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Semântica cognitiva e modelos culturais: perspectivas de pesquisa


Heloisa Pedroso de Moraes Feltes1

RESUMO
O artigo visa a uma caracterização geral do campo de investigações da Semântica
Cognitiva em seus aspectos teóricos e epistemo-metodológicos, tais como os conceitos de Modelos
Cognitivos e Modelos Culturais, experiencialismo cognitivo, estruturas gestálticas. Essa breve
incursão apresenta os elementos fundacionais da pesquisa Modelos Culturais II e sinaliza para
diferentes projetos de pesquisa que podem ser desenvolvidos através do Projeto-Tronco que,
atualmente, investiga as categorias conceituais RELIGIÃO, TRABALHO, FAMÍLIA e
PROPRIEDADE.
PALAVRAS-CHAVE: Semântica Cognitiva. Modelos Cognitivos. Modelos Culturais.

ABSTRACT
This paper provides a general characterization of the field of investigation Cognitive
Semantics, focusing on its theoretical and epistemic-methodological aspects, such as the concepts
of Cognitive Models and Cultural Models, cognitive experientialism, and gestaltic structures. This
brief incursion presents the foundational elements of the research Cultural Models II, pointing
towards other different research projects, which can be developed from the main project that is now
investigating the conceptual categories RELIGION, WORK, FAMILY, and PROPERTY.
KEY WORDS: Cognitive Semantics. Cognitive Models. Cultural Models .

INTRODUÇÃO

Este artigo de revisão caracteriza a área de conhecimento chamada Semântica


Cognitiva, assim como aspectos centrais dos conceitos de Modelos Cognitivos e Modelos
Culturais com os quais esse modelo de Semântica opera. Produzido especialmente para
elucidar as bases da pesquisa Modelos Culturais II, oferece um percurso de caráter
contextualizador abrangendo aspectos teóricos e epistemo-metodológicos. Essa

1
Doutora em Lingüística e Letras pela PUC/RS- Área de Concentração: Lingüística Aplicada. Docente do
Departamento de Letras e do Programa de Pós-Graduação em Letras e Cultura Regional da Universidade de
Caxias do Sul. E-mail: helocogn@terra.com.br Web site: www.heloisapmfeltes.com.br/forum/
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apresentação oferece, também, sugestões para possíveis desdobramentos de projetos de


pesquisa individuais no Programa de Mestrado em Letras e Cultura Regional da
Universidade de Caxias do Sul.

1 LINGÜÍSTICA COGNITIVA E SEMÂNTICA COGNITIVA: VISÃO GERAL

A Semântica Cognitiva (doravante SC) possui uma trajetória ligada ao surgimento


da Lingüística Cognitiva. Esta, por sua vez, desenvolve-se, como resultado de diferentes
confrontos epistemológicos, em especial com a lingüística de Noam Chomsky.
No coração desse confronto encontram-se a posição e o papel da semântica no
sistema da gramática. Para Chomsky (desde a primeira proposta em 1957 até a mais
recente versão do Programa Minimalista), a gramática é um sistema formal cujo
desenvolvimento independe do significado dos elementos de suas fórmulas. A semântica
seria apenas um elemento derivado a partir de um sistema de princípios e regras
gramaticais. O movimento de oposição a essa tese chamado Semântica Gerativa foi
comandado por Paul Postal, George Lakoff, Háj Ross e James McCawley, denominados,
então, jocosamente, “Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse”, dando-se o primeiro passo
para o reposicionamento da semântica nesse sistema. Harris (1993), em The linguistics
wars, afirma que os referidos fundadores da Semântica Gerativa levaram a sintaxe, cada
vez mais, para um nível mais profundo, até que suas “estruturas profundas se tornassem
virtualmente indistinguíveis da representação semântica”. (p. 102). O conhecido artigo de
Lakoff Toward Generative Semantics, escrito em 1963 e publicado em 1976, tornou-se o
marco desse movimento underground. Nesse caminho de debates e disputas, a semântica
foi se tornando cada vez mais “fundacional” e mais central.
Uma das razões por que a Lingüística Cognitiva muitas vezes se iguala com estudos
de SC está, sem dúvida, nesse deslocamento contínuo em direção ao significado e às
funções comunicativas.
Conforme Lakoff e Johnson (1999), a Lingüística Cognitiva é uma teoria
lingüística que faz uso das descobertas da chamada segunda geração da ciência cognitiva,
para “explicar tanto quanto possível a linguagem”. (p. 496). Entende-se a Lingüística
Cognitiva como uma subárea da chamada Ciência Cognitiva, que Lakoff e Johnson (1999)
afirmam ser “a ciência da mente e do cérebro”. (p. 568).
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A primeira geração da Ciência Cognitiva caracteriza-se como sendo uma ciência


da “mente desencorporalizada” ou “não-corpórea”. A segunda geração é a da mente
corporalizada. É a partir da caracterização dessa segunda geração que se busca uma
definição de Semântica Cognitiva.
De acordo com Lakoff e Johnson (1999), em meados da década de 70, surge uma
visão que compete com aquela desenvolvida no período anterior, centrada em duas teses
básicas:
(i) há uma forte dependência de conceitos e razão sobre o corpo; e
(ii) que a conceptualização e a razão têm como eixo processos imaginativos como
metáfora, metonímia, protótipos, frames, espaços mentais e categorias radiais.
Elenca, então, as seguintes características como sendo centrais para essa
segunda geração de pesquisas (p. 77):
Os princípios que norteiam essa nova abordagem são os seguintes:
(1) A estrutura conceptual origina-se de nossa experiência sensório-motora e das
estruturas neurais que lhes dão origem, sendo a noção de “estrutura” caracterizada
como esquemas de imagens e esquemas motores.
(2) As estruturas mentais são intrinsecamente significativas devido à sua conexão com
nossos corpos e nossa experiência corpórea, o que contraria a idéia de manipulação
de símbolos não-semantizados.
(3) Há um nível básico de conceitos que originam parte de nossos esquemas motores e
nossas capacidades para percepção gestáltica e formação de imagens.
(4) Nossos cérebros são estruturados de forma a projetar a ativação de padrões de
áreas sensório-motoras para níveis corticais mais altos, constituindo as
chamadas metáforas primárias. Tais projeções permitem-nos conceptualizar
conceitos abstratos com base em padrões inferenciais utilizados em processos
sensório-motores que estão diretamente ligados ao corpo.
(5) A estrutura dos conceitos inclui protótipos de vários tipos: casos típicos, casos
ideais, estereótipos sociais, exemplares salientes, pontos de referência cognitivos,
entre outros, sendo que cada tipo de protótipo utiliza uma forma distinta de
raciocínio.
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(6) A razão é corpórea à medida que nossas formas fundamentais de inferência


originam-se de formas sensório-motoras e outras formas de inferência baseadas na
experiência corpórea.
(7) A razão é imaginativa à medida que as formas de inferência são mapeadas de
modos abstratos de inferência pela metáfora.
(8) Os sistemas conceptuais são pluralísticos, não monolíticos, de tal sorte que
conceitos abstratos são definidos por múltiplas metáforas conceptuais que são
muitas vezes inconsistentes entre si.
Para Talmy (2000b), “a pesquisa em semântica cognitiva é pesquisa sobre conteúdo
conceptual e sua organização na linguagem e, conseqüentemente, sobre a natureza do
conteúdo e organização conceptual em geral”. (p. 4).
O autor entende que são os fenômenos mentais qualitativos, tal como existem na
consciência, o objeto central da Semântica Cognitiva. Esta seria um ramo da
fenomenologia do conteúdo conceptual e de sua estrutura na linguagem. Nesse sentido, é
através da introspecção que é possível se ter acesso a tal conteúdo fenomenológico e à
estrutura da consciência. Entende que, como em qualquer sistema cognitivo, há diferentes
graus de acessibilidade à consciência, e o mesmo se dá com o sistema semântico.
O mais importante aqui é a compreensão da introspecção como método científico
para os estudos em Semântica Cognitiva tal como propõe Talmy. Segundo ele, devem-se
incluir procedimentos tais como “a manipulação controlada de material lingüístico cujos
significados possam ser acessados”. (p. 5), mas acrescenta que “os achados resultantes a
partir da introspecção devem ser correlacionados como aqueles resultantes de outras
metodologias”, dentre as quais estão incluídos:

(a) análise de relatos introspectivos de outros sujeitos;


(b) análise de discurso e corpora;
(c) análise diacrônica e translingüística;
(d) avaliação do contexto e da estrutura cultural;
(e) técnicas observacionais e experimentais da psicolingüística;
(f) estudos em neuropsicologia; e
(g) exames instrumentais da neurociência.

Talmy (2000b) adota a posição de que a Lingüística Cognitiva

(a) examina as propriedades formais da linguagem a partir da perspectiva


conceptual, a qual se preocupa com “os padrões nos quais e os processos pelos
quais o conteúdo conceptual está organizado na linguagem”. (p. 2);
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(b) objetiva relacionar seus achados com as estruturas cognitivas de que se ocupa a
abordagem psicológica, a qual inclui a análise da memória semântica, a
associatividade de conceitos, a estrutura de categorias, a geração de inferências
e o conhecimento contextual.

Langacker (1999), um dos mais proeminentes estudiosos no campo da Lingüística


Cognitiva, considera-a como pertencente à tradição funcionalista dos estudos sobre a
linguagem, opondo-se, sob vários ângulos, à tradição gerativista. Apesar das várias linhas
metodológicas e visões teóricas, as abordagens cognitivas e funcionalistas são
complementares, “facetas sinergeticamente relacionadas de um empreendimento global
comum”. (p. 14).
Para Langacker, “a linguagem serve à função semiológica de permitir
conceptualizações a serem simbolizadas por meio de sons e gestos, assim como uma
função interativa multifacetada envolvendo comunicação, manipulação, expressividade e
comunhão social”. (p. 14). Para ele, é justamente a simbolização que permite à linguagem
exercer sua função interativa, ao mesmo tempo em que a interação é fundamentalmente
dependente das mentes corporeificadas que a ela se engajam. Além disso, a interação,
afirma, “não pode ser propriamente entendida ou descrita sem uma caracterização
detalhada das concepções que essas mentes possuem, o que inclui as concepções sobre a
própria interação e as concepções dos interlocutores”. (p. 14-15). O autor elenca alguns
fatores que expressam a “atitude amplamente compartilhada entre lingüistas cognitivistas
e funcionalistas”. (p. 15):

(i) Ambientais: o ambiente fornece uma base experiencial comum para o


desenvolvimento da estrutura conceptual-semântica;
(ii) Biológicos: o que estabelece para a linguagem deve ter plausibilidade a partir
de uma perspectiva biológica (anatômica, fisiológica, perceptual, neurológica,
genética).
(iii) Psicológicos: os estudos sobre a linguagem devem ser compatíveis com o que
sabe sobre estudos psicológicos, devendo ser confrontados com evidências
psicológicas.
(iv) Desenvolvimentais: a estrutura de um sistema lingüístico é produto da
aquisição da linguagem
(v) Históricos: a gramaticalização constitui o estudo da gramática em si, à medida
que todos os aspectos de um sistema gramatical estão em algum estágio de um
processo de gramaticalização em curso.
(vi) Socioculturais: a linguagem é um instrumento essencial e um componente da
cultura, cujos reflexos na estrutura lingüística são ubíquos e muito
significativos.
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O que fica razoavelmente evidente nessa exposição muito bem-orquestrada por


Langacker (1995) é o papel da categorização em todo o empreendimento da Lingüística
Cognitiva. E a categorização humana é o coração do programa global da SC.

2 MODELOS COGNITIVOS E MODELOS CULTURAIS: O QUE SÃO?

Modelos Cognitivos são construtos idealizados porque, em primeiro lugar, não


precisam se ajustar necessária e perfeitamente ao mundo. Isso se justifica pelo fato de que,
sendo resultados da interação do aparato cognitivo humano (altamente corporalizado) e a
realidade – via experiência –, o que consta num modelo cognitivo é determinado por
necessidades, propósitos, valores, crenças, etc. Em segundo lugar, podem-se construir
diferentes modelos para o entendimento de uma mesma situação, e esses modelos podem
ser, inclusive, contraditórios entre si. Os modelos, portanto, são o resultado da atividade
humana, cognitivo-experiencialmente determinada, resultado da capacidade de
categorização humana.
Modelos Cognitivos Idealizados ou apenas Modelos Cognitivos (doravante MC)
são, de acordo com McCauley (1987): “construtos mentais simplificados que organizam
vários domínios da experiência humana, tanto prática quanto teórica”. (p. 292). Acrescenta,
ainda, de forma esclarecedora:
Tais estruturas devem ser idealizadas. Isso significa, entre outras coisas,
que elas selecionam dentro de todos os traços possíveis do estímulo
aqueles que são sistematicamente mais eficazes (em domínios mais
puramente teóricos) ou significativos, social ou instrumentalmente (em
domínios práticos). (p. 293).

