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Práticas restritivas verticais

Contributo da experiência europeia para o direito da


concorrência brasileiro

Daniel Rocha Corrêa

Sumário
1 – Apresentação. 2 – A liberdade de concor-
rência e sua defesa. 2.1 – O mercado. 2.2 – Liberda-
de de concorrência. 2.3 – Concorrência e mercado.
3 – Relações verticais e restrições verticais à liber-
dade de concorrência. 3.1 – Efeitos das restrições
verticais. 3.2 – O exemplo do contrato de franquia.
4 – Provocações suscitadas pelas práticas europeia
e brasileira. 4.1 – Restrições territoriais. 4.2 – Práti-
cas discriminatórias. 4.3 – Recusa de contratar. 4.4
– Relação contratual e concorrência. 4.5 – Abuso
de posição dominante. 5 – Conclusões.

1 – Apresentação
Porque a concorrência é uma força que
impulsiona o mercado a resultados positi-
vos, como o bem-estar dos consumidores,
o princípio da liberdade de concorrência
está no cerne da economia neoliberal e do
direito que lhe corresponde. Em função
disso, a defesa da concorrência é um capí-
tulo importante do direito econômico nos
dias de hoje.
Identificamos no estudo das restrições
verticais uma boa oportunidade para me-
lhor compreender o que é a liberdade de
concorrência, pois esse é um campo do
direito da concorrência em que o lícito e o
ilícito não se revelam imediatamente.
As restrições verticais levam a uma ten-
Daniel Rocha Corrêa é Professor da PUC são entre os rumos que a atividade negocial
Minas e Mestre em Direito Econômico pela segue e os limites traçados pela liberdade de
UFMG. concorrência. Relações verticais como a fran-

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quia ou o contrato de distribuição são muito A partir de relatos antropológicos,
importantes para a economia atualmente, como os de Marcel Mauss sobre a dádiva,
mas muitas se estruturam em restrições que podemos afirmar que o mercado é uma
poderão aumentar o poder de uma deter- instituição (criação cultural) dinâmica. Com
minada empresa ou grupo de empresas no relação a isso, o autor destacou:
mercado e ferir a liberdade de concorrência. “[...] Descrevemos os fenômenos de
Em alguns momentos, as restrições verticais troca e de contrato nessas sociedades
coincidem exatamente com comportamentos que são, não privadas de mercados
vedados pela legislação de concorrência; econômicos como se afirmou – pois
apesar disso, muitas delas têm por funda- o mercado é um fenômeno huma-
mento uma lei que regula algum negócio no que, a nosso ver, não é alheio a
específico, como é o caso da distribuição de nenhuma sociedade conhecida – ,
veículos automotores no Brasil. Além disso, mas cujo regime de troca é diferente
o crescimento do interesse sobre a franquia do nosso. Nelas veremos o mercado
hoje em dia é a confirmação fática da eficiên- antes da instituição dos mercadores,
cia econômica das restrições verticais. e antes da sua principal invenção,
Então, para compreendermos numa a moeda propriamente dita; [...]”
dimensão pragmática o significado e os (MAUSS, 2003, p. 188).
limites do princípio da liberdade de con- O mercado é dotado de historicidade.
corrência, optamos pelo estudo comparado. Enquanto tribos do norte da América
Nossa referência foi o direito europeu, organizaram seus mercados com base na
devido às recentes mudanças que aperfei- gratuidade e no consumo total, enquanto
çoaram o ordenamento comunitário para as trocas familiares ou fraternas também
lidar melhor com os benefícios decorrentes são gratuitas e constituem-se por vínculos
das restrições verticais. morais, o mercado capitalista é caracteri-
Nossas discussões cuidam primeira- zado pela atuação dos mercadores, pela
mente do tema da liberdade de concor- adoção da moeda como elemento unifica-
rência; em seguida, procuramos caracte- dor das trocas e por orientar-se pela lógica
rizar as restrições verticais e analisar seus da acumulação.
efeitos concorrenciais, momento em que Mesmo assim, os mercadores e a moeda
procuramos exemplificar com o contrato não fizeram desaparecer vínculos que hoje
de franquia; em seguida, retomamos os compreendemos fora do mercado. Ao falar
exemplos, relacionando observações a da dádiva, Marcel Mauss (2003, p. 188-189)
respeito do estudo de casos brasileiros e disse que “[...] essa moral e essa economia
europeus sobre: restrições territoriais, prá- funcionam ainda em nossas sociedades de
ticas discriminatórias, recusa de contratar, forma constante [...] [a dádiva é] uma das
relações contratuais e abuso de posição rochas humanas sobre as quais são cons-
dominante. Concluímos pela necessidade truídas nossas sociedades [...]”. No mesmo
de um contínuo trabalho de construção do sentido, Jacques Godbout também destaca a
direito da concorrência. amplitude maior da troca como fundamento
da sociedade. Para ele, “[...] o sistema da
2 – A liberdade de concorrência e sua defesa dádiva não é antes de tudo um sistema eco-
nômico, mas o sistema social das relações de
2.1 – O mercado pessoa a pessoa. Não é o complemento do
Em linhas gerais, podemos dizer que mercado ou do plano, mas da economia e
no mercado se dão as trocas, ou que o do Estado” (GODBOUT, 1999, p. 24).
mercado é o espaço econômico onde se dão Então, o mercado, quando visto como
as trocas. espaço econômico em um sentido estrito, é

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apenas uma parte de um mercado maior. As Ao lado do fenômeno da concorrência,
trocas feitas naquele mercado estruturam- podemos destacar a liberdade de concorrência
se em vínculos mais superficiais e cada vez como princípio jurídico estruturante de
mais impessoais. Ideias como quantidade, uma determinada ordem jurídico-econô-
vantagem, utilidade, valor e competição são mica, quer olhemos para um Estado de
afins aos valores que nos orientam nesse inspiração liberal clássica, quer olhemos
momento de nossa vida social. No entanto, para um Estado de inspiração neoliberal,
como procuramos demonstrar acima, esse como o Estado brasileiro de hoje.
mercado ou essa feição do mercado não é É possível atribuirmos dois sentidos
a única nem é um dado anterior ao próprio complementares ao princípio da liberda-
ser humano. O mercado capitalista é uma de de concorrência. Numa perspectiva, a
criação dotada de historicidade e nada nos liberdade de concorrência implica a prer-
diz que essa instituição não se alterará no rogativa de competir, ou seja, é o direito
futuro ou que é impossível a mudança. de concorrer no mercado. Por outro lado,
No sentido estrito, que será o que dare- a liberdade de concorrência impõe um
mos à palavra mercado a partir de agora no controle, para que prevaleça um mínimo
texto, François Perroux (1967, p. 317-320) ético e haja efetiva competição, ou seja, leva
salienta que o mercado se estrutura numa à necessidade da defesa da concorrência.
“[...] rede de trocas que torna todos os pre- Essa garantia de um mínimo ético visa, por
ços e quantidades interdependentes. [...] exemplo, evitar que aqueles que deveriam
o mercado é o encontro das ofertas e das competir entre si combinem seus preços,
procuras dum bem ou dum serviço, que falseando os resultados do mercado.
gera a formação do preço desse produto Enquanto o modelo liberal clássico
ou serviço. [...]”. se prendeu àquele primeiro sentido do
Dentro da construção capitalista e libe- princípio da liberdade de concorrência, a
ral, a ideia de mercado caracteriza-se pela concepção neoliberal orienta-se pela ne-
crença no valor da concorrência como uma cessidade de proteção do mercado, para a
força propulsora da sua regulação. Nessa garantia da concorrência.
perspectiva, lembramos que a própria orga- De acordo com as crenças predominan-
nização da economia brasileira demonstra o tes a cada momento, o conteúdo e sentido
relevo que damos ao mercado atualmente. atribuídos ao princípio da liberdade de
Nossa economia tem por atributos essenciais concorrência variarão, pois o direito da con-
a organização em regime de empresa e a corrência é o reflexo de uma determinada
valorização da liberdade de concorrência. política de concorrência. Como Pascal Salin
(1995, p. 5) destaca, então, mesmo a teoria
2.2 – Liberdade de concorrência tradicional da concorrência “[...] se converte
Conforme Pascal Salin (1995, p. 115), a em teoria normativa ao demonstrar que a
concorrência é um princípio essencial de realização da concorrência conduz a um
todas as atividades humanas. Esse princí- ótimo econômico”.
pio nos remete à ideia de competição. Uma Então, de acordo com um enfoque
ideia que significa “[...] uma luta ou conten- finalístico, podemos utilizar a norma de
da por superioridade [...]” (WHISH, 2001, direito da concorrência como um meio para
p. 2) e que, quando aplicada ao mercado, a realização de objetivos que se apresentem
inspira os diversos sujeitos que concorrem socialmente desejáveis. Richard Whish
à tentativa de superarem seus competidores (2001, p. 15), por exemplo, atribui à defesa
nas preferências dos consumidores, para da concorrência o fim de defesa dos consu-
permanecerem no mercado e ampliarem midores, redistribuição e proteção dos con-
suas fatias de participação nele. correntes. É justamente nesse seu aspecto

