a nos divertir agora disse Lisa.
As pessoas começaram a chegar e foram enchendo a casa. Lisa não fez
nenhuma tentativa para se aproximar de Bryn. Sentiu que ele estava um pouco
mais ríspido do que de costume. Será que os boatos já tinham sido

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transmitidos? Mark e Andrea não apareceram.
Às duas horas da manhã, os convidados começaram a ir embora. Pam e Dan
foram os últimos. Quando se despediram, Lisa teve vontade de pedir: "por
favor, fique mais um pouco". Tinha medo de ficar sozinha com Bryn. Não sabia
o que ia acontecer.
Quando eles saíram, Bryn se aproximou.
- Então, é verdade?
- Depende do que está perguntando.
- Me disseram que você esteve saindo com Mark Farron enquanto estive
viajando. É verdade?
- Até que ponto chegaram?
- Ele me levou a Sabratha e a Beni Walid ontem. - Ela estava surpresa com sua
própria calma. - Ele disse que eu precisava me distrair.
- Ah! Disse isso... Distrações do quê? De mim?
- Apenas distrações. Eu teria dito tudo a você, se tivesse me dado tempo.
- Tenho certeza que diria. Ele esteve aqui? Não minta para mim. Posso
perguntar a Mukhtal e ele dirá tudo.
Ela imaginou que sim. Na verdade o empregado era muito fiel ao seu patrão.
- Não vou mentir sobre nada. Ele esteve aqui. Eu o chamei por telefone na noite
do dia que você viajou.
- Você telefonou para ele?
- Sim. Estava cheia de suspeitas e queria saber onde estava Andrea.
- E ele contou?
- Não. Mas sei que ela estava no hotel com você. Telefonei e foi ela quem
atendeu.
- Ah! Então era você. Nem tinha me ocorrido...
- Então você não vai negar que estava com ela.
- Não posso. Ela estava lá.
- Já tinham combinado tudo antes!
- Não. Não foi combinado.
- Mentiroso. Você espera mesmo que eu acredite nisso?
- Não vou perder o meu tempo dando explicações. Você acredite no que quiser.
Então encorajou Farron a se vingar de mim? Como esperava que eu reagisse? -
Bryn perguntou com raiva.
- Não sei. E não me importo muito.
- Pois vai se importar!
Bryn se aproximou e, antes que ela pudesse fazer qualquer movimento,
agarrou-a, colocou-a nas costas e começou a subir a escada. Lisa gritava e

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esperneava com todas as suas forças. Ele a atirou violentamente sobre uma das
camas. Ela perdeu o fôlego e mal podia falar. As mãos dele agarraram com
força a gola da blusa e começaram a puxar. Ela tentou afastá-lo.
- Por favor, Bryn! Assim não! Não desse jeito!
- Está bem, você tem dez segundos para tirar a roupa. Senão eu mesmo tiro. -
Ele desabotoou a própria camisa, começou a tirar as calças e se aproximou.
- Bryn, você não pode fazer isso. Não pode me forçar. Eu não quero!
- Não vou forçá-la. E você vai querer. Vai até pedir.
- Como tem tanta certeza? Bryn Venner, o grande amante! Por que não volta
para Andrea? Ela deve estar sentindo sua falta!
O corpo dele desabou sobre ela. Lutar não adiantaria nada. Lisa resolveu ficar
calma, indiferente, sabendo que qualquer coisa que fizesse não iria mudar as
intenções dele.
Quando acordou Bryn ainda estava dormindo, com um braço por cima do corpo
dela. Estavam nus e ele havia atirado o lençol para fora da cama. Olhou para o
corpo dele, de pele bronzeada e músculos firmes. Lembrou-se do toque dos
seus lábios e das suas mãos. Não sentia nenhuma emoção. Queria apenas ficar
ali deitada, semiadormecida.
Bryn espreguiçou e abriu os olhos. Olhou para ela, sorrindo. Sem levantar a
cabeça, perguntou: - E então, ainda me odeia?
- Não. Eu não sinto absolutamente nada por você.
- Não? - disse ele em tom de dúvida.
- Não estou falando da atração física. Esta eu não posso controlar, você sabe
muito bem como fazer amor. Estou falando das minhas emoções. Sabe que
posso corresponder até um certo ponto, depois fico indiferente. É este tipo de
relacionamento que você quer?
- Já é um começo. Alguns homens acham até que já é suficiente.
- Você também acha?
- Ainda não sei - disse ele, cínico. - No momento não faz nenhuma diferença.
As mãos dele desceram pelo pescoço dela, parando nos seios. Beijou-a e Lisa
soube que não ia reagir.

CAPÍTULO VII

Só depois de muitos dias é que Lisa teve novamente notícias de Mark. Um dia,
atendeu o telefone. Reconheceu a voz dele.

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- Lisa, estou tentando falar com você há tanto tempo! Só consigo falar com
Mukhtal e ele sempre me diz que você está ocupada!
- Ele teve ordem para dizer isso. Você só conseguiu falar comigo agora porque
ele saiu para fazer compras. - Ela demorou um pouco e depois perguntou: - Viu
Bryn depois que ele voltou da viagem?
- Só à distância. Por quê?
- Alguém falou com ele sobre os nossos passeios. Ele não gostou.
- Achei que não ia gostar mesmo. Mas não tentou falar comigo.
- Esperou um pouquinho e perguntou, curioso: - O que aconteceu entre vocês
dois, Lisa?
- O que a Andrea disse a você? - retrucou ela.
- Oh! Não sei. Ela só chegou há dois dias.
- E para onde ela foi, depois de Túnis?
-- Não sei e nem me importo. Por mim ela poderia nem ter voltado.
- Mas ela ainda é sua esposa.
- E daí? Lisa, preciso ver você.
- Não dá. Não devemos, Mark.
- Quer dizer que está decidida a ficar com Bryn, apesar do que aconteceu?
Aposto que ele negou tudo.
- Não brinque, Mark. Ele não negou. Não poderia. Estou com ele porque não
tenho outra escolha.
- Sempre há outra escolha. Como você já disse, ele não pode forçá-la a ficar,
se você quiser mesmo partir. Eu já lhe disse que estou preparado para voltar à
Inglaterra assim que você quiser.
- Eu sei e estou muito agradecida. Mas não posso ir a lugar algum sem o meu
passaporte e, no momento, não sei onde ele está.
- Quer dizer que Bryn o escondeu?
- Acho que sim. - Lisa ficou surpresa ao perceber que não sentia nenhuma
emoção com a perda do passaporte. Ela só descobrira isso naquela manhã. E
Bryn era o único que poderia tê-lo escondido!
-- Ele deve ter percebido que você tinha intenções de partir. Lisa. ele a magoou
de alguma forma?
- Não. - Ela sabia que estava mentindo. Bryn a tinha magoado, mas Mark não
iria entender.
- Preciso desligar agora. Pam está chegando. Adeus.
Colocou o telefone no gancho e não deu tempo para que ele fizesse nenhum
protesto. Ficou pensando: seu passaporte devia estar em algum lugar. Se
procurasse bem, ia encontrá-lo.

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E depois?, perguntou a si mesma. Dificilmente poderia ir embora, se não
tivesse dinheiro. Mark tinha oferecido ajuda, mas não ia aceitar. Olhou-se no
espelho e achou que estava procurando desculpas para não partir. Algumas
vezes seu casamento tinha bons momentos. Só que ela não podia esquecer os
maus. Queria um casamento em que pudesse confiar plenamente no marido e
não ficar o tempo todo achando que ele estava com outra mulher.
Bryn não tocou mais no assunto do telefonema para o hotel. Ela, por orgulho,
evitou fazer novas perguntas. Ele tinha estado com Andrea, não podia fugir
desse fato.
Mukhtal trouxe a correspondência e, entre as cartas, estava uma de sua mãe.
Eram muitas páginas explicando que ela e o marido. Larry, tinham viajado em
férias e só na volta encontraram o telegrama contando do casamento.
Convidava o casal para ir visitá-los nos Estados Unidos, assim que pudesse.
Lisa ficou contente, mas sabia que o interesse da mãe era muito superficial. Ela
era uma pessoa superficial em tudo. Devia ficar satisfeita dela ter escrito uma
carta tão longa.
Pam levou-a a Jaddat Istiqual, onde ficavam as lojas maiores e mais finas. Lisa
não estava interessada em comprar nada, mas seu instinto feminino fez com
que escolhesse uma djerba de seda, longa e toda pregueada, muito bonita.
Depois de experimentá-la, falou:
- Pam, não preciso de um vestido novo. Quando e onde vou usá-lo?
- Na primeira oportunidade. Peça a Bryn para levá-la aos clubes noturnos. Este
vestido é muito fino para você desperdiçá-lo nos nossos jantares.
Lisa concordou e comprou-o, pagando com o seu próprio dinheiro. As despesas
da casa eram pagas pela companhia e Bryn devia ter pensado que ela não
precisava de uma mesada. O que quisesse, deveria pedir a ele. Pelo menos não
tinha sugerido nenhum outro arranjo. Mas ela não ia lhe pedir dinheiro, estando
casada ou não. Nem que estivesse muito desesperada.
Almoçaram em uma lanchonete grega, perto da Catedral. Ficaram satisfeitas
com a moussaka e o suco de lima, e decidiram voltar para casa. As ruas estavam
vazias.
- Nós somos duas inglesas loucas - disse Pam. - Se tivéssemos juízo, estaríamos
fazendo a sesta como todo mundo. Todos param de trabalhar e vão para os
cafés comer e beber até as quatro. Dan diz que esse é o esquema ideal para
ele. Mas não o pratica porque prefere aproveitar essas horas para ler os
jornais. - Fez uma pausa. - Lisa, você pode me mandar calar a boca, se quiser,
mas é bastante óbvio que as coisas entre você e Bryn não estão bem. Quer
conversar sobre o assunto?

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- Não, obrigada - disse Lisa, balançando a cabeça. - Não se preocupe com isso,
Pam. Tudo vai dar certo.
- Você está muito infeliz?
- Não. - E era a mais absoluta verdade. Não estava infeliz, nem feliz. Apontou
para a janela. - Oh! Veja aquele jumento! Pam percebeu a tentativa de mudar
de assunto e não falou mais nada. Na despedida, disse:
- Vejo você amanhã? Vamos jogar ténis no clube da praia? Lisa concordou.
Gostava de ténis e jogava bem. Um pouco de exercício só iria melhorar sua
disposição.
Bryn voltou antes do anoitecer, pela primeira vez. Anunciou que iam jantar
fora.
- Majid Shalhi nos convidou para jantar em sua casa. Use alguma coisa longa e
sem decotes. Majid parece de Westeraised, mas, no fundo, permanece um líbio,
quando se trata de visitas à sua família.
- Que bom! Comprei uma roupa bem adequada, hoje. Bryn concordou.
- Ótimo. Quanto custou?
- Eu paguei com o meu dinheiro - disse ela rispidamente e viu que a expressão
dele endurecia.
- Já imaginava isso. Estou perguntando o preço para poder dar o dinheiro a
você, e não para repreendê-la por ter gasto muito. Se tivesse me contado que
iria fazer compras com Pam, eu teria dado dinheiro a você, na noite passada.
Acho que precisamos estabelecer uma mesada.
- O perigo é que eu posso aproveitar o dinheiro e fugir, não é? Por isso
escondeu meu passaporte?
Ele ficou observando-a por alguns minutos.
- Não é sempre que você parece querer ir embora. Na noite passada me pediu
para abraçá-la, até que dormisse.
Ela sentiu que enrubescia, mas controlou-se.
- Imagino que Andrea nunca lhe pediu isso. Talvez, na noite passada, eu tenha
esquecido o tipo de homem que você é!
- Você nem tem ideia de que tipo eu realmente sou. Mas vai ficar sabendo logo.
Não vou discutir mais, pense o que quiser.
- Não respondeu minha pergunta. Você pegou meu passaporte?
- Sim. Está guardado num lugar seguro.
- Até quando?
- Até que você sossegue e perceba que um casamento é complicado. Nós vamos
aprender a viver juntos, nem que seja a última coisa que façamos.
Lisa olhou para ele. Sentia emoções conflitantes e fortes.