Segundo esse autor, e cremos que Lakoff concordaria com essa afirmação, a soma
dos MCI “constitui a superestrutura do nosso conhecimento do mundo”. (p. 293).
Entretanto, uma das características desses modelos é sua relatividade como parte do
equipamento cognitivo, ou seja, “elementos estáveis de nosso sistema de categorias”.
(BARCELONA, [2000], 2003, p. 6).
Modelos Cognitivos devem, de acordo com nosso ponto de vista, ser entendidos,
sob certas características estruturais e funcionais, como Modelos Culturais, à medida que
o sistema conceptual humano e as categorias por ele geradas são, ao mesmo tempo,
cognitivas e culturais. A cognição humana está inextricavelmente ligada à experiência
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humana corpórea, social, cultural e histórica. Por outro lado, Modelos Cognitivos devem,
de acordo com nosso ponto de vista, ser entendidos, em alguns contextos, como Modelos
Culturais, à medida que o sistema conceptual humano e várias categorias por ele geradas
são, ao mesmo tempo, cognitivas e culturais. Observe-se, entretanto, que sob certos
aspectos, nem todos os Modelos Cognitivos podem ser entendidos como Modelos
Culturais, já que há discussões em torno da tese de que alguns modelos cognitivos
possuem caráter universal.
Em outras palavras, o que se chama modelos culturais não são estruturas
meramente “internas”, devendo, antes, ser tomados no sentido estrito de ‘modelos’,
esquematizações coletivas, intersubjetivas, como propriedades de grupos, não de
indivíduos, à medida que são conhecimentos compartilhados. Além disso, cada indivíduo
pertence, simultaneamente, a diferentes grupos, em diferentes níveis simultâneos de
“localidade” (mais alta ou mais baixa numa hierarquia; mais imediatos ou menos
imediatos). Ao mesmo tempo não existe um repositório separado de conhecimento
lingüístico ou cultural fora de qualquer comunidade cultural e lingüística. Entretanto, os
esquemas individuais, ao serem construídos, agregam detalhes individuais relativamente ao
que é percebido como normas ou formas culturais relevantes, principalmente porque o
indivíduo é, em certo nível, consciente ou “conscientizável” de seus próprios desejos,
percepções e sentimentos, existindo à parte de e em contradistinção a essas comunidades
que imputam as normas e formas de linguagem e cultura.
Dessa maneira, não se diz que MC são “internalizados” de forma determinística,
mas construídos e reconstruídos de acordo com diferentes propósitos. Assim, os modelos
culturais podem ser acessados, pelo analista, apenas por inferência, nunca diretamente, sem
a mediação de um processo interpretativo. Para tanto, observam-se os comportamentos
verbais e não-verbais dos membros de um determinado grupo e a lógica do sistema que
esses elementos implicam e, então, constroem-se as representações chamadas Modelos
Culturais. Tanto os indivíduos de uma coletividade quanto os analistas da cultura precisam
abstrair tais modelos. Enquanto modelos, portanto, não contêm informação completa, não
são acurados, são supersimplificados contendo apenas a informação que é relevante ou
significativa para algum propósito, a que é recorrente e, também, a que é logicamente
acarretada. Ou seja, é uma construção governada por propósitos de uma situação concreta.
Modelos culturais alternam-se de acordo com as situações, e tendo origem social, estão
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ligados a padrões de interação e comunicação. Por isso, com freqüência, estão codificados
lingüisticamente (KRONENFELD, 2000), o que faz do material lingüístico, a partir de
pesquisa etnográfica ou histórica, uma fonte de pesquisa inesgotável, seja em pesquisa
quantitativa como em qualitativa.

3 EXPERIENCIALISMO COGNITIVO: A BASE EPISTEMOLÓGICA

Os estudos baseados em Modelos Cognitivos e em Modelos Culturais estão


epistemologicamente fundamentados no experiencialismo cognitivo. O experiencialismo
pretende avançar na compreensão de categorias mais complexas que não têm aporte
fundamental no domínio físico. Com relação ao experiencialismo, Lakoff defende as
seguintes teses:
(1) A faculdade lingüística não é independente de outras faculdades.
(2) As estruturas e os processos da linguagem natural, de alguma maneira, dependem de e
seguem-se de estruturas e processos de várias capacidades humanas não-lingüísticas (como
percepção, memória, capacidades sensório-motoras, integração social).
(3) A faculdade lingüística faz uso de outras faculdades inatas, não sendo pacífico que haja
setores dessa faculdade que sejam ao mesmo tempo inatos e específicos para a linguagem
(em oposição ao paradigma gerativista).
(4) Diversos aspectos da estrutura lingüística dependem de processamento cognitivo e uso.
(5) As línguas naturais relacionam enunciados em discursos e significados em contexto, o
que não torna necessário um conceito coerente de significado literal.
(6) A estrutura lingüística tem tanto aspectos holísticos como atomísticos, o que significa
que:
(a) o significado do todo não é necessariamente função do significado das partes, podendo
depender, por exemplo, de nossa percepção, de nosso conhecimento de mundo ou de nossa
maneira de ver o mundo (pontos de vista, propósitos, etc.); e
(b) não há necessidade de predicados atômicos, já que a análise semântica é um processo
humano e, como tal, está sujeita a princípios de análise em termos gestálticos.
Para Lakoff, portanto, ‘experiência’ envolve a totalidade da experiência humana e
tudo o que nela desempenha um papel – a natureza de nossos corpos, capacidades
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geneticamente herdadas ou formas de fisicamente operar no mundo, nossa organização


social, etc. (LAKOFF, 1987).
O realismo incorporado rejeita a dicotomia estrita sujeito-objeto, visto que não há
objeto-com-descrições-e-categorizações que exista por si mesmo, e a mera
intersubjetividade, baseada em nada mais do que um acordo comum, deixa fora nosso
contato com o mundo. Esse tipo de realismo (incorporado) repousa no fato de que os seres
humanos estão ligados ao mundo através de suas interações incorporadas. (LAKOFF;
JOHNSON, 1999).
Estruturas conceituais significativas surgem de duas fontes: (i) na natureza
estruturada da experiência corporal e social; e (ii) de nossa capacidade inata de projetar
pelos mecanismos da razão certos domínios estruturados da experiência corporal e
interativa para domínios de natureza abstrata.
Lakoff, em sua proposta, assume uma posição metodológica gestaltista, na medida
em que defende os princípios teóricos basilares da Gestalt. Todavia, há algumas
considerações importantes a serem feitas sobre o emprego que Lakoff faz do termo gestalt,
pois isso precisará o caráter da conexão entre as abordagens. A TMCI sustenta uma
semântica conceitual que, por sua vez, se fundamenta na capacidade de conceitualização
humana. A proposta ancora-se na idéia de que a categorização só é possível via MCI. Ou
seja, as categorias são o resultados da relação que se estabelece entre modelos cognitivos,
experienciais, e o mundo. Conforme Lakoff, a capacidade de conceitualização é “a
capacidade geral para formar modelos cognitivos idealizados”. (p. 281).
Essa forma de colocar a questão semântico-conceitual, a partir da categorização,
como se vê, é fruto de uma epistemologia experiencialista que descarta a visão objetivista
da cognição. Ou seja:
Os modelos cognitivos, em nosso sentido, não são representações
internas da realidade externa. Não são por duas razões: primeiro,
porque eles são entendidos em termos de corporalidade, não em termos
de uma conexão direta com o mundo externo; e segundo, porque eles
incluem aspectos imaginativos da cognição como a metáfora e a
metonímia. (p. 341).

Sabe-se, também, que, para essa teoria, existem níveis privilegiados de percepção,
constituindo-se esta por propriedades gestálticas (como é o caso dos conceitos de nível
básico): conhece-se a realidade construindo totalidades estruturadas, sendo esse todo
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psicologicamente mais simples que suas partes. O nível da estruturação dessas totalidades
corresponderá a níveis de conhecimento a que se chega da realidade, propósitos, sistemas
de valores; em suma, do modo de interação com a realidade. Nesse sentido, Lakoff afirma
que os MCIs têm uma estrutura gestáltica, como já apresentado em seção anterior. Lakoff
(1987) afirma que: “Os MCIs permitem a distinção entre o que é backgrounded e o que é
foregrounded – o que os psicólogos da Gestalt chamam de distinção figura-fundo”. (p.
133).
Lakoff (1987) dá-nos uma idéia de como o termo gestalt é utilizado em seus
estudos. Segundo afirma, o termo, tal como é por ele empregado, tem alguma relação com
o conceito de mesmo nome empregado pelos psicólogos da Gestalt, mas há algumas
diferenças. Embora não pretenda formular uma nova definição de gestalt, Lakoff levanta
quinze características que podem dar uma idéia da extensão do conceito para o autor. São
elas:
(1) As gestalts são holísticas e analisáveis: são todos não redutíveis à soma de suas
partes. Há “propriedades adicionais em virtude de serem todos, e as partes podem
tomar significância adicional em virtude de estarem dentro desses todos”. (p. 246).
(2) As gestalts podem ser corretamente analisadas em partes de maneiras diferentes, a
partir de diferentes pontos de vista.
(3) As gestalts apresentam relações internas entre as partes que podem ser agrupadas
por tipos. As gestalts podem ter diferentes propriedades e relações internas a partir de
diferentes pontos de vista.
(4) As gestalts relacionam-se com outras gestalts: podem ser vistas como instâncias
de outras gestalts ou mapeadas (de modo inferencial ou por associações arbitrárias,
simbólicas ou culturais) para outras gestalts.
(5) As relações externas que as gestalts mantêm com outras gestalts são propriedades
das gestalts como um todo.
(6) Os mapeamentos de uma gestalt para outra gestalt podem ser parciais.
(7) As gestalts podem ser encaixadas dentro de outras gestalts, tomando, assim, novas
propriedades.
(8) Uma propriedade de uma gestalt pode ser sua oposição a uma outra gestalt.
(9) Certas propriedades das gestalts podem ser destacadas como propriedades de
background. Os opostos compartilham essas mesmas propriedades.
(10) As gestalts são estruturas usadas no processamento da linguagem, no
processamento do pensamento, no processamento perceptual, na atividade motora,
etc.
(11) Os próprios processos podem ser vistos como gestalts.
(12) Uma análise gestáltica pode variar, na medida em que é fruto do pensamento
humano, guiada pelos recursos do organismo, pelos seus propósitos e pontos de vista.
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Não se faz necessária, pois, uma análise atomística. Em semântica, por exemplo, não
é necessária uma análise em predicados atômicos.
(13) As gestalts podem interseccionar-se entre si.
(14) As gestalts devem distinguir propriedades prototípicas de propriedades não
prototípicas.
(15) As propriedades das gestalts podem ser de vários tipos. No caso das gestalts
lingüísticas, elas podem ser gramaticais, pragmáticas, semânticas, fonológicas e
funcionais.
O modo de Lakoff caracterizar as gestalts é fundamental para a compreensão dos
Modelos Cognitivos Idealizados, pois, conforme o autor: “Cada MCI é um todo
estruturado complexo, uma gestalt.” (p. 68).2
Com relação ao experiencialismo, Lakoff defende as seguintes teses:

(1) A faculdade lingüística não é independente de outras faculdades.


(2) As estruturas e os processos da linguagem natural, de alguma maneira, dependem de e
seguem-se de estruturas e processos de várias capacidades humanas não-lingüísticas (como
percepção, memória, capacidades sensório-motoras, integração social).
(3) A faculdade lingüística faz uso de outras faculdades inatas, não sendo pacífico que haja
setores dessa faculdade que sejam ao mesmo tempo inatos e específicos para a linguagem
(em oposição ao paradigma gerativista).
(4) Diversos aspectos da estrutura lingüística dependem de processamento cognitivo e uso.
(5) As línguas naturais relacionam enunciados em discursos e significados em contexto, o
que não torna necessário um conceito coerente de significado literal.
(6) A estrutura lingüística tem tanto aspectos holísticos como atomísticos, o que significa
que:
(a) o significado do todo não é necessariamente função do significado das partes, podendo
depender, por exemplo, de nossa percepção, de nosso conhecimento de mundo ou de nossa
maneira de ver o mundo (pontos de vista, propósitos, etc.);
(b) não há necessidade de predicados atômicos, já que a análise semântica é um processo
humano e, como tal, está sujeita a princípios de análise em termos gestálticos.