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que o direito da concorrência assume toda hoje: uma política que valoriza a liberdade
a amplitude que lhe é própria como objeto do mercado, mas que dá ao Estado o poder-
do direito econômico, tornando-se meio dever de garantir essa liberdade, segundo
para uma política de concorrência. um critério de subsidiariedade. Quer fale-
Contudo, é importante destacar algu- mos de defesa da concorrência hoje, quer
mas deficiências próprias da aplicação de de regulação econômica, o mercado está
modelos na realidade social. Cremos que a no centro das concepções predominantes
observação dessas deficiências nos permitirá que inspiram as diversas políticas de sua
compreender melhor as mudanças pelas própria disciplina.
quais passamos e também buscar meios A atribuição desse papel de garantia ao
para lidarmos melhor com a realidade atual. Estado decorre da maior visibilidade hoje
Assim, na explicação da realidade e na for- da diferença inerente a cada sujeito que atua
mulação de políticas econômicas, recursos no mercado. Uma diferença que ficou mais
teóricos como a abstração nos permitem a evidente após a concentração capitalista e
construção de modelos menos complexos a inauguração do capitalismo de grupo,
que tentamos aplicar à realidade. Porém, um revelando-nos uma assimetria de poder
problema que surge na hora de nos valermos que faz possível um efeito de dominação e
desse recurso de análise é o de tomarmos o leva à necessidade de repressão ao abuso de
modelo como realidade e, a partir disso, poder econômico (PERROUX, 1967). Como
julgarmos os fenômenos verdadeiros como é possível observar, por questões fáticas ou
aberrações da realidade social, ao falarmos decorrentes do próprio sistema jurídico, há
do comportamento no mercado. momentos em que apenas um sujeito se lan-
Como Pascal Salin (1995, p. 90) desta- ça ao mercado como ofertante ou compra-
ca, as políticas de concorrência procuram dor. Barreiras técnicas ou barreiras legais
forçar a realidade a se ajustar a um modelo podem levar a um contexto dessa natureza.
(um modelo atomista). Para o autor, a teoria Nessa hora, a concorrência fica em risco, já
econômica tradicional (atomista) é uma que a livre concorrência caracteriza-se pela
construção intelectual que não permite a ausência de barreiras (SALIN, 1995). Por
compreensão da realidade, pois se pauta isso, ao direito da concorrência, atribui-se
em abstrações como a de que um agente o objetivo de repressão do comportamen-
não se preocupa com o comportamento to das empresas com poder de mercado
dos concorrentes e também porque ela não (WHISH, 2001, p. 15).
considera as relações de poder (SALIN, Mesmo conscientes de que qualquer
1995, p. 87, 29 e 88). modelo teórico é incapaz de traduzir toda
Nessa mesma linha de crítica, Richard a amplitude inerente à realidade, concor-
Whish (2001, p. 2) observa que a análise de damos com a visão de que, num ambiente
uma concorrência perfeita não explica ade- concorrencial, quando há homogeneidade,
quadamente o comportamento econômico a competição impulsiona os indivíduos a
no mundo real. Mesmo assim ele defende buscarem ser os melhores, o que contribui
o mercado e propõe um modelo em que se para toda uma prosperidade coletiva.
conjuguem o mercado e a proteção estatal No entanto, observamos atualmente
na promoção da concorrência. Segundo o mudanças na realidade econômica que
autor, “[...] mercados possibilitam melhores nos distanciam dessa situação ideal e nos
ganhos do que a planificação estatal; no levam a transformações na política de con-
centro da idéia de mercado está o processo corrência. Como Richard Whish (2001, p.
de concorrência”. (Idem) 2) destaca, vivemos hoje num contexto de
Esta é precisamente a tônica da política “[...] desmonopolização, liberalização e pri-
de concorrência predominante nos dias de vatizações. Estes fenômenos, associados à

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rápida mudança tecnológica e à abertura do só para assegurar o funcionamento
comércio internacional despertam podero- do próprio mercado mas também
sas forças econômicas sem precedentes”. para fazer valer os interesses públicos
No centro das forças que impõem essa e sociais relevantes que só por si o
adaptação, observamos a formação de mercado não garante.”
grupos cujo poder econômico não encontra Conforme Carolina Munhoz (2006, p.
precedentes na história. Isso nos põe diante 251) adverte, “[...] o mais importante está
de um paradoxo moderno destacado por aí: a consciência da importância da defesa
Pascal Salin (1995, p. 93) que é fruto da do processo competitivo no mercado. E
necessidade de proteger a concorrência, não é qualquer defesa da concorrência, mas
mas tolerando monopólios. sim uma capaz de auxiliar na promoção do
Ainda nessa perspectiva dos desafios processo de desenvolvimento. [...]”. Afinal,
impostos pela realidade atual à proteção como Richard Whish (2001, p. 2) destaca, a
da concorrência, Gérard Farjat (2004, p. 144) concorrência contribui para algumas mu-
destaca que, embora o direito antitruste danças positivas:
tenha nascido nos EUA (Estados Unidos da “[...] os benefícios da concorrência são
América) para proteger o mercado diante preços menores, produtos melhores,
da concentração, hoje a posição dominante mais opções e maior eficiência do que
de uma empresa, por exemplo a Microsoft, o que se pode obter sob condições de
é essencial para os fins hegemônicos da monopólio. Segundo a teoria econô-
política internacional daquele país. mica neoclássica, em condições de
Então, de um lado observamos uma concorrência perfeita, o bem-estar
tendência à acentuação da assimetria no do consumidor é maximizado. [...]
mercado ou à redução do número de con- ‘bem-estar do consumidor’ [...] sig-
correntes, e, do outro, está a necessidade nifica especificamente: que se pode
de proteger a concorrência. conseguir as eficiências alocativa e
Ainda estamos a reviver os desafios já produtiva; a combinação da eficiência
reconhecidos por François Perroux (1967, alocativa com a eficiência produtiva
p. 14): “[..] os programas estabelecidos por maximiza a riqueza total da socie-
grandes unidades, desejosas de ganhar à dade. Outro benefício decorrente da
custa umas das outras, não podem realizar- concorrência é que ela tem um efeito
se simultaneamente, e acima deles tem de dinâmico de estimular a inovação,
intervir uma arbitragem”. pois os concorrentes são levados a
Num Estado de Direito, verifica-se produzir novos e melhores produtos
então que uma constituição econômica é para os consumidores.”
necessária para conter o poder econômico Então, ao destacarmos a possibilidade
privado ou público (WHISH, 2001, p. 18). de a concorrência levar à eficiência dinâ-
Nesse panorama, a política de concorrên- mica, verificamos, sob uma perspectiva
cia visa restabelecer a igualdade (SALIN, estrita, a possibilidade de a concorrência
1995, p. 89). impulsionar o desenvolvimento econômi-
Nessa perspectiva, Maria Manuel Lei- co. Também sob uma perspectiva ampla, a
tão Marques e Vital Moreira (2003, p. 15) liberdade de concorrência pode impulsio-
esclarecem a nova feição da economia de nar o desenvolvimento. Como Amartya
mercado: Sen (2000) afirma, o mercado, porque tem
“[...] a nova economia de mercado, a liberdade como um de seus fundamen-
baseada na iniciativa privada e no tos, é uma instituição importante para o
(sic) concorrência, depende essen- desenvolvimento. Na síntese de Carolina
cialmente da regulação pública não Munhoz (2006, p. 164), vemos:

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“[...] A concorrência desempenha econômica, os juristas não podem ignorá-
um papel fundamental, tanto para la. O autor apresenta ainda as seguintes
garantir a existência de liberdades observações em relação à tarefa de definir
essenciais ao processo de expansão o mercado para a análise própria do direito
de liberdades que constitui o desen- da concorrência:
volvimento, como ao permitir que “Primeiro, a definição do mercado
a moldura institucional ligada ao não é um fim em si: é uma ferramenta
mercado funcione de forma a pro- analítica que auxilia na determinação
porcionar maior certeza e segurança de restrições concorrenciais entre
aos agentes econômicos.” empresas. Em segundo lugar, tanto a
Nisso, o direito da concorrência se apro- dimensão geográfica quanto a dimen-
xima do direito econômico. Como Gérard são do produto dos mercados devem
Farjat (2004, p. 126) ressalta, “cada vez mais, ser analisadas. Em terceiro lugar, a
a concorrência aparece como uma forma de definição do mercado apenas habilita
organização e não como um estado natural, a identificação das restrições concor-
espontâneo, normal”. Por isso, o autor des- renciais entre competidores atuais:
taca que o direito da concorrência está no ela não nos diz nada sobre concorren-
cerne do direito econômico contemporâneo tes potenciais.” (Idem, p. 23)
e que esse interesse, que nos leva a um direi- Em complemento à definição do merca-
to econômico da concorrência, manifesta-se a do, surge a necessidade de avaliar o grau
partir de uma perspectiva macroeconômica de poder de mercado dos sujeitos envolvi-
do mercado, enquanto os concorrentes lhe dos, para definirmos o grau de assimetria
merecem uma proteção indireta (Idem, p. e, com isso, compreendermos melhor a
121-122). No mesmo sentido, Frison-Roche realidade e aplicarmos a norma de direito
e Bonfils (2005, p. 357) afirmam que o di- da concorrência.
reito da concorrência é um “[...] guardião Sobre o poder de mercado, Richard
da livre competição, um direito ao serviço Whish (2001, p. 6 e 39-40) afirma:
do mercado [...]” e que se orienta por um “[...] poder de mercado não existe
enfoque macroeconômico. com relação a um produto, mas em
relação a um mercado relevante
2.3 – Concorrência e mercado quanto ao produto, a definição des-
Um passo indispensável na realização te mercado deverá combinar dois
destes objetivos atribuídos à norma de critérios: ele deverá ser suficiente-
direito econômico e de direito da concor- mente delimitado para excluir não
rência é a delimitação do mercado. Neste substitutivos, e deverá ser suficien-
momento, deparamo-nos com outra abs- temente amplo para incluir todos os
tração (FARJAT, 2004, p. 122), porque fruto substitutos. [...] Fatias do mercado
de uma arbitrariedade (SALIN, 1995, p. 90) não fornecem informações completas
do esforço de explicação e disciplina do sobre o poder de mercado, é preciso
mercado. Então, é necessário um enfoque analisar também as barreiras à entra-
restritivo na delimitação do mercado, para da e à saída.”
resguardar a eficácia da própria concorrên- Lembramos ainda as anotações feitas
cia (FARJAT, 2004, p. 138). por Valentine Korah (1968, p. 20) sobre o
Diante disso, verificamos com Richard assunto:
Whish (2001, p. 22) que a definição do “Poder de mercado é uma questão de
mercado é uma ferramenta fundamental grau, de acordo com fatores como o
para o operador do direito da concorrência número de fornecedores independen-
e, apesar de ser complexa e essencialmente tes, a facilidade com que novas em-

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presas consigam entrar no mercado, a distribuição dos produtos ou serviços de
disponibilidade de substitutivos (in- outra. Nesse caso, a concorrência vertical
clusive pela importação de produtos se dá, por exemplo, pela disputa entre os
substitutivos) que atendam à mesma diversos revendedores do produto de uma
ou similar destinação ou possibilitem determinada marca.
satisfação similar e o poder de barga- Enquanto na relação horizontal a ilicitu-
nha de grandes compradores.” de de um comportamento pode estar, por
Para a correta delimitação do mercado exemplo, no fato de dois sujeitos combi-
para a análise de fenômenos concorren- narem a não concorrência ou seus preços,
ciais, em algumas situações as conclusões no plano vertical, em muitos momentos,
virão da utilização de meios indiretos que a exclusividade territorial é característica
permitirão uma análise mais detalhada da estruturante da própria relação entre os
realidade. Nesse caminho, Richard Whish sujeitos, como no contrato de franquia. Isso
(2001, p. 157-161) nos traz uma relação faz com que necessitemos de conhecer mais
de fatores que indicam dominação: a lei, o universo dessas relações, para compreen-
acesso a capital, economias de escala, inte- dermos seus limites traçados pelo princípio
gração vertical e sistemas de distribuição da liberdade de concorrência.
bem estruturados, diferenciação dos pro- A Resolução no 20, de 9 de junho de
dutos (marcas), tamanho e penetração no 1999, do CADE – Conselho Administrativo
mercado (estrutura do mercado), custos de de Defesa Econômica –, que exemplifica as
oportunidade, cláusulas de exclusividade, restrições verticais e horizontais à liberdade
conduta da empresa dominante, performan- de concorrência, define as práticas restriti-
ce econômica de uma empresa, registros vas verticais assim:
comerciais. “As práticas restritivas verticais são
restrições impostas por produtores/
3 – Relações verticais e restrições verticais ofertantes de bens ou serviços em
determinado mercado (‘de origem’)
à liberdade de concorrência
sobre mercados relacionados verti-
Num mercado concorrencial, os diver- calmente – a ‘montante’ ou a ‘jusante’
sos sujeitos que se dedicam à atividade – ao longo da cadeia produtiva (mer-
econômica, em especial as empresas pelo cado ‘alvo’). (BRASIL, 1999).
destaque que essa forma de organização Por sua vez, a Comissão das Comu-
tem no período atual do capitalismo, po- nidades Europeias, no artigo 2 o de seu
dem competir em dois planos: um primeiro, Regulamento no 2.790, de 22 de dezembro
relativo a uma concorrência intermarcas ou de 1999, diz que as restrições verticais são
horizontal, que é aquele em que observa- restrições da concorrência em acordos ver-
mos a concorrência efetiva ou potencial de ticais, ou seja:
sujeitos que atuam num mesmo mercado “[...] acordos ou práticas concertadas
na oferta ou na procura de produtos ou em que participam duas ou mais
serviços; do outro lado, podemos olhar para empresas, cada uma delas operando,
a concorrência sob um prisma vertical, ou para efeitos do acordo, a um nível
intramarcas, que é aquela decorrente do diferente da produção ou da cadeia
relacionamento de duas ou mais empresas de distribuição, e que digam respeito
interligadas a partir de alguma relação aos termos em que as partes podem
vertical, isto é, quando uma empresa atua adquirir, vender ou revender certos
no mercado de insumos ou matérias-primas bens ou serviços (denominados
de outra, dentro de uma cadeia produti- ‘acordos verticais’).” (COMISSÃO...,
va, ou quando uma empresa dedica-se à 2002, p. 23)

