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Elisa P. Reis
limitações inerentes aos estudos de caso, seja pela dades e/ou identificar maneiras de combater a
desconsideração, deliberada ou não, da teoria, não pobreza e reduzir as desigualdades.
se constata grande acúmulo de conhecimento so- Em estudo clássico sobre a emergência de
bre aspectos cruciais da problemática em questão. políticas nacionais de bem-estar social na Europa,
Curiosamente, a própria disposição de interferir na De Swaan (1988) viu a percepção das elites sobre
realidade torna muitas vezes a análise mais restrita os problemas sociais como uma dimensão explica-
e menos eficiente. Isso é, a identificação afetiva tiva central. Na sua perspectiva, somente quando
com a questão se confunde com a relevância do as elites viram vantagens na coletivização de solu-
conhecimento gerado. No que diz respeito à desi- ções a problemas sociais é que o poder público
gualdade, são ainda mais escassas as análises tornou-se o agente natural na provisão de “bens de
disponíveis fora do âmbito da Economia. Com a cidadania” como educação, saúde e previdência.
notável exceção de alguns poucos estudos sobre O que o estudo citado revela é que enquanto
estratificação, falta-nos um programa de pesquisa os membros das elites acreditavam que podiam se
mais amplo que lance luz sobre a dinâmica das proteger individualmente das calamidades e incer-
estruturas de desigualdade. tezas, nenhum incentivo existiu para a coletiviza-
Mais surpreendente ainda, não existem entre ção de soluções. Quando, porém, identificaram
nós estudos sistemáticos sobre como os não-po- situações em que a proteção individual era inefi-
bres e particularmente as elites percebem a pobre- ciente, como no caso do cólera, descobriram as
za e a desigualdade. Mesmo nos países mais vantagens ou a necessidade de soluções coletivas.
prósperos essa questão é pouquíssimo estudada. Inicialmente, eles próprios ensaiaram medidas de
Além de alguns estudos clássicos, mas escassos, saneamento e prevenção de doenças. Contudo,
para o caso da Inglaterra (por exemplo, Himmel- diante do problema crônico de “aproveitadores”
farb, 1991), contamos com a pesquisa de Verba e individuais do esforço coletivo, as elites européias
Orren (1985) sobre os Estados Unidos e, como viram no Estado nacional o agente coletivo ade-
desdobramento dela, com a análise comparada de quado para assegurar a colaboração compulsória
Verba et al. (1987) acerca da visão das elites dos dos indivíduos (via tributação) e a própria provisão
EUA, Suécia e Japão sobre o problema. dos serviços sociais.
A questão da visão das elites não pode ser O estudo histórico de De Swaan e a observa-
subestimada, pois o papel delas na formulação e ção impressionista que as elites do Terceiro Mundo
implementação de políticas sociais é inquestioná- têm uma percepção da pobreza diferente daquela
vel. A menos que — por razões interesseiras ou das elites européias à época da implantação das
altruístas — elas percebam uma política como políticas nacionais de welfare inspiraram o projeto
necessária ou desejável, esta não terá chance de de pesquisa comparada que desenvolvo no mo-
ser implementada. Muitos tendem a negar essa mento com três colegas europeus. A pesquisa está
centralidade das elites em nome de princípios em fase avançada no Brasil, na Índia, em Bangla-
morais e preferências afetivas. Entretanto, reco- desh e na África do Sul, e é possível que outros dois
nhecer que elites ocupam posições estratégicas ou três países em breve venham a ser incorporados
em processos decisórios e que detêm poder de ao estudo.
fato não implica a defesa delas (Etzioni-Halevy, No caso do Brasil, eu mesma já tinha realiza-
1983). do uma pesquisa sobre o tema que acabou funci-
Reconhecer a importância das elites também onando como uma espécie de estudo exploratório
não significa negar a importância dos demais para a condução do projeto comparado. Nessa
atores sociais. O comportamento das elites é, em primeira pesquisa, analisei por meio de um survey
grande parte, reativo às pressões e ações vindas de a cultura política de quatro amplos setores da elite
baixo. Com quer que seja, a maneira como as elites brasileira: políticos, burocratas, líderes empresari-
reagem, suas ações e inações são aspectos centrais ais e líderes sindicais.1 Trabalhando com uma
quando se quer entender a dinâmica das desigual- amostra aleatória de 320 casos, examinei uma série
PERCEPÇÕES DA ELITE SOBRE POBREZA E DESIGUALDADE 145
de questões sobre atitudes e valores políticos nacionais. Entretanto, trata-se de resultados par-
básicos diretamente referidos a questões de justiça ciais, e por isso as análises que se seguem têm
e igualdade. caráter meramente exploratório.
