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ESTADO DO RIO DE JANEIRO
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CADERNOS DE GR ADUAÇÃO: DIALOGANDO COM A PR Á XIS
Organização
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Carmem Praxedes
Rio de Janeiro
2016
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Revisão dos abstracts: Escritório Modelo de Tradução Ana Cristina César Maria Georgina Muniz Washington (UERJ)
Estagiárias: Julia de Moraes Roveri e Maira Moura Rafael Ferreira (UCE)
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Versão dos resumos para o italiano: Escritório Modelo de Tradução (Escritad - UERJ) Vania Boschetti (UNISO)
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CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/NPROTEC
L698 Licenciatura sem fronteiras: semiosferas em transformação /
organização Tania Maria de Castro Carvalho Netto,
Carmem Praxedes. - Rio de Janeiro: EdUERJ, 2016.
203 p. – (Cadernos de Graduação: dialogando com a práxis)
ISBN 978-85-7511-427-8
“Departamento de Estágios e Bolsas CETREINA SR1 UERJ”
CDU 37
Os textos aqui publicados expressam a opinião de seus autores.
Apoio EdUERJ
Editora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
O que vale na vida não é o ponto de partida e sim a caminhada.
Caminhando e semeando, no fim terás o que colher.
Cora Coralina
Agradecimentos
À professora Lená Medeiros de Menezes e a todos
aqueles que colaboraram com mais este sonho.
Dedicatória
Àqueles estudantes presentes em todos os tempos,
formas e modos em nossos corações.
Sumário
Apresentação.................................................................................................................................................. 11
Repensar a semiosfera................................................................................................................................. 17
Franciscu Sedda
humana, tão orgânica e tão inquieta quanto os organismos que habitam as galáxias.
E, assim, movidos pela emoção e pela paixão é que todos nós somos aprendizes e
professores, não apenas no espaço delimitado da sala de aula, mas também num con-
tinuum de nossas existências.
Sem a intenção de nos estendermos muito, agradecemos a todos os autores pela
confiança que nos foi depositada e conclamamos a comunidade a nos enviar mais tex-
tos de estudantes, técnicos, docentes e demais envolvidos, de alguma forma, no mundo
da escola, da universidade e do trabalho. Não esperamos somente textos acadêmicos
produtos de pesquisas, embora esses sejam sempre bem-vindos, mas também depoi-
mentos oriundos da experiência e dos relacionamentos com todos os que se envolvem
ou se envolveram com o ensino e aprendizagem; afinal, a semiosfera exige relações...
1
Fonte: Data UERJ, 2015, p. 65.
Disponível em: <www2.datauerj.uerj.br/pdf/DATAUERJ_2015.pdf>
2
Instituto de Artes (1), Educação (4), Faculdade de Educação da Baixada Fluminense (3), Faculdade de
Formação de Professores (7), Instituto de Física (1), Instituto de Biologia (1), Instituto de Educação Física
(1), Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (3), Instituto de Geografia (1), Instituto de Matemática e
Estatística (1), Instituto de Letras (9), Instituto de Química (1) e Instituto de Psicologia (1).
16 Licenciatura sem fronteiras: semiosferas em transformação
o pensamento de Darcy Ribeiro (1969), segundo o qual a web nos permite não só a
formalização do processo de ensino e aprendizagem, como também a viabilização de
veículos de reflexão desses e dos demais processos.
Referências
Biografias
Franciscu Sedda
(Universidade de Roma
“Tor Vergata”)
Nunca sozinhos
1
Tradução de Carmem Praxedes do original em italiano Ripensare la semiosfera.
2
Veja-se aqui em seguida a primeira Tese para o estudo semiótico da cultura escrita por Lotman e pelos outros
estudiosos da Escola de Tartu: “No estudo da cultura, um ponto de atualização é o pressuposto de que toda
a atividade do homem voltada a elaborar, trocar e conservar informação possui certa unidade. Os singulares
sistemas sígnicos, mesmo pressupondo estruturas com uma organização imanente, funcionando somente
18 Licenciatura sem fronteiras: semiosferas em transformação
A semiosfera é então o lugar em que os signos podem emergir reenviando-se uns aos
outros; as linguagens se fazem eficazes traduzindo-se reciprocamente, o sentido – mais
geralmente – pode ser criado, trocado e transformado.
A semiosfera é um pouco como o mar para as correntes marítimas e para os pei-
xes que se movem através delas. As duas últimas não poderiam existir sem o primeiro.
E, todavia, o conjunto não seria aquilo que é sem as partes que o compõem. Difícil
pensar um mar sem correntes e sem peixes. As partes da semiosfera são então como os
espelhos, alguns “mágicos”, caberia dizer, por meio dos quais capturamos uma imagem
do conjunto. Mais semioticamente se deveria dizer que as partes são ao mesmo tempo
uma tradução parcial e uma hipótese performativa de uma (determinada) totalidade
dinâmica.3 Somente tendo em mente esse jogo podemos experimentar tornar a ideia de
semiosfera em algo interessante e frutuoso, pois ela é um mecanismo complexo. Mas,
sobretudo, é um conjunto que implica, para o seu funcionamento, diversos paradoxos
estruturais.
Matrizes relacionais4
em união, apoiando-se um no outro. Nenhum sistema sígnico possui um mecanismo que lhe permita fun-
cionar isoladamente” (Ivanov et al. 1973; agora In Lotman, 2006, p. 107).
3
Nesse sentido, uma semiosfera, ou ainda melhor, uma determinada formação semiótica age como a
forma signo indexical de Silverstein, que ao mesmo tempo pressupõe e cria o seu contexto de ocorrência
(Silverstein, 1993, p. 36).
4
NT: Agradecemos a sempre valiosa contribuição de Aurora Fornoni Bernadini, ao nos clarear os bosques da
tradução.
5
Pode ser útil reinvocar aqui uma das definições de cultura dada por James Clifford (1980, p. 220): a totality
in process, composed and recomposed in changing external relations. Ver também Clifford (1988).
6
A oposição entre “cultura” e “natureza” pode ser vista como uma das mais comuns objetivações desse tipo de
relação. A dinâmica entre espaço semiótico e espaço extrassemiótico se encontra, todavia, também na base
de outras grandes categorizações do mundo social. Lotman, por exemplo, faz habitualmente referências à
oposição entre “civil” e “bárbaro”.
Prova: que gosto tens? ou histórias de um praticante na avaliação escolar 19
A necessidade do outro
7
Para uma conceptualização das formações semióticas enquanto conceito sintético dos mais comuns objetos
semióticos “signo”, “texto” e “discurso” veja-se Sedda (2015).
20 Licenciatura sem fronteiras: semiosferas em transformação
está falando outra língua, mas não sabemos dizer nem de qual língua se trata, nem qual
é o conteúdo do que se está falando. Ou ainda, como se fôssemos colocados diante a uma
das fórmulas matemáticas de que reconheceremos a sua essência “fórmulas matemáticas”,
mas sem delas adivinhar minimamente nem o sentido nem ao menos o emprego.
Querendo experimentar construir uma tipologia da relação com a alteridade, po-
deríamos dizer que o espaço externo assume diversas formas. Esse pode ser o espaço da
não cultura: cabe dizer, o lugar de uma ausência de “valores”, o que semioticamente sig-
nifica um espaço privado de diferenças articuladas, até mesmo de forma. Em segundo
lugar pode ser considerado como espaço de negação da cultura, isto é, de uma cultura
que nega e ameaça os “nossos” valores, o nosso sistema de diferenças. Enfim, o terceiro
lugar, pode ser o espaço de outra cultura com valores diferentes, mas que poderiam ser
considerados e percebidos como similares ou complementares aos nossos.8
Traduzindo essa tipologia cultural em uma de postura política, poderíamos dizer
que essa leva a três grandes tendências: expansionismo (ordem que se projeta em dire-
ção ao caos); protecionismo (ordem que se defende de uma outra que a nega); aliança,
diálogo ou indiferença (entre ordens diversas).
Na realidade cultural essas tendências se fazem menos nítidas, tornam-se cícli-
cas, sobrepõem-se, pluralizam-se, às vezes até mesmo se contradizem ou se chocam. O
protecionismo pode se tornar defesa do – presumível – caos incipiente, como acontece
com muitos Estados Europeus diante do êxodo de imigrantes, e o expansionismo pode
ser uma voluntária exportação do caos, por exemplo, na forma do “medo terrorista”
que mina a certeza da vida cotidiana. A mesma percepção da alteridade pode variar e
de fato o faz – enchendo-se de um valor atrativo ou repulsivo – estratificando-se no
interior da semiosfera. Além disso, segundo Lotman, cada semiosfera cria no seu inte-
rior uma imagem do outro (dos seus muitos outros). Essa presença do externo dentro
do espaço interno é assim necessária e fundamental que, mesmo se não há um externo
por traduzir, a semiosfera é levada a criá-lo, a inventar o seu próprio outro. Em outros
8
Estamos evidentemente desfrutando as relações lógicas elaboradas por Greimas (1983) e Greimas e Cour-
tés (1979). Faça-se atenção ao fato desta descrição parecer implicar uma devida assiologização positiva
do espaço interno e uma negativa do espaço externo. Isso não é de todo devido. O mecanismo relacional
não é ainda semanticamente marcado, segundo a categoria euforia/disforia (e poderia ainda recair no seu
conjunto no espaço da aforia). Por exemplo, pode-se pensar em cada vez que se diz: “Aquele sim é um país
civilizado, onde tudo é organizado e o povo é honesto”. De fato, coloca-se aqui o positivo (e também certa
ideia de “ordem”) no espaço exterior em respeito ao próprio espaço. Ou em caso contrário: “Em outros
países são livres de verdade, cada um vive como acredita ser melhor, não como aqui onde estamos como
sob uma ditadura e todos devem se conformar”. Mais em geral se considera que o externo pode também
ser interno àquela que a certo nível parece ser uma única semiosfera: uma coletividade diversa, um estilo de
vida diverso e um lugar diverso podem aparecer como elemento de alteridade – de ameaça, regeneração ou
em uma alternativa mais neutra – respeito àquilo que a esse ponto aparece como o código dominante em
uma dada semiosfera.
Prova: que gosto tens? ou histórias de um praticante na avaliação escolar 21
termos, dentro de um dado sistema cultural existe sempre a posição do outro. Os casos
do encontro cultural, por exemplo, os encontros coloniais, demonstram que a chegada
do outro foi geralmente gerida colocando esta alteridade dentro da posição que lhe era
já reservada dentro de alguma “cosmologia local”.9
Fronteiras e espaços
Um dispositivo glocal
9
Ver, por exemplo, Sahlins (1994, 2000); West (2007). Um clássico na matéria é Todorov (1982).
10
Para algumas importantes reflexões epistemológicas e semióticas sobre as fronteiras, ver Tagliagambe (1997)
e Hammad (2004).
11
Bhabha (1994).
12
Sobre o creolo e a creolização veja-se Bernabé et al. (1989), Glissant (1996). Sobre os creolos e os pidgins
do ponto de vista semiótico, veja-se Fabbri (2000).
13
Sobre o glocal e a glocalização Robertson (1995), Robertson, White (2004). Para um ponto de vista semi-
ótico sobre esses conceitos, Sedda (2004, 2012, 2014).
22 Licenciatura sem fronteiras: semiosferas em transformação
limitadas, mas também, segundo Lotman, como um texto que flutua dentro de uma
semiosfera maior, de que não se conhece a linguagem.
Pense-se à exploração desse paradoxo no imaginário midiático – do filme Matrix
à série de TV Fringe – mas também o modo em que o ponto de vista pan-humano
é constantemente relativizado e localizado dentro de diversos discursos: sejam esses
aqueles religiosos que olham intensamente a transcendência, sejam aqueles das ciências
que fazem da terra e da humanidade somente uma específica manifestação de leis do
cosmo e da natureza.
Agora, para falar metaforicamente da semiosfera, devemos notar que as
semiosferas não são postas uma dentro da outra como algumas bonecas russas, as
matrioska. À produção do assim chamado isomorfismo estrutural, cabe dizer de nexos e
configurações estruturais homogêneos que se reverberam de nível em nível, é questão
de poder: isso depende da capacidade de reproduzir o mesmo modelo semiótico –
uma configuração de relações sobre níveis hierárquicos diferentes. E, simultaneamente,
sobre a possibilidade de confirmar constantemente essa hierarquia específica com
os seus níveis e metaníveis. Todavia, a verdade é que as semiosferas se cruzam, ao
menos em algum nível, produzindo tensões conflituosas14. Os conflitos de fidelidade
que cada pessoa vive constantemente podem ser o mais imediato testemunho: como
mensurar, por exemplo, o próprio pertencimento à comunidade nacional e o próprio
pacifismo se a mesma comunidade decide entrar em guerra? Como escolher quando
o amor por uma pessoa lhe faz lutar, hipoteticamente, à lealdade que devemos a um
grupo social (ou mais banalmente ao nosso time de futebol!)? Aqueles que poderiam
semioticamente definir como conflitos de destinadores, ou seja, entre autoridades que
subentendem a nossa vida e aos valores que nos parecem necessários e justo perseguir,
exemplificando na experiência da vida cotidiana o potencial colossal das hierarquias
que regem uma semiosfera. Pense-se, mais abstratamente, no caso da convivência
de modelos de cidadania definidos pelas políticas do Estado nacional e aqueles que
emergem das comunidades locais e das suas práticas. Ou às tensões que se aprisionam
quando os valores e as práticas seculares propostas pelo Estado convergirão com os
religiosos considerados universais e, por sua vez, traduzidos dentro dos mundos da vida
local. Ou ainda quando diferentes pontos de vista ideológicos disputam a definição
de um “fato” ou “evento” particular. Ou, enfim, quando a linguagem oficial de uma
específica semiosfera se encontra circundada e desafiada por outras linguagens, que
entram naquela semiosfera pelo exterior, as que nela já estavam presentes a um nível
hierárquico inferior e a certo ponto reemergem e assumem dignidade nova.
À luz desses raciocínios não nos surpreende o que disse Lotman:
14
Sobre esse assunto, ver as ideias de disjunção e de produção de localidade In Appadurai (1996).
Prova: que gosto tens? ou histórias de um praticante na avaliação escolar 23
[…] na realidade da semiosfera as hierarquias das linguagens e dos textos são menos
habituais: elas interagem como se se encontrassem em um único nível. Os textos pare-
cem imersos em linguagens a eles não correlatos e podem faltar os códigos capazes de
decodificá-los (Lotman, 1985, pp. 63-64).
Tradução e autoconsciência
Para colocar em ato a sua função social, [a cultura] deve intervir como uma estrutura
subordinada a princípios construtivos unitários. Essa unidade se transforma no modo
que segue: em uma determinada etapa do seu desenvolvimento chega, para a cultura,
o momento de autoconsciência: ela cria o seu próprio modelo, que dela define a fisio-
nomia unificada, artificialmente esquematizada, elevada ao nível estrutural. Sobreposta
à realidade desta ou daquela cultura, tal fisionomia exercita sobre ela uma potente ação
ordenadora, dela organizando integralmente a construção, levando de si harmonia e eli-
minando contradições (Lotman e Uspenski, 1975, p. 65).
15
Mantivemos esse e os demais compostos conforme o original com hífen.
16
Na relação social alguns standard e algumas redes em geral, veja-se Grewal (2008). Para um ponto de vista
sobre as redes mais próximas da semiótica, Latour (1991, 2005).
24 Licenciatura sem fronteiras: semiosferas em transformação
duplo efeito paradoxal. Por isso, nos mais altos metaníveis da semiose cultural de uma
dada semiosfera, nos encontramos a nos confrontar com aqueles que podemos definir
como embates de (meta) definições. O que demonstra, ainda mais uma vez, que cada
semiosfera, cada formação semiótica, produz possibilidades de unidade e diversidade,
de ordem e de caos.
Referências
——. Sentimental Pessimism and Ethnographic Experience. Or, Why Culture is not a Disappearing
Object. In Biographies of Scientific Objects, edited by Lorraine Daston, 158-202. Chicago and
London: University of Chicago Press, 2000.
SAUSSURE, Ferdinand de. Cours de linguistique générale.Paris: Payot, 1922.
SEDDA, Franciscu (a cura di). Glocal: Sul presente a venire. Roma: Sossella, 2004.
——. Imperfette traduzioni: Semiopolitica delle culture.Roma: Nuova Cultura, 2012.
——. Forms of the World: Rootes, Histories, and Horizons of the Glocal. In European Glocalazion in
Global Context, edited by Roland Robertson. London: Palgrave Macmillan, 2014.
——. Semiotics of Culture(s): Basic Questions and Concepts. In International Handbook of Semiotics,
edited by Peter Pericles Trifonas, 675-696. Dordrecht: Springer.
SILVERSTEIN, Michael. Metapragmatic discourse and metapragmatic function. In Reflexive language:
Reported speech and metapragmatics, edited by John A. Lucy, 33-58. Cambridge University Press,
1993.
TAGLIAGAMBE, Silvano. Epistemologia del confine. Milano: Il Saggiatore, 1997.
TODOROV, Tvetan. La conquête de l’Amérique: la question de l’autre. Paris: Éditions du Seuil, 1982.
WEST, Harry G. Ethnographic Sorcery. Chicago: The University of Chicago Press, 2007.
Biografia
que, de uma maneira geral, é reconhecida como o principal instrumento que a escola e
os professores têm ao seu dispor e utilizam em suas práticas educativas cotidianas para
avaliá-los. Para realizarem essa tarefa, eles poderiam usar a(s) linguagem(ns) verbal,
escrita e/ou iconográfica, identificando as imagens/representações que eles possuíam/
produziam acerca desse instrumento de medida.
Todavia, nesta mesma época, assumi a turma 614, com a qual não havia tra-
balhado anteriormente. Resolvi, no início do ano, fazer com esses alunos a mesma
proposta. Assim, enquanto as duas primeiras turmas, de forma inevitável, acabaram te-
cendo comparações entre as provas alternativas de história e as demais provas realizadas
por outros colegas de outras áreas do conhecimento, a terceira turma – a 614 –, que
não havia participado dessas experiências, acabou produzindo textos e imagens muito
emblemáticas sobre seus autores: nós professores.
São alguns desses registros produzidos nessa ocasião por essas três turmas, e que
hoje fazem parte do meu acervo autorreferencial (Viñao, 2000), que utilizo na tessitura
(Alves, 2001) dessa narrativa, que procura estabelecer conexão entre essas imagens/
representações e suas possíveis inter-relações com a linguagem, a cognição e a cultura,
considerando que os significados conotativos, construídos de forma individual ou co-
letiva por aqueles alunos, podem ser atribuídos ao conjunto formado pelo significante
PROVA e as quatro outras palavras escritas a partir do reordenamento das letras P, R,
O, V e A, reforçando e consolidando nos diferentes espaços-tempos da educação a miti-
ficação e mistificação das provas no processo de avaliação.
Este é um exercício curioso, creio que original em relação à avaliação ou como
queiram à medida, e que, neste texto, será tratado como uma possível e divertida cons-
piração da lexicologia, não deixando de reconhecer a importância de inúmeros e atuais
estudos sociolinguísticos. Muitos dos quais se utilizam e fazem referência à “Hipótese
de Sapir-Whorf”, segundo a qual não é possível imaginar a interpretação de um texto
(palavra ou conceito) sem ter em conta suas coordenadas culturais.
