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Do Ponto de Vista à Dimensionalidade


M a r t i n Gr o s s m a n n

/ no início estava a natureza No Pitagorismo, o papel do homem na


sociedade era relacionado a três diferentes graus de
daí veio o homem
participação nos Jogos Olímpicos: no nível mais baixo
que criou a arte. estavam aqueles que vinham para comprar e vender
(ambulantes, espectadores comuns, etc ... ). no inter­
homem e arte, pouco a pouco,
mediário havia os que participavam da competição, e
foram sublimando e neutralizando a presença da natureza o terceiro era formado por aqueles que vinham assis­
tir o espetáculo, os teóricos, no sentido literal do
,_através das artimanhas da representação.
termo. O desvio etimológico de teoria ocorre justa-
j
porém o mundo dos significantes e significados rebelou-se mente nesta época: do mero ato de olhar para o de
contemplar e gradualmente adquirindo o significado l
desconstruindo os mitos homem e arte
de concepção mental.
abrindo espaço ao caos. A transformação deste termo acompanha o
desenvolvimento do que Mcluhan1 chamou de espaço
mundo caótico, pois entregue à relatividade do sujeito. visual. A elaboração de uma concepção mental de ..

na sua relatividade o sujeito hoje


espaço, nos moldes desenvolvidos pelo Pitagorismo,

\j
requer a dissimulação do contexto das coisas em geral!
necessita de outras formas de conhecimento, \- a sua interiorização através do subconsciente - para i
outras tecnologias,
garantir uma uniformidade abstrata e estática do que é
\ontemplado, ou seja, representa-se uma figura indivi­
para entender esta outra disposição ilualizada em detrimento de seu contexto consciente.
Neste sentido o espaço visual é, acima de tudo, uma

--
entre as coisas, o mundo
· construção de bom senso, resultado de uma percepção
1. Mcluhan. M. Laws oi
e o próprio sujeito. uni-sensorial baseada na interação mente-olho. Media, Toronto, 1988.

item-3 tecnologia
30

Através desta estrutura epistemológica dernista. Portanto, não se trata de uma e-::i: '= ==
podemos comparar o papel do pintor com o do cientista, definição destes termos, nem de uma adequação desces
ambos teóricos que trabalham com a mesma noção ao esquema proposto, apenas aproprio-me deles para
abstrata e geometrizante de espaço (evidente em si enfatizar a idéia de transformação que a visualidade
mesma) que surge com os gregos (Euclidiana). sofre em sua trajetória objetivando a construção de um
No caso do artista-pintor, a tela branca sinte­ conhecimento universal.
tiza esta noção abstrata de espaço como uma porção de Antes de enfocar cada um destes momentos,
um plano extenso, infinito, estático e homogêneo - um é necessário reafirmar o caráter generalizante desta
Quantum continuum - que intermedia o ato de contem­ explanação que inevitavelmente encobre nuances e dis­
plação e o mundo dos fenômenos (natureza). A tela é cussões de grande importância para debates como este
considerada como um espaço perfeito que não está que estou desenvolvendo.

·.- ---t===
sujeito a qualquer forma de interferência ou fricção
proveniente do mundo exterior, funcionando assim como momento pré-modernista
um meio a priori, uma estrutura que permite a formaliza­
ção de conhecimento. Esta estrutura, além de ser evi­
dente em si mesma, é independente da experiência.
Assim, como qualquer conhecimento a priori, a tela
cumpre um objetivo maior, que é o de modelar e ordenar
-.,;-- --- ➔
toda possível contemplação. Como já explorado por
Panofsky 2 em seu célebre livro A Perspectiva como
Forma Simbólica, a tela funciona como uma janela, um
enquadramento de um instante. lst9 implica a presença Gombrich 3 já dizia, "o nosso olhar não dobr-a
de um sujeito que contempla (um ponto-de-vista) de um esquinas". A perspectiva é portanto um estratagema,
lado desta janela e de um objeto/cena contemplado do um ver através e em linha reta, que ao usar como base a
I concisão visual do ser-humano - como Dürer esquemati­
�utro. A idéia de um ponto-de-vista é possível graças à
noção de distância que separa estes dois lados; a dis­ za em sua gravura A Demonstração da Perspectiva