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Richard Whish (2001, p. 543) esclarece parcela do excedente do consumidor
que o Guideline da Comissão relaciona as e assim elevar seus lucros. (BRASIL,
seguintes espécies desses acordos: marca 1999).
única, distribuição limitada, fixação do
preço de revenda, divisão de mercado. 3.1 – Efeitos das restrições verticais
Quanto ao conteúdo dessas restrições Ao falarmos de restrições verticais à
no direito brasileiro, observamos que a concorrência, necessário salientar que os
Resolução CADE no 20/1999 enumera seis negócios internos a uma corporação não
ordens de práticas restritivas verticais: estão sujeitos à incidência da lei (WHISH,
1. Fixação do preço de revenda – 2001, p. 537). Pelo menos até que eles afetem
quando o produtor estabelece, me- terceiros.
diante contrato, o preço (mínimo, Como Calixto Salomão Filho (2003, p.
máximo ou rígido) a ser praticado 307) salienta, existe um paralelismo entre
pelos distribuidores/revendedores; as restrições verticais e a concentração
2. Restrições territoriais e de base de vertical e, em alguns momentos, a restrição
clientes – quando o produtor esta- vertical será um mal menor em face da
belece limitações quanto à área de concentração:
atuação dos distribuidores/revende- “Isso permite visualizar as restrições
dores, restringindo a concorrência e a verticais e concentrações como espé-
entrada em determinadas regiões; cies do mesmo gênero, diferenciáveis
3. Acordos de exclusividade – os em função do grau de integração que
compradores de determinado bem ou cada uma proporciona. A conseqü-
serviço se comprometem a adquiri-lo ência é tornar possível identificar
com exclusividade de determinado aqueles casos em que determinada
vendedor (ou vice-versa), ficando restrição é imprescindível para que
assim proibidos de comercializar os certo produto possa simplesmente
bens dos rivais; entrar no mercado ou competir e
4. Recusa de negociação – o fornece- onde ela é, portanto, necessária para
dor ou comprador, ou conjunto de evitar uma concentração ainda maior
fornecedores ou compradores, de de- de poder, como a que ocorreria no
terminado bem ou serviço estabelece caso de concentração vertical.”
unilateralmente as condições em que Com isso, podemos verificar que existe a
se dispõe a negociá-lo em geral a um possibilidade de uma restrição vertical tra-
distribuidor/revendedor ou fornece- zer benefícios. Richard Whish (2001, p. 10 e
dor, eventualmente constituindo uma 544) destaca que restrições à concorrência
rede própria de distribuição/revenda intramarcas podem levar a ganhos na con-
ou de fornecimento; corrência intermarcas e que elas também
5. Venda casada – o ofertante de podem estimular a competição quanto à
determinado bem ou serviço impõe qualidade do serviço. Esse efeito positivo
para a sua venda a condição de que também é destacado por Valentine Korah
o comprador também adquira um (1968, p. 191).
outro bem ou serviço; Na definição da ilicitude de uma res-
6. Discriminação de preços – o produ- trição, Richard Whish (2001, p. 546-554)
tor utiliza seu poder de mercado para destaca que a fatia de mercado é um indi-
fixar preços diferentes para o mesmo cativo importante, ao qual se acrescenta o
produto/serviço, discriminando en- seu prazo. Quanto a isso, longos prazos, ou
tre compradores, individualmente ou seja, superiores a cinco anos, são indicativos
em grupos, de forma a se apropriar de de abuso.

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Na análise das restrições verticais à li- não há vínculo societário como observa-
berdade de concorrência, Calixto Salomão ríamos numa fusão ou incorporação de
Filho (2003, p. 312) salienta a “[...] interde- empresas ou como consequência do cres-
pendência entre a concorrência intramarca cimento da mesma empresa pela abertura
e intermarcas. Eliminada a primeira, gran- de subsidiárias. Então, conforme Calixto
de é o estímulo para o desaparecimento da Salomão Filho (2002, p. 107) salienta, “trata-
segunda”. O autor afirma que as restrições se, portanto, sob o aspecto funcional, de
verticais, quando distribuidores e revende- uma forma intermediária entre a concen-
dores são comuns a várias marcas, podem tração vertical e a realização de meros con-
gerar efeitos anticompetitivos. Nessa hi- tratos de distribuição ou representação”.
pótese, podemos observar uma eliminação Nessa perspectiva, o autor considera a
da concorrência horizontal no mercado, restrição vertical na franquia lícita, porque
equivalente ao efeito de um cartel. Por possibilita o acesso do produto ao mercado
isso, o autor diz que “[...] na distribuição sem concentração vertical (SALOMÃO FI-
multimarca a restrição vertical presumida- LHO, 2003, p. 312). Isso porque a restrição
mente sempre tem por objetivo e pode levar ainda preserva uma relativa autonomia dos
à dominação do mercado”. (SALOMÃO sujeitos envolvidos. Por isso, a análise con-
FILHO, 2003, p. 311). creta servirá para delimitarmos o quanto de
Mas isso não quer dizer que, no caso da poder tem a empresa que se beneficia da
distribuição exclusiva, não haja risco. Como restrição e qualificar-lhe de ilícita, porque
o mesmo autor esclarece, há risco em caso abusiva, ou não.
de oligopólio, pois “[...] além da restrição Na jurisprudência europeia sobre o
direta de escolha, há o convite ao compor- tema, em decisão proferida em 1986, no
tamento idêntico dos demais produtores”. Caso 161/84, Pronuptia de Paris GmbH
(Idem, p. 312). v. Pronuptia de Paris Irmgard Schillgallis
(2006), o Tribunal de Justiça das Comunida-
3.2 – O exemplo do contrato de franquia des Europeias definiu que: 1 – O contrato de
Optamos por analisar alguns aspectos franquia pode ferir a liberdade de concor-
relativos às restrições verticais nos contra- rência; 2 – É necessária a análise concreta;
tos de franquia porque essa modalidade 3 – Certas restrições são toleradas, para
negocial de importância crescente na econo- evitar benefícios a terceiros (fora da rede),
mia contemporânea é solo fértil para as res- preservando as vantagens do negócio.
trições verticais e por existir uma tendência Observamos que há justamente uma ten-
da restrição na franquia ser considerada dência à tolerância de certas restrições verti-
lícita. Essa admissibilidade é decorrente cais em função da busca de efeitos positivos,
da eficiência da restrição na franquia. Por como a melhora da qualidade dos serviços.
exemplo, porque possibilita o acesso do Por exemplo, quando duas lojas vendem o
produto ao mercado sem concentração mesmo produto ao mesmo preço, aquela
vertical (Ibidem). que se mostrar mais apta a prestar um bom
Quando confrontamos os contratos serviço na venda e no pós-venda terá mais
de franquia com a disciplina referente à chances de cativar o consumidor.
proteção da liberdade de concorrência, Por outro lado, no que se refere à pró-
identificamos dois pontos de tensão: um pria estrutura dos contratos e à presença de
primeiro geral inerente ao objeto dos con- restrições à liberdade de concorrências, no
tratos e um outro decorrente da estrutura âmbito europeu, o Regulamento (CEE) no
própria da franquia. 4.087/1988 da Comissão (2006) diz:
Na franquia, embora haja um vínculo “Os acordos de franquia consistem
profundo entre franqueador e franqueado, essencialmente em licenças de di-

