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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO

ESCOLA DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS

MARIA CLARA SPADA DE CASTRO

TENENTISMO EM 1924: A PARTICIPAÇÃO CIVIL NA REVOLUÇÃO PAULISTA

GUARULHOS
2013
MARIA CLARA SPADA DE CASTRO

TENENTISMO EM 1924: A PARTICIPAÇÃO CIVIL NA REVOLUÇÃO PAULISTA

Monografia de conclusão de curso


apresentada à Universidade Federal de
São Paulo como requisito parcial para
obtenção do título de Bacharel/Licenciado
em História
Orientação: Edilene Teresinha Toledo

GUARULHOS
2013
Castro, Maria Clara Spada.

Tenentismo em 1924: a participação civil na Revolução Paulista /


Maria Clara Spada de Castro. – Guarulhos, 2013.
91 f.

Monografia de conclusão de curso (Bacharelado/Licenciatura em


História) – Universidade Federal de São Paulo, Escola de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas, Guarulhos, 2013.
Orientação: Edilene Teresinha Toledo

1. História do Brasil. 2. Tenentismo. 3. Revolução de 1924. I. Edilene


Teresinha Toledo. II. Tenentismo em 1924: a participação civil na
Revolução Paulista
MARIA CLARA SPADA DE CASTRO

TENENTISMO EM 1924:
A PARTICIPAÇÃO CIVIL NA REVOLUÇÃO PAULISTA

Monografia de conclusão de curso


apresentada à Universidade Federal de
São Paulo como requisito parcial para
obtenção do título de Bacharel/Licenciado
em História
Orientadora: Edilene Teresinha Toledo

Aprovação: ____/____/________

Profa. Dra. Orientadora Edilene Teresinha Toledo


Universidade Federal de São Paulo

Prof. Dr.
Instituição

Prof. Dr.
Instituição
AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente ao meu pai, pois sem ele com certeza eu não seria
quem sou hoje. Obrigada a minha família, inclusive aos que estão longe mim, em
todos os sentidos.

Obrigada a Unifesp, ao Departamento de História e a seus professores


extraordinários, entre eles, a minha orientadora, Edilene Toledo, a quem sou
muitíssimo grata por toda ajuda, apoio e sorrisos cativantes.

Agradeço imensamente aos amigos do Acervo Histórico da Assembléia


Legislativa do Estado de São Paulo pelo aprendizado, convívio e esperiências.
(Inclusive, foi na biblioteca do Acervo Histórico, que possuí a biblioteca pessoal de
José Carlos de Macedo Soares, onde encontrei boa parte dos livros de memórias e
outras fontes que utilizei neste trabalho.)

Obrigada as pessoas que me auxiliaram durante as pesquisas, como a minha


amiga Delia Alcolea, e aquelas que encontrei no Museu da Polícia Militar, no Centro
de Documentação e Memória da Unesp, no Arquivo Edgard Leurenroth da Unicamp
e no Arquivo do Estado de São Paulo.

Agradeço a Associação Atlética Acadêmica Unifesp Guarulhos, que tanto me


tirou o sono e consumiu meu tempo, sem poupar ao menos, minhas manhãs
dominicais, por me ensinar tantas coisas e ao mesmo tempo me divertir ao lado de
pessoas maravilhosas. Sou imensamente grata aos amigos que fazem e fizeram
parte dela, especialmente a gestão de 2012. Vocês ficarão para sempre no coração.

Agradeço também imensamente ao Caio Gerbelli pela paciência em ler e reeler


este trabalho diversas vezes, por ser maravilhoso e por fazer meus dias muito mais
felizes.
RESUMO

Tem como tema a revolta tenentista de 1924 na cidade de São Paulo, sendo
seu objeto de estudo a participação civil neste movimento. Seu recorte
historiográfico se inicia com o preparo da rebelião ainda em 1923 e se encerra com
a formação da Primeira Divisão Revolucionária, em maio de 1925, que mais tarde
ficou conhecida como a Coluna Miguel Costa Prestes.

Com a intenção de ampliar e enriquecer a abordagem do tema Tenentismo,


este trabalho busca traçar um panorama acerca da revolta ocorrida em 1924 na
cidade de São Paulo, a influência do Partido Comunista Brasileiro e das
organizações sindicalistas e anarquistas no movimento, e a formação dos Batalhões
Estrangeiros, organizados a partir das nacionalidades alemã, húngara e italiana, e a
repercussão que tais organizações tiveram no momento bem como a repressão que
sofreram. Por meio, principalmente, de jornais do período aborda as outras formas
de envolvimento civil na Revolução de 1924, como foi o caso de Macedo Soares e
Paulo Duarte através do jornal O Estado de São Paulo e a formação da Guarda
Municipal, composta de civis, da Brigada Acadêmica, composta de estudantes da
Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, da Comissão de Abastecimento
Público e da Sub-Comissão de Socorros aos Indigentes. Inclui também a
participação de mulheres, negros e menores.

Palavras-chave: História do Brasil, Tenentismo, Revolução de 1924.


ABSTRACT

This search was like theme tenentista the revolt of 1924 in the São Paulo city, the
object of study is the civil participation in this movement. His historiographical cut
begins with the preparation of the rebellion in 1923 still and ends with the formation
of the Primeira Divisão Revolucionária in May 1925, which later became known as
the Coluna Miguel Costa Prestes.

With the intention to extend and enrich the theme Tenentismo approach, this
paper search to scribe a overview about the revolt occurred in 1924 in São Paulo
city, the influence of the Partido Comunista Brasileiro and syndicalist organization
and anarchists in the movement, and the formation of battalions foreigners,
organized from German, Hungarian and Italian nationalities, and the impact that
these organizations have the time and the repression they suffered. Through mainly
from newspapers of the period covers other forms of civic engagement in the
Revolution of 1924, as was the case de Macedo Soares and Paulo Duarte through
the newspaper O Estado de São Paulo and the formation of the Guarda Municipal
(city guard), composed of civilians, the Brigada Acadêmica (academic scuad),
composed of students from the Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, the
Comissão de Abastecimento Público and Sub-Comissão de Socorro aos
Indigentes. And also includes the participation of women, negroes and youngers.

Keywords: History of Brazil, Tenentismo, Revolution of 1924


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 7
CAPÍTULO I – UM PANORAMA DA REVOLUÇÃO PAULISTA DE 1924 E SEUS
AGENTES 13
CAPÍTULO II – OS BATALHÕES ESTRANGEIROS DA REVOLUÇÃO DE 1924 35

CAPÍTULO III – A PARTICIPAÇÃO CIVIL E OUTROS ENVOLVIMENTOS 53


CONCLUSÃO 81
REFERÊNCIAS 84
FONTES 89
7

INTRODUÇÃO

As revoltas tenentistas constituíram um episódio de rara densidade ético-


cívica na história política do Brasil1. Na história do Exército, em especial, assinala o
momento em que os partidários de uma ruptura revolucionária manifestaram sua
revolta contra a corrupção eleitoral, o atraso cultural e a miséria, impostas pela
oligarquia latifundiária.

A existência e o funcionamento dessas oligarquias propiciou uma política


corrupta e de forte tendência regional, uma vez que as decisões políticas não eram
tomadas no Executivo ou no Legislativo, mas sim nos partidos oligárquicos, através
de seus diretórios, garantindo, assim, seus interesses políticos. A crítica tenentista
surgiu e se voltava exatamente contra os políticos que defendiam esse modelo, tidos
como "corruptos" e "ineficientes” pelos militares 2.

Neste período, pós Primeira Guerra Mundial, diversas manifestações


populares no Brasil apontavam as fragilidades do governo do presidente Arthur
Bernardes (1922-1926) e tornavam clara a necessidade de uma reformulação de
bases políticas. Em resposta, o presidente utilizou seu aparelho repressivo e
ideológico, interferindo na política partidária, no movimento operário e cercando a
opinião pública através da lei de imprensa, para garantir sua sobrevivência, efetuar
seu fortalecimento e impedir mudanças3. Este período se caracteriza também pela
intensa luta do Exército para tornar-se organização nacional capaz de efetivamente
planejar e executar uma política de defesa nacional em seu sentido mais amplo4.

1
MORAIS, João Quartim de. A esquerda militar no Brasil: da conspiração republicana à guerrilha
dos tenentes. Vol. 1 São Paulo: Siciliano, 1941. P 135.
2
CORREA, Anna Maria Martinez. Rebelião de 1924 em São Paulo. São Paulo: HUCITEC, 1967, p.
23.
3
Idem, p. 45.
4
PINHEIRO, Paulo Sergio Pinheiro, et al. O Brasil Republicano, v. 9: sociedade e instituições (1889-
1930) - 8ªEd. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006, p. 253.
8

Em meio a este cenário, o tenentismo produziu desdobramentos na vida


política brasileira e deixou uma influência constante, após ter desaparecido de cena
em 1934 como movimento organizado. Nos anos vinte, segundo Boris Fausto,
mostrou-se para todas as camadas intermediárias e populares da sociedade, o
grande depositário das esperanças de uma alteração da ordem vigente. “Não há
razões para se pensar que a massa operária, por exemplo - nas condições de um
movimento operário em depressão - deixasse de ser tocada por suas façanhas. [...]
Historicamente, o tenentismo deixou marcas mais profundas no interior da esquerda
brasileira do que em áreas conservadoras5”. As transformações sociais do período,
tendentes a reduzir a influência política e econômica de grupos rurais através da
urbanização e da industrialização, produziram importantes aliados para as Forças
Armadas. Apesar das divergências entre estes aliados, todos concordavam com os
propósitos centralizadores, anti-rurais e antiestados6.

Pensar em movimentos tenentistas nos obriga a ler o clássico O sentido do


tenentismo de Virginio Santa Rosa7 que defende que os tenentes foram a
expressão de uma classe média inconformada com a política oligárquica, desejosa
de instaurar no país um regime liberal-democrático efetivo. Contudo, como defende
ainda Boris Fausto, isso seria o que se costuma chamar de reducionismo classista.
Para ele, "os "tenentes", deixando claro que o autor utiliza o termo entre aspas para
enfatizar que nem todos os integrantes do tenentismo possuíam essa patente 8,
quaisquer que fossem suas vinculações com setores da sociedade civil, foram acima
de tudo "tenentes", ou seja, membros de corporações militares, predominantemente
o Exército, cuja visão de mundo e objetivos tinham muito a ver com sua socialização
naquele âmbito. Valores como a unidade nacional, a crítica ao excessivo

5
FAUSTO, Boris. Pequenos Ensaios de História da República. São Paulo: Cadernos Cebrap, nº
10, 1972, p. 30.
6
PINHEIRO, Paulo Sergio Pinheiro, et al, op. cit., p. 255.
7
SANTA ROSA, Virginio. O Sentido do Tenentismo. Rio de Janeiro: Civilização, 1932.
8
FAUSTO, Boris. Paulo Duarte: convicção e polêmica in Apresentação de DUARTE, Paulo. Agora
Nós! Crônica da Revolução Paulista São Paulo, 1927, p. XIII, nota de rodapé.
9

federalismo, as restrições ao liberalismo, associados por eles a práticas eleitoras


fraudulentas, integram, em maior ou menor grau, o pensamento dos líderes do
movimento.

Do ponto de vista social, os "tenentes" reuniam gente de extração diversa,


que não pode ser reduzida a uma vaga classificação de "classe média"9, como
propõe Virginio Santa Rosa. Para Boris Fausto, "as origens sociais são uma variável
importante para se explicar o fenômeno tenentista. Não se pode ignorar, porém,
tanto a posição intermediária dos "tenentes" na hierarquia das forças armadas, como
o dado fundamental de que eles são ressocializados pelo exército, instituição que
guarda certa autonomia com relação ao conjunto da sociedade10". As dificuldades
financeiras também se mostram, para o autor, “como traço relevante para a opção
pela carreira militar e, quem sabe, também para o inconformismo”11.

Na organização hierárquica do Exército brasileiro no período, os limites de


idade para permanência nos postos eram bastante altos, comparado a Exércitos
mais modernizados de outros países. Adicionado este fator às frequentes revoltas
dos alunos da Escola da Praia Vermelha, com a anistia de um ou dois anos depois,
fazia com que as tropas revoltosas voltassem, o que contribuía para saturação dos
primeiros degraus da hierarquia12, primeiros e segundos tenentes. Estes fatores, que
contribuíam para a insatisfação profissional, atrelados às origens sociais e o
treinamento desses oficiais, introduziram motivações externas para seu
envolvimento em lutas políticas de caráter contestatório13.

Os tenentes eram parte da sociedade e parte do Estado e sem esta dupla

relação não se pode entender seu comportamento, que nunca foi tão

9
FAUSTO, Boris. Pequenos Ensaios de História da República. São Paulo: Cadernos Cebrap, nº
10, 1972, p. 31.
10
Ibidem, p. 20.
11
FAUSTO, Boris. Paulo Duarte: convicção e polêmica in Apresentação de DUARTE, Paulo. Agora
Nós! Crônica da Revolução Paulista São Paulo, 1927, p. XIV.
12
PINHEIRO, Paulo Sergio Pinheiro, et al, op. cit., p. 225.
13
Ibidem, p. 226.
10

revolucionário como muitos pensaram, mas estava sempre mesclado de

liberalismo e autoritarismo, de democratismo e elitismo, de busca do apoio


14
popular e de incapacidade de organizar o povo.

A rebelião ocorrida em São Paulo em julho de 1924 esteve ligada a outras


manifestações semelhantes, capazes de demonstrar as tentativas de certos grupos
militares em participar de decisões de caráter político em diversos momentos. Sendo
assim, essa revolta não foi um ato isolado e não pode ser compreendida sem se
levar em conta a presença militar no processo de instituição da República, nas lutas
políticas do final do século ou nas campanhas "salvacionistas". Devemos o seu
surgimento às crises políticas, por ocasião das eleições na década de 1920 quando
os militares, num estado constante de alerta, assumiram o papel de guardiões da
legitimidade, na defesa das instituições, que para eles eram, constantemente
desrespeitadas pelos civis.

Inserida neste contexto, a Revolução Paulista de 1924 foi o maior conflito


bélico já ocorrido na cidade de São Paulo. Bombardeada por aviões do Governo
Federal, o exército legalista utilizou-se do chamado “bombardeio terrificante”,
atingindo vários pontos15 e gerando grandes prejuízos à cidade, principalmente aos
bairros operários. A média foi de 30 cadáveres e 100 feridos 16 por dia na cidade,
além da falta de abastecimento e, consequentemente, saques. Trata-se, talvez, do
maior massacre urbano realizado durante os governos republicanos 17e, no entanto o
período recebe pouco destaque na história da cidade de São Paulo.

14
FORJAZ, Maria Cecília Spina. Tenentismo e Política: Tenentismo e Camadas Médias Urbanas na
Crise da Primeira República. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977, p. 12.
15
SODRÉ Nelson Werneck. A coluna prestes: análise e depoimentos – 4ª Ed. São Paulo: Ártica,
1989. P.81.
16
COHEM, Ilka Stern. Bombas sobre São Paulo: A revolução de 1924. São Paulo: UNESP, 2006.
17
ROMANI, Carlo. Antecipando a era Vargas: a Revolução Paulista de 1924 e as práticas de
controle político e social. Topoi. Vol. 12. Rio de Janeiro, 2011, p. 161.
11

Segundo Anna Maria Martinez Correa, os governos autoritários que vieram nos
18
anos posteriores também ajudaram nesse processo de esquecimento histórico .
Apesar da Revolução de 1924 não possuir muita evidência na história oficial da
cidade, ela teve um papel importante na configuração da movimentação política na
década de 1920 e teve desdobramentos durante muitos anos.

Por fim, este trabalho tem como tema a revolta tenentista de 1924 na cidade de
São Paulo, sendo seu objeto de estudo a participação civil neste movimento. Seu
recorte historiográfico se inicia com o preparo da rebelião ainda em 1923 e se
encerra com a formação da Primeira Divisão Revolucionária, em maio de 1925, que
mais tarde ficou conhecida como a Coluna Miguel Costa Prestes.

A metodologia foi constituída por pesquisa bibliográfica e pesquisa


documental, sendo que a pesquisa bibliográfica, realizada primeiramente, buscou a
compreensão do período dos movimentos tenentistas de modo geral, e mais
especificamente, o desenrolar da Revolta Paulista, onde, quando muito, nos
deparamos com resquícios da participação civil.

A Pesquisa Documental, por sua vez, teve como objetivo encontrar maiores
detalhes a respeito da participação popular na Revolução de 1924 na cidade de São
Paulo, e se realizou por meio de jornais, relatórios policiais, processos-crime e
memórias. Essas fontes foram analisadas tendo em vista que estas foram
produzidas para um fim e podiam possuir textos tendenciosos - no nosso caso sejam
eles a favor da Revolução ou do Governo -, como os processos que nos ocorre
ainda os perigos de interpretação, uma vez que a justiça utilizou de intérpretes no
caso de depoimentos de pessoas estrangeiras, mas que, contudo, no caso dos
jornais, em especial, representa uma parcela da opinião pública, a partir do
reconhecimento do público para o qual eles se destinavam.

Nos jornais foi possível encontrar manifestos do operariado paulista em apoio


aos revolucionários e ao mesmo tempo notar a pressão do estado de sítio do
período, que controlava a imprensa, e que influenciou na documentação a respeito
dos fatos.

18
CORREA, Anna Maria Martinez, op. cit.
12

Nos relatórios policiais e nos processos crimes encontramos informações


sobre os principais civis que participaram do movimento. Estes nos trazem bastante
informações de quem eram, o que faziam e de que maneira conspiraram.

Nas memórias e na bibliografia geral encontramos pequenos e


enriquecedores detalhes acerca do nosso objeto de pesquisa, como a divergência
de opinião entre os militares com relação a essa participação, pois uns acreditavam
que a revolução só poderia acontecer com a participação civil e outros acreditavam
que o povo não estava preparado e que os militares que deveriam guiá-los.

A intenção desse estudo foi ampliar e enriquecer a abordagem do tema


Tenentismo, principalmente com relação aos estudos referentes à Revolução
Paulista de 1924, que não são muitos, e a abordam, em grande parte, como simples
levante militar, deixando a desejar análises historiográficas mais aprofundadas, pois
muitas delas se perdem no memorialismo e na exaltação, seja da Revolução ou da
legalidade.

