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Apostila de Filosofia

Vestibular UFMG

Redação: Professor Bruno Pettersen

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Introdução
Esse texto que você tem agora o contato é o resultado de cerca de nove anos de minha
experiência em filosofia, a qual teve início em 2000 com minha entrada na graduação em
filosofia na UFMG, passando pelo mestrado (defendido em 2006) e meu atual doutoramento.
Além disto, tive a oportunidade de dar aulas tanto na UFMG como professor substituto (durante
dois anos), e ter dado aulas para inúmeras turmas de pré-vestibular.
Foi a partir desta trajetória que em 2006 decidi escrever este trabalho para poder
orientar os alunos para o vestibular da UFMG. Decidi assim por duas razões: a primeira é que
não encontrei nenhum material amplo o suficiente que se adequasse apenas ao vestibular da
UFMG e a segunda razão é que de todo o material que analisei sobre o vestibular da UFMG
eram uma coletânea fragmentada de textos de vários autores, sem que houvesse uma coesão
tanto dos objetos de estudo, quanto da forma de exposição.
Apesar destas duas necessidades locais que me levaram a escrever este texto, não
descarto nenhum material de leitura adicional. Existem excelentes textos de introdução à
filosofia, como o Filosofando, o Convite à Filosofia e a Iniciação à História da Filosofia, e
muitos outros voltados para um público que busca uma introdução à Filosofia. Mas, falando em
termos pragmáticos, apenas no que tange ao aluno pré-vestibular, acredito que esta apostila é
completamente suficiente para a realização das provas.
De todo modo, faço aqui desde início a maior observação: pelo menos uma idéia aqui
presente está incorreta. Espero eu que seja esta própria afirmação, mas nunca se sabe, afinal a
se não bastasse à complexidade dos assuntos aqui tratados, temos também o tamanho hercúleo
da linha histórica da filosofia.

Introdução à Filosofia

Nosso primeiro passo é desvendar nosso objeto: o que é Filosofia? Tal questão é
extremamente espinhosa, mas justamente por isso é interessante. Literalmente “Filosofia” é
“amor à sabedoria”, mas a filologia nunca responde a tudo, e por isso, estamos na mesma. De
um modo geral, Filosofia é a atividade de conhecer o que nas coisas há de mais básicas, é
conhecer as coisas de um ponto de generalidade muito alta. Não é essencialmente uma atividade
de base, nem mesmo é a melhor das atividades.
Essa tal Filosofia é tão importante quanto qualquer outra área do conhecimento, e deve
partilhar com as outras áreas suas descobertas e suas dúvidas. O que a difere de outras áreas do
conhecimento é sua forma de ver as questões. Seu modo de ver é, então, sempre geral,
perguntando sobre a natureza das coisas, seja a natureza do ser humano, do universo, das ações,

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da arte ou da linguagem. Mas justamente por ser uma área muito vasta, a Filosofia deve
trabalhar em conjunto com todas as áreas, como, por exemplo, a literatura, ciência e religião.
Vejamos como as questões se colocam, e para exemplificar, pensemos um ser humano.
Primeiro ele é um ser biológico, composto de órgãos e tecidos, cada um com um função.
Imagine estudar todo o aspecto biológico, seria possível? Digamos que seja. Mas a questão não
está resolvida. Pensemos que cada um desses órgãos é em última análise, compostos de átomos,
com uma combinação tão especifica que fica difícil acreditar como é que ela existe. Imagine
compreender todas as equações que envolvem que nós somos. Todas. Imagine isso ser feito por
uma pessoa só. Pensemos o outro lado. Vivemos num mundo grande, com dezenas de animas,
de tipos de vegetações, de variedade orgânica e inorgânica quase infinita. Há muitas pessoas
dispostas a investigar como isso se dá no mundo. Mas só nesse mundo? Não. Há dezenas de
outros. Planetas, sistemas solares, forças gravitacionais, energias desconhecidas, e lugares que
nunca ninguém vai ver. Seria bom se fosse só isso. Mas não é. Nessa equação, temos mais
números. Nós seres humanos desenvolvemos uma cultura extremamente complexa, que vai da
ética para a religião, da ciência para a música, da poesia para a biologia. Desenvolvemos meta-
teorias, meta-poesias, meta-ciência. Dado isto temos algumas questões bastantes gerais, que são
de cunho filosófico: (1) Como combinar tudo isso? (2) Será que é possível responder a isto? (3)
Será que colocamos as perguntas certas? (4) Como saber alguma coisa sobre o mundo em que
vivemos? (5) Como sabermos quem somos? Essas questões de 1 a 5 são questões filosóficas por
causa de sua forma: elas são gerais, não podem ser respondidas por uma ciência e dependem
muito mais de um trabalho de exame conceitual. Questões deste tipo podem e devem ser
resolvidas pela Filosofia. Todavia, a Filosofia sozinha não vai dar uma resposta nem próxima de
qualquer uma dessas questões, mas ajuda a colocá-las e respondê-las.
Ao mesmo tempo em que a Filosofia é uma ciência não empírica, ela também está
profundamente comprometida com uma investigação precisa e direta. Não há nada na Filosofia
que deva ser comparada com um delírio, ou um pensamento vago. Pelo contrário. A Filosofia
deve ser exata como a matemática e deve fluir como a literatura.

A Natureza da Filosofia - A Origem Existencial da Filosofia

As questões da Filosofia são por natureza atemporais. Atemporais no sentido de que as


questões que são propostas não são partes de uma só cultura, de um só tempo, mas sim questões
próprias do ser humano. Há, é claro, um número enorme de modos de se colocar as questões,
mas na sua forma elas são poucas e pertencem não só à Filosofia, mas também a literatura, a
ciência e a religião. São perguntas que são partilhadas por todos, de todos os modos possíveis.
Essas questões revelam uma insuficiência na natureza humana. Nós desejamos saber
mais sobre quem nós somos, onde nós estamos e o que podemos nos tornar. É na resposta a

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estas questões que formamos nossa identidade. Essas questões não são exclusivas dos filósofos.
Elas fazem parte de nossa natureza enquanto humanos. Para essas questões, a Filosofia se
coloca como alternativa e ferramenta de busca das respostas.

A Origem Histórica da Filosofia

A Filosofia enquanto estudo sistemático tem uma origem história bem definido, a saber,
por volta do século V a.C. na Grécia.
São vários os fatores históricos e culturais que levaram a Filosofia a nascer, e é
necessário entendê-la justamente como um movimento que nasce por causa desses fatores. A
Filosofia não tem um nascimento privilegiado. Como qualquer movimento cultural, a Filosofia
também tem suas origens, e a que eu acredito ser fundamental é uma mudança drástica no modo
como o qual os gregos pensavam a educação. Para ficar claro deixe-me apresentar o contexto
histórico.
Os gregos estavam no século V a.C. numa intensa atividade mercantil. Dada a
localização privilegiada da Grécia, que se encontra muito próxima da África e da Ásia, as
constantes viagens que o povo grego estavam realizando com fins comerciais acabaram por
tornar algumas das cidades gregas profundamente cosmopolitas, com a passagem por elas de
pessoas de todas as partes, carregando culturas bastante distintas. Parte fundamental das
mudanças que ocorrem com os gregos se deve a essa entrada de novas culturas no ambiente da
Grécia.
Outra importante mudança que também toma lugar no século V a.C. foi a mudança da
reflexão política1. O maior fruto dessa reflexão foi o surgimento da democracia. A Demos
Cracia, ou o poder do povo, surge como uma novíssima opção política que vai ser empregada
em Atenas com sucesso. Parte da origem da Filosofia se deve a um novo modo de se pensar a
organização da cidade, onde sai um poder central e entra em cena a grande figura: o debate. A
discussão de todos os aspectos da vida da cidade passou a ser a agenda em Atenas. Todos os
cidadãos (que não eram todos os atenienses) tomaram a responsabilidade de governar e não de
serem governados. O poder emanaria das discussões públicas e não de deliberações unilaterais.
Dada essa nova ordem política (democracia) e cultural (oriunda as viagens) outra nova
mudança acometeu os gregos, que foi uma nova forma de educar os cidadãos. A educação
clássica dos gregos era basicamente uma educação provinda da “religião” grega, mais
especificamente dos poetas gregos, sendo os grandes, Homero e Hesíodo. As obras destes dois
grandes poetas serviam para os gregos como referencia ética, epistêmica, estética e ontológica.
A educação do homem grego, no sentido de “formação” (Paidéia) do ser humano, era toda ela

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A palavra política é derivada do termo “polis” que significa “cidade” ou “sociedade”. Assim, a “reflexão
política” é uma reflexão sobre a cidade.

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oriunda da poesia/mitologia. Mas os tempos eram outros. A antiga educação poético-mitológica
foi aos poucos se esgotando e cada vez mais era necessária pensar um novo modo de educar o
novo homem grego. Mas é claro que a saída de cena da educação clássica não ocorreu
subitamente. Todos os grandes filósofos continuaram a serem educados de forma clássica e
principalmente a citar como fonte de saber a poesia/mitologia. Sócrates e Platão são exemplos
claros onde a poesia/mitologia ainda estava profundamente arraigada. Foi talvez apenas em
Aristóteles, que a educação clássica teve seu poder muito diminuído.
Para participar do processo educativo deste novo homem grego que surgiu uma nova
forma de educação, através do logos. “Logos” é uma palavra com uma quantidade enorme de
significados, mas entre eles temos razão, palavra, discurso, etc. Por que o logos aparece como
nova fonte de educação? Por uma razão simples: o novo homem grego democrático deveria ter
como perícia saber vencer um debate público.
Houve duas correntes, muito próximas, que acreditavam nesse debate racional como
fonte de educação, a saber: os sofistas e os filósofos. Acredito que é um erro tomar essas como
duas “escolas” muito diferentes, que teriam teses muito diferentes. A questão é muito mais
complexa. Na verdade, os filósofos e sofistas eram pessoas que acreditavam que o saber deveria
provir de um debate através da razão e não através da força (física ou cultural). Para ambos o
saber era essencialmente racional. O que os diferencia é o resultado desse debate racional. Para
os sofistas não havia uma única verdade, onde para eles a verdade não era um conceito absoluto
que deveria emanar da natureza, eles acreditavam que a verdade era uma questão do contexto,
da forma, e da capacidade de argumentação. Não há para eles uma sentença ou crença
essencialmente verdadeira; a verdade irá aparecer na força do discurso e na capacidade de
convencimento do outro. Por isto, os sofistas se tornaram os grandes mestres da Retórica e do
discurso. De outro lado, os filósofos, acreditavam que o debate racional levaria à verdade de
uma sentença, crença ou idéia. Para eles havia uma verdade essencial que só poderia ser
alcançada através da razão. A verdade de uma idéia não era uma questão de força
argumentativa, mas sim da capacidade dos interlocutores desvelarem o que há na natureza de
verdadeiro. Há outras diferenças entre os filósofos e os sofistas, mas aqui estou interessado na
semelhança, ela é mais interessante. Para ambos, é apenas através da razão que as coisas são
decididas. Não há nenhum acesso superior a verdade do que através da razão. É com essa idéia
básica que o novo homem grego vai ser educado.

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Primeira Parte: Noções de Lógica

1. Uma breve história da lógica

Se nós estamos sem fazer nada em uma tarde fria de agosto e decidimos fazer um bolo
de chocolate sabemos que precisamos de bons ingredientes, e de uma forma. Nada mais óbvio
para qualquer pessoa de que existem duas metades em qualquer situação, uma teórica que irá
cuidar da forma na qual iremos desempenhar a atividade, e uma prática que irá se debruçar no
conteúdo daquilo que fazemos. Para fazer o bolo se faz necessário a sua fôrma e os ingredientes
adequados. Se nós ligarmos a forma (fôrma de bolo) ao conteúdo (ingredientes de boa
qualidade) iremos fazer o bolo com precisão. Na Filosofia ocorre algo de semelhante, trata-se de
unir conceitos através de uma fôrma adequada. Assim como ao fazer um bolo desfrutamos de
várias fôrmas que concederão ao bolo um aspecto que irá variar de acordo com a fôrma, na
Filosofia existem várias fôrmas, e uma delas é a lógica. A lógica é a tentativa de dar uma forma
correta aos conceitos, mas assim como no fazer do bolo não é a fôrma que dirá se os
ingredientes são bons ou ruins, a lógica não atesta a veracidade dos conceitos, mas é apenas a
maneira pela qual alguns filósofos dão forma às suas teorias. Nesse sentido, alguns filósofos
usam a fôrma da lógica para formar suas teorias. A lógica, por exemplo, pode ser a forma do
conteúdo provindo da experiência sensória: a lógica não será capaz de dizer se a experiência
sensória é ou não adequada, ou seja, verdadeira ou falsa, mas ela será capaz de organizar a
informação que provêm da experiência. Assim como bolos são feitos com a união de uma fôrma
e um conteúdo, a Filosofia também o é, pelo menos uma parte dela2.
O iniciador da lógica, pelo menos enquanto sistematizador, é o filosofo grego
Aristóteles. Aristóteles propôs um certo sistema no qual poderíamos manusear o conteúdo que
possuímos (seja ele qual for) adequando-o à lógica, a qual seria sempre formal e não seria ligada
ao conteúdo, vejamos como isto se procede: primeiro, sabemos perfeitamente que humanos são
seres mortais, segundo, sabemos também que Miguel é um ser humano, e logo, em terceiro
sabemos que Miguel é Mortal; seguindo a lógica aristotélica temos primeiro, que S é P, ou seja,
um ser humano (S) é mortal (P), em segundo temos que M é S, ou seja, Miguel (M) é ser
humano (S); logo sabemos que M é P, ou seja, Miguel (M) é mortal (P). Toda essa operação é
função da lógica fazer: organizar a informação da primeira e da segunda etapa em uma terceira
que é a união das duas anteriores: é assim que no terceiro momento temos o bolo pronto. A
lógica Aristotélica tem vários princípios fundamentais que permitem a regulação das teses e das
proposições, e por isso ela foi bem sucedida atravessando dois milênios sem maiores revisões.

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É preciso compreender que existem outros caminhos filosóficos perfeitamente válidos que excluem a
lógica do rol de “coisas importantes da filosofia”. Não é pela exclusão da lógica ou pela sua inclusão que
as teses filosóficas são melhores ou piores. A utilização da lógica é apenas uma das várias formas de fazer
filosofia.

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Contudo, em meados do século 19 um outro filósofo chamado Gotlob Frege fez uma profunda
revolução na lógica mostrando diversas limitações da lógica Aristotélica. Frege construiu uma
nova lógica proposicional (que cuida das proposições da linguagem) que se fixa em dois
conceitos básicos: Sentido (Sinn) e Referência (Bedeuten). Um exemplo simples para que você
compreenda a tese de Frege é o exemplo do planeta Vênus citado pelo próprio Frege:
indubitavelmente você já ouviu falar na estrela da manhã e na estrela da tarde, estas duas
“estrelas” aparecem no horizonte na manhã e no crepúsculo, contudo, estas duas denominações,
estrela da manhã e estrela da tarde, são apenas dois sentidos de uma referência apenas: o planeta
Vênus. Dessa maneira Frege consegue mostrar inconsistências na lógica Aristotélica e esta
lógica é abandonada. Depois dos trabalhos de Frege a lógica tornou-se um ramo da Filosofia
que assim como a própria Filosofia, é alvo constante de alterações e de propostas totalmente
novas e ousadas. Destacam-se depois de Frege pelo menos dois filósofos, (isto já no século 20),
são eles Russell e Wittgenstein. A mudança operada principalmente depois de Wittgenstein na
Filosofia da lógica é retumbante e por isso, se Aristóteles é o pai da lógica e Frege o revisador,
Wittgenstein é o filho mais bem sucedido.
Hoje a lógica é adotada por uma parte razoável dos filósofos como a fôrma na qual seus
argumentos devem se configurar (este filósofos se concentram principalmente na tradição de
língua Inglesa), e é adotada em várias de suas acepções sendo que a principal ainda é uma
derivada das anotações de Wittgenstein. Outras lógicas são a lógica Fuzzy, a Lógica
paraconsistente (desenvolvida pelo brasileiro Newton da Costa), e a lógica de diversos valores
de verdade, que são também utilizadas na Filosofia, contudo com uma penetração bastante
inferior a lógica derivada de Frege.
No fim, a lógica é um guia para construirmos bem nossos argumentos assim como o
confeiteiro utiliza-se de uma fôrma bem untada para fazer o seu bolo. Contudo, se a forma não
for boa, mesmo que utilizemos os melhores ingredientes o bolo saíra torto, mas se a forma for
perfeita e os ingredientes ruins, em aparência, o bolo será excelente: aí se encontra a limitação
da lógica, ela não é capaz de verificar quais são os argumentos bons ou os argumentos ruins,
mas apenas os sistematiza. A lógica é uma boa ferramenta para a Filosofia, mas sem o material
adequado a lógica não poderá fazer nada.

2. Argumentação e vida cotidiana3

Nas mais diversas situações nas quais temos a intenção de convencer alguém,
utilizamos a argumentação. Esta se mostra como uma ferramenta capaz de nos levar a vitórias,
desde que usada corretamente ou a fracassos retumbantes se utilizada sem o cuidado e a
habilidade necessária.
3
A partir deste ponto me baseie no livro do professor titular da UFMG Paulo Margutti Pinto intitulado
de “Introdução à Lógica Simbólica” publicado pela editora da UFMG em 2001.

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Em um texto acadêmico, o qual devemos convencer o nosso professor, ou em uma
conversa informal sobre times de futebol, na qual tentamos convencer um torcedor de um time
contrário ao nosso, ou ainda em uma prova de vestibular, usamos de argumentação. Até mesmo
agora, eu tento através deste texto, que não deixa de ser argumentação, convencer meus leitores.
A vida social é, portanto permeada de argumentação. Quando por exemplo Alfredo quer
convencer Mônica a se casar com ele, o que ele faz é argumentar com ela, indicando seus
pontos positivos e esquecendo seus pontos negativos. Como Alfredo é um excelente orador, ele
acaba por convencer a pobre da Mônica, e ele o faz apenas com a sua capacidade de
argumentar. Quantas vezes já vimos alguém ganhar uma discussão apenas por que é um
excelente debatedor?

3. O que é um argumento

Observe a seguinte construção:

Seres humanos possuem coração.


Ora,bebês são seres humanos.
Logo, bebês possuem coração.

Tal construção lingüística pode ser caracterizada como um argumento. Vejamos sua estrutura: a
primeira e a segunda frase são duas teses, chamadas premissas, das quais a terceira frase deriva
como sua conclusão. Podemos então, dizer que um argumento é a reunião de teses com o intuito
da geração de uma conclusão.

4. Tipos de argumentos

Existem basicamente dois tipos de argumentos: aqueles que visam uma coerência
formal, a saber, argumentos demonstrativos, já que visam demonstrar através de premissas uma
conclusão válida; e aqueles que visam uma adesão emotiva do interlocutor, são estes os
argumentos persuasivos, pois visam fazer com que o interlocutor adira a tese apenas pela sua
aparência. Os argumentos demonstrativos são estudados pela Lógica Formal, e os argumentos
persuasivos são estudados pela Retórica.
Um argumento demonstrativo pode ser exemplificado da seguinte forma:

Todo ser humano é mortal


Ora,Luiza é um ser humano
Logo, Luiza é mortal

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Neste tipo de argumento o que importa é que a ligação entre as duas premissas (as duas
primeiras frases) seja efetuada corretamente. Em termos lógicos poderíamos dizer que este
argumento visa uma validade proposicional.
O argumento persuasivo pode ser exemplificado assim:

Todo aquele que discorda do governo militar é subversivo


Ora, Todo subversivo deve ser torturado
Logo, aquele que discorda do governo militar deve ser torturado

Aqui, estando ou não correta a ligação entre as duas premissas, o que importa é que o
interlocutor seja convencido, ou nesse caso intimidado a não discordar do governo.

Tendo conhecido estes dois tipos de argumentos, podemos agora indicar suas duas
modalidades: indução e dedução.

