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CATARSE

Março de 2020 b Editor : Professor Benedito José de Carvalho Filho

UMA TRAGÉDIA NOS AMEAÇA NESTE


MOMENTO: O FUTURO DA
UNIVERSIDADE ESTÁ EM RISCO. VAMOS
RESISTIR?

Estamos começando neste mês de março de 2020 o semestre


letivo. Boas vindas aos que estão chegando à Universidade Federal do
Amazonas e força para estão resistindo nessa triste era Bolsonaro.
Diante da tragédia que estamos vivendo é importante, prezados
colegas, alunos e alunas, termos conhecimento sobre o está ocorrendo nas
universidades públicas neste momento.
Certamente muitos sabem que estamos diante de uma ameaça
que vem manifestando desde a posse de Jair Bolsonaro. A universidade
está em risco nesse momento, pois, para quem está acompanhando o que
se passa no nosso país podemos estar diante de uma tragédia. Mas não só
as instituições educacionais que estão sendo afetadas. Na área de saúde,
no mercado de trabalho, no campo e nas cidades, estamos vendo o país
desabando ladeira abaixo. Indígenas ameaçados, a Amazônia sendo
saqueada e destruída, o desemprego alarmante e, agora, o coronavírus se
alastrando pelo mundo como estamos observando
Não será um ano fácil para a educação pública, se esse governo
acelerar as reformas que já estão em curso, como a privatização das
instituições públicas, como ele já está fazendo e vai radicalizar mais´
A luta será muito dura e se não nos organizarmos e irmos para
o confronto, teremos diante de nós uma tragédia, cuja dimensão não
podemos aquilatar ou imaginar. Será um adeus ao ensino público e
gratuito, a educação de qualidade, a extensão, a capacitação docente e
tantos outros projetos. A educação pode se tornar um balcão de negócio,
como já está ocorrendo, com a entrega dos centros educacionais para os
setores privados, mais preocupados com o lucro do que com a educação.
Adeus a capacitação dos professores pois teremos que enfrentar muitos
obstáculos que podem colocar em xeque a própria instituição, e, porque
não dizer, a nossa própria existência como educadores.
É por isso que a nossa única saída é nos unirmos e ficarmos
atentos ao que está acontecendo no nosso país nesta era de desmanche,
pois há uma forte tentativa de destruição da educação, da ciência e da
cultura por esse temeroso governo.
A luta será dura, sofrida, mas não devemos nos render. Temos
que resistir, ir para as ruas dia 18 de março. Ficar alheio ao que está se
passando no país é um tiro no pé e deixar a tragédia acontecer sem
nenhuma resistência.
O que está em jogo não é somente a educação e suas instituições,
mas a integridade dos direitos dos que lutam pela democracia, pois, cada
vez se torna evidente que esse governo quer aniquilar os nichos e
inteligência e os aparatos do Estado.
Isso fica evidente quando vemos as ameaças que surgem diante
de nossos olhos. E não são poucas!
O ministro da Educação, por exemplo, o patético Abraham
Weintraub, vem, desde que assumiu o cargo, tentando criar estratégica,
visando desqualificar as universidades, com denúncias, como o citando
laboratórios de faculdades de química que estariam, segundo ele,
“desenvolvendo meio de produzir drogas sintéticas, como, por exemplo,
metanfetaminas”.
O objetivo desse patético ministro é introduzir força policial nas
dependências das universidades, e seu o intento é cercear eventuais
manifestações de professores e estudantis, no interior das faculdade.
Há, sim, (e não podemos nos iludir) uma forte e violenta
investida desse governo, contra as universidades pública. Esse é seu
projeto neoliberal. É só perceber o que está ocorrendo em órgãos, como
o Instituto Nacional de Pesquisa, o sufocamento orçamentário do CNPq,
Capes e das Universidades e instituídos de educação tecnológica, assim
como a nomeação de reitores que não foram escolhidos por suas
comunidades e (o que é a grave) e a queda dos orçamentos destinados às