Este trabalho é composto por três capítulos. No primeiro deles buscamos traçar
um panorama acerca da revolta ocorrida em 1924 na cidade de São Paulo; no
segundo tratamos da influência do Partido Comunista Brasileiro e das organizações
sindicalistas e anarquistas no movimento, e a formação dos Batalhões Estrangeiros,
organizados a partir das nacionalidades alemã, húngara e italiana, e a repercussão
que tais organizações tiveram no momento bem como a repressão que sofreram. No
último, reabordamos as influências políticas do meio operário, principalmente por
meio de jornais e tratamos das outras formas de envolvimento civil, como foi o caso
de Macedo Soares e Paulo Duarte através do jornal O Estado de São Paulo e a
formação da Guarda Municipal, composta de civis, da Brigada Acadêmica, composta
de estudantes da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, da Comissão de
Abastecimento Público e da Sub-Comissão de Socorros aos Indigentes, bem como
da participação de mulheres, negros e menores.
13

CAPÍTULO I – UM PANORAMA DA REVOLUÇÃO PAULISTA DE 1924 E SEUS


AGENTES

A intenção desde capítulo é traçar um panorama geral da Revolução de 1924


na cidade de São Paulo e apresentar seus principais agentes militares e os
primeiros civis a se envolverem no conflito. Tendo em vista a tomada da cidade
pelos rebeldes, houve interdição das estradas de ferro que prejudicou a chegada de
matéria-prima, e consequentemente, obrigou a suspensão das atividades fabris.
Com isso, iniciaram-se graves problemas de abastecimento, que incentivou a
população faminta a praticar saques e agravar ainda mais os prejuízos econômicos
da metrópole. Os rebeldes afim de dominar a cidade interromperam linhas
telegráficas e telefônicas, e tomaram prédios públicos. Em contraposição, o governo
mandou bombardear a cidade, matando pessoas, destruindo prédios, fazendo com
que diversas famílias fugissem para outras cidades e muitos civis se indignassem e
se colocassem ao lado dos revolucionários.

Em dezembro de 1923, os envolvidos nos levantes militares do ano anterior -


inclusive do Levante dos 18 do Forte de Copacabana - foram julgados e punidos
perante a acusação de tentarem promover um golpe de Estado. Tal julgamento
agravou as relações entre o Exército, que esperava a anistia, e o Governo Federal,
que não a concedeu. A tensão crescente resultou na eclosão de uma rebelião militar
em São Paulo durante o segundo aniversário da primeira revolta tenentista, 5 de
julho de 1924.

Esse segundo movimento tenentista colocou-se contra o poder estabelecido,


visando restaurar o respeito à Constituição, "fundava-se na idealização da República
tal como havia sido constituída em 1889" e que se encontrava deturpada pelos
civis19. Segundo Nunes Carvalho, tenente acusado como um dos cabeças do

19
CORREA, Anna Maria Martinez, op. cit., p. 1 e 2.
14

levante e principal autor dos manifestos revolucionários20, “os contestadores não


estavam filiados à escola ou a correntes políticas discutidas na época, não tinham
leituras nem estudos acadêmicos: visavam apenas à moralização da política21".

Ao se buscar um chefe para a rebelião, ficou definido entre os tenentes que


se fazia necessário que este alguém não estivesse envolvido no levante de 1922,
para que tivesse maior liberdade de movimentos, e que possuísse, por questão de
hierarquia, patente superior. Como não foi possível, recorreu-se a oficiais
reformados, e assim foi indicado o general da Cavalaria do Exército Isidoro Dias
Lopes.22 Este exerceu a liderança juntamente com o tenente Joaquim Távora, que
perante as decisões moderadas de Isidoro, tendia a ideias mais radicais 23, e com o
major Miguel Costa, comandante do Regime de Cavalaria da Força Pública do
Estado.

A escolha pela cidade de São Paulo como ponto de partida para a Revolução
foi embasado no fato de a cidade estar naquele momento em ritmo acelerado de
crescimento, onde se notava uma prosperidade industrial. Assim, a ocupação da
cidade poderia garantir uma sólida posição dentro da estratégia geral de luta,
servindo como ponto de concentração do movimento revolucionário, a partir do
estabelecimento de relações com as unidades localizadas em outras cidades do
interior e em outros estados como Mato Grosso, Paraná, Minas Gerais mas,
principalmente com o Vale do Parnaíba e a descida da Serra do Mar, com a intenção
de isolar o Rio de Janeiro, então capital federal24.

20
Successos Subversivos de São Paulo. Julgamento da appelação. Parecer oral do exmo. sr.
ministro procurador geral da República. Accordão. Supremo Tribunal Federal. Rio de Janeiro:
Imprensa Nacional, 1928, p. 89-91.
21
CARVALHO, J. Nunes de. A Revolução no Brasil (1924-25): Apontamentos para a História - A
Minha Defesa. Buenos Aires: Talleres Graf Argentinos, 1925, 60 p, apud, CORREA, Anna Maria
Martinez, op. cit., p. 47.
22
CORREA, Anna Maria Martinez, op. cit., p. 68.
23
ibidem, p. 69.
24
ibidem, p.79.
15

A tomada da cidade de São Paulo se iniciou com violência, tida como


necessária para garantir o isolamento do Rio de Janeiro e ao mesmo tempo permitir
o deslocamento e proteção das tropas revoltosas. Assim houve a destruição de
pontes, túneis, passagens e aterros, bloqueios de ferrovias, cortes de linhas
telefônicas e telegráficas.25

Às 3hs da manhã do dia 5 de julho de 1924, o 4º Batalhão de Caçadores do


bairro de Santana iniciou o levante. Separou-se em diversas patrulhas de assalto
aos quartéis da Força Pública, no bairro da Luz, e com a ajuda de alguns oficiais da
Força, recém-levantados e comandados pelo Major Miguel Costa, cercaram e
tomaram os demais quartéis.26

Por volta das 6hs da manhã, o general Isidoro Dias Lopes instalou no prédio do
1º Batalhão da Força Pública o "Quartel General das Forças Revolucionárias". "Os
dois mil e quinhentos homens da Força Pública de S. Paulo, aquartelados nas
cercanias da estação da Luz fora vencido, e se transformara, por sua vez, em
poderosa ameaça contra o governo"27. Imediatamente Arthur Bernardes solicitou ao
Congresso Nacional que fosse decretado estado de sítio, sendo sua solicitação
atendida no dia seguinte.28

O governo da Republica communicou ao do Estado que a Capital

Federal e todos os outros Estados estão em plena paz e que o Congresso

Nacional, por uma unanimidade de votos, e em poucos minutos, decretou

hontem o estado de sitio, no Distrito Federal e nos Estados do Rio de


29
Janeiro e S. Paulo.

25
ibidem, p. 81.
26
PEREIRA, Duarte Pacheco. 1924 O diário da Revolução: Os 23 dias que abalaram São Paulo.
São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo - Fundação Energia e Saneamento, 2010, p. 15.
27
TAVORA, Juarez. A’ Guisa de Depoimentos sobre a Revolução Brasileira de 1924. Vol. 1. São
Paulo: O combate, 1927, p. 185.
28
PEREIRA, Duarte Pacheco, op. cit., p.30.
29
Estado de sítio. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 06 de julho de 1924, p. 2.
16

O plano inicial dos rebeldes era tomar a cidade de São Paulo em poucas horas,
devendo, logo em seguida, dois destacamentos mistos de tropas do Exército e da
Força Pública marcharem em direção a Santos, através da São Paulo Railway, e a
Barra do Piraí, por meio da Estrada de Ferro Central do Brasil, com a intenção de
controlar estas áreas, para garantir a ligação de São Paulo com Minas e o
isolamento do Rio de Janeiro. Todavia, o plano começou a dar errado desde o início
de sua execução, havendo um primeiro atraso na chegada de Isidoro a São Paulo.

Esperado na manhã do dia 4, vindo do Rio de Janeiro em um dos trens


noturnos do dia 3, o general conseguiu chegar somente 20 horas depois do
combinado. Isso fez com que a Marinha, que havia destacado no Porto de Santos,
ficasse sem orientações, e consequentemente não se rebelasse na manhã do dia 5
de julho.30

Em São Paulo, o major Miguel Costa, após assumir o comando do Regimento


de Cavalaria da Força Pública, conduziu a ocupação das estações ferroviárias do
Norte, Sorocabana, Luz e Brás.31 Os tenentes Simas Enéas, do Exército, e Ari Cruz,
da Força Pública, ocuparam a Repartição do Telégrafo Nacional, na rua José
Bonifácio. Contudo o tenente Cruz ao ver se aproximar uma companhia de infantaria
da Força Pública, pensou que se tratava de tropa amiga e deixou que esses
reocupassem a repartição. Onze horas depois, uma segunda investida rebelde
finalmente expulsou os governistas do Telégrafo Nacional. Nos relatos deste
combate encontramos um dos primeiros registros acerca da participação civil:

com essa força rebelde combatiam, armados de fuzis, os médicos drs.

Emílio de Barros e Mário Grecco; o lutador Antônio Speer, vulgo Dudú; o

professor público Syllas Borba, director das Escolas Reunidas de Santo

30
ibidem, p. 17 e 19.
31
ibidem, p. 20.
17

Anastacio, e os empregados da propria repartição Américo Del Grecco e


32
Norberto Vieira

No final do dia, os rebeldes perderam definitivamente a repartição depois de


forte ataque por tropas do Corpo de Bombeiros33, que estavam ao lado dos
legalistas. Segundo Duarte Pacheco, essa foi uma "derrota significativa, que se
somava à perda de controle de outros postos telegráficos, telefônicos e radiofônicos.
Não conseguindo os rebeldes interromper as comunicações com a capital federal, o
presidente Arthur Bernardes e seus auxiliares puderam acompanhar, com precisão,
os acontecimentos em São Paulo e adotar as medidas requeridas"34.

Desde a tomada da cidade, os rebeldes buscaram a rendição do Palácio dos


Campos Elíseos, sede do governo do estado, afim de concretizar a primeira etapa
do plano. Para isso, o comando revolucionário decidiu empregar a artilharia
posicionada no Campo de Marte, contudo a defesa do palácio se reforçou e se
estendeu às ruas vizinhas. A distância do Campo de Marte, juntamente com as
imperfeições dos mapas da cidade e a inexperiência dos atiradores, obrigou a
suspensão do bombardeio35.

Contribuía para a movimentação descoordenada a circunstância de

que muitos oficiais rebeldes não eram paulistas e não conheciam bem a

cidade [como o próprio general Isidoro]. Além disso, a maioria era estranha

entre si e aos soldados - grande número dos quais eram recrutas recentes

jogados nas refregas sem consciência das razões e dos objetivos do


36
levante.

32
Successos Subversivos de São Paulo. Denuncia apresentada ao Exmo. Sr. Dr. Juiz Federal da
1ª Vara de São Paulo pelo Procurador Criminal da Republica, em commissão no Estado de São
Paulo. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1925, p. 48.
33
PEREIRA, Duarte Pacheco, op. cit., p. 28.
34
ibidem, p. 30.
35
ibidem, p. 25-28.
36
ibidem, p. 35.
18

Isso se deu porque a conspiração ocorreu em diversas cidades do interior de


São Paulo, assim como no sul de Minas Gerais, onde o líder do movimento foi um
sacerdote ainda não identificado37, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul38,
Sergipe, Amazonas e Pará39, o que permitiu o deslocamento maior de tropas
revolucionárias entre as regiões sul e sudeste.

As primeiras tropas federais enviadas pelo governo da República começaram a


penetrar na cidade neste mesmo dia. Dentre as tropas havia marinheiros e fuzileiros
navais, que deram início aos bombardeios sobre os quartéis dos revoltosos. Em
contrapartida, os rebeldes ocuparam o Liceu Coração de Jesus e a estação dos
Bombeiros, estreitando, assim, o cerco sobre a sede do estado 40.

Ainda segundo Duarte Pacheco, enquanto os rebeldes cercavam os últimos


redutos governistas, eles próprios iam sendo cercados no interior da capital paulista,
uma vez que desembarcavam, simultaneamente, tropas governistas em Santos e no
Vale do Paraíba41.

No dia 8, houve intenso bombardeio aos Campos Elíseos e o presidente do


estado Carlos de Campos, aconselhado pelo general Estanilau Pamplona,
responsável pela segurança do palácio transferiu a sede do governo para a
Secretaria da Justiça, no Largo do Tesouro42. No mesmo dia, o presidente do estado
e sua família se mudaram. Após forte bombardeio ao prédio da Secretária da
Justiça, o qual ameaçava ruir, foi instalada, provisoriamente, a sede do governo
paulista na antiga estação ferroviária de Guaiaúna, ponto final dos trens que
chegavam do Rio de Janeiro e do Vale do Paraíba43.

37
TAVORA, Juarez, op. cit., p. 144.
38
ibidem, p. 123.
39
ibidem, p. 274.
40
PEREIRA, Duarte Pacheco, op. cit., p. 41 e 43.
41
ibidem, p. 43.
42
ibidem, p. 51
43
ibidem, p. 52.
19

Sem saber do abandono do palácio dos Campos Elíseos e observando com


apreensão os acontecimentos desfavoráveis à revolução, o general Isidoro decidiu
retirar suas tropas para Jundiaí. O coronel Miguel Costa, por sua vez, ainda
acreditava na possibilidade de sucesso do movimento e recusou-se a acatar a
ordem do general, que indignado, afastou-se do comando. Miguel Costa, ciente que
não resistira apenas com seus companheiros da Força Pública, redigiu uma carta ao
presidente Carlos de Campos, onde o culpava pela revolta e propunha sua rendição
a partir da concessão de anistia aos homens da Força Pública 44. Todavia, seu
emissário, ao levar, no dia seguinte, a carta aos Campos Elíseos encontrou o
palácio abandonado pelas forças governistas. A constatação do abandono por parte
do governo da capital deu novo ânimo aos rebeldes e fez com que os planos de
retirada e rendição fossem adiados45.

Neste mesmo dia foi noticiado que:

Todas as travessas da avenida Rangel Pestana, inclusive a rua Muller e

outras vias até á rua do Hippodromo, estão recortadas de trincheiras feitas

pelos revoltosos, que são auxiliados por muitos civis armados de


46
carabinas.

Com a ocupação militar, a vida na cidade mudou completamente. As


dificuldades impostas ao funcionamento das estradas de ferro prejudicaram a
entrada de matéria-prima nas fábricas e a vinda de gêneros alimentícios do interior
para o abastecimento da cidade. Os operários foram obrigados abandonar o
trabalho. Em relatório, a prefeitura apontou que 212.385 passageiros deixaram a
cidade pelas ferrovias. Média de 9.199 pessoas por dia, sendo que a cidade na
época possuía 800 mil habitantes47. O movimento causou prejuízos à população e

44
ibidem, p. 55.
45
ibidem, p. 60.
46
Civis auxiliam os revoltosos. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 08 de julho de 1924, p. 2.
47
AQUINO, Laura Cristina M. de. A participação de batalhões estrangeiros na rebelião de 1924
em São Paulo. Dissertação (Mestrado) Curso de História, Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, São Paulo, 1995, p. 25.
20

deu oportunidade para que se manifestassem tendências múltiplas, conforme os


interesses dos grupos envolvidos.

Muitos componentes das camadas médias urbanas manifestaram-se

favoravelmente à rebelião. [...] Uns por afinidades ideológicas, outros por

acreditarem na possibilidade de uma ação revolucionária capaz de realizar

a justiça social, [...] também houve aqueles indignados com a ação do

governo legalista durante os bombardeios que passaram a ver com simpatia


48
a atuação dos rebeldes .

Com a falta de matéria-prima e gêneros alimentícios começou-se a praticar


saques aos armazéns e depósitos de mercadorias, como ocorreu no Mercado
Municipal, por exemplo, onde o tenente João Cabanas se colocou como
responsável:

Tendo verificado de visu e isto com bastante amargura, os sofrimentos de

grande parte da população pela escassez de gêneros alimentícios deliberei

atenuar esses sofrimentos, de qualquer modo ou meio ao meu alcance, que

o comércio de produtos de primeira necessidade abrisse suas portas ao

público e o abastecesse pelos preços correntes antes da revolução. Nesse

intuito dirigi-me ao Mercado para começar aí o que tinha deliberado. As

portas do estabelecimento estavam fechadas; em volta dele, uma multidão

apinhava-se furiosa e rugia reclamando ingresso aos gritos. Imediatamente

e com a urgência que o caso requeria mandei chamar o administrador do

mesmo e entendi-me com os negociantes das adjacências para que

abrissem as portas de seus estabelecimentos. Os comerciantes alguns de

má-vontade, a maioria, porém bastante solicita e atenciosa, acederam sob a

garantia de que seus haveres seriam respeitados e protegidos contra o

saque cuja ideia os apavorava. Com o administrador do Mercado não tive

48
CORREA, Anna Maria Martinez, op. cit., p. 158 e 159.
21

bom êxito. Este funcionário indiferente às desgraças do povo e à fome que

o abatia já há quatro dias, não quis atender-me, negando-se a comparecer

à minha presença e iludindo assim os meus bons propósitos. O momento

não importava dilações; os populares ansiosos esperavam uma resolução.

Resolvi tomá-la ordenando que se arrombassem as portas e os gêneros

fosses distribuídos gratuitamente pelas famílias pobres. Como o

abastecimento era livre, alguns abusos foram praticados apesar da


49
vigilância com que se procurava contê-los.

Os saques, como o descrito acima, eram um problema que atingia


diretamente os interesses dos industriais e dos comerciante. Estes, apreensivos com
os prejuízos, tinham a Câmara Municipal e a Associação Comercial como seus
representantes, que passaram a exigir proteção da parte daqueles que haviam
ocupado militarmente a cidade.

Contudo, com a retirada das autoridades estaduais, as responsabilidades do


poder municipal aumentaram. Com os problemas de abastecimento e policiamento,
o prefeito Firmino Pinto, que não foi destituído de seu cargo se aproximou dos
militares a fim de resolvê-los. Acordou-se, assim, que os problemas básicos eram
responsabilidade do prefeito e as decisões mais importantes seriam tomadas em
conjunto com reuniões na Associação Comercial. Para a historiadora Anna Maria
Martinez Correa, o reconhecimento da autoridade de Firmino Pinto foi um ato político
da parte dos militares, mas que demonstrou fraqueza.50 A autora ainda aponta esse
ato com uma das causas para o fracasso do movimento51.

No dia 11, chegaram à cidade de São Paulo 30 mil homens legalistas. No


mesmo dia, iniciaram-se pesados bombardeios aos bairros do Brás, Belenzinho,

49
CABANAS, João. A Coluna da Morte. Rio de Janeiro: Almeida Torres, 1928, p.51.
50
CORREA, Anna Maria Martinez, op. cit., p. 133.
51
ibidem, p. 178.
22

Mooca e Luz, que ficaram abandonados52. "As famílias mais abastadas procuraram
sair da cidade, em automóveis, com destino a Santos, Jundiaí, Campinas, que com
o grande números de refugiados que recebeu sofreu com falta de mantimentos, e
outras cidades próximas"53, "outras buscavam refúgio nos hotéis do centro"54.

Calcula o governo que, até hontem, [17 de julho de 1924] haviam

entrado em Campinas nada menos de 25.000 pessoas, sendo que 20.00 se

achavam recolhidas nos postos, 10.000 em casas particulares e 5.000 em


55
fazendas do municipio.