Considero importante ressaltar que não tenho o hábito, nos textos que até então
vinha produzindo, de explorar a origem etimológica/sentidos das palavras ou conceitos
com os quais trabalho. Simplesmente, tenho a confessar que possuía certo preconceito
quanto à utilização desse tipo de recursos nos textos que lia e, principalmente, nos que
produzia. Contudo, o cotidiano tem suas artimanhas e sabedorias e nos ensina, em
nossas ações mais simples, que devemos nos acautelar e evitar posicionamentos unilate-
rais e radicais, mais apropriados para o pensamento científico herdado da modernidade.
Assim, seguindo as lições que venho tomando com os autores das pesquisas com os co-
tidianos, tenho procurado estar atento para não incorrer em situações que me levem a
afirmar, de forma radical, que dessa água nunca beberei.
30 Licenciatura sem fronteiras: semiosferas em transformação
Brook (1995 apud Alves, 2001), nos indica que ao assumirmos um ponto de vis-
ta que nos pode ser útil, devemos defendê-lo até a morte. Entretanto, paradoxalmente,
não devemos levá-lo muito a sério, abandonando-o sem constrangimento quando se
tornar inútil.
Assim, acordado neste ponto com meu leitores, recorro ao Aurélio Século XXI
(Ferreira, 1999, p. 1656) e constato que a partir do verbete PROVA, que ocupa por
inteiro uma das três colunas existentes na página, é possível tecer uma rede de signi-
ficados construída num processo de reflexão acerca desse instrumento da avaliação
escolar e sua relação com os muitos sentidos ali explícitos e implícitos, que denotam os
conceitos de autoridade, rigor, testagem, julgamento, verdade e provação, entre outros.
PROVA, segundo o Aurélio (1999), é, no sentido dicionarizado, aquilo que
“atesta a veracidade”; sendo também “garantia”; “exatidão de um cálculo”; “verificação
da qualidade”; “concurso ou exame”; “provação”; “competição”; “primeira revelação
de um negativo”; “peça de processo judicial”; “ordálio” (juízo de Deus), entre outros.
Pode ser também uma “experiência para saber se uma roupa se ajusta bem ao corpo”
– não posso deixar de considerar que, neste sentido, sinto-me atraído a estabelecer re-
lações com Foucault (2000) e um dos seus clássicos: Vigiar e punir.
Há outros sentidos para essa palavra, como o que se refere à possibilidade de
identificarmos o sabor dos alimentos e bebidas, ideia/sentido que desenvolvi em minha
dissertação de mestrado, através da pergunta: “Prova, que gosto tens?”.
Das artes gráficas, onde a PROVA é “a impressão tirada para inspeção do
trabalho com a correção dos erros e falhas existentes” (Ferreira, 1999, p. 1656),
identifico o distanciamento entre as finalidades desse instrumento nas atividades
gráficas e naquelas desenvolvidas por docentes em seus cotidianos, nos espaços-tempos
escolares.
Quais os desdobramentos desse distanciamento sobre os alunos? Como eles se
sentem e reagem nesse processo que confere à PROVA um status de intocabilidade, que
a diferencia das demais atividades escolares, sendo ela o único elemento da prática pe-
dagógica considerado, em princípio, quase inegociável pelo professor e pela instituição
escolar? Quais são os fetiches e os rituais que constroem a rede de mistérios e mitos em
torno da e sobre a PROVA? Qual a nossa contribuição, enquanto educadores, nesse
processo de construção e consolidação desses ritualismos que conferem às PROVAS
sentidos de mito e mistério durante o processo de avaliação? Como esses processos
produzem sentidos/imagens/representações que são expressos nas falas e atitudes dos
alunos no cotidiano escolar, em relação às PROVAS? Essas são algumas questões que,
se não são para serem respondidas neste texto, aqui estão para nos provocar a pensar
sobre elas.
Prova: que gosto tens? ou histórias de um praticante na avaliação escolar 31
“As provas, para mim, sempre são a mesma coisa: ‘um trem fantasma’. Às
vezes entro na sala de aula para fazer uma prova um pouco calma, mas logo me
desespero com aquela questão que o professor tira do fundo do baú”, avaliou
Carolina, de 13 anos, aluna da turma 614/88, fazendo alusão ao brinquedo que,
no parque de diversões, estabelece com seus usuários uma relação que pode ser
definida como um misto de terror e superação de limites, num processo marcado
por sobressaltos, sustos e algumas sensações de alívio. Ali, o espectador, preso a
um lugar específico, submete-se passivamente a um jogo com regras e percurso
pré-determinados. Nada muito diferente das sensações que podem ser encontradas
nos espaços-tempos das salas de aula durante as PROVAS. Com a ressalva de que
neste segundo caso não se trata de uma opção, uma brincadeira ou um entrete-
nimento sem maiores desdobramentos, como o do parque de diversões, pois há
muito esse instrumento tem sido utilizado nos três níveis de ensino, de forma in-
discriminada, como aquele que, em última instância, promove ou exclui os alunos
do processo de escolarização.
Esta comparação estabelecida por Carolina e que nos remete à ideia de PA-
VOR – que significa grande susto, medo e terror – é a primeira das palavras dicio-
narizadas que trago, entre aquelas que se podem escrever a partir da possibilidade de
se reagruparem as letras que escrevem PROVA, e que, no imaginário do cotidiano
escolar, é uma das representações comumente relacionadas pelos alunos a este ins-
trumento de avaliação.
32 Licenciatura sem fronteiras: semiosferas em transformação
Há cerca de três décadas esses registros estão em meu poder e agora – quando bus-
co estabelecer uma “leitura” acerca deles à semelhança das propostas de Manguel (2001),
entendendo o espectador comum na necessidade que tem de articular a imagem como
narrativa – mergulho nos simbolismos que essas imagens encerram, sabedor de que
quando lemos imagens – de qualquer tipo, sejam pintadas, esculpidas, fotografadas, edi-
ficadas ou encenadas – atribuímos a elas o caráter temporal da narrativa. Ampliamos o
que é limitado por uma moldura para um antes e um depois e, por meio da arte de narrar
histórias (sejam de amor ou de ódio), conferimos à imagem uma vida infinita e inesgo-
tável (Manguel, 2001, p. 27).
No caso desta imagem, são dez fantasmas, como dez é também a pontuação
máxima que pode ser atribuída a uma PROVA. Teria sido coincidência, já que não
há no texto produzido por Daniela nenhuma referência a este fato, ou houve uma
intencionalidade nessa representação? Se não houve essa intencionalidade, terá sido a
produção dessa imagem, da forma como ela se apresenta, um reflexo do inconsciente
coletivo presente em todos nós, enquanto redes de subjetividades (Santos, 1995) que
Prova: que gosto tens? ou histórias de um praticante na avaliação escolar 33
os que se seguem, que aqui chamo de “a guerra”, “tédio” e “jogado na rua da amargura”,
explicitando as relações de poder, os dispositivos disciplinares e as sanções (Foucault,
2000) que fazem parte do universo do alunado, de um modo geral, em relação ao
exame ou à PROVA.
A GUERRA
A prova é uma merda* de “guerra” que nunca tem fim e que a gente luta sem armas, não
sabendo se vamos “morrer” ou “sobreviver”.
TÉDIO
Prova, para mim, é um modo que o professor sem criatividade inventa para os alunos
fazerem e ele mostrar que tem esse instrumento de dominação para controlar os alunos.
Prova, significa que eu terei que ficar meu final de semana estudando (que tédio!).
[...] quando o exame era parte do método, (os professores) tinham que resolver to-
dos os problemas de aprendizagem através de diversas tentativas metodológicas. Com
o aparecimento das novas funções do exame: certificar e promover, quando existe uma
dificuldade de aprendizagem, os professores e as instituições aplicam exames (Barriga,
2000, p. 61).
36 Licenciatura sem fronteiras: semiosferas em transformação
Esta ilustração produzida para avaliar as provas é uma criação de dois alunos:
Rafael, de 12 anos, e Vinícius, de 13, ambos da turma 614. Seus autores deram-lhe o
título de O pobre aluno na sua batalha costumeira. Na imagem estão representados três
algozes: a bruxa, o troglodita e o demônio, que no cotidiano da sala de aula, para essas
crianças, representavam os diferentes tipos de professores que os ameaçavam durante
todo o tempo com sua arma principal – a PROVA.
Resta uma última palavra dicionarizada que pode ser escrita com as mesmas
letras de PROVA: VAPOR. A princípio acreditei não ser possível tecer relações com
a conspiração léxica que pude estabelecer com as palavras anteriores, pois não me senti
capaz de inferir-lhe carga de negatividade e possível associabilidade com a PROVA,
como foi possível com as demais palavras.
Recorri, pois, ao Aurélio (Ferreira, 1999, p. 2046) e lá encontrei “gás em tem-
peratura inferior à crítica” e fiquei me perguntando o que isso significa. Será possível
Prova: que gosto tens? ou histórias de um praticante na avaliação escolar 39
construir no meu discurso alguma relação dessa definição com a PROVA? Necessitan-
do ser ajudado na área da física, recorri a um colega, buscando ampliar minhas redes
de conhecimento acerca do tema. As informações que recebi, pelo celular, já bem tarde
da noite, não foram suficientes para que eu pudesse estabelecer alguma relação, muito
embora desconfiasse que fosse possível. Foram minhas limitações no campo do conhe-
cimento da física, aliadas ao pouco tempo para redigir esse texto, que me levaram a
desistir deste problema.
Voltei ao verbete no dicionário, ainda cheio de curiosidade. Nele há uma refe-
rência à expressão usada no interior brasileiro, associando vapor ao “trem”; nada de
fantasma, como anteriormente nos indicou Carolina, apenas o velho trem de ferro,
de caldeira a vapor, das muitas histórias que autores brasileiros consagraram através da
literatura e compositores imortalizaram nas letras de algumas canções brasileiras.
Em seguida, ocorreu uma maior aproximação do que eu pretendia ao deparar-me
com as expressões VAPORAR/ES (no plural), do latim VAPORE (vapor), cujo sentido
é o do entorpecimento cerebral, atribuído a vapores mórbidos que, acreditava-se, su-
biam ao cérebro e provocavam a embriaguez.
Foi, contudo, na expressão “a todo VAPOR”, que tem como sentido deno-
tativo “a toda velocidade; muito rapidamente; a toda a pressa” (Ferreira, loc. cit.),
que encontrei uma possibilidade efetiva de pensar as relações entre a escola, o
espaço-tempo sala de aula, nossas práticas avaliativas hegemônicas e, de forma mais
específica, as PROVAS.
Programas vastos e conteúdos excessivos que não cabem no calendário escolar;
exigência do cumprimento do livro didático adotado; paralisações eventuais pelos mais
diversos motivos; feriados; turmas grandes com alunos dos mais diversos; exigências
burocráticas draconianas; correções de inúmeros trabalhos individuais e em grupo e
aplicações de provas criam um contexto em que as coisas acontecem num ritmo alu-
cinante, com excesso de tarefas, exercícios, trabalhos, pesquisas e exames que passam
a exigir muito das crianças e dos adolescentes da educação básica, o que acaba por
prejudicar-lhes a aprendizagem.
Nos esquemas e modelos estabelecidos para o funcionamento das escolas, em
sua maioria, tem sido a PROVA o instrumento mais indesejável para os alunos, já que,
em última instância, vem sendo a ferramenta que classifica, sentencia e, muitas vezes,
exclui aqueles que não alcançam o desempenho exigido pelos professores, pela institui-
ção e pela sociedade. Entretanto, há também aqueles estudantes que rejeitam a escola
e seus mecanismos de controle, recusando-se a permanecer nela e evadindo antes de
concluírem sua escolarização.
Joana, de 12 anos, aluna da turma 614, criticou com uma sequência bastante
interessante esse estado de coisas no qual as crianças e os adolescentes, pressionados
40 Licenciatura sem fronteiras: semiosferas em transformação
pela velocidade como as coisas acontecem no seu cotidiano, não conseguem dar conta
das exigências, por vezes demasiadas, que lhes são impostas pela escola através de seus
representantes diretos, os professores, que desta forma passam a ser o alvo direto das
críticas dos alunos.
Em sua sequência de cinco quadros, Joana descreve a seguinte situação:
Prova: que gosto tens? ou histórias de um praticante na avaliação escolar 41
Neles observamos o excesso de matéria que deve ser estudada para a prova e que
aparece ironizado na expressão do item 1 ao 128, e a consequente crise nervosa do aluno
sufocado com a notícia. Todo o seu esforço para estudar usando livros, cadernos, anota-
ções e rascunhos, não o exime ou o impede do fracasso. Ele se sente minimizado frente
ao professor ou, talvez, a outro colega. Para concluir, é o professor, no imaginário dessa
criança, o sádico que quer e consegue reprová-lo, fato consumado no boletim colocado
como detalhe presente na quinta imagem.
Quando comecei a pesquisa acerca da possibilidade de encontrar significantes
que pudessem ser escritos a partir da reordenação das mesmas letras que escrevem a
palavra PROVA, buscando conhecer seus significados denotativos, e deparei com essa
situação inusitada na qual, PAVOR, PRAVO e PARVO, além de VAPOR possuem
sentidos conotativos que podem ser atribuídos às representações construídas pelos alu-
nos acerca deste instrumento de avaliação, considerei que estava frente a um desses
achados que o pesquisador, vez por outra, encontra em seu caminho e sobre o qual não
se pode deixar de escrever, pelo menos como um provocativo texto para seus interlo-
cutores futuros.
Nesse processo de busca, cheguei a uma quinta palavra, que não está dicionariza-
da, pois não chega a se constituir, de forma efetiva, numa palavra por inteiro, mas que se
encontra presente no espaço-tempo escolar e funciona como uma abreviatura utilizada
por professores, principalmente, no diário de classe, no final do ano letivo.
APROV. Essa é uma abreviatura usual entre os professores para APROVADO
e que, por uma conspiração lexicológica, inverte as imagens/representações construídas
pelos alunos em relação à PROVA e seus resultados até aqui apresentados.
Diferente das outras palavras, essa abreviatura passou a acompanhar o trabalho
que vinha realizando há muito tempo na educação básica, acabando por se transformar
numa das marcas das minhas ações educativas cotidianas, pois há muito fui deixando
para trás esta história de reprovação. Isso, contudo, não significa que eu tenha desistido
de ser professor ou que não me interesse pelos alunos ou tampouco tenha eliminado a
PROVA e outras formas de avaliação de minhas práticas educativas.
Na dificuldade institucional e social, já que vivemos numa sociedade que exige
o exame como certificação de conhecimento e competência, seria quase impossível eli-
minar a PROVA das minhas ações educativas. Dessa maneira tentei, num processo sis-
temático, encontrar formas que pudessem desmitificar e desmistificar esse instrumento
de medida, procurando subverter-lhe os sentidos autoritário, opressor e excludente
que criam no imaginário/representações dos alunos, um sentimento de repúdio a esse
mecanismo e aos professores que o utilizam, esquecendo-se da ética de que nos fala
Esteban (2000) e Penna Firme (1994).
42 Licenciatura sem fronteiras: semiosferas em transformação
CONVOCAÇÃO DO BRUXO-MOR
de cera ou hidrocor.
Nesse processo de buscar refletir acerca da prática que vinha desenvolvendo, pas-
sei a fazer, de forma sistemática, avaliações das atividades que estávamos realizando no
cotidiano do espaço-tempo sala de aula. Criei para as provas alternativas um campo para
ouvir o que os alunos tinham a dizer sobre elas, questionando o que haviam gostado,
quais tinham sido suas dificuldades, que críticas gostariam de fazer acerca delas e que
sugestões teriam para tornar nossas aulas e futuras provas mais agradáveis. Hoje, pos-
suo um acervo significativo desses registros que estão sendo utilizados para produção
de narrativas como as que venho apresentando em congressos, encontros, bem como
publicando em revistas na área da educação e em algumas coleções de livros.
Dessa experiência acerca da avaliação das provas alternativas pelos alunos, trago
para esse texto as seguintes:
46 Licenciatura sem fronteiras: semiosferas em transformação
A: – É! Beleza.
tores foi o fato da possibilidade de refletir acerca da utilização das provas, tradicionais
instrumentos de medida, nos processos de avaliação aprendizagem ensino (Alves, 2000)
e seus desdobramentos no cotidiano escolar, principalmente junto às representações
que os alunos fazem delas.
Ao embaralhar e reordenar as letras que escrevem a palavra PROVA, encontran-
do outras palavras/sentidos em VAPOR, PARVO, PRAVO e PAVOR, pude eleger
para o meu fazer cotidiano a única opção que não forma uma palavra dicionarizada –
que nem mesmo forma um vocábulo –, mas que, por sua vez, não carrega os sentidos
conotativos/metafóricos das demais que estão dicionarizadas e podem ser atribuídas a
esse instrumento utilizado nos processos avaliativos.
Ao preferir a inversão APROV às outras obtidas anteriormente, reconheço o
quanto tive a oportunidade de aprender com o meu ofício, com os alunos, no cotidiano
da sala de aula, neste processo de me tornar, na profissão, professor.
Referências
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Prova: que gosto tens? ou histórias de um praticante na avaliação escolar 49
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usos. Teias, Rio de Janeiro. n. 1. p. 82-97. jan./jun. 2000.
Biografia
Introdução
meio o que é do seu interesse. Em seguida, reconstrói (reflexão) o que já tem, por força
dos elementos novos que acaba de abstrair. Temos, então, a síntese dinâmica da ação e da
abstração, do fazer e do compreender, da teoria e da prática. É dessas sínteses que emerge
o elemento novo, sínteses que o apriorismo e o empirismo são incapazes de processar
porque só valorizam um dos polos da relação. Na visão construtivista, sujeito e meio têm
toda a importância que se pode imaginar, mas essa importância é radicalmente relativa
(Becker, 1994, pp. 90-91).
O que faz o significado ser construído? O conhecimento é estimulado por uma questão
ou necessidade ou pelo desejo de entender alguns fenômenos. O que dá início ao proces-
so de construção do conhecimento é uma dissonância entre o que é entendido pelo aluno
e o que ele, ou ela, observam no meio ambiente (Jonassen, 1996, p. 71).
Todavia, antes de haver tal adaptação, é necessário explicar o que são os meios
geográficos. Milton Santos os descreve como a sucessão de instrumentalização do meio
natural — ou o avanço da técnica no uso da natureza —, desde a natureza amiga à
hostil, o que justifica a simultaneidade de sua evolução com as revoluções industriais,
as quais mais alteraram a relação do ser humano com o ambiente.
A história do homem sobre a Terra é a história de uma rotura progressiva entre o homem
e o entorno. Esse processo se acelera quando, praticamente ao mesmo tempo, o homem se
descobre como indivíduo e inicia a mecanização do Planeta, armando-se de novos instru-
mentos para tentar dominá-lo (Santos, 1994, p. 5).
Esse era um período no qual as mudanças na natureza existiam, porém, eram dis-
cretas. O tempo natural ainda era muito valorizado e influenciava o humano. Até seu
estudo era em conjunto — não havendo uma separação entre o que era antropológico
e natural —, começando a existir apenas quando o meio se tornou técnico. Por que há
um destaque à técnica pós-primeira revolução industrial e não antes? Porque foi esta
que obteve maior domínio sobre a natureza, fazendo com que ela começasse a trabalhar
no ritmo da humanidade. Esse distanciamento também proporcionou um maior des-
respeito ao ambiente, iniciando-se, assim, os diversos tipos de poluição causados pelas
máquinas. Santos (2006) cita o ludismo, movimento contrário ao uso das máquinas,
como o precursor do futuro movimento em prol da proteção ambiental.
