Sie sind auf Seite 1von 12

Sobre a noção de espécie no tratado da natureza humana da primeira parte da

Suma de teologia de Tomás de Aquino.

André de Deus Berger1

Resumo: A partir da questão 75 da primeira parte de sua Suma de teologia (doravante ST, Iª, 75),
Tomás de Aquino se debruçará sobre a definição do que seja a natureza humana. Entendendo o
homem como um composto entre alma e corpo, sua investigação será iniciada pelo estudo da
substância da alma humana. Nesta investigação a noção de espécie cumprirá papel fundamental,
atrelada ao gênero e designando aquilo que define o composto e o diferencia de outros. Esta
diferenciação ocorrerá a partir da forma do composto, que define a operação própria deste. É a
partir desta perspectiva operativa que Tomás erigirá sua tese sobre a natureza humana, levando em
conta que é o composto que opera as operações próprias da espécie. Em sua argumentação, Tomás
afirmará que deste modo a noção de espécie deverá também levar em conta a matéria da
composição (no caso da espécie humana, o corpo) mesmo estando ao lado da forma (a alma
humana). A afirmação tomasiana é que o conhecimento intelectivo da natureza dos corpos é a
operação própria da espécie humana, e que este ocorre imaterialmente e de forma absoluta, como é
o intelecto. A matéria é afirmada como um impedimento ao conhecimento intelectivo por ser
considerada o princípio de individuação dos compostos. Tomás afirma porém que o operador do
intelecto é uma espécie inteligível. Se esta for uma modalidade da espécie que é atrelada ao gênero
e à diferença, como poderá ser inteligível se a espécie carrega em si a materialidade daquilo que é
espécie? Se for algo diverso, que deve ser entendido como um operador, qual a sua origem, e como
desempenha seu papel operativo?

Palavras-chave: Tomás de Aquino (1225-1274), espécie, composição, operação intelectiva.

Nosso objetivo é o de evidenciar a emergência da noção de espécie em ST, Iª, 75, 1, de


Tomás de Aquino com o intuito de averiguarmos a hipótese de que, pela utilização desta noção,
Tomás pode alicerçar sua tese sobre a natureza humana em uma perspectiva operativa. ST Iª, 75 é a
questão que abre o tratado da natureza humana, e a perspectiva operativa está anunciada desde o seu
prefácio e será apresentada logo início da apresentação tomasiana, quando se condiciona que a
verificação da significação de algo deve ser observada a partir do princípio de operação deste algo.
O desenvolvimento que se segue é que esta significação define a espécie deste algo, que divide o
gênero agregando indivíduos que compartilham princípios operativos comuns. No caso do homem,
o que define sua espécie é a operação intelectiva, realizado por sua alma que tem o intelecto como
princípio operativo. Esta operação intelectiva é o conhecimento, entendido como recepção de
formas ao modo daquele que as recebe, das naturezas dos corpos de maneira absoluta. Para realizar
esta operação a alma necessita estar unida ao corpo em um conjunto, uma vez que é auxiliada nesta
operação pelas faculdades sensitivas, que se utilizam de órgãos corporais. Assim, Tomás tratará de
expor primeiramente o que seja o homem do ponto de vista de sua substância, tomando primeiro a
1
Mestrando em Filosofia pela UFSCar, email: andredb@bol.com.br.
alma considerada em si mesma, tendo em vista que o indivíduo que opera as operações próprias da
espécie humana é o composto entre alma e corpo.
Entendida do ponto de vista da substância dos indivíduos, a espécie divide o gênero ao
trazer uma diferença de natureza entre eles, atuando ao lado da forma em sua composição, mas
significando sempre a composição e não apenas a forma. Então, no caso do homem, mesmo
partilhando o gênero com os outros animais, sua espécie será definida pela diferença que tem para
com eles do ponto de vista de sua forma, e esta é sua alma intelectiva, que carrega o princípio da
operação própria da espécie humana que é o princípio intelectivo. A significação de espécie humana
porém deverá levar em conta a composição, uma vez que é este composto que realiza a operação da
espécie. Ocorre que Tomás afirma também uma espécie inteligível, que permite ao intelecto passar
do estado de ignorância para ciência. Podemos entender esta ação do intelecto como uma operação,
e esta espécie inteligível então como, a princípio, o operador pelo qual ocorre esta operação.
A noção de espécie inteligível ocorrerá em ST, Iª, 75, 5, cuja problemática é se alma é
composta de matéria e forma ou não, no qual se afirma que a espécie inteligível é aquilo que
permite ao intelecto sofrer mudança de ignorância para ciência. O que chama a atenção é que o
contexto geral da discussão tomasiana presente no recorte selecionado é, como dito, o da definição
do que seja a natureza humana do ponto de vista principalmente da substância do composto
operativo, no qual a noção de espécie aparece em geral atrelada às noções de gênero e diferença. Há
porém a afirmação de uma espécie que participa do ato intelectivo permitindo ao intelecto realizar
sua operação própria, aquela que o define, que é o conhecimento das naturezas dos corpos de modo
absoluto. Vejamos então a emergência desta noção e as implicações envolvidas conforme as
discussões específicas dos artigos em que ela ocorrerá.