universidade públicas. Sem exagerar, estamos diante de uma tragédia,
cuja dimensão não sabemos aquilatar.
Temos um Ministro da Educação atiçando o ódio e ameaçando
tudo de positivo que vinha se fazendo nos governos passados. Não se trata
de tentar buscar soluções para tornar as universidades mais eficientes e
capazes de oferece alternativas para o desenvolvimento do país, mas
aniquilá-la, entregar para empresas privadas que pensam somente no
lucro, sob o comando do capital, de preferência o financeiro.
Neste ano de 2020 a tendência é essa situação se agravar. Já se
fala, por exemplo, em suspender os concursos públicos nas instituições
pública de ensino, num momento em que muitos docentes estão se
aposentando, sem que contrate novos professores. Isso sem contar com o
forte arrocho salarial que já vem acontecendo nestas instituições e torna
a vida dos professores e outros servidores públicos mais precários.
Percebe-se na comunidade acadêmica duas atitude. Uma de total
desconhecimento da gravidade da situação que estamos vivendo, cujo
comportamento é o do “não estou nem aí”, achando que tudo vai ser
resolvido pelas autoridades. Outros percebem a gravidade da situação,
mas se sentem impotentes para reagir e parecem vencidos e, muitas vezes
deprimido e impotentes para reagir. É o desalento impotente que passa
a predominar e só resta entregar os pontos, como se diz.
Percebe-se o grande número de professores e alunos,
indiferentes, imaginando que, ao entrar na universidade, toda a sua vida
vai melhorar e quando terminar o curso vão logo se empregar, o que é
uma espécie, como se diz, “um sonho de uma noite de verão” e, por isso,
não vão à luta achando tudo normal, acentuando a “normose”, tão
presente nesses tempos em que vivemos.
Ignoram que o que estamos vivendo é um outro momento do
capitalismo e, acham que, ao se formarem (ou deformarem), estarão logo
empregados, o que é uma ilusão nesse época de capitalismo flexível em
que o emprego formal está desaparecendo com rapidez inimaginável.
Enquanto isso o chamado mercado de trabalho informal explode
e muitos se acham empreendedores de si mesmo, gerando aquilo que
Byng-Chul Han no seu pequeno livro editado no Brasil pela Editora
Vozes (2018) chamou de “Sociedade do Cansaço”.
Observem o que está acontecendo diante de nossos olhos e vejam
como vem se transformando o que se chamava trabalho. Os motoqueiros
entregadores de refeições, os motoristas de uber e tantos outros
personagens na viração colocando a vida em risco, como dizia o falecido
sociólogo polonês em um de seus livros, um deles chamados Vidas
Desperdiçadas.
Será que os professores e professoras já não vêm sofrendo essa
cansaço? É só pesquisar um pouco para perceber os sofrimentos dos
professores e professoras, que pode se agravar se perderem seus direitos
e passarem a viver a vida nua de que nos falava Agamben. Nos
transformaremos numa espécie de “uberistas da educação? Estamos
perto dessa tragédia...
Não percebem que as transformações estruturais na economia,
desindustrialização, terceirização tem forte impacto na nossa vida? O
que resta é o chamado “trabalho intermitente”, turbinados pela reforma
trabalhista, tornando a educação uma mera mercadoria, como pretende
esse governo para as políticas educacionais no Brasil.
Para esse governo o ensino público de qualidade não tem
nenhum sentido. E não é por acaso que as organizações privadas
representam hoje 88% do total das instituições de ensino superior, com
mais de 75% das matrículas, e com 57% dos estudantes frequentando
corporações sob o controle financeiro.
É isso, na verdade, o que deseja esse governo. Não é por acaso,
como afirma o INEP (2018) que a maior parte das vagas no país já são
cursos a distância, sob controle de um pequeno grupo de fundos de
investimentos que detém aproximadamente 65% do total das matrículas
na modalidade.