A ciência, com as grandes guerras, tornou-se mais próxima da técnica, tanto que
alguns estudiosos criaram o termo “tecnociência” — ou tecnologia —, como pode ser
observado no trecho subsequente a este parágrafo. O avanço de uma não acontecia sem
o da outra e, por isso, pode-se observar uma evolução mais acelerada nos vários ramos
da academia, principalmente os tecnológicos. Houve também um crescimento na im-
portância da informação, que se tornou inseparável também das já supracitadas ciência
e técnica. Tal tríade justifica o nome deste novo meio geográfico: o meio técnico-
-científico informacional.
Por uma geografia adaptada ao seu meio: o uso da WebQuest 55
Temos, sem dúvida, um tempo universal, tempo despótico, instrumento de medida he-
gemônico, que comanda o tempo dos outros. Esse tempo despótico é responsável por
temporalidades hierárquicas, conflitantes, mas convergentes. Nesse sentido todos os tem-
pos são globais, mas não há um tempo mundial (Santos, 1994, p.13).
Essa diferenciação entre o mundial e o global faz com que haja uma tendência à
uniformização do planeta. Tal discussão seria material suficiente para mais um texto,
contudo não é este o enfoque deste. Para não deixar de explicá-la, as seguintes palavras
de Milton Santos (1994, p. 15) podem enfatizar o que se intenta dizer aqui:
Uma coisa é um sistema de relações, em benefício do maior número, baseado nas possibi-
lidades reais de um momento histórico; outra coisa é um sistema de relações hierárquico,
construído para perpetuar um subsistema de dominação sobre outros subsistemas, em
benefício de alguns. É esta última coisa o que existe.
Dois anos após esse importante marco na história da internet, Bernie Dodge,
professor estadual da Califórnia, Estados Unidos da América, criou o conceito de
WebQuest, que propõe o uso da internet de forma criativa e orientada. Em sua proposta
inicial, o professor estadunidense
Conclusão
Referências
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Webquest. Disponível em: <http://webeduc.mec.gov.br/webquest/>. Acesso em: 22 fev. 2014.
Biografia
como do curso de especialização lato sensu da UEPB, todos com ênfase em discussões
acerca da sustentabilidade espacial. Foi também bolsista PRODOC do PPGG/UFRJ.
Atualmente é professor adjunto do Departamento de Geografia Humana e coordena-
dor de graduação dos cursos de bacharelado e licenciatura em geografia do Instituto de
Geografia da UERJ (campus Maracanã).
e-mail: morais.nilton@gmail.com
Os aspectos sutis da violência
des universidades públicas e privadas do Brasil, nos últimos dez anos, como parte da
recepção de candidatos aprovados no vestibular. O ritual é popularmente conhecido
como “trote”.
Vale salientar que, desde dezembro de 2014, relatos de práticas como essas vêm
sendo colhidas por integrantes de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na
Assembleia Legislativa de São Paulo, que apura a violação dos direitos humanos em
universidades paulistas.
Os depoimentos na CPI comprovam que pouca coisa mudou desde a morte do
estudante Edison Hsueh, em 1999, vítima de afogamento durante trote organizado por
alunos da Faculdade de medicina da Universidade de São Paulo (USP). Ele foi jogado na
piscina da associação atlética da faculdade sem saber nadar. Em 2013, o Supremo Tribu-
nal Federal absolveu os quatro acusados do crime definitivamente, por falta de provas.
Mesmo em 2015, o trote ainda é uma ameaça para muitos jovens que estão in-
gressando no ensino superior. A pergunta que fica é: até quando as agressões ocorridas
dentro e ao redor de universidades e faculdades ficarão impunes no Brasil?
É inaceitável que estudantes que ingressam no ensino superior sejam obrigados
a se sujeitar às seguintes formas de violência durante o trote: tirar as roupas e correr
nus em festas e eventos; pintar o rosto e o corpo; consumir bebidas alcóolicas; receber
xingamentos e humilhações; levar chicotadas; participar de jogos que envolvem violên-
cia física; pular em piscinas; ter o cabelo cortado; sofrer abuso sexual e estupro; engolir
bebidas misturadas com urina; e, às vezes, ter até fezes jogadas no rosto e no corpo.
Na semana de 11 a 18 de outubro de 2014, um laudo que vazou do Instituto
Médico Legal de São Paulo apontou que a causa da morte do jovem Victor Hugo
Santos, de vinte anos, encontrado na raia olímpica da USP no final de setembro, teria
sido afogamento após o consumo de uma droga sintética relativamente nova no Brasil,
conhecida como 25-B-NBOMe – essa sigla se refere a um grupo de drogas alucinó-
genas derivada do ácido lisérgico (LSD). No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância
Sanitária já encontrou 11 variações, todas na lista de substâncias proibidas. A droga
– que guarda algumas similaridades com o LSD, mas tem sabor um pouco amargo e
pode levar até seis horas para produzir efeito – foi sintetizada há menos de dez anos,
provavelmente na Alemanha, e produz euforia e alucinações (alterações da percepção).
Efeitos colaterais indesejados incluem paranoia, confusão mental, convulsão e morte.
O episódio na USP pode servir de alerta para alguns fenômenos que têm acontecido
com relação ao uso desse tipo de substância entre os mais jovens.
Boa parte dos jovens consumidores das sintéticas não tem ideia do que está to-
mando. Denominações afetivas como “balas” (estimulantes) ou “doces” (alucinógenos)
são utilizadas para se referir a elas, que funcionam como uma espécie de aditivo para
as baladas. Não é incomum que, ao comprar um ingresso para uma festa, alguém da
64 Licenciatura sem fronteiras: semiosferas em transformação
Referências
Biografia
Introdução
Contextos
No âmbito dos debates sobre os rumos das licenciaturas em letras, algumas ques-
tões (não exclusivas da área, é verdade) costumam ser recorrentes. Uma delas é a ideia
de que a formação do profissional/professor não deve se restringir apenas à natureza
específica de seu campo disciplinar, nem se fechar num intenso debate sobre as esferas
sociopolíticas que envolvem a educação. Isso aponta para a necessidade de se tentar
evitar, na construção dos currículos, uma fragmentação formativa. Soluções de cunho
68 Licenciatura sem fronteiras: semiosferas em transformação
visores, nos moldes da etapa clínica dos cursos de medicina. Em suma, é o momento
de fomentar a inserção do profissional no ambiente de trabalho de forma reflexiva e
colaborativa, fazendo-o perceber o caráter continuado e ininterrupto de sua formação
(ver Isaia e Bolzan, 2006, 2007; Maciel et al, 2012).
Com essas premissas em mente, esboçamos um projeto que pudesse prover opor-
tunidades para a licenciatura em letras, português-inglês, da Faculdade de Formação
de Professores (FFP) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, ao construir um
ambiente para implementar modelos que, posteriormente, pudessem ser incorporados
às experiências do núcleo curricular. Assim surge o Projeto Núcleo de Desenvolvimen-
to Linguístico (NDL), desenvolvido como uma experiência extensionista (por ser um
espaço criativo e extremamente relevante como ponto de encontro entre academia e
sociedade) que nos permitiu a liberdade que a estrutura curricular não oferece. O NDL
nasce, portanto, tendo como principais objetivos contribuir para a formação profissio-
nal do aluno de letras; oferecer à comunidade acesso ao ensino de línguas; promover a
oportunidade de ações pedagógicas suplementares que possibilitem o desenvolvimento
das competências linguísticas dos alunos da graduação; expandir os resultados das ações
propostas pelo programa à comunidade interna e externa; e desenvolver um ambiente
de estímulo à pesquisa.
Em relação a seu caráter fundamentalmente social, o projeto visa desenvolver
profissionais do ensino de línguas (e também suas literaturas) que sejam conscientes do
seu papel como profissionais e cidadãos e também cientes de seu compromisso social;
eficientes nas técnicas de ensino apropriadas a seus campos de conhecimento; capaci-
tados para atuar em contextos específicos de mercado e preparados para a realidade da
regência de turmas; engajados na análise dos problemas de suas práticas e transforma-
dores destes problemas em alternativas e inovações pedagógicas; criteriosos na escolha,
seleção e desenvolvimento de materiais; habilidosos na avaliação de necessidades espe-
cíficas dos contextos, de seus alunos e da sociedade.
O projeto funciona, desde então, como espaço e meio para professores da UERJ
que desejem desenvolver pesquisas e projetos interligados, oferecendo oportunidade
para os alunos monitores iniciarem seus trabalhos de pesquisa em sala de aula. Sejam
estes no âmbito da iniciação à docência, dos estágios internos complementares, da ini-
ciação científica ou da pós-graduação.
Aprovado pelas instâncias competentes da UERJ, o NDL começa suas atividades
em 2004 e se constitui em três eixos: o Curso de Língua para a Comunidade, o projeto
Ações Suplementares e, por fim, o Fórum Permanente de Estudos em Língua e Lite-
raturas em Língua Inglesa. Destacamos agora as características principais de cada um.
70 Licenciatura sem fronteiras: semiosferas em transformação
tanto com a editora Macmillan, que realizou, periodicamente, treinamento para nossa
equipe de língua inglesa – inclusive promovendo evento com Paul Davies, um dos au-
tores da série de livros didáticos Skyhigh, utilizada no curso até 2014 – quanto com o
Instituto Goethe do Rio de Janeiro, que nos oferece apoio pedagógico e material para
o treinamento dos monitores de língua alemã.
Dessa forma, a formação profissional desenvolvida no programa envolve partici-
pação e tomada de decisões nos níveis administrativos, de produção de conhecimento
e de ações de regência. Essa experiência transforma o aluno ao incluí-lo num espaço no
qual sua ação reflexiva é necessária, levando à tematização da função social da profis-
são e de seus desafios. Os alunos passam a desenvolver interesse pela pesquisa (não da
forma clássica da academia, ou seja, aquela na qual o aluno adere ao projeto já articu-
lado de um professor que pré-determina a questão a ser investigada) e solidificam suas
escolhas e decisões mergulhados numa “rotina profissional”. Além disso, a vivência no
projeto proporciona ao aluno uma gama de experiências que o destacam na hora de
entrar no mercado: os ex-bolsistas e voluntários atribuem ao seu tempo de participação
no projeto o fato de saber lidar com as diversas demandas no ambiente de trabalho.
Outros ainda construíram projetos de ensino próprios e atuam no ensino comunitário
gerenciando atividades, o que potencializa nossos objetivos além-muros.
Agregadas à formação do licenciando, o projeto oferece, ainda, oportunidades
aos que não podem custear o estudo de línguas estrangeiras nem material didático, que,
assim como os cursos e oficinas, é gratuito para aqueles que não podem arcar com os
custos. Isso gera um impacto significativo na esfera social de execução do NDL. Esta
face de nosso trabalho estimula, também, uma constante reflexão sobre o contexto de
nossas ações. Frequentemente questionamos e colocamos em pauta perspectivas sobre
as práticas pedagógicas comunitárias, sobre a história da ação comunitária no contexto
do estado e da nossa cidade e sobre os fundamentos teóricos e a construção da cidada-
nia mediada pelo desenvolvimento de habilidades linguísticas em língua estrangeira,
tornando o debate sociopolítico em torno da educação parte da experiência empírica
da formação do licenciando.
Nosso projeto é, em suma, um laboratório, uma rede articulada de atividades
e um espaço alternativo na configuração da formação do professor. Esperamos que
nossas atividades possam contribuir para a percepção da relevância de se tentar oxi-
genar as licenciaturas através de propostas de articulação de saberes e práticas. Tam-
bém, queremos pôr em foco a extensão universitária, que, para nós, além de um ca-
minho possível para o desenvolvimento de práticas mais democráticas de construção
de conhecimento, é uma bússola que revela novos sentidos para a atuação acadêmica,
muitas vezes centrada em objetivos que pouco transcendem desejos individualistas.
Esperamos, por fim, contribuir, por meio destas experiências, com aqueles que bus-
Expandindo os horizontes da licenciatura 73
cam pensar em formas de superar a fragmentação formativa que ainda pauta a estru-
tura das licenciaturas atualmente.
Referências
Biografia
Marcello de Oliveira Pinto é pós-doutor pela PUC Rio e atua como professor
adjunto da UERJ, onde é co-coordenador da especialização em língua portuguesa na
FFP e vice-líder do SePEL-UERJ (Seminário Permanente de Estudos Literários) e do
Grupo de Pesquisa Nós_do_Insólito.
e-mail: marcellouerj@gmail.com
Formação sem fronteiras: um olhar inovador
acompanhado de desafios
Introdução
não somos recipientes vazios aguardando passivamente ser preenchidos por mensagens;
ao contrário, produzimos entendimento atuando ativamente na construção de signifi-
cados que são baseados em parte naquilo que vemos e ouvimos e em parte nas nossas
expectativas provenientes de nosso conhecimento e experiência pré-existentes.
1
O vídeo da palestra encontra-se disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=0CrpYvr9Gag.
Formação sem Fronteiras: Um olhar inovador acompanhado de desafios 81
mente, os melhores alunos dos cursos de letras. Consequentemente, alguns dos alunos
selecionados não conseguem obter os 60 créditos obrigatórios para integralizar o ano
letivo na instituição estrangeira. Já houve, inclusive, acordo de algumas universidades
participantes do PLI para a redução de 60 para 48 créditos anuais.
O que percebemos desde o início do programa é que há um grande interesse em
ajustar as falhas, propor soluções e melhorar o envolvimento dos coordenadores de
projetos com as instituições estrangeiras.
Considerações finais
Devenir professeur, en effet, c’est investir dans l’avenir. Puisque c’est travailler, au quoti-
dien, sur les apprentissages. Nous aurions mauvaise grâce de désespérer du futur, quand,
justement, tout notre travail consiste à convaincre chacun de nos élèves que, contre toute
fatalité, un avenir différent est possible pour lui. Un avenir dans lequel, parce qu’il aura
réussi à apprendre, il pourra mieux se comprendre et comprendre le monde. Assumer,
prolonger et subvertir ainsi sa propre histoire (Meirieu, 2005, p. 107).2
2
Tornar-se professor, na verdade, é investir no futuro, tendo em vista que é trabalhar, cotidianamente, sobre
as aprendizagens. Seria má vontade de nossa parte não acreditar no futuro quando, justamente, todo nosso
trabalho consiste em convencer cada um de nossos alunos que, contra toda fatalidade, um futuro diferente
é possível para ele. Um futuro no qual ele poderá se compreender melhor e compreender o mundo, porque
ele terá conseguido aprender. E, assim, assumir, prolongar e subverter sua própria história.
82 Licenciatura sem fronteiras: semiosferas em transformação
Por mais que nós, professores, tenhamos crença no futuro para poder modificar
a escola pública brasileira, temos que contar com o desejo político de investir em edu-
cação. Os estudantes que regressarem do PLI terão, certamente, inúmeros projetos de
intervenção, sugestões de adaptação no currículo hoje existente, reflexões pertinentes
sobre o trabalho docente, as novas estratégias de ensino/aprendizagem e posturas dife-
renciadas sobre um currículo baseado em competências ou em conhecimentos, porém,
uma das mais valiosas contribuições que este programa pode deixar é a motivação para
que os estudantes lutem por melhorias na educação.
É evidente que um simples programa de mobilidade internacional não modifica
uma situação que perdura há anos, mas pode formar falantes interculturais que busca-
rão intervir na realidade para melhorar o futuro. Sabemos que a vivência junto ao sis-
tema educacional de Portugal e da França os afasta da dura realidade da escola pública
brasileira. No entanto, o afastamento permite que, ao retornarem, esses alunos tenham
novos olhares e soluções para os problemas brasileiros. Essa mesma discussão — for-
mar-se em um contexto contrastante com o da realidade da escola pública – existe em
IES que possuem Colégio de Aplicação (CA), pois os alunos em formação dizem estar
vivenciando “um faz de conta”, uma vez que, ao ingressarem no mercado de trabalho,
as escolas terão infraestrutura distinta daquela encontrada nos CA e seus alunos serão
diferentes e apresentarão mais problemas sociais do que os desses colégios de formação
docente, mas é exatamente na diversidade que lutamos por soluções.
A fim de que esses estudantes PLI possam verdadeiramente retornar com dispo-
sição para modificar a realidade, será necessário que os coordenadores criem mecanis-
mos de acompanhamento e estímulo aos estudos: “c’est travailler, au quotidien, surles
apprentissages”. Que as equipes já formadas possam fazer os ajustes necessários para o
sucesso do programa.
Referências
Biografia
Introdução
O hipertexto é uma forma não linear de apresentar a informação textual, uma espécie de
texto em paralelo, que se encontra dividido em unidades básicas, entre as quais se estabe-
lecem elos conceptuais [...]. Este sistema global de informação pode incluir não só texto
mas também imagem, animação, vídeo, som etc., falando-se neste caso de hipermedia.
A exibição de museus, a apresentação de materiais acadêmicos, os livros electrônicos, os
pacotes educativos etc. são formas de hipermedia.
Assim, esse hiper texto acima referido nos “insere” em uma infinidade de dados
que se encontram à nossa disposição. Para nós, o hipertexto é uma rede de significados
no qual, involuntariamente, somos sujeito e objeto ao mesmo tempo. Nele estamos
lendo e escrevendo; em seus espaços somos autores e leitores produtores de conheci-
mento, ainda que inconscientemente.
Por fim, buscaremos reforçar o que Paulo Freire (2011, p. 31) chamará de “sa-
beres socialmente construídos na prática comunitária”. Compreendendo que educar
“exige respeito aos saberes dos educandos”, os quais vêm sendo configurados na leitura
do variado panorama global disponível à prática educativa. Esse hipertexto do mundo
é criado a partir das múltiplas esferas de conhecimento, e são essas mesmas esferas os
suportes que dão sentido às leituras daqueles que são educados e “treinados” para o
mercado de trabalho.
O mosaico cultural
No século XX, buscava-se delimitar campos daqueles saberes que viriam configu-
rar a nossa cultura (escolar e acadêmica), perspectiva própria daquela que foi denomi-
nada era tecnicista. Para os educadores daquela modernidade sólida (Bauman, 2014), as
esferas de conhecimento demarcavam territórios, na tentativa de estabelecer uma espé-
cie de “conformidade”, ou melhor, um terreno seguro em que se pudesse fundamentar
e definir as bases do que se convencionou chamar de disciplinas. Estas instâncias legi-
timadoras tomaram forma, as cadeiras multiplicaram-se além daquelas que já existiam,
Olhares contemporâneos: o hipertexto do mundo 87
Educação e globalização
Ler, discutir, conhecer empiricamente, refletir, assistir a, manipular são formas de apren-
dizagem que a humanidade está habituada e desenvolvida para fazer há milênios. A escola
(assim como a universidade) pode aproveitar-se dessa maneira de adquirir conhecimento
e trazê-lo para dentro (Ribeiro e Coscarelli, 2006, p. 88).
Enfim, entendemos que toda essa rede de sentidos é o que podemos chamar de
hipertexto, porque nele o educando escreve, lê, dialoga e se inscreve, preparando-se, as-
sim, para a vida profissional. O hipertexto tornou-se um lugar de atuação – um espaço
sem fronteiras, sem muros – em que cada vez mais nos damos conta das transformações
que as políticas educacionais têm sofrido.