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Salienta-se que, porque os símbolos que constituem cada MCI têm natureza gestáltica, essa semântica não
trata as estruturas diretamente significativas como primitivos semânticos. Como se verá mais adiante, essas
gestalts diretamente significativas têm uma estrutura interna que pode ser analisada de diferentes modos, de
acordo com os propósitos analíticos. De acordo com Lakoff, o sistema conceitual tem princípios,
fundamentos, mas não primitivos. Afirma que, para que um conceito seja considerado um primitivo, ele não
pode ter uma estrutura interna. Esse não é o caso dos conceitos em questão. Os conceitos de imagens
cinestésicas são apenas mais pobres que os conceitos de nível básico, já que, conforme Lakoff, “dão apenas
os contornos mais grosseiros da estrutura”. (p. 270). Lakoff, entretanto, não descarta a
descomposicionalidade em análise semântica, descarta apenas a idéia de “primitivos conceituais”. (p. 280).
Em semântica, todavia, a decomposicionalidade tem tido seu fundamento na idéia de primitivos semânticos
ou conceituais.
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O modo como Lakoff caracteriza as gestalts é fundamental para a compreensão dos


MCI, pois, conforme o autor: “Cada MCI é um todo estruturado complexo, uma gestalt”.
(p. 68).
Para iniciar o tratamento dos MCI, parte-se da concepção de significado para
Lakoff (1987): “O significado não é uma coisa; ele envolve o que é significativo para nós.
Nada é significativo em si mesmo. A significatividade deriva da experiência da atuação
como um ser de um certo tipo em um ambiente de um certo tipo.” (p. 292).
Tomando isso em consideração, os MCI, segundo Lakoff, apresentam um conjunto
de propriedades, ajustadas à natureza da cognição: (i) são experienciais; (ii) têm natureza
gestáltica; (iii) têm uma estrutura ecológica; e (iv) são imaginativos.
Nessa perspectiva teórica, a significatividade estrutura-se onde a experiência
começa, e, assim, a significação lingüístico-conceitual só pode ser tratada em termos de
MCI.
Essas estruturas cognitivas constituiriam domínios dentro dos quais os conceitos
adquirem sua significação. Em outras palavras, os MCIs são utilizados para organizar
diferentes domínios de experiências, para entender o mundo, para dele extrair sentido.
É justamente por isso que são chamados modelos. É com base nesses modelos que
uma determinada categoria ou subcategoria ou submodelo é julgado prototípico, na medida
em que a prototipicidade será gerada a partir do(s) modelo(s) que está(ão) sendo
utilizado(s) numa situação particular de interação.

4 TEORIA PROTOTÍPICA

Lakoff, ao assimilar a discussão sobre a natureza do significado àquela sobre a


natureza dos conceitos e do processo de categorização, passa a depender, obviamente, da
noção de 'categoria'. Lakoff volta-se, pois, para o conceito de categoria que emerge das
pesquisas de Rosch (ex-Heider)3 que resultaram na Teoria Prototípica da categorização
humana.
Geeraerts (1989), por sua vez, destaca, de forma resumida, as quatro características
estruturais normalmente associadas às categorias prototípicas, quais sejam:
(I) não podem ser definidas por meio de um conjunto de atributos
necessários e suficientes;

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Até 1972, Eleanor Rosch publicou seus artigos como Eleanor Rosch Heider.
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(II) exibem uma estrutura de semelhanças de família;


(III) exibem graus de representatividade entre seus membros; e
(IV) suas fronteiras denotativas não são sempre determinadas.

Geeraerts tenta mostrar que esse conjunto de propriedades dos protótipos não
constitui um conjunto de condições necessárias e suficientes para que um dado elemento
ou subcategoria seja considerado protótipo de uma categoria; isto é, a prototipicidade não
“necessariamente acarreta a presença conjunta de todas as quatro [características]” (p.
595). Após uma apresentação ilustrada de argumentos, o autor conclui afirmando:

(1) não há um conjunto de atributos comuns aos conceitos prototípicos; há um traço apenas
que é compartilhado: os graus de representatividade, mas esse traço não é exclusivo de
categorias prototípicas, pois é compatível com a concepção clássica da categorização;
(2) a noção de protótipo é extremamente flexível, pois usa-se o item lexical 'prototípico'
para caracterizar: (a) traços estruturais de conceitos, (b) os conceitos que exibem esses
traços, (c) ou mesmo instâncias particulares da categoria em questão;
(3) o contexto pode reforçar um traço da organização prototípica em detrimento de outro,
já que os propósitos de uma investigação podem salientar apenas um aspecto do cacho
prototípico, dependendo de que se trate, por exemplo, de um estudo em aquisição da
linguagem ou lexicografia.

5 NATUREZA DOS MODELOS COGNITIVOS IDEALIZADOS

Lakoff (1987) constrói uma semântica de base prototípica, pois, para ele, os
fenômenos prototípicos
são usados [...] no pensamento – para fazer-se inferências, cálculos,
aproximações, julgamentos – assim como para definir categorias,
entendê-las e caracterizar relações entre subcategorias. Os protótipos
fazem uma grande porção do trabalho efetivo da mente e têm um amplo
uso em processos racionais. (p. 145).

Todavia, Lakoff preocupa-se com o fato de que a Teoria Prototípica normalmente


seja vista como tratando apenas de estruturas de representatividade conceituais, ou seja,
tratando de identificar e descrever os membros mais típicos de uma categoria, analisando
quão próximos os membros não-prototípicos se encontram dele – quanto mais próximo do
protótipo, mais representativo –. O autor sustenta que, embora os estudos prototípicos,
nesses termos, tenham já demonstrado seu valor teórico, pois que se têm encontrado
evidências de que os protótipos existem e que têm determinadas propriedades, é necessário
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ir além. É preciso, argumenta o autor, que se trate das estruturas conceituais com maior
profundidade, procurando verificar quais as fontes dos efeitos prototípicos.
Os fenômenos prototípicos são fenômenos superficiais, cujas fontes seriam os MCI,
produtos da cognição humana. Os efeitos prototípicos nada mais seriam do que
subprodutos dessas estruturas cognitivas complexas, conseqüências do modo como nosso
conhecimento e experiências se encontram organizadas na mente. O objetivo básico das
TMCI é, justamente, descrever e explicar as variadas fontes de efeitos prototípicos.
A TMCI é, sem dúvida, o núcleo teórico da Semântica Cognitiva, experiencialista,
proposta por Lakoff. Através de Lakoff (1987), Women, fire and dangerous things
(WF&DT) e Lakoff e Johnson (1980), apresenta-se a TMCI de modo mais simplificado,
depreendendo sua estrutura conceitual básica.
A TMCI, como já afirmado, sustenta uma semântica conceitual que, por sua vez, se
fundamenta na capacidade de conceitualização humana. A proposta ancora-se na idéia de
que a categorização só é possível via MCI. Ou seja, as categorias são o resultados da
relação que se estabelece entre modelos cognitivos, experienciais, e o mundo. Conforme
Lakoff, a capacidade de conceitualização é “a capacidade geral para formar MCI”. (p.
281).

5. 1 TIPOS BÁSICOS DE MODELOS COGNITIVOS IDEALIZADOS

Lakoff (1987) afirma que cada “modelo cognitivo (ou MCI) é uma estrutura
complexa constituída de símbolos” (p. 284) estruturados em termos gestálticos, e que cada
“MCI, como utilizado, estrutura um espaço mental. Os MCI, de acordo com o autor,
utilizam quatro tipos de princípios estruturadores:

a. as estruturas de imagem-esquemática,
b. as estruturas proposicionais,
c. os mapeamentos metonímicos e
d. os mapeamentos metafóricos.

De acordo com Lakoff, esses princípios dão origem a cinco tipos báicos de modelos
cognitivos: (i) de esquema de imagens, (ii) proposicionais, (iii) metonímicos, (iv)
metafóricos e (v) simbólicos.
15

Cada um desses tipos de modelo contribui, de modo específico, para a estruturação


de experiências, seja no plano puramente conceitual, seja no plano lingüístico-conceitual.
Essas estruturas
são tipicamente muito complexas, definidas por esquemas de imagens de
todos os tipos [...]. Alguns símbolos num MCI podem ser diretamente
significativos, os conceitos de nível básico e os conceitos de imagem-
esquemática. Outros símbolos são indiretamente entendidos via sua
relação a conceitos diretamente entendidos. Suas relações são definidas
pelos esquemas de imagens que estruturam os MCI. ( LAKOFF, 1987, p.
284).
Na verdade, em muitos casos, os conceitos de nível básico fornecem a ontologia
dos MCI, enquanto os esquemas de imagens fornecem sua estrutura. Essas estruturas
cognitivas são diretamente significativas, pois têm a ver, respectivamente, com
características perceptuais do aparato cognitivo humano e com características básicas de
sua experiência físico-corporal. Eles são a base da formação de MCI mais complexos. Com
as palavras do autor:

Alguns símbolos num MCI podem ser diretamente significativos: os


conceitos de nível básico e imagens-esquemáticas. Outros símbolos são
indiretamente entendidos nas suas relações a conceitos diretamente
entendidos. Tais relações são definidas por esquemas de imagens que
estruturam os MCI. (p. 284).
A idéia de MCI é uma tentativa de preservar ou incorporar o que está correto sobre
a teoria clássica da categorização e, principalmente, dar conta do comportamento empírico
do processo de categorização humana.

MODELOS COGNITIVOS DE ESQUEMA DE IMAGENS


São características destes modelos cognitivos:
(a) têm natureza corporal-cinestésica,
(b) impõem uma estrutura à experiência de espaço,
(c) são projetados para domínios conceituais abstratos através de metáfora e
metonímia, e
(d) estruturam modelos cognitivos complexos.
Alguns esquemas de imagens são tratados com maior detalhamento em Lakoff e
Johnson (1980) e Lakoff (1987). Seguem alguns esquemas de imagens originários de nossa
experiência corpórea:
• CONTAINER
• PARTE-TODO
• LIGAÇÃO
• CENTRO-PERIFERIA
• ORIGEM-PERCURSO-META
16

• PARA CIMA-PARA BAIXO

(a) Esquema CONTAINER


Este esquema consiste de uma FRONTEIRA que distingue um INTERIOR de um
EXTERIOR. O nosso próprio corpo é experienciado como um CONTAINER (uma espécie de
recipiente) e, a partir dessa experiência, muitas outras coisas passam a ser estruturadas
cognitivamente dessa mesma forma: objetos, atividades, estados, etc. Os elementos
estruturais desse esquema são, portanto, INTERIOR-FRONTEIRA-EXTERIOR. Como uma
estrutura simbólica gestáltica, o conceito INTERIOR, por exemplo, não tem sentido
independentemente da gestalt configurada pelo esquema de imagem CONTAINER como um
todo.
A sua lógica básica é a seguinte:
(i) Sendo A um CONTAINER de B e X está em A, então X está em B.
(ii) Se todos A's são B's, e X é um A, então X é B.
Os esquemas de imagens, por projeções metafóricas, podem ser estendidos à
estruturação de outros conceitos mais abstratos. Assim, o esquema CONTAINER estrutura o
conceito FAMÍLIA:

Conceito: FAMÍLIA
Exemplos de ocorrências do conceito:
Estou satisfeito por entrares em nossa família.
É uma família fechada – não são sociáveis.
Era uma boa nora. Que lástima ter saído da família.
Isso deve ser mantido nos limites desta família.
Fica evidente, pelas expressões destacadas, que o conceito é estruturado pelo
esquema CONTAINER, na medida em que os verbos, adjetivos e substantivos utilizados em
sua gramaticalização remetem à idéia de uma estrutura com um INTERIOR, uma
FRONTEIRA e um EXTERIOR.

(b) Esquema PARTE-TODO


Nossos corpos são experienciados como todos com partes, e esta é uma das
estruturas que são impostas a outras coisas experienciadas. É a percepção de nível básico
que permite que se distinga qual a estrutura PARTE-TODO mais fundamental na atuação
no/sobre o ambiente físico. Os elementos estruturais desse esquema são: TODO-PARTES-
17

CONFIGURAÇÃO. A lógica básica desse esquema é bem mais complexa. Em primeiro lugar,
o esquema é assimétrico:

(i) Se A é parte de B, então B não é parte de A.


Em segundo lugar, é irreflexivo:
(ii) A não pode ser parte de A.
Em terceiro lugar, de um ponto de vista gestáltico:
(iii) O todo não existe se as partes não existirem, do que resulta que, se as partes
são destruídas, o todo é destruído, mas
(iv) todas as partes podem existir sem que constituam um todo; só no momento em
que as partes existem na configuração é que elas se integram no todo.
Em quarto lugar, por um princípio trivial, mas não necessário:
(v) As partes são contíguas umas às outras.
Lakoff afirma que os conceitos FAMÍLIA, CASAMENTO e SOCIEDADE são
estruturados pelo esquema PARTE-TODO. Para ele, uma família pode ser entendida como a
formação de um todo, sendo os esposos suas partes; o divórcio, por conseguinte, seria visto
como uma divisão. Vejamos como o conceito SOCIEDADE manifesta sua estruturação em
termos de PARTE-TODO:

Conceito: SOCIEDADE
Ocorrências do conceito:
Não há como atingirmos todos os segmentos da sociedade.
Cada setor da sociedade deve fazer a sua parte.
A sociedade como um todo é responsável.

(c) Esquema LIGAÇÃO


Segundo Lakoff, esse esquema começa a ser formado com a ligação mãe-filho, pelo
cordão umbilical, e estende-se pela infância e pelos anos posteriores através de novas
conexões que visam a assegurar a posição de duas coisas uma com relação à outra. Os
elementos estruturais desse esquema são duas entidades A e B e uma LIGAÇÃO
conectando-as. A sua lógica básica, portanto, é a seguinte:

(i) se A está ligado a B, então B é restringido e depende de A.