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- Pensei que já estávamos vivendo juntos - disse ela.
- Existem muitas outras coisas além de compartilhar intimidades. Lembre-se
de que você ainda é uma novidade para mim.
- Acho que não passo disso.
- Vamos parar, você está sendo infantil. Vamos sair para jantar. Vá se
arrumando que vou dar alguns telefonemas.
- Não quero mais ir.
- Pode apostar como vai.
- Dê uma desculpa qualquer. Diga que eu estava com dor de cabeça. Não vou
passar a noite tentando dar a impressão de uma esposa apaixonada, só para
convencer o seu amigo árabe.
- É a última coisa que Majid espera de uma esposa europeia. Se vamos brigar
novamente, é bom começar logo. Quer ver quem é o mais forte?
Ela se afastou instintivamente, mas ele foi se aproximando.
- Não, Bryn... por favor!
- Você sempre diz isso... pelo menos no começo - disse, com um sorriso
brincalhão.
Majid Shalhi morava em um apartamento na parte nova da cidade. Nem ele nem
sua esposa, Faria, eram do tipo que Lisa tinha imaginado. Faria estava usando
um vestido semelhante ao seu e não usava nenhum véu cobrindo o rosto, como a
maioria das mulheres da região. Entretanto, tratava os homens com a mesma
submissão que Lisa havia notado nas líbias. Era muito atraente, tinha cabelos
escuros e compridos, combinando com os olhos escuros. Parecia cinco ou seis
anos mais nova que o marido.
Majid também era um homem muito atraente, mas parecia não ter nenhuma
consciência disso. Falava um inglês perfeito e parecia muito educado. Era o
homem escalado para tomar conta da refinaria, quando os europeus saíssem.
A refeição foi servida por Faria, que também a tinha preparado. Eles só usavam
os empregados para os serviços pesados. Ela tinha feito um cuscuz que apenas
recentemente Lisa aprendera a apreciar. Elogiou o prato e a anfitriã ficou
muito agradecida. Falava inglês muito bem, mas era uma pessoa tímida. No
começo falou pouco, depois foi adquirindo confiança.
No final, os homens ficaram discutindo negócios e as mulheres conversaram
sozinhas. Lisa descobriu que Faria era de uma família maometana muito
religiosa, que seguia com rigor os costumes do país. Faria tinha sido prometida
ao filho de um amigo do seu pai, mas revoltou-se quando se apaixonou por
Majid, cuja família também era amiga da sua. Como Majid tinha ideias muito
modernas, a família não aceitou o noivado, mas não obrigou Faria a casar com o

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outro. Um dia Majid e ela fugiram juntos, rompendo os laços de amizade com as
duas famílias. Majid tinha trabalhado duramente até conseguir uma boa
posição. Faria deu a entender que tinham passado anos difíceis, mas ela não
estava arrependida da decisão.
- Casei com o homem que amo. Não poderia ser feliz com nenhum outro. Vocês,
inglesas, têm muita sorte, pois possuem liberdade de escolha. Mesmo agora, as
mulheres daqui têm muito pouca liberdade. Sou uma das poucas que não usa véu
em lugares públicos, mas é difícil ser bem-aceita em determinados locais, sem
a companhia de Majid.
- Não no setor europeu. Majid deixaria você nos visitar?
- Duvido, Os pontos de vista de vocês são muito diferentes e avançados para o
gosto de Majid. Ele tem medo que eu me sinta insatisfeita com minha posição.
Lisa sentiu que também não seria bem-vinda sem a companhia de Bryn.
Percebeu que a vida das mulheres ali não era fácil. Se Faria soubesse que ela
não tivera outra escolha! Nem mesmo amava seu marido, o que já seria um
consolo...
Ficou silenciosa na volta para casa. Como duas pessoas podiam ter tanta
intimidade sexual e ainda continuarem estranhas uma para a outra? Faria não
tinha esses problemas. Ela já amava o marido antes de casar com ele. De certa
forma era digna de inveja.
- Está cansada? - perguntou Bryn. - O que você conversou com Faria?.
- Ela me contou como conheceu o marido. Deve ser uma mulher muito corajosa
para ter ficado contra a própria família.
- Os dois são corajosos. Majid perdeu todo o apoio familiar. Como filho mais
velho, ele iria controlar os negócios do pai. Seria hoje um dos homens mais
importantes da cidade.
- E desistiu de tudo por amor...
- Talvez não inteiramente. Acho que ele queria provar a si mesmo que era capaz
de vencer sozinho, sem o apoio do pai. Queria seguir seu próprio caminho. Aqui
os homens estão tão presos às tradições quanto as mulheres.
- Não acho. Pelo menos eles têm a liberdade de ir onde querem. Faria precisa
sair acompanhada de Majid.
- Ela gosta disso. As mulheres líbias gostam de sair junto com seus maridos.
Gostam deles. E demonstram isso.
- Eu desapontei você esta noite? - perguntou, sorrindo.
- Quando... em que momento da noite?
- Você é horrível - disse ela, mas ele sorriu. - Conte-me sobre sua família. Não
sei nada sobre você.

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- Minha mãe morreu quando eu tinha treze anos. No mais, fui um privilegiado:
boa casa, bom pai, uma ótima educação.
- Você lembra de sua mãe?
- Não muito. Ela estava sempre viajando com meu pai e fazia muitos trabalhos
de caridade, quando estava em casa. Ia me ver todos os dias no meu quarto de
estudos e sempre pedia que lesse para ela. Eu gostava muito de ler. Sempre fui
um pouco adiantado para minha idade, mas isso foi bom porque, quando tive que
tomar as minhas decisões sozinho, já era capaz disso.
- Você sempre foi muito confiante, não? Na verdade nunca precisou mesmo de
ninguém.
- Existem garotos que são muito resistentes, ajustam-se às situações com
facilidade.
Bryn não tinha respondido à pergunta. Mas ela não precisava de nenhuma
resposta. Claro que ele não precisava dela. A não ser para satisfazer o próprio
desejo.
Não falaram mais até chegarem em casa. Quando Bryn entrou no quarto, ela
estava penteando os cabelos. Olhou-o pelo espelho e percebeu que ele sempre a
deixava pouco à vontade.
- Não me olhe assim. Não sou nenhum monstro - disse ele, brincando.
- Você será, se chegar perto de mim outra vez, esta noite. Ele sorriu.
- Você acha que não é natural um homem desejar uma mulher mais de uma vez
por dia?
- Sim! Sim... é isso mesmo que eu penso!
- Mas agora já passa de meia-noite.
- Não faz diferença. E se é apenas de uma mulher que você precisa, há muitas
por aí. Não preciso ficar falando sempre nisso. Você sabe.
- Seria melhor se você não fosse tão hipócrita. Você gosta de dormir na minha
cama tanto quanto eu gosto que você durma.
- A diferença é que você sabe que eu não durmo com outros homens!
- Você sempre vai desconfiar de mim, não vai? - ele perguntou. - Já estou
cansado deste assunto. Se você acha que eu sou um homem sem moral, vou agir
como se fosse mesmo. - E foi se aproximando dela. - Vamos ver, brigue comigo.
Estou esperando. É hora de briga!
- Não vou brigar. Seria uma desculpa para você fazer o que quer. Deixe-me em
paz!
De repente, o rosto dele pareceu aborrecido.
- Está bem. Se é isso o que você quer... Fique sozinha. Amanhã vou mandar
arrumar o outro quarto e mudo para lá. Assim você poderá ficar sossegada

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Estranho casamento (The man from Tripoli) Kay Thorpe
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todas as noites.
- Bryn, por favor, deixe-me voltar para a Inglaterra. É a melhor solução... para
nós dois!
- A resposta é: não! Vamos ficar juntos.
- Em quartos separados?
- Você escolheu isso. Se me quiser de volta, é só chamar.
- Não chamarei nunca. Não vou sentir a sua falta.
- Só o tempo dirá se é verdade.
No sábado houve um churrasco na praia. Os homens prepararam as carnes e
transportaram carvão e bebidas. Todo mundo foi de roupas velhas e as crianças
fizeram tanto barulho que era possível ouvi-las a quilómetros de distância.
Mesmo à noite a água estava quente. Muitos levaram maios e resolveram nadar.
Bryn foi um deles. Lisa observou quando ele se dirigiu para a água. Ela decidiu
fazer seu próprio churrasco e foi para a churrasqueira.
A sua vida não tinha sido fácil, nos últimos dias. Detestava ter que admitir que
estava sentindo falta dele. As noites agora eram longas, quentes e solitárias.
Mas como chamá-lo de volta, se não sentia nenhuma confiança nele? Teria de
esperar até que Bryn compreendesse que era desnecessário mantê-la lá.
- Oi - disse Mark, baixinho, ao lado dela. - Dê-me um garfo que eu viro as
salsichas.
Ele falou tão baixo que somente Pam percebeu que os dois começaram a
conversar.
- Não tinha visto você aqui - disse Lisa.
- Cheguei agora. Não é o tipo de programa que eu gosto. Só vim porque queria
vê-la. Onde está Bryn?
- Nadando. Andrea também veio?
- Você está brincando!
- Mas ela ainda está aqui?
- Por enquanto. Não sei por quanto tempo. Ela está falando em divórcio.
- Isso vai dificultar as coisas em relação ao seu emprego?
- Acho que não. A companhia não pode me mandar embora simplesmente porque
a minha esposa decidiu que não quer mais viver comigo.
- Você não está tão indiferente quanto quer parecer, não é? Ainda sente algo
por ela?
- Você está imaginando coisas. Se ela quiser ir embora, tem toda a liberdade.
Os dois ficaram quietos por alguns momentos, até que ele disse:
- Precisava falar com você, mas não aqui. Podemos sair algum dia nesta semana?
- Mark, já lhe disse que é impossível. E para quê?

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- Nós precisamos um do outro, Lisa...
- Você está queimando estas salsichas - gritou Pam, entrando no meio da
conversa, sem tentar disfarçar a interrupção. - Vire-as antes que fiquem
completamente pretas.
Lisa assim fez, queimando os dedos. Só quando ergueu os olhos viu Bryn ali
perto, se enxugando. Havia uma expressão no rosto dele que mostrou tê-los
visto conversando. Quando ela olhou ao redor, não viu Mark.
Bryn não se aproximou. Foi Pam quem levou o churrasco para ele. Depois serviu
Dan e foi junto com Lisa conversar com os dois.
- Que tal irmos visitar as montanhas do oeste? Lisa precisa conhecer as casas
dos nativos. Precisamos ir logo, antes que o clima fique mais quente. Que tal no
próximo fim de semana?
Lisa não estava muito interessada, mas Bryn concordou logo. Para ser gentil, ela
perguntou:
- Como são as casas dos nativos?
- São construídas embaixo da terra.
- E tem gente morando nelas?
- Tem - disse Dan. - Acho que mais da metade da população da região vive
nelas.
- Mas por que eles construíram as casas embaixo da terra?
- Porque era mais barato e mais fácil de cavar quantos quartos fossem
necessários - explicou Bryn. - Elas também oferecem melhor proteção contra o
calor. A cidade é bem grande. E neva no inverno. Embaixo da terra eles ficam
aquecidos nessa época. Parece muito primitivo, mas não é. Agora essas casas
têm até eletricidade ligada.
Devem ter até quarto de hóspedes, pensou Lisa, imaginando o que Bryn
responderia, se fizesse a pergunta em voz alta.
O churrasco na praia terminou. O passeio do próximo fim de semana ficou
combinado e todos foram para suas casas.
No caminho Lisa ficou pensando em Mark. Esperava que ele não tentasse mais
procurá-la. Bryn não disse uma palavra até chegarem a Trípoli. Lá ele
perguntou:
- Você combinou encontrar com o Farron esta noite?
- Não combinei nada. Nem sabia que ele ia lá.
- Interessante ele ter esperado até que eu entrasse na água. Esperou que o
caminho estivesse livre para se aproximar de você. vou acabar com ele se não a
deixar em paz.
- E vai acabar comigo também? Pelo menos nós dois conversamos em público,

Livros Florzinha - 63 -
Estranho casamento (The man from Tripoli) Kay Thorpe
Sabrina no. 92
não nos escondemos nos quartos dos hotéis.
- Então vocês tinham combinado essa conversa? - ele perguntou, ignorando a
última frase dela. - Por que fez isso, Lisa? O que está tentando provar?
- Não tenho a menor ideia. E por que você se importa?
- Você ainda é minha esposa - disse ele amargamente.
- Só porque você cometeu o erro de casar comigo... Devia ter feito o que
qualquer outro homem faria. Ninguém ia culpá-lo. Além do mais, eu...
- Pare com isso - ele gritou. - Já estou cansado. Está bem, "cometi um erro.
Devia ter achado outro meio de acertar as coisas.
- Então, concorda comigo agora?
- Não, não como você vê o problema. Você foi para a cama com um homem que
tinha conhecido horas antes e agora sente vergonha disso. Mas não pode negar
ter desejado que tudo aquilo acontecesse, tanto quanto eu.
Lisa colocou as mãos nos ouvidos, dizendo:
- Pare, não quero ouvir mais nada.
Bryn parou o carro, segurou as duas mãos dela e puxou-as.
- Você vai me ouvir. Não foi uma adolescente indefesa e tímida que esteve
comigo naquela noite. Você era uma mulher verdadeira e cheia de vida,
precisando de um homem.
- Eu tinha bebido muito... não sabia...
- Bebeu só o suficiente para ficar mais à vontade. O álcool não muda a natureza
básica das pessoas. Eu a excitei naquela noite e em outras também. Posso
excitá-la cada vez que quiser. - Havia ironia na voz dele. - Você não confia em
mim, mas isso não faz com que deixe de sentir uma grande atração sexual, não
é, Lisa? Você tem sentido falta de mim na sua cama durante estas últimas
noites, não pode negar isso.
- Se senti, vou continuar sentindo!
- Vai mesmo. vou voltar a Serdeles na segunda-feira. Alguma coisa esfriou
dentro dela. Ficou de repente indiferente a tudo.
- Podia ter me avisado antes.
- Só soube ontem. Achei que não precisava aborrecê-la.
- Quanto tempo vai ficar lá?
- Só uma noite. E se estiver pensando em encontrar-se com Farron, já vou
avisando: não faça isso.
Lisa não respondeu. Nada que dissesse mudaria a situação.

CAPÍTULO VIII

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Estranho casamento (The man from Tripoli) Kay Thorpe
Sabrina no. 92

A semana custou a passar para Lisa porque ela se sentia infeliz. Bryn ficou fora
apenas dois dias, mas não tentou mudar nada quando chegou. Ela o desejava,
queria sentir de novo o seu abraço, mas não conseguia deixar o orgulho de lado.
Não pediu que ele voltasse ao quarto que antes ocupavam.
Mark também não a procurou. Apesar de tudo, Lisa sabia que agira errado
saindo com ele. Sabia que ele ainda vivia com Andrea,
78
mas nunca os tinha visto juntos em público. Talvez aquele tipo de casamento
não fosse tão ruim para Mark.
Pam só falava no próximo fim de semana. Iriam no carro de Bryn porque era
maior e tinha ar condicionado. Isso era muito importante, porque iam para a
zona mais quente da região. Quando chegou sexta-feira, Lisa já não aguentava
mais esperar pela viagem. Queria sair da rotina. No fim de semana ia decidir as
coisas de um modo ou de outro. Não ficaria mais naquele estado emocional.
Saíram de Trípoli no começo da tarde, para não pegar o calor. Atravessaram
muitas terras cultivadas, em direção ao sul, passando pela cidade de Azizia,
Quando não viu mais nenhuma árvore, Lisa percebeu que a paisagem era sem
graça. Havia apenas, ao longe, uma caravana de camelos indo na mesma direção
que eles.
Em Azizia o calor era tão forte que foi difícil deixar de lado o ar condicionado
do carro. Só os moradores pareciam não se importar, conversando em grupos
nos lugares onde havia sombra, bebendo chá e esperando que durante a noite
refrescasse.
- Acho que este é o lugar mais quente da terra. Em 1920 os registros bateram
todos os recordes - disse Bryn.
Imaginei que o recorde estava sendo batido agora, Lisa pensou. Pam disse:
- Dá para entender por que ninguém trabalha. Espero que esteja mais fresco no
lugar para onde vamos.
- Garian é mais fresco. Uma porção de famílias ricas de Trípoli passa o verão
nas montanhas.
- Montanhas? Mas aqui é tudo tão plano! - exclamou Lisa.
- Você não pode vê-las por causa do vapor provocado pelo calor do deserto.
Elas estão logo ali adiante. Quando chegarmos em Garian poderemos vê-las, se
não estiver muito escuro - disse Dan.
- Então pare de falar como um garotinho de doze anos que estudou bem o livro
de geografia. Está deixando todo mundo cansado disse Pam.