Texto e hipertexto
refletisse sobre a sua própria condição no mundo. Ele precisaria instruir-se cada vez
mais rápido, sobrando então pouco tempo para a educação.
Porém, ao darmos à tônica desta análise a busca por um viés mais produtivo,
longe do pensamento redutor, que vê em toda evolução ou novidade uma ameaça,
constataremos, conforme Pierre Lévy (1999, p. 157), que pela “primeira vez na história
da humanidade, a maioria das competências adquiridas por uma pessoa no início de
seu percurso profissional estarão obsoletas no fim de sua carreira”. Dito de outro modo,
a “transação de conhecimentos não para de crescer” e, consequentemente, a velocidade
da renovação dos saberes impulsiona alunos, professores e profissionais em geral a ade-
quarem-se aos recentes modos de trabalho, fomentando assim “reciclagens” contínuas.
Assim, para a nossa pesquisa, o universo cultural contemporâneo é um mun-
do sem muros em seu próprio hipertexto, dentro e fora das instituições educacionais.
Neste hipertexto mundial, serão as escolhas e as experiências renovadoras que darão a
tônica, ou melhor, determinarão os posicionamentos que assumimos enquanto educa-
dores atualizados.
Trabalhar quer dizer, cada vez mais, aprender, transmitir saberes e produzir conhecimen-
tos [...] o ciberespaço suporta tecnologias intelectuais que amplificam, exteriorizam e
modificam numerosas funções cognitivas humanas: memória (bancos de dados, hiper-
documentos, arquivos digitais de todos os tipos), imaginação (simulações), percepção
(sensores digitais, telepresença, realidades virtuais), raciocínios (inteligência artificial,
modelização de fenômenos complexos) (Lévy, 1999, p. 157).
somos sujeitos ativos dentro (quer queiramos ou não) de uma ordem de engrenagem
social. Conforme Fusari e Ferraz (2001, p. 21), essas esferas de sentidos, do gira-
mundo da nossa contemporaneidade, vêm “se apresentando como um movimento
em busca de novas metodologias de ensino e aprendizagem”, evidenciando a
necessidade de “revalorização do professor da área”, bem como discussões e propostas
de redimensionamentos de trabalho, “conscientizando-o da importância da sua ação
profissional e política na sociedade”.
Considerações finais
Referências
BAKHTIN, Mikhail Mikhailovich. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2011.
BARTHES, Roland. Aula. São Paulo: Cultrix, 2007.
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2014.
92 Licenciatura sem fronteiras: semiosferas em transformação
Biografia
Contextualizando o problema
Não poderia iniciar estas reflexões sem retomar um fato contundente, ampla-
mente divulgado na sociedade brasileira, referente ao processo de aprendizado dos alu-
nos em fase obrigatória do ensino. Não há quem não tenha conhecimento do fato
de que os índices brasileiros de repetência estão diretamente ligados à questão do de-
senvolvimento da proficiência dos estudantes nos diferentes anos de escolaridade do
ensino básico. A escola brasileira não tem cumprido sua função de ensinar a ler, no
sentido lato do termo, e, também, no que tange ao ensino da escrita. Na verdade, não
se trata de uma dificuldade para a alfabetização especificamente, ou seja, de um mero
domínio do código, mas de garantia do uso eficaz da língua em todos os níveis de si-
tuações comunicativas nas quais nos envolvemos na vida. Para corroborar o triste fato
concernente à educação no Brasil, trago à baila trechos do texto de Cristóvão Buarque
intitulado “Basta de Fingir”, publicado em O Globo, 31/05/2014.
Nos últimos 20 anos, passamos de 1,66 milhões para 7,04 milhões de matrículas nos
cursos superiores, mas quase 40% de nossos universitários sabem ler e escrever mediocre-
mente, poucos sabem a matemática necessária para um bom curso nas áreas de ciências
ou engenharia, raros são capazes de ler e falar outro idioma além do português. Fingimos
ser possível dar um salto à universidade sem passar pela educação de base. [...] Comemo-
ramos ter passado de 36 milhões, em 1994, para 50 milhões de matriculados na educação
básica, em 2014, sem dar atenção ao fato de termos 13 milhões de adultos prisioneiros
do analfabetismo; 54,5 milhões de brasileiros com mais de 25 anos não terminaram o
94 Licenciatura sem fronteiras: semiosferas em transformação
A par dessa realidade cruel à qual temos assistido ano a ano em nosso país, quero
trazer também à baila uma visão saudosista de um projeto muito bem sucedido que
a UERJ, nos anos noventa, encabeçou: O CPM, Curso de Formação de Professores,
Convênio UERJ–Faculdade de educação/município, que visou à criação de um curso
de Graduação para professores do município do Rio de Janeiro atuantes em sala de
aula. Para cursarem a graduação oferecida por nossa universidade, os docentes interes-
sados se submeteram a processo seletivo – o vestibular. Ao ingressarem na universidade,
tinham redução de carga horária docente, além de uma ajuda de custo, uma bolsa fi-
nanciada pelo próprio município. A matriz curricular do curso de graduação do CPM
foi elaborada por docentes uerjianos, lotados na Faculdade de Educação e no Colégio
de Aplicação, especificamente para professores das classes de alfabetização (denomina-
ção da época) às turmas de quarta série, com duração de quatro anos. Essa matriz sub-
sidiava teoricamente as questões da educação, de forma mais ampla, e as questões das
disciplinas, especificamente, propondo, dentre tantas visões, uma perspectiva interdis-
ciplinar no que tange à metodologia, característica principal dessa fase de escolaridade.
Os alunos da graduação – docentes da rede municipal – tinham de continuar em
sala de aula da rede municipal de educação, atuando como professores dela. Podiam
escolher um dos três turnos oferecidos pela UERJ (manhã/tarde/noite) para fazer seu
curso. Essas turmas foram um sucesso. Terminado o convênio, em quase duas décadas,
os docentes formados pela UERJ brilharam no município do Rio de Janeiro, atuando
em sala de aula e em cargos de função pedagógica nas escolas. Todos deram continui-
dade aos seus estudos, fazendo diferentes cursos de pós-graduação.
Procurando ser bem pragmática, as duas visões anteriormente apresentadas po-
dem gerar uma fórmula:
A crise que vivemos na educação, de um modo geral, hoje tem relação com
diferentes fatores. Um dos mais graves problemas ao qual imputo-a na educação é a
formação de professores. Embora toda a divulgação seja para um aumento sucessivo
de estudantes nos cursos universitários, há uma escolha cidadã muito mais político-
-econômica do que vocacional, muitas vezes, para a carreira a escolher no processo se-
letivo de ingresso às universidades. Nesse sentido, talvez as licenciaturas sofram a mais
forte queda na procura, observada na relação candidato/vaga dos cursos de licenciatura
e de pedagogia, a menor para quase todas as universidades. Acrescenta-se a esse quadro
o fato de que as universidades particulares têm, praticamente, cursos de licenciatura
sendo fechados ou destinados à formação em educação a distância (EAD). Consideran-
do as instituições públicas e privadas de nosso país, parece haver uma maior demanda
de estudantes nos cursos de licenciatura das universidades públicas. Não querendo
ser simplista, mas considerando apenas as denominadas disciplinas que compõem o
currículo da escola básica, pode-se estruturar um quadro de demanda com a seguinte
tendência de escolha como área de atuação profissional na área da educação básica:
As tendências apontam para uma grave crise dos cursos de licenciatura: “Quem
quer ser professor?” Numa rápida verificação em editais de cursos em jornais especia-
lizados, vê-se o oferecimento de concursos de nível médio com salários que podem
chegar a R$ 6.000,00, em contraposição a salários para concursos docentes de menos
de R$ 2.000,00. Este, talvez, seja um dos mais fortes motivos para a baixa demanda de
candidatos à carreira docente. Ainda, corroborando a falta de investimento e provável
desinteresse, o Ministério da Educação (MEC) volta-se claramente para escolha das
ações que privilegiam os Institutos superiores em detrimento dos cursos de licenciatura
das universidades brasileiras, em especial das universidades públicas.
Nesse quadro, pergunta-se: que movimentos a UERJ tem feito para discutir suas
licenciaturas? A criação de fóruns de licenciaturas em vários campi é um dos movimen-
tos. Na UERJ, por exemplo, em 1998 foi instituído o Programa de Formação de Pro-
96 Licenciatura sem fronteiras: semiosferas em transformação
fessores – viabilizado pelo colegiado de licenciaturas. Após uma década e meia, indica-
-se a necessidade de rever diretrizes da licenciatura, no que tange à realização do estágio
supervisionado e à própria matriz curricular específica das licenciaturas. Movimentos
têm sido feitos para retomar essas discussões de forma mais abrangente nos institutos
básicos. Depara-se com sérios entraves para uma profícua discussão e tomada de deci-
são para a melhoria dos cursos de formação, atendendo às necessidades que se impõem.
Implicações teóricas
Chamo à cena alguns autores que podem embasar as reflexões aqui pretendidas.
Para Vásquez (2007), a consciência humana, como agente transformador e criador,
é essencialmente consciência prática, uma razão operante, ativa. A prática, como se
postula, não é apenas uma transformação do mundo material, mas uma transforma-
ção de condutas, atitudes, valores e sentimentos de uma totalidade que constitui o ser
humano, aquele que vai exercer a sua profissão, a sua práxis. Refere-se a um processo
de transformação da prática em práxis crítica, inovadora e criativa que não incorpora
somente a participação, mas o diálogo, a ação-reflexão-ação e a conscientização, como
possibilidade de superar a consciência comum ou espontânea presente na prática em-
pírica. De acordo com o autor, a filosofia da práxis tem como objetivo proporcionar
nossa consciência prática; ele defende a tese de que a categoria práxis é “atividade ma-
terial do homem que transforma o mundo natural e social para fazer dele um mundo
humano” (Vásquez, 2007, p. 3).
Marx e Engels (2007) concebem a práxis como uma atividade humana real,
efetiva e transformadora, pois ela enfoca a atividade social criativa humana como a
produção constante de novas soluções, conforme novas necessidades surjam quanto
a questões específicas concernentes ao trabalho. Essa ação criativa resulta da mediação
reflexiva que propicie novas compreensões e soluções, que agem como instrumento e
geram transformações nas condições de vida dos envolvidos.
Também é importante lançar os olhos a Vygotsky no que tange às escolhas meto-
dológicas em contextos de intervenção formativa que criem “aprendizagem que levem
ao desenvolvimento” (ver Holzman, 2009, p. 17). A discussão proposta pelo referido
autor está relacionada às discussões propostas por Marx e Engels, quanto ao método do
materialismo-dialético-histórico. Os autores salientam a compreensão da práxis como
a não separação da teoria, ou seja, do conhecimento e da prática – a ação – no desen-
volvimento do ser humano.
Evidentemente, várias são as linhas teóricas que embasam a formação de profes-
sores no Brasil, a exemplo do que ocorre no mundo. Porém, grande parte dos estudos
filiados à linguística aplicada e à educação está centrada na importância da formação
Reflexões sobre a função da universidade na formação docente 97
Este elenco de perspectivas se afasta bastante das premissas teóricas que funda-
mentam o pensamento ora apresentado, que pode ser sumarizado em dois pilares, a
saber: criticidade que gera autonomia.
A despeito das perspectivas anteriormente elencadas, pode-se afirmar que há
quem goste da licenciatura e a valorize; há quem queira seguir por ela profissionalmen-
te e valorize a função docente e, também, há quem promova a interseção entre a teoria
e a prática. Entretanto, temos de admitir que a universidade não tem como dar conta
dessa função sozinha.
Faz-se necessário refletir sobre quatro pontos fundamentais, os quais se apresentam
em forma de perguntas: será caminho “acertado” levar os cursos de licenciatura a uma
vinculação entre a formação superior e as demandas imediatas de mercado de trabalho?
As demandas de mercado não são oscilantes? O perfil do aluno não mudou na última
década? A proposta pedagógica no ensino básico não mudou? Não precisa mudar?
Sem qualquer precipitação, como resposta às perguntas, há de se afirmar que
atender à mera demanda de mercado na formação dos cursos em nível superior é pers-
pectiva restrita, já que, para qualquer profissão, são oscilantes. Além disso, nosso pú-
blico-alvo – o estudante da escola básica – mudou bastante nesses últimos anos. É um
Reflexões sobre a função da universidade na formação docente 99
sujeito sócio-histórico que precisa ser olhado de forma diferente dadas as necessidades
sociais. Por conseguinte, as propostas metodológicas implementadas no ensino básico
precisam atender às novas demandas da sociedade. Da mesma forma, o público-alvo
dos bancos universitários dos cursos de licenciaturas também mudou. É necessário
preparar o docente para o trabalho com essa criança, ou esse jovem que chega à escola
com novas e prementes necessidades. Logo, entende-se que, nos cursos de licenciatura,
temos dois públicos-alvo atendidos, respectivamente, de forma direta e indireta.
Quo vadis?
Não há respostas fáceis e rápidas para as reflexões propostas, mas é preciso pensar
em pilares que conduzam a caminhos sem fronteiras na construção dos cursos de licen-
ciatura. É preciso ter em mente que não se faz prática sem teoria. Ao mesmo tempo, é
preciso ter a certeza de que não é possível formar um profissional diretamente, sem a
100 Licenciatura sem fronteiras: semiosferas em transformação
A formação dos docentes deve ser organizada em ciclo ininterrupto que concilie
saberes teóricos especializados e práticas de formação. Para tanto, é preciso um estrei-
tamento de laços entre a universidade e as secretarias de estado e de municípios, bem
como com a secretaria básica do MEC, que, coadunados para lidar com as necessidades
prementes na educação de nosso país e com os resultados das diferentes avaliações apli-
cadas, possam detectar as reais necessidades para a formação docente, para que corres-
pondamos às necessidades discentes nos diferentes níveis de escolaridade básica. Dessa
forma, em fluxo contínuo, tem-se:
Reflexões sobre a função da universidade na formação docente 101
O estado de fome é semelhante ao estado de dor. E convém lembrar aqui que as pessoas
não passam a vida com dor aguda ou com fome. Se se mantêm vivas é porque periodi-
camente sua dor ou fome cessa e o corpo ganha novo ânimo para continuar vivendo.
Nesse período recompõem-se não só o organismo biológico, como também o processo
de aprendizagem da vida, o qual inclui a linguagem (Cagliari, 2002).
Referências
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BUARQUE, Cristóvão. Basta de fingir. Opinião. Rio de Janeiro: O Globo, 31 maio 2014. Disponível
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VÁSQUEZ, A. S. Filosofia da Práxis. Buenos Aires: Clacso; São Paulo: Expressão popular, 2007.
Biografia
Introdução
Será que nunca faremos outra coisa senão concordar e confirmar a retórica sobre
a importância de um olhar avaliativo e interpretativo sobre as crianças e seus corpos em
desenvolvimento? Será que a retórica da necessidade de se avaliar o desenvolvimento da
criança em sua infância poderá ser no mínimo questionada, subvertendo a lógica desse
instrumento de poder, utilizado pela escola: a avaliação padronizada, em forma de fichas
ou em listas de critérios classificatórios?
Parafraseando Humberto Maturana (2009), que diz que o importante não é o
que desejamos mudar, mas sim o que desejamos conversar, pretende-se, então, nesse
artigo, conversar sobre a avaliação na educação infantil, buscando argumentos teóricos
e conceituais. Partimos da defesa de que o cotidiano da educação infantil não neces-
sita de avaliações formais, classificatórias, centradas na criança, pois todo e qualquer
104 Licenciatura sem fronteiras: semiosferas em transformação
processo de avaliação na escola tem como referência o olhar adulto, privilegiando com-
portamentos ideais – nem sempre reais – a serem atingidos. Essa conversa inicial é em
defesa da experiência na educação infantil, que não se mede ou classifica, mas se viven-
cia na sua potência, errando e acertando, mas continuando a experimentar e aprender.
Segundo Pereira (2009), constituir a infância como objeto de conhecimento ori-
gina construções de saberes específicos, que regulam o mundo social e subjetivo nesse
período. As mudanças no tempo e espaço infantil, no mundo contemporâneo, se con-
figuram por uma complexidade de fatores políticos, econômicos, sociais, advindos da
globalização, do neoliberalismo e do aparato tecnológico/digital, tornando nebulosas e
complexas as percepções sobre infância na educação.
Ancorada, na maioria das vezes, em um modelo de produção tipicamente em-
presarial que serve a um sistema capitalista, a escola estabelece instrumentos avaliati-
vos, dispositivos que têm por fim o controle e o poder sobre os corpos, sobre a vida.
Acrescenta-se a isto um contexto definido por Bauman (1999; 2010) como líquido,
fluido, de incertezas e voltado ao consumo, no qual se percebe um ambiente que mais
segrega do que integra, mais individualiza do que coletiviza, mais exclui do que inclui.
As práticas de avaliação na educação infantil, transformadas em fichas padronizadas,
estabelecem o que adultos almejam para a infância, estipulando uma expectativa ideal
a ser cumprida.
Ao ter como objetivo preparar a criança para o futuro é necessário entender qual
é o mundo futuro. A questão que se coloca nesse momento é se podemos preparar al-
guém para um futuro que desconhecemos. Antecipar os comportamentos esperados e
não permitir que a criança viva o presente com a justificativa da preparação para a vida
adulta pode impedi-la de sentir o mundo da sua infância. Será que temos esse direito?
Para compreender como a avaliação na educação infantil é um tema complexo e
controverso, precisa-se entender qual infância se quer. Utilizando conceitos de Deleuze
e Guattari sobre o devir criança (1997), Kohan analisa o poder do adulto sobre as
crianças e diz que
[...] as escolas, como máquina de ensino oficial, colocam a criança no contexto de coor-
denadas semióticas preestabelecidas, nas quais seja ela treinada – seja para mandar, seja
para obedecer. Na escola, a criança, infans, sem palavra, é introduzida no universo da lin-
guagem. Mas não para experimentar sua própria voz, mas para ser enquadrada num siste-
ma semiótico já definido, no qual ela dirá aquilo que se espera que seja dito, da maneira
como se espera que seja dito. Eis o que é aprendido na escola (Kohan, 2010, p. 116).
liação, porém não se trata somente de um problema técnico. Acreditamos ser, antes de
tudo, o problema das infâncias desperdiçadas no cotidiano da educação infantil.
O cotidiano de uma escola, seja pública ou particular, está sempre envolvido com uma
complexidade de situações, ações, interações, e a professora, embora planeje suas aulas,
lida com situações imprevistas, pois quando pisa na escola alguém grita que fulano está
chorando, e o outro rindo; ou se pode mudar de lugar; se hoje vai ter prova mesmo; se
pode beber água; se pode ir ao banheiro; de repente a diretora entra na sala para dar
avisos; o banheiro está quebrado, enfim um cotidiano escolar envolto com relações
humanas. Neste contexto em que muitas coisas podem acontecer ao mesmo tempo,
dizer que a relação em sala de aula é complexa é uma tentativa de dizer que as pesquisas
e estudos sobre a realidade escolar, antes de mais nada, são eliciadoras de reflexão. [...]
pensar sobre o cotidiano escolar, a partir de narrativas de situações concretas que desen-
cadeiam o disciplinamento de corpos e subjetividades de submissão a uma autoridade
(Nogueira, 2012, p. 206).
