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ase te 1 . , MEDITACOES PORNOGRAEFICAS In Memoriam Yannis Tsarouchis (1910-1989) «A beleza muito assim contemplei, que plena dela esta a vista minha.» Kavaris (tradugdo de J. M. Magalhies e N. Pratsinis) Resolvi hoje gastar a tinta da minha caneta a escrevinhar algumas ociosas reflexes sobre tema que de imediato enunciarei porque em televisao, e jornal, e conversa de café, toda a gente fala apenas de crise economica, do desequilibrio das contas piblicas, da urgente necessida- de de regeneracao do pais e do futuro da ideia de Europa ou de outros assuntos igualmente elevados e muito nobres, quase sempre com muito pouca elevagao na vasta maioria dos casos. Sobram assim pou- cos vocacionados a olhar pelo baixo. Acresce que penso, na modéstia do meu discernimento, que é preferivel falar com elevagao do baixo do que com baixeza de coisas elevadas. E para nao vir a ser acusado sie de pore da mesma maneira, tentando trepar como g velho voyeur miope, desde sempre mais miope que voyeur, e agora com a vista cansada, uma pequena explicagao histérica. Antes da época do computador, a pornografia era comercializada principalmente através de revistas. Havia também uns filmes, nao sé 0S que passavam em certas salas de cinema pouco recomendaveis, mas outros, embora s6 mais tarde aparecidos no mercado, que eram comercializados para ver em casa nuns aparelhos muito modernos na altura. Mas o mais difundido, sem sombra de divida, era o pequeni- no e clandestino mundo das revistas. Ora, a psicologia do comprador de revistas pornogrdficas gay estava constrangida, nessa época, por uma atmosfera de censura que determinava, no eventual consumidor, um forte sentimento de vergonha, no minimo, para nao dizer culpa quase paralisante, obrigando-o a cautelas comportamentais que muito limitavam 0 exercicio do consumo. Tal ambiente impunha-lhe, por exemplo, preocupagées com o transporte da mercadoria para casa, observancia de hordrios de menor circulagdo de pessoas na rua, escolha de locais de compra sempre afastados do circuito habitual do comprador, embarago de encarar o vendedor ou a vendedora e outros mil pequenos e grandes obstaculos que seria ee enumerar, ibeteglclementos a ja um r caras, a revistas. Mesmo muito caras. Deste modo se compreende com facilidade © que disse anteriormente: quando me estreei em termos informaticos, consumi mais pornografia numa hora do que em toda a minha vida passada. A €poca do computador revolucionou de alto a baixo esse velho e opressivo estado de coisas. Ao comum cidadao gay de classe média passou a ser possivel realizar no recato e comodidade do lar festins pantagruélicos de pornografia, sem as inconveniéncias, por vezes malévolas, da meteorologia e com iseng4o de problemas familiares e sociais de forte gravidade e grande risco em termos varios de seguranca. A quem porventura ainda tenha o onanismo na conta de actividade muito limitada, ou redutora de amplas emocdes, convém a propésito lembrar que, quando nfo se é inteiramente desprovido de imagi- na¢do, ninguém se masturba duas vezes da mesma maneira — nem ejacula o mesmo lfquido seminal, se quisermos formular a questao em termos mais radicais, ao bom modo de Heraclito. Uma pivea tem muito que se lhe diga. Ou, traduzido para a lingua de Montaigne, «ga e a ser». Mas € dbvio que a variedade de imagens 0 a tidos estimula a i aca cunda N i 7 A 9s confins da floresta virtual da pornografia gay, acabei mesmo Bor descobrir um recanto baudelairiano de «calma, luxo e voluptuo- sidade», onde alguém intentou com éxito aliar A beleza das imagens a maravilha dos sons, explorando um leque imenso de correspon- déncias, ora pela estrada da semelhanga ora pela via do contraste, entre a interioridade animica da nudez corporal e o contetido umas vezes alegre e outras melancélico de diversos trechos musicais, de Haydn a Bartok, de Vivaldi a Tchaikovsky, passando por Chopin, Wagner ou Mahler. Se escutar é um acto Passivo, ouvir musica é expe- rimentar com mais amplitude e quase infinito deleite, amavel leitor, um prazer profundamente anal. Olhando para tras e reflectindo sem 0 falso pudor que esta minha avangada idade dispensa de bom grado, nao tenho receio de escrever que escutar uma sinfonia ou uma outra qualquer pega musical € ser fornicado com prazer pelos ouvidos, quer de forma algo violenta e orgidstica por Beethoven, quer de maneira mais para 0 doce e delicado por Mozart. E assim, por apenas isto, se vé a estreita e hedonista ligagdo que existe entre musica e sodomia, essa ponte de Epicuro, toda feita de sinestesias, que poucos ousam | atravessar Avancando nestas meditagdes para o cerne vivo da matéri: medievais, a Tespeito das cantigas de amigo e das cantigas de amor. __ Outta questo, mais universal, pode ser formulada a propésito das Imagens Pornograficas. A tipica questo capaz de fazer salivar a men- te filos6fica masculina: o que define a pornografia como pornografia? Nao € preciso construir uma cabana na Floresta Negra e viver ao estilo de eremita durante anos a fio, ruminando incansavelmente 0 assunto, para ensaiar uma resposta, ainda que precaria, mesmo que provis6ria. Depois de tantas discussdes realizadas acerca do tema ao longo dos séculos, 0 amago mais secreto da pornografia parece ser a auséncia, em suas avulsas ou sucessivas imagens, de consistente historia, ficticia ou verdadeira. Os moralistas modernos podem esfre- gar as mios de contentamento com uma resposta assim. E no entanto, se mesmo uma pequena folha de erva, depois de Walt Whitman, tem um passado vasto e altos pergaminhos poéticos, porventura nao em ao fim e ao cabo um minimo de pobre historia em comum, : que ela possa parecer aos nossos olhos, o marinheiro m pornografica e o velho que contempla o reflexo $e corpo nu no mintisculo quarto da taverna virtual , ambos perdidos e achados no fundo do mar ou no que envolve a terra rida e deserta da noite do nada, a fim 6 ejana onde moro, recém-inaugurado no meio menina de seracy on ouvit € ler 0 disco oferecido. A simpatica Na ervigo no local perguntou-me com um sorriso inicidtico: «Nao quer navegar um ae i pedacinho?». E acrescentou, sereia ignorante convincente: «Pode mexer a vontade, que no estraga». Assim me inaugurei no ciberespaco. Passado um més apenas, j4 completa- mente viciado e dependente, comprei um computador. Espléndido, de teclado agradavel ao tacto, o preco bastante convidativo. Posso por estas razGes dizer com toda a propriedade que entrei no ciberespago pela porta do convento, um convento de monges cartuxos ainda por cima, a ordem religiosa mais austera de vida contemplativa que existe em territério portugués. _ $6 quem nunca leu Dante, ou tenha feios e tristes preconceitos -inho irmao corpo e nao entenda a mendicante escola de que é 0 sexo, podera ficar escandalizado com a narra¢ao o no meio de tao peculiares meditagées, ao fazer saltar o 0 das Aguas convulsas da pornografia para as solitdrias nais sereno e limpido de Portugal. Mas nao vejo grave

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