No dia seguinte, o bombardeio legalista continuou e se estendeu em direção


ao centro da cidade. De todos os hotéis ali situados, os quais foram muito
disputados, pois em seus terraços e andares mais altos podiam ser estabelecidos
excelentes postos de observação e boas posições de tiro56, retiraram-se muitas
famílias. O jornal o Estado de S. Paulo noticiou ainda quatro dias anteriores: "Os
reductos rebeldes. São elles constituidos pelo Palace Hotel e Regina Hotel, de onde
mais viva e atroada parte a fuzilaria"57.

Diante de tal situação, foi enviada uma mensagem telegráfica ao presidente


Arthur Bernardes solicitando a suspensão dos ataques, onde assinaram o arcebispo
Metropolitano de São Paulo, Dom Duarte, e o presidente da Liga Nacionalista,
Frederico Steidel:

Pedimos a Vossa Excelência intervenção caridosa para fazer cessar

bombardeio contra a inerme cidade de S. Paulo, uma vez que as forças

revolucionárias se compromettam a não usar seus canhões em prejuízo da

52
PEREIRA, Duarte Pacheco, op. cit., p. 75.
53
CORREA, Anna Maria Martinez, op. cit., p. 125.
54
PEREIRA, Duarte Pacheco, op. cit., p.75.
55
Uma visita a Campinas. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 18 de julho de 1924, p. 3.
56
ibidem, p. 36.
57
Os reductos rebeldes. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 08 de julho de 1924, p. 2.
23

cidade. A comissão não tem intuito algum político mas exclusivamente a


58
compaixão pela população paulista.

Para responder, o presidente indicou o ministro da guerra, o marechal


Setembrino de Carvalho, o qual propôs que os paulistas fizessem apelo aos militares
rebeldes, pedindo-lhes que aceitassem o combate em campo aberto:

Cabendo-me, devidamente autorizado pelo excelentíssimo senhor

presidente da República, responder ao telephonema no qual vossa

excelência e demais illustres signatarios, pedem não seja, pelas razões que

expõem, bombardeada a cidade de S. Paulo, devo declarar com verdadeiro

pezar, que não é possível assumir nenhum compromisso nesse sentido.

Não podemos fazer a guerra tolhidos do dever de não nos servimos da

artilharia contra o inimigo, que se aproveitaria dessa circunstancia para

prolongar sua resistencia, causando-nos prejuizos incomparavelmente mais

graves do que os damnos do bombardeio. Os damnos materiais de um

bombardeio podem ser facilmente reparados, maiormente quando se trata

de uma cidade servida pela fecunda actividade de um povo laborioso. Mas

os prejuizos moraes, esses não são susceptiveis de reparação. Ao invez do

appello feito ao governo da União para não bombardear a cidade que o

inimigo occupa, seria de melhor aviso fazer um appello á sua bravura,

convidando-o a não sacrificar a população e evacuar a cidade indo aceitar

combate em campo aberto. Posso entretanto, asseverar a Vossa Excelência

e demais concidadãos que as nossas tropas não causarão damnos

materiais inúteis á bella e florescente cidade de S. Paulo, sinão que usarão

de artilharia na medida estricta das necessidades militares. (a) Marechal


59
Setembrino, Ministro da Guerra.

58
SOARES, J. C. Macedo. Justiça: Revolta Militar de São Paulo. Paris: S.C.E., 1925, p. 70.
59
ibidem, p. 71.
24

Para Anna Maria Martinez Correa, tal resposta expõe claramente que para o
governo tratava-se de uma situação de guerra, na qual todos os recursos eram
válidos, inclusive os bombardeios60, pouco importando a situação em que se
encontrava a população paulista. A resposta do marechal Setembrino estimulou os
movimentos populares61. Iniciaram-se as publicações de manifestos e as
organizações de comícios, como por exemplo, o realizado no Largo do Arouche:

Ao povo!

A Mocidade. Por bem da mais humana das causas - a redenção de um país

reduzido à ignóbil opressão! Por bem dos direitos de uma população aflita

em consequência de um bombardeio impiedoso - crime horrível, que não

poderá ficar impune! Convidam-se as classes conservadoras, a gloriosa

mocidade paulista, a classe de valor nunca desmentido dos estudantes, o

operariado - força viva do progresso - e o povo em geral para um comício

cívico que se realizará hoje ás 3 horas da tarde, no largo do Arouche. O

comício será de protesto contra o bombardeio da cidade - atentado de

inaudita ousadia, perpetrado por aqueles, que se dizem defensores da

ordem e da legalidade. Falará sobre o acontecimento o dr. Lindolfo Barbosa


62
Lima, fazendo-se ouvir outros oradores.

No dia 14 de julho, os canhões legalistas começaram a atacar bairros até


então poupados, como o da Liberdade, Aclimação e Vila Mariana 63, intensificando
ainda mais o êxodo em direção às cidades vizinhas, que começavam a enfrentar
dificuldades de abastecimento para atender a grande população vinda de fora 64. A
partir do dia 19, os bombardeios na Vila Mariana, onde havia bastante refugiados de

60
CORREA, Anna Maria Martinez, op. cit., p. 142.
61
idem.
62
Justiça Federal, seção de São Paulo. Processos, vol. 16, p. 242.
63
PEREIRA, Duarte Pacheco, op. cit., p. 91.
64
CORREA, Anna Maria Martinez, op. cit., p. 125.
25

outro bairros, foram intensificados e os legalistas começaram a atacar e a prender,


indiscriminadamente, os moradores da região.65

Nos ultimos dias de revolta, os combates foram sobremodo violentos

em Vila Marianna, defendida com desespero pelos rebeldes. A população

local, apavorada, lançou mão de todos os meios para fugir; foram então em

demanda de Santos, quasi que a um tempo, mais de cincoenta automoveis,


66
muitos dos quaes chegaram á Serra já noite escura.

Depois do dia 20 os chefes das forças legalistas começaram a utilizar tanques


de guerra para combater as barricadas rebeldes67.

No dia 22, aviões legalistas sobrevoaram a capital e lançaram bombas sobre


o bairro da Luz68 e no dia seguinte, o prefeito Firmiano Pinto, juntamente com o
arcebispo, viajou até Guaiaúna e solicitou pessoalmente ao presidente Carlos de
Campos que intercedesse pela salvação da cidade, mas este transferiu a
responsabilidade para o presidente da República, Arthur Bernardes 69. Neste mesmo
dia, os rebeldes equiparam um avião para realizar um voo de ida e volta ao Rio de
Janeiro, para jogar folhetos sobre a cidade e uma dinamite sobre o Palácio do
Catete. Contudo o avião foi forçado a pousar na serra do Mar, em Cunha, por conta
de falta de água no carburador70.

Bastante interessante foi a publicação que saiu no jornal O Paiz, datado de 25


de julho de 1924, e que Duarte Pacheco Pereira nos traz, acerca destes
acontecimentos: "Um avião dos sediciosos, levantando voo de São Paulo, seguiu

65
PEREIRA, Duarte Pacheco, op. cit., p. 117.
66
COSTA, Ciro; GOES, Eurico de. Sob a metralha... História da Revolta em São Paulo. São Paulo:
Monteiro Lobato & Cia, 1924, p. 227.
67
OLIVEIRA, Nelson Tabajara de. 1924: A Revolução de Isidoro. São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1956, p. 99.
68
TAVORA, Juarez, op. cit., p. 268.
69
PEREIRA, Duarte Pacheco, op. cit., p. 129.
70
ibidem, p. 129-131.
26

rumo de Taubaté e, perseguido pelos aviões das tropas legais, aterrou em um brejo,
a três léguas da cidade de Cunha, onde foi capturado"71.

No dia seguinte, a polícia gaúcha, que combatia em São Paulo, atacou


fortemente a Mooca, fazendo com que os revolucionários perdessem posição ao
mesmo tempo que chegavam mais tropas legalistas vindas do Paraná, de Mato
Grosso e de Minas Gerais, que pressionavam as estradas de ferro Sorocabana,
Noroeste e Mogiana, ameaçando a retomada de Campinas e Sorocaba, que até
então estava em poder dos revolucionários. Ainda neste dia, aviões governistas
soltaram na cidade folhetos com o seguinte comunicado, assinado pelo ministro da
Guerra72:

Á população de S. Paulo.

As tropas legaes precisam agir com liberdade contra os sediciosos,

que se obstinam em combater sob a protecção moral da população civil,

cujo doloroso sacrifício nos cumpre evitar.

Faço á nobre e laboriosa população de S. Paulo appello, para que

abandone a cidade, deixando os rebeldes entregues á sua própria sorte.

É esta uma dura necessidade que urge acceitar como imperiosa, para

pôr termo, de vez, ao estado de coisas creado por essa sedição, que avilta

os nossos créditos de povo culto.

Espero que todos attendam a esse appello, como é preciso, para se

pouparem os effeitos das operações militares, que, dentro em poucos dias,


73
serão executadas.

O pedido não foi atendido, uma vez que era impossível evacuar a cidade, e fez
com que a indignação popular aumentasse ainda mais. Por conta do pânico

71
ibidem, p. 132.
72
ibidem, p. 147.
73
SOARES, J. C. Macedo, op. cit., p. 116.
27

generalizado, o general Isidoro transfere seu quartel general para a estação da Luz
e decide tentar pela última vez uma saída negociada. Propõe, por intermédio de
Macedo Soares, a retirada das tropas, uma vez que houvesse ampla anistia para os
participantes dos movimentos de 1922 e 1924. Contudo, o vigário da Penha, padre
Antão Jorge Hechenblaickner, portador da mensagem, trouxe a resposta: o governo
federal só aceita a rendição incondicional dos revoltosos74.

Macedo Soares escreveu então ao general Sócrates acusando as autoridades


federais e o comando das tropas legais de desconhecerem a realidade e advertiu
acerca da agitação social, que começou a se manifestar na cidade por conta do
intenso bombardeio, e que passou a ser uma nova preocupação para as classes
abastadas. O presidente da Associação Comercial também propôs a rendição para o
presidente Carlos de Campos. Esse responde através de Paulo Duarte, comandante
da Brigada Acadêmica e encarregado de fazer a entrega da correspondência: "Diga
a ele que a resposta é essa: vou mandar intensificar o bombardeio"75.

Constatando a grandeza da força legalista, que contava com 18 mil homens


contra os 7 mil revoltosos, e ignorando os levantes dos outros estados, registrados
em Mato Grosso, Aracaju, Manaus e Belém, o comando revolucionário decidiu
retirar-se da cidade enquanto era possível. A situação em São Paulo só poderia ser
aliviada com levantes no Rio de Janeiro e em Minas Gerais 76 que estavam
fortemente ocupados por forças legalistas.

Sendo assim, as tropas revolucionárias adotaram então outra estratégia e


organizaram uma nova marcha, rumo ao sul do Brasil, onde, na cidade de Foz do
Iguaçu, uniram-se aos oficiais gaúchos comandados por Luís Carlos Prestes,
formando, então, bases para a terceira ação tenentista revolucionária – a Coluna
Miguel Costa Prestes.

Segundo Duarte Pacheco Pereira, a retirada foi organizada sistematicamente


pelos revolucionários. Estes utilizaram carros e caminhões para o deslocamento

74
PEREIRA, Duarte Pacheco, op. cit., p. 148.
75
DUARTE, Paulo. Agora Nós! Crônica da Revolução Paulista São Paulo, 1927, p. 189.
76
PEREIRA, Duarte Pacheco, op. cit., p. 153 e 154.
28

rápido das tropas, concentraram todos os vagões de toda espécie nas estações da
São Paulo Railway, desde a Luz até a Lapa, e incumbiram-se pequenos
destacamentos, sob os comandos de Manoel Pires, Nelson de Melo e Ricardo Hall,
de garantir a cobertura dos embarques77.

A retirada teve início às 22h de 27 de julho, quando o primeiro comboio de


tropas rebeldes saiu da estação da Luz. Na madrugada da segunda-feira, a
evacuação estava feita. 3500 soldados haviam deixado a capital com quatorze
canhões e numerosos animais, mantimentos e munição. “Quando o último trem
partiu, os rebeldes abandonaram os dois canhões que disparavam para confundir as
tropas governistas”78.

As tropas legalistas somente perceberam a evacuação das tropas rebeldes


no outro dia pela manhã e em seguida o presidente Carlos de Campos retornou aos
Campos Elíseos79. Contudo, é importante pontuar que o sucesso da retirada dos
revolucionários da cidade, que chegava a aproximadamente seis mil homens 80, com
todos seus armamentos, munições e alimentos, através das estradas de ferro se deu
graças aos auxílios de operários, sendo ele, mais especificamente, segundo
Everardo Dias:

o operariado ferroviário organizado, que cooperou abnegadamente para

que tudo fôsse facilitado, contra a sabotagem de engenheiros e chefes de

tráfego, ocasionando mais tarde prisões e inquéritos em que alguns

ferroviários conhecidos como militantes e líderes de sua corporação

sofreram vexames, prisão subsequente, espancamentos bárbaros e

demissão sumária. Talvez cinquenta por cento dos que acompanharm as

77
idem.
78
idem.
79
ibidem, p. 159.
80
LIMA, Moreira Lourenço. A Coluna Prestes: marchas e combates. São Paulo: Ed. Alfa-Omega,
1979, p. 61.
29

fôrças até Bauru ou até às barrancas do Paraná era constituída de


81
trabalhadores e civis simpatizantes.

Identificamos na denúncia alguns deles:


82
Jeronymo de Oliveira, foguista da Estrada, também esteve ao lado

dos rebeldes, aos quaes prestou espontaneo e relevante auxilio.

Sebastião, camareiro da Estrada, tambem esteve armado, ao serviço

dos rebeldes. [...] Carlos Louvine Ennes (Machinista da Estrada de Ferro

Central do Brasil) - Esteve sempre trabalhando pela causa rebelde, com

grande actividade, ao lado do Coronel João Francisco. [...] Irineu de Godoy

(Praticante de machinista da Estrada de Ferro Central do Brasil) -

Permaneceu, a serviço dos rebeldes, no deposito da Estação, e alí attendeu

a varias requisições, entregando, entre outras cousas, a machina n. 719,


83
que no dia 21 foi atirada de encontro ás forças legaes.

No desenrolar de nossas pesquisas, entre as dificuldades que surgiram, nos


deparamos com o fato de os militares atribuírem a patente de "tenente" a alguns
participantes civis:

Manoel Fialho da Mota - Adhriu á rebellião logo nos primeiros dias, a

convite dos Tenentes Franças Albuquerque e Acelyno de Castro, sendo


84
commissionado, pelo General Isidoro, no posto de tenente.

81
DIAS, Everardo, op. cit., p. 140.
82
Encarregado de cuidar de caldeira do trem de ferro a vapor.
83
Successos Subversivos de São Paulo. Denuncia apresentada ao Exmo. Sr. Dr. Juiz Federal da
1ª Vara de São Paulo pelo Procurador Criminal da Republica, em commissão no Estado de São
Paulo. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1925, p. 111 e 117.
84
ibidem, p. 80.
30

Orestes Corrêa de Castro - Foi visto por diversas pessoas armado e

fardado de tenente, durante os dias da occupação de São Paulo, tendo sido


85
ferido duas vezes. [...] Acompanhou os rebeldes na sua fuga.

Octavio Garcia Feijó (morador em Santos) - Confessa ter vindo a São

Paulo á procura de um emprego. Esperava uma collocação na Policia

quando sobreveiu a rebellião [...] Combateu pelos rebeldes [...] Foi capitão
86
rebelde e assignou diversas requisições como segundo tenente.

Affonso Paulo Albuquerque - Confessa ter-se apresentado

voluntariamente ao General Isidoro Dias Lopes, no dia 7 de julho, e ter-se

fardado no dia 10, seguindo para o bairro do Braz, onde foi combater as

forças legaes [...] Foi depois commissionado em tenente e designado para


87
commandar um sector na Avenida Paulista.

O individuo Antonio Lopes, bagageiro da Estrada, era tão ardente


88
partidario da mashorca, que foi logo promovido a tenente.

Todavia, não conseguimos identificar o que levava os militares a atribuírem


patentes para os civis. Supomos que essas se devam ao desempenho e a
dedicação dos combatentes, pouco importando suas origens, profissão ou classe
social. Essas atribuições aparecem também na listagem de pessoas estrangeiras
envolvidas:

Arnaldo Juhn - Assignou os documentos numeros 17 e 18, tambem

como chefe do Batalhão Allemão, e o de numero 16, como simples capitão.

[...] Henrique Schulz - Assignou os documentos numero 19 e 21, sendo que

85
ibidem, p. 82.
86
ibidem, p. 82 e 83.
87
ibidem, p. 84.
88
ibidem, p. 111.
31

89
os dois primeiros com a graduação de capitão (hauptmann).

Roberto Vogel - Tomou parte activa na rebellião, com o posto de


90
tenente do batalhão allemão.

Dick Van Hantsager (Hollandez, amigo e protector dos hungaros) -

Seu nome consta da relação dos officiaes com o posto de capitão. [...] Dr.

Arnaldo Siklosi (Veterinário, conhecido nesta Capital) - Seu nome consta na

lista de officiaes, com o posto de capitão. [...] Paulo Falupi - Teve o posto de

tenente. [...] Luiz Varadi - Foi graduado no posto de tenente. [...] Szanto
91
Aldar - Foi tenente.

Com o fim do conflito dentro da cidade, o saldo de vítimas parou em 503


mortos e 4.846 feridos. Segundo Carlos Bacellar, não há dúvida de que morreu mais
gente. “Consta que Arthur Bernardes mandou suspender a contagem dos mortos.
Houve fuzilamentos sumários, sepultamentos em covas coletivas”. 92 Contudo
devemos levar também em consideração a grande quantidade de cadáveres que foi
sepultada fora dos cemitérios, conforme pudemos notar a partir de um exemplar de
primeiro de agosto de 1924 do Jornal do Comércio: "Cadáveres insepultos. A
Diretoria de Higiene Municipal pede, por nosso intermédio, às pessoas que
souberem onde se encontram cadáveres não sepultados ou sepultados fora dos
93
cemitérios, avisar, à mesma Diretoria, na Prefeitura Municipal.” e que
provavelmente não estão inseridos nestes números.

Para Ilka Cohen, foram mortos 723 civis, segundo o único registro que restou
pertencente à Santa Casa. Em média 30 cadáveres e 100 feridos94 por dia na

89
ibidem, p. 94.
90
ibidem, p. 95.
91
ibidem, p. 97.
92
Um liberal movido pelo amor ao País. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 12 de julho de 2009, p.10.
93
AQUINO, Laura Cristina M. de, op. cit., p. 38.
94
COHEM, Ilka Stern. Bombas sobre São Paulo: A revolução de 1924. São Paulo: UNESP, 2006.
32

cidade, além da falta de abastecimento e, consequentemente, saques. Trata-se,


talvez, do maior massacre urbano realizado durante os governos republicanos 95.