Será preciso pensar uma outra política da infância, para perceber outros jogos de poder
que acontecem na escola – e eles acontecem; aprendemos com Foucault que sempre há
poder, há reação, há contrapoder, uma vez que o poder nada mais é que um jogo de for-
ças (Gallo, 2010, p. 117).
106 Licenciatura sem fronteiras: semiosferas em transformação
Em resumo, pode-se dizer que a disciplina produz, a partir dos corpos que controla,
quatro tipos de individualidade, ou antes uma individualidade dotada de quatro carac-
terísticas: é celular (pelo jogo da repartição espacial), é orgânica (pela codificação das
atividades), é genética (pela acumulação do tempo), é combinatória (pela composição
das forças). E para tanto, utiliza quatro grandes técnicas: constrói quadros; prescreve
manobras; impõe exercícios; enfim, para realizar a combinação das forças, organiza “táti-
cas”. A tática, arte de construir, com os corpos localizados, atividades codificadas e as ap-
tidões formadas, aparelhos em que o produto das diferentes forças se encontra majorado
por sua combinação calculada é sem dúvida a forma mais elevada da prática disciplinar
(Foucault, 1987, p. 150).
Essa combinação cuidadosamente medida das forças exige um sistema preciso de coman-
do. Toda a atividade do indivíduo disciplinar deve ser repartida e sustentada por injun-
ções cuja eficiência repousa na brevidade e na clareza; a ordem não tem que ser explicada,
nem mesmo formulada; é necessário e suficiente que provoque o comportamento dese-
jado. Do mestre de disciplina àquele que lhe é sujeito, a relação é de sinalização: o que
importa não é compreender a injunção, mas perceber o sinal, reagir logo a ele, de acordo
com um código mais ou menos artificial estabelecido previamente. Colocar os corpos
num pequeno mundo de sinais a cada um dos quais está ligada uma resposta obrigatória
Avaliação na educação infantil: conversas iniciais 107
[...] a produção de “refugo humano”, ou, mais propriamente, de seres humanos refuga-
dos (os “excessivos” e “redundantes”, ou seja, os que não puderam ou não quiseram ser
reconhecidos ou obter permissão para ficar), é um produto inevitável da modernização,
e um acompanhante inseparável da modernidade. É um inescapável efeito colateral da
construção da ordem (cada ordem define algumas parcelas da população como “desloca-
das”, “inaptas” ou “indesejáveis”) e do progresso econômico (que não pode ocorrer sem
degradar e desvalorizar os modos anteriormente efetivos de “ganhar a vida” e que, por-
tanto, não consegue senão privar seus praticantes dos meios de subsistência) (Bauman,
2005, p. 12).
“De fato, aquilo que define uma relação de poder é um modo de ação que não
age direta e imediatamente sobre os outros, mas que age sobre sua própria ação”. Isto
pode acontecer tanto pela violência quanto pelo consentimento. No entanto, é im-
portante notar que o poder só se exerce sobre “sujeitos livres”, entendendo-se por isso
sujeitos individuais ou coletivos que têm diante de si um campo de possibilidades, no
qual diversas condutas, reações e modos de comportamento podem acontecer. “Não
há relação de poder em que as determinações estão saturadas – a escravidão não é uma
relação de poder, pois o homem está acorrentado (trata-se então de uma relação física
de coação) – mas apenas quando ele pode se deslocar e, no limite, escapar.” (Foucault,
1987, pp. 243-244).
A vida em sociedade permite, então, a possibilidade de alguns agirem sobre os
outros de formas jurídicas ou tradicionais de estatuto e de privilégio; diferenças eco-
nômicas com a apropriação das riquezas e dos bens materiais; de lugar nos processos
de produção; linguísticas ou culturais; na habilidade e nas competências, entre outras.
Toda relação de poder opera diferenciações que são, para ela, ao mesmo tempo condi-
ções e efeitos.
108 Licenciatura sem fronteiras: semiosferas em transformação
o papel do intelectual não é mais o de se colocar um pouco a frente ou um pouco ao lado para
dizer a muda verdade de todos. O intelectual mudou de aspecto, e até sua função mudou; sua
função, agora, é de lutar contra as formas de poder exatamente onde ela é, ao mesmo tem-
po, o objeto e o instrumento: na ordem do saber, da ‘verdade’, da ‘consciência’, do discurso
(Foucault, 1987, p. 71).
[...] é preciso um saber astuto para se livrar das armadilhas que estão instaladas inclusive em
nós mesmos. Não é possível rir de nós mesmos, desarmar nossos pensamentos suicidas sem se
aventurar de forma astuta pelos labirintos da alma. É necessário um certo tipo de inteligência
110 Licenciatura sem fronteiras: semiosferas em transformação
para nos alegrar com a nossa própria estupidez e flagrar os comichões provocados pelos dese-
jos mesquinhos fabricados pelas máquinas de captura (Hara, 2012, p. 148).
Considerações finais
A disciplina não pode se identificar com uma instituição nem com um aparelho; ela é
um tipo de poder, uma mobilidade para exercê-lo, que comporta todo um conjunto de
instrumentos, de técnicas, de procedimentos, de níveis de aplicação, de alvos; ela é uma
física ou uma anatomia do poder, uma tecnologia. E pode ficar a cargo seja de insti-
tuições especializadas (as penitenciárias, ou as casas de correção do século XIX) seja de
instituições que dela se servem como instrumento essencial para um fim determinado (as
casas de educação, os hospitais) (Foucault, 1987, p. 153).
Em suma, agir de modo que a tensão, a incerteza e o medo não nos impeçam
de pensar, e que o pensamento e a ação criativa sigam possíveis no ambiente escolar,
em especial na educação infantil, é o argumento para essa conversa inicial, que não
termina.
No mundo atual, a escola, especificamente a educação infantil, é convidada a res-
ponder as necessidades decorrentes de um mundo globalizado, implantando modelos
pedagógicos estruturados, baseados em propostas teóricas e pedagógicas que se fundam
em um sistema equivocado de crenças sobre a infância, que ignoram a realidade con-
creta das crianças inseridas nesses espaços educativos, suas formas particulares de ser, de
agir e de sentir; e, ainda, instituindo para esta etapa da educação o padrão escolar, tra-
çando objetivos de preparo para o ensino fundamental, implantando currículos e ações
de acompanhamento do desenvolvimento infantil – avaliação – impróprios, equivoca-
dos e desnecessários para esta fase do desenvolvimento do ser humano.
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112 Licenciatura sem fronteiras: semiosferas em transformação
Biografia
Introdução
1
Professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. Optamos por citar o nome com-
pleto da professora Ortale, no decorrer deste texto, ao nos referirmos à sua prática na disciplina atividade de
estágio: italiano. As referências à sua produção teórica seguem as normas da ABNT.
114 Licenciatura sem fronteiras: semiosferas em transformação
condições de adquirir autoridade e autonomia para que possa assumir uma postura
reflexiva sobre a sua prática, dando-lhe forma e implementando mudanças quando
considerar oportuno. É, como dissemos, uma disciplina condizente com os pilares da
Pedagogia Pós-Método, ou seja, com os parâmetros pedagógicos da particularidade,
da praticabilidade e da possibilidade (Kumaravadivelu, 2001, p. 538; 2006b, p. 171).
Neste texto, propomos uma reflexão sobre essa experiência de formação de pro-
fessores, trazendo para debate, especialmente, aspectos da sua dinâmica e dos seus
arcabouços teóricos fundamentais. Por conta das afinidades com essa concepção, na
próxima seção, discorremos sobre os pilares da Pedagogia Pós-Método. Os debates
abrangem o contexto de ruptura com a era dos métodos; a caracterização da nova
concepção pedagógica; e a função do formador de professores sintonizada com esse
viés. Na seção subsequente, discutimos sobre a proposta de formação de professores de
idiomas segundo a perspectiva dos Problemas de Ensino. Abordamos, principalmente,
seus principais aspectos teórico-operativos e instrumentos didáticos.
A pedagogia pós-método
uma pedagogia pragmática, em que o professor toma decisões de cunho pedagógico asso-
ciando teoria e prática a partir do contexto de aplicação e com base em sua avaliação crítica,
oferecendo um tipo de ensino informado (Kumaravadivelu, 1994, apud Souza, 2014, p. 32).
Concluímos esta seção trazendo para debate dois aspectos relativos à Peda-
gogia Pós-Método, os quais consideramos essenciais para sua melhor compreensão
e, consequentemente, para a argumentação que propomos neste texto. Abordamos,
em primeiro lugar, o tripé em que a concepção de Pedagogia Pós-Método se apoia e
pela qual se define. Discutimos, posteriormente, o papel do formador de professores
segundo tal perspectiva.
Em linhas de síntese, Kumaravadivelu (2001, p. 538; 2006b, p. 171), percebe a
Pedagogia Pós-Método como um sistema tridimensional composto por três parâmetros
pedagógicos inter-relacionados: o parâmetro da particularidade; o da praticabilidade; e o
da possibilidade. O parâmetro da particularidade está relacionado a uma “compreensão
verdadeira das particularidades linguísticas, socioculturais e políticas locais” (Kumarava-
divelu, 2001, p. 544), ou seja, a uma opção pedagógica sensível ao contexto, que, portan-
to, rejeita a adoção de princípios genéricos e predeterminados com o intuito de cumprir
objetivos também genéricos e predeterminados. O parâmetro da praticabilidade, por sua
vez, está relacionado à rejeição de um modelo artificial marcado pela relação dicotômica
entre aquele que elabora a teoria – ou seja, o teórico – e aquele que consome a teoria –
ou seja, o docente. Com efeito, conforme foi anteriormente acenado, na perspectiva da
Pedagogia Pós-Método, os professores são encorajados a “teorizar a partir de sua prática
e praticar o que teorizaram” (Kumaravadivelu, 2001, p. 544; 2006b, p. 173). O parâme-
tro da possibilidade, enfim, está relacionado à opção de trazer à tona, em sala de aula, a
consciência sociopolítica que os aprendizes carregam consigo, rejeitando, dessa forma, a
concepção de que o ensino e a aprendizagem de línguas se restringe aos elementos linguís-
ticos e funcionais. Esse parâmetro, como ressalta Kumaravadivelu (2001, p. 538; 2006b,
p. 171), tem inspiração, principalmente, nos trabalhos de Paulo Freire, Simon (1988),
Giroux (1988), Auerbach (1995) e Benesch (2001).
Conforme nos lembra Kumaravadivelu (2006b), as características e funções es-
peradas para o formador de professores na perspectiva da Pedagogia Pós-Método re-
fletem, essencialmente, os três parâmetros que a fundamentam, ou seja, os já citados
parâmetros da particularidade, da praticabilidade e da possibilidade. Dessa forma, o
professor formador terá a função de oferecer condições para que o professor em forma-
ção adquira autoridade e autonomia para que consiga assumir uma postura reflexiva
sobre a sua prática, dando-lhe forma e implementando mudanças quando considerar
oportuno. O autor aponta para a necessidade do estabelecimento de uma relação dia-
lógica entre o formador e os professores em formação e de um ambiente inclusivo,
no sentido de considerar a perspectiva desses professores, suas crenças, valores e co-
nhecimentos, como parte do processo de aprendizagem (Kumaravadivelu, 2006b, p.
183). Apresentamos, por meio do Quadro 2, o papel do formador em termos práticos,
segundo o autor.
A formação de professores de idiomas na era pós-método – a perspectiva dos problemas de ensino 119
Cabe ressaltar que essa perspectiva se apresenta como uma ruptura com o mo-
delo de formação de professores tipicamente relacionado à ideia de método, ou seja,
uma proposta que limita a experiência do professor em formação a um mero passar
por arcabouços teóricos, submetendo-o a uma abordagem descendente, com o intui-
to de transmitir-lhe um conjunto de conhecimentos preestabelecidos; sugerindo-lhe
as melhores práticas, modelando o seu comportamento enquanto docente e avalian-
do seus hábitos pedagógicos (Kumaravadivelu, 2001, p. 551). Ortale (2010, p. 421)
ilustra essa perspectiva, lembrando que, no auge do método audiolingual, formar
professores significava prepará-los para aplicar determinado material didático, par-
tindo-se de uma “visão tecnicista de treinamento, compatível com a visão estrutura-
lista de língua e com a concepção behaviorista do processo de ensino-aprendizagem”
(Ortale, 2010, p. 421). Treinamento, nesse caso, conforme lembra a autora, citando
Freeman (1989, p. 29), está associado a um processo de teor prescritivo, em que se
120 Licenciatura sem fronteiras: semiosferas em transformação
Percebemos, em consonância com Souza (2014, p. 93), que uma leitura atenta
dos exemplos apresentados mostrará que os Relatos de Problemas de Ensino apon-
tam para variadas dimensões da práxis do professor de idiomas, conforme acenado em
Ortale (2010, p. 426). Corrobora a constatação dessa multiplicidade dimensional a
proposta de categorização dos Problemas de Ensino identificados pela autora a partir
dos relatos. São eles:
durante o percurso, sendo estes utilizados como meio para a elaboração de reflexões
sobre todos os aspectos do percurso – a descrição do contexto e dos Problemas de
Ensino enfrentados, bem como dos encaminhamentos encontrados; a justificativa e o
embasamento das escolhas metodológicas, do material didático e das técnicas adotadas;
a descrição do plano de aula; entre outros – e sobre aqueles mesmos contextos de ensi-
no e aprendizagem, como referência para a elaboração das aulas e como lugar para sua
realização no final do percurso formativo.
Naturalmente, compreendemos que, enquanto a adoção de contextos reais de
ensino e aprendizagem da língua-alvo dialoga, especialmente – mas não exclusivamen-
te–, com o parâmetro da particularidade, a confecção de portfólios ou blogs dialoga
com o parâmetro da praticabilidade, na medida em que oferece oportunidade para que
o professor em formação não apenas reflita sobre a sua prática, mas também teorize
sobre e a partir dela.
Fica claro, enfim, o embasamento da proposta de Ortale (2010; 2011) na meto-
dologia de ensino pautada no conceito de Aprendizagem Baseada em Problemas. Em
linhas gerais, essa metodologia, originada no campo do ensino da medicina e poste-
riormente aplicada em outras áreas, conforme nos lembra Macphee (2002), Larsson
(2001) e Duch (1996), está pautada na ideia de que novos conceitos devem ser intro-
duzidos, ou aprendidos, a partir de problemas complexos do mundo real, sendo tais
usados com o intuito de motivar, focar e iniciar processos de aprendizagem. Dessa for-
ma, ao serem apresentados aos problemas, motivados a mobilizar esforços no sentido
de tentar resolvê-los, e só depois apresentados a conceitos, os aprendizes são convidados
a uma aprendizagem ativa. O embasamento fica estabelecido, portanto, na medida em
que, como vimos, a proposta de formação de professores de idiomas na perspectiva dos
Problemas de Ensino (Ortale, 2010; 2011), essencialmente, lança mão da tentativa de
resolução de problemas complexos do mundo real – nesse caso, os Problemas de Ensi-
no, levantados por meio de relatos – como estratégia de formação.
Conclusões
Referências
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126 Licenciatura sem fronteiras: semiosferas em transformação
Biografia
Introdução
nota zero em redação, índice que representa 8,5% dos candidatos participantes, segun-
do o MEC. Resultados como esse confirmam o que se tem verificado há anos: o ensi-
no médio brasileiro está estagnado. Tal quadro, contudo, não é gratuito. As péssimas
condições das instituições de ensino fundamental e médio, os baixos salários pagos aos
professores, a má formação desses profissionais e políticas públicas de aprovação auto-
mática sem acompanhamento paralelo aos alunos são apenas algumas das causas que
levaram a esse cenário desolador.
Fica evidente, assim, que causas externas à própria escola interferem, de forma
decisiva, na determinação dos resultados referentes ao desenvolvimento da competên-
cia comunicativa dos alunos, pois, como qualquer instituição social, a escola reflete as
condições sociais do ambiente em que está inserida. Mas não são apenas essas condições
externas que têm sido responsáveis pela formação deficiente dos alunos egressos do
ensino médio nas habilidades de leitura e escrita. Na verdade, as práticas pedagógicas
desenvolvidas nas aulas de português não têm contribuído significativamente para que
os discentes ampliem sua competência no uso da língua portuguesa.
O resultado disso são os milhares de analfabetos funcionais – como são chamados
os alunos que chegam ao final do ensino médio, mas não sabem ler um enunciado, ex-
plicar uma ideia ou produzir um texto minimamente claro e coerente – que se formam a
cada ano. E os reflexos dessas práticas têm desdobramentos que atingem não só os resul-
tados em língua portuguesa e em outras disciplinas, mas também ultrapassam os muros
da escola. Com grandes dificuldades de leitura, os alunos, de modo geral, apresentam
problemas de entendimento de conteúdos de outras disciplinas. Como bem sinaliza An-
tunes (2003, p. 20), esse aluno
deixa a escola com a quase inabalável certeza de que é incapaz, de que é linguisticamente
deficiente, inferior, não podendo, portanto, tomar a palavra ou ter voz para fazer valer
os seus direitos, para participar ativa e criticamente daquilo que acontece à sua volta.
Naturalmente, como tantos outros, vai ficar à margem do entendimento e das decisões
de construção da sociedade.
Um exemplo claro disso é o tópico gramatical sujeito. Nas aulas de língua por-
tuguesa, os alunos aprendem o que é sujeito e são apresentados aos seus diferentes
tipos, contudo, em situações reais de uso da língua, não são levados a refletir sobre os
efeitos de sentido que a escolha de um tipo de sujeito em detrimento de outro pode
provocar no texto. Ensina-se, assim, a identificar e classificar, por exemplo, o sujeito
indeterminado, mas pouco ou nada se fala sobre a utilidade discursiva do apagamento
do sujeito em alguns contextos e gêneros, ou seja, o conteúdo semântico específico da
indeterminação do sujeito não é abordado. Sabemos que a opção pelo sujeito indeter-
minado deve-se, muitas vezes, à intenção do enunciador de não explicitar em seu texto
o agente da ação verbal ou a figura do falante ou do ouvinte, mas nada disso é discutido
nas aulas de português. E a utilidade discursiva das diferentes categorias gramaticais
deve ser, necessariamente, explicitada, pois o simples domínio da nomenclatura não
torna o aluno apto a reconhecer tais conteúdos semânticos, principalmente pelo fato
de o estudo gramatical ser realizado em frases descontextualizadas que não permitem a
depreensão desses significados.
Além dessa perspectiva descritiva, a gramática ensinada na escola assume tom
prescritivo ao privilegiar os fenômenos linguísticos no âmbito do certo e do errado de
acordo com o padrão culto. Não se questiona aqui a importância do ensino do padrão
culto da língua, mas isso não é suficiente para desenvolver a competência linguística
dos alunos.
Antunes, em seu excelente livro Aula de Português (2003, pp. 31- 33), resume em
tópicos que tipo de gramática se ensina na escola:
130 Licenciatura sem fronteiras: semiosferas em transformação
Apesar disso, tal prática pedagógica tem se perpetuado tanto nas escolas da rede
pública quanto da particular, e muitos professores ainda veem nela a única prática
possível para as aulas de português. Muitos professores podem até não ver resultados
efetivos em sua prática diária, mas não conseguem vislumbrar outras possibilidades,
seja pela falta de um embasamento teórico que lhes permita seguir novos caminhos ou
pela exigência de cumprir um programa que só valoriza a teoria gramatical.
