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COMO SURGIU A ANTROPOLOGIA?

A CURIOSIDADE ANTROPOLÓGICA
Seção 1

Objetivos:

1 - Descrever o surgimento da Antropologia e seu cam-


po de bordagem;
2 - Assinalar como as diferenças entre os grupos huma-
nos foram explicadaspelos primeiros antropólogos e quais
as implicações de suas análises;
3 - Indicar a diferença entre o etnocetrismo e a
relativização antropológica;
4 – Assinalar as contribuições da etnografia para a pes-
quisa em educação. 19

A Antropologia como ciência surgiu no final do século


XIX, e assim como a Sociologia tinha como preocupação com-
preender as mudanças pelas quais passavam as sociedades.
Os primeiros antropólogos queriam entender por que as socie-
dades e grupos humanos eram tão diferentes. Lembremos que
no final do século XIX, enquanto os países na Europa se indus-
trializavam e se urbanizavam, as realidades sociais eram bem
diferentes na América e na África. No Caderno Pedagógico de
Sociologia, vocês analisaram o impacto das revoluções bur-
guesas para o surgimento dessa disciplina. Vejamos agora como
surgiu a Antropologia, quais suas questões e seus problemas.

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CAPÍTULO I 1234567
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Talvez muitos de vocês nunca tenham ouvido falar de An-


tropologia, mas possivelmente já tenham assistido a filmes em
que antropólogos aparecem realizando escavações e medindo
crânios. Esta imagem, não corresponde ao objeto de estudo
desta disciplina e nem ao que os antropólogos fazem
atualmente. É um pouco dessa história que contaremos breve-
mente neste texto. Vejamos como tudo começou.
Pode-se dizer que a preocupação com a diversidade cul-
tural humana1 é uma característica dos grupos humanos.
Quando vocês viajam, quer seja para uma cidade vizinha, ou
para um lugar mais distante, não costumam observar os costu-
mes diferentes? O que para todos nós passa como curiosidade
acerca de costumes estranhos, tornou-se, no início do século
XX, objeto de estudo da antropologia – o estudo das semelhan-
20 ças e diferenças humanas.
Essa preocupação faz com que a Antropologia seja con-
siderada, num certo sentido, um estudo antigo. Conforme nos
relata Khuckhon (1972), vários pensadores da antiguidade nos
deixaram suas impressões sobre os costumes humanos.
Herôdoto, “o pai da História”, que também pode ser chamado
de o “pai da Antropologia”, este descreveu minuciosamente as
características físicas e os costumes dos citas, dos egípcios e de
outros povos; Tácito, o historiador romano, realizou um estu-
do sobre os povos germanos; e estudiosos chineses que escre-
veram relatos sobre uma tribo de homens de olhos claros que
andavam pela fronteira noroeste da China.
A partir das grandes navegações, na Idade Moderna, os
europeus se depararam com um Novo Mundo (a América).
Perceberam com isso que além mar havia outras terras, outras
paisagens, outro clima, mas havia principalmente outros povos
que viviam de modo completamente diferente dos seus costu-
mes.

1Entende-se por diversidade cultural a compreensão da humanidade em sua pluralidade. Ou seja, o


entendimento de que existem vários comportamentos e modelos sociais existentes e que estes resul-
tam das maneiras pelas quais os homens e as mulheres organizam as relações entre si. Esta diversi-
dade não pode ser vista de forma hierarquizada, em superiores e inferiores, ou em bem e mal, mas na
sua dimensão de riqueza por ser diferente.
As viagens e explorações, que a partir do século XV cru-
zaram o Atlântico em direção ao Novo Mundo, marcaram esse
encontro com o “outro”, o “estranho” – no caso, com os po-
vos que já viviam nesse Novo continente explorado pelos euro-
peus.
Os viajantes, missionários, comerciantes, naturalistas,
médicos, do início dessa exploração do Novo Mundo, relata-
ram o choque do encontro com a diferença. Esses são consi-
derados os primeiros “etnógrafos” e quando encontravam po-
vos diferentes, descreviam em cartas, diários e outros docu-
mentos detalhados que revelam uma mistura de encantamen-
to, desconfiança e curiosidade sobre os povos tão distantes
dos europeus. Esses relatos, embora minuciosos e detalhados,
eram muitas vezes permeados de anedotas e observações ouvi-
das de outros viajantes. Assim, os textos eram elaborados a
partir das impressões, em geral preconceituosas dos europeus
acerca de modos de vida dos povos que aqui viviam.
21
Essas narrativas eram de duas naturezas:

1 - Atitude de espanto e condenação aos povos, tidos


pelos europeus como “primitivos”, “bárbaros”, “selvagens”, pois
seus costumes eram estranhos e “exóticos” e por isso eram con-
siderados como “não civilizados”. Essa atitude gerou precon-
ceito em relação aos povos encontrados no Novo Mundo.

2 – Outra atitude considerada de romântica, descrevia


os povos como sendo um exemplo da natureza humana ainda
não corrompida pela civilização - “o bom selvagem”. Essa vi-
são é menos preconceituosa do que a primeira, mas é conside-
rada romântica, pois parte do princípio que coloca esses povos
mais próximos da natureza e por isso seriam mais puros e civili-
zados.

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Ambas as perspectivas acabaram contribuindo para uma


atitude que colocava a cultura européia como o exemplo mais
acabado de civilização humana, e as outras culturas por serem
diferentes, eram consideradas atrasadas e inferiores, ou ainda,
não civilizadas.
Por que nesse momento a idéia de civilização era tão
importante? Para se tornar cidadão nessa nova sociedade in-
dustrial, os indivíduos deveriam aprender bons modos, boas
maneiras de vestir, comer, ou seja, deveriam adotar padrões
considerados civilizados que indicassem boa educação. Assim,
a concepção de cultura torna-se muito próxima da idéia de
civilização, de conhecimento acumulado.
Essa perspectiva conduz a um julgamento das culturas
diferentes da cultura européia como sendo inferiores, bárba-
22 ras, não civilizadas. Essa postura, de olhar para outras culturas
tomando como ponto de partida a sua própria realidade, é
chamada de etnocentrismo. Mas afinal o que é etnocentrismo?
O OLHAR ANTROPOLÓGICO:
DO ETNOCENTRISMO À RELATIVIZAÇÃO
S ubseção 1