No estudo comparado que desenvolvemos Na primeira parte deste artigo vou me con-
agora, optamos por uma análise baseada em entre- centrar na análise de percepções compartilhadas
vistas abertas com um número muito menor de pela elite brasileira, utilizando para tanto as três
pessoas em cada um dos países envolvidos. Por fontes de informação de que disponho: o survey
outro lado, os setores de elite considerados foram original, o material de imprensa e as entrevistas em
ampliados para incluir, além dos quatro já referi- profundidade. As entrevistas do survey foram rea-
dos, as elites militares, religiosas, intelectuais e lizadas há bastante tempo (1993-94), mas esse
outras. Enquanto, na primeira pesquisa, restrita à problema foi pelo menos parcialmente contornado
elite brasileira, a amostra do survey teve escopo com a exclusão das informações que dizem respei-
nacional, no estudo internacional comparado to à conjuntura de então. Na verdade, grande parte
preocupamo-nos também em buscar eventuais das questões refere-se a valores, atitudes e visões
diferenças entre elites regionais. Assim, no caso do de mundo cuja estabilidade no tempo é muito
Brasil, selecionamos para fins de pesquisa os esta- maior. É também importante salientar que as entre-
dos do Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia e Ceará. vistas em profundidade realizadas recentemente
Em cada um desses estados realizamos entre tendem a corroborar as informações do survey.
15 e 20 entrevistas. Tanto no survey como no Passarei em seguida a uma comparação entre as
estudo qualitativo a seleção dos representantes da elites brasileiras e aquelas de Bangladesh e da
elite atendeu a um critério institucional. Isto é, África do Sul no que diz respeito à percepção das
selecionamos indivíduos que ocupavam determi- questões relativas à pobreza e à desigualdade.
nadas posições dentro de instituições previamente Concluirei, então, com uma breve referência às
definidas. Embora seja inevitável uma forte dose possíveis implicações das visões em pauta para a
de subjetivismo no discurso de indivíduos, a opção formulação e implementação de políticas sociais.
por posições institucionais e pela comparação
internacional cumpre o papel de relativizar as
A visão das elites brasileiras
idiossincrasias dos discursos individuais.
Uma terceira fonte de informação utilizada Tanto no survey como nas entrevistas em
para identificar a visão das elites sobre pobreza e profundidade, chama a atenção, de imediato, a
desigualdade foram as matérias assinadas sobre grande importância que a questão da pobreza e da
tais questões publicadas em jornais de grande desigualdade parece ter para nossas elites. Seja em
circulação. No caso do Brasil, minha equipe traba- termos absolutos, seja em termos relativos, ques-
lhou com uma ampla amostra que incluiu dois tões dessa natureza se destacam. Assim, por exem-
jornais de grande circulação em cada um dos plo, interrogados sobre quais os principais proble-
quatro estados selecionados, durante um período mas do Brasil, nossos entrevistados tendem a
de cinco anos (1992-1996). No caso dessa fonte de conferir prioridade a questões sociais. Da mesma
informação, interessa sobretudo identificar o tipo forma, quando indagadas sobre as principais ame-
de argumentação ideológica invocada para justifi- aças à democracia no Brasil, as elites tendem a
car ou negar o status quo. acreditar que a agenda de problemas sociais cons-
As entrevistas em profundidade com setores titui o desafio mais sério enfrentado por nossa
da elite brasileira estão quase concluídas. As infor- frágil ordem democrática.
mações provenientes das entrevistas feitas na Áfri- No que diz respeito às ameaças à ordem
ca do Sul e em Bangladesh já estão disponíveis. democrática, é significativa a concentração de res-
Nesse estágio preliminar já é possível identificar postas centradas em torno do baixo nível educa-
convergências e divergências interessantes entre cional da população, da pobreza e da desigualda-
as elites brasileiras e entre elas e as outras elites de. Esses aspectos aparecem recorrentemente no
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discurso aberto das elites e nas respostas às ques- Uma vez que as elites identificam quais são,
tões fechadas do survey de 1993-94, como se pode na sua visão, os principais problemas nacionais, o
ver na Tabela 1. Esse tipo de resposta se destaca que elas acham que deve ser feito para combatê-
também quando perguntamos não mais sobre as los? A identificação de objetivos prioritários a mé-
principais ameaças à democracia, mas sim sobre dio prazo para o país pode ser vista como uma
quais são os principais problemas nacionais. Neste forma indireta de responder a essa pergunta. O que
caso, apenas a inflação obteve maior peso que os deveria ser feito? Como ilustra a Tabela 3, que
problemas sociais, como mostra a Tabela 2. Soma- reúne as respostas a esta questão obtidas no
dos, os problemas da educação e da saúde, a survey, a educação foi indicada como a dimensão
pobreza e a desigualdade constituíam quase 40% estratégica para policy intervention.
das respostas.