Após a desocupação da cidade de São Paulo por parte dos rebeldes, o


governo federal concedeu a moratória, tão solicitada pelos bancos e comerciantes,
que permitiu o aumento dos prazos, parcelamento para os pagamentos das dívidas
acumuladas durante a rebelião e assegurou investimentos estrangeiros. A
população começou a retornar aos seus lares, assim como o comércio e as
atividades fabris. Contudo podemos imaginar o caos que fora enfrentado ainda por
um bom tempo devido à perda de documentos administrativos do estado, assim
como processos judiciais e documentos pessoais, para além de outros bens
materiais essenciais à vida urbana.

Interrupção no serviço telephonico.

Os acontecimentos de julho acarretaram uma interrupção forçada no

serviços, tendo sido elle suspenço no dia 8 por ordem do Governo do

Estado.

Em 28 de julho foi restabelecido o serviço e dado inicio ás reparações

na rêde grandemente damnificada pela fuzilaria e canhoneiro, que

felizmente não attingiram as estações centraes [...] no dia 9 de setembro a

situação podia se considerar normalisada. O numero total de linhas


96
concertadas tinha attingido então a 10.345 sobre as 18.727 existentes.

Tendo em vista os dados acima, podemos imaginar o quanto a cidade sofreu


as consequências, uma vez que, por exemplo, um mês e meio depois o serviço
telefônico ainda não havia sido normalizado completamente. Bem como o serviço de
fornecimento de energia, no qual a empresa responsável, a Companhia Light and
Power, sofreu grandes prejuízos:

95
ROMANI, Carlo. Antecipando a era Vargas: a Revolução Paulista de 1924 e as práticas de
controle político e social. Topoi . Vol. 12. Rio de Janeiro, 2011, p. 161.
96
Annexos ao relatorio de 1924 apresentado a' Camara Municipal de São Paulo pelo prefeito D.
Firmiano de Moraes Pinto. São Paulo: Casa Vanorden, 1925, p.57 e 58.
33

Estragos e prejuizos resultantes da revolução:

Em vistoria requerida pela Companhia, no Juízo Federal, para effeito

de ficarem constatados e avaliados os damnos e perdas soffridos em

consequencia do movimento revolucionario de julho, os peritos deram os

seguintes algarismos:

Apparelhos destinados á illuminação publica...42:028$200

Medidores........................................................14:824$600

Transformadores de postes...............................41:092$300

Postes................................................................158:273$000

Apparelhos das estações transformadores.......25:029$200

Edifícios............................................................50:201$700

Peças destinadas á transmissão e distribuição

para bondes, luz e força..................................218:301$000

550:750$000

Lucros cessantes...................4.848:000$986

97
Total.......................5.398:750$986

Por fim, para os militares rebeldes, a saída da cidade não significava o fim do
movimento, mas sim o emprego de uma nova estratégia baseada na guerra de
movimento. Esperava-se, assim, que se encontrasse no interior do país melhores
condições para a realização do seu ideal.

Após saírem da cidade de São Paulo, reagruparam-se em Bauru e


executaram o primeiro plano rebelde: avançar sobre Porto Presidente Epitácio, para

97
Relatorio de 1924 apresentado a' Camara Municipal de São Paulo pelo prefeito D. Firmiano
de Moraes Pinto. São Paulo: Casa Vanorden, 1925, p. 63.
34

transpor o rio Paraná e formar um "Estado livre revolucionário" no sudoeste de Mato


Grosso.98 Conseguiram ocupar a localidade em 6 de agosto e a rebatizaram de
Porto Joaquim Távora, tenente falecido no dia 19 de julho de 1924 após ser ferido
em combate na rua Paraíso com a Maestro Cardim99. Contudo, depois de vários
confrontos com tropas legalistas, os rebeldes foram fortemente atacados em Três
Lagoas e resolveram seguir “rumo aos estados do Paraná, Santa Catarina e Rio
Grande do Sul, para sublevar o sul do país com a ajuda dos "libertadores" de Assis
Brasil e de novos oficiais rebeldes, como o capitão Luís Carlos Prestes e o tenente
Siqueira Campos, vindo da Argentina onde se encontrava exilado"100.

98
ibidem, p. 160.
99
ibidem, p. 95.
100
Ibidem, p. 160.
35

CAPÍTULO II – OS BATALHÕES ESTRANGEIROS DA REVOLUÇÃO DE 1924

Este capítulo busca tratar acerca da influência do Partido Comunista Brasileiro


e das organizações sindicalistas e anarquistas no movimento, bem como a formação
dos Batalhões Estrangeiros, organizados a partir das nacionalidades alemã, húngara
e italiana, e a repercussão que tais organizações tiveram no momento bem como a
repressão que sofreram.

Apesar de a revolução tenentista de 1924 se apresentar como militar, tendo


em vista suas lideranças e grande parte dos envolvidos, ela contou, no decorrer de
seu planejamento e execução, com outros componentes não militares. Inicialmente a
discussão a respeito da participação ou não de civis no movimento provocou
divisões entre os tenentes101, sendo que alguns achavam indispensável o
envolvimento popular e outros temiam pela segurança da revolta, pois o
envolvimento de um grande contingente de pessoas chamaria a atenção da
vigilância do governo que buscava a instauração da ordem.

Segundo Everardo Dias, jornalista, importante militante do movimento


operário, foi preso durante a presidência de Artur Bernardes sob a acusação de
conspirar contra o governo e que foi procurado pelos tenentes para que mobilizasse
o apoio do proletariado do Rio de Janeiro, a baixa adesão dos operários ao
movimento se deu por conta de que a maioria dos sindicatos era vigiada pela polícia:
"bastava que se anunciasse um assembleia para tratar de assuntos de interesse
imediato [...] para que as autoridades se alarmassem e começassem as prisões,
pois estávamos sob o regime de estado de sítio e plena impunidade policial para
praticar arbitrariedades. O proletariado não dispunha mais da força e coesão que
tinha em 1919, por exemplo, pois suas fileiras haviam sido dizimadas pelas
deportações justamente dos elementos mais firmes e resolutos e os que restaram
não queriam expor-se a maiores sofrimentos."102

101
CORREA, Anna Maria Martinez, op. cit., p. 83.
102
DIAS, Everardo. História das Lutas Sociais no Brasil. São Paulo: Edaglit, 1962, p. 133.
36

Acerca de outros apoios, Everardo Dias afirma que:

Procurei [...] um entendimento com elementos dirigentes do Partido

Comunista do Brasil, que controlava certo números de sindicatos [...]

Também procurei outros líderes de Uniões e Alianças Operárias [...] mas

notei fraca aceitação, todos alegando que qualquer assomo de agitação


103
redundaria no fechamento dos sindicatos e prisão subsequente.

Simultaneamente, os conspiradores militares procuraram e obtiveram o


apoio de Oiticica nas organizações de orientação anarquista 104 e iniciaram os
contatos com Evaristo de Morais em busca do apoio da Confederação Sindicalista
Cooperativista Brasileira (CSCB), dirigida por Sarandí Raposo, que exercia o
controle dos ferroviários e dos mineiros dos três Estados do extremo sul do país 105.
Na década de 1920, os anarquistas encontravam-se melhores organizados
politicamente do que os comunistas.

Por fim, o Partido Comunista do Brasil (PCB) se comprometeu a apoiar o


esforço para derrubar o inimigo comum, Bernardes, e ajudou a armar os operários e
a imprimir circulares em favor do movimento. Todavia, a conspiração foi denunciada
por espiões do Chefe de Polícia Carneiro da Fontoura. Em consequência, a partir de
abril de 1924, diversos oficiais do Exército e da Marinha foram presos 106.

Segundo Edgard Rodrigues107, os anarquistas em São Paulo, no desenrolar da


revolução, reuniam-se diariamente em busca de uma maneira que lhes permitisse
participar do movimento sem comprometer seus ideais. Propuseram ao general
Isidoro que fornecesse as armas para que os anarquistas formassem um batalhão

103
ibidem, p. 134.
104
DULLES, John W. Foster. Anarquistas e Comunistas no Brasil (1900-1935). Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 1977, p. 194.
105
DIAS, Everardo, op. cit., p. 134.
106
DULLES, John W. Foster, op.cit., p. 194.
107
RODRIGUES, Edgar. Novos Rumos: pesquisa social 1922-1946. Rio de Janeiro: Mundo Livre,
1976, p. 227.
37

civil autônomo, sem a disciplina e a interferência militar. O general não concordou


com a proposta e, no entanto, os anarquistas continuaram a apoiar o movimento
como podemos identificar no jornal A Plebe:

Não podemos, sem transigir com os nossos principios, deixar de olhar o

movimento revolucionario triumphante com devida sympathia porque,

vigorando os fins que o determinaram, muito aproveitaremos na propaganda

dos nossos ideas de emancipação humana. [...] Já que não contamos com

uma força consciente e moral no seio das classes trabalhadoras e

populares para fazermos uma revolução genuinamente "nossa",

entendemos que, como diz Malatesta, devemos contentar-nos com fazer

uma revolução o mais "nossa" que seja possível, favorecendo e

participando moral e materialmente, a todo movimento directo no sentido da


108
justiça e da liberdade.

Os civis que apoiaram e participaram do movimento se identificaram, de fato,


com a política de oposição dos militares ao governo de Arthur Bernardes, que
descontentes com a organização do governo chegaram à constatação da
necessidade de se realizar um movimento amplo, que visasse à conquista do
poder109. Podemos afirmar isso tendo em vista que o grupo reunia militares,
socialistas, anarquistas, liberais e representantes de diversas classes sociais e não
tinha pré-estabelecido nenhum plano político, por exemplo. Exceto por conta de
eventuais contatos, como os citados acima, os civis, não tiveram participaram
relevante no planejamento do movimento.

Com o início da revolta, foram postas em primeiro plano as propostas dos


militares em que nada atendia as reivindicações do operariado paulista. Para Anna
Maria Martinez Correa, a tomada da cidade e a consequente paralisação das
fábricas apenas piorou a situação dos trabalhadores. "Os bairros operários foram
violentamente atacados pelas forças legalistas. Impedidos de comparecer às

108
O caracter da Revolução. A Plebe, São Paulo, 28 de jul. 1924, p. 1.
109
CORREA, Anna Maria Martinez, op. cit., p.85.
38

fábricas, devido à situação de guerra, os operários não podiam prover a própria


subsistência. Alguns levados pelas circunstâncias, entregaram-se ao saque. Não era
uma solução, mas sim uma atenuante. Havia ainda o recurso ao alistamento nas
fileiras rebeldes."110

Muitos civis que se colocaram ao lado dos tenentes eram operários e em


grande parte estrangeiros. Estes, recém-chegados da Europa, tendo muitos deles
enfrentando a Primeira Guerra Mundial, contribuíram com seus conhecimentos e
habilidades, formando batalhões que ficaram conhecidos por "Batalhões
Estrangeiros".

Estes Batalhões foram unicamente estudados por Laura Cristina Mello de


Aquino em 1995111, através do Jornal do Comércio e dos processos referentes a
participação estrangeira. A autora afirma que estes foram organizados desde o início
da revolta por estrangeiros pobres, moradores dos bairros operários de São Paulo,
que viam este alistamento como única alternativa de sobrevivência na cidade, uma
vez que obtinham mantimentos enquanto combatiam.

Estes combatentes, em sua expressiva maioria, tinham vindo para o Brasil no


início da década de 1920, por conta das dificuldades na Europa provocadas pela
Primeira Guerra Mundial112, sendo muitos deles ex-combatentes que trouxeram para
a revolução seus conhecimentos bélicos. Aquino nos apresenta um número
aproximado desses combatentes:

Pelo que pudemos extrair da documentação analisada, cerca de setecentos

estrangeiros participaram da rebelião, número que deve ter se reduzido na

ocasião da retirada da cidade de São Paulo, como ocorreu com o total das
113
tropas.

110
ibidem, p. 160.
111
AQUINO, Laura Cristina M. de, op. cit.
112
ibidem, p. 26.
113
ibidem, p. 60 e 61.
39

Dos 117 depoentes estrangeiros, cujos depoimentos a autora pesquisou, a


partir dos processos movidos pelas autoridades contra os rebeldes de 1924, apenas
dois não sabiam ler e escrever.114 "Além de combater, muitos estrangeiros foram
encarregados do conserto de canhões, metralhadoras, automóveis, chamando,
inclusive, a atenção pelo número de mecânicos que havia entre eles. [...] Também
foram incumbidos da fabricação de carros blindados, de granadas, etc., o que
evidencia haver entre eles um alto grau de especialização."115

Os estrangeiros que participaram da rebelião de 1924 em São Paulo


constituíram três batalhões organizados por nacionalidades: Húngaro, Italiano e
Alemão. Contudo, eram compostos por diversas nacionalidades, entre eles havia
iugoslavos, austríacos, tchecoslovacos, poloneses, suíços, suecos, noruegueses,
dinamarqueses, espanhóis, etc. O fato de terem constituído batalhões organizados
por nacionalidades, facilitando o relacionamento e a comunicação entre seus
componentes, já nos mostra alguma experiência militar.

Para Aquino, a participação de estrangeiros na rebelião de 1924 deve ser


examinada menos na quantidade dos que se alistaram, e mais na qualidade dessa
participação e na repercussão que ela teve no momento116, tendo em vistas que as
lideranças tenentistas não tiveram grande preocupação de estimular a participação
popular .

Contudo, a participação de estrangeiros no movimento propiciou uma


“justificativa” para a repressão política interna e indiscriminada contra cidadãos
brasileiros. A ênfase com que o governo condenou o envolvimento de estrangeiros
no movimento não foi por acaso. "A presença de estrangeiros entre os
revolucionários criou a possibilidade da utilização ideológica do conceito de “pátria
ameaçada” por inimigos externos"117, conforme podemos notar desse trecho do
artigo publicado no Correio Paulistano de 5 de agosto de 1924 com o título de

114
ibidem, p. 30.
115
ibidem, p. 83.
116
ibidem, p. 60 e 61.
117
ibidem, p. 62.
40

“Crime de lesa-pátria”: "Nenhuma das miserias moraes do general Isidoro Dias


excede em gravidade ao crime de comprar extrangeiros para o assassinato de
Brasileiros." (sic)

Segundo Lorayne Garcia Uéocka, que estudou a imprensa paulista durante o


movimento rebelde, “todos os jornais sem exceção, procuram formular suas
hipóteses para as causas que permitiram a deflagração da ação rebelde, tentando
buscar explicações e justificativas para a ação. Somente o Correio Paulistano, tido
como órgão oficial do Partido Republicano Paulista, destoa desse procedimento,
acusando os rebeldes, chamando-os de mazorqueiros que vieram promover a
desordem e alterar os rumos da cidade”118.

Segundo o inquérito, os tenentes ofereciam "aos patriotas que se alliassem a


eles: 10$ diarios em dinheiro e 50 hectares de terras."119(sic) Contudo, Juarez
Távora em A' Guisa do Depoimento sobre a Revolução Brasileira afirma que tal
como os soldados brasileiros, os estrangeiros recebiam uma arma, uma muda de
roupa e a etapa comum aos demais soldados120.

Após a eclosão do movimento na cidade de São Paulo alguns dos operários


participantes buscaram inserir suas ideias políticas no movimento, iniciando uma
movimentação política de caráter revolucionário, que não passou desapercebida das
classes dominantes. José Carlos Macedo Soares, presidente da Associação
Comercial de São Paulo advertiu em carta ao general Sócrates, comandante das
forças legalistas: "Os operários agitam-se já e as aspirações bolchevistas

118
UEÓCKA, Lorayne Garcia. 1924: Dossiê de uma rebelião. Operários ante a sedição paulista.
Dissertação (Mestrado em História). São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 1991,
p. 63 e 64.
119
Successos Subversivos de São Paulo. Denuncia apresentada ao Exmo. Sr. Dr. Juiz Federal da
1ª Vara de São Paulo pelo Procurador Criminal da Republica, em commissão no Estado de São
Paulo. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1925, p.90.
120
TÁVORA, Juarez, op. cit.
41

manifestam-se abertamente. Será mais tarde pelos sem trabalho tentada com
certeza a subversão da ordem social."121

Para além do papel que os estrangeiros representaram na revolta


propriamente dita, desempenharam também uma outra função, essa de caráter
ideológico, que foi servir como mais um argumento para que o Estado brasileiro
aumentasse a repressão contra a classe trabalhadora e os "indesejáveis".

Sob a alegação de que os tenentes haviam armado estrangeiros para lutar


contra brasileiros, o Estado criou instrumentos de repressão associados ao que
Paulo Sérgio Pinheiro em "Política e Trabalho no Brasil" chamou de "mito da pátria
ameaçada". O jornal Correio Paulistano auxiliou na propagação deste mito:

O governo provisório não recuou deante do crime nefando de fardar,

entre soldados do Exercito Nacional, centenas de hungaros e de russos,

recêm-chegados ao Brasil, para o espingardeamento de brasileiros, que

defendiam a legalidade em sua patria. A cultura moral de Isidoro Dias

mede-se por esse acto: elle pagou hungaros e a russos, ainda na

Hospedaria dos Immigrantes, a tarefa negrada de combater brasileiros, que


122
defendiam o governo de sua terra

Todavia, a partir da contagem dos estrangeiros presentes nos processos


judiciais apenas seis eram russos. Essa referência sugere ao leitor a "assombração"
da Revolução Russa de 1917123 e consequentemente o perigo comunista que
deveria ser combatido.

Perante esta perspectiva identificamos principalmente no jornal O Combate as


mobilizações dos diversos consulados em conscientizarem seus compatriotas a não
se envolverem nos conflitos da revolução. Publicou assim o consulado Italiano:

Intrigas de irresponsaveis

121
DUARTE, Paulo, op. cit., p.180.
122
Crime de lesa-patria. Correio Paulistano, São Paulo, 05 de ago. 1924, p.1.
123
AQUINO, Laura Cristina M. de, op. cit., p.66 e 67.
42

os italianos mantem a absoluta neutralidade

Em um communicado do R. Consolado Italiano, o sr. com. J. R.

Dolfini diz que se espalhou em Santos e no interior que os italianos tomam

parte, contra sua vontade no movimento revolucionario. Não é verdade. O

comm. Dolfini péde aos italianos que se precavenham contra as intrigas de

irresponsaveis que, com essa tentativa, querem arrancal-os da absoluta


124
neuralidade que têm mantido.

Como o consulado Português:

Aviso aos cidadãos portuguezes

O Dr. José Augusto Magalhões, Consul de Portugal, recommenda a

todos os seus concidadãos a mais absoluta neutralidade na lucta que roa se

fere em São Paulo, e a qual se devem conservar alheios como estrangeiros

que são.

Para identificação da sua nacionalidade convem andarem munidos da


125
respectiva inscripção consular.

E o Alemão:

O consul allemão de S. Paulo recomenda aos subditos allemães

domicilliados nesta Capital:

"Considero de toda conveniencia que os allemães de São Paulo se

mantenham em neutralidade em face as luctas que se ferem actualmente

nesta Capital.