1.
tância que o olhar · necessita para apreender o (1525) - almeja representar com fidelidade um
objeto/cena contemplado. Assim, divorciado do objeto objeto/cena tri-dimensional em uma superfície bi­
contemplado, não há necessidade do sujeito acionar ou­ dimensional. Neste sentido, Gombrich ressalta: "a pers­
tros sentidos para compreender o que está sendo enfo­ pectiva visa uma equação correta: pretende que a
cado, só a visão. Neste caso, a epistemologia emprega imagem pareça com o objeto e o objeto com a imagem".
da fundamenta-se na predisposição contemplativa e não O período pré-modernista na história da visu­

através da experiência do sujeito com o objeto e com o alidade é marcado pela preocupação com a represen­
contexto formado por esta interação. Podemos afirmar tação da realidade através de sua reprodução em pin­
então que a janela, o ponto-de-vista e o ato contempla­ turas de gênero. Podemos considerar a invenção' da pers­
tivo formam uma tecnologia desenvolvida pelo homem pectiva baseada em regras matemáticas (Bru�
para simplificar e organizar a aquisição de conhecimen­ 1377-1446) como a efetivação deste modelo de visuali­
to, que é normatizado através da projeção bi-dimensio­ dade e o Impressionismo como o movimento que simf
nal do objeto/cena contemplado na janela (pintura). baliza a sua exaustão.
Através desta rápida introdução ao que São três os elementos que estruturam esta
podemos chamar de estrutura elementar da visualid.ade fase paradigmática para a construção do conhecimento
ocidental, é possível identificar os elementos centrais ocidental através da visão: a natureza, o artista e a pin­
que promoveram o desenvolvimento desta visão de tura.
mundo. tendo como ponto de partida a Renascença. Isto
será apresentado através da esquematização deste per­
curso em três momentos diferenciados. Para auxiliar-me
2 Panofsky, E. Oie Perspektive ais
nesta tentativa de generalização, optei por identificar, de
Symbolishe Form, Munique, 1927.
3. Gombrich. E. H. Art and forma circunstancial, estes momentos como sendo con­
1/usion, Londres. 1960. secutivamente: pré-modernista, modernista e pós-mo-
Ma-: - Grossmarm Do Ponto-de-Vista à Dimensionalidade 31

O artista é o agente intermediador entre o subestimar a capacidade dos meios de aferir e gerar Albrecht Dürer.
mundo fenomenológico e sua representação. Não exis­ conhecimento, ao supor que tanto através da pintura A Demonstração da
Perspectiva, 1525
tem outros agentes, a obra é um produto executado e como do texto por exemplo, ele, o homem, possuía o gravura
finalizado pelo artista através de meios e técnicas con­ conhecimento supremo do mundo. Criou-se assim a
vencionais. O mundo e as coisas e os seres que o ilusão de que estes meios erarn.Jl.ê]§m� veritates, ou
habitam são retratados como fachadas, como entidades se.ja.,-Yrt1--munciG-à_pacte_d.��os. A
bi-dimensionais (símbolos), pois a observação do mundo J natureza assim foi sendo gradualmente sublimada pela
se dá através da janela. Há portanto uma compatibili- superfície destes meios, pois eles é que representavam
dade entre a representação e a visualidade, pois ambos \ a realidade. A natureza passa assim a ser considerada
enxergam e entendem o mundo bi-dimensionalmente. como um referente a priori, e nem a escola paisagista de
Barbizon (1830) como tampouco os Impressionistas
artista foram capazes de reverter esta tendência à simulação.
O processo de encantamento do homem com este seu
artifício é analisado por Baudrillard 5 quando ele explo­
natureza pintura ra historicamente e conceitualmente as ordens e efeitos

r.-
do simulacro como sistemas que visam, não apenas
Emprega-se basicamente a análise neste en­ entender o mundo, mas ordená-lo e controlá-lo.
ergar o mundo, favorecendo o surgimento de disciplinas A obra de arte adquire assim o status de uma '
como a estética, a história da arte - que buscam coisa em si mesma, independente do mundo experiencial.
normatizar esta relação entre: a) o que é representado, b) Pode-se afirmar então que esta independência do mundo\
:r ,., ./
-,,! representação e c) seu idealizador e produtor, o artista. externo, da vida, significa também a morte da represen­ 4. Nietzsche, F. Mensch/iches, \
O problema com este convincente sistema de tação como mímesis da natureza. Isto também nos leva a Allzumenschliches, Chemnitz.