Dedução
Dedução é o tipo de argumento que vai de uma proposição que abarca todo um conjunto
de coisas (todas as mesas, todas as pessoas, todas as estrelas) para uma proposição mais restrita
(as mesas desta sala, as pessoas desta sala, as estrelas da via Láctea). Vejamos um exemplo:
Todo ser humano tem coração ← 1ª Premissa
Ora, Bebês são seres humanos ← 2ª Premissa
Logo, Bebês possuem coração ← Conclusão

A primeira premissa é geral, universal, já que dá conta de todos os seres humanos existentes no
universo. A segunda premissa, mas restrita, não se refere a todos os seres humanos, mas uma
classe destes seres humanos, os bebês. A conclusão segue a segunda premissa e é mais restrita
(repare ainda que a conclusão de alguma maneira já se encontrava na primeira premissa). Um
aspecto fundamental de todo argumento dedutivo é que ele, desde que suas premissas sejam
corretamente articuladas, é sempre um argumento válido.

Indução
Indução é o tipo de argumento que vai de uma proposição particular (esta casa, este
carro, este computador) para uma proposição universal (todas as casas, todos os carros, todos os
computadores). Observe o exemplo:

Belo Horizonte é uma cidade perigosa ← 1ª Premissa


São Paulo é uma cidade perigosa ← 2ª Premissa

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Rio de Janeiro é uma cidade perigosa ← 3ª Premissa
Ora, São Paulo, Rio de janeiro e Belo Horizonte são capitais brasileiras ← 4ª Premissa
Logo, todas as capitais brasileiras são perigosa ← Conclusão

As três premissas acima são particulares, já que falam de fatos particulares (essa ou
aquela capital). A conclusão é ao contrário universal, já que fala de todas as capitais brasileiras.
Um fato fundamental do argumento indutivo é que ele pode se mostrar errado, já que se
constatarmos que uma capital brasileira é tranqüila a conclusão estará errada. Sendo assim, o
argumento indutivo, ao contrário do argumento dedutivo, mesmo que tenha uma correta ligação
entre as premissas, pode estar errado. Um dos filósofos que chamou mais contundentemente
atenção a esta limitação da indução foi o escocês David Hume. Sua tese indica que a nossa vida
é conduzida pela indução, como quando dizemos que se a água mata minha sede hoje ela matará
sempre, mesmo se termos tomado toda a água do mundo. Como a ciência deverá se portar
diante desta limitação da indução? (Veja acima como Popper abandona a indução pela idéia de
“falsificação”).

5. Análise do Argumento Demonstrativo

Todo argumento possui três partes: a primeira é chamada de antecedente, nela encontra-
se a articulação das premissas, e a representação dessa articulação se dá aqui pelo termo “Ora”.
A inferência é a segunda parte do argumento, é ela que faz a passagem das premissas para a
conclusão; a inferência tem o termo “Logo” como representação. A terceira parte, o
conseqüente é a conclusão, a qual representa a relação entre as premissas. Veja o exemplo:

← Antecedente
Seres humanos têm um sistema nervoso central
Ora, Anice é um ser humano
↓ ← Inferência

Logo, Anice tem um sistema nervoso central


← Conseqüente

6. Verdade e Validade

O que é logicamente válido é verdadeiro? Observe o seguinte argumento:

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Todo mamífero é ser humano
Ora,Todo cachorro é mamífero
Logo, Todo cachorro é um ser humano.

Segundo as regras básicas de silogismos lógicos (regras estas que não iremos estudar
aqui) este argumento é perfeitamente válido, ou seja, ele obedece todas as regras lógicas de
formulação de argumentos, mas esse não é um argumento verdadeiro, já que é por demais
evidente que cachorros não são seres humanos. O que é válido não é necessariamente
verdadeiro, já que a validade tem o seu foco no interior do argumento, e se ele obedeceu às
regras lógicas de inferências, ao passo que a verdade não apenas tem o foco no interior do
argumento, mas no argumento tomado como um todo.
Qual o problema então do argumento acima, já que ele obedece às leis de inferência? O
argumento acima tem o antecedente falso. Veja:

Todo mamífero é ser humano


Ora, Todo cachorro é mamífero ← Antecedente Falso
(já que nem todos os mamíferos são
seres humanos)

↓ ← Inferência Válida

Logo, Todo cachorro é um ser humano.


← Conseqüente Falso

Em suma, mesmo se o antecedente e a conseqüência são falsos, o argumento pode ser


argumento válido, isto é, se validade for entendida como explicamos acima, a saber, como a
correta utilização das regas inferenciais.

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Introdução aos Temas

Antropologia Filosófica: Concepções do ser Humano

A pergunta é direta: o que o ser humano é? Deixe-me trazer essa questão para mais
perto de você: quem é você? Certamente você faz parte de uma coletividade, digamos,
biológica, social e cultural. Essa coletividade é representada pela idéia de que somos seres
humanos, distintos de carros, gatos e sorvetes. Unimos a coletividade numa única idéia, que é o
fato de sermos humanos. Mas exatamente, o que é um ser humano?
“O que é o ser humano?” é uma pergunta que deve ser respondida pelo o que de
biológico temos? Poderia ser desta forma: ser humano é aquele que tem tal e tal composição
biológica? Sim, essa seria uma resposta possível, mas será a melhor? Há vários problemas em
dizer o que é o ser humano referindo apenas as suas características físicas, problemas tais como:
a) alguém em coma, ou que perdeu totalmente sua capacidade cognitiva é um ser humano? b) a
junção entre um espermatozóide e um óvulo é um ser humano? c) um computador que pense
como nós pensamos será um ser humano? Definir exatamente o que é ser humano é responder
essas perguntas, é demarcar o que nós somos, e mais, é dizer quem você não é. Você mesmo,
que agora está lendo este texto, é a pergunta. Pare um segundo de ler (não que isso seja difícil) e
pense: o que eu sou?
Você poderia dizer: o ser humano é um animal que vive em sociedade, ou ainda, que
desenvolveu uma cultura. Ser humano é participar de alguma cultura. Essa poderia ser uma boa
definição, mas ela mesma traz muitos problemas, vejamos: a) se alguém não tivesse contato
com nenhuma cultura, como um bebê que é criado por algum animal, é um ser humano? b) se eu
participar de uma cultura ou sociedade e decidir deixar essa sociedade, eu deixo de ser humano?
c) se existem várias culturas/sociedades, existem vários tipos de ser humano, sendo assim, qual
é a diferença de alguém que vive na nossa cultura e um índio, ou um asiático? Será que há
vários tipos de ser humano ou um só?
Responder essa pergunta é investigar o que há de mais básico em nós, é nomear o que
em nós há de diferente de tudo. Definir é encontrar o que há de igual na diferença, é encontrar o
que em todos nós há de humano, é como Platão diria, encontrar o mesmo no outro. Pensar no
problema do que é o “humano” é uma atividade multidisciplinar, que deve perpassar vários
modos de se pensar o humano. Para tal tarefa temos a antropologia. Etimologicamente
“antropologia” significa estudo (logia) do humano (antrophos). Há dois modos de
desenvolvermos uma “antropologia”, a saber: a) através de uma investigação empírica, e b)
através de investigação geral e não empírica. a) A antropologia empírica é aquela realizada por
antropólogos de formação acadêmica que decidem passar a vida estudando diferentes culturas

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tentando observar nelas suas singularidades e o que nelas pode ser comparado a outras culturas.
É um tipo de antropologia que quer responder o que é o ser humano ou “seres humanos” pela
observação das sociedades. b) A antropologia, quando não empírica, mas geral, é feita em por
filósofos e é chamada de “antropologia filosófica”. É um tipo de antropologia, que vista do
ponto filosófico quer investigar a natureza do humano através do estudo da natureza mesma do
humano. Ao dizer que há dois tipos de “antropologia” não quero dizer que uma é melhor do que
a outra. Na verdade, os dois tipos de antropologia se complementam. Mas, irei aqui estudar
apenas como a posição filosófica é proposta.
Para tal, investigarei algumas das mais relevantes posições, começando pela concepção
de ser humano desenvolvida na Grécia Antiga (séculos V a.C. até III a.C.), caracterizando
principalmente a posição de Platão e Aristóteles. Depois discutirei a concepção de ser humano
que é desenvolvida no Renascimento (séculos XII-XV d.c). Em seguida, irei relatar como o ser
humano é pensado durante o que é chamado de “Filosofia Moderna”, que perpassa os séculos
XVI a XVIII, focando na relação entre o humano e a natureza. Finalmente, discutirei duas
vertentes da concepção do humano propostas hoje (do século XIX até hoje), levantando o
movimento existencialista e a relação do humano com a ciência.
O problema filosófico aqui é um só: o que é o ser humano ou o que é você. Responder
isso é responder uma das mensagens que representa nossa cultura: “conheça a ti mesmo”.

Ética e Política

Somos seres que decidimos acerca de nossas ações. Estas ações, apesar de sempre
serem colocadas por indivíduos, elas acabam por afetar um conjunto de pessoas. Sendo assim,
nossas ações livres afetam os outros. Dado este ponto, temos a questão: como devemos agir?
Essa é por excelência a questão central da Ética4.
Ética é uma disciplina que estuda e fornece as normas de ações. Ela não é uma ciência
descritiva, ou seja, uma ciência que apenas relata como agimos, mas ao contrário ela é uma
ciência normativa, a saber, uma ciência que diz como devemos agir. As normas propostas por
esta ciência Ética devem ser de caráter universal: as normas devem valer para todos, mesmo que
sejam normas flexíveis. Nesta disciplina não pode haver lugar para deliberações unilaterais,

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Há hoje uma diferença entre “Ética” e “Moral”. Mas essa é uma distinção mais recente. Vejamos a
história das palavras: “Ética” vem do grego “Ethos” que quer dizer “costume”. Quando a cultura grega
ruma para Roma, ela é traduzida para o latim. O que era em grego “Ethos” é traduzido em latim para
“Moralis”, que também significa costume. Assim, pelo menos inicialmente “ética” e “moral” são a
mesma palavra em línguas diferentes. Mas com o passar do tempo houve uma diferenciação. Entende-se
por “Ética” leis universais que decidem a ação acertada em todos os casos. Entende-se por “Moral” leis
locais, como leis de um país ou cultura, que decidam naquela cultura o que é certo e errado.

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onde eu ajo conforme apenas meus próprios interesses. Dessa forma caracterizamos a Ética:
uma ciência que fornece normas gerais de conduta.
Para entender melhor o que esta disciplina é, devemos voltar para o surgimento da
Ética, vamos aos gregos. A palavra “ética” é derivada da palavra “ethos” que em grego significa
dentre outras coisas “costume”. O costume é o que nos une: comemos de acordo com o
costume, dormimos, conversamos, falamos, casamos, trabalhamos e etc., de acordo com o
costume onde fomos criados. Esses “costumes” são na verdade “regras de conduta” que nos
ensinam como deveríamos conduzir nossa vida. A partir desta concepção inicial de “ética”
como “costume”, filósofos como Sócrates, Platão e principalmente Aristóteles, pensaram que
deveria haver uma “ciência do costume”: temos assim a Ética. Essa ciência deveria escapar de
uma concepção do costume como convenção, onde a Ética deveria estabelecer normas racionais
para a ação.

Dessa disciplina, muitas questões surgem naturalmente:


1. Que normas de ação podem realmente valer para todos? O que poderia ser uma lei ética
universal?
2. Como exatamente nossas ações influenciam a vida dos outros?
3. Somos realmente livres para agir?

Cada formulação Ética que teremos na história irá trabalhar cada uma dessas três questões, em
menor ou maior grau. Mas certamente, as grandes teses Éticas certamente irão propor respostas
a elas.
Ao mesmo tempo em que falamos de uma “norma para a ação”, temos que considerar
que essas normas só podem existir com um conjunto de pessoas. Só faz sentido falar de
“costume” ou “norma de ação” se pensarmos essas coisas num contexto onde haja pelo menos
duas pessoas. Um “costume” de uma só pessoa não é costume, é peculiaridade. É nessa relação
entre indivíduos que chegamos a outra disciplina fundamental: a Política.
Quando nos consideramos como seres que agem no mundo, de acordo com certas
normas racionais, pensamos em como nossas ações influenciam os outros. Esse é o primeiro
passo da política. Política é a ciência que cuida de como uma organização de pessoas deve ser
mantida. Assim, a questão não é mais saber mais como indivíduos devem agir perante o todo,
mas como o todo deve organizar os indivíduos.
Novamente, voltemos as origens, agora, da Política. Essa disciplina nasce também,
enquanto ciência, na Grécia. A palavra “Política” vem da palavra “pólis” que significa “cidade”
ou “sociedade”. Essa ciência foi proposta inicialmente com pelos menos dois objetivos: (1)
observar quais são as formas pela qual uma sociedade é organizada e (2) como os estados
deveriam ser organizados. Falemos um pouco destas duas questões.

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A primeira questão é: quais as formas de organização de uma sociedade? Para saber isso
é preciso analisar que tipos de governos existem. Há muitos tipos possíveis de governos: da
democracia à tirania, da oligarquia à aristocracia, e mais recentemente da democracia
representativa ao parlamentarismo. Dados esses governos a Política irá verificar como cada um
pode ser capaz de manter e organizar o estado. Então temos questões como: qual estado pode se
conservar mais? Qual estado pode prover as necessidades dos cidadãos de maneira mais efetiva?
Uma análise de quais tipos de estado existe irá implicar necessariamente numa avaliação destes
estados. Temos assim, a segunda questão: como os estados deveriam ser organizados.
Essa segunda questão pode ser trabalhada de duas formas: uma utópica e uma possível.
A utopia política, pelo menos originalmente, significa a elaboração de um sistema político que
implique um tipo de organização ideal do estado e da sociedade. Na utopia o estado é o melhor
possível, ainda que não seja possível. Essa forma de pensar não é ruim, ou mesmo
desnecessária, na verdade ela é fundamental. A elaboração de um estado ideal nos ajuda a
compreender o que o estado deve ter e deve poder fazer, essa elaboração funciona como um
mirante que ajudaria a melhora do estado presente.
A segunda forma de se pensar a organização política é uma elaboração da forma do
estado que considere as contingências, as variações e as peculiaridades de cada lugar onde o
estado é pensado. Se pensarmos a formação de um estado num país onde é quase um costume a
corrupção das pessoas, pouco irá adiantar a proposta de um estado ideal, deveremos sim, pensar
um estado que possa cumprir funções mínimas de modo mais eficiente. Essa elaboração é mais
provável de se estabelecer no estado, mas ao mesmo tempo, é falha. Muito provavelmente,
muito falha. Mas a questão, principalmente hoje, não é tanto a formulação de um estado
perfeito, mas apenas um que funcione adequadamente.
De todo modo, podemos resumir a política como uma ciência que investiga como o
estado é e como ele deveria ser. Essa ciência é unida a Ética, na medida em que para
estabelecermos o funcionamento do estado devemos ter em mente como as pessoas agem nele.
Vamos a partir de agora verificar modelos Éticos e Políticos.

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Temas da Filosofia Antiga

Ética e Política na Filosofia Antiga


A Ética e Política enquanto ciências são invenções gregas. Nesta primeira parte da
investigação acerca destes dois assuntos iremos focar primeiramente a relação entre os Sofistas
e Sócrates. Nessa relação o objetivo central será a consideração do que ambos entendem como
“virtude” e a relação desta com a ação.
Com Aristóteles o tema da virtude se mantém. Além dele, iremos investigar um dos
grandes tópicos ético-políticos: a felicidade.

Ética Antiga: Prazer e Virtude: Sócrates e os Sofistas


O debate ético grego vai perguntar: como podemos agir melhor? Para essa questão, a
resposta será a de que a ação virtuosa deve vir primeiro. De um modo bastante geral, agir
virtuosamente é agir eticamente, de acordo com normas de conduta pré-estabelecidas, pela
sociedade ou pela razão. Mas, saindo de um modo geral, para um particular, chegamos às raízes
da Ética Grega.
O debate ético deste período discute principalmente como podemos praticar a melhor
ação possível. Para tal, a discussão irá se centrar no conceito de “virtude” – em grego “aretè”,
que significa também “excelência”. A virtude é a melhor ação, a mais perfeita e adequada ao
momento, realizada também sempre pelos melhores. A ética grega vai desta forma se basear
fundamentalmente na busca da ação excelente, ou seja, da ação virtuosa. Mas a grande questão
será determinar realmente o que conta como uma ação virtuosa. Vamos ver como Sócrates e os
Sofistas conduzem este debate
Comecemos com a posição Sofista. Este, como já dissemos acima, acredita que não há
verdade fora do contexto. Essa afirmação vai gerar amplas implicações na sua tese ética,
vejamos. Se acreditarmos que tudo é contextual, a determinação de se uma ação é ética ou não
vai depender do contexto no qual ela está inserida. O ponto aqui é que para saber se uma ação é
a melhor ou não, deve-se analisar o contexto onde ela é praticada; assim podemos pensar que
num contexto específico, podemos até matar uma pessoa, e mesmo assim, estaríamos realizando
uma “ação excelente” ou “virtuosa”. Pense, por exemplo, como alguns pensariam que matar um
grande assassino seria uma ação boa.
Quando a ação é tomada deste ponto de vista, não há leis éticas supremas que
ultrapassem os contextos. Mas assim, como determinar, contextualmente o que é ou não ético?
Tudo dependerá de uma avaliação do contexto e como este contexto pode ser adequado ou não.
Para tal o Sofista frequentemente “re-organizava” o contexto de modo a parecer que a ação

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perpetrada seria a mais adequada. Fazer isso não é uma tarefa difícil, nós mesmos
frequentemente usamos nossa própria versão dos fatos para afirmar nossa razão.
Chegamos aqui ao ponto decisivo: uma ação virtuosa será aquela que for capaz de se
afirmar como correta, onde o que conta é a capacidade de gerar no outro o convencimento. Dito
de um modo mais direto: eu ajo virtuosamente quando sou capaz de convencer você de que eu
agi da melhor forma possível. Nesse esquadro, toda a ação virtuosa será vista como aquela que
convence o outro que é uma ação virtuosa, assim, o agente poderá afirmar sua posição correta,
sua habilidade em agir bem, sua adequação. Esse convencimento de que a ação é virtuosa gera
o prazer para aquele que convenceu, o prazer de ter agido bem. Há assim, uma ligação estreita
entre o prazer e a virtude: toda vez que há uma ação virtuosa há o prazer de ter agido assim.
Agir virtuosamente aos olhos dos outros (diga-se: convencê-los disto) é o que nos traz prazer.
Temos então uma formula sofistica, que irá se repetir no futuro: à ação virtuosa sempre terá
acompanhada o prazer de agir bem. Nesse sentido é um prazer dado no contexto.
Sócrates representa outra posição acerca da determinação da virtude. Para Sócrates não
há uma “verdade contextual” ou uma “lei contextual”, para ele a verdade e as leis são imutáveis
e necessárias. Essa tese metafísica irá implicar diretamente na sua ética. A ética será baseada em
leis necessárias, ou seja, leis que ultrapassem os contextos possíveis. A ação virtuosa, ou seja, a
melhor ação possível será determinada através da adequação dela com uma lei universal. Um
exemplo disto é: digamos que temos uma lei universal que diz “não é permitido matar”, dada
essa lei, as ações que a transgredirem será anti-ética ou não virtuosa, independente do contexto
onde ela ocorre. A ética será um empreendimento para descobrir as leis corretas da ação
humana. E é aqui que temos a maior dificuldade. Como descobrir tais leis?
Para Sócrates não é necessário investigar os contextos onde as ações se dão. Isso é
desnecessário, devemos sim, buscar o que funda as ações, o que devemos fazer independente da
situação. Essa será uma busca árdua, mas que revelará a conduta virtuosa suprema. A única ação
virtuosa possível será aquela de acordo com a lei. Retomando o exemplo acima, se
descobríssemos que “não é permitido matar” é uma lei universal, nunca poderíamos matar,
mesmo em um caso onde apenas ao matar uma pessoa podemos sobreviver.
Chegamos então ao prazer. Nessa estrutura ética, uma ação ética pode levar certamente
ao desprazer, como quando para agirmos virtuosamente sacrificamos nossa própria vida (não há
desprazer maior que este!). Sócrates mesmo, num tribunal, sacrifica sua vida pela verdade,
aceitando a pena de morte, mesmo que ele pudesse facilmente convencer os juízes de que ele
estava certo. A fórmula socrática, então separa o prazer e a ação virtuosa. Isso não quer dizer
que não exista prazer na virtude, mas somente que na determinação da virtude não entra a
consideração do prazer.