A definição da composição da espécie humana e a essência da alma.

No prefácio de ST, Iª, 75, Tomás anunciará a maneira como procederá em sua investigação
sobre a natureza humana: tomando-a do ponto de vista da alma, há de se considerar primeiro sua
essência, depois suas potências, e por fim sua operação2. A essência da alma será tratada em ST, Iª,
75 & 76; as potências da alma serão tratadas de ST, Iª, 77 a 83; e as operação da alma serão
investigada de ST, Iª, 84 a 89.
A noção de espécie ocorrerá pela primeira vez no tratado da natureza humana em ST, Iª, 75,
2, ad 1um, como um dos alicerces para que Tomás possa afirmar a subsistência da alma humana. Na
argumentação tomasiana contra a afirmação de que a alma humana não é algo subsistente por ser o
composto de alma e corpo3, a noção de espécie é utilizada para afirmar que a alma humana é parte
2
ST, Iª, 75, Prefácio. (2001-2006, vol. II, p. 355).
3
ST, Iª, 75, 2 1m. (2001-2006, vol. II, p. 358).
da espécie humana, não significando portanto uma realidade completa em uma natureza específica,
uma vez que é parte. No caso da espécie humana, em sendo o corpo a outra parte da espécie, apenas
o composto de alma e corpo pode ser dito como uma realidade completa. Porém, a alma humana
pode ser tomada como uma realidade subsistente pois significa por si mesma, podendo ser dita
como algo4.
O que a alma humana significa por si pode ser verificado por sua operação. Esta é a
operação intelectiva, que permite ao homem conhecer as naturezas de todos os corpos. Para ser o
princípio desta operação, a alma humana deve operar por si mesma, sem participação de órgão
corporal, ou então seria impedida, por esta participação, de conhecer a natureza dos outros corpos,
uma vez que cada corpo tem uma natureza determinada. Somente considerada desta maneira a alma
pode ser tomada como subsistente e incorpórea, e é por ser considerada desta maneira que a alma
humana pode ser chamada também de mente ou intelecto, que é o princípio da operação intelectiva 5.
Respondendo contra o argumento de que a alma humana não é subsistente por necessitar das
operações corpóreas para o próprio inteligir, uma vez que este não ocorre sem os fantasmas que por
sua vez não ocorrem sem o corpo 6, Tomás afirmará que estes fantasmas estão para o intelecto como
o sensível para o sentido, daí o intelecto necessitar do corpo em razão do objeto, e não como um
órgão próprio pelo qual sua operação intelectiva seja exercida7.
É importante atentarmos como Tomás procederá sua consideração sobre a alma humana sob
uma perspectiva operativa, na qual a noção de espécie será de fundamental importância. A alma
humana será a princípio afirmada como parte da espécie humana, que não deve por isso ser
entendida como uma realidade completa. Poderá porém ser entendida como subsistente e incorpórea
se puder ser significada por si mesma. Para tanto, se toma a alma humana do ponto de vista de sua
operação. Esta operação é a intelecção, afirmada como aquela pela qual a espécie humana pode
conhecer as naturezas de todos corpos, que não ocorreria se dela participasse algum órgão corporal.
Mesmo tendo indicado no prefácio de ST, Iª, 75, que o que concerne à operação da alma humana
será o último assunto a ser tratado no que tange ao homem, já nos é adiantado que esta operação
consiste no conhecimento intelectivo da natureza dos corpos, que ocorre de maneira incorpórea. O
que se afirma, é que para a realização da operação intelectiva a alma humana necessita estar unida a
um corpo em razão de seu objeto, pois o que está para o intelecto como objeto são fantasmas, que
não existem sem o corpo. Assim, a perspectiva operativa incidirá também sobre o porque da união
entre alma intelectiva e corpo no composto que é o indivíduo da espécie humana.
A noção de espécie ocorrerá em seguida na questão sobre o estabelecimento da diferença

