A partir de Bento XVI, presencia-se um esfumaçar das pompas, ouropéis e certos rituais. Isto marcará o século XXI. Há uma mensagem subjacente: a felicidade não está, no poder, na aparência, no luxo ou nos bens materiais. Inicia-se um novo ciclo, descortinam-se outros tempos. Nada melhor que refletir sobre alguns eventos destas duas últimas décadas. Quem imaginaria um papa abdicar da Cátedra de Pedro? Alguém poderia pensar em membros da família real britânica renunciando às suas funções? Ou um “Papa do fim do mundo” provocando uma reviravolta pautada na simplicidade? Tais atitudes pedem às pessoas que se abstenham das frivolidades. Há personalidades que não suportaram os papéis que lhes foram atribuídos nesse teatro social. Decidiram demonstrar que tal estilo de vida não as tornava felizes nem as realizava como seres humanos. Os holofotes cegam e, muitas vezes, ofuscam o farol, posicionado no alto da montanha para indicar os caminhos. Há quem possua o mundo inteiro, mas permanece com o desejo de sol e chão. Cansaram de luzes artificiais de uma vida sem propósitos e vazia de sentido. Em tais decisões, esconde-se uma sede de simplicidade, numa época em que imperam o culto à imagem e ao materialismo. Bento XVI demonstra estar tranquilo e feliz. Com o tempo, por conta de seu temperamento, afazeres e responsabilidades, Ratzinger acabou levando um tipo de vida que não imaginava para si. Sempre deixou claro que gostaria de terminar seus dias, fazendo aquilo de que mais gosta: escrever e pesquisar, com o fito de partilhar seus conhecimentos. Acabrunhado sob o peso do pontificado não conseguia sensibilizar o mundo, com suas ideias e convicções. Segundo alguns críticos, o filme “Os dois papas” não retrata com exatidão certos momentos e aspectos da personalidade do Pontífice emérito. Ele não via no estudo algo que o afastaria de sua missão, e sim como parte dela, uma atividade na qual poderia ser ele mesmo e, assim, contribuir para o bem da humanidade. Quando alguém não é verdadeiro, mente a sua consciência e aos outros, negligenciando sua vocação. Aliás, ser autêntico é uma das grandes dádivas divinas. Rabindranath Tagore afirma que “cada ser humano é uma obra prima de Deus, que não se repete”. Negar-se a si mesmo é trair o Criador. O resto não passa de vento, ilusão... Numa decisão existencial, Harry e Megan, duque e duquesa de Sussex, resolveram abandonar o glamour da Corte. Disseram sim à vida comum e não aos protocolos da realeza e certas regalias. A vida também pode ser fascinante e rica de aprendizagem, além dos muros palacianos, das pseudoproteções e círculos fechados. Alguns culpam Megan. Velha e triste mania de acusar ou condenar os outros, especialmente os mais frágeis. Isso já se fazia sentir na origem da criação, na metáfora bíblica de Adão e Eva. Quem tenta humanizar, não sai ileso de acusações. Cristo pagou o alto preço de sua simplicidade. “Não é este o filho do carpinteiro”? (Mt 13, 33). A verdade é que muitos não abrem mão das comodidades e do supérfluo. Têm medo de se arriscar. Chesterton afirmava que “a coisa mais extraordinária do mundo é um homem comum, uma mulher comum e filhos comuns”. A humildade e o viver simples incomodam, pois revelam, por vezes, o vazio de muitas existências. Alguns tentam compensá-lo com o fausto e as pompas. Mordomias e facilidades sepultam, não raro, muitas autoridades, seja leigos, seja eclesiásticos. Voltar à realidade é exercício cotidiano para construir um novo tecido civilizatório, na contramão de falsas lideranças e escolhas nefastas em instâncias ou instituições. É urgente considerar a necessidade de modificar esquemas e métodos daqueles que se apegam aos privilégios, passando por cima do bem comum. Desafio e exigência: adotar a vida simples, sem temer suas consequências, acalentando o sonho de transformá-la. É preciso ter a coragem sábia do despojamento, promovendo a fraternidade, a justiça e a paz. Cristo chama a atenção para as veleidades humanas: “Olhai os lírios do campo, como crescem. Não tecem nem fiam. No entanto, eu vos digo, nem Salomão no apogeu de sua glória se vestiu como um deles” (Mt 6, 28-29).