ESTAMOS DISPOSTOS: PARA


RESISTIR A ESSES TEMPOS
SOBRIOS

Durante dois anos e meio atrás vinha publicando,


aqui em Manaus, o jornal Catarse. Fatores adversos, como a
minha ida para Fortaleza para fazer o Pós-doutorado, fez com
que eu interrompesse essa publicação, que ficou muito
conhecida não só aqui na cidade amazonense, mas em outros
estados da federação.

Com o início das aulas nesta “triste era Bolsonaro”,


como diz um jornalista nas redes sociais, o jornal volta a ser
publicado mensalmente, atendendo aos pedidos de muitos
leitores e leitoras, mesmo diante das adversidades que
estamos vivendo em nosso país e no mundo, criando essa
forte onda de mal-estar fascista, e, também essa peste que se
alastra pelo mundo, batizada de coronavírus e que nos faz
lembrar de Camus no seu livro A peste.

Espero ter fôlego para continuar

Resistir é preciso.

Benedito Carvalho Filho


PAULO FREIRE, PRESENTE!

Deste o ano de 1988, quando migrei de Belém do Pará para


grande metrópole paulista, a minha vida mudou radicalmente. Talvez, se eu
não tivesse saído de minha cidade e não tivesse sofrido a violenta
repressão da ditadura nos anos 70, que cassou os meus direitos de
estudar, o meu percurso seria diferente. Mas, como dizia o grande
compositor brasileiro chamado Chico Buarque, a roda gira e o nosso
destino também muda nos instantes de nossa existência. Assim é a vida.
Vivíamos uma conjuntura muito dramática, e, ao mesmo tempo.
muito rica, com os movimentos sociais lutando contra a ditadura militar
que durou 22 anos. Tempos difíceis, trágicos e dramáticos. Trágicos,
porque a repressão se manifestava com toda a força e brutalidade. Mas,
diferentemente do que vivemos hoje, os movimentos sociais ganhavam às
ruas, faziam greve e se mobilizavam nas fábricas e nos bairros pobres da
cidade de São Paulo. Muito diferente dos tempos em que estamos vivemos
hoje onde o povo parece adormecido.
Foi neste contexto que o torneiro mecânico chamado Luiz
Inácio da Silva, em pleno ABC paulista surge na luta pela democracia.
Neste momento, também, chega no país, depois de um longo exílio o
educador, hoje conhecido no mundo inteiro: Paulo Freire.
Tive a honra de conhecer pessoalmente esse educador, quando
voltou para o Brasil, logo contratado pela Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo (PUC). Durante mestrado, tive a honra de ser seu aluno e o
seu vizinho.
O educador passou a morar no mesmo prédio que eu, na
conhecida Rua Homem de Melo, no bairro de Perdizes, onde fui seu vizinho
e tive a felicidade de frequentar o seu apartamento e conhecer sua gentil
inesquecível esposa, a dona Elza e seus filhos.
Neste período, sob a proteção da PUC-SP, foi criado pelo
professor Luiz Eduardo Wanderley uma nova instituição que, na década de
1960, esteve muito próximo de Paulo Freire e seu projeto educacional.
Como professor da PUC-SP ele criou na instituição um órgão
voltado para educação popular. Foi um período muito rico e promissor,
pois criamos o Grupo de Educação Popular (GEP), com o objetivo de
contribuir com os movimentos populares e sindicais. Isso em plena
resistência à ditadura militar.
Paulo Freire teve (e ainda tem), um papel importante, pois nos
estimulava a lutar, depois do longo exílio. Foi neste contexto que o
entrevistei o em 1998 no seu apartamento em São Paulo, no acolhedor
bairro de Perdizes. 1
Esta entrevista foi publicada em 1988, na Revista chamada
“Proposta”, da Federação de Órgãos Social e Educacional (FASE),
localizada do Rio de Janeiro e com sucursais em muitos estados do país,
do sudeste ao norte.

PAULO FREIRE COM A PALAVRA


(Entrevista concedida a Benedito José de Carvalho Filho)

Pergunta: “Não há hoje quem trabalhe com Educação Popular,


ou mesmo com educação em geral, que não tenha ouvido falar no “Método
Paulo Freire”, bastante conhecido em todos os países, especialmente na
América Latina.