4
ST, Iª, 75, 2 Ad 1m. (2001-2006, vol. II, p. 359).
5
ST, Iª, 75, 2 Respondeo. (2001-2006, vol. II, pp. 358-359).
6
ST, Iª, 75, 2 3m. (2001-2006, vol. II, p. 358).
7
ST, Iª, 75, 2 Ad 3m. (2001-2006, vol. II, p. 360).
entre a espécie humana e as outras espécies animais de ST, Iª, 75, 3. Para responder contra a
afirmação inicial de que por ser do mesmo gênero do homem a alma dos animais são subsistentes
assim como a alma humana8, Tomás recorrerá à noção de espécie para afirmar que o homem
partilha o mesmo gênero do restante animais, mas se difere deles por uma diferença de forma, que
condiciona a espécie9. Argumentando contra a tese de que a alma sensitiva dos animais apreende os
sensíveis sem o corpo assim como a alma intelectiva do homem apreende os inteligíveis sem o
corpo10, a afirmação tomasiana é a de que os sentidos estão para os sensíveis assim como o intelecto
está para os inteligíveis do ponto de vista de estarem em potência cada qual para seu objeto, porém
o sentidos recebem a ação de seu objeto com mudança corporal, enquanto o intelecto não 11. O
postulado é o de que através da espécie do sensível ocorre a operação do sentido daquele sensível,
como a pupila é modificada ao receber a espécie da cor. O argumento é de que assim se verifica que
a alma sensível não opera por si própria, mas toda sua operação é do composto de corpo e alma. Isto
diferencia o sentir do inteligir, uma vez que a operação intelectiva é postulada como ocorrendo sem
os órgãos dos sentido12, caracterizando a diferença de forma entre a alma intelectiva da espécie
humana e a alma sensitiva das outras espécies animais.
O que nos é apresentado então é a diferença entre os seres de um ponto de vista operativo,
proporcionada pela noção de espécie. Esta noção é afirmada como definida pela forma, assim, a
espécie humana será diferente em forma das outras espécies animais. Novamente será atentando à
operação realizada pela espécie que se diferenciará entre elas. A alma intelectiva opera sem órgão
corporal, como já afirmado, enquanto a alma sensitiva opera pela modificação do corpo através do
contato com o sensível, o que evidencia a diferença entre elas. É de se notar que Tomás explica a
ocorrência do contato entre o sensível e o sentido utilizando também o termo espécie para nomear
aquilo do sensível que é recebido nos sentidos. Pelo desenvolvido até então do contexto de ST, Iª,
75, se pode entender esta espécie como aquilo que define o sensível através de uma diferença
operativa trazida pela forma. Esta espécie é recebida nos órgãos dos sentidos ao permitir uma
modificação corporal do órgão próprio que está em potência para ela. No que tange à relação da
alma com o corpo, Tomás afirma que o intelecto pode causar, acidentalmente, uma fadiga no corpo
por que precisa da operação dos sentidos para que lhe sejam preparados fantasmas 13, já ditos acima
como aquilo que está para o intelecto como seu objeto.
A dificuldade enfrentada em ST Iª, 75, 4 será a de argumentar contra a afirmação de que
apenas a alma seja o homem. Para tal, Tomás lança mão da noção de espécie, afirmando que