significação, como alerta Nietzsche 4 em relação à lin­ determinar o primeiro cisma, a passagem do momento pré­
1878-80.
5. 8audrillard, J. Simulations,
guagem textual, é que a sua eficiência levou o homem a modernista da visualidade ocidental para o modernista. i Paris, 1983.

item-3 tecnologia
32 Do Ponto-de-Vista à Dimensionalidade Martin Grossmann

momento modernista

!----=====➔
Por que o Cubismo e não Cézanne?
Simplesmente porque o Cubismo transforma-se em uma
generalização, um movimento que mesmo incorporando
a experiência singular de Cézanne - como bem demons­
tra o artista cubista nas tentativas de representação de
sua multivisão - acaba por abandonar a n�eza como
referencial maior voltando-se às preocupações conceitu-
\
Duas produções servem como pontes entre �- Isto é explicitado por
7
estes dois momentos. �zari_ri_e e sua dúvida, e Manet e Appolinaire quando ele considera o Cubismo como
sua pinturas explicitamente plqnas. Mais uma vez faço sendo o início de uma nova arte plástica, pura pintura.
uso da generalização ao usar o trabalho destes dois Neste caso, já que a pintura como represen­
a,., :as - a incfrar o desdobramento desta fase mo­ tação da natureza está morta, ·são apenas dois os ele­
:.=-· SIE ::·s -&;;-sr..::s ':'e enciados mas conver­ mentos responsáveis pela manutenção deste segmento
=: �-::: � paradigmático relacionado à visualidade do momento: o
<e-

;=----: 2-:�-7·,, �--·M·sra herdada d


a ra e a _pintura.

_ _ ::_ ::_ -" -=-- -- ---= _ -" ·_2 ·..::.:a ---'Ega.. na


�::-:a· PE is oa zção e repre-
in2çã a na reza (o a o de pintar), como os
lm ressionistas e os artistas da escola Barbizon, uma
relação mais intensa e experiencial com este seu mode­
6
lo. Mas, segundo Merleau-Ponty , a intenção de
Cézanne é singular, um paradoxo: "procurar a realidade 2Q segmento modernista
sem abandonar as sensações, sem ter outro guia senão a
natureza da impressão imediata, sem delimitar os con­ artista
tornos, sem enquadrar a cor pelo desenho, sem compor a
o�. D
obra
perspectiva ou o quadro". A natureza, na pintura, deixa
assim de ser uma representação bi-dimensional, fotog@_­
\'-.
fica, e Qassa a ser um objeto. O ponto-de-vista perde seu O segundo segmento modernista tem como
papel de agente focalizador, de lente objetiva e é substi­ artista referencial Manet. Argan dá a dica: "As figuras'
8

tuído por uma apercepção pessoal orientada pela e o espaço formam, pois, um único contexto: Manet não
inteligência do pintor, que em uníssono organizam a obra. vê as figuras dentro, e sim com o ambiente". O ambiente
ou espaço neste caso não é o da natureza, mas explici­
1 Q segmento modernista tamente o da própria pintura, sua tradição. Manet bus­
cou representar, através de sua visualidade contem­
artista porânea, a história da pintura, a história da represen­
O Q O I
tação. O externo, para este pintor-historiador é um ele­
o • o> O�IH mento puramente pictórico, parte da composição da pin­
tura, que antes de mais nada · m meio decididamente
o\�atureza obra 1
Ü � Não é à toa que Greenberg, teórico
exemplar do modernismo, considera Manet como o pre-
Resultante deste processo fenomenológico cursor da pintura modernista, aquela que se caracteriza
6. Merleau-Ponty, M. Sens et entre a pintura e a natureza temos o Cubismo, movimen­ pelo exercício da auto-crítica que é operacionalizada no
Non- Sens. Paris, 1965. to que simboliza o início do segundo momento da visua­ interior do próprio meio empregado através de seus
lidade ocidental marcado pela intenção de se estabele­ próprios recursos técnicos. Vale lembrar, como faz
7. Appolinaire, G. Les Peinlres