1
O pequeno Grupo de Educação Popular era constituído pela professora Silvia Manfredi, Leila Blass,
Benedito José de Carvalho Filho, Sônia Barros, Hamilton Farias, Silvio Caccia Bava.
Havia uma certa visão mágica dele, como se o conhecer
permitisse automaticamente resolver os problemas colocados pela prática
educativa. O que o senhor acha disso?”
PAULO FREIRE
“Esta pergunta que tu me fazes como a primeira de nossa
conversa me parece, indiscutivelmente, uma pergunta interessante. Ontem
à tarde, por coincidência, eu revia uma ficha de anotações escritas em
Santiago do Chile, quando estava ainda no exílio, em 1966, por aí. Eram
fichas das anotações, de considerações em torno de um seminário
realizado na época da capacitação de quadros em torno do chamado
“método Paulo Freire”. O interessante é que eu fiz na tal ficha umas
observações, tentando classificar ou enquadrar pelo menos três tipos de
atitudes diferentes que vinham ao seminário. É uma das atitudes era
exatamente essa que tu colocas! Quer dizer: pessoas com a melhor das
intenções, evidentemente, vinham – e continuam vindo – a seminários de
formação (não importa que sejam em torno desse chamado “método Paulo
Freire” o que importa é aquela atitude), com uma atitude de quem vem
receber no chamada “método” um instrumento mágico, uma espécie de
“varinha de condão”. Você faz a seu pedido, toca na varinha num
carneirinho e ele vira uma princesa encantada. Quer dizer, vem-se procurar
o método pela necessidade de ter instrumento mágico com a qual se
resolva um problema qualquer. É como se o método fosse a medicina para
a pessoa. Pensa-se que, com o método, com a aplicação disso que se
chamada método, portanto, um conjunto de técnicas, de caminhos, disso
e daquilo, e que a gente, com isso, vai acabar com os problemas sociais.”
Pergunta: Isso não seria reflexo de ausência de um esforço das
pessoas que estão inseridas numa prática social concreta de entender o
contexto em que se acham inseridas, e que ficam pensando que uma coisa
externa – no caso, o método – irá trazer a solução?
PAULO FREIRE
“Exato, exato! Não importa a razão, da atitude mágica. Ela é, em
si, mágica. Pensar, atribuir ao que não é sequer um instrumento, esse
poder transformador do real, é uma atitude profundamente ingênua. E isso
e tão poderoso nessa visão mágica que não precisamos sequer conhecer
o real, basta aplicar o método – vamos dizer assim – na realidade para que
a realidade se transforme. Em outras palavras: basta alfabetizar para que a
consciência se modifique.”