Tabela 3
Tabela 1 Principais Objetivos Nacionais a Médio Prazo
Principais Obstáculos à Democracia no Brasil segundo as Elites
segundo as Elites (%)
grande panacéia. A educação é vista como um porção de entrevistados que considera a reforma
recurso a ser explorado pelo poder público ten- agrária medida prioritária para combater a desi-
do em vista dotar os setores mais pobres da gualdade, pode-se dizer que a visão das elites
população de condições para competir por um políticas e administrativas mudou bastante nas
lugar melhor na estrutura social sem envolver últimas décadas.
uma ativa redistribuição de renda e riqueza. A
expectativa normativa parece ser que o poder Tabela 4
público invista em educação como uma alternati- Políticas Prioritárias no Combate à Desigualdade
segundo as Elites
va a soluções de tipo soma zero.
(%)
A prioridade conferida à educação expressa
a crença amplamente difundida segundo a qual a Iniciativas Total (1) (2) (3) (4)
escola cria oportunidades de mobilidade social. Promover a 31,1 35,3 32,6 6,8 53,8
No caso brasileiro ela parece também refletir o reforma agrária
otimismo da era desenvolvimentista, quando se Aumentar 16,4 21,6 17,4 21,6 6,3
apostava na criação de novas posições estrutu- a eficiência dos
serviços públicos
rais, novas ocupações sociais que viriam a ser
Controlar 13,4 7,8 14,0 26,1 2,5
preenchidas pelas novas gerações. Estas poderi- o crescimento
am, assim, ascender socialmente sem, contudo, da população
provocar a mobilidade descendente de outros Desregulamentar 10,2 5,9 4,7 26,1 1,3
setores. Em suma, as elites apostam na possibili- a economia
dade de melhoria para os pobres sem custos Tornar 9,5 11,8 12,8 9,1 5,0
diretos para os não-pobres. a tributação da renda
mais progressiva
É interessante observar também que há um
Expandir os 8,5 9,8 10,5 5,7 8,8
consenso quase absoluto entre as elites acerca da gastos sociais
inconveniência de políticas de discriminação posi- Implementar 8,2 5,9 5,8 3,4 17,5
tiva em favor de determinadas minorias. Assim, por a participação
exemplo, apesar de concordarem em que existe do trabalhador
preconceito racial no Brasil, observa-se sua rejei- nos lucros
ção, também unânime, à introdução de sistemas de Taxar a riqueza 2,6 2,0 2,3 1,1 5,0
Total 99,9 100,1 100,1 99,9 100,2
cotas. No discurso aberto das elites, a preferência
(n=305) (n=51) (n=86) (n=88) (n=80)
por iniciativas universalistas se soma à condenação
explícita de medidas de ação afirmativa. Exceto um (1) Elites políticas (2) Elites burocráticas
ou outro caso isolado, mesmo entre as contra-elites (3) Elites empresariais (4) Elites sindicais
há uma forte rejeição a políticas de discriminação
positiva. Na verdade, a descoberta acima não chega
No elenco de soluções privilegiadas para a surpreender se avançarmos um pouco mais na
equacionar o problema da desigualdade merece análise do discurso das elites. Quanto mais ób-
comentários o destaque atribuído à reforma agrá- vios os problemas sociais nas áreas mais urba-
ria. Na Tabela 4 estão indicadas as respostas refe- nizadas, mais aqueles que se sentem afetados
rentes às políticas que os entrevistados considera- por tais problemas apostam na volta dos migran-
vam prioritárias para reduzir a desigualdade social. tes pobres e miseráveis ao campo. Por que, en-
Como se vê, se excluirmos as elites empresariais, a tão, a dificuldade em promover a reforma agrá-
maior proporção de respostas privilegia a reforma ria, questão que aparentemente tem a simpatia
agrária como instrumento de redistribuição. Como das elites? Bem, além das dificuldades práticas
interpretar esse fato? A ameaça à propriedade da de implementação de uma reforma agrária, é
terra não seria mais uma dimensão crítica na preciso não negligenciar o poder de veto das
imaginação das elites políticas? A julgar pela pro- elites econômicas.