Desse modo, a maior parte do tempo das aulas de língua portuguesa é gasta
no aprendizado ou, pelo menos, na tentativa de aprendizado dessa metalinguagem. A
tentativa é frustrada em muitos casos, pois os alunos, de modo geral, não veem nesse
conteúdo nenhuma utilidade e simplesmente memorizam toda a nomenclatura para
despejá-la nas provas sem qualquer reflexão.
Outro ponto que costuma agravar o problema do ensino de gramática em sala
de aula é o material didático utilizado. Apesar do trabalho do Programa Nacional do
Livro Didático (PNLD), que tem representado excelentes avanços ao tirar o foco dos
manuais didáticos da análise puramente metalinguística, ainda são usados em sala livros
didáticos que privilegiam apenas a análise gramatical do ponto de vista formal. Muitos
desses manuais de fato apresentam textos e muitos deles enfatizam a preocupação de se
estudar a gramática através deles, mas, na verdade, o que a grande maioria faz é a retirada
de frases desses textos para mera identificação e classificação dos aspectos gramaticais
estudados em cada capítulo.
É digno de nota, contudo, que muitos desses manuais fazem uma seleção de
textos bastante oportuna, em que o aspecto gramatical a ser estudado aparece em pro-
fusão. Entretanto, em vez de explorarem a questão sob o domínio da textualidade,
relacionando o aspecto gramatical às intenções do enunciador, à distância hierárquica
entre os interlocutores, ao gênero textual ou a qualquer outro aspecto discursivo rele-
vante, fazem apenas a identificação e classificação sem referência a qualquer elemento
discursivo.
Ensino de língua portuguesa em exame 131
A escrita na escola
nunca pensou. Assim, a intencionalidade, que, segundo Val (1999), consiste no em-
penho do produtor em construir um discurso coerente, coeso e capaz de satisfazer os
objetivos que tem em mente em determinada situação comunicativa, fica apagada em
função das condições de produção das redações escolares.
Outro problema recorrente nos textos produzidos na escola é o baixo grau de
informatividade. Segundo Beaugrande e Dressler (1983), a informatividade é um dos
fatores da textualidade que diz respeito ao fato de as ocorrências de um texto serem es-
peradas ou não, conhecidas ou não, no plano conceitual ou formal. Como o repertório
dos alunos em geral é reduzido em função da pouca exposição à leitura, o resultado da
produção escrita são textos repletos de clichês, com baixíssimo grau de informativida-
de. É a chamada intertextualidade com o discurso do senso comum, de acordo com
Val (1999).
Dada a artificialidade do processo da escrita, outro parâmetro da textualidade,
a situacionalidade, é menosprezado. A situacionalidade diz respeito “aos elementos
responsáveis pela pertinência e relevância do texto quanto ao contexto em que ocorre”
(Val, 1999, p. 12). É a chamada adequação à situação sociocomunicativa. Como a
redação produzida na escola não reflete usos reais da língua escrita, a situação comuni-
cativa acaba não sendo levada em consideração.
Percebe-se, assim, que as raras produções realizadas pelos alunos na escola aca-
bam tendo pouca utilidade para o desenvolvimento da competência escrita dos alunos,
pelo simples fato de não considerarem os fatores pragmáticos da textualidade, a saber,
intencionalidade, aceitabilidade, situacionalidade, informatividade e intertextualidade.
Na verdade, cremos que uma mudança no quadro atual de ensino de língua portuguesa
só será possível a partir de uma prática pedagógica que tenha como respaldo teórico
uma perspectiva que considere a língua não como entidade suficiente em si, mas sim
como instrumento de interação, que não existe em si e por si como uma estrutura arbi-
trária, e sim em virtude de seu uso para o propósito de interação.
se decide. Desde a definição dos objetivos, passando pela seleção dos objetos de estudo,
até a escolha dos procedimentos mais corriqueiros e específicos, em tudo está presente
uma determinada concepção de língua, de suas funções, de seus processos de aquisição,
de uso e aprendizagem.
Assim, não há como mudar o tratamento dado aos fenômenos linguísticos nas
aulas de português sem munir os professores e demais envolvidos na prática pedagógica
de um aporte teórico que lhes permita ver a linguagem sob nova perspectiva. Se o obje-
tivo é o de contribuir significativamente para que os alunos ampliem sua competência
no uso da língua portuguesa, só uma abordagem linguística de cunho funcional será
capaz de instrumentalizar essa prática. O funcionalismo, como se sabe, difere das abor-
dagens formalistas por conceber a linguagem como instrumento de interação social.
Consequentemente, seu interesse de investigação vai além da estrutura gramatical, ou
seja, está centrado também, e principalmente, nas circunstâncias discursivas que envol-
vem as estruturas linguísticas e seus contextos específicos de uso.
As abordagens funcionais, ao contrário das perspectivas formalistas, preocupam-se
com as relações (ou funções) entre a língua como um todo e as diversas modalidades de
interação social, e não tanto com as características internas da língua; frisam, assim, a
importância do papel do contexto, em particular do contexto social, na compreensão da
natureza das línguas (Neves, 1997, p. 41).
seguida, propõem-se exercícios que, de modo geral, enfatizam apenas a dimensão mor-
fológica da categoria gramatical sem qualquer referência a sua utilidade discursiva.
Observem-se os comandos dos exercícios extraídos de Terra (2004, p. 223):
Conclusão
Com base no que foi exposto, queremos crer que somente uma prática de ensino
calcada no funcionamento textual-discursivo dos elementos da língua será capaz de de-
senvolver a competência linguística de nossos alunos, tornando-os cidadãos capazes de,
por meio da leitura e da escrita, desenvolver seu papel social, uma vez que a língua fun-
ciona em textos que atuam em situações específicas de interação comunicativa e não em
palavras e frases isoladas e abstraídas de qualquer situação ou contexto de comunicação.
136 Licenciatura sem fronteiras: semiosferas em transformação
Referências
Biografia
Magda Bahia Schlee é doutora em letras pela UERJ e mestre pela UFRJ. É
professora adjunta de língua portuguesa e integra o programa de pós-graduação lato e
stricto sensu da UERJ. Coordenadora do projeto PIBID na área de língua portuguesa
na UERJ. Desenvolve pesquisas na área de linguística sistêmico-funcional e ensino de
língua portuguesa. Integra o grupo de pesquisa SELEPROT, do Diretório Nacional de
Grupos (CNPq).
e-mail: magdabahia@globo.com
Práticas didático-pedagógicas para formação
inicial de alunos da licenciatura francês/
português da USP: desenvolvimento de
competências interculturais e utilização de
tecnologias no ensino de línguas estrangeiras
Introdução
particulares, entre outros, a demanda para o aprendizado de LEs também tem crescido
e ofertas de cursos de línguas estrangeiras, nas modalidades presencial e on-line, vêm
sendo propostas para responder às demandas de diversas áreas do conhecimento. Ob-
servando as necessidades mais imediatas — como, por exemplo, preparação para pres-
tar um exame de proficiência, participação em entrevistas para uma vaga de trabalho
em uma empresa ou seleção em um processo de intercâmbio, leitura de obras originais
ou, ainda, aprendizado de uma LE para viagem de lazer, para fins profissionais ou de
estudos — e considerando também o contexto favorável de aquecimento da economia
brasileira, podemos afirmar que o interesse em aprender uma ou mais LEs tem sido
relevante.
Essa pluralidade de situações e demandas, além de promover, em certos casos, a
alteração da organização de algumas escolas de línguas e instituições de ensino superior
para investir na parte institucional e de formação de professores, provocou também a
necessidade de adaptação de currículos e inclusão de novas disciplinas na grade curricu-
lar, exigindo do professor, ou do futuro professor, um envolvimento maior, voltado ao
aperfeiçoamento de suas competências e habilidades em LEs para atuar nesses contextos.
Se considerarmos também os documentos oficiais da legislação brasileira, Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de
1996, e os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) de língua estrangeira para o ter-
ceiro e quarto ciclos do ensino fundamental (Ciclo II) e ensino médio de 1998, pode-
mos também encontrar indícios de que há uma intenção de ampliar o ensino de línguas
estrangeiras, sinalizando para uma discussão sobre as políticas linguísticas no país:1
1
O inglês é obrigatório desde o ensino fundamental I e II até o ensino médio e o espanhol, segundo a Lei
federal n. 1.116, de 5 de agosto de 2005, também é obrigatório nas séries finais da escolarização, nas escolas
públicas e privadas, o que facultou a inclusão do ensino desse idioma nos currículos plenos da quinta à
oitava série do ensino fundamental (BRASIL, 2006).
Práticas didático-pedagógicas para formação inicial de alunos da licenciatura francês/português da USP 139
de abertura para o mundo, para outras culturas, e não somente nos conhecimentos
linguísticos (gramaticais e lexicais), como também é destacado nos Parâmetros Curri-
culares Nacionais (PCN) sobre o ensino de LE(s):
Nesse sentido, podemos afirmar que o ensinar e o aprender não são estáticos no
tempo e espaço e que o uso da linguagem deve ser considerado em seus contextos de
produção, ou seja, na identificação dos elementos que fazem parte da situação de comuni-
cação, a quem nos dirigimos, em qual momento, em qual contexto, para quais objetivos.
Mas como concretizar esses princípios em um contexto de sala de aula de um curso
de letras – licenciatura, de formação de professores que se preparam para ensinar uma
língua estrangeira em um país onde ela não é língua materna nem segunda língua?
Inicialmente, é fundamental que o futuro professor aprenda e crie o hábito de
compreender e descrever o contexto de ensino e aprendizagem no qual a LE será en-
sinada. Para isso, é necessário que conheça a instituição, o programa de ensino, os
objetivos a serem atingidos e o perfil de seus alunos. Essa é a primeira etapa de uma
discussão sobre o que é ensinar, que denominamos caracterização do contexto de ensino
e aprendizagem.
Segundo Klett (2004), referindo-se mais especificamente à caracterização do es-
paço da sala de aula de LEs, professor e alunos estão permanentemente em situação de
comunicação oral/escrita em língua estrangeira. Isso significa que ao mesmo tempo em
que guardamos nossas marcas linguísticas e culturais da língua materna, por meio da
aprendizagem de novos sons, exercícios de prosódia e pronúncia, desenvolvimento da
compreensão oral de documentos de áudio e vídeo, leitura de textos de diferentes gêne-
142 Licenciatura sem fronteiras: semiosferas em transformação
2
Característica de um texto oral/escrito em língua estrangeira que apresenta especificidades da língua estran-
geira estudada.
3
Neste capítulo utilizamos a versão em francês do Quadro Europeu Comum de Referência para as línguas,
disponível em: http://www.coe.int/t/dg4/linguistic/source/framework_fr.pdf (acesso em 14/01/2015).
Práticas didático-pedagógicas para formação inicial de alunos da licenciatura francês/português da USP 143
4
Currículo Licenciatura em Letras Português-Francês UFPA. Disponível em
<
http://www.ilc.ufpa.br/ensino/falem_habilitacao_frances.pdf>. Acesso em 05 jan 2015.
5
Currículo Licenciatura em Letras Português-Francês UFG. Disponível em
<
http://www.letras.ufg.br/up/25/o/2014_PPC_fra.pdf>. Acesso em 05 jan 2015.
6
O LAVIL é um projeto especial da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, do Departamento
de Letras Modernas, coordenado pela Profa. Dra. Mônica Mayrink e que tem como membro a Profa. Dra.
Heloisa Albuquerque-Costa e quatro monitores de graduação (dois de espanhol e dois de francês).
Práticas didático-pedagógicas para formação inicial de alunos da licenciatura francês/português da USP 145
repetir a cada semana o formato de apresentação das atividades para favorecer a apro-
priação do espaço pelos alunos; descrever cada fórum, especificando as questões didáti-
co-metodológicas que serão desenvolvidas; explicitar de forma clara o(s) objetivo(s) da
atividade; definir as etapas que serão percorridas para sua realização; definir o produto
final a ser enviado; explicitar os prazos de realização e envio e as ferramentas que serão
utilizadas para a realização da atividade (Albuquerque-Costa, 2011, pp. 54-55).
além da facilidade de acesso a textos das mais variadas naturezas e sobre os mais variados
assuntos, o aprendiz pode interagir com uma variedade enorme de produções multimí-
dias que integram sons, imagens, vídeos com legenda ou transcrição.
— Definição das etapas que serão propostas aos alunos: nesse item, os alunos
devem detalhar o que será desenvolvido. Por exemplo, se o documento for um clipe de
música, quais são as etapas necessárias para a compreensão oral? Quais estratégias serão
desenvolvidas? Quais seriam as outras atividades que poderiam ser trabalhadas?
— Definição da avaliação da unidade didática.
Considerações finais
Referências
——. Secretaria de Educação Básica. Orientações curriculares para o ensino médio: Linguagens, códigos
e suas tecnologias. Brasília: MEC/SEB, 2006. Volume 1, 239 p. Disponível em:
<http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/book_volume_01_internet.pdf>.
KLETT, Estela et al. Mosaïque du FLE: aspects didactiques et interculturels. Buenos Aires: Araucaria
Editora, 2004.
CONSEIL DE L’EUROPE. Cadre europeen commun de reference pour les langues: apprendre,
enseigner, evaluer. Disponível em: <http://www.coe.int/t/dg4/linguistic/ source/framework_fr.pdf>.
Acesso em: 14 jan. 2015.
WINDMÜLLER, Florence. Français langue étrangère: l’approche culturelle et interculturelle. Paris:
Belin Editora, 2011.
Biografia
[...] uma pesquisa devidamente planejada, realizada e concluída, não é o simples resul-
tado automático de normas cumpridas ou roteiro seguido. Mas deve ser considerada
como obra de criatividade, que nasce da intuição do pesquisador [...] pois o problema da
pesquisa nasce da intuição, de alguma dificuldade existente (Rudio, 1991, p. 15, grifo
do autor).
Alguma coisa me dizia para iniciar um diário relatando minhas impressões sobre
o processo científico, mas deixei essa ideia de lado por considerá-la desnecessária. Eu
devia, no entanto, ter seguido a minha intuição, já que agora preciso desse relato e não
o tenho. Devo tirar do fundo de minha memória tudo o que percebi durante o processo
científico até hoje, pois devo fazer um relatório final de estágio.
Fiquei assustada no princípio com a quantidade de coisas que deveria ler, com
a possível falta de tempo, com uma possibilidade de não atender às expectativas da
orientadora, que eu não sabia bem quais eram. Sempre fui muito insegura de mim,
ou seja, também tive medo de não atender às minhas expectativas de ter tempo de ler
todo o material, desenvolver e exprimir minhas ideias sobre o conteúdo em textos que
tivessem uma boa redação (um dos meus maiores problemas).
A primeira coisa que a orientadora pediu que eu fizesse foi um anteprojeto com
base no modelo exposto no final do livro de Rudio (1991), só para que tivéssemos o
150 Licenciatura sem fronteiras: semiosferas em transformação
que conversar nas primeiras reuniões. Foi um grande desafio, uma vez que nunca tinha
feito nenhum projeto de pesquisa.
O primeiro que eu fiz ficou ruim, pois segui o modelo preenchendo os tópicos
propostos no livro. Na reunião ela não usou as mesmas palavras que eu para defini-
-lo, mas a sua expressão facial me dizia isso. Ela pediu que eu o refizesse e o segundo
ficou melhor.
Depois disso, a orientadora me passou alguns livros teóricos sobre o fazer cien-
tífico, a saber: Rudio (1991), Gewandsznajder (1989) e Triviños (1992), os quais fui
fichando sem saber bem para quê. O curioso é que eu me sentia bem em fazê-lo; eu,
que era uma aluna tão displicente, estava, enfim, inserida na vida acadêmica, como se
simplesmente fazer fichamentos fosse suficiente para isso.
Os livros foram me mostrando coisas que eu não fazia ideia de que existiam. Até
então, as únicas pesquisas que tinha feito haviam sido as escolares, ou seja, de modo to-
talmente desprovido de técnica, pois na escola, até mesmo na academia, os professores
pedem que os alunos façam pesquisa, mas não mostram como fazê-la.
Eu ainda estava me sentindo um peixe fora d’água com tantos fichamentos, reu-
niões que não tinha certeza de que estavam me levando a algum lugar e me perguntava
com frequência: “o que eu estou fazendo?” Mas, como sempre, deixei que o barco na-
vegasse livre pela correnteza, para ver até onde tudo aquilo me levaria.
Num belo dia, nos idos de 2005, a orientadora pediu que eu apontasse as minhas
dificuldades em relação ao seu projeto Ensino e Práticas de Ensino em Língua Estrangeira
– o caso do italiano. Agora, escrevendo minhas impressões, percebo como uma frase
pode mudar a vida de uma pessoa, e fico impressionada em como a minha pode ter
mudado de rumo com aquela frase que usei para apontar uma dificuldade. Lembro-
me da cena: respirei fundo e disse: “qual é a diferença entre semiótica e semiologia?”
Respirei fundo como se soubesse o que estava me aguardando.
Do jeito que a orientadora explicou, eu não entendi; creio que nem ela, se es-
tivesse no meu lugar, entenderia. Disse que me provocaria, deixaria que eu mesma
respondesse a essa pergunta. Naquela hora pensei que quem estava com preguiça, ou
não soubesse alguma coisa, fosse ela, mas hoje sei que, seja qual tenha sido o motivo,
foi bom que ela não me respondesse, e também sei que aquilo não poderia ser explicado
com um simples par de frases.
Sobre o assunto semiótica/semiologia, o primeiro livro que ela trouxe para eu
ler foi de Epstein (1986). Livrinho (diminutivo não pejorativo, o livro era pequeno
mesmo) interessante, pouco esclarecedor, mas me mostrou o básico da semiótica/se-
miologia como, por exemplo, a nomenclatura, as ideias de alguns pensadores, ou seja,
um primeiro passo.
Impressões e transformações de uma aluna no processo de iniciação científica 151
Nesse ínterim, eu já havia lido e fichado alguns capítulos de Eco (1996). Como
meu italiano ainda não era bom, fiz um vocabulário com as palavras que eu não sabia
e apareciam com frequência. O segundo livro sobre semiótica/semiologia foi instigante:
Noth (1995). Li e reli capítulos inteiros deste, perguntava-me sempre: “é isso mesmo que eu
estou entendendo?”
Certa noite, durante a leitura do livro, parei para refletir um pouco. Perto de
mim havia uma balança. Olhei-a de modo diferente. Como um ponto no mundo.
Como algo separado do que era. Já não era para mim, naquele momento, balança: era
nada. Isso fora causado por uma das tricotomias de Pierce: representamem é o primeiro
constituinte do signo que se relaciona a um segundo que se chama objeto, capaz de de-
terminar um terceiro, chamado interpretante. Olhando a balança, tentei separar esses
três constituintes do signo balança.
A semiótica/semiologia foi aos poucos tomando um espaço na minha vida: tudo
passou a ter um pouco disso. Ia aos sebos atrás de livros sobre o assunto, via filmes e
lia, tentando fazer análises semióticas/semiológicas. E creio que seja essa a relação do
assunto com o projeto da professora.