Brasília a. 46 n. 181 jan./mar. 2009 285


reitos de propriedade industrial ou independente, devido à concorrência
intelectual relativos a marcas ou in- com gigantes verticalmente integra-
sígnias e saber-fazer, que podem ser dos. Ver Brown Shoe Co. v. United
acompanhados de restrições respei- States. Em muitos casos, essa tendên-
tantes ao fornecimento ou à compra cia reflete a inexorável realidade eco-
de produtos.” nômica do mercado moderno. Mas a
Calixto Salomão Filho (2002, p. 109) franquia dá esperança ao comerciante
destaca a utilidade das restrições nessa independente de, efetivamente, se
modalidade negocial: tornar um concorrente eficiente de
“A forma de coordenar os franque- empresas muito concentradas.” (388
ados, evitando efeitos que podem U.S. 365, 1967, p. 383 e 386).
comprometer a viabilidade econô- Ao observarmos a Lei Brasileira de
mica da franquia, é feita usualmente Franquias, constatamos a possibilidade de
através da redução da possibilidade o contrato estruturar-se sobre restrições
de concorrência entre os integrantes como, por exemplo, pela exclusividade
da rede de distribuição através da territorial, pela obrigatoriedade da compra
imposição de restrições verticais, tais de insumos de fornecedor especificado
como a fixação do preço de revenda pelo franqueador ou pela cláusula de não-
e a divisão territorial da área de atu- concorrência após o término do prazo do
ação dos franqueados.” contrato (art. 3o, X, XI e XIV da Lei 9.855/94)
Diante do conflito entre a estrutura (BRASIL, 2007).
do contrato e o princípio da liberdade de O exemplo tem uma importância espe-
concorrência, lembramos da primeira de- cial, pois deixa clara a possibilidade de o
cisão da Suprema Corte Norte-Americana contrato de franquia limitar a liberdade de
envolvendo a análise de restrições verticais concorrência. Embora o franqueado pague
de território e sobre os preços contidos pelo uso de um direito de propriedade in-
em um contrato de franquia em face da dustrial ou pelo acesso a um segredo, após
legislação antitruste daquele país. Trata-se o término do contrato, ele pode ser proi-
do caso United States v. Arnold, Schwinn & bido de concorrer com a rede de franquia
CO.. Embora, diante do conflito, a Corte que integrou. Também é útil destacar que,
tenha decidido pela ilicitude da conduta, num sentido amplo, não só na franquia,
houve uma divergência entre os Juízes, existe um conflito próprio da dinâmica dos
fazendo com que mereçam destaque as direitos de propriedade industrial em face
considerações dos Juízes Stewart e Harlan do direito da concorrência. A exclusividade
ao divergirem, em conjunto, da decisão que é da essência da disciplina da proprie-
majoritária, pois concluíram pela eficiência dade industrial constitui uma barreira à
da prática analisada: entrada, enquanto a liberdade de concor-
“[...] Schwinn desenvolveu uma polí- rência é um princípio que vai contra a ideia
tica de franquias que pode assegurar de alguém deter um monopólio. Além de
qualidade e eficiência ao seu sistema criar verdadeiros monopólios, que são até
de distribuição. [...] [A]s razões para mesmo estimulados pelo próprio sistema
a política de franquias adotada por jurídico, a exclusividade cria também um
Schwinn não estão apenas nos fatos cenário bastante favorável à incidência
desse registro específico, mas em nu- das restrições verticais, como as restrições
merosas questões de política econô- territoriais, acordos de exclusividade, cláu-
mica e social. Esta Corte reconheceu sula de não contestação, fixação de preço,
o interesse do Congresso no desapa- venda casada, preços predatórios, recusa
recimento do pequeno comerciante de contratar e práticas concertadas.

286 Revista de Informação Legislativa


Mesmo diante da presença de restrições, plexidade pode ser visto na decisão da
a franquia se mostra uma boa estratégia Comissão das Comunidades Europeias no
para o franqueador criar uma rede unifor- Caso 98/663/CE, Blokker/Toys “R” US
me sem fazer investimento direto, enquan- (2006), que trata da análise de um contrato
to o franqueado tem acesso a um negócio de franquia e que é interessante por ir ao
já testado e pode explorar uma marca já cerne do negócio numa abordagem subs-
conhecida. tancial. No caso, a Comissão identificou
Nessa perspectiva, Calixto Salomão a transferência indireta do controle do
Filho (2002, p. 110) destaca que “[...] apesar franqueador ao franqueado, ou seja, viu
de a criação de redes eficientes de franquias no contrato de franquia um instrumento
envolver restrições à concorrência entre para um ato de concentração. Devido à
seus membros, o efeito para o consumidor posição dominante da empresa, o órgão
será benéfico na medida em que permite determinou a desconcentração.
intensificar a concorrência entre redes Como Eduardo Goulart Pimenta (2005,
distintas [...]”. p. 145, 148 e 149) demonstra, o controle eco-
A fim de ressaltar os benefícios, mencio- nômico se manifesta num contexto de de-
namos o seguinte trecho do Regulamento pendência econômica, subvertendo a ideia
da Comissão das Comunidades Europeias de autonomia do sujeito controlado e não
no 4.087/88 (2006): necessita de se formalizar pela detenção de
“(7) Os acordos de franquia, tal como capital social da empresa controlada.
definidos no presente regulamento, Fizemos essas remissões para destacar
melhoram normalmente a distribui- a necessidade de nos desvincularmos
ção de produtos e/ou a prestação de dos dogmas ao lidarmos com o direito
serviços visto darem aos franqueado- da concorrência. Embora a franquia não
res a possibilidade de estabelecerem crie vínculo societário entre as partes e,
uma rede uniforme com investimen- portanto, não seja formalmente um ato de
tos limitados, facto que pode fomentar concentração econômica, para que haja a
a entrada de novos concorrentes no concentração basta a transmissão indireta
mercado, especialmente no caso de do controle, conforme o próprio artigo
pequenas e médias empresas, aumen- 54 da Lei no 8.884/1994 dispõe (BRASIL,
tando, deste modo, a concorrência 2006).
entre marcas; os referidos acordos Essa complexidade, que nos leva a uma
permitem também a comerciantes necessária análise concreta da realidade, é
independentes estabelecerem pontos bem visível diante das condutas ofensivas à
de venda mais rapidamente e com liberdade de concorrência que estão previs-
maiores probabilidades de êxito do tas nos artigos 20 e 21 da Lei no 8.884/1994
que se tivessem de fazê-lo sem a expe- (BRASIL, 2006).
riência e a assistência do franqueador;
os comerciantes independentes têm,
4 – Provocações suscitadas pelas
portanto, a possibilidade de competir
mais eficazmente com grandes empre-
práticas europeia e brasileira
sas de distribuição.” (consideranda). Na aplicação do direito da concorrência,
A confirmação dos benefícios depen- as antinomias e também a falta de matu-
derá da existência de concorrência inter- ridade desse capítulo do nosso sistema
marcas. jurídico nos colocam diante de problemas
Como toda questão em direito da con- complexos.
corrência, a franquia nos oferece desafios Em alguns momentos, o sistema jurídico
complexos. Um novo exemplo dessa com- pode ser interpretado de modo a supormos