8
ST, Iª, 75, 3 1m. (2001-2006, vol. II, p. 360).
9
ST, Iª, 75, 3 Ad 1m. (2001-2006, vol. II, p. 361).
10
ST, Iª, 75, 3 2m. (2001-2006, vol. II, p. 360).
11
ST, Iª, 75, 3 Ad 2m. (2001-2006, vol. II, p. 361).
12
ST, Iª, 75, 3 Respondeo. (2001-2006, vol. II, p. 361).
13
ST, Iª, 75, 3 Ad 2m. (2001-2006, vol. II, p. 361).
pertence à substância da espécie aquilo que é comum à substância de todos os indivíduos contidos
naquela espécie. No caso da espécie humana, é comum a todos os seus indivíduos terem forma
(alma) e matéria (carnes e ossos), como todas as coisas naturais, sendo então da razão da espécie
humana ser um composto de matéria e forma. Em sendo a natureza da espécie significada por sua
definição, a espécie humana é então definida pela composição entre matéria e forma, e assim
significada. Também pela operação sensitiva se pode verificar que o homem é um composto de
alma e corpo, uma vez que as operações sensitivas já foram afirmadas como ocorrendo em órgãos
corporais14. Contra a afirmação de que apenas a alma seria o homem por ela ser uma hipóstase 15,
Tomás argumenta que a alma não é uma hipóstase pois não contém a natureza completa da espécie,
mas é parte da espécie humana, carregando então uma parte de sua natureza16.
O que deve ser enfatizado aqui é a fundamental importância da definição da substância da
espécie como aquilo que é comum à substância dos indivíduos de uma espécie, e a consequente
definição da espécie humana como um composto de matéria e forma. Sempre se deve ter em conta
que a noção de espécie é relacionada a um algo que pertence a uma espécie, sendo este algo
definido por aquilo que é comum aos indivíduos da espécie a que ele pertence. A definição da
espécie humana, como tendo por substância a matéria e a forma, pode ser expandida para todas as
coisas naturais, cujas espécies então também tem por substância a matéria e a forma, sendo esta
última aquilo que define a espécie.
Em ST, Iª, 75, 5, respondendo ao argumento de que a alma seria composta de matéria e
forma por ter em si propriedades da matéria, qual sejam, ser sujeito e sofrer mudanças 17, Tomás
afirma uma espécie inteligível como aquilo que permite ao intelecto sofrer mudança de ignorância
para ciência, enquanto este estiver em potência para elas. Como esta potência é diferente da
potência da matéria, a razão de o intelecto ser sujeito e sofrer mudança é também diversa 18. Esta
resposta está embasada no desenvolvimento do corpo da resposta, que postula que conhecer é
receber a forma do conhecido naquele que conhece, e que é o modo do recipiente quem condiciona
o modo como algo é recebido. O que se afirma é que o intelecto recebe as formas das coisas que
conhece de um modo que lhe permite conhecê-las em sua natureza absoluta, que é o modo próprio
da razão formal da alma humana enquanto intelectiva. O que se argumenta então é que: como a
alma intelectiva conhece de maneira absoluta ela é forma absoluta, e não um composto de matéria e
forma. É de se notar que a consideração tomasiana é a de que os sentidos também conhecem, uma
vez que são também receptores de forma. O conhecimento dos sentidos porém não é absoluto
porque seu modo próprio de recepção de formas ocorre em órgãos corporais. Assim, por conta da
14
ST, Iª, 75, 4 Respondeo. (2001-2006, vol. II, pp. 362-364).
15
ST, Iª, 75, 4 1m. (2001-2006, vol. II, p. 362).