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Antropologia Platônica: Alma e Corpo – Razão e Desejo

Como muitas de suas teses, a concepção de ser humano desenvolvida por Platão teve
longa vida após sua formulação. Mais do que isso, sua idéia do que é o ser humano, acabou por
representar uma visão um tanto comum acerca do que nós somos. Sua teoria acerca do humano
deriva diretamente de uma concepção ontológica da realidade. Dito brevemente, segundo Platão
há dois níveis distintos de nossa realidade, um nível necessário, eterno e imutável, que é
representado pelas idéias, e um nível contingente, temporal e mutável, que é representado pela
realidade visível. Destes dois níveis, o que subjaz as coisas é o nível necessário, que não muda.
Podemos pensar um exemplo aqui que está de acordo com o que você está estudando agora: a
física estuda leis que são imutáveis e necessárias, ela estuda o que é necessário, o que tem de
ocorrer; para seus estudos ela usa pedras, carros, planetas e etc., onde o objeto e os casos
variam, mas a lei não. O que subjaz os objetos nesse sentido é a lei física, e é a lei que em
última estância vai permanecer quando não mais houver objetos aos quais ela se referir.
Essa concepção da existência de uma dualidade no mundo é representada igualmente no
ser humano. Somos também uma parte imutável e necessária e uma parte mutável e contingente.
Nossa parte imutável é a alma e nossa parte mutável é o corpo. Deixe-me colocar o problema de
um ponto de vista mais particular: segundo esta tese, você que está lendo, tem uma alma que é
sua parte que nunca mudou, que permaneceu a mesma desde que você foi gerado; você também
tem uma parte mutável, que é seu corpo, onde quando você era criança, seu corpo era diferente
do atual, e vai ser mais diferente ainda daqui a cinqüenta anos. O que faz você ser você é aquilo
que não mudou: sua alma. É apenas através da alma, que é imutável que podemos conhecer
aquilo que é imutável, como por exemplo, as leis do mundo, tanto físico quanto ético. Assim,
para Platão quem deve governar não é o corpo, que está apegado ao que muda, mas sim a alma
que conhece aquilo que é verdadeiro e imutável.
Mas o corpo não é só uma “massa morta” guiada pela alma, as tentações do corpo são
duras. Aqui entra outra dualidade estabelecida no pensamento de Platão, a saber, a dualidade
entre Razão e Desejo. Somos também razão e desejo. A razão é a parte que está em conexão
com alma, ela é quem conhece a realidade ética, e é através da razão que sabemos o que em
nossas ações é correto e o que é incorreto. Já o desejo é a nossa parte impulsiva, que faz o que
faz não porque é necessariamente correto, mas porque é o que nosso corpo deseja. Nessa
imagem dual estabelecida por Platão, o desejo deve ser evitado, mas ele é parte de nós, é o que
nos coloca em movimento, mas assim como para que um objeto seja colocado em movimento
deve haver algo que o impulsione, mas para caminhar corretamente, deve haver algo que
domine o desejo, domine o impulso, e é tarefa da razão guiar nossos desejos. A parte corpórea
representada, pelo desejo não pode governar, mas deve ser governada. Deixe-me colocar um
exemplo simples: digamos que você está com alguns quilos a mais. De repente no meio de uma

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aula de Filosofia você resolve comer um chocolate que sempre anda com você. O seu desejo é
comer todo o chocolate, e uma vez que você deixe suas ações serem guiadas pelo desejo, seu
peso vai galopar solto. Então pensemos como seria melhor: seu desejo assola você, mas quem o
governa é a razão. A razão o orienta para não comer todo o chocolate, mas apenas um pedaço, o
que não vai o levar ao aumento de peso, e ao mesmo tempo saciar seu desejo corretamente.
Resumindo, a posição platônica acerca do que é o ser humano é marcada por
dualidades. Uma delas diferencia corpo e alma, onde a alma é a parte que conhece a realidade
das coisas. Outra diferencia razão e desejo, onde a razão é quem deve guiar o desejo.

Ética Aristotélica: Virtude e Felicidade


As teses Aristotélicas irão versar sobre o mesmo tema que encontramos acima em
Sócrates e nos Sofistas: o debate entre a virtude e a felicidade. Estes dois conceitos vão se
entrelaçar na posição de Aristóteles de um modo perfeito.
Começamos, pois, por um ponto básico para Aristóteles. Sua ética começa quando ele
diz que “Somos animais políticos”; essa afirmação serve para mostrar que apenas somos
humanos enquanto vivemos em sociedade, na polis. Do mesmo modo que um passarinho canta
naturalmente, vivemos em sociedade naturalmente. Só nos realizamos vivendo em sociedade.
Mas não é apenas isso, ele diz algures, que também “Somos animais racionais”; do mesmo
modo que só somos humanos na cidade, essa tese diz que somos humanos apenas quando
usamos a razão. Reunindo as duas teses temos que: somos animais racionais que vivem em
sociedade. É só ao realizar essa “duas naturezas” que podemos ser feliz. Nesse sentido a
felicidade vem da realização da nossa natureza. Mas como essa natureza implica na ação
virtuosa?
Se somos naturalmente racionais, nossa ação só será adequada se for segundo os
ditames da razão. A razão deve julgar como devemos agir. Esse julgamento não será a partir de
uma lei geral, nem só do contexto. A tese de Aristóteles dirá que a ação será julgada através da
prudência ou da “justa medida”. Segundo ele, não pode haver uma ação ética que seja virtuosa
para todos; para que a ação seja considerada virtuosa devemos julgar prudentemente com a
razão o que é mais adequado. Por exemplo, para um guerreiro treinado é racionalmente
prudente, ou seja, virtuoso, quando ele enfrenta dez adversários de uma só vez, por outro lado,
se uma pessoa sem nenhum treinamento decidir enfrentar dez pessoa, ela não será prudente, e
por isso, não será virtuosa, por que enfrentar dez pessoas nessas condições é quase impossível.
A ação virtuosa será de acordo com a razão.
De acordo com este argumento, ação virtuosa será aquela ação “prudente”, de acordo
com a razão. Resumindo, uma ação virtuosa é aquela indicada pela razão. Voltemos a outra
idéia acima, reunindo duas pontas: se (1) só somos felizes ao realizar nossa natureza – política e
racional e (2) a ação virtuosa é aquela de acordo com a razão, logo temos que (3) para sermos

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felizes devemos praticar ações virtuosas. Aristóteles une assim, com maestria nossa natureza e
nossa prática virtuosa, chegando assim à felicidade.

Política Aristotélica: O ser humano é um animal político


Aristóteles é um dos filósofos mais importantes em toda a história da Filosofia. Suas
observações acerca da metafísica, ética/política e epistemologia/lógica marcam até hoje parte da
reflexão filosófica. A teoria aristotélica acerca do ser humano não é dualista como a de Platão.
Aristóteles vê as coisas segundo uma postura unitária. Segundo ele, somos alma e corpo, mas
uma não vive sem a outra, a alma só existe enquanto o corpo existir e o corpo só existe como
instanciação da alma. É uma relação recíproca de existência. Apesar deste ponto ser essencial
para Aristóteles, deixe-me concentrar em outra idéia sua.
Antes de pensar na diferença alma e corpo, Aristóteles vai dizer na Política que o ser
humano é um animal político. Vamos entender o significado desta frase. Segundo Aristóteles,
os seres humanos são animais como outros quaisquer, como o boi, o gato e o periquito. Mas,
assim como o periquito é um animal que nasceu para cantar, os seres humanos nasceram para
viver em sociedade, para viver na polis. “Polis” é o termo grego para “cidade”, assim o ser
humano é um ser político porque nasceu para viver na cidade. Nascemos para viver segundo
uma cultura, dentro de uma sociedade, seja ela qual for. Aristóteles vai mostrar que quem está
fora da cidade só pode ser duas coisas: ou um Deus ou uma besta. Um Deus porque os deuses
não estão submetidos às leis e aos deveres que uma sociedade imputa aos seus cidadãos, pelos
simples motivo dos deuses transcenderem tudo isto. Já aquele que está fora da cidade e não é
um Deus, será uma besta, (no sentido de ser um animal comum) porque elas não estão
submetidas às leis ou deveres próprios da cidade, já que elas não compreendem tal coisa, elas
não podem viver na cidade a não ser que domesticadas. Assim é apenas o ser humano que é um
animal político.
A visão de Aristóteles sobre o que o ser humano vai implicar na sua visão de como o ser
humano deve viver na polis. Segundo ele, cada um dos seres humanos deve ocupar um lugar
natural na sociedade, cada um fazendo aquilo que lhe deve caber. É apenas com cada um
cumprindo seu papel é que a cidade vai chegar ao seu fim último que é a felicidade. Uma cidade
assim funcionará como um corpo: cada um de nossos órgãos tem uma função específica, um
órgão não pode funcionar como outro, um coração deve funcionar apenas como coração;
quando todos os órgãos ocupam seu lugar devido, nosso corpo funcionará da melhor forma
possível. Assim numa cidade, deve haver motoristas, jornaleiros, médicos, professores,
bombeiros, etc., onde um deve confiar no outro para que todos possam realizar suas funções
bem, e é só quando confiamos nos outros e cumprimos nosso lugar natural na sociedade é que a

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sociedade vai funcionar bem. Somos, portanto, animais sociais que devem ocupar seu lugar
necessário na natureza.
A visão de Aristóteles, concebendo o humano como um animal político marcará toda a
reflexão sobre que nós somos. Segundo Aristóteles, nós apenas podemos viver em sociedade,
assim como um peixe só pode viver n’água; devemos buscar viver bem e no lugar que nos cabe
na cidade.

Teoria do Conhecimento Platônica - Conhecimento sensível e conhecimento


inteligível
Os primeiros movimentos na história da Filosofia deixam claro que as explicações a
serem dadas acerca da natureza, devem ser dadas usando a razão. Para tentar desvendar a
natureza da realidade, filósofos como Sócrates, Protágoras, Platão e mais tarde Aristóteles,
tentaram mostrar como o conhecimento é possível e como ele deve acontecer. Temos aqui o
surgimento da "Epistemologia" que significa Teoria do Conhecimento. Irei abaixo me focar na
que é provavelmente a primeira versão de Epistemologia, apresentada por Platão.
Platão estava diante de um grande problema: como podemos conhecer a natureza se ela
está aparentemente em constante mudança? Se tentamos explicar o que é um rio, logo este se
torna em um novo rio; se tentamos explicar o que é uma pessoa, logo essa pessoa muda. Se
observarmos a natureza veremos que não parece haver nada nela que permaneça a mesma.
Assim, se não temos um objeto fixo, não podemos alcançar uma definição correta. O problema
aqui é que uma definição ou um conceito deve poder fornecer uma unidade para as coisas, e é
essa unidade que nos dá o conhecimento. Se aparentemente não vemos essa unidade, então a
definição não é possível, logo o conhecimento não é possível. Esse problema precisava ser
resolvido, porque se não, nenhuma de nossas crenças poderia ser realmente verdadeira. Platão
tinha que mostrar que era possível estabelecer uma definição verdadeira sobre um objeto.
Para resolver esse problema, Platão mostra que o conhecimento não pode residir no
mundo empírico (ou sensível). Ele então indica que, apesar da mudança, há algo nas coisas que
permanece. Sem esse algo que “se mantém” as definições e os conceitos não seriam possíveis.
Este algo que permanece deve ser encontrado fora da experiência. Platão mostra que na verdade,
o que permanece nas coisas é uma idéia, um conceito, ou mais ainda, uma definição, coisas
estas que não mudam, mesmo que o objeto mude. Para sermos sempre seres humanos, devemos
sempre participar (fazer parte) do conceito ou da idéia de ser humano, mas para isso é preciso
existir uma idéia fixa do que é o ser humano. Para que um carro seja um carro, ele sempre deve
poder fazer parte da idéia ou do conceito de "ser um carro". Essa "definição", "conceito" ou
"idéia" é o que permanece em todas as mudanças. Mas não podemos conhecer essa idéia através
de uma experiência. Essa idéia só pode ser descoberta através de uma investigação racional.

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Em termos técnicos, o que temos são dois tipos de conhecimento: um conhecimento
sensível, ou seja, um conhecimento que provém da experiência e da mudança e um
conhecimento inteligível, que vem da razão e do que permanece. A partir do conhecimento
empírico não podemos obter nenhuma crença realmente justificada, não temos realmente um
conhecimento (episteme), tudo o que temos é uma opinião (doxa) fugaz e momentânea. Já o
conhecimento inteligível reserva a real natureza das coisas, e somente no vislumbre daquelas
coisas que permanecem na mudança, é que podemos conhecer a realidade.
Essa tese platônica é altamente fundamental para toda a história do pensamento
ocidental e irá reaparecer novamente em muitos momentos.

Teoria do Conhecimento: Ceticismo e Dogmatismo


Depois de Platão e Aristóteles a Filosofia conseguiu perdurar porque foi preservada em
duas instituições, erguidas pelos dois filósofos, são as escolas: a Academia e o Liceu. No
período no qual essas escolas alcançam seu auge a democracia grega já tinha caído por terra e
neste momento a Grécia já fazia parte do império romano. Os romanos tinham como
particularidade cultural o fato de que ao conquistarem um povo eles não dizimavam sua cultura,
o que eles faziam era trazer essa cultura para dentro do Império. Assim a Filosofia espalhou pela
primeira vez além das suas fronteiras iniciais.
Neste novo contexto histórico, foi demandado à Filosofia uma nova tarefa: fazer com
que as observações filosóficas se tornassem uma ajuda para a vida, onde a Filosofia passaria a
construir teorias que melhorassem os cidadãos. Três grandes escolas surgiram para ajudar a vida
dos romanos, a saber, o epicurismo, o estoicismo e o ceticismo. Estas três escolas filosóficas se
desenvolveram principalmente na Academia de Platão, sendo que a medida que um filósofo de
uma determinada corrente dominava a Academia, a Filosofia que ele defendia se tornava
predominante. Assim nasceu a primeira versão do ceticismo o "Ceticismo Acadêmico" (que se
chama assim porque nasceu na Acadêmica de Platão), que de modo geral, tinha como principal
meta retomar a posição de Sócrates, para então mostrar a falsidade da posição estóica que estava
vigorando na Academia de Platão.
O ceticismo acadêmico não durará muito tempo nesta forma, aos poucos o ceticismo
acadêmico irá se aproximar do estoicismo perdendo suas características originais, que aqui nos
são relevantes. Ele irá se fortalecer novamente apenas com Cícero (103-46 DC). Mas neste
período, outra escola cética irá começar a ganhar adeptos: o pirronismo. Se a figura de Sócrates
era a central para aqueles da academia cética, outro personagem muito parecido com Sócrates
irá ser o “herói” deste tipo de ceticismo pirrônico, ele será Pirro. Segundo o que sabemos, Pirro
foi contemporâneo de Sócrates e teria convivido com os sábios hindus, o que o fez propor uma
imagem diferente para o sábio e para o conhecimento. Segundo Pirro, o sábio não deveria ser

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aquele que propõe teses dogmáticas, mas sim aquele que alcança a tranqüilidade total da alma
por meio da repudia das teses contraditórias. Esta é a noção de ataraxia (tranqüilidade da alma).
Existem muitas histórias sobre Pirro que são reveladoras do que ele entendia do sábio, e a mais
interessante é aquela em que Pirro compara o sábio com um porquinho que durante uma
tormenta num navio não se preocupa com o que lhe vai acontecer, e continua assim a comer sua
comida.
O primeiro precursor do ceticismo pirrônico é um filósofo grego chamado Enesidemo.
Nós não temos muitas informações sobre ele, mas sabemos que ele foi um grande cético e que
teria vivido entre I AC e II DC.
Enesidemo que estava insatisfeito com uma crescente aproximação do ceticismo
acadêmico com o estoicismo irá rachar o ceticismo criando uma nova vertente, agora inspirada
em Pirro. Enesidemo estava mais interessado numa reflexão teórica do que uma prática, e suas
idéias foram para sistematizar um certo esquema a partir de onde os céticos poderiam começar
suas investigações.
Após as propostas de Enesidemo para o ceticismo, retomando a figura de Pirro, o
ceticismo Pirrônico irá se mostrar cada vez mais forte. Nossa principal fonte para o estudo do
pirronismo é Sexto Empírico. Dentre seus livros que chegaram a nós, o que mais se destaca
numa caracterização do ceticismo é o texto “Hipotiposes Pirrônicas”, que pode ser traduzido
como “Esboços do Pirronismo”. Dos capítulos I ao XXX deste livro, Sexto Empírico coloca
quais são as principais características da investigação cética; irei abaixo levantá-las. Mas antes
disto é importante deixar claro que mostrar quais são as propostas céticas ou qual é o “método”
cético não implica em dizer que o ceticismo tem propostas ou métodos. Ele só tem estes
aspectos enquanto uma descrição e não uma normatização da investigação.
Características do Ceticismo Pirrônico
Três tipos de investigação: O cético é aquele que não encontrou a verdade, e a
continua a buscando. Esta característica, antes de todas, define o pirrônico. A partir disto, Sexto
Empírico define três tipos de investigação: a cética, que não encontrou a verdade; a acadêmica,
que acredita que a verdade não é possível de ser alcançada; e o dogmatismo, que acredita ter
encontrado a verdade. Dessa forma, o cético não é aquele que não acredita em nada, mas
sim aquele que diz que não sabe nada. O grande ataque cético será àquelas posições que
afirmam alguma tese, ou que acreditam que possuem uma crença (dogma) verdadeira. Nesse
sentido, o dogmático, conforme entendido pelo cético, é aquele filósofo que acredita ter
alcançado a verdade, seja esse filósofo qual seja: desde Platão, passando por Aristóteles, até os
epicuristas ou estóicos. O ceticismo tentará atacar todas aquelas posições que se arrogam
detentoras de uma verdade. Ceticismo como uma habilidade: O ceticismo não é uma doutrina,
mas sim uma habilidade (HP I, 04). Isto indica que céticos não sustentam nenhuma tese, mas
são capazes de relacionar duas teses opostas e equivalentes, mostrando que as duas são

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insustentáveis. Ao dizer que o ceticismo é uma habilidade, a intenção de Sexto é não tornar o
ceticismo mais uma escola filosófica que defende dogmas, mesmo que sejam dogmas dos
métodos da investigação. Como os céticos não assumem nenhuma tese, nem uma que se refere a
como a investigação deve acontecer, o que Sexto faz é uma descrição de como os céticos têm
investigado. O “método” cético: Os céticos seguem o seguinte caminho: devido à
multiplicidade de teses ou fenômenos ficam perturbados (diaphonia), para decidir entre esta
multiplicidade de teses eles se colocam a investigar (zetesis), dado esta investigação encontram
duas (ou mais) teses equivalentes e opostas (eqüipolência) e desta equivalência suspendem o
juízo (epochè), e desta suspensão chegam como que fortuitamente a uma tranqüilidade
(ataraxia). Estes passos não são parte de um método, mas são momentos que tem ocorrido até o
momento na investigação, e por isto, não há uma conexão necessária entre nenhum destes
passos (HP I, 03-04). Essa investigação é constante e uma vez que o final não seja a suspensão,
mas alguma teoria, o cético deixará de ser cético. Ataraxia: O objetivo do ceticismo é alcançar
a ataraxia (HP I, 06). Essa noção da ataraxia como telos do cético é parte do que a Filosofia
deveria lidar na Filosofia helênica. Fenômeno: Um dos principais pontos do ceticismo sempre
foi dar conta da vida comum, uma vez que as teorias filosóficas estariam se mostrando
contraditórias. A solução dada por Enesidemo é a idéia de “fenômeno”, que em grego, é “aquilo
que aparece”. Os fenômenos serão todas as nossas percepções sobre o mundo, desde uma visão
dos costumes de onde estamos vivendo, até as percepções que temos num dado momento.
Segundo Enesidemo o cético não tomará o fenômeno como um critério para distinguir o
verdadeiro do falso, onde o assentimento ao fenômeno ocorra devido ao seu poder de
convencimento em uma dada a situação, e não pela sua veracidade mesma. Digamos assim: se
não tenho como saber se o mel é ou não doce, mas neste exato momento ele me parece doce,
então, vou neste momento, dizer que ele é doce. Uma distinção deve ser feita aqui: o fenômeno
não tem necessariamente nada a ver com a coisa real, com sua essência, o fenômeno é apenas o
que nós, seres humanos, num certo momento, sentimos, só isso. O mais interessante, é que não
vai importar se o fenômeno é verdadeiro ou falso, o que importa é que eu aja, e para tal, eu não
preciso responder acerca da natureza das coisas. (HP I, 10). Pharmakón: Os céticos querem
com sua investigação curar-se das crenças não justificadas, para isto eles entendem sua
habilidade como uma terapia (HP I, 29-30); um phármakon que deverá ser expelido junto com
as teses que ele eliminou: a terapia cética, nada mais é do que um purgante que retira o que está
fazendo mal ao paciente, e junto com aquilo que ele retira expele, também, o próprio purgante.

