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O HIERÓGLIFO DE CÂNCER

RENÉ GUÉNON
Publicado na Voile d’Isis, julho de 1931.

Traduzido por Bruno Melchiori

Nós tivemos amiúde a ocasião, no curso de nossos diferentes estudos, de fazer alusão
ao simbolismo do ciclo anual, com suas duas metades ascendente e descendente, e especial-
mente àquela das duas portas solsticiais, que abrem e fecham respectivamente essas duas me-
tades do ciclo, e que estão em relação com a figura de Jano nos latinos, como com aquela de
Ganêsha nos hindus 1. Para bem compreender toda a importância desse simbolismo, é preciso
lembrar-se de que, em virtude da analogia de cada uma das partes do Universo com o todo, há
uma correspondência entre as leis de todos os ciclos, de qualquer ordem que eles sejam, de tal
sorte que o ciclo anual, por exemplo, poderá ser tomado como uma imagem reduzida, e por
conseguinte mais acessível, dos grandes ciclos cósmicos (e uma expressão como a de “grande
ano” o indica assaz nitidamente), e como um resumo, se se pode dizer, do processo mesmo da
manifestação universal; aí ademais está o que dá à astrologia toda a sua significação enquanto
ciência propriamente “cosmológica”.
Se é assim, os dois “pontos de chegada” da marcha solar (aí está o sentido etimológico
da palavra “solstício”) devem corresponder aos dois termos extremos da manifestação, ou seja,
em cada um dos ciclos que a constituem, ciclos que são em multidão indefinida, e que não são
outra coisa que os diferentes estados ou graus da Existência universal. Se se quer aplicar isto
mais particularmente a um ciclo de manifestação individual, tal como aquele da existência no
estado humano, poder-se-á compreender facilmente por que as duas portas solsticiais são de-
signadas tradicionalmente como a “porta dos homens” e a “porta dos deuses”. A “porta dos
homens”, correspondente ao solstício de verão e ao signo zodiacal de Câncer, essa é a entrada
na manifestação individual; a “porta dos deuses”, correspondente do mesmo modo ao solstício
de inverno e ao signo zodiacal de Capricórnio, essa é a saída dessa mesma manifestação e a
passagem aos estados superiores, já que os “deuses”(os dêvas da tradição hindu) do mesmo
modo que os “anjos” segundo uma outra terminologia, representam propriamente, do ponto de
vista metafísico, os estados supraindividuais do ser 2.

1
Ver notadamente O Rei do Mundo, cap. III.
2
Esse ponto será mais explicado numa obra em preparação sobre os estados múltiplos do ser.
Se se considera a repartição dos signos zodiacais segundo os quatro trígonos elementa-
res, vê-se que o signo de Câncer corresponde ao “fundo das Águas”, quer dizer, no sentido
cosmogônico, ao meio embriogênico no qual são dispostos os germes do mundo manifestado,
germes correspondentes, na ordem “macrocósmica”, ao Brahmânda ou “Ovo do Mundo”, e, na
ordem “microcósmica”, ao pinda, protótipo formal da individualidade, preexistente no mundo
sutil desde a origem da manifestação cíclica, como constituindo uma das possibilidades que
deverão desenvolver-se no curso dessa manifestação 3. Isto pode igualmente ser relacionado ao
fato de que esse mesmo signo de Câncer é o domicílio da Lua, cuja relação com as Águas é
bem conhecida, e que, como essas Águas mesmas, representa o princípio passivo e plástico da
manifestação: a esfera lunar é propriamente o “mundo da formação”, ou o domínio da elabora-
ção das formas no estado sutil, ponto de partida da existência no modo individual 4.
No símbolo astrológico de Câncer d, vê-se o germe no estado de semidesenvolvimento
que é precisamente o estado sutil; trata-se portanto não do embrião corporal, mas do protótipo
formal de que nós acabamos de falar, e cuja existência se situa no domínio físico ou “mundo
intermediário”. Aliás, sua figura é aquela do u sânscrito, elemento de espiral que, no akshara
ou o monossílabo sagrado Om, constitui o termo intermediário entre o ponto (m), representando
a não manifestação principial, e a linha direita (a), representando o completo desenvolvimento
no estado grosseiro ou corporal 5.
Ademais, esse germe é aqui duplo, posto nas duas posições inversas uma da outra e
representando deste modo mesmo dois termos complementares: é o yang e o yin da tradição
extremo-oriental, onde o símbolo yin-yang que os reúne tem precisamente uma forma similar.
Esse símbolo, enquanto representativo das revoluções cíclicas, cujas fases são ligadas à predo-
minância alternativa do yang e do yin, está em relação com outras figuras de grande importância
do ponto de vista tradicional, como aquela da swastika, e também aquela da dupla espiral que
se refere ao simbolismo dos dois hemisférios. Estes, um luminoso e outro obscuro, (yang, em
sua significação original, é a lateral da luz, e yin a lateral da sombra), são as duas metades do