Segundo Rocha (1984), podemos definir o etnocentrismo


como uma visão de mundo onde nosso próprio grupo é toma-
do como centro de tudo e todos os outros são pensados e
sentidos através de nossos valores, nossos modelos, nossas de-
finições do que seja a existência.
Gostaria de convidá-los/las a refletir sobre o quanto essa
forma de olhar para o “outro”, o “diferente” pode nos conduzir
a uma visão distorcida de outros povos, das outras culturas,
nos levando a estabelecer uma hierarquia na qual a nossa cul-
tura é sempre a referência. Qual o problema desse tipo de pos-
tura? Vejamos alguns exemplos em que essa visão de mundo
provocou preconceito, discriminação, e até o extermínio de
outros grupos sociais.
Quando chegaram ao Brasil em 1500, os portugueses se sur- 23
preenderam com os nativos que aqui encontraram. Segundo o
relato de Pero Vaz de Caminha (apud: Bueno, 1998:92-99),
“a feição deles é serem pardos, maneira de avermelhados, de
bons rostos e bons narizes, bem-feitos. Andam nus, sem ne-
nhuma cobertura. Não fazem o menor caso de cobrir ou mos-
trar suas vergonhas, e nisso são tão inocentes quanto em mos-
trar o rosto”. Segundo Rocha (1984), podemos definir o
etnocentrismo como uma visão de mundo onde nosso próprio
grupo é tomado como centro de tudo e todos os outros são
pensados e sentidos através de nossos valores, nossos mode-
los, nossas definições do que seja a existência.
Gostaria de convidá-los/las a refletir sobre o quanto essa
forma de olhar para o “outro”, o “diferente” pode nos conduzir
a uma visão distorcida de outros povos, das outras culturas,
nos levando a estabelecer uma hierarquia na qual a nossa cul-
tura é sempre a referência. Qual o problema desse tipo de pos-
tura? Vejamos alguns exemplos em que essa visão de mundo
provocou preconceito, discriminação, e até o extermínio de
outros grupos sociais.
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Quando chegaram ao Brasil em 1500, os portugueses


se surpreenderam com os nativos que aqui encontraram. Se-
gundo o relato de Pero Vaz de Caminha (apud: Bueno,
1998:92-99), “a feição deles é serem pardos, maneira de
avermelhados, de bons rostos e bons narizes, bem-feitos. An-
dam nus, sem nenhuma cobertura. Não fazem o menor caso
de cobrir ou mostrar suas vergonhas, e nisso são tão inocentes
quanto em mostrar o rosto”.Da mesma forma, beberam e cus-
piram a água que lhes foi oferecida. Os portugueses ainda es-
tranhavam que os nativos não reconheciam a autoridade do
capitão do navio, não reparavam em suas vestimentas e se diri-
giram ao chefe sem reconhecê-lo. Dessas primeiras observa-
ções, Caminha teria concluído que os nativos não possuíam
“nenhuma idolatria, crença ou adoração”. Essa observação
24 mais tarde se transformaria no provérbio que dizia que os índi-
os no Brasil não pronunciavam as letras f, l, e r “porque não
possuíam fé, lei ou rei”.
Embora esse primeiro contato com os índios tenha sido
pacífico, nós sabemos que ao longo de nossa história, eles fo-
ram colonizados, dominados, utilizados para a guerra quando
era de interesse dos europeus, e dizimados justamente porque
os europeus os consideravam inferiores, atrasados e selvagens.
Hoje em dia, a população indígena do Brasil é de cerca de
220.000 (duzentos e vinte mil), quando estima-se que já foram
cerca de cinco milhões. Portanto, o etnocentrismo é geralmen-
te entendido enquanto um julgamento de valor que fazemos
quando nos deparamos com culturas diferentes da nossa. To-
dos em diferentes momentos de nossas vidas temos atitudes
etnocêntricas, pois sempre achamos que os costumes da soci-
edade em que vivemos são mais “normais”, “lógicos”, “sensa-
tos”, e que estranhos são os outros. Uma certa dose de
etnocentrismo faz parte de todos os agrupamentos humanos,
pois confere identidade ao nosso grupo. Costumamos dizer
que: - nós brasileiros somos os melhores no futebol, ou que
nosso carnaval é o melhor do mundo. Isso até que é uma con-
sideração aceitável.
O problema ocorre quando, o que é apenas uma atitude
de estranhamento ou de afirmação de nossa identidade, trans-
forma-se num preconceito, ou justifica a dominação e o exter-
mínio de outros povos.
Assim como aconteceu com os índios no Brasil, aconte-
ceu com os negros na África, que foram dominados e trazidos
para serem escravos em toda a América. Os negros que se
dividiam em vários grupos, falavam vários idiomas, tinham sua
forma de organização social e familiar foram trazidos à força
para trabalhar. Para se ter uma idéia do grau de preconceito,
os religiosos discutiam se os negros tinham alma ou não para
justificar sua escravidão. Essas atitudes de portugueses, espa-
nhóis, ingleses, franceses e todos os povos europeus que se
lançaram à conquista da América partiam de uma visão que
tinha a Europa como o centro do mundo e, portanto, tinham
um olhar etnocêntrico em relação a outros povos.
Falando dessa maneira, parece que as atitudes etnocêntricas 25
são coisas do passado. Infelizmente não. O preconceito e a
discriminação podem se configurar de forma mais extrema,
causando não só a dominação de outros povos, mas tam-
bém seu extermínio. Foi o caso dos judeus e outras minorias
que foram exterminados na II Guerra Mundial porque naque-
le momento os nazistas acreditavam que eles eram raças infe-
riores. Da mesma forma, as guerras étnicas, que no final do
século tomaram a região do leste europeu, têm fundamenta-
ções étnicas, religiosas e políticas, e partem de um sentimento
que não suporta a idéia de que se possa viver com o “outro”,
com o diferente.
Segundo Rocha (1988:19), nossas atitudes, frente a outros gru-
pos sociais com os quais convivemos nas grandes cidades, são,
muitas vezes, repletas de resquícios de atitudes etnocêntricas.
Rotulamos e aplicamos estereótipos1 aos outros e
através dos quais nos dirigimos para o confronto cotidiano
com a diferença.