124
Intriga de irresponsáveis. O Combate, São Paulo, 19 de julho de 1924, p. 1.
125
Aviso aos cidadãos portuguezes. O Combate, São Paulo, 19 de julho de 1924, p. 1.
43

Acha-se organizado o serviço de socorro ás familias allemãs

necessitadas, a cargo da Sociedade Beneficiente Alemã [...] Gistor, Consul


126
da Allemanha.

O Batalhão Alemão

Grande parte dos alemães que se alistaram em 1924 era ex-combatentes da


Primeira Guerra Mundial e possuíam um alto grau de especialização, havendo entre
eles artilheiros, pilotos, peritos em metralhadoras, e outras diversas ocupações
ligadas à guerra.127

No dia 23 de julho, os rebeldes equiparam um avião para realizar um voo de


ida e volta ao Rio de Janeiro para jogar folhetos sobre a cidade, esclarecendo sobre
os acontecimentos em São Paulo, tendo em vista que a imprensa na capital sob
censura não informava a real situação em que se encontrava o movimento, e para
lançar sobre o Palácio do Catete uma bomba dinamite. O avião pilotado pelo alemão
Carlos Herdler e comandado pelo tenente Eduardo Gomes, depois de uma hora e
meia de voo, foi obrigado a pousar na cidade de Cunha, na Serra do Mar, por conta
de falta de água no carburador.

Recebidos pelo sr. Pacetti, declararam que eram legalistas; sendo

assim o referido inspetor favoreceu-os com tudo que estava ao seu alcance,

dando-lhes um lunch, facilitando-lhes meios de condução [...] Carlos

Herdler, depois de pernoitar numa pensão em Guaratinguetá, voltou a sua

casa em São Bernardo, onde foi preso. Tinha 40 anos, era casado, nascera
128
na Morávia e servira na Primeira Guerra Mundial.

126
Neutralidade. O Combate, São Paulo, 22 de julho de 1924, p. 1.
127
AQUINO, Laura Cristina M. de, op. cit., p. 91 e 92.
128
Justiça Federal, seção de São Paulo. Processos, vol. 21. São Paulo, 1927, p.26.
44

A maioria dos alemães que combateram na rebelião era de operários, contudo


não apenas operários lutaram ao lado dos tenentes, havia também entre eles
alemães pertencentes às classes médias como é o caso de Bruno Binger,

natural de Allestein na Prússia Oriental, dentista, com 23 anos de

idade, chegou ao Brasil em 27 de março de 1924, procedente de

Hamburgo. Passou três meses trabalhando numa fábrica de estampa, e

residindo no Hotel Bomba Branca, à rua do Triunfo nº 3. Não recebeu o

ordenado da fábrica, situada na Avenida Brigadeiro Luiz Antonio e

pertencente a um alemão de nome Rider. Depois encontrou trabalho como

dentista mas faltando-lhe os recursos, deixou o serviço quando irrompeu a

revolta. Em 25 de julho, entrou para o Batalhão Alemão para servir na Cruz


129
Vermelha, mas em 27 de julho foi forçado a embarcar com a tropa .
130
Seguiu os rebeldes até o Mato Grosso .

Laura de Aquino tem como hipótese que uma das razões que fizeram esses
alemães se alistarem no Batalhão Alemão "foi o espírito de aventura, também um
certo "espírito de trincheira", e até alguma incapacidade de se ajustarem à vida
civil"131no pós Guerra. Para ela, os alemães se alistaram a partir de contatos com
seus compatriotas, sendo raros aqueles que em seus depoimentos informaram
terem se alistado a convite de soldados brasileiros. Os líderes da revolta aceitaram a
participação dos estrangeiros, e facilitaram essa participação, contudo "a formação
dos Batalhões Estrangeiros foi iniciativa de alguns estrangeiros mais graduados. O
relacionamento desses oficiais estrangeiros com os oficiais brasileiros rebeldes
parece ter sido de confiança mútua"132.

129
ibidem, vol. 35, p. 26 e 214.
130
ibidem, p.606
131
AQUINO, Laura Cristina M. de, op. cit., p.98.
132
ibidem, p. 101 e 102.
45

Pelo que pudemos notar na denúncia do Procurador Criminal da República 133 o


Batalhão Alemão possuiu diversos comandantes, conforme as assinaturas de
ordens do referido batalhão. Estes foram: Dr. Plachschinski, sendo um dos
organizadores, não esteve em contato com as tropas pois ficou atido ao estado
maior de Isidoro; João Joaquim Tuchen, arregimentou os voluntários alemães que
estavam espalhados pelos diversos corpos das forças rebeldes; Antonio Missoni, foi
capitão e esteve em pouco contato com as tropas; Arnould Kuhn, um dos
comandantes do Batalhão Alemão e mais ativos estrangeiros durante a rebelião,
tendo participado inclusive da Coluna Prestes; Henrique Schulz, tido como um dos
mais entusiastas da revolta.

O Batalhão Alemão foi o maior, o mais organizado e o que teve participação


mais ativa do ponto de vista militar. Antes da retirada de São Paulo, chegou a contar
com cerca de trezentos homens em suas fileiras. Uma parte dessa tropa, cerca de
cento e oitenta homens, seguiu junto com os rebeldes na noite de 27 de julho134.

Os alistados no Batalhão Alemão eram todos alemães, segundo Laura de


Aquino, contudo na denúncia do procurador criminal135 consta que Sisxten Kjelstrom,
sueco; Henrique Holzmann, austríaco; João Thaller, austríaco; Frederico Brunner,
suíço; Rodolpho Schweiser, suíço; Carlos Renecker, austríaco e Oscar Wilke,
dinamarquês, fizeram parte deste batalhão. O Batalhão Húngaro, por sua vez, reunia
tropas de diversas nacionalidades eslavas como romenos, tcheco-eslovacos e
poloneses. O Batalhão Italiano, o menor em número, contava com cerca de quarenta
soldados italianos, espanhóis e portugueses.

No processo encontra-se a relação dos oficiais que se alistaram com as


respectivas graduações, o que nos dá a ideia da organização do Batalhão

133
Successos Subversivos de São Paulo. Denuncia apresentada ao Exmo. Sr. Dr. Juiz Federal da
1ª Vara de São Paulo pelo Procurador Criminal da Republica, em commissão no Estado de São
Paulo. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1925, p.93 e 94.
134
AQUINO, Laura Cristina M. de, op. cit., p.103.
135
Successos Subversivos de São Paulo. Denuncia apresentada ao Exmo. Sr. Dr. Juiz Federal da
1ª Vara de São Paulo pelo Procurador Criminal da Republica, em commissão no Estado de São
Paulo. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1925, p. 94 e 95.
46

Alemão136. Os alemães, assim como os húngaros, possuíam um quartel general


próprio próximo ao quartel da Luz, onde estava sediado o comando da Forças
Revolucionários, na Avenida Tiradentes, nº 88.

O Batalhão Húngaro

Assim como no Batalhão Alemão, quase todos os participantes do Batalhão


Húngaro eram operários e ex-combatentes da Primeira Guerra. Possuía também
quartel próprio próximo à Luz, tendo como principal função fazer o policiamento da
cidade. Esse batalhão chegou a contar com cerca de cento e oitenta homens, sendo
muitos deles refugiados políticos no Brasil, que foram recrutados mais como
operários do que como soldados, embora tenham participado de combates e
acompanhado a retirada dos rebeldes137.

Os motivos para o envolvimento dos húngaros no movimento bem como a


constituição do Batalhão não são certos. Muitos, assim como os alemães, viam no
recrutamento uma via para o sustento de suas famílias, contudo, isso destoa do
caso de Maximiliano Agid138, farmacêutico e dono de um laboratório de cosmético,
organizador e comandante do Batalhão Húngaro, tendo em vistas seu forte
envolvimento com a causa chegando a ir recrutar húngaros pessoalmente pelos
bairros da cidade.

Deprehende-se da leitura destes autos que Agid foi,

incontestavelmente, a alma damnada que movimentou o elemento hungaro

na rebellião, arrastando para a luta os seus compatriotas e talvez mesmo os


139
demais estrangeiros de outras nacionalidades.

136
Justiça Federal, seção de São Paulo. Processos, vol. 35, p. 497.
137
AQUINO, Laura Cristina M. de, op. cit., p. 118-125
138
ibidem, p. 123.
139
Successos Subversivos de São Paulo. Denuncia apresentada ao Exmo. Sr. Dr. Juiz Federal da
1ª Vara de São Paulo pelo Procurador Criminal da Republica, em commissão no Estado de São
Paulo. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1925, p. 96.
47

Segundo a denúncia do procurador criminal da República, consta em processo


uma relação de 33 soldados e oficiais húngaros que confrontada com as anotações
do tradutor intérprete mostra que foi simulada a existência destes soldados,
atribuindo outra finalidade para os respectivos pagamentos140. O tradutor intérprete
percebeu o ocorrido pois os nomes listados possuíam significados diferentes, que
dificilmente seriam utilizados para nomes próprios, ou eram nomes de pessoas
públicas ou personagens de ficção como é o caso de Krausz Robison (Robinson
Crusoé), Ludving Bartfeld (conhecida casa comercial em Budapest), Antal Hitaval
(repartição pública), Gabor Hornoponai, Gedeon Radai (homens públicos da
Húngria), Antale Holub (campeão húngaro de luta romana peso pesado), Ivan Hejjas
(reacionário húngaro), Joséf Vidra (animal que vive na beira dos rios e que se
alimenta de peixes), Mihaly Tancics (jornalista que combateu o absolutismo em
1848), Isidor Varsanyi, Gyula Hegedues e Jende Ivanfi (membros do Grande Teatro
"Vigezinhaz" em Budapest)141

Rodolpo Eisinger, que possuía posto de primeiro tenente, não foi combatente e
exerceu o cargo de intendente. "Como tal, effectou o pagamento da tropa. Mas, ao
receber o dinheiro relativo ao segundo pagamento, resolveu fugir, carregando
comsigo o dinheiro que recebera"142(sic). Rodolpho Eisinger, que parece ser o autor
da fraude segundo a denúncia, acusou em inquérito Maximiliano Agid de ser
responsável pela falsificação. O fato de constar em inquérito as informações acima
nos confirma a não existência desses soldados listados em detrimento da
possibilidade destes terem existidos e informarem nomes falsos.

Ainda segundo a denúncia, o batalhão húngaro, de fato, não deve ter tido mais
de cem ou cento e poucos soldados143. Com a retirada das tropas revolucionárias da

140
ibidem, p. 93.
141
AQUINO, Laura Cristina M. de, op. cit., p. 127-129.
142
Successos Subversivos de São Paulo. Denuncia apresentada ao Exmo. Sr. Dr. Juiz Federal da
1ª Vara de São Paulo pelo Procurador Criminal da Republica, em commissão no Estado de São
Paulo. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1925, p. 97.
143
ibidem, p. 99.
48

capital, parte dele retirou-se junto, mas, ao contrário dos Batalhões Italiano e
Alemão, não participou de combates após a retirada e, segundo depoimentos
contidos no processo, o Batalhão Húngaro foi desarmado pelo Coronel Miguel Costa
em Porto Epitácio, não sendo revelados pelos depoentes os motivos144.

O Batalhão Italiano

A quantidade de depoentes italianos presente nos processos é bem pequena tendo


em vistas os outros dois batalhões. Do italiano foram apenas nove depoentes, sendo
seis jornalistas do "Il Piccolo", um empregado do Banco Ítalo-Belga e dois operários,
sendo esses dois últimos os únicos que participaram de fato do Batalhão Italiano 145.
Todos esses depoimentos referem-se a Lambertini Sorrentino, Aldo Mario Geri e
Ítalo Landucci como organizadores do Batalhão146.

Lambertini Sorrentino fazia parte do jornal "Il Piccolo" onde chegou a

manifestar sua simpatia pela revolta.

Resolveu adherir aos revolucionarios no dia 23 de julho. Na redação

do Il Piccolo, onde esteve antes de se incorporar aos revolucionarios,

expressava enthusiasticamente a sua grande symphathia por essa causa.

No dia 25 ou 26, esteve fardado no Consulado Italiano, onde foi explicar ao

Consul os fins da organização do Batalhão Italiano, tendo sido ahi mal

recebido por aquella autoridade, que o poz do Consulado para fóra. Pouco

depois foi a Redação do Il Piccolo, apresentando-se fardado de tenente e

armado. Commandava nessa occasião uma força de uns 50 homens a

cavallo, que ficaram na rua, enquanto Lamberti Sorrentino e Aldo Mario

Geri, entraram na redação do Il Piccolo e ahi o primeiro, depois de se

queixar ao sr. Arthur Grippa da maneira porque fora recebido pelo Consul,

144
AQUINO, Laura Cristina M. de, op. cit., p.125.
145
ibidem, p. 131.
146
idem.
49

pediu áquelle jornalista que pelas columnas de seu diario concitasse a

colonia italiana a pegar em armas. Depois da retirada das forças

revolucionarias, Sorrentino foi visto no interior commandando o batalhão


147
italiano, juntamente com Aldo Mario Geri e Italo Landucci.

Aldo Mario Geri, correspondente italiano do Banco Italo-Belga em São Paulo148,


foi um dos primeiros a se apresentar ao rebeldes, tendo servido anteriormente no
Batalhão Alemão enquanto aguardava a criação do Batalhão Italiano.

Apresentou-se aos revolucionarios dias antes de Sorrentino haver tomado a

mesma resolução, tendo antes da organização do batalhão italiano, servido no

batalhão hungaro. Foi com Lamberti Sorrentino á redacção do Il Piccolo no dia 25

ou 26 e nessa occasião estava fardado de capitão e armado, estando apurado que

com aquelle moço commandava o contingente de cavallaria que nesse dia esteve
149
em frente da redação do Il Piccolo. Fugiu com os revolucionarios.

Ítalo Landucci, que teve ativa participação no movimento e na Coluna Prestes,


"teve o mesmo papel de Aldo Mario Geri, tendo igualmente fugido com os
revolucionários a 27 de julho".150

A polícia afirmou em inquérito que esse Batalhão possuiu aproximadamente


cinquenta homens, contudo, Aquino, após a análise de todos os depoimentos afirma
que este foi composto por cerca de 60 homens, sendo 40 deles italianos e o restante
de várias nacionalidades, inclusive brasileiros.151

O Batalhão Italiano apresentou um número de integrantes bem pequeno tendo


em vistas o grande contingente de italianos residentes em São Paulo, conforme
podemos notar, por exemplo, no trecho que segue, retirado do Relatório

147
Justiça Federal, seção de São Paulo. Processos, vol. 35, p. 598.
148
ibidem, 595.
149
ibidem, p. 598 e 599.
150
ibidem, p. 599.
151
ibidem, p. 133.
50

apresentado ao presidente do Estado pelo secretário da agricultura, comércio e


obras públicas em 1924:

Entraram no Estado de São Paulo, durante o anno de 1924, 65.161

immigrantes, contra 59.818 vindos em 1923, dos quaes desembarcaram no

porto de Santos 57.810 e vieram por estrada de ferro 10.351.

Por nacionalidades assim se discriminam esses immigrantes:

Brasileiros...........12076

Italianos..............10588

Allemães...............8964

Portuguezes...........8226

Yugo-Slavos..........7559

Romenos................5813

Espanhóes.............5639

Japonezes..............2706

Syrios....................2081

Polacos...................1145

152
Diversos...............3364

Segundo Laura de Aquino isso se deu porque os italianos estavam mais


envolvidos com o movimento sindical.153 Tendo em vista este fator, os italianos
infiltrados nas organizações trabalhistas sofreram represálias antes da eclosão da

152
Secretaria de Estado dos negocios da agricultura, commercio e obras publicas do Estado de São
Paulo. Relatorio apresentado ao Dr. Carlos de Campos presidente do Estado pelo Dr. Gabriel
Ribeiro dos Santos secretario da agricultura, commercio e obras publicas. São Paulo, 1924, p.
72.
153
ibidem, p. 135.
51

revolta, enquanto os húngaros e alemães que não se manifestavam politicamente


não levantaram suspeitas.

O Dr. Alfredo Assim, 3º delegado foi que presidiu o inquérito sobre a formação
do batalhão italiano, afirma, à respeito destes estrangeiros envolvidos de diversas
nacionalidades, que estes estavam no Brasil havia pouco tempo, não podendo,
portanto, de forma alguma, interessar-lhes os nossos negócios políticos e que
"adheriram á revolução com o unico fito de roubarem como faziam todas as forças
que haviam abraçado a causa de Isidoro Lopes e outros"154. Ainda em suas defesas,
boa parte dos estrangeiros confirmaram que "a participação no levante armado foi
provocada pelas propostas generosas dos chefes rebeldes não tendo contudo,
interesses ideológicos na política nacional. Pretendiam apenas angariar algum
dinheiro extra, para a sobrevivência das famílias."155 Perante estas alegações muitos
estrangeiros foram absolvidos.

De fato, não nos foi possível identificar com clareza as razões para que estas
pessoas tenham se envolvido na rebelião, que chegou a levar a morte para alguns
como é o caso dos alemães João Mentzel, Alfredo Eduardo Wehner, Kannegiesser,
Ende156 e tantos outros, ou que por tanto terem se envolvido, seguiram com os
militares para a formação da Coluna Miguel Costa Prestes e percorreram todo seu
trajeto até o exílio em 1927, como foi o caso do italiano Ítalo Landucci157.

Para além dos números de participantes envolvidos nos Batalhões


Estrangeiros, - Alemão, cerca de trezentos homens; Húngaro cerca de cento e
oitenta homens; Italiano, aproximadamente cinquenta homens - na denúncia contém
listados cinquenta e oito estrangeiros, entre eles húngaros, alemães, austriácos,

154
Justiça Federal, seção de São Paulo. Processos, vol. 35, p. 598.
155
UEÓCKA, Lorayne Garcia, op. cit., p. 289 e 290.
156
Successos Subversivos de São Paulo. Denuncia apresentada ao Exmo. Sr. Dr. Juiz Federal da
1ª Vara de São Paulo pelo Procurador Criminal da Republica, em commissão no Estado de São
Paulo. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1925, p 94 e 95.
157
LANDUCCI, Ítalo. Cenas e Episódios da Coluna Prestes e da Revolução de 1924 e da Coluna
Prestes. 2ª Ed. São Paulo: Brasiliense, 1952.
52

russos e brasileiros com o título de "mercenários estrangeiros". Essa listagem possui


esta denominação, segundo o documento, porque tendo estas pessoas fugido com
os rebeldes, não foi possível para a polícia apurar o envolvimento de cada uma
destas158.