3
Ver O Homem e Seu Devir segundo o Vedânta, cap. XIII e XIX. – A analogia constitutiva do “microcosmo” e
do “macrocosmo”, considerados sob esse aspecto, é exprimida na doutrina hindu por esta fórmula: Yathâ pinda
Tathâ Brahmânda, “tal o embrião individual (sutil), tal o Ovo do Mundo”.
4
Ver ibid., cap. XXI. – Nós assinalamos em diversas ocasiões a identidade do “mundo da formação”, ou de Ietsirah
segundo a terminologia da Cabala hebraica, com o domínio da manifestação sutil.
5
Sobre essas formas geométricas correspondendo respectivamente aos três mâtrâs de Om, ver ibid., cap. XVI. –
Convém lembrar a esse propósito que o ponto é o princípio primordial de todas as figuras geométricas, como o
não manifestado o é de todos os estados de manifestação, e que, estando informal, e “sem dimensões”, ele é, em
sua ordem, a unidade verdadeira e indivisível, o que faz dele um símbolo natural do Ser puro.
“Ovo do Mundo”, assimilados respectivamente ao Céu e à Terra6. São também, para cada ser,
e sempre em virtude da analogia do “microcosmo” com o “macrocosmo”, as duas metades do
Andrógino primordial, que é em geral descrito simbolicamente como sendo de forma esférica7;
essa forma esférica é aquela do ser completo que está em virtualidade no germe original, e que
deve ser reconstituído em sua plenitude efetiva no termo do desenvolvimento cíclico individual.
É de notar, de outra parte, que a forma é também o esquema da concha (shankha), que
está evidentemente em relação direta com as Águas, e que é igualmente representada como
contendo os germes do ciclo futuro durante os períodos de pralaya ou de “dissolução exterior”
do mundo. Essa concha encerra o som primordial e imperecível (akshara), o monossílabo Om,
que é, por seus três elementos (mâtrâs), a essência do triplo Vêda; e é assim que o Vêda subsiste
perpetuamente, sendo em si mesmo anterior a todos os mundos, mas de algum modo fechado
ou envolvido durante os cataclismos cósmicos que separam os diferentes ciclos, para ser em
seguida manifestados de novo ao fim de cada um destes8. O esquema pode aliás ser completado
como sendo aquele do akshara mesmo, a linha direita (a) recupera e fecha a concha (u), que
contêm em seu interior o ponto (m), ou o princípio essencial dos seres9; a linha direita representa
então ao mesmo tempo, por seu sentido horizontal, a “superfície das Águas”, quer dizer, o meio
substancial no qual se produzirá o desenvolvimento dos germes (representados no simbolismo
oriental pelo florescimento da flor de lótus) após o fim do período de obscurecimento interme-
diário (sandhyâ) entre dois ciclos. Ter-se-á então, em prosseguindo a mesma representação es-
quemática, uma figura que se poderá descrever como a inversão da concha, abrindo-se para
deixar escapar os germes, segundo a linha direita orientada principalmente no sentido vertical
descendente, que é aquela do desenvolvimento da manifestação a partir de seu princípio mani-
festado 10.
Dessas duas posições da concha, que se encontram nas duas metades do símbolo de
Câncer, a primeira corresponde à figura da Arca de Noé (ou de Satyavrata na tradição hindu),