1 Entende-se aqui por estereótipos os clichês ou chavões aplicados a gestos ou comportamentos


considerados estranhos. 1234567
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O autor sugere que temos idéias preconcebidas sobre as


“mulheres”, os “negros”, os “índios”, os “surfistas”, os
“colunáveis”, os “pobres”, os “empregados”, e, muitas vezes,
julgamos esses grupos baseados em nossas pré-noções, o que
faz com que transformemos a diferença pura e simples num
juízo de valor etnocêntrico.
No Brasil, poderíamos dar inúmeros exemplos de cons-
trução de estereótipos que levam à discriminação racial, de
classe ou sexual nas escolas e no mercado de trabalho. Ima-
gens que aparecem na TV, nos jornais, nas revistas, nos cine-
mas, muitas vezes reforçam essas noções estereotipadas. Gos-
taríamos ainda de lembrar um fato que foi além dos estereóti-
pos e que revela até onde pode ir nossa incapacidade de saber
olhar e de conviver com o “outro”.
26 No dia 20 de abril de 1997, um índio chamado Galdino
morreu queimado por um grupo de adolescentes de classe média
em Brasília. O crime foi tratado pelos adolescentes como um
acidente, pois não sabiam que ele era um índio e sim pensa-
vam que fosse um mendigo. Quer dizer que se fosse mendigo
poderia ser queimado? Onde está a atitude etnocêntrica nesse
caso? Os adolescentes de classe média, jovens e escolarizados
pensaram, ao olhar uma pessoa que dormia numa parada de
ônibus, que não era ninguém, apenas um pobre que dormia
nas ruas, olharam de forma discriminatória e acharam que a
“brincadeira” não teria nenhum problema, ou seja, partiram
do princípio de que era apenas um “estranho”, “outro”, o “di-
ferente”.
Mas qual é a atitude que se contrapõe ao etnocentrismo?
Veremos, nas próximas subseções, que a Antropologia surgiu
com essa marca do olhar etnocêntrico, mas que aos poucos
suas pesquisas e desenvolvimento teórico procuram adotar uma
perspectiva relativizadora em relação às diferenças culturais.
Vejamos a importância dessa postura.
A idéia do relativismo cultural veio se contrapor às pers-
pectivas etnocêntricas que, como veremos na próxima subseção,
influenciaram os primeiros antropólogos, então podemos dizer
que essa discussão acompanha o próprio desenvolvimento da
Antropologia. Mas o que seria o relativismo cultural?
O relativismo é uma nova forma de se de posicionar di-
ante das diferenças culturais, e isso trouxe uma mudança aos
estudos antropológicos. Essa nova abordagem da Antropolo-
gia procura não apenas conhecer de perto os costumes dos
povos que se pretende estudar, mas principalmente compreen-
der esses povos conforme os seus próprios valores. Isto nos
permite entender o significado dos seus costumes e a conhecer,
para melhor saber conviver, com aquilo que às vezes nos pare-
ce tão estranho e exótico.
Relativizar é, portanto, não transformar a diferença em
hierarquia, em superiores e inferiores, ou em bem e mal, mas
vê-la na sua dimensão de riqueza por ser diferença.
Vejamos um exemplo que consideramos muito interessante para
fazermos um exercício de relativização. Fonseca (1995), ao es-
tudar as relações familiares entre as camadas populares de Porto
Alegre, nos relata o costume que certas mães têm de doar al-
guns de seus filhos ou filhas para serem criados/as por paren- 27
tes próximos. Segundo a autora, essas mulheres consideram
que – por causa da escola, da vizinhança ou da própria casa –
seus filhos/as serão bem mais criados em outras famílias. Por
isso, essas crianças passavam, ao longo da infância, às vezes,
por várias famílias. Ficavam uns tempos nas casas das avós,
das tias, ou das comadres que cuidavam das mesmas, em geral
até a adolescência. Fonseca demonstrou que esse costume, a
princípio tão estranho por transparecer uma falta de conside-
ração das mães para com os/as filhos/as, na realidade era um
sistema de ajuda mútua entre as mulheres no cuidado e cria-
ção dos/as filhos/as. Desta forma, a autora, antes de julgar a
atitude das mães da comunidade que estudava, procurou en-
tender o sentido que o costume tinha naquela vila (e que outros
estudos demonstram que ocorre nas periferias de várias cida-
des de diferentes regiões do Brasil) adotando uma perspectiva
relativizadora. Um dos resultados desse estudo foi a produção
de um vídeo chamado “Ciranda Cirandinha” (disponível na
FAED), no qual a autora relata o que denominou de circulação
de crianças. A partir desse estudo, a autora sugere que para
analisarmos os costumes das famílias populares, devemos, pelo
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menos momentaneamente, evitar a sua comparação com os


valores existentes nas famílias de classe média.
É importante destacar, que defender uma perspectiva
relativizadora não significa dizer que tudo é relativo. Como des-
tacou Fonseca (1999:18), ninguém acha bonito ser pobre. E
nada justifica a falta de opções, ou a carência em que vive a
metade da população brasileira. Nem todas as “tradições da
cultura popular são bonitas; tampouco recomendamos que tudo
nela seja rigorosamente preservado. O que se pretende, antes
de tudo, é analisar as famílias a partir do seu próprio contexto,
o que significa rever a nossa própria concepção de família,
ampliando o seu conceito”. Desta forma, a relativização torna-
se uma viagem de mão dupla em que o conhecimento de ou-
tros costumes, de outra cultura, nos leva a repensar os nossos
28 próprios valores e conceitos como não sendo os únicos. Essa
foi a tarefa proposta pela Antropologia a partir das pesquisas
realizadas por Franz Boas e Bronislaw Malinowiski.
OS PRIMEIROS ANTROPÓLOGOS –
FRAZER, MORGAN E TAYLOR
Subseção 2

Os primeiros antropólogos queriam responder a algu-


mas questões: como as culturas chegaram a ser o que são?
Por que povos separados por grandes distâncias partilham de
idéias e costumes comuns? Por que certos grupos humanos
não conseguem adaptar-se a climas específicos? Por que al-
guns grupos mantêm determinados costumes considerados ina-
dequados? Essas perguntas foram respondidas de maneiras di-
versas ao longo da história e constituem a base dessa ciência
que se dedicou inicialmente a pesquisar os povos chamados
primitivos.
No final do século XIX e início do século XX, ocorreu uma
busca em torno do conhecimento sobre as origens da humani-
dade a partir de explicações científicas e não mais religiosas.
Influenciados por Charles Darwin, mas principalmente por 29
Herbert Spencer, os primeiros antropólogos explicaram as dife-
renças entre os grupos humanos a partir do conceito de evolu-
ção.3 Aplicaram os mesmos princípios da evolução biológica
para explicar os diferentes estágios de desenvolvimento em que
se encontravam os grupos humanos. Para esses antropólogos,
a idéia de evolução social estava sempre relacionada à noção
de progresso técnico e científico, de industrialização e urbani-
zação. Assim, quando se deparavam com sociedades que não
possuíam o mesmo modelo de organização social existente na
Europa no final do século XIX, classificavam esses grupos soci-
ais de primitivos ou atrasados. Na Antropologia essas idéias
aparecem nos trabalhos dos primeiros antropólogos: Frazer,
Morgan e Taylor.Morgan realizou suas pesquisas entre os nati-
vos da América do Norte. Como eram povos muito diferentes
da sociedade de sua época, por apresentarem uma organiza-
ção social totalmente diferente dos demais americanos, isso fez
com que o autor imaginasse que a organização social dos na-
tivos fosse uma reminiscência, um exemplo vivo de como
eramnossos antepassados e que, portanto, se encontravam em
um estágio evolutivo diferente.
3 O conceito de evolução está ligado ao aspecto orgânico, ao desenvolvimento da dimen-1234567
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são biológica. CAPÍTULO I 1234567
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A partir desses estudos, Morgan estabeleceu que os gru-