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social que não tem sido cumprida e que isso se combater o problema, essa visão crítica não impli-
deve sobretudo à falta de vontade. Contudo, o que ca reconhecer que outros atores poderiam assumir
elas não vêem é que essa vontade “faltante”, essa maior importância no cumprimento de tais funções
“omissão” política, é algo que deve ser creditado a sociais. É quase um consenso entre elas a crença
elas próprias. Nesse sentido, falta uma noção de que o Estado é e deve ser o responsável pelo
responsabilidade social entre as elites. Aparente- combate à pobreza. Essa percepção é tão difundi-
mente, elas não se vêm como parte de um todo, da nesses grupos quanto a idéia de que a liberação
uma coletividade, nem tampouco percebem o do comércio, a privatização das empresas estatais e
Estado como parte da sociedade. Quando o res- o encolhimento do Estado são transformações
ponsabilizam pela persistência da pobreza, elas se extremamente positivas.
eximem da responsabilidade coletiva.
Como explicar, então, que essas elites de-
Comparando elites nacionais
monstrem grande sensibilidade aos problemas da
pobreza e da desigualdade? Por que acreditariam As informações disponíveis sobre as elites da
que eles constituem problemas nacionais e amea- África do Sul e de Bangladesh nos permitem
ças à democracia? Outras respostas do survey observar com maior clareza algumas das caracterís-
sugerem com alguma clareza que a ameaça da ticas das elites brasileiras. Como ponto de partida,
desigualdade pesa sobretudo como uma ameaça à é interessante notar que a visão destas últimas é, no
manutenção da ordem e da segurança pessoal. É geral, muito mais próxima daquela manifesta pela
sobretudo a problemática da segurança e da manu- elite da África do Sul. Ambas as elites nacionais
tenção da ordem nas grandes cidades que parece tendem a ver a pobreza, e mesmo a desigualdade,
assustar as elites. E embora elas critiquem o que basicamente como corolários de insuficiente cres-
denunciam como omissão do Estado, não parecem cimento econômico. Embora essa visão seja até
elas próprias comprometidas em contribuir para certo ponto também válida para Bangladesh, lá ela
soluções coletivas. A forte resistência a medidas é bastante atenuada por uma noção de responsabi-
distributivistas diretas e a aposta na educação lidade pessoal.
como fórmula soma diferente de zero são uma Em termos normativos, as elites brasileira e
indicação de que elas não parecem reconhecer sul-africana tendem a acreditar que a melhor opção
uma efetiva interdependência social. Em outras para se combater a pobreza seria o Estado prover
palavras, elas não vêem o problema da pobreza as condições necessárias para que o setor privado
como algo que afete a sociedade como um todo. gere mais riquezas, o que naturalmente criaria
Claro que a descrença na capacidade do oportunidades de melhoria para os setores mais
Estado como agente coletivo para implementar pobres da população. Em termos ideais, essa op-
soluções sociais dificulta a formação de uma ção tornaria a política social apenas um comple-
consciência social. Isso nunca impediu, porém, mento do dinamismo natural do mercado. Entre-
que as elites se mobilizassem junto a esse mesmo tanto, em ambos os contextos nacionais as elites
Estado para fazer valer seus interesses específi- acreditam que não se pode esperar altas taxas de
cos. O que se pode concluir nesse sentido é que, crescimento econômico a curto prazo. Daí reco-
diferentemente das elites européias estudadas nhecerem a necessidade de alternativas mais dire-
por De Swaan, nossas elites não incluem a erradi- tas para combater a pobreza.
cação da pobreza e a redução das desigualdades Tanto no Brasil como na África do Sul, as
entre os seus interesses de fato. Nesse sentido, elites atribuem ao Estado a responsabilidade dessa
independentemente delas mesmas, o diagnóstico tarefa. Os entrevistados em geral revelam uma
que fazem sobre falta de vontade política para clara preferência pela atuação do poder público no
resolver problemas sociais é bastante pertinente. combate à pobreza, manifestando descrença na
É também importante observar que se as eficácia do terceiro setor na área social e, muitas
elites não acreditam na capacidade do Estado para vezes, uma atitude de ceticismo ou mesmo descon-
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to como expressão de um ethos religioso, quanto as formas concretas como as sociedades respon-
como reflexo da magnitude e relevância do terceiro dem a esses problemas.