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Temas da Filosofia Medieval

Ética e política: Lei natural e Lei divina


A questão ética presente no período medieval retoma alguns dos conceitos presentes na
Filosofia antiga, mas reformula-os com idéias do cristianismo. O que apresentarei abaixo é uma
importante discussão ética acerca das relações entre uma “lei natural” e uma “lei divina”; essa
discussão tem sua mais importante formulação na Suma Teológica de São Tómas de Aquino.
Para começarmos a discussão, devemos nos perguntar duas questões: (1) qual é o fim
(ou objetivo) das ações humanas? e (2) como esse fim pode ser atingido? É na resposta a este
ponto que chegaremos às relações dos tipos de leis.
(1) Aquino, seguindo Aristóteles, indica que o fim de toda a ação humana é a felicidade.
Esse é o fim óbvio da ação. Mas o fim “não reconhecido”, mas fundamental da existência
humana é Deus. Nesse contexto, “felicidade” e “Deus” são conceitos unidos. Dado isso é
necessário perguntar: como alcançamos essa felicidade? (2) Para Aquino, toda a ação humana é
realizada numa relação entre a vontade e o intelecto. Para alcançarmos o “bem supremo” ou a
felicidade, devemos guiar nossa vontade através da razão. Quando guiamos nossas ações através
da razão somos levados naturalmente à boa ação. Assim, a natureza da ação moral é uma
vontade guiada pela razão, somente assim podemos chegar à Deus. De outro lado, a ação má, é
primeiramente uma ação que não tem sua deliberação calcada na razão; mas não é apenas no
afastamento da razão que a ação má se localiza, além disso, para uma ação má, é necessário que
aja uma vontade fraca que não seja capaz de direcionar o ser humano na ação correta.
Colocando essa questão de outra maneira, temos que, para alcançarmos o nosso fim, ou seja,
Deus e a felicidade, devemos agir de acordo com o bem, onde “agir bem” ou moralmente é
quando nossa vontade é guiada pela razão; do outro lado, na “ação má” ou imoral, nos
afastamos de Deus e da felicidade5.
Ao estabelecer essa relação entre a vontade e o intelecto, chegamos à ação boa. Essa
ação é regida por uma lei, que está submetida à razão. Temos a questão das leis. Segundo
Aquino, lei é “um tipo de ordenação racional para o bem comum, promulgada por aquele que
toma conta da comunidade”. Essa é uma definição geral para lei que aceitará gradações. O mais
importante ponto dessa lei é a idéia da “Lei Natural”. Essa lei natural é intrínseca à natureza
mesma, do mesmo modo como a “lei da gravidade” é intrínseca à natureza. Só que essa “lei
natural” é a lei acerca das ações humanas, ou seja, são leis morais naturais. Para Aquino, essas
5
Há um importante debate no período medieval acerca do conceito de “mal”. O debate se funda na
seguinte questão: “se Deus é o supremo bem, e o mundo foi criado por ele, como existe nesse mundo, o
mal?”. Existem várias formas para responder essa questão, mas a resposta mais aceita é que na verdade
não existe realmente um “mal”; o que existe, e é o que chamamos de mal, é tudo aquilo que se afasta de
Deus, ou do supremo bem. Dado isto, o que temos é uma gradação do Bem, indo do Bem Supremo, até a
ausência do bem (ou o que chamamos de mal).

25
leis morais naturais não dadas pelo ser humano mesmo, mas são descobertas por nós através da
razão. Todas as “leis humanas” devem ser derivadas dessa “lei natural”, mas Aquino aceita que
as “leis humanas” podem ser instanciações ajustadas da lei natural, que devem poder caber a
cada situação existente6; mas absolutamente, de modo algum, essa “lei humana” enquanto
instanciação da lei natural poderá contrariar os ditames da razão.
Mas o degrau mais alto dessa questão é certamente o fato de que a própria “lei natural”
é derivada de um tipo mais fundamental de lei, que são leis eternas ou “Leis Divinas”. A “lei
divina” é o mesmo para Aquino que a providência divina. A “lei divina” é uma lei imutável,
natural e necessária, que permeia tudo e que faz derivar a “lei natural”. A “lei divina” aparece
como uma lei que representa a natureza de Deus enquanto Aquele quem governa o universo.
Resumindo, temos o seguinte: uma “Lei Divina”, que é imutável e necessária que regula
tudo, essa lei provém de Deus; temos uma “Lei Natural” que é fundamento da realidade moral, e
que está na natureza, podendo ser conhecida através da razão; finalmente temos uma “lei
humana” que deve ser uma instanciação da lei natural, aplicada a situações específicas. Quando
a lei humana é realmente guiada pela razão ela irá coincidir com a lei divina, assim voltando ao
começo temos o seguinte: a boa ação conduz para Deus e à felicidade, essa boa ação deve ser
uma vontade boa guiada pela razão, quando à ação é guiada pela razão, temos a concordância da
ação com a lei natural e consequentemente com a lei divina; portanto, no final, para
alcançarmos Deus e a felicidade devemos seguir à lei natural.

Razão e Fé no pensamento medieval


A cultura filosófica greco-romana era mantida pelo Império Romano na época do
ceticismo, estoicismo e epicurismo. É importante notar que uma cultura não existe totalmente
independente do estado a sua volta. Na verdade era o Império quem garantia a continuidade da
Filosofia. Mas por volta do século III d.C. o Império Romano é invadido pelos Godos,
Visigodos, Vândalos, e outros povos. Nessa invasão, o Império que dava coesão às doutrinas
acaba, e as doutrinas mantidas por ele são de certa forma finalizadas. Os grandes textos dos
filósofos gregos são perdidos ou levados para o mundo Árabe. Os únicos textos que são
preservados no Ocidente são alguns textos de Lógica de Aristóteles. Mais tarde, o único contato
que os medievais vão ter com a Filosofia Grega, além de Aristóteles, vai aparecer via
comentário de outros filósofos, principalmente os romanos, como Cícero e outros.
O que permite certo grau de preservação da cultura greco-romana é outra poderosa
instituição: o Cristianismo. Nascido no seio do Império, o Cristianismo vai se tornar a doutrina
mais importante do período medieval. A partir dele a Igreja Católica vai poder manter e fazer

6
From the precepts of natural law, as from general,indemonstrable principles, it is necessary that human
reason proceed to making more particular arrangements… [which] are called human laws, provided that
they pertain to the definition (rationem) of law already stated.

26
crescer a cultura clássica. A Igreja vai ser erguida teologicamente através de densas
argumentações filosóficas extremamente inspiradas nos pensadores gregos. O filósofo-teólogo
mais importante do primeiro contato entre Cristianismo e Filosofia é Agostinho.
As teses de Agostinho tomaram o Cristianismo a partir de uma base neoplatônica. Essa
relação entre Filosofia e teologia trouxe o primeiro e grande problema epistemológico, que é a
relação entre a fé (religião) e a razão (Filosofia). De um lado, os Cristãos acreditam que a fonte
de conhecimento da realidade emana diretamente de Deus. Não há outra fonte mais importante.
De outro lado, os filósofos que sempre acreditavam que a fonte de conhecimento da realidade
era a razão. Como relacionar a Fé e Razão?
O primeiro passo para tal é compreender bem como o conhecimento funciona. Para isso,
é necessário pensar o conhecimento em relação com o cristianismo. O primeiro ponto é que não
há realmente lugar para a dúvida no cristianismo. Isso ocorre porque nele há uma certeza
básica: a bondade divina. Deus não quer interferir no nosso conhecimento, e pelo contrário nos
deu todas as ferramentas para conhecer a natureza, e, quando erramos, é porque nos distraímos
do caminho que Deus nos deu. Não há lugar para uma dúvida geral. Sendo assim, passa a ser
fundamental determinar, como o conhecimento funciona, e não como podemos conhecer.
Para isso, devemos verificar as partes do conhecimento e ao que elas se referem. A
primeira parte é a razão. A razão é um dom divino que nos possibilita conhecer toda a natureza
material. Se quisermos conhecer qualquer aspecto do mundo devemos dedicar nossa faculdade
racional para compreender. Na natureza não há obstáculo que a razão não possa compreender.
Mas ao mesmo tempo, a razão é insuficiente para penetrar nos desígnios divinos. A razão é uma
faculdade que apesar de ser extremamente potente, ela ainda é limitada. Quando ela chega ao
seu ápice, é necessário que outra função entre: a fé. A fé não está submetida às restrições da
razão, e é somente através dela que podemos realmente alcançar a Deus. Mas é um alcance que
não passa pelas divisões, análises e argumentos racionais. A fé é um tipo de "conhecer"
diferente da razão; ele nos leva a lugares onde a razão não pode. Mas isso não quer dizer que a
razão é desvalorizada, pelo contrário, os medievais vão acreditar numa relação intrínseca entre a
Fé e a Razão, eles expressam essa idéia na seguinte máxima: Crer para Entender e Entender
para Crer. Nessa relação recíproca o conhecimento é possível, desde que unido à fé, e vice
versa.

27
Temas da Filosofia Renascentista

O Renascimento e a Concepção de ser Humano

O “Renascimento” (ou Humanismo), como movimento filosófico, coloca-se como uma


reação à antiga Filosofia medieval. O Renascimento ocorreu por volta dos séculos XII a XV
(1350-1650) e tem como o seu principal expoente o filósofo Giovanni Pico della Mirandola
(1463-94), com seu livro De hominis dignitate oratio (Oração da Dignidade do Homem). Antes
de mostrar qual é a concepção do humano do renascimento, deixe-me guardar um parágrafo
para tratar da concepção medieval do humano.
Durante a idade média era a doutrina Cristã quem guiava as discussões filosóficas e
científicas, colocando assim, a reflexão teológica como a fundamental. A teologia Cristã sofreu
duas grandes influências filosóficas, a primeira é a Platônica e a outra é a Aristotélica. A
influência Platônica no Cristianismo foi liderada por Santo Agostinho, e a Aristotélica por São
Tómas de Aquino. Mesmo com várias diferenças que havia entre estas duas posições, uma
certa concepção do ser humano atravessava toda a reflexão medieval. Segundo a concepção
Cristã do ser humano, somos seres que ao mesmo tempo participamos do mundo terreno como
animais, mas temos uma alma imortal, que é nossa parte que transcende o mundo físico: essa
alma é uma representação de Deus em nós. Nós devemos renegar a parte física, os desejos e
vontades físicas, que são o nosso aspecto animal e mundano para só assim ascender a Deus e ao
mundo imaterial. Na tese Cristã, somos seres caídos, ou seja, cobertos pelo pecado original.
Devemos sair deste pecado, ascendendo à Deus. Para tal é necessário negar o pecado (o corpo) e
assentir à Deus (a alma).
O Renascimento surge como uma resposta a esta concepção medieval do ser humano. A
mudança básica ocorreu devido a uma alteração do foco da análise. Se a análise do ser humano
pelos medievais centrava-se na relação entre o ser humano e Deus, a análise renascentista se
foca apenas no ser humano. Essa mudança na análise foi sugerida principalmente pelos
Renascentistas Italianos que estavam mais interessados numa investigação da natureza do que
na relação da natureza e Deus. Essa mudança no foco da análise acabou por revelar uma
concepção muito mais otimista do ser humano.
Para os Renascentistas, como Pico della Miradola, os seres humanos são animais que
podem determinar a si mesmos, assim os seres humanos podem estar livres para escolher que
caminho que vão seguir. Cabe apenas a nós escolher o melhor caminho. O que ocorre aqui é que
os renascentistas trazem o ser humano para a natureza e lhe dão lá a potência e o livre arbítrio.
Uma importante filósofa contemporânea, Hannah Arendt, ao analisar o Renascimento
e a condição humana naquele período, vai analisar o que ocasionou essa mudança da concepção

28
medieval – pessimista para a renascentista – otimista. Segundo Arendt, apesar da ciência, como
investigação da natureza, já ser praticada desde Aristóteles foi só no Renascimento que ela pode
atingir um patamar diferente do que ela vinha alcançando. O Renascimento foi marcado pelas
idéias de observar e imitar natureza. Uma das maiores representações desta tendência é a arte,
onde ela tentava ser o mais fiel possível à natureza. A transposição desse ideal acerca da
natureza para a ciência ocorreu com a invenção de um objeto que mudou a história da
civilização humana: o telescópio. O telescópio servia tanto para uma observação desinteressada
da natureza, como também para fins econômicos e militares. O telescópio foi a invenção da
ciência que a fez sair de dentro da academia e mudar toda a sociedade. Com o telescópio a
própria idéia de “observação” teve de ser alterada. Observar a natureza não é algo que os
cientistas fariam apenas com os olhos nus. O telescópio deu a força criativa do ser humano uma
força prática nunca antes vista. Essa nova ciência, esse novo artefato, acabou por mostrar um ser
que sozinho é capaz conhecer a natureza, ultrapassando suas próprias limitações físicas. O ser
humano poderia ser mais do que um animal, mesmo sendo um animal. O que o fazia superar
sua condição humana era sua própria condição humana. Assim, o destino que iremos trilhar
não é mais limitado pelas nossas deficiências. Finalmente com o telescópio o ser humano
conseguiu ultrapassar ele mesmo.
Esse espírito da época acabou por gerar os textos renascentistas mais importantes, como
o que citei no início do parágrafo, o Oração da Dignidade do Homem. Era o início da
emancipação do ser humano de Deus, estabelecendo o humano como um ser potente na
natureza.

Ética e política: Maquiavel e o problema do poder


O objetivo aqui será uma rápida apresentação de alguns aspectos do pensamento do
italiano Nicolai Maquiavel, principalmente algumas de suas teses presentes no O Príncipe. Irei
focar quatro pontos para dar uma visão completa da idéia de poder: (1) a concepção de fundação
e conservação do estado, (2) as idéias de virtù e fortuna e (3) a complexa relação entre ética e
política e (4) a igualmente intricada relação entre a religião e a ética. Após esses quatro pontos,
saberemos como Maquiavel concebe a idéia de poder.
(1) Duas questões principiam os debates políticos da renascença: como fundar e manter
um estado? Para Maquiavel essas são questões distintas. Segundo ele, para fundar qualquer tipo
de governo, o Príncipe pode e deve fazer uso de todos os meios possíveis para a realização do
fim, que é a fundação. Nesse contexto inicial excessos são permitidos. Um exemplo aqui, é um
estado que acabou de ser conquistado, nesse caso, o conquistador deve fazer o que for
necessário para a implementação do novo estado. Uma vez fundado, a pergunta será: como
evitar a deterioração do estado? Como conservá-lo?

29
Para tal, Maquiavel diz que o Príncipe deve fazer o máximo possível para instigar nos
seus cidadãos o dever cívico. Nesse caso, o príncipe não pode fazer tudo o que ele quer para
alcançar o fim da conservação do estado. O príncipe deve seguir as leis e mostrar ao povo que
isso, na verdade, mesmo que em certos momentos o príncipe deva usar seu poder contra as leis
em ordem para manter o estado, ele deve parecer estar seguindo às leis. Nesse caso, muito mais
importante do que a real ação, o Príncipe deve estar muito preocupado com o que o povo acha
dele. Este Príncipe deve parecer bom e não mal, e para isso, Maquiavel ensina, que deve-se
fazer as coisas boas aos poucos e o mal de uma só vez, para que a longo prazo a imagem do
Príncipe seja boa. O poder do Príncipe deve ser muito bem relacionado com a aparência que
suas ações devem ter. Isso ocorre porque, é fundamental para a conservação do estado, que o
povo se relacione bem com este. Um principie tirano, que não segue as leis, e que age de acordo
com sua vontade, pode facilmente levar o povo a ir contra ele.
(2) Essa ação do Príncipe deve ser regida por duas esferas: a virtù e a fortuna. Dito de
modo simples a virtù é o “saber agir bem em qualquer situação”, e a fortuna, é propriamente a
sorte de tornar a ação da virtù, adequada às intenções do príncipe. Para o Príncipe agir, não é
necessário que ele seja virtuoso e habilidoso, é necessário um grau de sorte. Vejamos um
pequeno exemplo: digamos que um governante estabelece um plano econômico excelente para
um país, tal que ele possa resolver todas as intempéries da economia local; essa ação por melhor
que seja não está assentada apenas no talento do Príncipe, mas também na sua sorte, de, por
exemplo, não acontecer nenhum desastre natural que liquide a economia, ou uma crise
internacional que destrua as economias. A ação do príncipe sempre deve sempre tentar ser de
acordo com a virtù, mas o príncipe deve contar também com a fortuna (esse ponto é
interessante, uma vez que devemos pensar que a ação política não depende apenas dos atores
políticos).
(3) Com os pontos acima, chegamos a um dos mais importantes movimentos da teoria
política, inaugurado por Maquiavel. Segundo o que vivemos Maquiavel dá muito mais valor à
aparência da ação do que a ação mesma, e, além disso, ele acredita que para a conservação do
estado, o príncipe pode desde que isso pareça bom ao estado aos olhos do povo, ele pode ir
contra princípios éticos. Um caso simples é: um príncipe pode aniquilar seus inimigos, desde
que aos olhos do povo isso seja o melhor. Essa é a separação fundamental entre o terreno
“ético” e o terreno “político”.
Para os gregos e os medievais, ética e política eram partes de uma mesma esfera. É
Maquiavel quem rompe com essa relação, mostrando, que para conservar o estado, é necessário
em certos momentos não atentar para o que é uma ação ética, mas sim o que é melhor para a
organização do estado. Mas como estou insistindo, aqui não é uma questão de o príncipe fazer o
que bem entender, mas antes sim que sua ação aparece ser a melhor possível. Com o conceito de
"aparência" desempenando esse papel fundamental na organização política, a vinculação entre a

30
ética e a política se esvai defronte a um ideal de política como uma representação. No final o
limite do poder do príncipe não é ético, mas sim virtude de sua ação para a conservação do
estado, aos olhos do povo. Com isso, se desfaz uma comum e vulgar confusão do que
Maquiavel diz. É comumente dito que Maquiavel afirma que "os fins justificam os meios". De
início essa frase nem mesmo está presente nos seus textos. Em segundo lugar, se essa frase não
pode estar de acordo com o que Maquiavel pensa, uma vez que o príncipe não pode usar meios
que são contrários aos desejos do povo para um fim que seja bom, se não, ele corre o risco de
corromper o estado mais rapidamente. Pensemos o seguinte exemplo: digamos que o Príncipe
queira acabar com toda a fome e miséria de seu país (esse é o fim), esse Príncipe descobre que
se aumentar em 100 % os impostos do país, ele poderá fazer isso, mas quando ele faz isso, a
parte do povo que foi afetada pelo aumento dos impostos poderá se voltar contra ele, findando
com o estado. Assim o que parecia adequado, acaba rompendo o estado. Assim, os fins não
justificam os meios, onde é importante conservar meios adequados aos olhos do povo. Observe
como nessa estrutura não se pergunta se a ação do Príncipe é ou não ética. Mas apenas se ela é
ou não a melhor para a manutenção do estado.
(4) Uma vez rompida a relação entre ética e política, Maquiavel irá romper outra relação
fundamental: entre a religião e a política. A relação política e religião foi a estrutura básica de
todo o pensamento político medieval. Maquiavel, indica ao Príncipe, que sua ação não pode ser
dada de acordo com os ditames da igreja. Se for assim, o príncipe acabará tendo o seu poder
duramente cerceado, e conseqüentemente o príncipe perderá parte fundamental do seu poder no
estado. O que Maquiavel diz, é que, mais importante do que a religião, é a manutenção do
estado. Isso não quer dizer que o Príncipe deve cortar a religião do estado, mas antes, que a
organização política não pode depender da religião. De certo modo, é até mesmo útil para a
conservação do estado, que o Príncipe aceite a religião mais comum, para que assim ele apareça
mais próximo ao povo. Novamente, temos a questão da aparência. Nesse sentido, a religião
pode ajudar a fortalecer o príncipe, mas apenas enquanto ele tiver o poder sobre o estado, e não
acate decisões que ultrapassem seu poder - como era o caso medieval.