Pergunta: O que é fundamental no chamado “Método Paulo


Freire?”
Paulo Freire: Eu te diria que nesta atitude, que é política e
educativa o que se chama “método Paulo Freire” é uma preocupação
constante com o conhecimento real do real; com isso que sempre costumo
falar de “desvelamento”, quer dizer, tirar o véu de cima das coisas,
entender o que está escondido por trás da aparência. Isso ao lado de um
trabalho enorme, de grande esforço de organização social, de mobilização.
O problema nosso não é o de simplesmente de fazer “ba-be-bi-bo-bu”, mas
de buscar a mobilização dos grupos populares em torno de uma prática.
Você não mobiliza no vazio, você mobiliza com objetivos claros que digam
respeito às necessidades e às expectativas concretas e reais da
população.”
Pergunta: Comenta-se, pelo menos nos meios sociais mais
intelectualizados, que seu pensamento atravessou vários estágios. Na sua
opinião que mudanças significativas realmente ocorreram? Como o Sr.
analisa o seu pensamento desde a década de 80, quando o Sr. Começou a
atuar no Brasil, comparando-o com seu pensamento do tempo de exílio,
com a experiência na África, etc.?
Paulo Freire
“Tenho a impressão de que se eu falar muito as pessoas que no
Brasil e fora do Brasil se preocupam com esse momento diferentes, vou
acabar me convencendo da existência de uma existência de muitos desses
momentos, que, na verdade, quando leio eu acho graça. O analista
descobre muita coisa na sua biblioteca – tem tempo extraordinário de jogar
com as palavras, com isso e com aquilo. O meu tempo foi o tempo da
prática direta, imediata, na mocambeira do Recife, por exemplo, e não na
biblioteca. Eu não posso ser compreendido fora do meu tempo, que é o
tempo histórico em que participei, numa prática que não era minha, e era
uma prática social. Não dá para o analista querer compreender a mim como
os instrumento que ele dispõe em 1980. Eu acho esse negócio uma
desvantagem terrível para quem está sendo analisado. É preciso me
analisar dentro daquele momento, dentro daquele região, dentro do tempo
em que vivi. Mas, o fundamental - eu te diria - é que naquela época eu era
muito mais ingênuo do que hoje...]
Pergunta: Em que sentido se manifestava essa ingenuidade?
Paulo Freire: Do ponto de vista, por exemplo, da compreensão
da própria realidade. Se tu leste, por exemplo, da própria realidade. Se tu
leste, por exemplo, o meu livro “Educação como Prática da Liberdade”,
meu primeiro livro, tu não encontras nem uma vez sequer referência à
natureza política da educação. É como se eu me sentisse, enquanto
educador, um apolítico. Não toquei nisso, eu não falei nisso. É como se eu
pairasse sobre a política. Ora, hoje, pelo contrário, o que afirmo
categoricamente é que a educação é política, essencialmente política. E
não fui o primeiro educador a dizer isso, mas fui um dos primeiros a gritar
no tempo atual em torno da natureza política da educação. E vou até mais
além de alguns que falam “num certo aspecto político para a educação”.
Para mim toda ela é política. Esse ponto me parece fundamental.
PERGUNTA
Em que sentido a educação é política?
Paulo Freire
Ela é política na medida em que se dá num contexto da prática
social, ela não se dá jamais de forma neutra. Ela não está jamais a serviço
de uma humanidade abstrata, de um homem cujo perfil tu pudesses traçar
distante, desgarrado de sua realidade histórica e social, política e
econômica. Quer dizer: não é possível pensar a educação fora do poder.
Nesse sentido, então, enquanto ela não pode ser vista fora do poder ela é
eminentemente política. E expressa interesses que, no fundo, são
interesses de classe que têm o poder e não tem poder.
Pergunta: E essa percepção da dimensão política da educação
se deu a partir de que momento de seu pensamento?
Paulo Freire: Esse é outro ponto que certos analistas meus
criticam. As vezes me criticam bem, as vezes mal. Mas me criticam a partir
de dois livros e se recusam a ler os outros. Não pode: as vezes, o cara faz
crítica e gosta tanto de sua crítica que ficaria profundamente frustrado se
tivesse que desfazer dela.
Pergunta: Já se afirmou, inclusive, que o senhor não aplicava
corretamente o materialismo histórico...
Paulo Freire: Diz-se uma série de coisas. Se me interessam eu
leio quando tenho tempo. Bem, mas tu perguntavas sobre a questão
política, quando ela aparece. Engraçado isso. Veja você que a minha
prática foi eminentemente política. Sempre foi – e não podia deixar de ser -
, uma vez que ela era educativa. Eu é que fazia esse dicotomia quando me