158
Successos Subversivos de São Paulo. Denuncia apresentada ao Exmo. Sr. Dr. Juiz Federal da
1ª Vara de São Paulo pelo Procurador Criminal da Republica, em commissão no Estado de São
Paulo. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1925, p. 101.
53

CAPÍTULO III – A PARTICIPAÇÃO CIVIL E OUTROS ENVOLVIMENTOS

Como já foi tratado no capítulo anterior, os revolucionários buscaram apoio do


proletariado no planejamento da revolta através de Everardo Dias que afirmou que
buscou os dirigentes do Partido Comunista do Brasil e os líderes de Uniões e
Alianças Operárias. Simultaneamente, os militares procuraram e obtiveram o apoio
de Oiticica nas organizações sindicalistas159 e iniciaram os contatos com Evaristo de
Morais em busca do apoio da Confederação Sindicalista Cooperativista Brasileira
(CSCB)160.

Segundo Octávio Brandão, Astrojildo Pereira, em nome do PCB, esteve junto a


Isidoro Lopes em 1923 e por fim os emissários do partido, em nome da Comissão
Central Executiva concordaram em apoiar os revoltosos:

Somos numericamente um pequeno partido. Mas temos vasta força

potencial. Não podemos iniciar a luta armada, mas depois de começada,

tomares uma tipografia, lançaremos um jornal próprio e poderemos armar

milhares de trabalhadores que decidirão da luta e da vitória. São Paulo

sozinho não poderá triunfar. A vitória depende das insurreições armadas

simultâneas no Rio de Janeiro e em São Paulo. Reivindicamos: que as

forças armadas do PCB tenham direção própria, independente, e não de

chefes militares; que o PCB tenha liberdade de propaganda e agitação; que

sejam tomadas em consideração as reivindicações específicas dos


161
operários das cidades e dos trabalhadores rurais.

Os tenentes concordaram com as condições colocadas pelos comunistas,


contudo, inicialmente os tenentes queriam que os operários deflagrassem uma
grande paralisação nas fábricas e transportes, desorganizando a cidade e

159
DULLES, John W. Foster, op. cit., p. 194.
160
DIAS, Everardo, op. cit., p. 134.
161
BRANDÃO, Octavio. Combates e Batalhas: memórias. São Paulo: Alfa-Omega, 1978, p. 280.
54

favorecendo assim a intervenção militar. No entanto, os líderes comunistas


negaram-se a fazer tal coisa, devido à fraqueza da organização sindical operária e
do próprio partido162.

Em meio à luta, os líderes operários mais radicais pediram armas para que se
constituíssem "batalhões verdadeiramente populares", a fim de cortarem as
comunicações, agitarem e levantarem as populações do interior e organizarem
guerrilhas contra as forças governistas, contudo os chefes tenentistas não
concordaram.163

De fato, quanto à participação popular no movimento, a opinião dos tenentes


se dividia. Nunes Carvalho, tenente que fora julgado como um dos cabeças do
movimento164, achava que a participação de civis daria a revolta o seu caráter
propriamente revolucionário, distanciando-a da simples agitação de quartel. Para ele
"não era possível fazer-se um movimento dessa natureza sem a cooperação de
elementos civis, capazes de lhe tirar a feição de mazorca quarteleira de outros
tempos, que serviria de tema de exploração dos adversários vencidos ou
vencedores. Era preciso fazer-se revolução. As classes armadas competia iniciá-la,
porque era a única força organizada capaz de opor séria resistência aos crimes e
desmandos governamentais"165.

Joaquim Távora que abraçava o socialismo, foi outro que se mostrou sempre
aberto ao diálogo com o proletariado, apoiado por Miguel Costa que era favorável à
entrega de armas para a população. Contudo, Isidoro mostrou-se totalmente
contrário e não admitia a participação das forças populares. Durante a revolta:

162
ZAIDAN FILHO, Michel. O PCB e a Internacional Comunista (1922-1929). São Paulo: Vétice,
1988, p. 52 e 53.
163
Idem.
164
Successos Subversivos de São Paulo. Denuncia apresentada ao Exmo. Sr. Dr. Juiz Federal da
1ª Vara de São Paulo pelo Procurador Criminal da Republica, em commissão no Estado de São
Paulo. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1925, p.89.
165
Carvalho, Joaquim Nunes de. 1922 5 de julho - 1924. Rio de Janeiro, A Noite, 1944, p. 58.
55

os dirigentes operários, por várias vezes, procuraram avistar-se com elê,

sem o conseguir, recebidos com displicência por qualquer oficial inferior,

que os mandava apresentar-se aos postos de recrutamento!... No entanto

êsses líderes, sabedores de que o movimento era aquêle que se estava

articulando desde o Rio de Janeiro, queriam justamente propor o que antes

havia sido combinado, ou seja, a criação de batalhões nìtidamente


166
populares."

Para Nelson Tabajara, a recusa de Isidoro se deu porque os líderes


proletários vinham prometer total adesão da classe se a revolta adotasse caráter
extremista, e isso "desvirtuaria o motivo original do movimento, que buscava a
renovação dos processos políticos vigentes, estando sempre os chefes rebeldes
dispostos a acatar e prestigiar qualquer estadista de valor a quem fosse passado o
governo federal, ante o que deporiam armas. Não lhes interessava portanto a
presença de esquerdistas nos quadros combatentes, mesmo que viesse reforçar a
revolução, até fazê-la vitoriosa"167

Para Juarez Távora:

A França de 89 e a Rússia de nossos dias pagaram tributos caríssimos de

sangue à sede de vingança das massas oprimidas, enquanto o delírio da

demagogia se não submeteu à influência moderadora do elemento militar. E

quem de nós seria capaz de prever as últimas consequências da subversão


168
social criada pelo predomínio incontrastável do populacho"

Lorayne Garcia Ueócka afirma que Isidoro, sob pressão das classes
conservadoras, cedeu às suas orientações e desejos, entravando a participação
operária pelo temor da "bolchevização" do movimento. Essa preocupação da
possibilidade de inversão da ordem social foi constante nos relatos dos autores

166
DIAS, Everardo, op.cit., p. 138.
167
OLIVEIRA, Nelson Tabajara, op. cit., p. 102.
168
TÁVORA, Juarez, op. cit., p. 91 e 92.
56

conservadores, como pudemos identificar no capítulo anterior na fala do presidente


da Associação Comercial de São Paulo, José Carlos Macedo Soares. Contudo,
constata-se também fraca organização operária naquele momento, não apenas pela
severa repressão governamental, mas também por choques ideológicos entre
anarquistas e comunistas.169Talvez devemos a esses dois motivos a não existência
de um maior envolvimento civil: a falta do incentivo da participação popular por parte
dos militares e o consequente não armamento do proletariado, bem como sua
desorganização perante o estado de sítio.

O problema é que existia “entre os militares duas tendências: Miguel

Costa era favorável à entrega de armas ao povo. Isidoro era contra. Esse

antagonismo não permitiu a adesão em massa de maior número de civis.

Entre as duas posições, a segunda era majoritária entre os militares,


170
mantendo-se a massa do povo à margem do levante.

Todavia, em contra posição Nunes de Carvalho afirmou que:

Mais de uma vez o general Isidoro me assegurou que só chefiaria uma

revolução civil. "O Exército" - dizia êle - "deve fazer a revolução, porque é a

única fôrça organizada capaz de enfrentar o govêrno; mas a revolução deve

ser nacional, isso é, civíl; deve resultar num govêrno provisório que presida

a reforma constitucional e no mais curto prazo possível restitua a nação á


171
posse de si mesma.

Por mais que nem todos os tenentes concordassem com a participação civil
na rebelião, ela ocorreu. Assim também se deu com relação ao envolvimento destes
no planejamento, contudo, em menores proporções, como é o caso do civil
Waldomiro Rosa:

169
UEÓCKA, Lorayne Garcia, op. cit., p. 243.
170
COSTA JR, Miguel. 5 de julho de 1924 in suplemento de O Grito, 05 de julho de 1958, ano I, nº 3,
p. 18 apud SEGATTO, José Antônio. A Light e a Revolução de 1924. São Paulo: Eletropaulo, 1987.
171
CARVALHO, Joaquim Nunes de. 1922 5 de julho - 1924. Rio de Janeiro: A Noite, 1944, p 71.
57

Era empregado do Banco Ítalo-Belga e socio do Major Miguel Costa, em

uma fabrica de cigarros. Tomou parte nas reuniões em que se discutiam os

planos da rebellião na Rua Dutra Rodrigues, nº 12, e na residencia, á Rua

Frederico Alvarenga, nº 46. Reuniu os conspiradores em repetidas

conferencias. Iniciado o movimento subversivo, foi nomeado pelo governo

rebelde chefe dos serviços de radio-telefonia [...] donde eram irradiados

discursos subversivos. Finalmente foi, visto armado e affectuando prisões.


172
Acompanhou os rebeldes já provido ao posto de capitão.

Tendo em vista a finalidade deste trabalho, para a melhor identificação da


participação civil, utilizamos jornais operários que circularam no período, sendo eles
A Plebe, O 5 de julho e a Marreta. Estes jornais, tidos como operários, caracterizam-
se por possuírem "folhas sem periodicidade ou número de página definidas, feitas
por não profissionais, mas por militantes abnegados, por vezes redigidas em língua
estrangeira, impressas em pequenas oficinas, no formato permitido pelo papel e
máquinas disponíveis, sem receita publicitária e que, no mais das vezes, contava
com subscrição dos próprios leitores para sobreviver"173.

Michel Winock em seu ensaio “Idéias Políticas” evidencia o quanto a história


das ideias políticas faz fronteiras com a história da opinião pública e a história da
propaganda, sendo o jornal uma fonte riquíssima para a renovação do corpus
documental. O jornal, segundo o autor, permite conhecer “as inflexões da época e as
nuances da conjuntura”, além de refletir acerca “das relações na sociedade, em suas
174
tentativas de coerência entre a doutrina e os fatos” . Tais possibilidades, se
avaliadas sob o prisma da história das ideias políticas, extrapolam o conceito de
cultura política, pois nos permitem determinar os sistemas de representações da

172
Successos Subversivos de São Paulo. Denuncia apresentada ao Exmo. Sr. Dr. Juiz Federal da
1ª Vara de São Paulo pelo Procurador Criminal da Republica, em commissão no Estado de São
Paulo. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1925, p. 85.
173
PINSKY, Carla Bassanezi (org.) Fontes Históricas. 2ª Ed. São Paulo: Contexto, 2006, p. 119
174
RÉMOND, René (org). Por uma história política. Rio de Janeiro: FGV, 2007, P. 282-283.
58

sociedade que não devem ser separados dos processos de produção e de


mediação175.

Pensando os jornais como expressão das inquietações da sociedade


brasileira, em qualquer época e lugar, cumprem o papel de doutrinação e sedução,
função inerente à imprensa política176. “O jornal – assim como a literatura, a
fotografia, a música, o teatro, a caricatura e o rádio – sempre se apresentou como
alternativa eficaz da propaganda política. Adotado por todos os segmentos sociais
desde a primeira década do século XIX, o jornal se apresenta como um dos mais
importantes registros da memória política do país” 177.

A Plebe

No movimento tenentista de 1924, a participação operária consumou-se


através da chamada “imprensa operária” composta por boletins, panfletos e jornais
em defesa do movimento armado178. Temos como exemplo do gênero o jornal A
Plebe, considerado uns dos principais jornais libertários, que surgiu enquanto
periódico sindicalista como instrumento de luta com as mobilizações grevistas de
1917. Seu foco era defender os princípios anarquistas como doutrina social que
preconizava uma sociedade livre, bem como a organização sindical contra a
opressão do Estado. Circulou de 1917 a 1951, possuindo neste período sua
periodicidade incerta, tendo inclusive sido fechado algumas vezes. Uma de suas
interrupções em sua circulação se deu em julho de 1924 com o fechamento do jornal
por conta do estado de sítio, quando o gerente responsável pela edição, Rodolpho

175
CARNEIRO, Maria Luiza Tucci, KOSSOY, Boris (org.) A Imprensa confiscada pelo Deops: 1924-
1954. São Paulo: Ateliê Editorial: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo: Arquivo do Estado, 2003,
p. 12.
176
ibidem, p. 13.
177
ibidem, p. 20.
178
UEÓCKA, Lorayne Garcia, op.cit., p.252
59

Fellipe, foi preso, juntamente com mais oito participantes do jornal, por quarenta dias
e processados pela lei de imprensa sob a acusação de fazer críticas ao governo179.

Durante o decorrer da revolução de 24 o jornal possuiu uma única edição,


dada às dificuldades impostas, publicada em 28 de julho de 1924 onde encontramos
escritos em defesa da revolução, que convidam o proletariado a participar da revolta,
e uma moção de militantes operários ao Comitê das Forças Revolucionárias.
Desenvolvida a partir da análise do manifesto publicado pelos chefes do movimento,
em reunião realizada na sede dos gráficos, a moção, redigida por um militante
anarquista180, informa que estes se encontram dispostos "a realizar um trabalho de
regeneração nos costumes políticos, sociais e econômicos da República brasileira, -
"republicanizando-a", - e readquirir ao povo os direitos de liberdade e vida [...]" e
apresentam a seguinte proposta para o governo revolucionário:

1º - A fixação do salário mínima para todas as classes trabalhadoras do

Estado [...]

2º - A fixação tambem de uma tabella de preços maximos para os generos

de primeira necessidade, vestuario e habitação [...]

3º - O direito de associação para todas as classes trabalhadoras;

4º - A liberdade de imprensa operaria e a manifestação do pensamento em

praça publica, bem como a revogação na lei de expulsão da parte em que

se refere as questões político sociaes;

5º - O direito de fundar escolas de instrução e educação [...]

179
CARNEIRO, op. cit., p. 96.
180
LEUENROTH, Edgard. Anarquismo: roteiro da libertação social. Rio de Janeiro: Mundo Livre,
1963, p. 119.
60

181
6º - Finalmente, a generalização do dia de 8 horas de trabalho.

Ao final da Moção assinam os seguintes militantes:

Pedro A. Móia, graphico; José Righetti, tecelão; José Ribeiro, canteiro;

Arcenio Palacios, empregado no commercio; Francisco de Simoni,

sapateiro; Paulo Menkitz, tecelão; Pasqual Martineez, engomador; Belmiro

da Silva Jacinto, vidreiro; Nino Martins, graphico; Antonias Domingues,

sapateiro; João Peres, sapateiro; Fernando Donaire, metalurgico; Antonio

Carden Filho, carpinteiro; João Castellani, tecelão; Mario Silva, marceneiro;

José Sarmento, chapeleiro; João Badul, sapateiro; Rodolpho Felippe,

Francisco Pawlik, lustrador; João Matheus, pintor; Alverio Magagal; Marino

Spagnete, alfaiate; Antonio Lucas, pintor; José Gomes, pedreiro; José

Granero, pedreiro; Pedro Zanelia, pedreiro; Affonso Festa, sapateiro.

Conforme podemos notar, dos 27 signatários apenas Rodolpho Felippe, editor


do jornal, e Alverio Magagal, cujo nome não vem seguido de sua profissão, não
eram operários. Segundo Ueócka a maioria destes nomes, após a desocupação da
cidade pelos revoltosos, foi deportada para Clevelândia, onde alguns morreram e
outros fugiram182. Rodolpho Felippe, segundo Lorayne Ueócka183, prometia aos
revolucionários "dedicação desde que dessem liberdade ao povo". Para ele, os
operários não deviam desprezar o momento, uma vez que "as revoluções vem com
promessas mais sérias que a dos governantes". O editor de A Plebe via Isidoro
como um conservador, porém "tornar-se-ia socialista se encontrasse uma boa e
eficaz organização proletária, que tomasse conta do Estado"184.

181
Uma moção de militantes operários ao Comitê das Forças Revolucionarias. A Plebe. São Paulo,
28 de julho de 1924, p. 2.
182
UEÓCKA, Lorayne Garcia, op.cit., p.252.
183
ibidem, p. 197.
184
idem.
61

O 5 de julho

Outro jornal que circulou clandestinamente, que apoiava abertamente o


movimento rebelde e até mesmo se utilizou da data do levante para ser o seu título,
foi o 5 de julho, que circulou durante o período de sedição militar.

Com o intuito de informar os verdadeiros motivos da revolta em outros lugares


do Brasil, o jornal começou a circular no Rio de Janeiro, Distrito Federal no período,
em agosto de 1924. Apesar da rigorosa censura este jornal não teve sua publicação
suspensa, caso adverso este, pois por conta do estado de sítio muitos operários
foram detidos e torturados, com o fim de revelarem a identidade de seus
companheiros responsáveis pelas edições dos jornais e esclareceram onde se
localizavam as gráficas clandestinas185. Segundo Everardo Dias

Sua publicação, malgrado todos os processos empregados pela polícia

secreta, do Distrito Federal, pelas gordas ofertas em dinheiro (50 contos) a

quem denunciasse os editôres ou onde estava sendo composto e impresso,

nunca foi interrompida nem se conseguiu descobrir quem foi seu autor, seu

editor, onde era composto e impresso. Essa publicação saiu interrupta até o
186
fim do gôverno Bernardes .

Em nossa pesquisa encontramos alguns exemplares não datados, e


observamos o propósito do jornal em denunciar as atrocidades do governo de Arthur
Bernardes. Em sua edição de nº 5, encontramos em sua primeira página:

Eis os principais itens desse libello:

1º. Nós accusamos os camorristas do bernardismo de terem

delapidado os cofres publicos;

2º. Nós accusamos da pratica de crimes de direito commum

(assassinatos, suppliciamentos, saques e roupos) contra o povo brasileiro.

185
ibidem, p. 231 e 232.
186
DIAS, Everardo, op.cit., p.141.
62

3º. Nós os accusamos de ter rasgado a Constituição e destruido a

tradição liberal dos nossos costumes políticos;

4º. e nós os accusamos, finalmente, de CONSPIRAR CONTRA A


187
INDEPENDENCIA DA NAÇÃO BRASILEIRA.

Encontramos também as denúncias da censura de informações no Rio de


Janeiro e no restante do país acerca do ocorrido em São Paulo:

Não podemos nem devemos occultar ao povo carioca a situação em

que nos encontramos. A imprensa governista continua a apregoar que é

solida a posição do tyranno do Cattete. Não acreditemos na apparente

tranquilidade dos elementos bernardistas. Não confiemos demasiadamente

na sua insensatez, na sua inconsciência, na sua ignorancia dos


188
acontecimentos.

E ainda convoca os soldados que se encontravam ao lado das forças legalistas


a integrarem as forças revolucionárias:

Vós, soldados, perante a Razão e perante a Justiça, não deveis

obediencia a Arthur Bernardes. O vosso logar é ao lado daquelles que

pegaram em armas para livrar o Brasil da ruina, da escravidão e da


189
deshonra.

Foram encontradas publicações dos gêneros aqui citados ao longo dos


números 5, 7, 16, 18, números aos quais obtivemos acesso. Tal ocorrência nos faz
crer que o principal objetivo do jornal, de fato, era denunciar todas as atrocidades do
governo Bernardes e tendo a revolução de 1924 se colocado contra este governo,
consequentemente era amplamente apoiada pelo jornal.