9
Cubisles, Médilalions
Eslhéliques, Paris, 1913. cer um novo parâmetro para as artes plásticas: uma arte J Greenberg , que o emprego da auto-crítica não visa aj
l
auto-referente,..capa2-d!U..LIPerar_Q8__QQjfili.y_os__aoter.ior.e.s subversão do meio, mas o seu fortalecimento. Por outrn\
8. Argan, G.C. /'Arte Moderna
1770/1970, Roma. 1970. 1
9. Greenberg, C. Modernisl d\L@.pras.entaçã0-da-natureza-dedicandocse_excw_siva-_ lado esta conscientização das particularidades do meio
Painting, Nova York, 1965. m_en1ª.JLl_eus_pLópr.i.os pr�ç§j_tos_ e característicª-.S :... ·também acaba por promover uma crítica que é redutiva

tecnologia item-3
Martin Grossmann Do Ponto-de-Vista à Dimensionalidade 33

René Magritte,
O Uso da Palavra /,
1928-29
óleos/ tela
54,5 x 72,5 cm
col. Willian N. Copley,
Nova York

1 e disciplinar, ou seja pragmática. O meio vive em função O estruturalismo e, principalmente, Barthes


11

de si mesmo, incapaz de transcender a sua própria é responsável pela promoção da metalinguagem como
natur�za, como esclarece Krauss 10 ao demonstrar a recurso teórico indispensável para revelarmos o que
12
existência da grade (grirf) como uma estrutura referen­ Foucault chamou de epistémes, sub-estruturas for­
cial da arte modernista que favorece a recorrência e ma is sublimadas pelas camadas conotativas de um
repetição dos eventos, mesmo aqueles auto-denomina­ signo ou meio, que dão validade ao conhecimento
dos de vanguarda. científico ou humanístico em um determinado
período histórico.

t�I
A pintura de Magritte, O Uso da Palavra I é,
sem dúvida, um bom exemplo de tática desmitificadora
promovida pelo estruturalismo, uma vez que ela revela a
verdade que sistemas de significação do Iluminismo,
como a pintura e o texto, são obrigados a promover e
comunicar subliminarmente. Foucault, em seu ensaio ·
Mas esta tendência auto-crítica do mo­ Isto não é um cachimbo (Ceei n'est pas une pipe), realça,
dernismo também é responsável por uma outra forma de a capacidade que esta pintura tem em promover um(
crítica, a metalinguagem. deslocamento das verdades a priori usadas pelo obser­
vador na contemplação da arte. Para ele é a irrealizável
Metalinguagem é o resu!tante de uma atitude crítica e cons­
conecção entre texto e obra e a impossibilidade de
ciente que se relaciona às operações de um meio ou linguagem
empregada em prol da construção de �No definir a perspectiva usada na formulação do quadro -
momento em que o produtor emprega conscientemente a lin­ que permitiria ao observador aferir se a asserção é v'er­

- -----
10. Krauss, R. The Originality oi
guagem, há uma justaposição de duas linguagens, a lin�em­ dadeira, falsa ou contraditória - que causam um estra-
- the Avant-Garde and Other
conteúdo e a linguagem-forma. Ou seja, a metalinguagem é for­ Myths. Cambridge, 1985.
mada pela interação de um discurso crítico cujo referente é o nhamento conceituai no observador, levando-o a ques-
11. Barthes. R. Mythologies.
discurso de uma prática de significação (seja ela pintura, tionar a estrutura epistemológica deste sistema de sig­ Paris, 1957 & La Mort de

---- -----�---
arquitetura, literatura ... ). Neste caso, esta prática além de pro­ nificação. Magritte interro a a razão de ser deste meio /'Auteur, Paris, 1969.

nunciar-se a respeito de seu tema também comunica algo a 12. foucault, M. Les Mots et les
onipresente ao desconstrnir suas premissas, trazendo
respeito de si mesma: ela se apresenta como uma linguagem � Choses, Paris, 1966 & Ceei

bi-facetada. para a sua �s_simuLado. Ou como n·est pas une Pipe. Paris, 1983.

item-3 tecnologia
34 Do Ponto-d·e-Vista à Dimensionalidade Martin Grossmann

Diego Velázquez, As Meninas, 1656


óleos/ tela, 318 x 276 cm
Museu do Prado

Lucio Fontana, Tela Cortada


óleo s/ tela e cortes
colecão particular
Martin Grossmann Do Ponto-de-Vista à Dimensionalidade