setor naquela sociedade. É de se observar que, no Feitas as observações acima, resta-nos con-
caso dos outros dois países, argumentos não econo- cluir que se bem seja tão difícil arregimentar apoio
micistas em defesa de políticas educacionais são fre- para implementar políticas de combate à pobreza e
qüentes apenas entre elites religiosas e lideranças de à desigualdade, é ainda com o recurso à persuasão
movimentos sociais. e/ou à coerção que é preciso contar para alterar
As observações acima sugerem que, em mui- resultados de mercado que nos pareçam inaceitá-
tos sentidos, as elites nos países menos desenvol- veis por razões éticas ou pragmáticas. Parece ser
vidos hoje parecem ter uma percepção dos proble- possível concluir também que se identificarmos as
mas sociais que as circundam bastante diferente motivações das elites será mais fácil assegurar sua
daquela típica das elites européias, que optaram adesão. Se pudermos identificar que argumentos
por investir em soluções coletivas para combater a sensibilizam os interesses desses atores teremos
pobreza.2 Isto é, essas elites não parecem reconhe- expandido nosso conhecimento de forma a preci-
cer a interdependência existente entre elas própri- sar melhor que tipo de incentivos seletivos podem
as e os setores pobres da população, nem tampou- ser administrados para fomentar a cooperação ou
co parecem absolutamente convencidas da neces- pelo menos a aquiescência das elites.
sidade de coletivização das soluções sociais. Quan-
do atribuem ao poder público a responsabilidade
NOTAS
de solucionar problemas, fazem-no, com freqüên-
cia, como uma maneira de se eximirem de obriga-
ções sociais. Por outra parte, quando chamam a si 1 O survey em questão foi desenvolvido como parte do
a tarefa de buscar soluções, essas são pensadas projeto “Elites estratégicas e consolidação democrática”,
desenvolvido por um grupo de pesquisadores no Ins-
quase sempre como soluções individuais, exclu- tituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro
dentes. Assim, por exemplo, na questão da segu- (Iuperj) no período 1993-1995.
rança: o recurso ao policiamento privado é uma 2 Pode-se dizer que, de certa forma, as próprias elites dos
clara indicação nesse sentido. países mais desenvolvidos têm hoje uma visão diferente
daquela que levou à implantação do Estado de bem-
Mesmo quando as elites reconhecem que estar social. Isto é, as elites de hoje não se têm mostrado
investimentos sociais podem ter efeitos benéficos tão sensíveis à interdependência entre os diferentes
ao mercado, não parecem conectar tais benefícios setores da sociedade como o foram à época da coletivi-
a seus interesses imediatos. Assim, por exemplo, zação dos problemas de saúde, educação etc. Hoje,
quando pressionam o Estado por menos taxação e
embora as elites brasileiras mencionem com fre- menos investimentos em welfare, elas parecem estar
qüência que mais saúde e educação melhoraria a recuando para uma percepção muito mais individualiza-
qualidade do trabalhador e com isso poderia bene- da dos problemas decorrentes da pobreza e da desigual-
dade. Mais ainda, no mundo globalizado em que vive-
ficiar tanto o empresário como os consumidores, mos, seria mais ou menos esperável que elas percebes-
esse argumento genérico não parece repercutir sem os problemas sociais dos países mais pobres como
sobre os interesses particulares das elites econômi- problemas que afetam sua própria sociedade. No entan-
to, se se reconhece que os problemas acarretados pelo
cas. Ou melhor, elas não reconhecem diretamente elevado fluxo de imigrantes têm raízes na pobreza dos
a pertinência de cooperar nessas tarefas. países de origem, não se segue daí uma clara opção por
Pode-se argumentar, acertadamente, que a soluções sociais internacionalizadas.
visão das elites sobre como enfrentar os problemas
decorrentes da pobreza e da desigualdade é afeta- BIBLIOGRAFIA
da por sua percepção da capacidade do poder
público para levar à frente políticas sociais. Como DE SWAAN, Abram. (1988), In care of the state. Health
quer que seja, o que interessa ressaltar aqui é que care, education and welfare in Europe and the
a maneira como as elites representam a pobreza e USA in the modern era. Cambridge, Polity
Press.
a desigualdade tem conseqüências tangíveis sobre
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