187
O processo do bernardismo. O 5 de Julho, Rio de Janeiro, s/d, ano 1, nº 5, p. 1.
188
Ao povo carioca. O 5 de Julho, Rio de Janeiro, s/d, ano 1, nº 5, p. 2.
189
Soldados. O 5 de Julho, Rio de Janeiro, s/d, ano 1, nº 7, p. 4.
63

Marreta: Seminário de Combate

O jornal Marreta foi outro que apoiou a sedição. Em sua edição de 19 de julho
de 24, única também publicada no período, declarou que o operariado de São Paulo
estava favorável aos rebeldes e manifestavam abertamente seu apoio. O jornal,
como um órgão popular, aderiu à causa e estimulou os trabalhadores brasileiros e
estrangeiros a participarem da ação rebelde, conforme podemos notar no trecho que
segue:

É uma das mais belas iniciativas essa do mundo produtor paulista e

outra não podia ser a resolução tomada. O operariado de São Paulo em

número poderosíssimo, mais do que ninguém sabe o que tem sido, ou

melhor, o que era a vida no regime que se escangalhou. De um lado os

grandalhões capitalistas, o patronato, e de outro a quadrilha governista, que

viviam sempre apertando-os, numa situação de verdadeira miséria, sem

garantias, quase sem pão e sem o direito sequer de reclamar.

Segundo Lorayne Ueócka190, esse jornal convergiu para os tenentes a função


de recondutores do sistema político, cabendo-lhes a direção do movimento e seriam
os operários conduzidos pelos militares à nova ordem social. O Marreta, ainda que
se afirmasse como revolucionário, tendo como subtítulo “Seminário de Combate” se
mostra elitista, pois na defesa dos tenentes deixou transparecer que estes eram a
classe capaz de liderar as mudanças, sendo o destino dos operários apoiar o
movimento dirigidos pelos militares.

O Estado de São Paulo

Não só os jornais operários sofreram com a forte censura do governo


Bernardes, o jornal o Estado de São Paulo e seus diretores em 1924 também foram

190
UEÓCKA, Lorayne Garcia, op.cit., p. 232 e 233.
64

acusados de colaborarem com os rebeldes. No dia 29 de julho, após a retirada dos


revolucionários, o jornal foi proibido de circular.191

Tido como porta voz do Partido Democrático, que congregava os integrantes


dissidentes do governo, o jornal se mostrava compromissado com os princípios
democráticos, como a veracidade e a liberdade da imprensa, e rejeitou a censura e
a Lei Adolfo Gordo192, assinada em janeiro de 1907 que afirmava que qualquer
estrangeiro ao comprometer a segurança nacional ou a tranquilidade pública podia
ser expulso do país193

Tendo em vista a dominação vigente e as constantes usurpações de poder


através do voto de cabresto, Júlio de Mesquita, proprietário do jornal, sempre
promoveu e participou das manifestações opositoras194. Com a eclosão da revolta o
jornal tentou registrar o cotidiano da cidade. Seu redator, Paulo Duarte, do qual
trataremos mais adiante, acompanhou as negociações e participou ativamente ao
lado do presidente da Associação Comercial de São Paulo, José Carlos de Macedo
Soares. O jornal, durante a revolução, teve importante expressão dentro da
sociedade por conta de sua ascensão no meio da burguesia paulista 195, sendo
evidente também sua ligação com alguns simpatizantes do movimento tenentista 196.

Macedo Soares e a Associação Comercial de São Paulo

191
ibidem, p. 113.
192
ibidem, p. 86.
193
BRASIL. Legislação Informatizada. Decreto nº 1.641, de 7 de janeiro de 1907. Disponível em
http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1900-1909/decreto-1641-7-janeiro-1907-582166-
publicacaooriginal-104906-pl.html. Acesso em 28/01/2012.
194
UEÓCKA, Lorayne Garcia, op.cit., p. 87.
195
ibidem, p. 90.
196
ibidem, p. 98.
65

Com a retirada do Presidente do Estado, Carlos de Campos, após forte


bombardeio aos Campos Elíseos no dia 8 de julho de 1924, o presidente da
Associação Comercial, Macedo Soares, procurou o prefeito Firmiano Pinto que
continuou a exercer seu cargo com o apoio de Isidoro, para se dispor a formar uma
base de defesa da cidade, tendo em vista a destruição de São Paulo, os saques aos
comércios pela população faminta e os consequentes prejuízos econômicos. Para
tal, foi convocada uma reunião na casa de Macedo Soares para que fossem
discutidos os acontecimentos e as possíveis intervenções. No decorrer da reunião,
Isidoro Dias Lopes chegou de surpresa e declarou que estava se empenhando para
que a vida econômica da cidade se normalizasse e para que a cidade fosse
prejudicada o mínimo possível197.

Com o passar dos dias, as dificuldades na cidade aumentaram, se


intensificaram os bombardeios e os saques. Macedo Soares realizou mais algumas
dessas reuniões, que conseguiram influenciar na criação de uma Guarda Municipal
e na Comissão de Abastecimento Público.

Essa comissão foi formada por Dom Duarte Leopoldo, Firmiano Pinto, Julio de
Mesquita, Macedo Soares, F. Steidel e conseguiu das forças revolucionárias apoio
militar quando necessário para o bom andamento da distribuição de mercadorias
nos armazéns. Esta também regulava os preços dos gêneros de primeira
necessidade junto a prefeitura198 e foi criada em 12 de julho de 1924, ao mesmo
tempo que a Sub-Comissão de Socorros aos Indigentes composta pelo dr. Mario
Cardim, Ernesto Dobler e E. J. Donald199.

Começou a cidade, por isso a usufruir uma relativa segurança, graças

tambem ás primeiras providencias para o abastecimento e contra a alta dos

197
ibidem, p. 102 e 103.
198
SOARES, José Carlos de Macedo, op. cit., p. 42.
199
DUARTE, Paulo, op. cit., p. 144.
66

generos provocada pelos exploradores da anormalidade e reprimida pela


200
Prefeitura, com o auxilio da Guarda Municipal que acabava de ser creada.

Com o objetivo claro de preservar os interesses da elite empresarial, Macedo


Soares intercedeu ainda nas negociações de fim de conflito para que se cessasse o
bombardeamento da capital junto ao exército legalista 201 e ao governo202.

Com a retirada dos revoltosos da capital o presidente da Associação


Comercial foi acusado no processo judicial como “comparsa de delinquência” dos
militares rebeldes, por mais que se colocasse na qualidade de chefe ocasional das
classes conservadoras. Por fim, Macedo Soares cumpriu pena de reclusão na
Capital Federal, saindo direto rumo ao exílio na França, onde escreveu seu livro de
memórias sobre os fatos, Justiça203.

Paulo Duarte

Paulo Duarte foi um memorialista importante, sendo um dos mais importantes


redatores do jornal O Estado de São Paulo. Escreveu "Agora Nós!" para denunciar
os arbítrios e crimes praticados pelo governo bernardista que, não distinguindo
classes sociais, e nem o grau de participação no levante, recaiu com toda sua ira
implacável sobre seus supostos inimigos.

Com a criação da Guarda Municipal a Associação Comercial convocou os


"moços de boa moral", encabeçados por Paulo Duarte que formou a Brigada
Acadêmica, contando com mais ou menos 200 estudantes, com o intuito de inibir
saques e desordens204. A Brigada se dissolveu com a retirada das tropas rebeldes
da cidade, contudo Raul Renato Cardoso de Mello, aluno do segundo ano da

200
ibidem, p. 63.
201
SOARES, José Carlos de Macedo, op. cit., p. 78.
202
ibidem, p. 70.
203
SOARES, J. C. Macedo. Justiça: Revolta Militar de São Paulo. Paris: S.C.E., 1925, 519p.
204
O Policiamento. O Estado de São Paulo, São Paulo, 11 de julho de 1924, p. 1.
67

Faculdade de Direito foi preso em setembro de 1924 por envolvimento nos


acontecimentos de julho, por ter assinado um boletim revolucionário.205

Duarte em sua obra ressaltou que os crimes cometidos pelos rebeldes eram
irrelevantes frente aos cometidos pela legalidade. Criticou a arbitrariedade do
governo federal, que resultou na eclosão de diversos movimentos militares e sociais,
sua incompetência administrativa e as diversas denúncias de corrupção e
favoritismo:

até hoje, os valorosos estadistas mostram espanto á sympathia da

população pelos saqueadores [termo utilizado pela legalidade para referi-se

aos revolucionários], que respeitaram os seus bens e foram embora

ardilosamente, generosos, e a repulsa com que recebeu e até hoje alimenta

pelos salvadores da honra nacional, os quaes, defendendo a Lei, em nome

da Lei, iniciaram, após a gloriosa victoria, toda a especie de violencias,

indignidades, tropelias e crimes, escudados pelo estado de sitio acobertador

dos mais covardes excessos e pela impunidade que lhes garante um fraco
206
governo...

Segundo seus relatos, não foram os pontos militarizados os mais atingidos


pelos ataques legalistas, e sim os lugares mais afastados. O próprio jornal O Estado
de São Paulo, do dia 18 de julho, afirma, ao noticiar um ataque com bombardeio no
bairro do Brás, que quase todas as vítimas foram civis 207. No dia 25, foi publicado
junto à imprensa o seguinte boletim:

Ordem Publica - Os ajuntamentos offerecem perigo - O tenente coronel

Cabral Velho, chefe de policia do Exercito, como medida de segurança,

convida a população a abster-se de agglomerações nas praças publicas e

nas esquinas, mesmo durante o dia, pois é caindo sobre esses grupos de

205
DUARTE, Paulo, op. cit., p. 292.
206
ibidem, p. 8.
207
Bombardeio e fuzilaria no Braz. O Estado de São Paulo, São Paulo, 18 de julho de 1924.
68

populares que as granadas têm produzido maior numero de victimas entre a


208
população civil de São Paulo.

Podemos ter uma ideia do número de civis atingidos, tendo em vistas os


índices de enterramentos nos cemitérios da cidade209:

Conforme podemos notar na tabela acima, o total de enterramentos em


julho, em relação ao mês anterior, quase que duplicou. Contudo, ao analisarmos as
colunas que distinguem por sexo entre adultos e menores, notamos que houve alto
índice de morte entre os homens adultos, tendo o índice das mulheres se elevado
também no mês de julho. Isso se deu provavelmente por conta do envolvimento
maior de homens na revolta, tanto ao lado dos revoltosos quanto dos legalistas.
Todavia, um dado que, infelizmente, a tabela não pode nos oferecer é que:

208
DUARTE, Paulo, op. cit., p. 124.
209
Quadro demonstrativo dos enterramentos feitos nos cemitérios do Araçá, Santissimo e Redemptor,
de 1º de janeiro a 31 de dezembro de 1924 extraído de Annexos ao relatorio de 1924 apresentado
a' Camara Municipal de São Paulo pelo prefeito D. Firmiano de Moraes Pinto. São Paulo: Casa
Vanorden, 1925, p. 136.
69

As anotações da Cruz Vermelha e da Santa Casa salientavam que os

feridos e mortos em sua grande maioria eram os civis, principalmente a

população mais carente da cidade, e a porcentagem de militares vitimados


210
na cidade, não atingia cinco por cento [...]

Tendo Paulo Duarte como um dos representantes da burguesia é interessante


notar em seus relatos denúncias próximas às que constam no jornal A Plebe, de
caráter anarquista:

Não bastavam às formas legalistas o bombardeio, desordenado á cidade,

destruindo, incendiando predios, fabricas e casas de morada e matando,

ferindo, em numero elevadissimo, homens, mulheres, jovens, creanças e

até familias inteiras, nos bairros e no centro desta capital. [...] Não lhes

bastavam os crimes, a destruição e os roubos. A esse rosario de infamias,

juntam outros mais hediondos: o ultrage, a violação dos lares, o desrespeito

á familia e, o que é mais pavoroso, a violação de donzelas inermes, o

estupro, as servicias e tudo quanto instincto vestial da luxuria desperta


211
nestas almas possuídas das mais torpes paixões.

Bem como as denúncias contidas no jornal Marreta:

Actos de vandalismo

Corre, insistentemente pela cidade, não é de hoje, que soldados das forças

legalistas que andam dispersos, debandados pela Penha têm alli praticado

actos os mais infames contra aquella indefeza população. Alem de

assaltos, saque contra todos, até imoralidades dizem que estão praticando

os referidos soldados.

210
DUARTE, Paulo, op. cit., p. 150-155.
211
A lucta continua. A Plebe. São Paulo, 28 de julho de 1924, p. 2.
70

Esses boatos são intensos e bastante alarmantes, chegando-se a dizer até


212
que varias mocinhas têm sido desvirginadas por esses individuos. [...]

Temos acima uma perspectiva de como se deu a retomada da cidade pelas


tropas legalistas após a retirada das revolucionárias.

Guarda Municipal

Criada pelo prefeito Firmiano Pinto através do Ato 2444, de 10 de julho de


1924, a Guarda Municipal era encarregada do policiamento da cidade, tendo como
chefe Henrique de Souza Queiroz e o apoio das forças revolucionárias213.

Compunha-se de 40 inspetores-chefe, centenas de subinspetores e milhares


de guardas. A cidade foi dividida em 40 zonas e entregue cada uma a direção de
um inspetor-chefe214.

No mesmo dia da criação da Guarda Henrique de Souza Queiroz mandou


publicar na imprensa:

Todos quanto quizerem dispensar o seu concurso neste patriotico e

abnegado esforço, terão a bondade de apresentar-se com carteira de

identidade, ou apresentação idonea, na séde da prefeitura, a qualquer hora.

Peço ainda aos srs. industriaes e comerciantes que enviem seus guardas
215
communs a se inscreverem na Guarda Municipal.

Três dias depois foi publicado no A Capital:

212
Na Penha. Marreta: seminário de combate, São Paulo, 19 de julho de 1924, p. 4.
213
DUARTE, Paulo, op. cit., p. 63 e 64.
214
LEITE, Aureliano. Dias de Pavor: figuras e scenas da revolta de S. Paulo. São Paulo, 1924, p.96.
215
DUARTE, Paulo, op. cit., p. 64.
71

Já attingiu mais de 1000 pessoas ao que nos consta, sendo intenção do sr,

Souza Queiroz aproveitar somente pessoas qualificadas para esse serviço.


216
Nunca é demais insistir neste objectivo de s.s. que é digno de elogio.

Segundo Aureliano Leite, a Guarda era composta:

de representantes de todas as classes sociais, à qual não faltou o concurso

do operário, do comerciante, do industrial, do médico, do advogado, do

engenheiro, do capitalista, do professor, do farmaceutico, do estudante, do

dentista, que acorreram em significativo entusiasmo ao apêlo da Prefeitura

Municipal, prestou essa corporação incalculavel soma de serviços à cidade


217
de S. Paulo.

Contudo, os cargos de direção, de chefia e de inspecção era ocupados por


médicos, advogados, comerciantes, industriais, professores, estudantes. Centenas
de guardas pertenciam às classes subalternas, sendo estes que percorriam as ruas,
fugindo como podiam dos bombardeios para atender aos feridos, às famílias
necessitadas e às crianças perdidas. Muitas vezes foram alvos das balas perdidas,
dos incêndios frequentes, das explosões das bombas218.

O jornal Marreta chegou a publicar suas suspeitas para com os chefes da


Guarda:

Confiar, desconfiando:

- da Milicia Civica, cujo organizador andava, nos primeiros dias da

revolução, distribuindo pelos jornaes, noticias tendenciosas a favor dos

governistas, e cujos milicianos, em sua grande maioria, ão chefeles políticos

216
A milicia civica. A Capital. São Paulo, Nº 53, 13 de julho de 1924, p. 1
217
Leite, Aureliano, op. cit., p. 96.
218
UEÓCKA, Lorayne Garcia, op.cit., p. 215.
72

e empregados estaduais que receiam perder as suas posições ou os seus


219
empreguinhos com a mudança da situação política [...]

Por outro lado, os revolucionários contribuíram com a manutenção da ordem,


para além do apoio, com a distribuição de comunicados ao povo e à imprensa:

Todo individuo que, aproveitando a actual situação revolucionaria, attentar

contra as leis que regulam a existencia social, invadindo ou roubando a

propriedade, ou commettendo actos immoraes - será exemplarmente punido

pelas autoridades revolucionarias, o que muito recomendo - (a) General


220
Dias Lopes.

Polícia do Exército Revolucionário

Antes da criação da Guarda Municipal, no dia 10 de julho, três dias antes o


general Isidoro Dias Lopes, preocupado com a ordem pública, criou a Chefatura de
Polícia do Exército Revolucionário, confiando-a ao major Raul Dowsley Cabral
Velho, fiscal do 6º regimento de Infantaria, com sede em Caçapava.

A sede dessa polícia, segundo consta na denúncia221, foi a principio no prédio


da 2ª Delegacia de Policia, na Avenida Tiradentes, nº 26, tendo sido transferida
depois para a Rua 7 de Abril, no prédio do Gabinete de Investigação e Capturas.
Costa também que esta teria sido organizada por civis:

O Dr. Ernesto Goldschmitdt, engenheiro allemão, que, além de haver

sido ajudante de ordens do chefe [Cabral Velho], se encarregava da

219
Suggestões opportunas. Marreta: seminário de combate, São Paulo, 19 de julho de 1924, p. 3.
220
DUARTE, Paulo, op. cit., p. 63.
221
Successos Subversivos de São Paulo. Denuncia apresentada ao Exmo. Sr. Dr. Juiz Federal da
1ª Vara de São Paulo pelo Procurador Criminal da Republica, em commissão no Estado de São
Paulo. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1925, p. 73.
73

execução de serviços especiais, funcionando ora como interprete, ora como

examinador e apprehensor de apparelhos de ardio-telephonia.

O individuo Heitor da Cunha Bueno, que, elevado ao posto de

tenentes, além da parte activa que tomou, armado de fuzil, em vários pontos

occupados pelos rebeldes e de ter sido nomeado para juntamente com o

Capitão Rodrigues de Jesus e o Tenente Joaquim Nunes de Carvalho

auxiliar a contagem do dinheiro roubado á Delegacia Fiscal. [...]

O advogado da justiça militar, Ascanio Accioly Garcia, que foi

também, por acto do Major Cabral Velho, nomeado auxiliar da policia

rebelde [...] Manoel da Cunha Bittencourt, que se intitulava academico de


222
Direito, procedente do Rio, foi a principio agente de segurança [...]

Francisco Gonçalves do Nascimento, civil, carcereiro da Cadeia Pública, é


citado como diretor de Polícia Revolucionária. Este, sendo diretor interino da Cadeia
no momento, juntamente com Ascendino Pacheco de Toledo, escrivão da Cadeia,
teria fornecido aos rebeldes a lista de presos e libertou, através de mandatos de
soltura redigidos por Ascendino, 165 presos para serem apresentados ao Quartel
General onde seus serviços foram aproveitados por Isidoro.223

Processos Crime e a identificação da participação civil

Utilizamos nessa parte do trabalho alguns poucos volumes dos processos-


crime movidos pela Justiça Pública Federal contra os envolvidos no levante de 1924,
uma vez que estes tratam de modo direto da participação civil.

