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NELSON NERY, embora não se detenha com vagar neste assunto, faz
observação importante, que, embora respeitante à exigência do
prequestionamento, se aplica perfeitamente ao assunto tratado neste
nosso estudo. Diz ele que a exigência do prequestionamento decorre do
texto constitucional em que se lê serem cabíveis recurso extraordinário e
recurso especial de causas decididas. 2
Essa afirmação pode ser transportada para todas as regras, normalmente
sumuladas, que concernem à necessidade de uma da mais nítidas e mais
precisa definição das hipóteses de cabimento dos recursos
extraordinários. Essas regras decorrem natural e inexoravelmente do
texto da Constituição Federal e da natureza jurídica desses recursos, a
respeito da qual há farta doutrina.
Cumpre, por isso, que sejam bem compreendidas, para que possam ser
bem manejadas pelos operadores do Direito, e não sistematicamente
criticadas.
Não se nega que o encaixe dos fatos sob a norma seja matéria
essencialmente jurídica e que, se este processo de qualificação se dá de
modo equivocado, tudo o que se lhe segue equivocado será. Em outros
termos, se a função do recurso especial é fundamentalmente a de flagar
e a de corrigir ilegalidades, todos os casos em que os fatos foram
qualificados erradamente, tendo-se-lhes aplicado norma diferente
daquela que, na verdade, deveria ser aplicada, deveriam ser reavaliados
pelos Tribunais Superiores no bojo desses recursos.
Talvez mais flagrante, mas não mais grave, seja esta espécie de afronta
à lei. Justamente, a expressão flagrante nos remete ao segundo dos
critérios a partir do qual se classificam as questões como sendo de fato
ou de direito.
2. O conceito
vago
Às vezes a lei se serve, para a sua formulação, de conceitos que não são
determinados, ou seja, de conceitos cujo referencial na realidade fática
não se encontra com tanta facilidade. Esses conceitos são chamados
pela doutrina de conceitos vagos.
Mas, pode dizer-se, sem dúvida, que a aplicação sem hesitações dos
textos de lei ocorre em períodos históricos mais estáveis em que as
sociedades evoluem lentamente.
O direito legal deixou de ser visto como uma entidade dotada de "logische
geschlossenheit" (plenitude ou completitude lógica), tendo o Juiz deixado
de ser visto como um "aparelho de subsunção", sendo a jurisdição
colocada paulatinamente em pé de igualdade com a Administração, e se
passou a admitir que o Juiz decidisse de acordo com as peculiaridades
de cada caso.
É natural que textos como estes acabem por gerar decisões diferentes, a
partir de quadros fáticos bem parecidos. Não é o que se deseja, mas é
quase inevitável. O que ocorre é que o sistema jurídico às vezes "tolera",
por ausência de expedientes ou caminhos técnicos para evitar as
decisões diferentes prolatadas em casos idênticos aos quais o Juiz aplica
o mesmo texto legal.
Às vezes a lei se serve de conceitos precisos (p. ex. = um ano,
patrimônio) e, por outras vezes, de conceitos, que lingüísticamente têm
sido chamados, como atrás se noticiou, de conceitos vagos ou
indeterminados (p. ex. = união estável, bom pai de família, interesse
público, etc).
Aplicar uma regra jurídica envolve pelo menos três passos: a busca da
significação da norma (que envolve necessariamente a concepção de
"exemplos" em abstrato), a análise do fato concreto e a verificação, o
"ajuste final", do encaixe (ou do não-encaixe, do fato na norma).
Quando alguém diz, na linguagem comum, "fulano não teve culpa", está
querendo dizer o que na linguagem jurídica significaria "fulano não agiu
com dolo".
2. permite que a mesma norma dure mais no tempo, pois o conceito vago
ou indeterminado é mais "adaptável";
Não que se trate de questão de fato! Já se viu que a subsunção não pode
deixar de ser considerada "ontologicamente" como sendo uma quaestio
juris.
Esta afronta deve, em princípio, ser corrigida por meio desses recursos,
permitindo-nos insistir por mais de uma vez.
Inexiste razão lógica em função da qual se deva dizer não dever ser
corrigida ilegalidade pelo T/STJ só porque a lei violada contém conceito
vago.
Parece-nos que a razão que leva a que não raramente assim se decida é
a de que o foco de atenção do raciocínio do julgador se situa muito
predominantemente no aspecto fático da questão (que, inobstante,
ontologicamente, é uma quaestio juris). Aludiu-se a esse critério distintivo
no item antecedente.