(ii) Se A está ligado a B, então B está ligado a ª

De acordo com o autor, as relações sociais e interpessoais são entendidas em termos


de ligações. Ele cita o caso de ESCRAVIDÃO e LIBERDADE. O primeiro conceito seria
entendido como dependência, e o segundo, como ausência de algo que nos prenda.
18

Os conceitos CASAMENTO-DIVÓRCIO estruturam-se em termos do esquema LIGAÇÃO:


CASAMENTO é LIGAÇÃO; DIVÓRCIO, NÃO-LIGAÇÃO. Assim:

Conceitos: CASAMENTO-DIVÓRCIO
Ocorrências dos conceitos:
Eles não estão mais juntos, separaram-se.
Moram juntos, mas nada mais há que os una.
Estão unidos pelos sagrados laços do matrimônio.

(d) Esquema CENTRO-PERIFERIA


Lakoff afirma que experienciamos nosso corpo em termos de um CENTRO – o
tronco e os órgãos internos – e de uma PERIFERIA – o cabelo, os dedos das mãos e os dedos
dos pés. Desse modo, outros organismos, como as plantas, são vistos dessa forma. O centro
é tomado como o mais importante, o mais vital; é mais definitório quanto à identidade ou à
natureza de alguma coisa. Conforme o autor, “a periferia é vista como dependendo do
centro, mas não conversamente: a má-circulação pode afetar a saúde de seu cabelo, mas
perder o cabelo não afeta seu aparelho circulatório”. (p. 274). Os elementos estruturais
desse esquema são, portanto: ENTIDADE-CENTRO-PERIFERIA. Sua lógica básica é bastante
simples:

A PERIFERIA depende do CENTRO, mas o CENTRO não depende da PERIFERIA.


Lakoff dá o exemplo de TEORIA. Para ele, as teorias têm um núcleo, princípios que
lhe são centrais, enquanto outros são periféricos.
O conceito SOCIEDADE também se comporta, estruturalmente, em termos de
CENTRO-PERIFERIA:
Conceito: SOCIEDADE
Ocorrências do conceito:
Precisamos trazer os menores abandonados ao seio da vida social.'
Os velhos estão sendo marginalizados, ficando fora do processo produtivo da sociedade.
SOCIEDADE parece ser um conceito que se estrutura em termos de CENTRO-
PERIFERIA, pois, na sociedade, alguns segmentos são vistos como mais centrais, mais
nucleares, como as pessoas chamadas produtivas, enquanto outras são dependentes desse
centro e consideradas menos relevantes para o funcionamento da sociedade como um todo.
Verifica-se, inclusive, que este conceito é estruturado por uma sobreposição de esquemas
de imagens.
19

(e) Esquema ORIGEM-PERCURSO-META


Este esquema espácio-temporal deriva de um grande número de atividades
humanas, todas elas experienciadas nestes termos: um ponto de início, um ponto final e
“uma seqüência de posições contíguas conectando a fonte ao destino”. (p. 275). A
seqüência, naturalmente, direciona-se para o ponto de destino. Os elementos estruturais
desse esquema são, portanto, ORIGEM-META-PERCURSO-DIREÇÃO. A sua lógica básica é a
seguinte:

(i) Indo da origem ao destino, por um determinado percurso, deve-se passar por
pontos intermédios.
(ii) Avançando ao longo do caminho, mais longe se fica do início.

Lakoff afirma que esse é um esquema muito utilizado na estruturação de eventos


complexos. Seu exemplo é relativo a PROPÓSITOS. Os propósitos são vistos “como
destinos, e alcançar um propósito é entendido como passar por um caminho, de um ponto
inicial a um ponto final”. (p. 275). Desse modo, alcançá-lo é chegar ao destino, mas pode-
se, nesse percurso, encontrar impedimentos (“estar num beco sem saída”) ou, ainda,
desistir-se de alcançá-lo (“recuar”).

O conceito PESQUISA estrutura-se em termos de ORIGEM-PERCURSO-META:


Conceito: PESQUISA
Ocorrências do conceito:
A pesquisa partiu da detecção da presença de flúor na água da represa.
A seqüência de procedimentos que constituem as diferentes etapas da pesquisa será
descrita a seguir.
A cada passo da pesquisa sabíamos que não podíamos recuar.
No fim da pesquisa, chegamos à conclusão de que era eficaz o tratamento com o novo
medicamento.
Lakoff (1987), ao longo de toda a obra, faz menção aos seguintes esquemas de
imagens: PARA CIMA-PARA BAIXO, FRENTE-TRÁS, ORDEM LINEAR, CONTATO, FORÇA,
EQUILÍBRIO, etc. “cujas propriedades ainda estão sendo estudadas”. (p.275).

MODELOS COGNITIVOS PROPOSICIONAIS

(a) têm uma aparência objetivista, porque “eles contêm entidades com suas
propriedades e relações que se estabelecem entre elas” (p. 285), mas essas entidades
são do tipo mental, dependentes da experiência humana;
(b) não usam mecanismos imaginativos, como metáfora, metonímia ou imagens
mentais;
20

(c) têm uma ontologia, que é “o conjunto de elementos usados no MCI”, os quais
podem ser “ou conceitos de nível básico – entidades, ações, estados, propriedades,
etc. – ou podem ser conceitos caracterizados por modelos cognitivos de outros
tipos”. (p. 285).
(d) têm uma estrutura, que “consiste das propriedades dos elementos e das relações
obtidas entre eles” (p. 285), definidas em termos de esquema de imagens.

Lakoff apresenta cinco tipos de MCI proposicionais:


• Proposição simples,
• Cenário ou Script,
• Feixe de traços,
• Taxonomia, e
• Categoria radial.

As características de cada um desse modelos são as seguintes:


(a) Proposição simples
(i) sua ontologia é do tipo argumento-predicado;
(ii) utiliza-se, basicamente, do esquema de imagem PARTE-TODO, em que os
argumentos e o predicado são as PARTES, e a proposição, o TODO;
(iii) utiliza o esquema LIGAÇÃO nas relações semânticas entre os argumentos, que
atua sobre categorias de relações: AGENTE, PACIENTE, INSTRUMENTO, LOCAL, etc.;
e
(iv) formam proposições complexas, adicionando-se mecanismos como
modificação, quantificação, complementação, conjunção, negação, entre outros.
Pode-se citar, como um exemplo, uma sentença do tipo: Maçãs e laranjas são
frutas típicas.
Nesse caso, tem-se, em primeiro lugar, duas expressões lingüísticas centrais na base
sentencial: ‘laranjas’ e ‘frutas’: ambas são a contrapartida lingüística de duas entidades
cognitivas estruturadas por modelos cognitivos: LARANJAS e FRUTAS, que participam,
semanticamente, da estrutura proposicional. Em segundo lugar, as categorias LARANJAS e
FRUTAS coordenam-se de um modo particular através de um modelo cognitivo que faz se
aplicar um predicado (FRUTA) a um argumento (LARANJA). Isso porque essa estrutura
proposicional não refere diretamente um estado de coisas no mundo, é a expressão de um
modelo cognitivo.

(b) Cenário4 ou script5


4
Esse exemplo de cenário é devido a Schank e Abelson (1977), em seu estudo sobre o Ojibwa, uma língua
nativa do Canadá Central Encontra-se em “Semantics in Relational Grammar”, por sua vez citado em Lakoff
(1987).
5
Lakoff (1987) afirma que a noção de esquema de Rumelhart (cf. “Notes on a Schema for Stories”, 1975)
“foi desenvolvida a partir do trabalho anterior de Fillmore sobre os frames de caso (Fillmore, 1968)”. (p.
21

(i) sua ontologia consiste de “um estado inicial, uma seqüência de eventos e um
estado final”. (p. 285);
(ii) faz uso do esquema de imagens ORIGEM-PERCURSO-META, num domínio
temporal; e do esquema PARTE-TODO, em que cada momento do cenário é uma de
suas partes;
(iii) o esquema LIGAÇÃO estabelece as relações entre pessoas, coisas, propriedades,
relações e proposições que podem constituir um cenário.
Lakoff afirma que ir a algum lugar em um veículo envolve um cenário estruturado,
como segue:

Pré-condição: Você tem (ou tem acesso a) um veículo.


Embarcação: Você entra no veículo e aciona-o.
Centro: Você dirige (rema, voa, etc.) até o seu destino.
Final: Você estaciona e desce.
Ponto final: Você está em seu destino.
Um script é uma cadeia de inferências pré-organizadas relativa a uma situação de
rotina específica. Trata-se de uma seqüência de conceptualizações com algumas variáveis
(variáveis de script). O exemplo oferecido em Schank e Kass (1988) é clássico: o script do
restaurante, o qual pretende capturar o conhecimento de uma pessoa (ator) sobre a
seqüência de eventos que ocorrem quando sai para comer em um restaurante:
SCRIPT DO RESTAURANTE
(1) Ator vai ao restaurante
(2) Ator senta
(3) Ator pede uma refeição ao garçom
(4) Garçom traz a refeição para o ator
(5) Ator come a refeição
(6) Ator dá dinheiro ao restaurante
(7) Ator sai do restaurante.

A idéia de Schank e Abelson é, por exemplo, que as pessoas entendem mais


facilmente uma história (um evento) quando a experienciaram muitas vezes no passado, e
essa experiência é codificada em um script, que, uma vez construído, faz com que o

116). Afirma, ainda, que outras noções utilizadas para dar um “formato ao conhecimento humano,
representado em modelos computacionais da mente” (p. 116), como a de frames de Minsky (cf. “A
Framework for Representing Knowledge”, 1975), e a de scripts de Schank e Abelson (cf. “Scripts, Plans,
Goals, and Understanding”, 1977) são semelhantes a de frame de Fillmore (1982a, 1982b), na medida em
que consistem em modelos proposicionais, ou seja, são tentativas de estabelecer “estruturas proposicionais
em termos das quais as situações podem ser entendidas”. ( LAKOFF, 1987, p. 116). Lakoff apenas compara as
noções em termos de sua operacionalidade teórica, pois, com base na epistemologia experiencialista, o autor
não concorda com muitos aspectos da aplicação desses modelos teóricos em Psicologia Cognitiva.
22

processo não precise ser recapitulado, permanecendo na memória de longo prazo. O script
tem também uma grande força preditiva e permite reconhecer falhas em sua estrutura.
Na verdade, o reconhecimento de falhas em um script, dizem Schank e Kass, não
tem tanto a ver com a informação codificada no script quanto com a forma como esse se
organiza. Essa organização, por sua vez, pode ser dinamicamente modificada.
Concebidos inicialmente, nas primeiras versões da teoria, como uma estrutura que
representava seqüências temporais separadas, em que um script não se relacionaria com
outros scripts, com o desenvolvimento do modelo, os autores passam a ver os scripts de
uma forma mais modular, a partir da qual a interconectividade dos scripts passam ser
examinada.
Dentro dessa nova concepção, é desenvolvido o modelo chamado Memory
Organization Packets (MOPs), literalmente traduzido aqui como “Pacotes de Organização
da Memória”. Os MOPs, segundo Schank e Kass, tinham a função de partir o script em
pequenas unidades chamadas cenas. Explicando: a mesma cena seria compartilhada por
muitos MOPs, pois (a) não faria sentido que a mesma informação fosse representada em
diferentes “lugares”; e (b) isso facilitaria muito a aprendizagem. O exemplo oferecido
pelos autores pode ser esquematizado da seguinte forma:

MOP 1 VISITA AO MÉDICO


MOP 2 VISITA A UM ADVOGADO
Cena compartilhada: AGUARDAR NA SALA DE ESPERA
Quanto à modificação dinâmica de um MOP, torna-se necessária uma teoria sobre a
organização da memória “como um todo”. Schank desenvolve, então, a teoria chamada
Dynamic Memory – Memória Dinâmica. A proposta é conectar MOPs da mesma forma que
MOPs ligam cenas. Conforme Schank e Kass (1988), o procedimento seria:

(1º) Os MOPs seriam ligados por um conjunto de hierarquias de abstração. Um exemplo:


MOP VISITA A UM GABINETE PROFISSIONAL (Nível mais abstrato.)
MOP 1 VISITA AO MÉDICO (Instância de MOP de nível mais alto.)
MOP 2 VISITA A UM ADVOGADO (Instância de MOP de nível mais alto.)
(2º) Os MOPs seriam conectados por um conjunto de links de empacotamento, conectando
MOPs com outros MOPs que ocorrem freqüentemente juntos em um contexto mais amplo.
Um exemplo:
MOP VIAGEM DE NEGÓCIOS
MOP 1 VIAGEM DE AVIÃO
MOP 2 HOSPEDAGEM EM HOTEL
MOP 3 ALMOÇO DE NEGÓCIOS
23

As estruturas que organizam, que conectam episódios que compartilham


similaridades mais abstratas são chamadas Thematic Organization Points (TOPs), “Pontos
de Organização Temática”. A idéia básica, portanto, seria estabelecer a conexão entre
histórias diferentes que são tematicamente similares.
Os scripts não são, todavia, as únicas formas de representar o conhecimento. No
mesmo contexto intelectual em que Schank (e) Abelson desenvolvem essa noção,
Minsky([1985], 1989) desenvolve, em seu modelo, a noção de frame.
Um frame, termo traduzido como ‘moldura’, é uma espécie de esqueleto, como um
molde com lacunas a serem preenchidas. No modelo de Minsky, os vazios, por sua vez,
são chamados terminais, usados como pontos de ligação aos quais são incorporadas outras
formas de informação. Esses frames são elaborados a partir de experiências passadas e nem
sempre servem perfeitamente a novas situações.
Sem entrar nos detalhes desse modelo de representações, pode-se ilustrar o
funcionamento de uma moldura com o seguinte exemplo, adaptado e expandido, retirado
de Minsky (p. 262):

Maria foi convidada para a festa de João.