pos humanos passavam pelos seguintes estágios de evolução
social: selvageria, barbárie e civilização. A selvageria
corresponderia às sociedades mais primitivas, a barbárie
corresponderia àquelas sociedades que apresentavam algum
tipo de organização social, e a civilização corresponderia às
sociedades que possuíssem os padrões de desenvolvimento
tecnológico e industrial, bem como da moral e dos costumes
semelhantes aos europeus.
Assim este tipo de concepção de sociedade conduz a uma
noção de cultura como sendo sinônimo de civilização, ou de
conhecimento acumulado. Neste sentido, podemos considerar
o conceito apresentado inicialmente de Taylor, como sendo um
conceito evolucionista.
30 James Frazer (1856-1941) reconstruiu um quadro da evo-
lução da espiritualidade humana, em sua obra “O Ramo de
Ouro”. Nessa obra, o autor demonstrou, a partir da análise de
relatos de mitos e de várias manifestações religiosas, como a
humanidade teria passado por estágios evolutivos que provo-
caram as mudanças do conjunto de crenças: da magia para a
religião e desta para a ciência.
As obras desses autores foram muito criticadas pelos an-
tropólogos que os sucederam, pois expressavam uma concep-
ção de sociedade e de cultura na qual estava presente uma
visão de homem universal. Vamos procurar entender o que sig-
nificam essas concepções e quais os seus problemas.
O problema dessa concepção de cultura e de sociedade
é que ela parte do princípio de que todas as culturas humanas
passariam pelas mesmas etapas e que, portanto, existe um úni-
co caminho “natural” para o progresso que, para os europeus,
significava adotar o sistema econômico, social e cultural da
Europa do final do século XIX e do início do século XX. Essa
idéia afirma que existe uma história universal para um ho-
mem universal. Isso pressupõe que os povos teriam neces-
sariamente que percorrer os mesmos caminhos de desenvolvimento
tecnológico e cultural, e que as diferenças ocorriam devido aos
atrasos dos povos em marcharem rumo ao progresso. Essa
concepção também contribuiu para justificar o colonialismo
europeu sobre a África, na Ásia e nos países americanos que
tinham se tornado independentes, visto que os europeus acre-
ditavam que com a colonização estariam levando civilização a
esses povos.
Qual o problema com estes estudos? Esses primeiros an-
tropólogos, em sua grande maioria, não tinham fontes muito
seguras para suas afirmações, os dados vinham de antigos re-
latos de viagem de navegadores, naturalistas, missionários, que
muitas vezes descreviam os costumes e hábitos diferentes dos
europeus com um olhar preconceituoso. Embora Morgan ti-
vesse realizado suas pesquisas entre os índios americanos, a
maioria desses antropólogos não realizou trabalho de campo,
ou seja, não conheciam os povos que estudavam. Portanto, as
afirmações eram realizadas sem o conhecimento dos povos
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estudados e principalmente sem que esses povos falassem ou
contestassem essas afirmações.

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BRONISLAW MALINOWISKI E FRANZ BOAS:


OS PRIMEIROS TRABALHOS DE CAMPO
Subseção 3

No início do séc. XX, os antropólogos Bronislaw


Malinowiski e Franz Boas com suas pesquisas de campo repre-
sentaram uma ruptura fundamental sobre a visão de mundo e
de natureza humana baseada no evolucionismo. Para esses
autores, a preocupação se distancia das origens e da busca de
universalidades entre os grupos humanos para voltar o olhar
para as especificidades de cada cultura. Embora com perspec-
tivas teóricas diferentes, Malinowiskicom suas pesquisas entre
os trobrianeses na Nova Guiné e Franz Boas com as pesquisas
realizadas entre os índios americanos demonstraram que os
32 grupos que analisavam não eram sobrevivências do passado.
Não eram “povos primitivos”, mas grupos sociais que tinham
suas próprias regras de casamento, sua religião, língua e cos-
tumes, sua forma de educar os filhos e filhas e estabelecer rela-
ções de parentesco. E, portanto, tinham uma história particu-
lar, uma forma diferente de viver e interpretar o mundo e que
possuía um sentido, uma lógica própria que deveria ser com-
preendida a partir da visão dos próprios grupos.
Estes antropólogos inauguraram na Antropologia o pro-
cedimento da pesquisa de campo, o que implicava na análise
das culturas no seu próprio contexto. Iniciava-se uma “revolu-
ção no olhar” na qual esta visão etnocêntrica foi substituída
gradativamente por uma perspectiva relativizadora. Ao inicia-
rem suas pesquisas de campo, os antropólogos perceberam
que as diferenças entre as culturas não eram o resultado de um
processo evolutivo linear e universal, mas sim de modos parti-
culares como os homens e as mulheres deram significados às
suas vidas sociais.
Releiam a citação inicial e vejam que a afirmação de Franz
Boas resume bem esta primeira parte. O interesse pelo exótico
e por culturas diferentes da européia - característica das pri-
meiras pesquisas antropológicas - foi se transformando.
O desenvolvimento da disciplina, as técnicas de pesquisa
de campo, a observação participante revelaram um esforço
sistemático de compreender a diversidade cultural humana atra-
vés do estudo dos costumes, dos modos de vida, enfim das
organizações sociais humanas tornando a Antropologia uma
ciência de estudo do ser humano em todas as suas dimensões
culturais, biológicas e sociais.
Ao longo do seu desenvolvimento, a Antropologia se di-
vidiu em três grandes áreas:
1ª A Antropologia Social e Cultural, que se concentra no
estudo das culturas humanas procurando revelar diferentes as-
pectos da organização social: religião, guerra, costumes ali-
mentares, organização política, vida sexual, o parentesco entre
outros. Costuma-se dizer que a Antropologia Cultural desen-
volveu-se mais nos EUA a partir dos estudos de Franz Boas e
com as análises de Ruth Benedict e Margareth Mead, dentre
outros, enfocando as diferenças entre as culturas humanas. Por
33
sua vez, Antropologia Social, consolidou-se na Inglaterra a partir
dos estudos de Malinowiskiii, Radicliff-Brown, Evans Pritchard e
Edmund Leach, abordando mais as características da organi-
zação social, procurando entender e explicar a estrutura social
dos diversos grupos humanos.
2ª A Antropologia Física ou Biológica estuda a evolução
do ser humano. Estes estudos, no entanto, diferenciam-se dos
estudos do início do século, pois temos mais informações que
demonstram que a humanidade começou uma longa cami-
nhada surgindo na África migrando para outros continentes
numa jornada até os dias atuais. Esses antropólogos traba-
lham com fósseis, com pequenos fragmentos de ossos, coste-
las, maxilares, crânios e fêmur, por exemplo, que ajudam a re-
construir essa história. Para realizar estes estudos os antropólo-
gos físicos contam com o auxílio de outras ciências como a
biologia, a arqueologia e a genética. Os estudos sobre a evo-
lução do ser humano procuram compreender como os pro-
cessos de evolução biológica e social contribuíram para que
nos tornássemos o que somos hoje.