A tese de Maquiavel sobre o Poder do Príncipe para a conservação do estado, passa


então por esses quatro pontos. Mas provavelmente as duas idéias centrais para compreender a
força do pensamento são (a) Aparência e (b) A relaçao virtù e fortuna. Em primeiro lugar, a
ação do Príncipe deve parecer boa aos olhos do povo e segundo, para conservar o estado o
Príncipe deve ser ao mesmo tempo uma ação virtuosa e acompanhada da fortuna. Assim, temos
uma imagem ampla da idéia de poder em Maquiavel.

31
Temas da Filosofia Moderna

A concepção de ser humano na Filosofia Moderna: O homem senhor da


natureza
O renascimento era o início de nossa emancipação de Deus. A história moderna se
estrutura de (1) como nos emancipamos totalmente e (2) tornamo-nos senhores da natureza.
Para contar qual concepção do ser humano que surgiu na modernidade irei seguir esses dois
passos.
1) Vários trabalhos sobre o que é o ser humano surgiram no começo da modernidade
(sécs. XVI e XVII), onde dois filósofos opostos se destacam, Montaigne e Descartes. Apesar
de serem muito diferentes em muitos sentidos, tanto Montaigne como Descartes tinham uma
concepção humana semelhante num ponto: para ambos o estabelecimento de uma moral era um
trabalho mundano. Era a moral provisória de Descartes e a moral cética de Montaigne. O que de
importante aconteceu aqui, foi que ambos sugeriam que a moral, que antigamente era derivada
dos céus (como teologia cristã), deveria ser estabelecida no mundo em que vivemos de acordo
com as nossas necessidades e capacidades. Aqui aconteceu a emancipação humana da ética que
vinha de fora de nós. A ética seria estabelecida por nós.
É nesse mesmo período que a ciência vai deixando cada vez mais claro que o seu papel
virá a ser laico, ou seja, desvinculado da fé. O início desta mudança tem suas origens na própria
idade média, e depois com o renascimento; mas colocar este ponto como definitivo foi papel
dos modernos. Duas figuras representam o início deste conhecimento laico, Giordano Bruno e
Galileu. Bruno foi queimado porque não quis se submeter a desacreditar sua ciência contra a fé.
Galileu mentiu para ser queimado, mas diz a lenda que no seu julgamento ele teria sussurrado
que “A Terra se move”, posição contrária ao dogma cristão. A posição destes dois foi
lentamente se transferindo de meras posições pessoais e passando para a prática científica como
um todo. Não é que os cientistas pararam de crer em Deus, mas eles passaram a pensar a prática
científica como não submetida à teologia.
O que ocorreu em ambos os casos, tanto na moral, quanto na ciência, foi a emancipação
definitiva do ser humano. Passamos a poder legislar sobre nós mesmo e o conhecimento pela
ciência da natureza passou a ser superior a qualquer dito de fé: a natureza vai ser revelada por
nós e não por Deus. O ser humano que nasceu foi um ser humano independente7.

7
Uma das maiores conseqüências desta tese é a predominância do individuo com a idéia do
“indivualismo.” Essa é a tese segundo a qual a sociedade é criada com o propósito de promover o bem-
estar de seus membros como indivíduos, e que só pode ser julgada com base em critérios estabelecidos
por eles mesmos. O ponto aqui é o mesmo da doutrina ética: é o ser humano, enquanto indivíduo, quem
estabelece o estado e as leis. É a partir da emancipação ética que surge na modernidade a idéia que (1) o

32
2) Ir desta concepção, para uma concepção de seres humanos como senhores da
natureza, foi obra novamente de dois pólos, um ético e um científico. Dois trabalhos se
destacam, novamente muito opostos, o de David Hume e o de Immanuel Kant. Apesar de suas
diferenças, Hume e Kant compartilham a mesma inspiração básica. Hume mostrou uma ética
que era fundada em nossas características naturais, uma ética que deveria ser construída
segundo o que nós julgarmos melhor, segundo o que é melhor para a sociedade em que
vivemos. As regras éticas para Hume serão apenas convenções que nós estabelecemos. O passo
seguinte, foi dado por Kant. Kant discordava de Hume quanto ao fato da ética ser uma
convenção que poderia ser mudada, mas concordava com Hume, quanto ao fato de que somos
nós mesmos quem estabelecemos a ética. Mas, para Kant seria uma ética universal, derivada da
Razão Pura. Nós estabeleceríamos a melhor ética que os seres humanos podem estabelecer,
através de princípios que são criados por seres humanos, mas que ultrapassam o individuo e a
cultura e devem valer para todos em todos os lugares. Kant fez com que o ser humano tornasse
finalmente senhor de si mesmo através da razão. É o que muitos chamam de a virada
copernicana da Filosofia: retirar o mundo do centro do universo e colocar o ser humano.
Com uma reflexão acerca da ciência o golpe final vai ser dado. A ciência nos séculos
XVII e XVIII vai ser tornar absolutamente laica, onde muitos cientistas não terão problema em
admitir que são ateus. Nesse período a ciência vai dar um dos seus maiores saltos. Cientistas
como Kepler e Newton vão desenvolver finalmente uma cosmologia que pela primeira vez vai
mostrar como a natureza realmente é. Newton irá mostrar com a mesma lei, não apenas como
flechas caem, mas como os planetas se movem. A realização de Newton será a de dar pela
primeira vez uma visão unificada da natureza usando apenas sua física. O trabalho destes
cientistas não irá parar aí, e mesmo se parasse já teria sido um enorme avanço. Depois de
Newton muitos outros físicos genais vão surgir, como Faraday, Maxwell e Lorentz. A reflexão
visava também uma compreensão da natureza, mas ela acabou indo mais longe. Da ciência
nasceu o desenvolvimento tecnológico mais rápido que a história já viu. A ciência permitiu em
pouquíssimo tempo passarmos de meros conhecedores da natureza, para senhores das
transformações dela. Poderíamos manipular, organizar e reservar as energias da natureza. A
ciência permitiu ao ser humano passar de um ser que vive de acordo com as ordens naturais,
para um ser que dá a ordem à natureza. É assim que o ser humano se torna o senhor da natureza.
A concepção moderna do ser humano vai ser, portanto, um ser humano independente de
tudo, determinado apenas por si mesmo e que pode determinar inclusive a natureza onde ele
vive.

estado deve ser erguido para organizar “indivíduos”, todos eles relevantes, e (2) o estado e suas leis são
criadas por esses indivíduos.

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Ética e Política: Soberania, jusnaturalismo e contrato social
A Filosofia, como sempre, é uma ciência que aparece apenas depois de que o tempo já
está no final. Mas sua ação, quando é compreendida é sempre revolucionária. Esse poder gerado
pela reflexão gerou as condições propicias para o surgimento da idéia de democracia nos tempos
antigos e também gerou as condições para as idéias políticas da modernidade. Irei aqui mostrar
três discussões políticas da modernidade: (1) o contrato social, (2) o soberanismo e (3) o
jusnaturalismo.
(1) A modernidade começa com uma séria dificuldade: no renascimento, pensadores
políticos aparentemente descolaram o estado da religião, criando os primeiros estados laicos, ou
pelo menos a idéia de um estado laico. Esse movimento gerou como conseqüência a perda do
lugar de Deus no estado. No modelo medieval, os mandamentos divinos ocupavam o centro das
leis e mandamentos do estado, mas sem o lugar de Deus, quem iria apresentar as leis e o
controle do estado? Sem a figura de Deus, quem mandaria? Acredito que a reflexão moderna
acerca da política tentará repensar o ser humano na estrutura política sem usar o lugar divino
medieval. Para tal, a questão será: se não é Deus quem cria o estado, porque o estado existe?
A manobra teórica para explicar esse ponto será dada com o conceito de "contrato
social." O contrato social é a idéia de que por alguma razão os seres humanos se organizam e
dão o poder a alguém. Mas antes do contrato social, tínhamos o estado de natureza. Nesse
estado de natureza, revelamos nossa real essência. Para Rousseau, nosso estado de natureza é
bom, mas a medida que criamos laços e comunidades, é necessário que alguém ou algo
coordene essas comunidades, assim fazemos um "contrato" entre nós e criamos um estado, que
possa ser superior a todos e assim seja capaz de legislar sobre o todo. Uma vez que o estado é
criado, mediante ao estado de natureza, devemos obedecer a seus mandamentos. Já para
Hobbes, antes do estado vivíamos num estado de violência e medo. Não podíamos confiar em
ninguém e estávamos sempre com medo de sermos atacados de alguma forma. Como este
estado de natureza violento não pode ser mantido, é necessário que, para garantir nossa
segurança, fazemos um contrato com o estado para que só ele possa usar a violência e possa
reprimir aqueles que usam a violência. O contrato social hobbesiano cria o estado como àquele
único que tem o monopólio da violência. Esse estado terá o direito e o dever de usar a violência
contra aqueles que ele achar necessário para manter a ordem, mesmo que contra nós. A imagem
geral do contrato social, tanto de Rousseau, quanto de Hobbes, é a crença de passamos o nosso
poder para um estado que poderá nos organizar enquanto um corpo. Dado isto, a pergunta se
impera: quem governará o estado?
(2) A resposta é direta: o soberano8. O soberano é a representação do estado e das leis.
Esse soberano é o único que detêm todo o monopólio do poder para organizar o estado da

8
Irei aqui explicar essa idéia sem me referir a nenhum pensador específico.

34
melhor forma possível. O papel reservado para o soberano tem uma origem muito importante,
precisamente na laiscização do estado. Na antiga ordem política medieval, o estado deveria ser
subordinado, tanto ao nível da lei, quanto de sua organização, à religião. Com a conseqüente
retirada do lugar central que a religião ocupava, era necessário que alguém reocupasse o mesmo
posto, que é aquele que regula tudo de um ponto de vista mais alto que o comum. O soberano
passa a ter o mesmo lugar, mas agora um lugar laico. Será realmente um poder absoluto, que
deverá organizar essa nova estrutura do estado.
Essa estrutura acabou por gerar reis absolutistas que de tanto poder que tinham, se
tornaram soberanos brutais, sem nenhuma preocupação real com a população, mas apenas
consigo mesmo. Esse tipo de identificação do soberano com o estado cresceu a tal ponto, que os
soberanos passaram a fazer uma relação direita do seu “eu” com o “estado”. O melhor exemplo
que se tem disto é o reinado de Luís XIV. Sua declaração “o Estado sou eu” resume com
precisão essa relação entre o estado e o soberano.
(3) O terceiro ponto aqui é a forma pela qual essa reflexão política pensava a idéia de
“justiça” e para falar dela é necessário falar da idéia de “natureza”. (voltaremos a este ponto
mais a frente).
Se para os medievais tudo deveria emanar diretamente de Deus para, então, ser
justificado, nos modernos tudo deveria emanar diretamente da “natureza”. Em muitos sentidos,
do ético ao epistêmico, do político ao estético, a idéia de natureza foi predominante na reflexão
moderna. Quando ao significado da idéia de “natureza”, temos que: natural é aquilo que é
próprio a um objeto. Dado desta forma é muito difícil de visualizar a questão, certo? Então
vejamos aqui os sentidos particulares de “natural”. Primeiro temos a “natureza física”, que é a
nossa realidade material, assim é próprio da natureza física, ser material. Depois temos a
“natureza humana”, que é a essência humana, assim é próprio da natureza humana, ser p.ex.
racional, violenta, ou justa. Ainda temos “natureza política”, que é a essência da realidade
social, assim, o que é próprio da natureza política, são as relações sociais. Em todos esses casos,
“natureza física”, “natureza humana”, e “natureza política” a idéia de natureza representa uma
explicação do que é essencial nas coisas, algo que deriva da própria essência do objeto. Assim,
quando se descobre a natureza de alguma coisa, desvendamos-lhe a essência.
É a partir dessa idéia de “natureza”, de onde emanam as essências, substâncias, ou
naturezas, é que surge a idéia de um “jusnaturalismo”. O jusnaturalismo é o que baseava a
jurisprudência moderna, onde a lei deveria resultar diretamente da natureza, e seria encontrado o
que é próprio e justo às leis. Para tal, o legislador deveria buscar na natureza das coisas, seja na
natureza do ser humano (o que é essencialmente o humano), seja na natureza política (o que é
essencialmente o político), a razão para as leis. Assim, derivada da própria natureza das coisas,
a lei seria justificada.

35
Essa idéia moderna para a ética/política forma um quadro complexo e que aqui foi tratado
apenas de relance. Há três pontos que gostaríamos de resumir, todos eles mais ou menos
vinculados: (1) o estado é fundado a partir de um contrato que transfere o poder do indivíduo
para o estado; (2) esse estado será governado por um rei soberano, que em certo ponto terá seu
próprio “eu” confundido com o estado; (3) a legislação do estado será fundada na natureza das
coisas, o que irá garantir sua justificação.

Ética Kantiana: Dever e Liberdade


As teses éticas de Immanuel Kant são muito influentes em toda a história da Filosofia.
Elas são apresentadas em basicamente dois grandes livros: a Crítica da Razão Prática e a
Fundamentação da Metafísica dos Costumes, irei aqui me concentrar na primeira dessas obras
para explicar a relação entres duas idéias a de Dever e a de Liberdade.
A idéia de liberdade é uma das mais importantes na ética de Kant. A análise da
liberdade começa com uma aparente dificuldade neste conceito. Kant mostra que (1) Nós somos
corpos físicos, e como tais, são causados e tem efeitos determinados; assim estamos sob o efeito
da causalidade no mundo natural, do mesmo modo que uma pedra está sujeita à necessidade
imperativa da natureza. Essa tese leva ao seguinte ponto: se estamos sujeitos à causalidade nas
nossas ações, qualquer ação que realizamos não é dada por vontade própria, mas as ações são
causadas por eventos anteriores, o que faz com que tenhamos apenas uma aparência de
liberdade. Por outro lado, (2) Kant demonstra que temos consciência de nossas ações e que
podemos realmente decidir entre fazer uma coisa ou outra. Apesar de estarmos sujeitos à
causalidade que parece vedar a escolha, parece que nós podemos escolher. Kant vai mostrar que
essa questão, do modo como ela aparece, é impossível de ser resolvida, mas ao mesmo tempo
temos que pensar no que é a liberdade.
Ele então mostra que essa questão é resolvida se separarmos o ponto (1) e (2). Ele
mostra que enquanto seres empíricos, que possuem corpos e vivem no mundo, estamos sujeitos
sim à causalidade. Uma mitocôndria não pode escolher ou não a fazer sua função, ela é
determinada a isso. Mas, ao mesmo tempo, somos seres que pertencem ao inteligível, onde não
há a determinação da causalidade, onde somos livres. Somos livres enquanto seres racionais,
apenas isso. Assim, temos um corpo determinado e uma razão livre.
Essa idéia da liberdade é a base de toda a reflexão ética de Kant. Ele vai mostrar que a
liberdade se encontra na Razão Pura, que é aquela razão livre de todo os aspectos empíricos
(isso se dá deste modo, porque os aspectos empíricos são determinados). Aqui começa a sua
reflexão acerca do dever.
Alguém que é livre é determinado apenas pela razão, eliminada dos aspectos empíricos.
A pergunta de Kant é então: como alguém que é determinado pela razão a ser livre deve agir? O
dever aqui é dado por uma representação de uma lei pura da razão, sem que haja quaisquer

36
vinculações com desejos e inclinações pessoais. Essa é a idéia da “autonomia da vontade”, onde
“autonomia” significa “uma lei” que determina a vontade, ao contrário da “heteronomia da
vontade”, onde há mais de uma lei que determina a vontade. Para Kant, enquanto seres livres
devemos basear nossa determinação da vontade apenas na autonomia, onde apenas uma única
lei determina. O nosso “dever”, que é o modo pelo qual devemos agir, deve ser baseado nessa
“autonomia da vontade”.
Uma vez determinada essa pureza do dever, é necessário estabelecer uma lei baseada na
razão pura. Kant formula essa lei como um imperativo categórico da razão, onde “imperativo” é
uma lei que não pode ser transgredida. A formulação clássica dessa lei é: “age como se sua ação
pudesse se tornar uma máxima universal”. Essa lei é estabelecida por Kant através apenas do
uso da razão, sem aspectos empíricos, o que garante a necessidade e verdade da lei. Toda a
nossa ação deve ser baseada apenas nessa lei. Assim estabelecido, o nosso dever é um
imperativo da razão, ou seja, devemos agir conforme o imperativo.
Dada essa idéia de lei, Kant faz a seguinte diferenciação, entre agir em conformidade
com a lei – ou seja, a legalidade e agir inspirado pela lei – ou seja, a ação ética. Quando se age
apenas em conformidade com a lei, seguindo-a totalmente, mas não porque ela é boa, mas
porque a lei ordena isso, não há realmente ética, há apenas uma questão legal. Quando se age
como que inspirado pela lei, fazendo a lei parte de si mesmo, temos uma ação ética. Há casos
em que estamos legalmente corretos, mais eticamente errados, mas sempre que agimos
eticamente, estamos legalmente corretos. Para Kant o mais importante é o dever ético, que é
aquele que faz com que o imperativo categórico seja seguido como inspiração.
Para voltarmos ao começo deste texto, façamos uma relação entre a liberdade e o dever.
Para Kant a liberdade é garantida pela nossa existência enquanto parte do inteligível, como seres
racionais: é a razão que garante a liberdade. A razão irá estabelecer a lei pela qual devemos
viver. Essa lei é um dever da razão, um dever que emana da nossa própria condição livre.