16
ST, Iª, 75, 4 Ad 2m. (2001-2006, vol. II, p. 363).
17
ST, Iª, 75, 5 2m. (2001-2006, vol. II, p. 364).
18
ST, Iª, 75, 5 Ad 2m. (2001-2006, vol. II, pp. 365-366).
composição entre matéria e forma ao qual estão sujeitos, os sentidos recebem em si formas
individualizadas pela matéria e conhecem singularmente, e não de maneira absoluta19.
A afirmação da existência de uma espécie inteligível, que permite ao intelecto realizar uma
ação, pode ser entendida no bojo do que tem sido afirmado até então. Esta espécie, dita inteligível,
carrega todos os atributos relacionados à noção de espécie: ela define a completude de uma
realidade, se diferencia de outras espécies pelo princípio operativo trazido por sua forma, carrega a
substância completa de um algo que deve ser comum a todos os indivíduos daquela espécie e tem
sua natureza significada por sua definição. O que se agrega a esta noção é a afirmação de uma
inteligibilidade que permite uma ação do intelecto, qual seja, mudar da ignorância para a ciência,
caracterizando esta espécie inteligível como um operador que permite um ato do intelecto.
Este ato do intelecto deve ser compreendido pelo contexto do corpo do artigo, no qual se
argumenta que o intelecto conhece ao receber em si e a sua maneira a forma do conhecido. Isto
define o conhecer como a recepção da forma em um recipiente ao modo dele. O postulado é o de
que o conhecimento próprio do intelecto é o da natureza absoluta da coisa conhecida; em sendo este
conhecimento condicionado pelo modo de ser do intelecto, se conclui que o intelecto é também
forma absoluta, não composta com a matéria. Se tomamos a mudança de ignorância para ciência
como conhecer, devemos afirmar então que é a espécie inteligível que permite ao intelecto a ação de
receber a forma do conhecido ao seu modo próprio que é o da natureza absoluta. Esta ação nada
mais é do que a própria operação do intelecto, já definida como aquilo que permite à alma humana
significar a si mesma e que a difere, em natureza, da alma dos outros animais. É importante não
deixarmos de lado o desenvolvimento tomasiano no que tange aos sentidos. Estes serão entendidos
como receptores de formas individualizadas pela matéria uma vez que sua operação ocorre em
órgãos corporais. Assim, o sentidos também conhecem, uma vez que conhecer é receber formas. O
seu modo próprio de conhecimento porém é aquele condicionado pela composição da forma com a
matéria, sendo esta afirmada como o princípio de individualização.
A última ocorrência da noção de espécie em ST, Iª, 75 se encontra na pergunta do artigo
sétimo, que objetiva responder negativamente a questão sobre a possibilidade de serem, o anjo e o
homem, da mesma espécie. O objetivo de Tomás é estabelecer que a divisão das espécies ocorre não
por acidente, mas por diferenças de natureza. A tese é a de que a diversidade numérica e a
desigualdade natural das substâncias subsistentes faz com que haja diferença de espécie entre estas
substâncias. Esta tese é reforçada pela afirmação de que não se pode inteligir uma forma separada
que não seja especificada por uma espécie. Se por exemplo as cores, fossem separadas das coisas,
não haveria mais que uma e apenas uma cor correspondente a cada espécie, e mesmo assim
haveriam várias cores, uma para cada espécie. Isto porque a espécie divide o gênero. Assim, a