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3ªA Antropologia Geral ou Arqueologia estuda o que so-


brou de sistemas sociais já desaparecidos – sua cultura materi-
al - procurando reconstruir como foram essas sociedades. Para
fazer essa reconstrução, os arqueólogos realizam pesquisas que
procuram, através de artefatos como: utensílios, vestimentas,
construções, contar como funcionavam as sociedades. Vocês
já ouviram falar das ruínas de Pompéia – a cidade que foi
“engolida” por um vulcão? Pois é, quando foi descoberta, a
partir de escavações dos arqueólogos, muito se soube dos cos-
tumes dos povos da Antiguidade. Da mesma forma, várias es-
cavações realizadas no Brasil têm revelado quem foram e como
vivam os povos que aqui chegaram há milhares de anos atrás.
Neste Caderno Pedagógico, priorizamos o enfoque da
Antropologia Social e Cultural, com o objetivo de demonstrar
34 a importância e riqueza da diversidade cultural humana. Se vocês
quiserem saber mais sobre as outras áreas da Antropologia,
vejam as sugestões de filmes e livros no final deste primeiro
capítulo.
A ETNOGRAFIA E A PESQUISA EDUCACIONAL
Seção 2

Objetivos:

1 - Fazer um breve histórico da etnografia na pesquisa


antropológica;
2 - Apresentar sinteticamente algumas etapas e métodos
de coletas de dados;
3 - Explicar as contribuições da etnografia para a pesqui-
sa educacional.

O que é uma etnografia?

Segundo Geertz (1989:13), para compreender uma ci-


ência você deve olhar para o que os praticantes dessa ciência
fazem. Em Antropologia Social, o que os antropólogos fazem é 35
etnografia. O que seria então etnografia?
ETNOGRAFIA é o conjunto de técnicas que visam a des-
crever detalhadamente a vida cotidiana dos povos estudados.
Os antropólogos, a partir da observação participante, estu-
dam povos de culturas muitas vezes diferentes da sua e procu-
raram revelar, através da descrição dessas culturas, o que eles
pensam, o que eles são, o que pensam que estão fazendo e
com que finalidades agem.
Este método de pesquisa foi inaugurado por Malinowiskii,
em sua pesquisa entre os povos trobrianeses, em Nova Guiné.
Vejamos como Malinowiski inicia sua descrição do trabalho de
campo na Introdução do seu livro “Os Argonautas do Pacífico
Ocidental” e quais os pontos básicos que apresenta para reali-
zar uma etnografia.
Imagine-se o leitor repentinamente sozinho, em meio a
todo o seu equipamento, em uma ilha tropical perto de uma
aldeia nativa, enquanto a lancha ou o escaler que o trouxe vai-
se afastando no mar até sumir de vista. [...] Suponha que, além
disso, você é um principiante, sem experiência, sem nada para
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orientá-lo e ninguém para ajudá-lo, seja porque o homem bran-


co está temporariamente ausente, seja porque não pode, ou
porque não quer perder tempo com você. Essa é uma descri-
ção exata do meu início do trabalho de campo no litoral sul da
Nova Guiné. Lembro-me bem das longas visitas que fiz às al-
deias durante as primeiras semanas; do sentimento de desâni-
mo e desespero após o completo fracasso de muitas tentativas
obstinadas, mas inúteis, de tentar entrar em contato mais ínti-
mo com os nativos e de conseguir algum material de pesqui-
sa.4
Neste pequeno trecho que inicia o livro de Malinowiski
percebe-se o espanto que sentia o autor ao iniciar seu trabalho
de campo. Embora essas observações sejam do início do sécu-
lo, ainda hoje quando os antropólogos iniciam o trabalho de
36 campo sentem-se da mesma forma sem saber por onde come-
çar, diante do desconhecido e exótico. Na seqüência, vejamos
os apontamentos que o autor faz para realizar uma boa
etnografia.
Segundo Malinowiski, os princípios metodológicos po-
dem ser agrupados em três tópicos principais: o pesquisador
deve, em primeiro lugar, ter objetivos científicos e conhecer a
moderna etnografia. Em segundo lugar, deve criar condições
adequadas ao trabalho, o que significa viver entre os nativos
acompanhar seu dia-a-dia. Este procedimento implica em par-
ticipar da vida da aldeia, esperar pelos acontecimentos festivos,
ter interesse pessoal pelo que os nativos dizem e fazem e pelos
pequenos acontecimentos na aldeia. E por último, deve efetuar
a coleta, o registro e a manipulação dos dados. Neste ponto, o
autor sugere que o pesquisador adote o princípio de anotar
sistematicamente todas as suas observações de campo. Isto sig-
nifica que o pesquisador deve sempre andar com um bloco de
notas onde registra tudo o que observa ao longo do dia. . À
noite todas essas observações devem ser transcritas para um
diário de campo, onde o autor deve registrar também suas im-
pressões e observações sobre os eventos dos quais participou.