6
Esses dois hemisférios estando figurados nos gregos pelos penteados redondos dos Discursos, que são as duas
metades do ovo de Leda, quer dizer, do ovo de cisne, que, como também o ovo de serpente, representa o “Ovo do
Mundo” (cf. o Hamsa da tradição hindu).
7
Ver por exemplo o discurso que Platão, no Banquete, põe na boca de Aristófanes, e de que a maior parte dos
comentadores modernos tem o erro de ignorar o valor simbólico porém evidente. Nós desenvolvemos as conside-
rações concernente a essa forma esférica em nossa recente obra sobre O Simbolismo da Cruz.
8
A afirmação da perpetuidade do Vêda deve ser relacionada diretamente à teoria cosmológica da primordialidade
do som (shabda) enquanto as qualidades sensíveis (como qualidade própria do Éter, Akâsha, que é o primeiro dos
elementos); e essa teoria ela mesma deve ser aproximada daquela da “criação pelo Verbo” nas tradições ocidentais:
o som primordial, esse é a Palavra divina “pela qual todas as coisas foram feitas”.
9
Por uma concordância assaz notável, esse esquema é igualmente aquele da orelha humana, o órgão da audição,
que deve efetivamente, para ser apto à percepção do som, ter uma disposição conforme à natureza deste.
10
Essa nova figura é aquela que é dada n’O Arqueômetro pela letra ‫ח‬, zodiacal de Câncer.
que se pode representar como a metade inferior de uma circunferência, encerrada por seu diâ-
metro horizontal, e contendo em seu interior o ponto no qual se sintetizam todos os germes no
estado de completo envolvimento 11. A segunda posição é simbolizada pelo arco-íris, apare-
cendo “na nuvem”, quer dizer, na região das Águas superiores, no momento em que marca o
restabelecimento da ordem e a renovação de todas as coisas, enquanto o Arco, durante o cata-
clismo, flutuando sobre o Oceano das Águas inferiores; é pois a metade superior da mesma
circunferência e a reunião das duas figuras, inversas e complementares uma da outra, que forma
uma só figura circular ou cíclica completa, reconstituição da forma esférica primordial: essa
circunferência é o corte vertical da esfera cujo corte horizontal é representado pelo recinto
circular do Paraíso terrestre12. No yin-yang extremo-oriental, encontram-se na parte interior as
duas semicircunferências, mas dispostas por um desdobramento do centro representando uma
polarização que é, para cada estado de manifestação, o análogo do que é aquela de Sat ou do
Ser puro em Purusha-Prakriti para a manifestação universal 13.
Essas considerações não têm a pretensão de ser completas, e sem dúvida não correspon-
dem elas senão a alguns dos aspectos do signo de Câncer; mas elas poderão ao menos servir de
exemplo para mostrar que há na astrologia tradicional outra coisa que uma “arte divinatória”
ou uma “ciência conjectural” como o pensam os modernos. Há aí, em realidade, tudo o que se
encontra, sob expressões diversas, em outras ciências da mesma ordem, como nós o indicamos
já aqui mesmo em nosso precedente estudo sobre a “ciência das letras”, e o que dá a essas
ciências um valor propriamente iniciático, permitindo olhá-las como fazendo verdadeiramente
parte integrante da “Ciência sagrada”.
Mesr, 15 moharram 1350 H.

11
A semicircunferência deve ser considerada aqui como a um equivalente morfológico do elemento de espiral que
nós estudamos precedentemente; mas, neste, se vê notadamente o desenvolvimento efetuando-se a partir do ponto-
-germe inicial.
12
Ver O Rei do Mundo, cap. XI. – Isto tem igualmente uma relação com os mistérios da letra nûn no alfabeto
árabe.
13
É uma primeira distinção ou diferenciação, mas ainda sem separação dos complementares; é a esse estágio que
corresponde propriamente a constituição do Andrógino, enquanto, anteriormente a essa diferenciação, não se pode
falar senão da “neutralidade” que é aquela do Ser puro (ver O Simbolismo da Cruz, cap. XXVIII).

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