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Estranho casamento (The man from Tripoli) Kay Thorpe
Sabrina no. 92
Involuntariamente, Lisa ergueu os olhos para o espelho retrovisor e viu o olhar
irónico de Bryn refletido nele. Será que um dia teriam o mesmo tipo de
relacionamento alegre e informal que existia entre Pam e Dan? E se não
conseguissem? Iriam mesmo assim passar o resto da vida juntos? Esta
possibilidade deixou-a gelada. Não havia outra alternativa, a não ser que
sacrificasse alguns dos seus princípios. Até o momento não via nenhuma razão
para que Bryn estivesse satisfeito com o casamento deles. Havia procurado
Andrea logo que chegara. Talvez, se conseguisse dizer que precisava dele,
tivesse chance de salvar tudo do desastre.
Aos poucos o relevo das montanhas foi aparecendo. A estrada tornou-se mais
irregular e a temperatura caiu consideravelmente. Bryn parou o carro para
descansar o motor. Ao sair, Lisa ainda sentia muito calor.
- O tempo está ficando úmido - disse Bryn. - Tenho medo de pegarmos um
ghibli.
Ela não precisou perguntar o que era aquilo. Já tinha ouvido falar muito sobre
este tipo de vento que, de vez em quando, vinha do sul e fazia com que a vida
das pessoas ficasse mais difícil ainda nesta parte do mundo. Esperava que Bryn
estivesse enganado. Caso contrário, o vento poderia durar até a hora da volta
para Trípoli. O povo dali dizia que até o temperamento das pessoas era afetado
pelo ghibli.
Garian era uma cidade pequena e limpa, com lojas na rua principal, uma praça
com o mosteiro, delegacia de polícia e um hotel. Dentro dele estava bem
fresco, os quartos eram agradáveis, com banheiros. Descansaram um pouco e
foram procurar as casas dos nativos.
A ideia de morar em um amplo buraco embaixo da terra é algo que espanta à
primeira vista. Mas as pessoas se acostumam. Muitas famílias moravam neste
tipo de casa. Elas possuíam aberturas no teto que forneciam ventilação a todos
os quartos, todos cavados na terra. As entradas eram feitas por escadas
diferentes; quase todas tinham eletricidade e água, assim como iluminação
natural proveniente da abertura no teto. Não havia portões e podia-se andar
livremente pela localidade, mesmo à noite.
Descobriram uma casa abandonada e os dois homens resolveram visitá-la. As
moças recusaram.
- Prefiro ficar aqui em cima da terra. Você só vai me ver lá embaixo dentro de
um caixão - disse Pam para Dan.
- Ah, pensei que você tivesse doado seu cadáver para a faculdade de medicina.
Ou será que eles não o aceitaram? Venha com a gente. Nunca terá outra chance
como esta - disse Dan.

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- Estamos demorando muito. Acho que logo vai escurecer e não vamos enxergar
nada.. Vamos desistir - disse Bryn. - Mesmo porque poderemos ser devorados
pelas pulgas. É melhor voltar para o carro e procurar o caminho do hotel.
Lisa tropeçou numa pedra. A reação de Bryn foi imediata; segurou-a firme pelo
braço. Apesar de todos os problemas que eles tinham, ela se sentiu protegida e
segura. Mas, de repente, ele a soltou e afastou-se.
- Estas sandálias vão machucar o seu tornozelo. Não trouxe outras? -
perguntou ele.
- Não sabia que íamos andar tanto a pé.
- Em alguns lugares não é possível entrar com o carro - respondeu Bryn.
- Podemos comprar sapatos em Garian - disse Pam. - Algumas lojas abrem na
sexta-feira à noite.
- Primeiro vamos jantar - disse Dan. - Estou esfomeado.
Fazer compras às nove e meia da noite era algo agradável e diferente para ela.
Bryn lhe comprou sapatos de couro, bem leves e confortáveis. Ela sabia que ele
estava sendo gentil, mas ficou chateada por não ter levado os sapatos
adequados.
Pam comprou um par de chinelos que parecia feito para um personagem das mil
e uma noites. Pechinchou tanto que levou quase meia hora para sair da loja. Dan
olhou os chinelos e disse:
- Feitos em Ghadames. Deve ter pago muito mais do que valem lá.
- Não faz mal. Gostei deles. E nós não vamos mesmo a Ghadames.
- As mulheres têm um tipo de raciocínio - disse Dan. - Você as compreende,
Bryn?
- Já desisti de tentar.
Ouviram ao longe um muezzin chamando o povo para a oração. Voltaram ao
hotel e Pam comentou:
- Vamos ouvir aquele muezzin às quatro da manhã. Acho que seria melhor
dormirmos no mosteiro.
Lisa pensou que até gostaria da ideia. Qualquer lugar longe de Bryn seria bom.
Ele estava num mau humor...
O quarto agora parecia bem menor, com pouco espaço entre as camas. Bryn
sentou numa delas e foi logo tirando a camisa.
- Num calor destes é que você entende porque os árabes usam aquela roupa
toda solta - disse.
Lisa olhou em volta e não respondeu. Fingiu que estava interessada nas coisas
que haviam comprado. Ele virou-se, segurou-a pelos pulsos com força e fez com
que o olhasse.

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Estranho casamento (The man from Tripoli) Kay Thorpe
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- Este negócio todo vai ter que acabar. Já durou muito - disse com rispidez. -
Ou nós conversamos como adultos ou vou acabar batendo em você. - Fixou seu
olhar no dela. - Está bem, eu causei um pouco de confusão. Devia ter lhe
contado tudo quando me acusou.
- Contado tudo? Uma confissão completa? Não acredito...
- Uma explicação apenas.
- Quer dizer que teve tempo suficiente para inventar uma.
- Não brinque comigo, Lisa. Estou só tentando esclarecer tudo. Está preparada
para ouvir ou não?
- Estou.
- É verdade que Andrea estava no meu quarto quando você telefonou. Ela
chegou quando eu estava trocando de roupa para o jantar. Não podia deixá-la
em pé, do lado de fora do quarto, no corredor. Eu ainda estava no banheiro
quando você ligou, por isso ela atendeu. Claro que não sabia quem era.
- Mas afinal, por que ela foi a Túnis? Devia estar pensando que você a queria lá.
- Ela pensou que eu fosse mudar de ideia quando a visse. Não estou tentando
me desculpar pelas coisas que fiz antes de conhecer você. Isso já passou. O
que estou dizendo é que não há mais nada entre nós desde que trouxe você
para cá. Mas Andrea não é do tipo que aceita isso. Se alguém tem que terminar
o relacionamento, este alguém tem sempre que ser ela. Pensou que eu estivesse
brincando e por isso me procurou. Foi difícil, mas consegui fazê-la entender
que tudo estava terminado. Logo saiu do quarto e não sei onde foi. Não a vi
mais desde que voltei.
- Ela só voltou há três dias... - disse Lisa, confusa. Estava mesmo atordoada
com tudo aquilo. Queria acreditar nele, mas ainda tinha suas dúvidas. - Bryn,
eu...
- Como você sabe quando ela voltou? - perguntou ele.
- Mark me contou.
- Ah! Mark... Já lhe disse que acabo com ele caso se aproxime de você
novamente. Até agora não fiz nada porque me sentia um pouco culpado.
- Por que roubou a esposa dele?
- Não roubei nada. Ela era de todos. Não... não é verdade. Ela... Ah!, tudo isso já
passou. Nada mais aconteceu entre nós.
- Nem em Túnis?
- Nem em Túnis - confirmou ele.
Só agora Lisa tinha entendido que podia acreditar ou não. Havia alguma coisa no
rosto dele que fez com que ela se sentisse aliviada. Estendeu-lhe a mão.
- Bryn...

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Ele não a deixou terminar. Apertou-a num forte abraço, abafando sua voz com
um beijo. Ela não queria mais lutar contra Bryn. Ainda tinha dúvidas, mas queria
ficar perto dele naquele momento. Podia perdoar tudo, pois o mundo não existia
fora daquele instante.
O ghibli soprava com força na hora do café da manhã. Todos estavam nervosos.
A umidade era pouca, o ar seco queimava a garganta. As lojas permaneciam
fechadas e poucas pessoas andavam pela rua principal.
- Ainda bem que temos o conforto moderno - disse Pam. -
Já imaginou viajar sem este carro?
- Acho melhor irmos direto para casa - disse Bryn. - Este vento pode durar
tanto uma hora como dias. Nunca se sabe. Olhou para Lisa e sorriu cheio de
lembranças,
- Gostaria de ir até Jadu - disse Dan. - Ou mesmo até Yafran. E, mesmo assim,
ainda podemos voltar hoje. Se formos embora agora, vamos perder toda a
viagem.
- Não acho que vamos perder nada. Só precisávamos sair um pouco da rotina -
disse Lisa.
Entraram no carro e começaram o caminho de volta. Lisa não estava
arrependida do que tinha acontecido, mas ainda sentia culpa por não ter
esclarecido totalmente suas dúvidas. Pensou que o amava cegamente, mas não
conseguia confiar nele. Seria este o tipo ideal de casamento?
A paisagem entre Garian e Yafran era de terra cultivada, mas a cada curva da
estrada a paisagem mudava. A vegetação ficou mais espessa quando chegaram a
Wadi Rumia, onde os viajantes e seus camelos bebiam água encanada, vinda das
montanhas. Quando chegaram a Yafran, sobre uma planície a vista era linda.
Almoçaram num hotel construído ao lado de um castelo turco. Visitaram
rapidamente o mercado e compraram peças de artesanato. O vento do deserto
tinha trazido areia e tudo parecia empoeirado.
Logo chegaram a Jadu, uma cidade cheia de mosteiros com um castelo no
centro. Todas as casas eram construídas nos morros e, a partir daquele lugar, a
estrada seguia pela planície.
- Não vamos conseguir chegar a Trípoli esta noite - disse Bryn, ao ver que se
afastavam do deserto. - Há um oásis mais adiante, onde podemos passar a
noite. Que tal?
Só Lisa não respondeu. Na verdade não ia fazer diferença o lugar onde
passassem a noite. Depois da noite anterior, Bryn já estava pensando que todos
os problemas tinham sido resolvidos. Mas, na mente dela, eles continuavam
existindo.

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À noite, o vento ficou mais suave. Lisa não notou nada muito especial no hotel
que escolheram, a não ser o grande número de palmeiras em volta. Quando o
calor diminuía, dava para sentir um perfume de limão no ar. O hotel recebia um
grupo em excursão, com muitos europeus, e Bryn os convidou para beber
juntos.
Passaram momentos agradáveis e, bem mais tarde, foram para o quarto.
- Não acenda as luzes - disse Lisa. - Assim podemos abrir as janelas sem atrair
os mosquitos.
O quarto ficou mais ventilado. Bryn se afastou da janela e foi para a cama.
- Estou cansado - disse.
- É o ghibli - disse Lisa. - Acaba com a disposição das pessoas.
- Tem razão. - Bryn ficou parado alguns momentos olhando para ela. Por causa
do luar, o quarto estava claro e dava para ele ver as curvas suaves do corpo de
Lisa através do vestido fino. Devagar, foi se aproximando, sorrindo...
Chegaram na costa de Zawia antes do meio-dia. O vento ainda soprava quente e
seco. As praias estavam desertas e as estradas vazias.
- Espero que este vento pare até amanhã - disse Dan. - Vai ser um inferno
trabalhar com isso. Ainda bem que minhas férias começam no mês que vem -
lembrou ele. - E nós precisamos ir visitar nossas famílias, na Inglaterra.
Lisa ficou deprimida. Sem Pam por perto sua vida ia ficar difícil. As outras
esposas eram simpáticas, mas não seria a mesma coisa; Pam era uma
companheira maravilhosa!
- Quanto tempo vão ficar lá? - perguntou ela.
- Quatro semanas. Vamos ficar na casa dos meus pais, no Midlands. Acho que o
tempo vai estar bom.
Despediram-se. Bryn e Lisa foram para casa. Ainda fazia muito calor. A piscina
não ajudava a refrescar: a água estava quente e cheia de areia. Bryn estava
alegre. Tinha muita resistência às temperaturas altas, pois dificilmente
reclamava do calor.
Ela ainda estava na piscina quando Mukhtal chegou correndo para dizer que
chamavam Bryn ao telefone, com urgência. Logo depois Bryn voltava, com a
fisionomia transtornada.
- Houve um acidente com o pessoal da companhia. Estão no hospital. vou lá
saber o que aconteceu.
Lisa saiu da água e enrolou-se na toalha.
- Quem foi? - perguntou.
- Não se sabe ainda. Parece que o carro deles perdeu a direção e entrou pela
janela de um supermercado em Giorgimpopoli. Os ocupantes não foram

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Estranho casamento (The man from Tripoli) Kay Thorpe
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identificados.
- Oh!, Bryn. Que coisa horrível! Posso ir com você? - É melhor que não vá, não é
nada agradável. Volto logo, espere por mim.
- Não vou ser capaz de dormir - disse ela. - Telefone assim que tiver notícias.
- Sim, se eu puder.
Ela ligou para os Anders mas eles não sabiam de nada. Dan decidiu ir também
ao hospital.
O tempo foi passando. Lisa estava com vontade de telefonar para o hospital,
mas de repente ouviu o carro de Bryn chegando.
- Preciso de um drinque - disse ele.
Ela preparou e ele bebeu tudo de uma só vez. Esperou alguns momentos e falou:
- Foi um choque. É melhor você sentar.
- Quem estava lá? - perguntou Lisa.
- Os Farron. Mark morreu na hora. Atravessou o vidro. Precisavam de alguém
que o identificasse, pois ficou irreconhecível.
Lisa não podia se mover. Suas pernas tremiam. Lembrou-se de Mark na praia
com ela. O cabelo dele voando e o seu jeito agradável de conversar com as
pessoas. Lembrou-se do dia em que viera à sua casa oferecer compreensão e
ajuda. Mark Farron, que ela tinha conhecido tão pouco, estava morto. Era mais
jovem do que Bryn e sua vida já tinha terminado.
Sentiu que o marido a olhava, mas não soube o que dizer. Queria perguntar
mais coisas, porém não sabia o quê. Finalmente, encontrou as palavras:
- E Andrea?
- Sofreu alguns hematomas, quebrou algumas costelas. Mas vai ficar boa. Ela
estava dirigindo o automóvel!
- Como aconteceu?
- Um pneu furou. Não foi culpa de ninguém. Vamos tentar acreditar nisso.
- Ela está se culpando?
- Sim. Parece que estavam brigando e Andrea tentou feri-lo de alguma forma.
Ela acredita que inconscientemente quis matá-lo, por causa de algo que ele
disse.
- O que foi? Ela contou? - perguntou Lisa.
- Mark contou que você e ele estavam planejando partir juntos para a
Inglaterra logo que resolvessem tudo.
CAPÍTULO IX
Lisa ficou pensativa durante muito tempo, até que conseguiu falar. Estava
desesperada e começou a chorar baixinho.
- Não é verdade - disse finalmente. A expressão de Bryn não se alterou.

