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ALGUÉM NASCE CRIMINOSO?

Lídia Natalia Dobrianskyj Weber

Recentemente a nossa televisão mostrou uma reportagem sobre


a diferença no atendimento a adolescentes infratores em dois
países distintos: o nosso Brasil e a Colômbia. Enquanto em
nosso país, os adolescentes ficavam confinados em cubículos
superlotados, assistindo televisão o dia inteiro, na Colômbia foi
mostrado um intenso programa de reeducação para os
adolescentes.

Algumas pessoas, ao lerem isso, podem estar pensando: "mas


esses meninos são mesmo uns marginais desocupados e
merecem isso mesmo". Chamam-se esses meninos de marginais
por que a sociedade é tão condescendente com outros tipos de
crimes, como desfalques, falsificações, sonegação de impostos,
fraudes?! Este outro lado merece uma discussão mais ampla, e
por isso, tentarei prender-me por ora, aos chamados crimes de
rua, cometidos por indivíduos pobres. Talvez, esses garotos
sejam mesmo o que nós conceituamos de "marginais", mas
ninguém nasce infrator! Ninguém, ao nascer, tem o seu destino
escrito nas estrelas, dizendo se será um médico, um
trombadinha, um contrabandista de pedras preciosas, um
pianista ou um fraudador do INSS. Os seres humanos não vêm
prontos ao mundo, porém, existe maior ou menor probabilidade
de comportarem-se honestamente (segundo alguns valores) em
função dos ambientes a que foram expostos. Um marginal,
infrator ou assassino, não nasce; é produzido pela sociedade.

Em uma sociedade que possui um sistema de controle


estratificado, consumista e competitivo, que valoriza a aquisição
de bens de qualquer forma, e que só fornece chances de
sobrevivência digna aos mais aptos, bonitos, ricos e espertos, o
comportamento desses "garotos marginais" pode ser analisado
como adaptativo. Eles não têm muitas opções. Têm realmente
poucas coisas que podem fazer senão furtar para viver e
perambular pelas ruas. E quem chegar dizendo que com
"esforço pessoas" e "trabalho honesto" se vence na vida, está
falando da possibilidade disso acontecer com uma pessoa em
um milhão! Desafiaria, se fosse possível, as pessoas que
acreditam nessa tese, a despojar-se de todos os seus bens, sua
educação, seus amigos, e morar por uns cinco anos em um meio
onde vivem esses "jovens infratores" e em seu ambiente
familiar) se é que possuem algum.
É muito mais fácil para nós, que estamos em uma situação
privilegiada do ponto de vista econômico, cultural e intelectual,
em relação à maioria dos brasileiros, dizer que "eles são
marginais e merecem isso", ou então, não dizer nada, porque
isso não está nos afetando diretamente. Esses jovens foram
produzidos por uma sociedade injusta. Não estou aqui
defendendo os infratores, mas tentando discutir e mostrar como
um comportamento é produzido. Será correto culpar as próprias
vítimas que o nosso sistema social produziu? Se invertermos a
situação como indica Skinner (no livro Sobre o Behaviorismo), o
fato torna-se mais esclarecedor, assim como salientou Samuel
Butler, escritor e filósofo inglês do século 19, autor do romance
satírico "Erewhon", considerado uma antiutopia. Eroewhon é a
anagrama de "nowhere", que significa em inglês nenhum lugar.
Segundo Butler, nesse lugar as pessoas eram, ao contrário do
nosso mundo, censuradas e criticadas por seus defeitos físicos e
não morais. Comparem-se duas pessoas, uma das quais foi
mutilada por uma acidente; a outra, por uma história ambiental
pregressa que a tornou preguiçosa e, quando criticada,
mesquinha. Ambas causam grandes incômodos aos outros, mas
uma morrerá como mártir e a outra como desprezível. Ou
comparando-se duas crianças, uma aleijada pela poliomielite, a
outra por uma família que a rejeitou e que vive nas ruas. Ambas
causam certo mal-estar, mas só uma delas é isenta de culpa. O
que ocorre, e que a história de vida daquela considerada
culpada não é tão visível como o defeito físico da outra, assim, é
muito mais difícil identificarmos as variáveis das quais o seu
comportamento é função.

É preciso mudar urgentemente o enfoque sobre a questão da


marginalidade, e, consequentemente, sobre os direitos
humanos. Temos que analisar, além das vítimas e/ou culpados,
os sistemas sociais envolvidos. Será que a solução é colocar
esses jovens em prisões ou reformatórios e fingir que o sistema
vai mudar por si só? Não adianta tratar um sintoma sem
investigar sua causa. Temos que mudar a sociedade de que
produziu e continua produzindo o comportamento infrator das
pessoas de todas as classes sociais. É preciso fazer algo mais do
que usar arbitrariamente a violência física e a coerção sobre os
indivíduos, ou utilizar conceitos abstratos como agente causais,
rotulando-os de "desestruturados", "sociopatas", "gananciosos"
ou com "personalidade desequilibrada". É necessário, antes de
tudo, uma ação preventiva: não é simplesmente tratar mas não
deixar acontecer. Se queremos eliminar, ou pelo menos diminuir
os roubos e violências em todos os níveis, devemos ter como
objetivo uma sociedade mais justa, uma sociedade que
possibilite maior chance de vida para todos. Temos que pensar
em transformar não a "mente" ou a "consciência" dos homens,
mas pensar em uma ação conjunta de diversos setores da nossa
sociedade, algo que possibilite a transformação do meio, das
contingências envolvidas nas instituições sociais, no sistema
econômico e político do país. Será impossível?

- Não podemos acreditar coisas impossíveis - disse Alice.


- Pois eu digo que você não tem ainda muita prática - disse a
rainha -, porque às vezes tenho acreditado em até seis coisas
impossíveis antes do desjejum".

(Lewis Carrol, "Através do Espelho e os que Alice encontrou


lá").

LITERATURA RECOMENDADA

Dimenstein, G. (1990). A guerra dos meninos:


assassinatos de menores no Brasil. São Paulo:
Brasiliense.

Gomide, P.I.C. (1990). Menor infrator: a caminho de um


novo tempo. Curitiba: Editora Juruá, 1990.

Gomide, P.I.C. (1995). Meninos de rua da cidade de


Curitiba. Revista Igualdade, 7, pp.3-16.

Koller, S.H. & Hutz, C. (1996). Meninos e meninas em


situação de ria: dinâmica, diversidade e definição.
Coletâneas da ANPEPP, 1 (12). 11-34.

Pilotti, F & Rizzini, I. (Orgs.) (1995). A arte de governar


crianças no Brasil. Rio de Janeiro: Amais.

Rizzini, I. (1995). Deserdados da sociedade: os


meninos de rua da América latina. Rio de Janeiro: USU
Ed. Universitária.
Rizzini, I. (1997). O século perdido: raízes históricas
das políticas públicas para a infância no Brasil. Rio de
Janeiro: Amais.

Sotto Mayor Neto, O. (1997). Trabalho infantil. Revista


Igualdade, 17, pp. 7-24.

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