= _ -::. _
=-
coloca Foucault "Magritte permite que o velho espaço O Ato Criaaor. '•'-'>-= _ � - _ -= __
da representação ainda reine, mas apenas na superfí- ato criativo não é desem " �2::: E:::E-� :E _
cie, nada mais do que uma lápide polida portando espectador traz a obra para o mundo exta--:-::: 2: : "': �-
palavras e formas." e interpretar suas qualidades interiores, adiei .z~:::
assim sua contribuição ao ato criativo".

o obieto indiferente na arte inci­


ta o espectador a assumir e
desenvolver uma predisposição
crítica vis-à-vis o contexto expe­
rimental dado - a instituição da
Magritte usa a pintura para representar a arte - revelando-o
existência paradoxal do próprio meio, revelando assim a
convencionalidade e limites da pintura que era até então
considerada como universal e portanto inquestionável.
Indiretamente, e como um efeito a posteriori deste Duchamp traz estes três elementos (o artista,
processo de desmitificação da pintura, Magritte também a obra de arte e o observador) para o mesmo nível, no
aponta para a possibilidade de desmitificação do artista qual não existe uma distinção hierárquica entre eles. É a
como ser superior: o criador, detentor de uma geniali- interação des�s elementos que permite a formação do
dade distinta e uma autoridade no assunto. É Barthes contexto. Não se trata aqui do contexto da represen-
que se ocupa desta tarefa em seu A Morte do Autor. tação, de sua bidimensionalidade, nem do contexto da
Sendo assim, Magritte assina o atestado de óbito da pintura (a superfície da tela), mas de um contexto relati-
pintura (fruto da visualidade pré e modernista) e Barthes voe sincrônico formalizado através do encontro da ação
o do artista onipotente, aquele que detém a chave dos consciente do artista com a do observador.
significados de sua obra. Estas mortes sinalizam o
segundo cisma na história da visualidade, introduzindo­
nos no terceiro momento que chamei de pós-modernista.

obra
momento pós-modernista
observador
A morte do artista implica na valorização ctQ
leitor, ou no caso da arte, do observador. .Como exposto
'---------,--------:--,--.,----:--------
nos Dois módulos anteriores, o observador não possui A dimensionalização, e não mais necessaria­
um papel definido na estrutura de conhecimento desses mente a visualização, do mundo experienciado (o
sistemas de visualização,. eles são meros es ectadores, entendimento e tratamento do espaço-tempo) é modela-
sentido não-teóricos. Mas há excessões à regra:
e nesse--�-- da através da interação entre objetos e sujeitos críticos ,
Velázquez, em seu quadro As Meninas já demonstra uma e conscientes não só do ato criativo como também do
verve metalingüística singular, só comparável à de interpretativo e dos limites deste conhecimento rela­
Duchamp. Em Velázquez, a importância do observador na tivizado. Esta outra forma de conhecimento é opera- _
circularidade do conhecimento e para a desconstrução cionalizada quando usuários (produtores e obser­
do sistema de significação é explicitamente revelada vadores), seus produtos e outros elementos (a natureza
pela figura localizada no fundo da sala, atrás de uma por exemplo), convivem interativamente, em rede.
porta entreaberta. Ela serve como uma espécie de um
duplo para nós, observadores curiosos, uma vez que
através desta presença crítica virtual somos capazes de
ventilar este sistema, de modo semelhante aos rasgos
nas telas de Fontana. Já em Duchamp 13, a importância
do observador está explicitada na ação de seus ready­
mades no espaço institucional da a "'" (museus e gale­
13. Duchamp. M. The Creative
rias) - vide ilustração abaixo - e ê e • -de seu artigo, Act. Houston. 1957.