Teoria do Conhecimento: A Revolução Científica do Século XVII


É no interior do próprio período medieval que as coisas começaram a mudar e as
dúvidas reapareceram. Para isso, as cruzadas foram determinantes para tudo o que vai se
desenrolar a frente. Quando os Cristãos vão para o Oriente enfrentar os Mulçumanos há o
reaparecimento de boa parte dos textos Gregos que foram perdidos durante a queda do império
Romano. Os textos de Aristóteles ganharam maior destaque, mas outros textos, de Platão e
alguns neoplatônicos vão também exercer uma forte influência.
Os textos de Aristóteles que reaparecem entre os séculos IX e XI são a Metafísica, a
Física, a Ética a Nicomanos e outros. Estes textos d’ “O Filósofo” (Aristóteles) permitiram a
formação da “Escolástica”. Esse movimento medieval visava reinterpretar as posições recém

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chegadas de Aristóteles de acordo com a fé Cristã. Por um lado isso foi magistralmente bem
feito, principalmente por Tomas de Aquino. Mas uma importante parcela dos textos de
Aristóteles teve de ser ignorada ou duramente reinterpretada para encaixar com a posição Cristã,
essa parcela dizia respeito a importância da experiência. Aristóteles vai em vários de seus livros
deixar claro a importância da observação da natureza para a boa compreensão da realidade. Sua
disciplina “Ética” dá um enorme valor para a experiência e a capacidade de desenvolver
princípios éticos a partir da experiência. Todavia, a tradição Cristã era uma que repudiava a
experiência e seu veículo que era o corpo. Aristóteles fora reinterpretado e a experiência perdeu
novamente seu poder, mas não por muito tempo.
Uma tradição de pensadores que era parte da Escolástica começou a observar com
maior atenção à idéia da experiência. Guilherme de Ockham e principalmente Roger Bacon
começaram nas suas investigações a dar um maior valor para a experiência. Essa valorização da
experiência não aconteceu de um modo súbito. Podemos entender a entrada da experiência no
conhecimento como uma parte dele, mas não como o centro – isso não poderia acontecer
enquanto a igreja tivesse o monopólio absoluto do saber. De todo modo, a experiência entrava
aos poucos nas universidades em contra posição à antiga posição neoplatônica e Cristã de
desvalorização da experiência.
Pouco tempo depois, já entre os séculos XIV-XV a entrada dos textos que tinham
ocorrido durante as Cruzadas vai fazer o Ocidente reorientar seu caminho: É o Renascimento. O
termo “Renascimento” significa uma retomada da cultura grega. Platão, Aristóteles e outros vão
ser novamente lidos, mas com outros olhos. Os textos céticos, principalmente o de Sexto
Empírico aparecem novamente no ocidente no século XV. No ambiente intelectual do
Renascimento a maior das revoluções ocorre: a retomada da observação da natureza. Essa
revolução tem início na retomada da experiência que tinha acontecido com Roger Bacon.
O que a Renascença trouxe foi, em última análise, a idéia da dúvida, quase ausente do
período medieval. A dúvida da interpretação de Aristóteles, a dúvida que emanava dos
continentes que estavam sendo descobertos, a dúvida que surgia dos textos céticos, não só de
Sexto Empírico, mas principalmente de um renascentista: Michel de Montaigne (1533-1592).
Este filósofo representa bem a nova urgência da dúvida através de uma reflexão oriunda da
multiplicidade cultural que surge de um momento para o outro aos olhos Europeus. Esta
multiplicidade cultural é determinante para a reorientação da posição acerca do conhecimento.
Temos assim um novo quadro e uma velha pergunta: qual será o papel da experiência no
conhecimento?
A resposta não será muito difícil. Com as possibilidades técnicas, como o telescópio,
muitos vão começar a relacionar o conhecimento puramente teórico e racional com observações
da natureza. A observação começará a ser entendida como aliada da investigação. Um dos mais
importantes nessa valorização do conhecimento racional foi Galilei Galileu (1564-1642), que

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unia suas teorias sobre assuntos como a queda dos corpos, com as observações. Mas o que mais
chamava a atenção nessa relação é que de certo modo, a experiência começava a funcionar
como uma prova para as teorias.
Se lembrarmos de Platão dizendo que a experiência não fornece o conhecimento da
realidade acharemos estranho conciliar essas duas teses. Mas no fundo elas são próximas. Platão
apenas dizia que o conhecimento deveria partir do inteligível para então compreendermos o
sensível. Num certo sentido, é justamente isso que Galileu faz: retomar a experiência ao
domínio do conhecimento, como fim, não início. Mas não é só Gailileu. Tycho Brahe (1546-
1601) foi uma dos maiores "experimentadores" deste período, realizando observações
extremamente acuradas das órbitas dos planetas. Nesse ponto, não interessa muito no que Brahe
acreditava, interessa apenas que ele fazia observações e as tomava como parte do conhecimento.
Foi Johannes Kepler (1571-1630), que era auxiliar de Brahe, quem, a partir das observações de
seu mestre Brahe, construiu um sistema para as órbitas celestes, que funcionava extremamente
bem, e que acima de tudo, tinha sido derivado a partir de observações9. Kepler foi um dos
primeiros, se não o primeiro, a construir uma teoria sobre os planetas densamente apoiado em
observações.
O próximo passo é Isaac Newton (1642-1727). Apenas 100 anos depois da morte de
Galileu, Newton nasce. Quando Newton começa a desenvolver sua teoria, a experiência já é
parte fundamental do conhecimento humano. Além disso, nesse momento, o conhecimento da
natureza está desvinculado das normas da religião. Os cientistas e filósofos estão quase
completamente livres para pensarem o que melhor cabe ao mundo. Mas o que Newton faz de
tão importante? Há pelo menos duas coisas que fazem com que o nome de Isaac Newton esteja
no lugar onde está. A primeira é que Newton desenvolve uma teoria física que reúne de modo
extremamente simples e elegante, em poucas equações, o comportamento de todos os corpos,
sejam aqueles na Terra, sejam aqueles nas órbitas celestes. Newton reúne apenas com o poder
da razão todo o conhecimento da natureza, acima e abaixo da Terra, em poucas e eficientes leis.
As leis da natureza passam a ser as leis de Newton. A segunda coisa que assegura o lugar de
Newton, é que ele fez tudo isso usando apenas a razão e a experiência. Nada mais ele fez para
conhecer a natureza; e como sua empreitada foi extremamente bem sucedida, o modelo de
investigação de Newton passou a ser referência para todas as áreas do conhecimento. Com essas
duas características que são copiadas até hoje, devido ao grande sucesso, temos a revolução
cientifica do século XVII.

Teoria do Conhecimento: A questão da subjetividade

9
Na astronomia clássica, para conhecer as órbitas dos planetas deveríamos descobrir a sua "órbita ideal",
ou a órbita perfeita, e essa seria a órbita verdadeira. Não havia “experimentação”.

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Apesar de Montaigne e Bacon antecederem René Descartes, este último é
indubitavelmente o pai da Filosofia moderna. Assim o é por causa da introdução de um tipo
específico de argumentação feita por Descartes. Vejamos qual seja.
Descartes é influenciado por uma série de dúvidas que permeiam sua época,
principalmente aquelas que abalam o conhecimento, como Montaigne faz. O ceticismo
reaparece no começo da modernidade com toda a força e coloca em xeque todas as crenças,
sejam elas filosóficas, culturais ou religiosas. Diante desta ameaça da possibilidade do
conhecimento, Descartes escreve sua obra, onde pelo menos dois textos se destacam: "As
Meditações" e o "Discurso do Método".
O argumento presente nestes dois livros é muito semelhante, havendo apenas uma
mudança na forma. Em ambos os textos, Descartes pergunta: como é possível vencer o cético?
Ele descobre que o único modo é inicialmente verificar se o ceticismo pode estar certo e até
onde ele poderia chegar. Para isso, Descartes ‘toma todas as suas crenças que parecerem
problemáticas, como falsas’, ou seja, ele opta por duvidar de tudo. Para tal, ele pergunta duas
coisas: (1) e se eu estivesse sonhando agora, como poderia garantir que minhas experiências
seriam verdadeiras? e (2) e se Deus quisesse me enganar agora, será que eu poderia ainda sim,
saber alguma coisa? Com esses dois argumentos, extremamente gerais e poderosos, Descartes
coloca tudo em dúvida.
Para sair desta dúvida, e vencer o cético, ele precisa de uma certeza inicial, um
argumento que sobre o qual não restasse nenhuma dúvida. Descartes então diz: posso estar
enganado sobre tudo, mas ainda há alguém que pensa estar enganado, se eu penso, eu existo, é
assim que temos o seu "penso, logo existo" (Cogito, ergo sum). A primeira certeza que
Descartes alcança é a certeza de que ele existe. Todo o conhecimento que será alcançado
posteriormente por Descartes irá derivar desta certeza básica, a certeza do eu. Esse movimento
de Descartes, de apoiar todo o conhecimento no seu próprio eu, é uma manobra semelhante à de
Copérnico que tira a Terra do centro do Universo: Descartes retira o objeto do centro do debate
e coloca o sujeito; não se trata, portanto, de conhecer as coisas, mas sim conhecer o sujeito. É
esse sujeito quem conhece o objeto, e por tal razão, devemos conhecer a mente humana antes de
tentar conhecer os objetos. Antes: só é possível conhecer os objetos através do conhecimento da
mente humana.
Esse é o movimento mais básico que torna Descartes o pai da Filosofia moderna.
Depois dele, todos os filósofos modernos irão encarar o problema do conhecimento da mente,
como o problema mais básico; isso não ocorrerá apenas como racionalistas, como Descartes,
mas outros filósofos, de tendências opostas às dele, terão o mesmo problema à frente, como é o
caso de Locke, Berkeley ou Hume, empiristas que afirmam a necessidade do conhecimento da
mente humana antes do conhecimento do objeto.

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Esse passo dado por Descartes é levado às últimas conseqüências com Immanuel Kant,
que vai fazer sua "Crítica da Razão Pura". Kant apresenta uma das mais impressionantes
análises de toda a história da Filosofia, e vai teorizar que a mente, de uma certa forma,
"constrói" um objeto para ela. Coisas como a idéia de "espaço" ou "tempo" não são categorias
dos objetos fora do sujeito, mas sim da própria mente do sujeito. Kant mostra que não há como
saber como são as coisas em si, fora do sujeito, tudo o que podemos conhecer são aquelas coisas
representadas pelo próprio sujeito. Com isso, Kant, coloca o sujeito no absoluto centro da
questão de todo o conhecimento, e acaba por excluir uma reflexão sobre a "possível realidade"
dos objetos fora da mente dos sujeitos.

Teoria do Conhecimento: Racionalismo e Empirismo


O Racionalismo e o Empirismo são os motores do debate intelectual da primeira parte
da Filosofia moderna. Esse debate começa com Francis Bacon (1561-1626) e René Descartes
(1596-1650). A grosso modo, os racionalistas afirmam que o conhecimento só pode ser obtido
através da razão, e os empiristas vão dizer que o conhecimento só pode ser derivado a partir da
experiência. Abaixo irei explicar essas duas correntes nas suas linhas gerais, citando alguns de
seus principais expoentes.
O Racionalismo
O racionalismo, além de Descartes teve grandes representantes como Gottfried Wilhelm
Leibniz (1646-1716) e Baruch Spinoza (1632-1677). Irei aqui me concentrar apenas em
Descartes.
Descartes afirma que todo o conhecimento que provém da experiência pode ser
provavelmente falso, e que o conhecimento deve passar por uma revisão absoluta. Para tal,
Descartes duvida de tudo o que há na experiência e afirma, como sua primeira certeza, que se
ele pensa, então existe. Esse movimento de argumentação tem uma clara tendência: desvalorizar
o que provém da experiência e afirmar que todo argumento verdadeiro provém diretamente da
razão. Para deixar esse ponto ainda mais claro, Descartes afirma que ele só pode tomar como
verdadeiras e justificadas aquelas idéias que são claras e distintas, e esse tipo de idéia para ele
não poderia derivar da experiência, apenas da razão.
Descartes mostra então, partindo do seu "penso, logo existo", que existem algumas
idéias em nós, que não derivam da experiência, idéias estas absolutamente verdadeiras: são suas
"idéias inatas". Um dos argumentos de Descartes para prová-las é o seguinte: somos seres
limitados, e que, portanto, só podem pensar em coisas limitadas, mas ao mesmo tempo, temos
idéias como "perfeição" ou "infinito” que são idéias que ultrapassam nossa limitação. Para
Descartes, essas idéias não podem derivar da experiência, porque não encontramos nada na
natureza que seja, por exemplo, infinito. Sendo assim, essas idéias nascem conosco. As idéias
inatas, como as de perfeição ou infinito, só podem ser conhecidas por nós, numa investigação

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puramente racional, que purgue o conhecimento de toda a experiência. É somente a partir dessas
idéias inatas que o conhecimento é possível, e para chegar a elas, devemos usar apenas a razão,
eliminando os sentidos.
O racionalismo mostra que só há conhecimento perante aos poderes da razão, e que
quando procuramos uma resposta a partir da experiência, nós frequentemente erramos.

O Empirismo
Além de Bacon, que citei acima, se destacam como grandes empiristas, Thomas Hobbes
(1588-1679), John Locke (1632-1704), George Berkeley (1685-1753) e principalmente David
Hume (1711-1776). David Hume é geralmente considerado o maior de todos os empiristas, por
ter levado essa tese ao último grau possível.
Duas obras de Hume são fundamentais, a saber, o "Tratado da Natureza Humana" e o
"Investigação acerca do Entendimento Humano". Em ambas, Hume afirma que todo o
conhecimento humano provém da experiência sensível. Para isso, Hume segue de perto a tese de
Locke que afirma que a mente humana é uma "tabula rasa" e que conhece apenas quando é
"preenchida" por experiências. A partir disto Hume vai fazer uma análise da mente humana. Ele
descobre que tudo o que temos na mente são idéias e impressões, sendo que as idéias são cópias
das impressões e estas últimas derivam da percepção. Tudo o que temos na mente são
percepções na forma de idéias e impressões. Essas idéias se relacionam entre si para formar
novas idéias através de três relações básicas: "semelhança", "contigüidade" e "causa e efeito".
Hume descobre na sua investigação que a esmagadora maior parte do conhecimento está
baseada na relação de causa e efeito, e propõe investigá-la. Basicamente, a causalidade funciona
assim: eu percebo num primeiro momento o "fogo", logo em seguida, eu percebo "fumaça",
essas duas idéias, são relacionadas na mente através da relação de causa e efeito.
Hume pensa então, o seguinte: se quase todo o conhecimento está baseado na relação
causal, qual prova experencial que eu tenho de que esta é uma relação justificada? Ele diz: uma
experiência me informa que agora estou vendo fogo, e então, vejo fumaça, mas o que garante
que essa relação causal irá se repetir no futuro? A experiência irá me dar apenas certeza sobre o
que vejo agora, mas ela não pode garantir que o futuro se repita igual ao passado. Segundo ele,
nossa relação causal não pode ser justificada. Quando ele diz isso, temos a seguinte conclusão:
se o conhecimento está baseado na relação causal e esta é injustificada, logo o conhecimento é
injustificado. Dado isso, Hume se pergunta: se o conhecimento é injustificado, por que
acreditamos com tanta energia na relação causal?
Sua resposta é absolutamente inovadora, e marcará toda a reflexão posterior. Hume
mostra que nossa relação causal está baseada numa relação psicológica, o hábito. Nossas
crenças, na verdade, não possuem uma justificativa racional, mas, ao contrário, nossas crenças
funcionam através de um mecanismo psicológico próprio da mente humana. Hume localiza pela

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primeira vez o conhecimento humano no seguinte par: uma relação entre nossas experiências e
um mecanismo mental oriundo da natureza humana. Desta forma, não há conhecimento dado
pela razão, apenas um conhecimento dado a partir da natureza humana

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Temas da Filosofia Contemporânea

A concepção de ser humano na Filosofia contemporânea: existência e o ser


humano como objeto da ciência
Nossos tempos, diante deles quem somos? A pergunta acerca do que é o ser humano
atravessou toda a história ocidental e vai perdurar conosco. Mais recentemente duas questões
acerca de quem somos tornaram-se centrais, a primeira pergunta acerca do que exatamente
significa existir, e a segunda pergunta como nós nos colocamos perante a ciência. Essas duas
perguntas não nasceram agora, mas foi no século XX que elas se colocaram como o centro da
questão.

Os filósofos que se dedicaram centralmente à primeira questão são chamados de


Existencialistas. O movimento existencialista teve seu início na última metade do século XIX
com dois filósofos, um dinamarquês, Sören Kierkgaard e um alemão, Friedrich Nietzsche. Já no
século XX os nomes mais expoentes do movimento existencialista são os de Martin Heidegger,
Jean-Paul Sartre e Maurice Merleau-Ponty. Obviamente o tratamento de cada uma das questões
é peculiar e deveria ser analisada uma a uma, mas não podemos fazer isto aqui. O objetivo aqui
é entender em geral como a questão da existência é colocada, e para isso devemos colocá-la.
Basicamente a pergunta que todos fazem é: o que significa a nossa existência? Há três
características de nossa existência, segundo esses filósofos.
A primeira é marcada por uma famosa frase de Sartre que diz “a existência precede a
essência”, ou seja, nossa existência vem antes de nossa essência. Essa frase quer mostrar que
nós nascemos como seres individuais, sem características a fora de nossas biológicas; nascemos
sem nenhuma pré-consideração, sem nenhum destino, sem nenhum plano divino. Primeiro
existimos. Você ai que está me lendo, nasceu, e nasceu sem destino, sem identidade. Sua
identidade, suas características, sua essência, vai ser determinada por você. Você é quem vai
determinar quem você quer ser, qual será sua essência. Então, primeiro nascemos sem planos,
sem uma essência, sem um destino, depois criamos nossos planos, nossa essência, nosso
destino. Assim, você é quem cria quem você é.
Somos livres para escolher o que quisermos ser, e ser livre significa além de poder agir
da forma que quisermos, que devemos ser responsáveis por nós, por nossas ações no mundo, e
pelo próprio mundo. Essa liberdade é a segunda característica de nossa existência.
Somos essencialmente livres, o que não é fácil. Ser livre, como eu disse acima, não é só
fazer o que você quiser, mas ser responsável diante do que você faz. Assim, somos totalmente
responsáveis pelo o que nos tornamos. A idéia geral será: não importa o que a vida fez com
você, importa o que você fará diante disto. Isso é ser livre e assim nasce sua real e verdadeira

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essência. Aqui surge a terceira característica de nossa existência. Segundo os existencialistas,
agir no mundo não é seguir o que os outros querem, não é agir igual todos agem apenas para ser
aceitos, ao agirmos assim perdemos nossa existência, nos perdemos e deixamos de ser.
Devemos tomar nossa vida e agir autenticamente, com claridade e intensidade, devemos
escolher nossos caminhos por nós mesmos, construir nossas vidas como nós acreditamos ser o
verdadeiro.
A existência dos seres humanos, sua, minha, não pode ser uma guiada por que os
outros acreditam, mas deve ser guiada por nós mesmos. Assumir as responsabilidades da vida é
existir realmente, tomar as rédeas da vida e tornar que queremos. Mas isso não é fácil, mas só
assim somos autenticamente seres humanos.
Assim há três características do movimento existencialistas, a saber, 1) a existência
precede a essência, 2) somos responsáveis pelos nossos atos, 3) devemos nos auto-determinar e
não seguir a vida como os outros querem.

Falei inicialmente que havia duas questões, a primeira, acerca da existência foi tratada
pelo movimento existencialista, e a segunda, acerca das relações do ser humano com a ciência,
também foi tratada pelos existencialistas, mas essa questão não se limitou a um movimento só.
Desde a modernidade, quando a ciência alcançou uma importância enorme na vida das pessoas,
os filósofos se colocaram a pensar em como a ciência se relacionava conosco. Não vou me fiar
inicialmente em filósofos específicos, vou tentar dar a você uma imagem mais geral do
problema. Pensemos dois exemplos.
O primeiro é o da possibilidade técnica cientifica de eliminar nossa própria existência,
através de uma bomba ou de um vírus. Antes da ciência o ser humano era poderoso: podíamos
dizimar civilizações inteiras que ainda existiríamos como espécie. Com a habilidade técnica que
desenvolvemos chegamos à redução de nós mesmos, já que uma bomba pode nos destruir, não
como indivíduos, mas como espécie. A nossa habilidade técnica nos diminuiu. O mais
importante aqui, é que nós mesmos chegamos a um tal ponto que nosso conhecimento mesmo
pode nos destruir. A ironia aqui não é fina, é direta: conhecemos tanto que sabemos agora como
nos destruir. Mas a ciência não é má. A técnica não é má. O desenvolvimento do conhecimento
é parte do que nós somos, mas uma vez que percebemos que a técnica alcançou o ponto mais
grave de toda a história da civilização humana temos de ser mais responsáveis, porque não está
em questão, nós mesmos como indivíduos, mas como espécie. O nosso remédio, é a ciência, e
ela é a nossa droga. Esse limite estreito entre um remédio e uma droga deve ser analisado com
cuidado e responsabilidade.
O segundo caso, filosoficamente mais grave e geral é o do projeto genoma. Em si
mesmo é um excelente projeto para mapear nosso código genético, para principalmente poder
ajudar no tratamento médico. Mas essa inocência traz um grave problema existencial. A questão

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toda é saber se nós somos idênticos ao nosso código genético. Somos nossos genes? Muitos
geneticistas diriam que conhecer o código genético é conhecer o próprio ser humano. Será que
eles estão corretos? Conhecer os genes é decifrar a alma humana? Não há uma resposta fácil a
essa questão porque o desenvolvimento dessa técnica ainda não está em sua totalidade. Estamos
imersos numa enorme incerteza acerca de nós mesmos.
Nosso poder para conhecer a realidade nunca foi tão alto. Nossa arrogância de sermos
capazes de conhecer e dominar tudo também nunca foram características tão exacerbadas.
Somos, no conhecimento e na Ética, determinados apenas por nós mesmos. Mas, determinarmos
a nós mesmo, não é só fazer o que quisermos, é sermos responsáveis naquilo que fazemos. A
ciência não é má, nem boa. O conhecimento não deveria ter de ser barrado. Mas a grande
questão é: será que há um limite para nosso conhecimento?
Bem, esses dois exemplos permitem pensar em duas grandes questões que relacionam o
ser humano à ciência, a saber, a (1) explicação do ser humano passa a ser predominantemente
científica e (2) as inter-relações entre a ética e a ciência. Vejamos cada uma dessas questões.
(1) A partir do início do século XX, com os grandes desenvolvimentos na biologia,
medicina e principalmente na genética, aos poucos foi se formando um quadro explicativo do
ser humano em termos puramente biológicos. Isso quer dizer, que as “ciências biológicas”
(biologia, medicina, genética, etc.) foram capazes de explicar muitas de nossas características a
partir de descrições cientificas. Nesse quadro somos ou um punhado de genes, ou uma
complexa organização de sistemas biológicos que podem ser explicados e re-organizados pela
ciência. Essa idéia de uma total redução do ser humano à ciência é realmente muito nova. No
passado filósofos e cientistas acreditavam que nós não poderíamos ser reduzidos ao mero corpo
físico. E aqui, eu não estou falando só em uma perspectiva religiosa, onde nós somos bem mais
que o corpo, mas estou falando na idéia de que o que nós somos transcende nossas
características biológicas, por exemplo, acreditava-se que a nossa “cultura” transcendia nossa
mera fisicialidade, ou ainda, que há em nós uma “mente” que não é reduzível a nenhuma parte
física. Todavia, hoje em dia, há muitas e influentes correntes das ciências biológicas que
acreditam completamente numa redução de coisas como “cultura” e “mente” em fatores físicos.
Dada essa questão, temos duas perguntas: será que tudo o que nós somos pode ser
explicado totalmente através de dados empíricos? Será que colocar toda a nossa dimensão
humana apenas numa área, qual seja, a ciência, é interessante do ponto de vista explicativo? Não
há uma resposta definitiva, e nem vai haver pelos próximos anos.