sentava na mesa para escrever sobre a minha prática. Quer dizer, ao tentar
teorizar ou relatar teoricamente a prática, eu dava explicações que não
tinham muito a ver com a prática. Mas, no fundo, ela sempre foi política. Eu
comecei a perceber a reflexão em harmonia com a própria prática política
no Chile. Há pequenos escritos naquela época que coincidem. Eles
aparecem pouco depois na Pedagogia do Oprimido, que é um livro
profundamente político, eminentemente político! Ele foi escrito em 1968,
no Chile, mas só saiu em 1970. Foi exatamente o período do meu
distanciamento do Brasil e minha inserção no contexto chileno, os
desafios, e, logo depois, os próprios desafios que, o período histórico da
Unidade Popular colocou. Tudo isso contribuiu, não só para mim, mas para
muita gente que não tinha percebido essa obviedade antes... Esse é o
ponto frágil que eu poria como fundamental. Não entre o Paulo moço e um,
Paulo velho, nada disso! Eu acho que há uma coerência muito grande. Eu
disse antes o que eu faço hoje...
Pergunta: Como o senhor vê esse Brasil de 1980 em termos
econômicos, políticos, sociais? Que perspectivas o Sr. vê com essa
inflação galopante, o povo à míngua, as periferias urbanas crescendo, etc.?
Paulo Freire: “Isso me aflige...!
Pergunta: Isso, evidentemente, coloca sérios desafios para a
Educação Popular!
Paulo Freire: Com relação a isso, desde que cheguei aqui no
Brasil definitivamente, depois desses 16 anos, eu insisto que seria um erro
pensar reeditar o que foi 1963-1964. Agora, indiscutivelmente, há uma série
de temas históricos que eram geradores, políticos, sociais e econômicos
ontem e que continuam sendo hoje. Por exemplo, a crescente miséria das
nossas classes populares brasileiras. Era um problema fundamental,
enorme, a pauperização das massas populares. Esse tema me parece de
uma ênfase tal que só os anjos ou os endemoniados negam a existência
desse problema. Basta dar um pulo na periferia de São Paulo. Fico a me
perguntar o que será o resto do Brasil. Se é aqui que o capitalismo alcançou
seu mais alto nível de pobreza, você imagina Recife, Belém do Pará,
Caruaru, etc. Isso me deixa realmente preocupado. Outro tema, por
exemplo, que, na época, era um tema importante, fundamental, era a
participação popular. Tomando a participação não como dizer “bom dia”,
“boa tarde”, “como vai o senhor”, não, mas participação como ingerência
nos destinos políticos desse país; na prefeitura dessa sociedade que é
nossa. Esse tema nunca esteve tão presente como hoje, sobretudo depois
desses 15 anos de silêncio que caiu sobre nós, aumentando o silêncio
histórico que as massas populares sempre viveram. Esse tema, que era de
ontem e continua sendo de hoje, vai ser o tema até o fim desse século, não
tenho dúvida nenhuma.
Outro tema, por exemplo, seria o da espoliação da economia
brasileira pela economia estrangeira. A minha geração aplaudia a
movimentação de coragem e a coragem dos deputados de esquerda
daquela época que faziam, propunham e levavam à votação a lei contra a
remessa de lucros para o estrangeiro. Isso foi uma das razões que levaram
à consolidação do golpe de Estado em 1964. Esse tema, ainda hoje, de
forma mais agressiva, é um tema atual, nacional, na medida em que hoje,
mais do que ontem, mais do que nunca, as multinacionais se plantaram
nesse país como uma bomba de sucção extraordinária. Esse tema era
dessa época e é um tema de hoje. O problema é como os educadores
populares – ou pretensos educadores populares – temos que fazer para
desvelar essa temática às massas populares e como aprender com elas.
Eu acho que uma ingenuidade de um lado, e uma petulância de outro,
pensar que as massas populares não têm à sua maneira de entender isso.
Elas têm, porque vivem essa problemática!
Pergunta:
Na situação em que encontram as classes populares e os temas
referidos pelo senhor, naturalmente, vão ser canalizados para algum
instrumento de modificação dessa situação. Esses instrumentos são,
obviamente, os partidos políticos. De um lado nós temos as propostas
ortodoxa com relação ao direcionamento político, ou seja, a vanguarda
formada por pequenos grupos – com orientação tática e estratégica
diferentes – que tudo fazem para atrelar e dirigir os movimentos sociais.
Por outro lado, existem os que não aceitam os métodos dessas vanguarda
– principalmente na área da Igreja – achando que as classes populares não
devem ter uma direção. Como o senhor vê esse tipo de análise?
Paulo Freire
Esse momento, para mim, é um momento e uma nota