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Estranho casamento (The man from Tripoli) Kay Thorpe
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- Então Mark estava mentindo. Vocês nunca tocaram neste assunto? O homem
está morto, Lisa. Não tente acusá-lo.
- Não foi bem assim, Bryn... por favor...
- Então como foi? Nenhum homem se oferece para abandonar o emprego e
partir se não tiver boas razões para isso.
- Ora, eu não teria me comportado com você daquele jeito se estivesse
planejando fugir com outro homem.
- Por que não? Não duvido da minha capacidade de atrair você, isso já está
provado. Acontece que você se deu muito bem com Mark logo da primeira vez.
Vocês dois estavam sempre juntos, quando podiam. Todo mundo percebia!
Talvez isso não tenha representado muito para você, mas ele estava fazendo
planos sérios.
- Você também fez planos com Andrea. Pelo menos ela ainda está viva. E você,
na verdade, não se importa por Mark estar morto. Só quer saber se eu dormi
ou não com ele.
- Não foi o que eu disse.
- Não foi mesmo? Falou em uma boa razão que eu devia ter dado a ele! Está
bem, eu era uma boa razão. Pelo menos ele não estava agindo por sentimento de
culpa.
- Não, ele agia espontaneamente. Pena que eu estivesse no caminho - disse
Bryn, aborrecido. - Você precisa de um calmante. Não melhora os fatos, mas
você ficará um pouco mais tranquila.
Lisa parou de chorar quando ele voltou com as pílulas e um copo de água. Sabia
que nenhuma explicação iria mudar a atitude de Bryn. Ele acreditava que as
lágrimas dela eram apenas por Mark.
Bryn a observou tomando as pílulas, depois disse:
- Agora deve ir para a cama. Vamos conversar em outra hora!
- Bryn, não foi do jeito que você... - começou ela, mas ele a interrompeu:
- Já disse que é melhor conversar sobre isto depois! Hoje já tivemos muitos
problemas. Você está passando bem?
Ela queria dizer que não, mas não conseguiu. Tudo que fez foi murmurar
palavras ininteligíveis. Devia haver um jeito de convencê-lo. Ia descobrir
naquela noite.
Lisa tropeçou quando subia a escada. Sem dizer uma palavra, Bryn cafregou-a
para cima. levando-a para o quarto, e depois sentou-se na beirada da cama dela.
- Tente dormir um pouco - ele disse.
- Bryn, por favor, não me deixe...
- Você sabe o que está pedindo?

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Estranho casamento (The man from Tripoli) Kay Thorpe
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- Por favor, me abrace. Por favor.
Ele demorou algum tempo antes de responder.
- Desculpe, mas não vou conseguir. Nós temos que conversar sobre este
assunto. O calmante logo fará efeito. Se não fizer, você toma outro. Está bem?
Ela concordou. Seu pescoço doía. Mark estava morto e o seu casamento
também - se é que algum dia estivera vivo. Nenhuma conversa ia convencer
Bryn. Tinham ido muito longe.
- O ghibli parou de soprar e Bryn saiu de casa por volta das oito e meia da
manhã. Ela tomou só um suco de laranja e Pam chegou por volta das dez, com
comentários sobre o acidente.
- Foi horrível. É difícil imaginar que nunca mais vamos ver Mark. Sinto-me até
culpada de algumas coisas que disse sobre ele. Lisa, acho que você foi a única a
compreendê-lo por aqui.
- Compreendi bem demais, parece. - Lisa não queria realmente ter dito aquilo,
mas agora era tarde. Percebeu o olhar de Pam e fez um movimento com os
ombros.
- Você está certa, foi realmente um choque - disse, tentando continuar a
conversa.
- Houve alguma coisa? - perguntou Pam. - Sei que não é da minha conta, mas
acho que você está muito abatida.
- Eu sei. Bryn me deu um calmante na noite passada, mas não fez efeito. Quase
não dormi.
- Por causa de Mark?
- Principalmente. - Ela demorou um pouco, indecisa entre a necessidade de
falar e a vontade de que ninguém soubesse do acontecido. Podia confiar em
Pam, ela era compreensiva.
- Bryn acredita que eu estava apaixonada por Mark. E que estávamos
planejando partir juntos.
- Pam ficou visivelmente espantada.
- Mas... você explicou tudo a ele? Disse que não era verdade?
- Os mortos não mentem, nem suas esposas...
- Andrea contou isso a Bryn?
- Não exatamente nestas palavras. Disse que Mark lhe falara sobre isso um
pouco antes do acidente.
- Ele falou mesmo?
- Ele disse que ia me levar de volta à Inglaterra e abandonar seu emprego aqui.
- Por que teria dito uma coisa destas?
- Possivelmente estava tentando pagar na mesma moeda o que Andrea fizera

Livros Florzinha - 73 -
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com ele. Parece que tiveram uma briga feia. Falaram coisas que não deviam.
- Mas era tudo mentira, naturalmente...
- Mais ou menos. Ele, uma vez, me ofereceu mesmo para saírmos daqui juntos. É
uma confusão tão grande, Pam. Usei Mark para fazer Bryn ficar com ciúmes,
mas isso só complicou tudo.
- Mark não significava mesmo nada para você.
- Não da forma que você está pensando - disse Lisa. - Gostava muito dele, mas
como amigo. Estou tão triste com o acidente! Mas nunca o amei. - A voz de Lisa
enrouqueceu. - O que importa isso agora?
- Você não precisa me convencer. Acredito no que diz.
- Mas Bryn não acredita - disse Lisa.
- Vai acreditar quando conversarem sobre o assunto. Você falou coisas que não
devia porque estava descontrolada.
- Bryn não vai entender. E agora, isso não faz mais diferença...
- Claro que faz, Lisa. Ele a ama. Não teria casado com você se não amasse.
Ela não podia dizer mais nada. Não sem contar a verdade toda. Que Bryn não a
amava, tinha casado com ela apenas por problemas de consciência.
- Não devia tê-la envolvido nisso, Pam - disse Lisa.
- Para isso é que existem os amigos. Não se preocupe, tem coisas que não conto
nem para o Dan.
- Obrigada.
Pam ficou até o meio da tarde, atendeu vários telefonemas de pessoas que
queriam notícias sobre o acidente e evitou que tocassem no assunto com Lisa.
Comentou mais tarde:
- Imagino o que Andrea está passando. Eles não eram um casal muito unido, mas
havia alguma coisa que os mantinha juntos. Tenho pena dela. É difícil ficar viúva
aos vinte e oito anos.
Não é mais difícil do que ser uma divorciada aos vinte, pensou Lisa. Não que ela
pretendesse conseguir logo o divórcio. Mesmo se Bryn concordasse que esta
era a melhor solução para os dois, ainda levaria algum tempo até que ela
pudesse ser livre novamente. Fora tão fácil casar com ele, e agora era tão
difícil a separação! Afinal, uma semana, ou alguns meses a mais juntos, não
faria diferença no resultado final.
As horas foram passando e Lisa tornou-se meio fatalista e depois meio
indiferente com relação àquilo tudo. Quando Bryn chegou em casa, encontrou-a
calma. Não adiantava convencê-lo de que era inocente, pois não via nenhum
futuro no casamento deles. Mas será que era mesmo inocente? Não
completamente. Ela tinha usado Mark como um amigo, um ombro onde podia

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chorar tranquila, sem nenhuma consideração pelos sentimentos dele.
Bryn foi ao jardim depois de tomar banho. Segurava um copo na mão.
- Quer beber alguma coisa? - ele perguntou.
- Não, obrigada - disse Lisa, preferindo ir para dentro. Depois de alguns
momentos ela voltou e mergulhou na piscina.
Saiu pingando água. Ele estava sentado em um dos sofás com algumas folhas de
papel espalhadas em volta. Nem levantou os olhos quando ela se aproximou.
- Nós não vamos conversar? Você falou que íamos voltar ao assunto mais tarde.
Já está na hora - disse ela, indiferente.
- Temos muito tempo, não se apresse. Vá vestir alguma coisa. Lisa olhou o
cabelo escuro e encaracolado dele. Ela tinha passado todo o dia se preparando
para este momento e agora ele agia como se nada tivesse acontecido.
- Já estou vestida - disse ela.
Desta vez ele ergueu os olhos devagar. Mediu-a de alto a baixo como se
estivesse analisando as curvas do corpo dela.
- Não precisa me dizer isso. Vá colocar um vestido, então conversaremos.
Ela foi porque não havia mais nada a fazer. Achava que ele havia interpretado
mal sua insistência em conversar. Lisa não estava pretendendo naquele
momento apelar para os instintos masculinos dele, mas talvez não fosse bem
ver-dade isso. Talvez seu subconsciente tivesse provocado aquele modo de
agir: a insistência para que conversassem, com ela vestida só com o biquini.
Podiam conversar de qualquer jeito, que nada ia mudar. Achava que já nem
adiantava mais conversarem.
Bryn continuava sentado no mesmo lugar quando ela voltou. Colocou de lado as
folhas de papel e ficou olhando-a sem nenhuma emoção.
- Assim está melhor. Mais discreta. Não quer mesmo um drinque? Lisa sacudiu
a cabeça, negando. De repente, percebeu que tinha de ser a primeira a tocar no
assunto. Falou baixo, mas ele escutou:
- Quando posso pegar o avião para a Inglaterra?
- Você não vai a lugar nenhum. Precisa parar de fugir das coisas
- disse ele, severo.
- Não vamos melhorar nada se continuarmos juntos. Então para que prolongar
isso?
- Porque eu não gosto desta alternativa.
- É melhor do que vivermos assim. Qualquer coisa é melhor...
- Você não vai embora para Londres sozinha.
- Vivia lá antes...
- Não estava casada naquele tempo - disse ele.

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- E não estou casada agora - ela respondeu amargamente. Tudo isto é uma
farsa. Nunca deveria ter acontecido!
- Mas aconteceu e não podemos ignorar isso. Vamos tentar novamente, Lisa.
Nós dois. Se não conseguirmos até o momento de renovar o meu contrato,
vamos pensar novamente no assunto. Pelo menos você já estará um pouquinho
mais velha.
- E experiente? Duvido que mais dois anos, vivendo desse jeito, vão me
transformar. - Fez uma pausa, pensando em como lidar com ele. - E você, não
tem medo de que apareça um outro Mark?
- Não. Tenho certeza que nem este foi importante.
- Espero que tenha certeza de que não vai existir outra Andrea também.
Os músculos do rosto dele estavam tensos.
- Tenho certeza - disse Bryn.
- E vai mandar embora a Andrea que já existe?
- Não posso mandá-la para nenhum lugar. Ela é uma pessoa independente. - Ele
bebeu o resto do drinque e encolheu os ombros,
com desprezo.
- Olhe, vamos parar de discutir sobre os Farron, está bem?
- Você não pode resolver as coisas fingindo que elas não aconteceram, Bryn.
Você mesmo me disse isso. Assim não funciona. Não vai dar certo.
- Talvez você esteja certa, mas acho que devemos tentar, Ele virou o rosto
para ela e Lisa pôde ver o sentimento de desejo que seus olhos transmitiam. -
Há um setor em que ainda não falhamos, e a partir dele podemos construir o
nosso relacionamento. Pelo menos sei que ele vai ser um alicerce sólido.
- É mesmo? - Lisa sentiu que estava magoada e lutou para que seus olhos não
demonstrassem isso. Tudo o que sabia é que queria terminar de uma vez com
aquilo. Não estava a fim de um casamento construído somente sobre uma forte
atração sexual. Sabe que todas as vezes em que estive em seus braços queria
estar com Mark? - disse ela, tentando feri-lo.
Alguma coisa mudou na expressão dele. Parecia indiferente a tudo e, por algum
tempo, os dois ficaram se olhando em silêncio. Depois, Bryn disse:
- Acho que agora não nos resta mais nada. Quando quer partir?
Lisa tinha conseguido o que queria, mas só sentia amargura. Entretanto, era
tarde demais para mudar a decisão. Depois do que dissera nada poderia ser
modificado.
- O mais rápido possível. Amanhã mesmo, se conseguir passagem
- disse.
- Está bem, mas com uma condição. Tenho alguns amigos no interior da