4 Malinowski, 1984, p. 27.


O pesquisador deve também utilizar as fotos ou filmes
para registrar os eventos que observa. É a partir desses registros
que o antropólogo vai reconstruir essas culturas.
O trabalho de Malinowiskiconsiste, portanto, em descre-
ver como vivem os trobrianeses e quais os sentidos que dão
para a sua existência. O autor nos apresenta uma descrição da
organização da tribo e como é sua cultura, o que acontece no
dia-a-dia da tribo e os comportamentos que são estabelecidos
para o grupo e o que eles fazem. Desta forma, pretende-se
captar o ponto de vista nativo, sua relação com a vida, apreen-
der sua visão de mundo.
Todos estes procedimentos apresentados tornaram a pes-
quisa de campo muito mais detalhada, inaugurando um pro-
cedimento metodológico denominado: observação participante.
A técnica de observação participante caracteriza-se prin-
cipalmente por um convívio prolongado com o objeto de estu-
do, o que implica em aprender sua língua, conviver com seus
37
costumes, rituais, participar de eventos, ouvir e conversar. Des-
te modo, o “exótico” – os costumes estranhos dos nativos –
passam a fazer sentido tornando-se familiares na medida em
que através da observação compreendemos como funciona,
qual a lógica da cultura investigada. Este processo permite a
apreensão das categorias inconscientes que ordenam o univer-
so cultural investigado, o que permite ao etnógrafo perceber a
cultura como uma “totalidade integrada” de significados e as-
sim proceder analiticamente na investigação da realidade cul-
tural.
Vocês devem estar se perguntando: como o trabalho de
Malinowiski sobre os trobrianeses pode nos ajudar a compre-
ender o cotidiano escolar? É claro que o campo de Malinowiski
– as ilhas na Nova Guiné – era bem diferente do campo que se
apresenta hoje, não só para vocês professores e professoras,
mas também para os antropólogos contemporâneos. Vejamos
resumidamente o que mudou e quais as contribuições que
Malinowiski pode nos trazer.Quando Malinowiski publicou o
resultado de suas pesquisas, em 1922, logo se tornou um su-
cesso.
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. O livro é de leitura muito agradável e parecia trazer os


nativos para perto, ou seja, sua descrição da vida dos
trobrianeses, particularmente de suas cerimônias, permitiu que
mesmo quem nunca tivesse ido à Nova Guiné compreendesse
como vivia aquele povo.
Como demonstrado na seção anterior, os europeus quan-
do conheciam povos de culturas diferentes, principalmente as
culturas mais simples, as chamadas primitivas, em geral classifi-
cavam esses povos como atrasados, ou sem cultura. O traba-
lho de Malinowiski, e de vários outros antropólogos demons-
trou que todos os povos têm cultura e que as práticas estranhas
para nós devem ser analisadas no lugar ou no contexto onde
acontecem.
Mas vocês devem estar pensando que ainda estamos
38 muito distantes das realidades que enfrentamos na escola: pes-
soas com diferentes níveis sociais, de lugares diferentes, de etnias
diferentes. O que o trabalho de Malinowiski, ou melhor, a téc-
nica de observação participante pode nos ensinar?
Ao longo do século XX, o campo dos antropólogos mo-
dificou-se bastante. Já na introdução de seu livro, Malinowiski
dizia que os nativos estavam desaparecendo. Naquela época,
vários antropólogos se perguntavam se, com o fim das socie-
dades ditas primitivas, a antropologia perderia seu objeto de
estudo. O que veremos é que, embora já não existam socieda-
des como as que os primeiros antropólogos estudaram, o campo
de estudos da antropologia permaneceu e passou a se ocupar,
não apenas das sociedades longínquas e exóticas, mas com a
nossa própria sociedade. No caso específico da antropologia
brasileira, há uma vasta produção sobre as chamadas socieda-
des complexas: as cidades, as pessoas, grupos sociais, institui-
ções sociais, associações, mudanças de comportamento, con-
flitos sociais e tantos outros temas tornaram-se objeto de inves-
tigação antropológica. Aqui está o convite para que vocês pro-
curem olhar para o local onde trabalham utilizando-se das téc-
nicas da antropologia. A Antropologia desenvolvida no meio
urbano utiliza as técnicas da observação participante e do tra-
balho de campo para descrever a vida cotidiana nas cidades
procurando compreender diferentes temas como: os grupos
de imigrantes que se estabeleceram no Brasil mantendo alguns
dos seus hábitos; a revolução nos costumes provocados pelos
movimentos de juventude nos anos 60; ou ainda por que o
carnaval e o futebol são tão importantes para os brasileiros.
Estas e tantas outras questões sociais, uma vez selecionados
para a pesquisa, levam o antropólogo a campo para observar,
conversar com as pessoas que participam desses eventos,
registrar suas observações e procurar descrever como funcio-
nam, ou qual o sentido desses eventos.
Neste ponto voltamos ao que Malinowiski pode nos ensi-
nar. O que este autor e outros autores podem nos ensinar é
procurar compreender a realidade escolar pensando que a es-
cola, como outras instituições sociais, produz sentidos, revela
valores, normas, mudanças e preconceitos presentes numa so-
ciedade. Na escola encontramos sujeitos de diferentes classes,
etnias, sexo, idade que estão em constante relação social. A
39
escola é, portanto, um microcosmo social para o qual pode-
mos tentar olhar, descrever e interpretar. Ou seja, a escola é um
bom lugar para realizarmos uma etnografia, uma descrição
detalhada do cotidiano da escola para conhecer melhor quem
são os sujeitos, quais as relações, quais os lugares e quais as
pessoas que ocupam. Fazer uma etnografia da escola torna-se
uma tarefa complexa e, ao mesmo tempo, muito interessante,
na medida em que ela revele a realidade da escola e que vocês
ainda possam não conhecer completamente.
Segundo Geertz, para fazer uma etnografia deve-se ob-
servar a vida cotidiana dos povos que se estuda buscando esta-
belecer relações, selecionar informantes, transcrever textos, le-
vantar genealogia, mapear campos, manter um diário e assim
por diante. Mas não são estas coisas que definem a etnografia,
o que o define é o esforço intelectual de uma “descrição den-
sa”. Isto significa dizer que fazer uma etnografia é como tentar
ler um manuscrito estranho, desbotado, cheio de eclipses, in-
coerências, emendas suspeitas e comentários tendenciosos, es-
critos não com os sinais convencionais do som, mas com exem-
plos transitórios de comportamento modelado.
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Vamos tentar fazer uma “descrição densa” da escola?