A historiadora Lorayne Ueócka, que utilizou todos os volumes do processos-


crime em seu trabalho, afirma que este foi o maior processo até hoje existente no

222
ibidem, p. 74 e 75.
223
Ibidem, p. 73 e 74.
74

Estado de São Paulo, uma vez que é composto de 170 volumes, de


aproximadamente 500 páginas cada, havendo 688 pessoas indiciadas 224.

Contudo, antes mesmo da instauração dos processos-crime, muitos operários


já se encontravam presos perante a alegação de terem participado ativamente das
operações militares em favor dos revoltosos, inclusive recolhidos ao cárcere
irregularmente e sob o pretexto de simples averiguação225. Sendo assim, tendo em
vistas que os processos, que aglutinam boa parte dos civis que participaram do
movimento, deixaram passar vários deles sem investigação, provavelmente houve
uma participação civil bem maior do que nossas fontes sugerem.

Como pudemos notar não houve civil que fosse denunciado na relação dos
considerados "cabeças" do movimento. Todos eram oficiais graduados do
exército226. Contudo, "entre os co-autores foram levantados nos autos, elementos
suficientes para a pronúncia de 100, sendo 62 militares nacionais, 7 comandantes
do batalhão alemão, 2 do batalhao húngaro, um do batalhão italiano e 28 civis 227".
Entre eles encontra-se Planchichinsky, organizador do batalhão alemão; Maximiliano
Agid, organizador do batalhão húngaro; Lamberti Sorrentino, um dos organizadores
do batalhão italiano; Romulo Antonelli, combatente efetivo que percorreu vários
municípios como Jaboticabal, Araraquara e outros, sendo antes pequeno funcionário
do comércio; Manuel Garcia, mecânico, encarregado de fabricar bombas explosivas
para serem usadas contra as forças legais - declarou-se revolucionário; Gabriel
Pereira aliou-se aos rebeldes, era operário e sua ação estendeu-se ao interior do
Estado ao lado de Cabanas228.

224
UEÓCKA, Lorayne Garcia, op.cit., p. 270.
225
ibidem, p. 264 e 265.
226
Successos Subversivos de São Paulo. Denuncia apresentada ao Exmo. Sr. Dr. Juiz Federal da
1ª Vara de São Paulo pelo Procurador Criminal da Republica, em commissão no Estado de São
Paulo. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1925, p. 213.
227
UEÓCKA, Lorayne Garcia, op.cit., p.282.
228
idem.
75

Segundo a autora, com a retirada dos sediciosos da cidade e o início do


inquérito militar muitos, tidos como autores ou colaboradores da sedição, estavam
foragidos. Alguns integraram a Coluna Miguel Costa Prestes e outros estavam
exilados como anônimos. Com o término do processo-crime e a expedição dos
mandados de prisão, muitos destes ficaram sem serem cumpridos, pois os réus não
foram encontrados. Aos que, não foi evidenciada culpa nas ações e receberam
mandados de soltura, muitos também não foram cumpridos. Nestes, se incluem
grande parte do operariado, que enviado à Clevelândia, já havia falecido durante o
processo229.

Em 29 de abril de 1927, foi apresentado o projeto de concessão de anistia


plena e total aos revoltosos de 22 e 24 pelo deputado Flores da Cunha, que
rejeitada em todas as instâncias, chegou somente com a revolução de 30 que
possibilitou o regresso dos oficiais aos quartéis230. A autora Lorayne Ueócka nos faz
uma pergunta interessante: "Sobraram operários heroicos que pudessem se
beneficiar com a anistia?"231

Ainda pouco se sabe da grande massa dos civis envolvidos. Constam em


inquérito, muitas vezes, apenas a profissão e a maneira que o indivíduo estava
comprometido com o movimento. De alguns, que tiveram em sua participação mais
destaque e provavelmente maior interesse do governo, conforme pudemos notar
pelos relatórios na quantidade de dados presentes, obtivemos maiores detalhes,
com exceção dos já mencionados acima e dos participantes estrangeiros, estão
entre eles:

Pedro de Alcântara Tocci, advogado, trabalhava na Estação de Radiotelefonia


da rua de Abril nº38 e durante a eclosão do movimento transmitia discursos
subversivos. Aliciou alemães para as fileiras rebeldes e redigiu um manifesto
subversivo aos operários. Tentou ainda na estrada de ferro Sorocabana conduzir

229
ibidem, p. 290.
230
ibidem, p. 319 e 330.
231
ibidem, p. 332.
76

para o interior uma força de cerca de 60 homens e acompanhou os revolucionários


na retirada para o sul232.

Como dirigente do Partido do Trabalho233mandava publicar informes ao


proletariado afim de angariar forças para o movimento rebelde:

O Partido do Trabalho, no intuito de cooperar com os revoltosos e de acordo

com seu programa de defesa, direito e organização do trabalhismo, contra o

anarquismo e carestia de vida, São Paulo e Brasil inteiro apelam para

prestarem seus serviços, mediante a remuneração seguinte: Operários

estrangeiros ou nacionais pelos serviços que prestarem à razão de dois mil

reis por 10 horas; operários que prestaram o serviço militar em sua Pátria

receberão 50$000 no ato do alistamento e 20$000 diárias de soldo. Nota:

informações e alistamento no Posto Policial do Braz - Lgo. da Concordia,


234
com urgência - S. Paulo, 11/7/1924 - O Partido do Trabalho .

Tocci foi acusado ainda de "todas as noites fazer violentos discursos


revolucionários, da estação rádio telefônica, além de fundar a "Legião dos Patriotas"
composta de operários estrangeiros assalariados."235

Anezia Pinheiro Machado que

era vista diariamente nos quartéis e no campo de aviação dos rebeldes,

armada de revólver, dando-lhes informações; auxiliou o saque do aparelho

pertencente à aviadora Theresa de Marzo; prestou auxílios nas requisições

de peças de aviação pertencentes aos irmãos Robba; tomou parte nos

saques dos aviões de Edu Chaves, no Campo de Guapyra e nos do

232
Successos Subversivos de São Paulo. Denuncia apresentada ao Exmo. Sr. Dr. Juiz Federal da
1ª Vara de São Paulo pelo Procurador Criminal da Republica, em commissão no Estado de São
Paulo. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1925, p. 79.
233
UEÓCKA, Lorayne Garcia, op.cit., p. 185.
234
ibidem, p. 286.
235
ibidem.
77

Governo do Estado, no Campo de Marte; convidava aviadores a voarem a

serviço da rebelião, e por fim, munida de uma requisição dos rebeldes

apossou-se de um automóvel Ford, pertencente à firma Tobias de Barros e

Cia., no qual percorria as ruas da cidade, até que, após a fuga dos rebeldes,
236
dois empregados da casa a obrigaram a restituir-lhe o auto .

Segundo Lorayne Ueócka, Anezia é a única mulher que aparece nos autos.
"Foi indiciada no processo, contudo, o procurador criminal opinou pela não
pronúncia, por "não haver documentos, nem referência de testemunhas no sumário
que comprovassem sua atuação"237. Embora fosse "vista frequentemente, de
revólver a tiracolo nos quartéis e nos campos de aviação em poder dos revoltosos,
prestando-lhes auxílio no tocante à arte, de voar, conforme depõem todas as
testemunhas, é curioso ela ter se ausentado de culpa por "não haver documentos,
nem referência de testemunhas no sumário que comprovassem sua atuação. Isso
nos faz pensar que talvez tal fato tenha se dado por se tratar da única mulher
julgada, contudo não podemos nos esquecer que, tal como conhecedora de aviação,
se encontrava inserida nas classes abastadas.

Muitos outros civis e estrangeiros se abstiveram de culpa por participarem da


revolução, assim como Anésia, por declararem que não tinham ciência política e que
eram atraídos pelas ofertas dos tenentes. Contudo, segundo Aquino, há evidências
de que muito voluntários civis tiveram papel ativo no movimento conscientes dos
seus objetivos, como pode ser identificado no trecho do processo referente à
Christovão Eulálio dos Santos:

Brasileiro e civil, que voluntariamente se alistou nas forças revoltosas,

combatendo nas trincheiras do Brás até o dia 21 de junho, época em que se

seguiu para Araraquara, ali se incorporando novamente aos rebeldes. É

236
Successos Subversivos de São Paulo. Denuncia apresentada ao Exmo. Sr. Dr. Juiz Federal da
1ª Vara de São Paulo pelo Procurador Criminal da Republica, em commissão no Estado de São
Paulo. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1925, p. 87.
237
ibidem, p. 282
78

revoltoso consciente e faz praça dos seus ideais conforme confessa nas
238
declarações.

Segundo o depoente, esses ideais eram “a deposição do Presidente da


República, a reforma da Constituição e a organização do voto secreto”239.

Por mais que Anezia Pinheiro Machado tenha sido a única mulher que aparece
nos autos, temos a certeza de que não foi a única a participar da revolta. Segundo
Moureira Lourenço Lima cinquenta mulheres que provinham, em sua maioria, das
classes populares, aderiram ao movimento da Coluna Miguel Costa Prestes,
conhecidas como "vivandeiras"240. Claro que agiam em desobediência ao comando
superior que proibia mulheres de acompanharem as tropas combatentes. O que nos
faz acreditar que algumas destas acompanharam os revolucionários após a retirada
da cidade de São Paulo, como é o caso da enfermeira austríaca Herminia, que
segundo Moreira Lima, acompanhou a Coluna Miguel Costa Prestes até sua retirada
na Bolívia:

Era valente e devotada, retirando muitas vezes os feridos das linhas

de fogo.

No cerco de Teresina, Herminia foi às trincheiras inimigas e alí tratou


241
vários feridos, regressando depois ao nosso acampamento.

Identificamos ainda, que partiram de São Paulo com os revolucionários e

chegaram a compor a Coluna, a enfermeira Elza, alemã que completou 18 anos na

Coluna e Tia Maria, negra, cozinheira de Isidoro que o acompanhava desde São

Paulo,

238
AQUINO, Laura Cristina M. de, op. cit., p. 55.
239
Successos Subversivos de São Paulo. Denuncia apresentada ao Exmo. Sr. Dr. Juiz Federal da
1ª Vara de São Paulo pelo Procurador Criminal da Republica, em commissão no Estado de São
Paulo. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1925, p. 82.
240
LIMA, Moreira Lourenço, op. cit., p. 130.
241
ibidem, p. 132.
79

encerrou sua peregrinagem em Piancó, Paraíba. Bebia e muito.

Embriagada, não se apercebeu da retirada sorrateira da Coluna. A policia

paraibana, que ali chegou após a nossa saída, encontrando a pobre preta,

sangrou-a cruelmente, no cemitério, obrigando-a antes a abrir a sua própria


242
cova.

Ainda temos aquelas que participaram de modo mais oculto e que não
acompanharam os rebeldes ao longo da Coluna Miguel Costa Prestes, como é o
caso de Whinnie Thiré:

Segundo os jornais noticiaram, uma das figuras notaveis da ultima

revolta foi a cirurgiã-dentista Whinnie Thiré Bueno [...]

Whinnie era a amante do major Cabral Velho, chefe de policia do

governo isidoriano. Segundo fôra apurado pelo dr. Bandeira de Mello, a

cirurgiã-dentista tomou parte muito importante na mashorca.

Era uma perigosa espiã, chegando mesmo a ir até á linhas legalistas

e conversar com officiaes do Exercito e da Força Publica, disfarçada em

enfermeira da Cruz Vermelha. Durante o dia, Whinnie, armada de revólver,

percorria a cidade de automovel, exhibindo-se. Não poucas vezes ia á 2ª

delegacia de policia, á Avenida Tiradentes, onde estava installada a chefia

de policia, dando conta de sua tarefa.

Numa busca effectuada em sua residencia, a policia descobriu varios

documentos importantes, entre os quaes a designação de dois comparsas

do general Isidoro para "abrir os caixotes de dinheiro saqueado da

Delegacia Fiscal. No dia da fulga, Whinnie acompanhou o seu amante. No

242
A Grande Marcha: as mulheres na Coluna Prestes. Revista Do Leitura. São Paulo, 13 de junho
de 1994, p. 2.
80

interior, porém, preferiu deixar-se ficar socegada numa fazenda, onde a


243
polícia foi descobril-a.

Consta ainda nos processos a participação de menores como Fulgêncio José


Espínola de 16 anos, Armando Lerro, de Jaboticabal e Duilio Poli, de 16 anos, de
Jaboticabal. Menos ainda citada, tendo em vista o predomínio dos imigrantes e seus
descendentes, houve a participação de negros: "Sobraçando fuzis, aproximam-se
dois feios sediciosos, negros retintos, tresandando a alcool e a suor" 244

De fato, tinha razão Aureliano Leite quando afirmou: "Revoltosos havia então
de todo o feitio e espécie: pretos e brancos, meninos e velhos, homens e mulheres,
nacionais e estrangeiros"245.

243
COSTA, Ciro; GOES, Eurico de, op. cit., p. 379 e 380.
244
LEITE, Aureliano, op. cit., 62.
245
ibidem, p. 83.
81

CONCLUSÃO

Com a ocupação da cidade de São Paulo ao invés de os militares


enfrentarem as classes abastadas, entraram em acordo com elas a partir da
justificativa de ser esta uma solução provisória, a fim de que pudessem cuidar das
manobras militares. Mas, no desenrolar dos acontecimentos, permitiram a
continuidade da ação do poder central, representadas pelas autoridades municipais,
não realizando a ruptura política inicialmente proposta quando foi possível realizá-la.

Ao que parece, a intenção dos militares era apenas dominar São Paulo e
realizar o deslocamento das tropas para o Rio de Janeiro, a fim de depor o
presidente Arthur Bernardes. Contudo, apesar disso, muitas cidades pelo interior de
São Paulo se levantaram. Encontramos na Denúncia que cinquenta e cinco
cidades246 se envolveram com o movimento. Em Itapetininga 247 o desenvolvimento
chegou a ponto de se formarem "batalhões patrióticos", organizados por “coronéis”
da região, como meio de evitar a expansão do movimento rebelde, que se locomovia
por meio da Coluna da Morte, liderada pelo Tenente da Força Pública João
Cabanas248.

Todavia, estes levantes pouca importância tiveram para os militares, sendo


que forças poderiam ter sido angariadas pelo interior para o fortalecimento do
movimento, uma vez que nestas cidades houve uma participação e apoio popular
significativos, conforme pudemos verificar.

Esses fatores, a não ruptura com os poderes instituídos e a acanhada


atenção aos movimentos pelo interior do estado, atrelado ao pouco incentivo à
participação popular, são apontados pelos diversos autores que utilizamos na

246
Successos Subversivos de São Paulo. Denuncia apresentada ao Exmo. Sr. Dr. Juiz Federal da
1ª Vara de São Paulo pelo Procurador Criminal da Republica, em commissão no Estado de São
Paulo. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1925, p. 126 a 205.
247
CORREA, Anna Maria Martinez, op. cit., p. 175.
248
CABANAS, João. A coluna da morte. Rio de Janeiro: Almeida Torres, 1928.
82

elaboração deste trabalho como as causas para o fracasso da revolução. Contudo,


não foi este aqui o nosso objetivo.

Conforme pudemos constatar, houve na Revolução de 1924 em São Paulo


um envolvimento da população civil significativo seja porque se identificaram com a
política de oposição dos militares ao governo de Arthur Bernardes ou porque viram
no alistamento uma forma de sobrevivência em meio ao estado de guerra em que se
encontrava a cidade.

Todavia, é fato que as classes populares manifestaram grande apoio à


revolução de 1924. “Quando os rebeldes passavam pelas ruas da cidade em grupos
de tropas, eram ardorosamente aplaudidos pelo "povão”. Além disso, os soldados da
sedição foram permanentemente atendidos nas trincheiras espalhadas pela cidade.
Estes gestos de solidariedade brotavam de quase toda a população, indistintamente
de nível social.”249. Como vimos, essa atitude logo foi percebida pelos legalistas, que
responderam com bombas sobre a cidade, o que fez com que a população se
enfurecesse ainda mais com o governo e se colocasse ao lado dos rebeldes:

As forças legais reocuparam a cidade com uma brutalidade inaudita,

saqueando, espancando, prendendo dentre uma população que julgava

colaboracionista, além de executar sumariamente grupos inteiros de

imigrantes suspeitos de terem aderido à revolta. A indignação e ódio da

população às autoridades e tropas leais não poderiam ser maiores. Os

populares recebiam a passagem dos legalistas fazendo com os dedos um

V e um I: "Viva Isidoro!". Por sua vez, os revoltosos em fuga faziam das

janelas dos comboios da Sorocabana, pelas cidades em que passavam, os


250
sinais I e V: "Isidoro Volta!". Era o início do sebastianismo republicano.

249
UEÓCKA, Lorayne Garcia, op. cit., p. 230.
250
SEVCENKO, Nicolau. O Orfeu extático da metrópole: São Paulo, sociedade e cultura nos
frementes anos 20. São Paulo: Companhia das Letras, 1992, p. 304.
83

Nosso objeto de pesquisa, os civis envolvidos na sedição militar, se mostrou


bastante diverso quanto a sua origem social e geográfica, bem quanto ao sexo ou a
idade. Espero que tenhamos conseguido expor isso ao longo deste trabalho, em
meio às suas dificuldades, uma vez que esse assunto, a identificação da
participação civil na revolta de 1924, se amplia tendo em vista as formas de
abordagens, a escolha das fontes e as determinações geográficas e temporais,
considerando a amplitude do estado de São Paulo, e o tempo de formulação e
reinvenção do movimento, que culminou com a Coluna Miguel Costa Prestes.

Para concluir, é interessante notar que muitos civis, independentemente dos


motivos que os levaram a se envolverem no movimento ou de suas origens,
participaram e tomaram a Revolução como sua, atribuindo a ela, de certa maneira,
um caráter popular, por mais que alguns tenham adquirido alguma patente militar ao
longo do caminho.

Na verdade, assim como argumentávamos no início desse trabalho, que os


tenentes eram parte da sociedade e ao mesmo tempo parte do Estado, os civis
assim também, quando anseiam, se encaixam nesta duplicidade.

O paisano, em 1924, andou por todos os lados, desempenhou tôdas as

funções e foi imprescindível em tôdas as ações. Êle ocupou todos os postos

na hierarquia do Exército da Revolução e nunca decepcionou os militares

de carreira que lhes confiava tarefas onde, além de arranjo e de bravura,


251
devia entrar, tambem, a iniciativa e a cultura.

251
CARVALHO, Joaquim Nunes de, op. cit., p. 53 e 54.
84

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