Brasília a. 46 n. 181 jan./mar. 2009 287


que o ilícito à concorrência seria um ilíci- remissões a precedentes que remontam a
to em si. Uma postura que concebe toda 1415, como o Dier’s Case.
concentração como ilícita ou todo compor- No estudo das restrições verticais, a
tamento de fixação dos preços praticados referência ao direito europeu é importante
num mercado alvo também como ilícito. devido às recentes mudanças pelas quais
No entanto, talvez a única regra geral o ordenamento comunitário passou neste
que possamos extrair de todo o direito capítulo a partir de 1999, como mais uma
da concorrência é a de que a licitude ou a etapa da sua atualização. Essas mudanças
ilicitude são padrões relativos. A realidade indicam uma tendência de se enfatizar a
de cada momento nos fornece parâmetros concorrência intermarcas (horizontal), em
para, no direito da concorrência, sermos relação à concorrência intramarcas (verti-
mais ou menos tolerantes a determinados cal), e a se utilizar uma abordagem mais
comportamentos. economicista e pragmática, que busca veri-
O pensamento de Steven Anderman ficar os efeitos concretos de certas restrições
(2001, p. 9 e 14) reforça essa nossa observa- em vez de rotulá-las previamente de ilícitas.
ção em relação à inexistência de uma regra Com isso, o direito europeu começou a ven-
geral, pois o autor destaca a tendência ao cer o limite apontado pela crítica de Calixto
estabelecimento de uma disciplina concor- Salomão Filho (2003, p. 308), quando afir-
rencial dos DPI (Direitos de Propriedade mou que “[...] o grande problema da teoria
Industrial) construída caso a caso e aponta neoclássica é desconsiderar o valor em si da
a necessidade de olhar o mercado. Outro existência de concorrência em cada um dos
autor que reforça a ideia é Richard Whish níveis: intramarca e intermarcas”.
(2001, p. 547-548), quando defende a regra Contudo, diante do estudo compara-
da razão, a necessidade de análise concreta do, é importante lembrar que o grau de
e propõe a adoção de uma abordagem flexí- desenvolvimento da economia brasileira
vel e fundada em critérios econômicos. impõe uma análise das regras de proteção
Então, para melhor compreendermos da concorrência diferente da análise feita
a linha divisória entre exercício de direito em outras regiões desenvolvidas. Como
e abuso, um instrumento importante é a João Bosco Leopoldino da Fonseca (2001,
análise de decisões dos órgãos encarrega- p. 8) salienta:
dos da defesa da concorrência e também “[...] Se a concentração pode apre-
de decisões judiciais, inclusive pelo Direito sentar até mesmo perigos numa
Comparado, pois, em matéria de proteção sociedade econômica e socialmente
da concorrência, essa técnica de estudo desenvolvida, o mesmo não se pode-
pode acrescentar muito à consolidação da rá dizer no âmbito de uma sociedade
doutrina brasileira do direito da concor- em desenvolvimento, quando a con-
rência. centração de empresas poderá surgir
É fato que o mercado brasileiro só se como uma conveniência, quando não
abriu para a concorrência, ou para uma como uma necessidade. Os métodos
concorrência mais viva, a partir da última legais para a proteção da concorrên-
década do século XX, enquanto as realida- cia variarão segundo se apliquem
des Norte-Americana e Europeia nos ofere- numa sociedade desenvolvida ou
cem à observação experiências mais sólidas em desenvolvimento, pois que nestas
neste capítulo do direito. A construção do há um forte interesse em favorecer a
direito antitruste dos EUA vem desde fins concentração. [...]”.
do século XIX; por outro lado, no direito Nossa análise comparativa nos permite
inglês, por exemplo, para a análise de al- ainda fazer algumas observações sobre os
gumas questões concorrenciais são feitas seguintes temas: restrições territoriais, prá-

288 Revista de Informação Legislativa


ticas discriminatórias, recusa de contratar, detentor de uma patente, em um Estado
concorrência e vínculo contratual e sobre membro, não pode impedir a entrada e
abuso de posição dominante. comercialização, no território desse Estado,
de um produto estrangeiro, feito com base
4.1 – Restrições territoriais numa patente paralela concedida em outro
Uma primeira decisão a ser menciona- País. No mesmo ano, o Tribunal decidiu
da é a Établissements Consten S.à.R.L. and outro caso conexo a esse – Centrafarm BV
Grundig-Verkaufs-GmbH v Commission of the et Adriaan de Peijper v Winthrop BV, Caso
European Economic Community, Casos 56 e 16/74 (2002) – e concluiu que a cláusula
58/64 (2002), na qual o Tribunal de Justiça proibitória de exportações, inserida em
da Comunidade Europeia, em julho de contrato de distribuição, constitui uma
1966, analisou os efeitos concorrenciais de restrição territorial ilegal.
um contrato de distribuição com cláusula Por outro lado, em Adriaan de Peijper,
de exclusividade territorial, pelo qual, ape- Managing Director of Centrafarm BV, Caso
nas Consten detinha os direitos de importar 104/75 (2002), decidido em 1976, o Tribunal
produtos Gunding, em França, e era proibi- considerou que as normas nacionais que
da de exportá-los. autorizam apenas determinada empresa
O Tribunal estabeleceu um importante a importar produto específico, por consti-
pressuposto quanto ao exercício de direitos tuírem medidas equivalentes a restrições
de propriedade intelectual e a proteção da quantitativas ao livre comércio entre os Es-
concorrência, ao demonstrar que aqueles tados membros, são proibidas pelo Tratado,
direitos têm seus usos limitados pelas nor- em seu artigo 28 (antigo artigo 30).
mas de proteção da concorrência. Em 1982, ao julgar o caso L. C. Nungesser
Quanto aos limites para a subsunção de KG and Kurt Eisele v Commission of the Euro-
acordos restritivos às normas comunitárias pean Communities, no 258/78 (2002), a Corte
de proteção da concorrência, o Tribunal decidiu que um acordo de distribuição
disse que o artigo 85 (novo artigo 81) do exclusiva, incluindo licença para explora-
Tratado que instituiu a Comunidade Eu- ção de direito de propriedade intelectual,
ropeia não faz distinção entre concorrência com relação a certo território delimitado,
intermarcas e concorrência intramarcas, constitui uma restrição equivalente a uma
para limitar a aplicação de suas normas a restrição territorial absoluta, vista como
apenas uma dessas modalidades de concor- obstáculo às importações paralelas, tal
rência. Ou seja, as normas comunitárias de como uma barreira à entrada.
proteção da concorrência aplicam-se tanto Outra decisão do Tribunal de Justiça, na
em relação a restrições verticais, quanto a qual é analisada uma restrição territorial
restrições horizontais. em contrato de distribuição, e que merece
Outro princípio importante que se ex- remissão, é a do caso BASF Lacke + Farben
trai dessa primeira decisão é o de que as AG v Commission of the European Communi-
restrições territoriais, como a em discussão, ties, T-175/95 (2001), pois a Corte concluiu
podem causar o efeito de frustrar o objetivo que, ao buscar a intenção de determinada
comunitário de eliminar barreiras comer- conduta, a análise deve ser centrada em
ciais ao livre comércio entre os Estados. elementos objetivos, ou seja, saber se a
Para prosseguir na análise das restrições conduta produz, objetivamente, o efeito de
territoriais à liberdade de concorrência restringir a competição.
em acordos semelhantes, verificamos que, Em Pronuptia de Paris GmbH v. Pro-
em 1974, ao julgar o caso Centrafarm BV nuptia de Paris Irmgard Schillgallis, Caso
et Adriaan de Peijper v Sterling Drug Inc., 161/84 (2006), além de ressaltar a necessi-
no 15/74 (2002), o Tribunal decidiu que o dade de análise concreta, a Corte admitiu