Ficou imaginando se ele gostaria de uma pipa.
Com base nessa seqüência de sentenças, verifica-se que:
(a) é ativada a moldura CONVITE PARA FESTA;
(b) o leitor fica envolvido com os problemas dessa moldura (submolduras);
(c) sendo a festa uma FESTA DE ANIVERSÁRIO, o leitor preocupa-se com a lacuna PRESENTE
PARA LEVAR;
(d) sendo João uma CRIANÇA,
(e) o presente deve ser algo que agrade ao anfitrião;
(f) BRINQUEDO, portanto, poderia ser uma lacuna interessante a ser preenchida;
(g) PIPA é um BRINQUEDO.
Minsky ([1985], 1989) oferece, então, um exemplo de frame-FESTA
CHEGADA Cumprimentar
PRESENTE: Entregar o presente para o anfitrião ou convidado de honra
JOGOS: Atividades como competições e outros jogos de entretenimento
DECORAÇÃO: Balões de encher, brindes, decoração
COMIDA DA FESTA: Cachorros-quentes, doces, sorvetes
BOLO: Bolo com velinhas para representar a idade do anfitrião
CERIMÔNIA: O anfitrião tenta apagar as velinhas com um único sopro (para fazer um pedido)
CANÇÃO: Todos os convidados cantam “Parabéns a você” e comem uma fatia de bolo

Os frames suscitam novas submolduras, por exemplo:


PRESENTE: OBJETO NOVO; EMBRULHADO; QUE É DADO, NÃO EMPRESTADO
24

BOLO DE ANIVERSÁRIO: EM GERAL DECORADO; COM VELINHAS PARA TAL

Um outro exemplo que parece apropriado para entender a diferença de um frame ou


script, pode ser o que segue:

O CASAMENTO de Maria foi fabuloso. O NOIVO estava de fraque, os PADRINHOS, elegantes, o PADRE
aguardou com paciência a chegada da NOIVA, as FLORES eram brancas e estavam distribuídas ao longo de
todos os bancos da IGREJA e do ALTAR; em frente ao altar o CAIXÃO estava aberto.
O frame ativado para a compreensão do fragmento é o de CASAMENTO
(CATÓLICO). Nessa moldura encontram-se vários elementos típicos de um casamento e
outros que podem ser inferidos:

IGREJA com a submoldura ALTAR, PADRE


NOIVO
NOIVA
PADRINHOS
DECORAÇÃO, da qual pertenceria o elemento FLORES

Entretanto, o leitor, ao ter ativada essa moldura, que guiará toda a sua compreensão
em termos de expectativas, depara-se com ‘caixão’. CAIXÃO não pertence a essa moldura
e daí a possível surpresa do leitor atento com seu aparecimento na seqüência. O fato de
CASAMENTO ter uma estrutura sob a forma de frame, não significa que não possa ter uma
estrutura de script, que consistiria na seqüência de ações que são pertinentes em um
casamento. Tanto os frames quanto os scripts devem situar-se em termos de esquemas
sociais e culturais, discriminando-se o que é esperado, por exemplo, em um casamento
católico, budista, judeu, para citar alguns.

(c) Estrutura de Feixe de Traços


(i) são uma “coleção de propriedades” (p. 286), e as propriedades são sua ontologia;
(ii) e são estruturados pelos esquemas CONTAINER E PARTE-TODO.
Lakoff (1987) afirma que assim são caracterizadas as categorias clássicas das
estruturas taxonômicas.
Desse modo, pode-se determinar a estrutura da categoria AVE como sendo algo do
tipo: [+ ASAS, + PENAS, + OVÍPARO, + BICO...] .
O conceito JANELA também poderia ser caracterizado em termos de um modelo
cognitivo por traços: [+ ABERTURA, + MOLDURA, +VIDROS].
A esse respeito, deve-se tomar em consideração o que Lakoff (1987) afirma sobre a
noção de feixe de traços. Feixe de traços constitui um dos modelos proposicionais que
visaram a dar conta de efeitos prototípicos, e, segundo o autor, essa abordagem falhou em
25

sua proposta. Um traço, explica, é um símbolo que representa uma propriedade, e um feixe
de traços “é um conjunto não estruturado de tais traços, que representam um conjunto de
propriedades”. (p. 115). Aos feixes de traços, acrescenta, são atribuídos pesos que indicam
sua importância desses traços. Um feixe de traços com atribuição de pesos é utilizado para
dar conta de efeitos prototípicos quando é tomado “como uma representação do membro
da categoria prototípica”. (p. 115). Lakoff afirma que “aproximações ao protótipo são
definidas em termos de traços compartilhados. Desvios do protótipo com pesos altamente
atribuídos coloca um membro muito distante do protótipo do que os desvios em um traço
menos altamente atribuído”. (p. 115).
A falha dessa abordagem é exemplificada por Lakoff a partir dos estudos de
Coleman-Kay (1981) para a análise de lie (‘mentira’). Para Coleman-Kay, os pesos para lie
seriam: (i) ausência de crença; (ii) tentativa de enganar; e (iii) ser falsa. A questão seria a
seguinte: um bom exemplo de lie seria ter as propriedades (i) e (ii); já (ii) e (iii) não seriam
bons exemplos de lie. Lakoff, então, menciona a argumentação de Sweetser (1981) de que
feixes de traços com atribuições de pesos não são suficientes para dar conta de todos os
casos de lie, “enquanto uma teoria baseada em modelos cognitivos de conhecimento e
comunicação independentemente necessários poderiam fazer o trabalho”. (p. 115). Em
suma, a abordagem por traços não pode dar conta da maioria dos efeitos prototípicos
porque não diferenciam background de foreground. Além disso, não podem dar conta de
efeitos de modelos metafóricos e metonímicos. Devido a disso, não podem dar conta de
estruturas radiais por várias razões. Em outras palavras, feixe de traços (i) não podem dar
conta de descrições de tipos de conexão, tais como metáfora, metonímia e imagens
esquemáticas; (ii) não podem descrever extensões convencionais motivadas que são
aprendidas uma por uma “mas motivadas por princípios de conexões gerais. Ou seja,
Lakoff deixa claro que essa abordagem não se habilita a dar conta de uma série de efeitos
prototípicos.
Essa mesma restrição ocorre com relação às propostas citadas por Lakoff como as
de Minsky-Putnam, que utilizam frames, scripts e stereotypes. Os pontos problemáticos
são: (i) elas têm apenas modelos proposicionais, não incluindo qualquer modelo
imaginativo (modelos metonímicos, metafóricos e esquemas de imagens); (ii) têm apenas
uma única representação para cada categoria, o que inviabiliza categorias de estruturas
radiais (como as do Dyirbal, que se verá mais adiante). Mas, ao contrário da abordagem
26

por traços, a proposta absorveu a idéia de que efeitos prototípicos superficiais deveriam ser
abordados em termos de desvios a partir de modelos cognitivos idealizados.

(d) Taxonomia
(i) são “uma estrutura hierárquica de categorias clássicas” (p. 287), sendo cada
uma delas (das estruturas taxonômicas) impostas pelos nossos propósitos;
(ii) têm sua ontologia constituída por categorias;
(iii) são estruturados em termos de esquemas de imagens do tipo CONTAINER ao
nível das categorias;
(iv) no nível da hierarquia, são estruturados em termos dos esquemas PARTE-TODO
e PARA CIMA-PARA BAIXO, sendo que os níveis mais altos são todos os que têm
como suas partes os níveis mais baixos, sem sobreposições.
Podem-se citar como exemplos de modelos cognitivos taxonômicos os sistemas de
classificação da zoologia, da botânica e outras áreas que operam com catalogação. Como
modelos cognitivos, essas estruturas taxonômicas não referem diretamente um estado de
coisas no mundo, um sistema ou uma hierarquia que precisa apenas ser capturada da
realidade pelo aparato cognitivo. Cada hierarquia é o resultado de uma operação cognitiva
determinada experiencialmente. Culturas diferentes têm sistemas classificatórios diferentes
e, portanto, modelos taxonômicos diferenciados, determinados (ou motivados) por suas
necessidades e seus propósitos.

(e) Categoria Radial


(i) são modelos representados como um CONTAINER: a categoria radial é um
CONTAINER, e as subcategorias dentro dela são também CONTAINERS;
(ii) a relação entre as subcategorias é feita pelo esquema CENTRO-PERIFERIA: “uma
subcategoria está no centro; as outras subcategorias estão ligadas ao centro por
vários tipos de ligações”. (p. 287);
(iii) as categorias não centrais podem vir a constituir subcentros, impondo novas
estruturas em termos de CENTRO-PERIFERIA.

Lakoff afirma que a estruturação radial de uma categoria envolve:


(i) a escolha convencional de uma subcategoria ou modelo cognitivo como o caso
mais central;
(v) princípios de extensão que caracterizam as ligações possíveis entre as
subcategorias mais centrais e as menos centrais, incluindo: “modelos metafóricos,
modelos metonímicos, relações de esquema de imagens, etc.” (p. 204); e
(vi) extensões convencionais específicas que “não são predizíeis a partir do centro
mais os princípios” (p. 204); as extensões são aprendidas a partir de determinadas
convenções.
27

Esse modelo cognitivo é um dos grandes trunfos de Lakoff na defesa de sua


semântica cognitiva, pois é uma das estruturas cognitivas que não se explicam pelos
princípios e métodos de uma semântica objetivista.
O exemplo que se traz para ilustrar os mecanismos de estruturação radial de uma
categoria é o sistema de classificadores do Dyirbal, uma língua aborígine da Austrália.
Lakoff (1987), ao discutir os achados de Dixon (1982), pesquisa iniciada em 1963 para os
classificadores de uma língua aborígine australiana chamada Dyirbal, afirma que a “análise
de Dixon como um todo faz sentido para o sistema do Dyirbal” (p. 96), mas, ao mesmo
tempo, questiona se esta não poderia ser apenas uma análise arbitrária imposta por um
analista que a vê por um viés externo. Pergunta-se: “Como podemos saber se há algo
realmente psicológico real sobre a análise de Dixon?” (p. 97).
Lakoff se reporta ao fato de que em 1983, portanto vinte anos depois da pesquisa de
Dixon, com o uso compulsório do Inglês nas escolas australianas, a cultura Dyirbal
começou a morrer. Afirma Lakoff: “Os jovens numa comunidade Dyirbal cresceram
falando primeiramente o Inglês e aprenderam uma versão simplificada do Dyirbal
tradicional”. (p. 98). Desse modo, suas experiências tornaram-se muito diferentes das de
seus pais, não aprendendo os mitos da cultura ou acreditando que tais mitos não possuíam
muito significado para sua vida. Como conseqüência, afirma, sempre tomando os trabalhos
de Dixon, houve uma mudança drástica no sistema de categorização.
O Dyirbal utiliza um sistema de classificadores que marca a categoria a que os
nomes pertencem. O mecanismo lingüístico de classificação é o seguinte: os falantes do
Dyirbal usam um nome numa sentença precedido por uma variante das palavras ‘bayi’,
‘balan’, ‘balam’, ‘bala’. A partir delas, são classificados todos os objetos do universo
Dyirbal. O sistema, constatou-se, é aprendido a partir de alguns princípios gerais, isto é, os
membros das categorias não eram aprendidos um a um. Os princípios gerais estabelecem
quatro classes de coisas, representadas pelos classificadores referidos, e o sistema opera
desse modo “a menos que algum princípio especializado tome precedência”. (p. 93). As
classes, resumidamente, são as seguintes.

Classe I: ‘Bayi’: machos humanos, animais.


Classe II: ‘Balan’: fêmeas humanas, água, fogo, combate.
Classe III: ‘Balam’: alimentação carnívora.
Classe IV: ‘Bala’: tudo o que não esteja nas outras classes.
28

Cada um desses classificadores, com exceção de ‘Bala’, opera num sistema de


radialidade.
Os princípios que operam sobre esse sistema são três. O princípio mais geral é o
chamado Princípio do Domínio da Experiência:

Se há um domínio básico da experiência associado a A, então é


natural que entidades nesse domínio estejam na mesma categoria
que A. (LAKOFF, 1987, p. 93).