(2) A segunda questão que comentei acima, aparece novamente por volta do início e
meados do século XX. Nesse período, por causa do impressionante avanço da ciência, passamos
a ser capazes de desenvolver tecnologias surpreendentes. Essas tecnologias são como o clássico
exemplo grego do vinho: se uma pessoa bebe demasiadamente vinho, ela fica alcoolizada, se ela

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bebe a medida certa, ela desfruta o sabor do vinho, mas em ambos os casos, o prazer e o não-
prazer, parecem estar no vinho, todavia, eles não estão; o vinho mesmo não é bom ou ruim, ficar
ou não alcoolizado é de responsabilidade do sujeito. A partir disto, a ciência não é boa ou ruim,
ela é apenas ciência, o que devemos avaliar é o uso dela. Bem, aqui está o problema ético: como
saber o que é o “alcoolismo” ou o excesso da ciência? Para determinar isso, precisamos de uma
fina teoria ética que avalie como deve ser a ação humana. Mas, invariavelmente, as pessoas têm
a tendência de não compartilhar o mesmo padrão ético (o que não é de todo mal, nem bem), o
que acaba gerando distorções éticas difíceis de serem equilibradas.
Mas existem soluções locais: os conselhos de ética. Esses “conselhos” existem nas
universidades e nos governos na maioria dos países e serve para regular a prática da ciência.
Mas no fundo não há como haver uma regulação total, afinal, não existe como saber o que todos
os cientistas estão fazendo agora. De todo modo, o problema está numa reavaliação ética da
ciência e não na ciência mesma. O importante é verificar até onde ela vai, e até onde deveria ir.
Quanto aos resultados desse processo, não saberemos agora.

Ética e Política Contemporânea: A Crítica à Consciência: Marx, Nietzsche,


Freud
Vou apresentar aqui um mesmo problema visto de três posições diferentes. O problema
a ser tratado é a idéia de consciência, seja uma consciência do lugar do estado e da economia,
seja um lugar da natureza na consciência humana, seja um lugar da psique humana. Essas três
versões da crítica à consciência serão vistas em três filósofos: Marx, Nietzsche e Freud.
Todavia, aqui, como em outros lugares, muito mais do que oferecer a tese destes três, o que,
diga-se de passagem, seria impossível num espaço curto, o objetivo aqui será uma visão de três
posições.

Marx: A alienação
Quase todos os grandes pensadores desenvolveram uma teoria acerca de como a maioria
das pessoas vive num estado de ignorância. Karl Marx desenvolveu uma importante e influente
teoria justamente sobre esse estado de ignorância que ele chama de “alienação”. Para Marx a
grande causa dessa alienação é a realidade econômica política da qual fazemos parte. Essa
introdução da idéia de “economia” na análise da ignorância humana não é nova, afinal ela já
estava presente em alguns filósofos ingleses, como Adam Smith, mas é totalmente reformulada
e ganha contornos novos em Marx.
Para Marx, a alienação, ocorre por causa da situação do povo (ou proletariado) no
trabalho. Marx, analisando as enormes conseqüências das revoluções industriais e do
desenvolvimento da ciência e da técnica percebe que o trabalhador, principalmente os das

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fábricas, cada vez mais perde o controle sobre o seu trabalho. A técnica é tão avançada que o
trabalhador perde sua capacidade de ver para que o seu trabalho realmente serve. Assim, um
operário pode passar a vida instalando alguma peça de um computador sem nunca ter nenhuma
idéia de como essa peça funciona. Esse movimento traz uma importante ruptura na vida
humana: a ruptura entre pensar e fazer. No modelo de trabalho contemporâneo, o trabalhador
freqüentemente só age, e perde a dimensão do seu trabalho, justamente porque ele não é capaz
de refletir sobre ele.
Nesse processo do operário com aquilo que ele produz gera duas grandes
conseqüências: a primeira delas é que o objeto ganha um status superior ou mais poderoso que
o próprio operário que o fez. Um caso simples é pensar que um operário pode viver montando
computadores, mas não fazer a mínima idéia da importância do computador na sua vida, mesmo
que essa seja uma importância decisiva; esse processo é chamado de fetichização da mercadoria.
A segunda conseqüência é que o trabalhador, por ocupar uma posição tão inferior ao objeto, ele
passa a ser, em si mesmo, não um ser humano, mas uma ferramenta de produção do objeto. Essa
é a reificação (coisificação) do ser humano.
Reunindo essas duas conseqüências, Marx deixa clara a alienação do atual homem
contemporâneo, mostrando que devemos evitar essa relação de retificação, para que o ser
humano não seja perdido.

Nietzsche: Crítica à Moral


Friedrich Nietzsche é um dos filósofos mais difíceis de serem apresentados aqui. Assim,
optei por apresentar não uma coleção de seus pensamentos, mas a idéia que o inspira. O ponto
central aqui é uma rejeição da antiga moral e da religião e assumir a natureza humana.

No percurso filosófico que partiu de Sócrates, passando pelos Medievais, Renascentistas


e Modernos duas teses predominaram na moral: (1) o valor moral deveria estar fora da natureza
humana, o que quer dizer que nossa natureza humana nos conduz ora ao pecado, ora à
submissão aos desejos, ora ao puro erro. Essa tese é muito forte em quase todos os filósofos que
buscavam uma origem para a moral que evitasse os erros da natureza. (2) A segunda coisa é o
estabelecimento da “verdade”, seja moral ou epistêmica, fora da natureza humana. Isso quer
dizer que a fonte do conhecimento e a fonte da ação correta, deveriam ser estabelecidas de um
modo que evitasse e principalmente negasse a natureza humana.
Nietzsche é um dos grandes combatentes destas duas teses. Sua energia se concentra em
mostrar que esse processo, comandado por esses dois tópicos acima, está no seu fim. A moral
enquanto negação da natureza humana, enquanto primado da moral pela razão está no seu fim.
Isso ocorre porque negar a natureza humana, negar nossa característica animal, é negar quem
nós somos. A partir daí Nietzsche localiza sua descrição do ser humano numa imagem

48
“naturalista” que pode ser compreendida com o auxílio da ciência. Essa visão “naturalista” não
é nada mais que o reconhecimento do ser humano como um animal como outro qualquer e que
devemos deixar emanar de nós nossas características naturais. Um dos casos mais claros deste
ponto é a imagem do Sexo. Frequentemente, mesmo hoje, o Sexo, parte fundamental da
natureza humana é visto como algo errado, sujo, impuro e imoral. Essa imagem é trazida pela
idéia de uma moral fora da natureza humana. Mas pensando a ação ética dentro da natureza
humana, o sexo não seria mais demonizado, mas sim abraçado como parte de nossa natureza.
Acima de tudo essa imagem da tese de Nietzsche, serve para mostrar o quanto estamos
fechados numa imagem específica de moral que nos guia. Essa crítica da moral serve para
indicar a fragilidade de princípios, que por estarem fora da natureza humana, apareciam como
inabaláveis.

Freud: O subconsciente
Se continuarmos nesse caminho de Nietzsche, a próxima conseqüência teórica é
Sigmund Freud.
O que Freud traz de novo é uma análise sobre como nós agimos. A imagem clássica da
“ação humana” é que agimos de acordo com motivos e razões bem determinadas. Por exemplo,
eu compro uma casa porque quero morar nela, ou porque preciso de abrigo, ou qualquer coisa
que o valha. Segundo essa tese, nossa ação seria determinada por nossas razões.
Em sua análise sobre a mente humana, Freud mostra uma faceta que não estava presente
nas teses anteriores. Segundo Freud, a maior parte das ações humanas não é decidida por razões
conscientes, mas sim por razões, ou motivos inconscientes. Assim, Freud apresenta a idéia do
“subconsciente”. Aqui não é interessante fazer uma longa explanação sobre a mente humana
que Freud faz, mas a questão é principalmente mostrar como essa idéia de um subconsciente
atua no ser humano.
O ponto aqui, é que nós não agimos através de um cálculo racional apenas. Mesmo que
acreditemos que nos agimos através de razões e motivos bem determinados e racionais, na
verdade, na enorme maioria dos casos, nossas motivações de nossas ações não são explicitadas
como argumentos, mas são motivações não racionais, não verbalizadas, que fazem parte deste
subconsciente. O subconsciente não é nada mais do que uma parte não propriamente racional de
nossa mente, que é governado por impulsos, desejos, emoções, lembranças, fatos e pela
educação que tivemos. Essa reunião de fatores é no final o nosso motor maior.
Essa teoria de Freud apresenta um ponto curioso para a tradição clássica: se não agimos
através da razão, como pensar a ação humana? A tese de Freud levanta a tese de que nem tudo
está poder de nossa parte consciente, e aquilo que está no subconsciente, que determina a vida
humana, deve ser analisado e deixado fluir, para que não alcancemos problemas psicológicos

49
graves. Assim, libera-se e reconhece a importância do subconsciente, enquanto real motivador
da ação humana.

Ética e Política Contemporânea: Totalitarismo e Democracia


Uma das perguntas mais difíceis e sempre presentes das nossas investigações políticas é
saber como o Estado deve se comportar ou deve agir diante o povo. Para fazermos uma rápida
revisão, vemos o seguinte:
1. Na Grécia surge a democracia, que é um regime político que afirma a igualdade entre os
cidadãos. Ela será decisiva em todo o avanço político posterior.
2. Durante o período Medieval reinava uma relação direta entre o Estado e a Religião,
onde era a partir dos “desígnios divinos” que o estado deveria ser mantido. A população
deveria apenas se sujeitar as ordens do estado-religião.
3. Na Modernidade, enfocamos a idéia do “Soberanismo”, onde o governante se identifica
a tal modo com o estado que eles passam a ser “a mesma coisa”. Apesar de termos
idéias novas, como o dever de respeitar o povo, o estado moderno ainda era
basicamente centrado, mas não na religião, mas no governante, que ocupava um lugar
decisivo.
4. Chegamos ao período contemporâneo, nossa época, permeada de revoluções e novos
governos, muito distintos entre si. Irei enfocar abaixo dois tipos: o totalitarismo e a
democracia.

O Totalitarismo10
O totalitarismo é uma expressão típica, principalmente da primeira metade do século
11
XX . O totalitarismo é um tipo de governo que prega a identificação total entre o povo e o
estado. Vejamos como isto se dá.
O primeiro ponto aqui é uma idéia de uma “ideologia” que uniria o estado. Essa
ideologia é geralmente uma forma exacerbada de nacionalismo que convoca as pessoas a
participar do estado em prol do estado, e consequentemente deles mesmos. O que dá coesão ao
estado totalitário é a força das idéias que ele apresenta. Esse é um ponto fundamental: apesar de
haver coerção física, geralmente o povo apóia o estado totalitário. A explicação deste ponto não
é muito difícil de obter, afinal ela reside no poder do ideal. O estado totalitário afirma que o seu
povo é excelente, de alguma forma perfeito e que a sua união é necessária na construção do

10
Uma outra versão de governos ditatoriais é o “autoritarismo”, principalmente localizado na América
Latina. Ao contrário do totalitarismo, o autoritarismo não tem uma ideologia que supostamente vise a
união do povo.
11
Três são as grandes representações da idéia de totalitarismo que irei aqui abordar: O modelo Italiano de
Mussolini, o Alemão do Nazismo e A URSS com Stálin. Apesar destas três representações do
totalitarismo terem óbvias diferenças e peculiaridades, irei me concentrar na idéia geral do totalitarismo,
que é compartilhada por todos estes modelos.

50
estado. A oferta é muito boa. Chamam-nos de perfeitos e tudo o mais; dão-nos um lugar
privilegiado no mundo; é nos oferecida uma saída para a depressão economia. Isso acabava por
trazer uma adesão massiva do povo ao regime. O regime, pelo menos no ideal público, seria
uma expressão do próprio “povo poderoso”.
Essa ideologia era construída de dois modos, a saber, através da propaganda e da
educação. A peça principal e mais imediata dos estados totalitários era uma forte propaganda
que visava oferecer ao povo a ideologia, sempre buscando, de um modo ou de outro enaltecer o
povo. Ora dizia que o povo é o melhor, ora mostrava suas “grandes características” em oposição
aos “grandes defeitos” dos outros povos, ou ainda tentava criar através de simbolismos, imagens
e outros, um espírito de amor ao regime. Essa tarefa da propaganda era tão bem executada, que
o objetivo de trazer o povo para o estado foi obtido com grande sucesso. Um exemplo definitivo
foi que ao final da II Guerra Mundial, quando Berlin se encontrava sitiada pelos Americanos e
os Russos, e o Exército Alemão estava em frangalhos, o povo saia para as ruas para combater os
inimigos do regime. O outro ponto de trazer o povo para o estado e o identificar com ele, era
através do sistema educacional. Esse fora, em todos os estado totalitários “reorganizados”, e a
educação passou a ser controlada pelo estado e pela “ideologia”. O povo deveria aprender
apenas aquilo que revela a beleza de sua própria nação e a ojeriza aos outros estados.
Mas o regime totalitário, ao supostamente trazer o povo para o estado, ele na verdade
centrava de modo absoluto o poder do estado em poucas figuras defensoras da ideologia. Esses
governantes tinham no totalitarismo todo o poder necessário para fazer o que fosse necessário
para manter o estado, inclusive cercear a liberdade de quem quer que seja. Essa repressão foi tão
forte que literalmente eliminava as oposições ao governo. Não há distribuição partidária, afinal
não há ideologias diferentes, há apenas um partido.
Esse tipo de regime nacionalista e centralizador do poder, enquanto “catequizava” o
povo, foi o grande responsável pelos maiores massacres da história da humanidade, como por
exemplo, o holocausto nazista.

A Democracia
A Democracia contemporânea conserva apenas algumas relações com a democracia
Grega. A principal característica que une essas duas épocas de democracia é a idéia de que
todos os cidadãos têm direito a opinar na condução do estado. Mas como a idéia de uma
participação total do povo nas decisões do estado é impossível, temos o modelo contemporâneo:
a democracia representativa, onde quem representa é o partido.
Ao contrário do regime totalitário que só possui um partido, por só ter uma idéia, no
regime democrático, temos uma multiplicidade de partidos, que deveriam representar a
multiplicidade de idéias e posições existente no estado. A democracia reconhece a
heterogenidade do estado e faz essa a sua principal marca. Essa “heterogenidade” é o fato de

51
que num estado, há diversos modos de se posicionar. Nesse sentido, o regime democrático não
elimina os partidos (ele pode eliminar apenas aqueles partidos que prezam o fim dos partidos), e
faz com que todos os partidos possam ter sua voz, de acordo com a quantidade de pessoas que
este partido representa.
O poder do estado, no regime democrático contemporâneo, não é personalizado em uma
só pessoa, mas em conjuntos de instituições, variando de um regime parlamentarista até um
presidencialista. De todo modo, em todos esses tipos de regimes, as pessoas que estão no poder
não são ditadores de uma idéia, mas representantes de uma idéia que emanaria do povo.
A grande marca do estado democrático é sua força pela multiplicidade. Esse estado é o
mais forte, porque não depende de pessoas ou idéias supremas, mas ele aceita e abraça a
variação; mas é geralmente o mais frágil também, porque por meio dessa pregação da variação o
estado pode ser dominado por uma idéia mais bem expressada e que irá imperar no estado. O
grande jogo democrático é abrir o espaço de discussão sem que esse espaço seja destruído por
esta própria liberdade.

Teoria do Conhecimento: A Filosofia e Ciência Contemporâneas


Clonar seres humanos é uma ação correta? Utilizar as equações da mecânica quântica
para criar uma arma capaz de dizimar a civilização é uma ação correta? A teoria indutivista é
válida epistemicamente? A normatividade deve ser a regra epistemica para a psicologia? Se nós
olharmos com atenção veremos que há dois pares de perguntas acima, que apesar do tema
diferenciado tem uma mesma motivação básica, a saber, a relação entre ciência e Filosofia. É o
seu gosto filosófico que irá conduzi-lo para um dos dois pares de questões: o primeiro é uma
pergunta sobre a ação, e a Ética é a disciplina filosófica que versa sobre este primeiro par; o
segundo par de questões incide sobre a questão do conhecimento, e a disciplina da Filosofia que
se foca nestas questões é a Epistemologia. Vejamos as duas disciplinas abaixo e suas relações
com a ciência.

A Ética e a Ciência
Vamos supor a seguinte situação: a clonagem já é possível e segura a seres humanos.
Um dia seu pai morre, e você decide cloná-lo e dar-lhe novamente vida. Será que a sua ação
seria eticamente correta? Será que clonar uma pessoa querida apenas por que isso é possível é
algo que eticamente é plausível? Não irei aqui arriscar uma definição geral da Ética, mas irei
invocar uma noção básica que todos nós em um momento ou outro da vida já nos deparamos:
devo fazer simplesmente por que é possível?

52
A ciência é uma técnica altamente avançada e que dá poderes incríveis àquele que a
possui, a correta utilização desta técnica é um problema? Será que a utilização da técnica
científica, independentemente das conseqüências que esta técnica pode ter, é algo que deve ser
feito, ou antes, devemos refletir minuciosamente cada efeito de cada ação permitida por tal
técnica? Marcelo Gleiser renomado cientista brasileiro afirmou certa vez que a ciência é um
trem descarrilado que não é possível de ser imobilizado, se assim, devemos então utilizar a
ciência conforme o que nos for necessário. Mas e se jogarmos uma bomba atômica porque
podemos, ou melhor, destruíssemos o mundo porque podemos, estaríamos realizando uma ação
correta? Aqui é importante não uma definição estrita do que seja ética, mas antes a abertura para
a questão ética. Todas estas questões que coloquei podem ser interpretadas e reinterpretadas
pelas definições mais díspares de ética, mas no fim, e no início o que é importante é que você
seja capaz de identificar a pergunta e notar a sua relevância. A pergunta ética está ligada
diretamente à ciência por que esta última abre inúmeras possibilidades de ação, que afinal é o
que a ética estuda. Se uma ação pode ser perpetrada só por que a ciência disse que é possível
que assim o façamos não é obrigado que façamos. Possibilidade da ação não é igual à
efetividade da ação. Nesse sentido é importante notar a importância que a pergunta ética deve
ter numa sociedade permeada de ciência como a nossa. Se o trem não pode ser parado, e se nós
estamos no trem devemos tentar dar o melhor rumo possível a ele. É isto que deve ser fixado,
pelo menos, em uma primeira abordagem da relação entre ciência e ética.