A seguir apresentamos um pequeno roteiro, é que uma


sugestão para iniciar esse trabalho:
1 – Selecionar um aspecto para observar na escola. Pode
ser uma festa na escola, uma atividade na sala de aula, as rela-
ções entre professores e alunos, ou os próprios alunos. Formu-
le uma questão sobre o mesmo, ou o que deseja saber sobre
esse universo.
2 - Faça uma observação sistemática do tema selecionado
por um tempo determinado (pode ser um mês, por exemplo).
Procure registrar suas observações ao longo do dia e anote no
diário de campo uma descrição mais completa das mesmas.
Faça o registro também das entrevistas com as pessoas envol-
40 vidas (se as entrevistas forem gravadas tenha o cuidado de ga-
rantir o sigilo da informação).
3 – Terminado o período estabelecido para a observa-
ção, organize suas anotações e observações buscando reunir
os dados, analisá-los, descrevê-los e interpretá-los. Para tanto,
terá que combinar sua pesquisa empírica com uma pesquisa
bibliográfica sobre o tema, para que tenha elementos para
interpretá-los. Estas são observações bem gerais que podem
auxiliá-los/las a fazer uma etnografia da escola.
Para saber mais sobre este tema leia:

Malinowski, B. Introdução: o tema, método e objeto desta in-


vestigação. In: Malinowski, B. Os Argonautas do PPacifico
acifico
Ocidental
Ocidental. (Coleção os Pensadores). São Paulo: Abril cultural,
1984.

esquisa em Educa-
LÜDKE, Menga e ANDRÉ, Marli E. D. PPesquisa
ção: abordagens qualitativas
qualitativas. São Paulo: E. P.U, 1986.

PPara
ara saber mais:
41

1 - Estes filmes são interessantes para quem quer saber


mais sobre a evolução humana e fazem parte do acervo da
FAED/UDESC. Você pode assistir:
A Guerra do FFogoogo
Os mistérios da Humanidade - Produzido pela Revis-
ta Geográfica Universal.

2 - Para pensar um pouco sobre o choque cultural, ou


seja, sobre o impacto que sofremos quando nos deparamos
com culturas diferentes existem vários filmes, sugerimos dois
que podem ser muito legais para pensarmos sobre o impacto
do mundo ocidental sobre culturas não ocidentais. Estes filmes
revelam como podemos ser etnocêntricos quando não conhe-
cemos os códigos de outras culturas. Os filmes são os seguistes:
Os deuses devem estar loucos
E a luz se fez

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AUTO-AVALIAÇÃO

1 – Faça um breve relato sobre como surgiu a Antropologia e


sobre o seu objeto de estudo.
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2 – Estabeleça a diferença entre o etnoncetrismo e a


relativização. Em seguida escreva sobre a importância que a
discussão em torno do etnocentrismo e da relativização traz
para analisarmos as diferenças presentes no cotidiano escolar.
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TEXTO COMPLEMENTAR

Este texto procura analisar os hábitos alimentares açori-


anos a partir dos relatos dos viajantes que estiveram na Ilha
de Santa Catarina e da própria experiência da autora que se
sentiu estrangeira na Ilha de Santa Catarina. É um exemplo de
como podemos analisar e descrever o nosso cotidiano. Espe-
ramos que saboreiem essa leitura!

Um “olhar
“olhar”” estrangeiro sobre a comida açoriana
Gláucia de Oliveira Assis

O ato de comer é para nós, brasileiros, carregado de


significados. Pois, assim como o futebol, a saudade, o jeitinho
brasileiro, a comida constitui-se num dos elementos de nossa
identidade nacional. A comida com os seus significados, ao
mesmo tempo em que nos integra, exprime também nossa di-
versidade cultural. De norte a sul do país encontramos “pratos
43
típicos” que caracterizam a comida mineira, baiana, capixaba
e catarinense. Assim, quando viajamos pelo Brasil encontra-
mos diferentes hábitos alimentares que revelam modos diversos
de classificar o doce, o salgado, o cru e o cozido e, no melhor
estilo da investigação antropológica , acabamos por estranhar
o que aparentemente nos é tão familiar - o ato de comer.
Cheguei a Florianópolis em 1992. Conhecia pouco de
sua história e sua gente. Embora uma imigrante, o encanta-
mento com a exuberância e beleza dessa ilha assemelhava-se
ao dos viajantes que por aqui aportaram no século XVIII e XIX,
naquele momento, sentia-me também uma viajante descobrin-
do o exótico.
Nesta viagem de descoberta, a cultura açoriana, carac-
terística da ilha, foi desvelando-se no cotidiano através do falar
ilhéu, das rendeiras de bilro, da farra-do-boi, do boi-de-ma-
mão, e da comida. Um dos aspectos que encanta aqueles que
por aqui “aportam “ é a culinária açoriana. A comida dos nati-
vos é saborosa não apenas pelo seu tempero mas, por revelar
um jeitinho açoriano de lidar com o ato de comer.

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O pirão de peixe, a farinha de mandioca, o peixe cozido