Brasília a. 46 n. 181 jan./mar. 2009 289


restrições inerentes à uniformidade do ponto de eliminar toda a competição neste
negócio, mas considerou ilícita a restrição mercado, a recusa será ilícita. Esse caso é
territorial. apontado por Richard Whish (2001, p. 612)
como o fundamento para a jurisprudência
4.2 – Práticas discriminatórias europeia da recusa de contratar e das es-
Em 1974 o Tribunal de Justiça decidiu sencial facilities.
o Caso 155/73 (2002), Giuseppe Sacchi, que
dizia respeito à transmissão de sinais de 4.4 – Relação contratual e concorrência
televisão. A Corte demonstrou que a exclu- No common law, como Valentine Korah
sividade do direito não é incompatível com (1968, p. 189) destaca e exemplifica com
o livre mercado, mas que a discriminação um precedente de 1915 (Dunlop v. Selfrid-
pode configurar abuso. ge), um contrato vincula apenas as partes
Em Merci convenzionali porto di Ge- que o integram. Portanto, terceiros não
nova SpA v. Siderurgica Gabrielli SpA, se obrigam por uma cláusula de fixação
C-179/90 (2006), a Corte fixou o entendi- do preço de revenda que lhe seja imposta
mento de que um sujeito em posição do- em derivação de um contrato de que não
minante, no caso, detentor do monopólio tomaram parte.
de um serviço, comete abuso ao adotar Além dessa perspectiva relativa aos
práticas discriminatórias. limites subjetivos da eficácia do vínculo
No Brasil, em decisão envolvendo a contratual, observamos um outro proble-
Microsoft e suas distribuidoras, no Processo ma que é o da extensão objetiva do poder
Administrativo no 08012.008024/1998-49 criador da vontade, quando um contrato,
(BRASIL, 2006), o CADE analisou a existên- especialmente um contrato autorizado pela
cia de restrição territorial que levou à exclu- lei, entra em conflito com as disposições
sividade no fornecimento para a Adminis- legais do direito da concorrência.
tração Pública Federal, que se verificou num Esse conflito nos leva a perguntar: até
contexto de ausência de efetiva concorrência que ponto a lei ou o contrato podem excluir
intermarcas. Desse modo, os fatos confi- a ilicitude de uma restrição à liberdade de
guraram restrição vertical discriminatória concorrência?
ilícita e abuso de posição dominante em É útil a remissão ao conflito que existe
ofensa à concorrência intramarca. aqui no Brasil entre a disciplina jurídica da
distribuição de veículos automotores e a
4.3 – Recusa de contratar disciplina de proteção da concorrência. O
Em 1988, o Tribunal de Justiça Europeu, direito da concorrência brasileiro classifica
ao decidir o caso entre AB Volvo v. Erik Veng como ilícitas uma série de restrições verti-
(UK) LTD., no 238/87 (2001), concluiu que a cais à concorrência, como a fixação do preço
recusa em ceder, em si, não é abusiva, mas de revenda e como a venda casada, enquanto
outras práticas poderiam configurar a ilici- que a Lei 6.729, de 28 de novembro de 1979
tude, sobretudo se praticadas por empresa (2007), conhecida como Lei Ferrari, que dis-
em posição dominante. ciplina a relação de distribuição de veículos
Além disso, com Instituto Chemiotera- automotores no Brasil, estabelece que a
pico Italiano S.p.A. et Commercial Solvents relação de distribuição deverá implicar a
Corporation v. Comission of the European obrigatoriedade de venda pelo concessio-
Communities, Casos 6 e 7/73 (2007), veri- nário ao preço estipulado pelo concedente
ficamos que, se uma empresa em posição e também a previsão de quota de produtos
dominante num mercado de origem recusa a serem comercializados. Ou seja, a lei
o fornecimento de produtos ou serviços a que disciplina o mercado de distribuição
um concorrente em um mercado alvo a de veículos automotores, anterior à lei de
290 Revista de Informação Legislativa
proteção da concorrência, estabelece uma pois não interferiam nos preços ao con-
relação que tem a potencialidade de ferir sumidor. Além disso, destacou os efeitos
a liberdade de concorrência, pois admite pró-competitivos das restrições verticais.
comportamentos restritivos considerados Por isso, a autarquia identificou no caso
infrações à liberdade de concorrência. apenas uma querela contratual cujos efeitos
Em relação ao conflito, na década passa- não transcendiam as esferas jurídicas das
da, o CADE analisou questão envolvendo a respectivas partes para, numa perspectiva
ABRADIF – Associação Brasileira de Distri- macroeconômica, afetar o mercado e, daí,
buidores Ford – e a Ford Brasil Ltda., pro- interessar à defesa da concorrência.
cesso administrativo no 08000.019862/96-89 Por fim, observamos que, em voto no
(BRASIL, 2003); naquela ocasião, concluiu- Processo Administrativo no 89/92 (2003),
se pela possibilidade, em tese, de a relação cujas partes são KOERICH S/A Comércio
de distribuição de veículos automotores de Automóveis, Amauri Peças e Veícu-
ferir a concorrência. los Ltda. e Volkswagen do Brasil Ltda./
Por outro lado, o que chama a atenção Autolatina, os Conselheiros do CADE
nesse processo administrativo é que, em identificaram a obscuridade que dificulta
sua fase preliminar de instrução, decidiu- a condução de uma política concorrencial
se pelo arquivamento, sob o argumento de para o setor. Por isso, recomendaram a
que as condutas apontadas como ilícitas análise da estrutura do mercado de distri-
não passavam de questões meramente buição de veículos automotores brasileiro.
contratuais. Com isso, pretendemos enfa- Além disso, apontaram o efeito positivo do
tizar que as especificidades do direito da tabelamento.
concorrência, quando não compreendidas Embora nessa decisão o Conselheiro
pelos seus aplicadores, poderão acarretar Mércio Felsky, diante da disciplina legal
equívocos e dificultar a implementação de brasileira da distribuição de automóveis,
uma política de concorrência voltada ao fixada pela denominada Lei Ferrari, de-
desenvolvimento. monstre ser de opinião que “não é justo,
Em Volkswagen AG v. Comission of pois, que alguém seja investigado por estar
the European Communities, Caso T-208/01 cumprindo a lei”. (BRASIL, 2003), com-
(2007), observamos que o Tribunal europeu preendemos que a própria noção de abuso
declarou que a assinatura de um contrato torna frágil essa afirmação, pois o abuso é
de distribuição não implica a presunção justamente o desvio no exercício regular de
da aceitação tácita de futuras disposições uma prerrogativa atribuída a alguém. Daí, a
ilegais decorrentes da relação inaugural. necessidade da investigação, para determi-
Vemos ainda que, ao analisar um con- nar se há ou não, em concreto, ilícito.
trato de distribuição com exclusividade
em outro mercado, o CADE, no processo 4.5 – Abuso de posição dominante
administrativo n o 08000.000146/96-55, Julgado em 1979 na Europa, o Caso
Distribuidora de Bebidas Oásis de Cabo 85/76 (2002), Hoffmann-La Roche & Co. AG
Frio Ltda. v. Companhia Cervearia Brah- v Commission of the European Communities,
ma (2003), apreciou o questionamento de levou à análise da abusividade de acordos
distribuidor em relação à diminuição dos de exclusividade. Para declarar a existência
seus lucros via conduta do fabricante que, de abuso, o Tribunal se valeu da definição
unilateralmente, adotava a fixação de pre- do mercado relevante e afirmou que o
ços e outras disposições a respeito da co- abuso é um conceito objetivo, sendo que,
mercialização exclusiva dos seus produtos. entre os elementos necessários para a sua
Contudo o CADE verificou que as condutas configuração, o ponto de partida é a deten-
não alteravam a concorrência intermarcas, ção de grande fatia do mercado.