A Epistemologia e a Ciência
Epistemologia é o ramo da Filosofia que estuda o conhecimento humano, desde suas
possibilidades até como ele se apresenta, ou ainda sua adequação ao mundo. A epistemologia
por isso se aproxima muito das ciências, e esta aproximação se dá principalmente com duas
ciências básicas: a física e a psicologia.
No que tange a física o relacionamento da Filosofia com esta ciência deste o início da
física foi bastante estreito. A pergunta epistemológica sempre esteve nos principais filósofos,
em suas mais variadas formas, como em Immanuel Kant que se perguntava quais são os limites
do nosso conhecimento. Além disso, os filósofos não se contentavam em derivar questões da
física, mas a sua atividade envolvia a pergunta pelo método científico e sua veracidade. Será
que o método indutivo é o melhor método para a física proceder? Esta pergunta está arraigada
no seio da física já que ela, tenta ao mesmo tempo ser verdadeira e observar apenas alguns fatos,
não todos. Mas se eu investigar o particular conhecerei o universal? Essa é a pergunta
epistemica sobre o método de investigação da física. Existem outras questões, algumas mais,
outras menos relacionadas diretamente com avanços da física. No que diz respeito aos avanços
da física, a epistemologia não se apaga: alguns problemas em epistemologia derivam

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estritamente da mecânica quântica ou da teoria da relatividade. Um dos filósofos recentes que
manteve uma ligação estreita com a física foi Popper, que você irá estudar abaixo.
Já quanto à Psicologia a Filosofia esteve sempre presente ao lado desta ciência tão
recente (a psicologia não tem mais que um século e meio, já Filosofia não tem menos de dois
milênios e meio). Hoje, mais do que nunca, a psicologia está se fundindo com a epistemologia
de uma maneira que nunca foi visto antes neste ramo da Filosofia. O intercâmbio de questões é
real, e em determinados pontos é apenas em uma solução tanto epistemica, quanto psicologista
que podemos resolver certos problemas. É um caminho que ainda a epistemologia irá traçar ao
lado da psicologia e que está apenas nos seus dias inicias.

Teoria do Conhecimento: O Positivismo: a ciência como única forma de


conhecimento

Há duas acepções da escola positivista, uma a partir de Auguste Comte (1798-1857) e


outra que começa com o que é chamado de “Círculo de Viena”. Vejamos as duas.

O positivismo de Comte
Comte é um filósofo francês que pregava que a ciência era o único modo de conhecer a
realidade. Ele acreditava que a resposta para as questões acerca da natureza poderia ser
encontrada apenas através de uma intensa investigação empírica.
Além dessa tese metodológica, Comte afirma uma outra tese social, onde ele dizia que a
sociedade teria passado por dois "estados" precários e que agora ela estava alcançando um
terceiro estado definitivo. Segundo ele estas fases ou estados se resumem em três: teológico,
metafísico, e positivo. O estado teológico procede todos os outros, ele funda-se no fato de que a
inteligência explica os fenômenos da natureza atribuindo-os à intervenção de divindades e seres
misteriosos e sobrenaturais. O estado metafísico ou abstrato é caracterizado pela substituição de
entidades abstratas às divindades primitivas. As formas substanciais, as faculdades da alma, as
afinidades químicas, a força vital, as qualidades ocultas explicam todos os fatos. No terceiro
estado, o positivo, se reconhece a falsidade de todas as abstrações e substitui-se a investigação
das causas pela observação dos fenômenos e de suas leis, o estado absoluto pelo estado relativo.
O primeiro estado é provisório, o segundo transitório, o terceiro definitivo. O estado teológico
dominou na antiguidade, o metafísico na Idade Média; o positivo nos tempos modernos. A lei
dos três estados preside não só a evolução da humanidade em geral, mas ainda à formação de
cada ciência e ao desenvolvimento do individuo.
Para o positivismo Comtiano a Filosofia se reduz à sistematização geral dos
conhecimentos positivos (baseados na experiência). Daí a importância por ele ligada à

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classificação das ciências. Seguindo o critério da generalidade decrescente, e complexidade
crescente dos fenômenos estudados, Comte enumera seis ciências fundamentais dispostas do
seguinte modo: matemática, astronomia, física, química, biologia e sociologia. Esta série, que
indica a subordinação e dependência dos diferentes ramos do conhecimento científico, encerra
ainda a vantagem de sua formação histórica e transição para o estado positivo. A sociologia é a
única ciência que ainda não entrou nessa fase definitiva. Esse tipo de positivismo, apesar de ter
gerado uma influência grande em certos lugares, não perdurou por muito tempo.

Neo-Positivismo
A segunda versão do positivismo é chamada de "neo-positivismo" ou “empirismo
lógico” e data do início do século XX. Ele tem como representantes filósofos como Carnap,
Neurath, Hanh e outros. Ele foi um movimento bem mais organizado que a tese de Comte e
gerou conseqüências enormes para toda a história da Filosofia. Deixe-me resumir suas teses.
A primeira grande tese dos neo-positivistas, era o primado da experiência e da lógica.
Para eles uma teoria, seja filosófica, ou científica, deve em alguma medida, ser provada através
de princípios lógicos e através de uma estrita derivação empírica. Para eles, tanto a lógica,
quanto a experiência representavam para as ciências (dentre elas a Filosofia) uma marca de
certeza e clareza.
A partir disto, eles diziam que para que uma teoria seja considerada como verdadeira,
ela deveria poder ser induzida a partir de experiências mais construtos lógicos, onde o que
garantia a certeza da teoria, era essa relação entre o empirismo e lógica. Esse método “indutivo”
consiste em, a partir de experiências, derivar leis e enunciados gerais (veja mais sobre o
indutivismo abaixo, na seção dedica à lógica). Com o passar do tempo, os positivistas
sistematizaram, através da lógica, essa visão indutivista e construíram refinadas teorias
probabilísticas. Com o empirismo aliado à lógica, os membros do Círculo almejavam construir
uma teoria científica mais coesa, e um discurso filosófico que não tivesse mais os antigos erros.
A idéia era trazer para a Filosofia o sucesso encontrado na ciência, fazendo a lógica e o
empirismo servirem de modelo.
Essa tese acabou por implicar na segunda grande idéia destes neo-positivitas: a recusa
da metafísica. Para eles, a metafísica representava tudo o que há de falso na Filosofia, e deveria
ser eliminada. Segundo eles, o grande problema da metafísica era que ela não era nem
logicamente rigorosa, nem tinha nenhum contato com a experiência; desta forma, a metafísica
não poderia ser uma ciência com um discurso significativo acerca da natureza. Assim, a
metafísica, em Filosofia, deveria ser substituída pela análise lógica/empírica da ciência. Essa
reação contra a metafísica, fez com que o eles desenvolvessem o chamado "Princípio de
Demarcação". Por ele, os positivistas entendiam um princípio que poderia demarcar a diferença
entre o que era ciência e o que não era. Basicamente, para eles, tudo aquilo que tivesse uma

55
forte base empírica e lógica era ciência e Filosofia de qualidade, tudo aquilo que não possuía tal
base, deveria ser deixado de lado, enquanto investigação da natureza.
O terceiro ponto é a enorme proximidade que os neo-positivistas tem com a ciência.
Para eles, a ciência representava um modelo de sucesso de investigação que ao mesmo tempo
deveria ser copiado e aprimorado. Copiar o modelo da ciência implicava para a Filosofia usar do
método empírico de investigação, fazendo com que implicações dos argumentos tivessem
algum contato com a experiência, para então ser julgada verdadeira. Ao mesmo tempo, os neo-
positivistas, queriam melhorar o discurso da ciência, e para isso, eles achavam que deveria
haver um intenso trabalho lógico na verificação das ciências.
Esse neo-positivismo gerou uma série de reações, dentre elas, se destacam Karl Popper
e Thomas Kuhn.

Teoria do Conhecimento: Crítica ao Positivismo - Thomas Kuhn e Karl


Popper
Karl Popper
Karl Popper (1902-1994) é um dos filósofos mais importantes do início do século XX.
Nascido no seio da Filosofia logicista (aquela que acredita ser possível reduzir teorias à lógica),
Popper caminha num sentido inverso ao dos filósofos logicistas. Duas discussões centrais de
Popper se referem a um debate com a tradição logicista: a indução na ciência e a o critério de
demarcação.
Popper acredita ao contrário dos logicistas, que a da ciência não pode funcionar através
da indução. Essa desconfiança da indução ocorre porque, a indução, enquanto processo
inferencial, é limitada e precária, não sendo capaz de atestar uma veracidade completa às teses.
Popper então indica que devemos ter outro meio de investigar que não a indução, e o método
que ele cunha para isso é a falsificabilidade (veja abaixo).
A outra discussão de Popper contra os logicistas, concerne ao chamado “critério de
demarcação” entre o que é ciência e o que não é ciência. Esse é um problema sério para
qualquer filósofo que se interesse por ciência no período de Popper. Ele afirma que um critério
razoável para saber o que é ciência é se o estudo pode ou não pode ser falsificado.
Vemos assim, que a reação de Popper ao logicismo ocorre principalmente com a sua
tese da “falsificação”, mas afinal o que é falsificação? Popper acreditava que as teorias eram
adequadas se a teoria é capaz de ser falsificada, ou seja, deve ser capaz de ser demonstrada
como incorreta. Vamos nos deter aqui por algumas linhas.
Uma teoria adequada racionalmente é aquela que tem uma brecha para que possamos
inserir novas teses nela, por meio da indicação da falsidade da teoria anterior. Mas podemos nos
perguntar: como uma teoria que é passível de ser falsificada chega a ser uma teoria aceita, já que

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essencialmente é incorreta? Acontece que quando o cientista cria sua teoria ele não vê seus
erros, e é à medida que a teoria é testada e averiguada que os erros eventualmente aparecem.
Há duas pressuposições aqui: uma de que uma teoria nunca será perfeita, ou seja, até o
fim de nossos dias haverá correções a serem feitas nas teorias; a segunda é que uma teoria deve
ter um espaço para que ela seja refutada, mas que espaço é este? O espaço que a teoria deve ter
é que ela não seja capaz de dar explicações sobre tudo, que ela não seja uma teoria de tudo e que
explique tudo, uma teoria que explique tudo é uma má teoria, porque mesmo que expliquemos
porque ela está errada, a teoria dirá que isso já estava previsto nela12.
Aquele cientista que circunda sua teoria de maneiras de fazê-la impossível de ser
falsificada incorre em um circulo vicioso que impede a teoria de ser melhorada. É como se
Popper nos alertasse: as teorias científicas são meras hipóteses, e que por isso são incompletas, e
é no acréscimo a estas teorias incompletas que poderemos avançar.
Além dessas discussões contra os neopositivistas, Popper sustenta a idéia de que a
ciência progride numa escala evolutiva, e que em qualquer momento uma teoria pode ser
superada por outra. Para ele, é a imaginação e a criatividade que movem a ciência. O progresso
científico é racional e direcionado. Assim, o avanço da ciência se pela criatividade de imaginar
hipóteses novas que possam explicar e resolver os problemas gerados pelas expectativas
humanas pré-existentes.

Thomas Kuhn
O centro da argumentação de Thomas Kuhn (1922-1996) é diretamente oposta à tese de
Popper que o progresso da ciência é racional. Kuhn afirma que a ciência progride quando há
alterações conceituais na ordem científica vigente, ou no que ele chama de "Paradigmas". Por
paradigma Kuhn entende os pontos de vista, as concepções prévias, e as visões de mundo dos
cientistas. Cada época, cada ciência, e cada cultura, possuem fundamentos para sua atividade de
pesquisa, seja, por exemplo, a utilização da geometria e aritmética na física, seja a teoria da
evolução na biologia.
Um paradigma científico representa então, toda a cultura formada em torno das teorias.
A formação dessa cultura ocorre porque, segundo Kuhn os cientistas têm a tendência ao
dogmatismo, uma tendência a preservar o que está funcionando. Geralmente não há interesse
em pensar alternativas para teorias que não tem muitos problemas. Quando há uma renovação
nos paradigmas da ciência, ela, em geral, é produzida pelas pessoas mais jovens, sem
compromissos com os paradigmas vigentes.

12
Vejamos um exemplo caricatural: na psicanálise há sempre uma razão para que façamos algo, desde
escrever no computador, até tentar o suicídio, sempre há uma razão para as ações, neste sentido se eu
provar que a psicanálise está incorreta, a psicanálise ainda poderá dizer que há um motivo para que eu
faça isso, e se ela fizer isso, ela torna-se uma teoria impossível de ser falsificada e por isso é uma má
teoria.

57
O avanço na ciência, quando se dá pelo aperfeiçoamento do paradigma, não causa
transtornos, contudo tal coisa raramente ocorre. Diferentemente (e mais comumente) ocorre
quando a substituição do paradigma se dá através de um processo revolucionário; nesse caso,
tem-se a Revolução Científica. São denominadas revoluções científicas os episódios
extraordinários nos quais ocorre essa alteração de compromissos, métodos e teorias. Eles são os
complementos desintegrados da tradição à qual a atividade da ciência estava normalmente
ligada. São nas revoluções científicas que os paradigmas mais antigos são totalmente ou
parcialmente substituídos por um novo, incompatíveis com o anterior, e que por isso estabelece
os seus novos paradigmas.
A Revolução Científica acaba por substituir um paradigma por outro. Nessa mudança
novos conceitos, valores e estruturas alteram completamente o paradigma anterior porque
resolvem questões que o paradigma anterior não resolvia, revelam fenômenos antes insuspeitos,
efetuam experiências cruciais anteriormente não realizadas.
Um paradigma não reconhece os argumentos do outro. Cada concepção científica
emprega, para fazer sua defesa, critérios de seu próprio paradigma. É, portanto, um diálogo de
surdos. Ocorre que nestas polêmicas científicas, há um principio lógico que diz: se um princípio
é verdadeiro o outro é necessariamente falso. Segundo Kuhn, a transição entre paradigmas em
competição não pode ser feita passo a passo por imposição da lógica e da experiência neutra, a
transição deve ocorrer subitamente ou não ocorrer jamais. Enfim, o progresso em ciência é
constituído por substituição, rupturas e revoluções, e é sempre uma substituição cumulativa, ou
seja, que a acrescenta algo aos antigos paradigmas.
Um exemplo desta alteração de paradigmas é a mudança no início do século XX de
teorias de mecânica clássica (Newton), para a teoria da relatividade de Einstein, que fornece
uma explicação mais ampla, e mais precisa dos mesmos eventos explicados pela mecânica
clássica. Essa mudança envolve segundo Kuhn uma ruptura dos paradigmas newtonianos, e a
validação do paradigma relativístico.

Teoria do Conhecimento: A crise da razão


Falar de uma crise da razão é uma tarefa longe de ser precisa ou mesmo acabada. Não é
possível dar uma descrição completa nem mesmo dos desenvolvimentos da razão, quanto o
mais de sua crise. Mas de todo o modo, há alguns indícios de graves problemas no âmago
mesmo do pensamento racional. Irei discutir um deles abaixo.
Paul Feyerabend (1924-1994) é o primeiro teórico da Filosofia da ciência que diz que
na verdade a ciência não funciona através de um percurso organizado; ele desconstroí a idéia de
uma evolução paulatina da ciência. Nesse sentido ele se aproxima bastante de Kuhn. Todavia,
além dessa tese, Feyerabend rejeita de modo drástico a idéia de um "método para a ciência".
Para ele, um método como é colocado, na verdade limita a ciência e o conhecimento. Para ele, o

58
cientista deve poder usar a descrição que ele melhor encontrar para dar conta da investigação da
natureza, e não deveria ficar preso apenas no que é convencionado ser o mais adequado. Dessa
forma, ele prega um tipo de "Anarquismo" para a ciência.
Essas teses de Feyerabend acabam por levar a investigação racional à uma dificuldade
básica: será que realmente a investigação da ciência deve ficar presa no método racional? Será
que este método não é parcial e não omite expressões adequadas da natureza? Para Feyerabend
o método científico, por ele mesmo, não é suficiente.

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Apêndice: Datas e Nomes dos Filósofos Ilustres13

PERÍODO FILÓSOFO
640 - 548 a.C. Tales de Mileto
610 - 547 Anaximandro
570 - 490 Pitágoras
540 - 470 Heráclito
530 - 460 Parmênides
504 - ? Zenão de Eléia
499 - 428 Anaxágoras
485 - 380 Górgias
481 - 411 Protágoras
470 - 399 Sócrates
460 - 370 Demócrito
427 - 348 Platão
384 - 322 Aristóteles
365 - 275 Pirro
341 - 270 Epicuro
331 - 232 Cleantes
281 - 205 Crísipo
180 - 110 Panécio
98 - 55 Lucrécio
106 - 43 Cícero
+- 100-200 d.C. Sexto Empirico

Filosofia Medieval
PERÍODO FILÓSOFO

354 - 430 Santo Agostinho


480 - 524 Boécio

980 - 1037 Avicena

1079 - 1142 Abelardo

1126 - 1198 Averróis

1200 - 1280 Santo Alberto

1214 - 1292 Roger Bacon

13
A partir de: http://www.pucsp.br/~filopuc/linha.htm

60
1227 - 1274 Santo Tomás de Aquino

1265 - 1308 Duns Scotus

1300 - 1349 Guilherme de Ockham

Filosofia Renascentista
PERÍODO FILÓSOFO

1401-1464 Cusa, Nicolau de

1466-1536 Erasmo, Desidério

1469-1527 Maquiavel, Niccolò

1483-1546 Lutero, Martin

1490-1525 Müntzer, Tomás

1509-1564 Calvino, João

1530-1596 Bodin, Jean

1533-1592 Montaigne, Michel Eyquem de

1548-1593 Giordano, Bruno

1557-1638 Althusius, Johannes

Filosofia Moderna
PERÍODO FILÓSOFO

1561-1626 Bacon, Francis

1564-1642 Galileu Galilei

1568-1639 Campanella, Tommaso

1571-1630 Kepler, Johannes

1588-1679 Hobbes, Thomas

1596-1650 Descartes, René

1614-1687 More, Henry

1623-1662 Pascal, Blaise

1632-1677 Espinosa, Baruch

1632-1704 Locke, John

61
1638-1715 Malebranche, Nicolas

1646-1716 Leibniz, Gottfried Wilhelm

1668-1744 Vico, Giambattista

1679-1754 Wolff, Christian

1685-1753 Berkeley, George

1689-1755 Montesquieu - Charles de Secondat - Barão de La Brède,

1694-1778 Voltaire - François Marie Arouet

1711-1776 Hume, David

1712-1778 Rousseau, Jean-Jacques

1713-1784 Diderot, Denis

1717-1783 D'Alembert, Jean Le Round

1724-1804 Kant, Immanuel

Filosofia Contemporânea

PERÍODO FILÓSOFO

1762-1814 Fichte, Johann Gottlieb

1770-1831 Hegel, Georg Wilhelm Friedrich

1775-1854 Schelling, Friedrich

1788-1860 Schopenhauer, Arthur

1798-1857 Comte, Augusto

1804-1872 Feuerbach, Ludwing

1806-1873 Mill, John Stuart

1809-1865 Proudhon, Pierre Joseph

1813-1855 Kierkegaard, Sören Aabye

1818-1883 Marx, Karl

1820-1895 Engels, Friedrich

1833-1911 Dilthey, Wilhelm

1838-1916 Mach, Ernst

62
1839-1914 Peirce, Charles Sanders

1844-1900 Nietzsche, Friedrich

1859-1941 Bergson, Henri

1859-1938 Husserl, Edmund

1872-1970 Russell, Bertrand

1884-1962 Bachelard, Gaston

1889-1951 Wittgenstein, Ludwig

1889-1976 Heidegger, Martin

1891-1937 Gramsci, Antonio

1891-1970 Carnap, Rudolf

1892-1940 Benjamin, Walter

1892-1964 Koyré, Alexandre

1895-1973 Horkheimer, Max

1902-1994 Popper, Karl

1903-1969 Adorno, Theodor Wiesegrund

1905-1980 Sartre, Jean-Paul

1905-1995 Lévinas, Emmanuel

1908-1961 Merleau-Ponty, Maurice

1913- Ricoeur, Paul

1922- Kuhn, Thomas

1922-1974 Lakatos, Imre

1922- Apel, Karl-Otto

1925-1995 Deleuze, Gilles

1926-1984 Foucault, Michel

1928- Chomsky, Noam

1929- Habermas, Jürgen

1930- Derrida, Jacques

1931- Rorty, Richard

63

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