Outra questão que surgiu foi a diferença entre análise semiótica e análise do
discurso, em Ducrot e Todorov (1982) e Brandão (1995). Começamos no início do
ano de 2006 a segunda fase da iniciação científica: fazer a análise contrastiva entre os
pronomes italianos e portugueses, tomando como base Sensini (1997) para a língua
italiana e Bechara (2004) para a língua portuguesa.
As coisas ficaram estranhas para mim durante o processo de iniciação científica,
pois me sentia desafiada pelos professores e pelos colegas.
Uma professora nova chegou e fez uma pergunta aleatória para a sala: “como o
particípio presente aparece na língua portuguesa hoje?” Silêncio... De repente, a colega
que estava do meu lado diz “Ilduara sabe”. Ao que a professora pergunta: “você que é a
famosa Ilduara? Carmem me falou muito de você.” E noutra ocasião, cheguei atrasada
à aula e, quando entrei na sala ouvi alguém dizendo “A Ilduara sabe”. A sala, antes de eu
chegar, discutia um assunto para o qual não tinham a resposta, esperavam que eu che-
gasse para que ajudasse a responder a questão. Por acaso ou não, trazia comigo um livro
que abordava o assunto discutido. Depois, ouvi: “Viu? Eu sabia que a Ilduara sabia”.
Incomodava-me ser desafiada assim. Ser conhecida dos professores assim. Minha
insegurança me dizia que eu não daria conta das demandas, mas dava. Depois pen-
sando sobre isso, cheguei à conclusão de que eu não era desafiada, mas sim, referência.
O período da iniciação científica foi o mais fértil na minha vida acadêmica.
Descobri coisas que não fazia ideia de que existiam, tanto em relação à pesquisa quanto
a mim. Descobri até onde posso chegar, descobri que sou capaz e que meu único im-
peditivo é a insegurança. Esta se manifestou de forma latente em minha segunda apre-
152 Licenciatura sem fronteiras: semiosferas em transformação
sentação na Semana de Iniciação Científica (SEMIC): minha fala deveria ser de dez
minutos (o que muitos reclamam por ser pouco tempo), mas durou gaguejantes três.
Fiquei tensa, nervosa, mesmo com uma amiga tendo me dito que era bobagem
a tensão, pois eu havia estudado para aquilo. Mas o apoio dela, da orientadora e de
minha irmã não foram suficientes e minha apresentação foi atrapalhada, talvez pelo co-
nhecimento que acumulei e não consegui concatenar naquele momento. Era como se
tudo o que eu tivesse estudado devesse ser apresentado naquele curto espaço de tempo e
esse não fosse suficiente para organizar as ideias, que vieram todas de uma vez, de forma
desorganizada, em três minutos.
O período de iniciação científica acabou. Continuei a graduação, porém mais
madura, compreendendo melhor o mundo acadêmico, pensando que a maneira mais
produtiva de se estudar era fazendo pesquisa.
Hoje em dia, quando me envolvo no estudo de qualquer assunto, me pego pes-
quisando em mais de três fontes, correlacionando uma com a outra e notando seme-
lhanças e diferenças, percebendo em que ponto essas fontes se tocam.
A iniciação científica me abriu os olhos para o mundo, para percebê-lo de forma
mais ampla e saber que essa forma é pouca, há sempre mais coisas além do que nossa
percepção pode tocar. Uma ideia sempre pode ser vista através de milhões de maneiras
diferentes, e um ponto de vista é apenas um. Tentei, com esse escrito, resgatar o pro-
cesso de iniciação científica e em como este contribuiu para meu crescimento como
estudante e cidadã no mundo.
Referências
BECHARA, Evanildo. Moderna Gramática Portuguesa. 37. ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2004. p.
162-202.
BRANDÃO, Helena H. Nagamine. Introdução à Análise do Discurso. 4. ed. Campinas: Editora da
UNICAMP, 1995.
DUCROT, Osvald; TODOROV, Tzvetan. Dicionário das Ciências da Linguagem. 6. ed. portuguesa,
orientada por Eduardo Prado Coelho. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1982. p. 127-383.
ECO, Umberto. Come si fa Una Tesi di Laurea. 5. ed. Milano: Bompiani, 1996.
EPSTEIN, Isaac. O signo. São Paulo: Ática, 1986.
GEWANDSZNAJDER, Fernando. O que é o método científico. São Paulo: Pioneira, 1989. p. 3-21.
NOTH, Winfried. Panorama de semiótica: de Platão a Pierce. São Paulo: Annablume, 1995.
RUDIO, Franz Victor. Introdução ao projeto de pesquisa científica. 16. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1991.
SENSINI, Marcello. La grammatica della lingua italiana. Milano: Mandadori, 1997. p. 188-232.
TRIVIÑOS, Augusto N. S. Introdução à Pesquisa em Ciências Sociais. São Paulo: Atlas, 1992.
Impressões e transformações de uma aluna no processo de iniciação científica 153
Biografia
Introdução
As interfaces da avaliação
pede que a educação seja transformadora, pois o que transforma o ensino é a disposi-
ção daqueles que ajudam na construção do novo: “Nem tudo o que é ensinado deve
transformar-se automaticamente em objeto de avaliação; nem tudo o que é aprendido
é avaliável [...] nem tem o mesmo valor” (Mendez, 2002, p. 35).
A quantificação como elemento estático do processo impede a reflexão e a
construção de novos saberes. Desta forma, a avaliação, dentro do modelo social li-
beral-conservador, se configura como um papel disciplinador de condutas sociais,
tornando-se critério para aprovação dos alunos, posto que o controle e a disciplina
funcionam como elementos de pacificação e aceitação dentro de um sistema, por
que não afirmar, autoritário e antipedagógico. Na medida em que se atribuem no-
tas dentro de um sistema classificatório, a avaliação entendida como controle estará
indelevelmente relacionada ao poder. Foucault (1999b) referiu-se ao assujeitamento
do sujeito como uma série de procedimentos e rituais que controlam o acontecimen-
to discursivo: há uma seleção do enunciante, quem pode falar; há uma seleção dos
enunciados, o que se pode falar; e há o controle da enunciação, como, quando e onde
se pode falar. Estas são as condições de produção do discurso, ou seja, de mera repro-
dução ou repetição, e nunca de transformação.
A avaliação é um tema recorrente em diversas áreas e, na Educação, é abordado
mais do que em qualquer outra área do conhecimento. Na avaliação educacional pode-
mos utilizar os testes como uma forma de medir o desempenho dos alunos ou, em larga
escala, como instrumento para medir o desempenho de uma rede de ensino. Segundo
Reis (2006), a avaliação em larga escala encontra sua justificativa na influência exercida
pelos elementos do mercado na educação dentro da concepção neoliberal, atrelados aos
resultados dos sistemas externos de avaliação da aprendizagem, visando à promoção
da competição entre as instituições escolares. Esse tipo de avaliação tem como função
básica fornecer, quer ao governo federal, quer ao estadual ou municipal, subsídios para
atuar nos diferentes sistemas de ensino. No Brasil, o Sistema Nacional de Avaliação
da Educação Básica (SAEB), que controla a avaliação externa brasileira, compreende a
Avaliação Nacional do Rendimento Escolar (ANRESC) – ou Prova Brasil – e a Avalia-
ção Nacional da Educação Básica (ANEB). Ainda conforme as palavras de Reis,
[...] a lógica utilizada é a de que o controle externo pode trazer eficiência e eficácia para o
ensino e a culpabilização dos indivíduos pelos fracassos das instituições é uma das represen-
tações dominantes na atualidade e permite tirar a responsabilidade dos setores privados em
relação aos problemas sociais gerados, pela escassez de investimentos para minimizar a falta
de emprego. Transfere-se para a instituição escolar a responsabilidade de preparar os indiví-
duos com novos valores e comportamentos para superar a crise econômica [...] esses discursos
e práticas têm levado a opinião pública a aceitar como causa dos problemas econômicos
160 Licenciatura sem fronteiras: semiosferas em transformação
1
Ainda que a disponibilidade de recursos afete sem dúvida a qualidade, a pesquisa e a experiência
em matéria educacional demonstram que as políticas e os investimentos públicos podem influen-
ciar na qualidade da educação. Em geral, estas conclusões não se aplicam devido às modalidades
predominantes de custos e administração da educação e aos interesses criados afins (Banco Mun-
dial, 1996, p. 80). Versão de Beatriz Sanchez.
O poder da avaliação educacional: políticas e práticas na educação básica e reflexões nos cursos de licenciatura 165
Desenvolvimento
Integrado de Pernambuco: Empréstimos para Investimento
2004 Em atividade
Projeto de melhoria da Específico
qualidade da educação
para a formação de professores. A busca pela compreensão crítica e explicitação das ló-
gicas que permeiam os espaços da sala de aula em cursos de licenciatura são motivações
que nos levam a continuar a caminhada no âmbito da pesquisa.
Questiona-se, também, o papel das políticas públicas para os cursos de forma-
ção no processo de profissionalização docente: como ensinamos e como nossos alunos
aprendem, como se dá a organização do trabalho pedagógico. Essa formação influencia
na atuação profissional, pois reflete todas as contradições sociais.
Precisamos entender ideológica e subjetivamente qual é a lógica imposta atual-
mente pelas políticas públicas de formação de professores. Entender que “a escola é
um espaço importante na disputa dos projetos da sociedade” (Esteban, 2007, p. 16).
Enquanto profissionais da educação, precisamos nos questionar sobre qual é a parti-
cipação dos cursos de formação de professores no sentido de acentuar ou amenizar a
realidade acima relatada como demonstração de que, no reino do capital, a educação
inclui para excluir, ou seja, autoriza projetos includentes ao mesmo tempo que não
possibilita a democratização da produção e apreensão do conhecimento. Reforça-se,
desse modo, o princípio do desenvolvimento do capitalismo: a exploração do homem
pelo homem, a prática de subordinação e de exclusão.
Quanto à avaliação nos cursos de licenciatura, os estudos, produções e pesquisas
crescem aceleradamente. Tanto as publicações sobre avaliação educacional quanto o
campo das políticas de avaliação têm sido temáticas de forte interesse por parte da
academia e vêm se transformando do ponto de vista das concepções. Nos últimos vinte
anos as produções teóricas têm sido unânimes em condenar práticas avaliativas tradi-
cionais, quantitativas e excludentes. Tais práticas, que estão ainda mais fortes e resis-
tentes no cotidiano da sala de aula, são condenadas insistentemente.
Um olhar mais cético sobre a questão poderia justificar superficialmente essa
realidade por meio de um simples entendimento do significado real da diferença entre
teoria e prática. No entanto, segundo Freitas (1995, p. 59), “é possível que a categoria
mais decisiva para assegurar a função social que a escola tem na sociedade capitalista
seja a da avaliação”. Essa afirmação explica por que tem sido tão difícil transformar
práticas avaliativas classificatórias, excludentes e seletivas em práticas inclusivas, já que
a sociedade atual garante sua manutenção por meio da exclusão.
Hoffman (1996b), após identificar os mitos que cercam a avaliação no 3º grau,
em especial nas licenciaturas, realizou trabalho de Programa de Aperfeiçoamento de
Ação Pedagógica, com docentes do ensino superior; um dos pontos que chamou sua
atenção foi que a avaliação era uma questão pedagógica pouco investigada nos meios
acadêmicos. Nessa pesquisa, ela afirmou que
O poder da avaliação educacional: políticas e práticas na educação básica e reflexões nos cursos de licenciatura 169
Somente para o governo brasileiro, entre os anos de 1993 e 2004 foram concedidos
empréstimos que financiaram 124 projetos em diversas áreas, ultrapassando a cifra dos
14 bilhões de dólares, e, deste total, 9,21% foram destinados à educação básica para o
desenvolvimento de projetos nas mais variadas regiões do país (Torres, 1996).
[...] estou convencido de que o desenvolvimento do mundo que vai surgindo diante de nós é
uma das tarefas mais importantes que a humanidade enfrenta neste século. Mas, devo acen-
tuar também que o BIRD é um organismo de investimentos para fins de desenvolvimento.
Não é uma instituição filantrópica, nem um organismo de bem-estar social. Nossa política
creditícia se baseia em dois princípios fundamentais: o projeto deve estar bem concebido e o
prestatário deve apresentar capacidade creditícia (Mcnamara, 1974, p. 109).
Nesse cenário, a educação pode ter um papel primordial. “O ensino não é a ala-
vanca para a mudança ou a transformação da sociedade, mas a transformação social é
feita de muitas tarefas pequenas e grandes” (Freire, 2001, p. 60). Assumir essa posição
não é resgatar a visão redentora de educação, é ter consciência de que a escola “sempre
foi uma arma nas mãos das classes dirigentes” (Pistrak, 2003, p. 30) e, por isso, projetos
que se posicionam contra essa lógica assumem pedagógica e ideologicamente oposição
à naturalização das coisas e dos sujeitos.
Precisamos, a partir do trabalho coletivo, amenizar a anestesia social/educacio-
nal que tem intensificado projetos/práticas individualistas. Segundo Pistrak (2003), a
reorganização da escola a serviço da transformação social não acontece com a simples
alteração dos conteúdos ensinados e, por que não dizer, com ajustes curriculares. É
um movimento mais amplo de mudança ideológica e também estrutural, em que toda
dinâmica da instituição visa à coerência dos objetivos de formação. Sabemos também
que o mesmo serve para as políticas de formação de professores. Essa mudança precisa
ser coerente com os objetivos de formação para a cidadania, uma formação na qual os
indivíduos sejam capazes de participar ativamente da construção de uma sociedade
mais justa e igualitária.
Considerações finais
Este trabalho teve como objetivo refletir sobre o papel da avaliação do desem-
penho escolar e, sobretudo, da educação, da educação básica e das licenciaturas, tendo
O poder da avaliação educacional: políticas e práticas na educação básica e reflexões nos cursos de licenciatura 171
A Escola não é uma ilha na sociedade. Não está totalmente determinada por ela, mas não está
totalmente livre dela. Entender os limites existentes para a organização do trabalho pedagó-
gico ajuda-nos a lutar contra “eles”; desconsiderá-los conduz à ingenuidade e ao romantismo
(Freitas, 1995, p. 99).
Referências
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Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1974.
MÉNDEZ, Juan M. Alvarez. Avaliar para conhecer, examinar para excluir. Porto Alegre: Artmed, 2002.
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de pedagogia. In: PISTRAK, M. M. Fundamentos da escola do trabalho. São Paulo: Expressão
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REIS, Rosemeire. Os professores da escola pública e a educação escolar de seus filhos: uma contri-
buição ao estudo da profissão docente. São Paulo: Paulinas, 2006.
SGUISSARD, Valdemar; SILVA JÚNIOR, João dos Reis (Orgs.). Educação superior: análises e pers-
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sarrollo. Washington, D.C.: Banco Mundial, 1996.
ZABALZA, Miguel. O ensino universitário: seu cenário e seus protagonistas. Porto Alegre: Artmed, 2004.
Biografia
A era do texto
Sempre que novos docentes se formam, é inevitável refletir sobre o que se dese-
nha à sua frente. Todos sabemos que existe uma série de procedimentos técnicos no
fazer pedagógico, mas continua a nos encantar a magia do ensinar e aprender, que está
para além desta ou daquela técnica. Isso acontece porque se trata de um processo que
põe indivíduos em conexão, cada qual com sua mentalidade, cada qual com sua histo-
ricidade, carregando cultura, valores, crenças e conteúdos emocionais que atravessam
(e por vezes até complicam) as relações no espaço da sala de aula, seja ela tradicional ou
mesmo virtual.
O que um professor tem a oferecer a seus alunos? Seu conhecimento e
sua experiência. Ora, tais conteúdos são imateriais, ainda que possam repercutir
concretamente no mundo, com seus efeitos. A imaterialidade do saber não significa
que ele deva ficar confinado a uma mente – sabemos que não. Para dar curso ao saber,
tem-se a linguagem. Do contato de uma mente com o meio e com o outro, derivam
registros, experiências, elaborações. O que pode fazer com que isso se organize para o
próprio sujeito, estruturando-lhe uma visão do mundo, e o que permite a comunicação
dessa bagagem é a linguagem. Por meio dela, construímos nossos discursos, que se
materializam em textos. É o texto, portanto, a entidade material capaz de representar
discursos e carregar sentidos, viabilizando fluxos de saberes entre indivíduos e entre
grupos inteiros.
176 Licenciatura sem fronteiras: semiosferas em transformação
O papel do texto
Assim é que um texto deve ser, na verdade, mais do que um cotexto para a cena
pedagógica; ele deve constituir um contexto, um conjunto de referências vivenciais e
culturais, capazes de facultar ao indivíduo aprendiz material para a formulação de ana-
logias e, como resultado, a construção de um aprendizado efetivo, histórico.
O texto pode ser literário ou não. Nada impede que um texto literário sirva de
base para, por exemplo, questões de biologia ou outra disciplina. Basta usar de cria-
tividade. Os textos cotidianos, oriundos de propagandas, jornais, revistas e até posta-
gens em redes sociais também servem ao ensino, devendo, claro, passar pelo crivo do
docente, que avaliará sua adequação, sobretudo quanto ao tema e à linguagem usados,
tendo em vista sempre a faixa etária a que se destina. Assim, notícias, charges, tirinhas,
anúncios, bulas, receitas, contratos, placas de sinalização, manuais, enfim, todo tipo de
texto interessa. Mesmo os que veiculem informação equivocada podem ser usados, se a
discussão da acuidade da informação for o tópico central.
a forma padrão. Requer, portanto, domínio da norma padrão por parte do docente,
para que suas correções não sejam um desserviço ao aluno. Além disso, o docente
deve ter clareza quanto ao que é variante da língua, aceitável conforme o contexto, e o
que de fato fere o sistema, comprometendo a inteligibilidade, sendo considerado um
erro. Pontuar, no sentido matemático, significa mensurar numericamente os desvios
gramaticais do aluno, o que é bem mais delicado e exige um docente muitíssimo bem
preparado em termos de língua portuguesa.
Por ser esse um terreno escorregadio para leigos e sujeito a tensões escolares,
recomendamos evitar a pontuação fora da disciplina de língua portuguesa; considera-
mos, contudo, que constitui compromisso do docente orientar e aprimorar a expressão
do aluno, sendo importante apontar desvios e até corrigi-los. O mesmo compromisso
estaria afeto aos professores de língua portuguesa, quando se depararem com impro-
priedades históricas, geográficas, biológicas, matemáticas etc. Em suma, o docente tem
um compromisso com a formação global de seu aluno, e todos, sem exceção, devem
enriquecer seu vocabulário e ampliar as possibilidades de expressar o seu pensamento
com fidelidade. Isso não tira do especialista a responsabilidade específica por sua área
de trabalho.
Sem dúvida, o perfil que o século XXI requer do docente é de uma abrangên-
cia intelectual capaz de ir do específico ao geral, dialogando com as áreas vizinhas e
até com outras, mais distanciadas da disciplina por ele ministrada. Isso corresponde
a um paradigma novo, de educação por projetos, em que saberes de diferentes ordens
conjugam-se em nome de um objetivo maior. É um desafio para o qual o docente
deve estar pronto – ele deve, antes de tudo, cuidar bem de sua expressão linguística,
de sua capacidade de ler, compreender, interpretar. Falando ou escrevendo, em sala,
em materiais didáticos ou em artigos, ao professor cabe exemplificar com sua própria
história a importância do domínio linguístico para os que desejam ampliar seus hori-
zontes intelectuais. Preparado, instrumentalizado, o professor poderá escolher melhor
os textos que figurarão entre suas produções didáticas e saberá explorar seu conteúdo e
suas conexões, tendo como foco as discussões de sua disciplina.