Brasília a. 46 n. 181 jan./mar. 2009 291


Em Hoffmann-La Roche & Co. AG v Cen- de que, enquanto a liberdade de concorrên-
trafarm Vertriebsgesellschaft Pharmazeutischer cia é contrária ao monopólio, há mercados
Erzeugnisse mbH., Caso 102/77 (2002), cujas estruturas encontram-se altamente
proferida em 1978, o Tribunal confirmou a concentradas; além disso, o fortalecimento
regra de que é proibido o abuso de direito de certos grupos é essencial para a política
pelo titular de uma marca que se encontre comercial de alguns Estados no mercado
em posição dominante. internacional.
Por fim, observamos que, em 1983, a Com isso, vem a observação de que, a
Corte apreciou a existência de abuso de despeito das regras, consumidores, traba-
posição dominante em acordos de distri- lhadores e pequenas empresas se veem,
buição com sistema de descontos seletivos em muitos momentos, à mercê do poder
e concessão de bônus, ao julgar o Caso econômico.
322/81 (2002), NV Nederlandsche Banden In- Acreditamos que o paradoxo apontado
dustrie Michelin v Commission of the European e a consequente frustração são efeitos ine-
Communities. Ressaltamos dois aspectos da rentes às crenças que movem o ser humano
decisão: o primeiro é que o Tribunal con- até então. Enquanto não se modificar nossa
firma a necessidade de avaliar o mercado hierarquia de valores, a sensação de angús-
relevante, para definir a existência de posi- tia será a constatação de que o trabalho está
ção dominante; o outro, é que a empresa em por fazer. Um trabalho diário de todo o
posição dominante tem a responsabilidade aparato institucional de defesa da concor-
de preservar a concorrência. rência. Pois, embora a ideia de mercado, em
sua essência, revele-nos a historicidade da
instituição e sua abertura à transformação,
5 – Conclusões
identificamos a realidade de cada espaço e
A liberdade de concorrência assume dois tempo como o limite para toda tentativa de
significados complementares: de um lado, mudança e, em especial, para uma política
vemos nela a prerrogativa de competir; do de concorrência.
outro, ela nos leva à defesa da concorrência. As restrições verticais nos levam a ou-
Naquele primeiro significado está a tônica tros paradoxos desse capítulo complexo
do direito durante o período liberal, en- que é o direito da concorrência. Em muitos
quanto que no período atual o princípio da momentos, a fonte de uma restrição vertical
liberdade de concorrência impõe ao Estado é um ato lícito e, em alguns, decorre da lei.
uma atuação na defesa da concorrência. Além disso, embora a restrição vertical
Se olharmos o mercado sob o prisma das limite a liberdade de concorrência, poderá
concepções liberais ou neoliberais, identi- ser eficiente, porque poderá aumentar a
ficaremos a concorrência como uma força concorrência intermarcas ou a qualidade
propulsora de sua regulação e que contribui do serviço prestado aos consumidores, ou
para o bem-estar individual e coletivo. por ser um mal menor em relação à con-
Conscientes de que qualquer modelo te- centração vertical.
órico é incapaz de traduzir toda a amplitu- Um bom exemplo de instituto caracte-
de inerente à realidade, concordamos com a rizado pela prática de restrições verticais
visão de que, num ambiente concorrencial, e que se revela eficiente é o contrato de
quando há homogeneidade, a competição franquia.
impulsiona os indivíduos a buscarem ser Diante disso tudo, o estudo comparado
os melhores, o que contribuiria para a pros- nos permitiu verificar no direito europeu
peridade coletiva. uma tendência a tolerar mais as restri-
No esforço de defesa da concorrência, os ções verticais à concorrência intramarcas,
dias de hoje nos revelam paradoxos como o quando houver concorrência intermarcas,

292 Revista de Informação Legislativa


e a tendência a utilizar uma abordagem ______. Lei 8.955, de 15 dez. 1994. Dispõe sobre o
mais economicista e pragmática, que bus- contrato de franquia empresarial (franchising) e dá
outras providências. Disponível em: <http://www.
ca verificar os efeitos concretos de certas planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8955.htm>. Acesso
restrições. em: 23 jul. 2007.
A essas tendências do ordenamento
______. Conselho Administrativo de Defesa Econômi-
europeu, acrescentamos as seguintes obser- ca. Resolução no 20, de 9 de junho de 1999. Dispõe, de
vações relativas à disciplina concorrencial forma complementar, sobre o Processo Administrati-
das restrições verticais: vo, nos termos do art. 51 da Lei no 8.884/94. Publicada
– é necessária uma análise concreta e no DOU de 28 jun. 1999.
profunda de cada caso; ______. Conselho Administrativo de Defesa Econô-
– o mercado relevante deve ser delimita- mica. Recurso de Ofício no Processo Administrativo
do a partir de um enfoque restritivo; no 89/92. Distribuição de automóveis. Representante:
José Galvani Alberton. Representadas: KOERICH S/A
– a ilicitude de uma conduta no mercado Comércio de Automóveis, Amauri Peças e Veículos
resulta da sua capacidade de, objetivamen- Ltda. e Volkswagen do Brasil Ltda./Autolatina. Voto
te, restringir a concorrência; de Vista. Conselheiro Mércio Felsky, Brasília, 29 set.
– é necessário dimensionar o poder de 1999. Disponível em: <http://www.cade.gov.br>.
mercado dos sujeitos envolvidos; Acesso em: 05 mar. 2003.
– a inexistência de concorrência in- ______. Conselho Administrativo de Defesa Econô-
termarcas faz mais graves as restrições mica. Processo Administrativo no 08000.019862/96-
89. Distribuição de automóveis. Representante:
verticais;
ABRADIF. Representada: Ford Brasil Ltda. Relator:
– a defesa da concorrência se ocupa dos Conselheiro Leônidas Rangel Xausa, Brasília, 02 set.
efeitos macroeconômicos dos comporta- 1997. Disponível em: <http://www.cade.gov.br>.
mentos no mercado. Acesso em: 05 mar. 2003.
Tudo isso nos permite afirmar que a ______. Conselho Administrativo de Defesa Econômi-
defesa da concorrência é um trabalho de ca. Processo Administrativo no 08000.000146/96-55.
construção, pois não existe uma linha divi- Distribuição de bebidas. Representante: Distribuidora
sória nítida entre uso e abuso, entre lícito e de Bebidas Oásis de Cabo Frio Ltda. Representada:
Companhia Cervearia Brahma. Relator: Conselheiro
ilícito. Existe sim uma tensão. Uma tensão Ruy Santacruz, Brasília, 09 jun. 1999. Disponível
que se resolve caso a caso numa síntese em: <http://www.cade.gov.br>. Acesso em: 5 mar.
particular. 2003.
______. Conselho Administrativo de Defesa Econômi-
ca. Processo Administrativo no 08012.008024/1998-49.
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