19
ST, Iª, 75, 5 Respondeo. (2001-2006, vol. II, pp. 364-365).
diversidade segundo a espécie sempre implica em diversidade segundo a natureza20.
Tendo estabelecido isto, Tomás pode responder contra a afirmação de que o anjo e alma são
da mesma espécie por possuírem o intelecto como diferença única específica 21. O argumento
tomasiano contrário a esta posição é o de que nem tudo o que é intelectual é de uma mesma espécie
assim como nem tudo o que é sensível é de uma mesma espécie, pois há diversos graus de
determinação tanto dos sensíveis quanto dos inteligíveis22. Quanto à afirmação de que a alma
pertence a uma espécie por si, separada do corpo que não pertence a sua essência (o que a
habilitaria a ser da espécie que o anjo) 23, Tomás afirma que a alma não pertence propriamente a uma
espécie pois através da natureza de sua essência se une ao corpo num composto para que possa
operar, e este composto operativo sim, pertence a uma espécie determinada. O anjo, pelo contrário,
não se une a nenhum corpo por sua natureza, e portanto é de uma espécie diferente da alma unida ao
corpo no composto24.
Estas são as últimas determinações diretamente relacionadas à noção de espécie de ST, Iª,
75, que tem por objetivo estabelecer a operação intelectiva como a essência da alma humana, e a
composição entre alma e corpo como aquilo que define e significa a espécie humana. Se afirma que
a espécie divide o gênero porque sua diversidade implica em diversidade de natureza: indivíduos de
espécies diferentes são necessariamente diferentes em natureza, e não acidentalmente. No caso da
espécie humana, é a união da alma com o corpo que forma uma espécie, uma vez que é o composto
que opera as operações da espécie humana. Assim, a alma humana, que é intelectiva, se une por
natureza ao corpo, formando uma unidade, mas não é uma espécie por si própria.
É de se atentar então no contexto geral de ST, Iª, 75, que o que define algo é sempre
operação própria que este algo executa. A noção de espécie emerge diretamente ligada a esta
perspectiva operativa uma vez que o que define a natureza de uma espécie é exatamente a operação
própria executada pelos componentes de uma espécie. No caso da espécie humana, esta operação é
a recepção de formas em sua alma intelectiva ao modo dela, que é imaterial e absoluto. Esta
operação permite o conhecimento, pelo intelecto, da natureza dos corpos naturais (entendidos como
compostos de matéria e forma) de modo absoluto, pois o postulado é que conhecer é receber
formas, e que esta recepção de formas ocorre sempre ao modo do recipiente. Ocorre que os sentidos
também são entendidos como receptores de formas, porém de modo individual, uma vez que a
recepção de formas pelos sentidos ocorre em órgãos corporais. É a ligação com o corpo, entendido
como a parte material do composto, que condiciona o recebimento da forma de modo individual e
não absoluto nos sentidos, pois a matéria é afirmada princípio de individuação.
20
ST, Iª, 75, 7 Respondeo. (2001-2006, vol. II, p. 370).
21
ST, Iª, 75, 7 2m. (2001-2006, vol. II, p. 369).
22
ST, Iª, 75, 7 Ad 2m. (2001-2006, vol. II, p. 371).
23
ST, Iª, 75, 7 3m. (2001-2006, vol. II, p. 369).
24
ST, Iª, 75, 7 Ad 3m. (2001-2006, vol. II, p. 371).
Este último desenvolvimento nos permite recuperar o apresentado aqui até então, para que
possamos encaminhar as considerações finais sobre o exposto. Nosso objetivo foi o de percorrer a
questão inicial do tratado da natureza humana presente em ST, evidenciando a emergência da noção
de espécie tendo em vista a hipótese de que Tomás a utilizará sob uma perspectiva operativa, para
alicerçar sua tese sobre a natureza humana. Esta perspectiva operativa é sustentada desde o início da
apresentação tomasiana, quando Tomás afirma que a alma do homem significa a si mesma pois
opera por si mesma, e esta operação permite ao homem o conhecimento da natureza dos corpos 25. É
também neste início que Tomás postula que mesmo subsistente por si a alma humana não deve ser
entendida como uma realidade completa, uma vez que o espécime humano é um composto de alma
e corpo. A alma é uma parte da espécie, sendo a outra parte o corpo26.
O que se segue são determinações que aprofundam esta tese a partir das dificuldades
levantadas e respondidas por Tomás. Ao ser entendido como um exemplar de uma espécie, o
homem deve então partilhar daquilo que é próprio de sua espécie. Já estabelecido que a operação
intelectiva é a operação própria da alma humana, se estabelece na sequência que a espécie