permanente desse processo de transformação pedagógica. E esse
processo é eminentemente político, com conotações pedagógicas
indiscutíveis: o da relação da liderança entre a liderança ou a vanguarda e
as massas populares, as chamadas classes populares exploradas,
mediadas as duas pela realidade que deve ser transformada. É claro que,
diante disso, você pode ter a tentação vanguardista, a tentação, segundo a
qual é a liderança que sabe tudo, que possuí a verdade, a teoria
revolucionária acabada. Isso é uma coisa terrível: é uma teoria acabada,
que não vai mudar nunca, porque está feita, como se sem história
houvesse isso. De um lado você tem essa tentação de uma vanguarda que
se apodera da teoria, quando de Marx dizia que o revolucionário se
autentica quando as massas populares à assumem. E assumir, nesse
sentido, não é receber, é uma teoria do sujeito. Do outro lado, você tem a
tentação também – e isso a gente vê na história – de deixar as massas
populares entregues a elas próprias, em nome do respeito que se deve ter
à política. Ora, hoje, pelo contrário, o que afirmo categoricamente é que a
educação é política, essencialmente política. E não fui o primeiro a dizer
que o educador a gritar no tempo atual em torno da natureza política da
educação. E vou até mais além de alguns que falam “num certo aspecto
político da educação”. Para mim, todo ela é política. Esse ponto me parece
fundamental!
Pergunta: Em que aspecto a educação é política?
Paulo Freire: Ela é política na medida em que se dá num
contexto da prática social, ela não se dá jamais a serviço de uma
humanidade abstrata, de um homem, cujo perfil tu pudesses traçar
distante, desgarrado de uma realidade histórica e social, política,
econômica. Quer dizer: não é possível pensar a educação fora do poder.
Nesse sentido, então, enquanto ela é eminentemente política. E ela
expressa interesses de classe e a de grupos sociais que têm o poder e não
tem o poder.
Pergunta: E essa percepção da dimensão política da educação
se deu a partir de que momento de seu pensamento?
Paulo Freire
Esse é o outro ponto que certos analistas me criticam. As vezes
me criticam bem.
Pergunta: E essa dimensão política da educação se deu a partir
de que momento de seu pensamento?
Paulo Freire: Este outro ponto que certos analistas meus
criticam. As vezes me criticam bem, as vezes mal. Mas me criticam a partir
de dois livros e gosta e se recusam a ler os outros. Não pode! Às vezes, o
cara faz a crítica e gosta tanto da crítica que ficaria profundamente
frustrado se tivesse que se desfazer dela.
Pergunta: Já se afirmou inclusive que o Sr. não aplicava
corretamente o materialismo histórico...
Paulo Freire: Diz-se uma série de coisas. Se me interessam, eu
leio quando tenho tempo. Bem, mas tu perguntavas sobre a questão
política, quando ela aparece. Engraçado isso. Veja você que minha prática
foi eminentemente política. Sempre foi e não podia deixar de ser, uma vez
que ela era educativa. Eu é que fazia essa dicotomia quando me sentava na
mesa para escrever sobre a minha ou revelar teoricamente a prática eu
dava explicações que nada tinha a ver com a prática. Mas no fundo ela
sempre foi política, eu comecei a perceber a reflexão em harmonia com a
própria prática no Chile. Há pequenos escritos naquela época que
coincidem. Eles aparecem pouco depois da Pedagogia do Oprimido, que é
um livro profundamente político, eminentemente político! Ele foi escrito em
1968, no Chile, mas só saiu em 1970. Foi exatamente o período de meu
distanciamento do Brasil e minha inserção no contexto chileno, os
desafios, os próprios desafios históricos da Unidade Popular. Tudo isso
contribuiu não só para não só para mim, mas para muita gente que não
tinha percebido essa obviedade antes. Esse ponto que eu poria como
fundamental. Não entre o Paulo Freire moço e o Paulo Freire velho, nada
disso. Eu acho que que há uma obviedade antes, coerente muito grande.
Eu disse antes o que faço hoje...
Pergunta: Como o Sr. vê esse Brasil de 1980 em termos
econômicos, político e sociais? Que perspectivas o Sr. acha vê com essa
inflação galopante, o povo à míngua, as periferias urbanas crescendo, etc.?
Paulo Freire: Tudo isso me aflige...
Pergunta: Isso evidentemente. Coloca sérios desafios para a
Educação Popular.
Paulo Freire: Com relação a isso, desde que cheguei aqui no
Brasil definitivamente, depois de quase 16 anos, eu insisto que seria um
erro pensar em reeditar o que foi 1963. Estamos vivendo em 1980 e não em
1964. Agora, indiscutivelmente, há uma série de temas históricos