Livros Florzinha - 76 -
Estranho casamento (The man from Tripoli) Kay Thorpe
Sabrina no. 92
Inglaterra. Gostaria que você ficasse algum tempo com eles, antes de
recomeçar sua vida sozinha. Eles não vão fazer nenhuma pergunta, posso
garantir. Só preciso telefonar à noite para eles e pedir que Adam vá encontrá-
la no aeroporto de Londres.
Lisa não respondeu logo. Estava tentando encontrar um jeito de dizer que não
queria, mas sem magoá-lo mais.
- Acho que não é justo pedir isso a seus amigos. vou me sentir bem. Já estou
acostumada a ficar sozinha, desde criança!
- Eu disse que era uma condição. Ou aceita, ou não embarca.
- Não vejo por que... Eles são completamente estranhos para mim. Por que
envolvê-los nisso tudo?
- Porque são amigos muito bons e vão ficar contentes de contarmos com eles.
- Quer dizer que já sabem de tudo sobre mim? - ela perguntou.
- É claro. Escrevi logo que chegamos aqui e me desculpei por não tê-los
convidado para o casamento. Sabem que você é uma garota que eu encontrei,
me apaixonei e com quem casei rapidamente porque não queria voltar sem
trazê-la comigo. Vão entender que aparecem problemas quando se começa um
casamento deste jeito e que um pouco de separação pode ajudar a resolvê-los.
- Mas não é disso que nós precisamos! Bryn, eu quero ser livre novamente.
Quero terminar tudo completamente, e já; não aos poucos, lentamente.
- Pela lei você ainda é minha esposa - lembrou ele. - Concorde com o que estou
propondo e mais tarde podemos pedir uma separação. Só assim vou deixar você
ir para a Inglaterra, Lisa.
O silêncio foi longo. Lisa olhou para Bryn e desejou que ele levantasse e a
puxasse para si, que dissesse que ela ia ficar, quisesse ou não. Mas nada iria
mudar, mesmo que Bryn fizesse estas coisas. Ele não iria amá-la e sempre
haveria Andrea. Era terrível pensar naquela mulher, que agora estava viúva.
Talvez ele até pensasse em consolá-la.
- Está bem - disse ela. - Eu concordo. - Na verdade não tinha nenhuma intenção
de fazer o que ele tinha pedido, mas esta era a única maneira de ir embora. Por
isso, mentiu descaradamente.
- Pode telefonar aos seus amigos, enquanto vou arrumar as malas. Vinte
minutos mais tarde ele foi até o quarto e ficou olhando enquanto ela fazia as
malas. Falou:
- Já consegui tudo. Você vai no voo das dez horas. Adam e Irene estarão
esperando no aeroporto.
- Se tem que ser assim... está bem. - A voz dela era apenas um sussurro. - Se
estas pessoas forem um pouquinho parecidas com você, a minha vida vai piorar

Livros Florzinha - 77 -
Estranho casamento (The man from Tripoli) Kay Thorpe
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mais ainda.
- Vai gostar delas. Irene é parecida com Pam. Eles vão tentar ajudá-la a
organizar sua vida. Estarão esperando por você lá.
- Desculpe, Bryn. - Lisa terminou de arrumar as malas. O pedido de desculpas
foi feito porque ela sabia que ele a queria junto aos amigos só para saber onde
encontrá-la. Mas teria sido bem melhor deixá-la escapar simplesmente.
- Desculpe-me você também - disse ele. - vou levá-la ao aeroporto de Idris logo
de manhã.
- Por favor, não me acompanhe... eu prefiro.
- Sei que prefere, mas não tem escolha, eu quero ir. - Atirou uma coisa na
cama, dizendo: - Vai precisar disso!
Lisa pegou o passaporte e depois que ele saiu olhou cuidadosamente as páginas,
procurando a data em que tinha entrado na Líbia. Somente quatro semanas. E
parecia uma vida. A garota que iria embora no dia seguinte não parecia a mesma
que havia desembarcado naquele lugar há tão pouco tempo.
Lisa tinha certeza de que iria superar tudo, pois achava que nada durava para
sempre. Sabia que dentro de alguns anos nem se lembraria direito, do que tinha
acontecido. E, enquanto isso, ia tocar a vida para diante.
O caminho até o aeroporto foi o pior de tudo. Bryn não conversou muito, mas a
tensão entre eles era terrível. Era também o dia do funeral de Mark. Lisa
estava contente por partir e não poder estar lá, na hora. Ficou imaginando se
Bryn ia contar aos outros que ela tinha voltado para a Inglaterra e deixá-los
tirarem suas próprias conclusões.
Porque ele, na verdade, nunca se importava com o que os outros pensassem.
O avião ia sair no horário certo. Bryn despachou as bagagens e acompanhou
Lisa até o portão de desembarque.
- Telefonarei à noite para você, para saber se chegou bem. Deve chegar às seis
horas em Exeter.
Ela não conseguia olhar para Bryn. Tinha medo de que ele percebesse o que
estava planejando. Seria capaz de levá-la imediatamente de volta se soubesse
que estava pretendendo fugir. Olhou-o rapidamente e sentiu que estava
prestes a chorar, tão grande era o tumulto emocional que ele lhe provocava. A
lembrança daquela época de sua vida iria persegui-la durante longo tempo.
Disse com a voz rouca:
- Adeus, Bryn. Não pense muito mal de mim.
- Não penso. Você não pode ser diferente do que é, da mesma forma como eu
também não posso. vou até lá em um mês e conversaremos sobre nosso próximo
passo. Fique com os Leason até que eu chegue, está bem?

Livros Florzinha - 78 -
Estranho casamento (The man from Tripoli) Kay Thorpe
Sabrina no. 92
- Sim - disse ela. - Esta é a última chamada para o meu voo. Adeus, preciso ir.
E não olhou para trás.
CAPÍTULO X
Somente quinze dias depois de sua partida da Líbia é que Lisa sentiu-se segura
de que não iria ser encontrada. Como tinha pouco dinheiro, ficou apenas uma
noite em Londres. Depois disso, viajou para Birmingham e se hospedou em uma
pequena pensão, enquanto procurava emprego. Queria trabalhar como
secretária júnior ou recepcionista e as agências que visitou lhe informaram que
não haveria nenhuma dificuldade em encontrar logo um emprego. Entretanto,
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a perspectiva de passar o dia todo presa dentro de um escritório, depois da
liberdade que tinha experimentado em Trípoli, era algo que a deixava
deprimida. O clima também não estava ajudando. Sentia falta do calor do sol e
do céu constantemente azul, aos quais tinha se acostumado rapidamente.
Aceitou trabalhar no departamento de reclamações de uma grande companhia
de seguros, dizendo a si própria que logo ia procurar alguma outra coisa. O
salário era apenas suficiente para pagar a pensão. Como o seu local de trabalho
era próximo de onde morava, sua vida parecia bem mais fácil do que tinha sido
em Londres, onde trabalhava muito longe e precisava passar muito tempo
viajando de ônibus.
A dona da pensão era uma senhora alegre e gorda, com um simpático sotaque
do interior e do tipo de gente muito curiosa. Mas aceitou logo a história que
Lisa lhe contou de que havia chegado recentemente de um emprego no
exterior. Olhou intrigada a marca branca deixada pela aliança no seu dedo
bronzeado.
Lisa ficou um pouco emocionada quando retirou a aliança. Queria esquecer todo
aquele casamento até sentir confiança para procurar Bryn e pedir o divórcio.
Quanto tempo isso ia demorar ela ainda não sabia. Só de pensar em Bryn já
sentia o coração tão oprimido, que mal podia suportar.
Recusou algumas vezes o convite de um homem com quem trabalhava, para irem
jantar fora. Mas não foi ríspida com ele, pois era simpático e tinha uma
conversa agradável. Quando ele a convidou pela terceira vez, ela aceitou.
Estava muito deprimida e achou que ele poderia ser uma boa companhia.
Seu nome era Gerry Cunningham, era o chefe da seção dela, e tinha vinte e
sete anos. Levou-a para jantar antes de irem ao cinema. Contou que estava
trabalhando com seguros desde que saíra da faculdade. Tinha um jeito
agradável, um rosto comum, usava óculos de aros grossos e não se parecia com
ninguém que ela tivesse conhecido nas últimas semanas. Era às vezes até um

Livros Florzinha - 79 -
Estranho casamento (The man from Tripoli) Kay Thorpe
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pouco bobo, mas sempre tentava ser agradável e simpático. Saiu com ele outra
vez na semana seguinte, sem se preocupar muito com isso. Era o amigo que
precisava e, aparentemente, ele não estava interessado em namorá-la. Fez
apenas uma tentativa de dar um beijo de despedida. Também não queria que ele
tivesse intenções românticas. Não queria beijar nenhum outro homem enquanto
ainda lembrasse dos beijos de Bryn.
O pior eram as noites. Sozinha, num quarto que não era o seu lar, lutava contra
a vontade de estar perto de Bryn. Para quê? Provavelmente Andrea tinha
ficado em Trípoli e então estariam juntos. Nestas circunstâncias, não havia
jeito de tentar vê-lo novamente, nem mesmo se Bryn concordasse com isso.
Junho passou e começou julho. Já chovia há três dias quando Lisa pensou se
deveria comprar uma capa. Antes de partir para a Líbia havia jogado fora sua
velha capa, um ato do qual agora se arrependia. Qualquer coisa que fosse
comprar teria de ser bem barata. O salário do primeiro mês já estava acabando
e ela ainda precisava pagar o aluguel e outras contas.
Um dia, na hora do almoço, decidiu visitar algumas lojas perto do escritório.
Olhou pelos cabides, procurando um casaco leve que pudesse usar como capa,
mas todos eram caros e ela não podia pagar. Na segunda loja, achou um
agasalho bege impermeável, que lhe caía bem, mas estava no preço limite. Não
era muito elegante, mas olhando no espelho, pensou que serviria durante o
tempo das chuvas.
- Lisa - disse uma voz atrás dela, deixando-a assustada. Lisa, é você mesma?
Ela ficou imóvel, as mãos ainda segurando a gola do casaco. Pelo espelho viu uma
saia e duas pernas que lhe eram muito familiares. Quando virou, encontrou Pam
acompanhada de uma senhora de meia-idade, ambas com expressão de espanto
no rosto.
- Oi - disse Lisa, sem saber o que mais poderia falar. O choque tinha sido muito
grande para ela. Quando tinha pensado em Pam pela última vez? Nem lembrava.
Era alguém tão distante...
- O que você está fazendo aqui em Birmingham? - perguntou.
- Posso fazer a mesma pergunta? - disse Pam. - Bryn está virando Londres de
cabeça para baixo, procurando você. Não pensamos que pudesse ter vindo para
outra cidade. Por que escolheu esta?
- Não sei. Era tão boa quanto qualquer outra. Você disse que Bryn está aqui na
Inglaterra?
- Sim. Ele veio conosco na semana passada. Não estava satisfeito com alguns
detetives que tinha contratado para encontrar você e decidiu vir procurá-la
pessoalmente. Lisa, por quê?

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Estranho casamento (The man from Tripoli) Kay Thorpe
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Lisa olhou a mulher que acompanhava Pam. Ficou silenciosa e forçou um sorriso.
- A senhora deve ser a mãe de Pam. Não sabia que sua família morava em
Birmingham.
- Não mora - respondeu Pam. - Viemos só fazer algumas compras. Desculpe,
mamãe, mas não deve estar entendendo nada. Explico depois. Lisa, este casaco
não está bem em você. Tire-o e venha almoçar conosco.
- Não posso, tenho que voltar para o escritório em quinze minutos - ela
respondeu. Depois ergueu a mão e chamou uma vendedora. - vou levar este
casaco. Posso sair já com ele?
- Pode, sim. vou apenas lhe dar a nota fiscal para pagá-lo, de modo que não
pensem que você o roubou - respondeu, brincando.
- Quem ia querer roubar isso? - perguntou Pam.
- É o único que posso comprar - disse Lisa. E, olhando para o relógio: - Tenho
que voltar correndo para o escritório.
- vou vigiar você! Lisa, não vá fugir de novo. Não sem antes ver Bryn e deixá-lo
tranquilo sobre você. Ele moveu céus e terras para encontrá-la, desde que os
amigos o avisaram de que não conseguiram achá-la no aeroporto.
- Não quero vê-lo. Prometa que não vai contar a ele que me viu! - pediu ela.
- Não posso prometer isso e você sabe. Bryn tem o direito de saber onde você
está.
A mãe de Pam interrompeu:
- Penso que é uma boa ideia aceitar a sugestão de minha filha e almoçar
conosco. Telefone para o escritório e dê uma desculpa para não voltar à tarde.
Sei que não é da minha conta, mas não vai fazer nenhum mal a vocês
conversarem juntas. - O sorriso dela comoveu Lisa. Não pôde recusar.
- Está bem - disse com a voz cansada.
- Então tratem de ir. vou fazer algumas compras e encontro vocês no carro às
três horas, está bem, querida?
Mas Pam nem teve tempo de responder. Sua mãe já estava saindo da loja. Era
uma mulher distinta e bem vestida e logo desapareceu entre as fileiras de
cabides e roupas espalhadas.
- Mamãe é uma pessoa muito alegre. É sempre muito diplomática. Quer que
tenhamos tempo para conversarmos sozinhas. Quer almoçar aqui no
restaurante da loja?
- Não estou com fome - disse Lisa, encolhendo os ombros.
- Mas eu estou. Vamos ficar aqui mesmo. Não conheço nenhum restaurante bom
nas redondezas.
Procuraram uma mesa e Lisa sabia que já estavam sentindo falta dela no