acompanha aquilo que é definido pela forma, pela qual uma espécie se diferencia da outra 27. Faz
parte porém da natureza da espécie aquilo que é comum aos indivíduos daquela espécie; no caso das
coisas naturais, que inclui o homem e todos os sensíveis, é da natureza da espécie a composição
entre forma e matéria. Entende-se, no caso dos seres vivos, a forma como a alma, e a matéria como
o corpo28. Se a espécie acompanha a forma em sua definição, então é pela forma que se define o
composto, já que a espécie define o composto. Assim, é a alma intelectiva quem define a natureza
da espécie humana, e esta natureza será aquela determinada pela operação da alma intelectiva que é
o conhecimento absoluto da natureza dos corpos.
O que deve ser considerado na sequência é uma afirmação de espécie enquanto um operador
que permite tanto ao intelecto quanto aos sentidos realizarem a operação de receberem formas 29. A
afirmação tomasiana quanto ao sentido será a de que este será modificado ao receber em si a
espécie do sensível30, e quanto ao intelecto, que este se utiliza de operações sensitivas para que lhe
sejam preparados fantasmas31, e que passa da ignorância para a ciência mediante uma espécie
inteligível32. Esta última afirmação trata da própria operação intelectiva, entendida como ocorrendo
através da recepção da forma da coisa conhecida no intelecto ao modo dele, que é imaterial e e
absoluto33. Como dito no início, mesmo tendo afirmado que o que concerne à operação própria da
25
ST, Iª, 75, 2 Respondeo. (2001-2006, vol. II, pp. 358-359).
26
ST, Iª, 75, 2 Ad 1m. (2001-2006, vol. II, p. 359).
27
ST, Iª, 75, 3 Ad 1m. (2001-2006, vol. II, p. 361).
28
ST, Iª, 75, 4 Respondeo. (2001-2006, vol. II, pp. 362-364).
29
ST, Iª, 75, 5 Respondeo. (2001-2006, vol. II, pp. 364-365).
30
ST, Iª, 75, 3 Respondeo. (2001-2006, vol. II, p. 361).
31
ST, Iª, 75, 3 Ad 2m. (2001-2006, vol. II, p. 361).
32
ST, Iª, 75, 5 Ad 2m. (2001-2006, vol. II, pp. 365-366).
33
ST, Iª, 75, 5 Respondeo. (2001-2006, vol. II, pp. 364-365).
alma humana será o último tema a ser tratado em sua investigação sobre a natureza do homem,
Tomás definirá já no início as linhas gerais desta operação, uma vez que a essência da alma será
definida por ela.
Um primeiro ponto que pode ser perguntado sobre o exposto, e levando em conta somente a
argumentação apresentada por Tomás em ST, Iª, 75, é se a noção de espécie que define o composto
humano e que ocorre atrelada à discussão sobre a substância do homem pode ser entendida do
mesmo modo que a noção de espécie como um operador que permite a recepção de formas. Mesmo
esta última não pode ser tomada como algo uniforme, uma vez que a operação sensitiva é a
recepção de formas individualizadas pela matéria, enquanto a operação intelectiva é a recepção de
formas de maneira absoluta, como é o intelecto. A dificuldade está quando se considera que a ação
do intelecto é o conhecimento da natureza dos corpos. Se o operador que permite tal operação é
uma espécie, este operador deve trazer consigo tudo o que concerne a natureza do conhecido, e foi
afirmado acima que esta natureza inclui a composição com a matéria, mesmo que a espécie seja
aquilo que divide o gênero através de uma diferença operativa condicionada pela forma. Ora, ocorre
que a materialidade é um impedimento para o conhecimento absoluto de algo, como se verifica no
conhecimento dos sentidos, que conhece de maneira individual por conta da composição com a
matéria a qual estão sujeitos os órgãos corporais que recebem a forma dos sensíveis. O problema
então, no caso desta hipótese, será o de conciliar a inteligibilidade com a espécie, uma vez que a
noção de espécie, no que tange às coisas sensíveis, traz a composição entre matéria e forma como
razão de sua natureza34.
Se a noção de espécie, entendida como um operador, for diversa da noção de espécie que é
atrelada ao gênero e à diferença, então há de se definir o que seja esta noção, e como será possível
distinguir a espécie inteligível da espécie do sensível que causa uma modificação nos órgãos
corporais. Para tanto, se deve voltar ao texto tomasiano e averiguar a argumentação subsequente,
principalmente a que incidirá sobre a maneira como ocorre a operação intelectiva da alma humana,
levando em conta e definindo o que sejam e qual é papel dos fantasmas, e a relação entre o sentir e
o inteligir, uma vez que foi postulado que o corpo auxilia o intelecto em sua ação, lhe preparando
fantasmas que estão para o intelecto como os sensíveis para os sentidos.