constituem a dieta alimentar de uma parcela significativa da
população que é compartilhada no universo da casa com ami-
gos, parentes ou aqueles que vivem sob o mesmo teto, consti-
tuindo-se também num momento de encontro, de prazer, de
celebração das relações sociais.
Desta forma, assim como em outras partes do Brasil, a
comida não é apenas uma substância alimentar, mas é tam-
bém um modo, um estilo e um jeito de alimentar-se, pois opera
um universo simbólico que vai além do ato de alimentar-se.
Roberto DaMatta5 (1989) chega a dizer que “no fim, não se
sabe se foi a comida que celebrou as relações sociais, ou se
foram os elos de parentesco, compadrio e amizade que estive-
ram a serviço da boa mesa”.
44 Atualmente observa-se, entretanto, que esses hábitos ali-
mentares vêm passando por um processo de modernização,
como uma das facetas de nossa integração ao mundo
globalizado. Este processo de globalização econômica é acom-
panhado de modificações no plano tecnológico - melhoria das
comunicações, dos meios de transportes, fazendo com que re-
giões distantes entrem em contato de forma rápida, que cultu-
ras se relacionem com tal intensidade que a impressão é que
vivemos numa Aldeia Global. Entretanto, a globalização cultu-
ral não pode ser reduzida à conseqüência da globalização
econômica. O seu processo parece bem mais complexo, pois,
embora uma das tendências da globalização seja a diminuição
das diferenças num processo de homogeneização, no plano
cultural esse processo de globalização convive com re-inter-
pretações dos indivíduos que vivem estes processos de estar
entre o local e o global.
Nesta cidade, com um ar provinciano, repleta de servi-
dões e ruelas bucólicas, com seus casarões e regiões tradicio-
nais, emerge no cenário um outro modo de comer - os fast-
foods. Os fast-foods seriam um exemplo dessa globalização A
comida rápida, padronizada e diversificada expandiu-se muito
nesses últimos anos: o processo de aceleração do tempo pro-
vocado pela urbanização chegou ao ritual de comer.
5 - DaMATTA, R. O que faz o Brasil, Brasil? Rio de Janeiro: Rocco, 1989.
Deve-se comer rápido, preparar rápido o alimento para
que as pessoas possam retornar ao tempo do trabalho, trans-
formando assim o significado do ato de comer, que se torna
num ato individualizado.
Ao transformar o ato de comer, um ato individualizado
uma mudança cultural muito significativa entrou em curso, pois
a comida transforma-se em alimento, para manter-se vivo, em
algo universal e geral, distante da casa, das relações familiares,
dos amigos, perdendo-se relação de comer com prazer para
celebrar a comunhão, para saborear, para se identificar, para
nos encontrarmos.
Se por um lado, esse processo de globalização nos cau-
sa espanto e uma impressão de homogeneização cultural. Por
outro, conforme Rial (1992), demonstrou ao analisar os fast-
foods, que estes contraditoriamente representam, tanto o pro-
cesso de globalização cultural, quanto a reafirmação das iden-
tidades locais.
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Pois, neste momento, um sentimento luso-brasileiro, a
nostalgia, leva os habitantes locais e os turistas a procurarem
alternativas para romper com esse processo de
homogeneização que muitas vezes nos parece inexorável. Num
desejo de voltar no tempo e romper com essa mudança que
separa a comida, do prazer e da partilha, procuram os recan-
tos da ilha onde o tempo parece em estado de suspensão e
pode-se saborear uma comida feita sem pressa que traduz na
sua cozinha a própria identidade açoriana.
Ao pegarmos um carro ou um barco em busca desses
pratos “típicos”, experimentamos sensações semelhantes aos
viajantes que por aqui passaram, que, no entanto, tinham um
sentimento diferente em relação aos hábitos alimentares locais.
Como esses viajantes relatam esses hábitos?
Os relatos de viagem do séc. XVIII e XIX nos convidam
para um deslocamento imaginário à ilha que se revela
paradisíaca, hospitaleira e alegremente caótica, conquistando
os viajantes que por aqui passaram.

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Ao descreverem o encontro com este lugar tão diferente


da Europa do séc. XIX, os viajantes vão revelando o seu
estranhamento com os usos e costumes dos habitantes locais -
os imigrantes da ilha de Açores. A simplicidade no vestir, no
modo de falar e de se alimentar foram relatados com certa
surpresa diante de um povo de modos pouco refinados, aspec-
to miserável e, no entanto, um povo feliz que os recebia cordi-
almente e repartia o pouco que têm.
As narrativas revelaram os contornos dessa gente através
do “olhar” do estrangeiro que nos relatou a chegada à ilha,
suas fortificações, a chegada ao porto, as moças, que sob o
olhar atento dos pais ou maridos, conversavam e sorriam ao
estrangeiro, a vila, suas ruelas, as pessoas que passam e, por
fim, chegam à casa e por conseguinte à mesa. A comida torna-
46 se o “locus” onde o encontro de culturas é celebrado, pois, é
com satisfação e honra que os habitantes locais recebiam o
estrangeiro - conforme descreveram Pernetty, Frezier, Langsdorf,
Lisiansky. A alimentação básica constituía-se de peixe fresco ou
seco ao sol, arroz, milho, mandioca, batatas legumes e, algu-
mas vezes, carne.
As primeiras impressões revelam esse choque cultural que
se traduz num olhar etnocêntrico não apenas sobre aquilo que
se comia, mas sobre o modo “pouco refinado” como se co-
mia, para esses viajantes eram hábitos reveladores do quanto
estávamos distantes do modelo de civilização europeu
Nos relatos, o estranhamento dos viajantes não é apenas
o sabor, ou a preparação da comida, mas o modo como co-
mem. Langsdorf, diante dessa diversidade, comenta que a fome
é o melhor cozinheiro. Ao chegarem ao Brasil, esses viajantes
vindos da Europa, onde o processo de urbanização crescente e
outras transformações decorrentes da expansão do capitalis-
mo, traduzia-se entre outras coisas numa expansão do proces-
so civilizador europeu, foram surpreendidos ao aportarem nas
vilas por pessoas, mesmo de classes mais abastadas, comendo
com as mãos. Assim contaram os viajantes:.
A farinha de mandioca era trazida à mesa numa
cuia de melão ressequida e uma colher de pau e
come-se junto com o que há na mesa ou seca mes-
mo” [...] Chamou-me a atenção na Vila de Nossa
Senhora do Desterro que uma senhora de socieda-
de misturava em seu prato a farinha com os outros
alimentos e, segundo o costume da terra , levava-a
à boca com a ponta dos dedos. (Langsdorf)”.“Não
são mais exigentes com o vestuário que com a co-
mida, milho, batata, peixes e caça, quase sempre
macaco. essa gente, a primeira vista, parece mise-
rável, mas são efetivamente mais felizes que os eu-
ropeus, ignorando as comodidades supérfluas que
na Europa se adquire com tanto trabalho.

A habilidade de comer com as mãos, hábito observado


em diversas camadas sociais, a capacidade de repartir os ali- 47
mentos com aqueles que chegavam, a alegria que envolvia o
ato de comer, muitas vezes pretexto para festas e danças (ou
seria o contrário?) é narrado com um misto de admiração e
espanto, pois era revelador de uma outra forma de construir
relações sociais tão distantes do modelo civilizatório europeu.
Agora de volta ao começo. Desde os relatos dos viajan-
tes, aos passeios de carro pela ilha, a comida continua a ser
um ritual que envolve a partilha, o prazer, o saborear . A comi-
da é pretexto para esses encontros de culturas, para celebrar
relações sociais e encurtar distâncias. Dessa forma, embora o
processo de globalização integre outros hábitos e ritmos ao
cotidiano da antiga vila de Nossa Senhora do Desterro, todos
que por aqui passam continuam seduzidos por essa culinária
que traduz uma cultura do homem pescador\agricultor que flo-
resceu entre pequenas montanhas e o mar.

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