geradores, políticos, sociais e econômicos ontem um pouco teóricos. Na
prática, muitas vezes, as coisas vão se dar de forma diferente. Não
podemos esquecer a longa tradição elitista que o exercício da política tem
no Brasil. Isso tanto no meio da direita como no meios (infelizmente) da
esquerda.
Paulo Freire: Realmente, o negócio não é fácil. Mas eu acho que
o PT não pode, dentro do jogo pelo poder, repetir a prática de outros
partidos!
Pergunta: E que prática ele deveria ter?
Paulo Freire: Como esse partido é absolutamente novo, tão
novo foi a atitude dessa fração da classe operária brasileira que disse não
a arrogância intelectual e marchou com o partido quando ninguém
esperava que ele marchasse. Isso é novíssimo na história política desse
país, isto é inédito, começou agora! Me lembro quando estive aqui no ano
passado em agosto, amigos meus de posições políticas excelentes, da
esquerda, me diziam da inviabilidade absoluta do PT. E o que acontece? É
que está tendo uma participação grande dos chamados intelectuais o que
surpreende a todo mundo. O PT está crescendo enormemente. Inventar
essas novas práticas políticas é tão novo, quanto nova é a presença desse
partido na vida política brasileira.
Paulo Freire: Com minha experiência de educador te diria que
uma das melhores virtudes que, se eu pudesse daria de presente a todos
os militantes do PT, uma delas seria a virtude da paciência ligada a
impaciência. Daria um pacote da dialeticidade entre a paciência e
impaciência no presente. O outro pacote que daria seria o da humildade.
Quer dizer, vamos ser humildes demais para aprender mais. Entre elas,
também, a virtude de falar pouco e fazer mais. A virtude de compreender o
mais rápido possível a mágica, o mito da palavra. Que não é com palavras
grandes, fortes e bravas que a gente que a gente transforma a realidade
social. Mas, eu confio! Você já imaginou o dia em que você tenha que
concluir a sua vida sem apostar em nada? Há coisas que eu não posso
pensar em mim, para mim, por exemplo, uma delas é morrer, e, até não
termos condições de apostar numa coisa pura. Quem quiser apostar numa
coisa pura está apostando fora da história, fora da existência...
Pergunta: O que o senhor acha do Lula?
Paulo Freire: Eu não tenho tido muito boas relações com o Lula,
boas conversas. Em primeiro lugar eu te diria que o Lula é um intelectual
no sentido que nós defendemos do que seja um intelectual. Quer dizer:
ninguém, jamais, usa só as mãos, ninguém jamais usa só a cabeça. Isso
não existe! A sociedade é a que nos levou, da forma deformadamente, a
usar 95% a cabeça e 2% a mão, ou vice-versa. Não é possível praticar sem
que, na prática, exista um momento de pensamento, de reflexão. E, nesse
sentido, o Lula é um intelectual e pensa muito bem. Em segundo lugar, eu
acho que o Lula é um homem que não está aí para impor a ninguém a
posição dele, mas está ai para aceitar a de ninguém simplesmente porque
o outro achou que deve aceitar. Essa é a minha impressão. É um cara que
discute, que debate.
Pergunta: Paulo Freire, vamos mudar um pouco o assunto.
Como o Sr. vê a questão da Reforma Agrária?
Paulo Freire: Tenho poucos conhecimentos para te falar da
questão da reforma agrária. O que eu poderia dizer é que indispensável que
se reformule o Estatuto da Terra. Não é possível continuar desse jeito que
está. Eu, como nordestino, conheço isso de perto, o que significa o poder
da cana de açúcar, o canavial, sair invadindo as terras as terras e, depois,
não se satisfazendo com o mundo de terras que engravidou, invadir os
quintais pequeninos, mínimos, dos pobres camponeses. Quanto menos se
esperava a cana aparecia na porta, na cozinha do mocambo, asfixiando
tudo. A cana-de-açúcar é o símbolo desse poder sobre a terra, sobre o
homem.
Pergunta: E como o Sr. vê a participação do camponês na
reforma agrária?
Paulo Freire: Em primeiro lugar essa história de dizer que o
camponês não tem capacidade de participar é uma conversa fiada. Eu acho
que ele tem demais. O que ocorre é que há níveis distintos de participação.
É pelo mais simples que ele deve começar. Não como negar ao camponês
o direito que a ele tem de participar das transformações de algo que lhe diz
respeito. Essa história de dizer que ele é analfabeto, que não sabe
conversar, O analfabeto não sabe ler livros, mas lê com muita precisão o
mundo, a realidade. Acontece que o poder daquela minoria que tem o
domínio das terras no Brasil tem um poder extraordinário ainda.

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