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Estranho casamento (The man from Tripoli) Kay Thorpe
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escritório. Que desculpa ia dar para não aparecer à tarde? Não sabia. Mas, no
momento, estava só um pouquinho preocupada com isso.
- Você disse que Bryn contratou alguém para me encontrar? perguntou, depois
de terem feito o pedido ao garçom.
- Isso mesmo. Pediu àquele casal de amigos que fizesse isso para ele. Na
verdade acho que ele mesmo estava querendo vir, mas houve algum problema
sério por lá e foi forçado a ficar.
- Para ele o emprego sempre vem primeiro - disse Lisa, com um olhar triste.
- Não é sempre assim! - respondeu Pam.
- Você sabe que é. - Ela bebeu um gole de suco de laranja e deixou o copo de
lado. - Pam, não adianta Bryn ficar me seguindo porque eu não vou mesmo ficar
com aqueles amigos dele. Pode dizer isso a ele quando encontrá-lo.
- vou dizer. Mas duvido que ele tome conhecimento.
- Está bem. Então não vou estar mais aqui quando ele vier.
- Então, precisa fugir depressa! Ele vai chegar logo depois que eu telefonar
contando onde você está. Vai mesmo, tenho certeza.
- Você não tem o direito de se meter neste assunto.
- Tenho sim. - Pam estendeu a mão e segurou o braço de Lisa.
- Nós todos sentimos a sua falta, principalmente eu. Não há mais ninguém com
quem possa falar e rir como fazíamos.
- Desculpe - disse Lisa. - Foi tudo minha culpa.
- Não acho! Bryn não agiu de modo inteligente. Aquele tipo de vida era
totalmente novo para você...
- Sou muito jovem para ele - disse Lisa amargamente.
- Não foi isso que eu quis dizer. Não mude de assunto. O que eu acho é que ele
não devia ter casado com você sabendo que você não aguenta ficar sozinha
quando ele precisa viajar.
- Talvez ele não soubesse.
- Mas devia saber. Será que não a conheceu através das cartas que andou
escrevendo?
- Ele nunca escreveu nenhuma carta! - As palavras saíram como uma enxurrada.
- Escrevia para outra moça! - Ergueu os olhos transtornados. - Pam, não
aconteceu do modo que você pensa. Conheci Bryn num casamento. Sabe, eu
pensei que estivesse apaixonada pelo homem que estava casando. E ele estava
casando justamente com a garota para a qual Bryn escrevia, e...
- Quer dizer que vocês dois eram ex-namorados dos noivos? De repente a
expressão de Pam pareceu iluminar-se. - Isso explica tudo!
- Explica o quê?

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Estranho casamento (The man from Tripoli) Kay Thorpe
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- O modo como vocês se tratavam quando estavam juntos. Como pessoas
totalmente estranhas. - Pam sorriu com simpatia. - Não acho que este tenha
sido um bom começo.
Mas foi melhor do que o ponto em que estamos agora, pensou Lisa. E disse:
- Agora pode perceber por que eu não quero que ele me encontre?
- Não. - A resposta foi espontânea. - Entendo que você quis passar algum tempo
afastada dele para pensar sobre o assunto. Não sei como Bryn está se
sentindo, porque ele nunca fala sobre si, mas tenho certeza de que você está
apaixonada por ele agora, se é que já não estava desde o começo.
Lisa não tentou negar. Que adiantava?
- Andrea ainda está em Trípoli? - ela perguntou.
Alguma coisa brilhou nos olhos brincalhões de Pam, como se ela tivesse
compreendido muita coisa.
- Sim, ela ainda está lá. A companhia deixou que ficasse na casa até que todos
os problemas com documentos e burocracia estivessem resolvidos.
- Ela já está melhor?
- Não acho. As costelas quebradas ainda doem demais.
- Deve ter muitos admiradores e gente querendo ajudá-la, não?
- Minha querida, será que você não está sendo um pouco cínica demais? -
perguntou Pam.
- E não tenho motivos?
- Na verdade, quer saber se Bryn a visitou, não é? Que eu saiba, não esteve
com ela nenhuma vez. É claro que posso estar enganada. Ele parece ter se
dedicado somente a problemas de trabalho, depois que você partiu. Os homens
são assim, não é mesmo? Então... De repente ela olhou Lisa com amargura. -
Não acha que está levando longe demais esta sua suspeita? Todos sabiam que
ele não era nenhum santo... afinal, estava tendo um caso com ela, veio
para cá, encontrou você, casou e levou-a para lá. Mas, desde então, não há
nenhum indício de que o caso entre eles tenha continuado.
- Será que as minhas suspeitas são piores do que aquelas que ele tem de mim? -
perguntou Lisa, séria.
- Penso que não, apesar de você ter provocado as suspeitas dele. Está certa
sobre o fato de não se conhecerem o suficiente para terem confiança um no
outro. Confio em Dan porque o conheço e sinto amor por ele.
De repente Pam passou a conversar sobre outros assuntos, enquanto
saboreavam o almoço. Falou sobre sua família, a irmã casada e as duas crianças
que moravam perto da cidade.
- São crianças muito alegres. A pequena Karen faz com que eu deseje ter um

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Estranho casamento (The man from Tripoli) Kay Thorpe
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bebé logo. Dan adora os dois.
- Por que vocês precisam passar os dois primeiros anos de casamento sem ter
filhos? - perguntou Lisa, interessada, apesar dos seus problemas.
Pam sorriu, feliz.
- Nós chegamos à conclusão de que não se pode fazer um planejamento rígido
para a vida. As coisas vão mudando, coisas importantes surgem à medida que
vamos vivendo. Não acho que a Líbia seja o lugar ideal para começar uma
família, e nem sei se aguentaria viver lá por mais dois anos, mas, pelo menos, as
crianças têm o benefício do sol constante. Você sabe, aqui na Inglaterra o sol
quase não aparece, mesmo no verão. Acho que é até melhor aguentar o ghibli do
que esta chuva.
Lembrando o dia em que tinha conhecido o ghibli, Lisa não concordou
totalmente, mas sabia o que a amiga queria dizer. Na verdade, às vezes o verão
inglês era até ótimo, só que nem todos os anos havia muitos dias de sol.
- Sinto falta do calor - admitiu ela. - Já estava acostumada a não me preocupar
com as roupas. Será que Mukhtal está cuidando bem da piscina?
- Estava, na última vez que passei por lá. Agora, provavelmente, vai descuidar
um pouco, já que não tem ninguém em casa para ficar de olho nele. Perguntou se
você ia voltar logo. Disse a ele que sim. Por que você não faz com que isso se
torne verdade?
Lisa engoliu em seco.
- Não posso. Como iria encarar as pessoas?
- Não interessa o que os outros pensem. A maioria do pessoal já teve
problemas conjugais. E eles não sabem por que você partiu. Bryn disse apenas
que não aguentou o calor, de modo que ficaram com a impressão de que vai
voltar quando os meses mais quentes passarem. Já aconteceu o mesmo com
outras pessoas.
- Eu não vou voltar. Não posso passar por tudo aquilo de novo. Você precisa
dizer onde eu estou? Será que não pode fingir que não me encontrou? - pediu
Lisa, quase chorando.
- Veja... se eu não disser nada, tenho certeza de que minha mãe vai comentar
nosso encontro com Dan, quando voltarmos. Não vou conseguir que ela fique
calada.
- É, acho que não...
Pam esperou alguns minutos antes de prosseguir:
- Por que não volta com a gente e espera Bryn chegar? A casa tem muitos
quartos. Não vai precisar ficar com ninguém.
- Tenho que trabalhar amanhã de manhã.

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Estranho casamento (The man from Tripoli) Kay Thorpe
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- Quer ficar neste emprego, mesmo? Sabe que Bryn não vai deixá-la aqui
sozinha.
- Não vai ter escolha. Não estamos na Líbia.
- Está bem, faça como quiser. Dê-me apenas o seu endereço. Pam percebeu que
os olhos de Lisa fugiam dos seus, por isso disse:
- Acho melhor levá-la até lá, assim tenho certeza de que o endereço não é
falso.
Não havia jeito de enganá-la. As duas saíram do restaurante. Lá fora, a chuva
tinha parado, mas o céu ainda estava bem escuro.
- Nosso carro está em uma garagem no outro quarteirão. Mamãe já deve estar
lá quando chegarmos.
Estava e ficou um pouco surpresa quando viu Lisa.
- Vamos dar uma carona para ela. Não vai dar trabalho nenhum
- disse Pam.
Em quinze minutos chegaram à rua Lilly, apesar de Lisa fazer o mesmo' trajeto
em meia hora, de ônibus. Pam insistiu em entrar, fazendo uma careta ao ver o
quarto.
- Bryn vai ficar furioso quando souber que sua esposa está morando em um
quarto! - exclamou.
- Morava em um parecido com este quando ele me conheceu respondeu Lisa,
sem ficar ofendida. - Já estou acostumada. Quando vai telefonar para ele? -
perguntou.
- Assim que chegar em casa. Bryn deve chegar aqui às sete, se correr bastante.
Assim terá tempo para mais uma fuga, se é isso que você está planejando.
Lisa pensou no assunto. Mas, para onde iria? Ia ficar e encontrar com ele
quando chegasse. Não podia forçá-la a voltar para a Líbia, nem ir para a casa
dos amigos. Ela tinha um emprego e uma vida nova. Se tinha escolhido ficar ali,
ele não podia fazer mais nada.
- vou ficar aqui - disse, olhando para Pam.
As horas se arrastaram depois que Pam saiu. Lisa pensou em telefonar ao
escritório, mas o aparelho ficava lá embaixo e ela ficaria exposta à curiosidade
da sra. Banks. Era quase certo que ela ia procurar ouvir a conversa telefónica
e, de qualquer forma, ainda não tinha inventado uma desculpa para não ter ido
trabalhar à tarde. Era melhor esperar até a manhã seguinte e, quando chegasse
ao trabalho, arranjaria a desculpa.
O quarto estava em perfeita ordem, mas ela começou a arrumá-lo novamente.
Esticou as cobertas da cama, fechou as cortinas e colocou ordem na pequena
cozinha anexa, arrumando um vaso de flores sobre a mesa. No quarto o único

Livros Florzinha - 85 -
Estranho casamento (The man from Tripoli) Kay Thorpe
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lugar confortável era uma cadeira estofada, próxima da lareira, que ficava
sempre apagada porque o clima não estava frio o suficiente para torná-la
necessária.
Bateram na porta pouco depois das sete e meia. Lisa ficou surpresa porque
tinha ouvido um carro parando na calçada. Foi abrir rapidamente, mas ficou
desapontada com a figura que viu.
- Vim aqui ver como você está - disse Gerry. - Achamos que ficou doente de
repente, na hora do almoço. Foi isso? - perguntou ele, olhando ansiosamente o
rosto dela.
- Não foi bem isso... Eu fui chamada inesperadamente por amigos. - Parecia uma
desculpa idiota, mas era a melhor que tinha conseguido arranjar. - Não tive
tempo de ligar para o escritório e avisar você. Desculpe, Gerry.
- Bem... já que você não está doente... será então que está com algum problema?
- Não - disse ela. - É melhor você entrar.
- Que lugarzinho simpático!
- Lugarzinho é a palavra certa. - Ela tentou pensar em um jeito de dizer a ele
tudo o que estava acontecendo, sem parecer boba, mas não conseguiu. - Quer
tomar um café? - perguntou. Só que preciso avisá-lo de que estou esperando o
meu marido.
- Você o quê? Está brincando! - Ficou alguns momentos olhando para ela, sem
acreditar.
- Acredite em mim. Não é brincadeira. - Sacudiu os ombros com indiferença. -
Devia ter contado antes. Pedi à agência de empregos que mantivesse isso em
segredo porque não queria que me fizessem perguntas!
- E eles não fizeram nenhuma?
- Não... quando disse que estava separada. O rapaz sacudiu a cabeça,
espantado.
- Lisa, você não parece ter idade suficiente para estar casada... quanto mais
separada!
- Bem, eu estou. E vou continuar assim. Amanhã de manhã estarei no escritório.
Um brilho surgiu nos olhos dele.
- Casou com um irresponsável, é isso? Sempre disse que nenhum homem deve
casar antes de ser capaz de sustentar uma esposa.
De repente Lisa sentiu vontade de rir. Sabia que estava próxima de um ataque
de nervos. Seria pior se Gerry resolvesse ficar para ajudar a enfrentar aquele
marido irresponsável. Disse apenas:
- Ele tem trinta e um anos, é executivo de uma companhia de petróleo, e se
encontrar você aqui vai pensar o pior. Gerry, por favor, saia agora.