Questões de matemática
Fonte: <https://twitter.com/hashtag/euaprendinoenem>.
180 Licenciatura sem fronteiras: semiosferas em transformação
A um breve olhar, pode-se perceber o fato mais gritante: o docente fez uma
confusão com os nomes que resolveu usar no problema e perguntou a respeito de um
personagem que não tinha entrado na história, fazendo lembrar o célebre poema “Qua-
drilha”, de Carlos Drummond de Andrade. Mas ainda há dois aspectos merecedores
de nossa análise nessa questão: um relativo ao aluno; outro relativo à construção do
enunciado. Vamos a eles.
O aluno demonstra perceber o equívoco do docente, ao denunciar o absurdo
com um questionamento sobre Rita em sua resposta (“mas quem é Rita?”); contudo,
inteligentemente, apresenta resposta que atesta o conhecimento que estaria sob avalia-
ção. Em outras palavras, o aluno parece conhecer o mecanismo de avaliação e, quem
sabe, até prever questionamentos futuros por parte do professor, caso apenas denun-
ciasse a incoerência do enunciado. Assim, em conduta de autoproteção, apresenta um
cálculo, demonstrando dominar o conteúdo em questão, e a ele acrescenta sua denún-
cia, em forma de pergunta.
O segundo aspecto diz respeito à cultura de construção de questões ainda vigente
em nossas comunidades escolares: a pergunta surge praticamente do nada ou de um
contexto extremamente minimalista. Com isso, fica a cargo do aluno realizar inferên-
cias e pressuposições que preencham as lacunas deixadas pelo docente. É curioso que
isso ocorra, muitas vezes, na direção da expectativa docente, revelando que há uma prá-
xis negociada e estabelecida em nossas relações didático-pedagógicas, em que o aluno,
treinado, sabe “o que o professor quer”. Sendo mais objetiva, chamo atenção para o
fato de que, em nenhum momento, se disse que o gasto de 38 reais foi o único, a partir
do total da mesada.
Imaginemos que Mariana recebesse 480 reais e que tivesse comprado um telefo-
ne, no valor de 400 reais. Teria ainda 80 reais de sua mesada e só então gastaria os 38
reais mencionados na questão, ficando com os 42 restantes. Nada se declarou, objeti-
vamente, no problema, sobre a existência ou não de gastos anteriores de Mariana. O
docente pressupõe que o aluno não questionará esse fato, talvez pela faixa etária a que
pertença, talvez pelo próprio treinamento escolar a que vem sendo submetido, que o
faz dar à questão o tratamento esperado pelo professor: considerar o gasto de 38 reais
como o primeiro evento de uma situação, sem supor a existência de eventos anteriores.
Talvez (há possibilidade de que esta hipótese se aproxime da verdade dos fatos) o do-
cente sequer tenha cogitado sobre eventos anteriores, tal o treinamento escolar a que
ele, docente, foi submetido ao longo de toda a sua vida como aluno e ao longo de sua
estrada no magistério. Isso merece atenção e reflexão.
O desafio do texto para docentes de todas as disciplinas: construindo questões 181
O ano de 2012 pode inaugurar uma nova era: a era do alfabeto 3D.
Tudo culpa do Ji Lee. O artista sul-coreano resolveu dar uma roupagem mais
moderna para as nossas letras, tão queridas, mas tão paradas no tempo. A ideia
é simples: uma fórmula geométrica simples foi aplicada às letras, que, com a
ajuda de um software, giraram 360º em torno de um eixo vertical. No final
das contas, um formato totalmente novo é criado para cada uma delas. Para
visualizar a estética original, é só pensar em uma lâmina imaginária cortando
a nova letra transversalmente.
Fonte: <http://revistagalileu.globo.com/Revista/Common/0,,EMI310784-
17770,00-ARTISTA+CRIA+ALFABETO+D.html>. Acesso em: jul. 2012.
A sequência abaixo mostra como o software gera o novo formato para a letra A,
apresentado na última coluna do quadro abaixo
182 Licenciatura sem fronteiras: semiosferas em transformação
Fonte: <http://ensinomediodigital.fgv.br>.
Questão de biologia
Vírus
Vírus da Aids.
Fonte: <http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/parasitoses/parasitoses-4.php>
Texto verbal e não verbal combinam-se para oferecer ao aluno elementos com
os quais possa identificar realidades biológicas. O aproveitamento do texto é indireto,
184 Licenciatura sem fronteiras: semiosferas em transformação
Questões de filosofia
Vejamos inicialmente uma questão com uma breve introdução, um texto curtís-
simo, que se limita a apresentar um conceito geral, ao qual o aluno deverá relacionar a
alternativa correta. Note-se que a afirmação a ser assinalada pelo aluno apenas corres-
ponde a um procedimento de correlação semântica, baseado no conhecimento a que
ele teve acesso durante as aulas.
Procedimento análogo ao que está exemplificado pelas questões pode ser adota-
do na produção de material de apoio para as aulas. Qualquer gênero textual serve. O
importante é que o docente realiza um aproveitamento integral do texto, fugindo ao
uso meramente pretextual. Integrar texto e comentário, texto, comandos e alternativas
resulta num maior aproveitamento para o aluno, além de contribuir para seu enrique-
cimento pessoal, além das fronteiras da disciplina a que atende.
Quem não teve (ou desejou ter) aquele professor brincalhão, que inventa piadas
ou músicas? Quem não se divertiu com isso? O elemento lúdico no ensino é extrema-
mente produtivo: aprende-se melhor o que se aprende com prazer (e isso independe da
idade do aluno).
Contudo, a festa pode iludir alguns alunos mais jovens, mas, definitivamente,
não substitui a qualidade. Em pouco tempo, a memória se despede de algumas brin-
186 Licenciatura sem fronteiras: semiosferas em transformação
Considerações finais
Referências
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Contexto, 2013.
Biografia
Introdução
ficado do que é dito pelos alunos. Embora a professora tenha como mote “falar sobre
o último fim de semana”, o objetivo da bateria de perguntas encadeadas por ela é, na
verdade, testar se os alunos haviam aprendido como usar os verbos no pretérito perfei-
to em italiano de maneira correta. As interações são construídas de forma “engessada”
(Almeida Filho, 1993), pois o conteúdo do que é dito nas respostas parece interessar
muito pouco à professora, que, no turno seguinte à resposta de cada um dos alunos,
faz correções relativas à estrutura da língua (verbo auxiliar, particípio passado e uma
palavra em português).
Embora as perguntas feitas não sejam classificadas como perguntas-teste, ou seja,
perguntas cujo conteúdo das respostas é conhecido pela professora, o tom avaliativo em
relação aos verbos no passado está fortemente presente nas correções realizadas por ela.
Outra questão que corrobora a afirmação sobre a sua postura avaliativa é o fato de a
professora interromper o fluxo conversacional das ações narradas pelos alunos: ela não
pergunta para Laura a qual filme assistiu, nem dá continuidade ao episódio do encontro
de Rita com um italiano. Em ambos os casos, as oportunidades de instaurar uma con-
versa mais próxima às que ocorrem em interações cotidianas, com foco no uso e não na
forma (Widdowson, 1990), foram desperdiçadas pela professora. Isso não quer dizer que
as correções relativas à formação do tempo verbal em tela (passato prossimo) não devessem
ocorrer, mas, certamente, poderiam ser feitas em um segundo momento, não durante a
conversa cujo tema e as respostas dos alunos poderiam, de fato, constituir momentos de
comunicação autêntica, com foco no significado do que é dito.
Em relação aos momentos em que se deflagram conversas espontâneas, o estudo
de Corrias (2015) apontou a importância de propiciar momentos de produção oral não
guiada pelo foco na forma, visto que propiciam a configuração de interações autênticas
e o desenvolvimento da competência interacional dos alunos em língua estrangeira.
Nessa direção, Cadorath e Harris (1998) afirmam que na formação docente fal-
tam reflexões sobre as atividades imprevistas em sala de aula. O estudo das autoras
mostrou que a ênfase no planejamento de aulas, o predomínio do livro didático como
fonte dessas atividades traz, em muitos casos, três consequências indesejáveis: inibição
da interação entre professor e aluno, o esquivar-se das oportunidades de comunicação
genuína e o não aproveitamento de tópicos nas aulas para desenvolver atividades de
conversação.
Vários estudos apontam o discurso de sala de aula como ritualizado, um ritual
no qual as perguntas são aceitas como parte natural desse contexto. No entanto, é de
suma importância que se considere a sala de aula também como espaço de improvisa-
ção, como ocorre em qualquer interação face a face. Erickson e Shultz (1982) advertem
sobre a natureza improvisadora das interações face a face, a emergência, comparando-as
ao jazz e à comedia dell’arte. Ambos os tipos de manifestação artística têm como base
Interações em sala de aula: espaços de testagem ou de ensino-aprendizagem? 191
um tema a partir do qual podem ser criadas muitas variações. Essa natureza improvisa-
dora, segundo os autores, justifica-se pelo fato de que a interação é socioculturalmente
construída a cada momento. Considerar, portanto, o discurso como constituído local-
mente é essencial para caracterizar cada encontro como tendo uma vida própria.
Ainda em relação ao caráter improvisador da sala de aula, Cazden (2001) ca-
racteriza as interações nas aulas como convenções negociadas, como improvisações
espontâneas com base em padrões básicos de interação. O caráter improvisador do
discurso pedagógico também é apontado por Cicurel (1985), que o define como uma
fala improvisada que se constrói a partir de um modelo pré-existente, constituído por
procedimentos de ensino tais como: evocar o que é conhecido, antecipar o que vai ser
conhecido e recapitular. Professor e aluno, portanto, produzem um discurso parcial-
mente ritualizado devido às restrições dos papéis de cada um e à urgência das situações
de sala de aula. Nessa direção, as perguntas feitas pelo professor compõem parte do
esquema interacional compartilhado pelos atores do contexto escolar e, por essa razão,
apresentaremos a discussão sobre o traço perguntador na literatura sobre educação e
sobre ensino de línguas.
2
Maiêutica: sf. Nome dado por Sócrates à sua dialética, como a arte de partejar os espíritos, i. é, de fazer o
interlocutor descobrir as verdades que traz em si pelo processo de multiplicar as perguntas a fim de obter,
por indução dos casos particulares e concretos, um conceito geral do objeto. Fonte: www.aulete.com.br.
192 Licenciatura sem fronteiras: semiosferas em transformação
tram que quanto mais perguntas o professor fizer, menos perguntas os alunos farão.
Essa observação contrasta com a noção pedagógica de que as perguntas do professor
servem como estímulo para que os alunos participem e construam conhecimento.
Os estudos sobre as perguntas no discurso de sala de aula adquirem uma di-
mensão mais completa com os estudos sobre a tipologia das perguntas, tema que será
apresentado no próximo item.
Um tipo de pergunta facilmente encontrada nas salas de aula e nos livros didáticos
é a pergunta-teste, apontada na literatura por Long e Sato (1983) e por Cazden (2001).
A pergunta-teste, como o próprio nome indica, tem o objetivo de testar o conhecimento
do aluno e, portanto, as respostas são previamente conhecidas pelo professor. Esse tipo
de pergunta contrasta totalmente com as perguntas referenciais, predominantemente
presentes em nosso cotidiano fora das salas de aula, cujo objetivo é obter informações
que o interlocutor não conhece.
Kleiman (1992) estudou a interação em duas aulas de língua materna, nas quais
os professores tratavam de um mesmo tópico: um deles centrava seu trabalho total-
mente no livro didático; o outro, não. A autora concluiu que, na aula centrada no livro
didático, os alunos parecem recusar-se a fazer perguntas e quem as faz não é o professor,
mas o próprio livro, hipótese que pode justificar a recusa dos alunos em interagir. Por
sua vez, na aula centrada no professor, os alunos perguntam mais e o professor conse-
gue passar do modo de controle para o de cooperação com mais facilidade. Ainda nesse
trabalho, a autora menciona a existência das perguntas de monitoração, cuja função é
apenas controlar a atenção e a compreensão do aluno.
Na área de educação, menciona-se, com frequência, a tipologia das perguntas
propostas por Bloom. Essa obra condensa as ideias de um grupo de pesquisadores que
decidiram elaborar um sistema de classificação de objetivos educacionais que estimu-
lasse “a pesquisa sobre avaliação e sobre as relações entre educação e avaliação” (Bloom
et al., 1976, p. 4).
A taxonomia do domínio cognitivo resultou em seis classes: conhecimento, com-
preensão, aplicação, análise, síntese e avaliação, que se apresentam em ordem hierár-
quica, isto é, dos mais simples aos mais complexos. A taxonomia tem como base a ideia
de que um comportamento simples e particular, ao integrar-se com outros, igualmente
simples, se torna complexo (Bloom et al., 1976, p. 16).
No primeiro nível, temos as perguntas factuais, que evocam fatos específicos,
informações, conceitos ou teorias. O segundo nível de perguntas refere-se à compre-
ensão, à capacidade de o aluno explicar o sentido do que aprendeu. As perguntas de
Interações em sala de aula: espaços de testagem ou de ensino-aprendizagem? 195
Marcuschi (2005, p. 54) também propõe uma taxonomia das perguntas, produ-
zida especialmente a partir de análises de materiais didáticos para ensino de português
como língua materna. O autor apresenta a seguinte tipologia das perguntas presentes
nos livros didáticos:
Tanto a tipologia de Marcuschi quanto a proposta por Bloom, embora não se re-
firam especificamente ao contexto de ensino de língua estrangeira, nos trazem subsídios
para repensar a validade das perguntas que compõem a fala do professor, as perguntas
presentes nas atividades do livro didático e, em especial, a construção das interações em
sala de aula.
Considerações finais
Referências
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Interações em sala de aula: espaços de testagem ou de ensino-aprendizagem? 199
Biografia
Formar professores é um dos principais desafios que uma nação possa ter. Certa
vez, ao conversarmos com uma profissional de saúde, ela nos disse que considerava a
Educação mais importante do que a saúde. Colocamo-nos a olhá-la profundamente sem
nada dizer e ela, por sua vez, continuou: “Considero isso, pois aqueles que têm Educação
conseguem se cuidar melhor, preservando a própria saúde e a dos outros.” Gostamos mui-
to do que ouvimos, principalmente por ter sido proferido por um não professor, por um
profissional que não havia sido formado para ensinar, mas cuja compreensão sistêmica do
mundo o permitia ver na Educação o princípio da transformação social.
Nunca tivemos dúvidas de que a Educação, em sentido pleno, seja necessária
para o desenvolvimento humano, nem mesmo de que todos nós em todos os dias das
nossas vidas sejamos corresponsáveis por ela, de que ela seja a melhor base em que uma
sociedade possa se assentar. Por outro lado, sabemos que o termo Educação e as práticas
educacionais sofrem a influência e se delineiam conforme a cultura, a história, a políti-
ca, enfim, que a Educação esteja assentada nas dinâmicas sociais.
Com tamanha complexidade, não poderíamos esperar que a Educação, enquanto
um processo inerente à vida do homem, seja estática, finalizada ou desmotivada. Ela é
encaminhada para atender os interesses de um grupo ou de grupos sociais dominantes,
via de regra, mas ela precisa, muito diferentemente, se encaminhar para atender aos
interesses de toda a sociedade e ainda fundamentar-se em princípios de preservação,
mudança e evolução necessários não apenas para a espécie humana, mas para todos os
seres. Obviamente que se colocar no lugar de outros é um desafio repleto de limitações,
no entanto, devemos levar em conta os conhecimentos acumulados e não tornarmos
as limitações impedimentos para as tentativas de mudanças, além de estarmos sempre
202 Licenciatura sem fronteiras: semiosferas em transformação
muito atentos aos mais sensíveis – seres que por tantas vezes no largo da História foram
estigmatizados. Despir-se de rótulos, verdades absolutas, preconceitos e interesses es-
tritos é mais do que preciso e o universo conclama por isso. Nada mais é isolado, nem
assim o deve ser.
A Educação é um ato de vida, de sobrevivência, de subsistência, de bem-viver,
de convivência. E a formação de professores, através dos cursos de licenciatura, precisa
se consolidar nos diversos ambientes em que a vida se faça presente. A sala de aula,
cujos formatos não podem ser mais os mesmos, ainda precisa se revitalizar e se estender
aos jardins de academus; os estudantes e estagiários precisam conhecer e reconhecer
as diversas realidades do nosso país e dos países da América Latina, antes mesmo de
buscarmos os modelos de países e continentes mais distantes. Para tanto, os currículos
das licenciaturas precisam estar organizados de modo a contemplar a formação da área
foco – área de ingresso – com a formação docente, articulando o conhecimento e seu
relato teórico com ações e interações práticas, que possibilitem ao jovem licenciado
atuar nas escolas públicas, privadas, religiosas ou laicas de seu município, estado e país,
colocando-se criticamente em relação às diversas realidades, tendo em vista modificá-
-las para o bem de todos.
Os estudantes das licenciaturas precisam ser expostos a ações e atividades que
estimulem as suas múltiplas habilidades, realçando aquelas em que já são talentosos e
desenvolvendo aquelas que, porventura, estejam em estado latente. Eles precisam ainda
ser desafiados a ocupar os espaços de agentes, ao invés de passarem horas e horas ou-
vindo, na qualidade de pacientes. Precisam ser atores e também autores nesse processo.
A mudança das licenciaturas na UERJ é muito mais do que uma obrigação do
fazer, uma imposição legal, ela é, sobretudo, uma necessidade há muito conclamada
pelos nossos jovens estudantes. E eles têm muita razão... Uma breve observação de al-
guns currículos nos faz notar que os conteúdos da formação básica não dialogam com
os da formação docente, deixando sempre para mais tarde a construção de uma visão de
mundo a partir do professor. Qual é a restrição para que um aspirante a professor seja
estimulado a ver conhecimentos, processos e produtos científicos como algo passível de
ser ensinado? Não louvamos uma separação entre carreiras científicas e as de formação
docente. A questão que se impõe, a nosso ver, não é essa, mas a de saber articular, na
medida certa. E esse é o desafio posto, diariamente, a todos nós atuantes nas licenciatu-
ras, ciência e docência, ciências e o seu ensino. Uma das competências do docente é a
de remover o peso do discurso científico, de modo a integrá-lo ao cotidiano da vida dos
estudantes e, para isso, um dos percursos possíveis é o de buscar reconstruir os meios e
processos da descoberta, até mesmo quando ela se instaurou na complexa observação
de uma realidade específica, como a da queda da maçã, por Einstein.
Licenciaturas: caminhos... soluções? 203
Entendemos, pois, que Educação prevê fundamentação filosófica clara dos prin-
cípios e valores que elegem essa ou aquela matriz teórica, conteúdos básicos fundadores
e articulados com os da formação docente, espaços intracurriculares para as escolhas
particulares dos estudantes, tanto práticas quanto teóricas e, ainda, campos de estágios
variados, que permitam vivenciar e dialogar, criticamente, teoria e práxis ao longo de
sua formação discente. Por fim, para nós a formação docente precisa propiciar aos es-
tudantes uma flexível mas ainda sólida formação em que os saberes sejam transmitidos
às futuras gerações com o melhor sabor possível, através de processos de descobertas e
desafios propostos à reflexão de todos os envolvidos nesse caminhar de formação.