34
ST, Iª, 75, 4 Respondeo. (2001-2006, vol. II, pp. 362-364).
Bibliografia

Versões da Summa theologiae de Tomás de Aquino:

TOMÁS DE AQUINO. Suma de teologia. [Primeira parte, Questões 84-89]. ed. bilíngue. Tradução
C. A. R. do Nascimento. Uberlândia: EDUFU, 2006.

______. Suma teológica. 2ª ed. bilíngue. Tradução G. C. Galache et al. São Paulo: Loyola, 2001 –
2006. Em nove volumes.

______. Somme théologique. Traduire par A. M. Durbale el al. Paris, Cerf, [1984] 2004. Quatre
tomes.

______. The treatise of human nature. Summa theologiae Iª, 75-89. Translated by R. Pasnau.
Indianápolis: Hackett publishing company, Inc. 2002.

Obras de referência:

BAZÁN, B. “La corporalité selon saint Thomas”, Revue philosophique de Louvain, 81. Louvain:
1983, pp. 369-409.

BOEHNER, P. & GILSON, E. História da Filosofia Cristã. Das Origens até Nicolau de Cusa. 9ª
ed. Tradução R.Vier. Petrópolis: Vozes, 2004.

CHENU, M. D. Introduction a l’étude de saint Thomas d’Aquin. Paris: Vrin, 1983.

GILSON, E. A existência na Filosofia de Santo Tomás. Tradução G. P. Machado, G. L. Mellilo e Y.


F. Balcão. São Paulo: Duas Cidades, 1962.

______. Porquoi saint Thomas a critiqué saint Augustin. Suivi de: Avicenne et le point de départ de
Duns Scot. Paris: Vrin, 1986.

______. Le Thomisme. Introduction a la Philosophie de Saint Thomas d’Aquin. 6éme éd. revue.
Paris: Vrin, 1989.
______. A Filosofia na Idade Média. Tradução E. Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

GRABMANN, M. La Somme Théologique de Saint Thomas d’Aquin. Paris: Desclée de Brouwwer


et Cie Editeurs, 1930.

HENLE, R. J. “A teoria do conhecimento de Platão”. In: TOMÁS DE AQUINO. Suma de Teologia.


[Primeira parte, Questões 84-89]. Edição Bilíngue. Tradução C. A. R. do Nascimento. Uberlândia:
EDUFU, 2006, pp. 52-71.

KRETZMANN, N. & STUMP, E. (org.) The Cambridge companion to Aquinas. Cambridge:


Cambridge University Press. 1993.

LANDIM FILHO, R. F. Questões disputadas de metafísica e teoria do conhecimento. São Paulo,


Discurso editorial, 2009.(coleção Philosophia).

LIBERA, A de. A Filosofia Medieval. Tradução L. Magalhães. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,
1990.

______. A Filosofia Medieval. 2ª ed. Tradução D. D. Machado & N. Campanário. São Paulo:
Loyola, 2004.

NASCIMENTO, C. A. R. do. De Tomás de Aquino a Galileu. Campinas: Unicamp, Instituto de


Filosofia e Ciências Humanas, 1995. (Coleção Trajetória 2).

______. “Tomás de Aquino entre Agostinho e Aristóteles.” In: PALÁCIOS, P. M. (Org.) Tempo e
Razão. 1600 anos das Confissões de Agostinho. São Paulo: Loyola, 2002, pp. 63-73.

______. “As questões da primeira parte da Suma de Teologia de Tomás de Aquino sobre o
conhecimento intelectual humano”. In: TOMÁS DE AQUINO. Suma de Teologia. [Primeira parte,
Questões 84-89]. ed. bilíngüe. Tradução C. A. R. do Nascimento. Uberlândia: EDUFU, 2006. pp. 9-
39.

PASNAU, R. “Commentary”. In: AQUINAS, The treatise of human nature. Suma Teologiae Iª, 75-
89. Translated by R. Pasnau. Indianapolis: Hackett publishing company, Inc. 2002a. pp. 220-378.
______. Thomas Aquinas on Human Nature: a philosophical study of Summa theologia 1ª, 75-89.
Cambridge: Cambridge University Press, 2002b.

SPRUIT, L. Species Intelligibilis: from perception to knowledge. I. Classical roots and medieval
discussions. Leiden: E. J. Brill, 1994.

______. “Agent Intellect and phantasms. On the preliminaries of peripatetic abstraction.” In:
CONIGLIONE, F. POLI, R. & ROLLINGER, R.(Ed.). Idealization XI: Historical studies on
abstraction and idealization. Rodopi: Amsterdam – New York, 2004. pp. 125-146.

STEENBERGHEN, F. Van. Le thomisme. Paris: PUF, 1983.

STORCK, A. “A noção de indivíduo segundo Santo Tomás de Aquino”. Analytica, Rio de Janeiro:
v. 3 nº 2 (1998), pp. 13-53.

STUMP, E. Aquinas. London: Routledge, 2003.

TORREL, J. P. Iniciação a Santo Tomás de Aquino, sua pessoa e obra. Tradução L. P. Rouanet. São
Paulo: Loyola, 1999.

WÉBER, E. L’homme en discussion a l’université de Paris en 1270. Paris: Vrin, 1970.

Das könnte Ihnen auch gefallen