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Estranho casamento (The man from Tripoli) Kay Thorpe
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Bateram duas vezes na porta da casa. Este era o pior momento psicológico da
vida de Lisa. Sentiu o rosto esquentar e percebeu que Gerry também não
parecia muito à vontade. Ela não tinha ouvido nenhum carro estacionando. Mas
só podia ser Bryn.
Ele não parecia muito diferente da última vez que tinham estado juntos. Usava
um casaco de camurça bege, que era muito quente para a Líbia. Os olhos
pousaram apenas um momento no rosto dela e dirigiram-se para o homem em pé
no meio do quarto.
- Lisa, está recebendo visitas? - perguntou. Gerry se afastou, explicando:
- Já estava saindo. Ia passando por aqui e entrei para saber se Lisa... quero
dizer, ela não foi hoje à tarde ao escritório...
- Gerry é o chefe da seção em que trabalho na firma de seguros
- disse Lisa, petrificada, com a voz rouca. - Pam deve ter contado que me
manteve afastada do trabalho esta tarde.
- Disse que almoçaram juntas. - Bryn ficou de lado, deixou o rapaz passar e,
dirigindo-se a ele bruscamente disse: - Você deve avisar a pessoa encarregada
de contratar e despedir os funcionários que a minha esposa não vai voltar mais
lá. Se houver algum problema a resolver, pode entrar em contato comigo
através da Unital, cuja matriz é em Londres. - Fechou a porta firmemente,
depois de dar uma olhada severa a Gerry, que fitava Lisa, espantado. Bryn
manteve a mão no trinco e dirigiu-se a ela: - Você sabe como fugir!
- Eu queria mesmo fugir. Você não tinha nenhum direito de dizer àquilo ao
Gerry. Ainda bem que ele tem bom senso para esperar até que eu apareça por
lá e explique tudo. Não vou deixar o meu emprego, Bryn. Comecei uma vida nova
aqui. Não vou desistir.
Ele olhou o quarto com desprezo e comentou:
- Eh!, que vida...
- Não é pior do que aquela que levava quando você me conheceu. Não fiquei com
você o suficiente para adotar os seus valores esnobes. Não tenho nenhuma
bebida em casa, mas posso fazer café, se quiser beber alguma coisa. Veio
direto para cá?
- Sim. Pam me deu o endereço por telefone. Deixei o carro numa rua mais ou
menos perto daqui e preferi caminhar até achar o local. Fiquei muito tempo
andando por aí, perdido. - Fez um gesto impaciente e se afastou da porta. -
Está bem, faça um café. Se é que isso vai ajudar!
Ela preparou tudo em silêncio, enquanto ele esperava sentado na cadeira perto
da lareira. Sentado lá, parecia fazer com que o quarto se tornasse ainda menor,
pensou ela, tomando cuidado com as panelas e o bico de gás. O cheiro de café

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queimado não ia melhorar o ambiente e, se deixasse cair tudo, seria pior ainda.
Bryn aceitou a xícara grosseira, sem comentários. Bebeu um gole e colocou-a no
chão ao lado da cadeira.
- Agora que já teve tempo de se auto-afirmar, será que podemos ir andando?
Quanto tempo leva para arrumar tudo?
Lisa ficou olhando, estarrecida, sentindo que sua vontade estava sendo
ignorada.
- Já disse que não vou a lugar nenhum - afirmou.
- Já disse que você não vai ficar aqui - retrucou Bryn.
- Não há nada que me force a sair.
- Você quer dizer... legalmente? - Ele falava em tom irónico.
- Eu não me importo nada com o aspecto legal das coisas, nem você. O único
jeito de acertarmos tudo é arrastá-la, sem lhe deixar escolha.
- Você acha mesmo que pode ser sempre assim? Sempre o seu orgulho
dominando? - Lisa perguntou.
- Acho que o meu e o seu orgulho têm muito a ver com as nossas desavenças.
Você implicou comigo porque achou que me senti forçado a casar. Bem, não
estou sendo forçado agora. Você já provou que pode tomar conta de si mesma,
do seu próprio jeito, de modo que não preciso me sentir obrigado a ficar com
você. - Fez uma pausa e alterou o tom de voz. - Mas quero você de volta, Lisa.
Este intervalo não deve passar daqui. Não precisamos voltar a Trípoli agora.
Vamos ficar alguns dias juntos por aqui.
Ela estava empolgada, mas tentou afastar as emoções.
- Isso não vai mudar nada. Você prefere mulheres mais velhas!
- Por quê? - perguntou ele, impaciente. - Alguma vez dei a impressão de desejar
outra pessoa, quando estava fazendo amor com você?
- Não nos últimos tempos - disse ela, trémula. - Mas, isso não prova... mas esse
tipo de coisa não faz muita diferença para um homem, não é mesmo?
Ele ficou estudando o rosto dela demoradamente e falou:
- Há um modo muito mais rude de dizer o que você quer saber: faz uma
diferença danada, principalmente se você não consegue esquecer! Se eu
soubesse... - Parou, interrompendo o que ia dizer e mudou a frase: - Esta
discussão não vai adiantar nada. Esclareceremos tudo mais tarde. Agora, pegue
as suas coisas. Está devendo algum aluguel?
Lisa sacudiu a cabeça.
- Está pago até o fim do mês.
- Então podemos sair sem avisar. - A fisionomia dele endureceu novamente
quando percebeu que ela não se mexia. - Podemos deixar suas coisas aqui. A

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dona da casa irá vendê-las depois,
- Você já esqueceu o que eu lhe disse na noite em que parti de Trípoli? - ela
perguntou, desesperada.
Ele sacudiu a cabeça.
- Não esqueci. Você me feriu naquele dia, mas não agora. Mark está morto.
Acho melhor deixarmos que descanse em paz.
- E Andrea?
- Pensei que já tínhamos...
- Não concordo. Pam me contou que ela ainda está em Trípoli.
- Pam está certa. Mas foi decisão da companhia e não de Andrea.
- Você foi vê-la, naturalmente...
- Não, desde que ela voltou do hospital. Estive muito ocupado com meu
trabalho.
- Quer dizer que teria ido, se tivesse tempo.
Ele ainda estava sentado, olhando para o sofá onde ela tinha ficado. Sua
expressão foi mudando devagarinho. De repente estava de pé, tirando o
casaco, jogando-o na cadeira e se aproximando de Lisa.
- Estive tratando você de uma forma errada o tempo todo. Só há um jeito de
acertar as coisas com uma garota teimosa assim!
- Não - disse Lisa, baixinho. Mas sabia que não estava sendo sincera. Desde o
momento em que Bryn chegara havia desejado que isto acontecesse. Que ele
parasse de falar e a agarrasse. Tinha tido que provocá-lo até aquele ponto. O
que provava alguma coisa... mas ela ainda não sabia o quê.
Os lábios dele eram possessivos, não permitindo que ela virasse o rosto, nem se
movesse. Quando tocada por ele, sentia-se extraordinariamente viva, com um
calor que a percorria toda. Desta vez, quando ele a despiu, nem se importou se
o ar estava frio demais ou não. Só queria ficar perto dele, ver o brilho dos seus
olhos quando a olhava, saber que podia atingi-lo, pelo menos em alguns pontos,
sem reservas.
- Lisa... - murmurou ele, com o corpo colado ao dela. Meu Deus! Como senti a sua
falta. Você nem imagina como sofri!
Ela queria lhe dizer que o amava, mas as palavras não saíam. E era justamente
do aspecto físico do relacionamento que ele sentia falta. Bem, ela também
tinha sentido. Pelo menos era uma emoção que ambos tinham sofrido juntos nas
últimas semanas. Teria que se contentar com isso no momento.
Já passava um pouco das dez quando finalmente saíram. Bryn trouxe o carro e
explicou à curiosa sra. Banks que iam partir. Mas nem por isso ela deixou de
ficar olhando por trás das cortinas enquanto saíam, carregando as malas.

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Estranho casamento (The man from Tripoli) Kay Thorpe
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Bryn tinha perguntado a Lisa se ela queria ir a um hotel em Birmingham para
passar a noite ou preferia ir direto para Londres, onde ele já tinha um quarto
reservado. Lisa preferiu a pequena viagem, porque queria tempo para pensar,
mesmo sabendo que isso não ia mudar a decisão dele. Bryn não ia aceitar
nenhuma razão para não levá-la de volta a Trípoli. Depois de ter feito toda
aquela viagem para procurá-la!
Mesmo assim a imagem de Andrea ainda estava presente entre eles. Lisa
tentou afastá-la. Bryn podia estar falando a verdade quando disse que não a
tinha visto desde que ela saíra do hospital. Mas contou que tinha ido visitá-la
lá, o que parecia a Lisa um pouco de envolvimento da parte dele. Só ia ficar
contente quando a outra mulher estivesse bem longe, pensou. Seu olhar era de
amargura.

CAPÍTULO XI

Chegaram ao hotel onde Bryn estava hospedado, em Londres, antes da meia-


noite e meia. Naquela hora a entrada estava quase vazia. Lisa ficou em pé ao
lado de Bryn, enquanto ele pedia a chave. Ela sentiu que enrubescia quando o
recepcionista a olhou. Mais tarde, comentou:
- Ele deve ter pensado que você me pegou na rua. Viu como me olhava?
- As mulheres que a gente pega na rua geralmente não vêm com tanta bagagem.
Você está sempre imaginando coisas. Quando cheguei aqui disse a ele que minha
esposa viria mais tarde. Por isso pedi um apartamento de casal.
Quando entraram no quarto, ela perguntou:
- Você ainda está zangado comigo?
- Não - respondeu Bryn. - Tudo faz parte de um complexo que você tem. Vê
sempre o lado pior de todas as situações. Talvez amadureça um pouco nos
próximos dias.
O quarto era grande e luxuoso, com uma linda vista para o parque. Lisa esperou
até que suas malas fossem trazidas e disse:
- Vi você avisando o porteiro que iríamos embora amanhã. Está planejando
voltar direto para Trípoli, depois de tudo isso?
- Não - disse ele, calmo. - Prometi a Irene e Adam que levaria você até lá,
quando a encontrasse.
- E vai me deixar junto com eles, como tinha planejado antes?
- Agora não. Você só fica junto comigo - respondeu, sorrindo.

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Estranho casamento (The man from Tripoli) Kay Thorpe
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- De hoje em diante vamos nos aceitar como somos e parar de tentar
mudarmos um ao outro.
- De acordo - respondeu Lisa. Não ia ser assim tão fácil. Ela já sentia isso.
Porém, naquele momento, ficou contente.
Os Leason moravam numa belíssima casa antiga de tijolos vermelhos, entre
Exeter e Tedburn St. Mary. Adam tinha uma loja de objetos antigos na cidade
e Irene ficava tomando conta da casa, dos três cachorros, três gatos e alguns
cavalos. Não tinham filhos, mas viviam sempre ocupados com crianças da
vizinhança. Lisa acabou concordando que ficar com eles era muito agradável.
Irene não quis ouvir quando Lisa tentou se desculpar pelo transtorno que havia
causado no aeroporto.
- Estas coisas acontecem. Conheço Bryn há muito tempo para ficar surpresa.
Ele deve ser uma pessoa difícil de conviver. Teve uma infância muito infeliz...
- Infeliz? - Lisa estava espantada. Não era isso que ele lhe havia contado. -
Você tem certeza?
- Tenho. A família dele estava sempre mudando de cidade. Parece que os pais
não queriam filhos, mas quando Bryn nasceu resolveram fazer dele um génio.
Bryn nunca falou muito sobre o assunto, mas minha família conhece a dele.
Parece que nunca o deixaram se comportar como uma criança normal. Tinha que
estar sempre estudando e sempre foi a criança mais inteligente entre todas
que frequentavam a casa dos Venner. Ainda bem que ele tinha bom senso,
senão, sabe Deus o que teria acontecido.
- Ele só mencionou que não via muito os pais - disse Lisa.
- É verdade. Lembro de a minha mãe ter dito uma vez que era uma pena ver
aquele menininho crescendo sem amor, sem que os pais lhe dessem carinho. O
problema é que congelaram toda a capacidade que ele tinha para dar amor. Por
isso fiquei tão contente quando soube que ele tinha casado. Deve ter achado
alguém que o compreendeu, pensei.
Lisa olhou ao longe, para a porta de madeira pesada que estava atrás da outra
moça.
- Então descobriu que eu não era a esposa ideal para ele, não é verdade? -
perguntou, baixinho.
Irene sorriu, arrumando os cabelos que lhe caíam sobre a testa.
- Se está querendo dizer que é muito jovem, não estou de acordo. Desde que
goste dele o suficiente, nada mais importa. Você o ama, Lisa?
- Sim. Mas não sei se é suficiente - respondeu.
- Bem, já serve para um começo. Aprenderá a compreender o modo dele agir.
Está sozinho há tanto tempo que vai precisar de algum tempo para

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Estranho casamento (The man from Tripoli) Kay Thorpe
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compreender os pontos de vista dos outros. Acho que é um pouquinho
dominador demais, quando resolve ser.
Lisa sorriu.
- Algumas vezes...
- Sabe, isso é um sinal de insegurança...
Lisa não podia concordar. Ninguém era capaz de achar Bryn inseguro.
Percebendo que ela discordava, Irene mudou de assunto:
- vou convidar alguns amigos para uma festinha. Bryn geralmente passa parte
das suas férias conosco. A última vez que veio foi um pouco antes de conhecer
você.
Lisa pensou que só conhecia Bryn há poucas semanas, mas que toda a vida dele,
desde então, estava mudada. Não tinha perdido apenas a liberdade de solteiro,
mas já estava enfrentando os problemas de uma complexa vida de casado. E se
ela tivesse sido compreensiva com ele desde a primeira noite, talvez ele nem
tivesse precisado de Andrea novamente.
Naquela noite, durante o jantar, Irene perguntou a Bryn quanto tempo ele
estava planejando ficar.
- Não desejamos que você vá embora. Só quero saber para quando posso
planejar uma festinha, enquanto vocês ainda estão aqui.
Bryn nem olhou para Lisa. Foi logo respondendo:
- Mais dois dias. Quero ir no voo da noite de segunda-feira.
- Então a festa tem que ser amanhã - disse Adam. - Você ainda tem um dia,
depois, para curar a ressaca. Sabe como são as nossas festas!
- Lembro da última... Tive minha pior ressaca. Não vou beber nada desta vez.
- Não acredito em você - disse Irene, rindo. - Na última festa eu fui a única
que conseguiu acordar na manhã seguinte para o café e o culto. Lembro que o
sermão foi sobre os perigos da tentação.
Não sei se foi uma coincidência ou alguém contou ao pastor o que tinha
acontecido por aqui.
- Provavelmente ele estava com inveja de nós - disse Adam, sorrindo. - Aquela
esposa dele não o deixa beber. - E, virando para Lisa, perguntou: - Está
servida?
Ela sorriu e agradeceu, imaginando se teria junto com Bryn, algum, dia, uma
vida como a de Irene e Adam. Por outro lado, será que queria este tipo de vida?
À noite Bryn parecia ter pensado o mesmo que ela. Perguntou:
- Você gostou muito daqui, não, Lisa? Gostaria que ficássemos mais tempo?
Ela se atirou nos braços dele. Agora só queria ser honesta. - Quero estar onde
você estiver, Bryn, mesmo que não goste do lugar. Isto responde à sua