Esse é o caso, por exemplo, dos peixes que são colocados na classe I e, assim, todos
os instrumentos de pesca são classificados em I. Num outro exemplo, as árvores são
classificadas de duas maneiras básicas: as árvores frutíferas pertencem à classe III, e as que
não são frutíferas pertencem à classe IV. Se se faz referência à madeira de uma árvore
frutífera, no sentido de que se deseja fazer fogo com ela ou fabricar algum instrumento,
então ela não é mais classificada em III, mas em IV.
Outro princípio é o chamado Princípio do Mito-e-Crença:

Se algum nome tem uma característica X (que fundamenta sua


pertença à categoria), mas é, através de crença e mito, relacionado
com a característica Y, então, geralmente, ele pertencerá à classe
correspondente à Y e não à correspondente à X. (p. 94).
Um exemplo disso: as aves são consideradas espíritos de fêmeas mortas, por isso
são classificadas em II, não em I, como se poderia, de outro modo, esperar. Os falantes de
Dyirbal acreditam que a lua e o sol sejam, respectivamente, marido e mulher e, por isso, a
lua é classificada, como marido, em I; e o sol, como esposa, em II.
Um outro princípio é o da Propriedade Importante:

Se um subconjunto de nomes tem alguma propriedade particular


importante que o resto do conjunto não tem, então os membros do
subconjunto podem ser ligados a uma classe diferente do conjunto
para marcar esta propriedade; a propriedade importante é, na
maioria das vezes, nociva. (p. 94).
Alguns peixes (peixe-agulha e o peixe-pedra, por exemplo) e algumas aves (como o
falcão) são considerados perigosos e, conseqüentemente, deixam de ser classificados da
maneira habitual. Os peixes passam da classe I para a II, e as aves perigosas que, de algum
modo, seriam classificadas em II, têm sua periculosidade marcada pela mudança de
categoria, passando para I.
29

Esses princípios não são aplicados a todas as categorias. Conforme Lakoff, não se
sabe, por exemplo, “por que cachorro, rato gigante, ornitorrinco e eqüidna estão na classe
II, ao invés de estarem na classe I”. (p. 95).
Para Lakoff, o Princípio do Mito-e-Crença é, na verdade, um caso especial do
Princípio do Domínio da Experiência, já que para a cultura Dyirbal os domínios da
experiência do mito e da crença são domínios relevantes para a categorização, o mesmo
ocorrendo com o Princípio da Propriedade Importante, já que o domínio do perigo é,
também, importante para a categorização das coisas. Para Lakoff, o Princípio do Domínio
da Experiência é responsável pelo fato de o fogo pertencer à mesma categoria a que
mulheres pertencem:
As ligações são: mulheres (via mito) para o sol (via domínio
relevante da experiência) para fogo. Pelos mesmos meios, podemos
ligar perigo e água. Fogo é perigoso e, portanto, coisas perigosas
estão na mesma categoria que fogo. A água, que extingue o fogo,
está no mesmo domínio da experiência que fogo e,
conseqüentemente, na mesma categoria. (p. 100).
Lakoff alerta para o fato de que nada disso é afirmado pelos falantes de Dyirbal, os
quais, como falantes nativos, em geral, não são sempre “conscientes dos princípios que
estruturam sua língua” (p. 100). Para ele, saber se sua análise está correta é uma questão
empírica.
Lakoff destaca algumas características importantes dessas estruturas radiais, em
termos do que revelam sobre as propriedades da cognição humana:
(a) demonstram a existência de domínios básicos da experiência que podem ser
específicos-de-uma-cultura;
(b) há membros que são mais centrais numa categoria;
(c) são estruturadas por um encadeamento, onde cada membro está ligado a
outro na categoria, de modo que todos estão ligados entre si;
(d)as categorias que constituem um todo não precisam ser definidas por
propriedades comuns; e
(e) um conhecimento específico (como o mitológico) impõe-se sobre o
conhecimento geral.
O comportamento específico desses modelos cognitivos radiais levou Lakoff às
seguintes conclusões metodológicas:

(1) Não há uma representação única para as categorias estruturadas radialmente. Tanto
as subcategorias centrais como as não centrais devem ser representadas, já que não
há princípios gerais que prevejam os casos não centrais a partir dos centrais.
(2) Faz-se necessária uma teoria da motivação.
30

(3) Faz-se necessária uma teoria dos tipos de ligação possíveis entre as subcategorias
centrais e não centrais.
(4) Faz-se necessária uma teoria experiencialista do pensamento significativo, da razão
e dos Modelos Cognitivos Idealizados que possa tratar adequadamente dessas
ligações.
Segundo Lakoff, as estruturas radiais justificam uma semântica cognitiva baseada
na Teoria dos Modelos Cognitivos Idealizados.

MODELOS COGNITIVOS METONÍMICOS

(a) são “representados estruturalmente pelo esquema CONTAINER, e o mapeamento


é representado pelo esquema ORIGEM-PERCURSO-META”. (p. 288);
(b) consistem em tomar “um aspecto bem entendido ou fácil de perceber de alguma
coisa e usá-lo para estar pela coisa como um todo, por algum outro aspecto ou parte
dela” (p. 77), o que, processualmente, significa que:
(c) há um conceito A a ser compreendido para algum propósito, em algum
contexto;
(d) há uma estrutura conceitual contendo tanto A como um outro conceito B;
(e) B ou é parte de A ou está intimamente associado com ele nessa estrutura
conceitual, e a escolha de B tipicamente determinará A nesta estrutura conceitual;
(f) comparado com A, B é ou mais fácil de compreender, ou mais fácil de lembrar
ou mais fácil de reconhecer ou mais imediatamente utilizável para a situação;
(g) e, sendo assim, um modelo metonímico é um modelo de como A e B estão
relacionados na estrutura conceitual, sendo a relação especificada por uma função
de B para A.
Essa espécie de modelo é uma das mais ricas fontes de efeitos prototípicos, pois,
em sua essência, está estruturada a partir do princípio de que um membro de uma
categoria, uma subcategoria ou um submodelo é tomado como representativo da categoria
ou do modelo como um todo para uma ampla variedade de propósitos: raciocínio em geral,
dedutivo ou indutivo; reconhecimento de objetos; para fazer inferências; para fazer
julgamentos; para fazer planos, etc.
Lakoff destaca algumas fontes metonímicas de efeitos prototípicos: (a) os
estereótipos sociais, (b) os exemplos típicos, (c) os ideais, (d) os padrões, (e) os geradores,
(f) os submodelos e (g) os exemplos salientes.
Especificam-se as características de cada um desses modelos cognitivos, nessa
mesma ordem. Há maiores detalhes na caracterização do modelo metonímico dos
estereótipos sociais, que é o modelo mais detalhado pelo autor.
(a) Estereótipos sociais
31

Os estereótipos sociais, segundo Lakoff, são casos em que “uma subcategoria tem
um status socialmente reconhecido em conseqüência do que permanece pela categoria
como um todo, normalmente para o propósito de fazer julgamentos rápidos sobre as
pessoas” (p. 79),6 ou para o que o autor chama “salto para conclusões” (jumping to
conclusions) ou para definir expectativas culturais, entre outras coisas.7
Para exemplificar o comportamento desse modelo metonímico, traz-se o conceito
MÃE. Para compreender como se estabelece o processo metonímico, é preciso, em primeiro
lugar, mostrar como o conceito está estruturado. Lakoff sustenta que MÃE é uma estrutura
cognitiva complexa – um cacho de modelos cognitivos, isto é: 'Mãe' é um conceito que se
baseia num modelo complexo em que modelos cognitivos individuais se combinam formando um
modelo em cachos. (p. 74).
Os modelos proposicionais que convergem para formar o cacho de modelos
experienciais são:
MODELO DO NASCIMENTO: A pessoa que dá à luz é a mãe.
MODELO GENÉTICO: A fêmea que contribui com o material genético é a mãe.
MODELO DE CRIAÇÃO: A fêmea adulta que nutre e educa a criança é a sua mãe.
MODELO MARITAL: A esposa do pai é a mãe.
MODELO GENEALÓGICO: O ancestral fêmea mais próximo é a mãe.

Esses modelos são experienciais na medida em que os avanços científicos, por


exemplo, vão fornecendo novos critérios de definição dessa categoria, aumentando sua
complexidade, ampliando sua relatividade. Segundo Lakoff, saber o que realmente define
uma mãe não é possível, pois não existe o que poderíamos chamar “modelo certo”.
Escolhas são possíveis entre os modelos divergentes.
A mãe prototípica poderia ser a mãe definida pela convergência de todos os
modelos, a mãe que reúne todas as características apresentadas em cada um dos modelos,
ou seja, a mãe que fornece os genes, pare, cria em tempo integral a criança, é casada com o
pai da criança, é uma geração mais velha que a criança e é, além disso, a sua guardiã legal.
Todavia, pode haver uma outra fonte de efeito prototípico: o estereótipo social.

6
Pelo que se pode constatar, os modelos cognitivos por estereótipos sociais, exemplos típicos, ideais,
submodelos e mesmo o de exemplos salientes atuam todos, de modo geral, como pontos de referência
cognitivos. Não parece, portanto, que isso seja privilégio dos submodelos.
7
O autor cita alguns exemplos contemporâneos de estereótipos sociais: o político estereotípico é conivente,
egoísta e desonesto; o japonês estereotípico é trabalhador, polido e habilidoso; o solteiro estereotípico sai
com diferentes mulheres, gosta de conquistas sexuais, freqüenta bares.
32

Segundo o autor, embora não haja no léxico um item singular que expresse a
categoria MÃE-DONA DE CASA, a categoria existe e, ainda, “define as expectativas culturais
sobre o que se supõe que uma mãe seja” (p. 79), tomando-a como o melhor exemplo de
mãe. Há, nesse caso, “um modelo metonímico em que uma subcategoria, a MÃE-DONA DE

CASA, permanece pela categoria toda ao definir as expectativas culturais sobre mãe”. (p.80)
Assim, o modelo metonímico do tipo estereótipo social atua sobre um dos modelos
cognitivos do cacho – o MODELO DE CRIAÇÃO. Em síntese, a melhor mãe, a mãe prototípica,
é a que fica em casa para criar seus filhos. Poder-se-ia comprovar isso através do que
Lakoff chama o “teste-do-mas”, em que a conjunção adversativa “é utilizada para marcar
uma situação que está em contraste com algum modelo que serve como norma”. (p. 81).
Assim, nos exemplos abaixo, pode-se constatar o modelo estereotípico, a partir de
uma construção lingüística utilizando a adversativa:
CASO NORMAL: Ela é mãe, mas não é uma dona-de-casa.
O caso normal define a expectativa cultural sobre MÃE: que seja dona de casa e,
conseqüentemente, que crie em tempo integral o filho. Estranho seria, portanto, dizer-se:
Ela é mãe, mas ela é uma dona de casa.
Lakoff afirma que os estereótipos sociais são, normalmente, conscientes, objeto de
discussões públicas, podendo sofrer modificações ao longo do tempo.
O estereótipo MÃE-DONA DE CASA é, ainda, utilizado para motivar radialmente a
subcategoria MÃE-TRABALHADORA que teria propriedades opostas. A partir do teste-do-
mas se teria:
NORMAL: Ela é mãe, mas tem um emprego.
ESTRANHO: Ela é mãe, mas não tem um emprego.
A partir dessas análises, é possível construir a radialidade do conceito MÃE.
Segundo Lakoff, há alguns tipos de MÃE que resultam de diferentes relações com os
modelos no cacho. Tem-se os seguintes casos:

A. CASO CENTRAL: definido pela convergência dos MCI do cacho.


B. MADRASTRA: que não forneceu os genes, nem deu à luz a criança.
C. MÃE ADOTIVA: que não forneceu os genes, nem deu à luz a criança, mas a cria,
sendo sua guardiã legal.
D. MÃE-DE-LEITE: que está sendo paga apenas para nutrir a criança.
E. MÃE-DE-ALUGUEL: que é contratada para dar à luz a criança, mas não,
necessariamente, forneceu os genes, não é casada com o pai da criança, não é
obrigada a criá-la e é impedida, contratualmente, de ser sua guardiã legal.
F. MÃE-SOLTEIRA: que não era casada quando deu à luz a criança.
33

Em síntese, verifica-se, aqui, o comportamento de um modelo metonímico, ao


mesmo tempo em que se detalham outros aspectos do comportamento estrutural da
categoria MÃE.

(b) Exemplos típicos

Ao contrário dos estereótipos sociais, o uso metonímico de membros típicos de


categorias é, normalmente, inconsciente e automático, não define expectativas culturais e é
mais estável. Como os estereótipos, entretanto, são amplamente utilizados no raciocínio,
principalmente em inferências. Salienta o autor:

O raciocínio na base de casos típicos é um dos principais aspectos


da razão humana. Nosso vasto conhecimento de casos típicos leva
a efeitos prototípicos. A razão é que há uma assimetria entre os
casos típicos e os não típicos. O conhecimento sobre casos típicos
é generalizado para casos não típicos, mas não o contrário. (p. 87).
Segundo Lakoff, MAÇÃ e LARANJA constituem exemplos típicos de FRUTAS, ou
seja, são prototípicos da categoria. No processo de raciocínio, ao serem tomados pela
categoria como um todo, visando à rapidez de processamento, de reconhecimento ou de
cálculo, revelam o caráter metonímico da operação.