item-3 tecnologia
36 Do Ponto-de-Vista à Dimensionalidade Martin Grossmann

galeria ou museu como "cubo branco" - vide O'Dohorty 14)


ao promover operações sincrônic a s forma dora s de a
prioris relativos, de estruturas elásticas, dinamiza da s
por uma fruição muito mais processua l/experiencial do
que contempla tiva .
A a rte na dimensionaliza ção é composta de
interfaces relativas e temporárias que permitem a comu­
nic ação e a troc a de conhecimento insta ntâneo e sin­
crônico (interativid a de) Tra tamos neste ca so com
dimensões espaço-tempora is que modelam a nossa con­
temporaneidade. As artes pré-modernista e modernista
raramente trabalhara m com ou nest_a situa ção. As
Meninas de Velázquez é sem dúvida uma excentricidade.
No enta nto, Duchamp, com seus ready-mades indife­
rentes, e o advento de performa nces como as dos
Da da ístas, Futuristas e Construtivista s nas primeira s
décadas deste século, sinaliza m uma signific a tiv a
mudança neste pa norama . Como esquema tizado acima,
a presença crítica do usuário no interior do espaço da
arte é imprescindível pa ra a fruição da es'tratégia ready­
made, a ssim como o é em se tratando.da s performances
que envolvem a.torns/.a.u.tGrns--e--a u�-
"'-'-"-��::'_.'.'.:'..'..'.2'.'.:'..'..'.'.:'.....'.'..:.:::::::'.!....!:-�CJ.<--"-'-"�=
iva . Apes a r

desta s açõ,es pós-modernistas terem sido domestica das


Hélio Oiticica, Na caso da a rte, temos um momento-arte pelas teoria s modern ista s (como demonstra si gnifica tiva
Parangolé, Nildo da
Mangueira com P15 pois a rte não é a penas um objeto (quadro, escultura , parcela de obra s recentes de Teoria e História da Arte e
Capa 11, Incorporo a gravur a ), mas uma cria ção coletiva formadora de exposições retrospectiva s dessas produções), há uma
Revolta, 1967
espa ços-tempo sincrônicos (interfaces) O momento-a rte clara cont inuida de neste outro processo de produção e
\
é (re)criado qua ndo há uma interação entre a proposta ­ entendimento de arte, o net-art. Esta continuidade se
a rte do a rtista, a disposição/presença (estética) dos estabelece neste século como uma espécie de pa drão
(
objetais) e a pa rtic ipação efetiva (consciente/intelectu­ (pattern) e não necessaria mente como uma tra dição,
a l) do usuário (não ma is observador). Sendo a ssim, o uma vez que não se dá tendo como referência central a
..._______,_....
objeto-
...- �- -
a rte não cumpre apena s uma função estétic a,
� -· - --·--
.J!l-ª.§._.slCima de tudo funciona como detonador de uma
noção dia crônica de tempo (histórica ) A diferença bási­
ca entre a continuida de diacrônica (para digma do pré­
_(io!er)r.ela ção.:9rt� A arte é modelada ou formalizada modernismo e do modernismo) e a sincrônica (rel a ciona ­
quando existe uma conecti vidade entre esta s três da à questão da dimens iona lidade) - ambas não são
, instâncias menciona da s acima : trata-se de uma net-art. excludentes - é que elas pa rtem de diferentes pressu­
� O interessa nte é que as três i nstância s são igualmente, postos. Esta d iferença se a ssemelha à que Ray 15 faz no
� em si-mesmas, a lgo incompleto, completamente rela ti­
primeiro ca pítulo de seu livro Tempo, Espaço e Filosofia
vas. Ela s só fazem sentido se forem considerada s em para introduzir a questão da relatividade na Ciência .
conjunto: o artista não se sobressa i por suas idéia s ou Para ta nto R a y resgata os pa ra doxos de Zenão de Eléia,
1 por sua genialidade a priori; a obra não se sustenta ape­ filósofo pré-socrático, que desafiam as proprieda des do
na s por sua presença estética em um ambiente de arte espa ço, tempo e movimento: "O principal enfoque dos
: (museu, galeria) e o observa dor não é um mais um, ou um paradoxos de Zenão é no ca ráter 'em pequena escala' do
elemento dispensável e até irrelevante no sistema-arte. espaço e tempo. Essa estrutura em pequena escala seria
14. O'Dohorty, B. lnside de __Qs-momento.s.:artg__�ª9 __cria ções topológicas, mesmo contínua ou seria 'indivisivelmente a tomística'
White Cube, Nova York, 1976-
S;!:1.gular i da des, capazes de for_necer:__a sua p�ópria loca ­ ou 'discreta' de alguma forma7 Se o espaço tridimen­
86
15. Ray, C. lime. Space and J1'a_ção no __espi)_ço1en:7�sta net-art transcende a s siona l é um continuum, então podemos contínua e
Philosophy, Londres, 1991. convenções do paradigma estrutura l euclidiano (ex: a indefinidamente subdividir suas partes. M a s, se o