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Estranho casamento (The man from Tripoli) Kay Thorpe
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pergunta?
- Não completamente. Mas já é bastante.
A festa foi mais concorrida do que Lisa tinha imaginado, mas a casa tinha
espaço suficiente para acomodar todos. A maioria dos convidados conhecia
Bryn e estavam contentes de conhecer Lisa. A pedido de Bryn ela estava
usando a djerba de seda e o cabelo penteado para o alto, o que lhe dava
aparência de adulta, mas era óbvia a diferença de idade entre ela, e o marido, e
todos os casais presentes.
No meio da noite Lisa viu uma loira vestida de branco que lhe lembrava Andrea
Farron naquela festa que tinha ido em Trípoli. Além da semelhança, era também
uma moça muito atraente e estava conversando com um grupo de pessoas, no
qual estava Bryn. Entretanto, ele não lhe dava nenhuma atenção especial. Só
quando um casal se afastou do grupo é que Lisa a viu se aproximar e sorrir do
mesmo jeito que Andrea sorria para Bryn, dizendo alguma coisa que não pôde
ouvir, mas provocou um sorriso nele.
Lisa ficou morrendo de ciúmes. E suspeitou que Bryn deveria ter alguma coisa
com aquela mulher. Para um homem como ele, sempre haveria outras mulheres,
porque elas sempre tinham existido. Ele não ia conseguir ficar com uma só.
Ela percebeu que não tirava os olhos dos dois e parecia que estavam sempre
juntos. Podia ser coincidência, mas conversavam e riam com uma certa
intimidade. O nome dela era Carol Brandon, Adam lhe havia dito, e ficou até um
pouco espantado quando Lisa perguntou.
- Ela é casada com um homem que também trabalha com petróleo. Agora ele
está na Arábia Saudita. Parece que lá não há vantagens para as esposas e ela
ficou aqui. - disse Adam.
- Deve estar muito sozinha - comentou Lisa.
- nós sempre a conviadamos, ela passeia bastante, é uma mulher muito
equilibrada. - fez uma pausa. - Porque está tão interessada?
- Oh! - E desta vez foi Lisa quem fez a pausa. - Ela me lembra alguém que
conheci. Só isso.
Um rapaz convidou-a para dançar e ela perdeu Bryn de vista durante algum
tempo. Quando voltou a vê-lo, ele estava dançando com Carol, apertando-a num
abraço muito mais estreito do que seria recomendável. De repente, agindo
movida pelo ressentimento, ela se aproximou mais do seu par. Colocou os dois
braços atrás do pescoço dele e sorriu para o rosto surpreso que a olhava.
- Adoro esse tipo de música - disse. - E você?
Ficou flertando com ele abertamente durante um bom tempo. Não sabia, nem
estava interessada em quem era aquele homem. Queria apenas que Bryn

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sentisse o efeito do seu próprio veneno, quando a visse daquele jeito com
outro!
Adam se aproximou e tirou-a para dançar a próxima música, levando-a para um
canto afastado da sala. Sua fisionomia, sempre calma, tinha um ar de
preocupação.
- Se você precisa dançar daquele jeito, agarrada no seu par, por favor,
escolha-o com cuidado. Está dando motivos para que a esposa de Alan brigue
com ele quando chegarem em casa.
- Desculpe, Adam - disse, confusa. - Só queria me divertir.
- Não acho. Queria que o seu marido percebesse. Acho que conseguiu. Ele já
está prestes a começar uma briga e quebrar tudo.
- Por isso você me trouxe aqui?
- Sim, queria lhe dar este aviso.
- Obrigada.
- Sabe, você é uma moça muito bonita e não precisa ter ciúmes de ninguém.
Carol tem uns oito ou nove anos a mais que você. Nós todos temos inveja de
Bryn por tê-la encontrado e casado com você.
Lisa sorriu.
- Bem. . . então é melhor não dizer isso a Irene. Tranquilo, ele respondeu:
- Tem razão. Acho que bebi demais.
- Obrigada mais uma vez - disse Lisa -, por evitar que eu ficasse lá parecendo
uma idiota. Você se importa se pararmos de dançar?
- Fico até contente. Não sei dançar, como você deve ter percebido.
Lisa evitou o olhar de Bryn o resto da noite, mas sabia que teria que dar
explicações quando estivessem a sós. Mas ele também teria. Se os motivos dela
tinham sido tão óbvios, os dele precisavam ser explicados.
O último convidado saiu às duas. Irene fechou a porta e comentou:
- Gosto de convidados, mas sempre fico pensando se vale a pena dar uma festa.
Depois fica toda essa bagunça! Alguém quer um café?
Lisa recusou, pegou alguns copos e levou-os para a cozinha.
- Oh!, por favor, deixe isso. Vamos arrumar tudo só amanhã. Ninguém quer mais
nada? - perguntou Irene.
Lisa olhou para Adam e disse rapidamente:
- Não estou cansada. Posso, pelo menos, limpar a sala agora.
- Você já ouviu o que Irene disse - retrucou Bryn, atrás de Adam, sem tocá-la,
e com o jeito mais frio e distante que ela já tinha visto nos olhos dele. E
prosseguiu: - Vamos subir agora.
Lisa se despediu de Adam e subiu para o quarto, ouvindo que Bryn dizia alguma

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coisa ao amigo, baixinho, antes de segui-la. Entrando no quarto, ela começou a
tirar os grampos e percebeu que estava tranquila. Bryn fechou a porta.
- Você gosta mesmo de aparecer. Se fizer aquilo novamente vou lhe dar uma
surra.
O ressentimento transparecia nos olhos dela.
- Sabe o que você parece? Um pai!
- Eu não me importo com o que você pensa. Vai acontecer o que disse. Se Adam
não tivesse interferido, eu já teria batido em você, acredite.
- Estou surpresa. Nem pensei que você havia notado.
- Você quis que eu notasse. Por isso fez aquilo. Não lhe ocorreu que a esposa de
Alan ia ficar aborrecida ao ver o marido fazendo papel de idiota?
Lisa tirou o último grampo do cabelo e respondeu:
- Uma exibicionista e um idiota. Que par! Ele atravessou o quarto e a agarrou
pelo braço.
- Se quer que eu a espanque agora, já me provocou o suficiente. Por favor,
cresça!
- E me transforme no tipo de mulher que você gosta, como Carol Brandon, por
exemplo? - O rosto dela estava vermelho de raiva e ciúmes. - Se acha que eu
estava me exibindo, devia ter pensado no que vocês dois estavam fazendo!
- Carol estava me contando sobre as condições de vida na Arábia Saudita -
disse ele. - O marido dela está com um contrato para trabalhar lá. Ela espera
que logo possa ir encontrá-lo.
- São países próximos. Você pode encontrá-la de vez em quando. A raiva de
repente desapareceu do rosto dele, deixando no lugar apenas resignação.
- Que adianta isso? - perguntou.
Lisa sentiu-se ferida quando ele se virou e foi se afastando. Havia alguma coisa
de final no tom de voz com que ele falara. Ela queria ir atrás dele e pedir
desculpas, mas seu orgulho não permitia. Tudo o que conseguiu dizer foi:
- Onde você está indo?
Ele nem se virou para responder:
- vou sair. Preciso andar um pouco para me acalmar!
Lisa ficou ali parada por alguns minutos, ouvindo o som dos passos dele
descendo as escadas e abrindo a porta. Sentiu-se extremamente angustiada.
Tinha conseguido finalmente. Estava tudo acabado. Percebera claramente, pela
primeira vez, que ele não ia tentar novamente. E estava certo. Tinha agido
como uma criança naquela noite. Uma menininha boba e possessiva que julgava
tudo pelas aparências, sem ouvir as explicações que lhe davam.
Lisa pensou que, talvez Bryn pegasse o carro e tentasse esquecer na velocidade

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os aborrecimentos que ela lhe causara. Sua imaginação ficou descontrolada. Via
um futuro horrível pela frente. Saiu correndo em direção à porta e viu que o
carro estava indo para o portão de saída. Os pneus derrapavam com a
velocidade. A casa estava situada em uma pequena elevação e, para chegar à
estrada principal, Bryn ia precisar passar pela frente da casa. Se ela saísse
pela porta de serviço podia cercá-lo e fazê-lo parar. Ia dizer a ele que tinha
sido uma idiota, diria todas as coisas que sentia e talvez conseguisse trazê-lo
de volta.
Ao descer as escadas ouviu que o motor do carro se aproximava. Havia um
trinco na porta lateral que fez com que perdesse alguns segundos. Saiu
correndo, perdeu um dos sapatos e dirigiu-se para o meio do caminho, acenando
com os braços, cega pelos faróis.
Os pneus derraparam e o som do breque foi alto. O carro derrapou mais uma
vez e atingiu-a. Lisa sentiu o impacto e foi atirada longe, como uma boneca de
pano. Não sentiu nenhuma dor. Vagamente, de muito longe, percebeu que
alguém estava tentando erguêla e carregá-la. Sabia que era Bryn porque estava
ouvindo a voz dele chamando o seu nome com um tom de medo. Mas não
conseguia nem abrir os olhos, nem mover os lábios. Queria apenas ficar ali
deitada, bem quieta.
Outra pessoa passou a mão pelo corpo dela.
- Não quebrou nenhum osso, pelo que posso ver. Pode trazê-la para dentro de
casa, Bryn? Adam está chamando um médico.
- Pode haver ferimentos internos - disse ele, com voz rouca.
- Não acho. Vi tudo pela janela. Não deve se culpar, Bryn. Ela correu e ficou na
frente do carro!
- Eu sei. Não devia tê-la deixado tão bruscamente!
Bryn a ergueu e levou para dentro, pensando que' não se sabe exatamente a
importância de uma pessoa até que se corre o risco de perdê-la para sempre. E
se ele tivesse matado Lisa?
- Ela vai ficar boa. Veja, está voltando a si - falou Irene. Lisa tinha voltado a si,
mas não havia recuperado completamente os sentidos. Não conseguia falar e
sentia muita dor em todo o lado direito do corpo. Gemia de vez em quando.
Tudo parecia nublado. Um estranho chegou e examinou seu braço, enquanto ela
permanecia deitada na sala. Depois foi novamente erguida e carregada até o
quarto que tinha ocupado nas últimas noites junto com Bryn. Irene despiu-a e,
com a ajuda do médico, lhe aplicou algo frio nos machucados. Cobriu-a com
lençóis leves e ela sentiu que o calmante dado lá na sala já começava a fazer
efeito.

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Irene curvou-se sobre ela, arrumou-lhe o cabelo e disse:
- Durma agora, queridinha. Não se preocupe com nada.
- Bryn... - disse ela, num sussurro. - Quero Bryn...
- Estou aqui. - Ele se aproximou e segurou a mão dela. O contato com a pele de
Bryn foi agradável. O rosto dele estava longe e Lisa não conseguia vê-lo bem.
Mas não importava.
- Eu o amo - disse ela. E foi como se tirasse um peso do coração, caindo logo no
sono.
Já era dia quando acordou. Bryn estava sentado em uma cadeira próxima da
cama. Lisa lembrou daquela manhã em que acordara com ele, pela primeira vez,
no hotel. Só que agora não sentia vergonha, apenas um arrependimento pelas
coisas terem acontecido daquele jeito.
Ele se levantou quando viu que os olhos dela estavam abertos. Aproximou-se. O
rosto arrogante e anguloso estava sorrindo de um jeito que ela nunca tinha
visto antes.
- Oi - disse ele. - Como se sente?
- Bem - respondeu ela e fez um pequeno movimento, mas gritou ao sentir que
seus músculos doíam muito.
- Você vai ficar inchada e dolorida por alguns dias - avisou Bryn. - E também
com machucados pretos e azulados. Mas deve ficar muito feliz por ter
acontecido só isso.
Lisa tentou sorrir, mas sentiu dor.
- Bem, pelo menos foi uma surra diferente daquela que você estava querendo
me dar na noite passada. - Olhou para ele e sentiu o coração apertado,
lembrando do desgosto que havia causado. Desculpe, Bryn, mas Carol me
lembrou Andrea. Acho que por isso agi daquele modo.
- Não foi sem motivo - respondeu ele. - Se eu não ficasse tratando todas as
mulheres atraentes como um garotinho bobo, nada teria acontecido. - Ele
sentou na beirada da cama, levou a mão dela aos seus lábios e disse: - Eu a amo,
Lisa. Nunca disse isso a mulher alguma em toda minha vida. Quero tomar conta
de você, querida. Acredite em mim agora. Acredite se eu lhe disser que não
combinei encontrar Andrea em Túnis naquela viagem, ou tirar vantagem do fato
de ela ter aparecido por lá.
- Só se você acreditar que eu nunca tive nenhum relacionamento sexual com
Mark.
- Eu nunca pensei realmente que tivesse. Sabia que tinha procurado outro
homem para conseguir se afastar de mim. Já naquele momento eu estava
apaixonado por você, mas não queria admitir isso, porque você não parecia

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capaz de amar profundamente ninguém.
- Fez uma pausa por alguns momentos. Colocou a mão no rosto dela e
prosseguiu: - Quando Adam telefonou para dizer que você não tinha sido
encontrada no aeroporto, minha primeira reação foi: deixe que se vá. Era o meu
orgulho falando mais alto, naturalmente. Você tinha se afastado de mim, me
largado. Depois contratei uma agência de detetives para encontrá-la.
- Depois decidiu vir pessoalmente. - A voz dela saía baixinho.
- Oh!, Bryn. Estou contente que tenha feito isso. Senão eu ainda estaria
naquele quartinho, e naquele emprego aborrecido.
- E conquistado toda a equipe masculina - disse ele, sorrindo. Seu rosto era
carinhoso. - Fico contente por seu primeiro conquistador ter sido educado o
suficiente para sair de cena quando eu cheguei.
- Ele não foi o primeiro. Você foi o meu primeiro conquistador. Meu primeiro e
verdadeiro amor.
- E também o último. É melhor que seja - disse ele, alegre.
- Não posso nem beijá-la como quero. Tenho medo de machucar você.
- Só vai doer um pouco, Bryn. Quero que me beije. Agora e sempre. - E sorriu
feliz quando ele colou seus lábios aos dela.

FIM

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