(c) Ideais

O autor afirma que grande parte de nosso conhecimento cultural está estruturado
em termos de um outro tipo de modelo metonímico: o dos ideais abstratos. Os ideais “não
precisam ser nítidos nem estereotípicos”. (p. 87). Essa espécie de modelo, gerador de
efeitos de prototipicidade, é utilizado para fazer julgamentos de qualidade e planos para o
futuro. A relação entre os casos ideais e os não ideais é, tal como no caso dos exemplos
típicos, assimétrica: o caso ideal tem todas as boas qualidades que os casos não ideais têm,
mas não o contrário.
Lakoff apresenta um exemplo disso:
MARIDO IDEAL:é provedor, fiel, forte, respeitado e atraente.
MARIDO ESTEREOTÍPICO: é fastidioso, pançudo e presunçoso.

O autor, num outro exemplo, ilustra o fato de que há muitos tipos de modelo ideal
para CASAMENTO:
CASAMENTO BEM-SUCEDIDO: em que as metas dos esposos são cumpridas.
BOM CASAMENTO: em que os esposos acham o casamento benéfico.
34

CASAMENTO FORTE: aqueles que são duradouros.

(d) Padrões
Os padrões são utilizados, segundo o autor, como modelos de conduta e
desempenho, a partir dos quais dirigimos nossas ações. Um exemplo desses modelos são
os paradigmas científicos, que são utilizados, entre outras coisas, para compreender e
aplicar determinados tipos de experimento, conduta metodológica, etc. Os paradigmas
mudam à medida que o conhecimento científico avança.

(e) Geradores

Este é o caso em que os membros de uma categoria são gerados pelos membros
centrais mais algumas regras gerais. Segundo Lakoff, o exemplo mais conhecido desse
modelo metonímico são os números naturais. Nesse caso, os números de um dígito, de 0 a
9, constituem os membros centrais da categoria NÚMEROS NATURAIS. Os demais membros
da categoria são gerados a partir desses membros centrais mais as regras de aritmética. Os
membros centrais mais as regras constituem um modelo metonímico: “a categoria como
um todo é compreendida em termos de uma pequena subcategoria”. (p. 88).

(f) Submodelos

É o caso em que um submodelo é tomado como um ponto de referência cognitivo,


principalmente para fazer aproximações e estimar tamanhos Lakoff cita o exemplo do
submodelo definido pelos números de fatores de 10: dez, cem, mil, etc., que são utilizados
“para compreender a grandeza relativa dos números”. (p. 89).

(g) Exemplos salientes

Nesta espécie de modelo metonímico, um exemplo de atividade, acontecimento,


atitude, desempenho, etc. é utilizado para compreender a categoria envolvida. Um exemplo
do autor: se se torna amplamente público que um DC-10 caiu em algum lugar, é provável
que as pessoas tomem, metonimicamente, esse acontecimento saliente para fazer
julgamentos de segurança com relação aos DC-10 em geral.
35

MODELOS COGNITIVOS METAFÓRICOS

Em Lakoff e Johnson (1980), o termo ‘metáfora’ é aplicado a uma série de


fenômenos que não são pacificamente considerados como metáforas em sentido restrito. A
abordagem proposta pelos autores, na obra Metaphors we live by, para o estudo do
fenômento da metáfora passou a ser chamada Teoria da Metáfora Conceitual.
Podem-se caracterizar os modelos metafóricos como segue:

(i) tal como no caso do modelo metonímico, estruturam-se em termos dos esquemas
CONTAINER e ORIGEM-PERCURSO-META;
(ii) trata-se de uma projeção de base experiencial, a partir de um MCI em um
domínio para um MCI em outro domínio, o que, processualmente, significa que:
• Há um domínio conceitual A bem-estruturado (diretamente
significativo) chamado domínio-fonte.
• Há um domínio conceitual B que carece de estruturação para efeitos de
sua compreensão: o domínio-alvo.
• Há um mapeamento que liga o domínio-fonte ao domínio-alvo:
projeção metafórica.
• A projeção metafórica de A para B é motivada naturalmente por
uma correlação estrutural regular que associa A a B.
• Os detalhes do mapeamento entre A e B são motivados pelos
detalhes da correlação estrutural, sendo a relação especificada de A
para B.

De acordo com Lakoff e Turner (1989), a metáfora varia ao longo de dois


parâmetros: (1) Ela é convencionalizada (mais convencional ou menos convencional) “à
medida que é automática, livre de esforço e, geralmente, estabelecida como um modo de
pensar entre os membros de uma comunidade lingüística”. (p. 55). (2) Ela é
conceitualmente indispensável ou básica à medida que dispensá-la é, em alguma medida,
mudar o modo de pensar.
Por metáfora básica entende-se a metáfora sem uma “escolha”, pois são
inconscientes e automáticas. Experiências primárias universais podem produzir metáforas
primárias, diz Kövecses (2005). Para esse autor, há questões importantes sobre a
universalidade e variabilidade de metáforas em nível transcultural. Kövecses sugere, por
exemplo que:
(a) experiências universais não necessariamente geram metáforas
universais;
36

(b) a experiência corpórea pode ser usada seletivamente na criação de


metáforas;
(c) a experiência corpórea pode ser sobrepujada por processos
culturais e cognitivos;
(d) metáforas primárias não são necessariamente universais;
(e) metáforas complexas podem ser potencial ou parcialmente
universais; e
(f) metáforas podem não ser necessariamente baseadas na experiência
corpórea, pois muitas são baseadas em fatores culturais e
processos cognitivos de vários tipos.

Para Lakoff (1987), em síntese, num modelo metafórico: os detalhes do


mapeamento entre A e B são motivados pelos detalhes da correlação estrutural entre A e B;
e, sendo assim, um modelo metafórico é um modelo em que A e B estão relacionados
numa estrutura conceitual sendo a relação especificada de A para B.
Já para Kövecses (2005, p. 5-8), há onze componentes, que interagem entre si, que
constituem a geração de metáforas. Através desses componentes pode-se compreender por
que Kövecses entende a metáfora como um fenômeno lingüístico, conceptual,
sociocultural, neural e corporal. A seguir, são apresentados e caracterizados cada um
desses componentes:

(1) Domínio-fonte e (2) Domínio-alvo: A metáfora consiste de um domínio-fonte e de um


domínio-alvo, em que a fonte é um domínio mais físico, e o alvo, um domínio mais
abstrato. Exemplo: A VIDA É UMA JORNADA (ou VIAGEM).
(3) Base experiencial: A escolha de uma fonte específica para seguir a um alvo específico
é motivada por uma base experiencial ou corpórea. Exemplo: A afeição correlaciona-se
com calor corporal: AFEIÇÃO É CALOR.
(4) Estruturas neurais no cérebro correspondentes a (1) e (2): A experiência corpórea
resulta em certas conexões neurais entre áreas do cérebro. Exemplo: Quando a área do
cérebro correspondente à afeição é ativada, aquela correspondente ao calor também o é.
(5) Relações entre a fonte e o alvo: A relação entre a fonte e o alvo é tal que um domínio-
fonte pode aplicar-se a vários alvos, e um alvo pode ligar-se a várias fontes. Exemplo: o
domínio JORNADA (ou VIAGEM) pode ser aplicado tanto à VIDA quanto a AMOR.
(6) Expressões lingüísticas metafóricas: A ligação de domínios-fonte e domínios-alvo
dão origem a expressões metafóricas, de tal modo que expressões lingüísticas derivam da
conexão entre dois domínios conceptuais. Exemplo: “uma relação calorosa” (a partir de
AFEIÇÃO É CALOR).
(7) Mapeamentos: Há correspondências conceptuais básicas e essenciais ou mapeamentos
entre os domínios-alvo e domínios-fonte. Exemplo: O AMOR É UMA JORNADA (ou
VIAGEM):
37

Viajantes  amantes
Veículo  relação amorosa
Destino  o propósito do relacionamento
Distância coberta  progresso alcançado no relacionamento
Obstáculos ao longo do caminho  dificuldades encontradas no relacionamento

(8) Acarretamentos: Os domínios-fonte mapeiam idéias para o alvo para além das
correspondências básicas. Tais mapeamentos adicionais são chamados acarretamentos, ou
inferências. Exemplo: O AMOR É UMA JORNADA (ou VIAGEM):
Mapeamento Veículo  relação amorosa
Se o veículo quebra: (i) tenta-se atingir o destino por outros meios [ deixa-se o
relacionamento]; (ii) tenta-se consertar o veículo [tenta-se melhorar o relacionamento
ou fazê-lo funcionar]; e (iii) fica-se no veículo e não se faz nada [  permanece-se no
relacionamento (com sofrimento)].
(9) Blends: A junção de um domínio-fonte com um domínio-alvo pode resultar em mesclas
(blends), construtos conceptuais que são novos com respeito tanto à fonte quanto ao alvo.
Exemplo: Ele estava tão furioso que fumaça saía pelos seus ouvidos.
Pessoa com raiva: domínio-alvo
Fumaça (fluido quente) num container (ouvido): domínio-fonte
A pessoa com raiva (alvo) não tem fumaça saindo dela, pois a fonte (o container com
fluido quente) não tem ouvidos.
Integração conceptual: o container que tem ouvidos, de onde sai fumaça (mescla).
Essa nova proposição, pelo uso de mesclas é uma evolução da análise de RAIVA que
reproduzimos mais adiante, tal como se apresenta em Lakoff (1987).

(10) Realizações não-lingüísticas: Metáforas podem ser realizadas através de formas não-
lingüísticas,ou pensamentos. É o caso de práticas sócio-fisicas e realidade. Exemplo:
Metáfora conceptual: IMPORTANTE É CENTRAL
Realização não-lingüística: Num evento social, pessoas em alta posição social tendem a
ocupar lugares físicos mais centrais do que as menos importantes (a localização de uma
mesa ou a assento em uma mesa).

(11) Modelos Culturais: Metáforas conceptuais convergem com ou produzem modelos


culturais que operam no pensamento. Tais estruturas são tanto culturais como cognitivas
(por isso modelo cultural ou modelo cognitivo), sendo representações mentais específicas
de aspectos do mundo.

TIPOS DE METÁFORA CONCEITUAL

Lakoff (1985), a partir de LAKOFF e JOHNSON (1980) define três tipos de metáforas
conceituais:

(a) Metáforas orientacionais:


38

As metáforas orientacionais estruturam “os conceitos linearmente, orientando-se


por referência a orientações lineares não-metafóricas”. (p. 50). Esse é o caso das seguintes
metáforas: MENOS É PARA BAIXO, MAIS É PARA CIMA, de acordo com as seguintes
sentenças:

Nossas vendas baixaram no ano passado.


O número de livros publicados a cada ano continua subindo.

(b) Metáforas ontológicas:


Como diz Lakoff: “Implicam em projetar características de entidade ou substância
sobre algo que não tem essas características de maneira inerente”. (p.51). Aqui, 'entidades'
refere-se tanto a coisas como a seres, constituindo-se a PERSONIFICAÇÃO uma metáfora
ontológica. A metáfora A MENTE É UM RECIPIENTE tem caráter ontológico, como em:

Sua mente está repleta de idéias.


Acho que terei que esvaziar minha cabeça nas férias.
Será que terei que botar juízo na tua cabeça?

A metáfora A INFLAÇÃO É UM INIMIGO é um caso de PERSONIFICAÇÃO, como em:


Temos certeza de que a inflação não nos derrotará.
(c)Metáforas estruturais:
Estas implicam “em estruturar um tipo de experiência ou atividade em termos de
um outro tipo de experiência ou atividade”. (p. 53). Esse é o caso, por exemplo, da
metáfora COMPREENDE É VER, conforme as sentenças abaixo:
Não estou vendo onde queres chegar com essa explicação.
Ele me fez ver os problemas dessa teoria.
Vejo essa decisão de outro ponto de vista.

Essas metáforas são chamadas, genericamente, metáforas literais, porque são, em


grande parte, inconscientes, automáticas, convencionais e utilizadas sem esforço; são
utilizadas cotidianamente, ao contrário das metáforas criativas ou literárias, que visam a
criar efeitos inusitados.
Lakoff afirma que “o número de expressões lingüísticas que codificam uma dada
metáfora conceitual é uma medida da produtividade da metáfora”. (1987, p. 384). A
produtividade da metáfora, na verdade, é medida pelo número de acarretamentos
metafóricos produzidos a partir das correlações estruturais com o domínio-fonte.
39

Apresenta-se, a título de exemplificação, uma síntese do Estudo de Caso 1 do Livro


II de WF&DT, também publicado em Lakoff e Kövecses (1987)8, que é dedicado à análise
do conceito RAIVA, amplamente estruturado em termos metafóricos e metonímicos.
Para o autor, os conceitos emocionais são exemplos muito claros de conceitos
abstratos que têm uma base corporal evidente. Ele afirma que a análise de RAIVA se
entrosa com os estudos fisiológicos de Ekman e seus colaboradores “que sugerem que os
conceitos emocionais são corporalizados”. (p. 408). Lakoff cita os seguintes trabalhos
dessa equipe: Ekman (1971), “Universals and cultural differences in facial expressions of
emotions”; Ekman e Ellsworth (1972), “Emotion in the human face”; e Ekman, Levenson e
Friesen (1983), “Automatic Nervous System Activity Distinguishes among Emotions”.
Além de demonstrar os modelos metafórico e metonímico, faz-se menção a
aspectos estruturais do conceito em termos de modelos proposicionais, tais como: o
cenário prototípico de RAIVA e sua estrutura radial.
Lakoff afirma que subjazem às expressões lingüísticas convencionais para falar
de/sobre raiva modelos cognitivos, uma organização conceitual, de natureza metafórica e
metonímica. Sua análise começa com a apresentação da teoria popular do senso comum
sobre os efeitos fisiológicos da raiva: “Os efeitos fisiológicos da raiva são aumento de
calor do corpo, aumento da pressão interna (pressão sangüínea, pressão muscular), agitação
e interferência na percepção”. (p. 381)
Segundo a teoria popular, se a raiva cresce os seus efeitos fisiológicos também
crescem, até um ponto em que tais efeitos prejudicam o funcionamento normal do
ORGANISMO.