tecnologia item-3
Martin Grossmann Do Ponto-de-Vista à Dimensionalidade 37

espaço e tempo são de alguma forma discretos, qual­ espaço-tempo, subvertendo assim os a priori do sis­
quer processo de sub-divisão teria um limite definido". tema-arte. Os Parangolés são arte pois estão sob o
Um exemplo didático que esclarece esta comando de um sujeito consciente de sua ação gerado­
diferença entre a estrutura espaço-temporal do continu­ ra de um ambiente-arte ou de um momento-arte. O
\
um (tradição/diacronia) e do discreto (padrão/sincronia) estranhamento que vivenciamos na observação/ partici­
na arte são os Parangolés de Oiticica: esculturas- pação de As Meninas e na confrontação crítica com os
maleáveis e em camadas, que podem ser vestidas não ready-mades indiferentes de Duchamp assemelha-se ao
só pelo artista mas também pelo usuário. que experienciamos na situação de estar vestido com os 1
Do ponto de vista d1acrôn1co (o do h1stonador Parangolés. Estes momentos são um padrão que confor­
da arte), estes obJetos são produtos do processo criativo mam o que chamamos de contemporaneidade.
\ e teórico do artista que tem suas origens nos experi­ Contemporaneidade não é um outro momen­
mentos de ordem sensór10-menta1s 1nic1ados pelos cons­ to histórico, como alguns historiadores consideram o
1
trut1v1stas europeus na pr1me1ra metade deste século pós-moderno (exemplo: Barilli 7), mas uma situação,
Os Parangolés seriam assim o resultante lógico de um uma instância, fruto de uma consciência que além de
processo seqüencial na arte moderna que busca libertar histórica é relativa, pois operacionalizada por um sujeito
a pintura não só de seu vínculo tradicional com o suporte presente e atuante no espaço-tempo. A contemporanei­
(parede), ao lançá-la ao espaço tri-dimensional (como os dade é uma espécie de delay (dilação) do tempo
Relevos Espaciais, 1959, de Oiticica), como também de diacrônico. �annah Arendt 18, em seu livro Entre o
sua estrutura reterencial euclidiana (o espaço da arte Passado e o Futuro, explora este momento através de
como cubo branco), ao incitar a participação do obser­ uma parábola resgatada dos escritos de Kafka. Ela
vador (no caso de Diticica, a partir de seu Grande esclarece que nesta parábola existe um sujeito que se
Núcleo, 1960). encontra em um campo de batalha criado pelo embate
No entanto, através da experiência do entre as forças do passado e as do futuro. Este. sujeito
usuário (o sujeito que veste) com este objeto, esta está envolvido em três confrontos diferentes: o choque
relação linear de tempo, descrita acima torna-se mera entre o passado e o futuro, e a relação deste sujeito
\
explanação de uma ação que busca a construção do que como estas duas instâncias temporais. Tudo isso ocorre
16
Oiticica chamou dg)o.talii:Jades..a�. Estas to- simultaneamente e ao que tudo indica, única e exclusi-
1 talidades ambientais são modeladas por um observador vamente devido à presença crítica e consciente deste
/ que se transforma em participante ao provocar uma indivíduo nesta situação. Este indivíduo não dispõe ne­
1 reversibilidade epistemológica. cessariamente de uma tecnologia a priori, tampouco de

(
Esta reversibilidade se dá, pois, como bem um sistema de arte normativo e determinante. Na expe­
/
coloca Oiticica, o participante, ao vestir o objeto-arte riência da contemporaneidade, na dimensionalidade,
transforma-se no núcleo central de uma experiência no arte e tecnologia fundem-se. •

16. Oiticica. H. Aspiro ao


Grande Labirinto. Rio de
Janeiro. 1986.
17. Barilli. R. CArte Contem·
poranea, Milão, 1984.
18. Arendt, H. Between Past
and Future, Nova York, 1954.

item-3 tecnologia

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