Tendo como base um princípio metonímico geral, segundo o qual os efeitos


fisiológicos de uma emoção são tomados pela emoção como um todo, a teoria popular da
raiva, afirma Lakoff, fornece um sistema de metonímias. Por exemplo:

Calor do corpo: Não o provoque, ele logo fica esquentado!


Pressão interna: Ele quase teve uma hemorragia ao falar no assunto.
Vermelhidão da face e pescoço pelo aumento do calor corporal e da pressão do
sangue: Ele ficou vermelho de raiva.
Agitação: Ela pulava de raiva.
8
Esta análise foi feita por Lakoff e Zóltan Kövecses, publicada, pela primeira vez, em 1986, por Kövecses
em “Metaphors of anger, pride andl love: a lexical approach to the structure of concepts”, com o intuito de
aplicar as teses básicas de Lakoff & Johnson (1980). E Lakoff (1987) assume que se trata de um trabalho
conjunto com Kövecses. Apresentam-se, aqui, apenas os aspectos-chave da análise de conceito, que é
originalmente mais extensa.
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Interferência na percepção: Eu estava tão furioso que nem podia ver direito.
As metáforas conceituais formam-se a partir da idéia de que a RAIVA É CALOR.
Quando aplicada a coisas fluidas, essa idéia mais geral passa a ser: RAIVA É O CALOR DE
UM FLUIDO NUM CONTAINER, motivada por CALOR, PRESSÃO INTERNA e AGITAÇÃO.
Quando aplicada a coisas sólidas, a metáfora passa a ser: RAIVA É FOGO, motivada por
CALOR E VERMELHIDÃO. Essas metáforas específicas seriam mais elaboradas,
principalmente porque se baseiam numa metáfora mais geral do sistema conceitual global:
O CORPO É UM CONTAINER PARA AS EMOÇÕES, expressa, por exemplo, em:

Ela não podia conter sua alegria.


No caso da metáfora A RAIVA É O CALOR DE UM FLUIDO NUM CONTAINER, que é
desenvolvida como exemplo desse modelo cognitivo, tem-se, de um lado, a idéia de calor
associada à presença da raiva; de outro, temos a idéia de frio associada à sua ausência:

Você faz o meu sangue ferver.


Fique frio.
Tomando o domínio-fonte O CALOR DE UM FLUIDO NUM CONTAINER e o domínio-
alvo RAIVA, Lakoff analisa alguns acarretamentos metafóricos (A), a partir do
detalhamento do domínio-fonte (F), com base nas correlações estruturais entre os
domínios:

(F) Quando o líquido começa a ferver, ele se dirige para cima.


(A) Quando a intensidade da raiva aumenta, o fluido sobe.
Exemplo: A raiva contida brotava de dentro dele.
(F) O calor intenso produz vapor e produz pressão no container.
(A) A raiva intensa produz vapor.
Exemplo: Eu estava fumegando de raiva.
(A’) A raiva intensa produz pressão no container.
Exemplo: Ele estava estourando de raiva.
(F) Quando a pressão aumenta no container, o container explode.
(A) A raiva causa explosões.
Exemplo: Não toleramos mais suas explosões.
(F) Numa explosão, partes do container voam pelos ares.
(A) Quando uma pessoa explode, partes voam pelos ares.
Exemplo: Ela voou pelo telhado com a revelação.
(F) Quando algo explode, o que está dentro do container vem para fora.
(A) Quando uma pessoa explode, o que está dentro dela vem para fora.
Exemplo: Saía fumaça pelas suas orelhas.
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Segundo Lakoff, tomando por base a teoria popular sobre a RAIVA, há um limite
para além do qual os efeitos fisiológicos da raiva passam a prejudicar o ORGANISMO.
Nesse caso, se a raiva é intensa, ela pode levar à perda de controle, e a perda de controle é
perigosa. Aplicada à metáfora central, a perda de controle é entendida como perigo de
explosão.
Em sua análise, Lakoff divide as correspondências entre o domínio-fonte e o
domínio-alvo em dois tipos: as correspondências ontológicas, relativas à correspondência
de entidades num e noutro domínio, e as correspondências epistemológicas, relativas a
“correspondências entre os conhecimentos sobre o domínio-fonte e o conhecimento
correspondente sobre o domínio-alvo”. (p. 387). Assim, de um lado, teríamos as seguintes
correspondências ontológicas:
• O container é um corpo.
• O calor do fluido é a raiva.
• A escala do calor é a escala da raiva.
• O calor do container é o calor do corpo.
• A pressão do container é a pressão interna no corpo.
• A agitação do fluido e do container é a agitação física.
• A explosão é a perda de controle.
• A frialdade no fluido é a ausência de raiva.

De outro lado, há as seguintes correspondências epistemológicas:


Fonte: O efeito do calor intenso do fluido e o calor do container, pressão interna e
agitação.
Alvo: O efeito da raiva intensa é o calor do corpo, pressão interna e agitação.

Fonte: Se ultrapassado um certo limite de aquecimento do fluido, a pressão aumenta até o


ponto que o container explode.
Alvo: Se ultrapassado um certo limite de aumento da raiva, a pressão aumenta ao ponto em
que a pessoa perde o controle.

Fonte: Uma explosão pode ser prevenida pela aplicação de força e energia suficientes para
manter o fluido dentro do container.
Alvo: Uma perda de controle pode ser prevenida pela aplicação de força e energia
suficientes para manter a raiva dentro do corpo.

Com base nessa correspondências, é construído o cenário prototípico de RAIVA.


Segundo Lakoff, o cenário prototípico de RAIVA “tem uma dimensão temporal” (p. 397),
envolvendo, basicamente, cinco estágios, os quais são resumidos abaixo:
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ESTÁGIO 1 – EVENTO OFENSIVO: Há um evento ofensivo que desagrada uma pessoa


X – Y intencional e injustamente fez algo diretamente para X, Y está enganado, e X
é inocente –. A injustiça produz raiva em X. A escala de justiça só pode ser
equilibrada por um ato de retribuição rigorosamente igual, em intensidade, ao ato
ofensivo.
ESTÁGIO 2 – RAIVA: À medida que a intensidade da raiva aumenta, X experiencia
efeitos fisiológicos: aumento da temperatura corporal, pressão interna e agitação
física. Ao se tornar muito intensa, a raiva exerce uma força sobre X, para que
realize um ato de retribuição a Y. Todavia, porque os atos de retribuição são
danosos e/ou socialmente inaceitáveis, X precisa controlar sua raiva.
ESTÁGIO 3 – TENTATIVA DE CONTROLE: X tenta controlar sua raiva.
ESTÁGIO 4 – PERDA DE CONTROLE: As pessoas têm limites de tolerância no controle
da raiva. Se X ultrapassa seu limite, passa a exibir um comportamento raivoso, e
sua raiva força-o a tentar um ato de retribuição. Fora de controle, não é responsável
por suas ações.
ESTÁGIO 5 – ATO DE RETRIBUIÇÃO: X realiza o ato de retribuição sobre Y, em igual
intensidade à ofensa, equilibrando a escala de justiça. A intensidade da raiva cai a
zero.
A radialidade de RAIVA constrói-se a partir do cenário prototípico. Lakoff mostra
que diferentes tipos de RAIVA são variantes do modelo prototípico. Afirma que “não há um
núcleo que todos os tipos de raiva têm em comum. Em vez disso, os tipos de raiva
compartilham semelhanças de família”. (p. 405).
São casos não-prototípicos de RAIVA:

A. RAIVA INSATISFEITA: No estágio 5, a intensidade da raiva continua alta.


B. RAIVA FRUSTRADA: Não sendo possível uma retribuição para o ato
ofensivo de Y, X direciona sua raiva contra si mesmo.
C. RAIVA REDIRECIONADA: Em vez de direcionar a raiva para Y, X
direciona-a para uma outra pessoa ou coisa.
D. RESPOSTA EXAGERADA: A reação de X é, em intensidade, exagerada
com relação ao ato ofensivo.
E. RESPOSTA CONTROLADA: X mantém-se sob controle e não chega ao ato
de retribuição.
F. USO CONSTRUTIVO: Em vez de realizar o ato de retribuição, X serve-se
de sua raiva para realizar um ato construtivo: há equilíbrio, e a raiva
desaparece.
G. INTERRUPÇÃO ESPONTÂNEA: Antes de perder o controle, a raiva
simplesmente desaparece.
H. EXPLOSÃO IMEDIATA: X sente a raiva e, de uma vez, perde o controle.
I. RAIVA RESFRIADA: Não há efeitos fisiológicos, e X permanece
controlado.

Lakoff alerta:
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nossa metodologia não nos capacita a dizer muito sobre o exato status
psicológico do modelo que descobrimos. Quanto dele as pessoas utilizam
para compreender raiva? As pessoas baseiam suas ações nesse modelo?
As pessoas são conscientes do modelo? [...]. E mais intrigantemente, o
modelo tem algum efeito sobre o que as pessoas sentem? (p. 408).

De qualquer modo, mesmo em aberto tais questões, Lakoff afirma que a análise de
RAIVA é uma “confirmação da teoria prototípica no domínio da estrutura conceitual”. (p.
409).

6 A PESQUISA MODELOS CULTURAIS II E POSSÍVEIS DESDOBRAMENTOS

O projeto de pesquisa Modelos Culturais visa à análise das categorias RELIGIÃO,


TRABALHO, FAMÍLIA e PROPRIEDADE, entendidas como estruturas conceptuais complexas
cuja construção se baseia nas experiências biológicas (corpóreas) e socioculturais de
indivíduos e comunidades.
Com o aparato da SC, especificamente através da TMCI, levanta-se a hipótese da
existência de um modelo proposicional radial em cada categoria, o qual se expande para as
categorias entre si. Modelos metafóricos e metonímicos atravessam a construção dessa
estrutura complexa. Ao mesmo tempo, mantém-se a hipótese do caráter universal de dadas
estruturas conceptuais, motivado pela natureza corpórea da cognição; como sua
variabilidade, motivada por fatores socioculturais. Pela hipótese da estruturação radial,
visa-se a demonstrar a sistematicidade e a produtividade dos processos de
conceptualização e revelar os modelos culturais prototípicos que estruturam as
experiências das quais se originam tais categorias.
A pesquisa é qualitativa, seguindo o método hipotético-dedutivo e triangulação de
dados. O corpus é construído através de fontes documentais. As análises (semântico-
cognitivas) têm como objeto fragmentos de discursos de e sobre os imigrantes italianos
católicos (e seus descendentes) que ocupa(ra)m a Região Nordeste do Rio Grande do Sul,
cobrindo-se o período de 1875 até a década de 50. Pelos relatos das experiências
(tematicamente restringidos com referência às categorias em foco), visa-se, portanto, à
reconstrução dos Modelos Culturais que orienta(ra)m os modos de pensar e agir dessa
comunidade específica. Nesse estudo, por hipótese, podem ser revelados modelos
cognitivos potencialmente universais.
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Os resultados deste estudo têm sua relevância garantida em dois planos: no


primeiro, mais do que ser uma mera aplicação da SC em termos teóricos e epistemo-
metodológicos, contribui-se com a avaliação crítica do modelo da TMCI, propondo-se
novos procedimentos metodológicos que alargam seu o potencial descritivo-explanatório.
No segundo plano, a partir desses novos procedimentos, visa-se a reconstruir aspectos
relevantes de uma cultura regional fundamentados nas categorias conceptuais RELIGIÃO,
TRABALHO, FAMÍLIA e PROPRIEDADE.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa Modelos Culturais permite o desdobramento em diferentes projetos cujo


objetivo seja analisar conceitos como VIDA, CULTURA, PESSOA, SAÚDE, DOENÇA,
VIOLÊNCIA, SOCIEDADE, entre outros tantos relativos à emoção, a experiências sociais e
culturais. Além disso, é produtiva para o tratamento de polissemia, redes conceptuais ou
semânticas em discursos do cotidiano, de obras literárias, de caráter técnico-científico e de
filosofia, para citar alguns. A história recente da SC tem demosntrado, portanto, seu
potencial para pesquisas de interface com a Literatura, a Psicologia, a Psicanálise, a
Antropologia, a História e a Sociologia, para citar algumas áreas de investigação. Trata-se
de um genuíno campo científico de natureza transdisciplinar.

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